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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO


MESTRADO EM EDUCAÇÃO

O LUGAR DA HISTÓRIA NOS MANUAIS BRASILEIROS DESTINADOS À


FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESTUDOS SOCIAIS (1960/1980)

Max Willes de Almeida Azevedo

São Cristóvão
2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO

O LUGAR DA HISTÓRIA NOS MANUAIS BRASILEIROS DESTINADOS À


FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESTUDOS SOCIAIS (1960/1980)

Max Willes de Almeida Azevedo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade Federal
de Sergipe como requisito parcial para título de
Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Itamar Freitas

São Cristóvão
2014
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Azevedo, Max Willes de Almeida


A994l O lugar da história nos manuais brasileiros
destinados à formação de professores de estudos
sociais / Max Willes de Almeida Azevedo; orientador
Itamar Freitas. – São Cristóvão, 2014.
97 f.: il.

Dissertação (Mestrado em Educação) –


Universidade Federal de Sergipe, 2014.

1. Professores – Formação. 2. Ciências – Estudo e


ensino. 3. Professores – Manuais, guias, etc. I. Freitas,
Itamar, orient. II. Título.

CDU 371.13:5
À minha avó Maria Luiza (in memoriam)
Aos meus pais Ana Selma e Gildo
“Educação é a formação integral do indivíduo, capacitando-o a
exercer o seu inalienável direito à liberdade”. (John Michaelis)
AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, ao meu pai Gildo e minha mãe Ana Selma pelos esforços
empregados durante suas vidas para que eu pudesse estudar e escolher o meu futuro, sem que
nada me faltasse durante esse tempo. Agradeço também à minha avó, Maria Luiza, in
memoriam, que sempre me dedicou apoio e cuidados durante grande parte da minha
existência.
Aos meus irmãos, Saulo e Helber, que estiveram ao meu lado em todas as situações.
Minhas sobrinhas, Yanna Lua e Lara Beatriz, que me proporcionam momentos de alegria e
diversão com suas presenças.
Às minhas tias Edinha, Bebé, Marta, Tânia, Cristina, Clécia e Miriam. Meus tios
Urânio, Ubaldo e Jorge, que tem me ajudado quando necessário, presente em todos os
momentos do meu dia a dia.
Aos meus primos Igor, Iury, Larissa, Lili, Micaela, João Victor, Ricardo, Juliana,
Anselmo (Xexeu), amigos desde criança presentes na alegria e na tristeza.
Aos meus amigos Matheus e Wolber, amizade construída desde a infância, na qual
posso contar até hoje, em qualquer hora do dia.
Um agradecimento especial à minha namorada Leide, que desde o início dessa
jornada, com paciência e sabedoria, soube me indicar os melhores caminhos para que eu
pudesse chegar ao fim dessa jornada. Uma grande companheira para os momentos tristes e
alegres da minha vida.
Ao meu orientador Itamar Freitas, que me ensinou parte do que sei hoje sobre
pesquisa. Com paciência nos momentos complicados, tornou-se um grande companheiro
durante esse importante desafio. Também agradeço ao Grupo de Pesquisa em Ensino de
História por me acolher.
Às professores Marizete Lucini e Ilka Miglio de Mesquita, pelas orientações nas
bancas de qualificação e defesa. Agradeço também a todos os professores do NPGED (Núcleo
de Pós-Graduação em Educação) da Universidade Federal de Sergipe.
À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela
concessão da bolsa de estudos, que facilitou a execução da presente pesquisa.
Às colegas, de pesquisa e vida acadêmica, Ana Maria Garcia Moura e Carla Karinne
Santana. Aos colegas que fizeram parte da turma de Mestrado em Educação da Universidade
Federal de Sergipe 2012.1.
Enfim, agradeço a todos, os aqui citados e os não citados pelas contribuições, tanto
acadêmicas, quanto na vida pessoal, saibam que fizeram parte de uma grande história que
nunca será esquecida.
RESUMO

O presente texto analisa manuais destinados à formação de professores de Estudos Sociais,


produzidos entre os anos de 1960 a 1980, no Brasil, com o objetivo de identificar o lugar da
História dentro da disciplina Estudos Sociais. Para tanto, são tomadas como base as
concepções acerca de disciplina escolar de André Chervel, de apropriação de Roger Chartier.
Além disso, serão examinadas as contribuições de Jerome Bruner e John Michaelis para o
ensino de Estudos Sociais, e as ideias defendidas por Elza Nadai. O primeiro capítulo,
dividido em três partes, tem como principal objetivo verificar se os autores brasileiros
apropriaram-se dos conceitos dos autores norte-americanos, como também identificar, nos
manuais de formação de professores de Estudos Sociais, quais as finalidades e qual a noção
de avaliação os autores elaboraram para a disciplina. Do mesmo modo, abordamos a História
dos Estudos Sociais nos Estados Unidos da América e descrevemos sumariamente os autores
dos manuais de formação de professores analisados na presente dissertação. Por fim,
apontamos o que é ensino e aprendizagem segundo os autores dos livros em questão. No
segundo capítulo, que tem como principal objetivo descobrir o “lugar” da História dentro da
disciplina Estudos Sociais, apresentamos o que é ensino e aprendizagem, segundo os autores
dos livros em questão e os componentes curriculares da disciplina Estudos Sociais. Com os
usos da História, averiguamos qual a dimensão humana privilegiada (sociedade, política,
economia, entre outras) e quais os acontecimentos que predominam nos manuais analisados.
A principal ideia levantada nesta pesquisa é a de que o ensino de Estudos Sociais tem por
finalidade integrar o aluno à sociedade. Com isso, podemos afirmar que os autores se
apropriaram de alguns conceitos para a implantação dessa disciplina no Brasil.

Palavras-Chave: Estudos Sociais, formação de professor, História, manuais, Brasil, Estados


Unidos.
ABSTRACT

The present text analyses teacher formation manuals in Social Studies, produced between the
years of 1960 and 1980, in Brazil, with the goal of identify what is the place of History in the
Social Studies discipline. For that, are taken as a basis the ideas about school discipline from
André Cheryel, ownership of Roger Chartier. Furthermore, it will be examined Jerome Brune
and John Michaelis contributions to Social Studies teaching, and the ideas defended by Elza
Nadai. The first chapter, divided into three parts, has as its major goal to verify if the
Brazilians authors took ownership of the North American authors concepts, as well as to
identify, teacher formation manuals in Social Studies, what are the purposes and what is the
notion of evaluation the authors elaborated to the discipline. Likewise, we approach the Social
Studies history in the United States os America and summarily describe the teacher formation
manuals authors analyzed in this present dissertation. Lastly, we point what is teaching and
learning according to the authors of the books in question. In the second chapter, which has as
a major goal to find out the “place" of History in the Social Studies discipline, we present
what is teaching and learning according to the authors of the books in question and to the
curriculum components of the Social Studies discipline. With the uses of History, we
ascertain what is the human privileged dimension (society, politics , economy, among others)
and what are the events that predominate in these publications. The major idea raised in this
research is that the Social Studies teaching aims to integrate the student into society. With
that, we can affirm that the authors took ownership of some concepts for the implantation of
this discipline in Brazil.

Key Words: Social Studies, teacher formation, History, manuals, Brazil, United States.
SUMÁRIO

LISTA DE TABELAS

LISTA DE QUADROS

LISTA DE SIGLAS

INTRODUÇÃO........................................................................................................................15
CAPÍTULO 1 – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS MANUAIS DE FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DE ESTUDOS SOCIAIS (1960-1980).........................................................27
1.1.BREVE HISTÓRIA DOS ESTUDOS SOCIAIS NOS ESTADOS UNIDOS DA
AMÉRICA..........................................................................................................................27
1.2.PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DE JEROME BRUNER E JOHN
MICHAELIS.......................................................................................................................32
1.3.OS MANUAIS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ESTUDOS SOCIAIS NO
BRASIL: EM BUSCA DAS MATRIZES ESTADUNIDENSES......................................39
1.3.1. Descrição Sumária........................................................................................................43
1.3.2. Inventário dos conteúdos..............................................................................................46
1.3.3. Finalidades dos Estudos Sociais...................................................................................47
1.3.4. Ideias sobre a avaliação da aprendizagem em Estudos Sociais....................................51
Considerações...........................................................................................................................53
CAPÍTULO 2 – O LUGAR DA HISTÓRIA NOS MANUAIS DE FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DE ESTUDOS SOCIAIS (1960-
1980).........................................................................................................................................57
2.1 APRENDER E ENSINAR NOS ESTUDOS SOCIAIS.....................................................58
2.2 DEFINIÇÕES DE ESTUDOS SOCIAIS...........................................................................62
2.3 COMPONENTES DOS ESTUDOS SOCAIS....................................................................65
2.4 CONTEÚDOS ENSINADOS EM ESTUDOS SOCIAIS..................................................67
2.5 USOS DA HISTÓRIA NOS ESTUDOS SOCIAIS...........................................................71
Considerações...........................................................................................................................73
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................76
ANEXO.....................................................................................................................................79
REFERENCIAS .......................................................................................................................94
LISTA DE TABELAS

Tabela 01 - Finalidades dos Estudos Sociais............................................................................48

Tabela 02 - Avaliar nos Estudos Sociais...................................................................................51

Tabela 03 - Aprender e Ensinar nos Estudos Sociais...............................................................53

Tabela 04 - Definições dos Estudos Sociais.............................................................................62

Tabela 05 - Componentes Curriculares dos Estudos Sociais....................................................65

Tabela 06 - Conteúdos Ensinados em Estudos Sociais.............................................................68

Tabela 07 - Usos da História.....................................................................................................71


LISTA DE QUADROS

Quadro 01 - Fontes: manuais de formação de professores de Estudos Sociais produzidos no


Brasil entre os anos de 1960 e 1980..........................................................................................14
LISTA DE SIGLAS

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

DED/UFS Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe

ENPEH Encontro Nacional de Perspectivas do Ensino de História

ENPEH Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de História

FE/UNICAMP Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas

GPEH Grupode Pesquisa em Ensino de História

MEC Ministério da Educação

NCSS Conselho Nacional para os Estudos Sociais (sigla em inglês)

NEA Comitê de Associação Nacional de Educação (sigla em inglês)

PUC/CAMPINAS Pontifícia Universidade Católica de Campinas

UFS Universidade Federal de Sergipe

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

USA United States of America


15

INTRODUÇÃO

A presente dissertação tem como objetivo principal descobrir o local da História


dentro da disciplina Estudos Sociais no Brasil, entre os anos de 1960 e 1980, nos manuais de
formação de professores de Estudos Sociais. Para tanto, tomamos como objeto de análise os
manuais de formação de professores de Estudos Sociais, datados de sua primeira edição,
dentro do marco temporal entre os anos de 1960 e 1980. Pois, como o universo de fontes
sobre a experiência do ensino de Estudos Sociais no Brasil é vasto, focamos a nossa atenção
nos manuais de formação de professor, produzidos nas décadas de 60 e 80 do século passado,
no contexto da lei 5.692/71. Os manuais são importantes porque é através deles que os
professores não só têm a ideia sobre qual corrente seguir, como também saberão o que
empregar em suas práticas de ensino.
A opção pela pesquisa em manuais destinados à formação de professores significa
tratá-los a partir de um marco definidor inicial, isto é, considerá-los como manuais didáticos
relacionados ao processo de escolarização e destinados prioritariamente para os professores.
O fato de serem manuais que propõem métodos e atividades de ensino de determinada
disciplina indicam, também, que tipo de saberes são constitutivos dessas publicações
destinadas aos docentes. Entendemos que os manuais são “os livros didáticos exclusivos ou
prioritariamente para o professor (...) na forma de manuais de didática geral ou de didática
especial que propunham métodos e atividades de ensino de alguma disciplina”
(BATISTA,1999, p. 551).
Portanto, as obras aqui analisadas distinguem dos manuais nos quais o conteúdo
principal é o conhecimento propriamente dito. Por exemplo, em se tratando de manuais de
didática destinados a professores de História, eles não abordarão a especificidade de certos
conteúdos a serem ensinados, como os conteúdos de História Antiga, Medieval, Moderna,
Contemporânea e História do Brasil, tratados, didática e graficamente, com a finalidade do
ensino/aprendizagem da História pelos alunos. No caso dos manuais destinados a professores,
trata-se também de uma gama de saberes que podem ser incluídos nos saberes e práticas
próprios da Didática das disciplinas.
16

Quadro 01 – Fontes: manuais de formação de professores de Estudos Sociais produzidos


no Brasil entre os anos de 1960 e 1980
Título da Obra Autor Ano da 1 Edição
Introdução Metodológica aos CARVALHO, Delgado de 1957
Estudos Sociais
Estudos Sociais na escola GAUDENZI, Josephina de Castro e Silva 1962
primária

Ensinando estudos sociais na PRESTON, Ralph 1962


escola primaria
Introdução Analítica aos OSÓRIO, Pedro Enrique 1965
Estudos Sociais

Habilidades de Estudos PEIXOTO, Maria Onolita 1965


Sociais na escola primária
Estudos Sociais: Introdução DEUSDARÁ, Therezinha e DORNELLES, Leny 1967
Werneck

Estudos Sociais na Escola TEIXEIRA, Francisca Alba 1969


Primária

A aprendizagem dos Estudos BETHLEM, Nilda 1975


Sociais

Estudos Sociais nova TELES, Antônio Xavier 1975


perspectiva das ciências
humanas

Estudos Sociais: uma PANNUTI, Maria Regina Viana 1976


proposta para o professor

Didática dos Estudos Sociais: MONTEIRO, Ieda da Silva e OLIVEIRA, Maria Helena 1984
como aprender como ensinar Cozzolino

Didática Especial PILETTI, Claudino 1984

O ensino de Estudos Sociais BALZAN, Newton Cesar; HOLFING, Eloisa de Mattos; 1986
no primeiro grau LEME, Dulce Maria P. Camargo e ZAMBONI, Ernesta
Didática de Estudos Sociais ROCHA, Dayse Maria Alves 1986
nas primeiras séries do 1 grau

Didática de Estudos Sociais CHIANCA, Rosaly Maria Braga e PORTELLA, 1989


Rosalva
Fonte: Biblioteca Municipal Clodomir Silva, Biblioteca Estadual Epifânio Dórea, o acervo do Instituto Histórico
e Geográfico de Sergipe, Universidade Tiradentes, Universidade Federal de Sergipe e Faculdade Pio Décimo e
Sebos.

Numa primeira observação, também foi possível perceber que quinze dos livros
observados foram publicados por instituições ligadas ao governo federal e universidades tanto
públicas quanto privadas. O restante dos manuais de professores foi publicado por editoras
particulares. O conjunto do material, adquirido por compra ou copiado, foi submetido a uma
segunda seleção a fim de separar livros didáticos de manuais de formação do professor. A
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seleção privilegiou as primeiras edições, circunscritas aos marcos cronológicos, quando


possível.
Essas primeiras observações foram obtidas por meio de buscas pelos impressos que
cobriram os sebos, as bibliotecas virtuais das principais universidades brasileiras, como
também as bibliotecas localizadas na cidade de Aracaju, a exemplo da Biblioteca Municipal
Clodomir Silva, a Biblioteca Estadual Epifânio Dórea e o acervo do Instituto Histórico e
Geográfico de Sergipe. Os manuais de professores, encontrados na Universidade Tiradentes,
na Universidade Federal de Sergipe e na Faculdade Pio Décimo, também contribuíram para a
elaboração desta pesquisa.
As fontes, portanto, foram constituídas por quinze livros, dos quais três são
exclusivos para o ensino primário. Apesar desse número, o restante dos manuais localizados
serve tanto para o ensino primário quanto para o secundário. Como critério de seleção,
empregamos a técnica utilizada pelos pesquisadores Laville e Dionne (1999), denominada
amostras não-probalistas na qual temos o modelo dito como exemplar típico. Essa
metodologia se caracteriza a partir das necessidades de seu estudo, ou seja, “o pesquisador
seleciona casos julgados exemplares ou típicos ou uma parte desta” (LAVILLE e DIONNE,
1999, p.170).
O anseio em trabalhar com esse objeto surgiu, ao iniciar o curso de História
Licenciatura na Universidade Federal de Sergipe no ano de 2006, quando o ensino de História
se tornou objeto de interesse de pesquisa após o vínculo com o Grupo de Pesquisa em Ensino
de História, coordenado pelo Professor Doutor Itamar Freitas, vinculado ao Departamento de
Educação da Universidade Federal de Sergipe. O objetivo inicial do grupo era de contribuir
com pesquisas acadêmicas acerca da teoria da História e historiografia, Pedagogia,
Linguística (textual e análise do discurso), Design Gráfico e as demandas sociais, como por
exemplo, experiência indígena (Freitas, 2009).
Com isso, nos últimos três anos, o grupo (GPEH/UFS/DED) tentou dar respostas a
algumas questões referentes ao tema “ensino de Estudos Sociais”, bastante estigmatizado,
pois, segundo a pesquisadora Elza Nadai (1988), algumas instituições de ensino, bem como
estudantes do ensino superior, tornaram-se símbolos de luta contra o ensino da disciplina
durante sua efetiva implantação no sistema de ensino brasileiro.
As primeiras propostas de Estudos Sociais, criadas no contexto da história da
educação brasileira, datam das primeiras décadas do século XX. A introdução das propostas
no Brasil aconteceu sob a influência norte-americana. Em 1916, nos EUA, a “Comissão de
Estudos Sociais” divulgou um relatório defendendo uma educação para jovens que
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possibilitasse a eles apreciar a natureza e as leis da vida social, adquirir o senso de


responsabilidade em uma sociedade, participar da promoção do bem-estar da população em
geral e acreditar em uma comunidade mundial que incluísse toda a humanidade
(FERNANDES, 2008).
Dessa forma, os Estudos Sociais foram incorporados nos currículos norte-americanos,
integrando os diversos conteúdos da nova disciplina. Logo depois, a implantação dos Estudos
Sociais no ensino básico chegou a outras nações, como Portugal, França, Inglaterra, Índia e
mesmo o Brasil. No Brasil, entre as décadas de 1950 e 1990, os Estudos Sociais foram
criticados pelas corporações de História, sob a justificativa de que eles pareciam mesclar, num
pacote disforme, os conhecimentos e habilidades de distintas ciências humanas e sociais, a
exemplo de Política, Filosofia, Sociologia, Antropologia e Economia.
As primeiras propostas em programas curriculares e livros didáticos de diferentes
localidades brasileiras iniciaram-se com os conhecimentos das áreas de Ciências, História,
Geografia e Educação Moral. Com o tempo, foram transformadas em uma seleção de
conteúdos que permaneceram como tradição ao longo do tempo, contendo a mescla das
diferentes áreas. O marco de referência para a implantação dessas propostas foi o Programa
de Ciências Sociais, de 1934, do Departamento de Educação do Distrito Federal, organizado
por Delgado de Carvalho (FERANANDES, 2008).
As ideias sobre a disciplina Estudos Sociais chegaram ao Brasil com a Escola Nova.
Entre 1928 e 1929, Delgado de Carvalho e Anísio Teixeira estudaram as propostas
educacionais dos EUA. Em outras palavras, algumas das propostas incorporadas ao Programa
de Ciências Sociais, que estavam presentes no ideário dos escolanovistas, apreciavam
reflexões das produções educacionais norte-americanas da época em questão. De acordo com
Freitas (2011), a riqueza desses debates evidencia a importância dos estudos a respeito da
origem e implementação dos Estudos Sociais nos Estados Unidos da América, e até mesmo
de análises comparativas da trajetória da disciplina no Brasil e nos E.U.A., ampliando,
significativamente, o horizonte dos pesquisadores do ensino de História.
Em 1934, o Departamento de Educação do Distrito Federal publicou o Programa de
Ciências Sociais mencionando o ensino de Estudos Sociais para os cinco primeiros anos da
escola elementar. Nessa mesma época, os “Estudos Sociais” apareceram também como
“Matéria Escolar” da Escola de Professores do Instituto de Educação, destinada a habilitar
professores primários. Os Estudos Sociais, então, foram introduzidos no currículo da escola
elementar do Distrito Federal na gestão de Anísio Teixeira, que estava à frente do
Departamento de Educação, da Secretaria da Educação e Cultura do Distrito Federal. Sob sua
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influência direta, foi publicado, em 1934, um Programa de Ciências Sociais para a escola
elementar que teve várias edições sucessivas até 1955 (FERNANDES, 2008).
Em 1971, é sancionada a Lei 5692/71 que estrutura a educação de primeiro e segundo
graus no Brasil. Segundo Cusinato (1987), “é princípio básico da Lei, que os currículos de
ensino terão um núcleo comum em âmbito nacional, e uma parte diversificada para atender as
necessidades de cada região” (CUSINATO, 1987, p.51). O núcleo comum, que deve fazer
parte da educação de cada cidadão, foi fixada em três grandes áreas: Comunicação e
Expressão, Estudos Sociais e Ciências. Ainda para o pesquisador, aos Estudos Sociais foi
dada a função de constituir ligação entre as Ciências e as diversas formas de Comunicação e
Expressão, por ter uma abordagem mais científica e colocar no centro a preocupação com o
humano (CUSINATO, 1987).
Em que consistiam esses programas e quais as matrizes orientadoras dos currículos,
livros didáticos, manuais de formação e práticas de ensino, são informações desconhecidas
para grande parte dos investigadores da história da educação. Os que exploram o tema
demoram-se no período relativo ao regime ditatorial civil-militar que importou, em larga
escala, as teorias educacionais estadunidenses e as implantou em diferentes níveis de ensino.
A esse respeito, informa a pesquisadora Elza Nadai – em seu artigo intitulado Estudos Sociais
no primeiro grau, publicado na revista Em Aberto– que os principais conceitos incorporados
no Brasil acerca da disciplina Estudos Sociais foram produzidos pelos pesquisadores norte-
americanos John Michaelis e Jerome Bruner.
John Michaelis, em seu livro Estudos Sociais para crianças numa democracia,
editado no ano de 1970 pela editora Globo, centra as ideias nos valores e comportamentos
democráticos à concepção de que democracia é “um modo efetivo de viver, baseado em ideais
fundamentais e duradouros” (MICHAELIS, 1970, p.16). Ou seja, os indivíduos são
respeitados, tem dignidade, fazem escolhas e tomam decisões, assumem responsabilidades e
levam-nas a termo, exercem e ajudam a preservar direitos inalienáveis e têm a oportunidade
de cooperar com os outros na construção de interesses comuns. No qual, a educação é “a
formação integral do indivíduo, capacitando-o a exercer o seu inalienável direito à liberdade”
(MICHAELIS, 1970, p.i). Portanto, segundo o pesquisador, as metas, planejamentos,
processos e materiais de instrução, assim como a avaliação, devem estar coerentes com este
tema.
Outros pontos importantes no livro são as características de crescimento e as
diretrizes a adotar para o melhoramento da aprendizagem para os Estudos Sociais, como
também, as funções dos Estudos Sociais, pondo em relevo os objetivos, os valores
20

