Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
net/publication/344648113
CITATIONS READS
0 2,438
1 author:
João Dele
University of Aveiro
6 PUBLICATIONS 1 CITATION
SEE PROFILE
Some of the authors of this publication are also working on these related projects:
All content following this page was uploaded by João Dele on 14 October 2020.
A POLIGAMIA
1
DEDICATÓRIA
Dedico a
in memoriam
2
AGRADECIMENTOS
3
“Procure acender uma vela, em vez de amaldiçoar a escuridão”
(Provérbio popular)
4
Índice pg.
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 9
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 59
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 61
6
Índice de Tabelas pg.
Tab. 10: Nível de escolaridade por faixa de idade vs tipo de família ……………... 55
7
“Todos os factos têm três versões: a tua, a minha e a verdadeira”
(Provérbio popular)
8
INTRODUÇÃO
9
A pesquisa aqui apresentada insere-se num continuum entre a Psicologia do
Desenvolvimento e a Psicologia Social (trata-se de estudar o desenvolvimento de
uma pessoa, tendo em conta o seu particular contexto familiar); entre a Antropologia
Cultural e a Antropologia Teológica (essa mesma pessoa insere-se num contexto
cultural onde as etapas e as tarefas de desenvolvimento são marcadas por celebrações
rituais e por um contínuo contacto com os antepassados, que mantêm uma influência
enorme na vida da comunidade, aliás, são permanentemente membros da
comunidade); entre a Psicologia Social e a Psicologia da Educação, uma vez que,
como concluiremos após a apresentação do estudo feito, o contexto social e as
representações dele feitas pelo adolescente têm uma influência sobre o seu processo
educativo formal.
Esta obra está dividida em duas partes:
A primeira parte refere-se à realidade cultural e tradicional da família em Angola.
São tantos os elementos por considerar, do ponto de vista cultural, para perceber a
pessoa como tal e, concomitantemente, a família (uma vez serem dois conceitos
necessariamente sobrepostos e um não existe sem o outro), seja ela nuclear como
aquela não-nuclear (que não corresponde à família alargada). Importa, já agora, fazer
algumas precisações, a respeito da família nuclear e não-nuclear: a expressão família
nuclear refere-se à família, composta por duas gerações em sentido vertical: pais e
filhos. Já a família não-nuclear é aquela que, através de um dos progenitores
(geralmente o pai), se estende horizontalmente através de uniões com outras
mulheres, que também se tornam esposas. Assim, os filhos dão-se conta de ter outros
irmãos, com os quais desenvolvem uma determinada relação, positiva ou negativa.
Seja como for, a partir desse momento, a família não é mais nuclear: é não-nuclear.
Desta feita, importa perceber como é a vida familiar na comunidade bantu, em qual
ambiente nascem e crescem os filhos, quais são as etapas principais do
desenvolvimento, os ritos e as ligações com os antepassados. É neste contexto que
procuraremos perceber como nasce e o porque da poligamia.
A segunda parte apresenta uma pesquisa feita em Angola (mais concretamente na
província de Benguela). Tal pesquisa foi feita administrando o teste La Doppia Luna
10
(A Dupla Lua) a um grupo de rapazes e meninas adolescentes (entre 10 e 20 anos).
Como se trata de um estudo que toca a cultura e tradição de um povo em contexto
angolano, a amostra tem a ver com filhos de pais angolanos. Assim, a segunda parte,
experimental, apresenta os resultados de tal pesquisa. O objectivo é de avaliar a
percepção e a representação da própria família em rapazes e meninas adolescentes,
que sejam filhos e filhas de famílias não-nucleares, ou seja: partindo do conceito e
representação de “quem está dentro” e “quem está fora”, trata-se de avaliar qual é o
conceito de família, quais os confins presentes nela e em qual posição se coloca o
entrevistado. Será que existem diferenças significativas a nível do conceito de
família, tendo em conta o ser nuclear ou não-nuclear? Será que existem diferenças
ou implicações a nível de rendimento escolar derivadas do tipo de família em que o
adolescente está inserido? Assim, variáveis como família nuclear e não-nuclear, nível
acadêmico, género e idade são os pilares sobre os quais se ergue o presente estudo.
A amostra adolescente escolhida apresenta, no nosso ponto de vista, uma dupla
vantagem nesta pesquisa: trata-se, em primeiro lugar, de um período em si
“revolucionário”, do ponto de vista psicofísico e social; em segundo lugar, essa
revolução é, geralmente, vivida pelo adolescente até de forma exterior. Portanto, ao
conflito ad intra, próprio desse período (o rapaz ou a menina por vezes não se aceita
ou encontra-se em dificuldade ´no seu próprio corpo´) segue geralmente um conflito
ad extra (o adolescente tende a ser crítico em relação aos pais, às pessoas adultas e à
sociedade em geral). Assim, vê-los representar simbolicamente a própria família e os
respectivos confins é um fazer exprimir no papel o que por vezes não dizem (não
querem dizer ou não conseguem exprimir).
