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Esta história, embora comece em plena guerra mundial e tenha

como pano de fundo os preconceitos e as idéias preconcebidas


estabelecidos nela, não tem nenhuma conotação política, social ou
religiosa. Para recriar a história foram feitas referências aos fatos
reais mais relevantes, mas nenhum dos personagens ou sua história
pessoal tem relação a pessoas reais.

Além das desavenças e danos produzidos durante a guerra, o


que se tentou capturar neste romance é o amor entre dois homens
com crenças e culturas distintas que conseguem superar seus
preconceitos e do ambiente ao seu redor. A única mensagem que se
quer transmitir é que “No fim, o amor vence tudo.”

Espero que apreciem esta intensa história de amor e reflitam


que a vida é única e devemos vivê-la intensamente, pensando que
este poderia ser o último dia de nossa vida.

Desde já agradeço que tomem o tempo para ler este romance


curto e se o bichinho da curiosidade “mordê-lo”, na internet
encontrarão muita informação sobre os eventos ocorridos ao longo
da história que dão o contexto de tempo e espaço.

Com carinho,

Gaby
Resumo
Era o ano de 1941 e a Segunda Guerra Mundial estava no auge.

Osher, um garoto judeu de 17 anos foge da morte até os


campos da Alemanha nazista. Cansado, com fome e quase
desmaiando, esconde-se em uma fazenda.

Alfred, o dono da fazenda vive só. É um ex-militar, ferido na


frente de batalha.

Quando Alfred descobre Osher escondido no celeiro de sua


fazenda, começa a luta entre os preconceitos e a atração sexual entre
eles.

A vida afastada da cidade e das pessoas transcorre tranqüila e


a relação entre Alfred e Osher se transforma em algo mais do que
uma simples amizade.

Quando finalmente conseguem encontrar a felicidade e


projetar um futuro juntos, uma visita inesperada põe em perigo não
somente a vida de Osher, mas o destino de Alfred.

Uma importante decisão decidirá o destino do casal. Poderiam


superar as dificuldades que a vida insiste em colocar no caminho
deles? O amor poderá superar os preconceitos e a dor que ambos
homens sofreram em seu passado?
Dedicatória
A minha doce amiga Patito no seu aniversário.

A minha grande amiga Lou, que me acompanha em todas as


minhas loucuras e que escreveu a carta final que aparece no
romance. Obrigado!

As minhas amigas, Isso, May, Esther e Rony por estarem


sempre ao meu lado e me incentivarem e serem os motores que
geram em mim a vontade de me superar e tentar fazer as coisas cada
vez melhor.

A minha amiga Pervy, minha companheira e comparsa que


abriu sua casa e seu coração para mim.

A todas aquelas pessoas que apreciam as minhas histórias e


pedem por mais.

A minha amada filha Victoria que ilumina meus dias e me faz


sentir que a vida tem um sentido, um objetivo e que o amor
conquista tudo.

Gaby
Advertência
Esta história contém cenas explícitas de sexo MM.

Os personagens e fatos assim como os temas abordados são


fictícios e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
Era o ano de 1941, a Segunda Guerra Mundial está em pleno
apogeu.

Alemanha, o país onde tudo estava um caos na busca pelo


controle.

O medo reinava nas ruas. Os judeus eram perseguidos devido


as suas crenças, por serem diferentes. Os preconceitos e as idéias
preconcebidas cegam os nazistas.1

Osher2 tem 17 anos e muitos sonhos não realizados. Apenas


conseguiu escapar de Berlim quando os nazistas invadiram a cidade
buscando de casa em casa pelos judeus para enviá-los aos campos de
extermínio3. Sua família foi seqüestrada e assassinada enquanto
estava escondido como um covarde. Seus pais haviam se sacrificado
para que ele pudesse escapar de seu triste destino.

Osher fugiu deste inferno e adentrou nos campos ao redor da


cidade, na esperança de não ser descoberto, evitando que sua vida
terminasse tão rápido.

Os dias passam e Osher não encontra alimento. As poucas


provisões que levava em sua mochila estavam por acabar. Tinha
perdido peso. Pálido e com olheiras sentia-se fraco, dormindo a céu
aberto, sendo atacado pelas inclemências do inverno rigoroso. Logo
nevaria e se não conseguisse um refúgio não sobreviveria.

Finalmente, vê ao longe uma fazenda grande. Um celeiro é


visível em uma área afastada da casa. Osher decide esconder-se ali
1
O termo nazista é a abreviatura do Nacional-socialismo em alemão. Esta ideologia foi institucionalizada
pelo Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores (PNSAT) em alemão Nationalsozialistische
Deutsche Arbeiterpartei (NSDAP), também conhecido como partido Nazi. O racismo era um aspecto
importante da sociedade e da política no Terceiro Reich, determinando a perseguição e assassinato dos
alemães de origem judia e depois de outras minorias étnicas como os ciganos. Outras vitimas da
perseguição nazista incluíam os comunistas, os socialistas, os anarquistas, os negros, os opositores
políticos em geral, os homossexuais, os dissidentes religiosos como as Testemunhas de Jeová, clérigos
protestantes ou católicos que rejeitavam a violenta ideologia do regime e os maçons.
2
Osher: nome hebreu que significa felicidade, boa sorte
3
Estes campos nazistas foram criados exclusivamente para o assassinato em massa de judeus. Na
verdade, mais de três milhões de judeus foram assassinados nos campos de extermínio, mediante o gás ou
fuzilamento. O primeiro destes campos que foi criado foi Chelmno em 1941 em parte da Polônia anexada
a Alemanha. Dois anos depois, mais de um milhão e meio de judeus haviam sido assassinados. O maior
campo de extermínio era Auschwitz-Birkenau na Polônia, que na primavera de 1943, já funcionava com
quatro câmeras de gás, chegando a matar até oito mil judeus por dia.
até que a neve passasse. Talvez pudesse conseguir um pouco de
alimento e evitar ser descoberto pelos donos. Esperava ter sorte...

Escondido no celeiro da fazenda fazia uma semana, Osher


conseguiu descobrir que o lugar pertencia a um alemão nazista que
vivia só. O homem teria cerca de trinta anos, alto, forte e com cara de
poucos amigos. Um leve coxear de uma seqüela da guerra havia
deixado-o fora do campo de batalha, enclausurando-o na solidão da
sua fazenda. Osher havia ouvido o nazista amaldiçoar diariamente,
quando se encontrava na tarefa de cortar lenha, contra os judeus e
os malditos ossos quebrados que o impediam de continuar servindo
ao seu país. Nestes momentos, deliciava suas vistas com os músculos
bem desenvolvidos do homem, forte, imponente e desejável. Podia
ver o suor escorrer pela pele perfeita, brilhando ao sol. Osher
sonhava com essa pele, com estes braços musculosos segurando-o,
mas saiba que não devia ter pensamentos lascivos que envolviam um
nazista.

Fazia alguns anos que Osher supunha que era diferente.


Gostava dos homens e sonhava com eles, não conseguia evitá-lo.
Guardava cuidadosamente o segredo não só de sua família, mas
também de seus amigos. Tinha medo de ser desprezado por todos
que amava. Osher não sabia que o desprezo chegaria a sua vida de
outra maneira, não pelas suas inclinações que muitos chamariam de
retorcidas, mas pelo sangue e passado que corria em suas veias.
Ainda se perguntava por que os nazistas perseguiam aos judeus e o
que era isto da raça perfeita que tanto falavam...

Era a noite do sétimo dia. Os olhos escuros e temerosos de


Osher olham por entre os fardos de feno. O aroma da deliciosa
comida que vinha da casa invade os sentidos de Osher. O garoto
chora, o desespero o estressa a tal ponto que já não consegue
reconhecer seus arredores. Devia conseguir algo de comer
urgentemente ou desmaiaria. A solidão, o frio e a fome estavam
acabando com sua determinação de sobreviver.

Fazia alguns dias que Osher tinha comido o último pedaço de


pão que levava em sua mochila. Tomava água do bebedouro dos
animais e mais de uma vez esteve a ponto de comer os insetos que
pululavam pela fazenda. A repulsa que lhe provocava estes bichos
pode mais do que a sua fome e desistiu antes de poder levá-los a sua
boca. As náuseas o fizeram vomitar o resto que ficava em suas
entranhas.

Seu estômago roncava, o choro de Osher se tornou mais


intenso e comovente. Seus sentidos estavam adormecidos pela falta
de alimento. Não conseguiu escutar que alguém se aproximava,
intrigado pelo choro do garoto.

De repente, Osher sente que uma mão forte agarra seu ombro.
Treme, se sacode e se deixa levar pela escuridão. Já não lhe restava
forças para lutar.

Amanhecia, os raios suaves do sol entravam pela janela. O


quarto estava quente, cheirava a limpo e Osher se sentia quente e
protegido. Era como se estivesse mergulhando em um sonho,
afastando-se da triste realidade que o golpeava diariamente fazia um
mês.

Abrindo seus lindos olhos negros tenta reconhecer o lugar


onde se encontrava. As paredes brancas, a cama grande quente e
confortável, as cortinas ondulando pela brisa fria que entrava por
uma pequena fresta que permitia ventilar o quarto. Um armário até
o teto ficava de frente para a cama, muitas estantes na parede
próxima a porta, cheias de livros. Belas pinturas a óleo adornavam
as paredes com paisagens verdes e azuis que transportavam Osher a
tempos melhores. Tempo no qual a guerra parecia uma loucura.

Seu nariz percebe um forte aroma de comida. Seu estômago


ronca, sua cabeça gira. O aroma está cada vez mais intenso e chega
até seu cérebro, explodindo até enlouquecê-lo.

A porta do quarto se abre e o nazista aparece atrás dela. Em


suas mãos leva uma bandeja com um prato de comida. Que dá água
na boca de Osher, pela comida e pelo homem lindo que se
aproximava da cama.

Os frios olhos azuis de Alfred olham-no fixo, percorrendo a


pequena figura que parece diminuta dentro da imensa cama. Osher
sente a avaliação deste olhar e cora, encolhendo-se e tornando seu
corpo ainda menor aos olhos deste homem imponente que com seus
quase dois metros de altura parece um colosso.

“Menino, sente-se na cama. Não pretende que lhe dê comida


na boca.” Disse-lhe Alfred bruscamente.

