1) O documento analisa como as independências das colônias hispano-americanas não levaram a revoluções sociais, mantendo a estrutura fundiária e de exploração do trabalho.
2) Apenas em Haiti houve uma mudança na propriedade da terra, passando para os ex-escravos, e no Paraguai o Estado controlou a terra.
3) Em geral, as elites criollas assumiram o controle econômico, continuando a exploração do trabalho e a dependência comercial com a Europa.
1) O documento analisa como as independências das colônias hispano-americanas não levaram a revoluções sociais, mantendo a estrutura fundiária e de exploração do trabalho.
2) Apenas em Haiti houve uma mudança na propriedade da terra, passando para os ex-escravos, e no Paraguai o Estado controlou a terra.
3) Em geral, as elites criollas assumiram o controle econômico, continuando a exploração do trabalho e a dependência comercial com a Europa.
1) O documento analisa como as independências das colônias hispano-americanas não levaram a revoluções sociais, mantendo a estrutura fundiária e de exploração do trabalho.
2) Apenas em Haiti houve uma mudança na propriedade da terra, passando para os ex-escravos, e no Paraguai o Estado controlou a terra.
3) Em geral, as elites criollas assumiram o controle econômico, continuando a exploração do trabalho e a dependência comercial com a Europa.
No bicentenrio das independncias de Hispano Amrica
Silvia Beatriz Adoue* E a gente fazendo conta pro dia que vai chegar Geraldo Vandr
espanhola, no caso, e a francesa.
Contraditoriamente, num primeiro momento, a invaso napolenica na Espanha tinha servido ao mesmo tempo como razo para a aliana entre os republicanos por um lado e alguns dos monarquistas partidrios da coroa espanhola por outro. E colocou em movimento setores sociais das colnias at ento pouco ativos, apresentando uma possibilidade de mudana que os beneficiaria.
No ano do bicentenrio do incio do
processo de independncia das colnias espanholas na Amrica, vale a pena refletir sobre que tipo de naes surgiram daquela gesta. Se a independncia da metrpole foi chamada de revoluo e os patriotas chamavam a si mesmos de revolucionrios, bom precisar a natureza das revolues nas que eles estavam engajados. A retrica da Revoluo Francesa de 1789 inspirava no poucos desses patriotas americanos, e a palavra revoluo supunha uma ruptura com o antigo regime por identificao entre a monarquia
Mas, se verdade que a Revoluo
Francesa e, posteriormente, o perodo napolenico deram curso na Europa a uma transformao na propriedade da terra, na Amrica, fora algumas excees, isto no aconteceu. A nica colnia de explorao em que, junto com a independncia, se operou a passagem drstica de mos da propriedade do principal meio de produo foi Haiti. Talvez porque foi o nico caso em que a direo poltica da revoluo estava nas mos dos trabalhadores da principal mola da economia da colnia, e no em mos de setores proprietrios que haviam crescido beneficiados pelo prprio sistema colonial, e nem de setores intermedirios. Em Haiti, a propriedade da terra passou para os produtores que haviam sido escravos at pouco tempo antes. A plantation das colnias, como
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forma de organizao da produo, no
se sustentava sem trabalho escravo. E os jacobinos negros de Haiti no fizeram apenas uma revoluo poltica, eles tambm mexeram na propriedade da terra. Nas colnias espanholas em Mxico, Venezuela e na Banda Oriental do Rio da Prata1 se mobilizaram grandes massas deserdadas pela independncia, pela abolio da escravido e das diversas formas de servido, assim como pelo fim dos tributos a que estavam obrigadas as comunidades indgenas. No caso de Mxico, o processo seria revertido com os governos que sucederam aos primeiros patriotas, os sacerdotes Hidalgo e Morelos. A Banda Oriental seria invadida por tropas portuguesas para esmagar o grande movimento liderado pelo patriota Jos Artigas no interior da provncia. Quando o governo independente de Montevidu recuperou