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Evocações do sagrado:
benzedores e
benzedeiras de Juatuba
Simone Ramos
Sonia Anjos
Evocações do sagrado:
benzedores e
benzedeiras de Juatuba
A fala deles, contudo, ficou registrada nos encontros que foram fei-
tos pela Secretaria Municipal de Cultura desde 2013, e foi igualmen-
te essencial para o entendimento deste saber no município. Assim
sendo, agradecemos a todos os benzedores e benzedeiras cujos co-
nhecimentos foram generosamente partilhados conosco, inclusive
os abaixo relacionados, cujos depoimentos não foram gravados:
- Werner S. Decker;
Prólogo_______________________________________________ 15
Imagens_____________________________________________ 115
Realização__________________________________________ 142
Prólogo
Dar voz e vez aos detentores deste saber foi a principal motivação
ao desenvolvimento deste processo, mas não foi a única razão. A
necessidade de valorizar oficialmente o Patrimônio não-edificado
e não-monumental – o patrimôno do homem e da mulher comuns,
da vivência e do cotidano da comunidade – legitima um ofício que
muitas vezes é visto de maneira negativa, sem levar em considera-
ção a natureza do “abençoar” e do sagrado que está contido no ato
de benzer.
Localização de Juatuba em Minas Gerais e na região metropolitana de Belo Horizonte. Fonte: Wikima-
pia e http://rmbhmeioambiente.blogspot.com.br/2010/07/municipios-da-rmbh.html
Neste contexto, pelo seu “poder” de cura – que todas elas, enfati-
camente, informam não serem delas, mas de Deus -, muitas vezes
o papel da benzedeira foi distorcido na sociedade. Os seus conhe-
cimentos de cura, grosso modo, podem ser mal comparados, por
quem não as conhece, com os saberes das bruxas, no período da
inquisição. Neste contexto, algumas delas são muito incisivas ao
se declararem católicas. Ao relatarem a convivência (pacífica) com
pessoas de outras religiões, sobretudo as pentecostais, ressaltam
Simone Ramos/ Sônia dos Anjos
Benzo com a faca, com a garrafa, com arruda. Alecrim não pego
não, pego mais é arruda. A gente benze, às vezes a pessoa tá assim,
“ah, eu to com uma dor de cabeça, não sara”, então a gente...vem
cá, a gente cura. Às vezes é uma criança, tá com um cobreiro, uma
impigem, sara.
Quando eu vim pra cá, nós estava no Mato Grosso. Eu vim com três
anos. Meu pai trouxe nós, nós ficou aí, ele foi embora, depois a
minha mãe sumiu pra lá, meu avô criou eu. (Uma das entrevistado-
ras pergunta à Dona Dita se ela conheceu o avô da entrevistadora,
seu Dirico): Dirico, conheci.
A gente...como diz o outro, Deus cura, né. O que a gente não pode...
Falar comigo em feitiço eu adano, eu não acredito nisso de jeito ne-
nhum, isso não existe. É Deus mesmo e a Igreja Católica. (Sobre sua
devoção): é tudo. Porque como diz o outro, já que é santo, então a
gente vai ter com fé com todos. O Padre Eustáquio quando eu fui
lá (no santuário de Belo Horizonte, no bairro do mesmo nome), ele
agarrou e me deu esse quadro (do próprio Padre Eustáquio). E ali o
Padre Libério, e...eu tenho muita fé com o Padre Libério. Meu meni-
no foi sequestrado, ele ficou quatro dias na mão dos sequestrado-
res. De noite, eu falei assim, ô Padre Libério - meu menino chama
Libério por causa dele- , Libério não tá saindo da minha cabeça, aí
eu ouvi assim: “Levanta, toma um copo dágua gelada pra ele ,ele tá
sequestrado, tá morrendo de sede.”. Eu tomei, sentei ali no quar-
to, sentei, rezei, pedi o Padre Libério pra tirar ele, e fui pra cama
dormir. Quando foi sete horas patrão dele chegou aqui, e vai mi-
nha filha, eu falei assim, Padre Libério, não deixa machucar ele não,
toma conta dele, e o patrão dele me disse: “nó, mas to bobo, você
tão tranquila”. Quando dou fé eles chegaram com ele aí, depois nós
fomos lá no Padre Libério. Nem tirou os 400 (reais) dele, não abriu
o caminhão, caminhão não abriu. Não machucou, ele tava preso,
queriam matar mesmo. Aí eu falei Padre Libério, o senhor pôs a mão
dele muito pra mim, não deixa nem matar nem nada não. A gente
tem que ter uma fé, né.
Assim, Padre Libério falou assim: levanta, toma um copo dágua pra
ele que ele tá morrendo de sede. Ele (o filho) disse que a boca dele
chegava a secar. Na hora que eu bebi a água cá, diz que foi juntando
Evocações do sagrado: benzedores e benzedeiras de Juatuba
Eu já passei pra muita gente...a Regina, ela vinha cá pra sempre pra
benzer a cabeça de menino de Sol, né. Eu ensinei ela, ela disse ago-
ra que ela cura lá. Porque o Sol na cabeça é assim: a sua cabeça
doeu, doeu, cê toma o remédio, não melhorou, cê pode encher uma
garrafinha assim,(pega) um pano, põe lá na cabeça lá e shhhhh
...vai rodando mesmo (faz como se a dor se evaporasse da cabeça).
vai indo eu falei com ela, ó, oceis na sua eu na minha. Falei. Falei as-
sim ó, nós foi criado junto, o compadre era da igreja, ces era tudo da
igreja, ces passaram pra crente! Então deixa eu e oceis lá na igreja
docês!
Eu vim com 3 anos (do Mato Grosso). A gente veio até na máquina
de ferro (Trem Ferroviário). É que meu pai não tinha dinheiro, né,
e vai o homem de lá conversou com o maquinista e nós veio numa
máquina até Mateus Leme. Chegamo em Mateus Leme, meu avô foi
lá a cavalo e buscou nós. O pai da minha mãe. Do lado do meu pai,
o meu avô era indío, cabelo corridinho, e do bando do vô Elpídio
era tudo claro, e do bando do meu marido é claro também. Compa-
ração, eu tenho dez filho e os neto tudo, tem uns moreno, tem uns
claro, tem uns mais preto. Meu avô chamava Elpídio Batista Villas-
-Boas, pai da minha mãe. E vovó Ana. E o pai do meu pai era Madale-
na e Isaías. Meu avô Isaias era indío. Eles morava lá em Florestal, e
o meu avô, ele andava à cavalo, com aquele bigodão, cabelo muito
pretinho, pai do meu pai. Eu tenho um rapaz assim, moreno, do ca-
belo corridinho, neto do cabelo corridinho, mas meu avô o cabelo
dele era corridinho.
