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All content following this page was uploaded by Eliziário Toledo on 07 June 2018.
Resumo
ESTE ARTIGO ANALISA AS OPERAÇÕES DO PRONAF, VERIFICANDO SE O
PROGRAMA TEM CONTRIBUÍDO PARA O FORTALECIMENTO SOCIOECONÔMICO
DOS AGRICULTORES FAMILIARES DE SALVADOR DAS MISSÕES (RS),
RELACIONANDO COM O USO DOS RECURSOS EXPRESSOS NAS OPERAÇÕES DE
CUSTEIO E INVESTIMENTO. UTILIZOU-SE DAS INFORMAÇÕES DA PESQUISA
“AGRICULTURA FAMILIAR DESENVOLVIMENTO LOCAL E PLURIATIVIDADE”
(AFDLP), REALIZADA EM 2003 PELOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
DESENVOLVIMENTO RURAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO
SUL (UFRGS) E DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS (UFPEL) EM QUATRO
MUNICÍPIOS DO RIO GRANDE DO SUL, E DE ENTREVISTAS COM
AGRICULTORES FAMILIARES, LIDERANÇAS E GESTORES PÚBLICOS NO
MUNICÍPIO DE SALVADOR DAS MISSÕES. FOI POSSÍVEL VERIFICAR QUE A
UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS DO CRÉDITO ESTÁ DIRETAMENTE RELACIONADA
COM O PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS AGRICULTORES AO SE CONVERTER EM
CAPITAL DE GIRO DA PROPRIEDADE OU EM VERBA DE MANUTENÇÃO
FAMILIAR.
PALAVRAS-CHAVE: AGRICULTORES FAMILIARES. PRONAF. CRÉDITO RURAL.
Abstract
THIS ARTICLE EXAMINES THE OPERATIONS OF PRONAF, MAKING SURE THE
PROGRAM HAS CONTRIBUTED TO THE STRENGTHENING OF FARMERS'
SOCIOECONOMIC IN SALVADOR DAS MISSÕES (RS), RELATING TO THE USE OF
RESOURCES EXPRESSED IN THE FUNDING AND INVESTMENT OPERATIONS. WE
USED THE INFORMATION GENERATED BY THE PROJECT " AGRICULTURA
FAMILIAR, DESENVOLVIMENTO LOCAL E PLURIATIVIDADE: A EMERGÊNCIA DE
UMA NOVA RURALIDADE NO RIO GRANDE DO SUL" - AFDLP CONDUCTED IN 2003
BY THE PGDR/UFRGS AND UFPEL IN FOUR MUNICIPALITIES OF RIO GRANDE DO
SUL, AND INTERVIEWS WITH FAMILY FARMERS, LEADERS AND PUBLIC OFFICIALS
IN THE CITY OF SALVADOR DAS MISSÕES. IT WAS NOTED THAT THE USE OF
CREDIT RESOURCES IS DIRECTLY RELATED TO THE SOCIOECONOMIC PROFILE OF
1
Sociólogo, Mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS). Doutorando do Centro de Desenvolvimento
Sustentável da Universidade de Brasília. SQS 408, Bloco A, Brasília, DF. Email: toledo@contag.org.br
2
Sociólogo, professor Associado do Departamento de Sociologia e membro permanente dos Programas de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Rural (www.ufrgs.br/pgdr) e de Sociologia (www.ufrgs.br/ppgs) da UFRGS,
Realizou Pós-doutorado no Institut of City and Regional Planning, na Cardiff University/Wales/UK, junto com
Terry Marsden. Concluiu o Doutorado em Sociologia (UFRGS/Université Paris X) em 1999, o Mestrado em
Sociologia (UNICAMP) em 1994 e a Graduação em Ciências Sociais (UFRGS) em 1990. Email:
schneide@ufrgs.br
1. INTRODUÇÃO
O uso dos recursos do Pronaf foi problematizado a partir das contribuições analíticas
da perspectiva orientada ao ator. Optamos por esta vertente teórica, por considerar que ela
dialoga diretamente com o repertório cotidiano das ações adotadas pelos agricultores para a
tomada de decisão frente ao acúmulo de informações disponíveis. A perspectiva orientada ao
ator foi desenvolvida inicialmente por Norman Long ao analisar a mudança social ocasionada
pelas políticas destinadas a promover o desenvolvimento rural. O foco da análise busca
compreender as ações sociais a partir do contato com as influências externas e, especialmente,
como estas influências são administradas, redesenhadas e incorporadas à vida rotineira dos
agricultores. Destaca a heterogeneidade existente no meio rural e presentes nas múltiplas
racionalidades que fundamentam as ações, capacidades e práticas dos agricultores,
desmistificando a generalização de conformismo e passividade a eles atribuída.
