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Tentativas De Demonstração Do Quinto Postulado


De Euclides
Sabe-se muito pouco sobre Euclides. Sabe-se que nasceu depois dos discípulos diretos de Platão,
mas antes de Erastóstenes e Arquimedes  e que viveu em Alexandria quando Ptolomeu governava o
Egito, ou seja, entre 306 e 283 antes de Cristo.
            Os Elementos  foram escritos por volta do ano 300 a.c com o intuito de formular e organizar
os resultados da geometria anterior. Nesta obra, dividida em 13 livros, Euclides não se limita, porém
a compilar resultados dos matemáticos que o antecederam, mas tem a preocupação de, em muitos
casos, aperfeiçoar as demonstrações. Excetuam-se alguns resultados para os quais considerava não
existir demonstração satisfatória e o estudo das cônicas, sobre as quais Euclides terá escrito uma
obra intitulada de “Cônicas” que não chegou aos nossos dias.
            Embora, antes de Euclides,  já outros matemáticos, como Hipócrates de Quios,  tenham
reunido os conhecimentos disponíveis no seu tempo num único livro, a mestria da obra de Euclides
foi tal que suplantou todas as que a antecederam e das quais não sobreviveu uma única
cópia. Trata-se de fato de uma obra sem rival que durante séculos atraiu a atenção dos maiores
matemáticos e que constituía um modelo de como a lógica pode funcionar. 
            A obra começa com definições de termos geométricos (embora nem todas sejam atualmente
consideradas satisfatórias), definições essas que não eram mais do que descrições que se
pretendiam compreensíveis, para que se percebesse do que é que se estava a falar.
Depois das definições, Euclides aponta cinco postulados ou suposições fundamentais sobre
objetos geométricos. Esses postulados são:
1. (É possível) traçar uma e uma só linha reta de qualquer ponto a qualquer outro ponto.
2. (É possível) prolongar continuamente um segmento, a partir de qualquer das suas extremidades
numa linha reta [tanto quanto se queira]
3. (É possível) traçar uma circunferência com qualquer centro e raio.
4. Todos os ângulos retos são iguais.
5. Se uma linha reta cai sobre outras duas de modo que os dois ângulos internos de um mesmo lado
sejam nos seus conjuntos [isto é, na sua soma] menores que dois ângulos retos, então as duas
linhas retas, se prolongadas indefinidamente, encontram-se num ponto do mesmo lado em que os
dois ângulos são inferiores a dois retos.
Euclides apresenta em seguida cinco noções comuns (aquilo a que hoje chamamos axiomas)
consideradas evidentes, verdadeiras (não apenas na geometria), e necessárias para as
demonstrações:
1. Coisas iguais à mesma coisa são iguais entre si.
2. Se a quantidades iguais se adicionam quantidades iguais, obtêm-se quantidades iguais.
3. Se a quantidades iguais se subtraem quantidades iguais, obtêm-se quantidades iguais.
4. Coisas que coincidem são iguais.
5. O todo é maior que a parte.
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            Uma das razões pelas quais esta  obra é tão grandiosa é o fato de tanto ter sido deduzido de
tão pouco. Na verdade, demonstrar 465 proposições, partindo de apenas cinco postulados, cinco
noções comuns e algumas definições é um grande feito. Contudo, muitos matemáticos posteriores
acreditaram que o mesmo podia ser obtido com apenas os primeiros quatro postulados e, que o
quinto postulado não era mais do que uma proposição demonstrável a partir dos primeiros quatro
postulados. Ou seja, para estes matemáticos não fazia sentido verificarem-se os quatro primeiros
postulados e não se verificar o quinto, pois este seria conseqüência lógica dos outros quatro. Daí a
idéia de tentar demonstrar o quinto postulado. Aliás, o próprio Euclides também terá visto algo de
especial no quinto postulado, razão pela qual não o utiliza na demonstração das primeiras 28
proposições (e só a partir da 32ª todas o utilizam). É quase como se Euclides evitasse a sua
utilização tanto quanto possível.
Muitas foram as tentativas de demonstrar o quinto postulado ao longo da história, mas
ninguém o conseguiu fazer corretamente, até porque, como mais tarde se viria a provar, essa
demonstração é impossível! Dos matemáticos que se embrenharam nesta tarefa impossível, foram
vários os que chegaram a acreditar (erradamente) que o tinham conseguido. Em muitos desses
casos, o erro estava na utilização (ainda que implícita) de outro postulado equivalente ao quinto
postulado dos Elementos de Euclides, como viria a ser descoberto pelos próprios ou por algum
matemático posterior.
Postulado das Paralelas
             Embora o enunciado do quinto postulado não fale diretamente em linhas paralelas, ele é
também conhecido por Postulado das Paralelas.
            Nos Elementos, as linhas retas paralelas são definidas como linhas retas que estão no
mesmo plano e, se prolongadas indefinidamente em ambas as direções, não se encontram em
nenhuma delas. Transpondo para linguagem corrente, pode-se considerar que a definição diz que
retas paralelas são retas definidas no mesmo plano que não se intersectam.
            No âmbito da geometria euclidiana, é impossível demonstrar a 29ª proposição sem o quinto
postulado:
 Proposição 29 - uma linha reta que corta duas linhas retas paralelas faz os ângulos alternos iguais
entre si, o ângulo externo igual ao ângulo interno oposto e a soma dos ângulos internos do mesmo
lado igual a dois ângulos retos.
A demonstração desta proposição é talvez a primeira relação do postulado com o paralelismo
(até porque a 29ª proposição é a primeira em cuja demonstração é utilizado este postulado). Foi por
aqui que enveredaram alguns dos matemáticos  que tentaram demonstrar o quinto postulado (como
Ptolomeu). Contudo, ao provarem corretamente esta proposição tinham de necessariamente utilizar
um postulado equivalente ao quinto.
            Esta dificuldade em demonstrar a 29ª proposição sem o quinto postulado foi incorretamente
ultrapassada, com a utilização de uma definição especial de paralelismo. Para Posidônio (século I
a.C), “linhas paralelas são linhas num único plano que não convergem nem divergem, mas têm todas
as perpendiculares, desenhadas dos pontos de uma para os da outra, iguais” (Proclus, séc. V, 176.5-
176.11). Isto é, duas retas são paralelas se forem eqüidistantes, ou seja, se a distância medida numa
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qualquer perpendicular de uma delas for sempre igual, independentemente da perpendicular


escolhida.
À primeira vista, muitos dirão que esta nova definição nada tem de errado e que, de fato, duas
retas não se intersectam se e só se estiverem sempre à mesma distância. Contudo, se não for
suposto o quinto postulado, isso não se verificará, ou seja, será possível haver retas que não se
intersectam, mas que não são eqüidistantes. Para infortúnio dos que recorreram a esta definição, ou
a uma similar, para demonstrar o quinto postulado, afirmar que retas paralelas são eqüidistantes é
equivalente a afirmar o próprio quinto postulado de Euclides.
Apesar de acreditar na demonstrabilidade do quinto postulado, Proclus percebe que a
definição de paralelismo de Posidônio não é correta e refere a existência de linhas que se aproximam
cada vez mais, mas não se chegam a intersectar, como o caso da hipérbole e da conchoide com as
suas assimptotas.
Ao longo da história, vários matemáticos voltaram a insistir em definições de paralelismo
deste tipo e, com base nesse erro, foram propostas várias demonstrações do quinto postulado.
A designação de Postulado das Paralelas torna-se mais intuitiva se considerarmos o axioma
de Playfair, equivalente ao quinto postulado de Euclides: dada uma reta e um ponto exterior, existe
uma e uma só reta contendo o ponto e paralela à reta dada. 
O axioma de Playfair foi proposto em 1796 por John Playfair e, desde então, substitui
geralmente o quinto postulado de Euclides na construção axiomática da geometria euclidiana. Por
essa razão, o axioma de Playfair é mais conhecido do que propriamente o quinto postulado dos
Elementos de Euclides.

