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Parte Geral
2
DirEiTo CiviL
Parte Geral
2015
ISBN 978-85-02-63540-1
Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira César – São Paulo – SP
CEP 05413-909
PABX: (11) 3613 3000
SAC: 0800 011 7875
De 2ª a 6ª, das 8:30 às 19:30 Direito civil : parte geral / obra coletiva de autoria da
www.editorasaraiva.com.br/contato Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia e
Thaís de Camargo Rodrigues. – São Paulo : Saraiva, 2015.
Direção editorial Luiz Roberto Curia 1. Direito civil - I. Curia, Luiz Roberto. II. Rodrigues,
Gerência editorial Thaís de Camargo Rodrigues Thaís de Camargo. III. Título.
2. A PESSOA NATURAL, 47
5
2.2. A personalidade jurídica, 48
2.3. A natureza jurídica do nascituro, 48
2.3.1. A Capacidade Civil e suas Classificações, 51
2.4. A incapacidade. As restrições de direito, 52
2.5. O suprimento e a cessação da incapacidade civil, 52
2.5.1. Cessação da Incapacidade Civil, 52
2.5.2. Suprimento da Incapacidade Civil, 53
2.5.3. Extinção da Personalidade Jurídica, 53
2.6. O nome civil, o estado civil e o domicílio civil, 54
2.6.1. Os Modos de Individualização da Pessoa Natural, 54
2.6.2. O Nome Civil, 54
2.6.3. A Classificação do Nome Civil, 54
2.6.4. A Composição do Nome Civil, 55
2.6.5. Da Alteração do Nome Civil, 56
2.6.6. Da Modificação Administrativa, 56
2.6.7. Da Modificação Judicial, 58
2.6.8. O Estado Civil, 61
2.6.9. O Domicílio Civil, 61
2.7. A comoriência e a ausência: caracterização e efeitos jurídicos, 62
2.8. A morte presumida: caracterização, 63
3.1. Conceito, 66
3.2. Fundamento, 66
3.3. Características dos direitos da personalidade, 67
3.3.1. Direito ao corpo, 71
3.3.1.1. Doação do corpo, 71
3.3.1.2. Direito à recusa ao tratamento médico, 73
3.3.2. Direito ao nome, 73
3.3.2.1. Elementos do nome, 74
3.3.2.2. Pseudônimo, 74
3.3.3. Direito à imagem, 74
3.3.4. Direito à privacidade e direito à intimidade, 76
3.4. Proteção dos direitos da personalidade, 76
3.4.1. Medidas preventivas, 77
3.4.2. Medidas reparatórias, 77
3.4.3. Legitimidade para requerer a proteção e a reparação, 77
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Direito Civil
4. A PESSOA JURÍDICA, 79
4.1. Conceito, 80
4.2. Natureza jurídica, 80
4.3. Elementos estruturais (pressupostos existenciais da pessoa jurí-
dica), 81
4.4. Personalidade jurídica, 82
4.4.1. Personalidade jurídica e direitos da personalidade, 82
4.4.2. Início da personalidade, 83
4.4.2.1. Início da personalidade das pessoas jurídicas de direi-
to público, 83
4.4.2.2. Início da personalidade das pessoas jurídicas de direi-
to privado, 83
4.4.3. Ato constitutivo e registro da pessoa jurídica, 84
4.4.3.1. Natureza jurídica do registro das pessoas jurídicas, 85
4.4.3.2. Local do registro, 85
4.4.4. Fim da personalidade, 88
4.5. Representação da pessoa jurídica, 88
4.6. Responsabilidade da pessoa jurídica, 89
4.7. Das diversas classificações das pessoas jurídicas, 90
4.7.1. Classificação quanto à estrutura interna, 90
4.7.2. Classificação quanto à função, 90
4.7.2.1. Pessoas jurídicas de direito público, 90
4.7.2.2. Pessoas jurídicas de direito privado, 91
4.8. Sociedades, 92
4.9. Empresa individual de responsabilidade limitada, 93
4.10. Associações, 93
4.10.1. Constituição de uma associação, 94
4.10.2. Composição da associação, 94
4.10.2.1. Associados, 94
4.10.2.2. Diretoria, 95
4.10.2.3. Assembleia geral, 95
4.10.3. Dissolução da associação, 95
4.11. Fundações, 96
4.11.1. Constituição das fundações, 97
4.11.2. Alteração do estatuto da fundação, 99
4.11.3. Fiscalização, 99
4.11.4. Extinção da fundação, 100
7
4.12. Nacionalidade, 100
4.13. Domicílio da pessoa jurídica, 101
4.13.1. Pessoas jurídicas de direito público, 101
4.13.2. Pessoas jurídicas de direito privado, 101
4.14. Desconsideração da personalidade jurídica, 102
4.14.1. Teorias da desconsideração da personalidade jurídica, 104
5. OS BENS, 107
8
Direito Civil
9
7.5.2.2. Objeto, 136
7.5.2.3. Forma, 137
7.5.2.4. Vontade, 138
7.5.2.4.1. Reserva mental, 138
7.5.2.4.2. Representação, 139
7.5.3. Plano de eficácia, 140
7.6. Elementos acidentais, 141
7.6.1. Condição, 141
7.6.1.1. Requisitos da condição, 141
7.6.1.2. Classificação da condição quanto à certeza, 142
7.6.1.3. Classificação da condição quanto aos efeitos, 142
7.6.1.4. Classificação da condição quanto à licitude, 143
7.6.1.5. Classificação da condição quanto à possibilidade, 144
7.6.1.6. Classificação da condição quanto à natureza (ou
fonte), 144
7.6.2. Termo, 145
7.6.2.1. Classificação do termo quanto aos efeitos, 145
7.6.2.2. Classificação do termo quanto à certeza, 146
7.6.2.3. Contagem do prazo, 146
7.6.3. Modo ou encargo, 147
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Direito Civil
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9.4. Simulação, 177
9.4.1. Natureza jurídica, 177
9.4.2. Requisitos da simulação, 178
9.4.3. Consequências da simulação, 178
9.4.4. Classificação da simulação quanto ao seu conteúdo, 179
9.4.4.1. Simulação absoluta, 179
9.4.4.2. Simulação relativa, 180
12
Direito Civil
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14
1 o Código Civil Brasileiro
Antes de ingressarmos no estudo do Código Civil Brasileiro, é ne-
AuTor cessário identificar o campo de estudo do direito civil, e para isto é pre-
ciso entender com clareza o conceito comum de direito.
Aristóteles (384
a.C. a 322 a. C.)
– Filósofo grego,
nascido em Es- 1.1 o QuE É DirEiTo?
tagira. Foi aluno
de Platão e pro- A palavra direito deriva do latim, directum, que significa “aquilo
fessor de Alexandre o Grande.
que é reto”.
Entre suas grandes obras, desta-
cam-se pela contribuição ao Di- Mas para conceituar o que é direito, torna-se necessário estudar-
reito: A Política e Ética a Nicôma- mos a sua origem primária, que é o anseio de satisfação das necessidades
co. Platão, o professor de Aristóte- humanas. De fato, faz-se necessário compreender também os fenôme-
les fora aluno de Sócrates. nos que são relevantes à existência do homem, a fim de se obter o escla-
recimento quanto ao conceito comum do que é o direito.
Georg Jellinek (16-
06-1851 a 12-01- O pensador grego Aristóteles foi o primeiro a observar que o ho-
1911) – Juiz e filósofo mem é um ser gregário e que se distingue de todos os outros animais da
do direito, nascido Terra por ser o único a experimentar o sentimento do bem e do mal, do
em Leipzig, Alema- justo e do injusto e das outras qualidades morais. Segundo este pensa-
nha. Este professor
dor grego, a cidade é uma criação natural do homem, a qual precede até
que lecionou nas
mesmo a família. Para sobreviver e ser feliz, o homem, como ser gregário
Universidades de Basileia e Hei-
delberg na Alemanha, foi quem e racional, precisa da vida social, necessita da convivência com outros
desenvolveu a “Teoria do Mínimo seres semelhantes (viver em sociedade).
Ético. O mínimo ético, segundo O convívio em sociedade é uma atividade que demanda obrigató-
sua teoria, é o conjunto mínimo rio respeito a um “conjunto mínimo de condições essenciais para ma-
de regras morais obrigatórias
nutenção da paz e segurança”. Este conjunto de condições, que procura
para se sobreviver em sociedade.
estabelecer a paz e a segurança entre os homens (o dever ser), é o que
hoje se define por conceito comum de direito.
CiNEmATECA No mesmo sentido, George Jellinek, com base nos ensinos de Je-
“Sócrates”, filme de Roberto Ros-
remy Bentham, define o direito por este conjunto mínimo de condições
selline, exibe com clareza o início e regras morais obrigatórias para sobrevivência moral e conservação da
do conceito de direito e justiça na paz social, da segurança da vida em sociedade (bem comum).
Grécia antiga. Imaginava-se o di- Assim, para que seja possível viver em sociedade, devem ser obser-
reito como algo provindo dos deu- vados os limites e restrições morais impostos aos indivíduos, justamente
ses. Note que o tribunal de Helias-
com a intenção de se manter a paz e a segurança entre todos, pois o
tas, e sua composição como júri
direito nasce e se desenvolve através da sociedade – ubi homo, ibi jus,
popular, era formado por milhares
de pessoas escolhidas por sorte. O a expressão em latim, por tradução livre, que quer dizer “onde está o
juiz era um leigo que tomava suas homem, está o direito”.
decisões por meio do costume. Os Agora que já estudamos o conceito comum do direito, é preciso en-
crimes contra a polis eram conde- tender a dicotomia, a divisão, as semelhanças e diferenças entre o direito
nados com a morte. Sócrates foi
e a moral.
punido com a morte por questio-
nar racionalmente o conceito de Conceito: Direito é o conjunto mínimo de condições e regras
justiça da polis, segundo eles, “por essenciais morais para manter a paz e a segurança na convi-
perverter a juventude e os bons vência entre os seres humanos (vida em sociedade).
costumes”.
16
Direito Civil
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Teoria Tridimensional: Miguel Reale, diversamente dos demais,
AuTor entende que a moral é apenas um dos vetores que compõem o direito.
Para o jusfilósofo brasileiro, o direito é fato, valor e norma. Fato é o fe-
miguel reale (06-
nômeno que importa ao direito identificar, enquanto valor seria aquele
11-1910 a 14-04-
que abrange o conceito moral relativo àquele fato concreto, e a norma
2006). Nascido
em São Bento é como o ordenamento jurídico tratará aquele fato relevante ao direito.
do Sul, o filósofo, A teoria tridimensional do direito pode ser representada pela ilustração
jurista, educador abaixo:
e poeta brasilei-
ro contribuiu significativamente valor
18
Direito Civil
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ComENTário 1.4 Como SE orGANiZA o DirEiTo?
O francês
Augusto Comte O direito se organiza, se classifica ou se divide pelo campo desti-
(1789 a 1857) foi o nado ao seu estudo e aplicação à norma jurídica (lei). O organograma
responsável pela abaixo descreve as referidas classificações mais comuns na doutrina:
construção da te-
oria na sociologia
conhecida como
positivismo. A teoria atribui fato-
res humanos para explicações
de diversos temas, contrariando o
primado da razão, da teologia e
da metafísica. Em vez de se pre-
ocupar com a origem do homem
e sua criação, os positivistas bus-
cam explicar as coisas práticas e
úteis às relações sociais (lei). Direito natural – O direito natural compreende as regras de convi-
vência humana que foram estabelecidas pela própria natureza. Para os
antigos gregos, havia a crença de que o direito natural se sobrepunha às
CurioSiDADE
leis humanas, evidenciando-se esta compreensão na declaração de He-
ráclito, quando disse que: “Todas as leis humanas se alimentam de uma,
qual seja a divina; esta manda quando quer, basta a todos e as supera”. Os
Jusnaturalistas são os que compõem a corrente que defende que o direito
esteja ligado a princípios superiores, identificados na natureza racional
e social do homem.
20
Direito Civil
21
aplicação e interpretação do direito; a teoria monista das fontes do di-
voCABuLário
reito, que compreende o direito como sistema unitário, positivo e criado
Subsunção: do latim sumo, as- pelo Estado; a generalidade e abstração como características da lei e das
sumir, tendo o prefixo sub, em normas jurídicas, tornando possível a existência de norma antes do caso
lugar de. Literalmente, quer concreto por sujeitos descritos pelas condutas previsíveis; a segurança
dizer tomar o lugar de. No
contexto de sua leitura, a sub-
jurídica, que justificava o formalismo para se identificar a justiça por
sunção do juiz era a atividade todos almejada; a simplificação jurídica e a técnica da ciência jurídica;
lógica dedutiva, que apenas a centralidade do Código Civil no sistema das fontes do direito, por sua
adequava o resultado ao fato
posição central em face da política e da filosofia (constituição do homem
já previsto na lei.
comum); a divisão dos papéis e relações entre Estado (Direito Público)
e particulares (Direito Privado); a redução do processo interpretativo,
primando por seguir a previsão do que contido na norma jurídica; e,
por fim, a separação radical entre os conceitos de criação e aplicação
do direito, neste aspecto, transportando por competência à própria lei
dizer, por previsão nela contida, qual a decisão a ser tomada, consistindo
ComENTário a sua aplicação em atividade meramente mecânica do juiz, que fazia a
Para a teoria monista, o Es- subsunção, agindo como “a boca da lei ”.
tado é a fonte única do direito,
porque quem dá vida ao Direito
é o Estado através da “força co-
ativa” de que só ele dispõe. Des- o ESTADo LiBErAL E o CÓDiGo DE
se modo, como só existe o Direi- 1.7 NAPoLEÃo
to quando emanado do Estado,
ambos se confundem em uma só
realidade. Esta concepção ficou
ultrapassada, pois não havendo O Direito Civil teve o seu auge no “Estado Liberal”, período his-
norma jurídica que disponha so- tórico marcado pela Revolução Francesa, em 1789, no qual se exaltava
bre a questão, não poderia o juiz a liberdade e a autonomia dos indivíduos nas relações privadas, sob o
decidir.
grito de liberdade, igualdade e fraternidade.
ComENTário
22
Direito Civil
CurioSiDADE
A revolução francesa (1789), marcou a divisão entre a Idade Moderna e a Contemporânea. A França
vivia sob o governo absolutista do monarca rei Luís XVI, o qual personificava em si mesmo o Estado, reunin-
do portanto a autonomia dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A população daquela época na
estrutura do Estado Absolutista se representava por três classes sociais: a) Os bispos de alto Clero, identifica-
dos como o primeiro Estado; b) A nobreza, ou aristocracia francesa, identificada como segundo Estado, e
c) Burguesia, que contava com apoio de membros do baixo clero, comerciantes, empresários, banqueiros,
trabalhadores urbanos e camponeses.
O terceiro estado, conhecido por “burguesia”, representava 97% (noventa e sete por cento) da Fran-
ça. Influenciados pelo pensamento iluminista e motivados pela crise financeira, falta de modernização
econômica e desinteresse pelo investimento no setor industrial, os burgueses deflagraram a Revolução,
tomando à força a Bastilha no dia 14 de julho de 1789.
No esforço de combater a Revolução, o Rei Luis XVI pediu apoio à monarquia austríaca e prussia-
na, sendo que no ano de 1792, a Áustria invadiu a França, quando o Rei declarou guerra. Ocasião em
que a burguesia aproveitou para exterminar a corte, decapitando o rei Luís XVI e sua esposa Maria An-
tonieta, os quais ostentavam um luxo absurdo com suas festas e gastos incompatíveis e que contribuía
significativamente com a crise econômica. A crise social contribuiu com a crise econômica e culminou
na crise política com a mutação do paradigma de Governo através da Revolução.
23
ComENTário 1.8 o CÓDiGo CiviL BrASiLEiro
ORDENAÇÕES
FILIPINAS – As Or- O Brasil, no período colonial, era regido pelo sistema jurídico vi-
denações Filipinas, gente em Portugal, quando então vigiam as Ordenações Filipinas1 que
foram compostas tratavam de todos os aspectos jurídicos do país, desde a proclamação da
pela junção das independência em 1822, até o dia 1º de janeiro de 1917, quando entrou
Ordenações reais, em vigor o Código Civil (1916) elaborado pelo jurista Clóvis Beviláqua.
as quais surgiram Antes do Código Civil de 1916, a Constituição de 1824 previa
em 1595 no reina-
a elaboração de um Código Civil, cuja tarefa, de início, fora confia-
do de Felipe I. Contudo só vieram
da ao jurista Augusto Teixeira de Freitas, apresentada sob o nome de
a entrar em vigor em1603, já no
“ConSolidação das Leis Civis”2. O referido esboço do Código Civil
reinado de Felipe II. As Ordena-
ções Filipinas foram compostas continha cinco mil artigos e não foi aceito por críticas da comissão
aproveitando o que já havia nas revisora, que culminaram em desestimular o jurista a continuar. En-
Ordenações Reais anteriores, ou tretanto, o esboço de Teixeira de Freitas influenciou o Código Civil
seja, sintetizou de modo a ajustar Argentino. Com efeito, somente após a proclamação da República do
os textos das Ordenações Afon- Brasil (1889) é que foi possível concluir o nosso primeiro Código
sinas de 1446, das Ordenações Civil (1916), por Clóvis Beviláqua, o qual sofreu forte influência da
Manuelinas de 1521, e outras le- Escola dos Pandectas.
gislações extravagantes da épo-
O Código Civil (1916) era precedido por uma pequena lei, a LICC,
ca do reinado de Felipe. As Or-
Lei de Introdução ao Código Civil, que na realidade ao longo de décadas
denações Filipinas não buscavam
inovar, mas consolidar o que já serviu como parâmetro de interpretação de todas as leis brasileiras. Após
existia, surgiram como um resul- o texto da LICC, o Código Civil surgia trazendo a parte geral, que apre-
tado do domínio castelhano. As sentava princípios gerais aplicáveis aos livros da Parte Especial.
Ordenações Filipinas tratavam de A exposição de motivos do Código Civil (2002) vigente, demonstra
regular diversos ramos do direito, os objetivos da lei na ocasião em que o referido Diploma fora publica-
incluindo o público e o privado, do. O direito se realiza, em atenção às necessidades da sociedade de sua
dividia-se em cinco livros, dispon-
época, por isto é imprescindível que quem estuda o direito busque com-
do dos temas na seguinte ordem:
preender sua evolução histórica, e sua incidência no espaço e no tempo.
Livro I – O Direito Administrativo e
a Organização Judiciária, Livro II – A comissão de juristas foi nomeada em 1967, sob a supervisão de
O Direito dos Eclesiásticos, do Rei, Miguel Reale, sendo que o projeto do Código Civil veio a ser aprova-
dos Fidalgos e dos Estrangeiros, Li- do somente em 1984, após o cuidadoso debate e estudo de suas 1.063
vro III – O Processo Civil, Livro IV – O emendas, apresentando seu texto final consolidado com cerca de 2.046
Direito Civil e o Direito Comercial e artigos. Faziam parte da comissão conhecidos e renomados nomes do
no Livro V – O Direito Penal e o Di- direito brasileiro, sendo José Carlos Moreira Alves (São Paulo) destina-
reito Processual Penal. Não havia do a escrever sobre a Parte Geral, Agostinho de Arruda Alvim (São Pau-
igualdade entre as pessoas, fato
lo), Direito das Obrigações, Sylvio Marcondes (São Paulo), Direito de
notório pela existência do Livro II.
Empresa, Ebert Vianna Chamoun (Rio de Janeiro), Direito das Coisas,
voCABuLário
24
Direito Civil
AS ORDENAÇÕES FILIPINAS
LIVRO I Direito Administrativo e Organização Judiciária
LIVRO II Direito dos Eclesiásticos, do Rei, dos Fidalgos e dos
Estrangeiros
LIVRO III O Processo Civil
LIVRO IV O Direito Civil e o Direito Comercial
LIVRO V O Direito Penal e o Processo Penal
25
as leis administrativas, a organização judiciária, os direitos do rei, dos
CiNEmATECA fidalgos, dos estrangeiros e até mesmo os direitos civis, comerciais, o di-
reito penal e o processo penal, ficavam sob o seu comando e supervisão.
“Danton, o pro-
cesso da re- Conforme já estudamos, por influência da Revolução Francesa, a
volução” (dire- codificação civil brasileira adotou valores do Estado Liberal, inspirando-
ção de Andrzej -se Clóvis Beviláqua na estrutura do Código de Napoleão para constru-
Wajda, 1982). O ção do nosso Código Civil de 1916. O Código de Napoleão, como co-
filme retrata a nhecido ficou o Código Civil Francês (Code Civil des Français), trazia em
situação econô- sua estrutura quatro livros, sendo o primeiro deles um título preliminar
mica da França, que procurava descrever o efeito das leis no espaço tempo:
quatro anos após a Revolução
Francesa.
Code Civil des Français 1804 – Código Civil Francês – Código de Napoleão
PRELIMINAR Arts. 1º a 6º Da publicação, dos efeitos e da
aplicação das leis em geral
LIVRO I Arts. 7º a 515 Das pessoas
LIVRO II Arts. 516 a 710 Dos bens e das modificações da
propriedade
LIVRO III Arts. 711 a 2302 Dos modos de aquisição da
propriedade
26
Direito Civil
27
Como bem se pode notar, o Código atual, levou em consideração a
realidade de uma sociedade de natureza agrária, começando a tratar do
Direito de Família, passando pelo Direito de Propriedade e das Obriga-
ções, até chegar ao das Sucessões.
PARTE GERAL
PARTE ESPECIAL
28
Direito Civil
29
-se do falso conceito que existia quanto à completude do sistema jurí-
dico positivado em Código, a mudança na técnica legislativa, incluindo
cláusulas gerais e conceitos vagos, permitiu a abertura ao sistema jurídi-
co, tornando-o de fechado em misto, o que quer dizer que não é aberto,
mas apenas permite sua abertura quando diante de um caso concre-
to aplicável. Esta técnica pós-moderna surgiu das transformações que
ocorreram após a Revolução Industrial; diante das enormes mudanças
ocorridas na sociedade, não havia mais condições de manter a antiga
estrutura tradicional, atendendo muito melhor a integração do sistema
jurídico através das cláusulas gerais.
Judith Martins-Costa descreve como a linguagem empregada per-
mite que a codificação funcione como um sistema aberto, facilitando a
constante incorporação de soluções de novos problemas, pela jurispru-
dência ou por atividades de complementação legislativa. A jurista afirma
que as cláusulas gerais são como janelas deixadas pelo legislador civil em
razão da mobilidade da vida:
30
Direito Civil
JuriSPruDÊNCiA
a) Princípio da Eticidade;
b) Princípio da Socialidade; e
c) Princípio da Operabilidade.
Quanto à eticidade, procurou-se superar o apego ao formalismo
jurídico, conservando as conquistas das técnicas jurídicas (normas ge-
néricas ou cláusulas gerais), sem a preocupação com o rigorismo con-
ceitual, buscando com ênfase proteger a pessoa humana, priorizando a
boa-fé, a justa causa, a equidade e outros critérios éticos. No que tange a
sociabilidade, buscou-se afastar o caráter individualista da lei, priman-
4. Código Civil, art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na con-
clusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
5. Código de Defesa do Consumidor, art. 7º – Os direitos previstos neste Códi-
go não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de
que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos ex-
pedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que de-
rivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade. Parágrafo
único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela
reparação dos danos previstos nas normas de consumo.
31
do pelo predomínio do social, dos valores coletivos sobre os individuais
ComENTário (surge então a função social nos direitos: posse, contrato, propriedade,
etc.). A operabilidade busca as soluções simples que se estabeleçam de
oS TrÊS TiPoS DE DiáLoGoS
DAS foNTES:
modo a facilitar a interpretação e aplicação e dar maior efetividade ao
operador do direito. Característica que permeia o Código Civil, tornan-
Para o Ministro João Otávio
do-o mais didático e prático.
de Noronha, no entendimento de
Claudia Lima Marques, existem Deste modo, o sistema jurídico misto brasileiro permite que as
três tipos de diálogo das fontes questões cíveis sejam julgadas conforme cada caso concreto. Isto é possí-
entre o Código Civil e o Código vel por conta dos conceitos vagos, que para obterem a melhor aplicação
de Defesa do Consumidor: 1) o diante de casos em que exista dúvida ou lacuna interpretativa, permite a
diálogo sistemático de coerên- aplicação das cláusulas gerais, sempre primando por manter o respeito
cia – a aplicação simultânea das aos princípios norteadores do Código Civil.
duas leis; 2) a incidência coorde-
nada de duas leis – quando uma
lei pode complementar a aplica-
ção de outra, conforme o caso
concreto, valendo também aos
princípios; 3) o diálogo de influên-
cias recíprocas com uma possível
redefinição do campo de aplica-
ção de uma lei. Exemplo: defini-
ção de consumidor stricto sensu
e a de consumidor equiparado, Ainda estudaremos, logo adiante, as regras de interpretação da nor-
que pode sofrer influência finalís-
ma jurídica para a correta aplicação do direito em cada caso, por meio
tica do Código Civil.
da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
NORONHA, João Otávio. Cri-
se de fontes normativas: Código
Civil x Código de Defesa do Con-
o CAmPo DE iNCiDÊNCiA Do
sumidor. Disponível em <http://
www.editorajc.com.br/2011/10/
1.10 CÓDiGo CiviL
crise-de-fontes-normativas-codi-
go-civil-x-codigo-de-defesa-do-
consumidor-parte-1/>. Acesso em O campo de incidência do Código Civil se refere a área que abrange
22 mar. 2015. o seu alcance. Conforme pudemos aprender durante o estudo da es-
trutura do Código Civil, no seu Livro Geral, cuida das situações que
envolvem o direito subjetivo relacionado às pessoas, aos bens e aos fa-
tos jurídicos. Na Parte Especial, desenvolve a regulação do direito das
obrigações, do direito empresarial, do direito das coisas, do direito de
família e, finalmente, do direito das sucessões.
Ao entrar em vigor, o Código Civil de 2002 provocou mudanças
não apenas em relação ao direito das obrigações. Além das mudanças
que já apontamos nos dois últimos tópicos de estudo, Rosa Maria de
Andrade Nery6 esclarece que a legislação civil vigente revogou a Parte
Primeira do Código Comercial (arts. 1º a 456), poupando apenas sua
Segunda Parte (Arts. 457 a 796), que cuida do Comércio Marítimo.
32
Direito Civil
33
voCABuLário o DirEiTo CiviL E A CoNSTiTuiÇÃo
1.11 fEDErAL DE 1988
infraconstitucional: é a legislação
que está abaixo da Constituição.
1.11.1. o Personalismo Ético e a Dignidade
Humana
CiNEmATECA
Após a Segunda Grande Guerra Mundial, em razão da consciência
o julgamento de Nu- em defesa da humanidade provocada pela reflexão quanto às atrocida-
remberg. O filme re- des cometidas contra os seres humanos nos campos de concentração
trata de modo claro, nazistas, foi proclamada a DUDH – Declaração Universal dos Direitos
com cenas reais, o
Humanos (10-12-1948), através da Assembleia Geral das Nações Uni-
motivo que provocou
das, tornando a defesa desses ideais a principal tarefa da ONU – Orga-
a existência do personalismo ético.
nização das Nações Unidas, a qual pactuou em consenso com diversos
Estados o esforço comum mundial no sentido de tornar claro que a dig-
AuTor nidade é inerente a todos os membros da família humana, e que todo ser
humano tem direitos iguais e inalienáveis à liberdade, à justiça e à paz8.