A contribuição de Long permitiu a Jan Douwe van der Ploeg, ampliar a projeção da
temática ao articular um conjunto de proposições teóricas capazes de formular outra
perspectiva analítica ao atribuir importância e destaque as ações dos agricultores familiares
nos processos de desenvolvimento rural. Na percepção de Ploeg et al. (2000), diante do
quadro de crise do modelo agrícola tradicional, foi possível atribuir outro papel e função aos
agricultores. Permitiu a retomada e valorização dos espaços locais, da sustentabilidade na
agricultura ao atribuir “a arte da localidade” e “a arte da agricultura”, expressos por meio de
estilos diferenciados. O uso desta perspectiva teórica como elemento analítico sobre as
mudanças e transformações do meio rural e, por consequência, dos agricultores, atribuiu uma
nova dinâmica aos estudos rurais brasileiros que mesmo sendo ainda incipientes indicam um
campo a ser ampliado para pesquisas. Esta opção analítica desmistifica algumas premissas da
teoria social ao refletir sobre a capacidade do homem e da sociedade mudar a trajetória de seu
desenvolvimento, ao atribuir aos atores à capacidade de construir sua própria história diante
das múltiplas condições que exigem constantes adaptações. Ao fazer este movimento, os
agricultores familiares exercitam a autonomia utilizando seus próprios recursos (informação e
relações sociais).
As previsões pessimistas do desaparecimento dos agricultores familiares em vários
regimes políticos e econômicos não se confirmaram. Muitos se adaptaram, prosperaram e
moldaram-se às circunstâncias às quais foram submetidos e são transformadas, adaptadas e
convertidas em proveito do grupo refletindo o grau de compreensão às mudanças sociais
ocorridas. Long e Ploeg (1994) afirmam que os indivíduos têm capacidade de decidir com
base nos conhecimentos que os orientam nas formas de agir. Monsma (2000) anota que,
3
Agricultores familiares com renda bruta anual acima de R$ 10.000,00 e até R$ 160.000,00.
Fig. 1- Distribuição dos recursos contratados pelo Pronaf para principais culturas no
Rio Grande do Sul - Ano Fiscal 2002-2012 (%).
O senhor é um tipo de agricultor que não precisaria mais do financiamento, por que
ainda continua utilizando o Pronaf?
”(...) Nós precisamos, pelo seguinte: temos patrimônio, mas não temos capital.
Aparentemente nós tamo bem, mas prá conseguir manter as contas em dia, nós
precisamo do valor prá justamente dar o giro do ano com o financiamento,
praticamente não dá prá viver sem ele, né”! (I 06, agricultor do grupo D).
Você chegou a usar o recurso do Pronaf para quitar dívidas imediatas, inclusive
alimentação? “(...) Já fizemos isso, logo na liberação dos recursos tivemos sim que
usar prá cobrir “buracos”. Não tinha outro jeito”! (I 11, agricultora do grupo A,
assentada pelo PNCF).
Este fator reforça a tese de que apenas com os recursos do Pronaf não é suficiente para
induzir mudanças substantivas para os agricultores familiares em situação de fragilidade. O
alvo do programa era potencializar os agricultores que apresentavam capacidade de integração
mercantil, este objetivo foi atingido.
