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Rafael Ioris – University of Denver | EUA
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Suely Messeder - Universidade do Estado da Bahia
Vanessa Neitzke Montinelli - Instituto Nacional do Câncer
Wallace dos Santos de Moraes - Universidade Federal do Rio de Janeiro
Yuderkys Espinosa Miñoso - Facultad Latino Americana de Ciencias Sociales
GMEN
TOs
do
porvir
Inclui bibliografia.
1. Filosofia. 2. Ética (moral). 3. Racismo. I. Título. II. Autor.
CDD 170
11
AGRADECIMENTOS
15
APRESENTAÇÃO
POR WANDERSON FLOR DO NASCIMENTO
19
PREFÁCIO
POR WINNIE BUENO
23
INTRODUÇÃO
31
POLÍTICAS DO AMOR E
SOCIEDADES DO AMANHÃ
47
TEM SAÍDA?
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE RACISMO
AMBIENTAL E HORIZONTES PARA A CONSTRUÇÃO
DE UM NOVO MUNDO
75
“A GENTE COMBINAMOS DE NÃO MORRER”:
CORPOS EM ALIANÇA,
RESISTÊNCIA POLÍTICA E DISPUTAS DE NARRATIVAS
83
AMOR, SIGNIFICANTE DESPÓTICO
– UM DIÁLOGO COM HELENA VIEIRA
107
POR UMA POLÍTICA DO PORVIR:
ONTOLOGIAS DE UM FUTURO (IM)POSSÍVEL
161
PÓSFACIO
POR ROBERTA RIBEIRO CASSIANO
165
SOBRE O AUTOR
12 FRAGMENTOS DO PORVIR
16 FRAGMENTOS DO PORVIR
Vinícius da Silva 17
20 FRAGMENTOS DO PORVIR
Vinícius da Silva 21
1 HOOKS, bell. Salvação: pessoas negras e amor. Trad. Vinícius da Silva. São Paulo: Editora Ele-
fante, no prelo (quando da publicação deste).
24 FRAGMENTOS DO PORVIR
Vinícius da Silva 25
Pensar em um outro fim de mundo pode ser uma utopia? Sim, mas
utopias não devem mirar o impossível, como sugere Felwine Sarr.5 Para o
filósofo, as utopias não nos entregam a um doce devaneio, mas servem como
instrumentos para se pensar configurações dos possíveis e os espaços do real
a serem alcançados através do pensamento e da ação. Trata-se, portanto, de
uma tarefa coletiva e que necessita de mobilização, caso contrário, para onde
iremos nós? Tendo em vista que a coletividade é o centro da ação política,
considero ser o amor (esse termo que ao longo do livro pode ser renomeado) o
princípio ético e político necessário para que não cometamos mais os erros do
passado ao pensarmos novos projetos de sociedade que se baseiam na plurali-
dade e comunitarismo. Estamos falando do amor enquanto estratégia política.
Com este livro, busco teorizar o amor enquanto uma tecnologia/téc-
nica política. Aqui, tomo emprestado a definição de “técnica/tecnologia” de
Foucault.6 Para Foucault, as tecnologias (do poder) têm como função prin-
cipal gerenciar e regular a vida. Foucault estaria, então, mais preocupado em
compreender as dinâmicas das tecnologias de disciplina do corpo através dos
4 HOOKS, Salvation, p. 225. Todas as traduções de obras em línguas estrangeiras são nossas, a não
ser que o título da obra esteja sendo referenciado em português.
