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“ Construindo seu fractal: uma


experiência no ensino superior

Rejane Siqueira Julio


UNIFAL-MG

José Claudinei Ferreira


UNIFAL-MG

10.37885/201202526
RESUMO

O propósito deste capítulo é relatar nossas experiências relacionadas a fractais em


uma disciplina optativa denominada Construindo Fractais, para discentes de gradua-
ção. As elaborações e o desenvolvimento das atividades da disciplina foram baseados:
em nossa experiência profissional, no gosto pelo tema, em algumas proposições da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) e em alguns pressupostos do Modelo das Campos
Semânticos. No decorrer dela foram manipulados diferentes objetos como: EVA, linhas,
papel quadriculado e lápis de cor, e utilizados recursos computacionais como: planilhas
e softwares programáveis para lidar com algoritmos e imagens digitais. Além disso, as
construções dos fractais possibilitaram a discussão sobre várias noções matemáticas
como: potenciação, progressão geométrica, relações de recorrência, matrizes, formas
geométricas e transformações geométricas. Consideramos que foi possível realizar um
passeio pela matemática, pela abordagem de conteúdos matemáticos, e foi uma opor-
tunidade de trabalhar com uma temática pouco explorada em cursos de graduação,
podendo implicar em futuras práticas docentes envolvendo fractais na Educação Básica.

Palavras-chave: Fractais, Sequências Recursivas, Algoritmo, Formação de Professores,


Modelo dos Campos Semânticos.

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Educação matemática em pesquisa: perspectivas e tendências - Volume 2
INTRODUÇÃO1

O conjunto dos fractais incluem figuras ou objetos mais irregulares do que os presentes
na geometria clássica (geometria euclidiana) (EDGARD, 1990), como é o caso da geometria
abordada nas escolas. Uma teorização sobre isso pode ser vista com mais detalhes em
Barbosa (2002), Edgard (1990) e Pereira e Borges (2016).
Na Educação Matemática, há uma intensificação de pesquisas envolvendo a geome-
tria fractal, como aponta Pereira e Borges (2016), que investigaram como os fractais foram
trabalhados em artigos publicados entre 2006 a 2015. Como resultados, eles dizem que é
comum, nos artigos, a exploração de outros conteúdos matemáticos em conjunto com os
fractais e o estabelecimento de relações entre a construção de fractais geométricos em soft-
wares e a realização de atividades no papel, com lápis, compasso e régua para construções
geométricas ou com dobraduras e recortes; dizem ainda que na formação de professores
este tema não tem sido abordado, o que dificulta os professores e futuros professores apli-
cá-lo na Educação Básica.
No âmbito das políticas públicas, os fractais foram inseridos explicitamente na Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018) para o Ensino Médio, quando mencio-
na a utilização das transformações isométricas (translação, reflexão, rotação e composição
destas) e homotéticas para construir e analisar elementos da natureza e diferentes produções
humanas, dentre eles os fractais. No entanto, acreditamos que eles podem ser trabalhados
desde o Ensino Fundamental, para a abordagem de sequências recursivas, identificação de
padrões, transformações geométricas e para o desenvolvimento do pensamento computacio-
nal – que “envolve as capacidades de compreender, analisar, definir, modelar, resolver, com-
parar e automatizar problemas e suas soluções, de forma metódica e sistemática” (BRASIL,
2018, p. 476) –, por meio da elaboração e implementação de algoritmos em computadores
(que não seja o algoritmo da divisão de Euclides ou outros algoritmos usuais na abordagem
de números e operações).
Os algoritmos são definidos como uma sequência finita de procedimentos que possibilita
resolver, de forma aproximada ou não, um determinado problema, “[...] é a decomposição de
um procedimento complexo em suas partes mais simples, relacionando-as e ordenando-as”
(BRASIL, 2018, p. 272). Eles também são preconizados pela BNCC, como pode ser visto no
seguinte trecho destinado ao sexto ano: “construir algoritmo para resolver situações passo a
passo (como na construção de dobraduras ou na indicação de deslocamento de um objeto
no plano segundo pontos de referência e distâncias fornecidas, etc.)” (BRASIL, 2018, p. 304).

