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24/01/2017 A 

senhora dos espíritos ­ ISTOÉ Independente

A senhora dos espíritos
Como Zibia Gasparetto transformou sua mediunidade num império de comunicação,
com 41 livros publicados, 16 milhões de exemplares vendidos e presença no rádio,
na tevê e na internet

por João Loes
30.05.13 ­ 20h40 ­ Atualizado em 21.01.16 ­ 12h29

Confira trechos do documentário “A Vida de Zibia Gasparetto”:

IstoE_Zibia_255.jpg

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A fila já dava voltas no auditório da livraria de um
shopping da zona norte de São Paulo. Eram 20
horas de uma quinta­feira do mês de maio, dia de
trânsito complicado na cidade, mas ninguém dava
sinal de que arredaria os pés antes de conseguir um
autógrafo e uma foto com a estrela da noite, a
escritora, médium, líder espiritual e empresária Zibia
Gasparetto, 86 anos. Convidada pela rede de lojas,
ela havia falado durante 35 minutos para o público e
agora atendia, um a um, os cerca de 150 fãs que
aguardavam para conhecê­la e ganhar um exemplar
assinado do livro “Só o Amor Consegue”, o 41º da
carreira da autora, lançado em março e já com 80
mil cópias vendidas. “Qual o seu nome, minha
filha?”, perguntava Zibia às moças, grande maioria,
que chegavam com a obra na mão, para depois
confirmar a grafia do sobrenome e colocar uma
singela dedicatória: “Com carinhoso abraço, alegria
e luz, Zibia Gasparetto”. Quando o salão esvaziou,
perto das 22 horas, seis funcionárias da livraria
apareceram, esbaforidas, com suas cópias do
romance para garantir o autógrafo. Mesmo cansada
e com dor no pulso, fruto de uma tendinite crônica,
atendeu sorridente: “Claro, meu bem, pode vir”,
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Soberana do romance mediúnico no Brasil, Zibia
Gasparetto escreve livros a partir das mensagens
que diz ouvir dos espíritos que a acompanham
desde os anos 1950. Carinhosa com os fãs e dura
nos negócios, a octogenária, que já publica há 55
anos e contabiliza 16 milhões de livros vendidos,
construiu, ao lado dos filhos e netos, um verdadeiro
império espírita, com ramificações no rádio, na
internet, na televisão e no mercado de palestras
(leia quadro na pág. 76). No ramo editorial, onde
tudo começou, é ela própria quem comanda a
editora e gráfica Vida e Consciência, empresa em
franco processo de crescimento. Segundo sua filha
e sócia, Silvana Gasparetto, 45 anos, a impressão
mensal de livros da empresa, que fechou 2012 com
300 mil unidades, já chegou a 500 mil no primeiro
semestre de 2013 e deve bater as 650 mil unidades
até o começo de 2014. “A terceira máquina que
compramos começa a rodar em breve”, diz Silvana,
da espaçosa sala que ocupa no quarto e último
andar da sede do grupo, no bairro do Ipiranga, zona
sul de São Paulo.

Poucas coisas dão a dimensão do poder dos
Gasparetto quanto uma ida à sede da gráfica e
editora Vida e Consciência. Quem vê o prédio por
fora pode fazer pouco do espaço, uma construção
antiga, com aspecto de fábrica. Mas uma visita ao
que há do outro lado do muro, principalmente ao
quarto andar, onde fica a diretoria, mostra bem o
que 16 milhões de livros vendidos podem comprar.
O espaço impressiona pela beleza e conforto. Com
pé­direito de mais de quatro metros, piso de
madeira de demolição, detalhes em pastilhas de
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vidro e mobiliário refinado, ele lembra uma luxuosa
cobertura de prédio. Um grande jardim com fonte
adornada por belos conjuntos de ladrilhos
hidráulicos circunda metade do andar. Zibia e
Silvana têm acesso exclusivo a ele das enormes
salas que ocupam, uma vizinha à outra. E, se o
tempo estiver frio para um passeio pelo espaço
verde, elas podem optar por ficar em uma terceira
sala de pelo menos 80 metros quadrados no mesmo
quarto andar. Iluminada por janelões de vidro com
impecáveis caixilhos brancos, ela tem sofás e
poltronas, além de uma pequena cozinha e uma
imensa mesa onde a matriarca almoça todo dia, às
12h30. “Gosto daqui, mas, para escrever, preciso
estar na minha sala”, diz Zibia.