“Não...” Osher apenas conseguiu dizer.

Fazendo um esforço sobre-humano, Osher senta-se na cama. O


nazista o olha com desprezo e faz um gesto como se quisesse cuspir
em seu rosto. O garoto estava com medo, seus olhos escuros
refletiam a pureza de sua alma e Alfred estremeceu diante deste
olhar tão profundo e inquietante.

“Agora, come. Não pense que isto lhe sairá de graça. Deverá
trabalhar para ganhar o pão. Além do mais ... se não quer que eu o
entregue aos militares, fará o que lhe disser.”

“Entregar-me?”

“Vá, vá, vá. Pensa que sou idiota, menino? Sei que é um judeu
sujo, mas agora necessito de ajuda nesta maldita fazenda e minha
perna não me deixa fazer muito. Trabalhará para mim.”
Osher olha para ele e Alfred sente um calor percorrer seu
coração. Coloca a bandeja sobre as pernas do garoto e se encaminha
para a porta do quarto.

Logo quando estava para fechar a porta atrás de si, gira e diz:
“Meu nome é Alfred e o seu?”

“Osher.” Consegui dizer debilmente.

“Osher. Coma e descanse, amanhã começará com o trabalho.”


Com estas palavras Alfred fechou a porta.

O garoto, desesperado, começa a tomar a sopa. Estava quente e


queima a boca. Um leve gemido escapa dos seus lábios. Alfred escuta
do lado de fora do quarto, escondido atrás da porta. Seu pênis reage
ao som sedutor. Fecha os olhos tentando conter seus desejos. Já
fazia muito tempo desde que tinha feito sexo e a necessidade o
estava fazendo pensar em algo que não poderia ser. Balança a cabeça
e desce as escadas para voltar até a cozinha.

Osher termina de comer e de repente se dá conta de que não só


usava roupa limpa, mas que ele também estava limpo. Seria possível
que o nazista tivesse lhe dado banho? A vergonha e excitação se
apoderam dele. Tinha desejado estar acordado quando essas mãos
grandes e fortes lavavam seu corpo. Com um suspiro, deixou a
bandeja sobre a mesa ao lado da cama, deitou e fechou os olhos para
dormir. Estava tão cansado que suas pálpebras se negavam a
permanecerem abertas.

Com a fria brisa suave tocando sua pele, Osher entrou em um


sono profundo.
A vida de Osher na fazenda tinha mudado desde o dia que foi
encontrado por Alfred. O nazista, apesar de sua resistência a ser
amável com o garoto, levava em consideração a quantidade de
trabalho que poderia realizar em sua condição física. Sabia que
Osher estava fraco, quase esquelético. Não permitia que folgasse,
mas ordenava-lhe realizar tarefas que não aumentassem as penas
sobre seu corpo já fragilizado.

Apesar da fragilidade que Osher deixava transparecer através


de sua pele quase transparente, Alfred sentia um formigamento de
desejo toda vez que o garoto se aproximava. O menino media 1,70m,
de constituição pequena, olhos negros de olhar profundo, pele muito
branca, cabelo muito preto que crescia em uns pequenos cachos que
deslizavam sedutoramente sobre seu rosto. A boca larga e carnuda
de Osher e seus traços suaves e afeminados faziam com que Alfred se
sentisse profundamente atraído e envergonhado ao mesmo tempo.
Fechando seus olhos conseguia recordar seus superiores maldizendo
claramente não apenas contra os judeus, mas também os
homossexuais, os ciganos, os negros, entre outros.

Um homossexual...Alfred era um hipócrita com este garoto e


com todos ao seu redor. Ele não pertencia a esta raça pura, mas
fingia... Alfred tinha gostado dos encontros sexuais com um
companheiro de trincheira antes que os estilhaços da última
emboscada o tinham alcançado. Ivan ... recordava do garoto, tão
doce e apaixonado. Que seria dele agora? Alfred sentia saudades
desse corpo pequeno e perfeito que lhe havia dado tanto prazer. Não
estava apaixonado pelo menino, mas ainda podia recordar do aroma
dos seus cabelos, a suavidade da sua pele, o apertado que era e o
prazer que isto lhe dava cada vez que o penetrava... Podia ainda
ouvir os gemidos de desejo, a excitação e o prazer de Ivan
penetrando através de seus tímpanos, percorrendo sua coluna
vertebral em ondas de prazer até seu pênis, engrossando-o ainda
mais. Podia imaginar empurrar-se dentro do garoto, saciando seu
desejo até esvaziar-se por completo em seu interior.

Osher aproxima-se e o afasta de suas lembranças eróticas.

“O que precisa, garoto?” Alfred lhe diz com um tom de voz


rude.
“Mmmm ... já terminei de escovar os cavalos e dar-lhes de
comer, senhor.” Osher disse esta última palavra quase em um
sussurro, baixando a cabeça.

“Bem, vou ver como o fez. Se estiver como eu gosto terá ganho
o jantar.” Os olhos do menino brilhavam de alegria. Tinha muita
fome, não só de comida, mas também de carinho e as palavras de
Alfred pareciam esconder para Osher um reconhecimento do seu
trabalho.

“Agora, vá tomar um banho. Odeio o cheiro de animais em


minha casa.”

“Sim, senhor.”

“Já lhe disse que me chame de Alfred.”

“Sim ... Alfred.”

“Assim que eu gosto. Agora vá tomar banho e trocar de roupa.”

Concordando, Osher se dirigiu para a casa.

Osher tomou banho e trocou de roupa como lhe havia dito


Alfred. Jantaram em silêncio e depois foram dormir.

Os dias transcorriam e a tensão sexual entre Osher e Alfred


crescia. O menino se tornava cada dia mais bonito, ou pelo menos
assim percebia Alfred.

Osher tinha pesadelos todas às noites. Alfred podia escutá-lo


chorar amargamente através das paredes. Partia-lhe o coração, mas
não podia fazer mais do que fazia. Já estava se arriscando bastante
ao deixá-lo ficar em sua casa, alimentando-o, abrigando-o em uma
cama suave e fofa e cuidando dele.

Alfred havia surpreendido Osher em mais de uma


oportunidade devorando-o com os olhos. Seria sua imaginação ou o
menino também se sentia atraído por ele, um homem e acima de
tudo um nazista?

Pensou muito sobre a situação e percebeu que para Osher


deveria ser muito duro também sentir-se atraído por um nazista.
Alfred já era um homem, mas Osher era um menino que estava
apenas começando a sua vida, a quem tinham arrebatado tudo que
possuía. Só e sem nenhum afeto, parecia um cachorro indefeso.

Alfred sempre evocava a imagem de Ivan em seus sonhos


molhados, mas nas últimas noites esta cabeça loira se convertia em
uma volumosa cabeleira preta com cachos. O rosto anguloso de Ivan
se transformava nos traços delicados de Osher, que o olhava com
estes profundos olhos pretos dizendo-lhe “desejo-o.” Alfred pensava
que ia enlouquecer. A febre noturna que se apoderava de seu corpo
somente podia curar-se com a liberação de sua ereção latejante que
pulsava, desejosa pelo toque de Osher, a umidade destes lábios
suaves e vermelhos, a intensa pressão que seguramente sentiria no
calor do interior do seu corpo virginal.

Alfred acordou. O suor cobria seu corpo. Sua respiração


agitada, seu pênis pulsando pela sua liberação, seu coração na boca,
querendo escapar de seu corpo em busca do menino que lhe daria o
prazer que tanto necessitava .... e talvez algo mais que nunca havia
sentido até este momento.

Seus sentidos agudos pela intensidade de suas emoções,


puderam perceber mais uma vez os gemidos de Osher. Outro
pesadelo o visitava, como todas as noites, rondando seu quarto,
atormentando sua mente juvenil, destroçando seu interior pouco a
pouco.

Alfred ouve a queixa de dor nas palavras de Osher: “Mamãe,


não por favor. Não o faça. Não se sacrifique por mim. Mamãe!”

O coração de Alfred voltou ao seu corpo, prisioneiro das mãos


que o oprimiam em seu interior. Uma dor intensa percorreu seu
corpo e as lágrimas começaram a deslizar pelo seu rosto. Seu corpo
arrefeceu, sua ereção suavizou como todo seu corpo diante da
necessidade de consolar Osher, de dar-lhe um pouco de carinho que
tão desesperadamente buscava diariamente em seus olhos famintos.

Outro gemido de dor de Osher fez com que Alfred se levantasse


da sua cama e fosse até o quarto do menino. Nem sequer se vestiu e
foi assim, nu como costumava dormir.

Osher suava profusamente, se contorcia, chorava, gemia. A dor


podia ser vista claramente em seu rosto, que transformava seus
traços bonitos em alguém irreconhecível diante dos olhos de Alfred.
Colocando-se em posição fetal, Osher agarrou-se com força em suas
pernas e se embalou lentamente, como se quisesse lamber suas
feridas e se consolar pelos danos intensos que a guerra lhe havia
causado.

Alfred o descobre, Osher estava encharcado e tremia. O


homem o abraça, tentando dar-lhe um pouco de calor e consolo.

Osher se relaxa dentro destes braços fortes e quentes. O


gemido de dor se transforma em um de desejo. Alfred pode sentir a
ereção de Osher pressionar em seu quadril.

“Osher, Osher, acorde. É só um pesadelo.” Sussurra Alfred


suavemente ao ouvido do menino.

Osher treme, mais excitado ainda. Abre seus olhos e Alfred se


perde dentro deste olhar escuro e profundo. Sente que o absorve, o
consome.

“Alfred, eu...eu...”

“Shhhh... não diga nada.” Disse-lhe Alfred colocando um dos


seus dedos sobre os lábios suaves de Osher.

Como se um imã o puxasse até Osher, Alfred coloca seus lábios


sobre os do menino. A sensação de calor percorre seu corpo,
acariciando-o, aquecendo cada célula em seu caminho. Seu sangue
começa a ferver em suas veias, provocando uma sensação de asfixia.
Separando-se para tomar ar, vê Osher ofegar, suas pupilas
dilatadas, sua boca entreaberta e vermelha pelo beijo. Então Alfred
começa a despir o menino. Seu pijama estava encharcado pelo suor
intenso, produto do seu pesadelo. Osher se deixa levar, como em um
sonho. A sensação embriagadora das mãos fortes sobre seu corpo faz
Osher quase desaparecer.