KArL LArENZ (1903 a
De acordo com Karl Larenz9, rompe-se assim com o antigo o paradigma
1993). Jurista alemão
que foi professor nas patrimonialista, o qual adotava o contrato e a propriedade como meio
duas mais importan- para efetivação dos direitos individuais, passando a firmar-se o direito
tes universidades da das pessoas na sua própria existência, pelo simples fato de se tratar de
Alemanha: Kiel e Munique. Dedi- pessoa humana, de onde decorre o novo paradigma, conhecido como
cava-se ao estudo do Direito Civil, personalismo ético.
tendo publicado diversas obras
Portanto, o ordenamento jurídico deslocou o foco de valores do viés
jurídicas. Entre suas obras mais
importantes, além do estudo da
individual patrimonialista, que conservava o Estado Liberal, para o viés
jurisprudência e valores, trouxe o da valorização da pessoa humana, passando o Estado Social a garantir
conceito de personalismo ético. a preservação do direito à dignidade da pessoa humana como garan-
CLAuS-WiLHELm CA- tia fundamental, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos
NAriS (01-07-1937). (1948). Na visão antiga, sob influência do iluminismo, o homem só era
Notável jurista ale- compreendido como um indivíduo. Para o homem exercer seus direitos
mão, nascido em privados, tinha maior relevância aquele que tivesse seu direito ampara-
Liegnitz, que identifi- do por um contrato, pela posse ou em razão do direito de propriedade.
cou as lacunas na lei.
Esta nova visão do pensamento jurídico pós-Grande Guerra rom-
Professor e doutrinador com 16 li-
vros publicados em diversos países, peu definitivamente com o modelo patrimonialista. Claus-Wilhelm Ca-
além de mais de 180 artigos cientí- naris esclarece que, a partir de então, quase todo ordenamento jurídico do
ficos. Por sua destacada atuação mundo moderno passou a instituir a garantia dos direitos fundamentais
e contribuição jurídica e filosófica dos cidadãos por meio de Constituições, organizando sua legislação hie-
com o Brasil, recebeu em 2012 o rarquicamente, passando tais valores a incidirem efeitos no Direito Priva-
título de doutor honoris causa pela do e em toda legislação infraconstitucional e na jurisprudência.
Pontifícia Universidade Católica do
No personalismo ético, todo homem deve ser percebido como pes-
Rio Grande do Sul. Sobre o tema
sugerimos a leitura de: CANARIS,
soa, ser da espécie humana, e por isto digno é de atenção do Estado So-
Claus-Wilhelm. A influência dos di-
reitos fundamentais sobre o direito
privado na Alemanha, p. 225. In: 8. UNESCO. Declaração Universal dos Direito Humanos, 1948. Disponível em
SARLET, Ingo Wolfgang (org). Cons- <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf>. Acesso em
tituição, Direitos Fundamentais e 26 fev. 2015.
Direito Privado. Porto Alegre: Livra- 9. LARENZ, Karl. Derecho civil: parte general. Tradução de Miguel Izquierdo y
ria do Advogado, 2010, p. 206-207. Macías. Picavea. Madri:Ed. Revista de Derecho Privado, 1978. § 2º.
34
Direito Civil
35
nialização do direito civil, constitucionalização do direito civil. A
doutrina cogita inclusive a criação de uma nova disciplina ou ramo
metodológico do direito, denominada Direito Civil Constitucional,
a qual estuda o direito civil à luz da Constituição Federal, tendo como
eixo norteador os princípios constitucionais (a dignidade da pessoa
humana, Art.1.º, inciso III; a solidariedade social, Art. 3.º, inciso I; a
igualdade substancial, Arts. 3.º, inciso IV, e 5.º, caput; a erradicação
da pobreza e redução das desigualdades sociais, Art. 3.º, incisos III
e IV) (DE FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 19). Nessa linha, temos
no elenco quatro categorias de temas da Constituição Federal que ir-
radiam efeitos sobre os direitos civis, sendo que os três primeiros se
tornaram princípios constitucionais, conhecidos por: a) princípio da
dignidade da pessoa humana; b) princípio da solidariedade, e c) prin-
cípio da isonomia ou igualdade. Convém informar que existe projeto
no Senado Federal para erigir a erradicação da pobreza a um princí-
pio também; quando isto ocorrer, poderemos afirmar que o Direito
Civil Constitucional estuda a influência dos princípios constitucio-
nais sobre o direito civil. Isso porque a erradicação da desigualdade
social, de certo modo, já estaria sendo aplicada através da efetividade
do princípio da igualdade substancial.
36
Direito Civil
37
ATENÇÃo A LEi DE iNTroDuÇÃo ÀS NormAS Do
1.12 DirEiTo BrASiLEiro
Lei Complementar n. 95/98,
art. 8º – A vigência da Lei será
indicada de forma expressa e 1.12.1. A interpretação da Norma Jurídica
de modo a contemplar prazo ra-
zoável, para que dela se tenha A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei n.
amplo conhecimento, reserva- 12.376/2010), antiga Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n.
da a cláusula "entra em vigor na 4.657/1942), embora pequena, com apenas dezenove artigos, apresenta
data da sua publicação" para as diversas regras destinadas a orientar o operador e aplicador do direito:
leis de pequena repercussão. §
1º – A contagem do prazo para LINDB
entrada em vigor das leis que es-
Arts. 1º e 2º Vigência das normas
tabeleçam período de vacância
far-se-á com a inclusão da data Art. 3º Obrigatoriedade das normas
da publicação e do último dia do Art. 4º Integração da norma
prazo, entrando em vigor no dia
subsequente à sua consumação. Art. 5º Interpretação da norma
Art. 6º Aplicação da norma no tempo
Arts. 7º a 19 Aplicação da norma no espaço
38
Direito Civil
ATENÇÃo
ATENÇÃo
LiNDB:
1.12.3. A revogação da Lei – Art. 2º. Não se destinando à
Não se tratando de lei temporária, a vigência de uma lei permane- vigência temporária, a lei terá vi-
ce até que outra a modifique ou revogue, este é o princípio da conti- gor até que outra a modifique ou
nuidade das leis. revogue.
– Art. 2º – § 1º – A lei posterior
revoga a anterior quando expres-
1.12.4. A vigência Temporária da Lei
samente o declare, quando seja
Examinando o Art. 2º, caput, da LINDB é possível verificar que com ela incompatível ou quando
existem dois tipos de leis, as leis de vigência permanente e as leis de vi- regule inteiramente a matéria de
gência temporária. Em regra, todas as leis são de vigência permanente. que tratava a lei anterior.
No entanto, serão de vigência temporária quando expressamente delas – Art. 2º – § 2º – A lei nova, que
constar: a) prazo de duração; b) condição resolutiva; ou c) se é alcançada estabeleça disposições gerais ou
sua finalidade. Nestes casos ocorre a caducidade da norma, quando a especiais a par das já existentes,
circunstância torna a norma sem eficácia. não revoga nem modifica a lei
anterior.
1.12.5. Da Extensão da revogação da Lei – Art. 4º – Quando a lei for omis-
A revogação da lei se divide em duas classes, a primeira refere-se à sa, o juiz decidirá o caso de acordo
sua extensão e a segunda quanto à forma de execução. com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.
A revogação quanto à I) extensão, pode ser: a) total ou b) parcial.
– Art. 5º – Na aplicação da
A revogação total, também denominada por ab-rogação, configu-
lei, o juiz atenderá aos fins sociais
ra-se quando o texto da lei nova sepulta por completo a vigência do
a que ela se dirige e às exigências
texto anterior, sem qualquer ressalva.
do bem comum.
A revogação parcial, também chamada de derrogação, afeta apenas
– Art. 2º, § 3º – Salvo disposi-
parcialmente a norma anterior, permitindo que ainda vigore parte do
ção em contrário, a lei revogada
texto legal.
não se restaura por ter a lei revo-
Além das duas situações acima, em que temos a perda de eficácia da gadora perdido a vigência.
norma jurídica, cumpre salientar também que o Supremo Tribunal Fe- – Art. 3º – Ninguém se escusa
deral pode afastar vigência das leis que julgar inconstitucionais quando de cumprir a lei, alegando que
suspensas pelo Senado Federal através do controle difuso de constitu- não a conhece.
cionalidade (art. 52 da CF).
39
1.12.6. Da forma de revogação da Lei
voCABuLário
Quanto à classe de revogação pela forma de II) execução, pode ser:
antinomia: trata-se de confli- a) expressa ou b) tácita.
to de normas. Ocorre quando
A revogação será expressa quando a lei nova descrever de modo
duas ou mais normas dispõem
expresso que revoga a lei anterior, é o que diz a primeira parte do § 1º
da mesma matéria. Segundo
Maria Helena Diniz, a antinomia
do Art. 2º da LINDB.
pode ser real ou aparente. A revogação de forma tácita exige um maior esforço interpretativo
do aplicador da norma, pois a situação pode apresentar uma antino-
lex derogat legi priori: do la-
tim, lei posterior revoga a lei mia, ou seja, um conflito de normas (antiga e nova), obrigando-o a
anterior. adotar certos critérios para a sua solução, como explica Maria Helena
Diniz (DINIZ, Conflito de normas. 2009):
a) critério cronológico – lex derogat legi priori
b) critério hierárquico – lex superior derogat legi inferior, e
c) critério especial – lex specialis derogat legi generali.
a) Critério cronológico, lex derogat legi priori, é aplicável quando a
lei nova for incompatível com a lei anterior ou regule de modo integral
a mesma matéria, como se pode notar da segunda parte do § 1º do Art.
2º da LINDB.
b) Critério hierárquico, lex superior derogat legi inferiori, prevê a
possibilidade de revogação tácita, quando uma lei hierarquicamente in-
ferior cuidar de matéria dita por uma lei de maior grau hierárquico.
Por exemplo: A Constituição Federal revogou de forma tácita diversas
disposições legais de leis infraconstitucionais.
c) Critério Especial – O critério da especialidade ou critério espe-
cial, lex specialis derogat legi generali, prevê que a lei especial prevalece
sobre a lei geral, revogando-a. Contudo se a lei nova estabelecer dispo-
sições gerais ou especiais, a par das já existentes, não revoga, nem mo-
difica a lei anterior. Isto quer dizer que, se a lei nova nada disser sobre a
conservação do conteúdo existente em lei anterior, e com aquele texto
anterior vier a conflitar sua matéria, poderá ser revogada tacitamente,
pela lei especial, ainda que mais velha (critério da especialidade). A co-
existência de normas tratando do mesmo assunto é possível, desde que
não exista entre elas incompatibilidade. Quando esta surgir, competirá
ao aplicador da norma aplicar os critérios para afastar a antinomia.
1.12.7. As Antinomias
Os conflitos de normas, que recebem o nome de antinomias, pos-
suem então três critérios para sua solução, conforme já estudamos no
que era tratado quanto à revogação tácita da norma. Os critérios cro-
nológico, hierárquico e especial obedecem a mesma lógica já exposta. A
antinomia aparente é um conflito que se resolve pelos critérios de modo
simples, não trazendo maiores dificuldades. Enquanto a antinomia real
não se resolve tão somente pela aplicação dos critérios, sendo necessário
aplicar a técnica de integração para lacunas da lei. A antinomia será de
40
Direito Civil
41
Temos vários recursos a auxiliarem o magistrado nesta tarefa de
voCABuLário
integração da norma, inicialmente o juiz dispõe, como vimos, dos prin-
Analogia é o estudo das seme- cípios constitucionais, das cláusulas gerais, dos conceitos jurídicos inde-
lhanças. No direito a Jurispru- terminados e da função social. Não sendo bastantes, seguirá ao estudo
dência se compõe de decisões das fontes do direito. Vamos recordar as fontes diretas e indiretas estu-
dos Tribunais referentes a casos dadas no início desta obra, conforme ilustração aqui repetida:
semelhantes. Portanto, quando
a lei dispõe sobre analogia, po-
demos entender que se trata
de julgamentos análogos sobre
a mesma matéria em estudo.
42
Direito Civil
10. CPC, Art. 127. O Juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.
11. Nota Explicativa: O legislador desejou limitar a aplicação da equidade para
evitar sua evocação pelo magistrado em casos nos quais ela não é devida.
12. LINDB, Art. 5º – Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela
se dirige e às exigências do bem comum.
43
jurídico como um todo; e e) Teleológica – quando se apega aos fins para
os quais a lei foi editada.
3) Quanto ao resultado, pode ser: a) Declaratória – quando se
limita a dizer qual é o sentido da norma; b) Restritiva – quando se res-
tringe ao sentido da lei, por ter o legislador dito mais do que deveria
dizer; e c) Ampliativa – quando se amplia a interpretação do sentido da
lei, por ter o legislador dito menos do que deveria dizer.
44
Direito Civil
15. LINDB, Art. 6º. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados
o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º. Reputa-se
ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que
se efetuou.
16. LINDB, Art. 6º. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o
ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 2º. Consideram-se
adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer,
como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pre-
estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
17. LINDB, Art. 6º. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o
ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 3º. Chama-se coisa
julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.
18. LINDB, Art. 7º, caput. A lei em que domiciliada a pessoa determina as regras
sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de
família.
19. LINDB, Art. 7º. A lei em que domiciliada a pessoa determina as regras so-
bre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de
família. § 1º. Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira,
quanto aos impedimentos dirimentes às formalidades da celebração.
45
Considera-se eficaz o casamento brasileiro feito no estrangeiro, ou
vice-versa, perante autoridades diplomáticas ou consulares de ambos os
nubentes20.
Quando se pleitear a invalidade do casamento, e havendo domicílio
diverso entre os nubentes, restará eficaz a lei que viger no lugar do pri-
meiro domicílio conjugal21.
A lei que regerá o regime de bens no casamento, seja legal ou con-
vencional, será aquela vigente no lugar onde forem domiciliados, ou no
local do primeiro domicílio conjugal22.
Quanto aos bens, aplica-se a lei de onde estiverem localizados, ou
a lei do domicílio de seu proprietário quando este estiver de transporte
para outro lugar23.
As obrigações se cumprirão no local onde foram constituídas24.
Ainda restam alguns poucos artigos os quais não são indispensáveis
ao estudo proposto.
20. LINDB, Art. 7º. A lei em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre
o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de famí-
lia. § 2º. O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades
diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes.
21. LINDB, Art. 7º. A lei em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre
o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de famí-
lia. § 3º. Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do
matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal.
22. LINDB, Art. 7º. A lei em que domiciliada a pessoa determina as regras
sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de
família. § 4º. O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em
que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio
conjugal.
23. LINDB, Art. 8º. Para qualificar os bens e regular as relações a eles concer-
nentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados. § 1º. Aplicar-se-á a
lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveis que
ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.
24. LINDB, Art. 9º. Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do
país em que constituírem.
46
2 A pessoa natural
CurioSiDADE 2.1 A PESSoA NATurAL
O estudo da origem da pa-
lavra pessoa demonstra que ela A etimologia da palavra pessoa indica que os indivíduos possuem
deriva do latim persona, que signi- um papel a representar na sociedade. Este papel se expressa pela perso-
fica indivíduo, seja homem ou mu- nalidade de cada ser. Pessoa natural é o nome que o direito civil atri-
lher, a personagem. Personagem, bui ao ser da espécie humana, considerado enquanto sujeito de direito
pois a palavra deriva da atuação e obrigações1. Para ser pessoa natural, basta existir, enquanto ser da es-
dos atores do teatro grego da an-
pécie humana.
tiguidade, os quais emprestavam
a voz para dar vida a seus perso-
nagens fictícios, sempre represen-
tados por máscaras que eram uti- 2.2 A PErSoNALiDADE JurÍDiCA
lizadas para ocultar a identidade
de quem os animava. Então, sob
Ao desempenho deste papel na sociedade, que permite à pessoa
a atuação sonora que dava vida
humana ser sujeito de direitos e obrigações ou deveres, chamamos de
aos personagens, surgiu o con-
ceito de pessoa. Pessoa é aquela personalidade civil ou jurídica.
que ocupa papel ou papéis na A personalidade civil ou jurídica é a aptidão genérica para ser su-
sociedade, sendo que na acep- jeito de direitos e deveres, aptidão esta que poderá ser exercida a partir
ção jurídica do termo, pessoa é do seu nascimento com vida2 e dura até a sua morte. O simples fato de
todo ente físico ou moral, suscetí-
nascer, constatado pela oxigenação de seus pulmões, é suficiente a lhe
vel de direitos e obrigações, sinô-
garantir a personalidade jurídica. Contudo, ainda que não nascido, mas
nimo de sujeito de direitos e sujeito
da relação jurídica.
concebido, vivo e aguardando nascimento no ventre materno, garan-
te-lhe o Estado a proteção da personalidade jurídica, pela qualidade de
nascituro, ser humano concepto.
voCABuLário A existência de vida humana, ainda que em estado uterino, é o fato
jurídico que torna o ser apto a ser considerado sujeito de direitos e obri-
Concepto: concebido, em pro-
cesso gestacional.
gações na ordem civil. Tal aptidão da pessoa natural abre condições para
que se estabeleçam as relações jurídicas com outros seres semelhantes a
si mesmo (sociedade).
CurioSiDADE
48
Direito Civil
fora do útero, este último já se acha morto, embora ainda ligado ao útero
materno. O natimorto não tem expectativa de deixar o útero materno
ComENTário
com vida, pois o óbito ocorre durante o seu período gestacional.
Conforme Maria Helena Diniz,
Descreve claramente o Art. 2º do Código Civil que: “A personalida- no direito civil francês e holandês
de civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, não basta o nascimento com
desde a concepção, os direitos do nascituro.” vida; é necessário que o recém-
Como se pode notar pela nossa atual lei civil, a condição de nas- -nascido seja viável, isto é, apto
cituro é que marca o início à aquisição da personalidade civil ou jurí- para a vida. O direito espanhol
dica das pessoas naturais, mas o fato da concepção também é relevante exige que o recém-nascido deve
ter a forma humana e viver pelo
ao direito. Pois em torno destas peculiaridades, que tornam complexa
menos 24 horas, para que possa
a resolução da questão quanto à personalidade jurídica do nascituro, a
adquirir a personalidade. No direi-
doutrina desenvolveu algumas teorias, das quais aqui descreveremos as
to português, se condicionava à
três mais recorrentes: vida à figura humana. No argen-
a) TEORIA NATALISTA OU NATIVISTA tino e húngaro, a concepção já
A teoria natalista ou nativista defende que o ser humano adquire dá origem à personalidade. No
personalidade civil ou jurídica somente a partir do seu nascimento com direito civil brasileiro, afastaram-se
vida, antes disto o que se tem é mera expectativa de direito. Esta teo- todas estas hipóteses para evitar
ria está incorporada ao Direito Civil brasileiro desde o Código Civil de dúvidas, condicionando ao nasci-
mento com vida (DINIZ, Maria He-
1916, na ocasião defendida por Silvio Rodrigues, Caio Mario da Silva Pe-
lena. Curso de Direito Civil Brasilei-
reira, Vicente Ráo e Eduardo Espínola. Para os natalistas o feto enquanto
ro, Teoria Geral do Direito, 1º Vol.
não nascido é apenas uma extensão do corpo de sua mãe.
22ª Ed. Saraiva, p. 191-192).
Esta teoria também foi adotada em parte pelo Supremo Tribunal
Federal, ao julgar o emblemático caso das células-tronco embrionárias.
CurioSiDADE
Quando do julgamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade
n. 3.5103, o então Ministro Ayres Brito consignou que a Constituição Células-
Federal de 1988 se refere sempre a dignidade da pessoa humana e aos -tronco são
direitos da pessoa humana, bem como aos direitos e garantias individu- células com
ais. No entendimento do Excelentíssimo Ministro, ao lidar com referidas capacidade
terminologias o Legislador Constituinte teria deixado claro se tratar de de regene-
direitos do indivíduo-pessoa; deste modo, não haveria dúvidas de que a ração, ca-
intenção era proteger um estágio da vida humana, mas a vida que já é pazes de originar tipos especia-
própria de uma pessoa concreta, ou seja, de um indivíduo já persona- lizados de células, que formam
diferentes tecidos do corpo hu-
lizado. Tal expectativa, segundo o Ministro Ayres Brito, não se aplicaria
mano. As células-tronco embrio-
aos embriões excedentários (dos quais seriam colhidas as células-tronco
nárias são as células-tronco dos
para fins de pesquisa), pois ainda não chegaram a ser inseminados no
embriões que excedem (embri-
útero materno. Concluiu assim o STF que somente se poderia consi- ões excedentários) às tentativas
derar pessoa humana aquele ser humano concepto, alimentado e vivo de inseminação artificial. O STF foi
intrauterinamente. Com este entendimento, o STF afastou o entendi- confrontado a decidir se permitia
mento narrado pela teoria concepcionista. ou não o uso das células-tronco
Como se pode observar, para os natalistas ou nativistas, a lei apenas embrionárias dos embriões fecun-
protege os direitos que o nascituro adquirirá quando nascer com vida, dados que se encontravam con-
gelados em laboratórios. A Lei de
Biossegurança estava em ques-
tão, para se saber se haveria vida
3. BRASIL, STF. Adin n. 3510. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/ge- humana digna de proteção na-
ral/verPdfPaginado.asp?id=611723&tipo=AC&descricao=Inteiro%20Teor%20 queles embriões, ou se poderiam
ADI%20/%203510>. Acesso em 30 mar 2015. ser utilizados para a pesquisa.
49
sendo estes descritos de modo restrito (direito à vida, direito à herança,
ATENÇÃo posse).
i JorNADA DE DirEiTo CiviL b) TEORIA CONCEPCIONISTA
Enunciado n. 1 Para os concepcionistas, é possível o ser humano adquirir a per-
Art. 2.º: a proteção que o Có- sonalidade civil ou jurídica desde a concepção, ou seja, antes de nascer.
digo defere ao nascituro alcan- A lei ressalva em seu benefício alguns direitos patrimoniais originados
ça o natimorto no que concerne de herança, doação ou legados, os quais ficarão condicionados ao seu
aos direitos da personalidade, tais nascimento com vida. Ao contrário do que presume a teoria da perso-
como nome, imagem e sepultura. nalidade condicional.
Existem diversas situações que demonstram conceder direitos da
personalidade ao nascituro enquanto concepto, os quais passaremos a
elencar alguns: 1) o direito ao reconhecimento de paternidade4; 2) o di-
reito à curatela5; 3) ser donatário6; 4) ter o direito à herança7; 5) direito
à vocação hereditária por indicação em testamento (prole eventual)8;6)
direito à indenização9; 7) direito aos alimentos10; 8) proteção criminal
quanto à vida, entre outros11.
São inúmeros os casos concretos através dos quais podemos no-
tar que o posicionamento da lei e da jurisprudência dão o sentido de
que o nascituro tem o direito da personalidade jurídica ou civil reco-
4. Código Civil, Art. 1.609 – O reconhecimento dos filhos havidos fora do casa-
mento é irrevogável e será feito: I – no registro do nascimento; II – por escritura
pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III – por testamento,
ainda que incidentalmente manifestado; IV – por manifestação direta e expres-
sa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e
principal do ato que o contém. Parágrafo único. O reconhecimento pode pre-
ceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar
descendentes.
5. Código Civil, Art. 1.779 – Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer
estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar.
6. Código Civil, Art. 542 – A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo
seu representante legal.
7. Código Civil, Art. 1.798 – Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já
concebidas no momento da abertura da sucessão.
8. Código Civil, Art. 1.799 – Na sucessão testamentária podem ainda ser cha-
mados a suceder: I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo
testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
9. CONJUR. STJ concede indenização para nascituro por danos morais. Dis-
ponível em <http://www.conjur.com.br/2008-jun-19/stj_concede_indeniza-
cao_nascituro_danos_morais>. Acesso em 31 mar 2015.
10. Lei de Alimentos Gravídicos. Lei n. 11.804/2008, Art. 6.º – Convencido
da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que
perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte
autora e as possibilidades da parte ré. Parágrafo único. Após o nascimento com
vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor
do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.
11. Código Penal, Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que
outrem lho provoque: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
50
Direito Civil
nhecido pelo simples fato de ter sido concebido. E ainda que não fos-
se nascituro, se estivesse morto no útero materno (natimorto), ainda
assim possuiria o resguardo de alguns direitos da personalidade (nome,
imagem e sepultura).
c) TEORIA DA PERSONALIDADE CONDICIONAL
Embora concorde que a personalidade jurídica do nascituro se ini-
cie a partir da concepção, a teoria da personalidade condicional, conhe-
cida como teoria mista, apresentada pela jurista Maria Helena Diniz,
entende que a personalidade do nascituro assume uma condição sus-
pensiva. Tal condição suspensiva ficaria condicionada ao nascimento
com vida do nascituro para sua implementação, e, nascendo este com
vida, retroagiriam os efeitos da personalidade jurídica desde a concep-
ção. Para esta teoria, o nascituro é uma “pessoa condicional”, e por este
motivo a lei lhe garante expectativas de direitos, que dependem do seu
nascimento com vida para que se convalidem.
Deste modo, os direitos patrimoniais do nascituro na teoria da per-
sonalidade condicional devem ficar resguardados por seu curador até
o seu nascimento com vida, enquanto os direitos da personalidade são
tutelados desde a concepção.
Concluído o estudo quanto à natureza jurídica e as teorias da per-
sonalidade do nascituro, observamos que se torna sujeito de direitos e
deveres a pessoa natural, que é o ser humano que nasce com vida ou
enquanto concepto for representado.
51
civil. Contudo, sua ausência também provoca efeitos no ordenamento
jurídico, configurando restrições ao exercício de tais poderes, sendo ne-
cessário identificarmos suas hipóteses de incidência.
A iNCAPACiDADE. AS rESTriÇÕES DE
2.4 DirEiTo
o SuPrimENTo E A CESSAÇÃo DA
2.5 iNCAPACiDADE CiviL
12. Código Civil, Art. 3.º – São absolutamente incapazes de exercer pessoal-
mente os atos da vida civil: I – os menores de dezesseis anos; II – os que, por en-
fermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para
a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem
exprimir sua vontade.
13. Código Civil, Art. 4.º – São incapazes, relativamente a certos atos, ou à ma-
neira de os exercer: I – os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental,
tenham o discernimento reduzido; III – os excepcionais, sem desenvolvimento
mental completo; IV – os pródigos. Parágrafo único – A capacidade dos índios
será regulada por legislação especial.
14. Código Civil, Art. 5.º – A menoridade cessa aos dezoito anos completos,
quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
52
Direito Civil
53
A morte real ocorre quando cessam as atividades cardíacas ou res-
voCABuLário
piratórias da pessoa, ou quando se dá a morte cerebral ou encefálica.
morte cerebral ou encefálica: A personalidade jurídica da pessoa natural também se extingue
quando por laudo médico, quando ocorre a morte presumida, a qual estudaremos logo à frente,
atesta-se que a atividade neu- após o instituto da ausência.
ral da pessoa não possui mais
condições de reagir.