1 Este texto é uma continuação e adaptação de Ferreira e Julio (2019), na qual relatamos as experiências ocorridas com estudantes
da Educação Básica em oficinas de divulgação científica.

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Educação matemática em pesquisa: perspectivas e tendências - Volume 2
Em 2018, optamos por desenvolver, durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia:
ciência para a redução das desigualdades (SNCT), a oficina intitulada Construindo seu Fractal
para discentes em diferentes etapas de escolaridade de escolas públicas e privadas do Sul
de Minas Gerais para divulgação da matemática e do curso de Licenciatura em Matemática
de nossa instituição. A oficina foi realizada com exibição de imagens (brócolis, borboleta,
montanhas chinesas, teia de aranha, raio, concha partida ao meio, folha de samambaia,
girassol, nuvens, figuras do artista gráfico Maurits Cornelis Escher (1898-1972)2 ), discus-
sões e dobradura do cartão fractal (Figura 1). Ela partiu de nosso interesse pelo tema, que
oferece a oportunidade de ampliar o repertório cultural dos discentes sobre matemática e
arte3 , por sua beleza e complexidade e por acreditarmos que seria um tema que não tinha
sido trabalhado nas escolas. Esta oficina foi discutida em detalhes em Ferreira e Julio (2019).

Figura 1. Imagens do Cartão Fractal

Fonte: autores.

A experiência com a oficina nos motivou a pensar sobre experimentar e discutir sobre
fractais com professores e futuros professores. Em 2019 criamos uma disciplina optativa
intitulada Construindo Fractais. Ela foi aberta para discentes da Universidade Federal de
Alfenas (UNIFAL-MG) e teve como objetivo geral provocar discussões sobre o conceito de
fractal na sala de aula e na matemática.
A relevância da disciplina se mostrou com a implementação da resolução CNE/CP nº 2,
de 20 de dezembro de 2019 (BRASIL, 2019) que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e instituiu a Base Nacional
Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação). Esta
resolução tem como referência a Base Nacional Comum Curricular da Educação Básica

2 Veja Barbosa (1993), especialmente o Capítulo 9, que oferece a professores de Matemática e de Educação Artística alguns exemplos
de padrões de mosaicos tipo Escher. Combinando isso com um pouco mais de criatividade pode-se produzir imagens fractais. Um
belo exemplo disso, com o uso de geometria hiperbólica (não euclidiana), é a obra “Circle Limit III,” de Escher (1959). Veja o link: ht-
tps://en.wikipedia.org/wiki/Circle_Limit_III, acesso em 25 mar. 2019. Para apreciar outras produções de Escher, acessar o link: https://
mcescher.com/, acesso em 17 dez. 2020.
3 Mais sobre as relações entre matemática e arte podem ser vistas no documentário Arte e Matemática, disponíveis pelo link: https://
api.tvescola.org.br/tve/videoteca/serie/arte-e-matematica, acesso em 15 mar. 2019.

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(BNCC) (BRASIL, 2018), preconizando que a formação docente deve pressupor “o desen-
volvimento, pelo licenciando, das competências gerais previstas na BNCC-Educação Básica,
bem como das aprendizagens essenciais a serem garantidas aos estudantes” (BRASIL,
2019, p. 2), nas quais os fractais fazem parte e têm sido pouco trabalhados na forma-
ção de professores.

OBJETIVO

Descrever brevemente a disciplina Construindo Fractais, com destaque para a primeira


aula, que foi sobre o processo da construção do cartão fractal, a partir de Ferreira e Julio
(2019) e o estabelecimento de relações feitas a partir dele.

