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Simone Ramos

Sonia Anjos

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Capa: mãos de Lourdes Silva dos Anjos, Sônia dos Anjos,


Davi Ramos Froide e Mariana Ramos Froide.
Contracapas: Maria de Lourdes Silva dos Anjos e Carolina dos Anjos/
Maria de Lourdes dos Anjos e Mariana Ramos Froide
Fotos: Anderson Froide
Design: Nizam Junior

ANJOS, Sonia dos/RAMOS, Simone de Almeida:

Evocações do sagrado: benzedores e benzedeiras de Juatuba.

Simone de Almeida Ramos, Sônia Aparecida dos Anjos,

2017. 98 f., 2017.

1. Juatuba. 2. Benzedeiras. 3. Benzedores.

4. Patrimônio Cultural. 5. Bem imaterial.

I. Anjos, Sônia Aparecida dos. I. , . II. Título.

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Durante o processo, além das entrevistas transcritas anexas, outras


benzedeiras receberam o Setor de Patrimônio Cultural Municipal e
as pesquisadoras, mas não quiseram ou não puderam gravar depoi-
mentos. Em alguns casos, os detentores do saber não foram encon-
trados à época da coleta das entrevistas (por viagens, hospitaliza-
ções e demais motivos).

A fala deles, contudo, ficou registrada nos encontros que foram fei-
tos pela Secretaria Municipal de Cultura desde 2013, e foi igualmen-
te essencial para o entendimento deste saber no município. Assim
sendo, agradecemos a todos os benzedores e benzedeiras cujos co-
nhecimentos foram generosamente partilhados conosco, inclusive
os abaixo relacionados, cujos depoimentos não foram gravados:

- Maria Margarida de Jesus;

- Maria da Piedade Santos;

- Terezinha Araújo Pinto;

- Maria José Nunes;

- Werner S. Decker;

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E outro(a)s tanto(a)s que no decorrer do trabalho de campo não fo-


ram encontrado(a)s em seus lares para concederem as entrevistas,
mas que também são detentores desse “ofício”.

- Sebastião Tomé de Almeida;

- Inácio José de Oliveira;

- Elenir Maria das Graças do Nascimento.

Com o devido respeito a todo(a)s que não tiveram a oportunidade


de nos conceder a honra da entrevista, mas que jamais serão es-
quecidos pela comunidade de Juatuba.

Os nomes encontram-se arquivados na Secretaria de Cultura e Tu-


rismo.

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Em memória de Dona Léia.

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Prólogo_______________________________________________ 15

Situando Juatuba no mundo_____________________________ 17

O ato de benzer pela voz de quem benze: depoimentos________ 27

Mas o que é benzer, mesmo?_____________________________ 106

Imagens_____________________________________________ 115

Benzedores e Benzedeiras de Juatuba: documentos do Registro


como Patrimônio Imaterial do município___________________ 131

Cópia da proposta de Registro___________________________ 132

Cópia da ata da reunião do Conselho Municipal do Patrimônio Cul-


tural que aprova o registro do bem imateria________________ 133

Publicação da decisão sobre a aprovação do registro no Diário Ofi-


cial do município______________________________________ 135

Cópia da inscrição no Livro de Registro Municipal____________ 136

Publicidade do Registro no Diário Oficial do município /Jornal de


circulação ___________________________________________ 137

Notícias na imprensa__________________________________ 138

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Referências bibliográficas______________________________ 140

Realização__________________________________________ 142

Compilação de dados _________________________________ 143

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Prólogo

A questão da valorização do Patrimônio Cultural, no Brasil, iniciou-


-se oficialmente com o Decreto-Lei Federal 25/1937, ainda válido,
que trata da proteção dos bens culturais tombados. O Patrimônio
Imaterial, constituído por Saberes, Formas de Expressão, Celebra-
ções e Lugares (lugares no sentido de espaço a ser preservado, e
não de espaço edificado) só seria referendado no Brasil em 1988, no
artigo 216 da Constituição Federal.

A legitimação do Patrimônio Imaterial (do qual faz parte os saberes


tradicionais) tem pouco mais de uma década – um período extre-
mamente pequeno, se considerarmos que alguns dos saberes bra-
sileiros, como os relacionados às culturas indígenas, são anteriores
ao descobrimento do Brasil.

Neste contexto, verifica-se que, em Juatuba, já existem bens mate-


riais protegidos por processo de tombamento (Estação Ferroviária
e a Imagem de Nossa Senhora de Fátima), contudo a possibilidade
de proteção legal aos bens imateriais no município ocorreu apenas
em 2014, com a aprovação da Lei Municipal 892, de 07 de novem-
bro, que prevê a salvaguarda dos bens imateriais do município atra-
vés do processo de Registro.

Com a promulgação da Lei Municipal 892/2014, o Setor de Patrimô-


nio Cultural (Secretaria Municipal de Cultura e Turismo) e o COM-
PACJU (Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Ambiental e
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Cultural de Juatuba) já haviam iniciado as pesquisas, para analisar


quais seriam os bens imateriais cuja salvaguarda deveria ser priori-
zada institucionalmente. Como critérios de priorização da proteção
dos bens imateriais no município, foram considerados os riscos de
desaparecimento, a abrangência social, as possibilidades de trans-
missão e o acolhimento de riquezas normalmente pouco valoriza-
das. Na análise dos dados, verificou-se que o ofício de benzimento
contempla todos os critérios.

Realizando ações como o Encontro de Benzedeiras, nos anos de


2013 e 2015, a Gestão Municipal já havia observado a força que
benzedores e benzedeiras tinham no cuidado com a comunida-
de. A oficialização desta riqueza, como bem imaterial do munici-
pio, faz paerte da democratização das políticas culturais públicas
e da valorização do conhecimento popular, empírico, tão impor-
tante quanto o conhecimento acadêmico - mas, muitas vezes, mais
abrangente e acessível.

Dar voz e vez aos detentores deste saber foi a principal motivação
ao desenvolvimento deste processo, mas não foi a única razão. A
necessidade de valorizar oficialmente o Patrimônio não-edificado
e não-monumental – o patrimôno do homem e da mulher comuns,
da vivência e do cotidano da comunidade – legitima um ofício que
muitas vezes é visto de maneira negativa, sem levar em considera-
ção a natureza do “abençoar” e do sagrado que está contido no ato
de benzer.

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Situando Juatuba no mundo

Para saber sobre as benzedeiras e benzedores no cotidiano de Jua-


tuba, precisamos saber como a cidade surgiu, se desenvolveu e em
que momento a ação dos benzedores passou a ser uma peculiari-
dade do município, localizado na região metropolitana de Belo Ho-
rizonte:

Localização de Juatuba em Minas Gerais e na região metropolitana de Belo Horizonte. Fonte: Wikima-
pia e http://rmbhmeioambiente.blogspot.com.br/2010/07/municipios-da-rmbh.html

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Quando os bandeirantes avançaram pelas Minas, no século dezoito,


diversos povoados se formaram nas trilhas abertas pelos paulistas.
Mateus Leme – cidade da qual Juatuba foi distrito até 27/04/1992
– foi um destes povoados. Entre o Curral Del Rei (atual Belo Hori-
zonte, e de cuja freguesia Mateus Leme fez parte até 1932) ia até o
município de Mateus Leme, diversos povoados se formaram pelos
Caminhos. Juatuba foi um deles.

Se o desenvolvimento do município de origem foi incipiente, o de


Juatuba, até o início do século XX, foi ainda mais rarefeito. Contu-
do, a chegada das ferrovias à toda região que hoje compõe a zona
metropolitana de Belo Horizonte mudou a prosa toda.

A história da formação inicial de Juatuba se confunde com o surgi-


mento da primeira linha da Estrada de Ferro Pedro II, que a partir
de 1889 passou a se chamar Estrada de Ferro Central do Brasil, es-
pinha dorsal do sistema ferroviário do país. Esta gênese da ferrovia
cruzando a região deu origem a vários povoados, e possibilitou a
expansão de suas estruturas econômicas. Assim como em outras
cidades mineiras, a ferrovia provocou uma intensa mudança no
comportamento das populações interioranas, caracterizadas por
novas possibilidades que surgiam juntamente com o transporte e
a estação.

As ferrovias, com sua racionalidade e eficiência, introduziram um


novo modo de vida, tanto econômico quanto social, deixando para
trás a ação civilizadora de outros personagens que ligaram os mi-
neiros a outras fronteiras, como os tropeiros, mascates e caixeiros.
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Vindos pelos trilhos do trem, diversas famílias, ainda hoje tradicio-


nais, vieram para Juatuba. Se nas grandes cidades, como Belo Hori-
zonte, o acesso à médicos e hospitais ainda era caro e mais raro do
que hoje, nos pequenos povoados, as possibilidades de atendimen-
to eram ainda mais remotas.

Nas primeiras décadas dos novecentos, chegaram ao município


as famílias Andrade, Amaral, Diniz, Duarte, Ferreira, Pinto, Fidélis,
Lara, Mello, Senra, Saraiva e Saliba (proprietária da Fazenda Vargi-
nha, território original de Juatuba). Todas essas famílias ainda pos-
suem descendentes no município.

As mulheres e homens que chegavam à Juatuba, traziam os conhe-


cimentos que haviam adquirido, em gerações de mães e avós, que
viveram antes do advento da maioria dos recursos tecnológicos do
século XX. Os conhecimentos empíricos de ervas medicinais, raízes,
das forças da natureza e dos ciclos de vida e morte, eram os saberes
dos quais dispunham para enfrentar enfermidades, acidentes, con-
tratempos. Eram pessoas das mais diversas etnias: europeus (so-
bretudo italianos e portugueses) fugindo dos horrores de um con-
tinente em guerra; descendentes dos índios que sobreviveram aos
bandeirantes, negros e mulatos, filhos e netos dos últimos escravos
libertados em 1888.

Sobretudo as mulheres, responsáveis pelos filhos e pelos doentes


- numa época e numa área sem maiores recursos que a fé e os co-
nhecimentos ancestrais -, buscavam, como podiam, maneiras de
aliviar dores, tratar sintomas, ou mesmo procurar, no insondável

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da fé, meios de socorrer os que precisavam. Paralelo à tal questão,


a Igreja Católica (ainda hoje um pilar relevante do embasamento
cultural dos fiéis), era, até meados do século passado, um poder de
grandeza igual (e às vezes, maior) que o poder político. Era sob os
cânones católicos que as comunidades socialmente cresciam e se
desenvolviam, tendo como “soldados” principalmente as mulhe-
res, para quem os direitos políticos simplesmente não existiam.

Dentro deste contexto – da necessidade de buscar meios de atendi-


mento e apoio às pessoas, da responsabilidade familiar e da supre-
macia da Igreja Católica – surgiram os benzedores, e sobretudo, as
benzedeiras de Juatuba.

Embora haja homens que benzem no município, alguns deles com


vastos conhecimentos das plantas medicinais, a imensa maioria
de pessoas do sexo feminino, dedicados aos cuidados com o outro
através do benzimento, justificou que a presente pesquisa se con-
centrasse nas mulheres.

Poucas são as benzedeiras nascidas em Juatuba – mesmo porque


o povoado se desenvolveu mesmo a partir de meados dos nove-
centos. A maior parte, porém, nasceu nas cidades próximas ou veio
para a cidade ainda muito menina. Quem veio de muito longe, -
como Dona Benedita, de Boa Vista, nascida no Mato Grosso – veio
de trem, ainda criança. Algumas vieram justamente porque pais e
maridos vieram trabalhar na cidade – primeiro na ferrovia, depois
nas indústrias da cidade.

Normalmente mães de grandes proles (há casos como o de Dona


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Dadá, benzedeira do Centro, com apenas dois filhos, mas a maior


parte das benzedeiras está mais perto dos números de dona Efigê-
nia, que teve doze crianças), estas mulheres se equilibravam entre o
cuidado com as crianças, o trabalho (a maior parte delas trabalhava
fora, além do serviço de casa) e a participação na vida religiosa, ca-
tólica, dos seus lugares. A fé nos santos católicos, sobretudo a de-
voção por Nossa Senhora, profundamente arraigada no cotidiano
dessas famílias, serviu (e ainda serve) como alento, esperança, re-
fúgio, cura ou, pelo menos, alívio de enfermidades.

Essas mulheres teceram redes de afetos e cuidados, chegando, in-


clusive, à especializações dos tipos de benzimento: embora a maio-
ria benza para solucionar vários problemas, há as “especialistas” em
cobreiro, quebranto, mau olhado, carne quebrada. Nos povoados
e bairros, é extremamente comum uma benzedeira indicar outra.
Percebe-se que esta coligação se fez não só pela fé, mas também
pela necessidade de comunhão, de junção de forças entre mulheres
que, para além de serem mães, eram também provedoras, lidan-
do na roça, nas fábricas, nas escolas e até nas ruas do município.
São mulheres que, paralelo à função do cuidar do outro, exerceram
(ou ainda exercem) funções remuneradas e contribuem (quando
não são as principais mentoras) com o orçamento familiar. A rede
de solidariedade que se percebe entre as benzedeiras, claramente
formada pelo afeto e pela vida em comunidade, foi – e ainda é –
um mecanismo de ajuda mútua, essencial ao desenvolvimento da
comunidade, diante da ausência de recursos – não só financeiros,
mas de toda ordem (de saúde, de possibilidades de crescimento

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educacional e profissional, de logística para com os filhos).

A maioria das benzedeiras descobriu seu dom, ainda jovens, so-


bretudo depois de terem os filhos. Embora haja casos como os de
Dona Dadá (escolhida por uma benzedeira anciã para lhe substi-
tuir), grande parte das benzedeiras aprendeu a benzer quando pas-
sou por questões de saúde com os próprios filhos. Ao buscar ajuda
das benzedeiras mais antigas, aprendiam a benzeção e passavam a
benzer os próprios filhos. Dos filhos, passavam a benzer sobrinhos,
afilhados e quem mais precisasse.

Até a emancipação, em 1992, o atendimento médico no município


era profundamente precário até para enfermidades mais simples, e
onde não havia recursos, as mulheres se organizavam e aprendiam
o que podiam, se valendo dos conhecimentos transmitidos, da ob-
servação e da curiosidade, mas também da fé, da contemplação, da
solidariedade e da serenidade – sentimentos auxiliares, paliativos e
até agentes incisivos na melhora, ou, pelo menos, no alívio de boa
parte das enfermidades.

Neste contexto, pelo seu “poder” de cura – que todas elas, enfati-
camente, informam não serem delas, mas de Deus -, muitas vezes
o papel da benzedeira foi distorcido na sociedade. Os seus conhe-
cimentos de cura, grosso modo, podem ser mal comparados, por
quem não as conhece, com os saberes das bruxas, no período da
inquisição. Neste contexto, algumas delas são muito incisivas ao
se declararem católicas. Ao relatarem a convivência (pacífica) com
pessoas de outras religiões, sobretudo as pentecostais, ressaltam
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diversas vezes as tentativas de conversão dos evangélicos. Contu-


do, historicamente, não há conflitos dessa natureza em Juatuba –
há casos, inclusive, de evangélicos que vão se benzer.

A Igreja Católica e seus representantes, por sua vez, embora não


reconheçam oficialmente a importância das benzedeiras, nunca
tiveram qualquer ato de desrespeito em relação ao exercício do ofí-
cio delas – que, de mais a mais, está mais para sacerdócio do que
para labor, uma vez que as benzedeiras são enfáticas em dizer que
seu trabalho não pode ser remunerado em nenhuma circunstância,
haja vista que o dom dado por Deus não tem preço.

Com a expansão de Juatuba, a partir dos anos 1970, o Instituto Bra-


sileiro de Café iniciou uma campanha de implantação de uma nova
economia de cafeicultura na região. Empresas como H. Ferreira Pin-
to Agropecuária, fazendeiros como Rui Saraiva, Juvenal Senra e ou-
tros, implantaram aproximadamente um milhão de covas de café. A
expansão territorial, porém, não diminuiu a força das benzedeiras.
Pelo contrário: nos povoados que se desenvolviam, como Boa Vis-
ta, as benzedeiras continuavam e até ampliavam seu valor para a
comunidade.

Em 1978, a empresa de H. F. Empreendimentos Imobiliários colocou


à venda 100 lotes destinados às pessoas de baixa renda, implantan-
do novas áreas, chamadas hoje de bairros Cidade Nova I e II. Dois
anos depois foi criada a primeira Paróquia do Município, a de São
Sebastião, por decreto do Bispado Diocesano de Divinópolis (De-
creto 55, de 12/10/1994). Os limites da Paróquia coincidem com os

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do município, compreendendo as capelas de Imaculada Conceição


(Distrito de Francelinos); Nossa Senhora Aparecida (Bairro de Sa-
mambaia), São Judas Tadeu (Bairro Icaraí) e São Vicente de Paulo
(distrito de Boa Vista), além dos bairros Varginha, Satélite, Cidade
Nova I e II, Bela Vista, Canaã e São Jerônimo, que não possuíam, à
época, capelas edificadas. Praticamente todos os bairros tem pelo
menos uma benzedeira.

No início do ano de 1996, começou a construção da nova Matriz.


Os poucos recursos da Paróquia obrigaram as comunidades paro-
quiais a se unirem na realização de eventos para levantar fundos
para a construção. A maioria das benzedeiras, profundamente ca-
tólicas, capitanearam ou pelo menos, participaram destas ações.
Estes eventos são realizados, ainda hoje, com outros propósitos,
levantando fundos para a Paróquia. A nova Matriz ficou pronta em
2001.

Hoje, o município possui um comércio e um setor de serviços di-


versificado que atende razoavelmente a comunidade, em franca
expansão, bem como instituições de ensino que englobam da edu-
cação infantil à pós-graduação. O município possui uma policlínica,
de atendimento 24 horas, e ainda serviços particulares de consul-
tórios médicos, odontológicos, laboratórios e farmácias, de modo
a atender com presteza à população. O acesso à atendimento mé-
dico e a falta de conhecimento das novas gerações diminuiu a fre-
quência com que a comunidade busca as benzedeiras – o que, de
certo modo, não é ruim, haja vista que a maioria delas, já idosas,
não têm como atender um número elevado de pessoas.
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Contudo, a resistência delas reside não só no acesso e na dispo-


nibilidade em atender a comunidade, mas no fato de que cada
benzedeira encara o seu saber como um sacerdócio. Benzer é um
dom dado por Deus, e por isso não pode ser negado nem cobrado.
E mesmo que não haja muitos aprendizes para a recriação do bem,
fato é que, dentro de cada bairro ou povoado, as benzedeiras con-
tinuam sendo referência no cuidado e no tratamento das pessoas.

No relato delas, as doenças são divididas em dois tipos: as dos mé-


dicos e as de benzer. O que é de um resolver, o outro não resolve.
E é entre as que dependem de benzer que se percebe que os ben-
zedores e benzedoras tem um papel relevante para a comunidade.

O “ato de curar por meios não-tradicionais” tem sido reconhecido


pelo IPHAN, inclusive com premiação a respeito em 2015, embora o
ofício das benzedeiras ainda não tenha sido inventariado em nível
federal. Pela sua importância como fator de preservação dos sabe-
res tradicionais e como apoio complementar às ações de saúde e
qualidade de vida, seu registro como bem imaterial brasileiro pode
gerar a efetiva proteção destes saberes e deste ofício.

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O ato de benzer pela voz de quem benze: depoimentos

Durante a pesquisa para a elaboração deste trabalho, foram entre-


vistadas várias pessoas – a maioria, benzedeiras; mas também fo-
ram entrevistados benzedores e raizeiros.

Dar voz aos sacerdotes e sacerdotisas deste saber foi elementar


para entender a dimensão e o significado do ato que realizam.
Sentimentos diversos aparecem no discurso dos entrevistados: a
afirmação da fé, a necessidade irrepreensível de acolher e cuidar,
a humildade na premissa de que quem cura é Deus, o insondável, a
força divina; mas também o receio de ser mal interpretada, de ser
tachada (o) de maneira preconceituosa e negativa.

Os homens e mulheres entrevistados falaram sobre suas rezas, de-


voções, origens, instrumentos, relíquias, memórias, conexões, em
conversas que por vezes começavam de maneira tímida e descon-
fiada. Ao perceberem ouvidos atentos e imparciais, o discurso se
aprofundava, os detalhes aumentavam, e com eles o lirismo da
prosa rica de cada um dos entrevistados, como pode ser visto nas
próximas páginas.

Todas as entrevistas possuem termos de anuência dos entrevsta-


dos, cujos originais estão no Registro Imaterial do bem cultural, no
arquivo da Secretaria Municipal de Cultura de Juatuba, com as au-
torizaçoes do uso da imagem e da fala de cada um deles para este
livro e para o processo de Registro. As entrevistas ocorreram no ou-
tono e na primavera de 2017.

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Meu nome é Benedita dos Santos. E eu sou de 22 de outubro. O ano


eu não sei não.  Agora dia 22 de outubro eu vou fazer 80 (ela é de
1937).