Dona Efigênia: Meus avôs moravam tudo aqui, e meu pai é que foi
lá pra Belo Horizonte, né, então morava lá na Barroca (bairro de
Belo Horizonte), foi lá que eu nasci. Depois meu pai morreu, que
fazer, né, viemos todos pra cá. A Benedita, nós foi criado junto.
(A senhora benze todos os dias?) Isso é como se diz: a pessoa che-
ga, pediu a gente pra benzer, então a gente benze na hora. Que o
bem a gente faz na hora, não pode deixar pra depois. Eu comecei
a benzer com essa idade mesma, dezoito anos, na mesma época
(que casei). Eu não tinha nem 17 anos, a casa do meu avô era ali,
nós casou e foi morar lá no Alto da Serra. (A senhora benze de noi-
te?) Benzo. Não tem hora pra fazer o bem não.
Meus filhos são 12. (Quase setenta anos de casado, não é dona Efi-
gênia?): Quanto? (Quase 70!) É...
a Deus.
(Dona Efigênia, falando dos filhos): quem benzia mais, era mais
eu. Eu benzo também, mas, como diz quando a pessoa vem com
Simone Ramos/ Sônia dos Anjos
(Seu Mundinho): o povo hoje não benze muito hoje mais não. Hoje
é farmácia mesmo. A benzeção faz bem. Benzedeira tem. A farmá-
cia nossa era a benzeção. Era o benzedor e o chá de casa.
Tinha uma menina que o pai dela vivia levando ela no médico, le-
vando ela no médico pra curar a boca, que a boca não tava aguen-
tando de cobreiro dentro da boca. Ele me trouxe a menina, eu ben-
zi ela, (melhorou) graças a Deus, né..
Eu rezo um terço todo dia. Todo dia eu rezo um terço. Eu tomo remé-
dio oito horas, sete horas, tomo injeção pra diabete depois da janta,
aí eu sento lá, sete horas, sete pouquinha, e rezo o terço. Sozinha e
Deus. Sozinha eu nunca to, to com ele (o marido) e com Deus. (Rezo)
pra Nossa Senhora da Aparecida e Nossa Senhora de Fátima. Eu até
tenho uma Nossa Senhora de Fátima que até eu contribuo com um
trocadinho pra ela, pra levar lá pra São Paulo, aí vem aquele quadro
bonito, nó, ela é linda demais. Às vezes vem uma medalhinha, vem
o livro de novena, aí eu mandei guardar. Já visitei já (a Nossa Se-
nhora de Fátima, bem móvel tombado de Juatuba). A gente não vai
mais porque não pode, né (e faz o gesto de que “o marido segura”).
Nós fez ou vai fazer 54 (anos de casado). Casei com vinte anos. Casei
em setembro e em outubro eu fiz vinte anos, no dia 28. Oh trabalho
que a gente passava....e aquela escadinha (de filhos), que eu tinha
Simone Ramos/ Sônia dos Anjos
Eu tive internada quase dois meses. Eles achavam até que eu não ia
escapar. Esse negócio de eu ter ficado lá internada com problema
do pulmão, quando eu vim embora eu fui levantar pra fazer xixi, o
banheiro cá fora, quando eu fui levantar, minha filha, bati isso aqui
(a testa) lá no guarda roupa. Na hora fiquei até meio zonza. E aqui
formou um caroço assim de sangue, fiquei com isso muito tempo.
Depois disso eu caí no banheiro. Por isso que até hoje to dando ton-
teira. Até hoje eu tô andando com a manguara porque tem hora
que eu calombeio. Aqui dentro aqui muitas vezes eu vou sem a
manguara, mas quando vou lá pra fora assim, né.
Eu mesmo benzo eu. Esses dias eu tava, com o corpo ruim, aquele
mal estar, pensei “Deus, me ajuda”. Aí eu benzi ele, e depois agra-
deci ele. Eu gosto de benzer é com o terço. Com o raminho a gente
O mal dele passa pro terço. Eu peço Nossa Senhora pra levar as coi-
sa ruim pelas ondas do mar, pra levar bem longe. Pelas ondas do
mar. Eu já ajudei a curar muita gente de quebrante, mal-olhado,
destroncado...que muitas coisas hoje, tem que ser com benzeção,
remédio de médico não resolve. Tem que ser a benzeção com a pa-
lavra de Deus. Amém. E eu penso assim: oh meu Deus, sem o se-
nhor nós é nada, mas com o senhor nós é tudo na vida.
Dona Joana nos recebe na copa de sua casa, servindo café, queijo
e quitandas:
Ah, o meu nome é Maria Joana Gonzaga. Eu virei benzedeira através
da minha avó. Minha avó era benzedeira antiga aqui do Boa Vista,
ela foi uma das primeiras mulheres de Boa Vista, primeiros morado-
res, Maria José de Jesus. A minha vovó. E então eu aprendi com ela,
aprendi alguma coisa com a minha madrasta da minha mãe, Altina
Batista, que também era benzedeira, inclusive coser carne quebra-
da, foi com ela que eu aprendi. É. E o cobreiro, e espinhela caída...
vento virado e espinhela caída é a mesma coisa, só que de criança
fala vento virado, e gente adulto, espinhela caída. Então eu aprendi
com a minha avó. Comecei a benzer tem muitos anos, acho que foi
quando eu mudei pra aqui, começou as pessoas procurarem, né,
Evocações do sagrado: benzedores e benzedeiras de Juatuba
tem 37 anos que eu moro aqui, no Boa Vista, nessa casa mesmo, e
foi quando eu comecei. Eu sou daqui mesmo, nascida em Jardim
Leme (bairro de Juatuba), que o terreninho ali era do meu avô, sabe
e eu fui nascida e criada lá, e depois eu casei e mudei pra Isomonte,
morei no Isomonte um tempo, que é ali perto do Juá, depois eu mo-
rei na Alba, que é um sítio aqui perto da Alba, tudo aqui na região,
depois em 80 eu vim pra aqui. E to aqui até hoje.
benzo todo dia, só domingo que eu não benzo, mesmo assim se for
caso urgente eu benzo. Benzo até as seis horas (da tarde), não gosto
de passar de seis horas não, de noite não, bom da gente benzer é
de dia. De segunda à sábado o povo vem aqui benzer, com a graça
de Deus e o meu dom, né, eu não sei, amém! Eu tenho devoção por
Nossa Senhora Aparecida, São Judas Tadeu, e todos os santos, São
Jorge Guerreiro...