democráticos e o comportamento democrático. O livro tem como princípio orientar e


apresentar ideias que contribuíssem para desenvolver a autoconfiança e a faculdade criadora
dos professores.
Já o livro do norte-americano Jerome Bruner é produto de uma reunião de trinta e
cinco cientistas, em setembro de 1959, em Woods Hoole, no Cabo Cod, onde estudiosos e
educadores tinham como objetivo discutir melhoramentos para o ensino de ciências nas
escolas primárias e secundárias dos Estados Unidos da América. Os principais esforços
haviam sido iniciados por físicos, matemáticos, biólogos e químicos. Por outro lado,
psicólogos educacionais voltaram sua atenção, para o estudo da aptidão e realização e para os
aspectos sociais e motivacionais da educação, mas não se preocuparam diretamente com a
estrutura intelectual das atividades em classe.
O principal objetivo do trabalho apresentado por Bruner (1968), seria “apresentar a
matéria de ensino de maneira eficiente – isto é, com a devida atenção não apenas para a
extensão, mas também para a estrutura” (BRUNER, 1968, p.2). Dessa forma, cientistas
reuniram-se para apreciar a natureza do processo de aprendizagem, sua relevância para a
educação e os pontos em que o empenho na elaboração de currículos levanta problemas novos
acerca de nossas concepções de aprendizagem e ensino.
Para o pesquisador, “educação é o cultivo da excelência” (BRUNER, 1968, p.8). No
entanto, ela se refere, não apenas ao ensino do melhor estudante, mas também, à ajuda a cada
estudante para que atinja seu desenvolvimento intelectual. Por fim, o principal produto do
livro organizado por Jerome Bruner é a elaboração do conceito de estrutura da matéria e
propõe que os especialistas, depois de estruturarem o conteúdo de ensino, desenvolvam-no
como uma espiral.
Diante desse panorama acerca da disciplina Estudos Sociais, surgiram algumas
indagações que nortearam a presente pesquisa. Teriam sido as propostas de Bruner e
Michaelis, efetivamente, apropriadas pelos autores brasileiros? Seriam Bruner e Michaelis os
teóricos que fundamentaram a instituição dos Estudos Sociais no Brasil? É possível aprender
história por meio da matéria Estudos Sociais? O ensino disciplinarizado de História é
superior, qualitativamente, ao ensino de história como conteúdo dos Estudos Sociais?
Finalmente, em que consistia o ensino de história, dentro dos Estudos Sociais, no período
mais estigmatizado pelos pesquisadores de história no Brasil – o regime ditatorial civil-
militar? Quais as suas matrizes, ou seja, quais as ideias – de finalidades, conteúdos, avaliação,
aprendizagem e ensino – foram professadas nesse tempo? Esta última questão, ganhou ainda
mais importância à medida que a revisão de literatura foi sendo desenvolvida. Pois, para a
21

pesquisa, os textos publicados em periódicos acadêmicos de referência e nos anais dos


eventos especializados no ensino de história foram de grande relevância.
No Portal Capes, ferramenta que oferece acesso aos textos completos de artigos
selecionados de mais de 21.500 revistas internacionais e nacionais, não encontramos artigos
cujo objeto de estudo fosse a disciplina em questão; também não os encontramos no Scielo
Brasil, um site de coleção de revistas e artigos científicos.
Já nos principais eventos, cujo objeto de pesquisa é o ensino de história – Encontro
Nacional de Pesquisadores do Ensino de História (ENPEH) e o Encontro Nacional
Perspectivas do Ensino de História (ENPEH), realizados no período de 2004 e 2012, bem
como o I Simpósio Internacional do Livro Didático realizado no ano de 2007 –, encontramos
oito artigos a respeito da disciplina Estudos Sociais, entre os quais quatro foram publicados
nos anais dos eventos Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de História; três nos
Encontros Nacionais Perspectivas do Ensino de História; e um no I Simpósio Internacional do
Livro Didático.
O artigo intitulado O Ensino de História nos anos iniciais de escolaridade do Colégio
Pedro II: possibilidades narrativas a partir da disciplina Estudos Sociais, publicado nos
anais do VIII ENPEH, realizado no ano de 2012, de autoria de Luciene Maciel Stumbo
Moraes, focaliza o Ensino de História, nos anos iniciais de escolaridade do Colégio Pedro II,
por meio da disciplina Estudos Sociais. As reflexões apresentadas no texto são resultado de
uma pesquisa concluída sobre as narrativas históricas que têm sido fixadas nas Provas
Institucionais de Estudos Sociais do Colégio Pedro II.
A partir da análise dessas provas documentais, curriculares e entrevistas com as
coordenadoras/professoras da disciplina e do entendimento da autora, de que as instituições
de ensino são um lugar de epistemologia própria, configuradora de narrativas, que são
produzidas envolvendo questões não apenas historiográficas, mas também sociais e políticas,
foi possível perceber que a escola é um espaço de produção de conhecimento titular de
epistemologia própria que mantém ligações com as narrativas acadêmicas.
O artigo da pesquisadora Aldaíres Souto França, também publicado no mesmo evento,
intitulado O pensamento de John Urell Michaelis na constituição dos estudos sociais –
“Made in U. S. A.” nas propostas curriculares do estado do Espírito Santo (1956-1969),
analisa a apropriação das experiências norte-americanas no Ensino de História por meio da
constituição da disciplina Estudos Socais. Para tanto, a autora faz uso das ideias do pesquisador
norte-americano John Michaelis, contidas no livro Estudos Sociais para crianças numa
democracia. Segundo a autora, este livro, contraditoriamente ao que se vivia no Brasil, no
22

período da Ditadura Militar, enfatizou a defesa de um ideário democrático, dando relevo à


missão cívica dos professores na construção do comportamento democrático nos alunos desde
o ensino primário.
Na primeira edição do livro, em 1956, o autor estabeleceu o foco em um programa de
Estudos Sociais impregnado dos valores e comportamentos democráticos. Na segunda edição,
Michaelis traz como distinção, em relação à primeira, um enfoque norteado pela Psicologia
do Desenvolvimento da Criança. Com base no que foi apresentado/exposto pela autora, pode-
se inferir que a apropriação do pensamento de John Michaelis (1970), na constituição do
ensino de Estudos Sociais, estava na contramão do que se vivia no Brasil, embora atendesse
aos interesses de um projeto de sociedade e de desenvolvimento econômico que se pretendia
construir por meio da educação.
A autora conclui que as marcas do seu pensamento, nas propostas curriculares no
estado do Espírito Santo, estavam intrinsecamente relacionadas à política educacional do país
e do estado naquele momento, bem como atendia aos interesses do MEC e aos “silêncios”, em
relação ao contexto autoritário e violento da época.
No ENPEH, realizado no ano de 2006, encontramos dois artigos cujos títulos são A
formação docente entre a legislação e o currículo: História e Estudos Sociais nos anos 1970
de autoria da pesquisadora Elaine Lourenço e A imagem do índio nos livros didáticos de
Estudos Sociais, escrito por Léia Adriana da Silva e Maria de Fátima Sabino Dias.
Partindo do pressuposto de que o currículo oficial e o currículo oculto são aspectos
complementares e podem, portanto, ser estudados separadamente, Elaine Lourenço (2006)
afirma que o currículo oficial deriva dos chamados “currículos mínimos” da legislação
vigente à época, baseando-se na observação de Antônio Flávio Barbosa Moreira e Tomaz
Tadeu da Silva, para quem o currículo oculto não pode encobrir, ou ainda, justificar o
currículo oficial.
Os currículos examinados foram formulados em 1971 e tinham, como ponto
unificador, o fato de que se destinavam a formar o professor de História de quinta a oitava
séries. A ideia de estudá-los partiu do princípio de que a análise de cada um deles poderia
revelar algo de sua visão de História, da importância atribuída à formação do professor e,
principalmente, da instituição que o propôs.
Lourenço (2006), depois de ressaltar a quantidade de horas em que se formava o
professor, concluiu que o curso de Estudos Sociais se dava na metade do tempo dos outros
dois cursos de História analisados. A outra constatação é a de que, além de a formação se dar
em um tempo menor, ela envolvia não só a formação em História, como também em
23

Geografia e noções de Ciências Sociais, diminuindo, ainda mais, o conteúdo específico de


História. Outra característica levantada se refere ao fato de que o curso de Estudos Sociais
tinha um currículo que contemplava as disciplinas da licenciatura ao longo do curso, ou seja,
rompia com a perspectiva do “3 + 1”, em que a formação do licenciado só se dava depois da
formação do bacharel, inclusive em locais distintos.
O texto das pesquisadoras Léia Adriana da Silva e Maria de Fátima Sabino Dias
apresenta os resultados da pesquisa sobre as imagens dos indígenas veiculadas nos livros
didáticos de Estudos Sociais do segundo Ciclo das Séries Iniciais, no período referente a
1996/2003. A intenção é verificar as mudanças e permanências, no ensino de História, das
representações das identidades étnicas presentes nos manuais didáticos no contexto das novas
propostas curriculares no Brasil. As autoras afirmaram que essa incursão investigativa
possibilitou visualizar algumas características que pareceram afluir como lacunas,
incoerências e preconceitos que permanecem presentes nos manuais didáticos.
No Encontro Nacional de Pesquisadores de Ensino de História, realizado no ano de
2008, há dois textos inscritos: Estudos Sociais no contexto da história brasileira nas
primeiras décadas do século XX de autoria da professora Antonia Terra de Calazans
Fernandes e Os Ginásios Vocacionais: a construção da História de uma experiência
educacional transformadora e o ensino de Estudos Sociais, escrito por Daniel Ferraz
Chiozzini.
Enfatizando, principalmente, o Programa de Ciências Sociais, de 1934, do
Departamento de Educação do Distrito Federal, organizado por Delgado de Carvalho, o
primeiro texto apresenta reflexões acerca das propostas relacionadas aos estudos sociais, no
contexto da história da educação brasileira, nas primeiras décadas do século XX. Essas
propostas foram construídas a partir de análises de currículos escolares e livros didáticos
produzidos em diferentes épocas, que iniciaram com a junção de conhecimentos das áreas de
Ciências, Geografia, História e Educação Moral.
A partir dessas análises, a autora conclui que desde aquela época, os princípios dos
Estudos Sociais criticavam a fragmentação do saber escolar e, simultaneamente, constituíam
uma disciplina que integrava um conjunto de disciplinas – às vezes, humanas e naturais. No
entanto, diferenciavam-se de outras disciplinas por priorizarem os métodos de estudo, em vez
de se preocuparem unicamente com os conteúdos. Além disso, a história dessa disciplina
revela tendências e mudanças de finalidades da escola, de acordo com os contextos políticos
da sociedade brasileira – no caso analisado pela pesquisadora –, comprometidos com as
ideologias liberais norte-americanas.
24

O segundo artigo – Os Ginásios Vocacionais: a construção da História de uma


experiência educacional transformadora e o ensino de Estudos Sociais – consiste numa
pesquisa sobre os ginásios vocacionais, implantados em São Paulo entre o período de 1961 e
1969, como também a sua relação com o projeto político-pedagógico das escolas e o
desenvolvimento e consolidação do conteúdo curricular de Estudos Sociais. Depois de
apontar para a grande dificuldade na investigação da proposta de ensino de Estudos Sociais
desenvolvida nos Ginásios Vocacionais no período indicado – entre as fontes encontradas,
não existia uma definição consolidada sobre qual ideia desse componente curricular esteve
presente nas escolas –, o autor encontrou dois documentos: o primeiro, intitulado Relatos de
Estudos Sociais, elaborado pelo professor Newton Balzan, em dezembro de 1966, trata-se de
um conjunto de documentos elaborados por cada um dos coordenadores da área da escola; o
segundo, Estudos Sociais: uma proposta para o professor foi elaborado sob a coordenação de
uma ex-orientadora das escolas, Maria Regina Pannuti, em 1976. Segundo o pesquisador, os
dois documentos apresentam objetivos e diretrizes político-pedagógicos diferentes.
No livro Relatos de Estudos Sociais, destaca-se a carência de uma definição de
Estudos Sociais, devido à ausência, na época, de uma ampla bibliografia acerca do tema. No
documento Estudos Sociais: uma proposta para o professor, por sua vez, existe um
referencial marxista, segundo o autor, devido ao período em que foi publicado. Os Ginásios
Vocacionais, conclui o autor, surgidos a partir de Classes Experimentais em São Paulo, no
final da década de 1950, não tinham uma concepção educacional totalmente consolidada,
situação que também se aplicava aos Estudos Sociais.
Também destacando os Ginásios Vocacionais, a pesquisadora Joana Neves (2010), em
sua tese O ensino público Vocacional em São Paulo: renovação educacional como desafio
político – 1961-1970, estuda a criação de um novo sistema educacional em São Paulo, o
Sistema Vocacional, no contexto da industrialização paulista das décadas de 1960 e 1970. A
autora examina a instalação, a organização e o funcionamento do Ginásio Vocacional. Neves
(2010) conclui que, apesar das contradições envolvidas na criação do Sistema Vocacional, foi
possível criar um sistema de educação pública que resolvia os problemas educacionais para
sociedade brasileira da época.
Como se pode observar pela revisão apresentada, os trabalhos têm como objeto de
pesquisa o ensino de Estudos Sociais. Como desdobramento dessas preocupações, os textos
não respondem às questões que apresentamos inicialmente, referentes às ideias de Estudos
Sociais implantados no Brasil. Por isso, empreendemos a presente pesquisa com o objetivo de
identificar as matrizes – que significa “aquilo que gera”, segundo Michaelis – dos Estudos
25

Sociais, ou seja, as ideias de finalidades, conteúdos, avaliação, aprendizagem e ensino,


anunciadas entre os anos de 1960 e 1980. Como também, descobrir o “lugar” da História
dentro da disciplina Estudos Sociais. Para tanto, utilizaremos as ideias de André Chervel
(1991) acerca de disciplina escolar. Pois, para o pesquisador, a produção de uma disciplina
está fundamentada nos pontos importantes de sua arquitetura que são as finalidades, os
conteúdos e a avaliação da disciplina escolar. As finalidades são os objetivos da disciplina; os
conteúdos constituem os componentes curriculares a serem ensinados; e, a avaliação tem o
objetivo de avaliar o aluno.
O estudo está ancorado nas ideias da História Cultural e está fundamentado,
sobretudo, nos pensamentos do historiador Roger Chartier (1990), relacionados ao conceito
de apropriação. Segundo o pesquisador, apropriação “visa uma história social dos usos e das
representações, referidas as suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas
específicas que as produzem” (CHARTIER, 1990, p.180). Nesta perspectiva tomada que
contemplam as teorizações do referido pesquisador, as obras aqui analisadas adquirem sentido
através da relação que se estabelece entre o texto, o suporte em que é apresentado e as práticas
que deles se apropriam.
Com base nesses pressupostos, os procedimentos metodológicos, caracterizaram a
dissertação em pesquisa bibliográfica e análise histórica. Organizamos a pesquisa
bibliográfica com base no recorte temporal estabelecido tanto em relação aos manuais de
formação de professores, quanto às ideias acerca do ensino de Estudos Sociais no Brasil. A
análise histórica baseou-se na observação das fontes, na interpretação e crítica dos dados
levantados.
O resultado das investigações ganhou a seguinte estrutura: o primeiro capítulo,
dividido em três partes, tem como principal objetivo verificar se os autores brasileiros
apropriaram-se das ideias desses autores, como também, identificar nos manuais de formação
de professores de Estudos Sociais quais as finalidades e qual a ideia de avaliação os autores
elaboraram para a disciplina. Para tanto, aprofundaremos as propostas pedagógicas de Jerome
Bruner e John Michaelis, fundamentadas a partir do conceito de disciplina escolar do
pesquisador André Chervel.
Abordaremos também, a História dos Estudos Sociais nos Estados Unidos da América,
desde a sua implantação nos anos de 1916, até meados da década de 1960, ano em que tanto a
educação como diversos setores da sociedade norte-americana passavam por transformações.
Como também, descreveremos sumariamente os autores dos manuais de formação de
26

professores analisados na presente dissertação. Por fim, mostraremos o que é ensino e


aprendizagem segundo os pesquisadores dos livros em questão.
O capítulo seguinte, tem como principal objetivo descobrir o “lugar” da História,
dentro da disciplina Estudos Sociais, tendo como base as indagações: é possível aprender
história por meio da matéria Estudos Sociais? O ensino disciplinarizado de História é
superior, qualitativamente, ao ensino de história como conteúdo dos Estudos Sociais?
Finalmente, em que consistia o ensino de história, dentro dos Estudos Sociais, no período
mais estigmatizado pelos pesquisadores de história no Brasil – o regime ditatorial civil-
militar?
Para respondermos a essas questões, analisaremos especificamente a disciplina
História em relação aos Estudos Sociais. Para tanto, analisamos os manuais de formação de
professores, utilizando as seguintes estratégias de verificação: as dimensões de cada
componente dos estudos sociais a partir do anúncio das definições, com o objetivo de
verificar em que medida as definições e funções auxiliam na efetivação dos fins da disciplina
analisada – se elas convergem, divergem ou se complementam. Além disso, examinamos o
que pensam os autores das obras acerca de ensino e aprendizagem nos Estudos Sociais. Como
também os usos da História. Por fim, verificaremos qual a dimensão humana privilegiada
(sociedade, política, cultura, economia, outras...) e averiguaremos quais os acontecimentos
predominaram.
27

Capítulo 1
DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS MANUAIS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE
ESTUDOS SOCIAIS (1960-1980)

Sabemos que a implantação do ensino da disciplina no Brasil deveu-se a partir da Lei


5692/71, que tinha como princípio básico que os currículos de ensino de primeiro e segundo
graus teriam um núcleo comum, para atender as necessidades de cada região. Esse núcleo
comum eram as Ciências, Comunicação e Expressão e os Estudos Sociais. Cabiam aos
Estudos Sociais fazer a ligação entre as Ciências e as formas de Comunicação e Expressão,
pois tinha como preocupação o ser humano. A pesquisadora Elza Nadai (1988), afirma em seu
artigo, intitulado Estudos Sociais no primeiro grau, que os principais conceitos incorporados
no Brasil acerca da disciplina Estudos Sociais foram produzidos pelos pesquisadores norte-
americanos John Michaelis e Jerome Bruner.
Com base nesses pressupostos, surgiram algumas questões que nortearam o presente
capítulo. Teriam sido as propostas de Bruner e Michaelis, efetivamente, apropriados pelos
autores brasileiros? Seriam Bruner e Michaelis os teóricos que fundamentaram a instituição
dos Estudos Sociais no Brasil? Assim, este capítulo tem como principal objetivo verificar se
os autores brasileiros apropriaram-se das ideias desses autores, como também, identificar nos
manuais de formação de professores de Estudos Sociais quais as finalidades e qual a ideia de
avaliação os autores elaboraram para a disciplina. Para tanto, descrevemos as ideias
pedagógicas fundamentadas por Jerome Bruner e John Michaelis. Como também, a História
dos Estudos Sociais nos Estados Unidos da América.