18. Código Civil, Art. 16 – Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendi-
dos o prenome e o sobrenome.
54
Direito Civil
19. Lei n. 6.015/73, Art. 55. Quando o declarante não indicar o nome comple-
to, o oficial lançará adiante do prenome escolhido o nome do pai, e, na falta,
o da mãe, se forem conhecidos e não o impedir a condição de ilegitimidade,
salvo reconhecimento no ato. Parágrafo único. Os oficiais do registro civil não
registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo seus portadores. Quan-
do os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por es-
crito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão
do Juiz competente.
55
O agnome serve para diferenciar os membros da mesma família
JuriSPruDÊNCiA que possuam o mesmo nome; eles são inseridos ao final da composição
nominal sob a referência de: Filho, Júnior, Neto, Sobrinho, ou ainda por
Boletim Informativo n. 245 do STJ
números ordinais: Primeiro, Segundo, Terceiro, etc. Por exemplo: José
TERCEIRA TURMA
da Silva Júnior, agnome: Júnior.
O nome vocatório ou profissional é a abreviação do nome com-
RETIFICAÇÃO. REGISTRO CIVIL.
pleto da pessoa, que visa facilitar a identificação. Por exemplo: Marco
A jurisprudência deste Supe-
Aurélio Mendes de Farias Mello, vocatório: Marco Aurélio (Ministro
rior Tribunal autoriza a alteração
do STF). Não se deve confundir o nome vocatório ou profissional com
do nome civil quando o nome que
alcunha ou apelido, estes últimos são conhecidos como variações de
a pessoa deseja adotar é aquele
pelo qual ela é conhecida no seu cognome, que são formas pejorativas ou afetivas de se identificar uma
meio social ou quando a pessoa pessoa.
quer acrescer ou excluir sobre-
nome de genitores ou padrastos. 2.6.5. Da Alteração do Nome Civil
Na espécie, o recorrente não é
conhecido no meio social pelo A regra geral que subsiste quanto à alteração do nome civil, como
prenome que pretende acrescer. vimos, baseia-se no princípio da imutabilidade do nome civil. Contudo,
Ademais, o Tribunal a quo reco- este princípio não é absoluto. A possibilidade de alteração do nome ci-
nheceu, com base nas provas, vil mostra-se viável quando demonstrado de modo claro e específico o
que o recorrente não se expõe motivo que fundamenta o pedido. De acordo com a orientação do Supe-
a circunstâncias vexatórias e de rior Tribunal de Justiça, a motivação para alteração do nome é legítima
constrangimento em razão de ho- quando a pessoa: a) deseja acrescer ou excluir sobrenome de genitores
mônimos existentes. Assim a Turma ou padrastos; b) é conhecida no meio social por outro prenome, o qual
não conheceu do recurso. Prece-
pretende acrescer, ou c) provar que esteja sofrendo constrangimentos
dentes citados: REsp 538.187-RJ,
ou situações ridicularizantes por homônimo depreciativo . Em tais hi-
DJ 21/2/2005; REsp 146.558-PR,
DJ 24/2/2003; REsp 213.682-GO,
pótese, a lei autoriza a modificação do nome civil, o que quanto à forma
DJ 2/12/2002; REsp 284.300-SP, pode se dar pela via administrativa ou judicial.
DJ 9/4/2001, e REsp 66.643-SP, DJ Observamos, então, que apenas nos casos excepcionais, como estu-
9/12/1997. REsp 647.296-MT, Rel. daremos adiante, a jurisprudência prefere sempre que ocorra o acrésci-
Min. Nancy Andrighi, julgado em mo de um prenome ou sobrenome, mantendo-se os demais existentes,
3/5/2005. raríssimas vezes excluindo, e substituindo quando necessário. Em todas
as situações, após demonstrada a efetiva motivação necessária no âmbi-
to administrativo ou judicial.
56
Direito Civil
20. Lei n. 6.015/73, Art. 56 – O interessado, no primeiro ano após ter atingido
a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o
nome, desde que não prejudique os apelidos da família, averbando-se a altera-
ção que será publicada na imprensa.
ComENTário
filho abandonado poderá trocar sobrenome do pai pelo da avó que o criou.
No recurso julgado pela Terceira Turma, o rapaz sustentou que a decisão violou o artigo 56 da Lei
6.015/73, já que estariam presentes todos os requisitos legais exigidos para a alteração do nome no pri-
meiro ano após ele ter atingido a maioridade civil. Argumentou, ainda, que não pediu a modificação
da sua paternidade no registro de nascimento, mas somente a exclusão do sobrenome do genitor, com
quem não desenvolveu nenhum vínculo afetivo.
Posição flexível
Citando vários precedentes, o ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, ressaltou que o STJ tem
sido mais flexível em relação à imutabilidade do nome civil em razão do próprio papel que o nome de-
sempenha na formação e consolidação da personalidade.
Para o relator, considerando que o nome é elemento da personalidade, identificador e individu-
alizador da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, a pretensão do recorrente está perfeitamente
justificada nos autos, pois, abandonado pelo pai desde criança, foi criado exclusivamente pela mãe e
pela avó materna.
“Ademais, o direito da pessoa de portar um nome que não lhe remeta às angústias decorrentes
do abandono paterno e, especialmente, corresponda à sua realidade familiar, parece sobrepor-se ao
interesse público de imutabilidade do nome, já excepcionado pela própria Lei de Registros Públicos” –
ressaltou o ministro em seu voto.
Ao acolher o pedido de retificação, Sanseverino enfatizou que a supressão do sobrenome paterno
não altera a filiação, já que o nome do pai permanecerá na certidão de nascimento. A decisão foi
unânime.
Número do recurso omitido por segredo de Justiça.
Fonte: STJ. Filho abandonado poderá trocar sobrenome do pai pelo da avó que o criou. Disponível
em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/Filho-abandonado-poderá-trocar-so-
brenome-do-pai-pelo-da-avó-que-o-criou>. Acesso em 20 mar. 2015.
57
rônea (troca do L pelo R, por exemplo: Cráudia, quando o correto seria
CurioSiDADE Cláudia), inversão ou outros erros aparentes no nome civil, é possível a
requisição administrativa de sua correção. A Lei de Registros Públicos
CASO ANTERIOR À MODIFICAÇÂO
DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS requer apenas que seja possível a imediata constatação do erro na grafia
do nome para ser possível o pedido21, o qual será corrigido pelo Oficial
Em meados de 1995 e 1996,
uma propaganda veiculada em do Cartório de ofício, após manifestação do Ministério Público pelo rito
todo o Brasil pelo Ministério da sumaríssimo.
Saúde na televisão em combate
à AIDS, popularizou o nome de 2.6.7. Da Modifi cação Judicial
Bráulio.
a) Nomes ridículos, exóticos ou vexatórios – Como já mencio-
A LRP ainda não tinha sido
nado nesta obra, a Lei de Registros Públicos proíbe aos pais escolherem
modificada pela Lei n. 9.807/99,
obrigando o interessado na modi- para seus filhos nomes ridículos, vexatórios, que os exponham ao ri-
ficação do nome ir à Justiça. dículo (LRP, Art. 55, parágrafo único). Contudo, caso tenham surgido
O jornalista Bráulio de S., foi nomes atribuídos à pessoa, que a exponha a tais circunstâncias, poderá
aos tribunais e obteve a modifica- ela requerer a alteração, demonstrada a motivação pela via judicial.
ção do nome para Cláudio Lira, b) Vítimas, réus delatores ou testemunhas de crimes – Admite-
em virtude da popularização na- -se a mudança do nome em proteção às testemunhas (conforme disposi-
cional do seu nome, que o colo- ções da Lei de Proteção às Testemunhas)22, às vítimas ou aos réus delatores
cou em situação constrangedora, que colaborem com a Justiça no esclarecimento de atos criminosos, sem-
vexatória, expondo-o ao ridículo. pre que presente a coação ou ameaça (LRP, Art. 58, parágrafo único)23.
(JTJ – Lex 204/136, Rel. Osvaldo
c) Uso prolongado – O uso prolongado e constante de nome di-
Caron)
verso que conste do registro de nascimento também justifica a altera-
ção24, pois, o “prenome imutável é aquele que foi posto em uso, embora não
conste do registro” (STJ, REsp 146.558/PR).
21. Lei n. 6.015/73, Art. 110 – Os erros que não exijam qualquer indagação para
a constatação imediata de necessidade de sua correção poderão ser corrigidos de
ofício pelo oficial de registro no próprio cartório onde se encontrar o assenta-
mento, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou pro-
curador, independentemente de pagamento de selos e taxas, após manifestação
conclusiva do Ministério Público.
22. Lei n. 9.807/99, Art. 9º – Em casos excepcionais e considerando as carac-
terísticas e gravidade da coação ou ameaça, poderá o conselho deliberativo en-
caminhar requerimento da pessoa protegida ao juiz competente para registros
públicos objetivando a alteração do nome completo. § 1º – A alteração de nome
completo poderá estender-se às pessoas mencionadas no § 1º do Art. 2º desta
Lei, inclusive aos filhos menores, e será precedida das providências necessárias
ao resguardo de direito de terceiros.
23. Lei n. 6.015/73, Art. 58 – O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia,
a sua substituição por apelidos públicos notórios. Parágrafo único – A substi-
tuição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça
decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sen-
tença de juiz competente, ouvido o Ministério Público.
24. Lei n. 6.015/73, Art. 57 – A alteração posterior de nome, somente por ex-
ceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida
por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e
publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta
Lei.
58
Direito Civil
59
i) Tradução de nome estrangeiro – É admitida a alteração do
ComENTário
prenome estrangeiro traduzindo-o para o português com a finalida-
i JorNADA DE DirEiTo CiviL
de de tornar mais clara e precisa sua identidade civil no Brasil (Lei n.
6.815/80 – Estatuto do Estrangeiro)28. Havendo erros materiais, poderão
ser corrigidos de ofício (EE, Art. 43, § 2º).
ENUNCIADO 99
j) Inclusão ou exclusão do sobrenome do cônjuge – O Código
“O Art. 1.525, § 2º, do Códi-
go Civil não é norma destinada Civil atual29 permite aos noivos, facultativamente, incluírem o sobreno-
apenas às pessoas casadas, mas me do consorte em seu nome civil quando casados. Se ocorrer o divór-
também aos casais que vivem cio ou a anulação do casamento poderão optar por excluir o nome de
em companheirismo, nos termos seu ex-cônjuge quando não houver dado causa a extinção do casamen-
do Art. 226, caput e §§ 3º e 7º, e to. Reservado ao cônjuge inocente renunciar ao direito de uso do nome
não revogou o disposto na Lei nº de casado30.
9.263/96.”
k) Inclusão ou exclusão do sobrenome do companheiro – Os
A Lei n. 9.263/96 se refere ao
companheiros são aqueles que vivem em união estável. A união estável31
planejamento familiar, aplicável
se equiparou ao casamento, com garantia constitucional, no mesmo
tanto aos casados quanto aos
artigo que protege a família32. Não poderia ser diferente, pois a união
companheiros, em atenção ao
Art. 226, § 7º, da Constituição Fe- estável é entidade familiar que constitui a família, neste sentido já houve
deral de 1988. registro do Enunciado n. 99 da I Jornada de Direito Civil .
60
Direito Civil
33. Código Civil, Art. 1.727 – As relações não eventuais entre o homem e a
mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.
34. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil 1. Esquematizado. Parte Geral,
Obrigações e Contratos. Coord. Pedro Lenza. 1ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 141.
61
Existem dois elementos que caracterizam o domicílio: o elemento
objetivo, que é o local propriamente dito, a residência da pessoa, e o ele-
mento subjetivo, que se refere ao ânimo definitivo, que é a intenção de
permanecer e ali fixar moradia (domicílio residencial)35 ou exercer sua
atividade central (domicílio profissional)36.
Quanto ao número, o domicílio pode ser único ou plúrimo37.
Quanto à existência, é real ou presumido38. Quanto à liberdade de esco-
lha, pode ser necessário ou voluntário, sendo que o necessário é aquele
descrito por lei39, e o voluntário o que pode ser estipulado pelas partes
em relação jurídica40.
35. Código Civil, Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela esta-
belece sua residência com ânimo definitivo.
36. Código Civil, Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às
relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.
37. O direito brasileiro adotou o princípio da pluralidade domiciliar, como se
observa nos artigos 71 e 72 do Código Civil.
38. O domicílio real é o físico e indubitável. O presumido é aquele que utiliza a
regra da presunção, conforme o artigo 73 do Código Civil.
39. Código Civil, Art. 76.
40. Código Civil, Art. 78. Por exemplo o foro de eleição nos contratos, a cláu-
sula arbitral, etc.
41. Código Civil, Art. 8º. Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma oca-
sião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros,
presumir-se-ão simultaneamente mortos.
62
Direito Civil
A morTE PrESumiDA:
2.8 CArACTEriZAÇÃo
63
A sentença que declara a morte presumida dissolve o vínculo con-
jugal53 e põe fim à sucessão definitiva quanto ao espólio54.
64
3 Pessoa e Direitos da
Personalidade
voCABuLário 3.1 CoNCEiTo
intuito: objetivo, intenção.
Direitos da personalidade são direitos subjetivos conferidos a todas
as pessoas naturais (seres humanos) com o intuito de proteger a sua in-
tegridade física, moral e intelectual. Impõem a todas as pessoas o dever
legal de não causar dano, isto é, de não violar a integridade dos outros.
Por causa da imposição desse dever jurídico todas as pessoas (refletindo
um direito “contra todos” ou, em latim, erga omnes), podemos afirmar
que os direitos da personalidade são do tipo excludendi alios. Isto é,
exclui as outras pessoas. Mas essa obrigação de respeito não é imposta
apenas para terceiros. Também o titular (o “dono”) do direito deve abs-
ter-se de (ou seja, deixar de) praticar qualquer ato que possa prejudicar
sua própria integridade.
3.2 fuNDAmENTo
CurioSiDADE
66
Direito Civil
CurioSiDADE
67
(quer dizer, independentemente de qualquer ato jurídico). Para
os defensores da teoria natalista, o termo inicial da aquisição
dos direitos da personalidade é o nascimento com vida (art.
2º do Código Civil). Por outro lado, para os defensores da te-
oria concepcionista, o termo inicial é a concepção (art. 4º do
Pacto de São José da Costa Rica). Devemos destacar que alguns
autores utilizam o termo “inato” para designar que os direitos
da personalidade são direitos naturais, surgindo assim nova
divergência doutrinária:
Jusnaturalistas: defendem que os direitos da personalidade são
inerentes ao ser humano, não dependendo de previsão legal. Dessa for-
ma, os direitos da personalidade são considerados como espécie de di-
reito natural. Nesse sentido: Maria Helena Diniz, Rubens Limongi Fran-
ça, Carlos Alberto Bittar, Rizzato Nunes.
Positivistas: defendem que a existência dos direitos da persona-
lidade depende de previsão específica do ordenamento jurídico. Nesse
sentido: Pietro Perlingieri, Adriano de Cupis, Miguel Reale.
Observação: não se pode afirmar que uma das correntes acima seja
majoritária.
b) Vitalícios: os direitos da personalidade acompanham o ser
humano ao longo da vida. Com a morte, extinguem-se a per-
sonalidade jurídica e, consequentemente, os direitos da perso-
nalidade. A sucessão causa mortis é capaz de transmitir apenas
direitos patrimoniais. Contudo, se uma pessoa já morta for alvo
de uma ofensa, seus familiares ainda vivos são lesados de for-
ma indireta, podendo exigir em juízo a reparação pelo dano
moral em ricochete. Nesse sentido, o art. 12, parágrafo único,
do Código Civil de 2002 dispõe que, “em se tratando de morto,
terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo
o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou
colateral até o quarto grau”.
c) Absolutos: os direitos da personalidade impõem um dever ge-
ral de abstenção a todas as pessoas (sujeição passiva universal);
todas as pessoas devem abster-se de praticar qualquer ato que
possa prejudicar a integridade de um ser humano. O desrespei-
to a esse dever, ou até mesmo a ameaça de desrespeito, dá ao
ofendido a possibilidade de requerer medidas para prevenção
desse dano ou para sua repressão, conforme previsão do caput
do art. 12 do Código Civil (“Pode-se exigir que cesse a ameaça,
ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e da-
nos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”).
O termo “absoluto” só não pode ser utilizado para designar a ine-
xistência de limites no exercício do direito, uma vez que não existe
no ordenamento jurídico nenhum direito absoluto. Nem mesmo os
direitos fundamentais podem ser tidos como absolutos. Os direitos da
personalidade têm seus limites impostos por outros direitos funda-
68
Direito Civil
mentais, pela lei, pelos bons costumes, pela moral etc. Nesse sentido, o
Enunciado 139 da III Jornada de Direito Civil do CJF/STJ assim afir-
ComENTário
ma: “os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que
No que diz respeito às medi-
não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com das reparatórias (p. ex.: pretensão
abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos de indenização por dano moral),
bons costumes”. a doutrina diverge a respeito da
d) Ilimitados: não há dúvidas de que o rol dos direitos fundamen- existência ou não de prazo de
tais listados pelo Código Civil de 2002 e pela Constituição Fede- prescrição para a propositura da
ral são meramente exemplificativos (ao que se refere a expres- ação (exercício da pretensão em
são latina numerus apertus). Compete à doutrina e ao trabalho juízo), podendo ser apontadas as
dos tribunais a identificação e o reconhecimento de novos di- seguintes correntes:
reitos da personalidade diante da evolução da sociedade, com 1ª Corrente: defende que a
seu progresso econômico, cultural, científico etc. Atualmente, pretensão de reparação de da-
nos morais é sempre imprescritível,
estão positivados (isto é, descritos textualmente) no Código
em virtude da natureza dos direi-
Civil de 2002 e na Constituição Federal de 1988 os seguintes
tos da personalidade.
direitos da personalidade:
2ª Corrente: defende que a
CÓDIGO CIVIL DE 2002 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 pretensão de reparação de da-
nos morais prescreve no mesmo
Direito à imagem (art. 20) Direito à imagem (art. 5º, V, X e XXVIII) prazo que a pretensão de repara-
Direito à honra (art. 20) Direito à honra (art. 5º, X) ção de danos materiais. Se a re-
lação for civil, o prazo de prescri-
Direito à vida privada (art. 21) Direito à vida privada (art. 5º, X)
ção será de 3 (três) anos, aplican-
Direito ao próprio corpo (arts. 13 do-se à hipótese o art. 206, § 3º,
Direito à vida (art. 5º, caput)
a 15) V, do CC/2002. Se a relação for
Direito ao nome (arts. 16 a 19) Direito à intimidade (art. 5º, X e LX) de consumo, o prazo de prescri-
ção será de 5 (cinco) anos para
Direito à liberdade (art. 5º, caput) o consumidor pleitear a indeniza-
Direito ao sigilo (art. 5º, XII) ção, em atenção ao disposto no
art. 27 do Código de Defesa do
Direito autoral (art. 5º, XXVII)
Consumidor.
Direito à voz (art. 5º, XXVIII)
ATENÇÃo
e) Extrapatrimoniais: é impossível atribuir valor econômico aos
direitos da personalidade, pois não integram o patrimônio da Na reparação de danos cau-
pessoa (ou seja, dizem respeito ao ser, e não ao ter). O fato de a sados em razão de crime de tor-
lesão aos direitos da personalidade ser reparada de forma pe- tura, o Superior Tribunal de Justiça
cuniária (isto é, mediante o pagamento de uma indenização tem decidido que a pretensão
em dinheiro) não afasta sua extrapatrimonialidade. Entende-se indenizatória é imprescritível (REsp
que a condenação monetária é uma forma de diminuir o dano 1.002.009/PE, j. 12-2-2008, DJ 21-2-
causado à vítima e uma forma de evitar repetição do ato pelo 2008, Rel. Min. Humberto Martins).
causador do dano (função educativa da condenação), mas nunca
uma valoração, em dinheiro, do direito em si. Também não des-
virtua a extrapatrimonialidade o fato de o exercício do direito
da personalidade poder ter repercussão econômica (p. ex.: a re-
muneração recebida por um artista que autorizou a exploração
de sua imagem).
f) Imprescritíveis: os direitos da personalidade são considerados
imprescritíveis, pois o não exercício pelo seu titular não acarreta
69
a extinção do direito nem o afastamento da proteção dada pelo
ComENTário
ordenamento jurídico. Desse modo, a qualquer momento po-
Também podemos falar em
de-se exigir que cesse a violação a um direito da personalidade
legítima disponibilidade relativa (medidas preventivas/protetivas).
quando uma pessoa realiza uma g) Intransmissíveis: os direitos da personalidade estão ligados de
tatuagem em seu corpo, uma vez tal forma à personalidade jurídica de cada ser humano que não
que esta prática revela um costu- se admite a sua transmissão. Não podem ser transferidos em
me social. vida (inter vivos), mediante contrato, nem após a morte (causa
Quanto à disponibilidade do mortis), por meio de sucessão. É absolutamente inconcebível
corpo humano, o Enunciado 401
que uma pessoa exerça direito da personalidade de outra (p. ex.:
da V Jornada de Direito Civil do
direito à vida). Afirma-se, portanto, que esses direitos surgem e
CJF/STJ dispõe que “não contraria
desaparecem ope legis (por força da lei) com o seu titular.
os bons costumes a cessão gratui-
ta de direitos de uso de material h) Relativamente disponíveis: embora não se admita a transmis-
biológico para fins de pesquisa são dos direitos da personalidade, nada impede que uma pessoa
científica, desde que a manifesta- disponha de algum aspecto de sua personalidade de forma rela-
ção de vontade tenha sido livre e tiva e temporária. Podemos citar, por exemplo, a possibilidade
esclarecida e puder ser revogada de uma pessoa autorizar a exploração de sua imagem para uma
a qualquer tempo, conforme as
propaganda, de forma gratuita ou onerosa (ou seja, mediante
normas éticas que regem a pes-
pagamento).
quisa científica e o respeito aos
direitos fundamentais”. i) Irrenunciáveis: os titulares dos direitos da personalidade não
podem ser renunciados, pois surgem com o ser humano e o
acompanham ao longo da vida (vitalícios). A cessão de alguns
direitos de forma relativa também não descaracteriza a irre-
nunciabilidade. Pelo contrário, reforça a ideia da titularidade
do direito e prevê que, no exercício dele, poderão acontecer ne-
gócios jurídicos voluntários.
j) Inexpropriáveis: por serem inatos e ligados à pessoa, os direi-
tos da personalidade não podem ser retirados da esfera de seu
titular. Não podem, dessa forma, ser arrematados, adjudicados
ou utilizados com o objetivo de garantir uma obrigação, carac-
terísticas estas reforçadas pelo art. 832 do novo CPC: “não estão
sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis
ou inalienáveis”.
Não há consenso na doutrina quanto à taxonomia (classificação)
dos direitos da personalidade. Autores como Pontes de Miranda, Ale-
xandre De Cupis, Orlando Gomes, Francisco Amaral, Rubens Limongi
França e Carlos Alberto Bittar propõem distintas formas de classifica-
ção, levando em consideração elementos diversos. Contudo, ainda que
a discussão seja intensa, não há importância prática na adoção de uma
ou outra classificação.
Exatamente por isso, o próprio legislador também se furtou de tal
tarefa ao enumerar alguns dos direitos da personalidade no Código Civil
de 2002 e na Constituição Federal de 1988. Sem a pretensão de esgotar
o estudo de todos os direitos da personalidade existentes, observemos
quais as regras presentes em nosso Código Civil.
70
Direito Civil
71
te grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental, não
voCABuLário cause mutilação ou deformação inaceitável (p. ex.: leite, sangue, medula
revogado: tornado sem efeito,
óssea, pele, óvulo, esperma) e corresponda a uma necessidade terapêu-
inválido. tica comprovadamente indispensável à pessoa receptora; e e) revogabi-
lidade: a doação poderá ser revogada pelo doador ou pelos responsáveis
altruístico: dotado de amor ao
legais a qualquer momento antes de sua concretização.
próximo, desprendido, filantró-
pico. Altruísmo é termo que se Quanto à doação após a morte (post mortem), o art. 14 do Código
opõe à ideia de egoísmo. Civil determina que é válida, com objetivo científico, ou altruístico, a dispo-
sição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.
disposição: uso, emprego.
O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.
omisso: aquele que deixa de
A doação post mortem pode ser feita para fins de transplante ou para
manifestar ou de fazer algo.
fins científicos (p. ex.: pesquisa de doença, estudo de anatomia etc.), ob-
revogabilidade: possibilidade de servados os seguintes requisitos: a) gratuidade: os titulares não podem
ser desfeito, de ser invalidado. ser remunerados; b) beneficiário: pode ser indicado para fins científicos
presumido: admitido como cer- (p. ex.: deixar o corpo para a faculdade de medicina da Santa Casa de
to ou verdadeiro, algo que se São Paulo), mas não pode ser indicado para fins de transplante, deven-
supõe ou se admite sobre de- do ser respeitada uma lista de espera para esse fim; c) revogabilidade: a
terminado objeto, pessoa ou disposição manifestada mediante testamento ou escritura pública pode
situação. Deriva da palavra ser revogada a qualquer momento (sine die) pelo doador.
“presunção”.
Em sua redação original, o art. 4º da Lei n. 9.434/97 estabelecia pre-
sunção relativa de que toda pessoa era doadora de órgãos (princípio do
consenso presumido – presumed consent ou opting out). Se esta não
CiNEmATECA fosse a vontade da pessoa, bastava inscrever na Carteira de Identidade
ou na Carteira de Habilitação que não era doadora de órgãos e tecidos.
Não me abandone
jamais. (Direção Infelizmente, a inovação legislativa não agradou a todos, e o dis-
de Mark Romanek, positivo foi alterado pela Lei n. 10.211/2001 para determinar que “a
2011) Uma revela- retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para
ção surpreendente transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização
sobre doação de do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória,
órgãos muda as vi- reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento
das de três jovens que cresceram subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte” (prin-
juntos num internato. cípio do consenso afirmativo – affirmative consent ou opting in).
Outros filmes com a mesma O maior problema da alteração legislativa é que o dispositivo não
temática: confere ao falecido o direito de disposição do corpo, mas, sim, aos seus
feitiço do coração, um ato parentes. Esse problema foi resolvido com a entrada em vigor do Código
de coragem, Sete vidas, Coisas Civil de 2002, que confere à pessoa o direito de dispor sobre seu pró-
belas e sujas, Tudo sobre minha
prio corpo para após a morte, somente devendo ser respeitada a vontade
mãe, uma prova de amor, 21
de parentes se o falecido foi omisso (vide Enunciado 277/CJF abaixo).
gramas.
Contudo, observa-se que, na prática, médicos e hospitais têm, equivo-
cadamente, exigido a manifestação de vontade dos parentes do falecido.
Enunciado 277 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Jus-
tiça Federal: “O art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da dispo-
sição gratuita do próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico,
para depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doa-
dor de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares, portan-
to, a aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/97 ficou restrita à hipótese de
silêncio do potencial doador”.