A Demonstração do quinto Postulado de Euclides por Ptolomeu

         Ptolomeu, ou Claudius Ptolemaeus, foi geógrafo e astrônomo e viveu no século II, em
Alexandria. Foi o autor de um famoso tratado de astronomia em 13 livros, que chegou até à
atualidade através de uma tradução árabe: Almagesto.
         Porém, é num outro livro que Ptolomeu apresenta a sua demonstração do quinto postulado de
Euclides. O livro (que não chegou até aos nossos dias) intitulava-se “Que linhas prolongadas de
ângulos menores que dois ângulos retos encontram-se uma com a outra”. O título pode hoje não
fazer muito sentido. Mas, se tomar em conta que aí se apresenta um estudo sobre o quinto postulado
de Euclides (e até uma demonstração), compreende-se que o que Ptolomeu afirma no título do livro
é precisamente o quinto postulado de Euclides, no sentido em que os ângulos que refere são os dois
ângulos também referidos no dito postulado como menores que dois retos.
A propósito da proposição 29 e referindo-se a Ptolomeu, Proclus escreve: “a sua
demonstração [do quinto postulado] utiliza muitos dos teoremas estabelecidos pelo autor dos
Elementos precedentes a este [a proposição 29]” (Proclus, séc. V, 365.8-10). Embora não reproduza
toda a argumentação que Ptolomeu utilizou para demonstrar esses teoremas, Proclus apresenta as
demonstrações de Ptolomeu para as proposições 28 e 29 dos Elementos e para o quinto postulado
de Euclides.
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Proposição 28 - Se uma linha reta ao cortar outras duas, fizer o ângulo externo igual ao ângulo
interno oposto do mesmo lado, ou se a soma dos ângulos internos do mesmo lado for igual a dois
ângulos retos, então, as linhas retas são paralelas entre si.
Vejamos a demonstração da proposição 28 do livro I dos Elementos de Euclides feita por
Ptolomeu a partir do modo como Proclus a transcreve:

“Sejam AB e CD duas linhas retas cortadas por uma linha reta EFGH de modo a fazer os
ângulos BFG e FGD iguais a dois ângulos retos. Eu digo que as linhas retas são paralelas,
isto é, não secantes. Se possível, sejam FB e GD prolongadas até se encontrarem em K.
Então, como a linha reta GF corta a linha AB, ela faz os ângulos AFG e BFG iguais a dois
ângulos retos. Do mesmo modo, como GF corta CD, ela faz os ângulos CGF e DGF iguais a
dois ângulos retos. Conseqüentemente os ângulos AFG, BFG, CGF e DGF são iguais a
quatro ângulos retos, dos quais dois, BFG e DGF, estão determinados como iguais a dois
ângulos retos; por este motivo os outros dois ângulos, AFG e CGF, são também iguais a dois
ângulos retos. Se então, quando os ângulos internos são iguais a dois ângulos retos as linhas
FB e GD quando prolongadas encontram-se uma à outra em K, logo também FA e GC
quando prolongadas irão encontrar-se, pois os ângulos AFG e CGF são também iguais a dois
ângulos retos. As linhas retas irão encontrar-se ou em ambos os lados ou em nenhum se
estes [os ângulos internos deste lado], como aqueles [ângulos internos do outro lado], forem
iguais a dois ângulos retos. Suponhamos então que FA e GC encontram-se em L. Então as
linhas retas LABK e LCDK cercam uma área, o que é impossível. É por isso impossível que
linhas se encontrem quando os ângulos internos são iguais a dois ângulos retos. Por isso elas
são paralelas.” (Proclus, séc V, 362.20-363.18)

  Na transcrição apresentada vê-se que Ptolomeu utiliza uma definição de paralelismo que
coincide com a de Euclides, ou seja, as linhas retas são paralelas se não se intersectarem (não
secantes). Não é esse o seu erro na demonstração do postulado.
É sabido que esta proposição é demonstrável, no entanto, a dada altura, Ptolomeu parece
cometer um erro ao não justificar devidamente um passo da demonstração, em que conclui do
particular para o universal uma suposição. Nesta demonstração Ptolomeu queria provar que duas
linhas que satisfazem certas condições nunca se intersectam, mas não pode fazê-lo ao provar que é
um absurdo que as linhas que satisfazem essas condições se encontram sempre, que é o que é feito
quando diz que se FB e GD se encontram, então AF e CH também se encontram (por ambas
satisfazerem as tais condições). O que Ptolomeu tinha que provar era que se FB e GD se
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encontrarem isso implica um absurdo. Contudo, aparentemente, Ptolomeu não se limita a tomar por
hipótese que FB e GD se encontram, pois, diz que se FB e GD se encontram, então AF e CH
também se encontrarão por estarem nas mesmas condições. Ora, então, já está a supor que todas
as linhas nas referidas condições (os ângulos internos que fazem, num dos lados, com uma reta que
as intersecte a ambas, são iguais a dois ângulos retos) se intersectam, não pondo a hipótese que,
algumas vezes, se encontram, mas não necessariamente sempre. Só assim seria a negação da
proposição e que se reduzida ao absurdo provaria a proposição, como pretendia.
O erro de lógica que Ptolomeu comete é que para provar que A=”Todas as retas com as
quais uma terceira reta que as intersecte faz ângulos internos num lado cuja soma é igual a 180º,
não se intersectam”, não basta provar que é absurdo B=”Todas as retas com as quais uma terceira
reta que as intersecte faz ângulos internos num de um lado cuja soma é igual a 180º, intersectam-
se”. Este tipo de demonstração é válida se demonstrarmos que a negação da proposição que
pretendemos provar leva a um absurdo. Contudo, a negação de A é C=”Há retas com as quais uma
terceira reta que as intersecte faz ângulos internos num lado cuja soma é igual a 180º, e que se
intersectam”. Ptolomeu supõe que todas as retas com as quais uma terceira reta que as intersecte
faz ângulos internos num lado cuja soma é igual a 180º se intersectam e, portanto apenas prova
D=”Há retas com as quais uma terceira reta que as intersecte faz ângulos internos, de um lado, cuja
soma é igual a 180º, e que não se intersectam”.
Nesta demonstração, o erro acaba por não ter conseqüências, pois, aquilo que Ptolomeu
supõe sem apresentar justificação, pode ser demonstrado. Para a demonstração estar completa,
Ptolomeu teria de justificar o que diz e mostrar que, se de um lado estas retas se intersectam, o
mesmo teria de acontecer do outro lado. Citando Heath (1925, p. 204):
“Seria mais claro se tivesse sido mostrado que os dois ângulos internos num lado de EH são
respectivamente iguais aos dois ângulos no outro lado, nomeadamente BFG a CGF e FGD a AFG;
donde, ao assumir que FB e GD encontram-se em K, podemos tomar o triângulo KFG e colocá-lo
(por exemplo, através da rotação em torno do ponto médio de FG) de modo a que FG caia onde está
GF na figura e GD caia sobre  FA, e assim FB tem de cair sobre GC; por isso, como FB e GD
encontram-se em K, GC e FA também têm de encontrar-se num ponto correspondente L.”
 
Vejamos agora a demonstração apresentada por Ptolomeu para a proposição 29. Mais uma
vez, Ptolomeu não usa o quinto postulado. Mas, como era de esperar, a demonstração está
incorreta, pois é impossível prová-la sem este postulado.
 Proposição 29 - Uma linha reta que corta duas linhas retas paralelas faz os ângulos alternos iguais
entre si, o ângulo externo igual ao ângulo interno oposto e a soma dos ângulos internos do mesmo
lado igual a dois ângulos retos.
            Eis a transcrição de Proclus da demonstração de Ptolomeu:
“Eu digo, por isso, que a recíproca é também verdadeira, isto é, que quando linhas retas
paralelas são cortadas por uma linha reta, os ângulos internos no  mesmo lado são iguais a
dois ângulos retos. Como é necessário que a linha que corta as linhas paralelas faça os
ângulos internos no mesmo lado ou iguais a dois ângulos retos ou menores ou maiores que
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dois ângulos retos. Sejam AB e CD linhas paralelas, e seja GF uma reta que cai sobre elas.
Eu digo que não faz os ângulos internos no mesmo lado maiores que dois ângulos retos. Pois
se os ângulos AFG e CGF são maiores que dois ângulos retos, os restantes ângulos BFG e
DGF, são menores que dois ângulos retos. Mas estes mesmos ângulos são também maiores
que dois ângulos retos; pois AF e CG não são mais paralelas que FB e GD, logo, se a linha
que cai sobre AF e CG faz os ângulos internos maiores que dois ângulos retos, então também
a linha que cai sobre FB e GD faz os ângulos internos maiores que dois ângulos retos. Mas
estes mesmos ângulos são menores que dois ângulos retos (pois os quatro ângulos AFG,
CGF, BFG e DGF são iguais a quatro ângulos retos), o que é impossível. Analogamente nós
podemos provar que a linha que cai sobre as paralelas não faz os ângulos internos na mesma
direção menores que dois ângulos retos. Se, então, ela o faz nem maiores nem menores que
dois ângulos retos, a única conclusão restante é que a linha que cai nelas faz os ângulos
internos na mesma direção iguais a dois ângulos retos. Tendo isto sido demonstrado, a
proposição perante nós [o quinto postulado] pode ser incontestavelmente provada.” (Proclus,
séc. V, 365.17-366.15)

