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A poligamia e os filhos adolescentes em Benguela – Angola. Representações


da família e desempenho escolar

Book · December 2019

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João Dele
University of Aveiro
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João Dele

A POLIGAMIA

E OS FILHOS ADOLESCENTES EM BENGUELA – ANGOLA

Representações da família e desempenho escolar

1
DEDICATÓRIA

Dedico a

Angelina Jambela & Gabriel Palanga

Conceição Kamala & Domingos Ndele

in memoriam

2
AGRADECIMENTOS

A todos os meus, pelo afecto, cumplicidade, ajuda moral e material;


Um agradecimento particular à Prof. Dra Rosalinda Cassibba e à Dra Lara
Luchinovich (da Universidade de Bari);
Às comunidades de Noci e Triggianello (Província de Bari – Itália), onde nasceu e
amadureceu a ideia de abordar o tema;
A todos os meninos e meninas, angolanos e italianos, que aceitaram participar na
investigação, cujos resultados são aqui reportados.

3
“Procure acender uma vela, em vez de amaldiçoar a escuridão”

(Provérbio popular)

4
Índice pg.
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 9

PRIMEIRA PARTE: A POLIGAMIA: UMA OU VÁRIAS FAMÍLIAS?............... 13

Cap. 1: Família ou famílias? ...................................................................................... 15

1.1. Da cultura do desvio à cultura da diferença .......................................... 16


1.2. O adolescente e a família ...................................................................... 18
1.2.1. Transformações físicas e psicológicas na adolescência .............. 19
1.2.2. O adolescente em busca da autonomia: entre tarefas e conflitos. 19
2.

Cap. 2: A família na sociedade tradicional angolana ................................................ 23

2.1. A família nuclear e a família não-nuclear ............................................. 24


2.2. Origens da poligamia ............................................................................ 25
2.3. A ciança e a comunidade ...................................................................... 26
2.3.1. O nascimento biológico e social da criança: os ritos
de passagem ................................................................................ 26
2.3.2. A árvore genealógica ....................................................................28
2.3.3. O pai super partes ....................................................................... 30
3.

SEGUNDA PARTE: ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES FAMILIARES


COM O TESTE LA DOPPIA LUNA. Um estudo empírico ...................................... 31

Cap. 3: Enquadramento do estudo ............................................................................. 33


3.1. Tipo de pesquisa .................................................................................... 35
3.2. Problema do estudo ............................................................................... 35
3.3. Objectivos ............................................................................................. 36
3.4. Participantes .......................................................................................... 36
3.5. Material ................................................................................................. 38
3.6. Procedimentos ....................................................................................... 39
3.7. Aspectos éticos ...................................................................................... 39
4.

Cap. 4: Resultados ..................................................................................................... 41

4.1. Avaliação global .....................................................................................41


4.1.1. Variáveis sociodemográficas ...................................................... 41
5
4.1.2. Variáveis relevadas pelo teste La Doppia Luna ......................... 42
4.1.3. Tipo de símbolo: convencionais e não-convencionais ............... 42
4.1.4. Pertença e tipo de pertença ......................................................... 44
4.1.5. Os elementos ausentes ................................................................ 47
4.1.6. O conflito .................................................................................... 48
4.1.7. Confins, pertenças e ambiguidades ............................................. 49
4.2. Discussão dos resultados ....................................................................... 56

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 59

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 61

6
Índice de Tabelas pg.

Tab. 1: Distribuição amostral dos 3 grupos por sexo e idade ……………………… 41

Tab. 2: Distribuição amostral da convivência vs tipologia familiar ……………….. 42

Tab. 3: Tipologia dos símbolos utilizados vs tipo de família ……………………… 44

Tab. 4: Sentido de pertença vs tipo de família ……………………………………... 45

Tab. 5: Tipo de pertença vs tipo de família …………………………………….…...46

Tab. 6: Uso da varinha mágica por idade vs tipo de família ………………………. 47

Tab. 7: Percentagem dos progenitores ausentes da representação vs tipo de família. 48

Tab. 8: Nível de ambiguidade na amostra vs tipo de família ……………………… 53

Tab. 9: Uso da varinha mágica vs nível de ambiguidade vs tipo de família ............. 54

Tab. 10: Nível de escolaridade por faixa de idade vs tipo de família ……………... 55

7
“Todos os factos têm três versões: a tua, a minha e a verdadeira”

(Provérbio popular)

8
INTRODUÇÃO

A família é um ponto de referência fundamental para o africano bantu. A vida


começa na família e nela se vai transformando. Mesmo depois da morte, a vida no
além-túmulo continua a desenvolver-se na família. É por isso que a família assume
uma importância central na vida do bantu. Para se ser considerado apto a formá-la,
existem rituais específicos a que, no início da puberdade, são submetidos os rapazes e
meninas. Desta forma, a árvore genealógica, desenhada verbalmente e transmitida de
geração em geração, é tão importante que o facto de se reconhecer num antepassado
comum leva as pessoas a sentirem-se uma verdadeira família.
A visão de família enquanto família nuclear, com pais e filhos em linha vertical,
mesmo sendo um ponto de referência quando se fala de família, é apenas um dos
modos de vê-la. Existem outros pontos de vista, não isentos de polémicas, a partir dos
quais se pode perceber a família. A questão de, prescindindo do conceito tradicional
de família, se as outras realidades podem (também) ser ou não chamadas ‘família’,
não encontrará resposta nesta obra, uma vez que a pesquisa levada a cabo não tem
essa finalidade.
Se a Psicologia, enquanto ciência, é recente, é ainda mais recente o seu interesse pela
família como objecto de estudo e análise. No entanto, é importante sublinhar o
elemento “cultura” no estudo da família e do indivíduo. A abordagem de qualquer
assunto, em particular sobre a família, é sempre feita a partir de um lugar (geográfico,
político e axiológico). Gostariamos de despir-nos de todos esses pressupostos, mas
isso significaria uma auto-negação, pois “a pesquisa sobre a família, como toda a
pesquisa científica, é uma prática social conduzida por sujeitos pertencentes a um
determinado contexto cultural e, enquanto tal, é também expressão de ideologias,
estereótipos, representações sociais e linguagens construídas e reconstruídas,
também através da pesquisa sobre a família neste contexto” (Fruggeri, 1997, p. 29).
Seja como for, o único “lugar” de que nos vamos ocupar voluntariamente ao longo
deste texto é o geográfico. Os outros (político e axiológico) poderão aparecer entre
linhas, mas deverão ser sempre vistos como infiltrados.

9
A pesquisa aqui apresentada insere-se num continuum entre a Psicologia do
Desenvolvimento e a Psicologia Social (trata-se de estudar o desenvolvimento de
uma pessoa, tendo em conta o seu particular contexto familiar); entre a Antropologia
Cultural e a Antropologia Teológica (essa mesma pessoa insere-se num contexto
cultural onde as etapas e as tarefas de desenvolvimento são marcadas por celebrações
rituais e por um contínuo contacto com os antepassados, que mantêm uma influência
enorme na vida da comunidade, aliás, são permanentemente membros da
comunidade); entre a Psicologia Social e a Psicologia da Educação, uma vez que,
como concluiremos após a apresentação do estudo feito, o contexto social e as
representações dele feitas pelo adolescente têm uma influência sobre o seu processo
educativo formal.
Esta obra está dividida em duas partes:
A primeira parte refere-se à realidade cultural e tradicional da família em Angola.
São tantos os elementos por considerar, do ponto de vista cultural, para perceber a
pessoa como tal e, concomitantemente, a família (uma vez serem dois conceitos
necessariamente sobrepostos e um não existe sem o outro), seja ela nuclear como
aquela não-nuclear (que não corresponde à família alargada). Importa, já agora, fazer
algumas precisações, a respeito da família nuclear e não-nuclear: a expressão família
nuclear refere-se à família, composta por duas gerações em sentido vertical: pais e
filhos. Já a família não-nuclear é aquela que, através de um dos progenitores
(geralmente o pai), se estende horizontalmente através de uniões com outras
mulheres, que também se tornam esposas. Assim, os filhos dão-se conta de ter outros
irmãos, com os quais desenvolvem uma determinada relação, positiva ou negativa.
Seja como for, a partir desse momento, a família não é mais nuclear: é não-nuclear.
Desta feita, importa perceber como é a vida familiar na comunidade bantu, em qual
ambiente nascem e crescem os filhos, quais são as etapas principais do
desenvolvimento, os ritos e as ligações com os antepassados. É neste contexto que
procuraremos perceber como nasce e o porque da poligamia.
A segunda parte apresenta uma pesquisa feita em Angola (mais concretamente na
província de Benguela). Tal pesquisa foi feita administrando o teste La Doppia Luna
10
(A Dupla Lua) a um grupo de rapazes e meninas adolescentes (entre 10 e 20 anos).
Como se trata de um estudo que toca a cultura e tradição de um povo em contexto
angolano, a amostra tem a ver com filhos de pais angolanos. Assim, a segunda parte,
experimental, apresenta os resultados de tal pesquisa. O objectivo é de avaliar a
percepção e a representação da própria família em rapazes e meninas adolescentes,
que sejam filhos e filhas de famílias não-nucleares, ou seja: partindo do conceito e
representação de “quem está dentro” e “quem está fora”, trata-se de avaliar qual é o
conceito de família, quais os confins presentes nela e em qual posição se coloca o
entrevistado. Será que existem diferenças significativas a nível do conceito de
família, tendo em conta o ser nuclear ou não-nuclear? Será que existem diferenças
ou implicações a nível de rendimento escolar derivadas do tipo de família em que o
adolescente está inserido? Assim, variáveis como família nuclear e não-nuclear, nível
acadêmico, género e idade são os pilares sobre os quais se ergue o presente estudo.
A amostra adolescente escolhida apresenta, no nosso ponto de vista, uma dupla
vantagem nesta pesquisa: trata-se, em primeiro lugar, de um período em si
“revolucionário”, do ponto de vista psicofísico e social; em segundo lugar, essa
revolução é, geralmente, vivida pelo adolescente até de forma exterior. Portanto, ao
conflito ad intra, próprio desse período (o rapaz ou a menina por vezes não se aceita
ou encontra-se em dificuldade ´no seu próprio corpo´) segue geralmente um conflito
ad extra (o adolescente tende a ser crítico em relação aos pais, às pessoas adultas e à
sociedade em geral). Assim, vê-los representar simbolicamente a própria família e os
respectivos confins é um fazer exprimir no papel o que por vezes não dizem (não
querem dizer ou não conseguem exprimir).
Sendo a família não-nuclear o oposto da família nuclear, é necessário confrontar os
dados obtidos dos adolescentes filhos de famílias não-nucleares (que passaremos
também a chamar de poligâmicas) com os dados obtidos de um outro grupo, definido
de controlo. Foram interpelados rapazes e meninas, todos angolanos, cuja única
diferença com os precedentemente referenciados é o facto de serem filhos de famílias
nucleares (entenda-se: família em que existe um pai e uma mãe, vivendo juntos, sem
terem tido uniões precedentes nem filhos com outras pessoas). No entanto, para
11
esclarecer se determinadas realidades são relativas à cultura ou à pertença familiar, ao
grupo de controlo de Angola acrescenta-se um ulterior grupo de controlo, composto
por rapazes e meninas da mesma faixa etária (10 a 20 anos), todos italianos, filhos de
famílias nucleares (entenda-se: família em que existe um pai e uma mãe, vivendo
juntos, sem terem tido uniões precedentes nem, portanto, terem tido filhos de outras
pessoas).

