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Música e Tecnologia – DJ/Beatmaker e o mercado fonográfico

brasileiro

Clayton de Souza Bueno1

Daniel de Souza Mendes2

Marcelo Silva Gomes3

Rodrigo Celso Vitta4

1
Pós Graduado em Comunicação e Marketing pela FMU e bacharel em Música pela FIAM-FAAM.
2

Doutor em Composição Musical pela UFRGS.

3
Doutor em Música pela UNICAMP.
4

Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.


RESUMO

O presente artigo, traz um breve recorte do mercado fonográfico brasileiro


nos tempos atuais, abordando a relação de música e tecnologia com foco nas
atividades de DJ e Beatmaker, mostrando a relação profissional dessas
atividades com o mercado. Com este artigo pretendo demonstrar que alguns
modelos de registros tradicionais nas funções de cada integrante do processo
de produção fonográfica requerem melhor detalhamento, sob pena de registros
de copyright e demais direitos estarem aquém da função exercida por
determinado produtor/músico/DJ/Beatmaker.

Palavras-chave: Tecnologia, DJ, Beatmaker, Fonograma.

ABSTRACT

This article brings a brief overview of the Brazilian phonographic market in


current times, addressing the relationship between music and technology with a
focus on DJ and Beatmaker activities, showing the professional relationship of
these activities with the market.

Key-words: Technology, DJ, Beatmaker, Phonogram.


A indústria musical tem evoluído de forma significativa e ampliado suas
atividades e serviços prestados. Novos cargos têm surgido e algumas atividades
estão sendo unificadas para a melhor organização das tarefas e fluxo de
trabalho. Vale ressaltar que o advento da tecnologia tem uma parcela importante
nessas mudanças, permitindo que mais pessoas pudessem acessar ferramentas
digitais para criar suas músicas, beats, remix, versões e etc (NETO, 2020).

Compositor, Letrista, Arranjador, Engenheiro de Gravação, Engenheiro de


Mixagem e Engenheiro de Masterização, são alguns dos cargos mais
tradicionais dentro da indústria. Participam de boa parte da confecção dos
fonogramas existentes até os dias atuais (BARRETO, 2010). Vale ressaltar duas
funções que tem ganhado expressividade e chamado a atenção no cenário
musical, o DJ5 e o Beatmaker6.

No mercado brasileiro costuma-se enxergar essas duas funções de Dj e


Beatmaker como atividades distintas, ficando o DJ encarregado da sonorização
para festas, eventos e afins e o Beatmaker atuando exclusivamente como
produtor dos elementos sonoros. Isso não impede que o mesmo profissional
desempenhe ambas as funções, podemos citar como case de sucesso o DJ
Alok7.

A função DJ/Beatmaker, ganhou maior projeção no mercado nacional


com gêneros como: funk, rap, trap, lo-fi e etc. Neste cenário, esse profissional
passou a atuar na linha de frente da produção, cuidando de cada detalhe da
confecção da obra (criação harmônica, rítmica e melódica) e entregando-a de
forma finalizada em grande parte das vezes (MOORE, 1990).

5
Abreviação do termo Disk Jockey. Surgiu por volta de 1935 através da junção das palavras: Disc
(referência ao disco de vinil) e Jockey (referência a quem operava uma máquina ou equipamento).
6

Profissional responsável pela criação/produção de elementos instrumentais (beats, batidas, loops,


patterns e etc) e vocais (samples, coro, efeitos e etc).
7

Alok Achkar Peres Petrillo, é um dos DJs brasileiros com maior reconhecimento, recebeu em 2021 o título
de 4º melhor DJ do mundo pela revista especializada britânica DJ Mag .
Observe também que esse profissional atua como produtor musical e
intérprete também, uma vez que ele programa e executa os timbres, batidas,
efeitos e automações dentro de sua DAW8 (CANTAREIRA, 2015).

Os profissionais, costumam intitular-se como DJ ou Beatmaker, ao invés


de Produtor Musical ou Intérprete, essa ação, ocorre por conta do cenário em
que atuam (funk, rap, drill e etc) (SÁ, 2008). Grande parte das pessoas
(desprovidas de conhecimento técnico), costumam reconhecer como intérprete
apenas os vocalistas ou solistas (melodia principal), deixando os demais
elementos, muitas vezes num segundo plano, ou até mesmo, erroneamente
descartando a sua importância (TOREZZI, 2021).

Um ponto significativo que merece atenção, é que grande parte dos DJs
e Beatmakers são auto didatas, e a formação acadêmica relacionada a essas
funções, é recente no ramo educacional (universitário), na verdade, temos
cursos tradicionais de música (licenciatura e bacharelado) que acabam incluindo
disciplinas ou especializações em assuntos relacionados a este universo da
música eletrônica.