Ao apresentar esta demonstração, Ptolomeu crê que, provado isto, nada o impede de
demonstrar o quinto postulado de Euclides. De fato, Ptolomeu tem razão ao afirmar que, provada
esta proposição, pode provar o quinto postulado de Euclides. Contudo, esta demonstração é
incorreta. Ptolomeu apresenta o argumento de que, se AB e CD são paralelas, como FB e GD são
tão paralelas de um lado quanto AF e CG são do outro, então a soma dos ângulos internos de um
lado teria de ser igual à soma dos ângulos internos do outro. Mas, como Proclus referirá no seu
comentário a esta demonstração, ele não poderia assumir isso. O que este argumento tem que lhe
permitirá demonstrar esta proposição e depois o quinto postulado é o fato de que, afirmar que FA e
GC são tão paralelas para um lado quanto FB e GD são para o outro, é equivalente a afirmar que,
por qualquer ponto exterior a uma reta, passa uma única paralela (Axioma de Playfair), que é
equivalente ao quinto postulado de Euclides. Logo, se não está a ser suposto o quinto postulado de
Euclides, este argumento não é válido e, portanto a demonstração é incorreta.
            Assim sendo, se o quinto postulado não é suposto, Ptolomeu comete nesta demonstração um
erro lógico do mesmo tipo do que cometeu na demonstração da proposição anterior, pois para provar
que A=”Sempre que uma reta cai sobre duas retas paralelas faz ângulos internos do mesmo lado
iguais a dois ângulos retos” não basta provar que é absurdo B=”Existe uma reta que sobre duas
retas paralelas ou faz ângulos internos do mesmo lado maiores que dois retos (nos dois lados da
reta) ou faz ângulos internos do mesmo lado menores que dois retos (nos dois lados da reta)” como
faz Ptolomeu. A negação de A é C=”Existe uma reta que caída sobre duas retas paralelas, não faz
ângulos internos do mesmo lado iguais a dois ângulos retos”, que deixa em aberto a hipótese de
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haver de um lado da reta ângulos internos menores que dois ângulos retos e do outro maiores que
dois ângulos retos. 
            Para provar que os ângulos internos são retos Ptolomeu supõe, tendo em vista um absurdo,
que a soma dos ângulos internos num lado é menor ou maior que dois retos. Mas também supõe
(embora julgue deduzir) que os ângulos internos do outro lado verificarão exatamente a mesma
propriedade, ou seja, pressupõe que, se de um lado são maiores, do outro também o serão. Ora, o
que tinha de provar era que, se de um lado os ângulos fossem maiores ou menores que dois ângulos
retos, então sim estaríamos necessariamente perante um absurdo (não forçando a que do outro lado
isso se verificasse, pois isso só é verdade se considerar o quinto postulado ou seu equivalente).
 
            Depois de julgar demonstrada a proposição 29 sem utilizar o quinto postulado de Euclides,
Ptolomeu prossegue para a demonstração do próprio postulado (sem ter consciência que, para
demonstrar a proposição 29, já o havia utilizado implicitamente):

“Eu digo que, se uma linha reta cai sobre duas linhas retas e faz os ângulos internos no
mesmo lado menores que dois ângulos retos, as linhas retas se prolongadas encontrar-se-ão
nesse lado em que os ângulos são menores que dois ângulos retos. Suponhamos que elas
não se encontram. Mas se elas são não secantes no lado em que os ângulos são menores
que dois ângulos retos, muito mais serão elas não secantes no outro lado em que os ângulos
são maiores que dois ângulos retos, pelo que as linhas retas serão não secantes em ambos
os lados; e se assim for, elas são paralelas. Mas foi provado que a linha que cai sobre
paralelas fará os ângulos internos no mesmo lado iguais a dois ângulos retos. Os mesmos
ângulos são por isso iguais a dois ângulos retos e menores que dois ângulos retos, o que é
impossível”. (Proclus, séc. V, 366.15-367.3)
Ptolomeu demonstrou que,  nas condições referidas, as retas se intersectam. Em seguida,
completa a demonstração e prova que elas se intersectam do lado em que a soma dos ângulos
internos é menor que dois ângulos retos e não na direção em que é maior:

“Sejam AB e CD duas linhas retas, e seja EFGH uma linha caída sobre elas que faz os
ângulos AFG e CGF menores que dois ângulos retos. Por isso os outros ângulos são maiores
que dois ângulos retos. Agora já foi demonstrado que as linhas retas não são não secantes.
Mas se elas se encontram uma com a outra, será ou no lado de A e C ou no lado de B e D.
Assumamos que elas se encontram no lado de B e D no ponto K. Então como os ângulos
AFG e CGF são menores que dois ângulos retos e os ângulos AFG e BFG são iguais a dois
ângulos retos, se o termo comum, o ângulo AFG, é subtraído, o ângulo CGF será menor que
o ângulo BFG. Segue-se que o ângulo externo do triângulo KFG é menor que o interno
oposto, o que é impossível. Conseqüentemente elas não se encontram neste lado. Mas elas
encontram-se. Portanto elas encontram-se no outro lado, naquele em que os ângulos são
menores que dois ângulos retos.” (Proclus, séc. V, 367.12-367.27).
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            E assim termina a demonstração de Ptolomeu do quinto postulado de Euclides. Ou melhor,
são estes os trechos da demonstração de Ptolomeu que chegaram até nós. Porque estes trechos
são transcrições feitas por Proclus da obra de Ptolomeu, não podemos saber ao certo se Proclus terá
reproduzido com exatidão a argumentação de Ptolomeu. Resta-nos acreditar nas palavras de
Proclus que declara citar Ptolomeu na totalidade das três demonstrações apresentadas.

A Demonstração do Quinto Postulado de Euclides por Proclus

            Proclus Diadochus nasceu em Constantinopla por volta do ano 410. Terá ido aprender
filosofia para Alexandria e, como esse ensino não o satisfez, foi para Atenas, estudar com Plutarco
na Academia de Platão. Mais tarde, terá chegado a diretor da Academia, cargo que manteve até
morrer, no ano 485. O seu “Comentário ao primeiro livro dos Elementos de Euclides” é a principal
fonte de conhecimentos sobre a história antiga da geometria grega.
            Proclus é aí bastante claro ao referir que o quinto postulado de Euclides é um teorema e que
pode ser demonstrado a partir dos restantes quatro postulados.
Após transcrever o quinto postulado, Proclus escreve:
“Este [o quinto postulado] deve ser retirado do conjunto dos postulados. Pois é um teorema”,
teorema este que coloca muitas questões que Ptolomeu se propôs resolver num dos seus
livros -  e requer, para a sua demonstração, várias definições assim como teoremas. E a sua
recíproca é provada pelo próprio Euclides como um teorema. Mas talvez algumas pessoas
pensem erradamente que esta proposição merece ser classificada entre os postulados com
base em os ângulos serem menores que dois ângulos retos fazer-nos de imediato acreditar
na convergência e intersecção das linhas retas. A tais pessoas, Geminus deu resposta
apropriada quando disse que aprendemos dos próprios fundadores desta ciência a não
prestar atenção a imaginações plausíveis na determinação das proposições a serem aceites
na geometria. Aristóteles, do mesmo modo, diz que aceitar raciocínios prováveis de um
geômetra é como exigir provas de um retórico. E Simmias é levado por Platão a dizer “Estou
ciente que aqueles que fazem demonstrações a partir de probabilidades são impostores.”
Logo aqui, apesar de a afirmação que linhas retas convergem quando os ângulos retos estão
diminuídos ser verdadeira e necessária, no entanto a conclusão de que, por elas convergirem
mais quando são prolongadas para mais longe, elas se irão encontrar a certa altura, é
plausível, mas não necessária, na ausência de um argumento  provando que isto é verdade
para linhas retas. Que há linhas que se aproximam indefinidamente mas nunca se encontram
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parece ser implausível e paradoxal. No entanto, é apesar disso verdade e foi verificado para
outras espécies de linhas. Não poderá isto, então, ser possível para linhas retas como essas?
Até termos demonstrado firmemente que elas se encontram, o que é dito acerca de outras
linhas despoja a nossa imaginação da sua plausibilidade. E apesar de os argumentos contra
a intersecção destas linhas poderem conter muito que nos surpreenda, não deveríamos nós
recusar-nos a admitir na nossa tradição este apelo sem razão à probabilidade?
Estas considerações tornam claro que devemos procurar uma demonstração do
teorema com que nos deparamos e que lhe falta o caráter especial de um postulado. (Proclus,
séc. V, 191.21-193.3).