Em sua opinião, acredita que o Pronaf, da maneira como ele financia, ajuda na
manutenção da propriedade e da família?
“(...) Isso depende, mas muitos pegam o dinheiro prá uma coisa e depois fazem
outra, mas na verdade pegam prá tapar furo, prá cobrir o que fica prá traz,
pendências de anos anteriores. Uma parte vai para os gastos deles, plantam mal,
plantam prá sobrar para pagar as dívidas particulares, (cooperativas, supermercados,
bancos). “(...) fazem um financiamento prá pagar outro. “(...) tem muita gente que
faz até crédito pessoal de 2,8% de juro ao mês prá pagar o Pronaf nos prazos.” “(...)
é uma das estratégias prá manter as contas em dia, e principalmente os menores, que
inclusive vende os bens que tem prá manter o Pronaf em dia” (I 07, agricultora do
grupo D).
Para estes agricultores, uma parte dos recursos do crédito do Pronaf vai para outras
prioridades, como pagamento de dívidas, compra de “ranchos4”, “(...) muitas vezes em função
das dificuldades, das emergências e dos apertos, às vezes, há um desvio de recursos, e a não
aplicação correta conforme determinação dos projetos” (I 05, SMA). Os agricultores do
Grupo “D” e “E” possuem um portfólio ampliado de possibilidades e muitos deles são
especializados e profissionais relatados nos trabalhos de Abramovay (1992) e de Wanderley
(2003) e adotaram a racionalidade econômica e gestão enfatizadas por Jean (1994) e Navarro
(2001), “(...) A propriedade tem que ser encarada como uma empresa que tem que ter tudo na
ponta da caneta, as contas são feitas em cima da produção por hectare e não por animal” (I 06,
agricultor do grupo D).
Estes agricultores adotaram o caráter utilitarista da terra, transformando em ativos que
necessitam de investimentos que possibilitem a ampliação da produtividade com o objetivo de
buscar compensação econômica dos recursos investidos “(...) a terra não faz milagre ela te dá
o retorno do que você investe nela” (I 06, agricultor do grupo D). Permite, inclusive,
investimentos em máquinas e equipamentos, podendo fazer deles ferramentas para aumentar a
renda com a comercialização de serviços. Adquirem os insumos em situações mais vantajosas
em períodos distintos da safra e admitem até mesmo, a ampliação patrimonial, comprando as
terras dos vizinhos que, por vezes, estão em situação falimentar.
“(...) Muita gente já desistiu, eu tenho 80 hectares que já comprei de quatro, que
simplesmente abandonaram, venderam prá mim e eu vou seguindo. (...) financiei
este trator e investi este recurso em outra terra”. (...). Paguei o trator, o trator já tava
pago. “(...) é uma maneira que colono tem de comprar e eu, usei o investimento. Eu
comprei de quatro colonos que foram prá cidade. Eu usei o dinheiro que era barato,
a gente conseguiu comprar mais coisas, terra e até fazer os filhos estudar” (I 12,
agricultor do grupo D).
4
Denominação costumeira usada no Rio Grande do Sul para designar a compra de gêneros alimentícios, geral
realizada uma vez ao mês.
Quadro 1 – Grupos de agricultores, estratégias e justificativa no uso dos recursos do crédito rural em Salvador das
Missões.
Grupos Produtos/fonte de
Estratégias Justificativas
Pronaf renda
Milho, soja,
horticultura, frutas, Utilização de insumos abaixo das Frustração nas colheitas, preços
frango caipira, leite, recomendações técnicas nos projetos baixos, pagamento de dívidas
Grupos A, prestação de serviços de custeio (compra de notas fiscais), particulares, parcelas de
A/C (pedreiro, trabalho complementação de receitas cobertas financiamento da terra (PNCF),
assalariado, pelo PROAGRO em virtude de gastos emergenciais, compra de
empreitadas perdas por problemas climáticos. gêneros alimentícios.
eventuais).
