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O procedimento adotado como padrão pela lei 14.133 de 2021, pode trazer às licitações
maior efetividade, decorrente da agilidade e da desburocratização promovidas pela norma.
quarta-feira, 15 de março de 2023
Atualizado às 07:59
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12/09/2023, 13:24 Um comparativo histórico da habilitação e a inversão de fases no processo licitatório
"Art. 745. A concurrencia publica far-se-á por meio de publicação, no Diario Official
ou nos jornaes officiaes dos Estados, de um edital expedido pela repartição que
haja de firmar o contracto do fornecimento ou prestação que haja de firmar o
contracto do fornecimento ou prestação de serviços, e no qual deverão ser
indicados:
[...]
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d) os documentos comprobatorios de idoneidade ou de quaesquer outros requisitos
que tornem indispensaveis para poderem os proponentes ser admitidos á
concurrencia" (grafia original)
Portanto, o ente licitante gozava de discricionariedade para determinar quais
documentos seriam exigidos, fato prejudicial à lisura e à efetividade da fase de
habilitação dos concorrentes.
Os dispositivos trouxeram, ainda, a previsão de que a idoneidade deveria ser julgada
em até 10 dias após a data de recebimento dos documentos2 e inovaram ao trazer a
possibilidade de recurso contra decisões que julgassem um concorrente como
inidôneo3.
Verificada a idoneidade dos concorrentes, era, então, formada lista e o procedimento
licitatório avançava para a fase de abertura das propostas.
Com o regime militar, em 15 de março de 1967, entrou em vigor o decreto 200 de 25 de
fevereiro do mesmo ano. O dispositivo estabeleceu que na fase de habilitação seriam
exigidos documentos relativos à personalidade jurídica, à capacidade técnica e à
idoneidade financeira:
Art. 131. Na habilitação às licitações, exigir-se-á dos interessados, exclusivamente,
documentação relativa:
I - À personalidade jurídica.
II - À capacidade técnica.
III - À idoneidade financeira.
Posteriormente, o decreto 6.946 de 17 de setembro de 1981 alterou as disposições do
dispositivo de 1967 para exigir a apresentação de documentos relativos à capacidade
jurídica, à regularidade fiscal, à capacidade técnica e à idoneidade financeira.
Em 21 de novembro de 1986, após a redemocratização do país, entrou em vigor o
decreto-lei 2.300, que trouxe uma seção específica sobre a fase de habilitação.
O decreto-lei, além de reiterar a necessidade de apresentação de documentos aptos a
comprovar os requisitos previstos na lei anterior, trouxe de forma expressa quais seriam
os documentos necessários à comprovação de cada uma das exigências.
O dispositivo instituiu os Registros Cadastrais, que consistiam, grosso modo, em as
empresas participantes que desejassem participar de procedimentos licitatórios
apresentarem os documentos relativos à habilitação a entes da administração pública
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que frequentemente realizavam licitações para que lhes fosse emitido um certificado
de regularidade. O certificado deveria ser renovado anualmente e poderia substituir os
documentos exigidos na fase de habilitação.
Já sob a égide da Constituição Republicana de 1988, em 21 de junho de 1993, entrou
em vigor no ordenamento jurídico brasileiro, a lei 8.666/1993, dispositivo este que
regerá contratações públicas até o dia 31 de março do presente ano de 2023, quando
será substituído, em definitivo pela lei 14.133 de 2021.
Em sua origem, a lei 8.666 de 1993 trouxe as mesmas exigências do decreto-lei 2300
de 1986, repetindo a técnica de estipular de forma expressa quais seriam os
documentos necessários para cada uma das demonstrações de capacidade
necessárias. Manteve-se, também, o Registro Cadastral.
Em abril de 2000, entraram em vigor as alterações promovidas pela lei 9.854 de 1999,
que passou a exigir que os licitantes demonstrassem, na fase de habilitação, o
cumprimento do previsto no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal de 1988:
"Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito
e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de
aprendiz, a partir de quatorze anos;"
Já em janeiro de 2012, entraram em vigor as alterações promovidas pela lei 12.440 de
2011, que passou a exigir a demonstração de regularidade trabalhista aos licitantes.
Em comum, todas as normas citadas possuíam a característica de que a fase de
habilitação precedia a fase de julgamento das propostas, ou seja, primeiro se verificava
o cumprimento dos requisitos de habilitação por parte de todos os concorrentes e
depois se analisavam as propostas de todos aqueles que foram considerados aptos
para a participação no certame.
Contudo, contra as decisões positivas ou negativas de habilitação é possível a
interposição de recursos administrativos e a propositura de diversas demandas
judiciais. Assim, os procedimentos licitatórios sofriam grandes atrasos, visto que por
diversas vezes eram suspensos até que se tivesse um provimento definitivo sobre a
habilitação dos licitantes ou que tivesse que ser anulado e recomeçasse com a
inclusão do licitante excluído.
Ademais, os entraves causados pelas longuíssimas discussões, faziam com que os
procedimentos licitatórios perdessem sua efetividade, princípio constitucional regente
da administração pública.