5 SARR, Afrotopia, 1960.
6 CASTRO, Vocabulário de Foucault, p. 412.
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28 FRAGMENTOS DO PORVIR
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11 Versão revisada e ampliada de SILVA, Vinícius Rodrigues Costa. & NASCIMENTO, Wan-
derson Flor. Políticas do amor e sociedades do amanhã. Voluntas: Revista Internacional de Filosofia,
v. 10 (Edição Especial: Interfaces da Filosofia Africana), pp. 168-182, 2019. DOI: https://doi.
org/10.5902/2179378639954
12 Como não é meu objetivo aprofundar a discussão sobre o pensamento de bell hooks neste livro, eu
gostaria de fazer uma breve observação sobre a relação entre feminismo e amor, para hooks. Em O femi-
nismo é para todo mundo (2000), especificamente, hooks salienta a relação entre amor e política feminista,
uma vez que se trata de políticas antidominação. Com isso, considero ser importante salientar que hooks
é necessariamente uma autora que deve ser lida como feminista revolucionária e a sua teoria feminista
não deve ser apagada, sobretudo quando falamos de amor. A teoria feminista de hooks é, em certa me-
dida, uma teoria sobre amor. Promover o apagamento destas formulações teóricas em seu pensamento é
colaborar com a manutenção da supressão do pensamento feminista negro transnacional.
13 HOOKS, All about love, p. 5.
14 PECK, The Road Less Traveled, 1978.
Nos dias de hoje, não nos faltam discursos sobre o amor, mas, como
aponta hooks, há uma falência nas práticas do amor, sobretudo, na vida de
pessoas negras. Em outras palavras, há diversos discursos e múltiplas aborda-
gens sobre amor atualmente, mas não há uma práxis amorosa. Não há, hoje,
uma política do amor. Acreditamos que falar de amor hoje é nadar contra a
corrente, é desafiar o status quo16 que nos prega uma visão completamente
essencialista do amor, isto é, o amor como apenas sentimento, além da alta
disseminação de discursos ocidentais individualistas que tendem a nos afastar
de uma ética e uma política do amor.
Para hooks, o amor tem um poder transformador que é o fundamento
de toda mudança social significativa e, sendo assim, sem o amor, nossas vidas
não possuem significado algum, afinal, o amor é “o coração da questão”.17
Em 1963, o reverendo Martin Luther King Jr., se posicionou perante
cerca de 250 mil pessoas e proferiu o seu mais famoso discurso, I Have a Dre-
am, no qual falou sobre seu sonho de ver uma sociedade sem distinção racial,
sem racismo. Embora Luther King não deixasse isso explícito nesse discurso,
o sonho do reverendo só se tornaria realidade se ele estivesse fundamentado
numa política do amor. Os objetivos de King sempre estiveram fundamenta-
dos sob uma ética e uma política do amor, mas a cultura dominante não. Em
1967, King salientou que:
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Dessa forma, por mais que, para nós, os discursos de Luther King nem
sempre deixassem isso nítido, eles (assim como King) se baseavam naquilo
que há de mais importante entre nós e para nós: o amor. E hooks enxergava
em King, e em suas práticas, a centralidade explícita do amor. Com este livro,
estou interessado em explicitar o caráter político do amor enquanto uma sa-
ída para a crise que, segundo nossa autora, faz com que nós, enquanto povo,
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As ideias postas em jogo na percepção que hooks nos traz sobre o amor
depreende sua dimensão ética na medida em que oferece elementos para que os
valores que utilizamos para guiar nossas relações com os outros e conosco mesmos
seja balizado pela dimensão de uma decisão, de um ato de amar – e de se deixar
ser amado. Na dimensão política, permite que as feridas abertas – e que precisam
ser curadas – pelo racismo deixado pela história colonial, e cotidianamente refor-
çadas em dinâmicas de poder, possam ser enfrentadas em uma dimensão coletiva,
que permita um fortalecimento mútuo na construção de sociedades mais justas e
menos opressivas. Neste momento, essa articulação nos parece suficiente.