1.1.Breve história dos Estudos Sociais nos Estados Unidos da América

Com o intuito de examinar a origem e o papel que a disciplina Estudos Sociais


desempenhou na educação norte-americana entre os anos de 1916 e 1980, remetemo-nos à
Escola Norte-americana, na qual foi possível comprovar a importância atribuída aos Estudos
Sociais na formação para a cidadania.
O currículo de Estudos Sociais contemporâneo tem suas raízes no movimento do
início do século XX, na educação progressiva. Enfatizando a natureza do aluno individual e o
28

processo de aprendizagem em si, esse movimento desafiou os pressupostos do currículo


centrado no sujeito. Até esse momento, o currículo de Estudos Sociais era composto de áreas
distintas, com destaque principal à história, acompanhada, em menor grau, pela geografia e
educação cívica, completando, assim, o triunvirato.
Em 1916, o Comitê de Associação Nacional de Educação (NEA) em Estudos Sociais
investiu em um curso interdisciplinar de instrução com base nas Ciências Sociais e
estabeleceu “estudos sociais” como o nome da área de conteúdo, apresentando o escopo e a
sequência que ainda está em uso no início do século XXI. Esse curso, chamado de estudos
sociais, teria, como principal objetivo, o cultivo de bons cidadãos.
A ênfase no desenvolvimento da cidadania era compreensível, pois, à época, por causa
do aumento da imigração de estrangeiros que não falavam inglês, os educadores receberam a
tarefa de ensinar a língua inglesa e “o caminho de vida americano”, além de suas áreas de
conteúdo. Como a Primeira Guerra Mundial grassava na Europa, os cursos de estudos sociais
eram vistos como um meio de desenvolver o patriotismo entre os novos cidadãos nascidos
fora dos Estados Unidos da América.
De fato, “Educação para a Cidadania” foi uma das principais missões do Conselho
Nacional para os estudos sociais (NCSS), quando foi formado em 1921. O que começou como
uma organização de serviço com a intenção de fechar a lacuna entre cientistas sociais e
professores de escolas secundárias, logo avançou em estudos integrados dos estudos sociais
para uma concepção mais ampla de educação.
O NCSS é a maior organização, nos Estados Unidos, que se concentra,
exclusivamente, no ensino de estudos sociais. Historicamente, a organização foi criada como
uma entidade coordenadora. Ela evoluiu em uma época em que os estudos sociais foram
imersos em desacordo sobre seus objetivos e sua sequência. Essa discordância se seguiu entre
educadores e especialistas de conteúdo, quando, ainda, as exigências de certificação nos
estudos sociais eram inexistentes. Os fundadores, professores da Teachers College da
Columbia University, imaginaram o NCSS (sigla em inglês) como a organização unificadora
que poderia mesclar as disciplinas de estudos sociais com educação.
O conselho articulava um quadro para promover a competência acadêmica e cívica
através da integração de normas nacionais em todas as disciplinas. Essas normas foram
publicadas no NCSS Expectativas de Excelência: padrões curriculares de Estudos Sociais e
serviram como um guia para a tomada de decisões por educadores de estudos sociais. Eles
integraram as abordagens das ciências sociais, ciências comportamentais e humanas para
ajudar na estruturação de um abrangente e eficaz programa de estudos sociais.
29

Na década de 1930, Paul Hanna tornou-se o principal nome na área de currículo


escolar ao implantar a noção de modelo de ambientes em expansão para estudos sociais
elementares. Na década seguinte, essas ideias serviram como veículo no ensino
elementar,através do qual, os professores poderiam apresentar melhor conhecimento de
estudos sociais. Para a maior parte desses profissionais, o modelo de Hanna tem sido
caracterizado como organizador do conteúdo como uma série de círculos concêntricos,
começando com o aluno no centro e progredindo para a família, escola, vizinhança, até atingir
a comunidade internacional. Ele também forneceu temáticas e abordagens do conteúdo:
proteção e conservação; criar, governar, produção de recursos, transporte, expressar, educar,
recriar, e comunicar.
No entanto, Eric D. Hirsch (1987) afirma que o conhecimento núcleo serviria como
uma alternativa ao modelo Hanna. Hirsch propôs um núcleo de informação que cada
americano deveria saber. A abordagem do conhecimento básico dependeria fortemente do
mundo (Europa) e dos EUA, de sua história e cultura, a ideologia democrática, geografia e
literatura. Desse modo, o conteúdo foi organizado para apresentar aos alunos o assunto em
todos os graus, mas em diferentes graus de intensidade.
Segundo Oliveira (1993), desde seu início, a educação de estudos sociais, nos EUA,
resistiu a uma série de controvérsias e desafios. O próprio termo estudos sociais apareceu na
literatura e nos nomes de associações e organizações profissionais, instituições acadêmicas e
projetos curriculares e centros de todo o mundo. Seu significado, porém, é tão variado como
os contextos em que aparece, e pode ter pouca relação com a forma como o conteúdo está
organizado.
Para Michaelis (1970), termos como ensino de estudos sociais e educação em ciências
sociais são, em muitas circunstâncias, usados como sinônimos e são, às vezes, uma fonte de
confusão. Estudos Sociais é o termo preferido em parte porque é mais abrangente. Embora a
ciência social, em geral, refira-se apenas a disciplinas acadêmicas, como antropologia,
sociologia, psicologia, geografia, economia e ciência política, o termo estudos sociais inclui
as ciências sociais acima mencionados, bem como disciplinas humanas, como história,
estudos americanos, e filosofia (MICHAELIS, 1970).
Ao nível das séries do Ensino elementar, a disciplina Estudos Sociais é, normalmente,
organizada e ensinada de forma integrada, enquanto no ensino secundário de nível social e de
aprendizagem, os estudos sociais são organizados por cursos nas disciplinas acadêmicas. Em
todos os níveis, porém, as metas de estudos sociais têm sido caracterizadas, segundo Peter
Martorella (1985), como a transmissão do patrimônio cultural; métodos de investigação,
30

inquérito reflexivo; críticas sociais informadas e o desenvolvimento pessoal. Assim, o


desenvolvimento pessoal tem recebido, tradicionalmente, o maior destaque para o nível
elementar. Ao nível colegial, métodos de investigação têm recebido mais ênfase. Com isso, o
objetivo básico da educação de estudos sociais era preparar os jovens para ter uma maior
participação na sociedade em um mundo que estava se tornando, cada vez mais,
interdependente.
A partir dos anos 1960, apareceram mudanças significativas para o Ensino Médio e os
currículos do Ensino Médio com a introdução do sistema eletivo. Cursos em temas, como
antropologia, economia, sociologia e psicologia, foram adicionados a um currículo que tinha
sido formalmente limitado à história mundial, geografia mundial, governo e história dos
EUA. Ainda na década de 1960, um fato importante marcou a história dos Estudos Sociais,
pois dizia respeito à reforma dos programas acadêmicos: foi publicado o livro O Processo de
Educação, no qual Jerome Bruner lançou o conceito de estrutura (OLIVEIRA, 1993).
A partir daí, a corrente dos Estudos Sociais, que privilegiava o conteúdo pela
integração dos conhecimentos das Ciências Sociais, passou a ter mais aceitação entre os
educadores americanos que, apesar de divergirem no que se propunha em relação à estrutura,
em sua maior parte, a adotou como critério fundamental para a seleção dos conteúdos da área
dos Estudos Sociais.
Com essa perspectiva, Jerome Bruner (1968) lançou o MACOS-Man: a Course of
Study, programa criado no bojo dos movimentos sociais que abalaram a sociedade americana
nos anos 60, repercutindo no âmbito das Ciências Sociais e gerando o que, no campo
educacional, tornou-se conhecido como “The New Era of the Social Studies”
(OLIVEIRA,1993). O MACOS, cujo objetivo era levar o aluno a realizar a descoberta e a
transferência de conceitos, através de diferentes etapas orientadas, previamente, pelo
professor, caracterizava-se por ser um programa de Estudos Sociais sobre o homem, baseado
em seu ciclo de vida e na aprendizagem.
Podemos considerar que o ensino da disciplina Estudos Sociais, no período aqui
analisado, propunha manter um padrão de comportamento determinado, de modo a adaptar as
mudanças ao contexto social prevalecente e integrar os jovens aos elementos já consolidados
do sistema político-social. Assim, faz com que seu objetivo maior continue sendo a
socialização do homem, a partir dos modelos sociais preexistentes, entendendo-se a sociedade
como um sistema acima da perspectiva individual.
31

1.2.Propostas pedagógicas de Jerome Bruner e John Michaelis

Neste tópico, pretende-se explorar as teorias dos norte-americanos Jerome Bruner e


John Michaelis acerca das suas contribuições para a disciplina Estudos Sociais, analisadas sob
a vertente das histórias das disciplinas escolares de André Chervel, é importante esclarecer
algumas ideias que orientam o exame.
Para Nadai (1988), os Estudos Sociais foram divididos em três momentos de
implantação da proposta para o ensino da disciplina, cada um com suas especificidades. Em
seu primeiro momento, os Estudos Sociais representaram apenas uma proposta com origem
em um contexto reformista, aliado ao pensamento progressista educacional, sem nenhuma
obrigatoriedade de implantação. Nesse período, os conteúdos eram extraídos das Ciências
Humanas e, segundo a pesquisadora, “o objetivo fundamental ligava-se à divulgação do
conhecimento produzido no âmbito das Ciências Sociais” (NADAI,1988, p.2).
No segundo momento, os Estudos Sociais relacionavam-se às questões da escola
preparatória para a vida. Esse era o principal objetivo da proposta pedagógica, ou seja,
“aproximar o conteúdo educacional com a vida prática” (idem). Por fim, no seu terceiro
momento, na segunda metade da década de 1960, os Estudos Sociais apresentavam-se como
uma síntese entre duas correntes anteriores, denominada “uma proposta de cidadania”.
Segundo essa proposta, tal disciplina traria o indivíduo para os problemas da sociedade em
que vivia, ou seja, problemas sociais e políticos, atentando nas mudanças necessárias ao bem
da comunidade.
A partir dessas informações, tornou-se relevante examinar a disciplina Estudos Sociais
a fim de descobrir se a ideia de John Michaelis, acerca da formação da cidadania, foi
introduzida também no Brasil. Segundo Elza Nadai (1988), os objetivos ligados à formação
da cidadania derivados das ideias de Michaelis foram preservados em inúmeros programas de
diferentes escolas americanas. Ainda, para a autora, como destaca Michaelis, o aluno devia
tornar-se uma pessoa democrática, cujo comportamento fosse guiado por valores
democráticos e que fosse “leal ao sistema de vida americano e que [soubesse] apreciar os
sacrifícios e contribuições feitas para promover a vida democrática neste país e no resto do
mundo” (NADAI, 1988, p.4).
A partir dessas considerações, com o objetivo de analisar os estudos sociais e,
principalmente, de explorar seus conceitos, é necessário o entendimento sobre as ideias de
disciplina escolar. Entendemos aqui disciplina escolar como um conjunto de conhecimentos,
32

elaborado por especialistas, identificado e dotado de organização própria para o estudo. Esse
conhecimento, ao vincular-se à escola, estabelece novas relações de saber a partir das
atividades de seus agentes principais, ou seja, de professores e alunos (CHERVEL,1990).
Sabendo que as disciplinas escolares fazem parte do currículo e que constituem os saberes, ou
os conteúdos curriculares, há de se investigá-las em interação com a história dos currículos e
com a cultura escolar. Portanto, podemos afirmar que, para André Chervel (1990), existem
pontos importantes na arquitetura de uma disciplina escolar: finalidades, conteúdos e a
avaliação da disciplina escolar.
Com relação às finalidades, André Chervel (1990) afirma que existem dois tipos: as
finalidades de objetivos e as finalidades reais. No entanto, a distinção entre “finalidades reais
e finalidades de objetivo é uma necessidade imperiosa para o historiador das disciplinas. Ele
deve aprender a distingui-las, mesmo que os textos oficiais tenham tendência a misturar umas
e outras” (CHERVEL, 1990, p.17). Ainda para o autor, a definição das finalidades reais da
escola passa pela resposta à questão “por que a escola ensina o que ensina?” Portanto, o
estudo das finalidades não pode excluir os ensinos reais. Deve ser feito de forma que utilize
tanto os objetivos fixados quanto as finalidades da realidade pedagógica.
Em relação aos componentes curriculares, André Chervel (1990) afirma que dos
vários componentes de uma disciplina escolar, o primeiro, na ordem cronológica, é a
exposição pelo professor, ou pelo manual de um conteúdo de conhecimentos. Para o autor,
esse componente chama a atenção, pois é ele que a distingue de todas as modalidades não
escolares de aprendizagem, as da família ou da sociedade.
Essa tarefa é beneficiada por documentos, manuscritos, manuais e periódicos
pedagógicos. A partir desses exames, fica claro que, em cada época, o ensino é idêntico para a
mesma disciplina e para o mesmo nível. Segundo Chervel (1990),

Todos os manuais ou quase todos dizem então a mesma coisa, ou quase isso.
Os conceitos ensinados, a terminologia adotada, a coleção de rubricas e
capítulos, a organização do corpus de conhecimentos, mesmo os exemplos
utilizados ou os tipos de exercícios praticados são idênticos, com variações
aproximadas (CHERVEL, 1990, p.33).

No entanto, se os conteúdos explícitos constituem o eixo central da disciplina


ensinada, o exercício é a contrapartida quase indispensável. Sem o exercício e seu controle,
não há fixação possível de uma disciplina. O sucesso das disciplinas depende,
fundamentalmente, da qualidade dos exercícios aos quais elas podem se prestar. Para André
Chervel, exercício é “toda atividade do aluno observável pelo mestre, há de se convir de bom
33

grado que copiar o curso através do ditado não é, em si, o mais estimulante dos
exercícios”(CHERVEL, 1990, p.33-4). Com essas colocações, podemos afirmar que os
conteúdos explícitos da disciplina e as baterias de exercícios constituem, então, o núcleo da
disciplina.
Outro ponto importante para se estudar uma disciplina escolar, segundo Chervel
(1990, p.36), é a avaliação. Segundo o pesquisador, as necessidades de avaliar o aluno
causaram dois fenômenos nos exames internos e externos no desenvolver das disciplinas
ensinadas. O primeiro fenômeno é a especialização de certos exercícios na sua função de
exercícios do controle. O segundo fenômeno é o peso considerável que as provas do exame
final exercem, por vezes, sobre o desenrolar da classe e, portanto, sobre o desenvolvimento da
disciplina, ao menos em algumas das suas formas. Podemos dizer que, a menos que se escape
de qualquer avaliação, todo ensino, por natureza qualitativa, deve resgatar, em seu aparelho
didático, zonas quantitativas ou quantificáveis que possam fornecer escalas de medida
(CHERVEL, 1990).
Portanto, afirmamos que, para estudar uma disciplina escolar, é necessário o estudo do
contexto histórico, suas finalidades reais, bem como seus componentes curriculares. A
disciplina escolar é constituída de vários elementos – um ensino de exposição, os exercícios,
as práticas de incitação e de motivação e um aparelho docimológico – que, em cada estado da
disciplina, funcionam, evidentemente, em estreita colaboração, do mesmo modo que cada um
deles está, à sua maneira, em ligação direta com as finalidades.
Diante dessas informações, analisaremos a obra O processo de Educação de Jerome
Bruner e suas contribuições acerca de disciplina escolar e, em especial, para o ensino de
Estudos Sociais. Essa obra traz o conceito de estrutura da matéria que, segundo Elza Nadai
(1988), está associado à introdução do ensino de Estudos Sociais no Brasil. Bruner afirmava
que, ao compreender a estrutura de uma matéria, o aluno adquire condições para relacioná-la
a outras porque

[...] aprender a estrutura, em suma, é aprender como as coisas se relacionam


[...] os currículos escolares e os métodos didáticos devem estar articulados
para o ensino das ideias fundamentais em todas as matérias que estejam
sendo ensinadas (BRUNER, 1968, p.7).

Assim, para J. Bruner, “captar a estrutura da matéria em estudo é compreendê-la, de


modo que permita relacionar de maneira significativa, muitas outras coisas com ela” (apud
NADAI, 1988, p.4).
34

A ideia de currículo em espiral parte do princípio de que qualquer assunto pode ser
trabalhado pelas crianças desde que adaptado ao concreto. No início de sua formação, o aluno
receberia conceitos básicos que o preparariam a fim de entender a matéria formal ou
científica.

Em cada estágio do desenvolvimento, ela possui um modo característico de


visualizar o mundo e explicá-lo a si mesma. A tarefa de ensinar determinada
matéria, a uma criança, em qualquer idade é a de representar a estrutura da
referida matéria em termos da visualização que a criança tem das coisas...
como um trabalho de tradução (BRUNER, 1968, p.32).

Todos esses conceitos criados pelo Jerome Bruner foram frutos de relatórios das
conferências de Woods Hole, realizadas em 1959, sob a coordenação do próprio teórico. Com
o lançamento do livro O Processo da Educação, os escritos tiveram grande repercussão nas
reformas curriculares, ocorridas nos EUA, na década de 1960. Segundo Santos (2012, p. 6),

[...] interessado, em primeiro lugar, no estudo dos processos de


desenvolvimento psicológico e nos diferentes modos de pensamento, o autor
desenvolveu um conjunto de teorias sobre a aprendizagem, a linguagem, o
currículo, a pedagogia e antropologia que tiveram uma enorme influência,
nos EUA e na Europa, durante as décadas de 60, 70 e 80.

Todos esses processos, porém, foram consequências de uma expansão das cidades
ocorridas na metade do século XX, como também do surgimento de indústrias, da construção
de hospitais, escolas e vias de comunicação e dos movimentos migratórios, no sentido do
campo para as cidades, em busca de melhores condições de vida.
Os progressos da Ciência, da Medicina e da Indústria acenavam com grandes
promessas para os homens de todas as partes. Ao mesmo tempo, defrontavam-se com
problemas, tais como o desejo de fortalecer a democracia através do mundo. Portanto, todas
essas mudanças de caráter material influenciaram as estruturas sociais e o pensamento do
homem comum, que precisou se modificar, em relação a atitudes e valores, para desenvolver-
se no novo ambiente que os cercava. Assim, as mudanças verificadas na sociedade serviam
como justificativas para a necessidade de se melhorar a educação social (OLIVEIRA,1993).
Após essas informações, é necessário conhecer um pouco mais dos conceitos que, segundo
Elza Nadai (1988), colaboraram com as ideias para transformar o ensino e a aprendizagem.
Em relação à aprendizagem, Bruner (1968, p. 31) afirma que “qualquer assunto pode
ser ensinado com eficiência, de alguma forma intelectualmente honesta, a qualquer criança,
em qualquer estágio de desenvolvimento”. Assim, aprender um assunto envolve três
35

processos quase simultâneos: o primeiro é a aquisição de nova informação; o segundo,


chamado de transformação, é “o processo de manipular o conhecimento de modo a adaptá-lo
a novas tarefas” (idem, p.45); e o terceiro, é a avaliação, ou seja, o modo pelo qual
manipulamos se a informação é adequada à tarefa.
Para Bruner (1968), o ensino é a predisposição para aprender e explorar alternativas.
Pode-se ensinar um conteúdo para uma criança de qualquer idade, desde que seja apresentado
em termos da visualização que a criança tem das coisas. Com isso, o teórico apresenta quatro
ênfases em princípios da estrutura no ensino: a primeira é a de que entender os fundamentos
torna a matéria mais compreensível; a segunda relaciona-se com a memória humana, pois
“aprender os princípios gerais ou fundamentais assegura-nos de que a perda de memória
significa uma perda total, porque com o que nos fica podemos reconstruir os pormenores,
quando for necessário” (BRUNER, 1968, p.22).
A terceira é chamada de transferência de aprendizagem, compreende um princípio
mais fundamental, o de ter aprendido não só algo específico, mas também um modelo para a
compreensão de outras coisas semelhantes que se podem encontrar. A quarta, e última
alegação, em favor da ênfase em estrutura e princípios no ensino, é pelo reexame do que
estiver sendo ensinado – assim, é possível diminuir a distância entre conhecimento avançado
e conhecimento elementar.
No que diz respeito aos conteúdos, segundo a matriz curricular identificada, Bruner
(1968) os conceitua como o conjunto de informações a serem transmitidas. A partir desse
conceito, o autor apresenta modos de o aluno dominar o conteúdo: a forma de representação
utilizada pelo educando no momento da apresentação da matéria, a potência efetiva de uma
estruturação, o poder do aluno em descobrir algo por uma análise intelectual refinada e a
economia no que diz respeito à memorização de conteúdos por parte dos alunos.
Sabemos que o Processo da Educação, à época, teve grande repercussão, fato que
contribuiu com as mudanças no ensino-aprendizagem de várias partes do mundo, inclusive no
Brasil, como afirma Elza Nadai (1988), principalmente com a ideia de estrutura da matéria
apresentada pelo autor. Essas mudanças colaboraram, também, com conceitos na disciplina
Estudos Sociais que teve sua origem nos Estados Unidos e foi implantada no Brasil.
Para concluir, podemos afirmar que a proposta central do livro analisado é a ideia de
que é possível ensinar tudo aos alunos, desde que se utilizem procedimentos adaptados aos
estilos cognitivos e às suas necessidades. Assuntos, como a natureza da aprendizagem, a
estrutura do conhecimento, e os meios pelos quais um e outro são adquiridos, constituem as
grandes linhas de força do Processo da Educação.
36

Embora essa obra não esteja diretamente ligada ao ensino da disciplina apresentada na
presente pesquisa, os estudos de Jerome Bruner evidenciam conceitos e procedimentos que
foram adotados no ensino de Estudos Sociais implantados tanto no Brasil, quanto nos Estados
Unidos da América.
Ainda considerando os pontos importantes na arquitetura de uma disciplina escolar –
finalidades, os conteúdos e a avaliação da disciplina escolar (CHERVEL, 1990), analisaremos
o livro Estudos Sociais para crianças numa Democracia, de John Michaelis, com o objetivo
de responder as seguintes questões: quais as finalidades dos Estudos Sociais, segundo
Michaelis? Quais os conteúdos de Estudos Sociais propostos pelo autor? O que é avaliação
nos Estudos Sociais, segundo John Michaelis?
Para Michaelis (1970), o objetivo real dos Estudos Sociais é

proporcionar experiências que ajudem cada criança a viver eficientemente na


nossa sociedade democrática. Nesta sociedade, espera-se que a influência
recíproca entre os indivíduos seja de molde a que cada um possa realizar
suas mais altas potencialidades e, ao mesmo tempo, contribuir para o
melhoramento do grupo. Com isso, a criança deve contribuir em
conhecimentos, compreensão, habilidades, atitudes e apreciações dentro das
linhas de comportamento (MICHAELIS, 1970, p.13).