(Dona Joana falando das ervas que planta e usa na benzeção): tem
alecrim, arruda, alecrim. Benzo com o raminho, quando não tem o
raminho eu uso meus dois dedinhos também, né, que às vezes tem
hora que, às vezes eu tô num lugar, num posto de saúde, chega um
lá, né, e eu já passo uma benzida nele até sem ele saber, eu adoro
fazer uma caridade, adoro. Tem muita gente que às vezes paga pra
ver.
(D. Zélia): Quem cura é Deus. É Deus quem cura a gente. É Deus que
cura a gente, não é a gente não. (Falando de uma senhora que a
procurou para benzer o filho -um rapaz - à distância) Não sei quem
contou a ela (que eu benzia). Ela falou que o filho dela chegava em
casa e só vinha da quebradeira, era só quebradeira, gente assim,
como dizer, de altas classes, né? Aí eu benzi e a menina ficou tão
satisfeita, tão agradecida, precisa de ver, ela ficou alegre e satisfeita
demais, disse “nó, Dona Zelia, meu filho hoje em dia é outro. Chega
em casa que nem um passarinho, nem vê ele entrar dentro de casa,
que nem um passarinho, mesma coisa que eu ver um fogo aceso,
cê pega a água e apaga assim, ó” (e faz os gestos como que joga
água no fogo). Eu disse, graças a Deus que a senhora teve fé e ele
foi curado, graças a Deus. A gente benze com aquela fé, mas quem
tá recebendo tem que ter mais fé, né.Pra ser atendido, né.
Seu Dário responde sobre como aprendeu a benzer (na verdade ele
não benze, seu conhecimento é como raizeiro): o que eu sei, o pou-
co que eu sei, foi muito antes de conhecer (Dona Zélia). Aí vem dos
avós, mas eu não é benzição, não, eu, como diz o outro, é raizeiro, a
gente inventa algumas coisas, procura, não acha o que a gente quer
aqui, que cada região tem um...então as vezes alguém fala, ah, mas
aquela raiz assim e assim, mas aqui não tem, não adianta, só se for
lá em Mantena buscar.
Seu Dário prossegue: sabe aquele Dória, que mora ali? Ele chegou
aqui: ô Dário, não tem paratudo, to com uma dor de lado aqui aqui.
Aí eu tinha (do caldo do feijão-guandu), peguei uma colher e dei pra
ele: uai Dário, aquilo me curou de uma hora pra outra! (risos). Eu
não tenho daquele feijão aqui em casa não, ali na chácara onde o
João tá olhando tem. Dona Lourdes completa: no seu Paulista (ou-
tro benzedeiro de Boa Vista).
Eu comecei a benzer tens uns vinte anos, mais ou menos, uns vin-
te anos pra cá. Uma vez tinha uma moça aqui nesse bairro, ó, ela
ganhou menino e ficou com o peito inflamado. Acho que o menino
arrotou no peito dela, e o peito dela ficou que nem uma pedra. Aí
eles falaram assim com ela: “Diz que a Zélia benze de peito arrota-
do, porque que cê num chama ela, vir cá benzer?”. Aí eles me cha-
mou pra ir lá, eu pensei, ah, meu Deus, será que ela vai acreditar
mesmo? Aí, eu fui lá e benzi, com barrinho, assim, a casinha de bi-
chinho assim (casa de marimbondo). Eu disse pra ela, ó, eu vou su-
jar seu peito, que eu benzo é com barrinho, a casa do marimbondo.
Ela falou “tem problema não, eu quero é ficar livre disso.”. Já tava
quase nos caso de ir pro médico, aquela pedra mesmo. E não saía
leite de jeito nenhum, leite ficou todo empedrado. Ai na casa dela
não tinha a casinha de marimbondo, eu levei, né, fiz o barrinho e
benzi o peito dela. Menina, aquilo Deus ajudou foi um alívio nela! Aí
o povo pegou fé comigo. Qualquer coisa manda chamar eu pra ben-
zer. E graças a Deus que ela ficou aliviada, o leite começou a vazar, e
não teve que ir pro médico, nada. Graças a Deus. Ela não aguentava
nem o menino encostar a boca no peito.
Seu Dário: vamos supor assim: você sofre dos rins. Aí você vai tomar
o chá de quebra-pedra, folha bugre, que é ainda melhor que o que-
Seu Dário: Deixa eu falar com você. Aqui tem um tal de Zé Rolinha,
que muitas das vez eu não acredito , mas eu falo porque aconteceu
comigo. Tinha vez que eu andava assim, por debaixo do pé deu um
cravo, que parecia um redemunho no pé da gente. Aquilo quando
tá armando chuva, queimava, pisava o pé no chão era a maior difi-
culdade. O tal do Zé Rolinha teve aqui em casa três vezes, me ben-
zendo, e sumiu! Eu tive fé e ele também teve fé. Eu fiquei são. Eu
sou prova que curei. Ele falou: tem que ser três vez. Ele veio aqui
três sexta-feira e eu nunca mais teve. Menina eu andava mancando
mesmo. Zé Rolinha chama é Zé Assis. Eu não aguentava nem andar
direito, Nossa Mãe. Ele mora aqui, mas hoje ele bebeu uns golinho
hoje.
Seu Dário: Cê quer ver como imagina uma coisa dessas? Vamos su-
por assim: por que que o João de Barro faz uma casa debaixo da-
quele poste igual tá lá, ó, chove, venta, o trem não desmancha de
jeito nenhum. Vai lá e põe um barro pra ver se para. Tem um “quê”
nesse negócio. Assim é o marimbondo. Às vezes pega aquela sali-
va dele, vai curar alguma coisa. Então você vê, em vários lugares,
a pessoa toma banho de lama, pra limpar, bom pra pele. Alguma
coisa serve. Tudo tem um sentido.