MÉTODOS

Buscamos organizar a disciplina de modo a possibilitar diferentes experimentações/


construções de fractais e diferentes discussões sobre isso com os discentes matriculados,
por meio das seguintes temáticas: fractais e arte, criação de fractais, fractais e educação
matemática, métodos iterativos, linguagem de programação, algoritmos e imagens digitais.
Foram 15 encontros com duração de até 4 horas cada um, nos quais essas temáticas
foram discutidas, em alguns momentos, de forma separada e, em outros momentos, de
forma integrada.
Para a criação/construção de fractais, foram utilizados diferentes materiais manipula-
tivos e recursos computacionais. Em relação aos materiais manipulativos, utilizamos: papel,
régua e tesoura para construir o cartão fractal (Figura 1); cartolina, lápis, régua, linhas e lãs
para construir a curva de Koch (Figura 2); papel quadriculado, lápis, lápis de cor e triângulos
em EVA para construir o triângulo de Sierpinski (Figura 3). Nesses processos construtivos
aproveitamos para discutir possíveis padrões gerados utilizando tabelas construídas cola-
borativamente no quadro/lousa e no software Excel. Em especial, para a curva de Koch,
três dessas curvas foram unidas formando o floco de neve de Koch e, a partir disso, foram
discutidas as noções de área e perímetro. O triângulo de Sierpinski também foi construído
utilizando o software R – em que as linhas do código foram baseadas no Triângulo de Pascal
(Figura 8) – possibilitando discutir relações de recorrências e imagens digitais 4, além do
próprio triângulo de Pascal e questões relacionadas à congruência módulo n (ou resto da
divisão). A noção de dimensão fractal – que admite forma não inteira – foi abordada depois
dessas construções.

4 Maiores discussões sobre imagens digitais podem ser acessadas em Pesco e Bortolossi (s.d.).

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Educação matemática em pesquisa: perspectivas e tendências - Volume 2
Figura 2. curva de Koch construída com lã.

Fonte: acervo dos autores

Figura 3. Triângulo de Sierpinski construído com EVA.

Fonte: acervo dos autores

Para abordar arte e fractais, e para ter um ponto de vista mais erudito do tema, um
professor artista da UNIFAL-MG foi convidado para falar sobre isso e falamos, ainda, sobre
o padrão de construção dos fractais que pode ser inferido de algumas criações artísticas
de Maurits Cornelis Escher.
No aspecto das discussões educacionais, foi abordada a presença de trabalhos envol-
vendo esta temática nas versões do Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM)5
por meio dos resumos dos trabalhos encontrados. Eles foram lidos, discutidos e categoriza-
dos em termos da abordagem metodológica, obtendo categorias próximas às de Pereira e

5 Conforme os anais disponibilizados pela SBEM (Sociedade Brasileira de Educação Matemática).

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Educação matemática em pesquisa: perspectivas e tendências - Volume 2
Borges (2016). A disciplina foi finalizada com a apresentação dos discentes de um trabalho
de prática pedagógica contendo um plano de aula envolvendo a abordagem de fractais
em sala de aula.
O cartão fractal foi construído no início da disciplina, no primeiro encontro, depois do
tema fractal ser introduzido por meio de imagens (brócolis, concha, folha de samambaia,
girassol, dentre outras). O processo construtivo foi o mesmo adotado nas oficinas discutidas
por Ferreira e Julio (2019) (Figura 4 e Figura 5), com a inclusão da possibilidade de escolha
de retângulos de tamanhos diferentes, pelos discentes, para depois compararmos o que
acontece com os comprimentos dos degraus gerados.

Figura 4. Cartão Fractal

Fonte: autores

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Figura 5. Cartão Fractal (continuação).