12
PRIMEIRA PARTE

A POLIGAMIA:

UMA OU VÁRIAS FAMÍLIAS?

13
“Coloque a mão na chama de um fogão por um minuto, e parece que foi uma hora.
Sente-se junto daquela pessoa especial por uma hora, e vai parecer que foi só um
minuto. Isto é relatividade”

Albert Einstein

14
CAPITULO I
FAMÍLIA OU FAMÍLIAS?

Existem inúmeras pesquisas sobre a família, tanto em âmbito sócio-antropológico


como em âmbito psicológico. No passado, quando se falava de família, era normal
pensar à família nuclear, isto é, aquela constituída por duas gerações em linha
vertical: pais e filhos. Ultimamente, a designação “família” não é mais unívoca,
porque é orientada “em direcção à co-existência de formas familiares diversas.
Entretanto, permanece a ideia de que diante de um quadro tão multiforme e mutável,
os estudiosos se encontram muitas vezes a considerar a inadequação de certos
instrumentos de pesquisa, muito ligados a uma realidade praticamente mudada e a
dever desenvolver novos modelos de análise que tenham em conta os novos
fenómenos emergentes. Nesta fase de transformação, o estudo da família configura-
se como um campo de pesquisa que, além de ser extremamente articulado, é
dinamizado pelo confronto de pontos de vista diversos e, às vezes, contrapostos, que
caracteriza sempre um âmbito de estudos, quando é chamao a rever-se a si mesmo”
(Fruggeri, 1997, p. 13). A propósito, Paolo Gambini fala de dificuldades de definição
da identidade da família, exactamente pela heterogeneidade de formas familiares
numa mesma cultura: “na sociedade ocidental actual é ainda possível falar de
família ou é mais justo falar de famílias” (Gambini, 2007, p. 46)?
A nível estrutural, actualmente fala-se de tantos tipos de família: a família com um só
progenitor, a família formada por um casal sem filhos, a família formada por relações
de parentesco não de tipo conjugal (por exemplo, irmãs consanguíneas não casadas
que vivem juntas), as famílias múltiplas, as famílias reconstituídas ou recompostas, as
famílias unipessoais ou solitárias ou com um só componente (Fruggeri, 1997). Aqui
podemos acrescentar as famílias não-nucleares, muito difusas no mundo islâmico,
mas presentes também na África Bantu. mesmo se presente na África Bantu, esse tipo
de família não é nem claramente aceite pela sociedade nem tão pouco legalizado, o
que faz com que, muitas vezes, essas famílias vivam na clandestinidade e no
anonimato. Os filhos dessas famílias precisam de levar uma vida social normal para
15
evitar que o estado de marginalização alimente um sentimento de rejeição e a
tendência a assumir condutas desviantes. Por isso, desta reflexão surgem duas
questões: em primeiro lugar, o termo “família”, carregado de uma tão grande força
moral, “permitirá” que se fale de famílias para designar todas as formas estruturais
acima mencionadas? Em segundo lugar, na definição do termo “família”, denso de
todo o seu significado ético e moral, quanto conta o “sentir-se família” por parte das
pessoas envolvidas, bem como as práticas sociais que constituem esse “sentir-se
família”? (Fruggeri, 1997). Por outras palavras, podemos ou não chamar família à
estrutura parental não-nuclear (mas também as estruturas acima mencionadas),
partindo do pressuposto de que os seus componentes “se sentem” uma verdadeira
família?
A carga moral do termo tradicional “família”, enquanto família nuclear, alimentou a
exclusão social de inteiros grupos familiares. Não vamos aqui discutir de leis ou de
direitos, mas da realidade sócio-antropológica e psicológica da família. Para a
Constituição Italiana, a família é uma sociedade natural fundada no matrimónio (art.
29); para a Constituição angolana (CRA 2010), “a família é o núcleo fundamental da
organização da sociedade e é objecto de especial protecção do Estado, quer se funde
em casamento, quer em união de facto, entre homem e mulher” (art. 35). Destas
premissas, podem ser feitas várias conclusões sobre os limites legais da designação
de família em Angola e na Itália. Daqui a minha preocupação de ir além do legal (ser
ou não ser família) e chegar ao real (sentir-se ou não uma família).

1.1. Da cultura do desvio à cultura da diferença

Até ao fim dos anos ´80 existia, tanto no âmbito da pesquisa quanto na realidade, o
chamado “prejuízo da família nuclear”, que levava a considerar desviante toda a
forma estrutural de família que fosse diversa. Do ponto de vista da pesquisa, a partir
dos primeiros anos de ´90, assiste-se a uma primeira mudança e, portanto, à
proliferação de estudos destinados a mostrar como as famílias diversas daquela
nuclear, até então consideradas como “desviadas”, constituissem também contextos
apropriados para o crescimento das pessoas que as compõem (Fruggeri, 2005).
16
O tipo de família não-nuclear, de que se ocupa a presente obra, resulta de iure, mas
também em âmbito de pesquisa, não só uma não-família, como, sobretudo,
inexistente. Se na sociedade tradicional angolana1 é muito difuso e tolerado, nas
sociedades urbanas2 o tipo de família não-nuclear é muito controverso e combatido,
mesmo se igualmente difuso, o que faz viver no anonimato muitas pessoas,
implicadas em tal situação ou que aderem a tal modelo, incluindo os filhos que,
muitas vezes, resultam inibidos nas relações sociais e impedidos de manifestar
publicamente o seu afecto ou de ser objecto de afecto por parte dos pais (sobretudo
por parte do progenitor que pertence simultaneamente a duas ou mais famílias). Essa
situação é mais forte quando se trata do filhos da segunda, terceira ou quarta ‘esposa’
e menos quando se trata de filhos da primeira mulher. Nessa altura, se por um lado
(sociedade tradicional) o tipo de família não nuclear é tolerado, aceite e, por vezes,
considerado recomendado (símbolo de poder), por outro (nas sociedades urbanas),
muitas pessoas (sobretudo mulheres e filhos) são vítimas de tal modelo.
Não é de menos a responsabilidade da Igreja Católica de matriz portuguesa que, já à
sua chegada no remoto 1491, em vez de acolher para educar, preferiu a repressão,
relativamente a tais modelos familiares, que, transformados em destinatários dos
anátemas, escolheram ou a dupla vida (fazendo-se baptizar, mesmo mantendo as
posições precedentes) ou a rejeição do baptismo. Na verdade, a evangelização de
Angola foi um “misto de ´água benta e bastão´, ´baptismo e escravidão´, ´religião e
espada´. Não faltaram casos de tortura em eventul rejeição do baptismo” (Dele,
2008, p. 16).
De facto, do ponto de vista religioso, Angola é um país muito cristão (75% da
população), mesmo se tal religião foi imposta com a colonização e, como tal,

1
Por sociedade tradicional angolana entendo o modelo de vida familiar que não foi fortemente modificado
ou influenciado pelo modelo ocidental, fruto da colonização portuguesa. Tal modelo é ainda vivo em
determinadas realidades, confinado em aldeias e localidades de composição fundamentalmente étnico-
cultural. Em tal sociedade, o casal provém do mesmo grupo étnico-cultural e, assim, os elementos culturais
são perpetuados no tempo através dos filhos.
2
Por sociedades urbanas entendo o modelo de família desenvolvido nos centros urbanos e nas localidades
onde, por força da colonização e/ou da guerra, o modelo “original” sofreu modificações. Os matrimónios
“mistos” (isto é, pessoas provenientes de diversos grupos étnicos ou diversas nações e continentes) são um
dos elementos que fazem perder os traços culturais.
17
procurou-se impor modelos ocidentais anulando a realidade local3. Não se trata de
uma defesa da poligamia mas de uma censura ao modelo de evangelização, cujo
“deus” foi acolhido como um estranho, um intruso. Ora, não sabendo para onde nos
leva o estranho, o melhor é não perder as posições já conquistadas e consolidadas no
tempo, mesmo se depois se procura satisfazer as “solicitações “ de tal Ilustre
Desconhecido. E assim alimentou-se no tempo uma fé em dois carris (religião e
cultura tradicional), sem que as duas realidades se encontrassem e se tornassem uma
fé religiosa vivida na cultura.

1.2. O adolescente e a família

O termo “adolescência” vem do verbo latino “adolescere”, que significa


“desenvolver-se”: adolesco, adolescis, adolevi, adultum. Assim, o adulto é alguém
que já está (adolescido) desenvolvido (Boccia, 2008, p. 151).
A adolescência é uma fase de vida, entre a infância e a fase adulta, em que se dá um
incremento ao processo de transformação, passando da maneira de ser e pensar de
criança àquela do adulto. Mas, sendo que é um momento de transformação, cria
imensos problemas na vida do transformando, vivendo na certeza de não ser mais
uma criança, mas também na ilusão de ser já um adulto. Lembremo-nos: adultum
quer dizer “já desenvolvido”. “A personalidade, durante a adolescência, sofre
contínuas transformações, iniciadas com a puberdade, quando as modificações
endócrinas e o desenvolvimento do aparelho genital assinalam o fim do período de
latência e um incremento da libido, que produzem no adolescente inquietações e
incertezas” (Boccia, 2008, p. 151).
Para o adolescente, a família é uma espada de dois gumes: é o viveiro onde ele cresce
e se alimenta, mas também a estufa que lhe rouba o oxigénio (quando quiser estar
entre os seus pares); é o trampolim para a vida, mas também o obstáculo por superar
para ser adultum.

3
Além de costumes e tradições, é prova disso a tentativa de apagar as línguas locais (de origem bantu) a
favor da exclusividade da língua portuguesa. Na verdade, as línguas locais, exactamente porque
desconhecidas pelos colonizadores, eram um instrumento importante na organização dos grupos de
resistência.
18
1.2.1. Transformações físicas e psicológicas na adolescência

O adolescente passa por um período complicado, crítico, quase incerto. O pior de


tudo é que, muitas vezes, não é compreendido pelo adulto que lhe é ao lado,
aumentando o seu sentido de incerteza. O adulto facilmente critica o adolescente,
num momento em que ele pensa (ilusoriamente) ter percebido quem é. Isso cria
ulteriores incertezas e, consequentemente, conflitos ad intra e ad extra. “O
adolescente adverte em modo dramático o próprio crescimento, percebendo estar a
tornar-se diverso, mas ignorando, ao mesmo tempo, a qual meta o conduzirá tal
mudança” (Boccia, 2008, p. 152).
O corpo que cresce incontrolável diante de si é uma das fontes da angústia do
adolescente: os braços e as pernas tornam-se mais longos, a voz muda, as
coordenações tornam-se mais difíceis. De facto, é freqüente o adolescente partir
coisas em casa sem querer, exactamente porque perde as reais dimensões do seu
corpo. A resposta fisiológica (sobretudo no que toca à componente afectiva e sexual)
embaraça ainda mais o adolescente: vê-se literalmente invadido(a) por sentimentos e
forças internas que o levam para fora de si mesmo. Assim, as transformações físicas
exercem pressão sobre o aspecto psicológico. O adolescente torna-se imprevisível em
termos emotivos e no aspecto das amizades. Muda facilmente de humor; nas suas
relações facilmente se sente invadido, frustrado, decepcionado. É também frequente
na adolescência, não obstante importância do grupo de pares, que as relações (tanto
as de simples amizade como as de carácter afectivo) sejam pouco duráveis. Ainda
assim, o adolescente, no grupo de pares, procura confirmar a própria identidade (que
se vai construindo). Essa confirmação é apenas possível num grupo de pares, porque
o adulto não o ajudaria, tão pouco o faria uma criança.

