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HISTÓRIA DA MATEMÁTICA.

OS ELEMENTOS DE EUCLIDES.
EQUIVALÊNCIA DE ÁREAS

Profa Scheila V. Biehl


Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)
Departamento de Matemática e Estatı́stica (DEMAT)

05/08/2021
Os Elementos de Euclides.

Os Elementos são formados por 13 livros, escritos por


volta do ano 300 a.E.C., que expõem resultados de tipos
diversos, organizados sistematicamente, muitos deles
atribuı́dos a outros geômetras, alguns anteriores a
Euclides.
Apesar disso, os Elementos não podem ser vistos apenas
como uma compilação, pois, além de conterem resultados
originais, propõem um tratamento sistemático e uniforme
da Matemática grega básica.
O texto completo dos Elementos encontra-se, atualmente,
disponı́vel gratuitamente, no site

www.dominiopublico.gov.br
O que veremos?
O método dos Elementos;
Estrutura da obra;
Equivalência de áreas e o Teorema de Pitágoras;
A quadratura de figuras planas;
A “álgebra geométrica” grega.
Os Elementos de Euclides têm sido exaustivamente
estudados; identifica quais teoremas são devidos ao
próprio Euclides e quais são de matemáticos anteriores;
Procura-se reconstruir o texto original, visto que não se
tem conhecimento de nenhuma edição proveniente da
época do autor;
Cada época tem um ponto de vista predominante,
segundo o qual faz sua leitura dos Elementos, isso faz
com que a compreensão deste livro sofra transformações.
Alguns historiadores relatam que algumas definições
podem ter sido interpoladas depois de Euclides, em
publicações posteriores dos Elementos.
Dependendo do editor, um postulado pode estar entre os
axiomas. É o caso do postulado V que, em alguns
manuscritos, é considerado um axioma (noção comum).
A obra se compõe de 13 “livros”, ou seja, 13 capı́tulos, cujos
conteúdos descreveremos agora, seguindo Artmann (1999). Os
Elementos se dividem em três grandes partes:
1 Geometria Plana - Livros I-VI;
2 Aritmética - Livros VII-X;
3 Geometria Espacial - Livros XI-XIII
Apresentaremos alguns dos resultados mais significativos dos
Livros I, II, V, VII-IX e XII. Obviamente, essa descrição é
global, não permite distinguir exatamente o que é tratado em
cada livro.
Um dos principais objetivos dos primeiros livros dos Elementos
seria o de mostrar que diversas construções podem ser
efetuadas somente com régua (não graduada) e compasso. O
porquê disso ainda não é consenso entre os historiadores.
Euclides adota, nos Elementos, o

método axiomático-dedutivo

no qual,
a partir de alguns fatos aceitos como evidentes e intuitivos
(chamados de definições , postulados e axiomas ),
demonstram-se consequências ( teoremas ), ou
constroem-se figuras baseadas nos postulados, axiomas e
resultados já demonstrados ( problemas ).
Os primeiros princı́pios (definições) encontram-se no Livro I
dos Elementos.
I. Ponto é o que não tem partes.
II. Reta é o que tem comprimento sem largura.
III. As extremidades da linha são pontos.
IV. Linha reta é aquela que está posta igualmente entre as
suas extremidades.
V. Superfı́cie é o que tem comprimento e largura.
VI. As extremidades da superfı́cie são linhas.
(...)
X. Quando uma linha reta incidindo sobre outra linha reta
fizer com esta dois ângulos iguais, cada um destes
ângulos iguais se chama ângulo reto e a linha incidente se
diz perpendicular à outra linha sobre a qual incide.
XI. Um ângulo é obtuso se é maior que um ângulo reto.
XII. E um ângulo é agudo se é menor que um ângulo reto.
(...)
XV. Cı́rculo é uma figura plana, fechada por uma só linha, a
qual se chama circunferência, de maneira que todos as
linhas retas que, de um certo ponto existente no meio da
figura, se conduzem para a circunferência, são iguais
entre si.
Após as definições, temos os axiomas, enunciados a seguir.
I As coisas que são iguais a uma terceira são iguais entre si.
II Se a coisas iguais se juntarem outras iguais, os todos
serão iguais.
III Se de coisas iguais se tirarem outras iguais, os restos
serão iguais.
IV Se a coisas desiguais se juntarem outras iguais, os todos
serão desiguais.
V Se de coisas desiguais se tirarem coisas iguais, os restos
serão desiguais.
VI Quantidades que perfazem cada uma o dobro de outra
quantidade são iguais.
VII Quantidades que são metades de uma mesma quantidade
são também iguais.
VIII Duas quantidades, que se ajustam perfeitamente uma
com a outra são iguais.
IX O todo é maior do que qualquer das suas partes.
X Duas linhas retas não compreendem um espaço (uma
superfı́cie).
Por último, são apresentados os postulados.
I. Pede-se que se desenhe uma reta de um ponto qualquer
até outro ponto qualquer.
II. E que se produza uma linha reta finita continuamente em
uma linha reta.
III. E que com qualquer centro e qualquer distância se
descreva um cı́rculo.
IV. E que todos os ângulos retos sejam iguais.
V. E que, se uma linha reta cortando duas linhas retas torna
os ângulos interiores do mesmo lado menores que dois
retos, as linhas retas, se continuadas indefinidamente, se
encontrem deste lado no qual os ângulos são menores que
dois retos.
Atualmente, a distinção dos primeiros princı́pios entre
definições, postulados e axiomas não é utilizada, mas é
imprescindı́vel lembrar que a Matemática se faz sempre a
partir de primeiros princı́pios, admitidos como válidos sem
demonstração.
Os Elemenos de Euclides não passariam pela prova do
rigor matemática praticado atualmente.
Por exemplo, Euclides usa, sem incluı́-los nos postulados,
fatos que não decorrem de seus primeiros princı́pios nem
foram demonstrados anteriormente.
Os defeitos dos Elementos não devem, contudo, diminuir
nossa admiração pelo trabalho de Euclides.
Equivalência de Áreas nos Livros I e II