Soja, cana (rapadura,
melado), horticultura, Utilização de insumos abaixo das
Frustração nas colheitas, preços
frutas, mel, leite, recomendações técnicas nos projetos
baixos, pagamento de dívidas
prestação de serviços de custeio (compra de notas fiscais),
Grupos C particulares, gastos
(pedreiro, trabalho complementação de receitas cobertas
emergenciais, compra de
assalariado, pelo PROAGRO em virtude de
gêneros alimentícios.
empreitadas perdas por problemas climáticos.
eventuais).
Refinanciamento de máquinas e
Redução de custos das lavouras,
Soja, trigo leite, equipamentos, compra antecipada de
compra antecipada de insumos,
suínos, milho, insumos, aplicações financeiras
Grupos D formação de reserva econômica
prestação de serviços (poupança), empréstimo de valores,
eE para situações de emergências e
(aluguel de máquinas, venda da produção em períodos de
aproveitamento de
transportes). entressafra, prestação de serviços
oportunidades de negócios.
agrícolas.
Fonte: Dados de campo (2008).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo proposto por este artigo foi de refletir sobre a contribuição do Pronaf para a
melhoria das condições socioeconômicas e de reprodução social dos agricultores familiares.
Buscou-se caracterizar os diferentes perfis de agricultores, produtos e as formas de utilização
dos recursos do Pronaf ao supor que os recursos do programa, estão intimamente ligados ao
perfil do agricultor, ao tipo de produto que influencia nas estratégias na utilização, podendo se
transformar em capital de giro ou manutenção do grupo familiar. O crédito rural pode ser
visto como um elemento que amplia as possibilidades sociais aos agricultores em melhores
condições econômicas ou se consagra como expressão de política compensatória que aumenta
a diferenciação social e material entre eles. Verificou-se que os recursos produziram situações
que permitem aludir a existência da especialização e da diferenciação produtiva que dificulta
a introdução de inovações produtivas onde os agricultores familiares se veem condicionados a
plantar de acordo com a oferta de financiamento disponibilizada pelos agentes financeiros,
focada nas culturas tradicionais, interpretadas como carro chefe da modernização e da
mercantilização e monetarização da agricultura.
Foi possível auferir por meio das entrevistas com os agricultores familiares, lideranças
sindicais e gestores públicos os possíveis usos destinados aos recursos do Pronaf que podem
se transformar em capital de giro, ampliação patrimonial (para os agricultores capitalizados)
ou para atender demandas elementares (doença na família, dívidas pessoais, compra de
alimentos, etc. para os agricultores mais empobrecidos). As estratégias igualmente se refletem
nas formas de organização do trabalho e na construção de vínculos sociais, buscando criar
alternativas que possibilitem a reprodução e manutenção do grupo familiar. Preliminarmente,
o crédito disponibilizado pelo Pronaf foi pensado e desenhado para apoiar a expansão da
produção agrícola que potencializou os melhores agricultores. Entretanto, os diferentes usos
dados pelos agricultores familiares trazem um importante ponto de reflexão para o
aprimoramento do programa, mesmo que o recorte produtivista ainda seja ainda uma marca
presente nos parâmetros do crédito, se externalizam e se consolidam nos projetos financiados.
Este processo promoveu mudanças culturais e induziu igualmente aos agricultores
com propriedades pequenas a estas alternativas, em virtude da insegurança em face às
dificuldades de comercialização dos produtos não tradicionalmente produzidos na região,
além do saber-fazer de prática nos cultivos de culturas agrícolas tradicionais. Na base destas
mudanças está a necessidade contínua de dinheiro para compor o processo produtivo da
manutenção da família e da unidade familiar como uma das expressões visíveis da
mercantilização e monetarização da vida social dos agricultores. Os agricultores, não
obstante, não pensam apenas na produção ou nas atividades produtivas desconectadas das
7. REFERÊNCIAS
ALVES, E., ROCHA, D. P. Ganhar tempo é possível? In: NAVARRO, Z., GASQUES, J. G.