Os objetivos dos Estudos Sociais “devem ser encarados com referência especial às
finalidades da educação na democracia americana” (MICHAELIS, 1970, p.10). Com isso, o
autor afirma que os estudos sociais contribuem com quatro finalidades: a autorrealização, as
relações humanas, a eficiência econômica e a responsabilidade cívica.
Segundo Michaelis (1970), a autorrealização proporciona experiências que promovem
o desenvolvimento pessoal, além de oferecer o exercício e o fortalecimento das aptidões
relativas à ação conjunta, linguagem, aos números e ao estudo. Ainda, para o autor,
proporciona a auto-orientação, a cooperação, a responsabilidade, e outras modalidades de
comportamento podem ser desenvolvidas nas atividades.
Nas relações humanas, a disciplina contribui, principalmente, com o respeito a outras
pessoas, em casa e fora dela. Colabora também com a amizade, a cooperação e a cortesia que
devem ser postas em prática e desenvolvidas nas atividades dos estudos sociais. Com relação
à escola, é o lugar onde deve se caracterizar pelas relações cordiais humanas na vida diária
das crianças.
Na eficiência econômica, o autor revela que os estudos sociais, na escola elementar,
“podem contribuir para a eficiência econômica proporcionando experiências que promovam
atitudes, compreensões e aptidões essenciais a um trabalho eficiente” (MICHAELIS, 1970,
37

p.11). O planejamento em grupo, por exemplo, pode ser levado em consideração para várias
tarefas, os meios de realizá-las e o papel de cada indivíduo no desempenho das
responsabilidades aceitas. É a partir dessas experiências que a criança desenvolve as
qualidades necessárias para se tornar um trabalhador competente dentro das atividades do lar,
da escola e da comunidade.
Por fim, a responsabilidade cívica pode ser desenvolvida de diversos modos no âmbito
dos estudos sociais, como ser um membro responsável do grupo, apreciar as necessidades e as
contribuições alheias e prestar assistências – e, também, respeitar os padrões estabelecidos
pelo grupo e as diferenças. Com isso, o papel das pessoas, das leis e das instituições na vida
democrática surgirá como um conceito fundamental no setor das relações humanas.
Em relação aos conteúdos, Michaelis afirma que os componentes curriculares são
história, geografia e educação cívica. Apesar de os sistemas escolares diferenciarem muito
uns dos outros, “os melhores programas incluem conteúdos, materiais e atividades referentes
às relações humanas no lar, na escola, na comunidade e em outros lugares” (MICHAELIS,
1970, p.5). No jardim de infância e primeiro grau, os conteúdos são relativos ao Lar, à Escola
e ao Bairro. No segundo grau, existem conteúdos acerca da Comunidade. No terceiro grau, a
“Grande Comunidade” é colocada em destaque, caracterizando as funções e atividades que a
ela dizem respeito. No quarto grau, o que ganha destaque são os conteúdos sobre outros
países e o Estado natal das crianças.
No quinto grau, destaca-se a vida americana dos primeiros tempos nas diferentes
regiões, como por exemplo, o Movimento para o Oeste, Possessões Americanas etc. No sexto
grau, é dominante a Europa e os antecedentes europeus da História Americana, os
Hemisférios Ocidental e Oriental. No sétimo grau, os conteúdos mais frequentes são a
História dos Estados Unidos, os Direitos e Deveres do Cidadão, a Geografia e o Hemisfério
Oriental. Por fim, o oitavo grau é caracterizado pelos conteúdos A História Americana, a
Constituição e o Desenvolvimento das Instituições Americanas.
Quanto à avaliação nos Estudos Sociais, o pesquisador coloca que “é o processo em
que consiste em determinar a espécie e a extensão das modificações operadas no
comportamento da criança, resultantes de experiências destinadas a promover a aprendizagem
social” (MICHAELIS, 1970, p.430). Em outras palavras, avaliar é mais do que testar e medir,
inclui todos os procedimentos usados para responder à pergunta: “Em que grau estão sendo
alcançados os propósitos dos estudos sociais?” (idem).
Para uma avaliação se tornar eficaz, deve-se obedecer a algumas diretrizes, tais como
a avaliação como ponto de vista desenvolvido cooperativamente. Nesse caso, o professor
38

ocupa uma posição importante, pois o seu ponto de vista, os métodos de ensino, o
conhecimento das características da criança, a seleção de materiais e a capacidade de formar
valores democráticos determinam a qualidade da avaliação. Na avaliação como parte
integrante da instrução, o professor observa e registra as necessidades do aluno, introduz
modificações e melhora o programa à medida que este se desenvolve. Segundo o autor, é um
dos processos avaliativos mais valiosos. Na avaliação como processo contínuo, esse princípio
sugere que uma avaliação eficaz se processa a todo instante na sala de aula – isso implica que
sumários periódicos e testes organizados não tenham lugar na avaliação.
A avaliação como processo cooperativo, para John Michaelis (1970), deve ser feita
em cooperação com outros professores, com os alunos, pais, supervisores e administradores.
Alunos e professores participam com o uso de várias técnicas de avaliação; os pais cooperam
na interpretação de dados colhidos mediante uso dos instrumentos avaliatórios; os
supervisores e administradores ajudam no programa com o objetivo de dar sustentação,
direção e assistência. Com relação à avaliação em função dos objetivos do programa, o
pesquisador afirma que se deve atender às atitudes, conceitos, processos de grupo,
aproveitamento de aptidões e desenvolvimento de interesses, e não apenas a fatos e
conhecimentos. Nessa diretriz, é importante que os resultados emocionais, sociais, intelectuais
e físicos também sejam avaliados.
Por fim, o autor coloca a autoavaliação das crianças, que é “um processo natural
usado pelas crianças ao empreenderem atividades significativas. A auto-avaliação, capaz de
conduzir a uma crescente autodeterminação, é parte essencial da avaliação nos estudos
sociais” (MICHAELIS, 1970, p.437). Com o objetivo de avaliar a si mesmas, as crianças
devem ser orientadas no sentido de formarem uma concepção clara dos propósitos capazes de
guiar os seus esforços avaliatórios.
Examinamos o manual Estudos Sociais para crianças numa democracia, de John
Michaelis, e o livro O processo de educação, de Jerome Bruner, na vertente da história das
disciplinas escolares, defendida por André Chervel, para quem os pilares de sustentação de
uma disciplina são os conteúdos, as finalidades e a avaliação. Para Elza Nadai (1988), esses
autores foram os principais responsáveis pela introdução de conceitos e procedimentos para a
disciplina Estudos Sociais no Brasil. Vimos, então, que a disciplina dentro das ideias de
Michaelis, tem por objetivo manter um padrão de comportamento determinado, de modo a
adaptar as mudanças ao contexto social prevalecente, também, integrar os jovens aos
elementos já consolidados do sistema político-social. Assim, faz com que seu fim maior
continue sendo a socialização do homem, a partir dos modelos sociais preexistentes,
39

entendendo-se a sociedade como um sistema acima da perspectiva individual.

1.3. Os manuais de formação de professor de Estudos Sociais no Brasil: em busca das


matrizes estadunidenses

Aqui examinaremos os manuais de formação de professores de estudos sociais,


produzidos no Brasil, entre o período de 1960 e 1980. Apresentaremos, também, uma análise
acerca dos conteúdos, definições, componentes curriculares, ensino e aprendizagem nos
Estudos Sociais e responderemos às questões referentes às matrizes estadunidenses
encontradas. Como mencionamos, totalizam-se quinze livros analisados, vale ressaltar, que
cada manual foi analisado de acordo com as suas especificidades.
O livro escrito por Delgado de Carvalho, com sua primeira edição datada do ano de
1957, intitulado Introdução Metodológica aos Estudos Sociais, está dividido em três partes. A
primeira parte intitula-se conceituação dos Estudos Sociais, trazendo a História dos Estudos
Sociais, bem como sua “evolução” ao ensino dos seus componentes curriculares que são a
Geografia, a História, a Economia Política e a Sociologia. Apresenta também os objetivos e as
finalidades do ensino de Estudos Sociais no Brasil. Já a segunda parte do manual está voltada
diretamente a parte da psicologia da aprendizagem, pois nos proporciona interagir acerca das
fases de crescimento da criança e exibe também um panorama acerca das qualidades e
responsabilidades do docente. A última parte do manual é nomeada como “técnicas geral para
integração dos Estudos Sociais”, ou seja, está diretamente ligada à parte prática do ensino,
que nos mostra os métodos, currículos e programas, estudo dirigido e aparelhamento didático
e as verificações da aprendizagem.
O manual de formação docente escrito por Josephina Gaudenzi, no ano de 1962, com
o título Estudos Sociais na escola primária, trabalha com as primeiras séries do primeiro
grau. Na primeira série do primeiro grau, os temas dos capítulos têm como objetivo trabalhar
a criança em seu novo ambiente que é a escola. Já os assuntos referentes ao segundo ano,
trabalham com a comunidade e o trabalho na sociedade em que as crianças vivem. No terceiro
ano de escola da criança o livro nos mostra a importância das novas formas de vida e o
aproveitamento dos recursos naturais no sentido da melhoria e progresso das condições de
vida. No quarto ano de escolarização, o aluno começa a conhecer um pouco melhor a
“realidade brasileira” (GAUDENZI, 1962, p.514), como, por exemplo, os processos de
colonização, clima e condições de vida.
40

E, no quinto e último ano do primeiro grau, o aluno tem como objetivos aprender a
“cidadania fundada no conhecimento da realidade brasileira” (GAUDENZI, 1962, p.517),
trazendo como assuntos higiene e saneamento, indústria, trabalho e educação, organização de
uma cooperativa, comércio internacional, ou seja, temas em que o aluno consiga interagir com
a sociedade.
Livro traduzido para o português, escrito em 1965, pelo norte-americano Ralph
Preston, intitulado Ensinando Estudos Sociais na escola primária, o manual pauta-se
principalmente nos objetivos dos Estudos Sociais, no ensino e na aprendizagem e nos recursos
que auxiliam o professor em sala de aula, como por exemplo, o uso de mapas e globos e
recursos audiovisuais. Característica marcante do livro é o seu método da unidade que “é uma
série de atividades pedagógicas relacionadas, organizadas em torno de um tópico ou
programa” (PRESTON, 1965, p.101).
Do autor Pedro Henrique Osório, do ano de 1965, Introdução analítica aos Estudos
Sociais, é um manual que nos revela ‘através de análise ao conceito de Estudos Sociais e
termina sua primeira parte – a menor e menos substancial – com a Evolução das Ciências”
(OSÓRIO, 1965, p.4). Nos mostra também objetivos, ensino e aprendizagem acerca dos
Estudos Sociais. No entanto, esses temas serão discutidos no decorrer desta dissertação. Já o
manual escrito por Maria Onolita Peixoto, também escrito no ano de 1965, intitulado
Habilidades de Estudos Sociais, está focado fundamentalmente nas habilidades dos Estudos
Sociais e nas habilidades específicas de conteúdos. A autora deixa claro que seu livro está
pautado nas ideias do norte-americano John Michaelis, como evidenciamos nas colocações da
própria, “segundo John Michaelis os Estudos Sociais são estudos concernentes às pessoas e
suas interações com seu meio físico e social, são estudos que tratam das relações humanas”
(PEIXOTO, 1965, p.17)
Escrito por Therezinha Deusdará e Leny Werneck Dornelles, Estudos Sociais –
Introdução, divide-se em três unidades. Na primeira unidade “Estudos Sociais no currículo da
escola primária”, as autoras posicionam os objetivos da disciplina, o conceito de Estudos
Sociais e o seu currículo. Já na segunda unidade, “O programa de Estudos Sociais” nos
evidencia a abrangência do programa, como por exemplo, os fatores básicos na organização
do programa. E, na última unidade intitulada “A direção da aprendizagem em Estudos
Sociais”, as autoras descrevem a função do professor, a organização da classe e as técnicas e
os recursos empregados na aprendizagem, como, por exemplo, trabalhos em grupo, recursos
da comunidade, uso dos mapas e globos, recursos audiovisuais, leitura funcional e atividades
de aplicação. Aborda também a avaliação do programa e da aprendizagem de Estudos Sociais.
41

No livro escrito por Francisca Alba Teixeira no ano de 1969, Estudos Sociais na
Escola Primária, apresenta seu trabalho em duas partes. Na primeira, denomina-se
“Elementos do processo educativo” onde evidencia “quem aprende”, o aluno, “quem orienta o
aluno no processo da aprendizagem”, o professor, “o que o aluno aprende”, a matéria, e “os
instrumentos para a aprendizagem do aluno”, as atividades. Na segunda parte, intitulada
“Ciclo docente” exibe o plano de curso, o plano de unidade e o plano de aula. Por fim, na
última parte do livro denominada “Conclusão”, comenta para que serve o ensino de Estudos
Sociais.
No manual A aprendizagem dos Estudos Sociais da autora Nilda Bethlem, do ano de
1975, está dividido em nove unidades distintas. Na primeira unidade, a pesquisadora trabalha
com a escola, o professor, o aluno e a aprendizagem. Na segunda, é descrito o conceito de
Estudos Sociais, os objetivos e programas. O foco da terceira unidade é o trabalho de grupo.
Na quarta unidade, trabalha-se com os fatos e conceitos em Estudos Sociais. A quinta
unidade, a preocupação são os meios usados na aprendizagem dos Estudos Sociais. A autora
também dá destaque, em seu livro, para as unidades didáticas, pois é o tema da sexta unidade
do livro. A avaliação faz parte da sétima unidade, na oitava são as organizações de caráter
educativo e a última unidade é a bibliografia.
Escrito por Antônio Teles Xavier, seu manual Estudos Sociais nova perspectiva das
ciências humanas, no ano de 1975, está dividido em duas partes. Na primeira parte, o autor
trabalha com a conceituação dos Estudos Sociais, os processos sociais básicos, ou seja, os
fatos sociais, a sociedade e o comportamento social. Dedica-se também aos efeitos dos
processos sociais, como, por exemplo, estereótipos, ideologia, atitudes, preconceitos, cultura e
civilização e também os diversos grupos sociais. Na segunda parte, o autor começa
trabalhando a infraestrutura social, economia, desenvolvimento econômico, industrialização e
seus efeitos sociais. A seguir, discute acerca do tema população, demografia, urbanização, e
modernização. A estrutura social também é preocupação no livro, em que discutem-se temas
como a sociologia moral, sociologia jurídica, liberdade e direitos humanos. E, por fim, analisa
as diversas instituições sociais, ou seja, as instituições de comunicação, educacional e a
religião.
O livro elaborado pela Equipe Renov, coordenado pela pedagoga Maria Regina Viana
Pannuti, no ano de 1976, intitulado Estudos Sociais: uma proposta para o professor, está
dividido em oito capítulos. Neles, estão contidos observações e descrições acerca do conceito
de Estudos Sociais, dos objetivos, conhecimento sobre a realidade educacional, o professor,
métodos de ensino, como, por exemplo, ensinar por conceitos a unidade pedagógica em
42

Estudos Sociais e os Estudos Sociais e a orientação vocacional. Já o livro intitulado Didática


dos Estudos Sociais: como aprender como ensinar, elaborado pelas autoras Maria Helena
Cozzolino de Oliveira e Ieda da Silva Monteiro, no ano de 1984, está dividido em seis
unidades, sugestões de atividades e atividades complementares.
A primeira unidade trabalha as características, os conceitos, as relações dos Estudos
Sociais com as Ciências Sociais, o currículo, o objeto e os objetivos da disciplina. Já na
segunda unidade está o currículo e o programa, na terceira unidade dedicam-se à ideia de
conceito e as modalidades dos objetivos, habilidades e atitudes. Na quarta unidade, temos o
livro em Estudos Sociais e a avaliação do aluno, na penúltima unidade está a unidade didática
com algumas modelos para auxiliar o professor e, na última unidade, os instrumentos
auxiliares para o ensino de Estudos Sociais, ou seja, mapas, globos excursões, visitas,
entrevista.
Diferentemente dos livros até aqui descritos, o manual organizado por Claudino
Piletti, no ano de 1984, não é exclusivamente de Estudos Sociais. Denominada Didática
Especial, também trabalha com outras disciplinas que são a Língua Portuguesa e a
Matemática. Na parte de Estudos Sociais, apenas três capítulos a constituem, no primeiro
capítulo o autor trabalha a conceituação, importância e objetivos da área de Estudos Sociais.
No segundo capítulo, as técnicas específicas e recursos didáticos para o ensino de Estudos
Sociais estão presentes no texto e, no último capítulo, temas como comunidade, natureza e
cultura, recursos naturais, necessidades básicas do homem, atividades humanas, o município e
o país são trabalhados no livro.
Escrito no ano de 1986 pelos pesquisadores Dulce Maria Camargo Leme, Eloisa de
Mattos Holfing, Ernesta Zamboni e Newton Cesar Balzan, o manual intitulado O ensino de
Estudos Sociais está dividido em apenas três capítulos, nos quais o primeiro capítulo nos dá
ideias do conceito, do livro didático e da disciplina. Já no segundo capítulo nos mostram
relatos de experiências nas séries iniciais de primeira a quarta série e, no último capítulo
elaboram-se noções fundamentais para a compreensão da realidade social.
No manual da pesquisadora Dayse Maria Rocha, intitulado Didática de Estudos
Sociais nas primeiras séries do 1 grau, no ano de 1986, diferente dos demais livros descritos,
é trabalhado em quadro módulos e dentro desses módulos contém textos acerca do tema em
questão. No primeiro módulo, temos três textos sobre conceito, fundamentação e objetivos
dos Estudos Sociais, já no segundo módulo existem cinco textos elaborados para a discussão
sobre as atividades da disciplina nas primeiras e segundas séries do primeiro grau. O terceiro
módulo, três textos para atividades nas terceiras e quartas séries do primeiro grau. Já no
43

quarto módulo estão os materiais para ensino e aprendizagem e, no último módulo, está a
avaliação para a disciplina.
Por fim, o livro escrito por Rosalva Portella e Rosaly Maria Braga Chianca, com sua
primeira edição publicada no ano de 1989, está dividido em seis capítulos. No primeiro
capítulo, está descrito o objeto e para que serve os Estudos Sociais, no segundo, as autoras
apresentam a proposta pedagógica do ensino da referida disciplina. Já no terceiro capítulo,
partem para a ideia de “conhecer o aluno” com técnicas desenvolvidas que estimulam o aluno
a “pensar”. No capítulo seguinte, estão as técnicas de ensino. No quinto capítulo, estão os
conteúdos relacionados à História, como por exemplo, “a importância das datas
comemorativas” e, no sexto capítulo, têm sugestões de unidades de ensino para serem
trabalhadas em sala de aula.
Vimos que cada um dos materiais tem suas características e especificidades, como
também semelhanças. Com isso, apresentamos os manuais que trabalharemos nos tópicos a
seguir. O trabalho de descrição é importante porque visa um melhor conhecimento acerca do
que se é estudado e ajuda a ter uma “visualização” do livro e do conteúdo. A seguir
descreveremos a formação dos autores.

