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UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO (UPE) – CAMPUS MATA NORTE

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (UERJ)


MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE HISTÓRIA

José Walter Soares de Oliveira

Os ecos do ensino de história

Nazaré da Mata
2023
José Walter Soares de Oliveira

Os ecos do ensino de história

Trabalho realizado para obtenção de nota da


disciplina Didática da História, ministrada
pelo Prof. Dr. Anderson Vicente, no curso de
Mestrado Profissional em História, no
campus Mata Norte da Universidade de
Pernambuco.

Nazaré da Mata
2023
Os ecos do ensino de história

José Walter Soares de Oliveira

O ensino de História parte do ponto de analisar o passado com o intuito


de relacioná-lo as vivências dos educandos no tempo presente. Diariamente
nossos educandos são bombardeados por informações, principalmente pelos
veículos de mídia, que apresentam narrativas sobre o passado que destoam
dos acontecimentos e se distanciam dos saberes constituídos cientificamente,
moldando caminhos para um pensamento da “pós-verdade” e o passado
começa a ser interpretado como um simples mecanismo comercial e com
narrativas tendenciosas. O trabalho do professor fica dificultado, a consciência
histórica (RÜSEN, 1987 In SCHIMIT et al., 2011) dos educandos se
compromete, e os elementos da cultura histórica (RÜSEN, 1994 In SCHIMIT;
MARTINS, 2016) também se desestruturam. O profissional em história tem a
árdua missão de ouvir informações mal formuladas e sem nenhuma criticidade
e, ao menos, tenta trabalhar em sala de aula com o intuito de promover as
habilidades necessárias para que os educandos rebatam as narrativas e
questionem as formas que as coisas chegam até eles.

Um exemplo interessante a ser observado, é como os livros didáticos


apresentam determinadas narrativas históricas. A revolução do Haiti 1, em sua
condição de conteúdo escolar, possui um emaranhado de narrativas
transversais, que reverberaram em outros territórios além de sua própria luta
interna, recheada de uma base intelectual negra; nos livros de história escolar
a revolução ficou resumida a um movimento da população negra no caribe,
influenciados pela revolução francesa, ou seja, foi negado aos revolucionários
haitianos sua própria luta, suas opiniões e suas organizações, os posicionando
como replicadores das lutas dos europeus, traços claros do colonialismo, das
influências europeias que buscam sempre se posicionar como pioneiros e
negar o protagonismo latino.
1
Para mais informações sobre a revolução Haitiana, indico a leitura do Marcos Morel, intitulada “A
revolução do Haiti e o Brasil escravista”, escrita em 2017.
Claro que, tendo em vista a quantidade significativa de temas que
precisam ser abordados durante um ano letivo, assuntos como a revolução de
São Domingos ficam registros a uma ou duas aulas, o educador é cobrado
para “fechar o cronograma” com os conteúdos propostos, subjugando as
possibilidades de aprofundamento da temática, mas essa situação não é um
impeditivo para o educador consciente de seu papel, pois, existem questões
que podem ser configuradas e reorganizadas e que conseguem incluir a
essência do bom trabalho e da criticidade. Os temas transversais, as narrativas
sociais, os debates sobre as minorias, são as cartas a serem utilizadas, logo, o
estudante pode ressignificar suas vivências a partir das percepções que ele
adquire da aprendizagem histórica escolar (RÜSEN, 1987 In SCHIMIT et al.,
2011). As revoluções passam a ter outro sabor para o aluno, ao mesmo tempo
que a aula de história constituí novos significados, resumindo, a aula de história
se torna a premissa para debates maiores, includentes e engajadores de
críticas. Mas a crítica não deve acontecer apenas por ela mesma; a crítica deve
ser reflexiva, pensada, observada. Para que todo esse plano possa ser posto
em prática a aula carece de um planejamento, no espaço escolar nada pode
ser realizado se não for planejado; uma aula que possibilite debates ao nível
dos já citados, carece de um entendimento do sobre o lugar que estamos e
para onde precisamos ir.