Aquela ali iam jogar fora outro dia. Eu doido por uma santa grande,
a minha é pequena assim, né, ele já ia jogar fora, o Palestinho. Ele
diz que não ia mexer com santo mais, ele rebocou a casa dele, sujou
ela toda de barro, cimento, a roupa dela, toda. Arrumei ela, eu trou-
xe ela até chorando (e faz o gesto de se abraçar a imagem), minha fi-
lha, de alegria. Aí ele me deu ela, sou devota demais, graças a Deus.
Tem uns que, de respeita, né, quando vê que a coisa tá muito forte
né. (O que é de) Benzição não sara com médico. De jeito nenhum.
Ai você toma o remédio e até que acaba que o remédio fazendo ocê
mal, eu tive uma experiência que aqui teve uma mulher que, eu,
graças a Deus, não to arrastando mala, não...mas benzição minha
é onde que Deus põe a benção mesmo. Sou uma pessoa sofredo-
ra, cheia de problemada, mas benzição minha é onde Deus põe a
benção. Também tenho algumas evidentes (vidências). Não tenho
todas evidente, mas algumas eu tenho. Que quando eu tava espe-
rando meu filho, eu tava de 8 meses, eu sabia que ele era deficien-
te. Deus escrevia na minha cabeça. (Quando ele nasceu) Não tive
decepção nenhuma. Só conferi. E ainda nasceu comigo sozinha. Eu
não ia no médico. (Perguntada se também havia sido parteira) Não,
responsabilidade demais. A responsabilidade é muita. Meus filhos
foi comigo. Só o primeiro que eu ganhei no hospital. Tudo foi em
casa. Três filho meu foi meu marido que cortou o umbigo. Meu ca-
çula eu ganhei no mato, tá com 26 anos. E olha pro cê ver, meu pri-
meiro filho, que é o dono dessa casa aqui, quando eu ganhei ele, ele
pesou só um quilo duzentos e cinquenta grama. E eu ganhei ele na
Santa Casa. E achei que era um boi de menino. Eu não tinha expe-
riência, tinha só 17 anos só. E uma mulher ganhou um desse tama-
niquinho (mede um palmo entre as mãos), lá, e eu, quando eu vi o
meu, pensei, Nossa Senhora, o meu é um boi. Aí eu subi de escada,
não tava vendo a hora de chegar em casa. Fui chegando, minha e
fui entrando pra dentro do ribeirão, com a água aqui (aponta pras
pernas) pra lavar as roupas. Hoje eu não valho nada. Aí, minha fi-
lha, quando eu assusto que não (...) (Volta a falar da senhora que
ela curou): vocês devem conhecer, é a Neusa, uma que sempre teve
uma florazinha em Juatuba. Agora eu não sei (A entrevistadora San-
dra confirma que conhece a Neusinha)...
ela, você precisa de ver. Chouriço nós duas fazia, comia, ela fazia,
nós comia. Então, menina, eu subindo, tadinha, e ela indo tratar
dos porco, eu subindo, ela subindo na minha frente, eu atrás. Aí eu
vi. Eu vi que ela ia infartar, infartar ou dar um derrame, eu vi, eu vi
que nós ia perder ela. Eu peguei com Deus, Deus proteja, Deus que
dê ela o livramento. E justamente, ela só veio aqui, minha filha, eu
sou a única pessoa que recebeu um balde de manga dela. Ó, ela foi
no Betim, ela foi em Florestal, foi lá em Juatuba, esses lugar tudo,
e quando chegou subiu correndo com um desses balde cheio de
manga pra mim, falou ô Lourdes, eu to morrendo de preocupação,
medo de você não chupar das manga, falei, ô Mangela, não esquen-
ta a cabeça não, coitada, tem muita manga aínda aí, ó. Ela trouxe
as manga,minha filha eu virei as manga dentro do tanque e cadê
boca? Não tive boca de chupar não. E ela desceu. Foi descendo e
dando o derrame. Aí, eu já tinha visto bem um mês antes de aconte-
cer. A minha filha fica assim, a senhora é vidente, a senhora vê isso...
não é tudo quanto há não. Não é tudo quanto há que cê vê não. Cê
vê alguma coisa. Que Deus permite, alguma coisa que Deus prepara
a gente. Então, menina, já benzi umas 3, 4 pessoas, que já sabiam
eu ser vidente. Essa mulher gostava tanto de mim, que se ela visse
alguma coisa, que eu tivesse amolada, alguma coisa comigo, ela in-
chava a língua. Era como minha mãe. Ela inchava a língua, ficava
com a língua desse tamanho, e me contava, os segredo dela ela me
contava tudo, contava isso, e isso, e isso. No dia em que ela tava
ruim, em coma lá em Betim, eu fui lá visitar ela. Chegando lá, aí o
filho dela falou comigo, o filho dela puxou né, ó Lourdes, você deve
saber muita coisa de Mangela, de seu Benedito. Eu disse não sei de
Simone Ramos/ Sônia dos Anjos
de casa, a pessoa às vezes olha pra gente com ódio até dentro de
casa mesmo. Eu falei assim...ah, mãe, uma pessoa que tá passando
mal igual eu, mãe, um mal olhado fazer isso? De jeito nenhum que
não faz. Ela falou: minha filha...faz. Faz não mãe, eu to é com co-
meço de pneumonia, eu posso consultar que eu to com começo de
pneumonia. Quando eu cheguei, aí, minha filha, ela pegou e foi nas
minhas costas, e eu fiquei com raiva da minha mãe por ter falado
isso. Quando eu assusto que não, ela ficou sentado do meu lado
assim, ela ficou aqui nas minhas costas, eu vi uma coisa pinicando
nas minhas costas (e faz o gesto de se tirar algo por detrás dos om-
bros) (...). Aí eu falei assim, meu cumêzinho tá guardo no cantinho
do fogão de lenha, aí eu falei assim, uai, mãe, eu melhorei. Ela falou
assim: melhorou? Melhorei. Vou até comer o meu cumê. Aí ela falou:
não falei com cê, minha filha? Ela benzeu sem eu...sem eu perceber.