Sendo a família não-nuclear o oposto da família nuclear, é necessário confrontar os
dados obtidos dos adolescentes filhos de famílias não-nucleares (que passaremos
também a chamar de poligâmicas) com os dados obtidos de um outro grupo, definido
de controlo. Foram interpelados rapazes e meninas, todos angolanos, cuja única
diferença com os precedentemente referenciados é o facto de serem filhos de famílias
nucleares (entenda-se: família em que existe um pai e uma mãe, vivendo juntos, sem
terem tido uniões precedentes nem filhos com outras pessoas). No entanto, para
11
esclarecer se determinadas realidades são relativas à cultura ou à pertença familiar, ao
grupo de controlo de Angola acrescenta-se um ulterior grupo de controlo, composto
por rapazes e meninas da mesma faixa etária (10 a 20 anos), todos italianos, filhos de
famílias nucleares (entenda-se: família em que existe um pai e uma mãe, vivendo
juntos, sem terem tido uniões precedentes nem, portanto, terem tido filhos de outras
pessoas).
12
PRIMEIRA PARTE
A POLIGAMIA:
13
“Coloque a mão na chama de um fogão por um minuto, e parece que foi uma hora.
Sente-se junto daquela pessoa especial por uma hora, e vai parecer que foi só um
minuto. Isto é relatividade”
Albert Einstein
14
CAPITULO I
FAMÍLIA OU FAMÍLIAS?
Até ao fim dos anos ´80 existia, tanto no âmbito da pesquisa quanto na realidade, o
chamado “prejuízo da família nuclear”, que levava a considerar desviante toda a
forma estrutural de família que fosse diversa. Do ponto de vista da pesquisa, a partir
dos primeiros anos de ´90, assiste-se a uma primeira mudança e, portanto, à
proliferação de estudos destinados a mostrar como as famílias diversas daquela
nuclear, até então consideradas como “desviadas”, constituissem também contextos
apropriados para o crescimento das pessoas que as compõem (Fruggeri, 2005).
16
O tipo de família não-nuclear, de que se ocupa a presente obra, resulta de iure, mas
também em âmbito de pesquisa, não só uma não-família, como, sobretudo,
inexistente. Se na sociedade tradicional angolana1 é muito difuso e tolerado, nas
sociedades urbanas2 o tipo de família não-nuclear é muito controverso e combatido,
mesmo se igualmente difuso, o que faz viver no anonimato muitas pessoas,
implicadas em tal situação ou que aderem a tal modelo, incluindo os filhos que,
muitas vezes, resultam inibidos nas relações sociais e impedidos de manifestar
publicamente o seu afecto ou de ser objecto de afecto por parte dos pais (sobretudo
por parte do progenitor que pertence simultaneamente a duas ou mais famílias). Essa
situação é mais forte quando se trata do filhos da segunda, terceira ou quarta ‘esposa’
e menos quando se trata de filhos da primeira mulher. Nessa altura, se por um lado
(sociedade tradicional) o tipo de família não nuclear é tolerado, aceite e, por vezes,
considerado recomendado (símbolo de poder), por outro (nas sociedades urbanas),
muitas pessoas (sobretudo mulheres e filhos) são vítimas de tal modelo.
Não é de menos a responsabilidade da Igreja Católica de matriz portuguesa que, já à
sua chegada no remoto 1491, em vez de acolher para educar, preferiu a repressão,
relativamente a tais modelos familiares, que, transformados em destinatários dos
anátemas, escolheram ou a dupla vida (fazendo-se baptizar, mesmo mantendo as
posições precedentes) ou a rejeição do baptismo. Na verdade, a evangelização de
Angola foi um “misto de ´água benta e bastão´, ´baptismo e escravidão´, ´religião e
espada´. Não faltaram casos de tortura em eventul rejeição do baptismo” (Dele,
2008, p. 16).
De facto, do ponto de vista religioso, Angola é um país muito cristão (75% da
população), mesmo se tal religião foi imposta com a colonização e, como tal,
1
Por sociedade tradicional angolana entendo o modelo de vida familiar que não foi fortemente modificado
ou influenciado pelo modelo ocidental, fruto da colonização portuguesa. Tal modelo é ainda vivo em
determinadas realidades, confinado em aldeias e localidades de composição fundamentalmente étnico-
cultural. Em tal sociedade, o casal provém do mesmo grupo étnico-cultural e, assim, os elementos culturais
são perpetuados no tempo através dos filhos.
2
Por sociedades urbanas entendo o modelo de família desenvolvido nos centros urbanos e nas localidades
onde, por força da colonização e/ou da guerra, o modelo “original” sofreu modificações. Os matrimónios
“mistos” (isto é, pessoas provenientes de diversos grupos étnicos ou diversas nações e continentes) são um
dos elementos que fazem perder os traços culturais.
17
procurou-se impor modelos ocidentais anulando a realidade local3. Não se trata de
uma defesa da poligamia mas de uma censura ao modelo de evangelização, cujo
“deus” foi acolhido como um estranho, um intruso. Ora, não sabendo para onde nos
leva o estranho, o melhor é não perder as posições já conquistadas e consolidadas no
tempo, mesmo se depois se procura satisfazer as “solicitações “ de tal Ilustre
Desconhecido. E assim alimentou-se no tempo uma fé em dois carris (religião e
cultura tradicional), sem que as duas realidades se encontrassem e se tornassem uma
fé religiosa vivida na cultura.
3
Além de costumes e tradições, é prova disso a tentativa de apagar as línguas locais (de origem bantu) a
favor da exclusividade da língua portuguesa. Na verdade, as línguas locais, exactamente porque
desconhecidas pelos colonizadores, eram um instrumento importante na organização dos grupos de
resistência.