A minha fé é esta. Graças a Deus eu não conheço essas coisas espí-


rita, esses trem assim. Eu não bulo com isso não. Eu vou é no Pa-
dre Libério...então meus meninos falam “mãe, eu to com a cabe-
ça doendo”. Senta lá. Eu ponho a garrafa com um pedaço de pano,
então ali vai subindo, né. Vou explicar: ó, o Sol na cabeça, ele dói,
dói dói, né. Então a pessoa vem aqui e fala “to com a minha cabeça
doendo muito”. Então eu levo lá pra dentro, encho uma garrafinha
dágua, assim, no meio, ponho um pano na cabeça da pessoa e vou
benzendo. A água ferve. Sobe, mas sobe, a dor da cabeça vai embo-
ra junto. (Quem ensinou foi) Dona Maria. Maria Vidoca. É. Já morreu
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há muitos anos. Vai e eu pus aquilo na cabeça, né, e tampei, vem


um com cobreiro e sara, vem outro pra benzer com dor de cabeça e
sara, inclusive tem um homem aqui da COPASA, ele vem cá muito,
ele tava duro assim sabe (faz os gestos de quem tá com tensão no
pescoço e cabeça), fiz umas massagem nele e sarou. 

Eu benzo de longe também. Tinha uma moça lá na Fiat,  ela tava


com...diz meu neto que ela tava toda cheia dessas rosa assim (im-
pigem). E aí eu benzi ela de cá pra lá, três vezes, depois meu neto
veio cá falar que secou tudo. Tem cobreiro, tem impigem. Cobreiro
eu corto no fogo. Cobreiro eu levo a pessoa lá, ligo o fogão, que de
primeiro a gente tinha o fogão de lenha, né, então eu vou passando
a faca assim (faz o gesto de segurar uma faca horizontalmente)
chego neles e vou cortando e falando...sara.

Benzo com a faca, com a garrafa, com arruda. Alecrim não pego
não, pego mais é arruda. A gente benze, às vezes a pessoa tá assim,
“ah, eu to com uma dor de cabeça, não sara”, então a gente...vem
cá, a gente cura. Às vezes é uma criança, tá com um cobreiro, uma
impigem, sara.

Quando eu vim pra cá, nós estava no Mato Grosso. Eu vim com três
anos. Meu pai trouxe nós, nós ficou aí, ele foi embora, depois a
minha mãe sumiu pra lá, meu avô criou eu. (Uma das entrevistado-
ras pergunta à Dona Dita se ela conheceu o avô da entrevistadora,
seu Dirico): Dirico, conheci. 

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A gente...como diz o outro, Deus cura, né. O que a gente não pode...
Falar comigo em feitiço eu adano, eu não acredito nisso de jeito ne-
nhum, isso não existe. É Deus mesmo e  a Igreja Católica. (Sobre sua
devoção): é tudo. Porque como diz o outro, já que é santo, então a
gente vai ter com fé com todos. O Padre Eustáquio quando eu fui
lá (no santuário de Belo Horizonte, no bairro do mesmo nome), ele
agarrou e me deu esse quadro (do próprio Padre Eustáquio). E ali o
Padre Libério, e...eu tenho muita fé com o Padre Libério. Meu meni-
no foi sequestrado, ele ficou quatro dias na mão dos sequestrado-
res. De noite, eu falei assim, ô Padre Libério - meu menino chama
Libério por causa dele- , Libério não tá saindo da minha cabeça, aí
eu ouvi assim: “Levanta, toma um copo dágua gelada pra ele ,ele tá
sequestrado, tá morrendo de sede.”.  Eu tomei,  sentei ali no quar-
to, sentei, rezei, pedi  o Padre Libério pra tirar ele, e fui pra cama
dormir. Quando foi sete horas patrão dele chegou aqui, e vai mi-
nha filha, eu falei assim, Padre Libério, não deixa machucar ele não,
toma conta dele,  e o patrão dele me disse: “nó, mas to bobo, você
tão tranquila”. Quando dou fé eles chegaram com ele aí, depois nós
fomos lá no Padre Libério. Nem tirou os 400 (reais) dele, não abriu
o caminhão, caminhão não abriu. Não machucou, ele tava preso,
queriam matar mesmo. Aí eu falei Padre Libério, o senhor pôs a mão
dele muito pra mim, não deixa nem matar nem nada não. A gente
tem que ter uma fé, né.

Assim, Padre Libério falou assim: levanta, toma um copo dágua pra
ele que ele tá morrendo de sede. Ele (o filho) disse que a boca dele
chegava a secar. Na hora que eu bebi a água cá, diz que foi juntando
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aquela saliva, foi juntando... é milagre, e não machucou ele, não


pegou dinheiro dele, não pegou nada.

(Comecei a benzer) com 16 anos. Vinha gente aqui, na outra casa.


Ih, gente. Eu casei com a idade de 15 anos.  Teve que aumentar de-
zoito anos, que eu era na mão do juiz, né, o juiz então aumentou
pra casar com dezoito anos, mas eu não vou fazer oitenta não, que
eu tenho três anos a menos. Mas então eu benzi, benzia. Meu avô às
vezes falava assim: “êh, Dita, você não..? Os porcos lá no chiqueiro
tá tudo assim...” Porque tinha uma mulher que...se você tivesse com
um bando de galinha, um bando de leitão, não ficava um. Agora a fi-
lha dela tá aí, mas a filha dela não pode facilitar também não. E vai,
minha filha, aí  eu benzi, benzia os porcos, vovô falava “benze os
porco lá”, fui lá, peguei um galhinho de benzer e benzi os porcos,  fui
lá nas galinha e benzi também, com um ramo de alecrim. Quando
foi assim lá pras seis horas os porcos já tava comendo...mas (antes)
tava tudo deitado.

(Aprendi com) a Maria Vidoca. Ela tinha uma feridona na perna. E eu


aprendi a costurar naquela máquina de pé, que tinha aquela roda
de fiar, sabe, e eu ia pra lá pra fiar pra ela, que a perna dela tinha
uma ferida assim, e ela punha os algodão na máquina e eu ficava
o dia inteiro, naquela rodinha. Fazendo linha pra ela. Ela que me
ensinou. Disse assim: “vou passar procê”. 

Eu já passei pra muita gente...a Regina, ela vinha cá pra sempre pra
benzer a cabeça de menino de Sol, né. Eu ensinei ela, ela disse ago-

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ra que ela cura lá. Porque o Sol na cabeça é assim: a sua cabeça
doeu, doeu, cê toma o remédio, não melhorou, cê pode encher uma
garrafinha assim,(pega) um pano, põe lá na   cabeça lá e shhhhh
...vai rodando mesmo (faz como se a dor se evaporasse da cabeça).

Tinha uma moça aqui do Florestal ...eu compro (coisas de super-


mercado) é lá em Pará de Minas (cidade próxima). Ela tava dentro
do ônibus assim (faz o gesto de colocar a cabeça entre as mãos e
abaixar). Que que arrumou, minha filha? “Nossa, tem uns três mês
que eu não guento olhar pro Sol, numa dor de cabeça que eu não
guento”. Louvado seja Deus! Cê é crente? “Não!” Então escreve seu
nome num papel aí, que quando eu chegar em casa vou benzer
ocê.  E pus a menininha de dois anos lá e pus a garrafa dágua na ca-
beça da menininha, e ahhhh (faz um gesto de ver a água borbulhan-
do). E agora no dia que eu peguei o ônibus ela veio me abraçando,
assim, “Dona Benedita, minha cabeça desde aquele dia não doeu
mais”. Ela é motorista...então vai, eu acho que Deus...eu faço muita
coisa sabe,eu dou,  eu junto as coisas pra levar pra Pará de Minas,
aqueles povo assim na rua, eu compro roupa assim, lá no bazar lá
embaixo, aquelas roupinhas de menino e dou pra quem precisa...
eu ajudo. 

(Sobre pessoas das outras religiões): Crente nem entra cá dentro.


Eles (pessoas evangélicas) chegou aqui esses dias, e disse “ô Be-
nedita, vamo ler a Biblía comigo” e vai indo eu falei com ela, ó, a
Bíblia nos pés da minha cama, na cabeceira da minha cama, todo
dia  a Fernanda (neta) lê um trecho pra mim, que a gente ouve, né. E

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vai indo eu falei com ela, ó, oceis na sua eu na minha. Falei. Falei as-
sim ó, nós foi criado junto, o compadre era da igreja, ces era tudo da
igreja, ces passaram pra crente! Então deixa eu e oceis lá na igreja
docês! 

A Fernanda é neta, é neta... mas então os menino fala, “Oh vó, to


com a cabeça doendo.” “Sai uma coceira assim, impigem, “óh vó,
olha aqui, impigem», eu vou no fogo e curo...e sara. 

Mas então, ah menina, eu tenho, deixa eu ver, dez filhos. Eu tenho,


é, 63 netos e bisnetos, assim junto. Eu tenho o filho da Maria, que
já tem rapaz namorando, agora casou uma neta minha que tá com
menino novo, outro que tá quase nascendo, capaz de já tá inteiran-
do 70 netos. (Perguntada se terá trinetos) Vai, se Deus ajudar, né. 

Eu vim com 3 anos (do Mato Grosso). A gente veio até na máquina
de ferro (Trem Ferroviário). É que meu pai não tinha dinheiro, né,
e vai o homem de lá conversou com o maquinista e nós veio numa
máquina até Mateus Leme. Chegamo em Mateus Leme, meu avô foi
lá a cavalo e buscou nós. O pai da minha mãe. Do lado do meu pai,
o meu avô era indío, cabelo corridinho, e do bando do vô Elpídio
era tudo claro, e do bando do meu marido é claro também. Compa-
ração, eu tenho dez filho e os neto tudo, tem uns moreno, tem uns
claro, tem uns mais preto. Meu avô chamava Elpídio Batista Villas-
-Boas, pai da minha mãe. E vovó Ana. E o pai do meu pai era Madale-
na e Isaías. Meu avô Isaias era indío. Eles morava lá em Florestal, e
o meu avô, ele andava à cavalo, com aquele bigodão, cabelo muito

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pretinho, pai do meu pai. Eu tenho um rapaz assim, moreno,  do ca-
belo corridinho, neto do cabelo corridinho, mas meu avô o cabelo
dele era corridinho.

(Perguntada se havia outros benzedores na família). Não, eu tenho


a Efigênia também, que é...nós somos primas, fomos criados pelo
meu avô. Ela também benze. Ela mora lá na rua debaixo, ela ben-
ze as pessoas. Ela benze de mau olho, ela benze de quebrante... A
Maria minha (filha) ela sempre benze os meninos dela mesmo. Ela
mora em Belo Horizonte, tá fazendo tratamento, que tirou um ca-
roço dela assim, não deu câncer não mas tá fazendo tratamento,
domingo ela teve aqui. E tem a Vilma (filha) também, menino às
vezes num tá dormindo direito, à noite, agora ela já põe é o copo
dágua. Quando eu tinha fogão de lenha, a gente benzia mau olho
e quebrante tirando a brasa lá e jogando no copo, mas agora não
tem fogão de lenha mais, a gente faz no fogão à gás. Funciona do
mesmo jeito.  A Vilma mora em Mateus Leme. Eu tenho um (mostra
a foto do filho) vai fazer um ano, nós fomos buscar ele pra lá de Sete
Lagoas, eu to esperando ele, uma hora ele chega aqui. É só as duas
mesmo que aprendeu. A Rosana é piscoco. A Rosária ela mora no
fundo, “Oh mãe, me benze aí mãe, to com mau-olho”. Eu vou ali
pego arruda, benzo, outro dia peguei arruda que a arruda fez tuf!
(faz com a mão o gesto do ramo lhe escapar dos dedos). Partiu no
meio. A gente tem que pedir muito a Deus, né, tem que ter fé na re-
ligião, se não tiver é difícil.

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Dona Efigênia: Meus avôs moravam tudo aqui, e meu pai é que foi
lá pra Belo Horizonte, né, então morava lá na Barroca (bairro de
Belo Horizonte), foi lá que eu nasci. Depois meu pai morreu, que
fazer, né, viemos todos pra cá.  A Benedita, nós foi criado junto. 

O nome completo é Efigênia dos Reis Rocha. Nasci 18 de junho


de...eu to com 84. Sou de 34.Efigênia dos Reis Rocha, 18 do 6 de 34.

(Sobre como descobriu que era benzedeira):ah,  isso, minha filha,


nós casamo, né, e fomo lá pro Alto da Serra (região de Juatuba),
e num tinha (recurso)...vivia só nós lá mais uma dona, mas eu
tinha...nós fomo morar numa casa do Compadre Antônio e da Ju-
dite, já ouviu falar? Então nós trabalhamo lá (...), então quando eu
precisei de alguma coisa, eu ia lá pra casa dela, e ela me ensinava,
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a benzer,  a costurar. A Dona Judite benzia..acho que ela não faz


benzeção mais não..eu casei com...acho que eu não tinha 17 anos
completo não. 

(A senhora começou a benzer benzendo os filhos da senhora?) Sim,


de mau olhado.  O mau olhado e o quebrante é a mesma coisa.
Tropicão, torcer o dedo, aí a gente benze. (Carne quebrada?) Isso.
Cobreiro, eu benzo... com as mãos e com o terço.  A carne quebra-
da a gente pode quebrar um galho de alecrim, ou de arruda. (Dona
Efigênia mostra a horta): Sempre têm. Eu não fico sem eles não, às
vezes tá ruinzinho, né.

(A senhora benze todos  os dias?) Isso é como se diz: a pessoa che-
ga, pediu a gente pra benzer, então a gente benze na hora. Que o
bem a gente faz na hora, não pode deixar pra depois. Eu comecei
a benzer com essa idade mesma, dezoito anos, na mesma época
(que casei). Eu não tinha nem 17 anos, a casa do meu avô era ali,
nós casou e foi morar lá no Alto da Serra. (A senhora benze de noi-
te?) Benzo. Não tem hora pra fazer o bem não.

Meus filhos são 12. (Quase setenta anos de casado, não é dona Efi-
gênia?): Quanto? (Quase 70!) É... 

Seu Mundinho: sessenta e tantos ano de casado.

Efigênia: Neto...são 21, Mundinho?

Seu mundinho: 21 neto e 15 bisneto. É uma família grande, graças


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a Deus.

Dona Efigênia: A Maria (filha) eu acho que benze...ela mora na casa


ali de cima...acho que ela não benze não... a gente é que benze,
que quando a menina vem a gente benze ela...(perguntada se já
ensinou alguém a benzer) não, porque a gente benzia, qualquer
precisão a gente benzia, então não passei pra eles. As filha não
(benzem)...porque eu benzo e ele também benze (até aquele mo-
mento, os entrevistadores não sabiam, que seu Mundinho também
era benzedor).

(O Senhor também benze?): eu benzo só de quebrante.

Dona Efigênia explica como seu Mundinho benze: sempre pega


três talo de mamona, um talo de mamona, e benze o cobreiro, mas
ele que benze mais com talo de mamona, eu benzo é com arruda.
Arruda e o terço.

(Seu Mundinho): Meu nome é Raimundo, conhecido como Mundi-


nho. Raimundo Severino da Rocha. Eu sou de Santa Terezinha (dis-
trito de Itatiaiuçu). Eu sou de 1931. 10 de Setembro de 31. 

(Dona Efigênia): ele é mais velho que eu só dois ano.

(Seu Mundinho): Minha mãe benzia, eu aprendi. 

(Dona Efigênia, falando dos filhos): quem benzia mais, era mais
eu.  Eu benzo também, mas, como diz quando a pessoa vem com
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cobreiro, mau olhado, gente pra toda banda né...

(Seu Mundinho): o povo hoje não benze muito hoje mais não. Hoje
é farmácia mesmo. A benzeção faz bem. Benzedeira tem. A farmá-
cia nossa era a benzeção. Era o benzedor e o chá de casa.

(Dona  Efigênia): Como se diz, adoeceu,  o que for...primeiro a gen-


te vai benzer, vai ver o que é bão, agora se o problema não é daqui,
não é de benzer, o médico resolve. Eu tava esses dias esquisi-
ta,  sem expediência, parece que meu corpo tava tudo...eu mesmo
me benzi, graças a Deus. 

(Perguntada se conseguia benzer a distância): Conforme...confor-


me, por exemplo...como que fala...carne quebrada, então esse aí
não tem jeito, porque tem que ir perguntando pra própria pessoa,
pra ela responder. (Do resto das benzeções) eu benzo, mas eu te-
nho que perguntar o nome, tem que saber o nome. Eu benzo com
o terço, com os três galhinhos de arruda e tá bom.

(Seu Mundinho): Eu benzo com mamona. O talo de mamona, vai


benzendo e cortando (o talo), até nove talinhos.

(Dona Efigênia): A gente benze três vezes. Se não adiantar a gente


repete.

(Seu Mundinho): A benzeção tem que ser só um (só uma pessoa).


Tem gente que não gosta nem de saber, se eu benzi, se ela benzeu,
tem que ser só um.
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(Dona Efigênia fala se sente-se “carregada” depois de benzer:)


Não...nada disso. Como se diz: o que a gente benzeu, Deus não vai
deixar passar pra mim. Então é isso. Benzeu, pronto, Deus curou,
tá pronto. Não passa pro outro não. Agora, a pessoa pega quebran-
te, né, que às vezes a pessoa acha bonito, então na hora não des-
cuido de falar “benza Deus”, pronto.  Aí se fala “benza-Deus”

Tinha uma menina que o pai dela vivia levando ela no médico, le-
vando ela no médico pra curar a boca, que a boca não tava aguen-
tando de cobreiro dentro da boca. Ele me trouxe a menina, eu ben-
zi ela, (melhorou) graças a Deus, né..

Aos risos, Seu Mundinho interrompe: Também tomo quebrante


demais, que eu sou muito bonito ...

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Dona Chica relatando sobre como descobriu o dom de benzer: Eu


descobri com a minha tia. Nós morava no Capão. Eu tinha avó, tinha
tia (benzedeiras). A vó também benzia, chamava Virgem. A gente
chamava vó Virgem. A tia chamava...Augusta. Por parte de pai. Meu
pai não benzia não. Eu nasci no Capão, município de Florestal. Eu
vim morar (em Juatuba) quando os meus gêmeos eram pequeni-
ninhos. São os mais novo. Tenho nove filhos, vou inteirar dezoito
netos. O filho mais velho morreu, eram dez. Seis mulher e três ho-
mens. E os últimos gêmeos, pra fechar a fábrica com chave de ouro.
Quando eles eram pequeno eu mesma benzia eles. Eu cismava as-
sim, que eles estava assim, meio perrenguinha, pegava quebrante,
aí eu mesmo de noite benzia eles. Meu marido falava assim: “ben-
zeção sua não vale pra eles, não.” Vale sim, depende é a fé minha. E
valia, minha filha!
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Eu benzo de quebrante, de vento caído, vento no olho, parece que


é areia, então esse é o vento no olho, quebrante, vento caído, ben-
zo mal olhado, em criança é quebrante, adulto é que é mau-olha-
do. Aguamento é que eu era doida pra aprender, né, pedi a dona
que mora ali embaixo pra me ensinar, até hoje ela não me ensinou.
Meus netos não benzem (não sabem benzer). Quando eles vêm eu
benzo eles. Ninguém aprendeu benzer (entre filhos e netos). Eu falei
pra eles, uai, vocês tem que aprender a benzer, que vocês não vão
ter eu pro resto da vida, né? Benzeção é coisa muito importante, né,
coisa de Deus, né. Aí eu falo com eles que cês tem que aprender a
benzer. Benzo de carne quebrada...as vezes os netos me puxa.

Eu rezo um terço todo dia. Todo dia eu rezo um terço. Eu tomo remé-
dio oito horas, sete horas, tomo injeção pra diabete depois da janta,
aí eu sento lá, sete horas, sete pouquinha, e rezo o terço. Sozinha e
Deus. Sozinha eu nunca to, to com ele (o marido) e com Deus. (Rezo)
pra Nossa Senhora da Aparecida e Nossa Senhora de Fátima. Eu até
tenho uma Nossa Senhora de Fátima que até eu contribuo com um
trocadinho pra ela, pra levar lá pra São Paulo, aí vem aquele quadro
bonito, nó, ela é linda demais. Às vezes vem uma medalhinha, vem
o livro de novena, aí eu mandei guardar. Já visitei já (a Nossa Se-
nhora de Fátima, bem móvel tombado de Juatuba).  A gente não vai
mais porque não pode, né (e faz o gesto de que “o marido segura”). 