É. Porque eu abusei dela. Ela pegou e mostrou pra mim que ela... e
aí cabou, sarou, joguei aquilo pra lá, fui atrás do meu serviço pra fa-
zer, comi, fui cabando meu serviçinho.. e aí eu continuei aprenden-
do. Quando meu pai ia ensinar nós, aquelas reza antiga, né, o Pa-
dre Nosso, bendito, Louvado seja, nós fervia na risada, debochava
dele. Ele dizia gente, vocês precisam aprender a benzer. Irmão até
que eu tenho, agora irmã só tenho um. Tudo morte muito triste, um
morreu matado, outro suicidou, 17 anos, minha mãe morreu num
acidente, no dia de Santa Luzia, tadinha, tava trabalhando, meus
dois irmão morreu, meu pai, meu pai morreu de infarto. Nós debo-
chava (quando o pai ensinava), de maneira que só eu lá de casa,
que sou a filha mais velha, aprendi. Todo mundo, quando precisa,
vem ne mim. Agora meu neto que vai herdar, o Lucas é muito cató-
Evocações do sagrado: benzedores e benzedeiras de Juatuba
(Benzendo Sandra): “...Se for pelas costas, Nossa Senhora vai ti-
rando, todos os males que tiver alojado nesse corpo (...) Ave Maria
cheia de graça (...) agora e na hora de nossa morte, amém. Que Nos-
sa Senhora Aparecida cobre seu corpo com o manto maternal, que
Nossa Senhora Aparecida que vá na frente de todo o agouro, toda
inveja e todo ódio e toda maldade. Nossa Senhora que dá o salva-
mento de acidente, de mal olhado, de quebrante, de inveja, Deus te
abençoa e te guarda, Nossa Senhora que te abençoa.
Tem gente que gosta que benze duas vezes, três vezes, mas costu-
ma sarar com uma vez. Inveja então, atrapalha a vida das pessoas.
A pessoa quando tá sentindo alguma coisa, vem me pedir. Outra
Eu não sei não, tem gente que pega uma fé...tem um sítio ali do
outro lado do asfalto, ali, pessoal vem fim de semana fazer fila pra
gente benzer. É menino, é gente grande. Eu benzo qualquer hora. Eu
acho que pra Deus não tem hora. Eu acredito que pra Deus não tem
dia e não tem noite. É na hora que você chamou por Ele, Deus não
dorme. Acredito que não. Agora tem gente que escolhe hora, depois
que o Sol entra, não pode benzer, eu acho que isso é bobagem. Bo-
bagem, Deus não dorme hora nenhuma. Quando anoitece aqui já
amanheceu noutros estados. O mundo tá funcionando. Deus não
dorme não. Então não tem depois do horário, é quando é preciso.
ali tem um sítio pra dentro de Florestal, então diz que tava apare-
cendo muita cobra até dentro de casa. Ele me levou lá pra benzer lá,
diz que desapareceu as cobra, num voltou mais lá não. E aí o povo
de Florestal (diz rindo), com fé neu, encheu a lista, vem cá e não me
acha. Tem uma lista aqui pra gente ir lá nos sítio benzendo.
(Dos filhos). O caçula morreu com trinta dias, os outros tudo criou.
Já morreu alguns, mas é bom contar não, diz que não é bom contar
não, né. Um morreu de acidente aqui no asfalto, trabalhava no Flo-
restal, lá ia embora foi atropelado, né, ah não vou nem falar.
Pra ser sincera com você eu não sei. Porque eu tinha oito anos. É.
Tinha oito anos. Tinha uma dona que chamava Dona Maria Gene-
rosa, que morava em Juatuba (refere-se ao centro de Juatuba. A en-
trevista foi feita na casa dela, no Bairro de Canaan) . É, a mulher do
“Sógino”, né? E ela benzia e benzia em voz alta e tudo que ela falava
eu aprendia, guardei na cabeça. Nunca mais esqueci.
Não foi pessoa. Foi uma novilha nossa. Foi. Nós tinha uma vaca
aqui, cê lembra Sandra? (Sandra, profissional da Secretaria de Cul-
tura que acompanha a entrevista, responde: lembro demais!). Pois
é. E uma vaca nossa machucou por detrás do pé, uma estocada que
ela tomou, e o trem deu bicho, saiu bicho. Caiu bicho. Bicheira. Aí,
já tinha lavado com sabão preto, já tinha posto oléo queimado, já
tinha posto creolina, nada sarava o pé da vaca e aquela bicharada,
sabe, aquela bicharada. Coitada, ela ficava sacudindo a perna. Aí
Padrinho falou assim comigo: essa novilha vai morrer. Ela chama-
va até Roxinha, sabe? Falei: vai nada. Eu vou benzer essa novilha.
Quem sabe ela não morre. Fazer igual Dona Maria Generosa fazia.
Ali onde é que ela tava ficava aquele poço de sangue, sabe? Então
ela tava com bicheira e hemorragia, né. Eu fui e passei a mão numa
palha e fui benzer de hemorragia, com palha, porque benze com pa-
lha. Aí eu comecei a fazer a oração que Dona Maria fazia, e passando
a mão nela assim, e fui benzendo de bicheira, também. No outro dia
o Padrinho falou: ó, menina! Aquela novilha é sua. Eu falei: porquê?
Ela morreu né, Padrinho? Morreu nada. Não tem um bicho no pé
dela. Aonde é que ela tava os bicho caía, sabe. A hemorragia cê vai
falando as palavras e vai dando um nozinho na palha, até inteirar
nove.
Então a primeira foi essa novilha. E depois foi um rapaz com dor de
dente. Sabe? Ele falava assim: nó gente eu não vou aguentar, eu vou
ficar doido de tanta dor de gente. Falei: cê quer que eu benzo ocê?