1.2.2. O adolescente em busca de autonomia, entre tarefas e conflitos

“A conquista da autonomia, durante a adolescência (...) é condicionada pela natureza


das relações existentes entre as gerações dos pais e a dos filhos” (Boccia, 2008, p.
156). É um percurso longo, cuja base não pode ser encontrada fora do núcleo
familiar. Ainda que o adolescente muitas vezes não o admita, o seu crescimento,
19
embora também influenciado pelos grupos de pares e por outras instituições extra
familiares, depende in primis do tipo de família que lhe serve de base. Assim, o tipo
de família pode reforçar ou enfraquecer a autonomia e, portanto, o ser adultum.
O percurso do adolescente, orientado para a construção da sua identidade, em virtude
das transformações que lhe são características (a nível físico, cognitivo e psico-
relacional) é vivido entre tarefas e conflitos: tarefas são as respostas que o
adolescente vai dando no dia-a-dia (o comportamento que o adolescente manifesta,
característico de um período de vida), em virtude do seu desenvolvimento e, portanto,
da fase de vida em que se encontra; os conflitos são exigências internas do seu ego,
mas também das exigências do meio em que vive, sendo, portanto, essencial a análise
da cultura e da sociedade em que vive o sujeito em questão. Assim, “a formação da
identidade recebe a influência de fatores intrapessoais (as capacidades inatas do
indivíduo e as características adquiridas da personalidade), de fatores interpessoais
(identificações com outras pessoas) e de fatores culturais (valores sociais a que uma
pessoa está exposta, tanto globais quanto comunitários)” (Schoen-Ferreira & Aznar-
Farias, 2003, p. 107).
Nas sociedades tradicionais, os papeis são rigidamente atribuídos e servem de base ao
modelamento do sujeito em desenvolvimento. Enquanto o pai é o encarregado das
relações exteriores e, portanto, modelo do adolescente do sexo masculino, a mãe é a
responsável pela ordem e economia doméstica, modelando, assim, a menina. Na
sociedade urbana (global), com a ingerência de vários outros elementos, entre os
quais a televisão, a internet, no modelamento do adolescente, dá-se uma maior
dispersão em termos de fontes de inspiração do processo de desenvolvimento e,
portanto, da meta por atingir, ou seja, do adultum que se quer ser.
Uma família dividida em duas (cujo pai está dividido em duas ou mais famílias), não
obstante as vantagens que a cultura lhe atribui, no contexto hodierno pode constituir
uma subtracção do tempo necessário para o modelamento dos adolescentes ou, pelo
menos, desviar o curso normal (ideal) que tal desenvolvimento prevê. A ausência do
progenitor do sexo masculino constitui dificuldade não só para o adolescente
(masculino), que deixa de ter um modelo imediato, mas também para a menina, tal
20
como revela a pesquisa realizada por Mavis Hetherington (Sprinthall & Collins,
2008).
O objectivo principal do processo de desenvolvimento (a adolescência) é atingir a
maturidade (adultum) e, nessa altura, ter o seu espaço e papel social. É um percurso
longo, muitas vezes difícil, em que entram muitos suportes. Diante da complexidade
do inserimento social, os adolescentes precisam de um tutor, um guia pessoal, um
mediador social. A psicologia social atribui esse papel fundamentalmente aos pais,
muito antes dos outros mediadores sociais externos à família (Maggiolini &
Pietropolli Charmet, 2004).
A busca da autonomia é um processo gestacional, difícil, mas agradável, cheio de
controvérsias e surpresas, erros e, muitas vezes, opções irreversíveis. No entanto, o
adolescente precisa de construir a própria identidade, precisa cozinhar a própria
autonomia. Os adultos constituem o seu scaffolding (andaime), mas é ele mesmo o
senhor da sua identidade e autonomia.

21
“Um monte de pedras deixa de ser um monte de pedras no momento em que um
único homem o contempla, nascendo dentro dele a imagem de uma catedral”

Antoine de Saint-Exupéry

22
CAPÍTULO II
A FAMÍLIA NA SOCIEDADE TRADICIONAL ANGOLANA

Na sociedade tradicional angolana, o papel do pai/chefe-de-família foi e continua


sendo indiscutível e os dois conceitos são inseparáveis. Do pai depende todo o
movimento da família, numa sociedade patrilinear e, em grande medida, machista.
Nas sentadas importantes, é o homem o único autorizado a falar. Quanto muito, a
mulher pode confirmar e reforçar o que diz o homem. Por outro lado, o poder político
é um privilégio reservado aos homens.
O conceito de família na África bantu é muito elástico: parte dos progenitores (pai e
mãe) e compreende os irmãos e as irmãs, os avós, os tios e as tias, os primos e
sobrinhos. São chamados pai e mãe sejam os irmãos do pai como as irmãs da mãe,
respectivamente. Quer dizer que tio ou tia é apenas o parente do sexo oposto ao
progenitor. Por vezes, também os primos dos pais biológicos podem ser chamados
pai ou mãe, segundo sejam do mesmo sexo do progenitor de que são parentes. O
mesmo se diga dos respectivos filhos: para todos os efeitos, o filho do meu ´pai´
(mesmo se esse é primo de segundo ou terceiro grau do meu pai) é,
consequentemente, meu irmão. Por outro lado, avô ou avó não é apenas o progenitor
do próprio progenitor, mas também todos os seus irmãos, irmãs e, eventualmente,
também os seus parentes, segundo o sexo.
Mesmo se estamos a falar da sociedade tradicional – aquela que não teve directa e
longamente influência ocidental – essa realidade pesa nas relações sociais mesmo a
nível das zonas que sofreram a influência ocidental e continuam sofrendo (através da
forte presença real de indivíduos ou comunidades ocidentais ou a presença virtual
através da relevisão, rádio, jornal, internet).
O conceito de família, com as consequentes relações de parentesco presentes nela,
não é uma simples questão de denominação ou nomenclatura. A família é portadora
de uma forte carga psicológica e afectiva do ´filho´ e da ´filha´ (seja biológico como
de parentesco). A árvore genealógica torna-se, assim, um importante ponto de

23
referência, inclusive quando se trata de constituir novas famílias através do
matrimónio.

2.1. A família nuclear e a família não-nuclear

Um dos objectivos do presente trabalho é estudar os confins familiares, querendo


perceber não tanto o tipo ou a quantidade dos componentes da família de um
adolescente, mas “como” percebe os confins da própria família (e as consequentes
relações que estabelece) o filho de uma família não-nuclear.
Por família não-nuclear entendemos aquela família na qual um dos progenitores (ou
ambos) é parte (ou fez parte) de um outro núcleo familiar e tem (ou teve) filhos nos
dois núcleos familiares. Trata-se de famílias onde os filhos têm e sabem da existência
de irmãos (normalmente da parte do pai), ou melhor, famílias que vivem em situação
de poligamia paterna, mas com duas características específicas: que existam filhos e
que esses saibam da existência dos irmãos.
Pensamos que a consciência da existência de irmãos da parte de pai seja um aspecto
importante na construção ou alteração de vínculos afectivos. Nesta acepção, seguindo
a linha antropológica de Schultz e Lavenda (1999), chamaremos família nuclear à
família constituída por pais e filhos próprios e que consiste de duas gerações em linha
vertical: pais e filhos não casados e família não-nuclear à família onde são presentes
filhos de um outro núcleo familiar e onde um dos progenitores (geralmente o pai) é
também membro de um outro núcleo familiar.
A pesquisa efectuada e que, nessa sede, apresentamos, refere, na sua totalidade, casos
de famílias de carácter poligínico, mesmo se, a priori, o ponto de partida era de
encontrar os dois tipos de família não-nuclear, ou seja: a poligínica e a poliândrica.
Em Angola, a sociedade tradicional sempre tolerou a poligamia de tipo poligínico,
mas não a poliandria. É claro que nunca existiu uma legislação a respeito, nem a
favor nem contra. Por outro lado, trata-se de uma sociedade claramente patrilinear.
Exactamente por isso, um homem não aceitaria viver em condição de “segundo
marido”. É verdade que o matrimónio monogâmico é e continua sendo o mais difuso
e aceite e serve de basa à poligamia. De facto, a “primeira mulher” tem sempre uma
24
voz quando se trata de tomar decisões que envolvam a família, mesmo no que toca
aos matrimónios do marido com outras mulheres. Neste caso, assume o papel de
“coordenadora” do harém do marido. As outras mulheres devem-lhe obediência.
Do ponto de vista celebrativo, o matrimónio com a primeira mulher é considerado
como o verdadeiro matrimónio, com ritos, festas e participação da comunidade. A
tomada de outras mulheres tem um carácter mais privado, mesmo se, muitas vezes, o
marido o faz com o consenso da primeira mulher (Asúa Altuna, 2006).

2.2. Origens da Poligamia

Como precedentemente dito, a sociedade tradicional angolana tolera a poliginia, mas


não a poliandria. O termo poligamia tem a ver com as duas acepções. Dada a
dificuldade de encontrar casos de poliandria, a pesquisa feita refere-se apenas a casos
de poliginia e é a ela que nos referiremos doravante, mesmo com o termo genérico de
poligamia. É preciso, no entanto, esclarecer um particular: chama-se poligamia
quando se tem dois parceiros ou mais (quer sejam homens ou mulheres)
contemporaneamente, no sentido de união de vida (baseada no matrimónio ou na
união de facto). Isto serve para não criar equívocos com os casos em que uma mulher
ou um homem teve, em tempos diferentes, filhos com mais de um parceiro, sem tê-
los contemporaneamente. São os casos de famílias reconstituídas ou recompostas 4.
“Uma única mulher não constroi uma aldeia (...); com um só braço não é possível
subir numa árvore” (Asúa Altuna, 2006, p. 344), são alguns entre os provérbios que
o polígamo usa para justificar-se e/ou defender a sua condição.
As origens da poligamia na tradição bantu remontam, por um lado, à época da
evolução tecnológica e acúmulo de riquezas (poligamia enquanto apanágio dos
ricos); por outro, à necessidade de estabelecer relações de não-agressão recíproca
entre dois povos (poligamia enquanto apanágio dos chefes tribais). Neste sentido,
tomar por esposa uma mulher de um outro povo é consentido ao chefe da tribo e a

4
Famílias reconstituídas ou recompostas são aquelas em que os dois membros do casal são provenientes de
uniões diversas, que se romperam, seja por simples separação ou divórcio, seja por morte de um dos
parceiros. Ao construir uma nova família, cada um traz a sua prole e constituem uma nova família com
membros (pais e filhos) provenientes de uniões precedentes.
25
mulher, assim tomada por esposa, serve de escudo em relação ao seu povo de origem.
Fosse como fosse, a poligamia era um claro símbolo de poder (político e económico),
mas também símbolo de vida: o ter tantos filhos significava, para o progenitor do
sexo masculino, estar em plena posse de vida (Asúa Altuna, 2006). Um homem assim
não pode não ser respeitado na sociedade.