72
Direito Civil
73
3.3.2.1. Elementos do nome
CiNEmATECA
a) Prenome: é popularmente conhecido como “primeiro nome”,
o casamento de e pode ser simples (João, Flávio, Fernando etc.) ou composto
muriel. (Direção (Maria Clara, João Pedro, Ana Carolina etc.). É escolhido livre-
de P. J. Hogan, mente pelos pais, desde que não exponha o filho ao ridículo,
1994) Retrata uma devendo, nessa hipótese, o oficial do Registro Civil se recusar a
adolescente que, registrá-lo e encaminhar a questão ao juiz.
ao fugir da casa b) Sobrenome: também conhecido como nome, patronímico ou
de seus pais após apelido de família, é o sinal que indica a procedência da pes-
praticar um ilícito, soa, sua família e filiação. A Lei n. 11.924/2009 (Lei Clodovil)
muda seu nome para não poder alterou o § 8º da Lei de Registros Públicos, permitindo que o
ser localizada e também para vi- enteado ou a enteada acrescente o nome de família do padrasto
ver uma nova experiência. Expõe, ou da madrasta, mediante requerimento judicial.
assim, os aspectos jurídicos e psi-
c) Agnome: é o sinal que distingue membros da família que utili-
cológicos da alteração do nome.
zam o mesmo nome e sobrenome (p. ex.: Filho, Neto, Sobrinho,
Júnior etc.).
d) Partícula: é utilizada entre o prenome e o sobrenome ou entre
os sobrenomes (p. ex.: de, da, dos etc.).
e) Alcunha: também conhecida como cognome ou epíteto, é a
designação atribuída a uma pessoa em razão de alguma par-
ticularidade ou características, tais como habilidade, profissão,
aparência, local de nascimento (p. ex.: Aleijadinho, Tiradentes
etc.). Apenas por sentença judicial pode a alcunha passar a fazer
ATENÇÃo parte do nome da pessoa.
74
Direito Civil
JuriSPruDÊNCiA
CIVIL. REGISTRO PÚBLICO. NOME CIVIL. PRENOME. RETIFICAÇÃO. POSSIBILIDADE. MOTIVAÇÃO SUFI-
CIENTE. PERMISSÃO LEGAL. LEI 6.015/1973, ART. 57. HERMENÊUTICA. EVOLUÇÃO DA DOUTRINA E DA JU-
RISPRUDÊNCIA. RECURSO PROVIDO. I - O NOME PODE SER MODIFICADO DESDE QUE MOTIVADAMENTE
JUSTIFICADO. NO CASO, ALÉM DO ABANDONO PELO PAI, O AUTOR SEMPRE FOI CONHECIDO POR OU-
TRO PATRONÍMICO. II - A JURISPRUDÊNCIA, COMO REGISTROU BENEDITO SILVERIO RIBEIRO, AO BUSCAR
A CORRETA INTELIGÊNCIA DA LEI, AFINADA COM A “LÓGICA DO RAZOÁVEL”, TEM SIDO SENSÍVEL AO EN-
TENDIMENTO DE QUE O QUE SE PRETENDE COM O NOME CIVIL É A REAL INDIVIDUALIZAÇÃO DA PESSOA
PERANTE A FAMÍLIA E A SOCIEDADE (STJ, Quarta Turma, Recurso Especial 1995/0025391-7, julgado em
21/10/1997, publicado no DJ em 9/12/1997, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. CASAMENTO. NOME CIVIL. SUPRESSÃO DO PATRONÍMI-
CO MATERNO. POSSIBILIDADE. JUSTO MOTIVO. DIREITO DA PERSONALIDADE. INTEGRIDADE PSICOLÓGI-
CA. LAÇOS FAMILIARES ROMPIDOS. AUTONOMIA DE VONTADE. 1. Excepcionalmente, desde que pre-
servados os interesses de terceiro e demonstrado justo motivo, é possível a supressão do patronímico
materno por ocasião do casamento. 2. A supressão devidamente justificada de um patronímico em
virtude do casamento realiza importante direito da personalidade, desde que não prejudique a plena
ancestralidade nem a sociedade. 3. Preservação da autonomia de vontade e da integridade psico-
lógica perante a unidade familiar no caso concreto. 4. Recurso especial não provido (STJ, RECURSO
ESPECIAL, Terceira Turma, n. 2014/0022694-1, julgado em 26/5/2015, publicado no DOJe em 2/6/2015,
Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva).
75
características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), pri-
ComENTário vilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações”.
E, sobre o tema, a Súmula 403 do Superior Tribunal de Justiça deter-
Exigência prévia de autoriza-
ção para biografi as
mina que independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação
não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.
Por unanimidade, o Plenário
do Supremo Tribunal Federal jul-
gou, em 10/6/2015, procedente 3.3.4. Direito à privacidade e direito à intimidade
a Ação Direta de Inconstitucio-
De acordo com o art. 21 do Código Civil, a vida privada da pessoa
nalidade (ADI) 4815. Seguindo o
natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as
voto da relatora, ministra Cármen
providências necessárias para impedir ou interromper ato que desres-
Lúcia, a decisão dá interpretação
peite essa norma.
conforme a Constituição da Re-
pública aos artigos 20 e 21 do Có- Enquanto alguns autores defendem que os termos privacidade e in-
digo Civil, em consonância com timidade são equivalentes, outros, como Maria Helena Diniz, apontam
os direitos fundamentais à liber- diferenças. Enquanto a privacidade protege os aspectos externos da vida
dade de expressão da atividade humana, como seus hábitos, e-mails, telefones e cartas, a intimidade
intelectual, artística, científica e refere-se aos aspectos internos da existência humana, como o segredo, o
de comunicação, independente- relacionamento amoroso, as situações de pudor, o sofrimento em razão
mente de censura ou licença de de enfermidade ou a perda de uma pessoa próxima.
pessoa biografada, relativamente Privacidade e intimidade são bens jurídicos tutelados não só pelo
a obras biográficas literárias ou Direito Civil, mas pela própria Constituição Federal, em diversos incisos
audiovisuais (ou de seus familiares,
do art. 5º (V, X, XI, XII e LX). Protege, assim, a vida privada de viola-
em caso de pessoas falecidas). O
ções à casa, à correspondência, ao estilo de vida e aos demais aspectos
tema havia sido objeto de audi-
próprios de cada pessoa em sua individualidade. Essa tutela também é
ência pública convocada pela
sentida no Direito Penal, que pune o desrespeito a esses direitos, consi-
relatora em novembro de 2013,
derando crimes a violação de correspondência, a violação de domicílio
com a participação de 17 ex-
e a interceptação telefônica, entre outras práticas.
positores. Decisão disponível em
http://www.stf.jus.br/portal/pro- Ao tutelar a privacidade e a intimidade, o art. 20 do Código Civil
cesso/verProcessoAndamento.as- também protege a honra das pessoas. De acordo com a doutrina, a hon-
p?numero=4815&classe=ADI&o- ra pode ser dividida em duas espécies, ambas protegidas pelo direito.
rigem=AP&recurso=0&tipoJulga- Honra subjetiva é o sentimento que a pessoa tem de si mesma, senti-
mento=M. Acesso em 7-jul-2015. mentos internos de autoestima e dignidade. Por sua vez, honra objetiva
é a forma como a pessoa é vista pelas outras pessoas, o seu conceito
perante a sociedade, sua reputação.
CiNEmATECA Evidente que as ofensas dirigidas a um ser humano podem acar-
retar a violação tanto da honra subjetiva quanto da objetiva, ensejando
o voo. (Direção de o direito à reparação dos danos. Se as ofensas forem dirigidas a pessoas
Robert Zemeckis, jurídicas, com ou sem intuito lucrativo, haverá apenas violação à honra
2013) A trama con- objetiva, visto que elas não possuem honra subjetiva.
fronta a questão
da honra subjetiva
e da honra objeti- ProTEÇÃo DoS DirEiToS DA
va quando um pi- 3.4 PErSoNALiDADE
loto comercial, vivido por Denzel
Washington, com problemas liga-
dos a bebida e drogas, salva vi-
Além de regular alguns direitos da personalidade, o Código Civil
das após controlar uma pane na
também se preocupou em garantir que eles sejam respeitados, estabele-
aeronave por ele conduzida.
cendo um tratamento especial. Em caso de ameaça, o titular do direito
76
Direito Civil
77
grafo único, do Código Civil podem ser invocadas por qualquer uma
das pessoas ali mencionadas de forma concorrente e autônoma”. Esse
enunciado tem por objetivo afastar a tese de que haveria uma ordem de
vocação hereditária, semelhante àquela existente no Código Civil para
estabelecer quem são os herdeiros, para pleitear indenização por dano
moral. Afinal, o sofrimento pela ofensa dirigida ao ente querido não tem
qualquer relação com eventual direito hereditário.
Especificamente quanto ao direito de imagem, o art. 20, parágra-
fo único, do Código Civil dispõe que, “em se tratando de morto ou de
ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os
ascendentes ou os descendentes”. De acordo com o Enunciado 275 do
Conselho da Justiça Federal, “o rol dos legitimados de que tratam os
arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do Código Civil também
compreende o companheiro”.
78
4 A Pessoa Jurídica
voCABuLário 4.1 CoNCEiTo
fi cção: no sentido empregado
nesse texto, fantasia, algo cria- Denominam-se pessoas jurídicas os entes formados pela coletivi-
do artificialmente dade de bens ou de pessoas a quem a lei atribui personalidade jurídica,
com o objetivo de que seja atingida uma determinada finalidade au-
torizada ou não proibida por Lei (ou seja, lícita). Em outras palavras,
para que a coletividade possa agir como uma unidade, o ordenamento
AuTor jurídico confere uma personalidade própria, que não deve ser confun-
dida com a personalidade de cada um de seus integrantes (conforme a
León Duguit
expressão latina universitas distat a singulis).
(1859-1928) foi
um doutrinador
Quando o agrupamento é de pessoas, afirma-se que a pessoa jurídi-
francês que tra-
ca é intersubjetiva, podendo assumir a forma de uma associação ou de
tou do direito uma sociedade. Quando é resultado do agrupamento de bens, a pessoa
público e das jurídica é patrimonial, sendo denominada fundação. Excepcionalmen-
limitações ao poder do Estado. te, o ordenamento jurídico também confere personalidade a entidades
marcel fer-
sem coletividade, podendo ser citada como exemplo a Eireli (Empresa
dinand Planiol
Individual de Responsabilidade Limitada).
(1861-1959) foi o
jurista que deu
ao Direito Civil 4.2 NATurEZA JurÍDiCA
francês um olhar
diferenciado na
É pacífico o entendimento na atualidade de que as pessoas jurídicas
chamada Belle Époque.
devem ser classificadas como sujeitos de direito, justamente por serem
rudolf von
entes dotados de capacidade e personalidade jurídica própria. Entretan-
Jhering (1818-
to, por muito tempo não houve consenso com relação à natureza jurídi-
1892), autor ale-
ca das pessoas jurídicas. No passado, não foram poucos os autores que
mão, teve gran-
negaram a qualidade de sujeito de direito à pessoa jurídica (Duguit, Pla-
de influência
niol, Berthélemy, Ihering, Wieland, Bolze etc.). Consideravam a pessoa
para a ciência
jurídica uma forma especial de patrimônio (mera forma de condomínio
jurídica ociden-
ou propriedade coletiva), em que as decisões eram tomadas pelos seus
tal. Seu livro “A
Luta pelo Direito” é obra clássica
proprietários de forma coletiva.
que introduz a concepção finalis- Paulatinamente, as teorias negativistas da pessoa jurídica foram
ta do Direito. sendo rebatidas e hoje a posição majoritária é no sentido de que as pesso-
as jurídicas têm personalidade jurídica própria. Contudo, os autores di-
vergem sobre a tese que fundamentara a personalidade. Dentre as diver-
sas teorias afirmativistas da pessoa jurídica, destacam-se as seguintes:
a) Teoria da equiparação: baseia-se na ideia de que a pessoa jurí-
dica é um patrimônio que recebe do ordenamento jurídico, por
equiparação, o mesmo tratamento dispensado às pessoas natu-
rais (seres humanos). Por tratar bens como sujeitos de direitos,
essa teoria é muito criticada pela doutrina, havendo até mesmo
quem entenda que pertença ao grupo das teorias negativistas
da pessoa jurídica. Dentre os defensores dessa teoria, destacam-
-se Windscheid e Brinz.
b) Teoria da ficção legal: para essa teoria, a pessoa jurídica é uma
mera abstração legal, isto é, uma criação artificial do legislador.
A crítica recai sobre o fato de que esta teoria reconhece apenas a
80
Direito Civil
81
1º Requisito: vontade humana criadora
A vontade humana criadora é sempre um requisito essencial para a
constituição da pessoa jurídica formada, não importando se é compos-
ta pela coletividade de pessoas ou de bens. Nas pessoas jurídicas inter-
subjetivas, há uma conversão de vontades de todos os participantes do
grupo para que os fins comuns sejam alcançados. Nas pessoas jurídicas
patrimoniais, o fundador manifesta a sua vontade para que a coletivi-
dade de bens adquira personalidade jurídica (vontade heterônoma). A
vontade humana criadora deve ser manifestada de forma livre e cons-
ciente por pessoa capaz ou devidamente representada.
2º Requisito: coletividade de pessoas ou bens
A coletividade de pessoas (nas sociedades e nas associações) ou a
coletividade de bens (nas fundações) é a base estrutural da pessoa jurí-
dica. Excepcionalmente, o ordenamento jurídico confere personalidade
jurídica a entes despidos de coletividade, como ocorre com a Eireli (Em-
presa Individual de Responsabilidade Limitada).
3º Requisito: finalidade lícita (liceidade)
CiNEmATECA Uma pessoa jurídica sempre será constituída com o fim de alcançar
uma finalidade específica, seja lucrativa (p. ex.: sociedade) ou não (p.
A firma. (Direção
ex.: associação filantrópica, educativa, recreativa, política, religiosa etc.).
de Sydney Polla-
Qualquer que seja esse objetivo, certo é que não poderá estar desconfor-
ck, 1993) Retrata
me o ordenamento jurídico, devendo respeitar a lei, a moral, a ordem
uma sociedade
de advogados
pública e os bons costumes.
cuja finalidade Caso tenha sido constituída com finalidade lícita e durante sua
é a lavagem de existência se desvirtuado, o Ministério Público poderá requerer sua dis-
dinheiro de uma solução. Cite-se como exemplo, aqui, o episódio envolvendo algumas
organização criminosa, demons- torcidas organizadas de clubes de futebol do Estado de São Paulo.
trando a falta de liceidade da
pessoa jurídica.
4.4 PErSoNALiDADE JurÍDiCA
82
Direito Civil
83
das pessoas jurídicas, devemos verificar cada um dos sistemas que tra-
tam da existência das pessoas jurídicas:
Sistema da livre formação: foi o sistema adotado no Brasil até
setembro de 1983, contudo era atacado por diversas críticas. Defende
que a existência da pessoa jurídica tem início a partir da simples ma-
nifestação de vontade dos membros que a compõem, bastando, assim,
a elaboração do ato constitutivo. Ao dispensar o registro do ato, não
oferece qualquer segurança para as pessoas que contratam com a pessoa
jurídica.
Sistema do reconhecimento: defende que a pessoa jurídica somen-
te existe a partir do momento em que o Estado a reconhece, mediante
um decreto de reconhecimento. Esse sistema, que tem suas origens no
direito romano, ainda é adotado na Itália, França e Portugal.
Sistema das disposições normativas: sistema atualmente adotado
no Brasil, representa uma posição intermediária entre os dois anteriores,
ao estabelecer que a existência da pessoa jurídica não depende do reco-
nhecimento ou da autorização estatal, mas do cumprimento de certos
requisitos legais (p. ex.: o registro). Em situações excepcionais, exige-se
no nosso país prévia autorização do Estado para criação da pessoa jurí-
dica (p. ex.: instituições financeiras).
84
Direito Civil
85
Seguradoras: o ato constitutivo das seguradoras deve ser registra-
do na Junta Comercial do Estado em que se constituírem. Esse registro
somente é possível após prévia autorização da Superintendência de Se-
guros Privados – SUSEP, consoante Resolução 166/2007 do Conselho
Nacional de Segurados Privados – CNSP.
Operadoras de plano de saúde: a constituição de uma operadora
de plano privado de assistência à saúde depende de registro na Junta
Comercial, na Agência Nacional de Saúde – ANS, bem como de registro
nos Conselhos Regionais de Medicina e Odontologia, conforme o caso,
em cumprimento ao disposto no art. 1º da Lei n. 6.839, de 30 de outubro
de 1980, e conforme o disposto no art. 8º da Lei n. 9.656/98.
Instituições financeiras: a existência legal das instituições finan-
ceiras também depende do registro de seus atos constitutivos na Junta
Comercial. Para que o registro seja promovido, exige-se prévia autoriza-
ção do Banco Central, consoante determinação da Lei n. 4.595/64, que
instituiu o Conselho Monetário Nacional.
b) Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas (CRCPJ):
para que possam ser consideradas regularmente constituídas, as asso-
ciações e fundações deverão ter seus estatutos devidamente registra-
dos no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas (“Livro A”) do
município onde se estabelecerem. No mesmo local também deverão
ser levados a registro os contratos sociais das sociedades simples (con-
forme art. 114 da Lei de Registros Públicos – Lei n. 6.015/77). Além das
associações, fundações e sociedades simples, devem ser destacadas as
seguintes entidades:
Sociedades de profissionais liberais: devem ser registradas no Car-
tório de Registro Civil das Pessoas jurídicas por desenvolverem atividade
intelectual. De acordo com o art. 966 do Código Civil de 2002, “não
se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de nature-
za científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares
ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento
de empresa”. Como exemplo, podemos citar as sociedades de médicos,
dentistas, engenheiros, contadores etc. Além do registro no CRCPJ, es-
sas sociedades também devem ser registradas na respectiva entidade de
classe (CRM, CRO, CREA, CRC etc.).
Partidos políticos: devem ter seus estatutos registrados no Cartó-
rio de Registro Civil das Pessoas Jurídicas do Distrito Federal e, poste-
riormente, no Tribunal Superior Eleitoral (Constituição Federal, art. 17,
§ 2º; Lei n. 9.096/95, arts. 7º e 8º e Lei de Registros Públicos, art. 114, III).
Sindicatos: o registro do sindicato deve ser feito no Cartório de
Registro Civil das Pessoas Jurídicas no “Livro A” (Constituição Federal,
art. 8º, I e Lei de Registros Públicos, art. 114, I). Nos termos do art. 518
e seguintes da CLT, o sindicato também deverá ser cadastrado no Minis-
tério do Trabalho. De acordo com a jurisprudência do STJ o sindicato
adquire sua personalidade jurídica a partir do registro no CRCPJ, sendo
desnecessário o registro junto ao Ministério do Trabalho. Contudo, para
86
Direito Civil
ATENÇÃo
87
que possam receber o Certificado de Fins Filantrópicos, devem ser ins-
voCABuLário critas no Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, que é o ór-
decurso: esgotamento ou tér- gão responsável pela regulamentação da política nacional de assistência
mino (de um prazo). social. A inscrição das entidades no CNAS somente é possível após a
inscrição no Conselho Municipal da localidade em que exercem suas
atividades (art. 9º, § 3º, da Lei n. 8.742/93 – Lei Orgânica da Assistência
Social). Caso o município ainda não tenha instituído o Conselho Muni-
cipal de Assistência Social, a entidade deverá inscrever-se no Conselho
Estadual do estado em que estiver localizada sua sede.
Empresas de comunicação: de acordo com o disposto nos arts. 116,
II, e 122 e seguintes da Lei de Registros Públicos, o registro de jornais, ofi-
cinas impressoras, empresas de radiodifusão e agências de notícias deverá
ser feito no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas (no “Livro
B”). De acordo com o art. 125 da Lei de Registros Públicos, considera-
-se clandestino o jornal, ou outra publicação periódica, não matriculado
(registrado) nos termos do art. 122 ou de cuja matrícula não constem os
nomes e as qualificações do diretor ou redator e do proprietário.
c) Outros locais: algumas pessoas jurídicas são registradas em ou-
tros locais, como, por exemplo, as sociedades de advogados, que devem
ser registradas exclusivamente na Ordem dos Advogados do Brasil, no
Conselho Seccional em cuja base territorial tiverem sede, conforme dis-
põe o art. 15, § 1º, do Estatuto da OAB.
88
Direito Civil
(Código Civil, art. 47). De acordo com o Enunciado 145 da III Jornada
de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, “o art. 47 não afasta a
ATENÇÃo
aplicação da teoria da aparência”, nos casos de responsabilização do só-
Logo após a entrada em vi-
cio por atos praticados em nome da pessoa jurídica. gor do Código Civil de 2002, sur-
Se a administração da pessoa jurídica for coletiva, as decisões serão giu divergência sobre qual seria
tomadas pela maioria dos votos dos presentes, salvo se o ato constitutivo o prazo de prescrição aplicável
dispuser de modo diverso. Podem ser anuladas no prazo decadencial de à pretensão indenizatória exerci-
3 (três) anos as decisões tomadas pela maioria em caso de violação do da em face do Estado: o prazo
estatuto ou lei, erro, dolo, simulação ou fraude. Se a administração da de 3 anos, previsto no art. 206, §
3º, V, do Código Civil de 2002 ou
pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a requerimento de qualquer interessa-
o prazo de 5 anos, previsto no art.
do, nomear-lhe-á administrador provisório (ad hoc).
1º do Decreto n. 20.910/32. Na ju-
risprudência do Superior Tribunal
de Justiça, prevaleceu o enten-
rESPoNSABiLiDADE DA PESSoA dimento de que deve ser aplica-
4.6 JurÍDiCA do o prazo previsto no referido
decreto.
89
risco – art. 927, parágrafo único). Também será objetiva pelos danos
ATENÇÃo causados pelos produtos postos em circulação (art. 931), bem como pe-
los acidentes de consumo na prestação de serviços e fornecimento de
Sociedades de economia
mista e empresas públicas são
produtos no mercado de consumo (Código de Defesa do Consumidor,
consideradas pessoas jurídicas de arts. 12 a 17).
direito privado, em que pese inte-
grarem a administração indireta,
conforme art. 4º do Decreto-lei n. DAS DivErSAS CLASSifiCAÇÕES DAS
200/67. 4.7 PESSoAS JurÍDiCAS
90
Direito Civil
91
Como não há dispositivos do Código Civil regulando os partidos
voCABuLário políticos e as entidades religiosas, não iremos aprofundar aqui o estudo
cláusulas de incomunicabilida- dessas pessoas jurídicas.
de e inalienabilidade: regras,
em geral previstas em um con-
trato, que determinam que um 4.8 SoCiEDADES
bem não pode ser objeto de
comunhão ou compartilha-
São pessoas jurídicas de direito privado formadas pela união de pes-
mento (incomunicável) nem
pode ser alienado, isto é, ter
soas (universitas personarum), que se organizam para desenvolver uma
sua propriedade transferida a atividade econômica com intuito lucrativo. Antigamente as sociedades
outra pessoal (inalienável). eram reguladas pelo Código Comercial de 1850. Com a introdução do
Código Civil de 2002 as obrigações civis e comerciais foram unificadas
em um mesmo diploma e a matéria passou a ser tratada em seus arts.
981 e seguintes.
No Código Comercial de 1850 as sociedades eram classificadas em
civis e comerciais. Essas expressões foram substituídas por sociedades
simples e empresárias. Embora não exista perfeita correspondência, po-
demos dizer que, em geral, as sociedades simples correspondem às civis,
e as sociedades empresárias correspondem às comerciais.
As sociedades simples são aquelas sem fins comerciais que visam
ao lucro mediante prestação de serviços relativos a determinada pro-
fissão ou serviços técnicos. Como exemplos podemos citar uma socie-
dade em escritório de advocacia, uma cooperativa, uma empresa de
consultoria etc.
As sociedades empresárias são aquelas com fins comerciais. Visam
ao lucro mediante o exercício de atividade econômica organizada para
a produção ou circulação de bens ou serviços. Para ser empresária, exi-
gem-se o requisito material (atividade empresarial) e o requisito formal
(registro na Junta Comercial), conforme previsão dos arts. 982 e 967 do
Código Civil. Independentemente de seu objeto, considera-se empresá-
ria a sociedade por ações; e simples a cooperativa.
Conforme determinação dos arts. 1.039 a 1.092 do Código Civil
de 2002, as sociedades empresárias podem assumir diversas formas:
sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, socie-
dade em comandita por ações, sociedade limitada, sociedade anônima
ou por ações.
Sociedade entre cônjuges: os cônjuges podem contratar sociedade,
entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da
comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória. Indepen-
dentemente do regime de bens, o empresário casado pode, sem necessi-
dade de outorga conjugal, alienar os imóveis que integrem o patrimônio
da empresa ou gravá-los de ônus real (Código Civil, arts. 977 e 978).
Serão arquivados e averbados no Registro Civil e no Registro Pú-
blico de Empresas Mercantis os pactos e declarações antenupciais do
empresário, o título de doação, herança, ou legado, de bens clausulados
de incomunicabilidade ou inalienabilidade.
92
Direito Civil
93
4.10.1. Constituição de uma associação
voCABuLário
Em capítulo anterior vimos que a associação somente adquire per-
órgãos deliberativos: grupos sonalidade jurídica por meio do registro do seu ato constitutivo (estatu-
ou conselhos que examinam e to) no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. A criação de uma
discutem questões dentro de
associação não depende de prévia autorização do Poder Executivo por
uma determinada instituição,
ser um direito fundamental da pessoa humana (princípio da liberdade
tomando decisões que passam
de associação – Constituição Federal, art. 5º, XVII).
a ser obrigatórias sobre os as-
suntos tratados. O estatuto de uma associação deve ser feito por escrito (mediante
instrumento público ou particular) e, de acordo com o art. 54 do Có-
digo Civil, deverá indicar, sob pena de nulidade: I – a denominação, os
fins e a sede da associação; II – os requisitos para a admissão, demissão
e exclusão dos associados; III – os direitos e deveres dos associados; IV –
as fontes de recursos para sua manutenção; V – o modo de constituição
e de funcionamento dos órgãos deliberativos; VI – as condições para a
alteração das disposições estatutárias e para a dissolução; e VII – a forma
de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.
4.10.2.1. Associados
Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá ins-
tituir categorias com vantagens especiais (Código Civil, art. 55), seja
em razão de serviços prestados, tempo de associação, mérito, ou qual-
quer outro fundamento que não constitua forma de preconceito em ra-
zão de raça, sexo, orientação sexual etc. É em virtude dessa possibilidade
de distinção de categorias entre os associados que surgem expressões
como: sócio-fundador, sócio-remido, sócio-proprietário, sócio-bene-
mérito etc. O estatuto não poderá estabelecer direitos e obrigações
recíprocos entre os associados (art. 53, parágrafo único), mas poderá
estabelecer outras obrigações, como o pagamento de uma quantia para
ingresso na associação, o pagamento de contribuições periódicas ou o
cumprimento de determinadas atividades.
Do princípio da liberdade de associação extrai-se que “ninguém
poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”
(Constituição Federal, art. 5º, XX). Isso não significa, contudo, que o
associado não possa ser excluído da associação. De acordo com o art. 57
do Código Civil, a exclusão do associado só é admissível havendo justa
causa, assim reconhecida em procedimento que assegure a este direito
de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto.