Quando essa meta (ter o amor enquanto política) não é alcançada,
a falta de uma práxis do amor desencadeia o que Achille Mbembe chama de
“sociedades de inimizade”. O processo de construção e consolidação das so-
21 HOOKS, Salvation, p. 4.
22 HOOKS, Salvation, p. 14.
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O que acontece, de acordo com hooks, é que nos resta uma herança
colonial que nos impede de amar, pois esta promove uma imagem da alterida-
de que se instala na forma do inimigo, pois produz “uma gama de sofrimentos
que não desencadeavam como resposta nem uma tomada de responsabilidade,
nem solicitude, nem simpatia e nem sequer piedade”.25
Desde o século XIX, os Estados modernos garantem sua efetiva ação
através da política de morte, aquilo que Mbembe nomeia de necropolítica. De
lá para cá, os Estados são Estados, necessariamente, de guerra, onde a busca
maior é por exterminar o Outro. Em sua obra Políticas da Inimizade, Achille
Mbembe argumenta que, numa sociedade de inimizade:
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Dito isso, é preciso, então, que nos voltemos à outra questão impor-
tante para hooks: o espírito. Ao contrário da tradição moderna ocidental que
insiste em distinguir espírito e matéria, razão e emoção, a questão do espírito
diz respeito à nossa capacidade de estarmos em comunidade.35 Abordando o
amor romântico, Sobonfu Somé ressalta que:
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39 MACHADO, Comunicação ancestral e filosofia indígena: a educação da mãe terra, p. 515.
40 HOOKS, Love as the practice of freedom, p. 246.
41 Para West, em sua obra, o niilismo deve ser compreendido não como uma doutrina filosófica,
mas como a condição de viver uma vida “sem significado, sem esperança e (mais importante) sem
amor.” (Race Matters, p. 23).
42 WEST, Race Matters, p. 29.
43 WEST, Race Matters, p. 29.
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organizam. Para hooks, é preciso saber o que queremos dizer quando falamos
de amor – é preciso estabelecer um enquadramento linguístico a partir do
qual os sentidos do amor serão estabelecidos. Por isso, hooks reivindica uma
definição clara e concisa do amor para que a partir disso possamos avançar
enquanto coletividade. O movimento que hooks faz é um dos princípios bá-
sicos da ação política, conforme pensada por Hannah Arendt, por exemplo, o
estabelecimento de consensos e acordos.
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57 GLASS, Love Matters: bell hooks on Political Resistance and Change. In: Davidson & Yancy
(eds.). Critical Perspectives on bell hooks, 2009, p. 182.
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de um novo mundo
Quando tive meu primeiro contato com os estudos sobre racismo am-
biental, eu buscava respostas à grande pergunta “por que minorias étnicas
estão mais propensas a serem impactadas negativamente por acontecimentos
da natureza [deslizamentos, chuvas fortes, etc.]?” A partir da bibliografia ade-
quada, articulei-me para escrever aquilo que se tornaria, pouco tempo depois,
um projeto de pesquisa sobre racismo ambiental - o qual escrevi com Lua-
ra Magano, sob orientação dos professores Luiggia Girardi e Elton Simões.
De alguma forma, para além de todas as análises e levantamentos de dados
que realizamos, nosso projeto buscava responder à outra questão, igualmente
importante, “o que legitima a precarização dessas populações [afetadas pelo
racismo ambiental] e a condição de inevitabilidade das situações de desuma-
nização às quais essas populações são submetidas?”
O que se segue é um diálogo, realizado em novembro de 2020, que é
fruto de uma articulação mais antiga. Aqui, converso com Andressa Dutra –
gestora ambiental, pesquisadora e uma das minhas principais interlocuções no
campo do racismo ambiental - sobre as dinâmicas das injustiças e do racismo
ambiental e sobre os possíveis horizontes de resistência que temos pensado a
partir disso. Vale ressaltar que essas interlocuções, aqui transcritas, também
são informadas pelos extensos diálogos que tecemos em nossa rede de ambien-
talistas negros, com Luara Magano, Rafaela Dornelas, Victor de Jesus, Ciro
Brito e Erley Bispo.
