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OPINIÃO

A inovação do atestado de capacidade técnica


operacional
9 de maio de 2023, 17h16

Por Rafael Costa Santos e Gabriela Tapia da Silva

A redação da nova Lei de Licitações apresenta uma alteração na forma como as empresas
demonstram sua capacidade técnica operacional para obras e serviços de engenharia. O
artigo 67, II, da Lei 14.133/21 determina que as certidões ou atestados da empresa devem
ser emitidos pelo conselho profissional competente. Entretanto, o Conselho Regional de
Engenharia e Agronomia (Crea) ou o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), que são
os conselhos responsáveis pela engenharia e arquitetura, não costumavam emitir tais
certidões ou atestados para comprovar a capacidade técnica operacional.

O descompasso entre a legislação foi compensado


diante da Resolução nº 1.137 de 31 de março de
2023, do Conselho Federia de Engenharia e
Agronomia (Confea), ao se criar a figura da
Certidão de Acervo Operacional (CAO). A CAO
certifica, para fins legais, os empreendimentos
executados por pessoa jurídica, a partir dos
registros de Anotações de Responsabilidade
Técnica (ART).

O artigo 67, inciso II, da Lei nº 14.133, em conjunto com o disposto sobre a CAO na
Resolução nº 1.137, podem alterar de forma significativa a forma de comprovação da
habilitação técnica pelos participantes dos procedimentos licitatórios. Contudo ainda
pairam dúvidas como se interpretar o dispositivo da Lei 14.133 retromencionado quando se
trata de obras e serviços de engenharia, como se demonstrará a seguir.

Habilitação

Na licitação, a fase de habilitação consiste na avaliação do conjunto de informações e


documentos apresentados pelo licitante para comprovar sua capacidade de executar o
objeto do certame. Essa avaliação é dividida em quatro categorias: jurídica; técnica; fiscal,
social e trabalhista; e a econômico-financeira.

A comprovação da habilitação técnica é obtida através da apresentação de documentação


que ateste a qualificação técnico-profissional e técnico-operacional, incluindo a
regularidade perante órgãos reguladores da profissão.

A habilitação técnica profissional serve para demonstrar que os profissionais que


supervisionarão o objeto contratado são capacitados e tem experiência suficiente para tal
função, já a habilitação técnica operacional trata da demonstração da capacidade da pessoa
jurídica de executar o respectivo empreendimento.

A habilitação técnico-operacional ou técnico empresarial é comprovada pela experiência


prévia na execução de serviços similares de complexidade tecnológica e operacional
equivalente ou superior ao objeto licitado.

O artigo 67 define a documentação necessária para comprovar a qualificação técnico-


profissional e técnico-operacional, que inclui apresentação de profissional registrado,
certidões ou atestados, indicação do pessoal técnico e equipamento disponíveis, prova do
atendimento aos requisitos legais, registro ou inscrição na entidade profissional, e
declaração de conhecimento das informações e condições locais para o cumprimento das
obrigações da licitação.

Quando se trata de obras e serviços de engenharia, as entidades profissionais mencionadas


são o Crea e o CAU. No entanto, para outros objetos, é possível exigir o registro e a
inscrição em outra entidade profissional, desde que o profissional esteja regularmente
inscrito.

As comprovações exigidas pela Administração Pública são cruciais para que o licitante
possa demonstrar de forma inequívoca que possui as condições necessárias para cumprir o
contrato a ser firmado com a Administração. Somente é possível demandar do licitante
aquilo que é verdadeiramente suficiente e necessário para executar o objeto do contrato em
questão.

Capacidade técnica profissional

A comprovação da capacidade técnico-profissional é feita por meio de atestados que


confirmam que os profissionais da empresa possuem experiência na realização de obras ou
serviços de engenharia de igual ou maior complexidade do que os serviços de maior
relevância e valor significativo do objeto em licitação.
No âmbito da Lei 8.666 e das Resoluções nº 1.025/2009 do Confea e nº 93/2014 do CAU, a
habilitação técnico-profissional era demonstrada tanto pela ART, bem como pelo conjunto
dos acervos técnicos dos profissionais emitidos pelo respectivo conselho profissional,
conforme artigo 30, §1º, inciso I da referida Lei.

O acervo técnico do profissional é composto pelas atividades realizadas ao longo de sua


carreira e que estejam de acordo com suas competências, tendo sido registradas no Crea
através das ARTs, conforme artigo 45, da resolução do Confea. De forma semelhante
dispõe o artigo 3º da Resolução nº 93/2014 do CAU.

Na Nova Lei de Licitações, não houve mudança significativa no âmbito da comprovação


técnico-profissional, conforme se depreende da redação do artigo 67, I, da Lei 14133, que
possui redação semelhante ao artigo 30, I da Lei 8.666/93.

A Resolução nº 1.137/23 do Confea apresenta uma mudança em relação ao Acervo


Técnico-Profissional. Anteriormente, era exigido um laudo técnico com a respectiva ART
para solicitar uma Certidão de Acervo Técnico (CAT). Porém, essa exigência não se aplica
mais caso o contratante não tenha um profissional do Sistema Confea/Crea em seu quadro
técnico.