94
Direito Civil
95
referidas no parágrafo único do art. 56, serão destinados à entidade de
fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por delibe-
ração dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins
idênticos ou semelhantes.
Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos
associados, podem estes, antes da destinação do remanescente referi-
da nesse artigo, receber em restituição, atualizado o respectivo valor, as
contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação (Códi-
go Civil, art. 61, § 1º).
Essas quotas ou frações ideais a que se refere o caput do art. 61
dizem respeito ao valor eventualmente pago para aquisição do título,
como é comum em clubes esportivos, e correspondem a uma fração do
patrimônio da associação. Nada mais justo do que recuperar o capital
eventualmente investido na aquisição das cotas e nas contribuições pres-
tadas. Mas deve ser destacado que os associados não podem retirar ou-
tros valores, como, por exemplo, aqueles obtidos por doações de outras
pessoas ou arrecadados em campanhas.
Não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no
Território, em que a associação tiver sede, instituição nas condições in-
dicadas nesse artigo, o que remanescer do seu patrimônio se devolverá à
Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União.
4.11 fuNDAÇÕES
96
Direito Civil
97
semelhante, salvo se o instituidor dispuser de forma diversa. Constituída
voCABuLário a fundação por negócio jurídico entre vivos, o instituidor é obrigado a
mandado judicial: ordem judi- transferir-lhe a propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dota-
cial expedida por meio de um dos, e, se não o fizer, serão registrados, em nome dela, por mandado
despacho em processo, para judicial (Código Civil, art. 64).
que alguém faça, entregue ou A norma supracitada estabelece que nas instituições inter vivos o
deixe de fazer algo. instituidor não poderá revogar a sua doação, pois os bens serão adjudi-
compulsoriedade: obrigatorie- cados compulsoriamente à fundação que está sendo instituída. Se ins-
dade. tituída mortis causa (por testamento), a manifestação de vontade pode-
denegação: recusa, negação, rá ser revogada. Não haverá a compulsoriedade do registro, pois nada
indeferimento. impede que o testamento (cerrado, público ou particular) venha a ser
revogado por qualquer motivo, ocasionando assim a revogabilidade dos
homologação judicial: valida-
ção judicial, aprovação por bens doados para a constituição da fundação.
um juiz que torna válido ou ofi- 2ª ETAPA – Elaboração do estatuto: a celebração do estatuto
cial determinado ato ou docu- pode ser direta ou própria, quando feita pelo próprio instituidor, ou
mento. fiduciária, quando o instituidor destina terceira pessoa de confiança,
para que esta realize a elaboração do estatuto. Nos termos do art. 65,
caput, do Código Civil, “aqueles a quem o instituidor cometer a apli-
cação do patrimônio, em tendo ciência do encargo, formularão logo,
de acordo com as suas bases (art. 62), o estatuto da fundação projetada,
submetendo-o, em seguida, à aprovação da autoridade competente, com
recurso ao juiz”.
Caso o estatuto não venha a ser elaborado no prazo estabelecido,
ou quando o instituidor não designar pessoa de sua confiança para rea-
lizá-lo, transcorrido 180 (cento e oitenta) dias competirá ao Ministério
Público realizar a sua elaboração.
3ª ETAPA – Aprovação do estatuto: para que o estatuto da funda-
ção possa ser registrado, é necessário que seja devidamente aprovado
pelo Ministério Público estadual (ou distrital) da localidade em que será
registrado. O Ministério Público, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá
adotar uma das seguintes medidas: a) aprovar o estatuto, dando a devi-
da autorização para seu registro; b) indicar as modificações que com-
preender necessárias; ou c) denegar a aprovação.
Se o interessado na instituição da fundação entender como inca-
bíveis as modificações propostas ou a denegação da aprovação, poderá
solicitar o suprimento do magistrado. Devemos destacar que o juiz tam-
bém tem poder para requerer as alterações ou para diretamente alterar
as cláusulas do estatuto, requerendo modificações. Da decisão de proce-
dência ou improcedência caberá recurso de apelação. Quando o estatuto
é elaborado pelo Ministério Público também deverá ser submetido à
homologação judicial.
4ª ETAPA – Registro: o registro da fundação deverá ser realizado
no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. É considerado como
ato essencial, pois somente com o registro é que a fundação adquirirá a
personalidade, passando a ter existência legal (arts. 114 a 121 da Lei de
Registros Públicos).
98
Direito Civil
4.11.3. fiscalização
Como já mencionado anteriormente, compete ao Ministério Pú-
blico a fiscalização das fundações. Velará pelas fundações o Ministério
Público do Estado onde situadas. Se estenderem a atividade por mais de
um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério
Público.
De acordo com o art. 66, § 1º, do Código Civil, se as fundações
funcionarem no Distrito Federal, ou em Território, caberá o encargo
ao Ministério Público Federal. Esse dispositivo foi declarado inconsti-
tucional pelo Supremo Tribunal Federal (ADIn 2.794-8), pois a com-
petência é do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, con-
forme prescreve a Constituição Federal.
Se a fundação for de natureza previdenciária, sua fiscalização não
compete ao Ministério Público.
Em se tratando de fundação pública (aquela constituída pelo Esta-
do com personalidade jurídica de direito público), deverá ser fiscalizada
pelo Tribunal de Contas, conforme dispõe o art. 71, II, da Constituição
Federal. Mas tal fiscalização não afasta a competência do Ministério Pú-
blico para investigar eventuais ilícitos. Se a fundação pública for instituí-
da pela União, a competência será do Ministério Público Federal e, se for
instituída por Estado, Município ou pelo Distrito Federal, a competên-
cia será do respectivo Ministério Público Estadual ou pelo Ministério
Público do Distrito Federal, na última hipótese.
99
Durante a III Jornada de Direito Civil do CJF foi aprovado o Enun-
ciado 147 dispondo que “a expressão ‘por mais de um Estado’, contida
no § 2º do art. 66, não exclui o Distrito Federal e os Territórios. A atri-
buição de velar pelas fundações, prevista no art. 66 e seus parágrafos,
ao Ministério Público local – isto é, dos Estados ou do Distrito Federal,
onde situadas – não exclui a necessidade de fiscalização de tais pessoas
jurídicas pelo Ministério Público Federal, quando se tratar de fundações
instituídas ou mantidas pela União, autarquia ou empresa pública fede-
ral, ou que destas recebam verbas, nos termos da Constituição, da Lei
Complementar n. 75/93 e da Lei de Improbidade”.
4.12 NACioNALiDADE
100
Direito Civil
101
retorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu
estatuto ou atos constitutivos (domicílio de eleição). De acordo com a
Súmula 363/STF, “a pessoa jurídica de direito privado pode ser demanda-
da no domicílio da agência ou estabelecimento em que se praticou o ato”.
Se a pessoa jurídica tiver diversos estabelecimentos em lugares dife-
rentes (p. ex.: filiais), cada um deles será considerado domicílio para os
atos nele praticados, facilitando a vida das pessoas que litigarem com
as pessoas jurídicas. Como essa pluralidade de domicílio é estabelecida
em favor da pessoa que precisar litigar contra a pessoa jurídica, admite-se
que o demandante opte pelo domicílio da sede.
Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-
-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações con-
traídas por suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a
que ela corresponder (Código Civil, art. 75, § 2º). O objetivo da norma
é a proteção das pessoas que litigarem contra as pessoas jurídicas de
direito privado estrangeiras, que não precisarão ingressar com ações
em outros países.
DESCoNSiDErAÇÃo DA
4.14 PErSoNALiDADE JurÍDiCA
102
Direito Civil
JuriSPruDÊNCiA
103
Nos termos do art. 50 do Código Civil, “em caso de abuso da per-
sonalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou
do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os
efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos
aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
Além da tradicional desconsideração da personalidade jurídica, a
doutrina e a jurisprudência apontam a possibilidade da desconsidera-
ção inversa da personalidade jurídica, consistente na responsabilização
da pessoa jurídica pelas dívidas pessoais de seus sócios ou administra-
dores. Nesse sentido, o Enunciado 283 do CJF aponta que “é cabível a
desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para
alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou
desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”.
104
Direito Civil
105
106
5 os Bens
AuTor 5.1 CoNCEiTo
Silvio ro-
drigues (1917- Bens são todos os objetos materiais e imateriais existentes na na-
2004), advogado tureza, que proporcionam uma utilidade às pessoas. O estudo dos bens
e professor pau- é importante, pois são considerados objetos de direitos nas relações
lista, cuja obra jurídicas, cujos titulares são as pessoas (sujeitos de direitos). A matéria
completa sobre tem implicações no Direito Civil, Penal, Administrativo, Tributário e em
Direito Civil con- vários outros ramos do ordenamento jurídico.
sistiu num marco
Embora toda relação jurídica subjetiva exija um objeto, nem sem-
para o ensino jurídico no Brasil.
pre este será algo material (p. ex.: um livro). Também podem ser consi-
Com ideias liberais e sempre ar-
rojadas, seu nome logrou reper- derados objeto de relações jurídicas os direitos (direito autoral, direito
cussão também no exterior. de crédito etc.) e as obrigações (de dar, de fazer, de não fazer).
Caio mário
da Silva Perei- 5.1.1. Bens e coisas: distinção
ra (1913-2004),
Existe forte divergência doutrinária sobre a definição de bens
natural de Belo
Horizonte, Minas
e coisas. Como são infinitas as posições doutrinárias sobre o tema,
Gerais, deixou procuramos reproduzir abaixo quatro correntes consideradas princi-
como principal pais. Vejamos:
legado suas Ins- 1ª Corrente: defende que coisas são todos os objetos existentes na
tituições de Di- natureza, com exceção das pessoas. Ao passo que bens são apenas aque-
reito Civil, com grande impacto las coisas que têm valor econômico e que são suscetíveis de apropriação
na doutrina da disciplina. (animais, livros, automóveis etc.). Em síntese, defende que coisa é o gê-
nero do qual bem é uma espécie. Esta é a posição de Maria Helena Diniz,
rEfLEXÃo Agostinho Alvim, Silvio Rodrigues e Francisco Amaral.
2ª Corrente: aponta exatamente o oposto da primeira corrente ao
“Filosoficamente, bem é tudo defender que coisas são os objetos materiais suscetíveis de valoração
quanto pode proporcionar ao ho- econômica. Já os bens têm acepção mais ampla, abrangendo os objetos
mem qualquer satisfação. Nesse dotados ou não de conteúdo patrimonial. Para essa corrente, bem seria
sentido se diz que a saúde é um
o gênero; e coisa, a espécie. Esta é a posição de Orlando Gomes.
bem, que a amizade é um bem,
que Deus é o sumo bem. Mas, se 3ª Corrente: bens podem ser considerados em sentido amplo ou
filosoficamente, saúde, amizade e estrito. Amplo ou genérico, o termo bens representa tudo aquilo que
Deus são bens, na linguagem jurí- pode ser objeto da relação jurídica, sem distinção da materialidade ou
dica não podem receber tal qua- da patrimonialidade. Em sentido estrito, são os imateriais (aqueles que
lificação” (Washington de Barros não podem ser tocados – p. ex.: o direito de crédito) e as coisas (os mate-
Monteiro). riais – aqueles que podem ser tocados – p. ex.: um livro). Esta é a posição
de Caio Mário da Silva Pereira.
4ª Corrente: a distinção tem por base o conteúdo jurídico: bens
jurídicos são todos os bens da vida submetidos à tutela jurídica. Ao pas-
so que as coisas, em sua acepção comum, representam o elemento ma-
terial do conceito jurídico de bem (noção pré-jurídica). Esta é a posição
de Gustavo Tepedino.
Com relação à divergência doutrinária exposta, entendemos que a
posição mais adequada é a esposada na primeira corrente, que, a propó-
sito, é majoritária. Contudo, no âmbito legal, é de notar que o legislador
108
Direito Civil
5.2 PATrimôNio
109
CLASSifiCAÇÃo DoS BENS DE
5.4 ACorDo Com A moBiLiDADE
110
Direito Civil
111
de um lugar a outro pode ocorrer por força própria (semoventes), no
caso dos animais, ou por força alheia, que são os móveis propriamente
ditos (p. ex.: livro, caneta, fruta etc.). Os bens móveis podem ser classi-
ficados em:
a) Por natureza: compreendem tanto os semoventes (aqueles que
se movem por força própria – exemplo: os animais) como as coisas ina-
nimadas que possam ser transportadas de um lugar a outro, sem que se
destruam, isto é, sem que ocorra alteração de sua substância ou de sua
destinação social (Código Civil, art. 82) – exemplos: carro, lápis, cadeira
etc. O bem móvel por natureza é sempre uma coisa corpórea.
b) Por antecipação: são aqueles mobilizados (transformados em
bens móveis) pelos seres humanos em atenção a sua finalidade econômi-
ca (p. ex.: fruta colhida, madeira cortada, pedra extraída, casa vendida
para ser demolida etc.). Por receberem o tratamento de bens móveis,
não exigem escritura pública para sua alienação e dispensam a vênia
conjugal (autorização do cônjuge).
c) Por determinação legal: são: a) as energias que têm valor econô-
ATENÇÃo mico: elétrica, térmica, solar, nuclear, eólica, radioativa, radiante, sonora,
da água represada etc.; b) os direitos reais sobre bens móveis (direito de
Tenha corporalidade (como propriedade, usufruto, penhor e propriedade fiduciária) e as ações cor-
o gás) ou não (como a corrente
respondentes; c) os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas
elétrica), toda energia dotada de
ações: direitos obrigacionais, também denominados de crédito; d) os di-
valor econômico é considerada
reitos autorais: nos termos do art. 3º da Lei n. 9.610/98; e e) a propriedade
bem móvel, nos termos do art. 83,
I, do Código Civil. O mesmo ocor- industrial: nos termos do art. 5º da Lei n. 9.279/96.
re no Direito Penal, para o qual a
energia com valor econômico é
equiparada à coisa móvel (Códi- CLASSifiCAÇÃo DoS BENS DE
go Penal, art. 155, § 3º). 5.5 ACorDo Com A fuNGiBiLiDADE
112
Direito Civil
vidualizados por seu chassi, placa etc.), obras de arte (p. ex.: a escultura
O pensador, de Rodin). A infungibilidade pode resultar da natureza do ATENÇÃo
bem ou da vontade das partes.
É possível transformar um bem
inconsumível em consumível. Isso
ocorre, por exemplo, quando um
CLASSifiCAÇÃo DoS BENS DE automóvel é comercializado em
5.6 ACorDo Com A CoNSuNTiBiLiDADE uma revenda e passa a ser consi-
derado consumível de direito.
113
Para que o bem possa ser considerado divisível, cada fração autôno-
voCABuLário ma deve manter as mesmas utilidades e qualidades essenciais do todo.
usucapião: aquisição da pro-
Exemplo: um saco de feijão é divisível, pois pode ser fracionado em duas
priedade de um bem por meio ou mais partes, mantendo as suas características originais.
da posse pacífica e ininterrup- Os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se indivisíveis por
ta deste por um determinado determinação legal ou por vontade das partes.
período de tempo, implicando,
consequentemente, a perda 5.7.2. Bens indivisíveis
deste mesmo bem por seu an-
São naturalmente indivisíveis os bens que não podem ser fraciona-
terior proprietário.
dos, sob pena de perderem sua utilidade, valor ou qualidades essenciais.
A indivisibilidade de um bem pode ser de três espécies:
a) Por sua natureza: são os bens que não podem ser divididos sob
pena de alterarem sua substância, perderem sua utilidade ou reduzirem
consideravelmente o seu valor. Exemplos: touro reprodutor, automóvel,
obra de arte etc.
b) Por determinação legal: são os bens considerados indivisíveis
por força de dispositivo legal expresso. A lei rotula o bem como indivisível.
Exemplos: o direito à sucessão aberta/herança, que é considerado indi-
visível até o momento da partilha (Código Civil, art. 1.791, parágrafo
único); as servidões prediais (Código Civil, art. 1.386); o direito de hi-
poteca (art. 1.421); o condomínio forçado instituído pela usucapião co-
letiva (Lei n. 10.251/2001, art. 10, § 4º) etc.
c) Por vontade das partes: são os bens divisíveis transformados
em indivisíveis por força da vontade manifestada em contrato (exercício
da autonomia privada), deixando seu aspecto de divisibilidade para trás.
Temos duas hipóteses legais previstas no Código Civil que bem retratam
a indivisibilidade por vontade das partes: quando duas ou mais pessoas
forem proprietárias de um mesmo bem (ou seja, o tiverem em condo-
mínio), poderão contratar a indivisibilidade por prazo não superior a
cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior (Código Civil, art. 1.320, §
1º); a indivisibilidade também poderá ser imposta pelo doador ou pelo
testador por prazo não superior a cinco anos, sem possibilidade de pror-
rogação (art. 1.320, § 2º).
114
Direito Civil
dos fisicamente pelos seres humanos. São bens que consistem em direitos.
Somente existem porque a lei assim determina, por força de determi-
nação jurídica. Exemplo: direitos autorais de quem escreveu um livro,
direitos de crédito, direito à herança, invenções, direitos reais, direitos
obrigacionais etc.
O Código Civil atual não prevê a classificação dos bens quanto à
tangibilidade. A classificação continua relevante, mesmo não expressa
em lei, pois somente os bens corpóreos podem ser objeto de posse e,
portanto, de proteção possessória (interditos possessórios). Somente os
bens corpóreos podem ser objeto de tradição (entrega) e de aquisição
por usucapião.
115
unitária (Código Civil, art. 90). A universalidade de fato é formada pela
coletividade de bens singulares, corpóreos e homogêneos, pertencentes a
uma mesma pessoa. Exemplos: rebanho, biblioteca, pinacoteca, frota,
floresta, cardume etc. Como visto acima, nada impede que os bens sin-
gulares que formam a universalidade de fato sejam objeto de relações
jurídicas próprias, podendo ser alienados separadamente.
b) Universalidade de direito (universitas iuri): complexo de re-
lações jurídicas de uma mesma pessoa, dotadas de valor econômico
(Código Civil, art. 91). É formada pela coletividade de bens singulares
incorpóreos (direitos) e, eventualmente, entre estes e bens corpóreos hete-
rogêneos (na verdade, reúne os direitos existentes sobre os bens corpóreos).
Exemplo: herança, patrimônio, massa falida.
116
Direito Civil
5.10.2.2. Produtos
Embora seja comum a utilização das expressões frutos e produtos
como sinônimas, existe uma distinção entre os termos que deve ser ob-
servada. Enquanto os frutos são bens que se reproduzem periodicamente,
117
os produtos são bens que se retiram da coisa desfalcando a sua substância
ATENÇÃo e diminuindo a sua quantidade. As frutas colhidas de um pomar são
frutos, pois nascem e renascem de forma periódica. Os cereais colhidos
A classificação das benfeito-
rias em necessárias, úteis e volup-
de uma plantação de arroz, assim como os minerais extraídos de uma
tuárias tem importância no estudo jazida e o petróleo extraído de um poço, são produtos, por não se reno-
das consequências do exercício varem. Assim como os frutos, os produtos também pode ser objeto de
da posse sobre o bem (Código Ci- negócio jurídico autônomo.
vil, arts. 1.219 a 1.222). Carlos Roberto Gonçalves compreende que os minerais foram
transformados em bens principais em razão do art. 176 da Constituição
Federal, que dispõe que as jazidas pertencem à União, constituindo pro-
priedade distinta da do solo para efeito de exploração ou aproveitamen-
to industrial, sendo assegurada ao proprietário do solo participação nos
resultados da lavra.
5.10.2.3. Benfeitorias
Benfeitoria é toda espécie de despesa ou obra (melhoramento) reali-
zada em um bem, com o objetivo de evitar sua deterioração (benfeitoria
necessária), aumentar seu uso (benfeitoria útil), ou dar mais comodidade
(benfeitoria voluptuária). Os melhoramentos ou acréscimos sobrevindos
ao bem sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor, não
devem ser considerados como benfeitorias (Código Civil, art. 97).
Assim, não são consideradas benfeitorias as acessões naturais, isto
é, as melhorias e acréscimos produzidos pela natureza (p. ex.: alusão,
aluvião etc.). Também não são benfeitorias as acessões artificiais, isto é,
as obras que criam uma coisa nova que adere a outra já existente (p. ex.:
a construção de uma casa, uma plantação etc.). A benfeitoria não cria
uma coisa nova, apenas incrementa. É por essa razão que a pintura em
relação à tela e a escultura em relação à matéria-prima não podem ser
consideradas benfeitorias.
Sobre o tema preparamos o seguinte quadro comparativo:
OBJETIVO CONSEQUÊNCIAS
Conservar a coisa ou evitar O possuidor de boa-fé tem
que se deteriore (p. ex.: con- direito à indenização e à
BENFEITORIAS
serto de telhado, porta, enca- retenção. O de má-fé tem
NECESSÁRIAS
namento, muro etc.). direito à indenização, mas
não à retenção.
Aumentar ou facilitar o uso O possuidor de boa-fé tem
da coisa (p. ex.: construção direito à indenização e re-
BENFEITORIAS
de um quarto ou garagem, tenção. O de má-fé não tem
ÚTEIS
ampliação de um galpão direito à indenização (não
etc.). tem direito a nada).
Deleite ou recreio. Tornar o O possuidor de boa-fé não
uso da coisa mais agradável e tem direito a cobrar indeni-
cômoda (p. ex.: piscina, sau- zação. Se esta não for paga
BENFEITORIAS na, churrasqueira em uma espontaneamente, poderá
VOLUPTUÁRIAS casa, decoração luxuosa ou levantar (retirar) a benfei-
pintura). toria. O de má-fé não tem
direito à indenização (não
tem direito a nada).
118
Direito Civil
119
que não forem públicos, isto é, que não pertencerem às pessoas jurídicas
voCABuLário de direito público interno.
bens afetados: bens públicos
sendo utilizados para determi- 5.11.2. Bens públicos
nado fim, não podendo ser alie-
São públicos os bens de domínio nacional, pertencentes às pes-
nados enquanto se mantenha
soas jurídicas de direito público interno, como os de propriedade da
tal situação.
União, Estados e Municípios. Os bens públicos podem ser classificados
em três tipos:
Bens públicos de uso comum do povo: aqueles bens que, embora
pertencentes a uma pessoa jurídica de direito público, podem ser uti-
lizados por qualquer pessoa do povo. O domínio é da entidade de direito
público e o uso é do povo (p. ex.: mares, rios, estradas, ruas, praças etc.).
Importante ressaltar que os bens públicos não perdem a sua característi-
ca ainda que a administração pública limite ou suspenda o seu uso ou
imponha o pagamento de retribuição (p. ex.: cobrança de pedágio etc.),
conforme previsão do art. 103 do Código Civil.
Bens públicos de uso especial são os bens que as pessoas jurídicas
de direito público interno destinam aos seus serviços ou outros fins de-
terminados. Como exemplos, podem ser citados os imóveis onde estão
instalados prefeituras, escolas, creches, hospitais, quartéis, museus e te-
atros públicos e os móveis utilizados na realização dos serviços públicos
(radar, caneta, computador etc.). De acordo com o Código Civil, abran-
gem não só aqueles destinados a serviço ou estabelecimento da adminis-
tração federal, estadual, territorial ou municipal, como também os de
suas autarquias (art. 99, II).
Bens públicos dominicais: também conhecidos como patrimo-
niais, são aqueles que compõem o patrimônio das pessoas jurídicas de
direito público interno, como objeto de direito pessoal ou real, de cada
uma dessas entidades (Código Civil, art. 99, III). Não dispondo a lei
em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pes-
soas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito
privado. Admite-se, assim, que a lei instituidora dessas pessoas jurídicas
qualifique seus bens como públicos ou particulares. Os bens dominicais
consideram-se desafetados, enquanto os de uso comum e os de uso es-
pecial são bens afetados.
120
Direito Civil
121
122
6 Dos fatos Jurídicos
voCABuLário 6.1. fATo JurÍDiCo
irrelevante: sem importância,
cuja existência ou opinião é in- A distinção entre os fatos jurídicos e os fatos não jurídicos é razão
diferente para os demais. de controvérsia entre os autores. Para alguns, fato jurídico (lato sensu) é
todo fato que produz efeitos jurídicos, seja pela criação, modificação,
extinção ou conservação de direitos e deveres. Para outros, fato jurídico
é aquele que estabelece uma relação jurídica. Não é necessária a efetiva
AuTor
produção de efeitos jurídicos, bastando que o fato seja capaz de produ-
Um dos maio- zir efeitos jurídicos. Assim, a incidência de regras jurídicas sobre um
res juristas brasi- determinado evento já seria suficiente para caracterização dele como
leiros, natural de um fato jurídico.
Alagoas, francisco Essa segunda posição, defendida por Pontes de Miranda, apresenta
Cavalcanti Pontes perfeita compatibilidade com a teoria que desenvolveu, distinguindo os
de miranda (1892-
planos de existência, validade e eficácia do negócio jurídico, como vere-
1979) escreveu uma obra vastíssi-
mos mais adiante.
ma sobre os mais variados temas,
entre eles o direito privado. A par- De outro lado, o fato não jurídico, também conhecido como fato
tir da influência alemã e do diá- material ou fato ajurídico, é definido como aquele irrelevante para o
logo com outras ciências, como, Direito, por não acarretar consequências jurídicas. Portanto, para deter-
por exemplo, a Física Clássica, minar se o fato é jurídico, ou não, deve ser observado se este tem impor-
aproximou vários ramos do nosso tância para o Direito. Assim, um simples evento como a chuva pode ou
Direito a conceitos completamen- não ser um fato jurídico.
te inéditos no estudo da disciplina
Definido o que é um fato jurídico, resta observar que este comporta
até então.
algumas classificações. De acordo com a função na relação jurídica, os
fatos jurídicos podem ser classificados em: a) constitutivos: são os fatos
que criam uma relação jurídica; b) extintivos: os fatos que põem fim
a uma relação jurídica; ou c) modificativos: aqueles que alteram uma
relação jurídica já existente.
Todavia, a principal classificação dos fatos jurídicos continua sendo
a que leva em consideração a natureza do fato, isto é, se o evento foi um
fato humano (p. ex.: a celebração de um contrato) ou um fato da natu-
reza (p. ex.: a aluvião – forma de aquisição originária de propriedade
imóvel). Assim, o fato jurídico em sentido amplo (lato sensu) divide-se
em fato natural e fato humano.
124
Direito Civil
125
mo “ou” por “e” (grifado acima), com o propósito de pôr fim à antiga
discussão doutrinária quanto ao conceito de ato ilícito. Discutia-se se o
dano era um requisito necessário à caracterização do ato ilícito.
O legislador do Código Civil de 2002 inovou, igualmente, ao intro-
duzir o conceito de abuso de direito no art. 187: “também comete ato
ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente
os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes”.
O abuso de direito é uma espécie de ato ilícito, mas não se confunde
com o ato ilícito previsto no art. 186. O ato ilícito previsto no art. 186
é duplamente ilícito: ilícito em seu conteúdo (viola direito) e em sua
consequência (causa dano a outrem). Por sua vez, o abuso de direito é
parcialmente ilícito: é lícito em seu conteúdo (há um direito legítimo),
mas ilícito em suas consequências (causa dano a outrem).