Andressa Dutra: É por esse caminho que acredito que devemos se-
guir. Até cabe ressaltar nesse primeiro momento um termo de Jason Moore
- Capitaloceno, que se porta como um produtor de crises e catástrofes, aban-
donando qualquer traço de historicidade. Esse termo propõe que além do
antropoceno, o sistema econômico é o que de fato domina e deteriora os sis-
temas terrestres, nesse período, a ciência é desenvolvida para subjugar a natu-
reza como “substrato de dominação”. Os problemas atuais existentes na terra
tratam-se então, do resultado impensado da valorização dos muitos capitais
individuais no mercado mundial. Sendo assim, o capital vai colaborar para o
estudo e a compreensão das “leis” da natureza para aplicá-las na produção de
mercadorias. Um dos reflexos do modo como o homem se desenvolveu no
seu meio ambiente, impulsionado pelo atual modelo econômico, é a perda
de habitats naturais, de cobertura vegetal original dos ambientes, que aca-
bam por precarizar a vida. De acordo com Alberto Acosta, a racionalidade
desenvolvimentista faz parte de um projeto colonial de exploração, onde um
marco desse processo é a ruptura moderna entre humanidade e natureza; “[p]
rodução e consumo se tornam, assim, uma espiral interminável, esgotando os
recursos naturais da maneira irracional e acirrando ainda mais a tensão criada
pelas desigualdades sociais.”
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Andressa Dutra: Essa fala do Silvio Almeida que você cita tem mui-
tos significados, historicamente, as populações negras vêm sofrendo com a
falta de saneamento básico em diversas regiões, um exemplo disso pode ser
observado quando analisamos as condições de precarização da vida na Região
Hidrográfica da Baía de Guanabara – RHBG, no Rio de Janeiro, e apesar
deste debate acerca da produção de vida e como sua precarização ocorre estar
sendo racializado de forma mais acentuada atualmente, saneamento e raça/
racismo possuem uma relação tão antiga quanto a colonização, como diria
Victor de Jesus. Diante disso que você expôs, podemos entender então como
o racismo ambiental atua de forma conjunta à necropolítica, e essa “cumplici-
dade” é importante para considerar essas e tantas outras questões, levando em
consideração a relação entre raça/racismo e meio ambiente, Bem Viver e terri-
tório. Nesse sentido, o genocídio da população negra não se dá somente pela
“morte matada”, por assim dizer, mas constitui também toda uma lógica de
exclusão baseada na nossa identidade racial (criando intersecções com gênero,
classe, idade etc.) que faz com que vidas sejam descartadas dentro do sistema.
Isso se concretiza pelo não acesso a tratamentos de saúde, por contaminação
do meio, pelo não cuidado com doenças psicológicas etc. Nesse sentido, é
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nascimento58
58 Esta entrevista foi realizada no dia 21 de julho de 2020, três dias após os aniversários de Brenda e
Vinícius e na véspera do aniversário de wanderson, na ocasião da construção de uma matéria sobre o livro
My Life as a Rat, de Joyce Carol Oates, para a revista da TAG Livros de outubro de 2020. Para estar neste
livro, esta entrevista foi transcrita e editada por Brenda Luíza Ferreira Vidal e Vittoria Polastro Ben (UFR-
GS) e revisada por Brenda, Vinícius e wanderson. Brenda é graduada em Jornalismo pela Faculdade de
Comunicação e Biblioteconomia (FABICO) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e
repórter no site e na revista NOIZE, já tendo contribuído para a revista da TAG Livros.
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Brenda Vidal: Sublinhando isso que vocês trouxeram tão bem, rela-
ciono com o processo do sujeito branco estabelecer uma relação de Outridade
com esse indivíduo negro. Por que não é só uma questão de dificuldade e de
não assimilação da diversidade, correto?