Acho que eu tinha uns doze anos. Ele ainda riu da minha cara, ele
chamava até Macário. Ele falou comigo...ele morreu de acidente,
coitado. Ele falou assim: que isso, Maria? Cê tá fazendo hora com a
minha cara? Eu falei: não, eu sei benzer, se você guentar. Ele falou:
então benze. Aí eu benzi, o dente dele rebentou, sabe? Que ele ti-
Evocações do sagrado: benzedores e benzedeiras de Juatuba
Modesto! Modesto. Quando foi outro dia ele chegou aqui em casa
e falou: Dona Maria, eu não tô chorando de vergonha. Eu falei: por-
quê, Modesto? Ele falou: espia a situação da minha perna. Mas San-
dra, eu fiquei horrorizada de ver! Tava roxa, de tão vermelha tava
roxa! É. Ele falou: já tomei muito remédio, já pelejei, uma pessoa
falou que eu viesse aqui. Eu falei: quem falou? Ele: foi enfermeiro,
não lembro quem era não: mas se você tiver fé com benzeção, pro-
cura dona Maria Maia. Aí ele chegou com frio, e eu: entra pra dentro.
Ali ele sentou aí e eu benzi ele, ma o homem tava tremendo assim
porque dá um frio né! Erisipela dá um frio! Falei: se você puder vir
amanhã, cê vem; se ocê não puder, cê me liga que eu vou lá na sua
casa. Aí ele, quando foi no outro dia ele chegou, todo desinchado,
uai Modesto, que isso? Ce já tá até andando até bem. Ele falou: gra-
ças a Deus, essa noite eu dormi, como ninguém! Tinha noites que
eu não sabia o que era dormir, de tanto queimar e foliar e doer. Ben-
zi ele três vezes, que ele tava muito ruim. Quando o caso tá muito
ruim tem que ser três vezes. Que benzeção você não pode empatar
a reza. Cê não pode fazer par. Ou é três ou é um. Se eu fizer as duas,
eu tenho que fazer as três, pra fechar a reza. Porque não pode dei-
xar a reza com um empate de dia.
foi no outro dia eu fui e voltei pra dar banho na minha mãe, voltei
lá. Aí eu topei com ela e perguntei pra ela: a criança melhorou? “A
criança não tem mais nada, cheguei lá em casa, tinha nada pronto,
arrumei a casa toda.” Mas eu não falei com ela que eu (tinha) benzi-
do a criança não. Ai quando foi outro dia topei com ela e o marido
dela, aí eu falei: eu benzi ele de quebrante. Aí eles pegou e me agra-
deceu. Me agradeceu.
(...)
(Sobre a forma como a mãe dela benzia) Com brasa. Benzia com
brasa. Minha mãe benzia com brasa, benzia com ramo. Benzo com
ramo também. Benzo com arruda, com guiné.
(A senhora acredita que uma pessoa deseja o mal pra uma mãe, e
pega no filho?) Não, pega nada. Só que tem que a mãe e o pai põe
o quebrante, né. É o pior que tem, do pai e da mãe. (E quando a
senhora está benzendo criança a senhora também abre a boca - bo-
cejo -) Abro. Passa pra mim, né? Passa toda pra mim. Eu tiro com ar-
ruda. Eu ponho arruda no seio. A arruda seca. Na hora que ela seca
eu ponho no fogo. Até estala. Passa tudo pros galho da arruda. A
folhinha da arruda. Eu sempre benzo mais é com brasa, mas se não
tiver arruda, qualquer galhinho serve. Arruda é melhor, né, arruda e
o guiné, né? Tendo os ramo de arruda é melhor.
(Vídeo 2)
Um dia meu menino tava passando mal, era véspera de Natal: “oh
mãe, eu to ruim queria ir na missa, mas não to aguentando” Ce tá
Evocações do sagrado: benzedores e benzedeiras de Juatuba
passando mal? “Tô”. Passei a mão nuns ramo de guiné e benzi ele.
Quando eu cacei ele aqui ele tava ó (estala os dedos, num gesto
como “já tinha saído”), sumido. Benzo qualquer dia, tem nada não
a ver não. Tem gente que gosta de benzer com o Sol, antes do Sol
entrar, mas isso não tem problema. Pra fazer o bem, ué. Se a pes-
soa tá passando mal a qualquer hora da noite, se pediu pra fazer a
benzeção, a gente não vai negar, né. A gente não pode negar a ben-
zeção. Tem como negar não.
A gente descobriu porque toda a vida a gente foi uma pessoa que
acreditou muito em Deus, assim, desde pequena, qualquer proble-
ma que a gente tinha, minha mãe pedia as pessoas pra benzer a
gente, antes que desse algum remédio, né, que talvez, umas coi-
sas simples, com uma benzeção melhora, não precisava de tomar
remédio, porque médico era difícil e tudo, aí a gente...a mãe usa-
va sempre a benzeção, o que ela não sabia, ela pedia outra pessoa
que soubesse. A minha mãe benzia assim, alguma coisa, sabe? Aí,
a gente foi crescendo aquela vocação, mas só a única coisa assim,
que eu sabia, quais as coisas que tinha, e que podia benzer, e minha
mãe sempre falava assim: ela benzia, em nome de Deus, das três
pessoas da Santíssima Trindade e mais nada, que ela não gostava
nem de ouvir falar assim, de espiritismo, de bruxaria, aí eu vim no
mesmo caminho dela.
Aí ela foi benzer ele, quando ela começou a benzer ele, que ela ben-
zia era com brasa, e eu também benzo com brasa e com ramo verde.
Aí ela pegou e começou a benzer. Quando ela começou a benzer,
eu pus a mamadeira na boca dele, ele mamou tudo e dormiu. Essa
hora era duas horas da tarde. Quando ele acordou era seis horas.
Ele tava com quatro meses na época. Pensei: Nossa Senhora, ele
tá com um mal-olho muito forte. Aí vim embora com ele, quando
ele acordou ele era outro menino, não era aquele mais. Aí ele já
brincou, já mamou de novo...aí eu peguei e falei com ela: eu quero
que a senhora me ensina essa benzeção. Porque... às vezes a gente
que tem criança, a gente tá sempre precisando, e também os mais
velhos, vão acabando, a gente precisa de uma pessoa que ensine a
gente.
Eu faço a oração, rezo três Pai Nosso e três Ave Maria. Se aquelas
três afundou (se enquanto benzia, a brasa afundou), eu posso con-
tinuar, aí eu rezo mais três, posso fazer em nome do Pai, até nove
vezes. Aí eu faço as três benzeção de uma vez. Aí a gente já sabe que
a pessoa tá com um mal olho muito forte. Aí a gente benze, pedindo
a Deus, o Divino Espírito Santo, as pessoas da Santíssima Trindade,
e ao Santíssimo Sacramento, que a gente pede, em nome do Divino
Espírito Santo que a gente reza.