Nós fez ou vai fazer 54 (anos de casado). Casei com vinte anos. Casei
em setembro e em outubro eu fiz vinte anos, no dia 28. Oh trabalho
que a gente passava....e aquela escadinha (de filhos), que eu tinha
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tudo um perto do outro...e a gente ia pra roça, com os meninos,


chegava lá ele (o marido) fazia tipo uma barraca, de cigano assim,
e brincava com eles lá. Quando nós chegava, nós saia, a gente fazia
comida, punha nuns balainho e punha num balainho assim, as pa-
nelas de comida e levava pra esquentar. Aí quando nós chegava...a
gente nem arrumava cama, lavava as vasilha. Quando nós chegava,
eu perguntava: que que você vai me ajudar agora? Porque eu ajuda-
va ele, ele tinha que me ajudar. (O marido respondia) Eu vou fazer
janta.  Então tá bom, eu vou arrumar a cama, juntar as vasilhas e eu
vou lá pra bica lavar, naquele tempo a gente ia a bica, né, vou lá na
bica lavar, ocê faz comida e a menina mais velha dava banho nos
menino. Até hoje ele faz (comida). 

Eu tive internada quase dois meses. Eles achavam até que eu não ia
escapar. Esse negócio de eu ter ficado lá internada com problema
do pulmão, quando eu vim embora eu fui levantar pra fazer xixi, o
banheiro cá fora, quando eu fui levantar, minha filha, bati isso aqui
(a testa) lá no guarda roupa. Na hora fiquei até meio zonza. E aqui
formou um caroço assim de sangue, fiquei com isso muito tempo.
Depois disso eu caí no banheiro. Por isso que até hoje to dando ton-
teira.   Até hoje eu tô andando com a manguara porque tem hora
que eu calombeio. Aqui dentro aqui muitas vezes eu vou sem a
manguara, mas quando vou lá pra fora assim, né. 

Eu mesmo benzo eu. Esses dias eu tava, com o corpo ruim, aquele
mal estar, pensei “Deus, me ajuda”. Aí eu benzi ele, e depois agra-
deci ele. Eu gosto de benzer é com o terço. Com o raminho a gente

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vê na hora que a pessoa tá com quebrante, ele murcha. Agora com


o terço não passa pra gente. Eu gosto de benzer mais é com o terço.
Eu benzo com o terço e benzo com raminho. Com o terço é melhor.
O dia melhor pra gente benzer é a segunda, a quarta e a sexta. A
gente pode benzer outros dias também, a não ser o domingo, né
que dia de domingo não é dia de benzer. Só se a pessoa tiver pre-
cisando de urgência, né, tem importância nenhuma. Mas eu benzo
qualquer dia, mas os dias mais coisa é segunda, a quarta e a sexta.
Se abriu muito a boca, assim,  eu falo pra pessoa que vai ter que
benzer, mais umas três vezes. Se a pessoa é de longe eu benzo até
gente no hospital. Daqui eu benzo. Sabe o rumo que a pessoa que
tá (e benze). De noite (não benze) não. É antes do sol entrar. Com
qualquer raminho. Eu pego três galhinho. Qualquer um.. Se a gente
tiver alecrim, é melhor. Se tiver o alecrim de casa é bom. Mas se não
tiver, (benzo) com funcho, a gente pode benzer com qualquer outro
raminho, você pegando três raminho. É, a gente pode benzer com
funcho. 

O mal dele passa pro terço. Eu peço Nossa Senhora pra levar as coi-
sa ruim pelas ondas do mar, pra levar bem longe. Pelas ondas do
mar.   Eu já ajudei a curar muita gente de quebrante, mal-olhado,
destroncado...que muitas coisas hoje, tem que ser com benzeção,
remédio de médico não resolve. Tem que ser a benzeção com a pa-
lavra de Deus. Amém. E eu penso assim: oh meu Deus, sem o se-
nhor  nós é nada, mas com o senhor nós é tudo na vida. 

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Dona Joana nos recebe na copa de sua casa, servindo café, queijo
e quitandas:

Ah, o meu nome é Maria Joana Gonzaga.  Eu virei benzedeira através
da minha avó. Minha avó era benzedeira antiga aqui do Boa Vista,
ela foi uma das primeiras mulheres de Boa Vista, primeiros morado-
res, Maria José de Jesus. A minha vovó. E então eu aprendi com ela,
aprendi alguma coisa com a minha madrasta da minha mãe, Altina
Batista, que também era benzedeira, inclusive coser carne quebra-
da, foi com ela que eu aprendi. É. E o cobreiro, e espinhela caída...
vento virado e espinhela caída é a mesma coisa, só que de criança
fala vento virado, e gente adulto, espinhela caída. Então eu aprendi
com a minha avó. Comecei a benzer tem muitos anos, acho que foi
quando eu mudei pra aqui, começou as pessoas procurarem, né,
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tem 37 anos que eu moro aqui, no Boa Vista, nessa casa mesmo, e
foi quando eu comecei. Eu sou daqui mesmo, nascida em Jardim
Leme (bairro de Juatuba), que o terreninho ali era do meu avô, sabe
e eu fui nascida e criada lá, e depois eu casei e mudei pra Isomonte,
morei no Isomonte um tempo, que é ali perto do Juá, depois eu mo-
rei na Alba, que é um sítio aqui perto da Alba, tudo aqui na região,
depois em 80 eu vim pra aqui. E to aqui até hoje. 

(Dona Joana responde sobre a descoberta do seu dom de benzer):


ah, será que eu lembro? Ih....tem muitos anos. A minha mãe não
benzia, era a minha avó, por parte do meu pai. Minha mãe perdeu
a mãe muito pequenininha, também, né, é da parte da minha avó,
a vovó Maria. E eu lembro um caso que eu já contei e vou contar
de novo, que um moço, tem um sítio ali na Quinta da Boa Vista, e o
vizinho dele tava com cobreiro, o corpo todo de cobreiro. Aí ele per-
guntou se não sabia quem benzia; Aí a Xodó, uma moça que mora
ali, na entrada do túnel ali, trabalhava pra esse moço, falou “não,
eu conheço quem benze sim, é a Dona Joana, pode ir lá”. Aí ele veio,
pagou um carro, veio aqui, não podia nem dirigir. (Quando o cobrei-
ro encontra, juntando em ambos os lados do corpo) a pessoa já tá
pra morrer. Aí ele chegou aqui e conversou comigo e tudo e eu não,
eu corto sim. Aí eu benzi.  Quando foi no próximo dia que ele veio,
ele próprio já veio dirigindo e veio me agradecer. E fora isso mui-
ta criança que eu benzo, muito gente adulto, né, então dia de sex-
ta-feira aqui em casa, é movimentado! E aquele pote de bolacha,
ali,ó, acaba rapidinho. Que os menino já fala: nós vai lá na Dona
Joana, mãe? Vai. Vai ganhar biscoito, é! Toda sexta feira, né, que eu
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benzo todo dia,  só domingo que eu não benzo, mesmo assim se for
caso urgente eu benzo. Benzo até as seis horas (da tarde), não gosto
de passar de seis horas não, de noite não, bom da gente benzer é
de dia. De segunda à sábado o povo vem aqui benzer, com a graça
de Deus e o meu dom, né, eu não sei, amém! Eu tenho devoção por
Nossa Senhora Aparecida, São Judas Tadeu, e todos os santos, São
Jorge Guerreiro...

(Dona Joana falando das ervas que planta e usa na benzeção):  tem
alecrim, arruda, alecrim. Benzo com o raminho, quando não tem o
raminho eu uso meus dois dedinhos também, né, que às vezes tem
hora que, às vezes eu tô num lugar, num posto de saúde, chega um
lá, né, e eu já passo uma benzida nele até sem ele saber, eu adoro
fazer uma caridade, adoro. Tem muita gente que às vezes paga pra
ver. 

(Dona Joana responde sobre a forma como benze): depende do


caso da pessoa. Às vezes a pessoa não pode vir três vezes, eu benzo
uma, mas eu gosto mesmo de benzer as três vezes, que fecha di-
reitinho.  Pode ser três dias seguidos, pode ser de manhã, de tarde
e no outro dia eu termino. Eu sinto a energia da pessoa e de Deus.
Quem benze é Deus pra gente, tenho muita fé em Deus. Quem benze
é Deus. Benzo de quebranto, mal olhado, espinhela caída, aguado e
carne quebrada. Até mãe põe quebrante e põe aguado. Eu sempre
falo com as mães, gente, pra que brigar com a criança que tá pedin-
do uma coisa, que isso, né, não pode. Às vezes chega vê um doce,
um bolo, ah não, não vai pegar não. Que isso, criança não tem disso

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não, quer comer, quer provar.

(Dona Joana explicando a diferença entre quebranto e aguamen-


to): o aguado é sentimento. Às vezes a criança vê uma coisa e ela
não come, ela fica naquele sentido.   Deu vontade de comer. Pela
mãe. Meu menino aguou por causa de mim, uma vez. Eu levei até na
Dona Dadá (mãe de uma das entrevistadoras) pra ela benzer, que
dessa época eu não sabia benzer não. Falta. Saudade. Eu adoeci, eu
fiquei internada, ele ficou com o pai dele, era muito pequenininho,
aguou.  O quebrante é quando a pessoa tem o olho assim, pesado,
até a gente sem querer, né.  Benzo os filhos, os netos, os bisnetos,
que já tenho uma bisneta, fez quatro aninhos ontem, comemora-
mos o aniversarinho dela...eu tenho três filhos. Netos, ce vai até as-
sustar, eu tenho onze netos, cada um mais lindo que o outro, cada
rapaz bonito, cê precisa de ver. Eu acho que a Andreia (filha), vai
herdar meu dom. Eu tenho o Marcos, Andreia e a Aline, eu acho que
ela vai herdar. Tem que transferir...tem hora que ela já quer apren-
der, vou passar pra ela, é com o tempo, né, a gente aprende natural-
mente.  Não pode ensinar,tem que aprender espontaneamente. Eu
também aprendi alguma coisa com a minha sogra, Luzia Marques,
mãe do meu marido, já falecida. Ela morava em Juatuba e era ben-
zedeira, muito boa. Benzia praticamente de tudo. 

(Retomando sobre a benzeção no posto de saúde): é... ás vezes eu


olho e fico assim, de olhar eu já sei...

(Perguntada sobre preconceito contra o seu dom, por pessoas de

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outras religiões): não, isso nunca aconteceu, não. Inclusive eu  pas-


sei por coisa, que eu perdi minha mãe, né, veio uma evangélica aqui
em casa, ler a Bíblia, que eu gosto muito de ler a Bíblia, ela veio ler
a Bíblia pra mim, acho que a intenção dela no final era que eu pas-
sasse pra religião dela. Aí eu agradeci muito ela, no final ela falou
que queria que eu passasse, eu falei não, eu sou católica, apostó-
lica romana e não mudo, né, e não mudo né, não tem nem como,
e ai mostrei minha Bíblia, e pronto. Inclusive veio um menino aqui
sexta-feira (28/07/2017), a mãe é evangélica, a tia  trouxe, e a mãe
pediu pra benzer. A tia falou assim, e a maior, Joana, é que a mãe é
evangélica, e pediu pra benzer. Eu falei: amém, Jesus! 

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(D. Zélia): Quem cura é Deus. É Deus quem cura a gente. É Deus que
cura a gente, não é a gente não. (Falando de uma senhora que a
procurou para benzer o filho -um rapaz -  à distância) Não sei quem
contou a ela (que eu benzia). Ela falou que o filho dela chegava em
casa e só vinha da quebradeira, era só quebradeira, gente assim,
como dizer, de altas classes, né? Aí eu benzi e a menina ficou tão
satisfeita, tão agradecida, precisa de ver, ela ficou alegre e satisfeita
demais, disse “nó, Dona Zelia, meu filho hoje em dia é outro. Chega
em casa que nem um passarinho, nem vê ele entrar dentro de casa,
que nem um passarinho, mesma coisa que eu ver um fogo aceso,
cê pega a água e apaga assim, ó” (e faz os gestos como que joga
água no fogo). Eu disse, graças a Deus  que a senhora teve fé e ele
foi curado, graças a Deus. A gente benze com aquela fé, mas quem

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tá recebendo tem que ter mais fé, né.Pra ser atendido, né. 

(Dona Zélia  responde sobre o casamento e como se descobriu ben-


zedeira): Nós temos vinte... (Seu Dário responde junto)  Dia 28 (de
julho de 2017) a gente faz 28 anos de casado.Ela me enfeitiçou des-
sa vez mesmo (os dois disparam a rir). Dona Zélia: ele morava lá em
São João de Mantena.(Dona Lourdes, também benzedeira e coma-
dre da Dona Zélia, presente à entrevista, comenta: essa reza dela é
mais forte que a minha!). 

Questionado se o nome da sua cidade natal era São João de Man-


tena ou São João do Manteninha, Seu Dário responde: São João do
Manteninha. Dona Zélia: Eu sou de São Joaquim de Bicas. Eu tinha
5 anos quando vim pra cá. Eu to com 78 anos, graças a Deus. É sete
e oito!  Seu Dário responde a sua idade: ah, eu to só com 75.

A entrevistadora comenta com D. Zélia: a senhora além de fazer fei-


tiço, ainda pegou um moço mais novo. Dona Zélia responde, entre
risos: ô, minha filha, tava caçando moço mais velho mesmo não.
Eu já morava aqui, aí ele veio pra cá, trabalhava lá no Jardim Leme,
não tem aquela Proma (empresa de Juatuba) lá em cima? Ele mora-
va lá. Eu conheci ele foi aqui na barraquinha (da Igreja da Boa Vista),
dançando no forró. No forró cê acha  namorado, viu?

Seu Dário responde sobre como aprendeu a benzer (na verdade ele
não benze, seu conhecimento é como raizeiro): o que eu sei, o pou-
co que eu sei, foi muito antes de conhecer  (Dona Zélia). Aí vem dos

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avós, mas eu não é benzição, não, eu, como diz o outro, é raizeiro, a
gente inventa algumas coisas, procura, não acha o que a gente quer
aqui, que cada região tem um...então as vezes alguém fala, ah, mas
aquela raiz assim e assim, mas aqui não tem, não adianta, só se for
lá em Mantena buscar. 

(A entrevistadora informa que a empresa PROMA, como contrapar-


tida de ações no município, irá plantar espécies usadas para trata-
mentos alternativos.) 

Seu Dário prossegue: tem planta igual paratudo. Paratudo é uma


planta que eles usam em bebida, mas a madeira mesmo por aqui
eu nunca vi. Ninguém vê muda de paratudo. Cipó Trindade...então
é o tipo de coisa, a pessoa não acha tudo o que tem aqui...teve uma
pessoa que procurou abuta...eu disse que infelizmente, né.Aí eu
digo assim pegar no mato, né, não tem. Aqui eu uso, assim, erva de
bicho, graças a Deus até eu tinha plantado aqui, e além disso tem
outras coisas, o jatobá, que aqui a gente consegue, é diferente da
erva de passarinho, que cura pneumonia...mas mata também o pé
de manga (risos)...aquela tem que fazer o sumo dela e beber, cor-
ta. Tem a panaceia, a babosa, bate ela e toma, isso vem de longe...
meus pais chamavam João Gonçalves da Cruz e Vitalina Maurício.
Aprendi do lado dos avós de dois lados. Inclusive a mãe de meu pai
tinha sangue índio, conversava enrolado quase igual a eu (risos). E
pros lados de minha mãe, uma senhora muito entendida...nos in-
terior, vou explicar procê a razão, eu tive pneumonia, duas vezes,
mas daquela de eu  ficar encostado assim a noite inteirinha (faz o
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gesto de quem está dormindo “sentado”). Deixa eu falar com vo-


cês, aprendi com meus avós, não sei se vocês conhecem erva da
lua? Mesma coisa de um pé de alface, dá aquele pé novinho, com-
pridinho, lá em cima (faz o gesto como se fosse uma haste) dá uma
tochinha. O sumo daquilo, pé de galinha (nome de outra planta),
que tem demais aí, né, e socava aquilo tudo, punha sal, menina,
mas aquilo era ruim até debaixo dágua. Mas que eu fiquei curado,
nunca mais eu vi. Passa o sumo com sal  no pano, coa aquele trem
e vai tomando as colheradas, mas que cura,  cura, abaixo de Deus.
Meus avós um  chamava Sebastião Gonçalves da Cruz, outro João
Maurício, pro lado de minha mãe, e Guilhermina Maurício, e Vita-
lina, mesmo nome da minha mãe e da minha avó. O meu nome é
Darío Gonçalves. 

Seu Dario respondendo sobre o procedimento de coletas das plan-


tas: ó, eu acho assim, vamos supor, você vai pegar uma planta, que
é folha, eu tenho assim, o meu  jeito de pegar é na lua minguante, se
for no chão pode ser qualquer lua, mas é melhor na lua crescente...é
o ditado dos antigos, não importa não. Pra preparar, tem as que tor-
ce no pano e aproveita só o sumo. Agora tem umas assim, você caiu,
machucou, sentiu uma dor por dentro, esse feijão-guandu, cê tira
o sumo da folha, toma uma colherzinha, cabô. É mesma coisa que
uma operação. Aquilo é bom demais. Dona Lourdes comenta: miha
filha, não tem xarope não (que seja melhor)...mas o caldo é ruim de
beber. Mas a gente bebe, né, é remédio...

Seu Dário prossegue: sabe aquele Dória, que mora ali? Ele chegou

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aqui: ô Dário, não tem paratudo, to com uma dor de lado aqui aqui.
Aí eu tinha (do caldo do feijão-guandu), peguei uma colher e dei pra
ele: uai Dário, aquilo me curou de uma hora pra outra! (risos). Eu
não tenho daquele feijão aqui em casa não, ali na chácara onde o
João tá olhando tem. Dona Lourdes completa: no seu Paulista (ou-
tro benzedeiro de Boa Vista).

A entrevistadora pergunta se pode adoçar o remédio. Seu Dário,


Dona Lourdes e Dona Zélia são enfáticos: não convém não...o açú-
car tira a força do remédio. Tem que ser puro.

Seu Dário pergunta a entrevistadora: você bebe? (A entrevistado-


ra responde que não). Quando tá de ressaca você fala assim: toma
boldo. Boldo é doce?(risos). Dona Lourdes e Dona Zélia completam:
que coisa boa de ressaca é a folha de mamão. Esfrega ela e põe
dentro dágua, e bebe. Mas amarga pra danar. É porque é bom pro
fígado.   

Seu Dário responde como é que se prepara o remédio de raiz: tem


umas que você escalda na água quente, outras que já põe na água
fria. A cainca, conhece a cainca, comadre. Ela é quase que uma folha
de cipó. Só que ela amarga mais que o boldo. Mas aquele trem amar-
ga mais pra lá de casa. Mas que é bom é. É bom pra muitas coisas,
pra cãibra, muitas das vezes dor de estômago, então ela  combate
bem, as vezes até uma febre que tiver amolando...aqui nunca vi.  A
entrevistadora comenta: cura mais do que esses remédios de far-
mácia. Seu Dário responde: ih, toda vida.

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Seu Dário responde se poderia deixar o remédio de raiz armazena-


do: pode, pode guardar. A folha você faz o sumo e toma na hora.
Agora se for escaldar na água quente é bom que esteja ou murcha
ou seca, que é melhor ainda, pra fazer chá. O sumo pode guardar de
hoje até amanhã, mais que isso pode não.

Dona Zélia fala sobre como começou a benzer: quando eu comecei


a benzer eu já tava mais velha. Foi assim, eu via as pessoas benzer,
né, onde eu trabalhava, e fui prestando atenção. Algumas pessoas
me ensinava, eu prestava atenção direitinho como é que, era e eu
coloquei aquilo na cabeça, né. Um dia uma pessoa falou pra mim,
foi até um médico, né: você tem capacidade de adivinhar muitas
coisas, mas se você não for a um médium desenvolver... ele falou
comigo mesmo que eu tenho a capacidade de adivinhar as coisas.
Muitas coisas eu falo, antes de acontecer eu falo, quando vejo acon-
tece aquilo. Igual eu falei acontece.

Eu comecei a benzer tens uns vinte anos, mais ou menos, uns vin-
te anos pra cá. Uma vez tinha uma moça aqui nesse bairro, ó, ela
ganhou menino e ficou com o peito inflamado. Acho que o menino
arrotou no peito dela, e o peito dela ficou que nem uma pedra. Aí
eles falaram assim com ela: “Diz que a Zélia benze de peito arrota-
do, porque que cê num chama ela, vir cá benzer?”. Aí eles me cha-
mou pra ir lá, eu pensei, ah, meu Deus, será que ela vai acreditar
mesmo? Aí, eu fui lá e benzi, com barrinho, assim, a casinha de bi-
chinho assim (casa de marimbondo). Eu disse pra ela, ó, eu vou su-
jar seu peito, que eu benzo é com barrinho, a casa do marimbondo.

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Ela falou “tem problema não, eu quero é ficar livre disso.”. Já tava
quase nos caso de ir pro médico, aquela pedra mesmo. E não saía
leite de jeito nenhum, leite ficou todo empedrado. Ai na casa dela
não tinha a casinha de marimbondo, eu levei, né, fiz o barrinho e
benzi o peito dela. Menina, aquilo Deus ajudou foi um alívio nela! Aí
o povo pegou fé comigo. Qualquer coisa manda chamar eu pra ben-
zer. E graças a Deus que ela ficou aliviada, o leite começou a vazar, e
não teve que ir pro médico, nada. Graças a Deus. Ela não aguentava
nem o menino encostar a boca no peito. 