18
1.2.1. Transformações físicas e psicológicas na adolescência
21
“Um monte de pedras deixa de ser um monte de pedras no momento em que um
único homem o contempla, nascendo dentro dele a imagem de uma catedral”
Antoine de Saint-Exupéry
22
CAPÍTULO II
A FAMÍLIA NA SOCIEDADE TRADICIONAL ANGOLANA
23
referência, inclusive quando se trata de constituir novas famílias através do
matrimónio.
4
Famílias reconstituídas ou recompostas são aquelas em que os dois membros do casal são provenientes de
uniões diversas, que se romperam, seja por simples separação ou divórcio, seja por morte de um dos
parceiros. Ao construir uma nova família, cada um traz a sua prole e constituem uma nova família com
membros (pais e filhos) provenientes de uniões precedentes.
25
mulher, assim tomada por esposa, serve de escudo em relação ao seu povo de origem.
Fosse como fosse, a poligamia era um claro símbolo de poder (político e económico),
mas também símbolo de vida: o ter tantos filhos significava, para o progenitor do
sexo masculino, estar em plena posse de vida (Asúa Altuna, 2006). Um homem assim
não pode não ser respeitado na sociedade.
A gravidez é um período que a mulher vive com ânsia, mas também com alegria:
com ânsia, porque é tida a observar as prescrições sócio-culturais (roupa,
alimentação, participação/não participação a determinados ritos culturais, tais como
os funerais; abstenção de relações sexuais a partir de uma determinada fase da
gestação). Casos de parto difícil ou de uma criança nascida com alguma anomalia são
imediatamente reconduzidos à infracção de um tabú sexual por parte da mãe ou do
pai da criança. Com alegria, porque a maternidade (mas também a paternidade) é um
dos momentos que “imortalam” o africano bantu, uma vez que ser impossibilitado de
se tornar pai ou mãe é sinal de maldição, aliás, de morte. “U watchita waliyovola, u
katchitile wafa ale” (quem trouxe ao mundo um filho está salvo; quem não pode fazê-
lo já está morto”), recita um provérbio angolano na língua nacional Umbundu.
O nascimento de uma pessoa é um momento que a mulher não vive em privado. É um
rito. O nascimento é um dos quatro ritos de passagem5 que todo o bantu deve (ou
deveria) celebrar na vida. Não se trata de meros aspectos culturais, sociais ou
celebrativos feitos quase rotineiramente. Os ritos de passagem são a celebração de
momentos vitais de todo o indivíduo. “Fisiologicamente a vida de homens e
mulheres deve atravessar momentos críticos: o nascimento, a puberdade, o
matrimónio, a morte” (Maggiolini e Pietropolli Charmet, 2004, p. 36). Esses ritos de
passagem, naturalmente reservados aos pertencentes ao grupo étnico-cultural onde
5
Os ritos de passagem são cerimónias características de algumas etnias (muito frequentes nos grupos étnicos
de Angola) onde, numa reunião de pessoas, segundo rituais específicos, conduzidos por pessoas que têm
autoridade para tal, se celebram mudanças que têm a ver com o ciclo de vida individual (e que ganha um
sentido colectivo) tais como: o nascimento, a iniciação, o matrimónio e a morte.
26
são celebrados, criam e reforçam a pertença ao grupo (nascimento), sancionam a
passagem da infância à vida adulta com as consequentes tarefas (iniciação), confiam
à pessoa uma família que, contudo, pertence ao grupo (casamento), ligam o mundo
dos vivos ao mundo dos antepassados e confiam os próprios defuntos nas mãos dos
antepassados para que continuem a ter o seu olhar benévolo sobre a comunidade e
não façam mal aos vivos (morte). São esses ritos que fazem do nascimento um acto
social e comunitário e a criança, assim nascida, adquire a realidade ontológica e o
status social de membro da comunidade. Não se pode perceber a pertença familiar de
um africano bantu prescindindo das suas raízes culturais.
Os ritos de passagem dão forma à pessoa que os celebra. Essa forma é reconduzível
“a quatro âmbitos fundamentais: intelectual6, porque se afinam conceitos,
categorias, ideias; afectivo, porque se provam sentimentos, paixões, emoções; ético-
moral, porque são propostas regras, valores e modelos de comportamento e, enfim,
estético porque se aprende a apreciar uma certa ideia de beleza. É na base dessa
linha de representações que serão vividas a vida, a morte, as paixões, as relações
com os outros, mais ou menos significativos, e se perseguirão valores éticos e
estéticos bem determinados e partilhados com o grupo a que se pertence. A
incompleteza, que coincide com a condição infantil, através dos ritos de iniciação,
muitas vezes representados como uma viagem pelas populações que os utilizam, é
transformada na humanidade desejada, no Sé social modelado pela cultura de
pertença. Portanto, não existe apenas transição, mas transformação. A mudança não
se refere apenas à passagem de status, mas à identidade profunda” (Maggiolini e
Pietropolli Charmet, 2004, p. 38-39).
Os ritos de passagem, celebrados com e na comunidade, são um grande ponto de
força na formação da identidade do africano bantu: a identidade individual não é
permanente. Muda, na vida, de acordo com os momentos importantes e das passagens
vitais, dentro da comunidade, que dão forma ao indivíduo. Diversamente sucede no
Ocidente, onde “a ideia dominante é que a identidade individual seja permanente,
6
O negrito é meu.