59 Em relação ao pensamento de Mbembe, após a publicação do artigo “Políticas do Amor e Socie-
dades do Amanhã” (Voluntas: Revista Internacional de Filosofia, v. 10, pp. 168-182. DOI: https://
doi.org/10.5902/2179378639954) – também presente nesta obra –, muitas pessoas questionaram-
-me acerca do conceito “relações sem desejo”, presente em Politiques de l’inimitié (Paris, La Dé-
couverte, 2011). Para fins de elucidação, como este conceito é importante para o desenvolvimento
desta entrevista (embora já o tenhamos explorado anteriormente neste livro), costumo o relacionar
com a violência ética de Butler, que compreende formas nem sempre físicas de desumanização e
abjeção. Nesse sentido, as relações sem desejo seriam caracterizadas, não somente como relações sem
afeto, mas pela total aniquilação da responsabilidade ética (da qual Butler também tanto fala) e do
reconhecimento do Outro enquanto sujeito.
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Vinícius da Silva: Eu não sei até que ponto isso vai ser um benefício,
mas, neste momento, acredito que a gente pode tratar o direito à vida como
um benefício. E aí sim, a pessoa branca se beneficia porque ela tem o direito
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64 NASCIMENTO, Da necropolítica à ikupolítica, p. 29-31. In: Revista Cult, ed. 254 (fev. 2020)
– Dossiê Filosofia e macumba (Disponível em https://revistacult.uol.com.br/home/da-necropoliti-
ca-a-ikupolitica/).
65 Como aponta Audre Lorde, “não há novas ideias, apenas novas maneiras de fazer com que elas
sejam sentidas, de torná-las reais.” (Sou sua irmã, p. 109).
66 OLIVEIRA, O Quilombismo: uma expressão da filosofia política afroperspectivista, p. 132.
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67 COSTA, O quilombismo como instrumento de combate ao racismo epistemológico: a trajetória dos
Coletivos Negros Universitários de Campos dos Goytacazes, p. 26.
68 BUENO, Imagens de controle, p. 120-121.
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Vinícius da Silva: Eu diria que toda a disputa, que é que a gente tem
hoje com a formulação de teorias críticas, por exemplo, sobre a questão do
amor, prefigura uma crise. E por crise a gente pode entender movimentos de
instabilidade, insegurança ou mudanças bruscas na forma como a sociedade
compreende alguma coisa. Então, eu diria que a gente vive de certa forma
numa crise do amor porque sem essa crise a gente não conseguiria disputar
o conceito. É aí que All About Love, de bell hooks, se insere. Uma estratégia
de lidar com a crise é definindo o que está em crise, que é o que hooks faz ao
definir seu conceito de amor, de maneira análoga à uma receita de bolo. Uma
das críticas de hooks é à forma que amamos – ou melhor, que definimos amor.
Nesse sentido, hooks chama atenção para o fato de que se não tivermos uma
base sólida para disputarmos o amor, entramos numa crise, como ocorreu nas
décadas de 70 e 80 nas comunidades afro-estadunidenses.
Helena Vieira: Não sei se eu diria que há uma crise do amor. E digo
isso porque talvez o que haja seja uma crise de conjuntos de sentidos que
estruturam uma definição específica de amor. Digo isso porque eu me pre-
ocupo em não afirmar o amor como uma condição humana trans-histórica,
que atravessaria a história como um sentimento sempre presente em todos os
povos. Afinal, a própria distinção entre sentimento e não-sentimento, entre
o mundo subjetivo e o mundo objetivo, é uma distinção que se constitui na
modernidade. Então, surge essa nossa forma de pensar as relações a partir de
sentimentos que emanam então de um tipo de encontro não racional. Por
exemplo, os sentimentos para nós – e eu digo “nós” pensando em termos de
como se constrói o discurso sobre o amor – estão ali no campo do irrazoá-
vel, do irracional, porque nós somos sujeitos entendidos de forma cindida; a
cabeça não governa o coração. Há o mundo dos sentimentos e o mundo da
razão. O conceito de amor, então, genericamente falando, passa a invocar na
modernidade sempre um tipo específico de amor. A despeito de existirem
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Helena Vieira: Eu concordo. Tudo existe, não há nada que não exista.
