Naturologia: pontos nos is - PÚBLICO http://www.publico.pt/espaco-publico/jornal/naturologia-pontos-nos-is...
CARLOS CAMPOS VENTURA* 03/02/1999 - 00:00
Circulam alguns lugares-comuns acerca da naturologia que, por assentarem
em bases falsas, será bom observar com mais atenção. A naturologia nasce, como corpo autónomo e coerente, no século passado, como "reacção positiva" a três características daquele século: a revolução industrial selvagem, o aparecimento da indústria química e o aparecimento da indústria farmacêutica.Não é portanto de estranhar que, centrando a sua acção na saúde e na alimentação, a naturologia tenha tido também uma intervenção significativa no campo social, político, associativo e filantrópico. Grandes nomes da cultura, das artes, das letras, das ciências e da sociedade em geral partilharam e apoiaram estes ideais desde sempre. Na realidade social europeia nascem então dois dos três "pés" na naturologia actual: a homeopatia, criada por Hanemann há já quase duzentos anos, e a naturologia, que ao longo dos séculos XIX e XX se foi constituindo. A medicina oriental, muitas vezes referida simplesmente como acupunctura, só se afirma em Portugal com o 25 de Abril e é o último elemento do tripé da naturologia, termo que presentemente designa o conjunto de métodos terapêuticos que foram divergindo, desde há dois séculos, da medicina hoje chamada oficial, convencional ou alopática. Ao longo destes dois séculos, um número incontável de homens e mulheres de enorme valor dedicaram o melhor de si mesmos ao estudo, aprofundamento, prática e divulgação deste saber - e, apesar e contra as entidades oficiais e os interesses económicos e científicos estabelecidos em alguns países, as suas ideias e métodos venceram.Hanemann, falecido com 88 anos, em 1843, viu a homeopatia ter uma expansão extraordinária, tanto na Europa como na América. Faz hoje parte incontornável da saúde de muitos milhares de milhões de seres humanos e está integrada no sistema de saúde de muitos países, inclusivamente europeus, o mesmo acontecendo com vários métodos terapêuticos da naturologia e da medicina oriental. Ao longo de todo este processo, e perante o alheamento e resistência da maior parte da classe médica estabelecida, muitos foram os naturopatas, homeopatas e acupunctores que exerceram e continuam a exercer em todo o mundo. Hanemann deixou grande número de seguidores, tendo alguns estudado directamente com ele e tendo, desde o início, o seu aval homeopatas com e sem formação médica prévia. Isto continua a ser assim em vários países, como, por exemplo, a Grã-Bretanha, a Alemanha ou a Índia, onde o ensino da Homeopatia funciona simultaneamente como especialidade médica e disciplina holística, sendo neste caso todo o plano de estudos adaptado a uma formação não alopática.Portugal partilhou honradamente da história da naturologia, com nomes significativos que deram o seu melhor para que os 1 de 3 22/09/2015 23:09 Naturologia: pontos nos is - PÚBLICO http://www.publico.pt/espaco-publico/jornal/naturologia-pontos-nos-is... seus concidadãos partilhassem da saúde integral que a naturologia promove e pratica. A população deu-lhes razão. Ao contrário do que antes acontecera, com a implantação do Estado Novo a naturologia passa a experimentar dificuldades de expressão e de organização. No nosso país, os naturologistas tiveram basicamente duas vias de formação. Uns recorreram a seminários e cursos que aqui foram sendo promovidos, principalmente desde 1974, e outros procuraram cursos no estrangeiro. Além disso, é claro, muita prática e anos de profissão. Existindo neste momento ensino superior, os portugueses não têm necessidade de sair do seu país para adquirirem formação estruturada e de qualidade. Revelam-se portanto gratuitas afirmações veiculadas por indivíduos e organizações que negam a realidade ou, pelo menos, a desconhecem.Assim, como está claramente definido nas competências da Classificação Nacional das Profissões (Ministério do Emprego e Segurança Social, 1994, págs. 177-178), a profissão de especialista de medicina tradicional; acupunctor-naturologista; homeopata-naturologista; naturopata-naturologista, não colide, antes complementa a profissão médica. Na verdade, aqueles profissionais de saúde