Proposições nos Elementos: problemas e teoremas.

Os primeiros lidam com construções e transformações dos


seres geométricos: construir figuras, seccioná-las, subtraı́-las
ou adicioná-las umas às outras. Já os teoremas enunciam e
demonstram propriedades inerentes aos seres geométricos.
A primeira proposição que decorre dos axiomas é um problema.
Proposição
(I.1.) Sobre uma determinada reta construir um triângulo equilátero.

Esta proposição é, na verdade, um problema de construção que faz


uso dos primeiros princı́pios: definições, postulados e axiomas.
Sua prova é frequentemente citada como exemplo de demonstração
em que é usado um resultado não incluı́do no enunciado ou
garantido pelos axiomas e postulados.
Nos Elementos de Euclides, o primeiro teorema aparece na
quarta proposição.
Proposição
(I.4.) Se dois triângulos tiverem respectivamente dois lados
iguais a dois lados e se os ângulos compreendidos por estes
lados forem também iguais, as bases serão iguais, os triângulos
serão iguais e os demais ângulos que são opostos a lados
iguais, serão também iguais.

Comentários: a demonstração da proposição acima emprega


um procedimento de superposição, o que não é válido nos
padrões atuais.
Uma parte importante do Livro I é a teoria das paralelas
de Euclides. Há evidências de que essa teoria já era
discutida antes de Euclides.
Euclides teria percebido a necessidade de introduzir um
postulado na teoria das paralelas e apresentar um
postulado eficiente que lhe permitiu organizar a teoria de
maneira econômica e elegante, nas proposições 27 a 32
dos Elementos.
Uma grande vantagem da formulação dada por ele é que
ela fornece um critério para determinar se duas linhas
retas se encontrarão ou não quando forem prolongadas.
Um dos objetivos mais importantes dos primeiros livros
dos Elementos é realizar operações com áreas.
Na Matemática grega clássica, como exposta nos
Elementos, não se medem áreas da maneira como
fazemos hoje.
Certamente, na prática, agrimensores, arquitetos,
agricultores, cobradores de impostos, etc, sabiam calcular
áreas, mas esse tipo de Matemática não aparece nessa
obra de Euclides.
Nos Elementos, lida-se com comprimentos, e, mais
geralmente, com grandezas, por meio de comparações.
Por exemplo, dadas duas regiões planas S1 e S2 , elas são
transformadas em quadrados equivalentes Q1 e Q2 ,
respectivamente. É então fácil saber se as áreas dessas regiões
são iguais, ou qual é a que tem menor área, ou se a área de
uma delas é múltipla da área da outra.
Este processo de transformar uma região poligonal em um
quadrado equivalente denomina-se “textcolorbluefazer a
quadratura” da região. Daı́ vem a expressão “fazer a
quadratura do cı́rculo”, que significa construir um quadrado
com área igual à do cı́rculo dado.
Mostraremos adiante como é possı́vel, somente com régua
e compasso, efetuar a quadratura de qualquer superfı́cie
poligonal dada.