Aí, então assim, muitas já vieram aqui pedir pra eu rezar, se eu rezo
com carta, com baralho, com isso com aquilo, se eu sei tirar espírito
dos outros. Eu não gosto nem que falem disso comigo! Não é ben-
zeção. Outros perguntam “você benze dia de sábado e domingo, diz
que não pode”. Eu falei: não pode? A palavra de Deus não tem hora
procê falar ela. Não é mesmo? A palavra de Deus não tem hora e
nem dia. E Jesus também curou num sábado. Então, qualquer hora,
a pessoa chegou aqui, tá precisando, eu benzo a pessoa na hora.
cose com o novelo, né. Pra coser, que a gente fala, de destroncado,
é com o novelo de linha, grande assim. E tem gente que tem até
medo quando diz que vai coser, acha que vai furar, mas não é. Aí
meu padrinho Alcides, irmão do meu sogro, que tá muito velhinho,
tá com 96 anos, ele já não lembra mais, e ele sabia todas as benze-
ções. Aí eu pedi ele pra me ensinar. Ele falou: tenho uma caderneta
aí. Pois então o senhor me empresta a caderneta do senhor que eu
vou copiar.
soas, quer fazer o mal pra uma pessoa, pra outra, isso não, isso não
é comigo. Ai ela disse “então cê me benze de mal-olho, mesmo?”.
Benzo.
Aí ela veio aqui, eu benzi ela, “ah, semana que vem vou trazer minha
colega, procê benzer ela de mal olho”. Falei: se for só de mal-olho, cê
pode trazer, mas de outras coisas não precisa não, que eu não sei.
Isso eu não sei. A única coisa que eu rezo é pra dar alívio pra uma
pessoa que tá sentindo uma dor, né, tá sentindo uma dor, a pessoa
tá passando mal, alguma hemorragia que não tem recurso, aí eu
faço aquela benzeção, pedindo à Deus, à Nossa Senhora, né, ao Di-
vino Espírito Santo, pra dar alívio pra aquela pessoa, se é pra fazer
bem pra pessoa, quem que não faz, né? Eu sabendo, eu to disposta
a fazer, mas pra fazer mal aos outros, não vem não, que eu não sei
mesmo. Isso eu falei mesmo pra dona. Aí ela não trouxe a colega
dela não, ela queria era pra outra coisa.
Na hora que ela passou pra mim,e as pessoa ficou sabendo, e co-
meçou a vir, e vinha, e falava que era pra mim benzer, falava o que
que sentia, aí eu fazia as minha oração, que ela me ensinou, e aí as
pessoas praticamente já saiam daqui bem. Eu benzo de quebrante,
mau-olhado, espinhela caída, torção, aguamento e cobreiro.
Foi. Ela que me ensinou. E incrível, as orações que a gente faz, né, e
as pessoas saem e falam que se sentem bem, muita gente fala que
ficou bem. Eu gosto de benzer com guiné. Eu acho que a ruindade
que tá na pessoa passa pra aquele raminho, que até murcha. Vira
a folhinha pra lá. Eu benzo qualquer hora, precisou, qualquer hora.
Eu benzo três vezes. Eu benzo uma vez, se a pessoa não melhorar,
ela volta, ou no dia seguinte, ou no dia que ela puder voltar. Por
exemplo, veio aqui hoje, eu benzi, amanhã se quiser voltar, pode. Se
vier até no sábado, meio de semana não puder vir, pode vir. Aliás,
eu vou falar com cê um negócio: a oração, ela não tem dia marcado.
A hora que você rezar, se você rezar com fé, e você ter fé naquela
oração, você fica bem. Não é?
pessoa já fala: “já não tenho nada, aquilo que eu sentia, já acabou”.
A Igreja mesmo não aceita isso, né. A Igreja, como diz...acha que
isso aí...eu acho que a maneira que a pessoa busca a benzeção é o
momento de fraqueza, né.
Desde criança né? Como diz, tanto faz o lado do meu pai como o da
minha mãe, são benzedores. Então eu cresci no meio, de isso de ir
vendo. E assim, pra ser sincero com você, do nada, eu tive aquela
vontade de rezar. E através disso, eu sonhava muito, rezando, as-
sim,era umas coisa assim, pra gente contar, muita gente não acre-
dita, e pra gente ficar contando assim, fico constrangida, e é uma
coisa da gente, as coisas assim, dá a impressão que é comércio, e
assim, eu sonhava muito, e rezando, sabe? E até hoje eu sonho mui-
to com Nossa Senhora. Então eu sonhava como que eu tinha que
rezar pras pessoas. Então desde pequeno eu via meus tios, minha
Ah, já tava com mais de 20 anos quando comecei. E foi até agora,
mais velha assim (Dona Ângela não benze mais). Começava a ben-
zer desde de manhã até 10 horas da noite. O dia todo benzendo.
Então assim, era muita gente, e eu tive que parar porque eu acho
assim: o bem e o mal não trabalha junto. Então as pessoas começa-
ram a misturar muita coisa com bruxaria, feitiçaria, esses trem. En-
tão assim, acho que não existe, macumba...o maior mal que existe
nas pessoas é a inveja. Sabe, isso aí que mata, que leva a perdição
das pessoas, a inveja. “Ah, que vou fazer feitiçaria, que vou mandar
fazer...”. Não existe isso. Então assim, às vezes a pessoa que tá do
seu lado, que tem a maior inveja, o que te destrói é isso. Se você
tem uma fé grande em Deus, acho que qualquer pessoa, você, ela,
falar vou benzar pra você (dá a entender que o ato de rezar pelo
outro é bom, independente de haver um dom). Então a sua fé, em
interceder a Deus, você consegue fazer qualquer coisa. Falar, “ah,
porque eu tenho o poder de saber...” ninguém tem. Ninguém tem.