1.3.1. Descrição sumária

Como mencionado, foram analisados quinze manuais de formação de professores da


disciplina Estudos Sociais. Nesse tópico, pretendemos descrever a formação dos autores de
cada manual analisado dentro dessa dissertação.
Dos manuais analisados, apenas dois livros são de autoria de pesquisadores norte-
americanos: um deles é o manual Ensinando Estudos Socais na Escola Primária, de autoria
do pesquisador norte-americano Ralph Preston. Professor de Educação na Universidade da
Pensilvânia, Preston dedicou-se ao desenvolvimento da psicologia da aprendizagem das
crianças, aos conteúdos essenciais dos Estudos Sociais e aos materiais e métodos mais
adequados para promover esse desenvolvimento (PRESTON, 1965). Seu livro, cuja ênfase é
dada ao método de aprendizagem, denominado método da unidade, está dividido em 14
capítulos.
O outro manual norte-americano, Estudos Sociais para crianças numa democracia, é
de autoria de John U. Michaelis que começou sua carreira de professor em Englewood, no
44

Colorado, Estados Unidos. Posteriormente, iniciou o curso de Doutorado na Universidade de


Maryland, e, em seguida, tornou-se superintendente adjunto de escolas no Condado de Prince
George. Finalmente, em 1945, tornou-se um professor na Faculdade de Educação, em
Berkeley, na Califórnia. Também ingressou na Associação Nacional de Educação, da
American Educational Research Association, o Conselho Nacional para os Estudos Sociais,
da Associação de Supervisão e Desenvolvimento Curricular, o Conselho Nacional de
Professores de Inglês e do Conselho Nacional de Educação Geografia (FRANÇA, 2012).
A partir de 1951, John Udell Michaelis passou a exercer uma influência em âmbito
internacional ao dirigir a delegação norte-americana na Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Também serviu na United States Department
of State no Líbano, Filipinas, Birmânia e Equador (FRANÇA, 2012).
Dentre os brasileiros, destaca-se o manual escrito por Delgado de Carvalho, pois foi
um dos responsáveis pela implantação da disciplina Estudos Sociais no Brasil. Carvalho
(1957) estudou Direito na Universidade de Lausanne e Ciências Políticas em Paris. Também
estudou Diplomacia, com uma passagem pela London School of Economics. Voltou ao
Brasil, na primeira década do século XX, com objetivo de escrever a sua tese de graduação
para a Escola de Ciências Políticas de Paris (CARVALHO, 1970).
Dedicou-se ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e à Sociedade Geográfica do
Rio de Janeiro (1920). Participou da fundação do Conselho Nacional de Geografia. No
Magistério, lecionou nas Escolas de Intendência e Estado Maior do Exército (1921), no
Colégio Pedro II (Geografia, Sociologia e Inglês). Na Escola Normal, organizou também o
Curso Livre Superior de Geografia (1926), destinado à atualização dos professores do Ensino
Fundamental.
Rosalva Alves Portella é bacharel e licenciada em Geografia pela Universidade de São
Paulo, Mestra na área de Didática pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo,
foi assessora de Estudos Sociais da Escola Nova Lourenço Castanho e professora da Escola
Nossa Senhora das Graças. Rosaly Maria Braga Chianca é bacharela e licenciada em
Geografia pela Universidade de São Paulo, tem especialização em planejamento educacional
pelo Sedes Sapientiae e professora da Escola Nova Lourenço Castanho. Ivone Dias Avelino é
doutora em História pela Universidade de São Paulo, lecionou a disciplina História da
América da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e coordenou a disciplina Estudos
Sociais do Colégio Santa Cruz em São Paulo (PILETTI, 1989).
A pesquisadora Ernesta Zamboni é formada em História pela Pontifícia Universidade
Católica de Campinas (1961), possui Mestrado em História pela Universidade de São Paulo
45

(1979) e Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1991). É


Professora Aposentada Colaboradora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas, atuando no Programa de Pós-Graduação. Tem experiência na área de Educação,
com ênfase em Ensino-Aprendizagem, atuando principalmente nos seguintes temas:
educação, história, cultura, história e ensino. Foi a primeira presidente da Associação
Brasileira de Pesquisadores de História. Atualmente, coordena o Grupo de Pesquisa Memória,
História e Educação da FE/UNICAMP, o Projeto de pesquisa Peabirui: Ensino de História e
Cultura Contemporânea, em desenvolvimento na Universidade Estadual de Londrina, na
UNICAMP, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal de Uberlândia e
na Universidade Federal de Juiz de fora (LATTES, 2013).
Newton César Balzan possui graduação em Geografia e História pela Universidade de
São Paulo (1957), graduação em Pedagogia pela Universidade de Mogi das Cruzes (1972),
Doutorado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1974)
e Pós-Doutorado Boston University, MA, USA ( 1983-1984 ). Professora ( MS-5/Adjunta)
voluntária/aposentada da Universidade Estadual de Campinas ( UNICAMP ), Bolsista -
Pesquisadora Sênior - CNPq; Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas ( PUC-Campinas ). Tem experiência na área de Educação , com ênfase em
Educação Superior, focalizando: Formação de Professores, Avaliação do Ensino e
Aprendizagem e Avaliação Institucional (LATTES, 2013).
Eloisa de Mattos Holfing possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1971), mestrado em Educação pela Universidade
Estadual de Campinas (1981) e doutorado em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas (1993). Atualmente é professora aposentada, colaboradora da Faculdade de
Educação da Universidade Estadual de Campinas, atuando no Programa de Pós-Graduação.
Antônio Xavier Teles foi professor de Ensino Superior do Colégio Pedro II e ex-
técnico de educação (TELES, 1975). Maria Regina Vianna Pannutti é pedagoga. Além desses
autores de manuais de formação de professores de Estudos Sociais estudados nesta
dissertação, existem outros, cujas biografias, ou informações, não as obtivemos, apesar de
mencionarmos seus nomes aqui. Esse é o caso de Nilda Bethlem, Josephina de Castro e Silva
Gaudenzi, Pedro Henrique Osório, Maria Onolito Peixoto, Daisy Maria Alves Rocha,
Francisca Alba Teixeira, Maria Cozzolino de Oliveira, Ieda da Silva Monteiro, Leny Werneck
Dornelles e Therezinha Deusdará.
46

1.3.2. Inventário dos conteúdos

Em relação aos conteúdos, foram analisados os capítulos de cada manual. Em seguida,


foi feito um banco de dados e um agrupamento das ideias mais recorrentes em cada capítulo
com o objetivo de encontrar quais os elementos se destacavam. Dos quinze manuais
analisados, somou-se um total de 138 capítulos. Dentre eles, sobressai-se o livro Estudos
Sociais na Escola Primária, escrito por Josephina de Castro e Silva Guadenzi com um total
de 43 capítulos. Esse destaque se deve à elaboração da obra, pois o objetivo do livro é mostrar
as peculiaridades de cada série do primeiro grau. Assim, torna-se um manual rico em
detalhes, conteúdos e propostas pedagógicas para os alunos de todas as séries de ensino no
primeiro grau.
Nos livros analisados, cerca de 33% dos capítulos tem, como item principal, os
conteúdos ensinados na disciplina, ou seja, 45 dos capítulos analisados pertencem a esse
grupo. Apesar de ser o destaque na análise, esse elemento constitui, em média, cerca de três
capítulos por livro, por isso esse grande número nos componentes relacionados aos conteúdos.
Em segundo lugar, em termos de frequência, estão os métodos de ensino sugeridos
para uso nos estudos sociais. Eles contabilizam 13% do total de capítulos inventariados.
Apesar de constituírem a segunda classe de elementos mais frequentes, os métodos não estão
presentes em todos os livros analisados. No entanto, nos manuais em que se fazem presentes,
contabiliza-se cerca de três, chegando até cinco capítulos nos livros em que estão contidos.
Merece destaque o manual escrito pelo pesquisador Ralph Preston (1965), intitulado
Ensinando Estudos Sociais na escola primária, que disponibiliza sete capítulos para tratar de
métodos de ensino. Nessa obra, há grande esforço para apresentar ao professor as inovações
extraídas da experiência norte-americana com as escolas experimentais.
Os recursos, que são os materiais que os autores dos livros sugerem para aprimorar e
facilitar o ensino dos alunos, estão em 8,5% dos capítulos analisados. Vale ressaltar que,
apesar de ser o terceiro elemento mais expressivo, está presente apenas em nove manuais
analisados. Conceituação e planejamento são outros elementos que se destacam na análise –
fazem parte de 12% e 7%, respectivamente. Importante perceber que, em relação à
conceituação, os autores dos livros mostram a importância da definição da disciplina Estudos
Sociais. Outra observação importante é que todos os manuais dedicam, pelo menos, um
capítulo para esse componente. Em relação ao planejamento, apenas a metade dos livros
47

preocupa-se com esse item, destacando a pesquisadora Francisca Alba Teixeira, pois, em seu
livro, dedicou três capítulos para esse componente.
A avaliação está presente em 65% dos manuais de estudos sociais analisados. No
entanto, apenas cinco livros tratam desse elemento: Ensinando Estudos Sociais na Escola
Primária, Estudos Sociais na escola primária, Introdução Metodológica aos Estudos Sociais,
O ensino de Estudos Sociais no primeiro grau e Didática de Estudos Sociais nas primeiras
séries do 1 grau. A aprendizagem, presente em seis manuais analisados, faz parte de 4% do
total de capítulos analisados.
Em relação à atividade, presente em 5% do total analisado, está presente em apenas
dois livros, no entanto, os autores dão destaque importante para esse elemento, colocando-o
em quatro capítulos no livro Estudos Sociais na escola primária e dois capítulos em Didática
de Estudos Sociais nas primeiras séries do 1 grau. Itens como aluno, ensino, formação
(docente), fundamentos e histórico aparecem em apenas 4,5%.
Com esses detalhes, podemos colocar em evidência o livro do norte-americano Ralph
Preston, intitulado Ensinando Estudos Sociais na Escola Primária (1965), pois esse manual
contém todos os componentes analisados. Afirmamos, assim, que os autores dos manuais de
professores de Estudos Sociais observados têm uma grande preocupação em indicar quais os
conteúdos da disciplina devem ser ensinados. Os elementos considerados importantes para o
professor, como por exemplo, aprendizagem, ensino e planejamento foram pouco citados nos
livros.

1.3.3. Finalidades dos Estudos Sociais

Segundo André Chervel (1990), “o problema das finalidades da escola é certamente


um dos mais complexos e dos mais sutis com os quais se vê confrontada a história do ensino”
(CHERVEL, 1990, p.13). Ainda, para o pesquisador, a sociedade, a família e a religião
experimentaram, em determinada época da história, a necessidade de delegar certas tarefas
educacionais a uma instituição especializada. A identificação, a classificação e a organização
desses objetivos ou dessas finalidades são uma das tarefas da história das disciplinas
escolares. Partindo desses pressupostos, descreveremos e analisaremos a seguir as finalidades
dos Estudos Sociais segundo os autores dos manuais de formação de professores da referida
disciplina.
48

Tabela 01 – Finalidades dos Estudos Sociais

Autor Livro Finalidades


BALZAN, Newton O ensino de “Propiciar ao aluno a reflexão sobre um mundo que está sendo construído
Cesar; HOLFING, Estudos Sociais - e do qual ele faz parte - que está em movimento, que está permeável à
Eloisa de Mattos; no primeiro participação dele como sujeito”. (p.12)
LEME, Dulce Maria grau
P. Camargo e
ZAMBONI, Ernesta
BETHLEM, Nilda A “Temos que selecionar conhecimentos, atividades e meios que os ajudem,
aprendizagem como crianças ou adolescentes, assegurando-lhes os direitos de membros
dos Estudos de uma sociedade e sobretudo a manutenção da dignidade de seres
Sociais humanos que são”. (p.17)

CARVALHO, Introdução “Os objetivos dos Estudos Sociais são: conhecer e compreender os
Delgado de Metodológica conceitos sociais e o valor das instituições; desenvolver, no indivíduo, a
aos Estudos capacidade de estudar, ler e interpretar, com senso crítico, o que leu,
Sociais ouviu ou viu; despertar a personalidade do educando, desenvolvendo seus
interesses culturais e seu senso de responsabilidade; integrar o indivíduo
na sociedade democrática em que deve viver, promovendo a sua
cooperação como bom cidadão; compreender a interdependência das
Nações no mundo moderno, respeitando as funções particulares dos
diferentes grupos e contribuindo à compreensão internacional”. (p.67-68)

CHIANCA, Rosaly Didática de “Desmembrar fatos, interligar os marcos da construção humana, associar
Maria Braga; Estudos Sociais o homem-indivíduo ao homem-social nas relações político-sociais e
PORTELLA, econômicas são perspectivas desafiantes para os Estudos Sociais” (p.5).
Rosalva

DEUSDARÁ, Estudos “O principal objetivo dos Estudos Sociais na escola primária é o fim
Therezinha e Sociais: mesmo da educação, isto é, o ajustamento social e pessoal do aluno”.
DORNELLES, Introdução (p.9)
Leny Werneck

MONTEIRO, Ieda Didática dos “Os objetivos dos Estudos Sociais visam: ao desenvolvimento integral do
da Silva e Estudos aluno, à integração do aluno, à aquisição de valores morais e espirituais
OLIVEIRA, Maria Sociais: como de acordo com a pessoa humana e a formação cultural do país”. (p.8)
Helena Cozzolino aprender como
ensinar

PANNUTI, Maria Estudos “A área de Estudos Sociais tem por objetivo a integração social espaço-
Regina Viana Sociais: uma temporal e social do educando em âmbitos gradativamente mais amplos”
proposta para o (p.19)
professor
PEIXOTO, Maria Habilidades de “Educar para uma democracia – educar para viver democraticamente, isto
Onolita Estudos Sociais é, em base de cooperação mútua, de respeito à integração individual e
na escola responsabilidade social, constituem, pois tarefa de relevo na época atual”
primária (p.19)

PILETTI, Claudino Didática “Os objetivos do ensino de Estudos Sociais podem ser assim
Especial sintetizados: integração do educando com a sua realidade, percepção do
processo histórico na sua totalidade, desenvolvimento da capacidade de
interpretação crítica dos fatos e das situações reais, percepção de si como
ser social e sua integração na sociedade, desenvolvimento das habilidades
de estudo e desenvolvimento da capacidade de interpretar fatos históricos
da sua região” (p.199-200)
49

PRESTON, Ralph Ensinando “O objetivo dos Estudos Sociais, é auxiliar a criança a compreender os
estudos sociais conceitos relativos à sociedade humana, e ao mesmo tempo desenvolver
na escola as qualidades intelectuais e morais imprescindíveis à formação de um
primaria cidadão democrático”. (p.34)
ROCHA, Dayse Didática de “O objetivo dos Estudos Sociais é o ajustamento crescente do educando
Maria Alves Estudos Sociais ao meio, cada vez mais amplo e complexo, em que deve não apenas viver
nas primeiras como conviver, dando-se ênfase ao conhecimento do Brasil na
séries do 1 grau perspectiva atual do seu desenvolvimento”. (p.19)

TEIXEIRA, Estudos Sociais “O objetivo dos Estudos Sociais diz respeito às relações humanas: relação
Francisca Alba na Escola entre pessoas, relações entre pessoas e instituições, relações entre pessoa
Primária e terra e relação entre pessoa e mercadoria”. (p.9)

TELES, Antônio Estudos Sociais “A finalidade do enfoque sociológico nos Estudos Sociais é mais prática:
Xavier nova dar uma visão dos diversos problemas sociais mais próximos do homem”.
perspectiva das (p.20)
ciências
humanas
Fonte: Baseado nos manuais de Estudos Sociais para formação de professores, produzidos no Brasil, no período de 1960 a
1980.

De acordo com as descrições sobre as finalidades 1 , cada manual, de uma forma


diferente, explicita o principal objetivo da disciplina Estudos Sociais que é preparar o aluno
para uma vida em sociedade. Ou seja, as ideias defendidas nos livros é que o ensino da
disciplina gira em torna das relações humanas, que segundo Michaelis (1970),

“atenta-se para as maneiras de viver e de trabalhar em conjunto, para a


utilização do meio ambiente a fim de fazer frente às necessidades humanas
fundamentais, para os costumes, instituições, valores e situações vitais –
para a herança cultural e suas características dinâmicas e evolutivas”
(MICHAELIS, 1970, p.4-5).

A partir disso, percebemos a ligação entre os manuais escritos no Brasil, durante o


período descrito, e as argumentações do referido pesquisador norte-americano. No entanto, os
autores brasileiros não trazem definições acerca do que seriam as “relações humanas” no
Brasil. Apesar disso, concluímos que o ensino de Estudos Sociais no Brasil teria as mesmas
finalidades da disciplina nos Estados Unidos da América, sendo o John Michaelis (1970) um
dos principais responsáveis pelas ideias elaboradas para o ensino de Estudos Sociais.
Outro fator importante, para a análise das finalidades, é a ideia de democracia
defendida por alguns autores dos manuais descritos na tabela acima, como, por exemplo,
Peixoto (1965), o qual defende que o objetivo dos Estudos Sociais

1 Apenas o manual Estudos Sociais na escolar primária (1962) não traz as finalidades dos Estudos
Sociais.
50

“Educar para uma democracia – educar para viver democraticamente, isto é,


em base de cooperação mútua, de respeito à integração individual e
responsabilidade social, constituem, pois tarefa de relevo na época atual”
(PEIXOTO, 1965, p.19).

Carvalho (1957) afirma, em um de seus objetivos, que os Estudos Sociais deve


“integrar o indivíduo na sociedade democrática em que deve viver, promovendo a sua
cooperação como bom cidadão” (CARVALHO, 1957, p.67-68). E, segundo Preston (1965),

“o objetivo dos Estudos Sociais, é auxiliar a criança a compreender os


conceitos relativos à sociedade humana, e ao mesmo tempo desenvolver as
qualidades intelectuais e morais imprescindíveis à formação de um cidadão
democrático” (PRESTON, 1965, p.34).

Para o teórico norte-americano, democracia é “um modo efetivo de viver, baseado em


ideais fundamentais e duradouros” (MICHAELIS, 1970, p.16). Ou seja, os indivíduos são
respeitados, tem dignidade, fazem escolhas e tomam decisões, assumem responsabilidades e
levam-nas a termo, exercem e ajudam a preservar direitos inalienáveis e têm a oportunidade
de cooperar com os outros na construção de interesses comuns. Diante das afirmações
apresentadas pelos autores, podemos assegurar que a ideia de democracia defendida por John
Michaelis também seria a mesma dos autores brasileiros?
Historicamente, Brasil e Estados Unidos da América, durante os anos de 1960 e 1980,
viveram épocas diferentes. O Brasil estava passando por uma época de transição de governo,
onde inicia-se um dos períodos mais conturbados da História do país, a ditadura militar. Já
nos E.U.A., o país começava uma luta pelo direito da sociedade e contra a segregação racial.
Com esse contexto, podemos afirmar que existe uma grande diferença entre ideias de
democracia entre os dois países, pois, esse conceito não foi utilizado com as mesmas
características nos dois países.
A partir das ideias de finalidades dos autores apresentados, concluímos que o principal
objetivo do ensino de Estudos Sociais no Brasil, entre as décadas de 1960 e 1980, é de que o
aluno deve aprender a viver em sociedade através das relações humanas, tanto defendida pelo
pesquisador norte-americano John Michaelis (1970), quanto pelos autores dos manuais
descritos na tabela acima. No entanto, a ideia de democracia também defendida pelo autor
mencionado e pelos autores brasileiros não se cruzam, pois, Brasil e E.U.A. vivem
historicamente desafios diferentes dentro da sua sociedade.
51

1.3.4. Ideias Sobre a avaliação da aprendizagem em Estudos Sociais

Uma das matrizes da arquitetura elaborada por André Chervel (1990), acerca da
disciplina escolar, a avaliação consiste em medir a capacidade de absorção do conteúdo em
determinado aluno. A partir dessa afirmação e, de acordo com as premissas elaboradas nesta
pesquisa, descreveremos e analisaremos a tabela a seguir.

Tabela 02– Avaliar nos Estudos Sociais


Autor Livro Avaliação
BETHLEM, Nilda A aprendizagem dos “A avaliação não é uma simples medida de conhecimentos ou
Estudos Sociais aptidões e habilidades específicas. É um trabalho que inclui a
observação do modo de pensar e de agir, bem cômodos hábitos de
trabalho da criança, acompanhando as modificações que a
aprendizagem provoca na personalidade” (p.173).

CARVALHO, Introdução Avaliar consiste “em evidenciar a acumulação de conhecimentos


Delgado de Metodológica aos adquiridos sobre uma determinada matéria, revelar a capacidade
Estudos Sociais mental e o critério na interpretação, e comprovar que faz, que
sabe fazer e que faz bem” (p.258).
GAUDENZI, Estudos Sociais na A conversação dirigida, trabalhos de classe, a merenda, jogos e
Josephina de Castro escola primária outras atividades, além das entrevistas com os familiares dão base
e Silva à avaliação pela professora do rendimento escolar” (p.71)

PANNUTI, Maria Estudos Sociais: uma “A avaliação incide sobre os participantes do processo educativo
Regina Viana proposta para o como um todo. Os diferentes aspectos de comportamento,
professor componentes da personalidade, o desempenho e os interesses
serão objetos da avaliação” (p.74).

PRESTON, Ralph Ensinando estudos “O aproveitamento do aluno, tanto nos Estudos Sociais como em
sociais na escola outras áreas, deve ser avaliado em função dos objetivos do ensino
primaria (...) as quatro categorias de objetivos são: aproveitamento em
conhecimento e compreensão, em atitudes e comportamento,
capacidade de aplicar o raciocínio científico aos problemas
sociais e aproveitamento na capacidade de utilizar os
instrumentos dos Estudos Sociais” (p.382).

ROCHA, Dayse Didática de Estudos “Avaliar consiste em comparar o desempenho do aluno com os
Maria Alves Sociais nas primeiras objetivos de ensino” (p.81).
séries do 1 grau

TELES, Antônio Estudos Sociais nova “A avaliação é um último estágio de um processo complexo que
Xavier perspectiva das ciências envolve outros comportamentos, como conhecimentos,
humanas compreensões, aplicação, análise, síntese” (p.41)
Fonte: Baseado nos manuais de Estudos Sociais para formação de professores, produzidos no Brasil, no período de 1960 a
1980.
52

Como podemos observar, apenas sete livros dos quinze analisados na presente
pesquisa descrevem o conceito de avaliação2. Para os autores, avaliar consiste em analisar o
desempenho do aluno, como, por exemplo, descreve o autor Antônio Xavier Teles, segundo o
próprio,“avaliação é um último estágio de um processo complexo que envolve outros
comportamentos, como conhecimentos, compreensões, aplicação, análise, síntese” (TELES,
1975, p.41). No entanto, durante a avaliação é importante o uso de jogos, elaboração de
trabalhos, excursões e desenhos, como afirma Josephina Gaudenzi em seu livro, intitulado
Estudos Sociais na escola primária, “a avaliação organizada e contínua consiste na
conversação dirigida, trabalhos de classe, jogos e outras atividades, além de entrevistas com
os professores e é tarefa exclusiva do professor” (GAUDENZI, 1962, p.36).
Já a pesquisadora Pannutti (1976) vai além da avaliação direta entre professor e aluno.
Segundo a autora, o aluno deve praticar a autoavaliação com o objetivo de “colocar-se”
dentro do grupo. Ou seja, outros fatores também devem estar em evidência para realizar a
avaliação do aluno, como os fatores mental e psicológico, pois, para a pesquisadora “a
avaliação é uma auto-avaliação e um "colocar-se" de cada indivíduo no grupo. Os diferentes
aspectos do comportamento, os componentes da personalidade, o desempenho e os interesses
serão objetos da avaliação” (PANNUTTI, 1976, p.19).
De acordo com o norte-americano Ralph Preston, a avaliação tem como principal
objetivo avaliar os conhecimentos, as habilidades e os valores adquiridos pelo aluno. E,
diferentemente de alguns autores brasileiros, avaliar é trabalho exclusivo do professor. Pois,
segundo o autor, “avaliação do professor precisa avaliar o aproveitamento em conhecimento e
compreensão, em atitudes e comportamento, a capacidade de aplicar o raciocínio científico
aos problemas sociais e a capacidade de utilizar os instrumentos dos Estudos Sociais”
(PRESTON, 1962, p.25).
De acordo com o que foi descrito em relação ao item avaliação, podemos afirmar que
tanto o conceito elaborado por André Chervel como as ideias elaboradas pelos autores dos
manuais analisados estão diretamente ligadas. Os teóricos afirmam diretamente que o
principal objetivo da avaliação é testar a capacidade de aprendizagem do aluno de acordo com
os preceitos elaborados pelo professor em sala de aula. Portanto, desde os anos de 1960 à

2 Os livros O ensino de Estudos Sociais no primeiro grau (1986), Didática de Estudos Sociais
(1989),Introdução aos Estudos Sociais (1972), Estudos Sociais: Introdução (1967), Didática dos Estudos
Sociais: como aprender como ensinar (1984), Introdução Analítica aos Estudos Sociais (1965), Habilidades de
Estudos Sociais na escola primária (1965), Didática Especial (1984), o e Estudos Sociais na Escola Primária
(1962)não apresentaram em seus livros o conceito de avaliação nos Estudos Sociais.
53

década de 1990, do século XX, o quesito avaliação sofreu poucas mudanças em seus
fundamentos, princípios e finalidades.