2.3. A criança e a comunidade

2.3.1. O nascimento biológico e social da criança: os ritos de passagem

A gravidez é um período que a mulher vive com ânsia, mas também com alegria:
com ânsia, porque é tida a observar as prescrições sócio-culturais (roupa,
alimentação, participação/não participação a determinados ritos culturais, tais como
os funerais; abstenção de relações sexuais a partir de uma determinada fase da
gestação). Casos de parto difícil ou de uma criança nascida com alguma anomalia são
imediatamente reconduzidos à infracção de um tabú sexual por parte da mãe ou do
pai da criança. Com alegria, porque a maternidade (mas também a paternidade) é um
dos momentos que “imortalam” o africano bantu, uma vez que ser impossibilitado de
se tornar pai ou mãe é sinal de maldição, aliás, de morte. “U watchita waliyovola, u
katchitile wafa ale” (quem trouxe ao mundo um filho está salvo; quem não pode fazê-
lo já está morto”), recita um provérbio angolano na língua nacional Umbundu.
O nascimento de uma pessoa é um momento que a mulher não vive em privado. É um
rito. O nascimento é um dos quatro ritos de passagem5 que todo o bantu deve (ou
deveria) celebrar na vida. Não se trata de meros aspectos culturais, sociais ou
celebrativos feitos quase rotineiramente. Os ritos de passagem são a celebração de
momentos vitais de todo o indivíduo. “Fisiologicamente a vida de homens e
mulheres deve atravessar momentos críticos: o nascimento, a puberdade, o
matrimónio, a morte” (Maggiolini e Pietropolli Charmet, 2004, p. 36). Esses ritos de
passagem, naturalmente reservados aos pertencentes ao grupo étnico-cultural onde

5
Os ritos de passagem são cerimónias características de algumas etnias (muito frequentes nos grupos étnicos
de Angola) onde, numa reunião de pessoas, segundo rituais específicos, conduzidos por pessoas que têm
autoridade para tal, se celebram mudanças que têm a ver com o ciclo de vida individual (e que ganha um
sentido colectivo) tais como: o nascimento, a iniciação, o matrimónio e a morte.
26
são celebrados, criam e reforçam a pertença ao grupo (nascimento), sancionam a
passagem da infância à vida adulta com as consequentes tarefas (iniciação), confiam
à pessoa uma família que, contudo, pertence ao grupo (casamento), ligam o mundo
dos vivos ao mundo dos antepassados e confiam os próprios defuntos nas mãos dos
antepassados para que continuem a ter o seu olhar benévolo sobre a comunidade e
não façam mal aos vivos (morte). São esses ritos que fazem do nascimento um acto
social e comunitário e a criança, assim nascida, adquire a realidade ontológica e o
status social de membro da comunidade. Não se pode perceber a pertença familiar de
um africano bantu prescindindo das suas raízes culturais.
Os ritos de passagem dão forma à pessoa que os celebra. Essa forma é reconduzível
“a quatro âmbitos fundamentais: intelectual6, porque se afinam conceitos,
categorias, ideias; afectivo, porque se provam sentimentos, paixões, emoções; ético-
moral, porque são propostas regras, valores e modelos de comportamento e, enfim,
estético porque se aprende a apreciar uma certa ideia de beleza. É na base dessa
linha de representações que serão vividas a vida, a morte, as paixões, as relações
com os outros, mais ou menos significativos, e se perseguirão valores éticos e
estéticos bem determinados e partilhados com o grupo a que se pertence. A
incompleteza, que coincide com a condição infantil, através dos ritos de iniciação,
muitas vezes representados como uma viagem pelas populações que os utilizam, é
transformada na humanidade desejada, no Sé social modelado pela cultura de
pertença. Portanto, não existe apenas transição, mas transformação. A mudança não
se refere apenas à passagem de status, mas à identidade profunda” (Maggiolini e
Pietropolli Charmet, 2004, p. 38-39).
Os ritos de passagem, celebrados com e na comunidade, são um grande ponto de
força na formação da identidade do africano bantu: a identidade individual não é
permanente. Muda, na vida, de acordo com os momentos importantes e das passagens
vitais, dentro da comunidade, que dão forma ao indivíduo. Diversamente sucede no
Ocidente, onde “a ideia dominante é que a identidade individual seja permanente,

6
O negrito é meu.
27
enquanto a mudar seriam apenas os papeis sociais assumidos com a recitação de um
modelo aprendido, que não empenharia a autenticidade do sé individuai, mesmo se
nos séculos passados as classes mais abastadas atribuíam à viagem um poder
transformador extraordinário: viajando para a Grécia e para a Itália, enfrentando
os imprevistos e aproximando-se das impressões deixadas e, portanto, ao saber e à
lição do mundo clássico, preparava-se para governar a propriedade de família ou os
destinos da Inglaterra” (Brilli, 1995, cit. in Maggiolini e Pietropolli Charmet, 2004,
p. 39).
O próprio nascimento, no qual (além da parturiente) está presente a parteira, uma tia e
a mãe da parturiente, é caracterizado por diversos rituais (de passagem): a expulsão
do bebé, o corte do cordão umbilical, o destino da placenta, os banhos da parturiente.
Trata-se de trazer à luz um filho da comunidade. Prova disso não é só a presença dos
parentes e amigos para saudar mãe e filho, mas também o tipo de “ofertas”. Por outro
lado, exactamente para ter viva a memória sócio-histórica da comunidade (e para
confirmar o recém-nascido enquanto filho da comunidade), nas situações em que o
nascimento de uma criança coincide com um evento social ou familiar importante, o
recém nascido torna-se a memória viva de tal evento, tomando como nome (algumas
vezes como alcunha) o ocorrido. Vezes há em que o nome da criança tem um cunho
de procurar a boa sorte, em casos de irmãos que não sobreviveram. Desta forma, o
nome insere a pessoa no grupo. A função do nome não é apenas de nomear (chamar)
alguém, mas de explicar quem é (Asúa Altuna, 2006).
O recém-nascido é integrado na comunidade familiar (no seio dos parentes: avós,
tios, irmãos e irmãs). No caso do presente trabalho, tal comunidade é ´enriquecida´
pela presença de um outro núcleo familiar, do qual o pai é o mesmo.

2.3.2. A árvore genealógica

A vida na sociedade tradicional angolana é vivida na linha de transmissão de valores,


que passam de uma geração à outra (dos mais velhos aos mais novos). Essa realidade
faz com que o papel de um adulto seja fundamental: uma pessoa adulta é sempre
símbolo de sabedoria e experiência de vida. Portanto, a priori, quanto “mais velha” é
28
uma pessoa, tanto mais preciosa será a sua sabedoria. Ora, um dos “valores” a serem
aprendidos é o conhecimento da própria árvore genealógica. Trata-se de levar cada
membro da comunidade (inclusive as crianças, a partir do momento em que podem
perceber o discurso e discriminar os membros da própria família) a sentir-se inserido
na comunidade e a perceber o vínculo que une os seus membros.
O conhecimento da árvore genealógica não é uma questão meramente teórica, um
simples discurso. Tem uma finalidade prática: o reconhecer-se todos membros da
mesma família e, portanto, gostar-se e respeitar-se.
É nesse sentido que surge fortemente o papel do homem polígamo: trabalhar os
afectos dos próprios filhos. Por isso, o saber gerir esses afectos, dos filhos e das
esposas, é um dos pontos de força para que a família não-nuclear possa sobreviver.
Isso é tarefa do homem e da primeira mulher – que muitas vezes subsidia as decisões
do marido e torna-se um ponto de referência das outras (colegas) esposas. Quando
está tudo bem entre as mulheres, estará também tudo bem entre os filhos, que
poderão passar parte do tempo juntos, chamam-se (e sentem-se verdadeiramente)
irmãos e irmãs; chamam “mãe” às esposas do pai, acrescentando o respectivo nome
(por exemplo, mãe Teresa...) se não é a mãe biológica, mas só quando se fala em
terceira pessoa. Os momentos de refeição são feitos juntos porque, muitas vezes, se
partilha o mesmo espaço, no sentido de que as casas das esposas são vizinhas. Essa
praxis é ainda frequente na sociedade tradicional (conservada ainda hoje em algumas
aldeias).
A importância que se dá à árvore genealógica justifica o peso da família alargada na
vida do africano bantu. A família alargada é um grupo-comunidade constituído por
membros das famílias nucleares unidos por consaguinidade real, patrilinear ou
matrilinear, que inclui a solidariedade vertical e horizontal. É um conjunto activo,
vivo, orgânico e místico, formado pelos vivos e pelos defuntos de ambos os sexos,
descendentes de um antepassado comum, reconhecido por todos como tronco
original, “nutrição” da vida comunitária, corrente vital que gera a unidade solidária
entre todos os descendentes através das gerações. A família alargada é unidade no
tempo e no espaço, mesmo se depois se ramifica em tantos outros subgrupos. Seja
29
como for, nunca se extinguirá. Antes, vai enriquecendo-se com novos membros.
Talvés por isso o africano bantu não conhece o conceito social e jurídico de filho
natural ou bastardo. De facto, toda a mulher que se torna mãe enriquece a
comunidade de vida e apraz aos antepassados. Um filho, não obstante nasça fora do
matrimónio, pertence à família (Asúa Altuna, 2006).

2.3.3. O pai super partes

Esta é uma das fraquezas das famílias poligâmicas (de tipo poligínico): o pai é uma
figura relativamente distacada da educação e do afecto dos filhos. Um homem
polígamo procura ser, a seu modo, omnipresente, mas acaba sendo, geralmente,
equidistante. Organiza tudo, mas deixa fazer; prepara a cavalaria, mas ele não parte;
dá ordens, orienta, manda, envia. Ele (o pai) quer que os filhos sejam bem educados e
tenham o afecto dos pais, mas, não tendo tempo material para dispensar a cada filho,
deixa que as mulheres o façam por ele. Portanto, a educação é uma tarefa que ele
delega (quase) completamente às esposas. Os momentos em que ele fica com os
filhos dependem dos seus tempos livres, que não são muitos. São duas as razões:
 O homem polígamo está sempre preocupado para que nada falte às mulheres e
aos filhos (porque se isso acontecesse, faria nascer invejas e ciúmes entre elas).
Por isso, passa a maior parte do seu tempo trabalhando para garantir o
necessário à sua grande família;
 Muitas vezes transforma-se num pai-patrão e as mulheres e os filhos lhe são
submissos, mais ou menos como servos. O seu papel de marido de tantas
mulheres leva-o a ser super partes. As práticas educativas e a presença afectiva
são tarefas das mulheres.

30
SEGUNDA PARTE

ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES FAMILIARES COM O


TESTE LA DOPPIA LUNA

Um estudo empírico

31
“Só na escuridão você pode ver as estrelas”
Martin Luther King

32
CAPÍTULO III
ENQUADRAMENTO DO ESTUDO

A poligamia é a união reprodutiva entre mais de dois indivíduos de uma espécie.