executam actos naturológicos e não, obviamente, actos médicos. Se alguém se intitular médico sem o ser, deve evidentemente ser processado. Mas que se não tentem confundir as coisas: os naturologistas, na generalidade, não se auto-intitulam médicos, não o querem ser e executam orgulhosamente actos naturológicos. Aliás, nem se percebe para que é que, para executar actos naturológicos, interessaria a alguém intitular-se médico, já que, no Código Deontológico da Ordem dos Médicos (OM), reza o artigo 138º, nº 3: "Comete falta deontológica grave o médico que se apresente publicamente (...) como homeopata, naturopata, ou outra qualquer forma de medicina paralela (...)".Os charlatães que existem nesta profissão podem continuar as suas actividades porque o governo se tem escusado a legislar o sector e a dar poder às associações de classe para excluir da profissão os elementos sem qualidade técnica e deontológica. Os profissionais competentes e honestos estão portanto inibidos de ordenar o sector por culpa do próprio governo. (Oficiosamente é-nos dito que esta situação se mantém devido aos pareceres sistemática e rotundamente negativos da OM.) A melhor forma de acabar com a incompetência é homologar o ensino superior já existente. Porque é que isso não acontece? Na Escola Superior das Ciências Naturais e Homeopáticas, 150 alunos com pelo menos o 12º ano de escolaridade passam cinco horas diárias, cinco dias por semana, durante quatro anos, a estudar com docentes de qualidade. Alguém acredita que estão a estudar para charlatães? Aparentemente, sim, uma vez que a OM, também quanto ao ensino, tem dado sempre parecer negativo, quando consultada pelo ministério.Tivessem a profissão e o ensino sido regulamentados e já a existência de "charlatães" seria residual. A responsabilidade da situação cabe por inteiro a quem tem erguido diques para que o rio não corra. Mas o efeito tem sido o oposto. Há 60 anos que a OM diz à população que a naturologia não é científica e que todos os naturologistas são charlatães e falsos médicos. E o que faz a população? Acorre cada vez mais 2 de 3 22/09/2015 23:09 Naturologia: pontos nos is - PÚBLICO http://www.publico.pt/espaco-publico/jornal/naturologia-pontos-nos-is... a essas terapias "não científicas" e a esses naturologistas... Porque será? Não é altura de perceber que a concepção de científico vigente na OM está epistemologicamente ultrapassada? Não é altura de perceber que a população sabe que, entre os naturologistas, existem profissionais eficazes e honestos em grande número? Na verdade, a atitude dogmática da OM é das que mais têm contribuído para o descrédito e desrespeito quanto à classe médica, já que a população comprova na prática que as autoridades médicas estão desfasadas e ignorantes de terapias que cerca de dois milhões de portugueses utilizam descomplexadamente. Felizmente, a população tem o bom senso de concluir que médico é médico e naturologista é naturologista. O cidadão distingue-os, conhece-os e recorre ao que o trata mais eficazmente, conforme o caso.Até porque, apesar de esta realidade atravessar transversalmente a sociedade como um todo, nós sabemos e as estatísticas confirmam que os utentes da naturologia são principalmente indivíduos urbanos, informados, cultural e socialmente integrados nos estratos médio, médio-alto, alto. Assim sendo, é importante que se não continue a tentar misturar duas realidades histórica, cultural e sociologicamente diversas: a medicina popular e a naturologia. A primeira rural, suburbana, de tradição mágico-religiosa e de transmissão oral, a segunda urbana, letrada, de tradição hipocrática e aprendizagem escrita/académica.Esperemos que o bom senso chegue a quem deseja a guerra a todo o preço. Isso seria desastroso para todos, mas principalmente para a população. Também na naturologia a instalação de inquisidores e de leis secas conduziriam a experiências já vividas repetidamente noutros campos e situações: a clandestinidade, os subterfúgios e a promoção - então sim - do charlatanismo sem freios. Os incompetentes, os oportunistas, os charlatães sentir-se-iam então como peixe na água porque desejam esta "solução". Será que a cúpula actual da OM também?
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