Euclides faz isso nos Livros I e II, antes de ter à sua disposição
a teoria das proporções de Eudoxo, exposta somente no Livro
V dos Elementos. Assim, em todas as construções que faremos
a seguir, não são utilizados argumentos baseados em
proporções.
Um dos mais importantes teoremas da geometria euclidiana, o
teorema de Pitágoras, diz respeito justamente ao modo como
os gregos, nesta época, faziam operações com áreas.
O ponto de partida de Euclides são os critérios de congruência de
triângulos (Proposições I.4, I.8, I.26). Em seguida, Euclides demonstra o
seguinte resultado importante:
Proposição
(I.34.) Em um paralelogramo, os lados e os ângulos opostos são iguais e
o paralelogramo é dividido pela diagonal em duas partes iguais.

Após isso, Euclides demonstra que


Proposição
(I.35.) Paralelogramos que estão postos sobre a mesma base e entre as
mesmas paralelas, são iguais.

A fim de mostrar como os matemáticos gregos trabalhavam,


demonstraremos a proposição da maneira exposta nos Elementos.
Proposição
(I.35.) Paralelogramos que estão postos sobre a mesma base e
entre as mesmas paralelas, são iguais.
De posse deste resultado, vem
Proposição
(I.36.) Paralelogramos que estão postos sobre a mesma base e
entre as mesmas paralelas, são iguais.

Consequências imediatas desses resultados:


Proposição
(I.37.) Triângulos situados sobre a mesma base e entre as
mesmas paralelas são iguais entre si.

Ilust: http://geometrias.eu/deposito/euclid73.html
Proposição
(I.38.) Triângulos que têm bases iguais e estão entre as
mesmas paralelas são iguais entre si.
Reunindo estes resultados, podemos resolver o problema:

Dado um triângulo, construir um retângulo com a


mesma área.
Isso pode ser feito seguindo o roteiro abaixo.
1 Dado um triângulo ABC, “complete-o” para obter um
paralelogramo ABCD cuja área é igual a duas vezes a
área do triângulo.
2 Construa um retângulo ACEF equivalente ao
paralelogramo obtido no item anterior.
3 Usando o retângulo ACEF, construa um retângulo
CELK equivalente ao triângulo ABC.
E como construir um retângulo equivalente a uma região plana
poligonal?
Basta dividir está região poligonal em triângulos e, depois de
transformar cada um em um retângulo, somar os retângulos.
Precisamos, portanto, de um procedimento para somar
retângulos. Para isto, transforma-se os retângulos em
quadrados e soma-se os quadrados por meio do teorema “de
Pitágoras”. Tal é a importância deste resultado para a
geometria grega.
Esta demonstração está no final do Livro I, antes de mostrar
como transformar um retângulo em um quadrado (o que só
será feito por Euclides no Livro II).
Um dos mais importantes teoremas da geometria euclidiana, o
teorema de Pitágoras, diz respeito justamente ao modo como
os gregos, nesta época, faziam operações com áreas.
Proposição
(I.47.) Em um triângulo retângulo, o quadrado sobre o lado
oposto ao ângulo reto é igual à soma dos quadrados sobre os
lados que formam o mesmo ângulo reto.
Observe que nesta demonstração não se usa proporcionalidade
.

Todos os passos são dados utilizando equivalência de áreas.

As demonstrações que se encontram atualmente, baseadas em


semelhança e nas propriedades métricas em um triângulo
retângulo, transformam o teorema de Pitágoras em um simples
fato algébrico, “a2 = b 2 + c 2 ”, escondendo inteiramente seu
caráter geométrico e que ele é um resultado de equivalência de
áreas.
Qual a ideia da quadratura de uma região poligonal qualquer?
Assim, para mostrar como fazer a quadratura de qualquer região
poligonal, mostraremos agora como transformar um retângulo em um
quadrado com mesma área. Para isso necessitamos de outro resultado
dos Elementos:
Proposição
(II.5.) Se uma linha reta for dividida em duas partes iguais, e em outras
duas desiguais, o retângulo compreendido pelas partes desiguais,
juntamente com o quadrado da parte entre as duas seções, será igual ao
quadrado da metade da linha proposta.
Proposição
(II.14.) Construir um quadrado igual a um retângulo dado.
Referências

1 ROQUE, T., CARVALHO, J. B. P., Tópicos de História


da Matemática. Sociedade Brasileira de Matemática,
2012.
2 BOYER, C. História da Matemática. São Paulo (SP):
EDUSP, 1974.
3 ARTMANN, B. Euclid: the creatin of mathematics. New
York: Springer, 1999.
4 https:
//www.youtube.com/watch?v=Ugq0xHNTpWM&t=1212s

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