Inclina-se até Alfred e apoia sua cabeça no peito desnudo do


nazista. Ouve as batidas do coração de Alfred, fortes, intensas, como
se um cavalo estivesse a galopar dentro dele. A febre do desejo se
apodera de ambos, aquecendo sua pele, dilatando seus poros,
tornando-os mais sensíveis ao outro.

A suavidade dos cachos de Osher sobre sua pele, fazem Alfred


deter-se por um momento na tarefa de despir o garoto. Acaricia cada
um dos cachos, deslizando-os entre seus dedos. Osher ergue sua
vista até Alfred, uma fome animal se revela, uma que Alfred nunca
teria imaginado pudesse existir nestes olhos.

Alfred deita Osher na cama e tira suas calças e cueca. Nu e


tremendo pela antecipação de ser possuído pelo objeto do seu
desejo, Osher relaxa e se entrega ao olhar intenso de Alfred, que o
derrete e o excita, fazendo com que seu pênis se ponha cada vez mais
duro. Alfred percebe a ereção de Osher, é grande, dura e
circuncisada. A cabeça de seu pênis é redonda, rosa, derramando
gotas de liquido pré-seminal que desejava lamber para acalmar um
pouco a fome voraz que sentia por este corpo virginal que se
entregava a ele.

Alfred toma em sua boca a carne quente de Osher, chupando


intensamente a cabeça, engolindo profundamente tudo até a base.
Osher arqueia, empurrando seus quadris para aprofundar a
chupada.

Um leve sorriso se desenha na boca de Alfred, regozijando-se


sem soltar a presa saborosa de sua boca. O menino se contorce,
geme e chora pelo prazer sonhado tornando-se realidade. Alfred
libera a ereção dura de Osher e desliza sua língua pelo testículo
pesado, circulando cada uma de suas bolas. Depois os toma um a um
dentro de sua boca e brinca com sua língua. Quando os libera, segue
seu caminho úmido pela fenda da nádega de Osher, parando na
entrada que logo seria penetrada pela sua poderosa ereção. Circula-a
com sua língua, aquecendo o lugar, depois introduz lentamente sua
língua, buscando lubrificar a passagem. Junto com sua língua
introduz um dos seus dedos grossos, brinca intercalando a entrada e
saída de seu dedo e sua língua. Osher acredita que está no paraíso e
se deixa transportar pelas sensações, entrega-se completamente ao
que Alfred quiser fazer com ele.

Um segundo dedo é introduzido dentro de Osher. A invasão é


pungente, arde, mas a saliva que a língua de Alfred deixa, alivia o
ardor e ajuda o deslizamento dos dedos dentro do seu corpo.

Um terceiro dedo e Osher já está quase pronto para gozar.


Alfred sente as bolas de Osher ficarem tensas. Tenta alcançar com
seus dedos o ponto doce da próstata de Osher. Apenas um pouco,
um roçar com um de seus dedos seria o suficiente para terminar de
abrir seu caminho através do menino. Finalmente o encontra e a
sensação transporta Osher para a luxuria, já não pensa, não
consegue deter-se, deseja mais.

Mais liquido pré-seminal jorra do seu pênis. Alfred o lambe


pela última vez antes de retirar seus dedos do interior de Osher e
posicionar a cabeça do seu pênis na abertura rosa, dilatada,
esperando ser penetrada.

Alfred empurra lentamente pela passagem quente. Osher se


arqueia e levanta mais seus quadris, fazendo com que Alfred vá mais
profundo, até a base do seu pênis.

Totalmente dentro, Alfred fica parado por um minuto. Quer


acalmar-se um pouco, o aperto de Osher estava enlouquecendo-o.
Antes que pudesse começar a se mover, Osher toma a dianteira e
começa a mover seus quadris, desejoso de que mais uma vez Alfred
roçasse em sua próstata e enviasse esta deliciosa eletricidade por
todo seu corpo.

Livre de suas considerações sobre Osher por ser sua primeira


vez, Alfred pega as pernas do menino, coloca-as sobre seus ombros e
começa uma dança rápida, entrando e saindo ritmicamente do
interior do menino. Em cada impulso, Alfred roça a próstata de
Osher e este se arqueia, ofegando e suspirando pelas intensas
sensações.

“Ahhh…Alfred…” Osher geme sem conseguir conter-se.

“Osher ... você é tão sexy, tão delicioso.”

“Ahhhh, não agüento, vou....Ahhhh.”

“Sim, goze para mim. Já estou perto. Vou enchê-lo com a


minha essência. É meu, agora e para sempre.”

“Ahhhh...” Osher goza. Um tremor intenso sacode seu corpo,


fazendo com que seu orgasmo seja prolongado, intenso, quase
doloroso.

Alfred se esvazia dentro do menino, agoniado pela sensação de


compressão dos músculos de Osher sobre seu pênis, provocado pela
ejaculação.

Saciado, Alfred se deixa cair junto a Osher, que respirava com


dificuldade tentando recompor-se da intensidade do ato.

Ambos ficam em silêncio, sem se olharem. Cada um pensando


no maravilhoso que foi o que acabava de acontecer. Para Osher era
sua primeira vez e com o homem que já amava. Para Alfred, uma
explosão de emoções que nunca havia sentindo com nenhum dos ex-
amantes.

O calor intenso do quarto era a antítese do frio rigoroso que


havia do lado de fora da casa. A nevasca era intensa, cobriria tudo
em poucas horas.

Sem falar, Alfred gira e fica contemplando o lindo rosto de


Osher. A pele branca e suave resplandecia com a luz da lua cheia que
penetrava pela janela. Os lábios vermelhos e inchados, seus olhos
escuros brilhavam competindo com a luminosidade desta lua que
presenciou o encontro deles. Os cachos sedosos caiam sobre o rosto
do menino, tornando mais angelical sua beleza perfeita.

Alfred tinha sido um artista muito reconhecido na Alemanha.


As pinturas que adornavam os quartos da casa, aquelas com as quais
Osher podia sonhar somente por olhá-las, tinham sido pintadas por
estas mãos fortes e masculinas. Essas mãos que acariciavam tão bem
Osher e o sustentavam. Alfred brinca em sua mente com o corpo do
seu amante, com cada linha que pintaria se fizesse um retrato dele...
Mas a guerra o obrigou a deixar de lado seus sonhos de artista,
levando-o para a dura realidade da morte, o desprezo e os
preconceitos. Agora não... mas algum dia jurava capturar em uma
tela a beleza deste menino que se meteu tão profundamente debaixo
de sua pele e que cavava seu caminho até seu coração.

Puxando Osher para perto, envolveu com seus braços o corpo


frágil que se fortificava a cada dia com o trabalho da fazenda e o
desenvolvimento natural do crescimento do menino. Logo seria um
homem, forte, sensível e lindo e Alfred queria-o para ele, queria que
nunca se afastasse do seu lado.

Corpo contra corpo, pele contra pele, o calor os envolveu e


caíram em um sono profundo e reparador.

Osher pela primeira vez em muito tempo pode dormir


tranquilo, sem pesadelos, junto ao homem que amava.

O inverno transcorreu quase em um suspiro. Osher estava


feliz. Toda noite Alfred o abraçava, faziam amor docemente e
dormiam juntos, saboreando o calor do corpo do outro. A neve tinha
sido intensa durante muitas semanas e Osher sabia que se não
houvesse encontrado o calor junto a Alfred neste momento já estaria
morto, de fome ou congelado.
Alfred não lembrava ter se sentindo tão desejado e amado em
sua vida. Osher era sensual, selvagem e faminto durante o sexo.

A primavera já trazia consigo os primeiros brotos das flores e


em breve as arvores se encheriam de frutas suculentas que poderiam
saborear em deliciosas comidas.

Osher estava limpando uma área de terra próxima da casa.


Queria fazer uma horta onde cultivar as verduras que consumiriam
diariamente. Alfred o olhava trabalhar duramente nela e logo o
esforço de Osher se viu recompensado podendo desfrutar em cada
refeição da colheita da horta.

Perto da casa de Alfred corria um rio em que iam pescar


diariamente. Não necessitavam muito para sobreviver e Alfred
tentava não aparecer com frequência na cidade.

Embora Osher amasse Alfred mais do que a sua própria vida,


nunca havia se atrevido a confessar seu amor. Temia ser desprezado
ou não correspondido e preferia viver na ignorância e seguir
sonhando que Alfred sentia algo mais por ele do que apenas atração
e satisfação sexual.

Alfred queria ao menino, sabia que seus sentimentos se


enraizavam profundamente a cada dia, mas se negava a dar um
nome a esse sentimento, tinha medo de amar.

Era a tarde de um dia ensolarado e quente. Osher estava na


horta colhendo o que consumiriam no jantar. Alfred estava no
estábulo cuidando dos cavalos. O som de um veículo aproximando-
se chama a atenção de Alfred que sai do celeiro.

Ao longe vê um automóvel com o símbolo nazista. Com horror


corre como pode com sua perna desajeitada e grita para Osher.

“Osher! Osher! Entra na casa! AGORA!”

“Alfred.... o que acontece?” Osher deixa cair as verduras que


tinha em sua mão, seus olhos fixos na estrada, o símbolo nazista
penetrando em sua cabeça. Quase desmaia, mas os gritos de Alfred o
trazem para a realidade.

“Vá e se esconda no porão. Não se mova e não saia até que vá


buscá-lo.” Alfred lhe disse logo que chegou ao seu lado.

“Tenho medo.”

“Vá e faça o que digo. AGORA! Vá pela parte de trás da casa.”

Osher corre e faz o que Alfred lhe disse. Quando está no porão,
se encolhe no canto mais escuro, tremendo de medo.

O veículo finalmente estaciona na frente da casa e quatro


militares descem dele. Alfred fica atônito, um era Ivan.

“Olá Alfred.” Disse Ivan aproximando-se dele.

“Ivan?”

“Sim, sou eu. Viemos ver como estava sua perna e se precisa de
algo. Mas pelo visto se arranja muito bem.”

“Faço o que posso.” Alfred responde secamente.

“Não vai nos convidar para entrar? Uma limonada seria muito
bem recebida.”