Pode ser definida como um tipo de prática de casamento ou união que envolve um
número de pessoas que compartilham um cônjuge comum (Al-Krenawi, 2016) e
compreende 4 formas: a poliginia (mais frequente e mais aceite socialmente),
relacionada com o casamento de um homem com duas ou várias mulheres; a
poliandria, significando o casamento de uma mulher com dois ou vários homens; a
poligindria, que é a situação em que dois ou mais mulheres são casadas com dois ou
mais homens; a poliginandria, que se refere a casamentos de grupo (Al-Krenawi,
2016; Al-Sharfi, Pfeffer & Miller, 2015). Mais de setenta por cento das sociedades
conhecidas pelos antropólogos permitem que os homens se casem com mais de uma
esposa (Thobejane & Flora, 2014). Em alguns países, a poligamia é proibida por lei,
ao passo que para outros, em particular os países de maioria muçulmana, a poligamia
é legítima (Al-Sharfi et al., 2015).
Nas sociedades africanas, a poligamia é vista positivamente, como uma forma
aceitável e válida de casamento, enquanto a monogamia tem sido associada a pessoas
de menor status social (Baloyi, 2013), o que torna a poligamia um produto de
relações de poder, com raízes culturais, sociais, económicas e políticas (Daoud,
Shoham-Vardi, Urquia & O'Campo, 2014). Em África, antes da chegada do
cristianismo, a poliginia era vista, na perspectiva cultural, como solução para muitos
problemas: para evitar o divórcio por infertilidade da mulher ou quando essa chega à
menopausa; para evitar que as mulheres solteiras “roubassem” os maridos das outras;
para ajudar as viúvas com os seus filhos que, de outra forma, ficariam desamparados;
para garantir maior produtividade, já que os filhos serviriam de mão-de-obra na
economia doméstica (Mwambene, 2017; Baloyi, 2013; Hamdan, Auerbach & Apter,
2009). Por outro lado, a poligamia tem também motivos transcendentais: o homem
que tivesse mais filhos garantiria, para si mesmo e para a sua família, a imortalidade
(Baloyi, 2013).
33
Hamdan et al. (2009) estudaram a influência do casamento poligâmico vs
monogâmico na saúde mental dos filhos adolescentes de uma população beduína
israelita. Tendo entrevistado 406 alunos com idades entre 11 e 18 anos, filhos de
famílias poligâmicas e monogâmicas, que frequentavam escolas em comunidades
beduínas árabes no sul de Israel, os autores solicitaram-nos a preencher um
questionário demográfico e um painel de instrumentos psicológicos medindo
problemas de competência e comportamento, ansiedade e depressão. Os autores
concluíram, após confrontar os resultados, que não havia qualquer diferença na saúde
mental dos adolescentes que fosse imputado à poligamia. Lawson e Gibson (2018)
levaram a cabo um estudo para provar se o casamento poligâmico é prejudicial à
saúde da criança, ou seja, se a poliginia pode ser vista como uma prática cultural
nociva à saúde das crianças, tendo concluído que a poliginia é mais frequentemente
associada à saúde precária da criança, mas também há casos em que a poliginia
parece ser irrelevante ou mesmo benéfica para as crianças.
Relativamente ao desempenho escolar, os estudos feitos (Al-Sharfi et al., 2015;
Adenike, 2013; Al-Krenawi & Lightman, 2000) tendem a mostrar que as crianças e
adolescentes filhos de pais polígamos têm um desempenho inferior aos seus pares
filhos de pais monógamos. No entanto, Elbedour, Bart & Hektner (2007), tendo
estudado os níveis de inteligência entre os adolescentes beduínos árabes de famílias
monogâmicas e poligâmicas que vivem na região de Negev, em Israel, por meio de
uma versão abreviada do teste Matrizes Progressivas de Raven, concluíram não
existirem diferenças significativas nos resultados do teste entre adolescentes de
famílias monogâmicas e adolescentes de famílias poligâmicas. Portanto, não está em
jogo o nível de inteligência dos adolescentes, quanto o aspecto motivacional que vem
do acompanhamento e inspiração dos pais, para os quais a gestão das uniões
poligâmicas não deixa margem a um acompanhamento personalizado dos filhos em
idade escolar.
As sociedades culturais angolanas são, no geral, de matriz patriarcal, e, segundo
Thobejane & Flora (2014), esse modelo cultural parece desempenhar um papel
poderoso e efectivo nos casamentos poligâmicos. No entanto, se em muitos casos as
34
mulheres encontram nas uniões plurais felicidade e satisfação, o mesmo não acontece
com os filhos, que podem ser adversamente afectados pela poligamia. A rivalidade
entre as co-esposas, na maioria das vezes, é prejudicial para as crianças das famílias
polígamas (Thobejane & Flora, 2014), o que, certamente, obriga o marido-pai
“comum” a ter pouco tempo a dedicar a cada filho.

É na perspectiva de buscar o ponto de vista dos “filhos da poligamia” que consiste o


enquadramento do presente estudo. Trata-se de perceber como os filhos da poligamia
representam a própria família e que implicações tem o ser filho da poligamia no
rendimento escolar dos adolescentes.

3.1. Tipo de pesquisa


A pesquisa apresentada nesta segunda parte do texto é de tipo empírico-experimental.
Foi feito um estudo de carácter projectivo, usando um instrumento gráfico-
representativo.
O design da pesquisa é quase-experimental, na medida em que foram seleccionados
adolescentes que reunissem os requisitos previstos na investigação e, deste modo, a
variável fundamental (ser filho ou filha de família nuclear ou não-nuclear) não podia
ser manipulada.

O método é Exploratório, uma vez que o estudo procura compreender uma realidade
pouco estudada no contexto angolano, embora haja estudos já feitos em outros
contextos.

3.2. Problema do estudo


Por muitos, a poligamia foi e é vista como solução de vários problemas (Mwambene,
2017; Hamdan et al., 2009) e por outros como um problema em si, dados os efeitos
negativos da poliginia à saúde das mulheres-esposas e dos filhos (İbiloğlu, Atlı, &
Özkan, 2018; Thobejane & Flora, 2014; Brooks, 2009; Al-Krenawi, 2001). Sentir-se
membro de uma família ou saber que tem outros irmãos pode fazer a diferença na
vida do adolescente. Por outro lado, estudos feitos (Al-Sharfi et al., 2015; Adenike,
2013; Al-Krenawi & Lightman, 2000) sustentam que a poligamia tem impacto
35
negativo no desempenho escolar dos filhos, quando confrontados com os filhos de
uniões monogâmicas. Assim, este estudo pretende responder às questões:
 Q1: quais são as representações de família que os adolescentes fazem em
contexto de poligamia?
 Q2: Existem diferenças no desempenho escolar entre os adolescentes filhos de
pais polígamos e os seus pares de pais monógamos?

3.3. Objectivos

A presente investigação propõe-se os seguintes objectivos:


 Explorar a representação dos confins e das pertenças familiares, numa amostra
de adolescentes filhos de famílias poligâmicas em Angola, para verificar se a
estrutura familiar de tipo poligínico tem um peso considerável sobre as
representações familiares;
 Avaliar a presença de diferenças em relação a uma amostra de famílias
nucleares de Angola (com as mesmas características sócio-demográficas e
culturais) e em relação a uma amostra de controlo italiano (que tem em comum
a variável idade);
 Avaliar o impacto de uma compromissão dos sentimentos de pertença e uma
confusão dos confins sobre o nível de escolaridade.

3.4. Participantes

A amostra escolhida tem a ver com a faixa pré-adolescencial e adolescencial, idade


importante não só porque período de grandes transformações, mas porque em Angola
65,5% da população está abaixo de 24 anos (Censo, 2014). Esta investigação,
referindo-se à população jovem de Angola, quer entrar na análise dos vários factores
que contribuem (positiva ou negativamente) no processo educativo.

Participaram no estudo 66 sujeitos, com idades compreendidas entre 10 e 20 anos,


equamente divididos em 3 (três) grupos homogêneos, por idade:

36
a) Grupo experimental: 22 adolescentes (9 rapazes e 13 meninas) angolanos
(residentes nos municípios de Benguela e Lobito), pertencentes a famílias
poligínicas;
b) Grupo de controlo 1: 22 adolescentes (13 rapazes e 9 meninas) angolanos,
pertencentes a famílias monogâmicas;
c) Grupo de controlo 2: 22 adolescentes (10 rapazes e 12 meninas) italianos,
filhos de famílias monogâmicas.
No que toca aos dois grupos de meninos e meninas angolanos, procurou-se constituir
amostras que fossem homogéneas do ponto de vista socioeconómico e,
preferencialmente, no mesmo território de residência. Os participantes foram
seleccionados na província de Benguela, em determinados bairros das cidades do
Lobito e Benguela.
A ideia de confrontar os adolescentes angolanos com um grupo de controlo italiano
nasceu da necessidade, além da curiosidade, de confrontar modelos culturais
diversos, para perceber se eventuais diferenças existentes entre os dois grupos
angolanos sejam interpretáveis em função da pertença a uma específica tipologia
familiar ou também ao contexto cultural. Por outro lado, o instrumento foi criado em
contexto italiano. Mesmo se não carece de adaptação e validação à realidade
angolana, dada a sua versatilidade, a amostra italiana ajuda a descartar as nuances
culturais nos resultados.
Para o grupo experimental, é fundamental o elemento “família em situação de
poligamia” e a consciência da existência de irmãos (nascidos da outra união, do
mesmo pai), pois esta consciência é um aspecto importante na construção ou
alteração de vínculos afectivos.

Para a inclusão dos adolescentes na amostra, foram tidos em conta os seguintes


critérios:

a) Grupo experimental:
i. Ter idade entre 10 e 20 anos

37
ii. Ser filho de um pai que tem (actualmente) um outro núcleo
familiar (com mulher e filhos) e ser conhecedor de tal
realidade;
iii. Não obstante a autorização dos encarregados (no caso dos
menores de 18 anos), ter aceite participar na investigação.

b) Grupos de controlo 1 e 2
i. Ter idade entre 10 e 20 anos
ii. Ter pais que vivem juntos (pai e mãe), estando ou não a viver
com eles;
iii. Relação única (do pai com a mãe), sem ligação com outro
núcleo familiar, no passado ou actualmente;
iv. Não obstante a autorização dos pais (no caso dos menores de
18 anos), ter aceite participar na investigação.

3.5. Material
Para a recolha de dados foi utilizado o teste La Doppia Luna, um teste gráfico-
simbólico, criado por Ondina Greco (Greco, 2007; 1999), destinado a avaliar
“situações familiares complexas, nas quais o núcleo familiar original sofre
transformações estruturais, pela perda ou aquisição de um ou mais membros e,
muitas vezes, pelo cruzamento dos dois processos” (Greco, 2007, p. 18). Nessas
situações, o componente familiar a ser avaliado redesenha“no tempo o ‘mapa
cognitivo e afectivo’ da família, tomando posição com relação à antiga e à nova
situação familiar” (Greco, 2007, p. 19).
O teste La Doppia Luna representa uma realidade na qual o sujeito, ao qual é
administrado, ‘olha’ a sua realidade familiar e define quem está fora e quem está
dentro, representando uma linha de confim. La Doppia Luna é, assim, um
instrumento gráfico projectivo, cuja finalidade é recolher informações sobre como
uma pessoa, um casal ou uma família vivem a pertença em situações familiares
estruturalmente complexas, isto é, situações que revelam uma alteração na estrutura
familiar, tais como adopção, morte de um membro da família, separação, divórcio ou
38
o alargamento da família por meio da poligamia, uma vez que esta altera a estrutura
familiar (Pervez & Batool, 2016). Este teste define os afectos, as pertenças, os
conflitos em acto e, por isso, prefigura-se bastante apto para avaliar o ponto de vista e
a visão da família por parte de um filho no seio de uma família poligâmica. Trata-se
de um teste projectivo-gráfico, graças ao qual o sujeito, através do uso representativo
de figuras por ele consideradas adequadas, representa o seu mundo, os seus afectos e
os confins dentro dos quais se sente acolhido, amado e protegido.

3.6. Procedimentos

O teste foi aplicado individual e privadamente, a fim de oferecer ao entrevistado a


possibilidade de exprimir-se livremente. Foram disponibilizados a cada inquirido
uma folha branca de papel A4 com esquadria, um lápis e diversas cores. O
entrevistador foi colocando as orientações tal como prevê o teste (Greco, 2006;
1999), sendo que o entrevistador anotava discretamente a ordem dos símbolos que o
entrevistado colocava no papel. No final das orientações, quando o inquirido dizia
que nada mais tinha a acrescentar ou eliminar, seguia-se a verbalização, isto é, a
transformação em discurso (verbal) do que foi “codificado” em desenho para
perceber aspectos importantes, tais como: a ordem seguida ao representar as pessoas,
o uso das cores, o significado (para o sujeito inquirido) dos símbolos, a ausência de
algum membro (vivo ou defunto) ou ainda a colocação de algum sujeito fora do
rectângulo da folha.