Nesta passagem é visível a profunda crença de que o quinto postulado de Euclides é


demonstrável. Para Proclus, ele pode ser provado racionalmente, não existindo por isso razão para
considerá-lo como postulado, pois a verificação do quinto postulado não se deve a um fato de
probabilidade (no sentido em que intuitivamente se vê que as retas se aproximarão cada vez mais e,
portanto provavelmente se encontrarão).
Proclus regressa à problemática do quinto postulado quando chega à proposição 29 que
refere ser a primeira em cuja demonstração Euclides utiliza o quinto postulado. Escreve então:

“Como eu disse na parte da minha exposição que precede os teoremas, nem todos admitem
que esta proposição geralmente aceite seja indemonstrável. Como poderia isso ser quando a
sua recíproca é registrada entre os teoremas como algo demonstrável? Pois o teorema que,
em todo o triângulo, quaisquer dois ângulos internos são menores que dois ângulos retos é a
recíproca deste postulado. Visto também o fato que duas linhas retas, quando prolongadas,
aproximam-se uma da outra cada vez mais não é, como eu disse anteriormente, um sinal de
que elas se encontrarão, porque foram descobertas outras linhas que convergem na direção
uma da outra mais e mais mas nunca se encontram. Por este motivo outros antes de nós
classificaram-no entre os teoremas e exigiram uma demonstração disto que foi tomado como
um postulado pelo autor dos Elementos.” (Proclus, séc. V,  364.18-365.6).

            Proclus reafirma a sua convicção de que o postulado é de fato um teorema e, portanto
demonstrável. Por um lado, realça que, se a recíproca do postulado (proposição XVII) é um teorema
demonstrável, então também o deveria ser o postulado (o que não é verdade pois, de fato, o
postulado não é demonstrável e a sua recíproca é). Por outro lado, realça a dificuldade dessa
demonstração pelo fato de que duas linhas estarem cada vez mais próximas, não implica
necessariamente que se encontrem.
            De destacar que Proclus aponta a existência de “outros antes de nós” que também
consideraram que este postulado seria um teorema. Embora não conheçamos os seus nomes,
ficamos sabendo da existência de uma comunidade exigente e interessada que, desde que Euclides
escreveu os Elementos,  não deixou de estudar minuciosamente e de pôr em causa o seu postulado
número cinco.
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            É após este apontamento que Proclus fala de Ptolomeu e do seu trabalho sobre o quinto
postulado, transcrevendo a demonstração de Ptolomeu do postulado 29 e do quinto postulado de
Euclides. Proclus aponta falhas nas demonstrações de Ptolomeu que classifica de fracas e
insatisfatórias. 
            Analisa depois um argumento que defende que duas retas, mesmo fazendo ângulos
inferiores a dois retos com uma terceira reta que as intersecte, ainda assim, não se intersectam as
duas, não especificando quem ao certo é que defendia este argumento que contraria o quinto
postulado:
“Agora examinemos aqueles que dizem que é impossível que linhas prolongadas de ângulos
menores que dois ângulos retos se encontrem. Tomando duas linhas retas AB e CD e a linha
AC caída sobre elas e fazendo os ângulos internos menores que dois ângulos retos, eles
pensam que podem demonstrar que AB e CD não se encontram. Seja AC bissectado em E, e
seja um comprimento AF igual a AE, colocado sobre AB, e sobre CD um comprimento CG
igual a EC. É claro que AF e CG não se encontrarão em nenhum ponto em FG; pois se elas
se encontram, dois lados de um triângulo serão iguais a um terceiro, AC, o que é impossível.
Outra vez desenhe-se a linha FG e bissectada em H, e sejam iguais comprimentos colocados
sobre [FK e GL]. Estes do mesmo modo não se encontrarão, pelas mesmas razões que
antes. Ao fazer isto indefinidamente, desenhando linhas entre os pontos não-coincidentes,
bissectando as linhas de ligação, e colocando sobre as linhas retas comprimentos iguais às
suas metades, eles dizem que provam que as linhas AB e CD não se encontrarão em local
algum.

            Estes são os seus argumentos. A eles temos que responder que o que dizem é
verdade, mas que não prova tanto quanto pensam. É verdade que não é possível deste modo
simples encontrar o ponto em que a intersecção ocorre. Não é verdade, no entanto, que as
linhas nunca se encontram. Seja considerado que AB e CD não se encontram quando os
ângulos BAC e DCA são definidas pelos pontos F e G. Mas não há razão pela qual elas não
devam encontrar-se em K e L, mesmo que FK e GL sejam iguais a FH e HG. Pois se AK e CL
se encontram em K e L, os ângulos KFH e LGH não serão mais os mesmos; isto é, parte de
FG passou a pertencer a AK e CL; e assim em troca as linhas FK e GL são maiores que a
base por tanto quanto tiraram da linha FG. Isto também deveria ser dito. Ao afirmar sem
restrição que linhas prolongadas de ângulos menores que dois ângulos retos não se
encontram, eles estão derrubando o que não pretendem. Seja o diagrama igual ao anterior. 
11

Agora é possível ou não desenhar uma linha reta  de A a G? Se eles dizem que não é
possível, estão a negar, não apenas o quinto postulado, mas também o primeiro, que afirma
ser possível desenhar uma linha reta de qualquer ponto a outro qualquer ponto. Se isto é
possível, seja desenhada essa linha. Então como os ângulos FAC e GCA são menores que
dois ângulos retos, é ainda mais claro que GAC e GCA são menores que dois ângulos retos.
Portanto AG e CG encontram-se em G, e são prolongadas de ângulos menores que dois
ângulos retos. Conseqüentemente não é possível dizer sem restrição que linhas prolongadas
de ângulos menores que dois ângulos retos não se encontram. Pelo contrário, é claro que
algumas linhas prolongadas de ângulos menores que dois ângulos retos encontram-se, se
bem que o argumento que prova isto de todas essas linhas ainda está por ser encontrado.
Dado que “menor que dois ângulos retos” é indeterminado, poderia dizer-se que com tal
redução [aos ângulos retos] as linhas retas continuam não secantes, enquanto que, com outra
redução maior [aos ângulos retos] que esta, elas encontram-se.” (Proclus, séc. V, 369.1-
371.10)
            Aparentemente, este argumento mostraria que as retas nunca se intersectariam. Contudo, a
verdade é que, de modo análogo ao que se passa com o paradoxo de Aquiles e da Tartaruga, o
processo não tem fim, mas as retas encontram-se numa distância finita. Proclus não foi capaz de
detectar a falha no argumento apresentado e, na sua análise, parece perder-se (refiro-me à parte
que coloquei a itálico e cujo sentido não consegui perceber; talvez seja falha minha, mas quer-me
parecer que falta algo no raciocínio; talvez algo se tenha perdido entre as várias traduções ao longo
dos tempos). Contudo, compreende que, apesar de este método nunca encontrar o ponto de
intersecção, isso não significa que as retas nunca se intersectem.  Proclus aponta que a conclusão
deste argumento não faz sentido, pois prova “demais”, no sentido em que contraria não só o quinto
postulado, mas também o primeiro, segundo o qual se poderia traçar uma linha reta ligando A a G.
Segundo o argumento por Proclus analisado, a reta AG nunca intersectaria a reta CD e, logo, não
chegaria a G, o que é absurdo. Deste modo, Proclus afirma que não há dúvida que existem retas que
se intersectam, embora, Proclus avise que ainda não foi encontrado o “argumento” que prova isso
para todas as retas, ou seja, que ainda não foi demonstrado o quinto postulado de Euclides.
            É neste contexto que Proclus prossegue com o seu “argumento” para demonstrar o quinto
postulado de Euclides, começando por afirmar a necessidade de aceitar à partida certo axioma:
            “A quem quiser ver este argumento construído, digamos que terá que aceitar
antecipadamente um axioma como o que Aristóteles usou para estabelecer a finitude do
universo: se de um ponto único duas linhas retas fazendo um ângulo são prolongadas
indefinidamente, o intervalo entre elas quando prolongadas indefinidamente excederá
12

qualquer grandeza finita. Pelo menos ele provou que, se as linhas estendidas do centro para
a circunferência são infinitas, o intervalo entre elas é infinito; pois se é finito, é possível
aumentar o intervalo entre elas, de modo que as linhas retas não sejam infinitas. As linhas
retas estendidas indefinidamente, então, divergirão uma da outra uma distância maior que
qualquer grandeza finita.” (Proclus, séc. V, 371.11-371.23).
            Há quem critique este axioma pressuposto por Proclus dizendo que também ele teria que ser
demonstrado, pois o argumento que Aristóteles usa para concluir a finitude do universo não prova
este axioma. É o caso de Clavio, que criticou o axioma e que diz que, do mesmo modo que não se
pode supor que duas linhas que se aproximam cada vez mais se irão intersectar, também não se
pode supor que duas linhas que se afastam cada vez mais se irão afastar mais do que qualquer
distância finita, dando o exemplo da conchóide de Nicomedes, que se afasta cada vez mais da
tangente no vértice mas nunca se afasta mais do que uma determinada distância finita. Contudo,
este axioma, se bem que possa ser considerado discutível, não é equivalente e não permite provar o
quinto postulado. 
            É então que Proclus, partindo deste axioma, apresenta a sua própria demonstração do quinto
postulado:

“Se isto é estabelecido, eu digo que, se uma linha reta corta uma de duas retas  paralelas, ela
corta a outra também. Sejam AB e CD linhas paralelas e EFG uma linha que corta AB. Eu
digo que também corta CD. Pois, como existem duas linhas retas passando por um ponto F,
quando FB e FG são estendidas indefinidamente, elas terão entre elas um intervalo maior que
qualquer grandeza e, por isso, maior que a distância entre as linhas paralelas. E, portanto,
quando são separadas uma da outra uma maior distância que aquela entre as linhas
paralelas, FG cortará CD. Portanto, se uma linha reta corta uma de duas paralelas, ela cortará
a outra também.