“Perdoem meus modos, é que não esperava que alguém viesse


me visitar?”

“Visitar? Já,já,já,já. Não se engane, Alfred. Esta não é uma


visita social como diz.”

“Não?”
“Entremos assim poderemos conversar mais à vontade.”

Os homens entraram. Somente Ivan falava, os outros três


permaneciam em silêncio. Alfred entrou em casa acompanhado
pelos quatro homens. Enquanto preparava a limonada, os outros
sentaram-se na mesa da cozinha.

Ivan observava a casa, como procurando algo.

“Perdeu algo, Ivan?” Perguntou Alfred com um pouco de


sarcasmo.

“Mmmm, apenas queria ver o lugar onde vive e que o mantem


tão ocupado que quase não visita a cidade.”

“Como sabe disso?”

“Pois, fiz meu dever.”

“Acredito que não deveria ocupar seu tempo valioso com a


minha insignificante pessoa.”

“Não se rebaixe, Alfred.” Ivan aproximou-se mais de Alfred e


lhe sussurrou ao ouvido: “E sabe que nunca tem sido insignificante
para mim...”

Alfred estremece. Lembranças dos momentos passados com


Ivan retornam a sua mente como se um dique tivesse rompido e a
torrente de água inundara sua cabeça.

“Bem.” Disse Ivan respirando fundo. “Viemos aqui para ver se


está em condição de voltar a frente de batalha. Precisamos dos
melhores homens para criar a estratégia dos próximos passos a
seguir.

“E acreditam que posso ser um destes homens?”


“Claro. É inteligente e muito hábil planejando alternativas
distintas para um ataque bem sucedido.

“Bem, não acredito que seja tanto assim, mas se meu país
precisa de mim voltarei quando esta perna estiver curada.”

“Não acredito que isto aconteça e todos sabemos, Alfred.”

“O que quer dizer?”

“Que sabemos que sua perna não irá se curar. Deve ficar
agradecido que o ferimento foi tratado a tempo e evitou que a
amputassem.”

“Então... Não entendo.”

“Não queremos seu corpo, mas seu cérebro.”

“Mas nestas condições é muito difícil locomover-me.”

“Por isto permaneceria na cidade, não deveria ir à frente de


batalha mesmo.”

“Compreendo. Quando seria isto?”

“Em um mês viremos buscá-lo. Espero que então as condições


climáticas estejam mais propicias ao seu traslado.”

“Então, esperarei as ordens.”

Sem tocar na limonada, os quatros homens fazem uma


saudação, saem da casa e sobem no seu veículo e se afastam
deixando uma poeira intensa não apenas na estrada, mas também
no coração de Alfred.

Quando Alfred teve certeza que já tinham ido embora para não
voltar, desceu rapidamente ao porão. Demorou a encontrar Osher,
tremendo e chorando silenciosamente em um canto, encolhido e
ninando seu corpo.

“Shhhh. Osher.” Alfred abraça ao menino com força e tenta


acalmá-lo.

“Ouvi tudo...” Osher disse entre soluços.

“Shhhh, não se preocupe, não o deixarei desamparado.”

“Não! Não quero me afastar de você!” Osher empurra Alfred


para longe, seu olhar alienado.

“Osher, deve compreender. Não posso me negar. Matariam a


ambos.”

“Não quero perdê-lo. Não posso. Te amo tanto.” Osher abraçou


Alfred e chorou amargamente. Finalmente havia deixado sair as
palavras que tinham estado retidas por tanto tempo. Embora
sentisse medo, o alívio inundou seu corpo.

“Osher. Meu Osher. Eu também amo você.“ Alfred finalmente


conseguiu admiti-lo. O desespero de que descobrissem Osher e o
matassem o tinha feito compreender todo o amor que sentia pelo
menino. Agora mais do que nunca, permitiria que nada nem
ninguém roubasse este amor que tinha custado tanto para
encontrar. Nem a guerra nem os preconceitos poderiam separá-los.

Os dias passaram. Osher e Alfred tentavam passar cada


momento juntos e apreciar um ao outro. Viviam cada dia como se
fosse o último.
O dia que Alfred devia partir se aproximava e para Osher era
como se o que se aproximava fosse o dia do seu juízo final. Como
poderia fazer para viver sem Alfred, sem seus beijos, suas caricias,
seu calor...? Nunca havia sentido tanto fogo percorrendo seu corpo,
despertado pelo toque da pele do seu amante e apagado somente
quando seus corpos, saciados, dormiam abraçados um junto ao
outro.

A tristeza nos olhos de Osher dizia a Alfred que o menino não


aceitaria facilmente sua partida. Fazia alguns dias que Osher quase
não comia e isso preocupava imensamente a Alfred.

“Osher...Precisamos conversar.” Disse-lhe Alfred uma noite,


cansado de ver a comida no prato do menino, sem tocar.

“Alfred....” Osher afogou suas palavras em um choro exausto,


seus lindos olhos inundados pelas lágrimas, seu rosto pálido como o
de um fantasma.

Alfred levantou-se da cadeira em que estava sentado e foi até


seu amante. Pegou entre suas mãos grandes o rosto de Osher, tão
frágil, tão bonito. Aproximou seus lábios aos do menino, estavam
frios, gelados.

“Osher... Não me faça isto. Sabe que devo ir. Já conversamos a


respeito. Deve comer, deve me prometer que irá me esperar.”

“Alfred .... Não quero!” Osher se lançou sobre Alfred, abraça-o


com todas as suas forças. O choro agora é desesperado, como se
estivessem rasgando sua alma aos pedaços.

“Shhhh. Amor .... não chore, por favor.”

“Amor? Você realmente me ama?”

“Como pode me perguntar isto!”


“Só sei que com o simples pensamento de que não esteja ao
meu lado... só de pensar nisto... Quero morrer!”

Alfred irritado dá uma bofetada em Osher.

“Nunca. NUNCA mais volte a dizer isto. NUNCA!”

Alfred sente seu coração romper-se em mil pedaços, sua


cabeça explodir, seu peito pesado, esmagando seus pulmões que se
negavam a tomar o ar para poder respirar. Tenta inutilmente conter
as lágrimas que surgem em seus olhos, lágrimas que inutilmente
saiam querendo limpar a dor intensa que a simples imagem de ver
seu amor morto lhe produzia.

“Alfred! Alfred!”

Osher se agarra mais ao corpo de Alfred, necessitava sentir seu


calor, a paz que ele sempre lhe transmitia.

“Osher ... não percebe que está me matando. Destroça-me


pensar que se deixei morrer.”

“Como vou dormir à noite? Como poderei evitar os pesadelos,


pensar que possa estar ferido ou pior ainda, morto...?” Apenas
conseguiu dizer isto, seus olhos se abriram como se a morte bailasse
diante deles, sua mente ficou vazia, seu coração paralisou, sua
respiração tornou-se muito mais lenta, quase imperceptível. Osher
desmaiou nos braços de Alfred.

“Osher!”

Amanhecia. Osher estava na cama, a febre o consumia.


Alfred tinha permanecido durante toda a noite ao seu lado,
segurando a sua mão, chorando em silêncio. Tinha tido toda a noite
para pensar no que faria. Já havia tomado uma decisão. Alfred não
podia deixar Osher só. Como poderia ficar longe sem saber se estaria
bem?

Osher abriu seus olhos, olhou fixo para Alfred, mas seu olhar
era vazio como se não o visse realmente.

Alfred, assustado, pegou Osher pelos ombros e o sacudiu.

“Osher! Osher! Reage!”

As lágrimas escorriam pelo rosto de Alfred, o desespero se


apoderou dele. Pegou o menino em seus braços e o levou ao
banheiro. Abriu a torneira do chuveiro e o colocou debaixo. A água
fria fez com que Osher tremesse em contraste com a queimação da
febre. Alfred ficou ao seu lado, abraçando-o e cantando para ele uma
canção de ninar que sua mãe cantava para ele de pequeno quando
tinha medo.

Ao fim de alguns minutos, o corpo que antes fervia agora


estava gelado, como um cadáver. Temeroso, Alfred fecha a torneira
impedindo que a água continue caindo sobre seu amado Osher.

O menino abre seus olhos, respira profundamente e exala.


Olha para Alfred e o abraça com ternura.

“Obrigado.” Consegue sussurrar no seu ouvido.

Alfred o despe lentamente, envolve-o em uma toalha grande e


volta a levantá-lo em seus braços como se fosse o bem mais valioso
do mundo.

Depois de depositá-lo na cama, deita ao seu lado, abraça-o e


sussurra: “Não irão nos separar. Fugiremos.”

Osher estremece. As palavras de Alfred o atingem. Sentia seu


coração bater com força e que a vida voltava ao seu corpo. Queria
viver, queria estar junto a Alfred para sempre.

“Alfred....” Dizendo seu nome em um sussurro, beijou seu


amante tentando por neste beijo toda a paixão que explodia em seu
interior.
Alfred acariciou o corpo de Osher, lentamente, como querendo
memorizar novamente cada linha, cada curva, cada milímetro do seu
amado. Fechou os olhos e imaginou-se pintando os cachos escuros,
os lábios perfeitos. Algum dia, algum dia será, pensou.

A paixão os incendiou e fizeram amor, lenta e suavemente,


aproveitando cada segundo enquanto os raios do sol acariciavam
seus corpos, já suados, ofegantes, quentes.

A casa em silêncio. Só se escutavam os gemidos de prazer e os


gritos quando a chegada do orgasmo atingiu aos amantes. Depois, o
silêncio absoluto.

Na manhã seguinte, ambos acordaram ansiosos, tentando


planejar a melhor maneira de fugir da Alemanha. Ficar no país já
não era uma opção. Alfred já tinha entrado em contato com seu
primo Max para que se encarregasse da fazenda em sua ausência.
Tinha pensado nele sabendo que Max cuidaria de Osher sem fazer
perguntas. Em uma semana Ivan viria atrás dele e seu primo
chegaria em umas duas semanas. Teria desejado vê-lo, mas Max
vivia na Itália e mesmo este país sendo parte das potências que
compunham o Eixo4, em plena guerra não era tão fácil deslocar-se
pelo continente.