o territrio, devolveu as terras aos antigos proprietrios. Em Venezuela, as expropriaes preconizadas por patriotas como Miranda, permitiram a ascenso social de oficiais militares oriundos das camadas mdias, inclusive mestias, mas no acabou com a estrutura latifundiria pr-existente. No resto das colnias, salvo casos pontuais de godos recalcitrantes aqui e ali, os proprietrios no foram expropriados. Tambm no houve, na maioria das colnias espanholas, simultaneidade entre independncia e abolio da escravido e nem das diversas formas de servido indgena. Uma vez que essas formas de explorao do trabalho garantiam a continuidade da produo nos moldes anteriores revoluo poltica. Casos especiais foram os j citados de Mxico, Venezuela e a
Banda Oriental, que tiveram uma
participao ativa dos camponeses e trabalhadores do campo; e o das colnias cujo principal produto de exportao era resultado da explorao pecuria, na que, pelas suas caractersticas, no resultava vantajosa a utilizao de trabalho escravo ou da servido indgena. Mesmo assim, por exemplo, no Rio da Prata, a Lei de Ventres2 foi aprovada na Assembleia do ano 13, trs anos aps a instaurao do primeiro governo criollo. No aconteceria o mesmo ali onde o principal produto de exportao dependia da explorao de trabalho escravo ou servil, como nas fazendas de acar e nas minas. Porm, as burguesias criollas terminaram cedendo s presses de Inglaterra para a reduo do trabalho escravo e ampliao do trabalho assalariado. Para a burguesia inglesa, principal beneficiria, direta ou indireta, do trfico de escravos at o sculo XVIII, mercadoria que permitiu duplamente a acumulao de capital necessrio para a revoluo industrial, a explorao do trabalho escravo na Amrica deixou de ser vantajosa. Comeou a utilizar todos os recursos de propaganda, polticos, diplomticos e militares para combat-lo. As burguesias de Amrica, dependentes, cederam. A independncia no modificou substancialmente a matriz produtiva das ex-colnias. Exportadoras de uma reduzida variedade de produtos, na sua maioria insumos para a indstria europeia ou produtos semimanufaturados, continuaram mantendo o mesmo negcio sob nova direo. A novidade era a ruptura do monoplio e a possibilidade de negociar o preo. Na prtica, o setor local mais beneficiado
Nome da ento provncia do Rio da Prata que
depois se separaria para se tornar Uruguai.
Equivalente Lei do Ventre Livre.
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era o da burguesia exportadora,
comercial ou proprietria de terras nas que se produzia para exportar. Setores proprietrios que, pela localizao das suas terras e pelo tipo de atividade econmica, apenas podiam comercializar seus produtos na vizinhana reduzida das suas regies, pouco e nada se beneficiaram. As guerras civis que seguiram s independncias em no poucos casos respondiam a essas tenses entre os diferentes setores da burguesia criolla. Ocasionalmente, quando grupos plebeus se levantavam associando a luta pela independncia com suas prprias reivindicaes de terra e liberdade, os setores proprietrios criollos e europeus se uniam para esmagar esses movimentos. Em todos os casos, os pobres contribuam com o maior nmero de mortos. Ao cabo das guerras civis, os Estados emergentes eram resultado de um ajuste e negociao dos diferentes setores proprietrios beneficiados com a exportao. Ou, como no caso de Amrica Central, os Estados ficavam sob controle dos antigos latifundirios, exportadores ou no. Um caso diferenciado foi o de Paraguai, que se separou das Provncias Unidas do Rio da Prata, anteriormente Vicereinado do Rio da Prata. O relativo isolamento do territrio, a ausncia de proprietrios em grandes extenses, a inexistncia de uma produo de exportao que interessasse aos mercados europeus, j que s exportava regionalmente erva mate e tabaco, permitiram uma direo poltica com certa margem para a experimentao, comparativamente mais livre para aplicar um programa de desenvolvimento nacional, da indstria e do mercado interno. O Estado se apropriou desse territrio sem dono e o arrendou a particulares. O compromisso