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O ritual para receber os livros de seu guia espiritual,
Lucius, que nas últimas cinco décadas lhe transmitiu
26 romances, sendo “Só o Amor Consegue” o 27º, é
o mesmo da década de 1950. Três vezes por
semana, por volta das 15h30, a médium mais
famosa do Brasil se senta agora diante do
computador, diminui a luz, liga uma música suave e
lê a última frase do romance em que deseja
trabalhar – pelo menos três são escritos
simultaneamente. Como mágica, a voz de timbre
familiar surge do silêncio e a narração recomeça.
“Tenho consciência absoluta do que está
acontecendo, não é um transe”, afirma a pioneira no
uso do computador para psicografar no Brasil.
“Apenas sinto uma grande alegria, e meus
pensamentos e raciocínios passam a ser ágeis e
leves.”

Nem sempre, porém, o contato com os espíritos foi
agradável para a matriarca dos Gasparetto. A
primeira experiência mediúnica, por exemplo, foi
traumática. Católica, recém­casada e com um filho
de colo, Zibia, então com 22 anos, despertou uma
noite sentindo um estranho formigamento pelo
corpo. Ainda que incomodada, continuou na cama,
na esperança de que aquilo passasse. O
desconforto, porém, foi crescendo até que,
subitamente, ela começou a falar em alemão, língua
que desconhecia. Assustado, seu marido, Aldo,
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correu até a casa de uma vizinha em busca de
ajuda. A senhora foi até a casa, fez uma prece e
garantiu: aquilo era “coisa de espírito”. “No dia
seguinte meu marido foi até a Federação Espírita
Brasileira (FEB) para comprar alguns livros sobre o
assunto e, em pouco tempo, estávamos fazendo o
evangelho do lar em casa”, diz a autora.

O incômodo sumiu e um ano se passou até que, um
dia, durante o Evangelho, Zibia começou a sentir
dor no braço. A mão, então, passou a se mexer
sozinha e o marido, mais adiantado nas leituras
espíritas, pegou papel e lápis e deu à mulher, que
começou a escrever. “Eram coisas desconexas no
começo, mas depois passaram a fazer sentido”,
afirma a médium. Com visitas ao centro espírita
“Seara do Mestre”, no bairro do Ipiranga, a
mediunidade foi afinando até que ela passou a ouvir
uma voz masculina que parecia ditar uma narrativa.
Curiosa para ver como acabava a história, sentava
para colocar o que ouvia no papel sempre que
podia. Já com dois filhos, porém, ela não conseguia
se dedicar como gostaria. “O primeiro livro, ‘O Amor
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Venceu’, levou cinco anos para ficar pronto”, diz.
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Talvez como prêmio pela determinação e
compromisso, Lúcius, que havia ditado o livro, mas
ainda não havia se apresentado, finalmente se
identificou, assinando a última página. “Acho que
ele se sentiu satisfeito com a parceria”, afirma a
autora.

Até hoje, “O Amor Venceu” (1958) que, como não
poderia deixar de ser, conta uma história de amor,
só que no Egito antigo, vendeu mais de meio milhão
de cópias. Foi, ao mesmo tempo, o livro que abriu o
universo espírita para milhões de brasileiros, por
tratar do tema de forma leve e romanceada, e
colocou Zibia no mapa dos mundos mediúnico e
editorial. Recheado de referências a Allan Kardec,
que sistematizou a doutrina, e ao espiritismo formal,
o título estabeleceu uma espécie de formato para
boa parte dos romances da médium até a segunda
metade dos anos 1990 – ricamente descritivos,
longos, com enredos que se passam em tempos e
países distantes e versando sobre temas universais,
como amor e ódio, felicidade e sofrimento, justiça e
injustiça e fé e incredulidade. Entre 1958 e 1993,
Zibia publicou dez romances nesse estilo, entre eles
um de seus maiores best­sellers, “Laços Eternos”,
de 1976, que já vendeu 825 mil cópias e cuja
adaptação para o teatro, em cartaz desde 1991,
atraiu mais de 200 mil espectadores.
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Ainda que colhendo resultados expressivos até
meados dos anos 1990 dentro do formato que criou
na década de 1950, Zibia, em seus contatos com
livreiros e já com experiência como dona de editora
– em 1982, ela fundou a Editora Caminheiros –,
começou a perceber que o perfil do leitor de obras
espíritas no Brasil estava mudando. Certo dia,
então, o espírito Lucius, segundo a autora,
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igualmente antenado, deu os primeiros sinais de
que mudaria o estilo de suas narrativas. Mas foi só
no romance de número 11, intitulado “Pelas Portas
do Coração”, de 1995, que a mudança se
concretizou. De leitura mais ágil, apoiado em
diálogos e quase sem referências ao espiritismo ou
a Allan Kardec e com trama contemporânea, o título
marcou o início de uma segunda, e mais voraz,
etapa da produção literária da autora (leia quadro
abaixo). “Mudei por orientação dos espíritos”,
afirma. “Lucius me disse que precisava sair do
rótulo espírita.” Outra influência, essa mais terrena,
também contribuiu para viabilizar a guinada da
médium para o mercado. Na época, Luiz
Gasparetto, seu filho, então com 46 anos, estava
promovendo uma verdadeira revolução no
espiritismo nacional. Seus outros dois filhos, Pedro
e Irineu, também são médiuns. Pedro administra o
curtume da família em Mogi das Cruzes e Irinei é
músico e apresetador de rádio. Luiz, prático e
despojado como poucas lideranças da sisuda
religião, já era referência mundial no ramo da
pintura mediúnica, tinha em seu currículo
passagens por centros de referência em estudo de
terapias alternativas e vinha dando disputadas
palestras motivacionais com discurso que misturava
as bases do espiritismo com técnicas de
aprimoramento pessoal propaladas pelo movimento
“Nova Era”.