Mais uma vez retorno ao caso do Haiti, dessa vez para tratar sobre o ato
de planejar; o educador, sabendo que possui um espaço curto de tempo (e que
pode ter esse tempo ainda mais reduzido por projetos e atividades extra sala
de aula), deve levar em consideração os conhecimentos prévios dos
educandos2 para se preparar, ouvi-los e entender como eles percebem as
questões raciais em seus espaços sociais, como o tema da discriminação é
tratado entre seus pares e como eles acreditam que seja uma revolução, além,
óbvio, de ouvi-los sobre o próprio conteúdo, se já apreciaram alguma discussão
do assunto, seja em filmes, revistinhas, desenhos, músicas e outros meios,
essa escuta pode nortear os próximos passos, em sequência o educador pode
apresentar aos educandos os conceitos, orientando sobre seus usos no
2
Aqui estou me referindo aos saberes que os alunos possuem além dos trabalhados em sala,
suas experiências, sensibilidades e percepções. Esse momento é, muitas vezes,
negligenciado, alguns professores consideram seus alunos como seres vazios de
conhecimento.
passado, o planejamento pode seguir, a depender da proposta, com o uso de
metodologias diferentes da aula expositiva, encorpando a relação do que se
fala (a Revolução escrava no Haiti) com a prática da vida atual, as diferentes
realidades e experiências dos discentes (CARVALHO; ARAÚJO, 2013); alguns
educadores persistem na ideia de entender seus alunos como “tábulas rasas”
em pleno século XXI, esquecendo que os aprendizados podem partir de
diferentes direções, inclusive de direções que o professor está longe de
dominar, seja por barreiras tecnológicas ou pela simples ausência de
sensibilidade ligada as mudanças do mundo. O livro didático, mesmo com seus
resumos, também é um ponto de partida, o educador precisa entender que
muitas vezes esse é o único meio de comunicação cientifica que o estudante
vai ter acesso, logo, pode ser o início de uma discussão a ser aprofundada,
mas com a cautela de não abarrotar o estudante de informações que a
maturidade da idade escolar impeça sua internalização. Nesse ponto entramos
em outra seara, a erudição exacerbada de alguns companheiros, que
esquecem que estão em espaços de construção de conhecimento, e que falam
para jovens do 8º ano do ensino fundamental como se discursassem para uma
plateia de doutos, afastando o estudante do aprendizado pela falta de
identificação, mais uma vez, a distância entre o que ele ouve com o que ele
vive. O livro, recursos de pesquisa, todos podem ajudar a compor o
entendimento do alunado sobre diferentes temas, cabe a condução do
professor, dentro do seu planejamento, dar direção as ideias.

Com isso dito, os recursos, materiais didáticos, leitura e pensamentos,


que incorporam o dia a dia escolar podem mostrar sua forma mais leve, dando
aos compromissos didáticos outras perspectivas, não sendo apenas estruturas
fechadas em si, mas elementos temporais que afetam a vida dos nossos
estudantes; os momentos históricos deixam de ser estáticos no tempo e
ganham estrutura, se moldam as vivências dos alunos. Claro que,
determinadas abordagens atendem a uns e não são aceitas por outros grupos,
não dá para agradar a todos, mesmo com um pensamento transformador, que
não permita que o oprimido se torne o opressor (parafraseando Freyre), muitos
estudantes não se sentem contemplados e preferem meios mais tradicionais de
ensino (quadro, texto, leitura, atividade).
Cabe aqui também olhar para o currículo e seu direcionamento,
lembrando que no recente ano de 2017, tivemos algumas muitas alterações
com o texto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017) e
ainda mais com as reformulações do Novo Ensino Médio (NEM) (BRASIL,
2019) que limitam, a partir da sua clara tendência política, os conhecimentos
promovidos pelas ciências humanas, tornando o educando ainda mais
engessado em mecanismos de reprodução de saberes, jogando para o campo
do esquecimento a potencialidade do ensino de fomentar novas abordagens e
expandir os debates aos alunos, que são os maiores afetados, os chamados
temas transversais vão ficando cada vez mais a parte e perdendo forma, dando
lugar a um ensino quadrado e com tendências positivistas.