Nos termos do art. 188 do Código Civil, não constituem atos ilíci-
tos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um
direito reconhecido; e II – a deterioração ou destruição da coisa alheia,
ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. No caso do inciso
II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem ab-
solutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para
a remoção do perigo.
O estudo aprofundado do ato ilícito e dos arts. 186 a 188 do Código
Civil é objeto de outra parte do Direito Civil, a da chamada Responsa-
bilidade Civil.
126
Direito Civil
127
128
7 Dos Negócios Jurídicos
BiBLioTECA 7.1 TEoriA GErAL Do NEGÓCio JurÍDiCo
130
Direito Civil
131
Acessórios (ou dependentes): são aqueles cuja existência está su-
voCABuLário bordinada a outro negócio jurídico. Exemplos: a cláusula penal e os con-
tratos de fiança, hipoteca, penhor e anticrese.
cláusula penal: consequência
negativa, prevista em contrato,
a ser sofrida pela parte que des- 7.2.6. Classifi cação quanto às condições
cumprir o que havia prometido. pessoais dos negociantes
fi ança: contrato pelo qual o fia- Impessoais: são os negócios jurídicos que independem da condi-
dor compromete-se a cumprir ção pessoal dos envolvidos. Se uma das partes não cumprir a obriga-
a obrigação prometida pelo
ção assumida, outra pessoa poderá cumpri-la. Essa situação é comum
devedor a um credor.
em diversos contratos: na compra e venda, por exemplo, havendo a
hipoteca: garantia real repre- morte de um dos contratantes, seus herdeiros são obrigados a cum-
sentada pela entrega ao cre- prir o contrato.
dor do próprio bem imóvel que
Pessoais: também conhecidos como personalíssimos ou intuitu
é objeto de uma dívida, no
personae, são os negócios jurídicos que dependem de condição pessoal
caso desta não ser paga.
dos negociantes, havendo obrigação infungível (insubstituível). Em caso
penhor: garantia real de pa- de morte, os herdeiros não são obrigados a cumprir o contrato (p. ex.:
gamento representada por um
contrato de prestação de serviço e contrato de fiança).
bem móvel (ex.: uma joia, um
equipamento, o salário de uma
pessoa) para o caso de deter- 7.2.7. Classifi cação quanto à causa
minada dívida não ser paga. determinante
anticrese: garantia real pela Causais (ou materiais): são os negócios jurídicos em que o motivo
qual o devedor entrega ao cre- consta expressamente do seu conteúdo. Exemplo: termo de separação
dor um bem imóvel para que os ou divórcio.
frutos provenientes deste amor-
Abstratos (ou formais): são aqueles em que a razão não está inse-
tizem uma determinada dívida.
rida no conteúdo. Exemplo: termo de transmissão da propriedade; sim-
comodato: empréstimo de um ples emissão de título de crédito etc.
bem infungível. Difere do mú-
tuo, que é o empréstimo de um
7.2.8. Classifi cação quanto ao momento da
bem fungível.
efi cácia
contrato estimatório: popular-
mente conhecido como “ven- Consensuais: são os negócios jurídicos que se consideram forma-
da em consignação”, é o ne- dos a partir do momento em que há acordo de vontades. Exemplo: com-
gócio pelo qual uma pessoa pra e venda pura.
entrega um bem à outra para Reais: são os negócios que somente se aperfeiçoam após a entrega
que esta o venda, restituindo do objeto. Exemplos: contrato de comodato, contrato de depósito e con-
o valor recebido ou o próprio trato estimatório.
bem ao final de um prazo de-
terminado. 7.2.9. Classifi cação quanto à extensão dos
efeitos
Constitutivos: são os negócios jurídicos que geram efeitos ex nunc
(não retroativos), a partir de sua celebração para o futuro. Em geral os
contratos têm eficácia constitutiva.
Declarativos: são aqueles que produzem efeitos ex tunc (retroa-
tivos), a partir do momento em que ocorreu o fato que constitui seu
objeto. Como exemplo de negócio declarativo, temos a partilha de bens
na sucessão de uma pessoa, que retroage ao momento da morte.
132
Direito Civil
133
ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao
rEfLEXÃo aderente”; b) art. 819: “a fiança dar-se-á por escrito, e não admite in-
terpretação extensiva”; c) art. 843: “a transação interpreta-se restritiva-
É válido o negócio que ocor- mente, e por ela não se transmitem, apenas se declaram ou reconhecem
re no filme “Proposta indecente”? direitos”; e d) art. 1.899: “quando a cláusula testamentária for suscetível
Ano de lançamento: 1993. Dire- de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a obser-
ção: Adrian Lyne. Cumprimento
vância da vontade do testador”.
ou não cumprimento poderiam
ensejar alguma medida judicial?
ELEmENToS CoNSTiTuTivoS Do
7.4 NEGÓCio JurÍDiCo
134
Direito Civil
135
O art. 104 do Código Civil inaugura o estudo do negócio jurídico,
dispondo que a validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma
prescrita ou não defesa em lei.
Procederemos à análise dos requisitos existentes na lei inserindo
outros de natureza doutrinária, com o propósito de acrescentar novos
elementos ao exame da matéria.
7.5.2.1. Partes
Para que o negócio jurídico exista, vimos que deve conter agente
(parte, sujeito etc.) e, para que seja válido, o agente deve ser capaz e
legitimado. A capacidade exigida é, em princípio, a plena, que decorre
das somas da capacidade de direito/gozo (que todas as pessoas têm) com
a capacidade de fato/exercício/ação (que decorre do discernimento e é
normalmente adquirida com a maioridade).
Se o agente for incapaz, também poderá ser praticado o ato desde
que suprida a incapacidade. Os absolutamente incapazes (rol do art. 3º
do Código Civil) devem ser representados nos atos da vida civil, sob
pena de nulidade; o negócio será considerado nulo e deverá ser pro-
posta ação declaratória de nulidade. Os relativamente incapazes (rol do
art. 4º) devem ser assistidos nos atos da vida civil, sob pena de anulabi-
lidade: o negócio será anulável (ou seja, poderá ou não ser considerado
nulo), devendo ser proposta ação anulatória.
Em situações excepcionais, a lei confere capacidade civil plena a
quem não completou a idade mínima para a prática de certos negócios
jurídicos. Exemplo: no contrato de mandato, o maior de dezesseis e me-
nor de dezoito anos não emancipado pode ser mandatário (Código Ci-
vil, art. 666). Também com dezesseis anos de idade é possível casar com
autorização dos pais (art. 1.517) e realizar testamento sem assistência,
mesmo não estando emancipado (art. 1.860, parágrafo único).
Embora o art. 104 do Código Civil mencione apenas a capacidade
do agente, a legitimidade também dever ser verificada para que o negó-
cio seja válido. A legitimidade é uma capacidade especial exigida para a
prática de certos negócios jurídicos. Exemplificando: uma pessoa maior
de dezoito anos tem capacidade para celebrar contratos de compra e
venda de imóvel. Mas, se for casada, dependerá, em regra, de autorização
do outro cônjuge – exemplo de legitimidade.
7.5.2.2. Objeto
Todo negócio jurídico possui um objeto, seja ele material ou imate-
rial, fungível ou infungível, com conteúdo econômico ou não. Para que
o negócio seja válido, exige-se apenas que o objeto seja lícito, possível,
determinado ou determinável. Se o objeto for ilícito, impossível ou in-
determinado, o negócio será considerado nulo, devendo ser proposta
ação declaratória de nulidade.
136
Direito Civil
7.5.2.3. Forma
A forma é o meio pelo qual se revela a manifestação de vontade do
agente. Para que o negócio jurídico seja válido, a forma deve ser aquela
prescrita ou não defesa (não proibida) em lei. Contudo, no Direito Civil,
a regra é a forma livre e somente em situações excepcionais é exigida for-
malidade (forma escrita) ou solenidade (instrumento público). De acordo
com o art. 107 do Código Civil, a validade da declaração de vontade não
dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
137
Diversamente, será nulo o negócio jurídico que não revestir a for-
ma prescrita em lei ou se for preterida alguma solenidade que a lei con-
sidere essencial para a sua validade (Código Civil, art. 166, IV e V). Não
dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade
dos negócios jurídicos que visem constituição, transferência, modifica-
ção ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta
vezes o maior salário mínimo vigente no país (art. 108).
De acordo com o Enunciado 289 da IV Jornada de Direito Civil do
Conselho da Justiça Federal, “o valor de 30 salários mínimos constante
no art. 108 do Código Civil brasileiro, em referência à forma pública ou
particular dos negócios jurídicos que envolvam bens imóveis, é o atribu-
ído pelas partes contratantes e não qualquer outro valor arbitrado pela
Administração Pública com finalidade tributária”.
Algumas vezes as próprias partes podem determinar que o negócio
só será válido se for observada determinada forma. É o que se denomina
forma contratual e está prevista no art. 109 do Código Civil: “no ne-
gócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento
público, este é da substância do ato”.
A forma também pode ser classificada em ad solemnitatem e ad pro-
bationem, como vimos ao estudar as classificações do negócio jurídico.
A forma ad solemnitatem, também conhecida como ad substantiam, é
aquela exigida como requisito de validade do negócio (p. ex.: Código
Civil, arts. 166, 108 e 109). A forma ad probationem tantum é aquela
exigida para a prova do ato em juízo (p. ex.: arts. 227 e 1.536).
7.5.2.4. Vontade
O negócio jurídico é uma manifestação de vontade que está de
acordo com o ordenamento jurídico e produz efeitos desejados pelo
agente. Entretanto, para que o negócio seja válido, a vontade deve ser
manifestada de forma livre.
Vontade livre é aquela manifestada de forma consciente e sem
qualquer um dos defeitos ou vícios do negócio jurídico: erro, dolo, coa-
ção, estado de perigo, lesão, fraude contra credores e simulação. Os cinco
primeiros são denominados vícios da vontade ou do consentimento e
contaminam a formação da vontade. Os dois últimos são denominados
vícios sociais e contaminam a manifestação da vontade. O estudo dos
vícios do negócio jurídico será realizado em capítulo próprio, adiante.
Devemos lembrar que o silêncio importa anuência (concordância),
quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária
a declaração de vontade expressa (Código Civil, art. 111). Portanto, não
se pode afirmar que o direito tenha acolhido por completo o ditado po-
pular “quem cala, consente”.
138
Direito Civil
7.5.2.4.2. Representação
Representação é a legitimidade conferida a uma pessoa para prati-
car atos em nome de outra. A pessoa que atua é denominada represen-
tante e a pessoa em nome de quem são praticados atos é denominada
representado. Os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo
interessado.
A representação legal é aquela conferida pela lei aos pais, tutores,
curadores, síndicos, administradores etc. Trata-se de um munus público
e somente pode ser exercida no interesse do representado. Na verdade,
os únicos representantes legais são os pais, tutores e curadores. Síndicos
e administradores da falência ou da recuperação são representantes ju-
diciais, contudo o Código Civil de 2002 unificou o tratamento das duas
espécies sob o título de representação legal.
A representação convencional, também denominada voluntária, é
aquela conferida mediante o contrato de mandato. Opera-se o mandato
quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar
atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do man-
dato (Código Civil, art. 653).
Diversamente da representação legal, em que o representante só
pode agir no interesse do representante, na representação voluntária
podem ser conferidos poderes para que o representante atue em causa
própria (procuração em causa própria).
Tanto na representação legal como na convencional exige-se que
o mandatário tenha capacidade civil plena (capacidade de direito/gozo
+ capacidade de fato/exercício/ação). Apesar disso, permite que o me-
nor com dezesseis ou dezessete anos e não emancipado seja nomeado
mandatário, mas o mandante não tem ação contra ele, senão segundo as
regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores (Código
Civil, art. 655).
139
Também em ambas as formas de representação compete ao repre-
JuriSPruDÊNCiA
sentante provar às pessoas, com quem tratar em nome do representado,
a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo,
Embora o Código Civil de
responder pelos atos que a estes excederem.
2002 não tenha fixado limites para
o autocontrato, a jurisprudência De acordo com o art. 116 do Código Civil, a manifestação de vonta-
do Superior Tribunal de Justiça tem de pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em re-
pontuado que a validade do ne- lação ao representado. O representante tem o dever de agir estritamente
gócio depende da ausência de de acordo com os poderes conferidos pelo representado. Se o represen-
conflito de interesses. Neste senti- tante ultrapassar os limites definidos, será considerado mero gestor de
do, a Súmula 60 do STJ determina negócios, enquanto o mandante não lhe ratificar os atos (Código Civil,
que “é nula a obrigação cambial
arts. 665 e 861 a 875).
assumida por procurador do mu-
tuário vinculado ao mutuante, no
É anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse
exclusivo interesse deste”. ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo, se não existir autori-
zação legal ou do representado. Para esse efeito, tem-se como celebrado
pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes
houverem sido substabelecidos (art. 117).
Esse dispositivo admite a celebração do autocontrato ou contrato
consigo mesmo desde que presente autorização da lei ou do mandante.
O exemplo mais comum desta figura negocial é o mandato em causa
própria, em que o mandante transfere poderes ao mandatário para alie-
nar determinado bem, por certo preço, a terceiros ou a si próprio (art.
685).
O art. 119 do Código Civil dispõe que é anulável o negócio conclu-
ído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se
tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou.
A ação anulatória deve ser proposta no prazo decadencial de cento e
oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da inca-
pacidade.
A invalidade do negócio concluído pelo representante em conflito
de interesses com o representado não deve ser confundida com a invali-
dade do negócio concluído por pessoa incapaz sem a devida represen-
tação. Se a pessoa absolutamente incapaz celebrar negócio jurídico sem
estar representada, este será nulo, devendo ser proposta ação declarató-
ria de nulidade (a qual não tem prazo para ser proposta). E se pessoa re-
lativamente incapaz celebrar negócio sem assistência, este será anulável,
devendo ser proposta ação anulatória no prazo de quatro anos, contados
a partir do dia em que cessar a incapacidade (Código Civil, art. 178, III).
Conforme dispõe o art. 120 do Código Civil, os requisitos e os efei-
tos da representação legal são os estabelecidos nas normas respectivas
(p. ex.: Código Civil, arts. 3º e 4º; Lei de Falências etc.); os da represen-
tação voluntária são os da Parte Especial do Código (arts. 653 a 692).
140
Direito Civil
7.6.1. Condição
Condição é a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade
das partes, subordina a eficácia do negócio jurídico a um evento futuro
e incerto (Código Civil, art. 121). É normalmente inserida nos negócios
jurídicos pelos termos se ou enquanto (p. ex.: compro o seu guarda-
-chuva se chover amanhã) e pode subordinar tanto o surgimento do di-
reito (condição suspensiva) como a sua extinção (condição resolutiva).
Normalmente, atua apenas no plano de eficácia, mas em determinadas
situações atinge o plano de validade do negócio jurídico (p. ex.: a condi-
ção ilícita gera a invalidade do negócio), conforme estudaremos adiante.
A condição pode ser identificada sob três formas: a) pendente: é
o estado da condição que ainda se verificou ou frustrou; b) verificada
(implemento): é a condição em que se averiguou o seu cumprimen-
to, não importando se é suspensiva ou resolutiva; e c) frustrada: é a
condição que não foi verificada. Reputa-se verificada (isto é, considera-
se ocorrida), quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento
(ocorrência) for maliciosamente obstado (ocultado) pela parte a quem
desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição
maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu imple-
mento (Código Civil, art. 129).
141
a) Voluntariedade: a condição deve ser resultado da manifestação
de vontade das partes (vontade unilateral ou bilateral). Deve ter sido
inserida voluntariamente e expressamente no negócio jurídico, não se
admitindo condição tácita ou presumida. Esta é a verdadeira condição,
também denominada condição própria, e está regulada nos arts. 121
a 130 do Código Civil. Não deve ser confundida com a condição im-
própria (também denominada condição legal ou conditio iuris), que
nada mais é do que uma exigência legal (um requisito) para validade ou
eficácia de um ato jurídico (p. ex.: a exigência de que o absolutamente
incapaz seja representado nos atos da vida civil; a exigência de que o
pacto antenupcial seja feito mediante escritura pública etc.).
b) Futuridade: o segundo requisito da condição é que o evento do
qual dependerá a eficácia do negócio jurídico seja futuro, isto é, seja um
fato posterior à celebração do negócio. Se o evento for presente ou pre-
térito (conditio in praesens vel in preteritum collata) ou for apenas desco-
nhecido do agente (incerteza subjetiva), não há condição. Se o evento já
houver ocorrido, o negócio é considerado plenamente desenvolvido. Se
não, o negócio não se formou.
c) Incerteza: este último requisito permite a distinção entre a con-
dição (evento futuro e incerto) e o termo (evento futuro e certo). De
acordo com a doutrina, a incerteza que caracteriza a condição deve ter
natureza objetiva, isto é, deve ser um evento incerto no plano dos fatos,
independentemente da pessoa que celebra o negócio.
142
Direito Civil
143
é suspensiva ou resolutiva. De acordo com o art. 122 do Código Civil,
são ilícitas as seguintes condições: I) condições perplexas ou contra-
ditórias: aquelas que privam de todo o efeito o negócio. Exemplo de
Francisco Amaral: Instituo “A” meu herdeiro universal se “B” for meu
herdeiro universal; e II) condições puramente potestativas: aquelas que
sujeitam a eficácia do negócio ao puro arbítrio de uma das partes.
144
Direito Civil
7.6.2. Termo
É a cláusula que subordina a eficácia do negócio jurídico a um even-
to futuro e certo. Ao contrário da condição, que somente pode ser criada
pela vontade das partes, o termo pode ser introduzido no negócio pelas
partes (termo convencional) ou pode ser estipulado pela lei (termo legal
ou termo de direito). O termo também não deve ser confundido com
prazo, que é o lapso temporal existente entre o termo inicial e o termo
final. O prazo pode ser contado em minutos, horas, dias, meses ou anos.
145
e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição
suspensiva e resolutiva”.
146
Direito Civil
147
Nos termos do art. 136 do Código Civil, “o encargo não suspende
nem a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente
imposto no negócio jurídico pelo disponente, como condição suspen-
siva”. Assim, ainda que a pessoa que praticou o ato venha a falecer ou
se tornar incapaz, a liberalidade não será atingida. Diversamente, se se
tratar de condição suspensiva, o negócio perderá sua eficácia.
Se o encargo for ilícito ou impossível, será considerado não escrito,
salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que
se invalida o negócio jurídico. Normalmente o motivo é irrelevante para
o direito. Contudo, quando é aposto como razão determinante, passa a
integrar o conteúdo do próprio negócio, tornando ilícito o seu objeto.
Esta é a razão pela qual o negócio jurídico deverá, em tais casos, ser
considerado nulo.
148
8 Defeitos nos negócios
jurídicos
voCABuLário 8.1 iNTroDuÇÃo
diligência: cuidado, zelo, pres-
teza. Conforme estudado anteriormente, a vontade humana é requisito
essencial para a existência dos negócios jurídicos. E, para que o negócio
seja considerado válido, vimos que a vontade não pode estar viciada,
isto é, deve ser manifestada de forma livre e consciente. Contudo, como
veremos, nem sempre isso ocorre, havendo inúmeras situações em que a
vontade é formada ou declarada de maneira defeituosa.
Quando o problema é interno, isto é, na formação da vontade,
fala-se em vício da vontade, também denominado defeito do consen-
timento, existindo cinco espécies no Código Civil de 2002: erro ou ig-
norância, dolo, coação, estado de perigo e lesão. Quando o problema é
externo, isto é, na declaração da vontade, fala-se em vício social, sendo
exemplos deste a fraude contra credores e a simulação.
Outro fator de distinção entre os vícios é a pessoa prejudicada. Nos
vícios da vontade o prejudicado é sempre um dos contratantes. Quando
o vício é social, o prejudicado é um terceiro, isto é, uma pessoa que não
participou da relação contratual, mas foi atingida por ela.
150
Direito Civil
151
2002 e o art. 3º da LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito
JuriSPruDÊNCiA Brasileiro, que proíbe a alegação de ignorância para descumprimento
da lei (ignorantia legis neminem excusat), conhecido como princípio da
A jurisprudência (TJSP, Ap.
obrigatoriedade. A resposta, a nosso ver, é negativa. O art. 3º da LINDB
0036433-36.2010.8.26.0007) forne-
ce a resolução de um caso bem
proíbe a alegação do erro de direito para afastar a norma jurídica geral,
comum de ocorrer: o autor da a lei. O art. 139, III, do Código Civil admite a alegação do erro de direito
ação alega divergência entre o para afastar a norma jurídica individual, o contrato. Como se vê, são
veículo automotor efetivamente situações distintas.
adquirido e o indicado no contra-
to de financiamento. O erro não 8.2.2.2. Erro acidental
foi apto a invalidar este negócio
jurídico, descabendo a anulação É aquele que recai sobre aspecto secundário, ou seja: a pessoa tem
e a devolução do bem financia- uma falsa percepção sobre um elemento que não é determinante para
do. O tribunal estabeleceu a ade- a concretização do negócio jurídico. Por essa razão, afirma-se que o
quação à real vontade das par- negócio viciado por erro acidental não é anulável.
tes, tendo alterado as cláusulas O art. 142 do Código Civil contempla o erro acidental ao dispor que
contratuais relativas à descrição
“o erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração
do bem e ao valor financiado.
de vontade, não viciará o negócio, quando, por seu contexto e pelas cir-
cunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada”. Todavia,
voCABuLário se as qualidades secundárias da pessoa ou da coisa forem consideradas
como razões determinantes do negócio, se estará diante de hipótese de
colimado: objetivado, desejado erro substancial, permitindo a anulação.
O erro que incide sobre a qualidade acessória do objeto (error in
qualitate) ou sobre sua medida, peso ou quantidade (error in quantitate)
ComENTário
é considerado acidental desde que não importe efetivo prejuízo ao con-
tratante.
Exemplo extraído de de-
cisão do TJSP (Ap. 0016749- O erro sobre o motivo ou erro quanto ao fim colimado, em regra,
47.2011.8.26.0248): duas pessoas não permite a anulação do negócio. Os motivos que levam uma pessoa
fizeram contrato de compra e a agir de determinada forma normalmente não têm importância para
venda de um imóvel. O valor o direito. Todavia, quando o motivo passa a ser expresso como razão
ajustado de compra foi de R$ determinante de um negócio jurídico, entende-se que ele passa a incor-
19.000,00. Contudo, foi estipulado porar o próprio conteúdo do negócio, contaminando-o, quando falso.
que o comprador deveria pagar
O erro sobre o cálculo também pode ser apontado como exemplo
24 parcelas de R$ 200,00, o que
de erro acidental, pois não contamina o negócio jurídico e, portanto,
se mostra equivocado, pois o cer-
to seria R$ 791,66. Assim, houve não permite a sua anulação. É uma espécie de erro material retificável,
mero erro de cálculo do valor da daí por que o art. 143 do Código Civil apenas autoriza a retificação da
parcela mensal, o que autorizaria declaração de vontade, isto é, o recálculo, consagrando o princípio da
apenas a retificação do cálculo. conservação do contrato.
152
Direito Civil
8.3 DoLo
153
8.3.2. Classifi cação do dolo quanto à
determinação
8.3.2.1. Dolo essencial
O dolo essencial, também conhecido como dolo principal ou
dolus causam, é aquele que contamina o negócio jurídico, permitindo
a sua anulação pelo fato de ter sido a sua causa, isto é, a pessoa somente
realizou o negócio jurídico por ter sido enganada. Se o contratante tives-
se conhecimento da realidade, o negócio não seria anulado. Conforme o
art. 145 do Código Civil, “são os negócios jurídicos anuláveis por dolo,
quando este for a sua causa”.
154
Direito Civil
155
Assim, o dolo de terceiro pode ocorrer com a cumplicidade da parte
voCABuLário a quem aproveita; com mero conhecimento da parte a quem aproveita;
ação de regresso: aquela pro- e, ainda, exclusivamente por conta do terceiro, sem que dele tenha co-
movida pela pessoa conde- nhecimento a parte favorecida. As duas primeiras hipóteses são passíveis
nada ao pagamento de inde- de anulação. Na última hipótese, o negócio persiste, mas o autor do dolo
nização por um ato ilícito que, (o terceiro) responde pelas perdas e danos em razão do ilícito praticado.
agora na condição de autora,
volta-se contra aquele que en- 8.3.6. Dolo do representante
tende ser o verdadeiro respon-
sável pelo dano. O dolo do representante legal obriga o representado a responder
civilmente até a importância do proveito que tirou. Entretanto, tratan-
constrangimento: imposição
do-se de representação convencional (aquela em que o representado es-
de força, violência.
colhe e nomeia o seu representante, aceitando todos os riscos que assim
corre), o representado responderá solidariamente pelas perdas e danos
(Código Civil, art. 149). Se for chamado a reparar os danos, o represen-
tado terá direito à ação de regresso em face do representante.
A distinção promovida pelo art. 149 do Código Civil entre a re-
presentação legal e convencional é coerente, pois na representação legal
(pais, tutores e curadores) o representado não escolhe quem será o seu
representante, devendo ser mais protegido. Na representação conven-
cional, a escolha do representante decorre da vontade do representado.
Se escolheu mal, deverá reparar o dano causado por seu representante.
Tanto na hipótese de dolo do representante legal como na de dolo
do representante convencional, o negócio será anulável se o dolo for
substancial e não será anulável se o dolo for acidental.
8.4 CoAÇÃo
156
Direito Civil
157
pitão etc. Assim, quando um pai fala para seu filho vender o automóvel,
em princípio não se poderá alegar coação. Escrevemos “em princípio”
porque se, em vez do respeito, existir verdadeira ameaça grave, a coação
estará configurada. Exemplo: um pai condenado por cinco homicídios é
solto e ameaça matar a filha se ela não lhe doar a casa em que mora.
b) A ameaça deve ser de dano iminente: deve ser um dano atual
que não pode ser evitado pelo coagido. Entretanto, dano imi-
nente não significa dano imediato. O importante é que a amea-
ça cause prontamente fundado temor de dano ao coagido. Por
outro lado, se o dano puder ser evitado pelo agente, sozinho ou
com ajuda de terceiros, a ameaça não caracteriza a coação. Tam-
bém não existirá coação se o mal for impossível.
c) A ameaça deve ser injusta: somente haverá coação se a ameaça
consistir na prática de um ato contrário ao ordenamento jurí-
dico, um ato ilícito (p. ex.: uma pessoa ameaça agredir outra se
uma dívida não for paga). De acordo com o art. 153 do Códi-
go Civil, se a ameaça corresponder ao exercício regular de um
direito, não haverá coação (p. ex.: uma pessoa ameaça protes-
tar o cheque devolvido sem fundos no Cartório de Protesto de
Títulos). Se consistir em ameaça de abuso de direito, também
haverá coação porque é espécie de ato ilícito (p. ex.: uma pessoa
ameaça colocar um outdoor de cobrança na frente da casa do
devedor se a dívida não for paga).
d) A ameaça deve recair sobre a pessoa, seus familiares ou seus
bens: o art. 151 do Código Civil determina que a ameaça deve
ser dirigida ao próprio coagido, à sua família, ou aos seus bens
(p. ex.: ameaça incendiar o automóvel do coagido). Interessante
observar que o legislador utilizou o termo “família” em vez de
“parentes” com o propósito de ampliar as possibilidades (p. ex.:
o filho do cunhado não é parente, mas pode ser considerado
familiar). E, mesmo que a pessoa não pertença à família do pa-
ciente, o juiz, com base nas circunstâncias, poderá decidir se
houve coação, conforme dispõe o parágrafo único do art. 151
(p. ex.: noivos, namorados, amigos íntimos etc.). Questão in-
teressante é a hipótese em que o coator dirige a ameaça a si
próprio para coagir outra pessoa a realizar um negócio (p. ex.:
o filho ameaça se matar se o pai não lhe doar um automóvel).