Porque, bem, se podemos dizer, existe. Nesse sentido, eu tomo as alucinações
como absoluta realidade. A alucinação é aquela realidade não compartilhada,
Vinícius da Silva: Essa questão dialoga muito com aquilo que a hooks
vai falar sobre solidariedade política e comunidade amada, que eu diria que
são dois conceitos centrais de seu pensamento. Mas, antes de chegar na bell
hooks, eu queria fazer outra consideração a partir da filosofia política, sobre-
tudo a partir do pensamento de Hannah Arendt. Se a gente não enfrenta esses
tensionamentos, por exemplo, esses conflitos, a gente não constrói algo coleti-
vo – porque a esfera do político é necessariamente marcada por uma disputa,
pelas diferenças, porque é nessas diferenças, é no estar com os outros que a
gente consegue, de fato, fazer acordos de futuro, por exemplo. E por que esses
conflitos não são obstáculos? Porque se não há conflito, não há disputa, não
há o que fazer de fato e não há construção, porque o amor é também conflito.
Eu diria ainda que se não há conflito não há sequer sujeito. E esse conflito não
precisa ser violento, hooks disputa um conflito não violento, mas às vezes ele
é e tem sido violento. Dentro de uma sociedade normativa, os conflitos têm
sido violentos. Acho que nosso desafio para disputar essa futuridade é pensar
em conflitos que não sejam violentos, diferenças que não fundamentem siste-
mas de dominação, mecanismos de desigualdade e opressão, enfim. Isso é um
desafio que passa pelo crivo da desidentificação.
E se as nossas relações humanas são necessariamente marcadas pela
desigualdade, que deixemos então de ser humanos para que isso seja exequí-
vel. E quais os limites disso? Eu não sei. Eu gosto de jogar as coisas, não gosto
de respondê-las. Mas que que está em jogo, voltando ao pensamento de bell
hooks? O que está em jogo é a construção de um horizonte social político de
superação do capitalismo patriarcal e imperialista de supremacia branca, mas
que não faça das nossas diferenças muros. Ou, como diria Angela Davis, para
que as pontes não se tornem muros em nossas construções coletivas.
Em Killing Rage, que é um livro de 95, hooks salienta que o que está
em jogo não é a aniquilação das diferenças, mas é o fato delas não mais organi-
zarem relações de dominação. E esse tem sido, também, o grande desafio meu.
Como pensar nesse futuro de forma que a gente não construa uma abordagem
Manifeste de L’Atelier IV
João Pedro: Você poderia, por favor, repetir a discussão feita a partir
da minha fala sobre Hegel e sua relação com hooks?
Luana Luna: Então, quando você convoca Hegel para falar sobre es-
pírito, sobre a fenomenologia do espírito, eu conectei essa reflexão que você
trouxe com a reflexão que hooks faz sobre a integridade. Num arcabouço dessa
teorização sobre a cura, que para hooks talvez, me corrijam se eu estiver errada e
ponderem aqui comigo, seja a integridade esse caminho de reconstrução ontoló-
gica do ser. E que essa integridade é a conexão entre corpo, mente e espírito – o
que a lógica colonial racista tenta tanto aniquilar quando infere sobre a nossa
desumanização. A busca pela integridade entre corpo, mente e espírito, é um
caminho de cura. Então eu me lembrei muito disso. E mais uma vez, sinto, logo
existo, é preciso sentir. Porque se a gente não sente, a gente não se move para essa
busca. E, finalizando, falo sobre a integridade como aquilo que restitui a vida. A
integridade como aquilo que nos repotencializa. E aí o amor é esse caminho, as-
sim como o encantamento. O encantamento é esse caminho. Convoca-se essas
sabedorias ancestrais negras e indígenas para cena, para centralidade dessa epis-
temologia fincada na experiência marginal. O encantamento é aquilo que dri-
blou a morte, que não aceitou morrer. O encantado é o que não aceita morrer.