de pagar o arrendamento obrigou a
esses particulares a produzir um excedente, disponvel a baixo preo no mercado, para a alimentao de trabalhadores das manufaturas e das indstrias incipientes, e tambm um fluxo de recursos permanente para as arcas do Estado, que este investia em infra-estrutura. Foi construda assim a primeira ferrovia de Amrica do Sul e floresceu a siderurgia e um grande estaleiro. Esses rumos singulares adotados por Haiti e por Paraguai afastavam estas duas novas naes do papel que a forma em que se dava a mundializao reservava para as colnias em Amrica. Se Haiti, segunda colnia do continente a se independizar, alimentou os sonhos dos patriotas jacobinos e abolicionistas e as esperanas dos plebeus, escravos, servos ou livres; tambm assombrou com fantasias aterrorizantes as previses dos negociantes das colnias que tambm desejavam quebrar o monoplio das metrpoles. O efeito sobre os ltimos foi ambguo: em alguns casos, retardou seus propsitos; em outros, os estimulou a se adiantar s iniciativas dos plebeus, assumindo logo o comando dos movimentos antes que os radicais o fizessem. Depois do primeiro momento de fulgor, a nova nao das Antilhas no encontrou um lugar ao sol. No tendo mudado a matriz produtiva, completamente dependente do mercado internacional, foi presa do jogo das trocas desiguais e da vingana dos poderosos de todo lado, inclusive das novas naes independentes de Amrica, que temiam o seu mau exemplo. Para eles, Haiti no podia dar certo. Paraguai, meio sculo aps a independncia, ameaava os negcios ingleses. No concorria com Inglaterra no mercado mundial, mas sim no
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mercado regional, no qual podia
oferecer preos consideravelmente mais competitivos. Sucumbiu, ento, a uma guerra que mancomunou os Estados vizinhos, representantes das burguesias exportadoras, inteiramente dependentes do comrcio com Inglaterra e dos financiamentos dos bancos ingleses. A Revoluo Francesa e toda a sua retrica ecoaram nos ouvidos dos intelectuais criollos, filhos dos proprietrios ou das classes mdias das colnias, mas, de todo o palavrrio, o que as grandes massas extraiam era o programa de terra e de liberdade. Depois da experincia de Haiti, na Amrica hispnica, s em Mxico, em Venezuela e no territrio do atual Uruguai houve alguma identidade mais profunda entre o programa levantado por alguns dos patriotas e as aspiraes de transformaes na propriedade da terra e nas relaes de trabalho da grande massa dos trabalhadores. Em Mxico, por exemplo, onde a igreja catlica uma grande proprietria, so justamente dois sacerdotes, Hidalgo e Morelos, que levam adiante o programa mais radical, de abolio da escravido e o fim dos tributos das comunidades indgenas, assim como de expropriao
dos ricos, fossem eles espanhis ou
criollos. Porm, nos trs processos da independncia terminaram se afirmando os setores proprietrios, velhos, no caso de Mxico e a Banda Oriental, e novos, no caso de Venezuela. O povo pobre nem sempre participou com entusiasmo das lutas pela independncia. Intuitivamente, percebia que as suas reivindicaes de terra e liberdade no estavam includas no programa independentista. Essas duas reivindicaes permaneceram como dvidas das novas naes para com o prprio povo. Em 1910, no centenrio da independncia de Mxico, os camponeses mexicanos tentaram cobrar essa dvida por meio de uma guerra que durou vrios anos. Obtiveram a Constituio de 1917 que, aps o desarmamento, no conseguiu sair do papel. Se os Estados-nao que emergiram da descolonizao de Amrica hispnica foram pensados como cpia dos Estados burgueses europeus, no o fizeram pelo recurso revoluo burguesa. A dvida de terra e liberdade permanece e continua se avolumando. E o povo vai fazendo conta, pra um dia que vai chegar.
SILVIA BEATRIZ ADOUE Mestre em Integrao da Amrica Latina pela Universidade de
So Paulo (2001) e Doutora em Letras pela FFLCH-USP.