O cuidado com a fazenda já estava fora das preocupações de


Alfred, agora devia concentrar seus esforços na decisão de onde ir e
como fazê-lo. Tinha ouvido na cidade que muitos fugiam para a
América, para os países do sul que eram neutros. Estando no
armazém quando comprou as últimas provisões, dois homens
conversavam animadamente sobre uma família nazista que haviam
ido para um país que nunca tinha ouvido falar: Argentina. A idéia de
ir para um lugar desconhecido o enchia de esperanças e às vezes de
medo.

4
O termo Potências do Eixo ou Eixo Berlim – Roma – Tóquio se refere aos pactos firmados pela
Alemanha e Itália antes da Segunda Guerra Mundial, aos quais também aderiu o Japão uma vez começada
a guerra. Além destas três potências, outros países menores se juntaram a estes pactos, uns por afinidade
política e outro por medo.
Sem querer deixar Osher de fora da decisão, compartilha seus
pensamentos. O destino de ambos devia resolver-se nas próximas
horas.

“Osher. Tenho estado pensando sobre nossa viagem. Acredito


que ficar no continente seria correr bastante perigo. Ouvi falar de
um país chamado Argentina, no sul da América. É uma mudança
grande, outra cultura, outro idioma.... Dá-me esperança, mas tenho
medo, não posso negá-lo.

“Alfred, não me importa para onde vamos, sempre que


pudermos ficar juntos.”

“Não se trata disto, devemos decidir o que é melhor para nós.


Se tomamos uma decisão errada agora, colocaremos em perigo
nosso futuro.”

“Entendo. Tem razão, ficar no continente não é uma opção.


Devemos ir para um país que seja neutro. Ambos corremos perigo se
vamos a algum país do Eixo ou dos Aliados.

“Daqui a pouco irei a cidade. Vou ver se posso comprar as


passagens. Não podemos perder tempo, em menos de uma semana
deveríamos estar em um navio rumo ao nosso destino. Também
devemos mudar nossas identidades. Devemos transformá-lo para
que sua aparência não denuncie sua origem.”

“Como faremos isto?”

“Irei comprar-lhe uma roupa nova e infelizmente deverei


cortar seus lindos cachos.”

“Não me importo, logo crescerão.” Disse Osher, sabendo que


Alfred amava acariciar seus cachos.

“Bem. Terminemos de tomar o café da manhã. Enquanto


estiver na cidade será melhor que se esconda no porão. Odeio pedir-
lhe isto, mas se alguém aparece e o vê, poderia ser o fim de tudo.”

“O porão?” O pavor podia ser lido nos olhos de Osher.

“Sim, amor. Odeio pedir-lhe, mas é para sua segurança. Não


poderei ir tranquilo se sei que corre perigo.”
“Está bem, eu farei.”

“Prometo-lhe que virei o mais rápido que puder.”

Acariciando o rosto de Osher, Alfred se aproximou do menino


e o beijou, lenta e ternamente.

Depois de tomar o café da manhã, Alfred entrou em seu carro.


Tinha muitas coisas para fazer e pouco tempo. Hoje compraria o
necessário para que nada o separasse de Osher, nunca.

Alfred já havia comprados as passagens em nome dos primos


Miller. Alfred e Chris Miler. Com suas habilidades poderia
facilmente falsificar os documentos de ambos.

Saindo do armazém onde comprou a roupa para Osher e


algumas provisões, Alfred encontra Ivan. O coração quase pula para
fora da boca quando o outro homem aproxima-se dele.

“Alfred. Vejo que está melhor da perna. Já está se preparando


para a viagem?”

“Sim. Meu primo Max virá tomar conta da fazenda na minha


ausência. Estou comprando o necessário para quando ele chegue.”

“Bem. Na próxima Sexta feira iremos buscá-lo. Tenha tudo


pronto até lá.”

“Tudo bem.”

Dizendo isto, Alfred dá por encerrada a conversa e começa a


caminhar até onde estava estacionado seu carro.

Ivan o segue. Ele o pega pelo braço e o puxa até um beco


próximo.

O lugar estava um pouco escuro. Não havia ninguém. Ivan


pressiona-se contra Alfred e o beija. Alfred podia sentir o desejo de
Ivan neste beijo.
“O que acontece? Já não me deseja?”

“Ivan. Isto não é certo.” Alfred lhe disse tentando colocar


distância do outro homem.

“Não é? Antes não dizia o mesmo, quando me fodia noite após


noite e gozava dentro de mim.”

“Cale-se!”

“Calar-me? Por que?”

“Por que você veio? Recuperar um recurso valioso para a


guerra ou alguém que esquente sua cama toda noite?”

“É cruel, Alfred. Tinha esquecido isto sobre você. E se lhe digo


que sinto saudades, anseio por suas caricias, seus beijos, seus
abraços?”

“Cale-se!”

“Agora tem vergonha do que fizemos? Ou será que mudou de


lado?”

“Sobre o que fala?”

“Se agora começou a gostar das mulheres...”

Alfred por um momento tinha temido que Ivan se referisse ao


“inimigo.” Deixou escapar um suspiro de alívio quando Ivan
respondeu.

“Não acredito.”

“Não acredita em que?”

“Que agora goste de mulheres.”

“O que gostou ou deixei de gostar não é assunto seu.”


Respondeu Alfred curto e grosso.

“Pois goste ou não, deverá vir comigo. Logo veremos quanto


suporta até voltar para minha cama.”
“Chega! Deixe de dizer isto!”

“Já, já, já. Na Sexta feira nos vemos, lembre-se. E também


lembre-se que estarei esperando-o toda noite, até que decida voltar
aos meus braços.”

Com estas palavras, Ivan girou e saiu do beco deixando Alfred


atônito. Tudo isto era para tê-lo como amante? Até onde chegaria
este homem para saciar seu ego e seus desejos? A cada momento
convencia-se de que tinha tomado a decisão certa.

Correu para ir até seu carro e dirigiu para casa, onde seu
amado Osher o esperava.

Na fazenda, Osher estava novamente no porão, no mesmo


canto que daquela vez, quando Ivan tinha ido a fazenda.

Os fantasmas o visitaram mais uma vez. Parecia que não


poderia retirá-los de sua vida.

Lembrou dos seus dias desde que a guerra começara. As


mudanças dia após dia, tão bruscas e inexplicáveis para ele.

Sua família tinha uma posição cômoda, seu pai era um médico
de muito prestigio em Berlim. Osher era o único filho do casamento,
sua mãe quase morre no parto.

Repentinamente seu pai foi afastado de suas funções no


hospital onde trabalhava. Depois foram desalojados de sua linda
casa e privados de suas economias em favor da “causa.”

Mudaram-se para a casa de uns parentes, mas estavam lotados


e a vida a cada dia era mais dura, sem um teto próprio e sem
dinheiro para comprar comida.

Um grupo de militares começou a revistar as casas do


quarteirão onde viviam. Quando chegou a casa dos tios de Osher,
todos temiam por suas vidas.
As crianças tinham sido levadas para o porão, um tão escuro e
lúgubre como este no qual Osher estava agora.

Osher tentava fazer com que seus primos permanecessem em


silêncio. Apertava com força a boca de sua priminha Anna de apenas
6 anos.

Quando os nazistas entraram na casa, reviraram tudo e


levaram as poucas coisas de valor que ainda restavam.

Osher não podia ver, as escutava a voz que dava as ordens.

Quando se foram, eles saíram do porão. Esta não seria a última


vez que se esconderia ali. Alguns dias depois voltaram e levaram
seus tios e seus primos a força. Seus pais e ele se salvaram porque
não se encontravam na casa neste momento. Tinham ido ao
mercado tentar conseguir um pouco de comida a um preço mais
razoável. Quando chegaram encontraram a casa revirada, a boneca
favorita de Anna ao chão, pisoteada. Sua família havia desaparecido.
Depois souberam que tinham sido levados a um campo de
concentração. O lugar já não era segurou, deveriam ir embora.

Mas nesta mesma noite, antes que tivessem tempo de planejar


sua fuga, os nazistas apresentaram-se novamente na casa. Osher
escondeu-se no porão novamente a pedido de sua mãe, desesperada
para salvar seu único filho. Seus pais foram arrastados para fora da
casa e executados a sangue frio. Osher sentiu que seu coração se
rompia quando escutou os disparos e os gritos de dor de sua mãe.
Em um dia havia perdido toda sua família. Seus pais tinham se
sacrificado por ele, para que vivesse. Chorou, em silêncio.
Permaneceu no sótão por uma semana, sem água e sem comida. O
medo de ser descoberto pode mais do que suas necessidades básicas.
O terror, a escuridão, o fedor dos seus próprios excrementos lhe
dava repulsa, mas se negava a deixar seu esconderijo enquanto os
nazistas continuassem na área.

Osher chorava na escuridão do porão relembrando seus


sofrimentos naqueles dias, nos quais se debatia entre deixar-se
morrer ou fugir e tentar viver. E suas lembranças continuavam
surgindo em sua memória...

Felizmente uma noite, na qual as forças quase o abandonaram


sentiu a presença de sua mãe, acariciando-o. Seguramente era o
delírio pela falta de alimento e liquido, estava completamente
desidratado. Mas a doce voz de sua mãe dizendo-lhe: “Viva, viva por
nós,” o retirou de sua dor e lhe deu forças para deixar o porão, pegar
sua mochila, uns pedaços de pão um pouco mofados e duros, umas
garrafas com água e sair para as ruas frias de Berlim, tentando
esconder-se nas sombras da noite.

Quando encontrou a fazenda de Alfred já estava sem forças.


Acreditava que este seria o fim da sua vida curta, mas logo
descobriria o amor e a bondade do homem que agora era tudo para
ele.

Neste instante, quando as lágrimas de dor e felicidade se


misturavam, Osher ouve passos se aproximando da entrada do
porão. Seu coração bate forte, a antecipação de ver Alfred e o medo
de que não fosse ele estava descontrolando a sua mente.

Quando a luz entra no lugar, Osher vê uma sombra aproximar-


se e logo pode ver a silhueta do homem amado. Levanta-se e se lança
sobre ele, abraçando-o com todas suas forças.

“Shhh. Acalme-se, já estou aqui. Comprei tudo, em dois dias


partiremos. Temos pouco tempo para nos preparar.”

Alfred não queria incomodar Osher mais e evitou comentar


sobre seu encontro com Ivan.