3.7. Aspectos éticos

Foram tidos em consideração e garantidos todos os aspectos da privacidade,


confidencialidade, anonimato e consentimento informado (feito pelos tutores para os
menores) de todos os sujeitos que participaram no estudo, bem como os cuidados
inerentes e específicos da investigação com crianças (Fernandes, 2016).

39
“Há quem passe por um bosque e só veja lenha para a fogueira”
Léon Tolstói

40
CAPITULO IV

RESULTADOS

Os resultados do teste La Doppia Luna que, em seguida, apresentamos, surgem da


análise e interpretação de cada desenho, segundo os critérios delineados pela autora
(Greco, 1999). São discutidas as realidades que emergem de cada um dos índices do
teste (gráficos e de conteúdo), confrontando os 3 grupos de sujeitos.

4.1. Avaliação global

O teste é aplicado apresentando uma folha A4, com a esquadria apresentando um


rectângulo. Esse rectângulo indica o ambiente, a realidade em que o indivíduo coloca
o pé, onde vive, o seu habitat. Assim, a projecção nesse espaço através de um
desenho exprime a capacidade de percepção e de colocação do “eu” (corpóreo,
psíquico, emotivo, cognitivo e afectivo). Um olhar geral sobre tais elementos faz-nos
perceber a grande variedade dos desenhos que representam o sujeito-autor e as
pessoas para ele mais importantes.

4.1.1. Variáveis sócio-demográficas

Tab. 1
Distribuição amostral dos 3 grupos por sexo e idade
Grupo Experimental Grupo de Controlo 1 Grupo de Controlo
(Poligâmicas Angola) (Monogâmicas 2 (Monogâmicas
Angola) Itália)
Masculino 9 13 10
Feminino 13 9 12
Média de idade 14,77 15 14,77
Desvio Padrão 2,43 3,02 3,07

41
Tab. 2

Distribuição amostral da convivência vs tipologia familiar

Tipologia de família
Convivência
(com quem vive)
Poligâmicas Monogâmicas Monogâmicas
Angola Angola Itália
Só pai 13.6 - -
Só mãe 18.2 9.1 -
Pai e mãe 40.9 72.7 100.0
Outros parentes 27.3 18.2 -
Total 100.0 100.0 100.0

A tab. 2 ressalta uma realidade muito presente nos dois grupos da amostra angolana:
o facto de que, muito frequentemente, crianças, adolescentes ou jovens, mesmo tendo
os pais vivos, vivam com outros parentes adultos (tios, avós, irmãos). Um outro dado
que daqui se depreende é que o número de adolescentes que vivem com o pai e a mãe
é superior nas famílias monogâmicas em Angola em relação às famílias poligâmicas.
Por sua vez, o número de adolescentes que vivem com outros parentes é superior nas
famílias poligâmicas.

4.1.2. Variáveis relevadas pelo teste La Doppia Luna

O critério de interpretação do La Doppia Luna permite avaliar as seguintes variáveis:


 Tipo de símbolos: convencionais e não convencionais
 Pertença e tipo de pertença
 Os elementos ausentes
 O conflito
 Confins, pertenças e ambiguidades

4.1.3. Tipo de símbolo: convencionais e não convencionais


Representar uma pessoa através de um símbolo pode ser visto como uma brincadeira,
mas também como um modo de exprimir o afecto e a aproximação em relação a tal
pessoa. São dois os tipos de símbolos que se podem usar no teste (tab. 3):
42
 Símbolos convencionais: são símbolos genéricos, usados pela maior parte das
pessoas a quem se aplica o teste e que indicam realidades genéricas e o seu
significado em nada converge com a pessoa representada. Podem ser: flores,
coração, sol, lua, uma figura humana ou figuras geométricas. Não vinculam a
pessoa representada, mas podem ser aplicados indiferentemente a qualquer
pessoa;
 Símbolos não convencionais: são aqueles símbolos que indicam um aspecto
específico da pessoa representada. Chamam-se não convencionais,
exactamente, porque são específicos e caracterizam aquela pessoa
representada. São aqueles claramente insólitos ou aqueles que apontam
directamente para a vida da pessoa representada. Podem ser, por exemplo, um
camião para quem é camionista, um gelado para quem trabalha numa geladaria,
um peixe para um pescador ou uma arma para quem é militar.

No grupo experimental, a maior parte das figuras representadas são geométricas:


estrelas, círculos, cubos, quadrados e rectângulos. No grupo de controlo 1 existem
também figuras geométricas, mas em número substancialmente menor. Existem em
maior número plantas e flores e outros símbolos que representam os desejos
(cônscios e incônscios) dos rapazes, tais como um carro, uma bola.
No grupo experimental existe um único desenho de uma figura humana completa. Por
sua vez, no grupo de controlo 1 existem 6 adolescentes que representaram figuras
humanas (num total de 11 figuras humanas desenhadas). Sem entrar nos detalhes do
significado da representação humana, em função dos detalhes representados,
queremos sublinhar como o uso – que não foi solicitado durante a aplicação do teste –
da figura humana para simbolizar uma pessoa significativa para o entrevistado, seja
certamente mais carregado de significados e de conotações afectivas em relação aos
desenhos geométricos.
O terceiro passo na aplicação da “Dupla Lua” solicita fechar com um mesmo círculo
as pessoas que, na própria maneira de ver, fazem parte da mesma família. Pode
desenhar um ou mais círculos, como o sujeito acha mais oportuno para si (Greco,
43
1999). No grupo experimental, alguns participantes evitaram fazer tal círculo, não
obstante fosse explicitamente solicitado. Evitar tal círculo é, para eles, uma defesa:
trata-se de pessoas que vivem uma situação em que resulta difícil identificar os
confins familiares. Reconhecendo num outro núcleo familiar a presença de parentes
(o próprio pai, irmãos ou irmãs) e, algumas vezes, tendo também outros parentes
(como avós, tios ou primos) com os quais a pessoa se sente muito ligada, delimitar
com um círculo quem está fora e quem está dentro torna-se bastante complicado.
Sendo assim tão difícil, o melhor é não fazê-lo.

Tab. 3
Tipologia dos símbolos utilizados vs tipo de família

Tipologia familiar Total


Tipologia de
Símbolos Poligâmicas Monogâmicas Monogâmicas
Angola Angola Italia
Convencionais 100.0 90.9 72.7 87.9
Não Convencionais - 9.1 27.3 12.1
Total 100.0 100.0 100.0 100.0

X2 = 7.966; p < 0.05

A análise mediante o teste 2 mostra a existência de uma relação estatisticamente


significativa (2 = 7.966; p<.05) entre a tipologia dos símbolos usados nas
representações, avaliada nos 3 grupos, e a tipologia familiar.

4.1.4. Pertença e tipo de pertença

Nas tabelas 4 e 5 são trazidas à discussão duas variáveis que têm a ver com o terceiro
passo do La Doppia Luna: fechar num mesmo círculo as pessoas que, na sua visão,
fazem parte da mesma família. “Pode fazer um ou mais círculos, segundo a sua
maneira de ver” (Greco, 2007, p. 33):

44
Tab 4
Sentido de pertença vs tipo de família

Tipologia familiar
Pertença
Poligâmicas Monogâmicas Monogâmicas
Angola Angola Itália
Sim
27.3 40.9 81.8
Não
72.7 59.1 18.2
Total
100.0 100.0 100.0

X2 = 14.182; p < .005

A primeira variável por avaliar, a pertença, tem a ver com o sentido de “fazer parte”
de uma família, que o sujeito manifesta. Na codificação, são dois os tipos de resposta
que se podem encontrar: o sujeito inclui-se num círculo, revelando, assim, um sentido
de pertença ou não se inclui (tab. 4).
A segunda variável é o tipo de pertença (tab. 5). São 5 os tipos de pertença:
a) Núcleo familiar completo: o sujeito pode incluir-se num círculo junto
com os pais e os irmãos, além de outros parentes, tais como avós, tios,
primos;
b) Monoparental: quando o sujeito se inclui num núcleo com um só dos
progenitores;
c) Isolado é o sujeito que não se inclui em nenhum círculo, ou (sobretudo
no grupo experimental) não faz nenhum círculo, não obstante lhe fosse
feito o pedido;
d) O sujeito pode incluir-se num círculo com pessoas não familiares, tais
como amigos, sem algum progenitor ou parente directo;
e) Algumas vezes, o sujeito insere-se em dois círculos diversos, a que
chamamos dupla representação.
A análise das tabelas 4 e 5 mediante o teste 2 mostra a existência de uma relação
estatisticamente significativa (tab. 4: 2 = 14.182; p < .005 e tab. 5: 2 = 26.509; p <

45
.005) entre a pertença a um núcleo familiar, avaliada nos 3 grupos, e a tipologia
familiar.

Tab. 5
Tipo de pertença vs tipo de família

Tipologia familiar
Tipo de pertença Poligâmicas Monogâmicas Monogâmicas
Angola Angola Italia
Núcleo familiar completo 9.1 40.9 77.3
Monoparental 9.1 - -
Isolado 68.2 59.1 18.2
Não familiares 9.1 - 4.5
Dupla representação 4.5 - -
TOTAL 100.0 100.0 100.0

2 = 26.509; p < .005

As tabelas 4 e 5 revelam que, não obstante seja difusa entre os adolescentes a mistura
entre o desejo de autonomia e o medo da ruptura com os pais, em igualdade de idade,
tal desejo acontece em Angola muito mais cedo. Dados do Inquérito Integrado sobre
o Bem-Estar da População de Angola (IBEP) confirmam que “55% das mulheres que
já tiveram filhos em Angola tiveram o seu primeiro filho no intervalo de 15 a 19
anos” (Ministério do Planeamento, 2011, p. 119). De facto, a percentagem dos
sujeitos isolados não difere muito entre os dois grupos da amostra angolana, se
confrontados com a amostra italiana.

46
Tab. 6

Uso da varinha mágica por idade vs tipo de família

Faixa de Varinha mágica


Tipologia familiar Total
idade Sim Não
10-13 71.4 28.6 100.0
14-18 100.0 - 100.0
Poligâmicas Angola(1)
19-20 50.0 50.0 100.0
Total parcial 86.4 13.6 100.0
10-13 85.7 14.3 100.0
14-18 50.0 50.0 100.0
Monogâmicas Angola (2)
19-20 33.3 66.7 100.0
Total parcial 59.1 40.9 100.0
10-13 37.5 62.5 100.0
Monogâmicas Italia (3) 14-18 72.7 27.3 100.0
19-20 33.3 66.7 100.0
Total parcial 54.5 45.5 100.0
(1)
- X2 = 5.624; p = n.s
- (2) 2
X = 3.286; p = n.s
- (3) 2
X = 2.949; p = n.s

A tab. 6 mostra que, nas famílias poligâmicas, o desejo de mudança (uso da varinha
mágica) é muito alto: 86% dos sujeitos, se tivesse uma varinha mágica, mudaria
alguma coisa e, entre estes, alguns mudariam tudo. Além do factor idade, tal
percentagem é uma campainha de alarme por parte dos sujeitos entrevistados, que
fazem parte das famílias poligâmicas. Avaliando os totais parciais no uso da varinha
mágica, é a amostra italiana (45.4%) a manifestar o menor desejo de mudança. Não
obstante se observe uma tendência e uma diferença entre as 3 amostras, a análise
mediante o teste 2 resulta estatisticamente não significativa.