Considerações

Vimos no presente capítulo que o ensino de Estudos Sociais nos Estados Unidos da
América, no período aqui analisado, desde sua oficialização como disciplina em 1916 nos
EUA e nos anos de 1970, período em que foi instituído no Brasil, caracterizou-se por manter
um padrão comportamental cujo objetivo principal é adaptar o cidadão ao contexto social
vigente e integrá-lo ao sistema político-social. Como também, aprofundamos a análise dos
principais teóricos norte-americanos Jerome Bruner (1968) e John Michaelis (1970). Teriam
sido as propostas de Bruner e Michaelis efetivamente apropriados pelos autores brasileiros?
Seriam Bruner e Michaelis os teóricos que fundamentaram a instituição dos Estudos Sociais
no Brasil?
Após a análise dos conceitos elaborados por Jerome Bruner (1968), em seu livro O
Processo da Educação, afirmamos que, na aprendizagem, a criança pode aprender qualquer
coisa no seu estágio de desenvolvimento. Na avaliação, a informação deve ser adequada à
tarefa. Para Bruner (1968), o ensino é a predisposição para aprender e explorar alternativas.
Pode-se ensinar um conteúdo para uma criança de qualquer idade, desde que seja apresentado
em termos da visualização que a criança tem das coisas. Portanto, no ensino, o aluno deve
estar disposto a aprender e explorar as alternativas. Com relação aos conteúdos, o autor
determina que esses elementos estão relacionados às informações transmitidas. No entanto,
apesar de contribuir, significativamente, para as ciências humanas, seus estudos trouxeram
mais resultados para as ciências naturais e exatas.
Já na apreciação dos escritos de John Michaelis (1970), em seu livro intitulado
Estudos Sociais para crianças numa democracia, que diferente do Bruner (1968), está
diretamente ligado ao ensino de Estudos Sociais. Concluímos que, para o estudioso, a
principal finalidade dessa disciplina “é proporcionar experiências que ajudem cada criança a
viver eficientemente na nossa sociedade democrática” (MICHAELIS, 1970, p.13).
Democracia essa que, segundo o próprio, é “um modo efetivo de viver, baseado em ideais
fundamentais e duradouros” (MICHAELIS, 1970, p.16), ou seja, os indivíduos são
respeitados, têm dignidade, fazem escolhas e tomam decisões, assumem responsabilidades e
54

levam-nas a termo, exercem e ajudam a preservar direitos inalienáveis e têm a oportunidade


de cooperar com os outros na construção de interesses comuns.
Como a análise foi ordenada de acordo com os conceitos acerca da disciplina escolar
de André Chervel (1990), asseguramos que, para Michaelis (1970), a História, Geografia e
Educação cívica são os principais componentes curriculares dos conteúdos que, por seu turno,
visam a programas que incluam materiais e atividades referentes às relações humanas no lar,
na escola, na comunidade. Em relação ao elemento avaliação, para o pesquisador, avaliar
consiste, fundamentalmente, em responder a seguinte pergunta: “Em que grau estão sendo
alcançados os propósitos dos Estudos Sociais?” (idem, p. 430). Por fim, para Michaelis
(1970), ensinar e aprender estão ligados ao objetivo de promover, no educando, atitudes de
um cidadão democrático e prepará-lo para ter relações humanas dentro de sua comunidade.
Tomado de posse dessas conclusões sobre os teóricos norte-americanos descritos e,
posteriormente, descrever e analisar os manuais de formação de professores, afirmamos que,
nos livros de formação de professores de autores brasileiros, constatamos que existia uma
grande preocupação em estabelecer quais os conteúdos deveriam ser ensinados para os
alunos, pois foi o tema de maior relevância de acordo com os dezessete manuais de formação
de professores analisados. Nos componentes curriculares, a História esteve presente em todos
os manuais, no entanto, vale ressaltar que em nenhum manual descrito este componente se
encontrou avulso. Em algumas publicações, o encontramos junto somente da Geografia.
Em relação a avaliação, elemento que esteve presente em apenas sete dos quinze
manuais descritos nesta pesquisa, observamos que a grande preocupação dos autores esteve
em analisar o desempenho da criança, através de meios que a estimulassem, como por
exemplo, jogos e trabalhos em classe.
Com essas descrições e análises, percebemos que nem todas as ideias elaborados pelos
teóricos norte-americanos foram apropriadas pelos autores dos manuais de formação de
professores de Estudos Sociais, nos anos de 1960 a 1980. Por exemplo, não foi incorporado o
conceito de democracia norte-americana para os brasileiros, pois, torna-se evidente as
diferentes situações vividas na mesma época, ou seja, os Estados Unidos da América
passavam por transformações sociais, igualdade racial, entre outros, e, no Brasil, o país estava
numa época de governos ditatoriais, onde os cidadãos lutavam pela democracia e pela
liberdade de expressão. Já os pensamentos acerca das “relações humanas” todos os autores se
apropriaram. Pois, segundo Michaelis (1970),
55

“o respeito às outras pessoas, em casa e fora dela, deve ser acentuado em


todas as unidades e grandes áreas de experiência. A amizade, a cooperação e
a cortesia devem ser postas em prática e desenvolvidas nas atividades
cooperativas dos estudos sociais” (MICHAELIS, 1970, p.11).

Portanto, o principal campo dos estudos sociais são as relações humanas. Esta ideia
está vinculada aos manuais de formação de professores produzidos no Brasil. Contribuindo,
assim, para um melhor desenvolvimento dos alunos nas escolas brasileiras. Com relação a
Jerome Bruner (1968), apenas seis dos quinze livros adotaram o principal conceito elaborado
pelo teórico. A concepção de estrutura da matéria que, em suma, é aprender como as coisas se
relacionam (...) os currículos escolares e os métodos didáticos devem estar articulados para o
ensino das ideias fundamentais em todas as matérias que estejam sendo ensinadas (BRUNER,
1968, p.7).
A partir dessas análises, concluímos que alguns dos conceitos elaborados pelos
intelectuais norte-americanos, de fato, foram apropriados pelos autores de manuais de
formação de professores de estudos sociais brasileiros. Consideramos assim, John Michaelis e
o Jerome Bruner um dos teóricos que fundamentaram a instituição dos Estudos Sociais no
Brasil, pois, num exame direto de conceitos, finalidades e das referências bibliográficas dos
referidos manuais, percebemos que existe uma grande quantidade de teóricos, não só norte-
americanos, como também brasileiros e europeus, que foram apropriados para a elaboração
das descritas publicações brasileiras.
No capítulo seguinte, que tem como principal objetivo descobrir o “lugar” da História
dentro da disciplina Estudos Sociais, tendo como base as indagações: é possível aprender
história por meio da matéria Estudos Sociais? O ensino disciplinarizado de História é
superior, qualitativamente, ao ensino de história como conteúdo dos Estudos Sociais? Os
Estudos Sociais desapareceram como matéria, com a inclusão da história disciplinarizada nos
Parâmetros Curriculares Nacionais? Finalmente, em que consistia o ensino de história dentro
dos Estudos Sociais, no período mais estigmatizado pelos pesquisadores de história no Brasil
– o regime ditatorial civil-militar?
Para respondermos a essas questões, analisaremos especificamente a autonomia
disciplina História em relação aos Estudos Sociais. Para tanto, utilizaremos as dimensões de
cada componente dos Estudos Sociais a partir do anúncio das definições e dos conteúdos,
verificaremos as ideias dos conhecimentos, habilidades e valores elaborados pelos autores dos
livros publicados, como também os usos da História, averiguaremos qual a dimensão humana
privilegiada (sociedade, política, economia, entre outras) e quais os acontecimentos que
56

predominam nessas publicações.


57

Capítulo 2
O LUGAR DA HISTÓRIA NOS MANUAIS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE
ESTUDOS SOCIAIS (1960-1980)

No capítulo anterior, vimos as apropriações que os autores de manuais de formação


de professores de Estudos Sociais brasileiros fizeram dos teóricos norte-americanos John
Michaelis (1970) e Jerome Bruner (1968). Destacamos, também, a principal finalidade do
ensino da disciplina no Brasil, que está relacionada às relações humanas. Assim, com base nas
conclusões anteriores, o presente capítulo tem como objetivo principal descobrir qual o lugar
da História nos manuais de formação de Estudos Sociais destinados à escola primária no
Brasil.
A partir dessas informações, pretendemos responder as seguintes indagações: é
possível aprender história por meio da matéria Estudos Sociais? O ensino disciplinarizado de
História é superior, qualitativamente, ao ensino de história como conteúdo dos Estudos
Sociais? Finalmente, em que consistia o ensino de história, dentro dos Estudos Sociais, no
período mais estigmatizado pelos pesquisadores de história no Brasil – o regime ditatorial
civil-militar? Essas respectivas perguntas nortearam a elaboração do presente capítulo.
O estudo elaborado por Elza Nadai, com a introdução da disciplina Estudos Sociais
no Brasil, indica o que se negou à História o estatuto de disciplina autônoma, chegando a
desaparecer dos currículos da escola fundamental. O controle sobre essa especialidade se
relacionou, sobretudo, à ideologia implantada pelo regime militar, iniciado em 1964, quando
o ensino foi colocado a serviço dos militares que tinham como objetivo a formação de
cidadãos dóceis, obedientes e ordeiros (NADAI, 1993, p.157). Ainda segundo a pesquisadora,
“isso foi tão importante para caracterizar o tom no ensino de História que muitos estudiosos
selecionaram aquele evento como marco de origem do modelo hegemônico de ensino de
História” (idem, p.158).
Os professores Rosimary Plazza e Ângelo Priori, no estudo intitulado O ensino de
História na ditadura militar, afirmam que, dentro do contexto autoritário sobre a educação,
algumas disciplinas tiveram um controle especial do regime, a exemplo, nas ciências humanas
se destacam a História e a Geografia. Além desse domínio acerca da formação do profissional
em educação, outro modo de controle era a influência no programa curricular imposto ao
ensino de História, tornando-o cada vez mais rígido quanto ao que ensinar e como ensinar,
impedindo, dessa forma, uma análise crítica dos fatos, pois
58

[...] o programa curricular imposto durante o Regime Militar, com a


Reforma do Ensino de 1971, impunha um Ensino diretivo, acrítico, no qual a
História aparecia como uma sucessão linear de fatos considerados
significativos, predominantemente políticos e militares, com destaque para
os “grandes nomes”, os espíritos positivos que conduzem a História” (LIMA
e FONSECA, 2007, p.55).

Com esses exemplos de pesquisas sobre a implantação do ensino de Estudos Sociais


no Brasil – que segundo os próprios pesquisadores, significou a perda da autonomia da
história como disciplina escolar durante o período militar – iniciaremos o trabalho com o
intuito de responder as questões norteadoras deste capítulo. No entanto, apesar de as
pesquisas mostrarem a perda de autonomia com a implantação do ensino dos Estudos Sociais,
não só da História como também de outras disciplinas durante o regime militar, pode-se
afirmar que, de fato, isso acontece na prática no que diz respeito aos manuais de formação de
professores primários de Estudos Sociais?
Para responder à respectiva pergunta, analisaremos os manuais de formação de
professores utilizando as seguintes estratégias de verificação: as dimensões de cada
componente dos Estudos Sociais a partir do anúncio das definições, com o objetivo de
verificar em que medida as declarações e funções auxiliam na efetivação dos fins da
disciplina analisada – se elas convergem, divergem ou se complementam. Além disso,
examinamos o que pensam os autores das obras acerca de ensino e aprendizagem nos Estudos
Sociais, como também, os usos da História. Por fim, verificamos qual a dimensão humana
privilegiada (sociedade, política, cultura, economia, outras...) e quais os acontecimentos
predominaram.

2.1. Aprender e ensinar nos Estudos Sociais

Neste tópico, apresentaremos as ideias sobre aprender e ensinar nos Estudos Sociais,
descritas nos manuais de formação de professores da disciplina, tomando como base, os
conceitos de André Chervel, publicados no artigo intitulado História das disciplinas
escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa, no ano de 1990. Nesse texto, o
pesquisador, após confrontar o historiador acerca de novas disciplinas escolares, indaga-se
com um grande problema sobre as mesmas: “A escola pode ensinar tudo? Todas as
59

aprendizagens são, ou não, “disciplinarizáveis”?” (CHERVEL, 1990, p.48). A partir desses


questionamentos, objetivamos analisar o que pensa os autores dos livros descritos na tabela a
seguir.

Tabela 03 – Aprender e ensinar nos Estudos Sociais

Autor Livro Aprender Ensinar


BALZAN, O ensino de A aprendizagem em Estudos Sociais
Newton Cesar; Estudos Sociais deve privilegiar a participação do aluno
no primeiro na construção de suas próprias
grau experiências.

BETHLEM, A “Aprender acarreta o estabelecimento “Ensinar é comunicar-se. E uma real


Nilda aprendizagem de um processo de comunicação que comunicação entre o professor e seus
nos Estudos tanto pode ser iniciado pelo professor alunos depende muito da capacidade
Sociais como pelo aluno” (p.43). daquele em fazer uma seleção adequada
dos meios, seleção esta que se deve
adequar à mensagem que se dar, ao
aluno e às possibilidades da escola”.
(p.43)

CARVALHO, Introdução “A aprendizagem é uma modificação “Ensinar consiste na utilização de um


Delgado de Metodológica do comportamento resultante da bom método e o conhecimento da
aos Estudos experiência com um sentido de matéria por parte de quem se propõe a
Sociais integração em vista de uma adaptação a ensiná-la” (p.177).
novas situações” (p.179)

CHIANCA, Didática de “O ensino deve partir das experiências


Rosaly Maria Estudos Sociais da realidade mais próxima, do que é
Braga; conhecido e vivenciado, para que os
PORTELLA, conhecimentos se ampliem e se
Rosalva estabeleçam as relações necessárias
entre o próximo e o distante” (p.14)

DEUSDARÁ, Estudos “A aprendizagem em Estudos Sociais, “A função do professor é orientar a


Therezinha e Sociais: deve ser orientada no sentido de que criança no planejamento na realização e
DORNELLES, Introdução sejam oferecidas à criança experiências na avaliação de atividades que a
Leny Werneck variadas (...), e de que, se aproveite levarão, fazendo uso de conhecimentos,
sempre, na escola, aprendizagens habilidades e atitudes a resolver
informais (...)” (p.34) problemas” (p.36).

MONTEIRO, Didática dos “O aluno poderá adquirir ou ampliar “O ensino de Estudos Sociais deve
Ieda da Silva e Estudos informações, responder a perguntas, atender as seguintes funções: formar um
OLIVEIRA, Sociais: como resolver problemas, aprender a bom cidadão, um ser humano
Maria Helena aprender como confeccionar, experimentar, construir socializado” (p.8).
Cozzolino ensinar alguma coisa e a recrear-se” (p.22).

OSÓRIO, Introdução “Ensino é aquele conjunto de atos pelos


Pedro Enrique Analítica aos quais levamos a outrem o nosso saber a
Estudos Sociais respeito das coisas ou dos seres” (p.9).

PANNUTI, Estudos “A ênfase na aprendizagem de ideias “Ensinar é um esforço para auxiliar e


Maria Regina Sociais: uma gerais de um determinado conteúdo orientar o desenvolvimento humano no
Viana proposta para o tem por trás de si a preocupação com a sentido de preparar o indivíduo para
professor continuidade da aprendizagem. Isto é o viver em sociedade que está em
educando será capaz de: ao identificar permanente evolução” (p.31)
a natureza de um novo fenômeno,
reconhecer a aplicabilidade das ideias
60

que já possui a esta nova situação,


compreendendo-a e, incorporando-a ao
universo de ideias anteriormente
adquiridas” (p.31)
PEIXOTO, Habilidades de “A aprendizagem está condicionada a “O ensino e aprendizagem de
Maria Onolita Estudos Sociais dois fatores: prontidão da criança e habilidades de Estudos Sociais
na escola método de instrução. A criança que obedecem a duas linhas de propósitos:
primária tem aptidão para aprender, precisa de uma que busca formar nas crianças a
experiência para desenvolver suas compreensão e a capacidade de seu
potencialidades, pois que aptidão é ajustamento e interação social e outra
uma combinação de potencial inato e que prepara a criança como descobrir e
experiência” (p.21) achar dados e informações que lhes
serão úteis” (p.27)

PILETTI, Didática “Embora sejam inúmeras as técnicas e “A importância do ensino de Estudos


Claudino Especial os recursos a serem utilizados na Sociais na escola de primeiro grau
educação (...) é preciso destacar que de fundamenta-se no fato de que esta área
nada valem essas técnicas e recursos se fornece elementos para que a criança
o professor não for sensível e criativo possa crescer socialmente, adquirindo
ao aplicá-los, adequando-os aos capacidade de interpretar seu momento
interesses da criança e às diferentes histórico, seu espaço geográfico e seu
faixas etárias” (p.211). tempo cronológico dentro do processo
evolutivo da humanidade” (p.200)

TEIXEIRA, Estudos Sociais “A direção da aprendizagem deve ser “O trabalho do professor, em Estudos
Francisca Alba na Escola planejada e orientada tendo-se em vista Sociais, (...), é planejar e orientar a
Primária os fatores ativos do processo educativo situação ensino-aprendizagem, de modo
(o aluno no seu meio social), os que o aluno, por esforço próprio,
objetivos ou mudanças a serem desenvolva a habilidade de pensar
alcançados e a natureza da matéria” logicamente, elaborando novas noções e
(p.13). operações” (p.19)
Fonte: Baseado nos manuais de Estudos Sociais para formação de professores, produzidos no Brasil, no período de 1960 a
1980.

Como podemos observar, na tabela 03, a maioria dos autores dos manuais3 descritos,
não direcionam a aprendizagem e o ensino com as finalidades, componentes curriculares e a
avaliação dos Estudos Sociais, já descritos anteriormente. Ou seja, os manuais tratam esses
elementos de uma forma geral e, com isso, servem não só para o ensino e aprendizagem de
Estudos Sociais, mas também para outras disciplinas. Como comprovação, temos o exemplo
da autora Francisca Alba Teixeira, a qual, em seu livro afirma que

“A direção da aprendizagem deve ser planejada e orientada tendo-se em


vista os fatores ativos do processo educativo (o aluno no seu meio social), os
objetivos ou mudanças a serem alcançados e a natureza da matéria”
(TEIXEIRA, 1969, p.13).

3
Os manuais escritos por Antônio Teles Xavier intitulado Estudos Sociais nova perspectiva das ciências
humanas (1975), Dayse Maria Alves Rocha Didática de Estudos Sociais nas primeiras séries do 1 grau (1986),
Josephina Gaudenzi Estudos Sociais na escola primária (1962) e Ralph Preston Ensinando estudos sociais na
escola primaria (1962) não explicitaram as ideias de aprendizagem e ensino.
61

Outra peculiaridade é a preocupação com a função do docente. Aluno e professor são


elementos que aparecem em alta frequência nos manuais de formação de professores descritos
e analisados. Como atestamos nos escritos das pesquisadoras Therezinha Deusdará e Leny
Werneck Dornelles (1969), nos quais afirmam que “a função do professor é orientar a criança
no planejamento, na realização e na avaliação de atividades que a levarão, fazendo uso de
conhecimentos, habilidades e atitudes a resolver problemas” (DEUSDARÁ; DORNELLES,
1969, p.36). Como também Teixeira (1969), “o trabalho do professor, em Estudos Sociais,
(...), é planejar e orientar a situação ensino-aprendizagem, de modo que o aluno, por esforço
próprio, desenvolva a habilidade de pensar logicamente, elaborando novas noções e
operações” (TEIXEIRA, 1969, p.19).
Apesar dessas particularidades em baixa frequência, os autores direcionam o ensino e
a aprendizagem para os Estudos Sociais. São diversos os objetivos, no entanto, todos com o
tema principal que é a referida disciplina. Observamos essa afirmação nos escritos de Piletti
(1884):

“A importância do ensino de Estudos Sociais na escola de primeiro grau


fundamenta-se no fato de que esta área fornece elementos para que a criança
possa crescer socialmente, adquirindo capacidade de interpretar seu
momento histórico, seu espaço geográfico e seu tempo cronológico dentro
do processo evolutivo da humanidade” (PILETTI, 1984, p.200).