Fonte: autores

Para observarmos detalhadamente a construção do cartão fractal e para tentar regis-


trar o modo de construção ou o algoritmo dela, optamos por discutir elementos geométricos
(retângulo, modos de dividi-lo ao meio e ponto médio) e os números racionais (zero, um
quarto, meio, três quartos e um) como uma forma de aproximação das práticas escolares
da Educação Básica tal como feito em Ferreira e Julio (2019).
Depois da construção do cartão fractal, a primeira discussão feita foi sobre o que estava
acontecendo com os comprimentos dos degraus formados a cada iteração. Em seguida, foi
preenchida uma tabela contendo as seguintes colunas: o número de iterações, quantidade de
degraus novos formados a cada iteração e quantidade total de degraus formados a cada ite-
ração, conforme Tabela 1. A partir dessa tabela, pedimos que os discentes pensassem sobre
o estabelecimento de uma fórmula ou relação de recorrência para as quantidades obtidas.
No mais, nos inspiramos em alguns pressupostos do Modelo dos Campos Semânticos
(MCS) sobre interação. No caso, a intenção de proporcionar processos de interações produ-
tiva, tais como discutidos por Lins (2012) e Dantas e Lins (2017). Os processos de interação
estão ligados a noção de espaço comunicativo, na qual a ““comunicação” não corresponde

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Educação matemática em pesquisa: perspectivas e tendências - Volume 2
mais a algo do tipo “duas pessoas falando uma para a outra”, e sim a “dois sujeitos cogniti-
vos falando na direção de um mesmo interlocutor” (LINS, 2012, p. 24). Interlocutor, para o
MCS, “é uma direção na qual se fala. Quando falo na direção de um interlocutor é porque
acredito que este interlocutor diria o que estou dizendo e aceitaria/adotaria a justificação
que me autoriza a dizer o que estou dizendo” (LINS, 2012, p. 19).
A interação produtiva pode ser vista do seguinte modo:

[...] é possível admitir que duas pessoas podem ou não falar em uma mesma
direção. Quando não falam em uma mesma direção, não compartilham inter-
locutores. Elas não deixam de estar interagindo, mas podemos questionar
sobre a possibilidade de estarem se comunicando. Quando as direções são
as mesmas, dizemos que estão compartilhando interlocutores ou dizemos que
estão em uma interação produtiva (DANTAS; LINS, 2017, p. 7).

A interação é fundamental neste processo porque é por meio dela que ocorre pro-
dução de significados, que é tudo o que uma pessoa pode e efetivamente diz de algo em
uma situação ou atividade. De acordo com o MCS, toda produção de significado implica
em produção de conhecimentos, pois para o MCS o conhecimento é do domínio da enun-
ciação e não dos enunciados (LINS, 1999, 2012). Isso não significa que essa produção de
conhecimento é na direção esperada por nós e nem que seja correta ou incorreta, se trata
de alguma produção de conhecimento.

RESULTADOS

De forma semelhante ao que aconteceu em Ferreira e Julio (2019), foi proposto o


desafio de formas diferentes de dobrar o retângulo ao meio. As falas iniciais foram unir os
lados opostos do retângulo. Depois de um tempo de discussão, alguns discentes dobraram
pela diagonal. Em seguida (passos 3 e 6), utilizamos os números racionais zero, um quarto,
meio, três quartos e um para servirem como pontos de identificação para dobras e cortes no
papel (passos 4 e 7). Esses números foram estabelecidos na interação com os discentes, a
partir de uma discussão envolvendo frações (reconhecimentos de frações e frações como
pontos para identificação). A única dificuldade que surgiu com um discente foi na execução
do passo 2 da Figura 4, por não deixar a abertura para cima, tendo de refazer todo o cartão.
Depois dos processos de dobras e recortes, os discentes tinham que abrir a folha de sulfite
e seguir as instruções de dobras para formar as escadas, como na Figura 1, de modo que
depois pudessem fechar e, ao abrirem de novo, gerar o cartão fractal. Estas instruções ge-
raram dúvidas em alguns discentes6.

6 Pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=dnuFRjDr-KI, acesso em 10 mar. 2019, uma construção do cartão fractal pode ser vista
em detalhes. Ela difere um pouco do que fizemos, mas é mais fácil de acompanhar o processo de dobra de cada aba para formar o
cartão.