Seu Dário: sabe qual a vantagem, ou a desvantagem, de às vezes


a gente explicar essas coisas à pessoa?  Que tem pessoa que che-
ga na sua casa e você fala: toma um chá disso durante tantos dias.
Aí a pessoa toma e fala: “ah, valeu nada pra mim”. Mas tomou um
dia! Quando você vai no médico, ele diz “ó, toma esse comprimido
de seis em seis horas durante tantos mês.” Enquanto não terminar
aquilo... você vai sarando, mas quando a pessoa faz direitinho do
jeito que a gente pede, aí a pessoa diz “opa, melhorou”. Melhorou
mesmo. Mas aí é uma melhora que fica bem feita, a melhora. A pes-
soa tomou só uma vez o chá, acabou, não resolve nada.

Dona Zélia: isso aí é porque o remédio do médico, cê tem que tomar


a cartela toda, aí você toma todo, não melhorou...vou jogar isso
fora, não melhorei nada, passa pra outro médico. 

Seu Dário: vamos supor assim: você sofre dos rins. Aí você vai tomar
o chá de quebra-pedra, folha bugre, que é ainda melhor que o que-

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bra-pedra, então o que que acontece, aí você chega lá e vê um pé


de carambola, ah, vou comer desse trem. Carambola é um veneno
em riba do rim! Quem tem problema nem deve olhar aquilo. Pas-
sarinho nem come ela. Fruta que passarinho não come, não come
não. Então o que que acontece, às vezes você toma o remédio certo,
mas toma outro pior em cima dele. Você toma remédio pra pressão,
vai lá e toma uma pinga. Que que cê quer fazer? Morrer, ué. Então,
tá tomando um chá, mas um chá que tem uma dietazinha em cima,
não é bagunçado não. 

Dona Zélia: já teve gente aqui que precisava de um chá, de benzi-


mento, de tudo. A minha neta teve aqui outro dia pra eu fazer um
chá e ela melhorou bem, graças a Deus.

Seu Dário: Deixa eu falar com você. Aqui tem um tal de Zé Rolinha,
que muitas das vez eu não acredito , mas eu  falo porque aconteceu
comigo. Tinha vez que eu andava assim, por debaixo do pé deu um
cravo, que parecia um redemunho  no pé da gente. Aquilo quando
tá armando  chuva, queimava, pisava o pé no chão era a maior difi-
culdade. O tal do Zé Rolinha teve aqui em casa três vezes, me ben-
zendo, e sumiu! Eu tive fé e ele também teve fé. Eu fiquei são. Eu
sou prova que curei. Ele falou: tem que ser três vez. Ele veio aqui
três sexta-feira e eu nunca mais teve. Menina eu andava mancando
mesmo. Zé Rolinha chama é Zé Assis.  Eu não aguentava nem andar
direito, Nossa Mãe. Ele mora aqui, mas hoje ele bebeu uns golinho
hoje. 

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Dona Zélia falando sobre como começou a fazer o benzimento com


caixa de marimbondo: é que vi as pessoas benzendo, né, aqui em
Boa Vista. Eu vim pra cá com cinco anos. Quando eu comecei a ver as
pessoas benzendo, né, pegando as casinha de marimbondo, quan-
do tiver três é melhor ainda, você pega um pouquinho de cada uma.
Se tiver uma só, tem problema não,  mas se tiver  três, a simpatia
ainda é melhor. Aí com fé em Deus eu pensei: eu também vou ben-
zer. Escutei ele falando as palavras, aí peguei o barrinho e comecei a
benzer. Graças a Deus, muita gente aqui eu benzi. Eu mesmo benzo
eu, acredita? Um dia eu tava passando mal, o peito muito cheio que
o menino tinha arrotado, fui no médico? Fui nada, eu mesmo benzi.
Graças a Deus.

Seu Dário: Cê quer ver como imagina uma coisa dessas? Vamos su-
por assim:  por que que o João de Barro faz uma casa debaixo da-
quele poste  igual tá lá, ó, chove, venta, o trem não desmancha de
jeito nenhum. Vai lá e põe um barro pra ver se para. Tem um “quê”
nesse negócio. Assim é o marimbondo. Às vezes pega aquela sali-
va dele, vai curar alguma coisa. Então você vê, em vários lugares,
a pessoa toma banho de lama,  pra limpar, bom pra pele. Alguma
coisa serve. Tudo tem um sentido.

Dona Zélia respondendo sobre se tem mais benzedeiras que usam a


casinha de marimbondo: não, quem eu lembro que benzia já mor-
reu. Tem tempo. 

Dona Zélia respondendo sobre o preparo: numa vasilhinha, com

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um pinguinho dágua, faz aquele barrinho, fica como se fosse uma


argilazinha aí faz três cruz no peito da pessoa. Eu benzo de peito,
de mau-olhado e de quebrante, mas aí é com o terço ou com um
galhinho verde, de qualquer planta. Se tiver alecrim é melhor. O gui-
né, ou alecrim, o de varrer casa ou o de fazer chá, mas se não tiver,
qualquer ramo verde. 

Dona Lourdes, benzedeira e comadre de Dona Zélia, fala que benze


sem nada. Dona Zélia responde: mas tapa o ouvido. A gente arru-
peia o corpo, quando o trem não tá muito bom, sente na hora. Sai
da pessoa e passa pra você.  Agora uma coisa que queria aprender
a benzer, e nunca aprendi, foi de coluna, comadre Lourdes. Coluna
e vento caído, eu não sei. Aquela benzição que faz no estômago,
espinhela caída...

Seu Dário respondendo se anotava as receitas: ah não, isso é cabeça


mesmo.

Ambos, perguntados sobre se tem algum familiar que tenha herda-


do os dons, Dona Zélia responde: ah, minha filha, ninguém....

A entrevistadora pergunta à Dona Zélia se ela se chama “Zélia da


Conceição” por devoção materna à Nossa Senhora: Nossa mãe, de-
mais! Eu também sou devota demais. De todas, mas a mais espe-
cial, que eu chamo na hora pra me ajudar, é Nossa Senhora Apareci-
da. Todo lado na minha casa, por todo lado (tem imagens de Nossa
Senhora Aparecida).

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Aquela ali iam jogar fora outro dia. Eu doido por uma santa grande,
a minha é pequena assim, né, ele já ia jogar fora, o Palestinho. Ele
diz que não ia mexer com santo mais, ele rebocou a casa dele, sujou
ela toda de barro, cimento, a roupa dela, toda. Arrumei ela, eu trou-
xe ela até chorando (e faz o gesto de se abraçar a imagem), minha fi-
lha, de alegria. Aí ele me deu ela, sou devota demais, graças a Deus. 

Seu Dário é perguntado se também é devoto: e muito, graças a Deus...


Dona Zélia falando sobre as testemunhas de Jeová que batem à sua
casa: a gente recebe eles por educação, né. Mas o  que manda é a fé. 

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(Dona Lourdes falando sobre sua vida): (Respondendo se havia nas-


cido em Juatuba): Não. Nasci em Senador. Senador Modestino Gon-
çalves. Eu vim pra cá eu tinha 18 anos. Eu vim acompanhando meu
marido, ele mudou...eu casei eu tinha 16 anos.  Aí eu casei,  e a gen-
te ficou só um ano lá, com 17 anos eu fui mãe, e, quando eu tinha
18 anos mudei pra aqui (em Boa Vista). Morei em algumas fazendas,
mas sempre morei aqui. Nasci em  6 de setembro de 1954. Eu sou
mãe de 8, só que eu sou muito anêmica, né, vivo eu tenho 6. Nós
mudou pra cá, que lá, o viver tava muito ruim, difícil, a gente plan-
tava, colhia bastante, mas não tinha valor...milho, feijão, abóbora.
Eu até aprendi fazer umas receitinhas... (perguntada sobre como se
descobriu com o dom de benzer)...Uai...meu pai benzia. Minha avó...
(perguntada se o seu nome é Maria de Lourdes por causa da devo-
ção à Nossa Senhora) Não...aqui em casa é muita Maria. Meu pai
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benzia, minha avó... Minha avó tirava um berne em qualquer parte


do corpo como daqui lá no Belo Horizonte afora, sem ver a pessoa.
Ela era uma senhora morena, dessas morena escura, pretona mes-
mo...mas aí ela tirava. Só que tem que...quando eu casei num dia,
e no outro dia ela morreu. Ficou muito feliz, falou que tinha alcan-
çado ao menos a primeira neta dela casar e... ela chamava Brisa
de Joaquim de Jesus. Nome antigo...minha vó, por parte do meu
pai. Meu pai chamava Raimundo Bento dos Santos. Herdei, mas eu
não aprendi com meu pai, que na hora que ele ia ensinar nós, nós
danava a debochar dele. Eu aprendi foi com um senhor que morava
aqui, com a nora de um senhor que morava aqui, e aí aprendi a ben-
zer, fui na casa dela benzer, ela morava em Juatuba. (Perguntada
se lembrava o nome de quem a ensinou) Não lembro o nome dela
não... (as entrevistadoras citam os nomes de benzedeiras do centro
de Juatuba) Dona Maria Pia eu nunca fui nela não. Já fui na Dona
Lea. (Perguntada sobre há quantos anos benze, Dona Lourdes cha-
ma o neto) Lázaro, vai lá perguntar pro Boi quantos anos ele tem.
Quantos anos que o Boi tem. Não. Tá certo. O Boi é de 1976. Vai fa-
zer 40 anos? Ele tinha 2 anos. A minha avó benzia tudo. Só que tem
que berne eu não aprendi, espinhela caída eu não aprendi, e nem
irisipela eu não aprendi. Meu pai benzia de tudo, apagava fogo, de
cobra. Mau-olhado eu sei, contra inveja também, quebranto. Isso
eu faço. Benzo criança, adulto tudo, tudo igual. Qualquer hora. Tem
gente que não benze dia de domingo. Eu benzo dia de domingo,
que eu não trabalho...(perguntada sobre benzer depois que o Sol se
põe): eu benzo, não tem nada a ver. Às vezes uma pessoa precisa de
uma benzição com a gente (...). Neto eu tenho demais, benzo. Tudo.
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Eu só não benzo os que passaram pra evangélico.

Tem uns que, de respeita, né, quando vê que a coisa tá muito forte
né.  (O que é de) Benzição não sara com médico. De jeito nenhum.
Ai você toma o remédio e até que acaba que o remédio fazendo ocê
mal, eu tive uma experiência que aqui teve uma mulher que, eu,
graças a Deus, não to arrastando mala, não...mas benzição minha
é onde que Deus põe a benção mesmo. Sou uma pessoa sofredo-
ra, cheia de problemada, mas benzição minha é onde Deus põe a
benção. Também tenho algumas evidentes (vidências). Não tenho
todas evidente, mas algumas eu tenho. Que quando eu tava espe-
rando meu filho, eu tava de 8 meses, eu sabia que ele era deficien-
te. Deus escrevia na minha cabeça. (Quando ele nasceu) Não tive
decepção nenhuma. Só conferi. E ainda nasceu comigo sozinha. Eu
não ia no médico. (Perguntada se também havia sido parteira) Não,
responsabilidade demais. A responsabilidade é muita. Meus filhos
foi comigo.  Só o primeiro que eu ganhei no hospital.  Tudo foi em
casa. Três filho meu foi meu marido que cortou o umbigo. Meu ca-
çula eu ganhei no mato, tá com 26 anos. E olha pro cê ver, meu pri-
meiro filho, que é o dono dessa casa aqui, quando eu ganhei ele, ele
pesou só um quilo duzentos e cinquenta grama. E eu ganhei ele na
Santa Casa. E achei que era um boi de menino. Eu não tinha  expe-
riência, tinha só 17 anos só. E uma mulher ganhou um desse tama-
niquinho (mede um palmo entre as mãos), lá, e eu, quando eu vi o
meu, pensei, Nossa Senhora, o meu é um boi. Aí eu subi de escada,
não tava vendo a hora de chegar em casa. Fui chegando, minha e
fui entrando pra dentro do ribeirão, com a água aqui (aponta pras

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pernas) pra lavar as roupas. Hoje eu não valho nada.  Aí, minha fi-
lha, quando eu assusto que não (...) (Volta a falar da senhora que
ela curou): vocês devem conhecer, é a Neusa, uma que sempre teve
uma florazinha em Juatuba. Agora eu não sei (A entrevistadora San-
dra confirma que conhece a Neusinha)...

Ela é uma vizinha que saiu do hospital, ficou internada 3 ou 4 dia,


saiu toda picada de soro, toda roxa, toda picada, e chegou aí e não
melhorou. E nem aqui ela aguentou vir, sabe.  Eu tava indo pro ser-
viço de manhã, eu trabalhava na água mineral, aí ela pediu pra mim
benzer ela. Aí o senhor, não sei se é tio ou pai dela, chegou aqui ce-
dão, pedindo pra eu ir lá. Aí eu fui, passei lá antes do serviço e benzi
ela. Aí...ela não aguentou nem levantar, e benzição não pode ser fei-
to em casa fechada, assim, no aberto, pode, mas casa tudo fechada
não pode.  O mal fica. Ele tem que sair. Quanto mais o lugar livre,
melhor é. Aí menina, ela não aguentou levantar, tava toda roxa, o
braço tudo rebentado, uma dor de cabeça, um trem terrível.  Aí eu
benzi ela e fui pro serviço. E aí falei com ela ‘ó, eu benzo ou uma vez
só, ou senão três’.  Aí benzi e pensei, agora de tarde eu tenho que
passar lá, amanhã cedo eu passo de novo e torno a benzer ela de
novo. Aí, menina, vim embora. Quando foi no outro dia cedo, antes
de eu sair pro serviço, chega o pai dela de novo: a Dêja mandou pe-
dir ocê procê benzer ela. A Dêja ou a Neusa? A Dêja. Uai, e a Neusa?
A Neusa melhorou ontem mesmo, pegou até o serviço. Aí eu che-
guei lá. É porque eu benzi a Neusa num quarto fechado, e a Dêja é
uma senhora que, tinha que limpar a casa, tinha que andar dentro
pra casa, pegou. Aí eu tirei ela pra fora, fui chegando tirando ela pra

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fora, aí benzi ela, `com a graça de Deus, melhorou. (A Neusa) tinha


mau-olhado, ódio, a pessoa olha procê com ódio, entendeu. Às ve-
zes as pessoas têm raiva da gente, num tá nas pessoas. A pessoa
olha pra gente com aquele ódio, vontade de esganar, tudo, e aquilo
pega, a pessoa tá inocente, não tá sabendo, não tá preparada. 

(Falando a respeito do filho, que acabara de chegar) É esse aí, ó,


que vai fazer 41 anos. Então tem 39 anos que eu benzo. Comecei a
benzer ele tinha dois anos, quando aprendi a benzer. Esse aí que
eu sabia que ia ser deficiente. Eu vi um que era. Nunca vi ninguém
igual ele (nota da entrevistadora: há, no interior de Minas, a crença
de que se uma mulher grávida olhar fixamente uma má-formação
de outra pessoa, a criança pode nascer com o mesmo problema) .
Já vi só com uma perna. Porque, menino, né, é muito curioso, meus
dois meninos ficaram assim, olha lá o senhor sem perna, mãe, mãe,
cadê a perna do homem, ele tem só uma perna,  e eu cala a boca
menino. Aí quando eu tava com 8 meses de gestante, e pensei, é,
meu Deus, agora vou ter que começar a arrumar as roupinha, e veio
(a vidência de que o filho iria nascer sem os dedos da mão direita).
Contado (...) que eu via. Outras videntes. Eu tive mais evidentes. Ti-
nha uma senhora que é  mãe da Eliana aqui, você deve conhecer,
a Mangela. A Mangela, eu subindo ali, ela tinha história demais co-
migo, mas muito mesmo, considera igual uma filha. Tudo que essa
mulher fazia lá eu tinha que comer, manga, era cheio de manga, e
tudo eu tinha que comer das manga, banana, até um palmito que o
marido dela tirava no serviço, ela tinha que me dar um pedacinho,
porco ela não arrumava, só arrumava o dia que eu podia ajudar

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ela, você precisa de ver. Chouriço nós duas fazia, comia, ela fazia,
nós comia. Então, menina, eu subindo, tadinha, e ela indo tratar
dos porco, eu subindo, ela subindo na minha frente, eu atrás. Aí eu
vi. Eu vi que ela ia infartar, infartar ou dar um derrame, eu vi, eu vi
que nós ia perder ela. Eu peguei com Deus, Deus proteja, Deus que
dê ela o livramento. E justamente, ela só veio aqui, minha filha, eu
sou a única pessoa que recebeu um balde de manga dela. Ó, ela foi
no Betim, ela foi em Florestal, foi lá em Juatuba, esses lugar tudo,
e quando chegou subiu correndo com um desses balde cheio de
manga pra mim, falou ô Lourdes, eu to morrendo de preocupação,
medo de você não chupar das manga, falei, ô Mangela, não esquen-
ta a cabeça não, coitada, tem muita manga aínda aí, ó. Ela trouxe
as manga,minha filha eu virei as manga dentro do tanque e cadê
boca? Não tive boca de chupar não. E ela desceu. Foi descendo e
dando o derrame. Aí, eu já tinha visto bem um mês antes de aconte-
cer. A minha filha fica assim, a senhora é vidente, a senhora vê isso...
não é tudo quanto há não. Não é tudo quanto há que cê vê não. Cê
vê alguma coisa. Que Deus permite, alguma coisa que Deus prepara
a gente. Então, menina, já benzi umas 3, 4 pessoas, que já sabiam
eu ser vidente. Essa mulher gostava tanto de mim, que se ela visse
alguma coisa, que eu tivesse amolada, alguma coisa comigo, ela in-
chava a língua.  Era como minha mãe. Ela inchava a língua, ficava
com a língua desse tamanho, e me contava, os segredo dela ela me
contava tudo, contava isso, e isso, e isso. No dia em que ela tava
ruim, em coma lá em Betim, eu fui lá visitar ela. Chegando lá, aí o
filho dela falou comigo, o filho dela puxou né, ó Lourdes, você deve
saber muita coisa de  Mangela, de seu Benedito. Eu disse não sei de
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nada, ninguém nunca falou nada pra mim (...)

(Falando sobre seu processo de benzer, perguntada sobre o uso de


algum objeto ou planta para benzer): Não. Eu gosto de benzer mes-
mo somente com a mão porque eu tenho problema. Aquele proble-
ma que a pessoa tiver, catoca (e aponta para as próprias costas).
Se for algum mal-olhado forte me arrupeia, tudo, se for uma inveja
muito ruim me ataca onde tiver doendo. Onde tem o  problema, me
ataca, não precisa tá doendo não. Catoca. Depois eu consigo me
livrar da dor. Outra hora eu procuro outra pessoa pra me benzer,
muita gente fala comigo, ó, a senhora tá benzendo muito, quando
começa a vir gente pra benzer é demais, né. E aí... é...não pode ben-
zer tanto assim. Mas a gente não pode falar não, né, se Deus deu pra
gente o dom, não pode negar a benzição.

Quando eu benzo, eu peço a Nossa Senhora Aparecida. Porque com


Nossa Senhora Aparecida, com a fé dela que eu tenho, e as oração,
eu consegui apagar um fogo. Um fogo, eu sozinha e Deus, da altu-
ra dessa casa, no capinhal seco. Eu só falei, Nossa Senhora, apaga
esse fogo pra mim, Nossa Senhora Aparecida que vai apagar esse
fogo pra mim. Eu não sabia as oração, né. Então eu pedi, Nossa Se-
nhora não vai deixar esse fogo ir pra frente...ah, foi só abaixando,
andando, andando, por isso os povo evangélico vem cá, pra gente
entregar...não tem como. Eu já acompanhei e tudo, mas entregar
não, por que eu não consigo ficar sem a minha Nossa Senhora não.
De jeito nenhum.  Dá o mês de outubro, quando não dá pra eu ir na
serra (na peregrinação), eu fico doente. Mas eu vou assim mesmo, o
morro é muito alto.
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(Sobre o benzimento em pessoas evangélicas). Vem. Costuma al-


guém desobedecer a religião deles, porque muita coisa, às vezes
muito forte, as vezes, as coisas, que vale...eu tenho um neto que
tem quase a força minha, porque dizem que a gente não pode en-
sinar os outros a benzer. Diz que pode ser a melhor amiga da gen-
te, se a gente ensinar, acaba  sendo inimiga. Eu não acredito nisso
não.  Pois é, uai, meu neto ali, tem visão também. Quando ele sente
que tem uma pessoa precisando benzer, ele vem em mim e fala, ó,
vó, pense fulano pra mim. Que idade Lucas (o neto) tem? Ele é mui-
to católico (o filho de dona Lourdes fala que o neto tem 17 anos).
Ele é o herdeiro, agora eu já falei com ele que na hora que ele quiser
acabar de desenvolver, eu ensino, se quiser aprender as palavras
assim, eu vou falando, ele escreve, vai decorando. 