27
enquanto a mudar seriam apenas os papeis sociais assumidos com a recitação de um
modelo aprendido, que não empenharia a autenticidade do sé individuai, mesmo se
nos séculos passados as classes mais abastadas atribuíam à viagem um poder
transformador extraordinário: viajando para a Grécia e para a Itália, enfrentando
os imprevistos e aproximando-se das impressões deixadas e, portanto, ao saber e à
lição do mundo clássico, preparava-se para governar a propriedade de família ou os
destinos da Inglaterra” (Brilli, 1995, cit. in Maggiolini e Pietropolli Charmet, 2004,
p. 39).
O próprio nascimento, no qual (além da parturiente) está presente a parteira, uma tia e
a mãe da parturiente, é caracterizado por diversos rituais (de passagem): a expulsão
do bebé, o corte do cordão umbilical, o destino da placenta, os banhos da parturiente.
Trata-se de trazer à luz um filho da comunidade. Prova disso não é só a presença dos
parentes e amigos para saudar mãe e filho, mas também o tipo de “ofertas”. Por outro
lado, exactamente para ter viva a memória sócio-histórica da comunidade (e para
confirmar o recém-nascido enquanto filho da comunidade), nas situações em que o
nascimento de uma criança coincide com um evento social ou familiar importante, o
recém nascido torna-se a memória viva de tal evento, tomando como nome (algumas
vezes como alcunha) o ocorrido. Vezes há em que o nome da criança tem um cunho
de procurar a boa sorte, em casos de irmãos que não sobreviveram. Desta forma, o
nome insere a pessoa no grupo. A função do nome não é apenas de nomear (chamar)
alguém, mas de explicar quem é (Asúa Altuna, 2006).
O recém-nascido é integrado na comunidade familiar (no seio dos parentes: avós,
tios, irmãos e irmãs). No caso do presente trabalho, tal comunidade é ´enriquecida´
pela presença de um outro núcleo familiar, do qual o pai é o mesmo.
Esta é uma das fraquezas das famílias poligâmicas (de tipo poligínico): o pai é uma
figura relativamente distacada da educação e do afecto dos filhos. Um homem
polígamo procura ser, a seu modo, omnipresente, mas acaba sendo, geralmente,
equidistante. Organiza tudo, mas deixa fazer; prepara a cavalaria, mas ele não parte;
dá ordens, orienta, manda, envia. Ele (o pai) quer que os filhos sejam bem educados e
tenham o afecto dos pais, mas, não tendo tempo material para dispensar a cada filho,
deixa que as mulheres o façam por ele. Portanto, a educação é uma tarefa que ele
delega (quase) completamente às esposas. Os momentos em que ele fica com os
filhos dependem dos seus tempos livres, que não são muitos. São duas as razões:
O homem polígamo está sempre preocupado para que nada falte às mulheres e
aos filhos (porque se isso acontecesse, faria nascer invejas e ciúmes entre elas).
Por isso, passa a maior parte do seu tempo trabalhando para garantir o
necessário à sua grande família;
Muitas vezes transforma-se num pai-patrão e as mulheres e os filhos lhe são
submissos, mais ou menos como servos. O seu papel de marido de tantas
mulheres leva-o a ser super partes. As práticas educativas e a presença afectiva
são tarefas das mulheres.
30
SEGUNDA PARTE
Um estudo empírico
31
“Só na escuridão você pode ver as estrelas”
Martin Luther King
32
CAPÍTULO III
ENQUADRAMENTO DO ESTUDO
O método é Exploratório, uma vez que o estudo procura compreender uma realidade
pouco estudada no contexto angolano, embora haja estudos já feitos em outros
contextos.
3.3. Objectivos
3.4. Participantes
36
a) Grupo experimental: 22 adolescentes (9 rapazes e 13 meninas) angolanos
(residentes nos municípios de Benguela e Lobito), pertencentes a famílias
poligínicas;
b) Grupo de controlo 1: 22 adolescentes (13 rapazes e 9 meninas) angolanos,
pertencentes a famílias monogâmicas;
c) Grupo de controlo 2: 22 adolescentes (10 rapazes e 12 meninas) italianos,
filhos de famílias monogâmicas.
No que toca aos dois grupos de meninos e meninas angolanos, procurou-se constituir
amostras que fossem homogéneas do ponto de vista socioeconómico e,
preferencialmente, no mesmo território de residência. Os participantes foram
seleccionados na província de Benguela, em determinados bairros das cidades do
Lobito e Benguela.
A ideia de confrontar os adolescentes angolanos com um grupo de controlo italiano
nasceu da necessidade, além da curiosidade, de confrontar modelos culturais
diversos, para perceber se eventuais diferenças existentes entre os dois grupos
angolanos sejam interpretáveis em função da pertença a uma específica tipologia
familiar ou também ao contexto cultural. Por outro lado, o instrumento foi criado em
contexto italiano. Mesmo se não carece de adaptação e validação à realidade
angolana, dada a sua versatilidade, a amostra italiana ajuda a descartar as nuances
culturais nos resultados.
Para o grupo experimental, é fundamental o elemento “família em situação de
poligamia” e a consciência da existência de irmãos (nascidos da outra união, do
mesmo pai), pois esta consciência é um aspecto importante na construção ou
alteração de vínculos afectivos.
a) Grupo experimental:
i. Ter idade entre 10 e 20 anos
37
ii. Ser filho de um pai que tem (actualmente) um outro núcleo
familiar (com mulher e filhos) e ser conhecedor de tal
realidade;
iii. Não obstante a autorização dos encarregados (no caso dos
menores de 18 anos), ter aceite participar na investigação.
b) Grupos de controlo 1 e 2
i. Ter idade entre 10 e 20 anos
ii. Ter pais que vivem juntos (pai e mãe), estando ou não a viver
com eles;
iii. Relação única (do pai com a mãe), sem ligação com outro
núcleo familiar, no passado ou actualmente;
iv. Não obstante a autorização dos pais (no caso dos menores de
18 anos), ter aceite participar na investigação.
