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Vozes na warã: uma crítica A’uwe-Xavante a Teoria da Ação Comunicativa

Bruno Martin Morais (PUCPR)


bruno@moraiseazanha.adv.br
Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo; mestre em Antropologia Social pela
Universidade de São Paulo; doutorando em Direito Socioambiental e Sustentabilidade pela
Pontifícia Universidade Católica do Paraná. É sócio de Morais & Azanha Advocacia
Socioambiental, banca especializada em assessoria e consultoria jurídica em direito dos
povos e comunidades tradicionais.

Palavras chaves:
DEMOCRACIA; POLÍTICA INDÍGENA; XAVANTE; JÜRGEN HABERMAS.

Imagine que você é um homem xavante no warã, a assembleia noturna do pátio da


aldeia. Quando o velho chefe lhe passa a palavra na discussão de uma discussão política
importante, você começa a falar e imediatamente um outro xavante –digamos, eu– se
levanta e lhe encara de frente. Agora ambos estamos falando ao mesmo tempo. Na
verdade, todos falam ao mesmo tempo, inclusive os sentados. A cada afirmação, eu lhe
desfiro uma réplica que, por sua vez, é capturada em seu discurso e invertida como uma
tréplica. A plateia participa efusivamente. De quando em quando paramos nossa
exposição para preguntar “O quê?”, trocando palavras com esses outros interlocutores
que, sentados, fazem verdadeiros discursos paralelos. Além das falas um do outro,
nosso discurso inclui frases inteiras tomadas da plateia e nem eu nem você temos
certeza de quem as está proferindo. Ao fim, e havendo partido de posições políticas
opostas, já não sabíamos quais palavras podiam ser creditadas a um de nós dois, ou três,
ou muitos.

Antropóloga entre os Xavante, Laura Graham esboça a partir de uma etnografia do


regime discursivo da warã, uma crítica a Jürgen Habermas. O modelo de política
democrática derivado da Teoria da Ação Comunicativa estaria centrado no consenso
entre sujeitos individuais que têm de levar em conta pretensões de validade
intersubjetivamente reconhecidas. Os Xavante, por sua vez, organizariam o discurso
para que ele seja uma produção de múltiplos sujeitos na forma de múltiplas vozes.

Neste artigo, posiciono-me ao lado de Graham como um terceiro no par de sua crítica a
Habermas a fim de detalhar quais mecanismos da Teoria da Ação Comunicativa não se
subsumem à prática político-discursiva xavante, e o que isso revela a respeito da
maneira com que entendemos nosso próprio modelo de democracia. Para tanto,
promovo uma exposição em dois distintos registros. Na primeira parte, exploro a leitura
de Habermas a Hebert Mead, centrada no processo de individuação pela linguagem; na
segunda parte, reconstruo etnograficamente uma prática discursiva xavante. Minha
hipótese, consonante com a de Graham, é de que as oposições entre ambos são
comparáveis no ponto em que cruzam o indivíduo e localizam os loci da ação política.
Se a Teoria da Ação Comunicativa localiza o indivíduo a partir da intersecção entre as
dimensões cultural, social, e pessoal em um movimento de individuação pela
linguagem, os Xavante trabalham ativamente para multiplicar as vozes do discurso entre
metades rituais, clãs e classes de idade – elementos próprios da constituição da pessoa
xavante.
Ensaiando uma leitura dos dados etnográficos, Pierre Clastres e Mikhail Bakhtin guiam
minhas considerações finais, entre filosofia política e da linguagem. Que conselhos
tomaria Habermas das vozes da warã?

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