De toda forma, mesmo pensando em inovação, novos debates e


possibilidades de ensino, fica a questão: “Como avaliar o aprendizado dos
nossos estudantes?” Essa é uma pergunta que preocupa muitos professores,
no sentido de que muitos deles percebem que as formas de se compreender
um conteúdo varia de individuo para individuo, não se existe um padrão para a
compreensão mesmo a forma de ensinar sendo a mesma, porém, a escola em
sua formação espera um aluno padronizado, que entenda as abordagens e os
conteúdos de forma única e consiga aplicá-los em uma prova. E falando das
provas, percebo que elas não são vistas (pelos alunos) como mecanismos
construtores de saberes, pois os educandos estudam, apenas para decorar
respostas e transcreve-las, conseguir a nota e em seguida, quase como
mágica, o conteúdo é descartado da lembrança do estudante. Caro professor,
pergunte a um aluno seu, se ele lembra do que lhe foi ensinado no ano
anterior, esporadicamente a memória vai lhe resgatar uma coisa ou outra, mas
não o material em suas partes mais relevantes, muito disso se dá pela
cobrança em “passar de ano”, que torna a sala de aula uma competição por
notas entre o educador e o aluno, esquecendo-se o principal papel da escolar
em constituir novos saberes. Lembrando que, a prova é apenas um elemento
dos processos avaliativos, podemos pensar em muitas outras coisas que
acontecem na trajetória estudantil, a própria participação na aula, os
seminários, os projetos, atividades lúdicas, metodologias ativas, relatórios e
muitas outras estratégias que os professores podem tentar usar para quebrar
essa cadeia de pensar as avaliações como mecanismos punitivos e de
agatanhar notas, trazendo para o campo reflexivo da relação entre ensino e a
aprendizagem (SCHMIDT; CAINELLI, 2004).

Tendo o exposto, a educação é ampla, as formas de se contribuir para a


aprendizagem dos jovens é diversa, mas algumas coisas ainda nos são
complicadas, estamos inseridos em cadeias fechadas que cobram resultados
isolados e que não se configuram como dados reais, estamos em salas de aula
(no caso da educação púbica), onde faltam recursos e em aulas “estilo
palestra”, estamos em espaços de interesses políticos que não levam em
consideração o interesse dos jovens em aprender, serem melhores e se
estruturarem como melhores; enfim, estamos em um mundo educacional que
clama por mudança, que precisa de mudança e que pode ser, ele próprio, a
própria mudança, basta tempo, reflexão, maturidade e que os próprios
educadores percebam o seu poder e lutem por melhorias.

Referências:

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília,


2018.

Carvalho, Euzebio Fernandes de; Araújo, Ordália Cristina Gonçalves de.


Planejar a aula de história para um ensino/aprendizagem. Anais 2º Simpósio
Nacional de História da EUG. Iporá/GO. 2013.

MOREL, Marco. A revolução do Haiti e o Brasil escravista: o que não deve


ser dito. – 1 ed – Jundiai, SP : Paco, 2017.

SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. – São


Paulo: Scipione, 2004. – (Pensamento e ação no magistério).

SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; MARTINS, Estevão de Resende (Org.). Jörn


Rüsen: contribuições para uma teoria da didática da história – Curitiba: W.
A. Editores Ltda., 2016.
SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; MARTINS, Estevão de Resende; BARCA, Isabel
(Org.). Jörn Rüsen e o ensino de História – Curitiba: Ed. UFPR, 2011. pg 23
– 40.

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