Outro exemplo são os pensamentos das autoras Ieda da Silva Monteiro e Maria Helena
Oliveira, as quais afirmam que “o ensino de Estudos Sociais deve atender as seguintes
funções: formar um bom cidadão, um ser humano socializado” (MONTEIRO; OLIVEIRA,
1984, p.8).
Também em baixa frequência, destacam-se nessa descrição, os métodos e os recursos
que os professores devem utilizar em sala de aula. Como afirma Delgado de Carvalho (1957),
“ensinar consiste na utilização de um bom método e o conhecimento da matéria por parte de
quem se propõe a ensiná-la” (CARVALHO, 1957, p.177).
A partir dessas observações acerca dos manuais descritos, afirmamos, que apesar da
preocupação com o ensino e aprendizagem de Estudos Sociais, as ideias levantadas sobre
esses elementos fazem parte de uma visão geral, que os próprios autores possuem sobre o
tema. As finalidades da disciplina, por exemplo, não entram em conformidade com os
conceitos levantados na maioria dos manuais de formação de professores apresentados. Com
isso, concluímos que os itens analisados neste tópico diferem dos demais, pois os
pensamentos dos autores estão ligados aos teóricos da psicologia da aprendizagem, como por
62

exemplo, Jean Piaget. Como evidenciamos no manual escrito por Chianca e Portella (1989),
“segundo Piaget, a partir dos sete anos, a criança entra no terceiro estágio do pensamento: da
operação concreta, quando já é capaz de realizar uma operação até o fim e retornar ao ponto
de partida (CHIANCA, PORTELLA, 1989, p.14).

2.2. Definições de Estudos Sociais

Anteriormente, descrevemos e analisamos, de acordo com os preceitos sobre


disciplina escolar de André Chervel (1990), o elemento finalidades nos manuais de formação
de professores de Estudos Sociais. Chegamos a conclusão que o principal objetivo do ensino
de Estudos Sociais no Brasil, entre as décadas de 1960 e 1980, é que o aluno deve aprender a
viver em sociedade através das relações humanas, tanto defendida pelo pesquisador norte-
americano John Michaelis (1970), quanto pelos autores dos manuais descritos na tabela
acima. Para chegarmos ao resultado final e cumprir todos os objetivos descritos nesta
dissertação, apresentaremos, a seguir, as definições acerca da disciplina em questão. Após
essa exposição, confrontaremos todos os conceitos com as finalidades para sabermos se os
elementos de cada autor convergem, divergem ou se complementam.
Segundo o dicionário eletrônico Houaiss, conceito “significa a compreensão que
alguém tem de uma palavra”. Portanto, analisaremos, neste tópico, o que pensa e determina os
autores dos manuais descritos sobre o que expressa os Estudos Sociais. Como demonstra a
Tabela 04.

Tabela 04 – Definições de Estudos Sociais


Obra Definições
O ensino de Estudos “Estudos Sociais têm como objeto de estudo, em última instância, o conhecimento da
Sociais no primeiro realidade social, cultural, histórica e política em que vive o aluno” (p.11).
grau

O ensino de Estudos “Estudos Sociais é o conhecimento das relações do homem com o meio através do
Sociais no primeiro tempo e a compreensão de como este homem vive e utiliza o que o cerca” (p.14).
grau

Introdução “Os Estudos Sociais tratam de relações humanas, os Estudos Sociais podem constituir
Metodológica aos matéria de ensino em todos os graus escolares” (p.16)
Estudos Sociais
63

Didática de Estudos “Estudos Sociais é a disciplina que induz à reflexão de determinados aspectos que
Sociais muitas pessoas preferem ignorar” (p.6).

Estudos Sociais: “Os Estudos Sociais têm por fim levar o aluno a compreender o mundo em que vive, os
Introdução homens e suas relações sociais, bem como a situar-se nesse mundo como uma pessoa a
quem deve ser dada a garantia de sua individualidade, e de quem é esperada a
participação útil como membro de uma sociedade democrática” (p.8).

Estudos Sociais na Os Estudos Sociais é a disciplina que deve integrar a criança à vida social.
escola primária

Didática dos Estudos “Os Estudos Sociais têm por objeto de estudo a presença do homem no mundo, portanto
Sociais: como seu conteúdo baseia-se no estudo do processo de transformação da natureza e da
aprender como ensinar sociedade, tudo que diz respeito às relações humanas” (p.7).

Introdução Analítica “Estudos Sociais significam a prática de um conjunto de séries de atos através do qual
aos Estudos Sociais conheceremos a vida social” (p.7).
Estudos Sociais: uma “A área de Estudos Sociais tem por objeto de estudo processo de transformação da
proposta para o natureza e da sociedade, ou seja, estuda a presença do Homem no Mundo” (p.19).
professor

Habilidades de “Estudos Sociais pode ser definido como sendo o estudo do homem e de todos os seus
Estudos Sociais na problemas nas suas relações com outros homens e com seu meio ambiente” (p.17).
escola primária

Didática Especial “Estudos Sociais como o conjunto de estudos do homem e de suas relações com a
natureza e com os outros homens, ou seja, as Ciências Sociais trabalhadas a nível de 1
grau” (p.199).

Ensinando estudos “Os Estudos Sociais são capítulos das Ciências Sociais selecionados para serem
sociais na escola utilizados no ensino” (p.15).
primaria

Didática de Estudos “São conjuntos de conhecimentos e noções que estão situados nos vários ramos das
Sociais nas primeiras Ciências Sociais e que foram selecionados para serem utilizados no ensino” (p.11).
séries do 1 grau

Estudos Sociais na “É uma expressão usada em alguns países para designar o conteúdo programático da
Escola Primária escola elementar que trata diretamente das relações humanas” (p.9).

Estudos Sociais nova “Nos Estudos Sociais, a preocupação é pesquisar e esclarecer cientificamente os
perspectiva das problemas da vida social mais próximos e mais vitais do homem” (p.19).
ciências humanas
Fonte: Baseado nos manuais de Estudos Sociais para formação de professores, produzidos no Brasil, no período de 1960 a
1980.

De acordo com os manuais descritos, dos quinze manuais de formação, seis


apresentam convergência das funções e definições do ensino de Estudos Sociais. Dos
remanescentes, cinco manuais divergem de seus próprios conceitos e três se complementam.
Os demais, não apresentaram ora definições, ora funções acerca do ensino de Estudos Sociais
em seus manuais. Em relação às ideias convergentes, observamos uma grande preocupação
acerca do relacionamento do aluno com o meio em que vive, ou seja, o principal objetivo, que
64

segundo os autores desses manuais, é preparar a criança para viver em sociedade e/ou no
mundo em que vive. Uma segunda observação é que palavras como cidadão, sociedade e
relações humanas aparecem com uma alta frequência em todos os manuais analisados; no
entanto, em nenhum deles, apresenta-se o conceito dessas palavras utilizadas.
Afirmamos então, que dos quinze livros analisados, quatorze trabalham com a ideia de
que os Estudos Sociais devem formar o jovem com o objetivo de ser um bom cidadão e
integralizá-lo com a vida em sociedade, isto é, trabalha na formação da cidadania do aluno.
Podemos tomar como exemplo, a definição do manual Estudos Sociais na Escola Primária
(1969), escrito pela pesquisadora Francisca Alba Teixeira, para quem Estudos Sociais “é uma
expressão usada em alguns países para designar o conteúdo programático da escola elementar
que trata diretamente das relações humanas” (TEIXEIRA, 1969, p.9).
A única das definições, que não está diretamente ligada a essa concepção citada, é a da
pesquisadora Daisy Maria Alves Rocha, para quem os Estudos Sociais “são conjuntos de
conhecimentos e noções que estão situados nos vários ramos das Ciências Sociais e que foram
selecionados para serem utilizados no ensino (ROCHA, 1986, p. 11). Portanto, esse conceito
de disciplina está voltado a um entendimento de que os Estudos Sociais, nada mais são do que
um agrupamento das ideias dos vários ramos das Ciências Sociais, cujo objetivo é transmitir
esse conhecimento aos alunos.
Vale ressaltar também que o único livro que fala em democracia é o de Therezinha
Deusdará e Lenny Werneck Dornelles, intitulado Estudos Sociais: Introdução (1967):

Os Estudos Sociais têm por fim levar o aluno a compreender o mundo em


que vive, os homens e suas relações sociais, bem como a situar-se nesse
mundo como uma pessoa a quem deve ser dada a garantia de sua
individualidade, e de quem é esperada a participação útil como membro de
uma sociedade democrática (DEUSDARÁ e DORNELLES, 1967, p.8).

Do mesmo modo, Maria Onilota Peixoto afirma que o objetivo dos Estudos Sociais é
educar para a cidadania. Com isso, podemos concluir que a principal ideia de Estudos Sociais
transmitida no Brasil pelos autores pesquisados, durante o período analisado, é a que trata das
relações humanas, ou seja, essa disciplina trata de um conjunto de valores, que tem por
objetivo maior, ensinar aos alunos viver em harmonia na sociedade.
65

2.3. Componentes dos Estudos Sociais

De acordo com André Chervel (1990), componentes curriculares constituem os


conteúdos a serem ensinados e os conteúdos que são o eixo central da disciplina ensinada.
Ainda para o pesquisador, “os conteúdos de ensino são impostos como tais à escola pela
sociedade que a rodeia e pela cultura na qual ela se banha” (CHERVEL, 1990, p.5). Com isso,
o quadro a seguir descreve esses elementos e nos mostra quais os principais componentes
curriculares, segundo os autores dos manuais de formação de professores analisados.

Tabela 05 – Componentes Curriculares dos Estudos Sociais


Autor Livro Componentes Curriculares
BALZAN, O ensino de Estudos Sociais História e Geografia.
Newton Cesar; no primeiro grau
HOLFING,
Eloisa de
Mattos; LEME,
Dulce Maria P.
Camargo e
ZAMBONI,
Ernesta

BETHLEM, A aprendizagem dos Estudos História, Geografia, Sociologia, Economia, Antropologia, Moral
Nilda Sociais e Civismo.

CARVALHO, Introdução Metodológica aos História, Política, Economia, Geografia Humana e Antropologia
Delgado de Estudos Sociais Cultural.

CHIANCA, Didática de Estudos Sociais “O conteúdo de Estudos Sociais abrange desde as primeiras
Rosaly Maria experiências vividas pelo aluno, quando criança, até a análise do
Braga; modo como os homens intervêm na natureza” (p.5).
PORTELLA,
Rosalva

DEUSDARÁ, Estudos Sociais: Introdução História, Geografia, Sociologia, Antropologia, Economia,


Therezinha e Administração Pública e Organização Política.
DORNELLES,
Leny Werneck

GAUDENZI, Estudos Sociais na escola História, Geografia, Higiene e Saúde.


Josephina de primária
Castro e Silva
MONTEIRO, Didática dos Estudos Sociais: História, Geografia, Educação Cívica, Antropologia e
Ieda da Silva e como aprender como ensinar Sociologia.
OLIVEIRA,
Maria Helena
Cozzolino
OSÓRIO, Pedro Introdução Analítica aos História, Psicologia, Sociologia, Lógica, Moral e Política.
66

Enrique Estudos Sociais

PANNUTI, Estudos Sociais: uma proposta História, Geografia e Ciências Sociais.


Maria Regina para o professor
Viana
PEIXOTO, Habilidades de Estudos História, Geografia, Antropologia, Ética, Sociologia, Psicologia,
Maria Onolita Sociais na escola primária Economia.

PILETTI, Didática Especial História, Geografia, Sociologia, Antropologia, Política, Arte,


Claudino Economia.
PRESTON, Ensinando estudos sociais na História, Geografia Humana e Econômica, Educação Cívica,
Ralph escola primaria Sociologia, Antropologia e Economia.

ROCHA, Dayse Didática de Estudos Sociais História, Geografia, Economia, Antropologia, Sociologia,
Maria Alves nas primeiras séries do 1 grau Política.

TEIXEIRA, Estudos Sociais na Escola História, Geografia Humana, Economia, Política, Sociologia e
Francisca Alba Primária Antropologia Cultural.

TELES, Estudos Sociais nova História, Psicologia, Economia, Política, Sociologia e


Antônio Xavier perspectiva das ciências Antropologia.
humanas
Fonte: Baseado nos manuais de Estudos Sociais para formação de professores, produzidos no Brasil, no período de 1960 a
1980.

Como demonstra a Tabela 05, os componentes curriculares descritos pelos autores dos
livros destinados a formação docente de Estudos Sociais são: História, Geografia, Geografia
Humana, Economia, Política, Antropologia, Antropologia Cultural, Sociologia, Educação
Cívica, Moral e Civismo, Ética, Ciências Sociais, Lógica, Arte, Higiene e Saúde,
Administração Pública e Organização Política. Totalizando dezoito elementos diferentes
constituintes para a disciplina.
No entanto, apesar da grande variedade de elementos curriculares identificados, não
foi encontrado nenhum item correspondente aos componentes que fazem parte do ensino da
disciplina em um dos livros examinados. É o caso do manual Didática de Estudos Sociais nas
primeiras séries do 1 grau (1990), de autoria de Rosaly Maria Braga Chianca e Rosalva
Portella. Segundo as autoras, “os Estudos Sociais abrangem desde as primeiras experiências
vividas pelo aluno, quando criança, até a análise do modo como os homens intervêm na
natureza” (CHIANCA e PORTELLA, 1990, p. 5).
Os demais livros descritos explicitam quais os elementos curriculares que acreditam
ser importantes para um bom ensino da disciplina Estudos Sociais. A exemplo, afirma Piletti
(1989), “Estudos Sociais, portanto, não é apenas a soma de duas ciências, História e
Geografia, mas a construção do conhecimento elaborado por todas as Ciências Sociais
(Sociologia, Antropologia, Política, Arte, Economia)” (PILETTI, 1989, p.199). Do mesmo
67

modo, o pesquisador Rahph Preston (1965), que afirma que “os ramos das Ciências Sociais
mais frequentemente estudados na escola primária são a História, a Geografia Humana,
Economia, Educação Cívica, Sociologia e a Antropologia (PRESTON, 1965, p.16). E, para
Panutti (1977), que declara que “a área de Estudos Sociais não é a soma de História e
Geografia. Ela constitui uma área de conhecimento (...) por todas as Ciências Sociais”
(PANUTTI, 1977, p.11). Logo, para esses pesquisadores, a base para os Estudos Sociais são
as Ciências Sociais.
É importante salientar, também, que apesar do elemento História fazer parte de todos
os manuais de formação descritos, em nenhum dos livros esse componente é considerado o
único. Em apenas dois manuais, a História está acompanhada da Geografia, completando,
assim, os itens indispensáveis para o ensino de Estudos Sociais no Brasil. A Geografia, que
também pode ser encontrada como Geografia Humana, aparece em segundo lugar, excluída
apenas em Introdução Analítica aos Estudos Sociais e Estudos Sociais nova perspectiva das
ciências humanas (1965). Presente em 50% dos livros descritos, aparecem a Economia,
Antropologia – que também é encontrada como Antropologia Cultural – e Sociologia.
A partir da descrição e análise dos componentes curriculares, concluímos que os
elementos – História, Geografia, Economia, Sociologia e Antropologia – fazem parte da base
dos componentes curriculares do ensino de Estudos Sociais no Brasil. No entanto, vale
ressaltar a importância dos elementos que compõe as Ciências Sociais, que também aparecem
na maioria dos manuais descritos na tabela acima. Já os itens Administração Pública, Higiene
e Saúde, Lógica, Arte, Ética, Moral e Civismo e Educação Cívica foram mencionados em um
ou dois manuais, fazendo parte, assim, dos conhecimentos básicos que a criança deve adquirir
ao longo do período escolar.

2.4. Conteúdos Ensinados em Estudos Sociais

No capítulo anterior, vimos os componentes curriculares da disciplina Estudos


Sociais, que segundo André Chervel (1990), constituem os conteúdos a serem ensinados e os
conteúdos que são o eixo central da disciplina ensinada. Ainda para o autor, “dos diversos
componentes de uma disciplina escolar, o primeiro na ordem cronológica, senão na ordem de
importância, é a exposição pelo professor ou pelo manual de um conteúdo de conhecimentos”
(CHERVEL, 1990, p.56). Com isso, elaboramos o exame e a descrição dos conteúdos
68

ensinados na disciplina Estudos Sociais de acordo com os manuais em questão. Essa análise,
tem por objetivo, verificar os conteúdos mais evidentes dos componentes curriculares
descritos anteriormente. Pois, segundo Chervel (1990), para cada uma das disciplinas, o peso
especifico desse conteúdo explícito constitui uma variável histórica, cujo estudo deve ter um
papel privilegiado na história das disciplinas escolares.

Tabela 06 – Conteúdos Ensinados em Estudos Sociais

Autor Obra Conteúdos Ensinados

BALZAN, O ensino de Estudos “Trabalharmos noções de tempo, espaço e relações sociais, contribuem
Newton Cesar; Sociais no primeiro para que a criança entenda a sua participação no meio em que vive”
HOLFING, grau (p.12).
Eloisa de Mattos;
LEME, Dulce
Maria P.
Camargo e
ZAMBONI,
Ernesta

BETHLEM, O ensino de Estudos “As áreas gerais dentro das quais o conteúdo é selecionado devem ser:
Nilda Sociais no primeiro arte, religião, comércio e indústria, conservação e proteção, produção e
grau consumo, transporte e comunicação, recreação, governo, família,
escola, comunidade, estado, país, mundo” (p.18).
CARVALHO, Introdução “Nas três primeiras séries do curso ginasial, a geografia geral do Brasil,
Delgado de Metodológica aos seria ensinada paralelamente à História do Brasil, Colônia, Império e
Estudos Sociais República; a Geografia Física e Humana acompanharia a História
Antiga e Medieval; por fim à Geografia dos continentes, corresponderia
à História moderna e Contemporânea” (p.208,209).

CHIANCA, Didática de Estudos “Os conceitos devem ser transmitidos de forma interligada e gradativa
Rosaly Maria Sociais nas (…). Conceitos fundamentais como tempo espaço e sociedade, que dão
Braga e primeiras séries do 1 embasamento aos trabalhos de Estudos Sociais, podem ser analisados
PORTELLA, grau separadamente, mas a prática se inter-relacionam”(p.10).
Rosalva

DEUSDARÁ, Estudos Sociais: “O programa deve abranger o conhecimento das atividades do homem,
Therezinha e Introdução no tempo e no espaço para a satisfação de suas necessidades básicas”
DORNELLES, (p.18).
Leny Werneck
GAUDENZI, Estudos Sociais na “A comunidade e o trabalho, novas formas de vida e aproveitamento
Josephina de escola primária dos recursos naturais no sentido da melhoria do progresso de vida, a
Castro e Silva realidade brasileira, cidadania” (p.2-6).

MONTEIRO, Didática dos Estudos “Partindo do mais próximo para o distante, enfocando cada círculo,
Ieda da Silva e Sociais: como certos dados como: organização, governo, produção, distribuição,
OLIVEIRA, aprender como transporte, comunicação, religião, expressão artística, educação,
Maria Helena ensinar recreação, proteção, conservação, aspectos físicos, fatos históricos,
Cozzolino comemorações sociais e cívicas, acontecimentos da atualidade” (p.13).

PANNUTI, Estudos Sociais: “O conteúdo básico da área de Estudos Sociais, como já afirmamos em
Maria Regina uma proposta para o momento anterior desta obra, é a realidade social no todo de suas
Viana professor manifestações e na modulação destas, através dos tempos” (p.46).

PILETTI, Didática Especial “Espaço tempo e relações sociais. O desenvolvimento do conteúdo de


69

Claudino Estudos Socais deve ser no sentido de um aprofundamento progressivo


de tais conceitos” (p.196).

PRESTON, Ensinando estudos As fontes de conteúdo são: “a comunidade, processos sociais, regiões e
Ralph sociais na escola culturas e o passado” (p.57-61).
primaria

ROCHA, Dayse Didática de Estudos “A expressão Estudos Sociais (…), surgem como conjuntos organizados
Maria Alves Sociais nas de conhecimentos aplicáveis à escola de primeiro grau, atendendo ao
primeiras séries do 1 nível mental do educando, correspondendo às áreas da vida: família,
grau escola, vizinhança, comunidade local, estado, mundo” (p.12).

TEIXEIRA, Estudos Sociais na “O conteúdo pragmático de Estudos Sociais é escola, família,


Francisca Alba Escola Primária comunidade, população, produção, comunicação, costumes” (p.26,27).
Fonte: Baseado nos manuais de Estudos Sociais para formação de professores produzidos no Brasil no período de 1960 a
1980.