4.1.5. Os elementos ausentes

Uma das variáveis avaliadas pelo teste La Doppia Luna é o que tem a ver com o
elemento ausente. Na representação, a ausência de uma figura familiar, como o pai, a
mãe ou, em alguns casos, ambos, revela um conflito que, na verbalização, quando
solicitado aos participantes, alguns responderam simplesmente de se terem esquecido.
Também neste caso, a análise mediante o teste 2 resulta estatisticamente não
significativa.
47
Tab. 7

Percentagem dos progenitores ausentes na representação vs tipo de família

Tipologia familiar
Ausência Poligâmicas Monogâmicas Monogâmicas
Angola Angola Italia
Nenhuma ausência 72.7 77.3 90.9
Pai ausente 9.1 9.1 4.5
Mãe ausente 9.1 4.5 -
Ambos ausentes 9.1 9.1 4.5
TOTAL 100.0 100.0 100.0

2 = 3.291; p = n.s.

4.1.6. O conflito

Numa situação de confins e de pertença, tal como o exige o teste La Doppia Luna, no
que toca ao grupo experimental, pertencer a uma família poligâmica pode comportar
uma série de conflitos, que se podem revelar na recusa em representar algum dos
progenitores ou de ignorá-lo pura e simplesmente (não fazendo dele alguma
referência).
Há um outro elemento a ter em conta no grupo experimental: tratando-se de famílias
poligâmicas, nas quais na totalidade são os progenitores do sexo masculino a ter um
outro núcleo familiar (poliginia), não obstante tenham sido representados ou, pelo
menos, citados os irmãos e as irmãs do outro núcleo familiar cujo pai é o mesmo, não
aparece um único caso em que se faça referência à “mãe” do outro núcleo familiar. É
completamente ignorada. Seria o caso de pedir explicitamente ‘onde gostaria de
inserir a outra mãe’, mas essa questão não foi feita aos entrevistados, por motivos
éticos, evitando, assim, ser inconveniente ou provocar-lhes algum embaraço
(Fernandes, 2016).

48
4.1.7. Confins, pertenças e ambiguidades

‘Confim’ é um termo polissemântico que, no presente estudo, resulta ser um oxímoro,


enquanto contém seja a ideia de separação como a ideia de ter algo em comum.
Falando de confim, normalmente referimo-nos a quem está ‘dentro’, mas também a
quem é contíguo ou fora dele. Através do confim familiar, o sujeito reconhece ser
parte (pertença) de um núcleo familiar. É no seio do seu núcleo familiar que ele vive
a sua identidade, a qual, ao longo do seu ciclo de vida, deve adaptar-se às solicitações
do organismo, da família e da sociedade (tarefas do desenvolvimento).
Na fase de formação do casal, torna-se “crucial a construção da identidade de casal
com confins próprios, que distingam a nova família das famílias de origem. Com o
nascimento dos filhos, o confim familiar dilata-se para fazer espaço à nova geração,
enquanto a família com adolescentes é chamada a tornar os seus confins mais
flexíveis para permitir a gradual desvinculação dos filhos” (Greco, 1999, p.17).
O início de uma família (que tem lugar no matrimónio ou na união de facto) é uma
das tantas tarefas de desenvolvimento social do indivíduo. Uma tarefa de
desenvolvimento é uma lição ou tarefa que se apresenta num determinado período da
vida de um indivíduo, cuja boa resolução conduz à felicidade e ao sucesso no
enfrentar os problemas sucessivos, ao passo que a falência diante dela conduz à
infelicidade, à desaprovação por parte da sociedade e a dificuldades diante das tarefas
que seguidamente se apresentam (Witter, 2006). Essa tarefa evolutiva (independência
da família de origem e formação do próprio núcleo familiar, numa só palavra: o
casamento) abre as portas a outras tarefas:
 Alargamento dos confins (da nova família) para o acolhimento do filho ou dos
filhos;
 Distanciamento do filho ainda pequeno, que vai à creche ou à escola primária,
com todas as consequências (medo, insegurança) para os pais. Os pais devem
fazer as contas com o crescimento dos filhos e a progressiva tomada de
distância a partir da adolescência até à saída definitiva, quando eles adquirem a
própria autonomia familar. Se, por um lado, não são todos os pais que
49
conseguem metabolizar a síndrome do “ninho vazio” e, por isso, têm ligados a
si os filhos já casados, por outro lado, nos pais jovens é frequente um clima de
puerocentrismo narcisístico, isto é, a atribuição (aos filhos) da função de
alimentar o seu narcisismo, procurando reforçar, através dos filhos, a sua
identidade;
 O distanciamento dos filhos torna-se, desta maneira, ameaçador (Greco, 2006).
O distanciamento dos filhos é, muitas vezes, adiada, ou então vivido
diversamente (filhos que, não obstante sejam casados, se revêem ainda no
núcleo familiar de origem). É o caso de um jovem ou uma jovem já no seu
núcleo familiar continuar a dizer “a minha casa” ou “a nossa casa”, referindo-
se à casa dos pais;
 Uma outra tarefa evolutiva é a saída dos idosos da cena e a possível
integração, num novo núcleo familiar, do idoso que ficou sozinho, o que obriga
a família a rever e, eventualmente, reabrir os seus confins familiares.
Essas tarefas evolutivas, uma vez que integram fortemente a componente cultural, a
sua vivência é variável na concepção da família bantu (incluindo o tipo de família
não-nuclear). Os confins são elásticos e, muitas vezes, sempre abertos. Enquanto no
contexto europeu essa realidade exige um abrir e fechar os confins, de acordo com a
representação familiar, eminentemente de tipo estrito (pai-mãe-filhos), a família
bantu é predominentemente de tipo alargado. Por isso, é normal que em muitos casos
as fronteiras da família sejam permanentemente abertas ou, no caso de serem
fechadas alguma vez, a sua reabertura não constitui problema: são famílias flexíveis.
Aqui, os filhos (machos) que tenham já constituído a própria família, exactamente
para perpetuar o sistema patrilinear (característico das sociedades bantu), não se
distanciam do ambiente genitorial e muitas vezes permanecem dentro do círculo
familiar originário. Do ponto de vista tradicional, as aldeias foram criadas e
desenvolveram-se por um antepassado comum. Portanto, os descendentes se
consideram e são uma família e vivem um perto do outro. Os filhos nascem e
crescem com um forte sentido de pertença à comunidade e o seu crescimento, o seu

50
desenvolvimento e as actividades que realizam são orientadas a reforçar o tecido
comunitário. É por isso que o filho leva o apelido de um membro respeitável da
família (comunidade) e não necessariamente o apelido do próprio progenitor. É que
sendo que o nome protege e revela a identidade da pessoa, levar o nome de uma
pessoa adulta, importante na comunidade, significa perpetuar a sua obra, a sua
identidade, sobretudo depois da morte dessa pessoa. Mais uma vez, confirma-se o
sentido de espiral da vida do bantu: “exclui a concepção eterna tal como a filosofia
ocidental a concebe” (Chombela, 2013, p. 175).
Fica claro, dessa forma, que a força atribuída à comunidade debilita a pertença
familiar e criam-se fortes ambiguidades relativamente aos confins familiares. Essas
ambiguidades são advertidas também pelos filhos em relação aos próprios pais. De
facto, em muitos casos, o uso em sentido lato dos termos “pai e mãe, mano e mana”,
não cria apenas dificuldade de interpretação em quem ouve (e tem de interpretar se se
trata do pai biológico ou irmão do pai; da mãe biológica ou da irmã ou prima da mãe
e assim por diante), como pode gerar um equívoco, em termos afectivos no próprio
sujeito. Assim, ou se esvazia o termo da sua carga afectiva, ou se dilui o afecto em
todos quantos são envolvidos.
Nos Estados Unidos da América, as pesquisas sobre ambiguidades referem-se a
situações de parentes desaparecidos (ou mortos), doentes crónicos, divórcios e
adolescentes que deixam a casa para ir viver num college. O que provoca um alto
nível de stress na família, além mesmo do facto da ausência ou doença, é a
ambiguidade. Se não se consegue esclarecer quem está dentro e quem está fora do
sistema familiar, a família não se pode reorganizar (Boss e Greenberg, 1984).
A tal propósito, Boss e Greenberg (1984) introduziram a expressão Family Boundary
ambiguity (Ambiguidade dos Confins Familiares), para indicar um estado no qual os
membros de uma família são incertos sobre quem está “dentro” e quem está “fora”
dos confins familiares e quais os papeis e tarefas sejam presentes dentro da mesma
família. Trabalhando com amostras de famílias onde o pai era ausente ou
desaparecido, não sabendo se vivo ou morto e com amostras de viúvas e de famílias
de adolescentes que deixaram a casa, Boss e Greenberg introduziram um indicador de
51
presença psicológica nas famílias onde o pai era fisicamente ausente. Assim, as
autoras distinguem dois níveis de ambigüidade dos confins, aos quais pertencem
diversos tipos de pessoas: um nível alto e outro baixo.
Pertencem ao nível alto (High Boundary Ambiguity) duas categorias de pessoas:
a) Aquelas onde o pai é fisicamente ausente, mas psicologicamente presente. São
casos em que o pai, pela marca que tem no aspecto psico-emotivo da família,
não é possível prescindir dele;
b) Aquelas onde o pai é fisicamente presente, mas psicologicamente ausente. São
casos em que o pai vive realmente aí (presença física), mas emotivamente
ausente, preocupado com outras coisas externas à família (trabalho, outras
pessoas.
O nível de ambigüidade é alto porque o processo de reorganização da família não
pode iniciar sem que seja clara a situação ou o estado da pessoa ausente.
Ao segundo nível (Low Boundary Ambiguity) pertencem igualmente duas categorias
de pessoas:
a) Aquelas onde o pai é fisicamente ausente e psicologicamente ausente. São
situações em que o pai não está fisicamente presente e não conta na vida e nas
decisões da família;
b) Aquelas onde o pai é presente física e psicologicamente.

A presente investigação tem a ver com situações nas quais os sujeitos representam os
confins que advertem na sua família, diante da extensão desta, como um
prolongamento para outra família, composta por outras pessoas, com as quais podem
ou não sentir-se “uma família”. Por vezes, o dever partilhar os afectos do próprio
progenitor pode gerar ciúme entre os núcleos familiares; mas também o stress de não
advertir o afecto do próprio progenitor no momento em que se precisa pode gerar
incertezas e ambiguidades.
Por meio do teste La Doppia Luna, foram avaliados 3 níveis de ambiguidade:

52
1) Ambiguidade elevada: o sujeito não representa os confins familiares ou não
representa os próprios progenitores, mesmo vivendo efectivamente com
eles;
2) Ambiguidade baixa: o sujeito representa os confins familiares, colocando
dentro as pessoas segundo a pertença familiar, incluindo o pai e a mãe, e, no
entanto, ele se deixa fora do círculo;
3) Ambiguidade ausente: o sujeito representa os confins familiares e se insere
num dos círculos familiares de família nuclear ou alargada, colocando
dentro as pessoas com quem vive (tab. 8).