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Educação matemática em pesquisa: perspectivas e tendências - Volume 2
Como o procedimento de dobra do cartão fractal envolve um processo iterativo, típico
dos algoritmos, os discentes nem esperavam pelos comandos dos próximos passos das
Figuras 4 e 5, porque tinham entendido o processo de iteração e foram fazendo as dobras
e os cortes por si mesmos. Nesse processo, alguns discentes apresentaram dúvidas de até
onde irem, ou melhor, quantas iterações deveriam fazer. Eles viram a limitação do papel para
poder continuar a construção da figura e foi feita uma discussão sobre limitações humanas
e computacionais na realização das iterações.
Em relação aos comprimentos dos degraus formados a cada iteração, os discentes
notaram que o comprimento deles foi sendo dividido por dois, independentemente do tama-
nho do retângulo inicial.
A partir da Tabela 1, para a análise da quantidade de degraus novos formados, os dis-
centes notaram que na primeira iteração foi gerado um degrau, na segunda dois degraus, na
terceira quatro degraus e assim sucessivamente. Por isso, considerando n, como o número
de iterações, eles estabeleceram o seguinte padrão: Dn = 2n-1, que denota a quantidade de
degraus novos formados em cada iteração. Por fim, para a análise da quantidade total de
degraus formados (Tn), colaborativamente foi obtida a seguinte relação de recorrência: Tn =
Tn-1 + 2n-1. Um discente, chamado ficticiamente de Marcos obteve a seguinte relação de re-
corrência: Tn = 2Tn-1 + 1. A partir da relação obtida por Marcos, o discente, também chamado
ficticiamente de João, obteve a fórmula Tn = 2n – 1.

Tabela 1. Relações de recorrência obtidas a partir do cartão fractal.

Quantidade de degraus for- Quantidade total de degraus Quantidade total de degraus


Iteração
mados em cada iteração formados coletivamente formados por Marcos

1 1 1 1
2 2 3 = 1+2 2.1+1=3
3 4 7 = 3+4 2.3+1=7
4 8 15 = 7+8 2.7+1=15
... ... ... ...
Tn = Tn-1 + Dn =
N Dn=2n–1 Tn = 2Tn-1 + 1
= Tn-1 + 2n–1

Uma questão que logo surgiu entre os discentes foi como relacionar as relações de
recorrência obtidas por Marcos com a obtida colaborativamente por João. Um dos docentes,
que inicialmente tinha pensado em usar teoria de relações de recorrências lineares, como
brevemente discutido em Ferreira (2020), acabou recorrendo ao produto notável: an – bn =
(a – b).(an–1 + an–2b1 + ... + a2bn–3 + abn–2 + bn–1), com a = 2 e b = 1, para concluir que 2n – 1 =
(2 – 1).( 2n–1 + 2n–2 + 2n–3 +... + 22 + 2 +1).

Como 1=D1, 2=D2, ..., 2n–2=Dn-1, 2n–1=Dn, temos que 2n – 1= Dn +Dn-1+ Dn-2 + ...+ D2+D1.

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Educação matemática em pesquisa: perspectivas e tendências - Volume 2
Pela tabela, temos que Tn = Tn-1 + Dn, e podemos fazer o uso dessa relação de recor-
rência para reescrevê-la como:

Tn = Tn-1 + Dn = (Tn-2+Dn-1) + Dn = Tn-2 + Dn-1+ Dn = (Tn-3+Dn-2) + Dn-1+ Dn = ...= T1+ D2+...+


Dn-2 + Dn-1+ Dn = Dn +Dn-1+ Dn-2 + ...+ D2+D1.

Isso nos diz que Tn = 2n – 1, como João observou. Pelo fato de podermos relacionar a
fórmula fornecida por João com a relação de recorrência obtida colaborativamente, vemos
que elas são equivalentes.