Entendemos que se a ameaça for séria e real nada impede o
reconhecimento da coação pelo juiz, em que pese a omissão
legislativa.
e) A ameaça deve ser a causa da celebração do negócio: o negócio
jurídico só será anulado por coação se a ameaça foi o fator de-
terminante para sua celebração. Assim como na responsabili-
dade civil, deve estar presente um nexo de causalidade entre o
fato (a ameaça) e o dano (o negócio celebrado). Se o coagido
celebrasse o negócio mesmo sem a ameaça, não haveria coação.
158
Direito Civil
159
8.5.1. requisitos do estado de perigo
ATENÇÃo
Para configuração do estado de perigo, devem estar presentes um
A onerosidade excessiva exi- requisito objetivo (onerosidade excessiva) e dois requisitos subjetivos
gida no estado de perigo é con- (situação de perigo e dolo de aproveitamento):
comitante à celebração do ne-
a) Onerosidade excessiva: para que o negócio possa ser anulado
gócio e não deve ser confundida,
por estado de perigo, será necessário que a obrigação assu-
portanto, com a teoria da impre-
mida seja exorbitante, isto é, que gere onerosidade excessiva
visão (cláusula rebus sic stantibus),
que é baseada na onerosidade
para o agente. O Código Civil não estabelece qualquer por-
excessiva superveniente e funda- centagem para a caracterização da onerosidade, deixando o
menta pretensão de revisão ou seu reconhecimento a cargo do juiz, que irá analisar as cir-
resolução contratual (arts. 317 e cunstâncias do caso concreto e decidir com base na equidade.
478 a 480, CC). Essa onerosidade deve ser avaliada no momento da celebração do
negócio, não importando se o objeto do contrato sofreu redução ou ma-
joração de valor no futuro. Assim, se uma pessoa vender uma casa por
um preço justo para pagar o tratamento de saúde de um filho e dois
anos após a venda a casa dobrar de valor, não será possível a anulação
do negócio.
b) Situação de perigo: para caracterização do estado de perigo, o
agente deve ter assumido a obrigação excessivamente onero-
sa com o objetivo de livrar a si próprio, um familiar ou uma
pessoa próxima de uma situação iminente de perigo de vida
(morte) ou grave dano moral (integridade física, moral ou in-
telectual). A situação de perigo é a razão de a pessoa contratar
em condições desfavoráveis.
De acordo com o caput do art. 156, a situação de perigo pode aco-
meter o próprio agente que realizou o negócio jurídico ou alguém de sua
família: filhos, netos, bisnetos, pais, avós bisavós, irmãos, tios, sobrinhos,
primos, sobrinhos-netos etc. Como o dispositivo se referiu a familiares, e
não a parentes, podem ser contempladas outras pessoas que não são pa-
rentes, como os filhos dos cunhados ou os tios do cônjuge. Além disso,
devemos lembrar que cônjuge e companheiro não são parentes, embora
exista parentesco com os parentes destes (parentesco por afinidade).
Não bastasse isso, o parágrafo único do art. 156 dispõe que “tratan-
do-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá
segundo as circunstâncias”. Admite-se, assim, que o estado de perigo seja
reconhecido quando o agente praticar o ato para salvar um grande ami-
go, a namorada, a noiva etc.
c) Dolo de aproveitamento: como último requisito para caracte-
rização do negócio jurídico, o art. 156 do Código Civil exige
que a situação de perigo que levou o agente a contratar seja
conhecida do agente que se beneficiou. Exemplo: a pessoa que
comprou a casa por preço irrisório sabia que a outra estava ven-
dendo para salvar a vida do filho.
A expressão dolo de aproveitamento representa corretamente o seu
conteúdo: intenção de se aproveitar. Em algumas situações, esse requisito
pode ressaltar da própria circunstância que envolve o negócio jurídico
160
Direito Civil
(p. ex.: o hospital que exige o cheque caução para aceitar internar um
enfermo), mas em geral deverá ser objeto de prova específica no processo.
ComENTário
8.6 LESÃo
161
Não é demais lembrar que a lesão pode estar presente em qualquer
ComENTário contrato bilateral, também denominado sinalagmático (p. ex.: compra
e venda, locação, prestação de serviço, empreitada, transporte etc.), com
iii Jornada de Direito Civil
qualquer espécie de obrigação (dar, fazer ou não fazer).
Enunciado 150 do CEJ: “A lesão
de que trata o art. 157 do Código
Civil não exige dolo de aprovei- 8.6.1. Requisitos da lesão
tamento”. O reconhecimento da lesão exige a presença de um requisito obje-
tivo (onerosidade excessiva) e outro subjetivo (premente necessidade ou
inexperiência). Ao contrário do estado de perigo, na lesão não precisa
ser provado o dolo de aproveitamento, isto é, que o outro contratante
tinha conhecimento da situação de necessidade ou inexperiência em
que se encontrava a parte prejudicada (nesse sentido, o Enunciado 150
da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal).
a) Onerosidade excessiva: o simples fato de contratar sob pre-
mente necessidade ou por inexperiência não permite a anula-
ção do negócio jurídico. Para que tal ocorra, é necessário que o
agente assuma obrigação com prestação manifestamente des-
proporcional ao valor da prestação oposta (onerosidade exces-
siva). Como o Código Civil não estabelece uma porcentagem a
ser observada, cabe ao juiz analisar se a desproporção entre as
prestações é excessiva.
Assim como no estado de perigo, a onerosidade deve ser avaliada
no momento da celebração do negócio. Nesse sentido, o § 1º do art. 157
do Código Civil estabelece: “aprecia-se a desproporção das prestações
segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio
jurídico”. Sobre a questão o Enunciado 290 da IV Jornada de Direito
Civil do Conselho da Justiça Federal dispõe que “a lesão acarretará a
anulação do negócio jurídico quando verificada, na formação deste, a
desproporção manifesta entre as prestações assumidas pelas partes, não
se presumindo a premente necessidade ou a inexperiência do lesado”.
Se o desequilíbrio entre as prestações for provocado por fato futuro
(p. ex.: alta no preço dos imóveis, inflação, alta do dólar etc.), não poderá
ser invocada a lesão para a anulação do negócio jurídico. Nesse caso, a
parte prejudicada poderá se valer da revisão contratual por onerosidade
excessiva superveniente, mas deverá comprovar que o fato que provocou
o desequilíbrio é extraordinário e imprevisível (Código Civil, arts. 317
e 478 a 480).
b) Premente necessidade ou inexperiência: o que distingue es-
sencialmente a lesão do estado de perigo é o motivo que levou
o agente a contratar (indaga-se o que levou alguém a contratar
em condições tão desfavoráveis). Nesse ponto, o requisito sub-
jetivo da lesão pode ser a situação de premente necessidade ou
de inexperiência (basta uma delas).
A premente necessidade a que se refere o art. 157 do Código Civil
não é necessariamente econômica, embora seja a mais comum. Segundo
Caio Mário da Silva Pereira, a premente necessidade é a contratual, isto
162
Direito Civil
163
É certo que o Código Civil de 2002 não previu essa solução, mas
entendemos que pode ser adotada com base nos princípios da função
social e da conservação dos contratos: a revisão mantém o contrato vivo.
Além disso, a anulação do negócio pode não ser uma solução possível
para a parte prejudicada pela lesão porque a sentença determinará às
partes o retorno ao status quo ante. Imaginemos, então, um contrato
de compra e venda com lesão: com a anulação o comprador beneficia-
do deverá devolver o bem e o vendedor prejudicado deverá devolver a
quantia recebida. Se o vendedor tiver gastado o dinheiro, não terá como
pleitear a anulação, mas poderá requerer a revisão contratual para rece-
ber a diferença do preço.
164
Direito Civil
165
evitar que a situação do devedor seja agravada com a paralisação da
voCABuLário sua atividade econômica. Assim, o comerciante que estiver insolvente
credor quirografário: aquele poderá continuar vendendo os produtos de sua loja (negócio ordinário),
que não possui uma garantia mas incorrerá em fraude se alienar o próprio estabelecimento (negócio
real como a hipoteca, o pe- extraordinário).
nhor ou a anticrese. O segundo objetivo da norma é a garantia da subsistência do de-
vedor e de sua família, em atenção ao princípio da dignidade da pessoa
humana. Seria absurdo proteger o crédito de uma pessoa em detrimento
da sobrevivência de outra.
166
Direito Civil
167
8.7.4. fraude contra credores versus fraude à
execução
É muito comum a confusão entre a fraude contra credores e a
fraude à execução. Na fraude à execução, instituto de direito processu-
al civil, o devedor já tem contra si processo judicial capaz de reduzi-lo
à insolvência e, ainda assim, atua ilicitamente, alienando ou onerando
seus bens em prejuízo não só dos seus credores, mas também do próprio
processo, caracterizando reprovável atitude de desrespeito à justiça.
Caracteriza-se principalmente como ato de rebeldia à autoridade
estatal exercida pelo juiz, pois alienar bens na pendência deste e redu-
zir-se à insolvência significaria tornar inútil o exercício da jurisdição e
impossível a imposição do poder sobre o patrimônio do devedor.
Por outro lado, na fraude contra credores, instituto de direito civil,
o devedor não se insurge contra o processo ou a autoridade judicial.
Procura apenas se desfazer do seu patrimônio executável para que não
responda pelas obrigações anteriormente assumidas em contrato ou im-
postas pela lei.
A fraude à execução conduz à ineficácia do negócio jurídico e o seu
reconhecimento não depende de propositura de ação específica, poden-
do ser alegada incidentalmente mediante simples petição no processo,
resultando em decisão interlocutória. Diversamente, a fraude contra
credores determina a anulabilidade do negócio e exige a propositura
da ação pauliana para o seu reconhecimento. De acordo com a Súmu-
la 195 do STJ, “em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por
fraude contra credores”.
O grande problema é identificar a partir de que momento a
alienação de bens pelo devedor deixa de ser fraude contra credores e
passa a ser fraude à execução. A doutrina majoritária defende que o mo-
mento que separa os institutos é o da propositura da ação (de conheci-
mento ou execução). Se o bem foi vendido antes, haverá fraude contra
credores e, se o bem foi vendido após, haverá fraude à execução.
Adiantamos que esta é a posição mais justa, pois, a partir da propo-
situra da ação, o nome do devedor passará a constar dos distribuidores
cíveis, dos quais qualquer pessoa tem acesso aos dados ao requerer cer-
tidão (a cobrança se torna pública, impedindo a alegação de desconhe-
cimento da dívida pelo adquirente do bem).
Entretanto, na jurisprudência dos tribunais tem prevalecido a tese
de que somente haverá fraude à execução a partir do momento em que
o devedor foi citado da ação. Essa posição permite favorecer o devedor
de má-fé que pretenda dilapidar seu patrimônio e prejudica o credor
que deverá propor outra ação para tentar recuperar seu crédito. É muito
mais difícil e custoso anular a venda por fraude contra credores do que
declará-la ineficaz em razão da fraude à execução.
Outro fator de distinção entre os institutos, apontado pela doutri-
na, é a necessidade de prova da má-fé do adquirente na fraude contra
168
Direito Civil
169
170
9 invalidade dos
Negócios Jurídicos
9.1 iNvALiDADE
172
Direito Civil
é considerado um simples fato que não tem força para produzir efeitos
jurídicos. Desta forma, em princípio, não é sequer necessária a proposi-
tura de ação judicial para reconhecer o ato como inexistente (o ato existe
no mundo dos fatos, mas não no do direito).
No entanto, a prática revela que muitas vezes será necessária a pro-
positura de ação declaratória de inexistência. Isso faz com que desapa-
reça o principal fator de distinção entre a inexistência e a nulidade: a
necessidade de declaração judicial.
9.2 NuLiDADE
173
IV – não revestir a forma prescrita em lei: em regra o direito civil
não exige formalidade para a validade dos negócios jurídicos (Códi-
go Civil, art. 107). Contudo, quando esta é exigida e não for cumpri-
da, o negócio será nulo.
V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial
para a sua validade: embora alguns autores utilizem as expressões
“solenidade” e “formalidade” como sinônimas, entendemos que a
formalidade diz respeito à exigência de forma escrita, enquanto a so-
lenidade é a exigência de instrumento público (p. ex.: Código Civil,
art. 108). A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurí-
dico sempre que este puder provar-se por outro meio.
VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa: deve ser considerado
nulo o negócio jurídico que tenha por objetivo violar norma jurídica
considerada de ordem pública (aquelas que não podem ser afastadas
pelo exercício da autonomia privada).
VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática,
sem cominar sanção: o negócio jurídico será nulo se a lei assim o
determinar (nulidade textual ou expressa) ou se proibir a prática do
ato sem estabelecer sanção específica (nulidade virtual ou implícita).
Além das hipóteses do art. 166, o art. 167 do Código Civil dispõe
que “é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissi-
mulou, se válido for na substância e na forma”. O legislador do novel
diploma considerou a simulação como simples causa de nulidade diante
das inúmeras formas que ela pode revestir, mas a doutrina majoritária
continua considerando-a como vício social. Um vício social que deter-
mina a nulidade do negócio jurídico.
174
Direito Civil
9.3 ANuLABiLiDADE
175
da operabilidade ao uniformizar o tratamento conferido aos vícios
CurioSiDADE do negócio jurídico no Código Civil de 2002: todos determinam a
anulabilidade do negócio e ação deve ser proposta no prazo decaden-
Defeitos dos negócios jurídicos: cial de quatro anos. A simulação não seguiu o mesmo padrão, pois o
a) erro: “(...) quando a pessoa legislador entendeu que ela não seria vício do negócio.
manifesta sua vontade negocial em
razão de determinada pessoa ou de Além das hipóteses previstas no art. 171, o Código Civil apresenta
determinada coisa, mas fazendo com
outra pessoa ou coisa aparentes”.
diversas outras hipóteses de anulabilidade: arts. 117, 119, 141, 496, 533,
b) dolo: “(...) a malícia ou o arti- II, 1.550, 1.558, 1.649 e 2.027.
fício inspirado na má-fé para induzir a
outra parte a realizar o negócio jurídi-
co, em seu prejuízo”.
9.3.2. Consequências da anulabilidade
c) coação: “(...) a ameaça à Para que o negócio seja anulado, a parte interessada deverá propor
pessoa ou à família da outra parte ca-
ação anulatória. A legitimidade ativa é exclusiva da parte prejudicada
paz de incutir medo de dano pessoal
ou material caso não realize o negó- pelo ato e os seus efeitos só aproveitam aos que a alegarem, salvo o caso
cio jurídico pretendido pelo coator”. de solidariedade ou indivisibilidade do objeto.
d) lesão: “(...) o defeito do negó- A anulabilidade não pode ser pronunciada de ofício pelo juiz e
cio jurídico caracterizado pela van-
produz efeito antes de julgada por sentença. Essa sentença tem natu-
tagem desproporcional de uma das
partes, que age de má-fé, aproveitan- reza desconstitutiva e eficácia ex nunc consoante doutrina majoritária.
do-se da situação de vulnerabilidade Entretanto, há quem entenda que a eficácia seria ex tunc em razão do
da outra”. disposto no art. 182 do Código Civil: “anulado o negócio jurídico, resti-
e) estado de perigo: “(...) espécie tuir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo
do gênero lesão, caracterizado pelo
fato de que a pessoa prejudicada
possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente”.
tem consciência da desvantagem ou O negócio jurídico anulável pode ser confirmado pelas partes, re-
iniquidade provocadas pelo negócio troagindo à data em que foi celebrado o ato. Essa confirmação do ato
jurídico, mas o realiza ante a situação
não será possível se prejudicar direito de terceiro de boa-fé. O ato de
peculiar da necessidade de salvar-se
ou de salvar alguém de sua família”. confirmação pode ser expresso ou tácito. Se a confirmação for expressa,
f) fraude contra credores: “Cre- deverá conter a substância do negócio celebrado e a vontade expressa
dor e devedor, agindo de má-fé, utili- de mantê-lo. Também deverá ser observada a solenidade se esta for da
zam-se da aparência de determinado substância do ato.
negócio jurídico, que esconde a real
intenção, ou seja, de impedir que o A confirmação tácita pode ser verificada em duas hipóteses: a pri-
terceiro, credor de um deles, possa meira decorre do fim do prazo decadencial para a anulação do negócio;
ter satisfeito ou garantido, patrimonial- a segunda resulta do cumprimento parcial do negócio pelo devedor,
mente, o seu crédito”.
quando ciente do vício que o inquinava (o art. 174 dispõe que é escusa-
FONTE: LÔBO, Paulo. Direito Civil.
da – ou seja, dispensada – a confirmação expressa nesta situação).
Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2015.
p. 259-278. A confirmação expressa, ou a execução voluntária de negócio anu-
lável, nos termos dos arts. 172 a 174, importa a extinção de todas as
ações, ou exceções, de que contra ele dispusesse o devedor (art. 175).
voCABuLário Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de tercei-
ro, será validado se este a der posteriormente (art. 176).
Efeito ex tunc: é aquele que retro-
age à época em que se formou a A ação anulatória deverá ser proposta no prazo decadencial de qua-
relação jurídica. tro anos, contado: I – no caso de coação, do dia em que ela cessar; II – no
Efeito ex nunc: começa a atuar a de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia
partir da prolação da sentença, em que se realizou o negócio jurídico; e III – no de atos de incapazes, do
preservando os efeitos negociais dia em que cessar a incapacidade.
já produzidos. Se a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer
prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data
da conclusão do ato (Código Civil, art. 179). Esse prazo, por exemplo,
176
Direito Civil
177
assim como a fraude contra credores, a simulação apresenta defeito na
voCABuLário manifestação da vontade e tem por objetivo prejudicar terceiros que
conluio: ação combinada en-
não participaram do negócio.
tre duas ou mais pessoas com
o objetivo de lesar um terceiro, 9.4.2. requisitos da simulação
obter vantagem ilícita ou fur-
a) Conluio das partes envolvidas: na simulação os contratantes
tar-se ao cumprimento de uma
agem de forma conjunta e combinada. Nesse aspecto, a simu-
obrigação imposta por Lei.
lação não deve ser confundida com a reserva mental, embora
nas duas figuras o sujeito declare conscientemente algo diverso
do que na verdade pretende, com o fim de enganar alguém. Na
reserva mental a pessoa envolvida no negócio não tem conheci-
mento do fato e das intenções da outra parte, sendo vítima das
pretensões do sujeito; na simulação a vítima é um terceiro que
não participa do ato simulado. Além disso, ao estudarmos os
requisitos de validade do negócio jurídico no capítulo anterior,
vimos que a reserva mental, em regra, não gera a invalidade do
negócio (Código Civil, art. 110).
b) Propósito de iludir e enganar: a simulação é realizada com o
objetivo de produzir um efeito diverso do ostensivamente indi-
cado, que vicia o ato desde o seu nascimento. Sobre a aparência
de um ato lícito pretende-se prejudicar terceiros ou violar a lei.
Essa é a razão pela qual a simulação não deve ser confundida
com o dolo: na simulação as partes desejam prejudicar tercei-
ros, no dolo uma parte quer prejudicar outra.
c) Divergência consciente entre a vontade declarada e a vontade
real: as partes não se enganam de forma involuntária na simu-
lação. A diferença entre a vontade interna (intenção) e a vonta-
de externa (manifestação) é sempre consciente e desejada.
178
Direito Civil
179
9.4.4.2. Simulação relativa
ComENTário
A simulação relativa, também conhecida como dissimulação, é
iii Jornada de Direito Civil aquela em que há um negócio jurídico falso (negócio simulado) enco-
Enunciado 153 do CEJ: “Na simu- brindo outro verdadeiro (negócio dissimulado). Visa-se com o negócio
lação relativa, o negócio simula- simulado produzir efeitos diferentes daqueles que seriam naturais ao
do (aparente) é nulo, mas o dis- negócio. O negócio aparente, na simulação relativa, é um meio de reali-
simulado será válido se não ofen- zação do ato dissimulado, desejado. Ao contrário da simulação absoluta,
der a lei nem causar prejuízos a na simulação relativa a nulidade atingirá apenas a parte falsa do negócio,
terceiros”.
desde que a restante preencha os demais requisitos de validade (conteú-
iv Jornada de Direito Civil do e forma) do negócio jurídico.
Enunciado 293 do CEJ: “Na simu-
A simulação relativa pode ser classificada como subjetiva ou ob-
lação relativa, o aproveitamento
jetiva. Simulação relativa subjetiva é aquela em que o elemento falso
do negócio jurídico dissimula-
do negócio é o sujeito, isto é, a pessoa com quem se pretende contratar.
do não decorre tão somente do
afastamento do negócio jurídico
Por não poder contratar diretamente com determinada pessoa, o agente
simulado, mas do necessário pre- celebra o negócio jurídico com outra (interposta pessoa). Exemplo: a
enchimento de todos os requisitos pessoa que doa um imóvel à mãe de sua amante com o objetivo de burlar
substanciais e formais de validade a proibição legal de beneficiar diretamente sua amante (Código Civil,
daquele”. art. 550).
Simulação relativa objetiva é aquela em que o elemento falso do
contrato diz respeito a algum elemento objetivo. Pode ser quanto ao ob-
jeto (p. ex.: afirma que está vendendo um bem e na verdade é outro), à
natureza jurídica (p. ex.: o contrato é de compra e venda, mas pretende
a doação do bem), à data (p. ex.: o contrato é assinado hoje com data
futura ou pretérita), ao preço (p. ex.: a escritura pública de compra e
venda apresenta um valor abaixo do verdadeiro para que as partes pa-
guem menos impostos) etc.
180
10 Prescrição e
decadência
10.1 iNTroDuÇÃo
10.2 PrESCriÇÃo
182
Direito Civil
183
sa). Desta forma, as exceções independentes representam fatos que ape-
nas têm o poder de impedir o sucesso da pretensão do autor e podem
ser alegadas em qualquer momento (não prescrevem). Como exemplo
de exceções independentes, podemos citar a alegação pelo réu de que a
dívida já foi paga (exceção de pagamento); de que há coisa julgada; de
que a pretensão do autor está prescrita etc.
184
Direito Civil
185
prazos especiais de prescrição que variam de um a cinco anos. Esse rol
é meramente exemplificativo, pois no ordenamento jurídico são encon-
trados diversos outros prazos especiais, como, por exemplo: Constitui-
ção Federal, art. 7º, XXIX; art. 27 da Lei n. 8.078/90; Código Tributário
Nacional, art. 168; art. 21 da Lei n. 4.717/65 (ação popular – 5 anos) etc.
Contudo, iremos nos ater apenas à análise dos prazos previstos no art.
206 do Código Civil:
a) Prescreve em um ano:
I – a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres desti-
nados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da
hospedagem ou dos alimentos: o Código Civil de 2002 eliminou a dis-
tinção existente no Código Civil de 1916 entre as modalidades de hospe-
dagem, estabelecendo um prazo único de um ano. Contudo foi omisso
quanto ao termo inicial do prazo, apontando a doutrina a necessidade
de aplicação das regras previstas para a mora (Código Civil, art. 397) e
para o penhor legal (arts. 1.467, I, e 1.470).
II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste con-
tra aquele, contado o prazo: a) para o segurado, no caso de seguro de
responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação
de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a
este indeniza, com a anuência do segurador; b) quanto aos demais se-
guros, da ciência do fato gerador da pretensão: o Código Civil de 2002
unificou o prazo para exercício da pretensão do segurado contra o segu-
rador, eliminando a distinção existente no Código Civil de 1916 quanto
ao local do fato que deu origem à indenização (se em nosso país ou no
exterior). A única distinção existente é quanto ao termo inicial do prazo:
no seguro de responsabilidade civil o prazo deve ser contado a partir
da citação se o segurado foi demandado por terceiro prejudicado ou da
data em que segurado paga o terceiro prejudicado com a anuência do
segurador; nos demais seguros o prazo de um ano deve ser contado da
ciência do fato gerador da pretensão. Se o titular da pretensão não for o
segurado, mas, sim, o beneficiário, o prazo de um ano não será aplicável.
No caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório, o beneficiário
tem prazo de três anos para exercer sua pretensão contra o segurador
(art. 206, § 3º, IX).
III – a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários
judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e
honorários: compreende-se que este dispositivo deve ser aplicado tam-
bém para a pretensão dos delegatários do foro extrajudicial (Constitui-
ção Federal, art. 236). Como o legislador não especificou o termo inicial,
compreendemos que deve ser considerado o momento da conclusão dos
serviços, em analogia ao art. 206, § 5º, II, do Código Civil.
IV – a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que en-
traram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da
publicação da ata da assembleia que aprovar o laudo: este inciso traz
regra restritiva que só deve ser aplicada para regular a pretensão inde-
nizatória dos prejudicados em face do perito responsável pela avaliação
186
Direito Civil
187
(art. 27). Se o dano for decorrente de acidente de trabalho ou doen-
ça profissional, o entendimento do TST é no sentido de que deve ser
aplicada a prescrição trabalhista, com prazo de dois anos (RR 237200-
96.2006.5.02.0315 – julgado em 2010).
VI – a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebi-
dos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distri-
buição: o pagamento de lucros e dividendos nas sociedades por ações é
regulamentado pela Lei n. 6.404/76, que atribui responsabilidade soli-
dária dos administradores e fiscais em caso de pagamento com inobser-
vância do disposto no art. 201 da citada lei.
VII – a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por vio-
lação da lei ou do estatuto, contado o prazo: a) para os fundadores,
da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima; b) para
os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balan-
ço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou
da reunião ou assembleia geral que dela deva tomar conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembleia semestral posterior à
violação: o dispositivo estabelece o prazo de três anos para as pretensões
exercidas em face dos fundadores, administradores, fiscais e liquidantes
fundamentadas na violação da lei ou do estatuto (desvio de valores, des-
mandos, excesso de mandato etc.). A matéria também é regulamentada
pela Lei n. 6.404/76.
VIII – a pretensão para haver o pagamento de título de crédito,
a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial: o
prazo de três anos previsto no dispositivo é para a pretensão de execu-
ção do título de crédito. Caso esgotado o prazo, ainda resta ao credor
cobrar a dívida por meio da ação monitória (Código de Processo Civil,
art. 700), no prazo de cinco anos, consoante entendimento jurispru-
dencial do STJ fundado no art. 206, § 5º, I, do Código Civil. Por fim,
deve ser destacado que o prazo de 3 anos previsto nesse inc. VIII, do §
3º, tem aplicação subsidiária: só deve ser invocado se inexistente prazo
específico em lei extravagante. Não se aplica, por exemplo, à execução de
cheque, que tem prazo de seis meses contados da expiração do prazo de
apresentação (art. 59 da Lei n. 7.357/85 – Lei do Cheque).