Tab. 8
Nível de ambiguidade na amostra vs tipo de família

Tipologia familiar
Ambiguidade Poligâmicas Monogâmicas Monogâmicas
Angola Angola Italia
Elevada 77.3 50.0 13.6
Baixa 18.2 9.1 13.6
Ausente 4.5 40.9 72.7
TOTAL 100.0 100.0 100.0

X2 = 23.215; p < .001

A análise mediante o teste 2 mostra a existência de uma relação estatisticamente


muito significativa (2 = 23.215; p < .001) entre a ambiguidade dos confins
familiares, manifestados no teste gráfico-simbólico e a tipologia familiar.
A tab. 8 revela que a ausência e incerteza da presença dos próprios progenitores
provoca nos filhos um nível alto de ambiguidade que leva os adolescentes a
desejarem alguma mudança na própria família. Um confronto entre a ambiguidade e
o desejo de mudar alguma coisa na representação é apresentado na tab. 9.

53
Tab. 9
Uso da varinha mágica vs nível de ambiguidade vs tipo de família

Varinha Mágica
Tipologia familiar Ambiguidade Total
Sim Não
Elevada 100.0 - 100.0
Baixa 50.0 50.0 100.0
Poligâmicas Angola(1)
Ausente - 100.0 100.0
Total parcial 86.4 13.6 100.0
Elevada 54.5 45.5 100.0
Baixa 100.0 - 100.0
Monogâmicas Angola (2)
Ausente 55.6 44.4 100.0
Total parcial 59.1 40.9 100.0
Elevada 33.3 66.7 100.0
Monogâmicas Italia (3) Baixa 100.0 - 100.0
Ausente 50.0 50.0 100.0
Total parcial 54.5 45.5 100.0
(1)
- X2 = 13.509; p < .005
- (2)
X2 = 1.525; p = n.s
- (3) 2
X = 3.178; p = n.s

De acordo com a tab. 9, os sujeitos que revelaram uma elevada ambiguidade


manifestaram também o desejo de mudar alguma coisa e, em alguns casos, toda a
representação, se tivessem uma varinha mágica. No grupo de controlo 1, pouco mais
do que a metade dos que revelaram uma elevada ambiguidade gostaria de mudar
algo, ao passo que no grupo de controlo 2 tal percentagem desce a um terço dos
sujeitos que revelaram uma elevada ambiguidade. A análise mediante o teste 2
mostra a existência de uma relação estatisticamente significativa só na amostra
experimental ((2 = 13.509; p < .005).

54
Tab. 10

Nível de escolaridade por faixa de idade vs tipo de família

Nível de escolaridade
Faixa de Tipologia
Até 5ª 6ª à 8ª 9ª à 12ª Univers Total
idade familiar
classe classe classe id
Poligâmicas
85.7 14.3 - - 100.0
Angola
Monogâmicas
10-13 28.6 71.4 - - 100.0
Angola
Monogâmicas
25.0 75.0 - - 100.0
Italia

Poligâmicas
46.0 23.0 31.0 - 100.0
Angola
14-18 Monogâmicas
8.3 16.7 75.0 - 100.0
Angola
Monogâmicas
- - 100.0 - 100.0
Italia

Poligâmicas
- - 50.0 50.0 100.0
Angola
19-20 Monogâmicas
- - 66.7 33.3 100.0
Angola
Monogâmicas
- - 33.3 66.7 100.0
Italia

Partindo da correspondência entre a idade e o nível de escolaridade esperado (em


condições normais, a criança entra para a 1ª classe aos 6 anos, tanto em Angola como
na Itália), tendo em conta o início, o centro e o fim da adolescência, os resultados
confirmam as conclusões do estudo feito por Adenike (2013), segundo a qual a
variação na fortificação psicossocial emocional no contexto familiar de monogamia e
poligamia pode ser um indicador para o alto ou baixo desempenho académico dos
estudantes.
Na faixa etária dos 14 aos 18 anos, os adolescentes deveriam estar a frequentar da 9ª
classe em diante. Ora, a diferença significativa que relevamos confrontando o grupo
experimental e o grupo de controlo 1 é que só 31% do grupo experimental está nesse
nível, enquanto do grupo de controlo 1 está representado por 75% de adolescentes.
Quanto à faixa etária dos 19 aos 20 anos, os dados pendem (falsamente) a favor do
grupo experimental (50% dos sujeitos estão na faculdade). Mas isso deve-se à

55
casualidade de terem sido incluídos na amostra apenas dois sujeitos nessa faixa de
idade, dos quais um estuda na faculdade.

4.2. Discussão dos resultados


O estudo debruçou-se sobre as representações de família por parte dos adolescentes
filhos de famílias poligâmicas em comparação com os seus pares de famílias
monogâmicas. Procurou igualmente analisar as repercussões da poligamia no
desempenho escolar dos mesmos adolescentes. Estudos feitos salientam tanto os
aspectos vantajosos da poligamia (Mwambene, 2017; Hamdan et al., 2009) como os
danos que causa na vida das mulheres e dos filhos (İbiloğlu et al., 2018; Thobejane &
Flora, 2014; Brooks, 2009; Al-Krenawi, 2001), incluindo nas relações sociais,
desestruturando a vida dos seus componentes (Pervez & Batool, 2016).
Um primeiro dado recolhido do presente estudo é que em Angola a poligamia leva à
dispersão familiar, já que a percentagem de adolescentes que vive fora do círculo
familiar directo (pai e mãe) tende a ser reduzido, a favor da convivência com outros
parentes. No que toca às representações das pessoas mais importantes, a totalidade
dos adolescentes filhos de pais polígamos utilizou símbolos convencionais. Para o
grupo de controlo angolano, uma tímida percentagem de 9.1% representou as pessoas
mais importantes com símbolos não convencionais. Em função dos detalhes
representados, o uso de símbolos não convencionais representa uma pessoa
significativa para o entrevistado, dado ser mais carregado de significados e de
conotações afectivas em relação aos desenhos geométricos (símbolos convencionais).
De facto, um elevado número de adolescentes de famílias poligâmicas,
comparativamente com os seus pares de famílias monogâmicas, não se sente
pertencente a qualquer família, preferindo representar-se de forma isolada.
Muitos estudiosos procuraram perceber determinadas atitudes ou dinâmicas dos
adolescentes, sobretudo em relação aos adultos, em geral, e aos próprios progenitores,
em particular. Para Al-Sharfi et al. (2015), o adolescente é, muitas vezes, inconstante
nas suas atitudes. Nele convivem atitudes contraditórias, odiando as pessoas mais
amadas. Em comparação com adolescentes de famílias monogâmicas, os adolescentes

56
de famílias poligâmicas relataram níveis mais elevados de disfunção familiar, menor
coesão familiar, piores relações com o pai, mais conflitos entre irmãos, piores
relacionamentos com amigos.
Alguns estudos, tendo-se debruçado sobre conflitos entre pais, mães e adolescentes
em famílias monogâmicas e poligâmicas, não encontraram uma associação
conclusiva entre a poligamia e o conflito entre pais e filhos, embora não tenham
eliminado a possibilidade de que tal ligação exista (Elbedour, Hektner, Morad, &
Abu-Bader, 2003). No presente estudo, em alguns adolescentes filhos de famílias
poligâmicas, é presente a dificuldade de representar os confins familiares por meio de
um círculo. Tal situação revela a dificuldade de dever cortar ao meio pessoas com as
quais se tem um vínculo afectivo. O conflito é ainda maior porque o próprio
adolescente deve aceitar alguém cuja maneira de viver ou cuja relação considera
problemática, confirmando-se que a poligamia tem um impacto adverso nas relações
interpessoais dos indivíduos e leva a discórdias e desajustes nas suas vidas sociais
(Pervez & Batool, 2016).
Do ponto de vista escolar, registou-se um desempenho baixo dos adolescentes filhos
de pais polígamos. O estudo não teve em conta o número de reprovações, mas a
relação idade vs. nível escolar do adolescente, tendo em conta o contexto. O
acompanhamento deficitário dos pais e o ingresso tardio das crianças na escola
podem ser os motivos do tão fraco desempenho relevado entre os adolescentes filhos
de pais polígamos. Estes dados confirmam os resultados dos estudos feitos por Pervez
& Batool, 2016, Al-Sharfi et al. (2015), Adenike (2013), Al-krenawi, Graham &
Slonim-nevo (2002) e Al-Krenawi & Lightman (2000), para os quais as crianças de
famílias poligâmicas apresentaram mais restrições a nível educacional e menor
desempenho académico do que os seus pares de famílias monogâmicas.

57
“Na vida tudo é relativo,

um fio de cabelo na cabeça é pouco, já na sopa é muito”

(Provérbio popular)

58
CONCLUSÃO

A investivação aqui apresentada, embora tenha como centro de atenção o conceito de


família e o desempenho escolar, quer abraçar as tantas dimensões da vida de
adolescentes, filhos de famílias “não-nucleares”. Dos resultados, ficou-se a saber que
ser filho ou filha de uma família poligâmica tem a sua vantagens (a nível cultural),
mas também as suas desvantagens (a nível afectivo e académico).
A nível cultural, a tradição defende e estimula a família enquanto “quartel general”
da vida e das relações. Ter uma família ou construir uma família é o maior desejo do
bantu, um desejo tão grande que, por vezes, leva a queimar etapas, promovendo-se
casamentos precoces. Os ritos de iniciação masculina e feminina têm como ponto de
referência a formação da própria família e a gestão do lar. Construir uma família é
símbolo de poder político e religioso e gerar uma vida significa, para o bantu, realizar
o desejo inato de imortalidade; significa ter o beneplácito dos antepassados que, desta
forma, continuam vivos e bendizendo a obra de quem gera vidas. O acto de gerar vida
leva a merecer os favores do além. Portanto, mais vidas são geradas, mais se
manifesta o poder político e religioso.
As desvantagens que derivam do ser filho de uma família poligâmica têm a ver com a
dispersão afectiva. O afecto é a energia necessária para enfrentar as tarefas sociais e
intelectuais.
O presente estudo é pioneiro em Benguela, na abordagem das representações que os
filhos adolescentes fazem da sua família bem como das repercussões da poligamia no
desempenho escolar dos mesmos. Os diversos estudos relacionados à poligamia e os
seus efeitos sobre os filhos têm sido mais frequentemente feitos no Médio Oriente.
No entanto, a poligamia é realidade em muitos países africanos, Angola inclusive. O
aspecto legal ou celebrativo da união conjugal enquanto critério de distinção entre
união livre e poligamia não foi abordado no presente estudo, tendo tido este, por base,
o conceito de poligamia enquanto prática de casamento ou união que envolve um
número de pessoas que compartilham um cônjuge comum (Al-Krenawi, 2016). Ainda
assim, para mitigar a discussão à volta do casamento, que carrega um aspecto formal

59
da união, foi tido como um dos critérios de inclusão dos inquiridos no presente
estudo, o ter consciência da existência (actual) de uma outra família do seu progenitor
(com filhos, resultantes dessa relação) com a qual tem ou não alguma relação.
Os estudos sobre a poligamia e os seus efeitos na vida dos seus protagonistas e na
vida dos respectivos filhos são ainda escassos em Angola. Na fase actual da lenta e
sofrida implementação do processo de inclusão social e escolar, os efeitos da
poligamia sobre os filhos não deveriam ser ignorados, dados os números elevados,
embora não oficialmente reconhecidos, de relações poligâmicas e, consequentemente,
do eventual ingresso tardio ou escassa motivação por parte dos filhos de famílias
poligâmicas. Remetemos a pesquisas futuras a exploração dos aspectos motivacionais
relativamente às actividades escolares em filhos de famílias poligâmicas.

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