Os amantes saíram do porão e começaram a se preparar para a


viagem.

As lágrimas nublavam os olhos de Alfred. Amava os cachos


sedosos de seu amado e cortá-los estava parecendo mais difícil do
que acreditava.

“Alfred, deixe de chorar e termine de cortar meus cabelos.”


Disse-lhe um Osher um pouco incomodado.

“Não consigo evitá-lo, amo seus cachos.”


“Eu sei, amor. Logo cresceram novamente. Agora não temos
tempo para sentimentalismos desta natureza.”

“Já sei.... Amanhã iremos embora cedo, já deixei comida e


água suficiente para os cavalos a espera que Max chegue.”

“Tenho medo de que nos descubram.”

“Não o farão. Você permanece calado e ao meu lado. Eu me


encarregarei de tudo. Os documentos ficaram perfeitos. Lembre-se
de que agora se chama Chris. Meu nome não mudei, pode confundir-
se pelo medo e me chamar pelo meu nome verdadeiro.”

“Sim, acredito que é o melhor.”

Quando Alfred terminou o corte dos cabelos de Osher, o


menino parecia irreconhecível. Realmente, não se notava agora em
sua aparência, seu sangue judeu. Jantaram e foram dormir cedo.
Nesta noite fizeram amor apaixonadamente. Talvez fosse a última
vez deles por muito tempo. Certamente durante a viagem não
poderiam ficar muito próximos, deviam fingir serem primos e não
amantes.

Alfred estacionou o carro no porto. O navio sairia em três


horas. Deviam entrar a bordo o mais rápido possível e procurar um
lugar onde permanecessem o mais escondido possível. Osher tremia
ao seu lado, Alfred coloca uma mão sobre o ombro do menino
tentando transmitir-lhe calma.

Aproximam-se da rampa onde o resto dos passageiros


aguardava para poder subir. A espera era eterna, o ingresso no navio
era lento e a pouca bagagem que levavam já se tornava pesada.

Uma hora depois era a vez de Alfred e Osher. Alfred entrega ao


homem que controlava as passagens e os documentos, os papeis. O
homem os avalia por um tempo longo e olha para eles de cima a
baixo.
Depois de uns minutos que pareceram intermináveis, devolve-
lhes os papeis e diz: “Bem-vindo a bordo, senhores.”

Com isto deu-lhes passagem e Alfred e Osher apressaram-se


para subir ao navio, já respiravam a liberdade.

O convés estava lotado de pessoas correndo de um lado ao


outro. Osher agarrou-se ao casaco de Alfred, com medo de que esta
multidão o afastasse de seu lado.

Já faltavam poucos minutos para partir, puderam ouvir o som


do apito do navio e a rampa ser retirada.

Logo quando elevam as ancoras e o navio começa a se mover,


Alfred vê no cais Ivan, olhando para ele fixamente.

O medo se apodera dele, de que o outro homem fizesse parar o


barco. Os minutos passavam, mas Ivan permanecia em seu lugar,
imóvel.

Com certeza tinha reconhecido o carro de Alfred e levado pela


sua curiosidade, aproximou-se das cercanias do cais, procurando por
Alfred.

Já não havia como voltar atrás. Alfred desesperava-se pela


lentidão do barco, escondendo Osher atrás dele. Temia que Ivan o
visse.

Quando o navio já estava a mais de 500 metros da costa, Ivan


cumprimenta com uma saudação militar o navio, vira e afasta-se do
cais.

O sangue volta a circular pelas veias de Alfred e deixa escapar


um suspiro de alívio.

Ambos os homens olham para a costa, cada vez mais distante.


Não sabiam o que os esperava nesta viagem, o que encontrariam na
Argentina, este país que apenas conheciam o nome. Não sabiam de
nada, apenas que continuavam juntos, afastando-se desta maldita
guerra que tomou e lhes deu tudo.
Os dias passavam e a monotonia do mar sem a costa, já os
incomodava. Uma tormenta parecia prestes a desabar naquela
mesma noite. Não se fez esperar muito e antes que escurecesse, as
primeiras gotas começaram a cair.

Osher e Alfred compartilhavam um camarote, mas no decorrer


da viagem não se atreveram a ir além de uns beijos castos.

A chuva se transformou em um uma tempestade terrível. As


ondas sacodiam o barco ferozmente, agitando tudo dentro.

Osher estava enjoado, deitado em sua cama, seu estômago


revolto, seu olhar perdido. Alfred parecia imperturbável,
permanecendo junto a Osher o tempo todo, dando-lhe palavras de
conforto e tentando fazer todo o possível para que o menino
estivesse o mais confortável possível.

Assim transcorreram quatro dias. Na manhã do quinto dia, a


calma reinou. O navio que até a noite anterior balançava tentando
permanecer à tona, agora parecia quase imóvel. O céu azul e a forte
luz do sol podiam ser vistos através da escotilha do camarote.

Osher acordou com fome. Encontrou Alfred sentado ao seu


lado, contorcido, dormindo. Colocou um beijo suave nos lábios do
seu amante e Alfred gemeu, ainda dormindo, querendo devorar seu
amante.

Osher se deixou levar pelo momento e deixou-se consumir por


esta boca ansiosa de Alfred.

Quando ouviram bater na porta do seu camarote, pararam


abruptamente, assustados de que tivessem ouvido seus gemidos.

Alfred levantou-se e foi até a porta. Quando a abriu, encontrou


um membro da tripulação que estava encarregado de revisar se os
passageiros se achavam bem. Um médico acompanhava.

“Estão bem, senhor?” Perguntou o médico.

“Sim, meu primo esteve um pouco mal enquanto durou a


tormenta, mas já está melhor. Acabava de me dizer que estava com
fome.”
“Bem, isto é bom. Será melhor irem tomar o café da manhã
então. Em alguns dias chegaremos a Argentina.”

Os olhos de Osher arregalaram-se de espanto, a alegria podia


ser lida nos seus olhos.

“Já, já,já. Parece que seu primo está cansado de ficar preso
nesta lata de sardinhas.” Disse o médico, rindo.

“Sim, foi uma viagem longa. Ambos necessitamos pisar em


terra firme.”

“Bem, alegro-me que estejam bem. Tenham um bom dia.”

“Igualmente e obrigado por ter passado.”

Ao fechar a porta, Alfred se dirige até Osher, lhe dá um último


beijo e diz: Será melhor irmos tomar o café da manhã antes de cair
novamente em tentação.” Olha atentamente para ele, encantado.
“Seus cabelos começaram a crescer, logo poderei desfrutar tocar
novamente seus lindos cachos.”

Saíram do camarote até o convés. O aroma do mar era


penetrante, requintado, bonito. O ar puro e limpo enchia os pulmões
de ambos os homens.

Foram até a sala de jantar, faltavam apenas alguns dias e


estariam na Argentina, ondem esperavam poder viver feliz, em paz,
longe da guerra, longe dos preconceitos e dos pesadelos.

Amanhecia e Osher foi o primeiro a acordar, o som dos


pássaros anunciava a proximidade da terra. Rapidamente levantou-
se e acordou Alfred.

“Alfred, Alfred. Estamos perto.”

“Ahhhhh. Deixe-me dormir.”

“Vamos, levante-se.”
“Não, deixe-me dormir.”

“Alfred, tem pássaros, já estamos perto. Vamos averiguar


quando sairmos daqui.”

“Pássaros?” Alfred acorda e olha pela escotilha para comprovar


se viam terra. “Terra! Vamos ao convés.”

Depois de se vestirem, saem ao convés. Ao longe podiam


divisar a costa. Já estavam quase tocando com suas mãos esta terra
na qual esperavam poder passar o resto de suas vidas juntos.

Um barulho é ouvido e depois a voz do capitão em um alto-


falante.

“Queridos passageiros, fala o Capitão Green. Em algumas


horas atracaremos no porto de Buenos Aires. Peço-lhes que
preparem suas bagagens para o desembarque.”

Alfred e Osher se dirigem até seu camarote para preparar-se


para deixar o navio. Era muito difícil para eles controlar sua
ansiedade. Esperavam poder fazer compreender-se, nenhum dos
dois sabia espanhol, o idioma que se falava na Argentina.

Após o desembarque dirigiram-se até a cidade. As ruas eram


barulhentas, muitos carros circulavam por elas. A multidão era
muito falante, Osher e Alfred não entendiam o idioma, mas o
sotaque lhes parecia lindo, como se estivessem recitando uma
poesia.

Dirigiram-se a um hotel modesto, deviam cuidar muito bem do


dinheiro que Alfred conseguiu sacar do banco antes de partir da
Alemanha.

Neste dia descansariam, mas no seguinte deveriam procurar


trabalho e um lugar onde pudessem viver.
No hotel foram recebidos cordialmente e mediante sinais
puderam fazer-se compreender. Deveriam aprender o idioma o mais
rápido possível se queriam desenvolver-se neste país e sobreviver.

Quando estiveram a sós em seu quarto, uniram as camas, se


despiram e fizeram amor selvagemente. Fazia quase um mês desde a
última noite de amor deles e a necessidade de poder tocar, beijar e
saborear era demasiada.

Já saciados e muito cansados, dormiram abraçados com as


esperanças renovadas.

A nova vida deles começava neste dia, uma em que não


deveriam temer revelar suas origens, seu sangue, suas crenças.

Durante o primeiro ano em Buenos Aires, Alfred se


correspondeu com seu primo Max. Este foi o único laço com sua
antiga casa. Embora não se enchesse de nostalgia pelo lugar onde
cresceu e viveu quase toda sua vida, também lhe dava alegria saber
que seu primo era feliz ali.

Carta de Alfred para Max, 11 de abril de 1942.

Meu querido Max:

Sinto-me na obrigação de confessar meus pecados. Espero que


depois de ler esta carta ainda continue sendo meu primo amado,
meu irmão.

É difícil organizar meus pensamentos e meus sentimentos e


começar é difícil para mim. Acredito que o melhor seja começar do
princípio e dar nome as coisas....

Primeiro devo confessar que sou homossexual, não é fácil fazê-


lo e não existem palavras que possam fazer esta realidade parecer
menos cruel.
Segundo, pela primeira vez em minha vida, conheci o amor
verdadeiro. Por ele é que fui embora do país, aventurando-me em
um continente e uma cultura desconhecida e incerta.