(Sobre a oração dita durante a benzeção): não, um dia eu tava pas-


sando muito mal, eu tava com uma tremura de frio, minha mãe
também benzia, só que meu pai que era o benzedor mesmo. Minha
mãe era Ana Hilário de Araújo. Brisa era minha avó da parte do meu
pai.   Aí, menina, minha mãe pegou, e e eu tava lá, morava numa
fazenda, e tava numa tremura de frio, de blusa de frio, e peguei dan-
do bainha num vestido pra eu ir lá em Mateus Leme consultar. E
aí minha mãe chegou lá, e quando tem uma pessoa precisando de
benzeção a gente percebe.Aí minha mãe chegou e falou assim co-
migo: ô minha filha... E eu falei, mãe, mas eu to passando mal, um
ressequimento aqui no pescoço, tô com uma dor em tudo quanto é
lugar...aí ela olhou pra mim e disse: ô minha filha, se já não pediu
alguém pra benzer ocê, que a gente toma mau-olhado até de gente

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de casa, a pessoa às vezes olha pra gente com ódio até dentro de
casa mesmo. Eu falei assim...ah, mãe, uma pessoa que tá passando
mal igual eu, mãe, um mal olhado fazer isso? De jeito nenhum que
não faz. Ela falou: minha filha...faz. Faz não mãe, eu to é com co-
meço de pneumonia, eu posso consultar que eu to com começo de
pneumonia. Quando eu cheguei, aí, minha filha, ela pegou e foi nas
minhas costas, e eu fiquei com raiva da minha mãe por ter falado
isso. Quando eu assusto que não, ela ficou sentado do meu lado
assim, ela ficou aqui nas minhas costas, eu vi uma coisa pinicando
nas minhas costas (e faz o gesto de se tirar algo por detrás dos om-
bros) (...). Aí eu falei assim, meu cumêzinho tá guardo no cantinho
do fogão de lenha, aí eu falei assim, uai, mãe, eu melhorei. Ela falou
assim: melhorou? Melhorei. Vou até comer o meu cumê. Aí ela falou:
não falei com cê, minha filha? Ela benzeu sem eu...sem eu perceber.
É. Porque eu abusei dela. Ela pegou e mostrou pra mim que ela... e
aí cabou, sarou, joguei aquilo pra lá, fui atrás do meu serviço pra fa-
zer, comi,  fui cabando meu serviçinho.. e aí eu continuei aprenden-
do. Quando meu pai ia ensinar nós, aquelas reza antiga, né, o Pa-
dre Nosso, bendito, Louvado seja, nós fervia na risada, debochava
dele. Ele dizia gente, vocês precisam aprender a benzer. Irmão até
que eu tenho, agora irmã só tenho um. Tudo morte muito triste, um
morreu matado, outro suicidou, 17 anos, minha mãe morreu num
acidente, no dia de Santa Luzia, tadinha, tava trabalhando, meus
dois irmão morreu, meu pai, meu pai morreu de infarto. Nós debo-
chava (quando o pai ensinava), de maneira que só eu lá de casa,
que sou a filha mais velha, aprendi. Todo mundo, quando precisa,
vem ne mim. Agora meu neto que vai herdar, o Lucas é muito cató-
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lico, muito religioso, já foi coroinha, já foi...confrade, tá estudando


lá no Florestal. Um menino muito bom, católico mesmo, sabe. Da
igreja. (Perguntada se já tinha sofrido alguma ofensa, pelo fato de
benzer): Não. Todo mundo acha bão. Todo mundo   liga pra mim.
Minha patroa, vivia benzendo ela lá, minha patroa com quem nós
conseguimos isso aqui. Ela era patroa do meu filho também. Então
ela ligava aqui e pedia pra benzer ela lá em Belo Horizonte. Eu ben-
zia de longe. Aqui em Juatuba, eu benzo. Eu não to benzendo agora
(por telefone), por que meu telefone estragou, com esse negócio de
mudança, então agora eu não to benzendo mais pelo telefone, não,
mas alguém que liga no telefone dos meus filhos e pede uma ben-
zeção, eu benzo. Até hoje eu benzo a filha da minha patroa, que era
a mesma coisa que a minha mãe. Daqui lá pra Belo Horizonte, eu
benzo ela. Depois ou espero ou ela liga de novo retornando, falando
que graças a Deus, meu filho teve bão. Mas aí, aí ela de vez em quan-
do pede pra benzer, eu benzo, faço uma benzição, ontem mesmo
passou uma comadre minha aqui, já deve ter uns três meses que eu
benzi, ela vei cá: comadre,to precisando de uma benzição, eu benzi
ela. Quando foi ontem ela passou: ô comadre, aquela benzição foi
uma beleza, uai comadre, de vez em quando a senhora de nós, tem
que dar na gente uma benziçãozinha. Eu sou uma pessoa que pen-
so só em Deus, só penso em bem, faço caridade, às vezes não tenho
condição de fazer caridade, se precisar de mim eu to ali, não sou
aquela pessoa de apurar, não sou não. Que Deus me dê em dobro o
que eu faço.

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Reza de Dona Lourdes ao benzer:

(Benzendo Sandra): “...Se for pelas costas, Nossa Senhora vai ti-
rando, todos os males que tiver alojado nesse corpo (...) Ave Maria
cheia de graça (...) agora e na hora de nossa morte, amém. Que Nos-
sa Senhora Aparecida cobre seu corpo com o manto maternal, que
Nossa Senhora Aparecida que vá na frente de todo o agouro, toda
inveja e todo ódio e toda maldade. Nossa Senhora que dá o salva-
mento de acidente, de mal olhado, de quebrante, de inveja, Deus te
abençoa e te guarda, Nossa Senhora que te abençoa.

(Benzendo Sônia): Sônia, eu faço assim: eu te benzo de mal olhado,


de quebrante, de inveja (...) da sua vida, da sua família, da sua casa,
do seu trabalho, que Nossa Senhora do Desterro desterre, se tiver
com uma dor de cabeça, uma enxaqueca, uma sinusite, um mau-
-olhado, um quebrante, uma inveja, uma enfermidade, um agouro,
maldade, que Nossa Senhora desterra.

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(Eu sou) Antônio Paulista Rabelo. Paulista é sobrenome. Eu sou mi-


neiro, mas pro lado dos meus avô é que pegou essa raiz de sobre-
nome de Paulista. (Nasci) em Itaguara. Já tem 55 anos que eu moro
aqui em Boa Vista. Sou de 8 de outubro de (19)31. Quer ver minha
identidade?

Como é que eu descobri (que benzia)? Ah, o que é de Deus vem na


cabeça da gente. Vem chegando, sem a gente esperar, vai apren-
dendo as coisas, Deus vai dando a memória sua. Ninguém me en-
sinou nada não. Eu tenho uma irmã que benze, mora lá em Belo
Horizonte. A caçula das mulher. A gente era bastante, agora é só eu
e ela. Ela também benze, mas hoje tá na religião Deus é amor, mas
ela gosta de benzer também. Ela faz oração pros outros também.
Com Deus, né, palavra de Deus, mesmo. 
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Eu comecei a benzer depois, de mais idade, depois que eu mudei


pra cá é que eu aprendi. Eu vou fazer 86 em outubro. Ninguém me
ensinou não. Veio na minha memória. Os anjos de Deus colocou na
minha cabeça. Depois eu vou mostrar vocês o altarzinho que eu te-
nho das imagens. Vou levar vocês lá.

(Se lembrava quem teria sido a primeira pessoa benzida): eu não


to lembrado não. Eu peguei muita gente de Florestal, já benzi um
menino que mudou daqui pra Belo Horizonte, deu cólica nele, ele
sarou, eu benzi ele daqui. Benzo de cólica, de mau-olhado, cobreiro,
vento caído, espinhela caída, que mais? Só isso... Benzeção de den-
te,  de dor de dente, mas tudo é cura de Deus, a gente faz a parte da
gente e põe nas mãos de Deus. 

(Sobre suas devoções) Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora de


Iemanjá. Vou te mostrar a imagem. Você faz uma benzeção de des-
carrego, de madrugada, às vezes a pessoa põe um mal, um descar-
rego, um mal olhado, inveja, essas coisas assim, tem gente que faz
mal pras pessoas em encruzilhada, então você faz aquelas palavras
e não pega, pra Nossa Senhora do Iemanjá colocar nas ondas mais
fortes do mar e levar pro alto-mar os males que tiver na pessoa.

Tem gente que gosta que benze duas vezes, três vezes, mas costu-
ma sarar com  uma vez. Inveja então, atrapalha a vida das pessoas.
A pessoa quando tá sentindo alguma coisa, vem me pedir. Outra

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coisa que eu benzo é erisipela. Com ramo de arruda. Tem a ben-


zeção de São Bento, pra defender das cobra, não gasta ramo nem
nada. A benzeção de mau-olhado a gente benze com guiné, arruda.
E com brasa viva se gente vê na hora se a pessoa tá ou não (com
mau olhado). Se essa pessoa tiver com mau-olhado forte, a brasa
vai pro fundo, a brasa viva no copo dágua, se a pessoa tiver carre-
gado mesmo vai uma atrás da outra pro fundo dágua. Se tiver fraco
costuma afundar, uma, duas, fica uma boiando. Que o que pesa o
carvão pra, pra puxar pro fundo dágua é o mal olhado, é o peso que
tá na pessoa. 

Eu não sei não, tem gente que pega uma fé...tem um sítio ali do
outro lado do asfalto, ali, pessoal vem fim de semana fazer fila pra
gente benzer. É menino, é gente grande. Eu benzo qualquer hora. Eu
acho que pra Deus não tem hora. Eu acredito que pra Deus não tem
dia e não tem noite. É na hora que você chamou por Ele, Deus não
dorme. Acredito que não. Agora tem gente que escolhe hora, depois
que o Sol entra, não pode benzer, eu acho que isso é bobagem. Bo-
bagem, Deus não dorme hora nenhuma. Quando anoitece aqui já
amanheceu noutros estados. O mundo tá funcionando. Deus não
dorme não. Então não tem depois do horário, é quando é preciso.

Um caso mais grave? Já curou de erisipela...erisipela e mau olha-


do. E cólica. Quase toda criança novinha, sabe, quase toda crian-
ça dá dor de cólica.  Esse que eu benzi lá de Belo Horizonte foi de
cólica. Pra cólica benzer não é com ramo, é com palavra mesmo.
E a benzeção de cobra é a oração de São Bento. O genro do casal
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ali  tem um sítio pra dentro de Florestal, então diz que tava apare-
cendo muita cobra até dentro de casa. Ele me levou lá pra benzer lá,
diz que desapareceu as cobra, num voltou mais lá não. E aí o povo
de Florestal (diz rindo), com fé neu, encheu a lista, vem cá e não me
acha. Tem uma lista aqui pra gente ir lá nos sítio benzendo.

(Perguntando se acontece de uma pessoa desejar mal pra outra e


aparecer cobras na casa da pessoa) isso é encosto, né? Acontece.
Cobra é mandada, né. Deus me livre. Cobra não é tão ruim como
o povo diz, “esse sujeito é mais ruim do que a cobra”. Tem gente
mais ruim do que a cobra. Porque a cobra, se você não pisar nela
ela não vai correr atrás docê pra te ofender. Quando ela vê que você
vai pisar nela, ela vai e te dar um bote, né, mas ela tá defendendo
ela igual a gente mesmo defende a gente, né mesmo? Então não é
muito ruim igual o povo fala não. Tem gente que é mais ruim que
cobra, que tem gente que caminha, trabalha, gasta, pra fazer mal
pros outro, quer ver as pessoas na pior, né. Inveja das coisas que as
pessoas têm...

(Perguntado pela quantidade de filhos): ah, tudo? Eram 13. Tudo


com a mesma moça, é uai, acostumada com o tranco. Ela morreu,
faz vinte anos que ela morreu. (Perguntado porque não casou de
novo): tenho medo (rindo). As vezes à pessoa vai pensar que vai me-
lhorar, costuma piorar. Neto, tenho um punhado de neto. Tenho bis-
neto, já tenho também. Tenho um bisneto que eu ainda não conhe-
ço.  Um neto meu mudou pra Estavale, o meu neto, arrumou outro
neto, então ele já é bisneto meu. 

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(Dos filhos). O caçula morreu com trinta dias, os outros tudo criou.
Já morreu alguns, mas é bom contar não, diz que não é bom contar
não, né. Um morreu de acidente aqui no asfalto, trabalhava no Flo-
restal, lá ia embora foi atropelado, né, ah não vou nem falar. 

(Perguntado se tinha algum filho que benzesse): não. Nenhum ben-


ze não. Tem um aí que também não tá batendo muito bem da ca-
beça, não. Ele era tirado a benzedor também, mas ele é da parte da
igreja (evangélica). Do lado do pastor...tudo que é palavra de Deus
é bendição, mas benzer é só eu mesmo. Antes ele ser crente do que
ser uma pessoa na vida, que não tem religião nenhuma, aí é pior.
Qualquer pessoa, com fé, com Deus, é religião.

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Eu comecei a benzer eu tinha doze anos de idade. Eu morava perto


de uma senhorinha de idade, sabe, ela bem velhinha, aí ela falou
comigo assim...olhou, tava um bocado de menina, ela olhou e falou
assim: “você é que vai ser a minha sucessora. Eu vou te ensinar a
benzer, porque daqui a pouco eu morro, aí vai ficar sem ninguém
pra benzer o povo.”. Aí ela me explicou tudo direitinho, me ensinou,
ela foi ditando e eu escrevi, e aí eu decorei, né, e comecei a benzer,
né, antes dela morrer eu já tava benzendo. Etelvina, Dona Etelvina,
bisavó do Chocolate. Aí eu comecei a benzer, e o povo foi tomando
fé, né, e eu fui sarando, e dessa ocasião pra cá eu comecei a benzer
e to benzendo até hoje. 65 anos benzendo. Eu vim pra Juatuba eu
tinha um mês de idade.  Eu nasci em Igarapé e vim pra cá eu tinha
um mês de idade. Sou juatubense.

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(Sobre o falecimento de   sua tutora, Dona Etelvina): tem muitos


anos. Deve ter uns trinta e cinco anos que ela faleceu. Que o Geo-
vanni (filho de Dona Dadá), era pequeno, ela passou lá em casa
com um cachorrinho, e o Geovanni gostou do cachorrinho, ela deu
o cachorro pra ele. O Gordurão. É que ele (o cachorro) era muito
magrinho, aí a gente deu o apelido dele de Gordurão. Depois ele
ficou gordo...tem uns 38 anos. Ela viveu muitos anos. Quando ela
morreu ela já tava com as perninhas tortinha...ela benzia do mes-
mo jeito, as pessoas tinham muita fé, sarava. Com ramo. Ela benzia
na brasa, na brasa eu não aprendi não. (Eu benzo) de quebrante,
de mau-olhado, de aguado, menino pequeno, grande, velho...teve
um dia...eu nunca benzi o olho de ninguém. Aí chegou um senhor
aí, que foi na casa de ração ali, e o moço la, eu benzi o moço e o
moço sarou, né, mas não foi no olho não.  Benzi tudo né. Aí ele falou
assim, “a senhora benzeu o moço, e eu tô querendo benzer que eu
tô com o olho ruim, já fui no médico, já fui no oftalmologista, nada
curou meu olho”. Eu disse, ôh moço, mas eu não sei benzer o olho.
Reza pra benzer o olho eu não tenho. Ai ele disse “a senhora reza a
reza que a senhora reza pros outros aí, que eu tenho muita fé”. Aí eu
rezei, né, a mesma coisa que eu benzi os outros, rezei no olho dele.
Passou uns dias o moço chegou aqui com uma sacolinha com duas
dúzias de ovos: “eu vim trazer esses ovos pra senhora, que meu
olho sarou”. Acho que ele ficou com tanta fé, que o olho dele sarou.
Eu não sabia benzer doença de olho. Agora se vier pra benzer, eu
benzo. Nem sabia que tinha (o dom).

Dona Etelvina me escolheu no meio de um tanto de menina. A gente


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tava brincando de jogar maré, aí ela chamou a gente, olhou, olhou,


olhou...”é você, que eu vou passar meu dom”. E eu comecei a ben-
zer, e peguei gosto com a benzeção e to benzendo. 

(Dona Dadá é questionada se os pais acharam ruim dela começar a


benzer tão menina): não, não achou ruim não. Teve um dia que che-
gou uma colega da Soninha pra eu benzer, ela tava ruim demais. Ela
em vinha de Mateus Leme, ela teve que parar o carro no caminho,
pra não sofrer acidente, pra melhorar até chegar aqui. Aí eu benzi
ela e comecei a cambalear assim, ela perguntou: “senhora tá bem?”.
Tô. Eu tomei dois tombos depois disso. Mas eu benzi ela e ela sarou.
Não era mal olhado não. Era mais pesado que mal olhado. Parecia
que ela tinha uma sombra acompanhando ela.   Tem gente que é
ruim e faz (mal pros outros). Benzeção resolve. A gente precisou de
mais um benzedor, mas ela sarou. Eu falei pra ela vir que tinha que
vir mais duas sexta-feira porque ela tava muito ruim, né, na outra
sexta-feira ela veio e falou assim “hoje a senhora tá melhor?”, ela
ficou preocupada porque tinha uma festa, Soninha (filha da entre-
vistada) tava fazendo um evento e eu não dei conta de ir, só fui no
domingo, não fui no sábado, de tão pesada que tava. Ela ficou sem
graça de vir, e eu, não, vamo terminar, não é.

Agora eu saí, né, encontrei com a menina da Marlene Saliba, ela me


disse assim, “Oh Lourdes, eu não fui acabar de benzer, porque eu
tava com meu avô velhinho, tem que ficar como acompanhante. Aí
eu falei com ela: sexta você vai pra acabar. (Perguntada se pode fa-
lhar uma sexta): pode, pode.

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(Sobre a benzeção com outro benzedor, em conjunto, dependendo


da gravidade do caso): quando tá muito forte, tem que procurar ou-
tro.  As duas ao mesmo tempo, pode. A Carol (neta) desde pequena
(tem o dom).... Um dia eu tava com dor de cabeça, a Carol pôs a
mãozinha, pôs a mãozinha na minha testa...”eu vou rezar”...que ela
vê desde pequenininha...”vou benzer sua cabeça”. Aí ela benzeu a
minha cabeça, a cabeça sarou.

Soninha faz bem pras pessoas de outras formas.

Aí as pessoas que vem de longe, pensa que eu vou cobrar, “quanto


que a senhora cobra?”. Eu não cobro nada. Benzeção não pode co-
brar não. Tá fazendo bem pras pessoa, vai cobrar? 

(Falando sobre a existência de um médico benzedor): Doutor Fares.


Em Mateus Leme. Ele é médico famoso e ele benze. Ele trabalhava
junto com o Chico Xavier. Mas ele é espírita mesmo. É o mais famo-
so  de Mateus Leme. É um milagre consegui ser atendido por ele.
Difícil demais. Ele não abusa no preço da consulta... Se a pessoa
tem dinheiro consulta, se não tem, ele não incomoda. Consultório
dele é lá em Itaúna. O prefeito de Mateus Leme é sobrinho dele (Jú-
lio Fares).  Em Mateus Leme tem o seu Rossino, ele benze demais.

(Perguntada se ela já foi à alguma benzedeira) Não. Eu mesmo rezo


pra mim, quando eu fico mal de benzer as pessoas, eu rezo a minha
reza e vale pra mim, e eu sinto aliviada. (Rezo pra) Nossa Senhora
do Desterro e Sagrada Face de Jesus. Eu faço a novena toda terça

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feira. Eu vou na igreja toda terça-feira, três da tarde. 

(Sobre a manifestação da sua família,se pais e avós se opuseram


em algum momento): nunca. Eu benzia tudo. No começo, eu tava
num entusiasmo, benzendo. Tava até chamando gente pra eu ben-
zer. Depois fui cansando, foi aparecendo gente demais. Doze anos,
eu era criança ainda..aí fui cansando, fui deixando um bocado pra
lá. E tem gente velha aí que eu benzi, quase da minha idade e eu
benzi. Gente que fala: cê me benzeu, quando eu era pequeno. Eu
também era pequena!

Aí eu casei e fui embora pra Valadares. Fiquei pouco tempo lá , fiquei


até quando eu fui ganhar o Geovanni, eu vim embora. Aí quando eu
falava que vinha pra cá, que meu povo avisava que eu vinha, fazia
fila pra mim benzer. E eu com barrigão, esperando neném...sentia
diferença não. Benzedeira grávida! Não, eu benzia, não ligava não.

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- Dona Maria, como a senhora descobriu que era benzedeira?

Pra ser sincera com você eu não sei. Porque eu tinha oito anos. É.
Tinha oito anos. Tinha uma dona que chamava Dona Maria Gene-
rosa, que morava em Juatuba (refere-se ao centro de Juatuba. A en-
trevista foi feita na casa dela, no Bairro de Canaan) . É, a mulher do
“Sógino”, né? E ela benzia e benzia em voz alta e tudo que ela falava
eu aprendia, guardei na cabeça. Nunca mais esqueci. 