DISCUSSÕES

Acreditamos que os discentes entraram em um processo de interação produtiva, pois,


foram compartilhando interlocutores visto pela composição adequada do cartão fractal. Além
disso, acreditamos que eles participaram de um trabalho conjunto em que compartilharam
o motivo de construir um cartão fractal e estabelecer relações matemáticas a partir do que
foi produzido, o que Dantas e Lins (2017) chamam de interação colaborativa.
A montagem do cartão fractal foi realizada tal como na oficina para os discentes da
Educação Básica. Isso foi exposto para os discentes do Ensino Superior para que vissem
a possibilidade de execução na Educação Básica. As dificuldades no processo de dobra
e recorte do cartão fractal foram semelhantes no passo 2 (Figura 4) pelo fato de não ter
posicionado a folha corretamente, o que afetou o restante da montagem. Houve, também,
dificuldade na montagem da escada.
A oficina teve mais um caráter de divulgação científica, da matemática e do curso de
Licenciatura em Matemática da UNIFAL-MG e, como já mencionamos, a disciplina foi ela-
borada como uma possibilidade de ampliação de discussões e experimentações e, por isso,
o estabelecimento de padrões foi trabalhado. Um aspecto a ressaltar desse processo foram
as relações de recorrência Tn = Tn-1 + 2n-1 e Tn = 2Tn-1 + 1 e a fórmula obtida pelo discente
João (Tn = 2n – 1). De início, para justificar a obtenção da fórmula, um dos docentes recorreu
a produtos notáveis. Queremos trazer, aqui, outra possibilidade pensada a posteriori, para
estabelecer uma equivalência entre as relações de recorrências. Por exemplo, lembrando
que T1 = 1 e usando a soma dos termos de uma progressão geométrica de razão 2, temos:

Tn = 2Tn-1 + 1 = 2(2Tn-2+1) + 1 = 4Tn-2 + 2+1 = 4(2Tn-3+1) + 2+1 = ...= 2n–1 + 2n–2 + 2n–3
+... + 22 + 2 +1=2n –1,

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É interessante trazer essa outra possibilidade, porque o molde aberto da disciplina
trouxe muitas coisas inesperadas e nem sempre estávamos preparados para o que pode-
ria acontecer. Outro aspecto a ressaltar disso se refere aos diferentes modos de produção
de significados nossa e dos discentes que participaram das discussões, o que implica em
produção de conhecimentos diferentes, de acordo com Lins (1999, 2012). Alguém poderia
dizer, pelas possibilidades apresentadas que se trata da mesma coisa. Mas pela própria
tabela, já podemos notar que os elementos considerados para o estabelecimento das rela-
ções foram outros, enquanto no aspecto colaborativo, a relação foi obtida da quantidade total
de degraus da iteração anterior mais a quantidade de novo degrau formado, na relação do
discente Marcos, ele multiplicou por 2 a quantidade total de degraus formados na iteração
anterior mais um. Isso significa, para nós, diferentes produções de significados; e sugerimos
ao leitor procurar outras relações de recorrência.
Cabe dizer, ainda, que quando o discente João obteve a fórmula, ele disse que já nem
estava pensando mais no cartão fractal e do que ele observava nele, ateve-se somente a
relação obtida pelo discente Marcos. Ou seja, o cartão fractal foi usado para o estabeleci-
mento de relações, mas outras relações puderam ser feitas a partir da atividade.
Neste primeiro encontro, ainda que a tecnologia tenha sido utilizada só no aspecto
da exibição das imagens, aspectos computacionais como iteração e algoritmo estiveram
presentes pela ênfase na sequência finita de passos repetitivos a serem executados. Além
disso, discussões sobre as limitações dos computadores e da nossa capacidade de dobrar
papéis ocorreram.
Usando, mais uma vez, uma possibilidade pensada a posteriori, o uso de produtos no-
táveis previamente mencionado contribuiu, de certo modo, para a sua utilização em outros
momentos da disciplina. Um deles foi na construção do triângulo de Sierpinski por meio do
Triângulo de Pascal, conforme Figura 6 (na qual foram pintados de uma cor os quadrados
com os números ímpares e de outra cor os quadrados com os números pares). Podemos
estabelecer uma relação entre a Figura 6 com uma matriz com n linhas e n colunas (ou até
mesmo com uma planilha no Excel), em que a primeira coluna possui como elementos o
número 1. A primeira linha tem todos os elementos nulos, exceto o primeiro elemento, que é
1. Se denotarmos cada elemento da matriz na linha i e na coluna j como A[i,j], os números do
Triângulo de Pascal podem ser obtidos pela relação de recorrência A[i,j] = A[i-1,j-1] + A[i-1,j].
Para observarmos mais detalhes dessa construção e obtermos uma imagem com mais
detalhes, implementamos um algoritmo em linguagem R (Figura 7), que envolve produtos
notáveis, a relação da Figura 6 com matrizes e resto da divisão por dois, fugindo de um modo
específico de se falar em fractais que recorre exclusivamente à geometria ou à elementos