Ao que tudo indica, nos próximos anos, veremos algumas transformações


na indústria fonográfica no que diz respeito às atividades, cargos, formas de
produção, dinâmica do mercado e pagamento de direitos sobre as obras
(OLIVEIRA, 2021). É claro que o avanço tecnológico está ligado a este processo,
vale ressaltar, que atualmente com uso da Inteligência Artificial, é possível criar
composições completas num intervalo significativamente curto, sendo esta,
apenas uma das questões que precisam ser pensadas para o futuro (MOREL,
2017). Dessa maneira, os modos de registro de fonogramas devem acompanhar
as transformações do dinâmico universo da produção fonográfica. Caso
contrário, seus próprios interlocutores podem sofrer danos caso as funções com
as quais atuam não sejam contempladas em novos modelos de registros e de
copyright.

Abreviação do termo Digital Áudio Workstation. Refere-se aos softwares e aplicativos de criação e
manipulação sonora (Pro Tools, Lógic Pro X, FL Studio, Ableton e etc).
Composição Musical

A maneira de fazer música também modificou-se com o passar dos anos,


diferentes texturas/propostas foram apresentadas durante a história da
humanidade (Polifonia, Melodia Acompanhada, Dodecafonismo, Espectral e
etc). Essas transformações, impactaram diretamente na forma como as
composições eram feitas e apresentadas ao público (SCHOENBERG, 1996).

Atualmente, a Melodia Acompanhada9, apresenta-se como uma das


principais escolhas na hora de produzir ou compor canções de cunho comercial.
Podemos observar três camadas principais que solidificam a composição.

1 – Melodia/Tema

2 – Harmonia e Acompanhamento Rítmico

3 – Texturas e Efeitos

A Melodia/Tema é um dos primeiros elementos que tende a ser captado


pelo ouvinte, sendo capaz de trazer características que tornam a música
facilmente reconhecida sem que outros elementos sejam apresentados de forma
simultânea (GERMANO, 2020). Um ótimo exemplo, é solfejar um trecho da
melodia do Hino Nacional Brasileiro (sem as palavras) para um brasileiro, as
chances desta pessoa acertar qual é a música, são significativamente positivas,
devido a eficiência da Melodia/Tema dentro do processo de escuta musical.

Para exemplificar as questões abordadas na sessão Composição


Musical, utilizaremos como estudo de caso a música Morena do artista Vitor Kley.
Confira a seguir, os elementos da obra que se encaixam na categoria
Melodia/Tema.

9
Estética significativamente explorada no período do classicismo. Consistia numa melodia principal
(tema) apresentada em primeiro plano, seguida de elementos sonoros (harmonia e ritmo) para
acompanhar, dar suporte e destaque ao tema.
Figura 1 Transcrição de um Trecho da Linha Vocal.

Vale ressaltar, que podemos ter diferentes camadas de melodias, como:


primária, secundária, terciária e etc (SCHOENBERG, 1996). A ideia aqui, não é
fazer juízo de valor no quesito importância para a obra, e sim, afirmar que,
indiferente dela (melodia/tema) ser protagonista ou não, ela compõe a música
em sua totalidade.

No quesito música eletrônica ou eletroacústica, essas melodias,


acontecem também no formato instrumental, podendo ser protagonistas ou
elementos de apoio (contracanto).
Figura 2 Transcrição da Introdução.

A Harmonia e o Acompanhamento Rítmico, são recursos utilizados na


maior parte das vezes, com o intuito de dar suporte a melodia principal, criando
contraste para a condução da escuta (TOREZZI, 2021).
Figura 3 Transcrição Harmonia (violão) e Ritmo (bateria).

Esta camada (Harmonia e o Acompanhamento Rítmico), em alguns


casos, pode ser alterada sem que descaracterize-se a obra original, esta prática,
é constante no processo de criar versões, fazer remix10, rearmonização11 e etc.

Apesar do termo Texturas e Efeitos trazer uma breve sensação de


modernidade, seu emprego acontece de forma relevante a um bom tempo no
repertório musical, como por exemplo, Nota Pedal 12 e Trinado13.

Figura 4 Pedal de Dominante e Trinado.

10
Processo amplamente explorado por DJs, Beatmakers e Produtores Musicais. Consiste em pegar uma
determinada música e atribuir-lhe uma nova roupagem, agregando novos elementos sonoros. Na maior
parte das vezes, é empregada uma característica mais dançante na música.
11

Consiste na troca total ou parcial da harmonia (acordes/funções) da obra. Este recurso, costuma ser
explorado na criação de versões alternativas da música.
12

Técnica utilizada no processo harmônico. Consiste em manter uma nota estática enquanto as progressões
de acorde acontecem normalmente. O uso mais comum deste recurso costuma ser, Pedal de Tônica ou
Pedal de Dominante.
13

Ornamento utilizado com frequência no período barroco. Consiste na repetição rápida e alternada de
duas notas (vizinhas).
No cenário da música eletrônica, é possível notar estes recursos também
de outras formas, como por exemplo, sample, ostinato, Kick, 808, woosh e etc.
Vale ressaltar, que estes elementos não necessitam estar obrigatoriamente
como itens de apoio na canção, podem também ocupar uma posição de
destaque, e compor a camada principal da obra.