3.5. Material
Para a recolha de dados foi utilizado o teste La Doppia Luna, um teste gráfico-
simbólico, criado por Ondina Greco (Greco, 2007; 1999), destinado a avaliar
“situações familiares complexas, nas quais o núcleo familiar original sofre
transformações estruturais, pela perda ou aquisição de um ou mais membros e,
muitas vezes, pelo cruzamento dos dois processos” (Greco, 2007, p. 18). Nessas
situações, o componente familiar a ser avaliado redesenha“no tempo o ‘mapa
cognitivo e afectivo’ da família, tomando posição com relação à antiga e à nova
situação familiar” (Greco, 2007, p. 19).
O teste La Doppia Luna representa uma realidade na qual o sujeito, ao qual é
administrado, ‘olha’ a sua realidade familiar e define quem está fora e quem está
dentro, representando uma linha de confim. La Doppia Luna é, assim, um
instrumento gráfico projectivo, cuja finalidade é recolher informações sobre como
uma pessoa, um casal ou uma família vivem a pertença em situações familiares
estruturalmente complexas, isto é, situações que revelam uma alteração na estrutura
familiar, tais como adopção, morte de um membro da família, separação, divórcio ou
38
o alargamento da família por meio da poligamia, uma vez que esta altera a estrutura
familiar (Pervez & Batool, 2016). Este teste define os afectos, as pertenças, os
conflitos em acto e, por isso, prefigura-se bastante apto para avaliar o ponto de vista e
a visão da família por parte de um filho no seio de uma família poligâmica. Trata-se
de um teste projectivo-gráfico, graças ao qual o sujeito, através do uso representativo
de figuras por ele consideradas adequadas, representa o seu mundo, os seus afectos e
os confins dentro dos quais se sente acolhido, amado e protegido.
3.6. Procedimentos
39
“Há quem passe por um bosque e só veja lenha para a fogueira”
Léon Tolstói
40
CAPITULO IV
RESULTADOS
Tab. 1
Distribuição amostral dos 3 grupos por sexo e idade
Grupo Experimental Grupo de Controlo 1 Grupo de Controlo
(Poligâmicas Angola) (Monogâmicas 2 (Monogâmicas
Angola) Itália)
Masculino 9 13 10
Feminino 13 9 12
Média de idade 14,77 15 14,77
Desvio Padrão 2,43 3,02 3,07
41
Tab. 2
Tipologia de família
Convivência
(com quem vive)
Poligâmicas Monogâmicas Monogâmicas
Angola Angola Itália
Só pai 13.6 - -
Só mãe 18.2 9.1 -
Pai e mãe 40.9 72.7 100.0
Outros parentes 27.3 18.2 -
Total 100.0 100.0 100.0
A tab. 2 ressalta uma realidade muito presente nos dois grupos da amostra angolana:
o facto de que, muito frequentemente, crianças, adolescentes ou jovens, mesmo tendo
os pais vivos, vivam com outros parentes adultos (tios, avós, irmãos). Um outro dado
que daqui se depreende é que o número de adolescentes que vivem com o pai e a mãe
é superior nas famílias monogâmicas em Angola em relação às famílias poligâmicas.
Por sua vez, o número de adolescentes que vivem com outros parentes é superior nas
famílias poligâmicas.
Tab. 3
Tipologia dos símbolos utilizados vs tipo de família
Nas tabelas 4 e 5 são trazidas à discussão duas variáveis que têm a ver com o terceiro
passo do La Doppia Luna: fechar num mesmo círculo as pessoas que, na sua visão,
fazem parte da mesma família. “Pode fazer um ou mais círculos, segundo a sua
maneira de ver” (Greco, 2007, p. 33):
44
Tab 4
Sentido de pertença vs tipo de família
Tipologia familiar
Pertença
Poligâmicas Monogâmicas Monogâmicas
Angola Angola Itália
Sim
27.3 40.9 81.8
Não
72.7 59.1 18.2
Total
100.0 100.0 100.0
A primeira variável por avaliar, a pertença, tem a ver com o sentido de “fazer parte”
de uma família, que o sujeito manifesta. Na codificação, são dois os tipos de resposta
que se podem encontrar: o sujeito inclui-se num círculo, revelando, assim, um sentido
de pertença ou não se inclui (tab. 4).
A segunda variável é o tipo de pertença (tab. 5). São 5 os tipos de pertença:
a) Núcleo familiar completo: o sujeito pode incluir-se num círculo junto
com os pais e os irmãos, além de outros parentes, tais como avós, tios,
primos;
b) Monoparental: quando o sujeito se inclui num núcleo com um só dos
progenitores;
c) Isolado é o sujeito que não se inclui em nenhum círculo, ou (sobretudo
no grupo experimental) não faz nenhum círculo, não obstante lhe fosse
feito o pedido;
d) O sujeito pode incluir-se num círculo com pessoas não familiares, tais
como amigos, sem algum progenitor ou parente directo;
e) Algumas vezes, o sujeito insere-se em dois círculos diversos, a que
chamamos dupla representação.