Então as pessoas que benze aproveita muito da boa vontade e da
Evocações do sagrado: benzedores e benzedeiras de Juatuba
A gente tem as orações, que reza, mas só que a pessoa às vezes não
sabe o tamanho da fé que ela tem. Não é eu que vou fazer...mas
muita gente tá usando isso. Quem benze fala “Eu que curo, eu que
faço...”. Não é isso! Não existe isso. E tá usando muito isso, usando
a boa-fé das pessoas. Igual aquela pastora, que diz que meia hora
é trezentos contos, e diz ela que ainda revela, e faz tudo, mil e qui-
nhentos...
E é tão bom, eu sinto tão bem quando alguém fala: “reza por mim?”.
Acho que é tão bom, você rezar, interceder a Deus pela aquela pes-
Simone Ramos/ Sônia dos Anjos
É a mesma forma pra quem a gente quer rezar. Eu rezo com o terço.
Eu geralmente gosto que benze três vezes. Porque a pessoa, depen-
dendo, já rezo uma vez só. Quando a pessoa fala: “posso voltar de
novo?”. Pode, se você se sentiu bem, pode voltar. As vezes a pessoa
veio na segunda, pode voltar na quarta, vai de (cada situação)...a
pessoa querer. Antes quando eu benzia, eu gostava assim, bom já
que não dá pra você benzer, eu já começava, fechava o corpo da
pessoa e depois terminava daqui de longe. É que a gente intercede
pelas pessoas à distância, não precisa tá ali junto, sabe?
Benzer é evocar a proteção divina sobre o que (ou quem) está sendo
benzido. Benzedeiras e benzedores são unânimes: a força e o sen-
tido do ato de benzer estão em Deus, não em quem tem o dom de
benzer. Esta premissa é parte essencial do processo de benzer: um
dom dado por Deus, que não pode ser comercializado nem negado
à quem necessitar, e que, apesar de ser executado prioritariamente
a pessoas católicas, não está relacionado à religião em si, mas no
ato de querer fazer o bem à outra pessoa, porque que quem se dis-
põe à benzer doa seu tempo, seus ouvidos e seu conhecimento à
quem está sendo benzido.
cobra ou com uma contratura muscular, não havia outro recurso se-
não os saberes tradicionais disponíveis.
Imagens
Registro das benzedeiras de Juatuba 2017: em Boa Vista, Dona Lourdes a benzer.
Fotos: Simone Ramos, 24/07/2017.
Registro das benzedeiras de Juatuba 2017: em Boa Vista, Dona Lourdes benze “o mal” pelas cos-
tas. Os gestos de benzer pelos lados do corpo são comuns no processo. Fotos: Simone Ramos,
24/07/2017.
Registro das benzedeiras de Juatuba 2017: em Boa Vista, Dona Lourdes, muito à vontade na casa
dos compadres Dário e Zélia – ele, raizeiro, ela, benzedeira. As relações de amizade e compadrio são
frequentes entre benzedeiras da mesma localidade. Fotos: Simone Ramos, 24/07/2017.
Registro das benzedeiras de Juatuba 2017: em Boa Vista, Dário e Zélia, casados
há quase três décadas, somaram os saberes trazidos do uso de ervas medicinais
(da parte dele) e de benzimento (da parte dela) para cuidar da comunidade de
Boa Vista. Fotos: Simone Ramos, 24/07/2017.
Registro das benzedeiras de Juatuba 2017: em Boa Vista, Dona Joana fala do ofício de ben-
zer na mesa da copa da sua casa, onde normalmente benze, principalmente crianças, às
sextas-feiras. Nesses dias, meninos e meninas são recebidos com quitandas.
Fotos: Simone Ramos, 31/07/2017.
Registro das benzedeiras de Juatuba 2017: no quintal de Dona Joana, a horta com
as plantas usadas para benzer. Fotos: Simone Ramos, 31/07/2017.
Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Boa Vista. Seu Paulistinha, benzedor, mostra em
seu altar particular a imagem de “Nossa Senhora de Iemanjá” devoção dele. É a ela que Seu Pau-
listinha pede para que os males sejam levados para o mar. Fotos: Simone Ramos, 31/07/2017.
Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Boa Vista. Seu Paulistinha, além de benzedor e
raizeiro, também organiza a Folia de Reis de Boa Vista. Fotos: Simone Ramos, 31/07/2017.
Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Boa Vista. Dona Chica, debilitada
por uma enfermidade e quedas em casa, já não benze, mas recebe a todos com a
mesma empatia. Fotos: Simone Ramos, 31/07/2017.
Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, no Centro. Dona Dadá se prepara para benzer o
pequeno Isaque: o ato em si, embora sagrado e solene, é eivado de delicadeza e enterneci-
mento, de modo que a pessoa benzida se sente acolhida.
Foto: Simone Ramos, 04/11/2016
Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, no Centro. A cera da velha, líquida pelo calor da
chama, tem função específica durante o ato de benzição, que ocorre na cozinha da casa de
Dona Dadá – aliás, como é tradição na casa dos mineiros, a cozinha é espaço de vivência,
celebração e funcionalidade. Fotos: Simone Ramos, 04/11/2016
Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Boa Vista. Da varanda de casa, Dona
Benedita espia a rua. A serenidade de quem benze normalmente é um fator de rela-
xamento para o benzido. Fotos: Simone Ramos, 04/08/2017
Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Canaan. Dona Maria Maia (de
blusa verde) recebe Sônia e Sandra, do Setor de Patrimônio Cultural do muni-
cípio. Fotos: Simone Ramos, 29/09/2017
Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Francelino. Dona Eleni relata que come-
çou a benzer quando a mãe, Dona Custódia, que também era benzedora, estava à mor-
te e a pediu que continuasse a fazer o bem às pessoas, há 18 anos.
Fotos: Simone Ramos, 19/10/2017
Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Francelinos. Depois de ter problemas pelo
excesso de pessoas que a procuravam com males diversos e questões que não são da esfera do
ato de benzeção, Dona Ângela preferiu parar de benzer. Fotos: Simone Ramos, 19/10/2017
Notícias na imprensa
ReferênciaS bibliográficas
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Termo%20
de%20Refer%C3%AAncia%20-%20Salvaguarda%20de%20
Bens%20Registrados.pdf
http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2012/05/benzedeiras-sao-
-consideradas-profissionais-da-saude-no-parana.html Burton,
Richard. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. Brasília, Senado
Federal, 2001
Realização
Email: culturjuatuba@gmail.com
Email: sramos@ufmg.br
Email: comunicacao@juatuba.mg.gov.br
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