Mercado Musical

No quesito mercado, temos modificações não só nas funções e formas de


trabalho, mas vemos inovações também na parte jurídica (CRUZ, 2016). Esses
profissionais, que fazem música através de ferramentas tecnológicas, passaram
a receber maior destaque na carreira de forma geral (registro de fonograma14).

Confira a seguir, alguns exemplos de casos onde o DJ/Beatmaker


aparece no registro do fonograma como autor ou intérprete (podendo
desempenhar ambas as funções).

Figura 5 Quadro de Integrantes Morena.

14
O registro do fonograma, é uma das principais formas de garantir a titularidade e honorários de todos
os envolvidos na criação do trabalho. É realizado de forma digital dentro da plataforma à qual o artista é
associado (abramus, ubc, amar e etc). Quando registrado, o fonograma recebe um número como se fosse
um ID, que recebe o nome de ISRC.
Figura 6 Quadro de Referências Morena.

Figura 7 Quadro de Integrantes Liberdade.


Figura 8 Quadro de Integrantes Noites Cariocas.

Para verificar o comportamento do mercado, realizou-se uma busca em


diferentes gêneros, com diferentes produtores, selos, gravadoras e artistas com
significativa relevância no ramo musical, a fim de observar quais categorias
(intérprete, produtor fonográfico, autor, músico e etc) são comumente utilizadas
na hora de classificar um DJ/Beatmaker dentro de um registro de fonograma.

A tabela a seguir, lista uma série de obras com diferentes artistas,


períodos (anos de lançamento), gravadoras, editoras, selos, gêneros e etc. O
principal objetivo, é entender como esses novos profissionais da música estão
inseridos no mercado fonográfico e como são vistos pelas empresas do
segmento. Em todos fonogramas mencionados na tabela, o DJ/Beatmaker,
aparece como interprete juntamente com o artista (vocalista).

Artista DJ/Beatmaker Música ISRC


Os Barões da
Pisadinha DJ Ives Probleminha BX2IA2100007
GR6 Explode DJ Alok Cracolândia BRWMB2101099
MC Livinho Dennis DJ Acelerada BRT3O1500016
MC Kevin DJ Diogo Esquadrão do Verão BXG6R1700432
Anitta DJ Papato Ta com o Papato BRWMB2000772
Projota DJ Caique Cantei Pra Subir BR8JE1300018
Racionais MCs DJ KL Jay Diário de um Detento BRF281200077
Zeeba DJ Marty Hear me Now NLZ541700284
Zé Felipe Dj Ives Galega BRTLW2100006
Samanta
Machado DJ Leflame Nave Espacial BC10N2100026
Mr Catra Dennis DJ Soltinha BRT3O1300087
Anitta DJ Yuri Vai Malandra BRWMB1700650
Antony e Gabriel DJ Kevin Bruninha BCFGG2000001
Wesley Safadão Dennis DJ Tão Diferente BRWRT1900064
Emicida DJ Nyack Eu to Bem BRLQ81100020
Quem não quer ter
Nego do Borel DJ Lucke vida de Bacana BXP9U2000001
MC Zaac DJ Yuri Mais Uma BRUM72300075
DJ Pedro Hoje eu Vou Parar na
MC Livinho Moreira Gaiola BXLVT1900360
Ludmilla DJ Will 22 Cobra Venenosa BRWMB2000813

Conclusão

Infere-se que o mercado musical e artístico de forma geral, vem


atualizando-se nos meios de produção, gestão, contratação, registro e etc. Com
o advento da tecnologia, foram descobertas novas formas de fazer arte e
comunicar-se com o público.

Esse avanço tecnológico, permite que diferentes talentos emerjam das


mais variadas classes sociais, possibilitando a produção de um trabalho (single,
EP, Disco e etc) de forma interativa, intuitiva e muitas vezes longe de um
estúdio/gravadora profissional.

Percebe-se que essas mudanças já vêm sendo absorvidas pelo mercado


durante um período significativo. Gravadoras, editoras e artistas, tem explorado
cada vez mais essa “mão de obra tecnológica” para inovar suas produções e
trabalhos.

É importe ressaltar que muitas das informações apresentadas neste


artigo, não fazem parte do know-how dos profissionais que fazem uso da
tecnologia para produzir música. Apesar do mercado estar em constante
mudança, uma parcela significativa das pessoas que o compõe, ainda
desconhecem os meandros e ações necessárias para atingir o reconhecimento
profissional devido, ficando à mercê de uma série de intermediários.

Tratando-se de uma evolução, é necessário seguir observando as ações


e comportamentos do segmento musical, para entender de forma mais precisa,
como todas essas mudanças afetarão o mercado e a forma como fazemos e
consumimos música. Conclui-se que para abarcar a complexidade de novas
possibilidades de atuação no mercado fonográfico, devemos proporcionar uma
forma de registro e notação mais claras para cada um dos atuantes. Se as novas
formas de produção mantiverem-se continuamente atreladas a antigos modelos
de registros e copyright, elas serão prejudicadas e até mesmo seus
interlocutores serão potencialmente invisibilizados.

Bibliografia

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