E qual foi a primeira pessoa que a senhora benzeu?

Não foi pessoa. Foi uma novilha nossa. Foi. Nós tinha uma vaca
aqui, cê lembra Sandra? (Sandra, profissional da Secretaria de Cul-
tura que acompanha a entrevista, responde: lembro demais!). Pois

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é. E uma vaca nossa machucou por detrás do pé, uma estocada que
ela tomou, e o trem deu bicho, saiu bicho. Caiu bicho. Bicheira. Aí,
já tinha lavado com sabão preto, já tinha posto oléo queimado, já
tinha posto creolina, nada sarava o pé da vaca e aquela bicharada,
sabe, aquela bicharada. Coitada, ela ficava sacudindo a perna. Aí
Padrinho falou assim comigo: essa novilha vai morrer. Ela chama-
va até Roxinha, sabe? Falei: vai nada. Eu vou benzer essa novilha.
Quem sabe ela não morre. Fazer igual Dona Maria Generosa fazia.
Ali onde  é que ela tava ficava aquele poço de sangue, sabe? Então
ela tava com bicheira e hemorragia, né. Eu fui e passei a mão numa
palha e fui benzer de hemorragia, com palha, porque benze com pa-
lha. Aí eu comecei a fazer a oração que Dona Maria fazia, e passando
a mão nela assim, e fui benzendo de bicheira, também. No outro dia
o Padrinho falou: ó, menina! Aquela novilha é sua. Eu falei: porquê?
Ela morreu né, Padrinho? Morreu nada. Não tem um bicho no pé
dela. Aonde é que ela  tava os bicho caía, sabe. A hemorragia cê vai
falando as palavras e vai dando um nozinho na palha, até inteirar
nove. 

Então a primeira foi essa novilha. E depois foi um rapaz com dor de
dente. Sabe? Ele falava assim: nó gente eu não vou aguentar, eu vou
ficar doido de tanta dor de gente. Falei: cê quer que eu benzo ocê?
Acho que eu tinha uns doze anos. Ele ainda riu da minha cara, ele
chamava até Macário. Ele falou comigo...ele morreu de acidente,
coitado. Ele falou assim: que isso, Maria? Cê tá fazendo hora com a
minha cara? Eu falei: não, eu sei benzer, se você guentar. Ele falou:
então benze. Aí eu benzi, o dente dele rebentou, sabe? Que ele ti-
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nha, eles falavam antigamente que tinha bicho dentro do dente, só


que é mentira, né? É. É mentira. É inflamação.  Mas aí estourou pra
fora da boca. Mas nem sinal não tinha, de estourar pra fora. Nem
sinal. Aí eu criei fé, eu sei benzer devera! Oito anos que eu tinha.
Talvez eu  não tinha nem oito certo, parece que eu tava no primeiro
ano de escola, sei lá. Eu tenho meia-nove, minha filha (sessenta e
nove anos). Meia nove. Não, sessenta oito, meia oito. (Sou de) 1949.
20 do 7 de 49. Eu sou de julho. 

E depois, eu lembro direitinho da terceira vez. Foi uma menina,


uma moça que queimou, sabe? Ela queimou perto de mim. Aí eu
já tinha uns 15 anos já. Tinha, porque acho que eu já tava namo-
rando aquele flagelo (refere-se ao marido, já morto)...essa menina
queimou e eu falei com a mãe dela assim: nó, vamo benzer, que
aí não dar empolo (empolamento),não dá bolha. Ela falou assim:
ah, Maria, mas isso não resolve, não. Eu falei: resolve. Eu fui e benzi
ela na água fria, benzeção de queimado é com a água quanto mais
gelada, melhor, né, quando cê termina de benzer, a água tá quase
fervendo. A maldade da queimadura passa pra água, sabe? Não deu
uma embolha. A pele secou assim sabe (faz o gesto de passar a mão
na canela direita). Secou. Ficou preto, mas não deu uma embolha,
não deu uma ferida. E por aí foi. 

(Benzo de) hemorragia, dor de dente, vento virado, quebrante,


mau-olhado, bicheira, cobreiro, erisipela...graças a Deus, aqui em
Juatuba aqui, eu já benzi foi muita gente de erisipela. Aquele me-
nino ali em cima...como que ele chama, Sandra, irmão do Levi, sô?
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Modesto! Modesto. Quando foi outro dia ele chegou aqui em casa
e falou: Dona Maria, eu não tô chorando de vergonha. Eu falei: por-
quê, Modesto? Ele falou: espia a situação da minha perna. Mas San-
dra, eu fiquei horrorizada de ver! Tava roxa, de tão vermelha tava
roxa! É. Ele falou: já tomei muito remédio, já pelejei, uma pessoa
falou que eu viesse aqui. Eu falei: quem falou? Ele: foi enfermeiro,
não lembro quem era não: mas se você tiver fé com benzeção, pro-
cura dona Maria Maia. Aí ele chegou com frio, e eu: entra pra dentro. 
Ali ele sentou aí e eu benzi ele, ma o homem tava tremendo assim
porque dá um frio né! Erisipela dá um frio! Falei: se você puder vir
amanhã, cê vem; se ocê não puder, cê me liga que eu vou lá na sua
casa. Aí ele, quando foi no outro dia ele chegou, todo desinchado, 
uai Modesto, que isso? Ce já tá até andando até bem. Ele falou: gra-
ças a Deus, essa noite eu dormi, como ninguém! Tinha noites que
eu não sabia o que era dormir, de tanto queimar e foliar e doer. Ben-
zi ele três vezes, que ele tava muito ruim. Quando o caso tá muito
ruim tem que ser três vezes. Que benzeção você não pode empatar
a reza. Cê não pode fazer par. Ou é três ou é um. Se eu fizer as duas,
eu tenho que fazer as três, pra fechar a reza. Porque não pode dei-
xar a reza com um empate de dia. 

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Eu aprendi a benzer com a minha mãe. Mal olho, quebrante de


criança também, né. Eu aprendi depois que eu casei, faz 36 anos.
Foi depois (que teve filho). Eu benzo só quebrante, mesmo, adulto,
mal olho, inveja. 

(Perguntada sobre se ela conseguia perceber quando uma pessoa


está “carregada”):

Consigo. Se eu tiver perto de você, e você estiver assim, coisa, co-


meço a abrir a boca sem parar. Eu dava banho na minha mãe, que
ela ficou em coma, nove anos, aí eu peguei e vi uma dona, tadinha,
com uma criança chorando. Aí eu peguei e vi aquela criança cho-
rando e perguntei a ela se ela era evangélica. Ela falou que era não.
Aí eu não falei com ela que eu ia benzer a criança. Chegou aqui eu
benzi a criança. Já tinha levado ela no médico, pra tudo. Aí quando

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foi no outro dia eu fui e voltei pra dar banho na minha mãe, voltei
lá. Aí eu topei com ela e perguntei pra ela: a criança melhorou? “A
criança não tem mais nada, cheguei lá em casa, tinha nada pronto,
arrumei a casa toda.” Mas eu não falei com ela que eu (tinha) benzi-
do a criança não. Ai quando foi outro dia topei com ela e o marido
dela, aí eu falei: eu benzi ele de quebrante. Aí eles pegou e me agra-
deceu. Me agradeceu. 

Já tirei gente na cama, vomitando. O Celinho, da Dona Ivani, ces


conhecem o Celinho, bicheiro? Trabalhava na Iveco...eles achou
que era dengue. Aí eles trouxe ele pra cá, passou ele no médico, não
era. Aí não alimentava, só vomitando, vomitando, não alimentava,
nada. Aí ela(a mãe do Celinho, Dona Ivani) pegou e veio cá e falou
comigo: cê podia benzer ele pra mim. Eu cheguei lá e olhei, falei: ih
Dona Ivani, ele tá com mau-olhado muito forte. Aí eu cheguei aqui
em casa e benzi ele. Aí as brasa afundou tudo, que eu benzo é com
brasa. Aí cheguei lá e passou um pedaço e fui ver ele lá: Dona Iva-
ni, como é que tá o Celinho? “Ah, o Celinho já comeu macarrão, já
tomou um suco, vomitou mais não”. Aí tornei a chegar aqui, que eu
benzo...se a pessoa tiver (com o mau-olhado) muito forte, eu torno
a repetir a benzeção. No mesmo dia. Tem que repetir. Se eu benzer
de manhã, de tarde tem que passar outra benzeção. Aí eu benzi ele,
no outro dia ele foi trabalhar e contou pra todo mundo que quem
curou ele foi eu. Até hoje ele ainda fala “é, Aparecida, eu agradeço
ocê, que foi ocê que me benzeu. Me curou. Tem presente melhor do
que esse não, saúde.

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(Sobre os filhos): eu tenho cinco, um casado e quatro comigo. Qua-


tro rapazes. (E algum deles a senhora acha que vai herdar o dom
de benzer?) Ah, eu acho que não. Eu acho que não. (E a senhora
tem vontade de passar o dom pra alguém?) Ah, tem a minha irmã
também que benze. Alexandrina.. Ela benze aguamento...(mora no)
Bairro São Jerônimo. Ela benze também. Sabe onde é que era o gal-
pão das costureira? Pareia ali, ela mora ali. 

(...) 

(Sobre a forma como a mãe dela benzia) Com brasa. Benzia com
brasa. Minha mãe benzia com brasa, benzia com ramo. Benzo com
ramo também. Benzo com arruda, com guiné. 

Nasci em 1959. 14 de julho de 1959. Em Divinópolis. Sou de lá. Mi-


nha mãe era de lá, né. Vim pra cá eu tinha 10 anos. Meu pai é daqui.
Vim pra cá eu tinha 10 anos. Casei e fiquei aqui. 

(Sobre a forma de benzer: quando a senhora benze, a senhora co-


loca a brasa na água?) É. Se a pessoa tiver com um quebrante, a
criança com quebrante, e o menino, o adulto tiver com mal olhado,
a brasa vai pro fundo do copo. Agora, se não tiver, ela fica toda em
cima da água. Toda em cima da água. Eu tenho fogão de lenha. Eu
benzo aqui mesmo. Sempre tem gente chamando aqui. (E a senho-
ra benze à distância também?) Benzo. Só dar o nome da criança. Eu
já benzi uma menina lá embaixo, cê pode até perguntar a dona, a
dona é lá de Senador, benzi a criança dela, a criança dela tava no

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hospital. Só deu o nome. Aí o médico não tava achando nada na


criança, pegou e falou no outro dia: não, pode levar ela embora, que
ela não tem mais nada não. 

(Energia ruim das pessoas pega no menino?) É...! 

(A senhora acredita que uma pessoa deseja o mal pra uma mãe, e
pega no filho?) Não, pega nada. Só que tem que a mãe e o pai põe
o quebrante, né. É o pior que tem, do pai e da mãe. (E quando a
senhora está benzendo criança a senhora também abre a boca - bo-
cejo -) Abro. Passa pra mim, né? Passa toda pra mim. Eu tiro com ar-
ruda. Eu ponho arruda no seio. A arruda seca.  Na hora que ela seca
eu ponho no fogo. Até estala. Passa tudo pros galho da arruda. A
folhinha da arruda. Eu sempre benzo mais é com brasa, mas se não
tiver arruda, qualquer galhinho serve. Arruda é melhor, né, arruda e
o  guiné, né? Tendo os ramo de arruda é melhor. 

(A devoção da senhora é por Nossa Senhora de Fátima?) Eu tenho.


Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora do Parto, eu tenho ela,
Nossa Senhora Aparecida, (e quando a senhora está benzendo a se-
nhora pede a intercessão de Nossa Senhora?) É...eu peço a São Ro-
que. A minha mãe também era, devota de Nossa Senhora da Con-
ceição. Ela era devota de Nossa Senhora da Conceição. 

(Vídeo 2)

Um dia meu menino tava passando mal, era véspera de Natal: “oh
mãe, eu to ruim queria ir na missa,  mas não to aguentando” Ce tá
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passando mal? “Tô”. Passei a mão nuns ramo de guiné e benzi ele.
Quando eu cacei ele aqui ele tava ó (estala os dedos, num gesto
como “já tinha saído”), sumido. Benzo qualquer dia, tem nada não
a ver não. Tem gente que gosta de benzer com o Sol, antes do Sol
entrar, mas isso não tem problema. Pra fazer o bem, ué. Se a pes-
soa tá passando mal a qualquer hora da noite, se pediu pra fazer a
benzeção, a gente não vai negar, né. A gente não pode negar a ben-
zeção. Tem como negar não. 

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Falando sobre como descobriu o dom de benzer.

A gente descobriu porque toda a vida a gente foi uma pessoa que
acreditou muito em Deus, assim, desde pequena, qualquer proble-
ma que a gente tinha, minha mãe pedia as pessoas pra benzer a
gente, antes que desse algum remédio, né, que talvez, umas coi-
sas simples, com uma benzeção melhora, não precisava de tomar
remédio, porque médico era difícil e tudo, aí a gente...a mãe usa-
va sempre a benzeção, o que ela não sabia, ela pedia outra pessoa
que soubesse. A minha mãe benzia assim, alguma coisa, sabe? Aí,
a gente foi crescendo aquela vocação, mas só a única coisa assim,
que eu sabia, quais as coisas que tinha, e que podia benzer, e minha
mãe sempre falava assim: ela benzia, em nome de Deus, das três
pessoas da Santíssima Trindade e mais nada, que ela não gostava
nem de ouvir falar assim, de espiritismo, de bruxaria, aí eu vim no
mesmo caminho dela. 

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Isso quando eu vim criando os meus filhos, um dia to vendo meni-


no chorando, chorando, chorando demais, eu dei banho nele, ele
tava com três meses, menino ficou roxinho dentro da bacia, a gente
dava banho era nas bacia ainda, né, não tinha banheirinha. Aí ele
foi chorando, chorando, ficou rouquinho. Eu lembro que eu tirei ele
da bacia dágua e só embrulhei ele na toalha, sequei, pus uma fral-
dinha nele e corri com ele pra casa da minha tia aqui em cima, que
benzia, igual eu mesmo, de mal-olho. Aí eu falei assim: o tia Alcina,
vim cá pra senhora benzer ele pra mim, desde de manhã que ele
não mama, já era duas horas da tarde. Ele não quer mamar, nem
nada, só chorando, fui dar banho nele, parece que ia desmaiar, fi-
cou roxinho. Quero que a senhora benze ele pra mim, e eu tava com
a mamadeira dele na mão. 

Aí ela foi benzer ele, quando ela começou a benzer ele, que ela ben-
zia era com brasa, e eu também benzo com brasa e com ramo verde.
Aí ela pegou e começou a benzer. Quando ela começou a benzer,
eu pus a mamadeira na boca dele, ele mamou tudo e dormiu. Essa
hora era duas horas da tarde.  Quando ele acordou era seis horas.
Ele tava com quatro meses na época. Pensei: Nossa Senhora, ele
tá com um mal-olho muito forte. Aí vim embora com ele, quando
ele acordou ele  era outro menino, não era aquele mais. Aí ele já
brincou, já mamou de novo...aí eu peguei e falei com ela: eu quero
que a senhora me ensina essa benzeção.  Porque... às vezes a gente
que tem criança, a gente tá sempre precisando, e também os mais
velhos, vão acabando, a gente precisa de uma pessoa que ensine a
gente. 

Aí eu aprendi de benzer de mau-olho com a Tia Alcina, de mau-olho.


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Aí a benzeção de quebrante, né, é a mesma, de quebrante, inveja,


tudo é a mesmas palavras. Benzo com ramo e benzo com a brasa.
Quando tem fogo, eu benzo com a brasa, quando não tem, eu ben-
zo com o ramo. Que quando a pessoa tá com o quebrante muito for-
te, e benze com a brasa, e as brasas você vai pondo na água e antes
de acabar elas já foram lá pro fundo. Já afundou. E aí você pode até 
empurrar a brasa, não fica uma por cima. Aí você pode ver que a
pessoa tá com um quebrante muito forte, um mau-olho. 

Eu faço a oração, rezo três Pai Nosso e três Ave Maria. Se aquelas
três afundou (se enquanto benzia, a brasa afundou), eu posso con-
tinuar, aí eu rezo mais três, posso fazer em nome do Pai, até nove
vezes. Aí eu faço as três benzeção de uma vez. Aí a gente já sabe que
a pessoa tá com um mal olho muito forte. Aí a gente benze, pedindo
a Deus, o Divino Espírito Santo, as pessoas da Santíssima Trindade,
e ao Santíssimo Sacramento, que a gente pede, em nome do Divino
Espírito Santo que a gente reza.

Sou muito devota de Nossa Senhora Imaculada Conceição Apareci-


da. Ela me curou de tudo. Se tô aqui, agradeço a ela, sabe. Então...
tudo o que eu peço, já até acostumei, qualquer risco que eu cor-
ro, Senhora da Conceição Aparecida! Os crentes não gostam que a
gente fala, mas a gente foi criada desse jeito e eu vou morrer desse
jeito. Meus pais, a doutrina que eles me ensinaram foi a Católica
Apostólica Romana, então eu vou morrer com ela. 

Aí então, eu me senti bem quando eu comecei a rezar assim, eu


mesma benzia meus filho, quando de noite eles chorava, chorava,
não dormia, eu dava uma mamadeira, dava uma coisa dava outra,
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não dormia, eu já levantava e benzia. Eu acendia o fogo, quando


dava umas brasinha pouca eu benzia eles, eles dormiam...Tenho
seis filhos, três homem e três mulher. E seis netos. O mais velho é
o Vander, o segundo é a Tânia, a terceira é a Marisa, o quarto é o
Lúcio, pai de dois netinho que até mora comigo, a quinta é a Liliane
e o mais novo é o Marcelo, um que ficou viúvo há pouco tempo, ca-
sado com aquela Cirley, uma que morreu assim, tem quatro meses
que ela faleceu, eles moram aí no Canaan. Ele é o caçula, tá com 33
anos. 

Eu benzo os netos, benzo as noras. E qualquer pessoa, vem gente lá


de Bicas. Vem dona lá de Bicas, sem eu falar com ninguém, sem eu
saber, vem aqui me pedir pra eu benzer de mau-olho, os meninos. E
eles quando vão embora daqui, já não tem nada mais. Porque não
precisa só de eu ter fé. Eu to rezando com fé, to pedindo a Deus pra
tirar aquele mal da pessoa, né? Mas precisa da pessoa que tá sendo
benzida também ter fé. Acreditar. 

Aí, então assim, muitas já vieram aqui pedir pra eu rezar, se eu rezo
com carta, com baralho, com isso com aquilo, se eu sei tirar espírito
dos outros. Eu não gosto nem que falem disso comigo! Não é ben-
zeção. Outros perguntam “você benze dia de sábado e domingo, diz
que não pode”.  Eu falei: não pode? A palavra de Deus não tem hora
procê falar ela. Não é mesmo? A palavra de Deus não tem hora e
nem dia. E Jesus também curou num sábado. Então, qualquer hora,
a pessoa chegou aqui, tá precisando, eu benzo a pessoa na hora.

Aí eu benzo de mau-olho, de espinhela caída, eu benzo até de mor-


dida de cobra. Picada de cobra. Benzo de torção, que é aquele que
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cose com o novelo, né. Pra coser, que a gente fala, de destroncado,
é com o novelo de linha, grande assim. E tem gente que tem até
medo quando diz que vai coser, acha que vai furar, mas não é. Aí 
meu padrinho Alcides, irmão do meu sogro, que tá muito velhinho,
tá com 96 anos, ele já não lembra mais, e ele sabia todas as benze-
ções. Aí eu pedi ele pra me ensinar. Ele falou: tenho uma caderneta
aí. Pois então o senhor me empresta a caderneta do senhor que eu
vou copiar. 

Aí eu falei assim: os mais velhos vão acabando, não vai lembrar


mais. Quem benzia de picada de cobra, era o Alcides, e meu sogro
Juvenal. Depois meu sogro foi ficando velho, não lembrava de nada
mais, o Alcides tá do mesmo jeito, eu falei: eu quero que o senhor
me empreste o livro do senhor, pra mim copiar, o senhor me em-
presta? “Empresto, tá precisando muito de mais gente aqui, por-
que, ó, nós vamo embora, ó (faz com as mãos um gesto como de
desaparecimento).” 

(Sobre a identificação de quem possa lhe herdar o dom: a senhora


já identificou em algum dos filhos, o dom?)

Não. Aí eu fico assim... tem hora que eu to até deitada, dormindo,


tarde, às vezes chega um do serviço, e fala “ô mãe, fulano de tal
mandou falar pra senhora benzer o menino dela que ele tá passan-
do mal, queria que a senhora benzesse”.  Eu levanto na mesma hora
e vou benzer. Então seja a pessoa que for, diz ela que mandou ben-
zer, é porque é crente (acredita na benzeção). E tem que ter o dom.
Se não tiver o dom não adianta. 