A análise das tabelas 4 e 5 mediante o teste 2 mostra a existência de uma relação
estatisticamente significativa (tab. 4: 2 = 14.182; p < .005 e tab. 5: 2 = 26.509; p <
45
.005) entre a pertença a um núcleo familiar, avaliada nos 3 grupos, e a tipologia
familiar.
Tab. 5
Tipo de pertença vs tipo de família
Tipologia familiar
Tipo de pertença Poligâmicas Monogâmicas Monogâmicas
Angola Angola Italia
Núcleo familiar completo 9.1 40.9 77.3
Monoparental 9.1 - -
Isolado 68.2 59.1 18.2
Não familiares 9.1 - 4.5
Dupla representação 4.5 - -
TOTAL 100.0 100.0 100.0
As tabelas 4 e 5 revelam que, não obstante seja difusa entre os adolescentes a mistura
entre o desejo de autonomia e o medo da ruptura com os pais, em igualdade de idade,
tal desejo acontece em Angola muito mais cedo. Dados do Inquérito Integrado sobre
o Bem-Estar da População de Angola (IBEP) confirmam que “55% das mulheres que
já tiveram filhos em Angola tiveram o seu primeiro filho no intervalo de 15 a 19
anos” (Ministério do Planeamento, 2011, p. 119). De facto, a percentagem dos
sujeitos isolados não difere muito entre os dois grupos da amostra angolana, se
confrontados com a amostra italiana.
46
Tab. 6
A tab. 6 mostra que, nas famílias poligâmicas, o desejo de mudança (uso da varinha
mágica) é muito alto: 86% dos sujeitos, se tivesse uma varinha mágica, mudaria
alguma coisa e, entre estes, alguns mudariam tudo. Além do factor idade, tal
percentagem é uma campainha de alarme por parte dos sujeitos entrevistados, que
fazem parte das famílias poligâmicas. Avaliando os totais parciais no uso da varinha
mágica, é a amostra italiana (45.4%) a manifestar o menor desejo de mudança. Não
obstante se observe uma tendência e uma diferença entre as 3 amostras, a análise
mediante o teste 2 resulta estatisticamente não significativa.
Uma das variáveis avaliadas pelo teste La Doppia Luna é o que tem a ver com o
elemento ausente. Na representação, a ausência de uma figura familiar, como o pai, a
mãe ou, em alguns casos, ambos, revela um conflito que, na verbalização, quando
solicitado aos participantes, alguns responderam simplesmente de se terem esquecido.
Também neste caso, a análise mediante o teste 2 resulta estatisticamente não
significativa.
47
Tab. 7
Tipologia familiar
Ausência Poligâmicas Monogâmicas Monogâmicas
Angola Angola Italia
Nenhuma ausência 72.7 77.3 90.9
Pai ausente 9.1 9.1 4.5
Mãe ausente 9.1 4.5 -
Ambos ausentes 9.1 9.1 4.5
TOTAL 100.0 100.0 100.0
2 = 3.291; p = n.s.
4.1.6. O conflito
Numa situação de confins e de pertença, tal como o exige o teste La Doppia Luna, no
que toca ao grupo experimental, pertencer a uma família poligâmica pode comportar
uma série de conflitos, que se podem revelar na recusa em representar algum dos
progenitores ou de ignorá-lo pura e simplesmente (não fazendo dele alguma
referência).
Há um outro elemento a ter em conta no grupo experimental: tratando-se de famílias
poligâmicas, nas quais na totalidade são os progenitores do sexo masculino a ter um
outro núcleo familiar (poliginia), não obstante tenham sido representados ou, pelo
menos, citados os irmãos e as irmãs do outro núcleo familiar cujo pai é o mesmo, não
aparece um único caso em que se faça referência à “mãe” do outro núcleo familiar. É
completamente ignorada. Seria o caso de pedir explicitamente ‘onde gostaria de
inserir a outra mãe’, mas essa questão não foi feita aos entrevistados, por motivos
éticos, evitando, assim, ser inconveniente ou provocar-lhes algum embaraço
(Fernandes, 2016).
48
4.1.7. Confins, pertenças e ambiguidades
50
desenvolvimento e as actividades que realizam são orientadas a reforçar o tecido
comunitário. É por isso que o filho leva o apelido de um membro respeitável da
família (comunidade) e não necessariamente o apelido do próprio progenitor. É que
sendo que o nome protege e revela a identidade da pessoa, levar o nome de uma
pessoa adulta, importante na comunidade, significa perpetuar a sua obra, a sua
identidade, sobretudo depois da morte dessa pessoa. Mais uma vez, confirma-se o
sentido de espiral da vida do bantu: “exclui a concepção eterna tal como a filosofia
ocidental a concebe” (Chombela, 2013, p. 175).
Fica claro, dessa forma, que a força atribuída à comunidade debilita a pertença
familiar e criam-se fortes ambiguidades relativamente aos confins familiares. Essas
ambiguidades são advertidas também pelos filhos em relação aos próprios pais. De
facto, em muitos casos, o uso em sentido lato dos termos “pai e mãe, mano e mana”,
não cria apenas dificuldade de interpretação em quem ouve (e tem de interpretar se se
trata do pai biológico ou irmão do pai; da mãe biológica ou da irmã ou prima da mãe
e assim por diante), como pode gerar um equívoco, em termos afectivos no próprio
sujeito. Assim, ou se esvazia o termo da sua carga afectiva, ou se dilui o afecto em
todos quantos são envolvidos.