Nesses casos, o próprio profissional que solicita a certidão pode assinar uma declaração
atestando a veracidade dos dados técnicos qualitativos e quantitativos do atestado. Essa
mudança já está em vigor.

No que tange a ART, a ART complementar foi eliminada, e agora a ART só é classificada
como inicial ou de substituição. No entanto, essa mudança ainda está sendo implementada,
pois o Crea tem 120 dias para adaptar sua infraestrutura tecnológica e sistema corporativo
aos novos procedimentos eletrônicos para registro de responsabilidade técnica.

Isto posto, a forma de demonstração da capacidade técnica profissional não teve


significativas mudanças no âmbito da Lei 14.133/21. O mesmo não ocorre em relação a
capacidade técnica operacional analisada a seguir.

Capacidade Técnica Operacional

Já nos atestados de capacidade técnico-operacional, deve ser avaliada a essencialidade de


prévia execução de obra ou serviço de engenharia com porte semelhante ou superior àquele
a ser executado, para fins de qualificação.
No âmbito da Lei 8.666, conforme artigo 30, §1º, e das Resoluções nº 1.025/2009 do
Confea (artigo 61 e 61-A) e nº 93/2014 do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil
(CAU) (artigo 10 e 11), para comprovar a capacidade técnico-operacional, era necessário
que o licitante apresentasse um atestado fornecido por pessoa jurídica de direito público ou
privado. Esse atestado devia comprovar que o licitante executou obras ou serviços de
engenharia que sejam compatíveis com o objeto da licitação em termos de características,
quantidades e prazo.

No entanto, era aconselhável verificar se as obras mencionadas nos atestados são


compatíveis com outras informações, a fim de confirmar a autenticidade do documento.
Para comprovar a capacitação na execução dos serviços mencionados nos atestados, era
possível verificar a Certidão de Acervo Técnico, ART ou Registro de Responsabilidade
Técnica (RRT) correspondente emitido pelo Crea e/ou pelo CAU, referente aos mesmos
serviços.

O equívoco na vigência da Lei 8.666 eram os editais que exigiam que esse atestado fosse
emitido pelo Crea e CAU, documento que inexistia na prática juntos aos respectivos
conselhos profissionais. Em outras palavras, não era necessário que o atestado fosse
emitido pelo Crea ou CAU. Na verdade, o atestado era emitido por outras contratantes
(públicos ou privados) que tenham trabalhado com a empresa anteriormente. A certificação
junto ao Crea ou CAU é realizada para cruzar dados sobre os profissionais vinculados à
empresa no momento da execução do trabalho, a fim de garantir a veracidade do atestado.

Contudo a Nova Lei de Licitações dispões no seguinte sentido:

"Artigo 67. A documentação relativa à qualificação técnico-profissional e técnico-


operacional será restrita a:

II - certidões ou atestados, regularmente emitidos pelo conselho profissional competente,


quando for o caso, que demonstrem capacidade operacional na execução de serviços
similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior, bem como
documentos comprobatórios emitidos na forma do §3º do artigo 88 desta Lei;".

À primeira vista ao se analisar o inciso II do artigo 67, nota-se que sua redação poderia ser
considerada defeituosa, uma vez que faz menção à emissão de documentos pelos conselhos
profissionais para atestar a capacidade operacional das empresas, algo que não era viável
até o momento.

Contudo, é imprescindível ressaltar as inovações trazidas pelos artigos 53 e 54 da


Resolução nº 1.137 do Confea, que se referem à CAO. A CAO certifica, para fins legais, os
empreendimentos executados por pessoa jurídica, a partir dos registros de ARTs.

A pessoa jurídica deve solicitar o documento ao Crea por meio de formulário próprio


disponível em anexo na própria resolução. O pedido deve ser feito junto ao
Crea correspondente e deve incluir as seguintes informações: identificação da pessoa
jurídica; identificação do responsável técnico da pessoa jurídica; lista das ARTs, incluindo a
identificação dos responsáveis técnicos, dados das atividades técnicas realizadas e
observações ou ressalvas, se houver; data e local de emissão; e autenticação digital,
podendo ser emitida eletronicamente (artigo 55, Resolução nº 1.137/23, Confea).

No entanto, a implementação das mudanças ainda está em andamento, já que o Crea tem


um prazo de 120 dias para instalar a infraestrutura tecnológica necessária e adaptar seu
sistema corporativo aos novos procedimentos eletrônicos planejados.

A questão tormentosa é a respeito se os atestados emitidos por pessoa jurídica de direito


público e privado ainda podem ser aceitos pelas Administrações Públicas, com intuito de
demonstração da capacidade técnica operacional. Isso porquê a truncada redação do inciso
II, do artigo 67, da Lei 14.133/21 remete apenas a documentos (Atestados e Certificados)
emitidos pelo Conselho Profissional.