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Com uma visão completamente diferente do
sucesso e, principalmente, do dinheiro, Luiz
eliminou a noção de que o trabalho mediúnico devia
ser gratuito, como pregava a Federação Espírita. E
Zibia acolheu as orientações do filho. Fechou a
“Associação Cristã de Cultura Espírita Os
Caminheiros”, um centro espírita clássico fundado
em 1969 pela família Gasparetto e mantido com
dinheiro das vendas de seus livros, e passou a se
dedicar exclusivamente à nascente Vida e
Consciência, editora fundada por ela com os filhos
Luiz e Silvana. Nos dez anos seguintes, entre 1995
e 2005, produziu o que havia levado 37 anos para
fazer quando ainda dividia seu tempo com as
obrigações e compromissos espíritas. “É curioso
observar as mudanças na produção literária de Zibia
depois das novidades apresentadas pelo Luiz”,
afirma Sandra Jacqueline Stoll, doutora em
antropologia social pela Universidade de São Paulo
(USP) e autora do livro “Espiritismo à Brasileira”
(Edusp, 2003). Pendendo pesadamente para a
auto­ajuda, mas ainda com a rubrica de Lucius,
seus novos livros venderam como água. O maior
best­seller da carreira, “Ninguém é de Ninguém”,
por exemplo, foi lançado em 2000 e vendeu 860 mil
cópias. “Ela passou a seguir um ritmo de
lançamentos parecido com o dos grandes autores”,
diz Sandra. Com pelo menos um livro novo por ano,
sempre em outubro, para pegar carona nas
compras de Natal, ela chegou a emplacar dois
títulos simultaneamente na lista de mais vendidos
do País, feito que só autores do quilate de Paulo
Coelho haviam conseguido.

“Hoje não tenho religião, mas não me incomodo de
ser chamada de espiritualista”, diz Zibia (leia quadro
acima). A tolerância com a nova categorização faz
sentido. Para Reginaldo Prandi, professor do
departamento de sociologia da USP e autor do livro
“Os Mortos e os Vivos” (Ed. Três Estrelas, 2012), é
justamente no chamado espiritualismo que boa
parte dos egressos do espiritismo, sedentos pela
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livre associação da doutrina ortodoxa da religião
com novidades como a cromoterapia, a energização
de cristais e a autoajuda, vai se encaixar. “É um
grupo que reúne quem não tem interesse em se
conformar com conjuntos de regras”, afirma.

Mas a guinada que levou os Gasparetto a se
distanciarem dos preceitos balizadores do
espiritismo não veio sem críticas. Para muitos, a
máxima do “dai de graça o que recebestes de
graça” foi relegada em nome da vaidade e do
dinheiro. Muitos exigiam, inclusive, que Zibia abrisse
mão dos direitos autorais dos livros que recebia dos
espíritos, como fez Chico Xavier, o maior psicógrafo
brasileiro de todos os tempos. “O Chico abriu mão
dos direitos dos livros dele, mas uma vez chorou
para mim, arrependido do que tinha feito”, revela
Zibia.

Não dá para negar que, à sua maneira, a autora
mediúnica trabalha pela expansão do que ela
acredita ser o caminho certo para o espiritualismo
no Brasil. Além do compromisso com a produção de
livros, ela hoje tem um programa semanal de rádio
e, no começo do ano, lançou uma rede de televisão
na internet. Batizada de Alma e Consciência TV
(ACTV), ela é administrada por seu neto René
Gasparetto, tem quatro horas diárias de
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programação e, em breve, deve começar a produzir
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telenovelas baseadas nos livros da matriarca. “É um
projeto que começou há um ano e meio e ainda dá
prejuízo, mas é uma aposta nossa”, diz Silvana.
Mais uma frente que se abre para a família que,
liderada por Zibia Gasparetto, construiu um império
espírita que não para de crescer.

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