Meu pecado foi apaixonar-me. Meu amante é judeu e com


medo de perdê-lo foi que decidimos viajar para a Argentina. Faz um
mês que estamos no país, aprendendo o idioma e trabalhando no
que conseguimos.

Aqui a guerra apenas tocou nas importações, é difícil conseguir


produtos que antes eram comprados dos países europeus. Acredito
que se forem inteligentes, começaram a ativar a indústria local, mas
esta carta não é para falar de economia, mas sim da minha vida e da
minha realidade.

Amo Osher, ele é tudo para mim. Espero que possa


compreendê-lo. Não lhe peço que estejas de acordo com a vida que
escolhi viver, mas que possa aceitar que o amor me fez cruzar as
barreiras e os preconceitos com os quais fomos criados.

Desde já agradeço-lhe infinitamente por estar cuidando de


minha casa e dos meus bens.

Espero receber notícias suas.

Desejo-lhe o melhor na vida.

Te amo.

Alfred

Carta de Max para Alfred, 22 de maio de 1942.

Alfred:

Devo confessar minha surpresa ao ler sua carta, mas se pensa


que posso desprezá-lo pela sua confissão, está enganado.

Nunca poderia julgá-lo, isto deixo para Deus, sou apenas um


simples mortal que te ama muito. É o irmão que nunca tive, meu
comparsa e confidente.
Lamento que antes não tenha visto em mim a pessoa na qual
se apoiar e poder acompanhá-lo em silêncio e tortura que deve ter
sido sua vida com seu segredo.

Na fazenda a guerra parece passar longe. A solidão do campo


permite-me imaginar que tal coisa não existe. Felizmente a terra e os
animais me dão o necessário para sobreviver.

Conheci uma linda mulher que espero seja minha esposa em


poucos meses. Graças a você conheci o amor. Se não tivesse me
pedido para vir para sua casa e cuidar dela na sua ausência nunca a
teria conhecido. Obrigado por isto.

Te amo e sempre amarei.

Max

Carta de Alfred para Max, 16 de junho de 1942.

Meu querido Max:

Recebi sua carta faz alguns dias e me encheu de alegria saber


que não me julga. Espero que possa se casar com a mulher que ama
e formar uma linda família. Merece toda a felicidade do mundo.
Minha casa será sua se assim aceitar e me sentirei orgulhoso que
nela crie aos seus filhos.

Voltei a pintar. Osher insistiu que não abandone algo que me


dá tanto prazer. Consegui entrar em contato com uma galeria de arte
e aceitaram expor minha obra. Já lhe contarei como vão as coisas
com isto.

Agora estou trabalhando em uma importadora. Meus


conhecimentos da Europa me foram de muita utilidade para
conseguir este trabalho.

Osher está trabalhando em um restaurante. Ele sente saudades


da terra, do campo e não gosta muito da vida na cidade, mas se
conforma ao saber que estamos juntos e a salvo.

Sinto saudades de vê-lo e conversar com você.


Te amo.

Alfred

Carta de Max a Alfred, 20 de agosto de 1942

Alfred:

Fico muito feliz que a vida lhe sorria. Devo confessar que
estava profundamente preocupado pela sua situação econômica,
mas em sua carta pude perceber que é feliz e isto me tranquiliza.

Hilda e eu nos casamos faz duas semanas. Sou muito feliz.


Espero que os filhos não demorem a chegar para completar nossa
felicidade.

A fazenda continua produzindo e esperamos que algum dia


possa regressar a esta sua casa.

Um oficial nazista veio procurá-lo em duas oportunidades.


Deixou-me uma carta que anexo a esta. Tive dúvidas em enviá-la,
mas acredito que é melhor que esteja a par do que viver na incerteza.

Acredito que seja melhor que não me escreva por um tempo.


Vou ver como alugar uma caixa postal em uma cidade vizinha.
Escreverei com as orientações para voltar a nos comunicarmos.

Te amo e sempre amarei.

Max

Carta de Ivan para Alfred, enviada por Max junto com


sua carta de 20 de agosto de 1942.

Meu amado Alfred:

Para mim foi muito doloroso vê-lo ir embora naquele dia


naquele navio. Aceitei minha derrota, esta do reconhecimento
amargo de não ter sido digno do seu amor. Espero que guarde boas
lembranças dos momentos compartilhados. Eu te amei e ainda o
faço.
Espero que ao ler esta carta, compreenda meu desespero ao
sentir toda noite a solidão em minha cama sem o calor do seu corpo,
saber que não poderei confiar meus segredos a ninguém novamente.

Alfred, oxalá tenha encontrado a felicidade que buscava e o


amor que não pode sentir por mim, ai onde procurou continuar com
sua vida.

Foi e sempre será o amor da minha vida.


Ivan

A carta de Ivan causou muita dor em Alfred. Nunca tinha tido


a intenção de ferir Ivan e usá-lo. Esperava que algum dia pudesse
encontrar o amor verdadeiro, assim como ele havia encontrado em
Osher.

A correspondência deixou de chegar por um longo período,


mas inesperadamente em um dia quente de janeiro de 1944 chega
uma carta de Max. Alfred a abre cheio de esperanças e muito
emocionado.

Carta de Max para Alfred, 10 de janeiro de 1944.

Alfred:

A guerra e a vida me impediram de escrever para você antes.


Esta será minha última carta por muito tempo. Tinha a necessidade
desta última missiva para comunicar-lhe que minha linda esposa
está esperando nosso primeiro filho. A vida na fazenda é muito
difícil. Decidimos mudar-nos para a Espanha, onde vivem os
familiares de Hilda. Ali esperamos poder criar nosso filho longe da
injustiça e livre de preconceitos.

Meu querido primo, espero que compreenda que nos é


impossível continuar cuidando da sua casa e suas terras. Lamento
profundamente não continuar cumprindo minha promessa. Se a
guerra termina e a vida nos acompanha, espero poder voltar e
completar meu juramento ao meu irmão, aquele que sempre me
apoiou.

Te amo e sempre amarei.


Max.

Alfred fechou a carta, a guardou no envelope e chorou, os


poucos laços que tinha com sua casa se cortavam por tempo
indeterminado.

Rezou em silêncio pelo seu primo, pela sua esposa e pelo filho
que chegaria neste mundo, desejando que fossem felizes.

Já era o fim de 1945 e a guerra terminava. Argentina tinha se


mantido neutra e Osher e Alfred tinham vido modestamente, mas
felizes.

Haviam aprendido ao idioma rapidamente e conseguiram bons


empregos. No início viveram em uma pensão e depois suas
economias e o fruto do trabalho deles lhes permitiram comprar uma
casinha no bairro La Boca.

À noite, Alfred havia começado a pintar novamente e logo suas


obras se vendiam a um preço muito bom.

Para o Natal deste ano, Alfred tinha preparado um presente


que estava seguro que Osher amaria. Ao dar a meia noite, lhe
entregou um envelope.

“É para mim?” Pergunta Osher, surpreso.

“Sim, espero que goste.”

Osher abriu entusiasmado o envelope e quando leu os


documentos que continha começou a chorar de alegria, com medo
de ter cometido um erro se aproxima e o abraça.

“Shhh, não chore meu amor. Se não o quer posso desfazer a


transação.”

“NÃO! É ... é o melhor presente que alguém poderia me dar.


Alfred, te amo tanto!”
“Assustei-me, pensei que não queria.”

”Está louco? Sabe que amo a terra. Juro que trabalharei duro
para fazer com que seja rentável.”

“Já, já, já. Temos que organizarmos para viajar para lá.”

“Sim, sim, o mais rápido possível.”

Os amantes se abraçam e se beijam. A felicidade não podia ser


maior.

Alfred sabia que o sonho de Osher era cultivar a terra. Fazia


algumas semanas uma oportunidade de comprar por um preço
muito bom um vinhedo na província de Mendoza havia se
apresentado a ele. Neste momento pensou que seria o presente
perfeito para seu amado Osher. Nas semanas seguintes prepararam
tudo para partir rumo a Mendoza. Estavam arriscando muito nesta
viajem, mas Osher sentia em seu coração que ali seriam muito
felizes.

A viagem foi longa e muito cansativa, mas a bela paisagem no


caminho ajudou Alfred a guardar em suas lembranças imagens
únicas para seus quadros.

Ainda rondava em sua mente aquela pintura que sonhou


realizar quando estava na Alemanha. Esperava poder pintá-la no
vinhedo que seria sua casa a partir deste momento.

Quando chegaram ao lugar, encontraram uma casa bastante


desleixada, suja e com muitos consertos para fazer. Felizmente os
vinhedos estavam bem cuidados, em contraste com o resto do lugar.

Osher começou a ocupar-se da terra, a estudar sobre o cultivo


da terra. Aprendia rapidamente e em pouco tempo se transformou
em um especialista.

Alfred dedicou-se a reconstrução da casa e a continuar com sua


arte. Secretamente havia começado a realizar este quadro que tanto
havia sonhado, queria surpreender Osher e que este fosse seu
presente de inauguração da nova casa deles já que em breve os
reparos estariam terminados.
O grande dia chegou e Osher recebeu seu presente. Não podia
acreditar que a pintura não fosse real, sentia que se a tocasse, ele
mesmo sairia da tela para cumprimentá-lo. O quadro ocupou um
lugar de honra na sala principal da casa, sobre a grande lareira que
os invernos rigorosos os aqueceriam.

A primeira colheita foi uma festa e tanto e quando as primeiras


garrafas de vinho foram cheias, festejaram durante a noite toda.

A vida era generosa com o casal. Tinham tudo: fortuna, amor,


saúde e um futuro cada vez mais promissor. Mas Osher sentia que
ainda lhes faltava algo. Com frequência se perguntava a quem
deixariam seu legado. Sendo homossexuais não teriam filhos e isto o
entristecia. Osher não sabia que o destino queria que sua vida fosse
plena muito em breve.

Era a quinta colheita e, como todos os anos, realizaram uma


festa onde todos seus vizinhos e amigos compareciam.

Osher vê em um canto dois meninos pequenos de mãos dadas.