Ademais, o §3º do artigo 67, traz em seu texto que, exceto nos casos de contratação de
obras e serviços de engenharia, a administração tem a opção de substituir as exigências
mencionadas nos incisos I e II do artigo, por outras provas que comprovem que o
profissional ou empresa possui conhecimento técnico e experiência prática na realização de
serviços semelhantes.

A tipificação das formas de comprovação da capacidade técnica operacional encontras


alguns desafios. Primeiramente caso passe a se aceitar apenas o certificado emitido pelo
conselho profissional, como será demonstrado o acervo anterior a resolução 1.137/23
Confea? E o CAU ele também criará a figura do Acervo da Pessoa Jurídica?

De todo modo, a tipificação da forma de comprovação da capacidade não é desejosa.

A questão da habilitação encontra sustentação na base constitucional do artigo 37, XXI, da


Constituição Federal, que estabelece que o "processo de licitação pública (...) só permitirá
exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis para garantir o
cumprimento das obrigações". Por conseguinte, a etapa de habilitação visa,
primordialmente, aferir a aptidão dos licitantes em executar, de forma adequada, o objeto
da licitação, de modo que suas exigências devem ser limitadas a essa finalidade.
Do exposto conclui-se que a Administração não pode impor medidas restritivas ou
exigências excessivas aos particulares além do estritamente necessário para atingir a
finalidade pública desejada.

Ao contrário, é responsabilidade da Administração justificar em situações em que ela


restrinja a forma de apresentação da documentação exigida. O rol de Habilitação Técnica
Operacional não deve ser interpretado como uma lista do que deve ser solicitado, mas
como um limite máximo do que pode ser exigido, sempre em conformidade com o objeto
da licitação. Dessa forma, é possível pedir menos do que o previsto, mas nunca mais do que
o necessário [1].

O Certificado de Acervo Técnico Operacional é o limite máximo que pode ser exigido,
portanto, é possível pedir requisitos inferiores a ele, como atestados emitidos pela empresa
e não certificados pelo Conselho competente, em substituição ao primeiro.

Reforça-se isso o prisma do formalismo moderado que permeia toda a redação da Nova Lei
de Licitações. Toma-se como exemplo, referente apenas a habilitação: a Lei 14.133
estabelece que a comissão de licitação pode corrigir erros ou falhas nos documentos de
habilitação que não afetem sua substância ou validade jurídica, desde que haja um
despacho fundamentado, registrado e acessível a todos, dando-lhes eficácia para fins de
habilitação e classificação (artigo 64, §1º). Além disso, a substituição ou apresentação de
novos documentos após a entrega dos documentos de habilitação só é permitida em casos
de diligência para complementação de informações ou atualização de documentos
expirados, desde que necessários para apurar fatos existentes à época da abertura do
certame (artigo 64, I e II). Os documentos de habilitação fiscal, social e trabalhista podem
ser substituídos ou supridos, no todo ou em parte, por outros meios hábeis a comprovar a
regularidade do licitante, inclusive por meio eletrônico (artigo 68, §1º). Por fim, a
documentação exigida pode ser apresentada em original, cópia ou por qualquer outro meio
expressamente admitido pela Administração (artigo 70, I).

Portanto, a leitura do inciso II do artigo 67 da Lei 14.133 passa ser da seguinte maneira: a
comprovação da capacidade técnico-operacional deve ser feita por meio de atestados
emitidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado, que comprovem a aptidão para
desempenho de atividade compatível com o objeto da licitação, em características,
quantidades e prazos. Para essa comprovação, podem ser solicitadas as CATs ou
ARTs/RRTs emitidas pelo conselho de fiscalização profissional competente em nome dos
profissionais responsáveis técnicos pela obra ou serviço de engenharia ao qual o atestado
fizer referência. Ou ainda, a apresentação do CAO em substituição ao atestado emitidos por
pessoas jurídicas anteriormente contratadas.
O ideal é que conforme dispõe o artigo 67 da lei 14.133 é que a forma de comprovar a
capacidade seja o mais abrangente possível, possibilitando tanto os atestados emitidas por
pessoa jurídica de direito público ou privado acompanhados do CAT e ART como o novo
CAO. Qualquer limitação acerca dessa documentação necessita-se de justificação pela
Administração, da sua imprescindível necessidade frente as peculiaridades do objeto
pretendido.

[1] No mesmo sentido :TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações públicas
comentadas – 12. ed. rev., ampl. E atual – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021. P. 944.

Rafael Costa Santos é procurador-chefe da Procuradoria Consultiva de Obras e Serviços de


Engenharia da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná, mestre em Direito pela
Universidade Federal do Paraná, especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-SP) e co-autor do Livro Contrato Público
Built to Suit, Editora Fórum.

Gabriela Tapia da Silva é assessora da Procuradoria Consultiva de Obras e Serviços de


Engenharia da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná.

Revista Consultor Jurídico, 9 de maio de 2023, 17h16

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