            Provado isto, podemos demonstrar a proposição perante nós [o quinto postulado]
como sua conseqüência. Sejam AB e CD duas linhas retas e EF caída sobre elas e a fazer
ângulos BEF e DFE menores que dois ângulos retos.
13

Eu digo que as linhas retas encontrar-se-ão no lado em que os ângulos são menores que dois
ângulos retos. Pois, como os ângulos BEF e DFE são menores que dois ângulos retos, seja
HEB igual ao excesso de dois ângulos retos sobre eles [seja HEB dois ângulos retos menos
BEF e DFE], e seja HE prolongada até K. Então, como EF cai sobre KH, e CD faz os ângulos
internos iguais a dois ângulos retos, nomeadamente HEF e DFE, HK e CD são linhas retas
paralelas. E AB corta KH; irá, portanto cortar CD, pela proposição já demonstrada. AB e CD,
portanto se encontrarão  na direção em que os ângulos são menores que dois ângulos retos,
pelo que a proposição perante nós foi demonstrada.” (Proclus, séc. V, 371.23-373.3)
           
Como se verifica, Proclus começa por apresentar a demonstração de uma proposição que diz
que uma linha reta que encontra uma de duas paralelas também intersecta necessariamente a outra.
É daí que prova o quinto postulado e, de fato, a partir dessa proposição pode-se demonstrar o quinto
postulado de Euclides.
Proclus não cai pois no erro de considerar a definição de paralelismo de Posidônio (retas
eqüidistantes) como equivalente à de Euclides (retas que não se intersectam), o que seria pressupor
desde logo o quinto postulado. Contudo, considera que a distância entre duas paralelas se mantém
menor que uma distância fixa, na demonstração da proposição inicial (a partir da qual demonstrou o
quinto postulado) e é aí que está o seu erro, pois isso é equivalente ao quinto postulado de Euclides
(na geometria hiperbólica, é falso que a distância entre duas paralelas seja sempre inferior a certa
distância finita). Logo acaba por não demonstrar o postulado visto que o pressupôs, ainda que
involuntariamente.
Apesar disso, o trabalho de Proclus é extremamente relevante. Ele preocupou-se em
apresentar a questão de uma forma ponderada e científica. Não se limitou a apresentar a sua
demonstração. Analisou uma tentativa anterior à sua (a de Ptolomeu, que corretamente identificou
como errada) e atacou, por um lado, aqueles que diziam que as retas nunca se encontravam e, por
outro, aqueles que se fundamentavam em “probabilidades” para concluir que as retas tinham que se
encontrar só porque a tendência das retas era aproximar-se cada vez mais.
Na sua tradução do comentário de Proclus, Morrow considera que “esta tentativa de provar o
quinto postulado de Euclides é a contribuição mais ambiciosa de Proclus para os elementos da
geometria” (Morrow, 1970, xxxi). Há mesmo quem ponha a hipótese, a partir de uma referência de
Philoponus, que Proclus teria tido este assunto em tão elevada conta que teria mesmo chegado ao
ponto de escrever um livro sobre ele, entretanto perdido.
14

A Demonstração do Quinto Postulado de Euclides por Aganis  

             Outra tentativa de demonstrar o quinto postulado aparece no comentário árabe de Al-Nirizi
(século IX) que chegou aos nossos dias através de uma tradução para latim de Gerardo de Cremona
(século XII). Esta tentativa é atribuída a um tal de Aganis.
Não se sabe ao certo quem foi Aganis, há quem o identifique com Geminus, mas também
quem negue essa possibilidade. Simplicius viveu no século VI, como Aganis foi seu amigo ou mestre,
pressupõe-se que tenha vivido por essa altura.
Al-Nirizi, na parte do seu comentário dedicada às definições, postulados e axiomas, inclui
muitas referências a Simplicius (século VI). Ao que parece, Simplicius terá escrito um comentário ao
primeiro livro dos Elementos de Euclides em que declarava ser possível demonstrar o quinto
postulado. O comentador árabe aceitou sem questionar as idéias e demonstrações do sue
antecessor e cita Simplicius que, por sua vez, apresenta a demonstração do seu amigo (ou do seu
mestre) Aganis para o quinto postulado.
Simplicius diz que este postulado requer demonstração e que Abthinathus e Diodorus já o
tinham demonstrado recorrendo a muitas proposições diferentes, enquanto que Ptolomeu o havia
explicado e demonstrado usando proposições dos Elementos de Euclides. Sobre quem seja
Abthinathus apenas há especulações. Já no que toca a Diodorus, acredita-se que seja o autor do
Analemma, sobre o qual Pappus escreveu um comentário. Esta referência mostra que nesta altura já
eram vários os que haviam contestado o quinto postulado de Euclides (e vários os que julgavam ter
conseguido demonstrá-lo, se bem que estivessem enganados pois é impossível demonstrar o quinto
postulado sem recorrer a um novo postulado). Ficamos também a saber que Simplicius não se
apercebeu do erro da demonstração de Ptolomeu.
No seu comentário, Simplicius apresenta idéias similares às de Posidônio. Por isso, não
causa grande surpresa que Aganis (citado por Simplicius) cometa o erro de, como Posidônio, chamar
paralelas a linhas retas eqüidistantes. Ou seja, está a pressupor que, se duas retas não se
intersectam, então, elas mantêm-se sempre à mesma distância e, como já referi, isso implica o
quinto postulado, pelo que a demonstração não faz sentido.
No referido comentário, é citada a definição de paralelismo do filósofo Aganis:
“Linhas retas paralelas são linhas retas, situadas no mesmo plano, cujas distâncias entre si, se
prolongadas indefinidamente em ambas as direções ao mesmo tempo, é sempre a mesma” (Heath,
1925, p. 191). 
            Para clarificar esta definição, Simplicius diz que; “A distância referida é a linha mais curta que
liga coisas desligadas e no que se refere à distância entre duas linhas, essa distância é, se as linhas
forem paralelas, uma e a mesma, igual a si própria em todos os pontos da reta, é a distância mais
curta e, em todos os pontos da reta, é perpendicular a ambas” (Heath, 1925, p. 191).
A partir da sua definição de paralelismo, Aganis constrói uma demonstração do quinto
postulado deduzindo as seguintes proposições: a distância mais curta entre duas paralelas é a
perpendicular comum a ambas as linhas; duas linhas retas perpendiculares a uma terceira são
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paralelas entre si; duas paralelas, cortadas por uma terceira linha reta, formam ângulos internos no
mesmo lado que são suplementares (iguais a dois ângulos retos) e reciprocamente.
Esta última proposição é similar à proposição 29 do primeiro livro dos Elementos de Euclides,
proposição essa que carece do quinto postulado para ser corretamente demonstrada. Mas, ao
pressupor  aquela definição de paralelismo, já se pressupõe o quinto postulado e, portanto, podem-
se demonstrar as três proposições referidas.
Eis como Aganis constrói o ponto de intersecção de duas linhas retas que não são
eqüidistantes (de acordo com Bonola, 1912, p.8-9):
- sejam AB e GD duas linhas retas cortadas por uma transversal EZ, de modo que a soma
dos ângulos AEZ e EZD seja menor que dois ângulos retos;
- suponha-se, sem perda de generalidade, que AEZ é um ângulo reto;
- tome-se um ponto arbitrário T sobre ZD;
- de T trace-se TL perpendicular a ZE;
- bissecte-se o segmento EZ em P; bissecte-se PZ em M; bissecte-se MZ, etc.. até um dos
pontos médios P, M, ... estar no segmento LZ. Seja esse o ponto M;
- trace-se MN perpendicular a EZ, a encontrar ZD em N;
- sobre ZD, marque-se o segmento ZC, o mesmo múltiplo de ZN que ZE é de ZM;
- no caso da figura, ZC = 4 ZN.
- o ponto C assim encontrado é o ponto de intersecção das duas linhas retas AB e GD.