Vimos anteriormente que os componentes curriculares predominantes nos manuais de


formação de professores de Estudos Sociais são História, Geografia, Economia, Sociologia e
Antropologia – que fazem parte da base dos componentes curriculares do ensino de Estudos
Sociais no Brasil. No entanto, de acordo com essa nova tabela, observamos que Economia,
Sociologia e Antropologia não estão diretamente ligados ao ensino, servindo apenas de
suporte para os elementos curriculares História e Geografia.
Percebemos que, ao analisar a tabela acima, os conteúdos para o ensino de Estudos
Sociais caracterizam-se por estarem diretamente ligados à História e a Geografia. Parte
significativa dos autores investigados mostram conceitos que são diretamente trabalhados por
esses componentes curriculares. Como podemos constatar na afirmação descrita no livro O
ensino de Estudos Sociais no primeiro grau - “Trabalharmos noções de tempo, espaço e
relações sociais, contribuem para que a criança entenda a sua participação no meio em que
vive” (p.12). Do mesmo modo, as pesquisadoras Deusdará e Dornelles (1967), afirmam que
“O programa deve abranger o conhecimento das atividades do homem, no tempo e no espaço
para a satisfação de suas necessidades básicas” (p.18).
Percebemos, também, que todos os manuais descritos acima trabalham com a
premissa de que os conteúdos devem auxiliar a criança nas relações humanas, conforme
afirma Dayse Maria Alves Rocha em seu livro intitulado Didática dos Estudos Sociais nas
primeiras sérias do 1 Grau

“a expressão Estudos Sociais (…), surgem como conjuntos organizados de


conhecimentos aplicáveis à escola de primeiro grau, atendendo ao nível
mental do educando, correspondendo às áreas da vida: família, escola,
vizinhança, comunidade local, estado, mundo” (p.12).
70

De acordo com a afirmação acima, os conteúdos da disciplina apresentada devem


elaborar conhecimentos para a criança em todos os níveis, partindo do menos complexo, no
caso de trabalhar aspectos da família, para o mais complexo, elaborando e trabalhando
conceitos acerca do mundo em que a criança vive. Como destaca a pesquisadora Nilda
Bethlem (1975), “as áreas gerais dentro das quais o conteúdo é selecionado devem ser: arte,
religião, comércio e indústria, conservação e proteção, produção e consumo, transporte e
comunicação, recreação, governo, família, escola, comunidade, estado, país, mundo”
(BETHLEM, 1975, p.18).
Por fim, constatamos que o ensino de Estudos Sociais, de acordo com os livros
descritos e analisados, está elaborado em dois pilares que são a História e a Geografia. No
entanto, apesar da importância da Geografia, verificamos que 90% dos conteúdos elaborados,
pelos autores dos manuais, são da História, tornando esse elemento curricular o principal no
ensino da referida disciplina. Fato, este, que constatamos na ideia de conteúdo elaborada por
Pannuti (1976), “o conteúdo básico da área de Estudos Sociais, como já afirmamos em
momento anterior desta obra, é a realidade social no todo de suas manifestações e na
modulação destas, através dos tempos” (PANNUTI, 1976, p.46). Com isso, afirmamos, de
acordo com o que foi descrito e analisado neste capítulo, que no ensino de Estudos Sociais a
História é auxiliada por vários componentes curriculares.
Já em relação a dimensão humana privilegiada, conferimos que o ensino da referida
disciplina se caracteriza por tratar os conteúdos a partir de três eixos centrais, que são: a
família, a comunidade e o país. No entanto, cada eixo abrange conteúdos que se entrelaçam e
formam os Estudos Sociais. A exemplo, afirma Monteiro e Oliveira (1984):

Partindo do mais próximo para o distante, enfocando cada círculo, certos


dados como: organização, governo, produção, distribuição, transporte,
comunicação, religião, expressão artística, educação, recreação, proteção,
conservação, aspectos físicos, fatos históricos, comemorações sociais e
cívicas, acontecimentos da atualidade (MONTEIRO e OLIVEIRA, 1984,
p.13).

Assim, afirmamos que na concepção de Estudos Sociais no Brasil, apesar da


predominância de conteúdos de História, os fatos acontecimentais praticamente não fazem
parte do ensino no Brasil. Fato constatado por ter sido citado em apenas um livro dentre os
analisados. Segundo o autor,
71

Nas três primeiras séries do curso ginasial, a geografia geral do Brasil, seria
ensinada paralelamente à História do Brasil, Colônia, Império e República; a
Geografia Física e Humana acompanharia a História Antiga e Medieval; por
fim à Geografia dos continentes, corresponderia à História moderna e
Contemporânea (CARVALHO, 1957, p.208,209).

Com isso, reafirmamos que os conceitos que estruturam a disciplina no Brasil se


entrelaçam com o objetivo de tratar das relações humanas. Partindo sempre do pressuposto
que essas ideias devem seguir os estudos através de uma linha de tempo elaborada pelo
docente.

2.5. Usos da História nos Estudos Sociais

Qual o principal objetivo da História no ensino de Estudos Sociais? A partir dessa


pergunta, elaboramos uma análise do principal componente curricular, como visto
anteriormente. Em alguns manuais analisados, constatamos que além do destaque que o
elemento História possui, as Ciências Sociais também são enfatizadas. No entanto, apenas na
primeira disciplina, os autores dos livros de formação de professores trazem suas
características. Portanto, neste tópico, de acordo com a Tabela 07, descreveremos e
analisaremos qual a ideia que esses autores têm acerca dos usos da História.

Tabela 07 – Usos da História


Autor Livro Definições
BALZAN, Newton O ensino de Estudos Sociais “Trabalharmos com os alunos as noções de tempo, espaço e
Cesar; HOLFING, no primeiro grau relações sociais (…). Estas noções, quando bem trabalhadas
Eloisa de Mattos; nas séries iniciais do primeiro grau, levarão o aluno a uma
LEME, Dulce apreensão mais global do sentido de História e Geografia,
Maria P. Camargo (…)” (p.12).
e ZAMBONI,
Ernesta.

BETHLEM, Nilda O ensino de Estudos Sociais “A História é uma lição de moral. Ela nos ajuda a entender o
no primeiro grau comportamento humano” (p.14).

CARVALHO, Introdução Metodológica “A História não é forçosamente a apresentação sistemática de


Delgado de aos Estudos Sociais escritos que relatam fatos e acontecimentos sociais, com
tentativas de explicação ou interpretação. História, também,
pode ser uma coleta de fatos” (p.33).

CHIANCA, Rosaly Didática de Estudos Sociais “Na História, há momentos decisivos e importantes, que nos
Maria Braga; situam no processo histórico, construídos no cotidiano por
PORTELLA, toda a coletividade” (p.5).
Rosalva
72

DEUSDARÁ, Estudos Sociais: Introdução “Levar ao aluno o conhecimento e a compreensão das


Therezinha e relações do homem com o meio através do tempo” (p.7).
DORNELLES,
Leny Werneck
GAUDENZI, Estudos Sociais na escola “A criança irá desenvolvendo o conceito de tempo e
Josephina de primária apreendendo que o presente depende do passado e prepara o
Castro e Silva futuro” (p.50).

MONTEIRO, Ieda Didática dos Estudos Estuda “a relação do meio com o homem, através do tempo”
da Silva e Sociais: como aprender (p.6).
OLIVEIRA, Maria como ensinar
Helena Cozzolino

PANNUTI, Maria Estudos Sociais: uma “A História estuda os fatos ao longo do tempo, o
Regina Viana proposta para o professor relacionamento dos indivíduos entre si e de um fato com
outro” (p.15).

PEIXOTO, Maria Habilidades de Estudos “Promover um entrelaçamento de matérias, cujo objeto


Onolita Sociais na escola primária comum eram as relações do homem com o seu meio físico e
social” (p.16).
PILETTI, Claudino Didática Especial “A História deverá ser apresentada à criança não como a
História mas como a nossa História” (p.202)

PRESTON, Ralph Ensinando estudos sociais “O estudo do passado do homem” (p.16).


na escola primaria

ROCHA, Dayse Didática de Estudos Sociais “Estuda os fatos mais notáveis do passado e do presente da
Maria Alves nas primeiras séries do 1 humanidade” (p.12).
grau

TEIXEIRA, Estudos Sociais na Escola “É o estudo do passado do homem” (p.62).


Francisca Alba Primária
Fonte: Baseado nos manuais de Estudos Sociais para formação de professores produzidos no Brasil no período de 1960 a
1980.

Como destacado, a História é o principal componente dos Estudos Sociais,


participando de todos os manuais analisados. Delgado de Carvalho mostra-nos grande parte
das funções e possibilidades que esse componente pode apresentar, pois, de acordo com ele,
“a História não é forçosamente a apresentação sistemática de escritos que relatam fatos e
acontecimentos sociais, com tentativas de explicação ou interpretação. História, também,
pode ser uma coleta de fatos” (CARVALHO, 1957, p. 33). Assim, verificamos que, como nos
outros manuais de formação de professores descritos na tabela acima, esse autor também
defende a ideia de que o elemento História estuda o homem ao longo do tempo.
Da mesma maneira que Delgado de Carvalho (1957), Maria Regina Pannuti (1976),
em seu manual intitulado Estudos Sociais: uma proposta para o professor (1976), traz a ideia
de que “a História estuda os fatos ao longo do tempo, o relacionamento dos indivíduos entre
si e de um fato com outro” (PANNUTI, 1976, p. 15), ou seja, a História tem por objetivo
auxiliar a disciplina Estudos Sociais no ensino de conceitos de homem, tempo, espaço e as
73

relações humanas. Vale ressaltar, também, a ideia estabelecida por Peixoto (1965), de que a
História deve “promover um entrelaçamento de matérias, cujo objeto comum eram as relações
do homem com o seu meio físico e social” (p.16). Isso implica dizer, segundo a pesquisadora,
que deve existir uma união entre a História e a Geografia, dentro do ensino dos Estudos
Sociais.
Em outras definições e descrições apresentadas como, por exemplo, estudar o passado
humano; estudar os fatos mais notáveis do passado e do presente da humanidade; a História
serve para a construção da “linha do tempo”; constatamos que o campo da história é
primordial para produzir identidades socioculturais cidadãs e democráticas, principalmente,
no que tange à compreensão das noções de “espaço e tempo” e da inserção dos sujeitos,
individual e socialmente, nos diferentes tempos e espaços; bem como adquirir noções de
tempo, espaço e relações sociais. Essas são as principais ideias defendidas pelos autores dos
livros de Estudos Sociais para a formação de professor.
Portanto, como o principal objetivo dos Estudos Sociais, segundo os autores
analisados, é de prover ao jovem educando conceitos de atitudes e práticas para que possa
viver em harmonia com a sociedade, a História os auxilia por meio da exposição de conceitos
importantes para que o mesmo se situe dentro da sociedade.

Considerações

Com o objetivo de descobrir qual o lugar da História no ensino de Estudos Sociais,


analisamos quinze manuais de formação de professores, entre as décadas de 1960 e 1980.
Elaboramos descrições e análises acerca das definições dos Estudos Socais com o intuito de
descobrir se essas ideias convergiam, divergiam ou se complementavam com as funções da
disciplina, como também discutimos os conhecimentos, as habilidades e os seus valores.
Descrevemos aqui, os conteúdos ensinados de acordo com autores desses livros e, por fim,
analisamos os usos da História dentro da disciplina Estudos Sociais.
Alguns pesquisadores afirmaram que, ao longo do período analisado na presente
dissertação, foi negado à História a autonomia como disciplina autônoma, desaparecendo de
certo modo, dos currículos das escolas fundamentais. No entanto, seria essa a afirmação
verdadeira, de acordo com os manuais de formação de professores de Estudos Socais? Após
as conclusões obtidas no presente capítulo, chegamos às respostas das respectivas perguntas:
74

é possível aprender história por meio da matéria Estudos Sociais? O ensino disciplinarizado
de História é superior qualitativamente ao ensino de história como conteúdo dos Estudos
Sociais? Finalmente, em que consistia o ensino de história, dentro dos Estudos Sociais, no
período mais estigmatizado pelos pesquisadores de história no Brasil – o regime ditatorial
civil-militar?
De acordo com o que foi descrito e analisado, neste capítulo, acerca da disciplina
Estudos Sociais e o componente curricular história, não é possível aprender História como
disciplina. Pois, pelos autores descritos, apesar de a história ser o elemento curricular que
mais se destaca dentre os outros, a disciplina Estudos Sociais tem como principal objetivo
tratar das relações humanas. Ou seja, essa disciplina ensina, aos alunos, um conjunto de
valores para que consigam viver em harmonia dentro da sociedade. Logo, os conceitos
estruturantes da disciplina no Brasil se entrelaçam com esse propósito, através de uma linha
de tempo elaborada pelo professor, para facilitar a aprendizagem da criança. Portanto, como o
principal objetivo dos Estudos Sociais é de prover ao jovem educando conceitos de atitudes e
práticas para que possa viver em harmonia com a sociedade, a história os auxilia por meio da
exposição de conceitos importantes para que o mesmo se situe dentro da sociedade.
Em termos qualitativos, o ensino de história como conteúdo, dentro da disciplina
Estudos Sociais, supera o ensino disciplinarizado de História, visto que essa disciplina é
auxiliada por vários componentes curriculares, como por exemplo, a antropologia, a
sociologia, moral e civismo dentre outros. Dessa forma, os conteúdos curriculares são, em
grande maioria, elaborados abordando aspectos históricos e geográficos dentro de uma linha
de tempo, como vimos no tópico intitulado “usos da história”, onde afirmamos que o campo
da história tem como objetivo produzir identidades socioculturais cidadãs e democráticas,
principalmente no que tange à compreensão das noções de “espaço e tempo” e da inserção
dos sujeitos, individual e socialmente, nos diferentes tempos e espaços.
Por fim, em que consistia o ensino de história, dentro dos Estudos Sociais, no
período mais estigmatizado pelos pesquisadores de história no Brasil – o regime ditatorial
civil-militar? O ensino de História, de acordo com os manuais analisados no período descrito,
não foi totalmente retirado das escolas brasileiras. Pelo contrário, tanto o componente
curricular história, quanto a disciplina, foram de grande relevância para o ensino de Estudos
Sociais no Brasil. Pois, em todos os manuais citados, esse elemento foi destaque como
principal pilar de sustentação para os Estudos Socais brasileiro. Com isso, afirmamos,
portanto, que o ensino de história e o de Estudos Sociais têm as mesmas características, ou
seja, elaboram estratégias de ensino e aprendizagem para que o aluno consiga viver em
75

harmonia dentro da sociedade em que vive. Fazendo com que os demais elementos
curriculares encontrados nesses manuais sirvam de sustentação nessa elaboração.
Finalizamos o presente capítulo, concluindo que o lugar da história, no ensino de
Estudos Sociais, é o de contribuir para que o aluno desenvolva atividades para um maior
crescimento dos conhecimentos, de forma que consigam compreender e analisar os assuntos
estudados dentro da disciplina e dentro dos valores para integrá-los com a sua realidade
social. A função da história dentro da referida disciplina é, também, estruturar conceitos que
tratem das relações humanas partindo sempre de uma linha de tempo elaborada pelo
professor. Tendo como principal objetivo assegurar ao educando conceitos de atitudes e
práticas para que possa viver em harmonia com a sociedade, e auxiliá-los por meio da
exposição de conceitos importantes para que o mesmo se situe dentro da sociedade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na presente dissertação, descrevemos e analisamos os manuais de formação de


professores de Estudos Sociais entre o período de 1960 e 1980, tendo como princípio a Lei
5692/71. O principal objetivo desse estudo é identificar o “lugar” da História dentro da
disciplina citada. Os quinze livros examinados tiveram como base teórica os conceitos acerca
de disciplina escolar de André Chervel (1990) e a ideia de apropriação de Roger Chartier,
como também concepções sobre os Estudos Sociais da pesquisadora Elza Nadai (1988), de
John Michaelis (1970) e as apreciações de Jerome Bruner (1968) sobre estrutura da matéria.
A partir disso, ordenamos o estudo através de dois capítulos. No primeiro anunciamos
a intenção de apresentar a disciplina Estudos Sociais, desde seu surgimento no início do
século XX nos Estados Unidos da América até meados da década de 1960, nos quais sofreu
grandes transformações devido as mudanças ocorridas na época. E, levantamos as principais
considerações apresentadas por cada autor dos manuais de formação de professores. Com
isso, analisamos as finalidades e as concepções sobre a avaliação em cada obra. No capítulo
seguinte deste estudo, nos preocupamos em enfatizar o objetivo principal da dissertação, ou
seja, examinar a disciplina e o componente curricular mais importante, segundo os manuais
analisados, a História. Dando ênfase ao ensino e aprendizagem dos Estudos Sociais, aos
conteúdos ensinados e aos “usos” da História dentro da referida disciplina.
Numa primeira fase, os estudos apontaram que, as principais ideias apropriadas pelos
pesquisadores brasileiros foram elaboradas pelos pesquisadores norte-americanos John
Michaelis (1970) e Jerome Bruner (1968). O primeiro, contribuiu com o conceito de formação
da cidadania, segundo o pequisador o comportamento democrático deve ser guiado por
valores democráticos. Já Bruner com a ideia de estrutura da matéria baseado numa ideia de
currículo em espiral. No entanto, com a análise das finalidades descritas nos manuais de
formação de professores, concluímos que, apesar dos livros defenderem a ideia de que o aluno
deve aprender a viver em sociedade através das relações humanas, também defendida por
John Michaelis (1970), a ideia de democracia norte-americana e brasileira não se cruzam,
devido as concepções e as transformações sociais e políticas vividas em cada país na época
em questão.
As obras, cada uma com suas especificidades, nos evidenciaram as opiniões de como
cada autor enxergava o ensino de Estudos Sociais no país. Alguns davam ênfases aos recursos
utilizados, outros aos conceitos abordados bem como os objetivos que a disciplina deviam
alcançar, como também os componentes curriculares. Apesar disso, os pesquisadores tinham
77

pontos de convergência, como por exemplo, de que a história seria o principal componente
curricular dos Estudos Sociais no Brasil. Com isso, verificamos que a ideia defendida por
alguns intelectuais, de que a disciplina História foi esquecida ou suprimida dos currículos
escolares nacionais divergem das análises nos manuais de formação de professores.
Os resultados obtidos determinaram que os Estudos Sociais no Brasil, veiculados nos
manuais de formação para o professor para o ensino primário, não revelam opção por esta ou
aquela matriz estadunidense. Ao contrário, comparados aos manuais de John Michaelis
(1970) e Ralph Preston (1971), publicados no Brasil, inclusive, apresentam-se como
mutilações dos Estudos Sociais, pois os autores norte-americanos afirmam que o principal
objetivo da disciplina está voltado à vida em democracia. Já no Brasil, nenhum manual
analisado defende esta prática. Portanto, a característica marcante, nos manuais brasileiros, é a
ausência de discussão sobre a democracia. Outro exemplo dessa mutilação é a ideia de
cidadania abordada nos manuais. Todos abordam esse conceito, no entanto, trazem um
sentido amplo, muito distante do defendido por John Michaelis (1970), para quem tal
disciplina traz o indivíduo para os problemas da sociedade em que vive, ou seja, problemas
sociais e políticos, atentando as mudanças necessárias ao bem da comunidade.
Outra importante constatação refere-se aos conteúdos ensinados, observamos que, em
sua grande maioria esses conteúdos são de História e Geografia. A primeira, destaca-se como
a base de ensino, sendo a Geografia uma confirmação para os assuntos elaborados. Os demais
componentes curriculares, como a antropologia, sociologia, por exemplo, surgem apenas
como suporte para esse ensino. Ressaltamos também, que o ensino de Estudos Sociais é
arquitetado com uma linha de tempo elaborada pelo docente, segundo apontam os manuais de
formação de professores examinados na presente pesquisa.
Com isso, defendemos a hipótese de que essa “descaracterização” de uma possível
matriz estadunidense de Estudos Sociais seja responsável pelo hiperdimensionamento da
história no conjunto dos componentes dos Estudos Sociais do Brasil. Pois, sabemos que a
História ocupa todo o ensino de Estudos Sociais. Afirmamos então, limitadas às fontes aqui
examinadas, que os Estudos Sociais no Brasil não retiram a possibilidade de o professor
primário e, consequentemente, de o aluno do primário estudarem História. No entanto, a
História sugerida é caracterizada pela ênfase no aluno e moldada na estrutura acontecimental
comum à época. Enfim, os Estudos Sociais no Brasil não descaracterizam a História.
O componente curricular história aparece em todos os manuais analisados, apesar
disso, vale ressaltar que em nenhuma das obras encontra-se sozinho. Sempre acompanhado de
algum outro componente curricular, como por exemplo, a geografia, abordando aspectos
78

históricos e geográficos através de uma linha de tempo. Portanto, constatamos também que a
função do componente curricular história é de gerar identidades socioculturais cidadãs e
inserir sujeitos, individual e socialmente, nos diferentes tempos e espaços. Ao contrário do
que alguns pesquisadores afirmam, o ensino de História não foi estigmatizado durante a época
do regime militar, pelo contrário, serviu de sustentação para os Estudos Socais brasileiro.
Concluímos assim, afirmando que o lugar da história se confunde com o da própria
disciplina Estudos Sociais, pois, ambos têm as mesmas funções, segundo os manuais de
formação de professores analisados durante os anos de 1960 e 1980. Ou seja, contribuem no
desenvolvimento do aluno, fazendo com que compreendam os assuntos estudados dentro da
disciplina Estudos Sociais. Ensinam valores que têm como objetivo principal integrá-los com
a realidade social em que vivem. E, principalmente, a história ajuda a estruturar conceitos que
tratam das relações humanas certificando ao educando conhecimentos, habilidades e valores
para que vivam dentro de uma proposta elaborada por intelectuais, assegurando assim o
convívio em harmonia com a sociedade.
Enfim, abordamos nesta dissertação, o ensino de Estudos Sociais no Brasil entre os
anos de 1960 e 1980, época em que o Brasil passava por diversas transformações políticas e
sociais. O tema discutido gera diversas discussões, por isso, pretendemos aqui despertar o
interesse dos pesquisadores para a elaboração de pesquisas acerca desse assunto que gerou
grandes debates desde a época da implantação do ensino no país até os dias atuais. A presente
pesquisa, assim, contribui para ampliar possibilidades de estudo sobre o ensino de Estudos
Sociais no Brasil.
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Anexo – Manuais de Formação de Professores de Estudos Sociais (1960-1980)


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