Fazia algumas horas que os tinha visto no mesmo lugar, sozinhos. Os
meninos eram descendentes de aborígenes, podia vê-lo pelas suas
roupas, embora seus traços delicados não delatassem sua
ascendência. Osher se aproximou dos meninos, era muito tarde e
estava preocupado, não via nenhum adulto cuidando deles.

“Olá.” Disse Osher aos meninos. Eles olham-no, seus olhos


com medo.

“Olá.” Responde o que parecia ser o mais velho dos dois.

“Meu nome é Chris. Como se chama?” Osher já havia se


acostumado ao nome com o qual Alfred o batizou novamente
quando fugiram da Alemanha.

“Sou Nahuel5 e ele é meu irmãozinho Catriel6.”

5
Nome de origem araucana e significa tigre.
“Que nomes lindos. Estão sós?”

“Sim, nossos pais morreram fazem dois dias. Não temos


família e estamos de passagem por aqui. Entramos na festa e
pensamos que poderíamos comer de graça. Está irritado, senhor?”

Osher recordou aos seus dias de fome, cansaço e solidão. Não


pode deixar de abraçá-los e querer protegê-los.

Alfred amou aos meninos de imediato e Osher não teve muito


trabalho para convencê-lo de adotá-los.

Osher adotou Catriel e Alfred a Nahuel. Finalmente sentiam


sua vida completa. Seus filhos cresciam felizes, o vinhedo era cada
vez mais rentável e os quadros de Alfred mais valorizados. O
dinheiro não era problema para eles e afastados destas preocupações
podiam desfrutar de sua família e seu amor.

Havia dias que Alfred desejava voltar a sua velha casa, a casa
onde havia crescido e que guardava lembranças tão lindas de sua
infância, a casa onde conheceu seu amante, o homem que seria tudo
para ele.

Os anos passaram felizes. Catriel e Nahuel se casaram e


formaram suas próprias famílias. Os netos eram o orgulho de Alfred
e Osher.

Quando o primeiro filho de Catriel nasceu e ele o batizou com


o nome de Osher, ele sentiu um orgulho e um amor ainda mais
intenso pelo seu filho. Fazia alguns anos que teve coragem de contar
sua história a Catriel e ele jurou neste momento colocar o nome
verdadeiro do seu pai em seu primeiro filho.

Catriel teve mais dois filhos e Nahuel dois. Com cinco netos,
Alfred e Osher eram os avos mais orgulhosos e permissivos que já
havia existido. Amavam a seus netos e não conseguiam negar-lhes
nada.

6
Nome de origem mapuche e que significa: o que possui uma cicatriz.
Eram tão felizes que as vezes tinham medo de que alguma
desgraça acontecesse e destruísse esta felicidade que com tanto
trabalho e esforço haviam custado a conseguir.

Era o ano de 1989 e em todo o mudo se ouviam as notícias da


proximidade da queda do muro de Berlim. Embora o muro tivesse
sido construído depois que Osher e Alfred fugiram da Alemanha,
sempre significou para eles um estigma a mais sobre os
preconceitos.

Alfred queria viajar para a Alemanha e participar do ato. Já


tinha 79 anos e queria passar seus últimos anos na sua fazenda.
Osher aceitou voltar para a Alemanha e falaram com seus filhos.
Eles, neste momento, se encarregavam do vinhedo com o qual a
partida de Osher e Alfred não prejudicaria os negócios da família.

“Papai, não quero que partam. Tenho medo de não voltar a vê-
lo.”
“Catriel, filho, não tenha medo. Prometo-lhe que voltaremos a
nos ver. Entende que para nós é muito importante tomar parte na
destruição deste muro.”

“Posso compreendê-lo, mas sou egoísta e não quero perder um


minuto da sua presença. Sabe que o amo com todo meu coração.
Tem sido o melhor pai que um homem possa desejar, estou
orgulhoso de você e sempre desejei que meus filhos fossem como
você.”

“Catriel ... vai me fazer chorar.” Sem poder conter as lágrimas,


Osher abraça a seu filho, esperava que não fosse pela última vez.

Alfred tinha se despedido de Nahuel neste mesmo dia, a cena


havia sido semelhante e muito dolorosa. Alfred disse a seu filho que
não acreditava que voltaria a vê-lo, sentia seu fim próximo, não
queria mentir-lhe.

Algumas semanas depois, Alfred e Osher partiram para a


Alemanha deixando para trás o país que tinha aberto seus braços
para ele, os abrigou e lhes deu a oportunidade de serem livres e
formarem uma verdadeira família. Nunca se esqueceriam da
Argentina e do que deixavam para trás: família, amor, lembranças....

O dia da queda do muro chegou. Alfred e Osher estavam


preparados. Com picaretas em suas mãos ajudaram a derrubar esta
monstruosidade. A cada golpe uma lágrima era derramada, uma
lembrança da guerra era liberada, os fantasmas se afastavam e a
liberação de suas almas foi completa.

Quando a noite caiu sobre eles, cansados, mas felizes, olharam


para os escombros formados, sorriram e se afastaram. A fazenda
deles aguardava-os.

Chegaram a fazenda, a casa estava em ruínas, vazia fazia


muitos anos, negligenciada. Mesmo neste estado deplorável, sentiam
reviver sua vida até tantos anos atrás: o desespero de Osher, o amor
nascendo entre ambos, a felicidade e a angustia repentina pela
separação.

Caminharam pela casa, percorrendo cada centímetro, tocando


cada móvel, cada canto, respirando o aroma de capim e feno que
vinha do celeiro, aquele onde Osher tinha se escondido e onde se
conheceram.

Subiram até o quarto onde passaram tantos momentos juntos,


limparam-no o melhor que puderam e se deitaram.

Os cachos de Osher ainda permaneciam em sua abundante


cabeleira, já não pretos como antes. Fios prateados haviam deixado
para trás o azeviche da sedosa perdição de Alfred. Ainda enroscava
seus dedos grossos neles, suspirando quando deslizavam e caiam
sobre o lindo rosto do seu amado.

Abraçaram-se, beijaram-se, se acariciaram e, como naquela


primeira vez, fizeram amor com tanta paixão como então.

A vida tinha sido generosa, apagando as amarguras e a dor que


viveram neste 1941. Quase cinquenta anos depois se encontravam na
mesma cama, abraçados da mesma maneira, amando-se com a
mesma paixão. O amor deles tinha sobrevivido a tudo e graças por
terem vencido seus preconceitos puderam desfrutar plenamente
dele.

Dormiram abraçados, entregando-se a tranquilidade da noite,


deixando-se acariciar pelos raios suaves da lua que mais uma vez os
acompanhava.
Epilogo
Osher estava próximo do rio onde repousavam os restos
mortais de seu amado Alfred. Fazia quatro anos que tinha falecido e
ele vivia ali, na fazenda, com seu filho e seus netos. Catriel não
queria deixa-lo só e mudou-se para a Alemanha com sua família
para cuidar da fazenda. Nahuel tinha ficado em Mendoza
encarregado do vinhedo.

Neste dia fazia 65 anos desde que Alfred e Osher se


conheceram.

Osher acariciava a foto de Alfred que estava no granito que se


erguia do montículo de terra onde Osher tinha plantado um lindo
jardim pequeno.

“Amor, meu fim está próximo. Virá me buscar como naquele


dia que me ouviu chorar no celeiro? Sonho toda noite com voltar a
vê-lo, com seus beijos, suas caricias, seus braços. Tem-me feito tanta
falta!”

Osher se deita na grama, apenas o som da água correndo no


rio pode ser ouvido.

As lagrimas começar a escorrer pelo seu rosto e uma dor


intensa se apodera do seu peito. Uma pontada aguda, ardente, nasce
em seu coração. Sua visão turva, sua respiração torna-se lenta, seu
coração quase para.

Entre a escuridão, uma luz intensa quase o cega. Uma mão se


estende e o toca, uma mão etérea, incorpórea.

“Osher....sou eu amor, vim buscá-lo.”

“Alfred? É você?”

“Fecha os olhos e relaxa, tudo passara em um instante e


estaremos juntos por toda a eternidade.”
Osher fecha seus olhos, respira pela última vez e entra em uma
escuridão total. Sua alma se desprende do seu corpo que jaz inerte
junto ao tumulo de Alfred.

A luz que envolvia Alfred o cerca. Uma intensa sensação de paz


o invade e então o vê: Alfred.

A imagem do seu amado parecia congelada no dia em que se


conheceram e então ele sabe, Alfred cumpriu sua promessa e tinha
vindo por ele.

“Esperei por você tanto tempo. Demorou em vir me buscar.”

“Amor, ainda não era o momento. Mas agora estaremos juntos,


para sempre.”

Envoltos pelo calor da luz, subiram ao céu, abraçados, felizes.

O amor deles duraria para sempre, apesar das dificuldades,


apesar dos anos.

Superando os preconceitos seriam felizes por toda a


eternidade.

Catriel e Nahuel estavam parados em frente ao tumulo dos


seus pais. Descansavam juntos por toda a eternidade. Este havia sido
o último desejo de Osher, ser enterrado junto a Alfred.

Os filhos, que adoravam seus pais, escreveram uma linda carta


que gravaram na lapide que coroava o jardim que Osher havia
cultivado e que agora Catriel cuidava zelosamente.

A carta de Natriel e Nahuel a seus pais falecidos dizia:

Passaram-se tantos anos e ainda recordamos dos sorrisos


calorosos, da vitalidade da vida, da energia que desprendiam, da
magia que só o amor pode conseguir.
Foram tantas lutas, tantos sofrimentos, tanto se perdeu pelo
caminho, mas outras coisas foram encontradas.

Passarão eternidades e sempre levaremos em nossos corações


o amor que nos deram, os risos compartilhados e como foi
devastadora sua história inicial, embora o melhor foi seu final.

Ai estão e sempre estarão juntos apesar de tudo.

Daríamos tudo que temos por voltar a viver somente um


instante com vocês: amantes, pais amorosos, trabalhadores
incansáveis...mas lá, no fim de tudo, sabemos que voltaremos a vê-
los.

Alfred e Osher, dois seres, um só coração.

Com amor, seus filhos Catriel e Nahuel.

Afastando-se para a casa que foi testemunha do começo do


amor de seus pais, Catriel e Nahuel caminham de mãos dadas, como
naquele dia, naquela festa, onde os conheceram.

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