Para provar isto, seria necessário mostrar que os segmentos ZN, NS,... que foram marcados
um após o outro sobre a linha ZD, têm iguais projeções sobre ZE. O raciocínio apresenta algumas
semelhanças com uma parte da demonstração de Nasiraddin do quinto postulado.

A Demonstração do Quinto Postulado de Euclides 


por Nasiraddin at-Tüsi

             Natural da Pérsia, Nasiraddin (1201-1274) apresenta uma demonstração do quinto postulado
cuja parte final utiliza um raciocínio similar ao de Aganis.
            Nasiraddin começa por assumir o seguinte resultado como óbvio:
- se duas retas AB e CD são cortadas por uma terceira reta PQ, que é perpendicular apenas a uma
delas (considere-se que seja CD), então, as distâncias medidas nas perpendiculares de AB para CD
são menores do que PQ no lado em que AB faz um ângulo agudo com PQ, e são maiores no lado
onde AB faz um ângulo obtuso.
16

            A falha de Nasiraddin está nesta suposição que é equivalente ao quinto postulado e, portanto,
como a demonstração de Nasiraddin assenta nesta suposição, acaba por não demonstrar nada. 
            Esta suposição foi alvo de críticas, nomeadamente de Saccheri e Wallis. Wallis terá mesmo
dito que, se era preciso supor alguma coisa, porque não supor o próprio quinto postulado de
Euclides.
            A partir da referida suposição, Nasiraddin demonstra que, se dois segmentos AC e BD forem
traçados das extremidades de um segmento AB para o mesmo lado, iguais um ao outro, de modo a
fazer ângulos retos com AB, e depois unir-se C a D, então cada um dos ângulos ACD e BDC será
reto e CD será igual a AB.
Demonstração (de acordo com Heath, 1925, p. 209):

Que os ângulos serão retos, é provado por redução ao absurdo. Supõe-se que um ângulo não
é reto, logo será agudo ou obtuso. Se o ângulo ACD for agudo, então pela suposição inicial,
BD é menor que CA (e se for o ângulo BDC agudo, CA será menor que BD), o que é absurdo
por hipótese. De modo análogo atinge-se o absurdo ao supor o ângulo obtuso. Como todos
os ângulos são retos, facilmente se prova que DC=AB.

Nasiraddin prova depois que a soma dos ângulos de qualquer triângulo é igual a dois ângulos
retos. Primeiro utiliza a conclusão acabada de referir, para demonstrar o resultado para triângulos
retângulos e, depois, generaliza a todos os triângulos, recorrendo ao fato de todos os triângulos
poderem ser divididos em dois triângulos retângulos.
Por fim, Nasiraddin entrega-se à demonstração do quinto postulado propriamente dito (apesar
desta demonstração estar comprometida pela suposição inicial). Três casos são distinguidos, mas
pode-se reduzir ao caso em que os ângulos internos são um reto e o outro agudo.
Demonstração (de acordo com Heath, 1925, p. 209-210):

- sejam AB e CD duas linhas retas intersectadas pela linha reta FCE, de modo a fazer o
ângulo ECD reto e o ângulo CEB agudo.
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- tome-se um qualquer ponto G em EB e trace-se GH perpendicular a EC.


- como o ângulo CEG é agudo, a perpendicular GH estará no lado de D em relação a E
(estará dentro do ângulo FEB) e coincidirá com CD ou não. Se coincidir, está provada a
proposição.
- se GH não coincide com CD mas está do lado de F em relação a CD, então CD estará
dentro do triângulo formado por HE, EG e GH, e terá de cortar EG (está a pressupor que se
CD for prolongada o suficiente, sairá fora do triângulo e portanto cortará EB)
- se GH estiver no lado de E em relação a CD, então há que prosseguir com o seguinte
raciocínio:
- ao longo de HC, coloquem-se HK, KL, etc. todos iguais a EH, até encontrar um ponto
M, para lá de C.
- ao longo de GB coloquem-se GN, NO, etc. todos iguais a EG até EP ser o mesmo
múltiplo de EG que EM é de EH.
- então, pode-se provar que as perpendiculares de N, O, P para EC intersectam os
pontos K, L, M (de EC) respectivamente. Para provar isso, tome-se a perpendicular de
N para EC, a linha reta NS.
- trace-se EQ igual a GH com ângulos retos em relação a EH e coloque-se SR sobre
SN, também igual a GH. Trace-se QG e GR.
- então, pelo resultado atrás demonstrado, os ângulos EQG e QGH são retos e
QG=EG. Do mesmo modo se conclui que os ângulos SRG e RGH são retos e RG=SH.
- assim, RGQ é uma linha reta e os ângulos opostos NGR e EGQ são iguais. Por
construção, os ângulos NRG e EQG são ambos retos e NG=GE.
- portanto RG=GQ, donde SH=HE=KH e S coincide com K.
- do mesmo modo se pode proceder com as outras perpendiculares.
                       - assim, PM é perpendicular a FE. Por isso CD, como é paralela a MP e   está dentro
do triângulo PME, irá cortar EP, se prolongada o suficiente.

Tentativas De Demonstração do Quinto Postulado De Euclides


Do Século III A.C. Ao Século XXI.

            Aproximadamente em 300 a. C., Euclides escreveu os Elementos. 


            No século I a.C., Posidônio apresentou uma definição de paralelismo segundo a qual as retas
paralelas são as retas eqüidistantes, ou seja, duas linhas retas são paralelas se a distância medida
numa qualquer perpendicular de uma delas for sempre igual, independentemente da perpendicular
escolhida. Assumir isto é equivalente a pressupor o quinto postulado e, por isso, as demonstrações
baseadas nesta definição não estavam corretas.
            Proclus, no século V, criticou esta definição de Posidônio e apontou o fato de que é plausível
a idéia do quinto postulado não se verificar, pois há linhas como a hipérbole  que convergem para as
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suas assíntotas, mas não chegam a intersectar-se. No entanto, Proclus acreditou que o quinto
postulado era demonstrável e disse que outros antes dele haviam afirmado o mesmo.  No seu
comentário ao primeiro livro dos Elementos, Proclus apresentou uma tentativa de demonstração do
quinto postulado por Ptolomeu (século II), que  identifica como errada, e a sua própria tentativa de
demonstração que falha ao pressupor que a distância entre duas linhas paralelas é sempre inferior a
uma distância fixa (ainda que possa variar), pois isso é equivalente ao quinto postulado.
Numa tradução do século XII de um comentário árabe aos elementos de Euclides de Al-Nirizi
(século IX), é citado Simplicius (século VI) que, num comentário seu ao primeiro livro de Euclides,
terá apresentado a demonstração de Aganis, que comete o erro de assumir uma definição de
paralelismo semelhante à de Posidônio. O fato de esta demonstração de Aganis chegar até nós
através do comentário de um matemático árabe é sintomático da importância da Matemática árabe
após a decadência da Grécia.
            No século XIII, Nasiraddin At-Tüsi, apresenta também uma demonstração do quinto
postulado. Nesta demonstração, Nasiraddin supõe que se duas retas AB e CD são cortadas por uma
reta PQ que é perpendicular apenas a uma delas (por exemplo, AB). Então, as distâncias medidas
nas perpendiculares de AB para CD serão menores do lado em que PQ faz ângulos agudos com CD
e maiores do lado em PQ faz ângulos obtusos com CD. O seu erro reside no fato desta suposição
ser equivalente ao quinto postulado.
Em 1533 foi impresso pela primeira vez o Comentário de Proclus. Sob a sua influência, várias
críticas surgem de alguns comentadores.
Commandino (1509-1575), cai no erro de juntar à definição de paralelismo a idéia de
eqüidistância No entanto, no que toca ao quinto postulado, acaba por aceitar a demonstração de
Proclus que como já se referiu, está errada. Também Clavio (1537-1612), que traduziu para latim os
Elementos, reproduziu e criticou a demonstração de Proclus e apresentou uma demonstração sua do
quinto postulado. A sua demonstração assenta no fato de o conjunto dos pontos eqüidistantes de
uma reta (de um lado da reta) formarem uma linha reta. Ora, supor isso é equivalente a supor o
quinto postulado. A sua demonstração acaba por ter algumas semelhanças com a de Nasiraddin.
            No século XVII, Cataldi (1548-1626) é o primeiro matemático a publicar uma obra
exclusivamente dedicada à teoria das paralelas. Cataldi assume uma hipótese que é equivalente ao
quinto postulado: linhas retas não eqüidistantes convergem numa direção e divergem na outra. 
            Também no século XVI, Borelli (1608-1679) e Vitale (1633-1711) irão, nos seus estudos,
regressar à idéia de eqüidistância das linhas paralelas, que havia sido levantada por Posidônio.
            Quase 2000 anos passaram desde que Euclides escreveu os Elementos e o seu quinto
postulado continua a gerar perplexidade, pois parece ser óbvio, mas os matemáticos não conseguem
demonstrá-lo. A generalidade das tentativas de demonstração até aqui referidas têm em comum o
fato de pressuporem alguma hipótese que se julga óbvia e que, por isso, não precisaria de
demonstração. Contudo, o que essas demonstrações demonstram não é mais do que a equivalência
dessas hipóteses ao quinto postulado (a maioria dessas hipóteses saem diretamente do quinto
postulado e estes matemáticos provam que, reciprocamente, elas implicam o quinto postulado). 
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            Muitos desses matemáticos que tentaram demonstrar o quinto postulado de Euclides tiveram
o cuidado de estudar e criticar as tentativas que os precederam. Apesar disso, muitos acabaram por
reincidir-nos mesmos erros ou em erros semelhantes. 
        Entretanto, durante o século XVII, alguns matemáticos irão aperceber-se que, se consideram
alguma hipótese que não é demonstrada dos primeiros quatro postulados, então não é correto usá-la
para demonstrar o quinto postulado.
É o caso de Wallis (1616-1703), que abandona a idéia de eqüidistância que os matemáticos
seus antecessores haviam utilizado sem sucesso para tentar demonstrar o postulado. Wallis desiste
de tentar demonstrar o quinto postulado a partir unicamente dos primeiros quatro postulados e
introduz um axioma que considera ser mais plausível que o quinto postulado: sobre um segmento é
sempre possível construir um triângulo semelhante a um triângulo dado. Wallis demonstra com
sucesso o quinto postulado, mas está a utilizar um axioma alternativo, portanto o que está a provar é
equivalência desse axioma ao quinto postulado (porque reciprocamente, o quinto postulado implica
aquele axioma).  Na sua demonstração do quinto postulado, Wallis ao provar que uma determinada
hipótese é equivalente ao quinto postulado, acaba, pois por não fazer algo muito diferente dos seus
antecessores. Contudo, é de destacar o fato de estar consciente disso e apresentar o seu axioma
como alternativa ao quinto postulado.
Outro matemático que se dedicou muito a tentar demonstrar o quinto postulado de Euclides e
que deu um passo largo no caminho das geometrias não euclidianas, foi Gerolamo Saccheri (1667-
1733).
Em primeiro lugar, Saccheri analisou e criticou muitas das tentativas de demonstrar o quinto
postulado por matemáticos anteriores. Nessas análises, Saccheri sublinhou que tudo tinha que ser
demonstrado e que, portanto, não fazia sentido tomar certas hipóteses sem as demonstrar, como
haviam feito muitos matemáticos anteriores. Saccheri não cometeu esse erro. Profundamente
convicto de que poderia demonstrar o quinto postulado, embrenhou-se num longo estudo com esse
objetivo, sem nunca considerar o quinto postulado.

Começou por considerar um tipo especial de quadriláteros (os quadriláteros de Saccheri), que
se caracterizam por ter um par de lados opostos iguais e perpendiculares a um terceiro lado. Este
lado chama-se base e o oposto é o topo. Os ângulos β e α são os ângulos de topo. Intuitivamente, a
tendência será dizer que é óbvio que estes quadriláteros são retângulos e os ângulos β e α têm de
ser retos. Contudo, por incrível que pareça se não for considerado o quinto postulado, essa
afirmação não pode ser provada!
Saccheri provou várias equivalências ao quinto postulado: todos os quadriláteros de Saccheri
são retângulos; existe pelo menos um retângulo (!); a soma dos ângulos internos de um triângulo é
20

180º. Nesse sentido, Saccheri procurou provar que os quadriláteros por ele inventados seriam
retângulos mesmo que não se considerasse o quinto postulado. Primeiro, provou que os ângulos de
topo teriam que ser congruentes e que, por isso, teriam que ser ambos retos, ambos agudos ou
ambos obtusos. Então, procedeu a uma demonstração por redução ao absurdo: considerou três
hipóteses  consoante os ângulos (a hipótese do angulo agudo (HAA), a hipótese do angulo reto
(HAR) e a hipótese do angulo obtuso (HAO)) e procurou atingir absurdos a partir de HAA e HAO,
para concluir que HAR era a única possível.
O esforço de Saccheri teve sucesso ao provar que HAO levava a um absurdo. Contudo, o
sucesso não foi total, pois HAA é impossível provar ser um absurdo. Ao considerar HAA, Saccheri vai
estudar a geometria hiperbólica sem se aperceber disso. Na busca de absurdos, vai demonstrar
propriedades desta nova geometria até chegar a um ponto em que, talvez por querer tanto que aquilo
resultasse num absurdo, comete um erro na demonstração que o faz pensar ter chegado à
conclusão que pretendia.
No ano da sua morte, é publicada a obra, intitulada de Euclides ab omne naevo vindicatus, o
que significará algo como Euclides liberto de todos os erros. Para ele, o grande erro de Euclides era
ter colocado aquele resultado como postulado e para livrá-lo dos erros tinha de demonstrá-lo. Há
quem defenda que Saccheri apercebeu-se que a sua demonstração não estava absolutamente
correta e que por isso hesitou tanto antes de publicá-la.
É espantoso ver que Saccheri lançou as fundações das geometrias não euclidianas, quando
tinha o único intuito de destruí-las! Há quem considere que Saccheri descobriu as geometrias não
euclidianas, mas simplesmente não quis acreditar.
De destacar em 1763, a realização da tese de Georg Klügel (1739-1832), que consistiu em
analisar vinte e oito tentativas de demonstrar este postulado. Klügel concluiu que todas eram
insatisfatórias e sugeriu que o postulado não podia ser provado e que apenas era aceite como
verdadeiro por causa dos testemunhos dos nossos sentidos. Aqui, finalmente, começa a ser
levantada a possibilidade de ser impossível demonstrar o quinto postulado.
Já no século XVIII, Lambert (1728-1777) estudou as investigações de Saccheri e descobriu
novos resultados no âmbito da HAA. Lambert teve também uma aproximação semelhante à de
Saccheri, ao estudar quadriláteros cujas características essenciais seriam ter pelo menos três
ângulos retos (quadriláteros de Lambert). Também ele contribuirá com novos resultados para a
geometria não euclidiana, mas não atingirá contradição.
Nos finais do século XVIII, o estudo da teoria das paralelas, que já havia dado frutos na Itália
e na Alemanha, começa a ter notáveis avanços também em França. Por esta altura, vários
matemáticos famosos franceses manifestaram interesse nesta temática da teoria das paralelas e o
quinto postulado, como foi o caso de D�Alembert, Lagrange, Carnot e Laplace. D�Alembert terá
mesmo falado no �escândalo da geometria� a propósito do fracasso das muitas tentativas de
demonstração do quinto postulado!
Destaca-se o caso de Legendre (1752-1833), um dos melhores matemáticos do seu tempo e
que, de tal modo desenvolveu uma espécie de obsessão pela demonstração do quinto postulado,
21

que durante 29 anos publicou tentativa após tentativa em várias edições do seus Élements de
Géométrie.
No século XIX, começa-se a compreender que é possível uma geometria sem o quinto
postulado, embora ainda se acredite que no espaço físico é a geometria euclidiana a única possível.
Há quem considere que Gauss (1777-1855) terá sido o primeiro a ter noção dessa geometria
que contrariava o quinto postulado, contudo, Gauss não publicou nada sobre os seus estudos neste
campo durante a sua vida. Só através de publicações póstumas, nomeadamente correspondência
sua com outros matemáticos, conseguiu-se ver que também ele tinha compreendido a possibilidade
do quinto postulado ser impossível de demonstrar, se bem que não aceitasse uma geometria não
euclidiana como possível.
Ainda em 1799, em resposta a uma carta de Wolfgang Bolyai em que este afirmava ter
demonstrado o quinto postulado, Gauss escreve (traduzindo a transcrição de Greenberg, 1980, p.
319):

"... o caminho pelo qual enveredei não conduz à meta desejada, a meta que declaras ter
atingido, mas antes a uma dúvida sobre a validade da geometria [euclidiana]. Eu certamente alcancei
resultados que a maioria das pessoas veria como prova, mas que aos meus olhos prova quase nada;
se, por exemplo, alguém consegue provar que existe um triângulo retângulo cuja área é maior que
qualquer número dado, então eu sou capaz de estabelecer todo o sistema da geometria [euclidiana]
com todo o rigor. A maioria das pessoas certamente exporia este teorema como um axioma; eu não
o faço (...) Eu estou na posse de vários teoremas deste tipo, mas nenhum me satisfaz."
Noutro momento, terá afirmado que "Eu estou a chegar mais e mais à convicção que a
necessidade da nossa geometria não pode ser demonstrada, pelo menos nem por, nem para, o
intelecto humano... geometria deve ser classificada, não com a aritmética, que é puramente
apriorista, mas com a mecânica", o que transmite a idéia que Gauss estava a aperceber-se da
possibilidade de geometrias não euclidianas (pois não pode demonstrar que só existe a euclidiana),
mas achava que para a realidade física só a euclidiana faria sentido.
Vários matemáticos estudaram esta temática durante este século e �aproximaram-se� das
geometrias não euclidianas, contudo, foram Janos Bolyai (1802-1860) e Nikolai Lobachevsky (1793-
1856) quem descobre e corajosamente anuncia a descoberta de novas geometrias, diferentes da
euclidiana. Também eles haviam tentado demonstrar o quinto postulado mas, perante o insucesso
dessa tentativa tiveram a coragem de acreditar que havia uma alternativa ao que os sentidos faziam
parecer ser a única hipótese.
Janos Bolyai era filho de Wolfgang Bolyai (1755-1856), um matemático que se tinha dedicado
ao estudo da teoria das paralelas e que também havia tentado provar o quinto postulado. Janos tinha
aprendido matemática com o seu pai, onde revelou muito talento, mas, acabou por tornar-se oficial
no exército austríaco. No entanto, isso não o impediu de investigar Matemática, nomeadamente a
teoria das paralelas e o quinto postulado. Após, como tantos outros, ter fracassado em demonstrar o
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quinto postulado, Janos, tentou demonstrar a sua falsidade, acabando por descobrir uma geometria
não euclidiana.
É interessante ler a correspondência entre pai e filho referente a esta matéria. Quando Janos
diz a seu pai que está a estudar o �problema das paralelas�, Wolfgang procura desencorajá-lo,
pois considera ser um caminho impossível de percorrer, revelando uma profundo desânimo pessoal
nesta área da Matemática à qual tanto se havia dedicado: �Atravessei essa noite sem fim, que
extinguiu toda a luz e alegria da minha vida.�. E pede ao filho que abandone esse estudo.
Ainda assim, Janos continua o seu estudo e acaba por convencer o seu pai de que está a
chegar a conclusões importantes na teoria das paralelas. Wolfgang aconselha então o seu filho a
publicar o mais depressa possível o seu estudo pois, �quando o tempo está maduro para certas
coisas, estas aparecem em diferentes lugares�. O que de fato acontecerá neste caso em que
Lobachevsky, na Rússia, descobre também ele uma geometria não euclidiana (e é Lobachevsky
quem primeiro publica uma obra sobre geometria não euclidiana, em 1829). Janos terá dito: "criei um
mundo novo e diferente a partir do nada"!
Em 1831, Janos publica a sua obra como apêndice a uma obra do seu pai sobre geometria.
Wolfgang tinha estudado com Gauss e correspondia-se regularmente com ele (nomeadamente sobre
tentativas de demonstrar o quinto postulado), logo, enviou uma cópia da obra a Gauss. Janos e
Wolfgang esperaram ansiosamente pela resposta, mas o livro perdeu-se no correio. Enviaram um
novo exemplar e Gauss responde que aqueles resultados, de uma geometria não euclidiana, não
eram novidade para si, pois ele próprio já andava a refletir sobre aquilo há muito tempo.
Janos não gostou do comentário de Gauss e pensou que este lhe quisesse retirar o crédito da
descoberta. Terá ficado de tal modo deprimido que não voltou a publicar nada da sua pesquisa neste
campo. Nem Bolyai nem Lobachevsky chegaram a ver o seu valor reconhecido pela grande
descoberta que fizeram.
Estes dois matemáticos apenas descobriram uma geometria não euclidiana, outras, como a
elíptica (para esta geometria não basta negar o quinto postulado), foram descobertas mais tarde.
Muitos outros matemáticos vieram a distinguir-se no campo das geometrias não euclidianas.
Em 1868, Beltrami prova a consistência de uma geometria não euclidiana, ao provar que se a
geometria euclidiana é consistente, também o é a geometria hiperbólica. Deste modo, provou que
era impossível demonstrar o quinto postulado pois, provou que não havia contradição lógica em
considerar os quatro primeiros postulados e um quinto que contrariasse o quinto postulado de
Euclides.
  Seria de esperar, que após Beltrami provar que era impossível demonstrar o quinto
postulado, que ninguém voltaria a tentar o mesmo (pelo menos se tivesse conhecimentos científicos).
Contudo isso voltou a acontecer. Apresento os dois exemplos que encontrei:
Em 1905, Matthew Ryan (desconheço quem foi ou o que fazia ao certo, aliás) publicou um folheto de
30 páginas Euclid's World-Renowned Parallel Postulate em que mistura o quinto postulado com
religião. Este senhor demonstra o quinto postulado recorrendo a linhas em movimento, o que é não é
permitido na geometria euclidiana e, portanto, não faz muito sentido. Este autor revela um autêntico
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pânico perante a idéia de Geometrias Não-Euclidianas e quase anuncia o apocalipse, como se pode
depreender das suas palavras de conclusão: 
"1. As loucas Satânicas deduções da Geometria Não-Euclidiana; juntamente com as
declarações tolas dos Não-Euclidianos, mostra que a invenção da Geometria "imaginária" ou Não-
Euclidiana é bestialmente tola; e, por isso, de natureza a desorientar as mentes, desperdiçar o
tempo, e destruir a saúde de milhões de estudantes cada ano.
2. O ensino da Geometria "imaginária" ou Não-Euclidiana em universidades e escolas geraria
uma raça de estudantes arrogantes e imbecis, que colocariam a sociedade em perigo através da
aplicação de raciocínios "imaginários" e falaciosos aos temas mais importantes, como o governo
humano, trabalho e capital, doutrina Cristã, milagres de Cristo, Deus"
(traduzido de Dudley, 1992, p. 158)

Em 1931, J. Callahan, o presidente de uma universidade nos EUA apresentou uma demonstração do
quinto postulado, numa obra que denominou de Euclid or Einstein. Nesta obra, critica os principais
matemáticos que desenvolveram as geometrias não euclidianas: Gauss, Bolyai, Lobachevsky,
Riemann.... Ou seja, não é uma tentativa ingênua de quem não conhece a longa história deste
postulado, mais pelo contrário, é um tentativa de demonstração que tem por objetivo rebater tudo o
que já foi descoberto de geometrias não euclidianas. Contudo, este autor utiliza uma definição de
linhas paralelas similar à de Posidônio, estando aí o fundamento para a sua demonstração (dizer que
retas paralelas são eqüidistantes é equivalente a afirmar o quinto postulado).

Pode parecer descabida esta demonstração do quinto postulado tanto tempo depois de ser
demonstrado que é impossível fazê-lo, contudo, não posso deixar de notar, que, se esta publicação
está online é porque alguém, na atualidade, a achou suficientemente relevante para publicá-la. 
Quererá isto dizer que ainda nos dias de hoje, há quem defenda que se pode demonstrar o quinto
postulado de Euclides?

REFERÊNCIAS
 
Autor do Artigo: MARQUES, Hugo. "As tentativas de demonstração do Quinto Postulado dos
Elementos de Euclides". Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. 2004
BONOLA, Roberto, Non-Euclidean Geometry, tradução inglesa de H. S. Carslaw; New York: Dover
Publications Inc, 1955.
LOBACHEVSKY, Nicholas, The Theory of Parallels, tradução inglesa de George Bruce Halsted, in
BONOLA, Roberto, Non-Euclidean Geometry, tradução inglesa de H. S. Carslaw; New York: Dover
Publications Inc, 1955.
BOLYAI, John, The Science of Absolute Space, tradução inglesa de George Bruce Halsted, in
BONOLA, Roberto, Non-Euclidean Geometry, tradução inglesa de H. S. Carslaw; New York: Dover
Publications Inc, 1955.
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DUDLEY, Underwood, Mathematical Cranks, Washington D.C.: The Mathematical Association of


America, 1992 .
HEAT, Thomas, L., The thirteen books of Euclid’s Elements translated with introduction and
commentary (volume 1), New York: Dover Publications Inc, 1956 (edição original 1925).
GREENBERG, Marvin Jay, Euclidean and Non-Euclidean Geometries: Development and History, San
Francisco: W. H. Freeman and Company, 1980.
PROCLUS, A Commentary on the first book os Euclid’s Elements, tradução inglesa de Glenn R.
Morrow, New Jersey: Princeton University Press, 1970.
VELOSO, Eduardo, Geometria, Temas Actuais: Materiais para Professores, Lisboa: IIE, 1998.

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