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geométricos como triângulos, quadrados, cubos, dentre outros. Em outros termos, apesar
do “produto final” envolver elementos geométricos, sua construção não recorre a eles.

Figura 6. Desenho do triângulo de Sierpinki utilizando Triângulo de Pascal e malha quadriculada.

Fonte: autores.

Figura 7. Algoritmo implementado em linguagem R.

Fonte: autores

Como estamos interessados apenas nos números pares e ímpares para implementar
o algoritmo, podemos usar o resto da divisão da soma A[i,j] = A[i-1,j-1] + A[i-1,j] por dois e
armazenar apenas zeros e uns, o que está representado no algoritmo da Figura 7 por %%2.
Pelo link: https://rextester.com/XGL92490, pode-se gerar a imagem semelhante a imagem
da Figura 8 e é possível fazer pequenas alterações no algoritmo e gerar outras figuras como
a Figura 9, que foi obtida tomando os elementos da linha 1 da matriz como -1 e usando o
resto da divisão por 3, ou seja, alterando o %%2 por %%3. Essa pequena alteração no có-
digo apresentado (Figura 7) foi uma das alterações sugeridas pelos discentes da disciplina.
Uma sugestão para o leitor é tentar obter figuras diferentes, alterando partes do algoritmo.

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Figura 8. Triângulo de Sierpinski via Triângulo de Pascal.

Fonte: autores

Figura 9. Variação do algoritmo para a geração da Figura 8.

Fonte: autores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio de um evento extensionista tivemos a oportunidade de desenvolver oficinas


de divulgação científica, divulgação da matemática e entrar em contato com discentes da
Educação Básica e, de certa forma, alguns de seus professores. Esta experiência nos apro-
ximou de teorizações que fazemos sobre formação de professores e possibilidades para a

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sala de aula de matemática enquanto pesquisadores e formadores de professores. Isso nos
motivou a criar uma disciplina optativa com as seguintes temáticas: fractais e arte, criação
de fractais, fractais e educação matemática, métodos iterativos, linguagem de programação,
algoritmos e imagens digitais.
Discutimos aqui, o primeiro encontro da disciplina, na qual exibimos imagens de frac-
tais e construímos um cartão fractal tal como fizemos na oficina relatada em Ferreira e Julio
(2019). Expandimos as discussões matemáticas tendo em vista o público que estávamos
lidando e os nossos objetivos dentro da disciplina, que eram realizar experimentações e dis-
cussões sobre fractais e matemática. Então, além de elementos escolares como retângulos
e frações, abordamos potenciações, progressão geométrica, produtos notáveis, matrizes,
estabelecimento de relações e fórmulas e a utilização de materiais manipuláveis e de recur-
sos computacionais em sala de aula. Este encontro, assim como toda a disciplina tinha esse
dinamismo de utilizar diferentes recursos e proporcionar diferentes discussões, tratando do
que entendemos como fractais, sem nos preocuparmos com definições formais e sim com
a complexidade dos objetos que surgiram de vários processos que pensamos de antemão
e que foram surgindo ao longo do curso, o que levou um discente a afirmar que a disciplina
foi um passeio pela matemática.

REFERÊNCIAS
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Educação matemática em pesquisa: perspectivas e tendências - Volume 2

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