Nos Estados Unidos da América, as pesquisas sobre ambiguidades referem-se a
situações de parentes desaparecidos (ou mortos), doentes crónicos, divórcios e
adolescentes que deixam a casa para ir viver num college. O que provoca um alto
nível de stress na família, além mesmo do facto da ausência ou doença, é a
ambiguidade. Se não se consegue esclarecer quem está dentro e quem está fora do
sistema familiar, a família não se pode reorganizar (Boss e Greenberg, 1984).
A tal propósito, Boss e Greenberg (1984) introduziram a expressão Family Boundary
ambiguity (Ambiguidade dos Confins Familiares), para indicar um estado no qual os
membros de uma família são incertos sobre quem está “dentro” e quem está “fora”
dos confins familiares e quais os papeis e tarefas sejam presentes dentro da mesma
família. Trabalhando com amostras de famílias onde o pai era ausente ou
desaparecido, não sabendo se vivo ou morto e com amostras de viúvas e de famílias
de adolescentes que deixaram a casa, Boss e Greenberg introduziram um indicador de
51
presença psicológica nas famílias onde o pai era fisicamente ausente. Assim, as
autoras distinguem dois níveis de ambigüidade dos confins, aos quais pertencem
diversos tipos de pessoas: um nível alto e outro baixo.
Pertencem ao nível alto (High Boundary Ambiguity) duas categorias de pessoas:
a) Aquelas onde o pai é fisicamente ausente, mas psicologicamente presente. São
casos em que o pai, pela marca que tem no aspecto psico-emotivo da família,
não é possível prescindir dele;
b) Aquelas onde o pai é fisicamente presente, mas psicologicamente ausente. São
casos em que o pai vive realmente aí (presença física), mas emotivamente
ausente, preocupado com outras coisas externas à família (trabalho, outras
pessoas.
O nível de ambigüidade é alto porque o processo de reorganização da família não
pode iniciar sem que seja clara a situação ou o estado da pessoa ausente.
Ao segundo nível (Low Boundary Ambiguity) pertencem igualmente duas categorias
de pessoas:
a) Aquelas onde o pai é fisicamente ausente e psicologicamente ausente. São
situações em que o pai não está fisicamente presente e não conta na vida e nas
decisões da família;
b) Aquelas onde o pai é presente física e psicologicamente.
A presente investigação tem a ver com situações nas quais os sujeitos representam os
confins que advertem na sua família, diante da extensão desta, como um
prolongamento para outra família, composta por outras pessoas, com as quais podem
ou não sentir-se “uma família”. Por vezes, o dever partilhar os afectos do próprio
progenitor pode gerar ciúme entre os núcleos familiares; mas também o stress de não
advertir o afecto do próprio progenitor no momento em que se precisa pode gerar
incertezas e ambiguidades.
Por meio do teste La Doppia Luna, foram avaliados 3 níveis de ambiguidade:
52
1) Ambiguidade elevada: o sujeito não representa os confins familiares ou não
representa os próprios progenitores, mesmo vivendo efectivamente com
eles;
2) Ambiguidade baixa: o sujeito representa os confins familiares, colocando
dentro as pessoas segundo a pertença familiar, incluindo o pai e a mãe, e, no
entanto, ele se deixa fora do círculo;
3) Ambiguidade ausente: o sujeito representa os confins familiares e se insere
num dos círculos familiares de família nuclear ou alargada, colocando
dentro as pessoas com quem vive (tab. 8).
Tab. 8
Nível de ambiguidade na amostra vs tipo de família
Tipologia familiar
Ambiguidade Poligâmicas Monogâmicas Monogâmicas
Angola Angola Italia
Elevada 77.3 50.0 13.6
Baixa 18.2 9.1 13.6
Ausente 4.5 40.9 72.7
TOTAL 100.0 100.0 100.0
53
Tab. 9
Uso da varinha mágica vs nível de ambiguidade vs tipo de família
Varinha Mágica
Tipologia familiar Ambiguidade Total
Sim Não
Elevada 100.0 - 100.0
Baixa 50.0 50.0 100.0
Poligâmicas Angola(1)
Ausente - 100.0 100.0
Total parcial 86.4 13.6 100.0
Elevada 54.5 45.5 100.0
Baixa 100.0 - 100.0
Monogâmicas Angola (2)
Ausente 55.6 44.4 100.0
Total parcial 59.1 40.9 100.0
Elevada 33.3 66.7 100.0
Monogâmicas Italia (3) Baixa 100.0 - 100.0
Ausente 50.0 50.0 100.0
Total parcial 54.5 45.5 100.0
(1)
- X2 = 13.509; p < .005
- (2)
X2 = 1.525; p = n.s
- (3) 2
X = 3.178; p = n.s
54
Tab. 10
Nível de escolaridade
Faixa de Tipologia
Até 5ª 6ª à 8ª 9ª à 12ª Univers Total
idade familiar
classe classe classe id
Poligâmicas
85.7 14.3 - - 100.0
Angola
Monogâmicas
10-13 28.6 71.4 - - 100.0
Angola
Monogâmicas
25.0 75.0 - - 100.0
Italia
Poligâmicas
46.0 23.0 31.0 - 100.0
Angola
14-18 Monogâmicas
8.3 16.7 75.0 - 100.0
Angola
Monogâmicas
- - 100.0 - 100.0
Italia
Poligâmicas
- - 50.0 50.0 100.0
Angola
19-20 Monogâmicas
- - 66.7 33.3 100.0
Angola
Monogâmicas
- - 33.3 66.7 100.0
Italia
55
casualidade de terem sido incluídos na amostra apenas dois sujeitos nessa faixa de
idade, dos quais um estuda na faculdade.