IX – a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do ter-
ceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obri-
gatório: como exemplo de seguro de responsabilidade civil obrigatório
podemos citar o DPVAT, que já foi objeto de controvérsia no Superior
Tribunal de Justiça quanto à aplicabilidade do prazo de três anos (prazo
especial), previsto nesse inciso, ou de dez anos (prazo geral), previsto
no art. 205 do Código Civil. Atualmente a jurisprudência daquela Corte
está pacificada em três anos. O seguro DPVAT é regulamentado pelas
Leis n. 6.194/74 e 8.441/92, prevendo cobertura para eventos como lesão
corporal ou óbito em acidentes de trânsito.
d) Prescreve em quatro anos:
I – a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação
188
Direito Civil
189
determina que, salvo disposição legal ou convencional em contrário,
CurioSiDADE
computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do ven-
cimento.
A título de exemplo, em ação
indenizatória por erro médico o Como os prazos de prescrição são contados em anos (1, 2, 3, 4, 5 e
STJ já decidiu que o termo a quo 10 anos), deve ser aplicada a regra presente no § 3º: “os prazos de meses
do prazo prescricional deve ser o e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato,
dia em que a vítima tomou co- se faltar exata correspondência”. Entendemos que esse dispositivo deve
nhecimento de que instrumentos ser aplicado sem o caput do art. 132. Assim, se um acidente de trânsito
cirúrgicos foram deixados dentro ocorreu no dia 31 de dezembro de 2013, o último dia para ser proposta
do seu corpo (REsp 1.020.801/SP, a ação será o dia 31 de dezembro de 2016.
Rel. Min. João Otávio de Noronha,
Se não existir o dia correspondente no ano seguinte, deverá ser con-
julgado em 26-4-2011).
siderado o dia imediato (isso ocorre em caso de ano bissexto). Se o dia
do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até
o dia útil seguinte (Código Civil, art. 132, § 1º). Entendemos que essa
regra também vale para sábados e domingos, em razão de os fóruns esta-
rem fechados. Vale dizer que esse é o entendimento do Superior Tribunal
de Justiça.
190
Direito Civil
191
10.2.10.1. Hipóteses de impedimento e
suspensão
O Código Civil de 2002 agrupou as hipóteses de impedimento e
suspensão em três artigos, cada qual com três incisos. Por representarem
exceções à contagem do prazo de prescrição, devem ser interpretadas
restritivamente, compreendendo a doutrina majoritária que o rol dos
arts. 197, 198 e 199 do Código Civil é taxativo (recomendamos que essa
posição seja gabaritada em fase objetiva). Contudo, concordamos com
forte corrente doutrinária que sustenta que o rol pode ser ampliado pela
regra contra non valentem agere non currit praescriptios: a prescrição não
corre contra quem estiver impossibilitado de agir. A taxatividade do rol
impede a analogia, não a interpretação extensiva. Como exemplo dessas
JuriSPruDÊNCiA situações, podemos citar: a paralisação da justiça por caso fortuito ou
força maior, a ocultação dolosa do débito pelo devedor, pedido de paga-
Súmula 229- STJ: mento de indenização à seguradora (Súmula 229/STJ) etc.
“O pedido do pagamento
Vejamos, agora, quais são as hipóteses de impedimento e suspensão
de indenização à seguradora sus-
da prescrição que estão previstas no Código Civil de 2002:
pende o prazo de prescrição até
que o segurado tenha ciência da a) Entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal (art.
decisão”. 197, I – impedimento e suspensão): a hipótese se justifica pela
necessidade de se proteger a convivência harmônica entre os
cônjuges durante o casamento, evitando que sejam propostas
ações entre eles. Deve ser destacado que o Código Civil de 2002
substitui a expressão matrimônio, presente no Código Civil de
1916, por sociedade conjugal, uma vez que somente durante a
existência desta é que persiste a comunhão plena de vida (afe-
to e patrimônio). Dissolvida a sociedade conjugal pela separa-
ção, divórcio, viuvez etc., o prazo começará ou voltará a correr.
Quanto à separação de fato, entendemos que esta deve ser equi-
parada à separação judicial em seus efeitos, permitindo que a
prescrição corra. Em caso de anulação ou decretação de nuli-
dade do casamento, o cônjuge de boa-fé deve ser considerado
protegido até o fim da sociedade conjugal; quanto ao de má-
-fé, não haverá suspensão nem interrupção do prazo. A questão
mais polêmica diz respeito à aplicação analógica do dispositivo
à união estável:
1ª Corrente: defende que o dispositivo deve ser aplicado por
analogia. Compreendemos que essa é a posição mais coeren-
te em razão da obrigação constitucional que o Estado tem
de proteger a família, formada seja pelo casamento, seja pela
união estável (Constituição Federal, art. 226). Esse também
é o posicionamento do Conselho da Justiça Federal, nos
termos do Enunciado 296: “Não corre a prescrição entre os
companheiros, na constância da união estável”.
2ª Corrente: defende que não há impedimento ou suspensão
do prazo de prescrição na constância da união estável em
razão da omissão legislativa. Em fase objetiva de concursos
públicos que sigam a literalidade da lei, recomendamos que
192
Direito Civil
193
pensão): como a norma não especifica o tipo de serviço públi-
co, a doutrina tem admitido sua aplicabilidade para proteger
toda pessoa que preste, fora do País, serviços de utilidade para
a União, Estados ou Municípios: agentes diplomáticos; agentes
consulares; adidos militares; delegados em missões oficiais; co-
missionados para estudos ou pesquisas no exterior etc. Não se
exige que sejam servidores públicos em sentido estrito, basta
que exerçam atividade assim qualificada, a favor da administra-
ção direta ou indireta.
Outros ausentes: embora não exista dispositivo legal regulan-
do o impedimento e a suspensão da prescrição em favor dos
ausentes (pessoas que desaparecem de seu domicílio sem deixar
notícias – Código Civil, arts. 22 a 39), há enunciado do Conse-
lho da Justiça Federal no sentido de que “desde o termo inicial
do desaparecimento, declarado em sentença, não corre a pres-
crição contra o ausente” (Enunciado 156/CJF).
f) Contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em
tempo de guerra (art. 198, III – impedimento/suspensão): a
norma deve ser interpretada de forma a proteger as pessoas que
compõem as Forças Armadas durante períodos de guerra, es-
tejam cumprindo função dentro ou fora do País. Protege, tam-
bém, os membros das Forças Armadas que integram as forças
de paz da ONU.
Observação: todos os incisos dos arts. 197 e 198 do Código Civil
(acima analisados) retratam hipóteses subjetivas de suspensão
E impedimento da prescrição. Diversamente, todos os incisos
do art. 199 do Código Civil (abaixo analisados) representam
hipóteses objetivas de suspensão OU impedimento da prescri-
ção.
g) Pendendo condição suspensiva (art. 199, I – causa impediti-
va): a regra é explicada pela natureza da condição suspensiva:
suspende o exercício e a aquisição do direito, gerando mera ex-
pectativa de direito. Como o direito condicional não é exerci-
tável, não há falar em prazo de prescrição para o exercício do
direito em juízo.
Súmula 229 do STJ: “pedido de pagamento de indenização à
seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado
tenha ciência da decisão”.
h) Não estando vencido o prazo (art. 199, II – causa impeditiva):
as mesmas razões invocadas para justificar o dispositivo ante-
rior se aplicam a essa hipótese, pois o direito submetido a um
prazo, embora integre o patrimônio do seu titular (direito ad-
quirido), não é exercitável antes do implemento do termo certo
(evento futuro e certo).
i) Pendendo ação de evicção (art. 199, III – causa impeditiva):
denomina-se ação de evicção aquela que pode resultar na con-
194
Direito Civil
195
10.2.11.1.Hipóteses de interrupção da prescrição
O Código Civil de 2002 prevê no art. 2002 seis hipóteses em que a
prescrição é interrompida. Além dessas, podem ser encontradas diver-
sas outras na legislação extravagante: art. 66, V, da Lei n. 6.435/77; art.
174, parágrafo único, do Código Tributário Nacional; art. 17, parágrafo
único, do Decreto-lei n. 204/67 etc. Procurando nos ater aos objetivos
desta obra, analisaremos detidamente apenas as hipóteses previstas no
Código Civil:
a) Por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a
citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da
lei processual (art. 202, I): essa é a hipótese mais polêmica de
interrupção da prescrição diante do conflito existente entre o
dispositivo e o art. 219 do Código de Processo Civil, que de-
termina que a interrupção da prescrição ocorre com a citação
válida, retroagindo à data da propositura da ação. Para tanto,
a citação deve ser promovida no prazo de 10 dias subsequentes
ao despacho que a ordenar, prorrogáveis até o máximo de 90
dias. Como o autor não é prejudicado pela demora imputável
exclusivamente ao serviço judiciário, se a citação não for efe-
tuada nos prazos mencionados, haver-se-á por interrompida a
prescrição (Código de Processo Civil, art. 240 e Súmula 106/
STJ). Deve ser destacado que, ainda que a norma processual
(Código de Processo Civil) estabeleça a interrupção com a cita-
ção válida e a norma material (Código Civil) com o despacho
do juiz que ordenar a citação, não há um conflito relevante
entre as normas pelo fato de que a eficácia da segunda hipótese
foi condicionada pelo legislador civilista à realização da citação
válida (“...se o interessado a promover no prazo e na forma da
lei processual”), sempre retroagindo à data da propositura da
ação. Por fim, devemos destacar que a interrupção da prescri-
ção ocorrerá ainda que o juiz seja absoluta ou relativamente
incompetente.
b) Por protesto, nas condições do inciso antecedente (art. 202,
II): o protesto a que se refere esse dispositivo é o protesto ju-
dicial, regulado no Código de Processo Civil no art. 719 e se-
guintes, utilizado, em regra, para garantir a conservação de um
direito. Na ação de protesto, o despacho do juiz, mesmo incom-
petente, que ordenar a citação irá interromper a prescrição, se o
interessado a promover no prazo e na forma da lei processual.
c) Por protesto cambial (art. 202, III): o protesto cambiário ou
extrajudicial é aquele realizado no Cartório de Protesto de Tí-
tulos e Documentos. Desde o advento da Lei n. 9.492/97, que
regulamentou o protesto cambiário, deve ser considerada su-
perada a Súmula 153 do Supremo Tribunal Federal, pela qual o
“simples protesto cambiário não interrompe a prescrição”.
d) Pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário
ou em concurso de credores (art. 202, IV): o credor de uma
196
Direito Civil
197
Credores ou devedores solidários (art. 204, § 1º): a interrupção da
prescrição por um dos credores solidários aproveita aos outros, assim
como a interrupção efetuada contra o devedor solidário prejudica
os demais e seus herdeiros. Para aplicação da regra, não importa se
a obrigação é divisível ou não. Deve ser lembrado também que a so-
lidariedade é uma situação excepcional e nunca deve ser presumida
(resulta da lei ou da vontade das partes – Código Civil, art. 265).
Herdeiros do devedor solidário (art. 204, § 2º): a interrupção operada
contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros
herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos
indisponíveis. O legislador nada dispôs quanto à interrupção da pres-
crição promovida por um dos herdeiros do credor solidário, devendo
ser compreendido que esta não aproveita aos demais credores.
Fiador (art. 204, § 3º): em decorrência do princípio da gravitação
jurídica, também conhecido como princípio da acessoriedade, a in-
terrupção produzida contra o principal devedor (o afiançado) pre-
judica o fiador (o acessório segue a sorte do principal). O contrário
não ocorre: se a interrupção for realizada contra o fiador, o devedor
não será prejudicado. Embora inexista previsão expressa quanto ao
contrato de aval, deverá ser aplicada a regra prevista no § 1º do art.
204, diante da solidariedade obrigacional estabelecida por este (art.
43, Decreto n. 2.044/1908).
10.3 DECADÊNCiA
198
Direito Civil
199
decadência legal, deve declará-la de ofício, consoante determina o art.
210 do Código Civil. De forma coerente, o legislador também dispôs
que a decadência legal não pode ser renunciada (nem antes nem de-
pois de consumada). A explicação para tanto é simples: a decadência
legal envolve questões consideradas de ordem pública (interesse geral
da coletividade), daí não se admitir que, diante de um interesse público,
a parte possa abrir mão do prazo imposto pelo legislador. Pela mesma
razão não se admite que os prazos de decadência legal sejam alterados
(aumentados ou diminuídos) pelas partes.
200
Direito Civil
201
120 dias: para o interessado impetrar mandado de segurança (art.
18 da Lei n. 1.533/51 e Súmula 632 do STF); para o transportador
reclamar indenização pelo prejuízo que sofrer em caso de infor-
mação inexata ou falsa descrição, a contar do ato (Código Civil,
art. 745).
180 dias: para anular negócio concluído pelo representante em
conflito de interesses com o representado, a contar da conclusão
do negócio ou da cessação da incapacidade (Código Civil, art. 119);
para o adquirente de bem imóvel reclamar de vício redibitório de
difícil constatação (art. 445); para o condômino preterido em seu
direito de preferência haver para si a parte vendida por outro con-
dômino a estranho (art. 504); para o vendedor exercer o direito de
preferência contratual na alienação de coisa móvel (art. 513); para o
prejudicado reclamar da solidez e segurança da obra na empreitada
de edifícios ou outras construções consideráveis, a contar do apa-
recimento do defeito (art. 618); para anulação do casamento por
diversas razões (arts. 1.555 e 1.560).
1 ano: para o adquirente de bem imóvel reclamar de vício redibitó-
rio de fácil ou difícil constatação, a contar da tradição ou da consta-
tação (Código Civil, art. 445); para o adquirente reclamar comple-
mento da área ou para o alienante reclamar devolução, na compra
e venda ad mensuram, a contar da transcrição do título (art. 501);
para o doador pleitear a revogação da doação, a contar do conheci-
mento do fato que autoriza a revogação (art. 559).
1 ano e 1 dia: para o proprietário exigir que se desfaça janela, saca-
da, terraço ou goteira sobre o seu prédio (art. 1.302); para o possui-
dor pleitear liminar em ação possessória.
2 anos: para anular negócio jurídico, não havendo prazo específico,
a contar da celebração (Código Civil, art. 179); para o vendedor
exercer o direito de preferência contratual na alienação de coisa
imóvel (art. 513); para anular aprovação do balanço (art. 1.078, §
4º); para anulação do casamento celebrado por autoridade incom-
petente (art. 1.560); para anulação de negócio realizado por cônju-
ge sem a devida vênia (autorização) conjugal, a contar da extinção
da sociedade conjugal (art. 1.649); para o interessado requerer a
rescisão de julgado (Código de Processo Civil, art. 975).
3 anos: para anular a constituição de pessoa jurídica de direito pri-
vado por desrespeito aos requisitos legais (Código Civil, art. 45, pa-
rágrafo único); para anulação de decisões tomadas por maioria de
votos com violação de lei ou estatuto ou se viciadas por erro, dolo,
simulação ou fraude (art. 48, parágrafo único); para o vendedor de
coisa imóvel recobrá-la na compra e venda celebrada com cláusula
de reversão (art. 505); para anulação do casamento em razão de
erro essencial quanto à pessoa do cônjuge (art. 1.560, III).
4 anos: para anular negócio jurídico viciado por erro, dolo, estado
de perigo, lesão ou fraude contra credores, a contar da celebração
202
Direito Civil
203
11 Atos ilícitos e
responsabilidade Civil
ATENÇÃo CoNCEiTo, ESPÉCiES E DiSTiNÇÕES
11.1 NECESSáriAS, GENErALiDADE CiviL
Os artigos abaixo, todos do
Código Civil, são fundamentais
para o entendimento da matéria: O Estado Democrático de Direito garante a todos os cidadãos a or-
Art. 186. Aquele que, por dem e a paz estabelecendo entre as garantias fundamentais da Consti-
ação ou omissão voluntária, ne- tuição Federal de 1988 a apreciação pelo Poder Judiciário sempre que
gligência ou imprudência, violar
houver lesão ou ameaça a direito.1
direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, Quando o legislador constituinte se refere à proteção sempre que
comete ato ilícito. houver lesão ou ameaça a direito, subentende o dever legal de não causar
Art. 393. O devedor não res- dano a outrem.
ponde pelos prejuízos resultantes
de caso fortuito ou força maior, se
11.1.1. AToS iLÍCiToS
expressamente não se houver por
eles responsabilizado. Parágrafo O ato ilícito é a conduta, a ação ou a omissão do agente que ge-
único. O caso fortuito ou de força rou o dano, o prejuízo a outrem. Recebe o nome de ilícito porquê
maior verifica-se no fato necessá- interrompe, ofende, invade a direito alheio, provocando resultado in-
rio, cujos efeitos não era possível desejado, sem consentimento prévio ou autorização legal. A vítima
evitar ou impedir.
simplesmente é constrangida aos efeitos danosos causados pelo ato
Art. 927. Aquele que, por
ilícito do agente.
ato ilícito (Arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a O ato ilícito civil é um fato jurídico relevante para o direito civil,
repará-lo. pois acontece por ação ou omissão do agente, resultando em dano pa-
Art. 935. A responsabilidade trimonial (material) ou extrapatrimonial (moral) sobre o direito de ou-
civil é independente da criminal, trem, que injustamente o suporta, assistindo-lhe por esta razão, o direito
não se podendo questionar mais à reparação. A vítima de danos cíveis busca que o Poder Judiciário con-
sobre a existência do fato, ou so- dene o autor do fato à reparação do seu estado anterior ao dano (status
bre quem seja o seu autor, quan- quo ante).
do estas questões se acharem de-
Onde estiver o ato ilícito aí estará a infração ao dever legal de não
cididas no juízo criminal.
lesar a outrem.
Art. 936. O dono, ou detentor,
do animal ressarcirá o dano por
este causado, se não provar cul- 11.1.2. rESPoNSABiLiDADE CiviL E
pa da vítima ou força maior. rESPoNSABiLiDADE CrimiNAL
Art. 937. O dono de edifício
ou construção responde pelos Por outro lado, o ato ilícito penal consiste em ação ou omissão do
danos que resultarem de sua ru- agente, cujo fato é previamente tipificado por norma penal de direito
ína, se esta provier de falta de público. O interesse lesado é da sociedade e a sua forma de reparação se
reparos, cuja necessidade fosse dá através de punição, que pode ser desde uma pena pecuniária (multa
manifesta. ou fiança) até restrição total da liberdade da pessoa (reclusão ou deten-
Art. 938. Aquele que habitar ção – conforme a gravidade do tipo penal). O agente responderá por
prédio, ou parte dele, responde
pelo dano proveniente das coisas
que dele caírem ou forem lança-
das em lugar indevido.
1. CF, Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
Art. 944. A indenização me- garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabili-
de-se pela extensão do dano. dade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: XXXV – A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito.
206
Direito Civil
nexo causal
207
resulta da escolha inadequada. Exemplo: empresa contrata motoris-
ATENÇÃo ta sem carteira de habilitação para o caminhão); e e) in custodiando
(aquela que decorre da guarda e conservação de coisas ou bens. Exem-
A culpa aquiliana ou strictu
sensu é a culpa extracontratual
plo: depositário, locatário etc.).
do agente; é aquela que se pauta c) nexo causal – trata-se da relação existente entre a causa (conduta
em sua imprudência, negligência do agente) e o efeito (dano a ser reparado). O nexo de causalidade de-
ou imperícia. A culpa contratual monstra quem deu causa ao dano, ao prejuízo sofrido injustamente, o
viola um dever jurídico prescrito qual deverá indenizar a vítima.
no acordo entre as partes. No entanto, caso esteja presente uma das hipóteses abaixo, estará
excluída a ilicitude do ato, por romperem o nexo de causalidade: I) culpa
O dano moral pode ser, ain- exclusiva da vítima; II) caso fortuito; e III) força maior.
da, direto, como se dá pela inscri- d) dano (material ou moral) – deverá haver prova de dano efeti-
ção indevida do nome no cadas-
vo, seja patrimonial (material) ou extrapatrimonial (moral). Os danos
tro de inadimplentes, uma ofensa
materiais e morais possuem meios técnicos para sua quantificação (CC,
aos direitos da personalidade. E o
arts. 944 a 954). A pretensão de reparação não subsistirá se não houver
dano moral indireto ou ricochete,
no qual se dá um desfalque pa-
demonstração do prejuízo. Em regra, deverá a vítima provar a existên-
trimonial e por reflexo, atinge um cia do dano e quantificá-lo para obter a reparação. Isto porque o pedido
valor da personalidade. Exemplo: deve permitir a ampla defesa e o contraditório. Contudo, existem muitas
o violino que pertencia ao seu bi- hipóteses aceitas na jurisprudência em que se permite a aplicação da pre-
savô e estava em sua companhia sunção de existência de dano moral (dano in re ipsa), como por exemplo
há mais de 30 anos foi roubado. O decidiu o Superior Tribunal de Justiça nos casos de: a) inscrição indevida
violino tem um valor material (pa- do nome no cadastro de inadimplentes; b) talões de cheques extraviados
trimônio) e um valor inestimável do Banco e utilizados por terceiros; c) atrasos de voo; d) impedimento
(extrapatrimonial). doexercíciodaprofissãopordiplomasemreconhecimentonoMEC;e)
multas de trânsito lavradas por erro administrativo; e f) publicação do
O risco apresenta diver- nome de médico que não pertence a convênio.
sas modalidades: risco proveito,
quando quem colhe os bônus
11.1.4. rESPoNSABiLiDADE SuBJETivA E
suporta os ônus; risco profissional,
que se relaciona ao trabalho; ris-
rESPoNSABiLiDADE oBJETivA
co excepcional, atividades que Com fundamento na teoria clássica, a responsabilidade subjetiva é
envolvem grau elevado de pe- aquela que busca a prova da culpa do agente a fim de com ela lhe impu-
rigo, e risco integral, quando o tar o dever de indenizar a vítima. Na responsabilidade subjetiva, se não
grau de perigo é tão alto que não encontrada a culpa, em sentido amplo (dolo ou culpa) não responderá
admite exclusão da responsabili-
por perdas e danos causados o agente.
dade.
São excludentes de responsabilidade civil subjetiva: I) legítima
defesa; II) estado de necessidade; III) o exercício regular de um direi-
to; IV) o estrito cumprimento do dever legal; V) o caso fortuito; e VI)
a força maior.
A responsabilidade objetiva não exige que se prove a culpa do agen-
te; basta provar a existência do dano e do nexo causal. A admissibilidade
da responsabilidade sem culpa se justifica em razão de estar prevista na
lei (ex.: é responsabilidade objetiva dos pais (CC, art. 932, I) os atos pra-
ticados por seus filhos incapazes (CC, art. 933), ou por força do risco
inerente à atividade do autor e a natureza do risco.
A teoria subjetiva foi adotada como regra geral para imputação da
responsabilidade em nosso Código Civil.
208
Direito Civil
Para que seja possível imputar o dano ao agente, deverá ele pos-
suir capacidade de discernimento. Então como fica a responsabilidade
ATENÇÃo
daqueles que não possuem condições mínimas para exercerem o discer-
Enunciado 361 da iv Jornada
nimento? de Direito Civil: “361 – Arts. 421,
O responsável será aquele que os representar (pai, tutor, curador 422 e 475. O adimplemento subs-
etc.); nestes casos, a responsabilidade objetiva decorre da previsão legal. tancial decorre dos princípios ge-
E se o representado possuir patrimônio, este responderá, desde que se rais contratuais, de modo a fazer
faça por equidade (não permitindo que prive o incapaz e as pessoas que preponderar a função social do
dele dependerem para seu sustento). contrato e o princípio da boa-fé
objetiva, balizando a aplicação
do art. 475”.
11.1.5. ABuSo DE DirEiTo
O abuso de direito é um ato ilícito que se configura quando o titu-
lar do direito, ao exercê-lo, excede os limites impostos pelo ordenamen-
to jurídico (ignorando a finalidade social do seu direito subjetivo). O
agente se desvia dos fins sociais estabelecidos para harmonizarem-se ao
ordenamento jurídico como um todo.
Entre os casos mais típicos de abuso de direito, estão as questões
envolvendo o direito de vizinhança, como, por exemplo, o uso indevido
do direito de propriedade, que terminam por afetar a saúde, o sossego e
a segurança alheios. E, ainda, demandar por dívida antes de vencida ou
por dívida já paga.
Na aplicação da lei, como já estudamos, o juiz deverá levar em conta
os fins sociais e as exigências do bem comum aos quais ela se dirige.
Considerando que um contrato de financiamento de veículo com
36 (trinta e seis) parcelas seja executado por inadimplemento, quando
restavam apenas três, não parece que a ação judicial atenda à boa-fé e
aos fins sociais. Neste caso, poderá o magistrado, com força no art. 5º da
LINDB, aplicar a teoria do adimplemento substancial (Enunciado 361
da IV Jornada de Direito Civil ).
Ao lado da teoria do abuso de direito, existem alguns desdobramen-
tos: a) venire contra factum proprium; b)supressio, surrectio e tu quoque.
a)Venire contra factum proprium – Fundamentando-se no prin-
cípio da solidariedade, esta teoria compreende que as partes durante a
relação contratual admitem um comportamento que permite certa pre-
visibilidade ou coerência habitual, provocando uma expectativa que não
deve ser contrariada repentinamente, em razão da boa-fé e da necessá-
ria conduta leal e ética entre as partes. Para que se configure a conduta
contraditória, a parte deverá desde o início da relação manter sempre
determinada conduta (factum proprium). Por exemplo, um locador cujo
locatário sempre atrasa o pagamento do aluguel, nunca cobrou multa,
até que, quando faltavam dois meses para o término do contrato, passou
a cobrá-las todas de uma vez. Aqui houve quebra do factum proprium
identificado na conduta inicial de não ter cobrado as multas.
b) Supressio, surrectio e tu quoque – A supressio é a supressão, a
perda de determinada faculdade jurídica no decurso do tempo. Esta
teoria compreende ser inadmissível o exercício de um direito por seu
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retardamento desleal. A omissão gera na outra parte uma expectativa le-
ATENÇÃo gítima, fazendo nascer para ela um novo direito subjetivo. Na surrectio é
o contrário, o surgimento de uma situação de vantagem para alguém em
Enunciado 412 da V Jornada
de Direito Civil. Art. 187: As diver-
razão do não exercício por outrem de um determinado direito; admite a
sas hipóteses de exercício inad- aquisição de um direito subjetivo.
missível de uma situação jurídica Desdobramento do princípio da boa-fé objetiva, ligado à regra de
subjetiva, tais como supressio, tu proibir um comportamento contraditório (venire contra factum pro-
quoque, surrectio e venire contra prium ), o tu quoque, será invocado para afastar o comportamento abu-
factum proprium, são concreções sivo de uma das partes que buscaria surpreender a outra em situação de
da boa-fé objetiva. desvantagem (Enunciado 412 da V Jornada de Direito Civil).
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