Em 2002, entrou em vigor a lei 10.520 de 17 de julho do mesmo ano, que instituiu o
Pregão para a aquisição de bens e serviços comuns. A Lei do Pregão previu que a
abertura dos envelopes contendo os documentos de habilitação seria realizada após o
encerramento da fase das propostas e que a verificação ficaria restrita ao licitante que
apresentou a melhor proposta4, alteração que resultou em maior agilidade e
efetividade para as contratações realizadas por meio desta modalidade.
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VII - de homologação.
Assim, nota-se que não houve modificação no teor das fases, invertendo-se apenas a
ordem dos procedimentos. Na prática, essa inversão faz com que a habilitação deixe
de ser uma condição para que o licitante possa competir, de sorte que somente o
proponente que vence a licitação seja sujeito à verificação de regularidade das
documentações.
Destarte, promove-se, em teoria, uma certa desburocratização do processo licitatório,
sem desfazer-se do controle cauteloso quanto aos requisitos formais para se contratar
com o governo. O procedimento, tal como previsto, ao evitar os entraves causados
pelas demandas decorrentes da habilitação que precedia as propostas, garante à
administração pública e aos licitantes maior agilidade na conclusão da contratação.
Garantem-se, assim, procedimentos com maior observância ao princípio constitucional
da eficiência dos atos públicos, princípio este que teve sua aplicação mitigada e
desrespeitada ao longo dos anos, em decorrência dos longos atrasos inerentes ao
processo anterior.
Não se ignoram as preocupações e ressalvas feitas por grandes doutrinadores do
direito administrativo brasileiro acerca do tema, sobretudo quanto à possibilidade de
influência da vantajosidade da proposta vencedora, das participações de fachada e de
fraudes, como alerta Marçal Justen Filho em sua obra sobre a lei de licitações e
contratações administrativas:
"[...] o risco de participantes ditos "de fachada", que não dispõem de condições
mínimas para executar o objeto e que se aventuram no certame para criar
dificuldades ou atuar concertadamente com outros licitantes.
2.4) O risco de fraudes
Em tais hipóteses o licitante destituído de condições disporá de maiores condições para
formular a melhor proposta. Afinal, poderá ofertar um valor qualquer, sem qualquer
projeção sobre custos ou encargos. Na sequência, o sujeito poderá tentar estabelecer um
acordo criminoso com outro licitante para obter vantagens indevidas."7
O próprio autor, assevera que:
"A solução legal conduz à necessidade de certas precauções para reduzir o risco de
práticas reprováveis. Isso significa a punição severa para todos os licitantes que
deixarem de apresentar a documentação, inclusive com a instauração de
procedimentos punitivos relativamente às pessoas fiscais envolvidas. Para tanto, é
relevante exigir a declaração referida no inc. I do mesmo artigo 63 de modo a evitar o
argumento da boa-fé do sujeito."8
De outro lado, é necessário que se busque uma alteração das bases do pensamento
social brasileiro, a fim de que os cidadãos passem a entender o sentido republicano
das relações interpessoais. Se não houver uma busca por essa idoneidade como
princípio, de nada adiantará a criação de regras altamente burocráticas e ineficientes.
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Abusos e desvios devem ser punidos, mas não devemos abrir mão de buscar a
eficiência e de entregar ao administrador público as melhores ferramentas para
possibilitar uma boa contratação, em tempo razoável.
Pode-se concluir, assim, que o procedimento adotado como padrão pela lei 14.133 de
2021, pode trazer às licitações maior efetividade, decorrente da agilidade e da
desburocratização promovidas pela norma.
______________
2 Decreto 15.783/1922 - "Art. 759. Julgada dentro de dez dias a idoneidade do proponente, será ordenada
sua inscripção, si este se subordinar ás condições exigidas para o fornecimento"
3 Decreto 18.783/1922 - art. 741,§1º. "Aos concurrentes será licito reclamar contra a inclusão ou exclusão
de qualquer concurrente na lista de idoneidade, mediante prova dos factos que allegarem."
4 Lei 10.520/2002 - Art. 4º - XII - encerrada a etapa competitiva e ordenadas as ofertas, o pregoeiro
procederá à abertura do invólucro contendo os documentos de habilitação do licitante que
apresentou a melhor proposta, para verificação do atendimento das condições fixadas no edital.
5 Lei 10.520/2002 Art. 4º - XIII - a habilitação far-se-á com a verificação de que o licitante está em
situação regular perante a Fazenda Nacional, a Seguridade Social e o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço - FGTS, e as Fazendas Estaduais e Municipais, quando for o caso, com a comprovação de que
atende às exigências do edital quanto à habilitação jurídica e qualificações técnica e econômico-
financeira.
______________
ALVES, Ana Paula Gross. A evolução histórica das licitações e o atual processo de compras públicas em
situação de emergência no Brasil. 2020. 26 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Administração Pública) - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, Brasília, 2022.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021.
São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2021.
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