56
de famílias poligâmicas relataram níveis mais elevados de disfunção familiar, menor
coesão familiar, piores relações com o pai, mais conflitos entre irmãos, piores
relacionamentos com amigos.
Alguns estudos, tendo-se debruçado sobre conflitos entre pais, mães e adolescentes
em famílias monogâmicas e poligâmicas, não encontraram uma associação
conclusiva entre a poligamia e o conflito entre pais e filhos, embora não tenham
eliminado a possibilidade de que tal ligação exista (Elbedour, Hektner, Morad, &
Abu-Bader, 2003). No presente estudo, em alguns adolescentes filhos de famílias
poligâmicas, é presente a dificuldade de representar os confins familiares por meio de
um círculo. Tal situação revela a dificuldade de dever cortar ao meio pessoas com as
quais se tem um vínculo afectivo. O conflito é ainda maior porque o próprio
adolescente deve aceitar alguém cuja maneira de viver ou cuja relação considera
problemática, confirmando-se que a poligamia tem um impacto adverso nas relações
interpessoais dos indivíduos e leva a discórdias e desajustes nas suas vidas sociais
(Pervez & Batool, 2016).
Do ponto de vista escolar, registou-se um desempenho baixo dos adolescentes filhos
de pais polígamos. O estudo não teve em conta o número de reprovações, mas a
relação idade vs. nível escolar do adolescente, tendo em conta o contexto. O
acompanhamento deficitário dos pais e o ingresso tardio das crianças na escola
podem ser os motivos do tão fraco desempenho relevado entre os adolescentes filhos
de pais polígamos. Estes dados confirmam os resultados dos estudos feitos por Pervez
& Batool, 2016, Al-Sharfi et al. (2015), Adenike (2013), Al-krenawi, Graham &
Slonim-nevo (2002) e Al-Krenawi & Lightman (2000), para os quais as crianças de
famílias poligâmicas apresentaram mais restrições a nível educacional e menor
desempenho académico do que os seus pares de famílias monogâmicas.
57
“Na vida tudo é relativo,
(Provérbio popular)
58
CONCLUSÃO
59
da união, foi tido como um dos critérios de inclusão dos inquiridos no presente
estudo, o ter consciência da existência (actual) de uma outra família do seu progenitor
(com filhos, resultantes dessa relação) com a qual tem ou não alguma relação.
Os estudos sobre a poligamia e os seus efeitos na vida dos seus protagonistas e na
vida dos respectivos filhos são ainda escassos em Angola. Na fase actual da lenta e
sofrida implementação do processo de inclusão social e escolar, os efeitos da
poligamia sobre os filhos não deveriam ser ignorados, dados os números elevados,
embora não oficialmente reconhecidos, de relações poligâmicas e, consequentemente,
do eventual ingresso tardio ou escassa motivação por parte dos filhos de famílias
poligâmicas. Remetemos a pesquisas futuras a exploração dos aspectos motivacionais
relativamente às actividades escolares em filhos de famílias poligâmicas.
60
REFERÊNCIAS
Boss, P. & Greenberg, J.: (1984). Family Boundary Ambiguity: A New Variable in
Family Stress Theory. Family Process, 23, 535-546.
61
Brooks, T. (2009). The Problem with Polygamy. Philosophical topics, 37 (2), 109-
122. http://dx.doi.org/10.5840/philtopics20093727
Daoud, N., Shoham-Vardi, I., Urquia, M. L. & O'Campo, P. (2014). Polygamy and
poor mental health among Arab Bedouin women: do socioeconomic position
and social support matter? Ethnicity & Health, 19(4), 385-405. DOI:
10.1080/13557858.2013.801403
Elbedour, S., Hektner, J.M., Morad, M., & Abu-Bader, S.H. (2003). Parent-
adolescent conflict and its resolution in monogamous and polygamous Bedouin
Arab families in southern Israel. The Scientific World JOURNAL, 3, 1249–1264.
DOI 10.1100/tsw.2003.99.
62
Greco, O. (1999). La doppia luna. Test dei confini e delle appartenenze familiari.
Milano: Vita e pensiero.
Greco, O. (2006). Il lavoro clinico con le famiglie complesse. Il test La doppia luna
nella ricerca e nella terapia. Milano: Franco Angeli.
Greco, O. (2007). La doppia luna. Test dei confini e delle appartenenze familiari
(Seconda ristampa). Milano: Vita e pensiero.
Hamdan, S., Auerbach, J. & Apter A. (2009). Polygamy and mental health of
adolescentes. Eur Child Adolesc Psychiatry, 18:755–760. DOI 10.1007/s00787-
009-0034-7
İbiloğlu, A. O., Atlı, A., & Özkan, M. (2018). Negative effects of polygamy on
family members in the province of Diyarbakir, Turkey. Cukurova Medical
Journal, 43(4):982-988. DOI: 10.17826/cumj.396875
63
https://www.researchgate.net/publication/324983814_Polygamy_Chaos_in_Rela
tionships_of_Children
64