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Benzo à distância. Quebrante, mau-olhado, inveja, eu benzo de


longe. Só a pessoa me ligar, falar o nome, tem que ter o nome da
pessoa. Ai o padrinho Alcides me passou, aí agora  hoje em dia eu
aprendi a benzer de hemorragia, de cobreiro, o cobreiro só cura com
benzeção mesmo. Dor de dente, há muito tempo já que eu benzo
de dor de dente, então, essas (são) as benzeção, assim que a gente
reza com a palavra de Deus, não usando as bruxarias nem nada. 

(Sobre o episódio em que uma senhora a procurou para resolver


uma questão conjugal, não relacionada ao ato de benzer:)

Aí igual eu to te falando que essa Dona de Boa Vista veio, aí eu falan-


do com ela que não era eu (quem fazia “trabalhos”), ela falou assim
“uai, aquele menino falou assim que a senhora é que benze”. Aí eu
peguei e perguntei pra ela: uai, mas deixa eu te perguntar: de que
que é que você queria que benzesse? “Ah, eu queria tirar esses trem
mal que tá nimim, essas coisa ruim, meu marido separou de mim, tá
jogando tudo que é coisa ruim nimim. Aí eu to lá no meu alpendre,
minha varanda assim, aí eu to vejo ele toda hora, lá. Eu quero que
a senhora tire ele, mande ele embora. Eu falei: então não é eu não.
Não é eu mesmo! Aí eu falei: ó, se a senhora precisar que eu benze a
senhora de um quebrante, um mal-olhado, uma espinhela caída, eu
benzo qualquer pessoa, pode vir aqui que eu benzo com toda a boa
vontade, mas isso aí não é eu não. Isso aí não sou eu. “Então quem
aqui que benze?”, respondi: nem sei explicar. Eu falei pra senhora
que eu não sei benzer por isso.  Que eu não conto pras pessoas que
eu benzo. As pessoas ficam sabendo de um do outro, que veio cá
e eu benzi, e tudo, mas eu não conto, que nem todo mundo tem ...
acha que eu benzo nesse sentido, o mal, colocando mal nas pes-
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soas, quer fazer o mal pra uma pessoa, pra outra, isso não, isso não
é comigo. Ai ela disse “então cê me benze de mal-olho, mesmo?”.
Benzo. 

Aí ela veio aqui, eu benzi ela, “ah, semana que vem vou trazer minha
colega, procê benzer ela de mal olho”. Falei: se for só de mal-olho, cê
pode trazer, mas de outras coisas não precisa não, que eu não sei.
Isso eu não sei. A única coisa que eu rezo é pra dar alívio pra uma
pessoa que tá sentindo uma dor, né, tá sentindo uma dor, a pessoa
tá passando mal, alguma hemorragia que não tem recurso, aí eu
faço aquela benzeção, pedindo à Deus, à Nossa Senhora, né, ao Di-
vino Espírito Santo, pra dar alívio pra aquela pessoa, se é pra fazer
bem pra pessoa, quem que não faz, né? Eu sabendo, eu to disposta
a fazer, mas pra fazer mal aos outros, não vem não, que eu não sei
mesmo. Isso eu falei mesmo pra dona. Aí ela não trouxe a colega
dela não, ela queria era pra outra coisa. 

(Falando sobre o tipo de ramo pra benzer)

Sendo um raminho verde, qualquer raminho serve. Tem hora que


benzo com folha de laranja, com folha de limão, com as folhinha
de funcho, igual no livro mesmo que eu copiei, falava: pode benzer
com folha verde, com raminho verde, aí não consta qual o raminho.
Até murcha. O ramo verde, eu sei quando a pessoa tá com quebran-
te ou mau-olhado, porque cê panha ele, ele tá aquele ramo viçoso,
quando cê acaba de benzer ele tá murchinho. É. E as brasas, quan-
do você vai jogando na água assim, quando tá com quebrante, an-
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tes de você acabar a oração, aquilo vai, tchuuuuuuum, lá pro fundo


da vasilha. Aí inteira as três.  Aí eu pego e faço o Glória ao Pai, faço a
jaculatória, aí vou jogando, aquilo faz, tchuuum, tchumm,  vai tudo
pro fundo, vai até afundar.  Agora quando não tá, eu posso ir jogan-
do ele,  não afunda um.  Às vezes é uma enfermidade, uma outra
coisa, né. Aí você joga lá, do jeito que cê joga, ela fica. Aí eu falo: ó,
eu benzi, mas cê tá não é com quebrante nem mal-olhado. Vai no
médico pra ver. 

(Sobre como alivia a carga após benzer: depois de benzer, a senhora


se sente pesada?)

Sinto. Aí me dá muita dor de cabeça, minhas vista fica assim, arden-


do, fico abrindo boca, a gente  abre demais a boca (boceja). Um dia
desses eu benzi e fiquei abrindo boca sem parar. Aí eu rezo e peço
pra Nossa Senhora do Desterro: Nossa Senhora do Desterro, assim
como a senhora desterrou o mal que tava naquela pessoa, a Senho-
ra vai desterrar esse mal que veio pra mim. Aí rezo uma Ave Maria,
e prontinho. A Mãe (referindo-se à Nossa Senhora) é tudo. Qual é a
mãe que não acolhe o filho? Então é isso. 

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Como é que a senhora descobriu que era benzedeira?

Oh meu pai...e agora? Eu não descobri que eu era benzedeira não.


Que a minha mãe era. Aí antes dela falecer, ela tava internada no
hospital, e o médico já tinha dado poucos dias de vida pra ela. Aí ela
passou tudo pra mim. E ela pegou e falou comigo que eu tinha que
continuar. Ela chamava Custódia Rosa Gomes. Aí peguei e comecei
a fazer o trabalho dela, e agora vem muita gente aqui. Ela morreu já
tem uns dezoito anos. Eu já era bem grande. Enquanto ela viveu, eu
não benzia, porque ela benzia pra mim. Aí ela benzia os meus meni-
no, benzia a gente, aí ela que benzia. Aí quando ela adoeceu, ficou
bastante ruim, aí ela passou a benzeção dela pra mim.

Na hora que ela passou pra mim,e as pessoa ficou sabendo, e co-
meçou a vir, e vinha, e falava que era pra mim benzer, falava o que
que sentia, aí eu fazia as minha oração, que ela me ensinou, e aí as
pessoas praticamente já saiam daqui bem. Eu benzo de quebrante,
mau-olhado, espinhela caída, torção, aguamento e cobreiro. 

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(Perguntada se foi Dona Dadá, benzedeira do Centro de Juatuba,


que a ensinou a benzer de aguamento)

Foi. Ela que me ensinou. E incrível, as orações que a gente faz, né, e
as pessoas saem e falam que se sentem bem, muita gente fala que
ficou bem. Eu gosto de benzer com guiné. Eu acho que a ruindade
que tá na pessoa passa pra aquele raminho, que até murcha.  Vira
a folhinha pra lá. Eu benzo qualquer hora, precisou, qualquer hora.
Eu benzo três vezes. Eu benzo uma vez, se a pessoa não melhorar,
ela volta, ou no dia seguinte, ou no dia que ela puder voltar. Por
exemplo, veio aqui hoje, eu benzi, amanhã se quiser voltar, pode. Se
vier até no sábado, meio de semana não puder vir, pode vir. Aliás,
eu vou falar com cê um negócio: a oração, ela não tem dia marcado.
A hora que você rezar, se você rezar com fé, e você ter fé naquela
oração, você fica bem. Não é?

Como é que faz? Por exemplo: cê torce o pé. Sábado. Aí no domingo


cê vem aqui, só porque eu não faço dia de domingo eu vou deixar
sofrer? Tem jeito não, uai. Qualquer hora. Pra Deus nada é impossí-
vel. Igual eu falo, eu não sei fazer nada não, quem faz é aquele lá de
cima. Eu só faço a oração. Primeiro eu peço ao Divino Espírito Santo
pra me iluminar, pra me dar força, né, pra mim poder fazer  a oração
bem, pra aquela pessoa ficar bem também. Aí depois eu entrego
ao Pai. Assim que eu acabar de te rezar, ó pai, seu nome qualé que
é? (a entrevistadora responde: Simone) Simone tá em suas mãos, o
Senhor que vai cuidar dela pra mim. Aí a pessoa talvez no dia nem
volta talvez, aí se eu eu topar com a pessoa na rua, eu falo: porque
que cê não voltou? “Ah, não voltei porque não precisou.” Aí acon-
tece essas coisas assim. Às vezes a pessoa já sai daqui de casa, a
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pessoa já fala: “já não tenho nada, aquilo que eu sentia, já acabou”. 

Quando a pessoa tá muito carregada, eu fico passando mal. Eu sin-


to assim, aquele mal, daquela pessoa, passou pra gente. Mas na fé
que a gente tem em Deus, a gente vai fazendo as oração e vai sumin-
do devagar. Eu benzo (a si mesmo), se eu precisar eu benzo. Deus é
forte, Deus é maravilhoso. Porque eu, vou te falar a verdade, eu não
tenho poder pra nada não, minha filha. É Deus que tem. Eu faço as
minha oração e coloco na mão dele. Eu falo: oh Pai, a partir desse
momento o Senhor faz a obra. Porque eu não tenho poder pra nada,
mas o Senhor tem. E ele põe a mão e coloca, e aí a pessoa fica bem.
Os menino chega aqui, enjoadinho...no colo da mãe. Quando eu
faço as orações, já desce e vai brincar. A mãe sai numa felicidade...é
Deus, só Deus mesmo. Né eu não!

Comecei a benzer os meus. Eu tenho três. Minha caçula tá com 36


anos. Eu acho que a minha netinha (vai herdar o dom). A filha da Ta-
mara. Ela...eu peço ela pra me coser, às vezes uma dorzinha no joe-
lho, eu falo com ela. Ensino ela. Ela já faz direitinho. Ela tem 7 anos.
Ela fala as palavras direitinho, e é Deus mesmo, que assim que ela
termina, acaba a dor. É incrível! Eu acho que ela tem o dom. E a mi-
nha menina quebrou o pé, né. A Mara. Ela quebrou o pé e o pé dela
ficou assim (mostra com os dedos), um osso longe do outro. Aí eu
cosi o pé dela, os dia tudo, que eles não enfaixou, nem pôs nada no
pé dela, nem engessou nem nada. Aí eu rezei o pé dela. Aí quando
ela voltou lá, eu achei que eles ia falar alguma coisa com ela, falou
não, que vai curar naturalmente

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Esse negócio de gravar e tirar foto é que é uma dificuldade...

A Igreja mesmo não aceita isso, né. A Igreja, como diz...acha que
isso aí...eu acho que a maneira que a pessoa busca a benzeção é o
momento de fraqueza, né. 

(Como a senhora descobriu que era benzedeira?)

Desde criança né? Como diz, tanto faz o lado do meu pai como o da
minha mãe, são benzedores. Então eu cresci no meio, de isso de ir
vendo. E assim, pra ser sincero com você, do nada, eu tive aquela
vontade de rezar. E através disso, eu sonhava muito, rezando, as-
sim,era umas coisa assim, pra gente contar, muita gente não acre-
dita, e pra gente ficar contando assim, fico constrangida, e é uma
coisa da gente, as coisas assim, dá a impressão que é comércio, e
assim, eu sonhava muito, e rezando, sabe? E até hoje eu sonho mui-
to com Nossa Senhora. Então eu sonhava como que eu tinha que
rezar pras pessoas. Então desde pequeno eu via meus tios, minha

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avó, tudo rezando. Aí eu falava: eu quero rezar. “Não, cê não pode


rezar não que cê é muito menina”. Tá, então eu saía e brincava, vou
rezar pra fulano. Aí eu falava pra minha irmã: vou rezar nocê. Só que
assim, eu rezava uma Ave-Maria,pronto, só isso, brincava, né. Aí do
nada eu sonhava, tipo assim, cê chegava perto de mim, e da ma-
neira que eu ia rezando, quando eu tava te benzendo, na hora que
eu ditava, eu começava a interceder procê, já vinha aquela oração
que eu tinha que rezar procê. Então era uma coisa que eu não sei
te explicar direito como que era realmente isso, coisa assim. Aí foi
crescendo, foi crescendo, e aí que eu comecei mesmo a rezar.

Ah, já tava com mais de 20 anos quando comecei. E foi até agora,
mais velha assim (Dona Ângela não benze mais). Começava a ben-
zer desde de manhã até 10 horas da noite. O dia todo benzendo.
Então assim, era muita gente, e eu tive que parar porque eu acho
assim: o bem e o mal não trabalha junto. Então as pessoas começa-
ram a misturar muita coisa com bruxaria, feitiçaria, esses trem. En-
tão assim, acho que não existe, macumba...o maior mal que existe
nas pessoas é a inveja. Sabe, isso aí que mata, que leva a perdição
das pessoas, a inveja. “Ah, que vou fazer feitiçaria, que vou mandar
fazer...”. Não existe isso. Então assim, às vezes a pessoa que tá do
seu lado, que tem a maior inveja, o que te destrói é isso. Se você
tem uma fé grande em Deus, acho que qualquer pessoa, você,  ela,
falar vou benzar pra você (dá a entender que o ato de rezar pelo
outro é bom, independente de haver um dom). Então a sua fé, em
interceder a Deus, você consegue fazer qualquer coisa. Falar, “ah,
porque eu tenho o poder de saber...” ninguém tem. Ninguém tem.
Então as pessoas que  benze aproveita muito da boa vontade e da
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falta de fé das pessoas, sabe? Então a partir do momento que você


chega perto de mim, você já tá com seu espírito fraco, você já tá
triste, então você já tá em busca daquilo que é uma coisa de alívio. 
Então se você chega perto de mim, e acha que eu to forte, então o
que eu vou fazer? Eu vou abusar da sua boa-fé? Isso é o que acon-
tece. Então é muito fácil você querer engalobar as pessoas. Eu falo
porque eu benzo, se eu quisesse usar a religião, a benzeção, através
de dinheiro, Nossa Senhora. 

E tem muita gente que faz isso! E as pessoas estavam misturando


muito isso! Então em vez de querer que a gente rezasse já tava mis-
turando aquilo. Não, não é por aí.  Sabe? Então as pessoas acha
muito mais fácil eu te pedir pra rezar por mim do que elas mesmo
se rezarem. É a minha fé com a sua, elevando a Deus, que a gen-
te consegue a graça. Não é uma pessoa sozinha, ali. Muitas vezes
as pessoas falam “ah Angela, eu quero que você reze porque a sua
fé...”. Não, não é assim.  

A gente tem as orações, que reza, mas só que a pessoa às vezes não
sabe o tamanho da fé que ela tem. Não é eu que vou fazer...mas
muita gente tá usando isso. Quem benze fala “Eu que curo, eu que
faço...”. Não é isso! Não existe isso. E tá usando muito isso, usando
a boa-fé das pessoas. Igual aquela pastora, que diz que meia hora
é trezentos contos, e diz ela que ainda revela, e faz tudo, mil e qui-
nhentos... 

E é tão bom, eu sinto tão bem quando alguém fala: “reza por mim?”.
Acho que é tão bom, você rezar,  interceder a Deus pela aquela pes-
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soa, e ajudar, e sentir aquele alívio...Eu acho que quando a pessoa


chega perto de você, ela precisa de oração. Ela quer ir em busca
de ajuda. Ela sente tanta aliviada, ela sente tanta fé, eu acho que o
trem é tão rápido, que às vezes a gente tá rezando pras pessoas, e
elas falam “Ó, eu já melhorei”. Olha procê ver? Então é a fé das pes-
soas, não é a gente que curou, fez milagre, é a fé das pessoas. 

Geralmente vem procurar por mal-olhado, quebrante, às vezes tá


sentindo alguma coisa, então assim, é tanto assim, às vezes eu sen-
tia até comovida, tinha tanta fé, que às vezes até mesmo pra con-
versar, porque eu falo demais, eu converso demais, e graças a Deus
eu tenho  o dom de escutar, e às vezes eu não pedia pras pessoas
contarem nada pra mim, então elas tinha aquela vontade de sentar 
e conversar, tinha gente que nunca me viu na vida que chegava e se
abria. Eu falava gente: cês não me conhecem, pra contar isso tudo
pra mim. Mas tinha aquela certeza que...”não, eu me sinto bem”
(em contar). Que muitas vezes as pessoas querem que alguém es-
cuta, muitas vezes a gente salva uma vida só de ouvir as pessoas
falar. Que às vezes  a gente tá magoado, só de a gente escutar, inda
mais que eu rio à toa, distraio. É muito bom, sabe. 

Só que agora, no momento, eu já dei uma parada, acabou que eu


adoeci, é muita coisa que a gente pega. Pra aliviar, a gente tem que
rezar...todas as pessoas tem uma mania, então quando vocês fo-
rem rezar, reza pra vocês primeiro, pra depois você rezar pra outras
pessoas que vocês querem rezar. Vocês tem que fortalecer vocês
primeiro. 

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Primeiro eu tenho que fortalecer eu primeiro. Eu tenho que rezar


pra mim mesmo, é a mesma força são vocês. Se vocês querem rezar
pro filho, namorado, pai, mãe, vocês tem que rezar pra vocês pri-
meiro. Realmente às vezes a pessoa tá com tanta coisa negativa, tão
coisa, assim, que pega aquela carga muito forte que as pessoa tem. 

É a mesma forma pra quem a gente quer rezar. Eu rezo com o terço.
Eu geralmente gosto que benze três vezes. Porque a pessoa, depen-
dendo, já rezo uma vez só. Quando a pessoa fala: “posso voltar de
novo?”. Pode, se você se sentiu bem, pode voltar.  As vezes a pessoa
veio na segunda, pode voltar na quarta, vai de (cada situação)...a
pessoa querer. Antes quando eu benzia, eu gostava assim, bom já
que não dá pra você benzer, eu já começava, fechava o corpo da
pessoa e depois terminava daqui de longe. É que a gente intercede
pelas pessoas à distância, não precisa tá ali junto, sabe? 

(Quanto à restrições de hora para benzer).

Não...vai (conforme) a fé da pessoa. Sabe? Se a pessoa tem aquela


fé...benzo de noite. Quando eu benzia, até as 10 horas da noite eu
rezava. Ficava esgotada, mas eu gostava, eu sentia bem de ver as
pessoas bem. Eu acho que não tem coisa melhor do que cê ver a
pessoa bem. Se você puder fazer o bem, é bom demais. É a única
coisa que cê vai levar daqui é só o bem que cê vai fazer. O que cê pu-
der fazer, semear, e fazer pros outros, é só o bem, só isso. Inda mais
o mundo que nós tamo vivendo hoje, a falta de carinho, a falta de
respeito, as pessoas tá tão carente de amor, carente de fé. 

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Mas o que é benzer, mesmo?

Benzer é evocar a proteção divina sobre o que (ou quem) está sendo
benzido. Benzedeiras e benzedores são unânimes: a força e o sen-
tido do ato de benzer estão em Deus, não em quem tem o dom de
benzer. Esta premissa é parte essencial do processo de benzer: um
dom dado por Deus, que não pode ser comercializado nem negado
à quem necessitar, e que, apesar de ser executado prioritariamente
a pessoas católicas, não está relacionado à religião em si, mas no
ato de querer fazer o bem à outra pessoa, porque que quem se dis-
põe à benzer doa seu tempo, seus ouvidos e seu conhecimento à
quem está sendo benzido.

O processo de benzer envolve três sujeitos: Deus, como agente da


cura/melhora; quem benze, como instrumento da vontade divina; e
quem é benzido, como receptor da benesse divina. Outras pessoas
podem participar do processo (por exemplo, a mãe que leva a crian-
ça para benzer), bem como é permitido, normalmente, que o benzi-
mento seja assistido.

No mais das vezes, é uma ação cotidiana, embora de conotação


sagrada, mas que está inserida no dia-a-dia de quem benze e de
quem mais morar na casa. Talvez pela peculiaridade de trazer cer-
ta quietude ao espírito de quem está sendo benzido, mesmo nos
locais onde há algum ruído durante o benzimento, percebe-se que
não há interferência significativa no processo (excetuando, é claro,
situações extremas).

A forma do desenvolvimento do processo também segue um pro-


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tocolo básico: ao procurar a benzedeira ou o benzedor, a pessoa


descreve o que está sentindo. Como faria um médico atento e preo-
cupado, quem irá benzer ouve atentamente a queixa de quem o
procura: o diagnóstico e a forma de benzer dependerão deste rela-
to. Nenhum benzedor ou benzedeira demonstra pressa ou ansieda-
de em nenhuma etapa do seu procedimento, de modo que o ato de
cuidar do outro já começa pelo simples fato de ouvir o outro, com
calma e interesse.

Feito o diagnóstico, normalmente o benzedor concentra-se um ins-


tante para elaborar como será feito a benzeção. Excepcionalmen-
te existem benzedores concentrados em um só tipo de benzedura,
mas não é o usual.