Ele se modifica, ele se reinventa. E ontem eu me lembrei, lendo bell novamente,
Matheus Chagas: Sim. E aí, vamos pensar sobre conflito, sobre dis-
puta. Disputar um significado sobre essa discussão sobre amor. Disputar um
significado sobre amor dentro de uma sociedade que é capitalista, que é racis-
ta, que é patriarcal, enfim. E como eu acho importante quando você enfatiza
que discutir amor não é puramente discutir afeto, mas discutir amor é discutir
também novos projetos de sociedade. Eu gostei muito de quando a Luana
trouxe o relato do aluno que perguntou “será que a gente não está falando
muito sobre amor?”. Porque eu lembro que quando eu tive contato com essa
discussão pela primeira vez eu pensei a mesma coisa “como que a gente vai
falar sobre amor em uma sociedade que a gente não tem tempo para isso?” E
logo nesse momento, eu conheci aquele texto da hooks, no qual ela fala da
teoria como espaço de cura.
E ela vai se perguntar: por que a teoria é um lugar de cura? Porque
quando eu teorizo, eu paro de reagir, só reagir... e eu começo a planejar, co-
meço a construir um projeto. Começo a não só receber aquela violência e
reagir a ela, com os movimentos, com os protestos, mas eu paro para refletir
sobre aquilo e projetar uma outra sociedade, um fazer outro. E, a partir disso,
ela constrói uma relação entre teoria e prática. E eu sempre volto à nota de
rodapé do capítulo 3 de Pedagogia do oprimido, na qual Freire fala que não se
faz revolução sem amor: “Cada vez nos convencemos mais da necessidade de
que os verdadeiros revolucionários reconheçam na revolução, porque é um
ato criador e libertador, um ato de amor. Para nós, a revolução que não se
faz sem uma teoria da revolução, portanto, sem ciência, não tem nesta uma
conciliação com o amor, pelo contrário. A revolução que é feita pelos homens
o é em nome de sua humanização, que leva os revolucionários a aderirem
aos oprimidos se não a condição desumanizada que se acham neste.” Então,
quando a Luana fala que o amor é o contrário da desumanização, eu lembro
muito disso, porque o Freire vai falar aqui na Pedagogia do oprimido e mais
em Educação e mudança o seguinte: o amor é uma tarefa do sujeito. Ele vai
trazer várias considerações do que é amor e do que é o contrário do amor, que
se fala do desamor, mas é a desumanização. O amor é um ato de coragem, é
um compromisso com as pessoas, é um compromisso com os oprimidos. É
João Pedro: Esta foi a fala perfeita para eu discutir o que queria. Por-
que eu vou falar justamente do sujeito. Primeiramente, o sujeito, a consciên-
cia, o sujeito enquanto consciência. Ela, na minha visão e de muita gente, não
é capaz de se autoconhecer plenamente. Porque existe uma coisa chamada
desejo. E qual é a característica mais pulsante do desejo? É o fato de ele ser
um afeto desorganizador. Ele é o que nos impulsiona à mudança, mas ao
mesmo tempo desorganiza as próprias condições que a mudança vai agir. O
absoluto é contingência, é o desejo. Apesar de ele ser uma força que move, ele
produz condições de completa contingência. É impossível o sujeito se auto-
definir. Porque a própria identidade desse sujeito é mediada por esses desejos.
A identidade desse sujeito é sempre algo que vem de fora. E a identidade é
emersa de universalização. E o que é uma identidade? É algo que eu, enquan-
to sujeito, intitulo e faço uma adesão para conseguir me identificar como
multidão, como algo que me excede, que outras pessoas também compar-
Vinícius da Silva: E, nesse caso, João, ela se torna nada porque se ela
perde contato, ela deixa de ser um sujeito. Deixa de ser alguém.
80 MUÑOZ, Cruising Utopia, p. 189. (Tradução deste trecho direto da edição argentina por Lean-
dro Colling)
O convite das conversas que compõem esse livro é para que essa não-
-contemporaneidade a si do presente vivo seja sempre a seguinte inscrição, a
nós dirigida e por nós repetida: “Por vocês, nós tentamos. E tentaríamos de
novo, quantas vezes for possível. Nenhuma injustiça passou sem revolta.”.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil