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PRONAF: os limites e contradições da política de crédito para a agricultura


familiar

Article · July 2013

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2 authors:

Eliziário Toledo Sergio Schneider


Universidade Federal da Fronteira Sul Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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PRONAF: os limites e contradições da política de crédito para a agricultura familiar

Eliziário Noé Boeira Toledo1


Sergio Schneider2

Grupo de Pesquisa: AGRICULTURA FAMILIAR E RURALIDADE

Resumo
ESTE ARTIGO ANALISA AS OPERAÇÕES DO PRONAF, VERIFICANDO SE O
PROGRAMA TEM CONTRIBUÍDO PARA O FORTALECIMENTO SOCIOECONÔMICO
DOS AGRICULTORES FAMILIARES DE SALVADOR DAS MISSÕES (RS),
RELACIONANDO COM O USO DOS RECURSOS EXPRESSOS NAS OPERAÇÕES DE
CUSTEIO E INVESTIMENTO. UTILIZOU-SE DAS INFORMAÇÕES DA PESQUISA
“AGRICULTURA FAMILIAR DESENVOLVIMENTO LOCAL E PLURIATIVIDADE”
(AFDLP), REALIZADA EM 2003 PELOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
DESENVOLVIMENTO RURAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO
SUL (UFRGS) E DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS (UFPEL) EM QUATRO
MUNICÍPIOS DO RIO GRANDE DO SUL, E DE ENTREVISTAS COM
AGRICULTORES FAMILIARES, LIDERANÇAS E GESTORES PÚBLICOS NO
MUNICÍPIO DE SALVADOR DAS MISSÕES. FOI POSSÍVEL VERIFICAR QUE A
UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS DO CRÉDITO ESTÁ DIRETAMENTE RELACIONADA
COM O PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS AGRICULTORES AO SE CONVERTER EM
CAPITAL DE GIRO DA PROPRIEDADE OU EM VERBA DE MANUTENÇÃO
FAMILIAR.
PALAVRAS-CHAVE: AGRICULTORES FAMILIARES. PRONAF. CRÉDITO RURAL.

Abstract
THIS ARTICLE EXAMINES THE OPERATIONS OF PRONAF, MAKING SURE THE
PROGRAM HAS CONTRIBUTED TO THE STRENGTHENING OF FARMERS'
SOCIOECONOMIC IN SALVADOR DAS MISSÕES (RS), RELATING TO THE USE OF
RESOURCES EXPRESSED IN THE FUNDING AND INVESTMENT OPERATIONS. WE
USED THE INFORMATION GENERATED BY THE PROJECT " AGRICULTURA
FAMILIAR, DESENVOLVIMENTO LOCAL E PLURIATIVIDADE: A EMERGÊNCIA DE
UMA NOVA RURALIDADE NO RIO GRANDE DO SUL" - AFDLP CONDUCTED IN 2003
BY THE PGDR/UFRGS AND UFPEL IN FOUR MUNICIPALITIES OF RIO GRANDE DO
SUL, AND INTERVIEWS WITH FAMILY FARMERS, LEADERS AND PUBLIC OFFICIALS
IN THE CITY OF SALVADOR DAS MISSÕES. IT WAS NOTED THAT THE USE OF
CREDIT RESOURCES IS DIRECTLY RELATED TO THE SOCIOECONOMIC PROFILE OF

1
Sociólogo, Mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). Doutorando do Centro de Desenvolvimento
Sustentável da Universidade de Brasília. SQS 408, Bloco A, Brasília, DF. Email: toledo@contag.org.br
2
Sociólogo, professor Associado do Departamento de Sociologia e membro permanente dos Programas de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Rural (www.ufrgs.br/pgdr) e de Sociologia (www.ufrgs.br/ppgs) da UFRGS,
Realizou Pós-doutorado no Institut of City and Regional Planning, na Cardiff University/Wales/UK, junto com
Terry Marsden. Concluiu o Doutorado em Sociologia (UFRGS/Université Paris X) em 1999, o Mestrado em
Sociologia (UNICAMP) em 1994 e a Graduação em Ciências Sociais (UFRGS) em 1990. Email:
schneide@ufrgs.br

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FARMERS PRODUCING DIFFERENT SITUATIONS TO BE CONVERTED INTO CAPITAL
FOR THE ACTIVITIES OF THE PROPERTY OR FUNDS FOR FAMILY MAINTENANCE.
KEYWORDS: FAMILY FARMERS. PRONAF. RURAL CREDIT.

1. INTRODUÇÃO

A trajetória do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)


tem demonstrado ao longo do tempo impacto positivo para a agricultura familiar. O programa
é importante ao colocar em evidência um extrato de agricultores historicamente alijada dos
interesses do Estado. Apesar do avanço, o programa tem sido acompanhado de
questionamentos sobre a real capacidade para a promoção do desenvolvimento rural. A
ausência de políticas complementares reforçou especialmente a dimensão produtivista do
programa ao potencializar as iniciativas dos agricultores familiares em melhores condições
socioeconômicas ao não valorizar as outras dimensões do meio rural.
Ao mesmo tempo auxiliou na fragilização e na dependência de crédito rural para os
agricultores aumentando as desigualdades, tema amplamente tratado na literatura
especializada. Guanziroli (2007) ao analisar treze avaliações sobre o Pronaf mostraram
resultados contraditórios, cinco revelaram resultados positivos, duas com resultados ambíguos
e seis negativos. Entre as limitações levantadas pelo autor estão à falta e a precariedade da
assistência técnica, dificuldade no gerenciamento dos recursos do crédito, falta de visão
sistêmica dos técnicos e a ausência de integração aos mercados e de agregação de valor aos
produtos. Mattei (2011) analisou o Pronaf em quatorze anos de existência visando contribuir
para o aprimoramento do programa. Enfatiza que durante este período foram incorporados
aperfeiçoamentos administrativos e institucionais. Contudo, ainda não foram resolvidas
algumas questões largamente tratadas na literatura especializada, a exemplo a excessiva tutela
dos agentes financeiros na condução do programa ao preferir os agricultores familiares
consolidados. Além disso, está ocorrendo o retorno da concentração de recursos na região Sul
do país que se acentuou nos últimos anos. O trabalho de Rufino et al (2011), informa que 2,4
milhões de agricultores familiares do Grupo B do Pronaf, dos quais 65% estão no Nordeste e
em Minas Gerais, são os que encontram maiores dificuldades de acessar os recursos do
programa. A aferição dos impactos (sociais ou econômicos) do Pronaf apresentam
dificuldades metodológicas precisamente em demonstrar analiticamente que os resultados
encontrados (seja o sucesso ou fracasso) estão relacionados aos aportes financeiros do
programa.
Este artigo procura, em linhas gerais, refletir sobre a contribuição do Pronaf para o
fortalecimento socioeconômico, reprodução social e material e melhoria na qualidade de vida
dos distintos e heterogêneos agricultores familiares que acessaram o programa. Dessa forma,
buscou-se caracterizar os diferentes perfis dos agricultores, produtos e as distintas formas de
utilização dos recursos; supondo que os usos dos recursos, na busca de fortalecimento
econômico social e material, estão intimamente ligados ao perfil do agricultor, ao tipo de
produção agropecuária que influenciam as estratégias de uso, podendo se transformar em
capital de giro ou manutenção do grupo familiar. O crédito rural pode ser um elemento de
fortalecimento socioeconômico ou se consagra como expressão de política a fim de retardar a
exclusão.
Foram utilizados como recursos metodológicos os dados primários levantados pela
Pesquisa Agricultura Familiar, Desenvolvimento Local e Pluriatividade - AFDLP - (UFRGS;
UFPel; CNPq, 2003) realizada em Salvador das Missões e em mais três municípios do Rio
Grande do Sul e; comparados com dados secundários sobre a evolução do Pronaf gerados
pela Secretaria da Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário -

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SAF/MDA. Além disso, foram realizadas vinte e duas entrevistas com os agricultores
familiares de diversas comunidades de Salvador das Missões, lideranças sindicais e gestores
públicos que auxiliam na operacionalização do programa, buscando auferir dimensões
qualitativas na percepção dos atores envolvidos e dos reflexos do programa na comunidade.
O artigo está subdividido em cinco seções, além desta introdução e das considerações
finais. A segunda seção faz uma breve discussão teórica acerca da perspectiva orientada ao
ator como ferramenta analítica a fim de refletir sobre as estratégias utilizadas pelos
agricultores familiares referentes ao uso dos recursos do Pronaf. Na terceira, o enfoque é a
expressão do Pronaf no Rio Grande do Sul como um dos principais tomadores de crédito nas
diversas modalidades oferecidas pelo programa. A quarta discorre sobre a importância do
Pronaf em Salvador das Missões. A quinta destina-se a analisar o enfoque dos agricultores
familiares na tomada de crédito, evidenciando as justificativas e as estratégias na utilização
dos recursos através dos projetos de financiados.

2. A PERSPECTIVA TEÓRICA ORIENTADA AO ATOR: REAÇÃO E AÇÃO

O uso dos recursos do Pronaf foi problematizado a partir das contribuições analíticas
da perspectiva orientada ao ator. Optamos por esta vertente teórica, por considerar que ela
dialoga diretamente com o repertório cotidiano das ações adotadas pelos agricultores para a
tomada de decisão frente ao acúmulo de informações disponíveis. A perspectiva orientada ao
ator foi desenvolvida inicialmente por Norman Long ao analisar a mudança social ocasionada
pelas políticas destinadas a promover o desenvolvimento rural. O foco da análise busca
compreender as ações sociais a partir do contato com as influências externas e, especialmente,
como estas influências são administradas, redesenhadas e incorporadas à vida rotineira dos
agricultores. Destaca a heterogeneidade existente no meio rural e presentes nas múltiplas
racionalidades que fundamentam as ações, capacidades e práticas dos agricultores,
desmistificando a generalização de conformismo e passividade a eles atribuída.
A contribuição de Long permitiu a Jan Douwe van der Ploeg, ampliar a projeção da
temática ao articular um conjunto de proposições teóricas capazes de formular outra
perspectiva analítica ao atribuir importância e destaque as ações dos agricultores familiares
nos processos de desenvolvimento rural. Na percepção de Ploeg et al. (2000), diante do
quadro de crise do modelo agrícola tradicional, foi possível atribuir outro papel e função aos
agricultores. Permitiu a retomada e valorização dos espaços locais, da sustentabilidade na
agricultura ao atribuir “a arte da localidade” e “a arte da agricultura”, expressos por meio de
estilos diferenciados. O uso desta perspectiva teórica como elemento analítico sobre as
mudanças e transformações do meio rural e, por consequência, dos agricultores, atribuiu uma
nova dinâmica aos estudos rurais brasileiros que mesmo sendo ainda incipientes indicam um
campo a ser ampliado para pesquisas. Esta opção analítica desmistifica algumas premissas da
teoria social ao refletir sobre a capacidade do homem e da sociedade mudar a trajetória de seu
desenvolvimento, ao atribuir aos atores à capacidade de construir sua própria história diante
das múltiplas condições que exigem constantes adaptações. Ao fazer este movimento, os
agricultores familiares exercitam a autonomia utilizando seus próprios recursos (informação e
relações sociais).
As previsões pessimistas do desaparecimento dos agricultores familiares em vários
regimes políticos e econômicos não se confirmaram. Muitos se adaptaram, prosperaram e
moldaram-se às circunstâncias às quais foram submetidos e são transformadas, adaptadas e
convertidas em proveito do grupo refletindo o grau de compreensão às mudanças sociais
ocorridas. Long e Ploeg (1994) afirmam que os indivíduos têm capacidade de decidir com
base nos conhecimentos que os orientam nas formas de agir. Monsma (2000) anota que,

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independente de como as pessoas racionalizam, elas possuem metas e criam formas para
transformá-las em realidade, mesmo em cenários desfavoráveis.
A perspectiva do ator se conecta com as proposições da Teoria da Estruturação
formulada por Giddens (2003), e auxilia a compreensão das ações dos atores ao elaborar seus
fundamentos na produção e reprodução da sociedade. Deve-se considerar que existem limites
e constrangimentos para as ações dos indivíduos e influenciam as trajetórias e os resultados
buscados. Giddens (2003) considera ainda que haja razões e motivos que apoiam os atores
sociais em agir da forma que agem, ou seja, a ação social propriamente dita se expressa onde
está presente a racionalidade (agir com auxílio da razão prática), a reflexividade (capacidade
de gerir a própria vida) e a intencionalidade indireta (efeitos impremeditados da ação). A
capacidade de atuar de outro modo tem a ver com as alternativas de poder disponíveis que,
por vezes, podem estar comprometidas em virtude de circunstâncias específicas em que a
ação depende da disposição e da capacidade do indivíduo em agir ou não buscando “fazer a
diferença.” Essa racionalidade foi explicitada por Long (1982) ao referir que a limitação de
atuar fazendo a diferença é o mote que impulsiona os atores sociais individuais e coletivos a
efetivamente decidir e agir. Estes fatores fazem com que indivíduos supostamente destituídos
de capacidades possam se transformar em atores sugeridos por Long e Ploeg (1994). Em
termos gerais, a noção de agência atribui ao ator individual a capacidade de processar a
experiência social e elaborar maneiras de enfrentar a vida, mesmo sobre as mais extremas
formas de coerção, limites da informação, incerteza e outras restrições.
Long e Ploeg ao reafirmarem a importância da agência humana presente nos estudos
de Giddens (2003) utilizaram-na para delinear as condições heterogêneas e estratégias
assumidas na agricultura. Este quadro de referências ainda é incipiente no debate sociológico
do desenvolvimento rural brasileiro. Ploeg e outros (2000) argumentam que o ponto chave do
trabalho é a busca do entendimento da heterogeneidade existente no meio rural como de
partida para a análise. A perspectiva orientada ao ator começa com a presunção que diferentes
agricultores definem e operacionalizam seus objetivos e práticas de gerenciamento em base de
diferentes critérios, interesses, experiências, perspectivas e relações sociais existentes. Permite
estabelecer contraponto para a análise estrutural e admite enfocar no julgamento da
explicação presente com as respostas diferenciadas dos agricultores para as circunstâncias
estruturais similares, mesmo que aparentemente as condições possam parecer semelhantes e
homogêneas (LONG, 2001). Estes fatores fazem emergir formas de organizações sociais
como produto das interações, negociações e conflitos entre os diferentes tipos de atores que
podem induzir em mudanças estruturais resultantes e influenciadas pelas forças externas.
Contudo, o foco das análises deve se concentrar no resultado destas mudanças. Neste
sentido, a interpretação da dinâmica entre estrutura e ação social enfatiza a relevância de
interação local/territorial dos atores sociais envolvidos no processo de desenvolvimento rural.
Long e Ploeg (1994) demonstraram a existência de outras habilidades dos atores ao explorar
como efetivamente os sujeitos sofrem a ação, mas, igualmente confirmam a sua capacidade de
internalizar as mudanças externas, podendo, inclusive, superá-las, transformando-as a seu
favor. Long (2001) e Ploeg e outros (2000) demonstram que as políticas públicas, quase
sempre, homogeneizam a realidade do meio rural, (o Pronaf é um bom exemplo disso) e
oferecem pouca “margem de manobra” aos agricultores na utilização de suas próprias
estratégias para administrar e vencer as dificuldades, conjugando os expedientes e saberes
acumulados com os recursos externos recebidos. Estes fatores relativizam a real capacidade
de produzir transformações duradouras quando se desconsidera a percepção de mundo
daqueles que precisamente almeja transformar.
O tópico a seguir destina-se a refletir sobre o Pronaf no Rio Grande do Sul ao
relacionar com as estratégias utilizadas pelos agricultores familiares no uso dos recursos.

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3. A EXPRESSÃO DO PRONAF NO RIO GRANDE DO SUL

A utilização sistemática de crédito rural sugere a existência de uma agricultura


familiar mercantilizada, monetarizada, consumidora e dependente de agroquímicos, máquinas
e equipamentos externos, semelhante ao modelo produtivista da agricultura patronal. Nestas
condições, a oferta de crédito do Pronaf torna-se uma necessidade constante e um “ciclo
vicioso” sem a qual os empreendimentos dos agricultores familiares não podem ser
viabilizados em virtude da incapacidade em gerar retorno econômico adequado das atividades
desenvolvidas de tal modo que permita o refinanciamento dos empreendimentos. Entre 2002 e
2012 foram contratados cerca de R$ 18,1 bilhões na tentativa de viabilizar os projetos e
negócios da agricultura familiar gaúcha. O Estado, ao criar as condições para o
desenvolvimento de outros setores, segundo Abramovay (1992) e Delgado (2001),
potencializou as formas familiares de produção por meio do Pronaf e atribuiu funcionalidade
à agricultura familiar para produzir alimentos e matéria-prima a baixo custo.
A Tabela 1 demonstra a ampliação das operações e a evolução contínua dos recursos
contratados enfatizando a adesão dos agricultores familiares ao programa. Outro fator a
considerar é o aumento da média contratada por operação (de R$ 2.572,70 para R$ 11.208,89)
que pode ser a consequência da necessidade maior de financiamento diante da elevação do
custo intermediário de produção das unidades familiares para o manejo e manutenção das
lavouras além do indispensável e ininterrupto aporte de investimentos em máquinas,
equipamentos e melhoria da infraestrutura produtiva dos agricultores.

Tab. 1 - Operações, recursos anuais liberados e médias por operações contratadas no


Pronaf para o Rio Grande do Sul - (Safras 2002-2003/2011-2012).
Ano Agrícola Operações (R$ 1,00) Média (R$)
2002/2003 252.886 650.599.888,46 2.572,70
2003/2004 270.037 949.608.194,87 3.516,59
2004/2005 354.078 1.350.093.569,59 3.812,98
2005/2006 343.680 1.399.822.482,13 4.073,04
2006/2007 287.302 1.442.733.588,16 5.021,66
2007/2008 337.533 2.063.365.754,83 6.113,08
2008/2009 358.215 2.974.057.535,00 8.302,44
2009/2010 375.648 2.746.867.008,00 7.312,34
2010/2011* 266.912 2.636.966.763,88 9.879,54
2012/2012* 173.077 1.940.000.605,95 11.208,89
Total 3.019.368 18.154.115.390,87 6.012,55
Fonte: MDA/SAF. Disponível em: http://smap.mda.gov.br/credito.
*Dados parciais BANCOOB Até 11/2011; BANCO COOPERATIVO SICREDI: Até
06/2011; BASA: Até 11/2011; BB: Até 12/2011; Banco do Nordeste: Até 10/2011.

A externalização produtiva dos agricultores familiares do Rio Grande do Sul induz ao


aumento dos recursos do crédito podendo ser verificada pela expressão do consumo
intermediário que representa 80,9% do total das despesas, e representa quase a metade dos R$
15,7 bilhões gastos em consumo intermediário pela agricultura familiar no Brasil de acordo
com os dados do Censo Agropecuário de 2006. Estas informações fazem parte de pesquisa
patrocinada pelo Instituto de Pesquisa Econômicas Aplicadas - IPEA e realizado pelo
PGDR/UFRGS (2013) ao estudar os impactos do consumo intermediário na agricultura
familiar e não familiar nas regiões Sul e Nordeste.
A Tabela 2 se refere à distribuição dos recursos no Rio Grande do Sul, por grupos de
enquadramento. Os grupos “D” e “E” representaram 27,34% das operações e 28,84% dos

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recursos tomados. Os agricultores dos grupos “A”, “A/C”, “C” e “B” acumularam 40,56% das
operações e 15,64% dos recursos. O Grupo Variável3 representou 23,83% das operações e
43,52% dos recursos. Com extinção da classificação dos grupos por letras em 2009
introduzindo a denominação genérica de Grupo Variável obstou a análise mais acurada da
tendência, mas há elementos suficientes em base na literatura especializada para defender que
este fator não alterou a concentração dos financiamentos aos agricultores mais capitalizados
que possuem um portfólio mais consistes com os agentes financeiros.

Tab. 2 - Número de operações e recursos contratados por grupos de enquadramento do


Pronaf para custeio e investimentos - RS - (Safras 2002-2003/2011-2012)..
Grupos Contratos % Volume contratado % Média (R$ 1,00)
Grupo A 25.798 0,85 328.953.909,16 1,84 12.751,14
Grupo A/C 6.787 0,22 18.456.147,82 0,10 2.719,07
Grupo B 81.879 2,71 175.347.921,37 0,97 2.141,55
Grupo C 1.110.105 36,77 2.325.418.929,65 12,73 2.094,77
Grupo D 720.647 23,87 3.852.985.088,74 21,22 5.346,56
Grupo E 104.922 3,47 1.382.026.114,41 7,62 13.171,82
Grupo Variável 719.493 23,83 7.889.502.310,96 43,52 10.965,36
Outros* 249.735 8,27 2.181.424.968,76 12,01 8.734,96
Total 3.019.368 100,00 18.154.115.390,87 100,00 6.012,55
*Agroindústria, exigibilidade bancária não identificado/não registrado. Fonte:
SAF/MDA. Disponível em: http://smap.mda.gov.br/credito.

O alvo do Pronaf foi financiar os agricultores familiares que detivessem um recorte


empreendedor (MAPA/SDR/DATER, 1996), a fim de torná-los competitivos e inseri-los no
mercado. Seriam “(...) aqueles que apresentavam potencialidades de serem transformados em
“empresas familiares viáveis”, através da incorporação de tecnologia e da racionalidade
econômica para atender as demandas do mercado” (CARNEIRO, 2000, p. 133-134). Os
agricultores familiares com menor renda (“A”, “B”, “A/C” e “C”) deveriam ser atendidos por
políticas sociais. Os agricultores assentados pelo Banco da Terra, atualmente, chamado de
Plano Nacional de Crédito Fundiário – PNCF (Grupos A e A/C) receberam o valor médio de
R$ 12.751,14 entre custeio e investimento. Os agricultores dos Grupos “D” e “E” acessaram
um valor maior por operação, R$ 5.346,56 e R$ 13.171,82, respectivamente, pois apresentam
as melhores condições de capacidade de pagamento. No Grupo B foram 81.879 operações
contratadas liberando mais de R$ 175 milhões. Copetti (2008), ao pesquisar o acesso ao no
(Tabela 3) traz reflexões importantes sobre os sinais de esgotamento da política diante da
dificuldade de ampliar número de tomadores de crédito apesar da crescente disponibilização
de recursos. Este fenômeno pode ser o reflexo da elevação da inadimplência, problemas
climáticos no Rio Grande do Sul e o corte do rebate de R$ 200,00 (beneficiários que já
fizeram seis empréstimos), a exigência de garantias contratuais ou receio de contrair dívidas.
Foi contratado em média 74,86% dos recursos entre 2002 e 2012 (R$ 82.022.322.925,29),
mais R$ 27 bilhões (25,2%, 14,4 R$ bilhões) deixaram de ser aproveitados pelos agricultores.

Tab. - 3 - Recursos disponibilizados e aplicados no Pronaf - Brasil - Safras 2002-2003/2011-2012.


Ano Safra Disponibilizados (R$ 1,00) Aplicados (R$ 1,00) Diferença (R$ 1,00) % Aplicado Contratos
2002/2003 4.174.000.000 2.376.465.864,08 1.797.534.135,92 56,93 904.214
2003/2004 5.400.000.000 4.490.478.228,85 909.521.771,15 83,16 1.309.168
2004/2005 7.000.000.000 6.131.600.933,40 868.399.066,60 87,59 1.635.051

3
Agricultores familiares com renda bruta anual acima de R$ 10.000,00 e até R$ 160.000,00.

Belém - PA, 21 a 24 de julho de 2013


SOBER - Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
2005/2006 9.000.000.000 7.611.929.143,94 1.388.070.856,06 84,58 1.913.043
2006/2007 10.000.000.000 8.434.174.742,00 1.565.825.258,00 84,34 1.692.516
2007/2008 12.000.000.000 9.082.136.305,00 2.917.863.695,00 75,68 1.650.622
2008/2009 13.000.000.000 10.985.479.332,00 2.014.520.668,00 84,50 1.443.217
2009/2010 15.000.000.000 10.626.236.252,00 4.373.763.748,00 70,84 1.366.325
2010/2011 16.000.000.000 11.543.678.796,00 4.456.321.204,00 72,15 1.493.334
2012/2012 18.000.000.000 10.740.143.328,02 7.259.856.671,98 59,67 1.050.598
Total 109.574.000.000,00 82.022.322.925,29 27.551.677.074,71 74,86 14.458.088
Copetti, (2008), Toledo (2009). Atualizados pelos autores. Fonte MDA/SAF. Disponível em
http://smap.mda.gov.br/credito

A Figura 1 se refere à “escolha” dos agricultores relativa às principais culturas


agrícolas (arroz, milho, soja e trigo) financiadas pelo Pronaf no Rio Grande do Sul. A
flutuação do número das operações está ligada à disponibilização de recursos pelos bancos
que preferem as culturas tradicionalmente cultivadas na região. Esta opção reduz os riscos das
operações contratadas na carteira de crédito rural.

Fig. 1- Distribuição dos recursos contratados pelo Pronaf para principais culturas no
Rio Grande do Sul - Ano Fiscal 2002-2012 (%).

As culturas de milho oscilaram entre 19,74% a 47,71%, e a soja entre 13,72% a


39,52% dos custeios agrícolas no período estudado. Isto revela que os agricultores
concentram seus esforços em cultivos tradicionais na busca de ingresso de renda através de
commodities com trajetórias relativas de comercialização. Conterato (2004), ao analisar os
efeitos da “sojicização” na região do Alto Uruguai a traduz como o carro chefe da
modernização e da mercantilização da agricultura, associada com a necessidade de
especialização produtiva. As opções estão relacionadas com as condições produtivas das
regiões que se especializaram em determinadas culturas e criam dificuldades para introdução
de alternativas devido à ausência de recursos para financiar outros cultivos ou em virtude da
resistência dos agricultores em correr riscos. A importância da cultura do milho pode estar
relacionada à demanda imposta pelas agroindústrias (frangos e suínos) ao pressionar a
ampliação dos recursos do Pronaf entre 2002 e 2005. Mais recursos representam maiores
áreas cultivadas e maior produção e queda de preços pagos aos agricultores ao estabilizar a
demanda, e procedente redução de recursos para o financiamento da cultura nos anos
seguintes. No caso da soja, é a partir de 2005, que se observa a valorização dos preços pagos
ao produto com uma relativa estabilização “casada” exatamente com as variações observadas
de recursos do Pronaf para esta cultura. A variação desta commodity puxa para cima os
recursos do Pronaf e influencia as “escolhas” dos agricultores familiares. Gazolla e Schneider

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(2005), ao pesquisar a aplicação dos recursos do Pronaf em Palmitinho (RS), concluíram que
na região do Alto Uruguai, apresenta “duas facetas”, uma evidencia a agricultura familiar nos
moldes produtivistas caracterizados por produtores especializados e diferenciados, uma vez
que o foco é a produção para o mercado, a outra disponibiliza parte dos recursos do crédito
rural para que os agricultores fragilizados o utilizem para a produção de alimentos básicos
“pro gasto” (GRISA, 2007).

4. A IMPORTÂNCIA DO PRONAF EM SALVADOR DAS MISSÕES

A Tabela 4 demonstra que foi captado R$ 37.701.292,88 em recursos no período de


2002 a 2012, totalizando 5159 operações. Foram contratados R$ 16.272.293,90 em 887
operações de investimentos com a média de R$ 18.345,31 por operação e R$ 21.428.998,98
(4.272 em operações de custeio) com a média de R$ 5.016,15 por operação. Os custeios
representaram 82,81% das operações e 56,84% dos recursos. Os investimentos representam
17,19% das operações e 43,16% dos recursos foram canalizados para as atividades da
pecuária leiteira, suínos, aves e máquinas agrícolas e infraestrutura produtiva das unidades
familiares.

Tab. 4 - Número de operações e recursos contratados de financiamento de custeio e investimentos do Pronaf


em Salvador das Missões (Safras 2002-2003/2011-2012).
Custeio Investimento Total Total R$
Safra
Op. % (R$) % Op. % (R$) % Op. (1,00)
2002/2003 245 4,75 325.305,60 0,86 107 2,07 530.594,38 1,41 352 855.899,98
2003/2004 221 4,28 471.244,70 1,25 108 2,09 416.307,56 1,10 329 887.552,26
2004/2005 272 5,27 735.100,90 1,95 30 0,58 249.339,44 0,66 302 984.440,34
2005/2006 642 12,44 2.082.280,90 5,52 53 1,03 448.582,85 1,19 695 2.530.863,75
2006/2007 421 8,16 1.441.376,20 3,82 57 1,10 562.298,07 1,49 478 2.003.674,27
2007/2008 645 12,50 3.083.285,00 8,18 47 0,91 620.409,57 1,65 692 3.703.694,57
2008/2009 629 12,19 4.184.331,56 11,10 111 2,15 2.688.191,55 7,13 740 6.872.523,11
2009/2010 466 9,03 3.120.734,70 8,28 264 5,12 1.953.961,63 5,18 730 5.074.696,33
2010/2011 498 9,65 3.797.275,90 10,07 69 1,34 2.350.638,14 6,23 567 6.147.914,04
2012/2012 233 4,52 2.188.063,52 5,80 41 0,79 6.451.970,71 17,11 274 8.640.034,23
Total 4.272 82,81 21.428.998,98 56,84 887 17,19 16.272.293,90 43,16 5159 37.701.292,88
Fonte: MDA/SAF. Disponível em: http://smap.mda.gov.br/credito

A Tabela 5 mostra as fontes de financiamento dos agricultores em Salvador das


Missões, enfatizando a preferência pelas modalidades oferecidas pelo Pronaf em 67,30% das
operações, comprovando ampla procura e aceitação do programa. Outras linhas de crédito
disponibilizadas pelos bancos foram responsáveis por 20% das operações. Há uma parcela
importante dos financiamentos fora dos parâmetros das linhas do Pronaf que oferecem outras
possibilidades de diversificação das fontes financiamento, mas, sem as mesmas vantagens
oferecidas pelo programa.

Tab. 5 - Fonte de financiamento aos agricultores


familiares de Salvador das Missões (2002-2003).
Fontes de financiamento Nº de casos %
Pronaf 39 67,30
Bancos 12 20,00
Outros 4 7,30
Cooperativas 2 3,60
Fundo Municipal 1 1,80

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Empresas Integradoras 0 0,00
RS – Rural 0 0,00
Total 58 100,00
Fonte: Pesquisa AFDLP (UFRGS; UFPel; CNPq.
(2003), (NIEDERLE, 2007).

A Tabela 6 traz a distribuição das operações e dos recursos entre os grupos de


agricultores familiares de Salvador das Missões. Nota-se a concentração dos recursos dos
agricultores familiares nos Grupos “D”e “E“, 28,93% das operações e 35,34% dos recursos
liberados. Os agricultores familiares dos Grupos “C” e “A/C” oriundos do Banco da Terra,
(atualmente Plano Nacional de Crédito Fundiário - PNCF) tiveram 35,06% das operações e
apenas 13% dos recursos contratados, confirmando os objetivos propostos pelo programa em
financiar os agricultores em melhores condições econômicas. O Grupo Variável ficou 26,63%
das operações e 45,29% dos recursos contratados que devido ao agrupamento dos grupos
identificados por letras prejudicou a análise mais acurada e fim de evidenciar a concentração
de recursos em grupos de agricultores familiares mais capitalizados.

Tab. 6 - Número de operações e recursos contratados em custeio


agrícola por grupos do Pronaf no município de Salvador das
Missões (2002-2012).
Grupos Operações % (R$) 1,00 %
Grupo A/C 15 0,36 29.629,23 0,18
Grupo C 997 34,7 1.940.453,71 12,86
Grupo D 985 25,36 3.518.256,22 25,26
Grupo E 204 3,57 1.152.659,78 7,08
Grupo Variável 1770 26,63 13.284.537,88 45,29
Sem Enquadramento 301 9,36 1.503.462,16 9,32
Total 4272 100 21.428.998,98 100
Fonte: Dados MDA/SAF.
Disponível em: http://smap.mda.gov.br/credito/anoagricola.

O Pronaf para os agricultores familiares de Salvador das Missões é um elemento


importante, sem o qual, muitas atividades agropecuárias não podem ser desenvolvidas. Isto
ocorre em face da impossibilidade de refinanciamento das unidades de produção devido à
fragilidade das rendas oriundas das atividades agrícolas e faz com que os agricultores
executem “manobras” para cobrir a insuficiência de capital de giro ou de outras emergências
para a manutenção familiar. Situação esta confirmada pelos entrevistados:

O senhor é um tipo de agricultor que não precisaria mais do financiamento, por que
ainda continua utilizando o Pronaf?
”(...) Nós precisamos, pelo seguinte: temos patrimônio, mas não temos capital.
Aparentemente nós tamo bem, mas prá conseguir manter as contas em dia, nós
precisamo do valor prá justamente dar o giro do ano com o financiamento,
praticamente não dá prá viver sem ele, né”! (I 06, agricultor do grupo D).
Você chegou a usar o recurso do Pronaf para quitar dívidas imediatas, inclusive
alimentação? “(...) Já fizemos isso, logo na liberação dos recursos tivemos sim que
usar prá cobrir “buracos”. Não tinha outro jeito”! (I 11, agricultora do grupo A,
assentada pelo PNCF).

Guanzirolli (2007) defende que o crédito deveria se concentrar na potencialização dos


agricultores familiares em melhores condições produtivas a fim de promover iniciativas que

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incrementem as condições de gerar desenvolvimento econômico. Os agricultores em situação
de vulnerabilidade deveriam ser alvo de políticas de amparo social devido à ausência de
atividades produtivas e eficientes que gerem renda monetária e porque os insuficientes e
irrisórios valores destinados pelo crédito não conseguem transformar substantivamente as
condições produtivas e sociais destes agricultores.
Em outro trabalho Guanzirolli et al (2010), conforme dados da Tabela 7, ao comparar
os dados do Censo Agropecuário de 1996 e de 2006 revelam que a concentração dos recursos
e as renda obtidas nos estabelecimentos ampliaram, estando restritas 8,4% dos
estabelecimentos do tipo A (cerca de 420.000 estabelecimentos), que tiveram incremento
passando de R$ 33.333,00 para R$ 53.236,00/ano, enquanto os outros extratos tiveram
redução de renda, o tipo B (18,2%, 941.000 estabelecimentos) reduziu de R$ 5.537,00 para
R$ 3.725,00/ano, o extratos do Tipo C (11%, 572.000 estabelecimentos) de R$ 1.820,00 para
R$ 1.499,00/ano, e, o do tipo D (50,7%, 2.624.927 estabelecimentos) com renda de R$
255,00/ano no período da realização dos Censos Agropecuários de 1996 e 2006.

Tab. 7 – Extratos de renda da agricultura familiar (1996-2006)


1996 2006
Renda Renda
Tipos* % s/ Total
% Estab. Monetária % Estab. % s/ Total VBP Monetária
VBP
R$/ano R$/ano
A 8,4 50,66 30.333,00 7,9 67,84 53.236,00
B 20,4 29,29 5.537,00 18,2 15,98 3.725,00
C 16,9 9,50 1.820,00 11,0 5,01 1.499,00
D 39,4 10,82 - 265,14 50,7 11,17 255,00
Total 85,1 100,00 87,95 100,00
Guanzirolli, Buainain e Sabatto (2010). *As tipologias criadas pelos autores e não
correspondem aos grupos de enquadramento do Pronaf existentes até 2009.

Este fator reforça a tese de que apenas com os recursos do Pronaf não é suficiente para
induzir mudanças substantivas para os agricultores familiares em situação de fragilidade. O
alvo do programa era potencializar os agricultores que apresentavam capacidade de integração
mercantil, este objetivo foi atingido.

5. OS AGRICULTORES FAMILIARES DE SALVADOR DAS MISSÕES E O


PRONAF

Os dados da Tabela 8, referente aos financiamentos de investimentos concedidos em


Salvador das Missões, indicam que os Grupos “D” e “E” concentram 18,15% das operações e
44,82% dos recursos contratados. Para os Grupos “A” e “C” foram 27,40% das operações e
6,42% dos recursos o que revela o caráter concentrador da opção pelos agricultores mais
capitalizados. O Grupo Variável representou 54,34% das operações e 48,74% dos recursos a
partir da Safra 2009/2010, que neste caso dificulta a análise mais apurada em face ao
agrupamento dos grupos, mas considerando o histórico do programa, podemos aludir que a
maior parte recursos é destinada para os agricultores mais capitalizados.

Tab. 8 - Operações e montante de recursos contratados nos


diferentes grupos na modalidade de investimento no município de
Salvador das Missões (1998-2010).
Recursos %
Investimento Operações % Oper.
(R$) Recursos

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Grupo A 63 7,10 529.205,99 3,25
Grupo C 180 20,29 515.687,51 3,17
Grupo D 138 15,56 6.757.695,68 41,53
Grupo E 23 2,59 534.907,48 3,29
Outros 1 0,11 3.000,00 0,02
Grupo Variável* 482 54,34 7.931.796,64 48,74
Total 887 100,00 16.272.293,30 100,00
Fonte: Dados MDA/SAF (2010).Disponível em:
http://smap.mda.gov.br/credito.

Os recursos têm sido canalizados para a restrita parcela de agricultores em melhores


condições socioeconômicas, devido à capacidade de oferecer garantias de pagamento ao
crédito tomado. Os que possuem capacidade gerencial transformam parte desses recursos em
capital de giro para as atividades da propriedade, podendo combinar os expedientes do crédito
rural com outros ingressos de renda da unidade familiar. Os agricultores familiares que não
possuem portfólio consistente de relacionamento com o agente financeiro, o “cadastro
positivo” (caderneta de poupança, aplicações financeiras, aquisição de seguros, etc.) são
preteridos em face da fragilidade das garantias disponibilizadas.
Muitos agricultores familiares já possuem condições econômicas que lhes permitem,
inclusive, abrir mão do crédito do Pronaf, contudo, o acesso aos financiamentos tende a se
transformar, de acordo com Ploeg (2003), em “espaço de manobra” motivado pela oferta de
recursos a juros subsidiados e do seguro agrícola das lavouras. Os agricultores que conseguem
acessar os recursos, e que, porventura, estejam com a situação financeira comprometida com
outras necessidades (alimentação, doença na família, dívidas particulares, etc.) o crédito tão
somente adiam a falência e a exclusão dos agricultores na medida em que parte dos recursos é
canalizada para o processo produtivo. Alves e Rocha (2010) defendem para estes casos o
crédito apenas ganha tempo, mas não auxilia a viabilidade econômica. O relato a seguir é
esclarecedor:

Em sua opinião, acredita que o Pronaf, da maneira como ele financia, ajuda na
manutenção da propriedade e da família?
“(...) Isso depende, mas muitos pegam o dinheiro prá uma coisa e depois fazem
outra, mas na verdade pegam prá tapar furo, prá cobrir o que fica prá traz,
pendências de anos anteriores. Uma parte vai para os gastos deles, plantam mal,
plantam prá sobrar para pagar as dívidas particulares, (cooperativas, supermercados,
bancos). “(...) fazem um financiamento prá pagar outro. “(...) tem muita gente que
faz até crédito pessoal de 2,8% de juro ao mês prá pagar o Pronaf nos prazos.” “(...)
é uma das estratégias prá manter as contas em dia, e principalmente os menores, que
inclusive vende os bens que tem prá manter o Pronaf em dia” (I 07, agricultora do
grupo D).

Ao contrair financiamentos a juros de mercado, os agricultores anulam por completo


os possíveis benefícios do Pronaf no tocante à oferta de juros baixos. Nestes casos, o crédito
rural exacerba as condições de fragilidade através do endividamento crônico dos agricultores,
induzindo-os a contrair outros financiamentos ou vendendo os ativos financiados para manter
os contratos do Pronaf com os pagamentos adimplentes. As condições dos agricultores que
não acessam o Pronaf não são melhores, pois já se encontram em processo de exclusão na
condição de inadimplência. O trabalho de Gazolla (2004) apontou que os recursos do Pronaf
geram uma relação perversa de efeitos nas famílias rurais e nas unidades de produção ao
enfatizar a dependência dos agricultores em relação as necessidade de contrair empréstimos
anualmente para financiar as atividades da propriedade, sintomas da mercantilização da esfera

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financeira da agricultura familiar de acordo com Ploeg (1990, 1992). Diante da possibilidade
de se tornarem potenciais devedores, muitos agricultores optam em não acessar ao crédito na
tentativa de se manterem socialmente dignos (NEVES, 2006) e manter o bom nome.
O trabalho de campo em Salvador das Missões demonstrou que a forma de utilização
dos recursos do crédito pode estar diretamente relacionada com o perfil socioeconômico dos
agricultores e às atividades desenvolvidas por eles, bem como, as estratégias adotadas para
suprir as necessidades consideradas emergenciais ou que possam ser convertidas em
oportunidades. Ploeg (2003) denominou esta manobra de “calculus”, na definição de estilos
de agricultura que representam uma estratégia, uma leitura da realidade, como uma resposta
que auxilia a tomada de decisão numa situação específica, considerando os recursos
disponíveis. A ideia de “calculus” supõe deduzir que os destinos dados aos recursos do
Pronaf tendem a assumir sentidos e significados distintos que vão ao encontro das
características dos diversos perfis de agricultores. É oportuna a advertência de Schneider
(2003, p. 109) ao acrescentar:

(...) essas estratégias ocorrem nos limites de determinados condicionantes sociais,


culturais, econômicos e até mesmo espaciais, que exercem pressões sobre as
unidades familiares. Portanto, a tomada de decisões e as opções, sejam quais forem,
de indivíduos e famílias, possuem um referencial que na prática se materializa
através das relações sociais, econômicas e culturais em que vivem.

Para estes agricultores, uma parte dos recursos do crédito do Pronaf vai para outras
prioridades, como pagamento de dívidas, compra de “ranchos4”, “(...) muitas vezes em função
das dificuldades, das emergências e dos apertos, às vezes, há um desvio de recursos, e a não
aplicação correta conforme determinação dos projetos” (I 05, SMA). Os agricultores do
Grupo “D” e “E” possuem um portfólio ampliado de possibilidades e muitos deles são
especializados e profissionais relatados nos trabalhos de Abramovay (1992) e de Wanderley
(2003) e adotaram a racionalidade econômica e gestão enfatizadas por Jean (1994) e Navarro
(2001), “(...) A propriedade tem que ser encarada como uma empresa que tem que ter tudo na
ponta da caneta, as contas são feitas em cima da produção por hectare e não por animal” (I 06,
agricultor do grupo D).
Estes agricultores adotaram o caráter utilitarista da terra, transformando em ativos que
necessitam de investimentos que possibilitem a ampliação da produtividade com o objetivo de
buscar compensação econômica dos recursos investidos “(...) a terra não faz milagre ela te dá
o retorno do que você investe nela” (I 06, agricultor do grupo D). Permite, inclusive,
investimentos em máquinas e equipamentos, podendo fazer deles ferramentas para aumentar a
renda com a comercialização de serviços. Adquirem os insumos em situações mais vantajosas
em períodos distintos da safra e admitem até mesmo, a ampliação patrimonial, comprando as
terras dos vizinhos que, por vezes, estão em situação falimentar.

“(...) Muita gente já desistiu, eu tenho 80 hectares que já comprei de quatro, que
simplesmente abandonaram, venderam prá mim e eu vou seguindo. (...) financiei
este trator e investi este recurso em outra terra”. (...). Paguei o trator, o trator já tava
pago. “(...) é uma maneira que colono tem de comprar e eu, usei o investimento. Eu
comprei de quatro colonos que foram prá cidade. Eu usei o dinheiro que era barato,
a gente conseguiu comprar mais coisas, terra e até fazer os filhos estudar” (I 12,
agricultor do grupo D).

4
Denominação costumeira usada no Rio Grande do Sul para designar a compra de gêneros alimentícios, geral
realizada uma vez ao mês.

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Antes de considerarmos o uso irregular dos recursos, outra leitura possível é ponderar
sobre os limites das linhas de financiamentos oferecidas pelo Pronaf, que não abarcam as
distintas e necessidades dos agricultores. Assim, eles criam estratégias para atender suas
demandas e aproveitar as oportunidades que surgem, embora, deva-se reconhecer que estas
possibilidades estão restritas a um número reduzido de agricultores familiares.
A opção adotada pelo agricultor na utilização dos recursos do crédito demonstra que
ele transformou estes recursos em oportunidades de negócios, focando sua estratégia na
compra das propriedades daqueles que se encontra em situação de insolvência ou utilizando
os recursos para pagar os estudos dos filhos. Pretto (2005, p. 113), já havia relatado este
processo ao listar um conjunto de situações emergenciais para onde os agricultores decidem
canalizar os recursos do Pronaf, tais como para o pagamento de médicos, dentistas ou até
mesmo para as despesas de casamento dos filhos. A crescente necessidade de dinheiro é
percebida como uma das grandes dificuldades dos agricultores e, para suprir esta demanda,
buscam e criam estratégias diferenciadas para acessá-lo. Essa realidade se constata na
entrevista ao se referir à situação dos agricultores familiares de Salvador das Missões no
tocante a escalada de deteriorização econômica e social dos agricultores que na região tem
sido agravado pelos constantes problemas climáticos, especialmente, pela inconstância da
precipitação de chuvas:

Como a senhora percebe a situação econômica dos agricultores familiares aqui em


Salvador das Missões?
“(...) Não estão bem porque vem muito aqui pedir se tem mais financiamento, se tem
alguma coisa, então você percebe que estão em dificuldade. Hoje tu vais ao banco e
vê que pelo menos 50% dos agricultores estão correndo atrás de financiamentos, de
algum recurso pra pagar em parcela, prá pegar logo uns três ou quatro mil, tipo
custeio pecuário. A maioria está assim, eles não estão bem, eles não precisariam
disso se estivessem (I 07, agricultora do grupo D).

A fragilização das fontes de renda repercute, inclusive, na mercantilização do


consumo alimentar dos agricultores ao relacionar com o local onde estes gastam o dinheiro
recebido das várias fontes de renda, incluso, os recursos do crédito rural. Esta característica
igualmente foi encontrada no trabalho de Gazolla (2004, p. 130) em que “(...) uma boa parte
deste percentual de gastos é com alimentação, através da compra nos supermercados, nos
quais os agricultores realizam o chamado “rancho mensal.” Isto representa a fragilização dos
meios de vida dos agricultores e relativiza a condição primeira dos agricultores que é produzir
segurança alimentar e nutricional. A mercantilização da agricultura e a monetarização da vida
social secundariza a produção de alimentos para o autoconsumo, pois, o foco das atividades
desenvolvidas buscam retorno econômico satisfatório como estratégia de renda, manutenção
do grupo doméstico e da unidade familiar.
O Quadro 1 sintetiza os diferentes tipos de agricultores familiares de Salvador das
Missões identificados através das entrevistas e pelos distintos enquadramento operacionais do
Pronaf, relacionado-os com os produtos produzidos e fontes de renda e as diferentes
estratégias e justificativas empregadas na utilização dos recursos do Pronaf. Os agricultores
enquadrados nos Grupos “A”, “A/C” e “C” cultivam milho, hortaliças, soja, produção de leite,
produtos artesanais (a partir da cana e do amendoim) e, eventualmente, prestam serviços de
pedreiro e trabalhos eventuais como alternativas que os ajudam a compor o orçamento da
família em face da dificuldade da unidade familiar prover rendas adequadas e necessárias que
garantam o bem estar da família. As estratégias utilizadas na busca de dinheiro passam pela
utilização de insumos abaixo da recomendação técnica dos projetos de custeio que são
comprovados pela apresentação das notas de insumos, o que nem sempre indica que eles

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foram adquiridos integralmente.
Os recursos remanescentes destas transações são utilizados para o pagamento de
dívidas particulares, compra de gêneros alimentícios e gastos emergenciais (doenças na
família). As propriedades destes agricultores apresentam deficiência de infraestrutura
produtiva que permita ampliar a capacidade produtiva do trabalho e dos meios de produção
que possa aumentar os rendimentos. São forçados a buscar outras fontes de renda fora da
propriedade como assalariados, safristas ou trabalhos por empreitadas. São agricultores que
estão à margem da exclusão.
Os agricultores familiares dos grupos “D” e “E” possuem um portfólio mais
consistente de alternativas financeiras em virtude das possibilidades de ingresso de renda com
as lavouras de soja e aufere relativo ganho de escala (alguns agricultores possuem lavouras de
mais 80 ha - próprias e arrendadas, sendo que a média das propriedades em Salvador das
Missões é menor que 20 ha hectares). Além disso, se dedicam a produção de leite, aves e
suínos em regime de integração, geralmente estes empreendimentos e unidades familiares de
produção possuem um bom nível tecnológico, combinados com o ingresso de rendas oriundas
da prestação de serviços de máquinas. Possuem habilidades para além do trabalho restrito
com a agricultura que permitiu criar um portfólio de alternativas (poupança) que abrem outras
possibilidades de manutenção e ampliação produtivas das propriedades. As estratégias usadas
permitem a compra antecipada de insumos que conferem barganha nos preços, facilidades de
acesso a financiamentos, em virtude da movimentação econômica junto aos bancos através
das aplicações financeiras.

Quadro 1 – Grupos de agricultores, estratégias e justificativa no uso dos recursos do crédito rural em Salvador das
Missões.
Grupos Produtos/fonte de
Estratégias Justificativas
Pronaf renda
Milho, soja,
horticultura, frutas, Utilização de insumos abaixo das Frustração nas colheitas, preços
frango caipira, leite, recomendações técnicas nos projetos baixos, pagamento de dívidas
Grupos A, prestação de serviços de custeio (compra de notas fiscais), particulares, parcelas de
A/C (pedreiro, trabalho complementação de receitas cobertas financiamento da terra (PNCF),
assalariado, pelo PROAGRO em virtude de gastos emergenciais, compra de
empreitadas perdas por problemas climáticos. gêneros alimentícios.
eventuais).
Soja, cana (rapadura,
melado), horticultura, Utilização de insumos abaixo das
Frustração nas colheitas, preços
frutas, mel, leite, recomendações técnicas nos projetos
baixos, pagamento de dívidas
prestação de serviços de custeio (compra de notas fiscais),
Grupos C particulares, gastos
(pedreiro, trabalho complementação de receitas cobertas
emergenciais, compra de
assalariado, pelo PROAGRO em virtude de
gêneros alimentícios.
empreitadas perdas por problemas climáticos.
eventuais).
Refinanciamento de máquinas e
Redução de custos das lavouras,
Soja, trigo leite, equipamentos, compra antecipada de
compra antecipada de insumos,
suínos, milho, insumos, aplicações financeiras
Grupos D formação de reserva econômica
prestação de serviços (poupança), empréstimo de valores,
eE para situações de emergências e
(aluguel de máquinas, venda da produção em períodos de
aproveitamento de
transportes). entressafra, prestação de serviços
oportunidades de negócios.
agrícolas.
Fonte: Dados de campo (2008).

Este conjunto de alternativas faculta a estes agricultores a possibilidade de possuir


reservas técnicas de recursos que proporcionam condições de transformar estes recursos (até

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mesmo com aqueles oriundos do crédito rural) em oportunidades de negócios, inclusas as
perspectivas de ampliação patrimonial que foram encontradas no trabalho de campo. Estas
constatações confirmam a opção adotada pelo Pronaf ao preferir os agricultores que já
possuem capital social e econômico e que, nestes casos, comprovam a potencialização na
utilização dos recursos do Pronaf e consolidam a diferenciação e especialização produtiva já
estudada nos trabalhos de Gazolla (2004) e Conterato (2004), realizados na Região do Alto
Uruguai. Este processo materializa a exclusão social dos agricultores empobrecidos como
uma das expressões visíveis da mercantilização da agricultura, resultante dos cultivos
(commodities) voltados para a inserção mercantil. Este dilema, anotado por Martins (1979),
enfatiza que o capitalismo, ao mesmo tempo em que cria as condições necessárias para a
inclusão de alguns poucos escolhidos, movimenta outra gama de artimanhas que promovem a
exclusão de muitos.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo proposto por este artigo foi de refletir sobre a contribuição do Pronaf para a
melhoria das condições socioeconômicas e de reprodução social dos agricultores familiares.
Buscou-se caracterizar os diferentes perfis de agricultores, produtos e as formas de utilização
dos recursos do Pronaf ao supor que os recursos do programa, estão intimamente ligados ao
perfil do agricultor, ao tipo de produto que influencia nas estratégias na utilização, podendo se
transformar em capital de giro ou manutenção do grupo familiar. O crédito rural pode ser
visto como um elemento que amplia as possibilidades sociais aos agricultores em melhores
condições econômicas ou se consagra como expressão de política compensatória que aumenta
a diferenciação social e material entre eles. Verificou-se que os recursos produziram situações
que permitem aludir a existência da especialização e da diferenciação produtiva que dificulta
a introdução de inovações produtivas onde os agricultores familiares se veem condicionados a
plantar de acordo com a oferta de financiamento disponibilizada pelos agentes financeiros,
focada nas culturas tradicionais, interpretadas como carro chefe da modernização e da
mercantilização e monetarização da agricultura.
Foi possível auferir por meio das entrevistas com os agricultores familiares, lideranças
sindicais e gestores públicos os possíveis usos destinados aos recursos do Pronaf que podem
se transformar em capital de giro, ampliação patrimonial (para os agricultores capitalizados)
ou para atender demandas elementares (doença na família, dívidas pessoais, compra de
alimentos, etc. para os agricultores mais empobrecidos). As estratégias igualmente se refletem
nas formas de organização do trabalho e na construção de vínculos sociais, buscando criar
alternativas que possibilitem a reprodução e manutenção do grupo familiar. Preliminarmente,
o crédito disponibilizado pelo Pronaf foi pensado e desenhado para apoiar a expansão da
produção agrícola que potencializou os melhores agricultores. Entretanto, os diferentes usos
dados pelos agricultores familiares trazem um importante ponto de reflexão para o
aprimoramento do programa, mesmo que o recorte produtivista ainda seja ainda uma marca
presente nos parâmetros do crédito, se externalizam e se consolidam nos projetos financiados.
Este processo promoveu mudanças culturais e induziu igualmente aos agricultores
com propriedades pequenas a estas alternativas, em virtude da insegurança em face às
dificuldades de comercialização dos produtos não tradicionalmente produzidos na região,
além do saber-fazer de prática nos cultivos de culturas agrícolas tradicionais. Na base destas
mudanças está a necessidade contínua de dinheiro para compor o processo produtivo da
manutenção da família e da unidade familiar como uma das expressões visíveis da
mercantilização e monetarização da vida social dos agricultores. Os agricultores, não
obstante, não pensam apenas na produção ou nas atividades produtivas desconectadas das

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necessidades elementares do grupo familiar. A busca do bem-estar da família parece
apresentar-se como expressão ontológica dos agricultores, na busca do equilíbrio entre
produção e consumo presentes na racionalidade chayanoviana, fenômeno que pode se
constituir em elemento explicativo ao crédito rural por possuir diversas e heterogêneas
destinações. Estes são indicadores pertinentes e oportunos para o aprimoramento do
programa.
Em Salvador das Missões, pôde-se observar que a maior mercantilização produziu
diferenciação social e econômica que refletiu nas estratégias adotadas pelos agricultores na
condução de seus empreendimentos que, por vezes, os forçam a subutilizar os recursos dos
projetos, visando o atendimento de necessidades imediatas. Significa dizer que devemos
reconhecer as limitações das intervenções externas centralizadas somente em políticas de
aporte de crédito que, em certas circunstâncias, exacerbam as condições de fragilidade e de
potencialidade dos agricultores no tocante ao formato disponível para a reprodução social e
material dos distintos agricultores. Este jogo é francamente favorável aos agricultores mais
capitalizados, cujas propriedades possuem infraestrutura de produção adequada e capacidade
gerencial, de tal sorte que lograram alocar os recursos do Pronaf em situações mais
competitivas. Os agricultores capitalizados (Grupos “D”e “E”) conseguiram criar alternativas
que lhes permitiram produzir rendas além da agricultura (prestação de serviços agrícolas,
transportes, etc.), ao mesmo tempo em que desenvolveram sistemas policultivos de produção
(soja, milho, leite, suínos). Ao analisar o conteúdo do trabalho de campo em Salvador das
Missões, percebe-se claramente que esses agricultores são os mais esclarecidos e exercem
liderança em suas comunidades.
Os agricultores familiares dos Grupos “C” e “A/C” concentram as rendas oriundas das
atividades das culturas de milho, soja, frango caipira, rapadura, hortaliças e da venda
esporádica da prestação de serviços (assalariamento, trabalho por jornadas) que, aliadas às
rendas provindas das atividades agrícolas não são suficientes para a manutenção das
necessidades básicas da família e de sustentação da propriedade e utilizam parte do crédito
rural para cobrir estas demandas. Esta opção está conectada às frequentes frustrações de safra
na região causadas por deficiência hídrica. As propriedades destes agricultores apresentam
deficiências produtivas infraestruturais e, por vezes, podem ser consideradas inadequadas para
as explorações agrícolas e apresentam, igualmente, fragilidade na produção de alimentos para
o autoconsumo.
Os agricultores, não obstante, não pensam apenas na produção ou nas atividades
produtivas desconectadas das necessidades elementares do grupo familiar. A busca do bem-
estar da família parece apresentar-se como expressão ontológica dos agricultores, na busca do
equilíbrio entre produção e consumo presentes na racionalidade chayanoviana, fenômeno que
pode se constituir em elemento explicativo ao crédito rural por possuir diversas e
heterogêneas destinações. Estes são indicadores pertinentes e oportunos para o
aprimoramento do programa. É inegável a contribuição do Pronaf para o fortalecimento da
agricultura familiar, contudo, o programa parece dar sinais de esgotamento no tocante à
capacidade de ampliar o número de tomadores de crédito e promover o desenvolvimento
rural. Entretanto as políticas complementares ao programa devem ser urgentemente
implementadas e promover a necessária reflexão sobre o modelo de produção agrícola e de
ocupação agrário adotado pela agricultura familiar.

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