Normalmente não há um lugar especifico para o processo de ben-


zimento, embora haja algumas restrições pontuais: Dona Lourdes,
do distrito de Boa Vista, por exemplo, não benze em lugares fecha-
dos, para que o mal possa se dissipar. Normalmente os benzimen-
tos ocorrem onde a pessoa foi recebida socialmente na casa de
quem benze: na sala ou na varanda. Quando o benzedor vai à casa
de quem precisa ser benzido (por exemplo, pessoas acamadas), o
benzimento ocorre no cômodo em que a pessoa a ser benzida está.

Feito o diagnóstico, o benzedor, quando usa de algum instrumento


(ramos de alecrim, arruda, guiné, mamona e demais ervas, terço,
barro de caixa de marimbondo, facas, velas, água, brasa), toma-o à
mão para iniciar o processo. No caso dos benzedores que só usam
a imposição das mãos, esta etapa não ocorre e o benzedor se posta,
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concentrado, à frente de quem será benzido.

Quem benze normalmente permanece de pé, enquanto quem é


benzido pode estar de pé ou sentado (só se a pessoa a ser benzida
estiver doente a ponto de não poder se sentar, é que ocorre o benzi-
mento com a pessoa deitada). Investido do poder que lhe é conce-
dido por Deus, o benzedor invoca Deus, Nossa Senhora e os santos
de sua devoção numa prece específica (que pode ser herdada de
outro benzedor/benzedeira ou pode ter sido criada por quem está
benzendo).

Entre orações, jaculatórias, imposição de mãos ou dos objetos usa-


dos durante a benzeção, normalmente pronunciados em tom quase
inaudível, estabelece-se uma integração entre quem benze e quem
está sendo benzido. A pessoa que está sendo benzido precisa acre-
ditar não só na sua própria fé, mas na capacidade de quem benze
em ter recebido, de Deus, o poder de ser instrumento de cura. Ben-
zedores e benzedeiras são unânimes em afirmar que benzeção só
funciona para quem acredita.

Enquanto quem benze faz sua evocação ao Divino, pedindo pela


pessoa benzida, a postura mais comum de quem está sendo ben-
zido é permanecer de olhos fechados – não é uma imposição de
quem benze, mas normalmente é uma forma de concentrar-se no
processo sinérgico que conduz a cura ou a melhora que se pede do
benzedor para quem está sendo benzido. Durante esta etapa do
processo, é normal que o benzedor sinta calafrios, arrepios ou mes-
mo alguma dor muscular – sinal de que o mal está sendo extraído

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de quem está sendo benzido.

Alguns benzedores, como Dona Lourdes, preferem não usar ne-


nhum instrumento durante a benzeção, para que possa sentir, com
fidelidade, o que aflige quem está sendo benzido. Dona Efigênia,
por sua vez, afirma não sentir nada nem temer que o mal passe a
outra pessoa, pois benze com o terço, que absorve todo o mal. Dona
Joana e Dona Benedita, que benzem com ramos, percebem que o
raminho vai esmaecendo à medida em que a benzeção é feita. Em
alguns tipos de benzeção, é necessário que a pessoa que está seja
benzida responda às perguntas da oração pra concluir o processo.
É o caso da benzeção que Dona Efigênia faz para carne quebrada,
por exemplo.

Enquanto a reza é falada, quem benze normalmente tem um ges-


tual específico, contudo alguns gestos são usuais nos benzedores: a
imposição das mãos, o ato de “passar” o objeto usado na benzeção
próximo ao corpo de quem está sendo benzido, “rodiar” a pessoa
que está sendo benzida, para benzê-lo pela frente e pelas costas, e,
quando a benzeção exige, perguntar e aguardar a resposta de quem
está sendo benzido. Normalmente não há um contato físico expres-
so entre o benzedor e quem está sendo benzido neste momento.
Quando o benzimento é feito em criança com quebrante, o contato
físico entre o benzedor e o bebê pode ser mais perene, porque o
benzedor pode tocar os pés ou a moleira da criança padecente.

Findado a parte falada do processo, o benzedor se concentra breve-


mente, como se retornasse do sacerdócio de ser um instrumento da
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fé, e, quando é o caso, prescreve os procedimentos a serem segui-


dos. Estes procedimentos podem englobar um numero específico
de benzições, uma ação específica (por exemplo, o acendimento de
uma vela para o anjo da guarda da criança), ou mesmo o uso de al-
gum medicamento medicinal (como, exemplificadamente, chás ou
emplastros). A etapa de prescrição de medicamentos pode ou não
fazer parte do processo de benzimento: muitas vezes, além dos sa-
beres relacionados ao ato de benzer, quem benze também conhece
das peculiaridades da medicina não-alopática, relacionada ao co-
nhecimento empírico trazido pela ancestralidade ou pela própria
experiência. Outras vezes, conhece procedimentos profiláticos de
comprovada eficácia, como a benzedura contra queimaduras de
Dona Maria Maia, do bairro do Canaan:

E depois, eu lembro direitinho da terceira


vez. Foi uma menina, uma moça que quei-
mou, sabe? Ela queimou perto de mim. Aí eu
já tinha uns 15 anos já. Tinha, porque acho
que eu já tava namorando aquele flagelo
(refere-se ao marido, já morto)...essa menina
queimou e eu falei com a mãe dela assim:
nó, vamo benzer, que aí não dar empolo
(empolamento),não dá bolha. Ela falou as-
sim: ah, Maria, mas isso não resolve, não. Eu
falei: resolve. Eu fui e benzi ela na água fria,
benzeção de queimado é com a água, quan-
to mais gelada, melhor, né, quando cê ter-

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mina de benzer, a água tá quase fervendo.


A maldade da queimadura passa pra água,
sabe? 

O uso de água fria para aliviar queimaduras é amplamente reco-


mendado pelos profissionais da saúde.

No que concerne ao uso dos objetos durante a benzeção, quando


são usados ramos, por exemplo, ao final da benzedura as plantas
absorveram o mal do qual a pessoa padecia, e por isso estão mur-
chas, desvitalizadas, e normalmente o benzedeiro/benzedor não
permite que este ramo seja tocado, descartando-o conforme lhe
parecer mais adequado (no fogo ou em água corrente, por exem-
plo). Mesmo processo se dá para quando a benzedura utiliza água,
brasas, faca ou velas.

As plantas normalmente são cultivadas por quem benze na pró-


pria casa, sendo extremamente comum a existência de hortas nos
quintais das casas de benzedores e benzedeiras. Quanto ao uso de
materiais não consumíveis, como terços e facas, cada benzedor
normalmente tem o seu instrumental específico para o benzimento
– que pode ter sido herdado, doado ou comprado, bem como pode
ter sido abençoado religiosamente (por um padre ou um precep-
tor).

Em relação ao cronograma do ato de benzer, há benzedores que


não benzem em determinado dia da semana (normalmente, no do-
mingo); e outros que não benzem depois do pôr do sol. Quem não
benze aos domingos pode abrir uma exceção, se as circunstâncias
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exigirem. Há, outros, contudo, que não tem qualquer restrição de


dia ou de hora.

O número de vezes que a pessoa deve ser benzida (normalmente,


de uma a três vezes) e a periodicidade (em dias seguidos, no mes-
mo dia da semana, às vezes duas vezes no mesmo dia e uma vez no
dia seguinte) também variam conforme a necessidade da pessoa a
ser benzida, o conhecimento e a forma de condução do processo,
por cada benzedor.

No processo de benzimento, há um processo análogo ao de produ-


ção (o ato de benzer propriamente dito), mas não há uma processo
de circulação e consumo, como ocorre com outros bens culturais
imateriais. O fato de inexistir qualquer relação econômica no ato
da benzeção (para quem benze, receber por isso é um sacrilégio)
faz com que o ato de benzeção não possa ser relacionado à outros
saberes e ofícios que, ao final do processo, geram um produto. A
finalidade do benzimento é a melhora da saúde (clínica ou psicoló-
gica) de quem é benzido.

Quando o município se desenvolveu demograficamente, em mea-


dos dos novecentos, contextualmente, o benzedor ou a benzedei-
ra chegavam onde o poder público (representado pelo sistema de
saúde pública) não chegava.

A medicina não dispunha de medidas profiláticas - como vacinas


e soros anti-veneno, por exemplo – nem sob o ponto de vista da
disponibilização das tecnologias, nem sob o ponto de vista da dis-
tribuição e acesso aos recursos médicos. A uma pessoa picada por
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cobra ou com uma contratura muscular, não havia outro recurso se-
não os saberes tradicionais disponíveis.

Contudo, não foi só na Juatuba do século passado que as benze-


doras e benzedeiros tiveram uma importância peculiar na vida das
pessoas. O acesso aos serviços de saúde não diminuiu a ação dos
homens e mulheres que benzem no município. Pelo contrário: são
ações complementares. Na fala de quem benze, uma afirmativa é
constante: se a pessoa estiver padecendo de um mal que só a me-
dicina alopática, tradicional, puder curar, a benzeção pode trazer
algum alívio, mas não cura. Por outro lado, aquilo que só pode ser
tratado por benzedura, não se cura com a medicina ortodoxa sozi-
nha.

O benzedor ou a benzedeira tem uma noção muito nítida de ser um


instrumento de uma força divina, sobrenatural, e sua posição nor-
malmente é de servidor – de Deus e da comunidade à qual benze.
Quem cura é Deus. O saber dos médicos, por sua vez, não é des-
prezado pelos benzedores, tampouco seus recursos. Os próprios
benzedores fazem uso dos recursos médicos disponíveis. E são,
muitas vezes, incentivadores da comunidade, na busca de cuidados
médicos. Em Juatuba ainda não há nenhum programa que integre
as ações de saúde pública e os benzedores, como ocorre em São
João do Triunfo e Rebouças (ambas no Paraná), por exemplo, onde
as benzedeiras são reconhecidas como agentes de saúde pública
desde 2012. Curiosamente, há relatos das benzedoras benzendo
silenciosamente pessoas adoentadas em espaços públicos. Dona
Joana já benzeu uma desconhecida num posto de saúde. Dona
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Benedita benzeu de “sol na cabeça” uma moça dentro do ônibus.


São ações do ato de cuidar que nada têm a ver com a religião em si
(qualquer que seja), mas com o ato de benfazer. Dona Gercina, por
sua vez, relata que acontece de benzer com brasa, e ao final per-
cebe que a pessoa precisa de tratamento médico: “Às vezes é uma
enfermidade, uma outra coisa, né. Aí você joga (a brasa na água) lá,
do jeito que cê joga, ela fica. Aí eu falo: ó, eu benzi, mas cê tá não é
com quebrante nem mal-olhado. Vai no médico pra ver. “

O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece, desde janeiro de 2017, te-


rapias alternativas, como meditação, arteterapia, reiki, musicotera-
pia, tratamento naturopático, tratamento osteopático e tratamento
quiroprático, dentro das possibilidades da Política Nacional de Prá-
ticas Integrativas e Complementares em Saúde. É pertinente que
os saberes de benzedores e benzedeiras, tanto quanto representam
como Patrimônio Cultural, sejam relevantes também como política
de bem estar da comunidade.

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Imagens

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Encontro de Benzedeiras e Benzedores em 21 de setembro de 2015, promovido pela Secretaria


Municipal de Cultura de Juatuba, na Fundação Dona Preta. Fotos: Simone Ramos, 21/09/2015.

Encontro de Benzedeiras e Benzedores em 21 de setembro de 2015, promovido pela Secretaria Munici-


pal de Cultura de Juatuba, na Fundação Dona Preta. Fotos: Simone Ramos, 21/09/2015.

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Registro das benzedeiras de Juatuba 2017: em Boa Vista, Dona Lourdes a benzer.
Fotos: Simone Ramos, 24/07/2017.

Registro das benzedeiras de Juatuba 2017: em Boa Vista, Dona Lourdes benze “o mal” pelas cos-
tas. Os gestos de benzer pelos lados do corpo são comuns no processo. Fotos: Simone Ramos,
24/07/2017.

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Registro das benzedeiras de Juatuba 2017: em Boa Vista, Dona Lourdes, muito à vontade na casa
dos compadres Dário e Zélia – ele, raizeiro, ela, benzedeira. As relações de amizade e compadrio são
frequentes entre benzedeiras da mesma localidade. Fotos: Simone Ramos, 24/07/2017.

Registro das benzedeiras de Juatuba 2017: em Boa Vista, Dário e Zélia, casados
há quase três décadas, somaram os saberes trazidos do uso de ervas medicinais
(da parte dele) e de benzimento (da parte dela) para cuidar da comunidade de
Boa Vista. Fotos: Simone Ramos, 24/07/2017.

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Registro das benzedeiras de Juatuba 2017: em Boa Vista, Dona Joana fala do ofício de ben-
zer na mesa da copa da sua casa, onde normalmente benze, principalmente crianças, às
sextas-feiras. Nesses dias, meninos e meninas são recebidos com quitandas.
Fotos: Simone Ramos, 31/07/2017.

Registro das benzedeiras de Juatuba 2017: no quintal de Dona Joana, a horta com
as plantas usadas para benzer. Fotos: Simone Ramos, 31/07/2017.

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Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Boa Vista. Seu Paulistinha, benzedor, mostra em
seu altar particular a imagem de “Nossa Senhora de Iemanjá” devoção dele. É a ela que Seu Pau-
listinha pede para que os males sejam levados para o mar. Fotos: Simone Ramos, 31/07/2017.

Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Boa Vista. Seu Paulistinha, além de benzedor e
raizeiro, também organiza a Folia de Reis de Boa Vista. Fotos: Simone Ramos, 31/07/2017.

Evocações do sagrado: benzedores e benzedeiras de Juatuba

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Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Boa Vista. Dona Chica, debilitada
por uma enfermidade e quedas em casa, já não benze, mas recebe a todos com a
mesma empatia. Fotos: Simone Ramos, 31/07/2017.

Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, no Centro. Dona Dadá conta


sobre o ofício de benzer. Fotos: Simone Ramos, 04/11/2016.

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Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, no Centro. Dona Dadá, se


preparando para benzer uma criança.
Fotos: Simone Ramos, 04/11/2016.

Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, no Centro. Dona Dadá se prepara para benzer o
pequeno Isaque: o ato em si, embora sagrado e solene, é eivado de delicadeza e enterneci-
mento, de modo que a pessoa benzida se sente acolhida.
Foto: Simone Ramos, 04/11/2016

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Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, no Centro. A cera da velha, líquida pelo calor da
chama, tem função específica durante o ato de benzição, que ocorre na cozinha da casa de
Dona Dadá – aliás, como é tradição na casa dos mineiros, a cozinha é espaço de vivência,
celebração e funcionalidade. Fotos: Simone Ramos, 04/11/2016

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Registro das benzedeiras de Jua-


tuba 2017, em Boa Vista. Enérgica,
Dona Benedita fala sobre seu dom
de benzer e sua especialidade (curar
“Sol na cabeça” – cefaleia) na sala
da sua casa. Fotos: Simone Ramos,
04/08/2017

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Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Boa Vista.


Dona Benedita e sua horta sortida. Fotos: Simone Ramos, 04/08/2017

Registro das benzedeiras de Juatuba


2017, em Boa Vista. Dona Benedita e
a garrafa de vidro que usa nas benze-
ções de Sol na cabeça. Fotos: Simone
Ramos, 04/08/2017

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Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Boa Vista. Da varanda de casa, Dona
Benedita espia a rua. A serenidade de quem benze normalmente é um fator de rela-
xamento para o benzido. Fotos: Simone Ramos, 04/08/2017

Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Boa Vista. Dona Efigê-


nia e Seu Mundinho, casados há mais de 70 anos, ambos benzedores.
Fotos: Simone Ramos, 04/08/2017

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Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Boa Vista. Um momento


de aconchego com os entrevistadores Sônia Anjos e Cleider Rodrigues.
Fotos: Simone Ramos, 04/08/2017

Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em


Canaan. Dona Maria Aparecida relatando como
benze com brasa, e à distância. Fotos: Simone
Ramos, 29/09/2017

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Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Canaan. Ao falar de como


aprendeu a benzer, Dona Aparecida relata que foi a mãe dela que a
ensinou. Fotos: Simone Ramos, 29/09/2017

Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Canaan. Dona Maria Maia (de
blusa verde) recebe Sônia e Sandra, do Setor de Patrimônio Cultural do muni-
cípio. Fotos: Simone Ramos, 29/09/2017

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Registro das benzedeiras de


Juatuba 2017, em Canaan. Dona
Maria Maia benze de vários ma-
les, e com vários instrumentos.
Aos 69 anos, tem mais de meio
século de exercício do saber. Fo-
tos: Simone Ramos, 29/09/2017

Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Francelinos. Dona Gercina


conta sobre a benzeção com o novelo, para coser torções e destronca-
mentos. Fotos: Simone Ramos, 19/10/2017

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Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Francelino. Dona Eleni relata que come-
çou a benzer quando a mãe, Dona Custódia, que também era benzedora, estava à mor-
te e a pediu que continuasse a fazer o bem às pessoas, há 18 anos.
Fotos: Simone Ramos, 19/10/2017

Registro das benzedeiras de Juatuba 2017, em Francelinos. Depois de ter problemas pelo
excesso de pessoas que a procuravam com males diversos e questões que não são da esfera do
ato de benzeção, Dona Ângela preferiu parar de benzer. Fotos: Simone Ramos, 19/10/2017

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Benzedores e Benzedeiras de Juatuba:


documentos do Registro
como Patrimônio Imaterial do município

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Cópia da proposta de Registro

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Cópia da ata da reunião do Conselho Municipal do Patrimônio Cultu-


ral que aprova o registro do bem imaterial

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Publicação da decisão sobre a aprovação do registro no Diário Ofi-


cial do município.

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Cópia da inscrição no Livro de Registro Municipal

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Publicidade do Registro no Diário Oficial do município /Jornal de cir-


culação

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Notícias na imprensa

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ReferênciaS bibliográficas

ALVES, Rubem. O enigma da religião. São Paulo: Papirus, 1988.

BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,


2007.

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Pau-


lo:EDUSP,

BRANDÃO, CARLOS RODRIGUES. MEMÓRIA DO SAGRADO: ESTUDOS


DE RELIGIÃO E RITUAL. SÃO PAULO: PAULINAS, 1985.

_____. Os deuses do povo: um estudo sobre a religião popular. 2.


ed. São Paulo: Brasiliense,1986.

_____. De tão longe eu venho vindo: símbolos, gestos e rituais do


catolicismo popular em Goiás. Goiânia: Editora UFG, 2004.

CARNEIRO JR. Renato Augusto. Festas populares do Paraná. Curi-


tiba: Secretaria de Estado da Cultura, 2005.

CASTRO, Zaide Maciel de. Coros de Reis. Ministério da Educação e


Cultura. FUNARTE. Campanha de defesa do Folclore Brasileiro.

CASTRO, Zaíde Maciel de e COUTO, Aracy do Prado. Coro Nossa Se-


nhora do Rosário. Cadernos de Folclore nº 16. Rio

de Janeiro: Arte-FUNARTE, Campanha de Defesa do Folclore Brasi-


leiro, 1977.

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IEPHA/MG. Diretrizes para a proteção do Patrimônio Cultural de Mi-


nas Gerais. Belo Horizonte: Instituto Estadual do Patrimônio Histó-
rico e Artístico de Minas Gerais.

IPHAN: Inventário Nacional de Referências Culturais: http://portal.


iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Manual_do_INRC.pdf

IPHAN: Termo de Salvaguarda de bens registrados:

http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Termo%20
de%20Refer%C3%AAncia%20-%20Salvaguarda%20de%20
Bens%20Registrados.pdf

Portal G1 : Benzedeiras são consideradas profissionais da saúde no


Paraná

http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2012/05/benzedeiras-sao-
-consideradas-profissionais-da-saude-no-parana.html Burton,
Richard. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. Brasília, Senado
Federal, 2001

PREFEITURA MUNICIPAL DE JUATUBA: INVENTÁRIO DE PROTEÇÃO


DO ACERVO CULTURAL DE JUATUBA, 2014.

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Realização

Sônia Aparecida dos Anjos

Secretária Municipal de Cultura, Juventude e Turismo; Presidente


do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural do Município de Jua-
tuba: Doutora em Literatura Comparada pela FALE/UFMG. Professo-
ra de História da Rede Pública de Ensino em Juatuba.

Telefone: (31) 3535-8522

Email: culturjuatuba@gmail.com

Simone de Almeida Ramos

Técnica contratada; Mestre em Ambiente Construído e Patrimônio


Sustentável pela EAU/UFMG; bacharel em Comunicação Social
pela UNI-BH.

Telefone: (31) 99804-0628

Email: sramos@ufmg.br

Valéria Aparecida dos Santos

Prefeita Municipal; responsável pela Proposta de Registro.

Telefone: (31) 3535-5640

Email: comunicacao@juatuba.mg.gov.br

Empresa apoiadora: S-RIKO

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Compilação de dados

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Este livro foi impresso na IMPRIMASET,


Em Belo Horizonte, no verão de 2018.

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