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DIDÁTICA NO ENSINO DE GEOCIÊNCIAS: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

APLICADAS À GEODIVERSIDADE DO PROJETO GEOPARK CORUMBATAÍ


DIDACTICS IN GEOSCIENCE EDUCATION: PEDAGOGICAL PRACTICES APPLIED
TO THE GEODIVERSITY OF THE CORUMBATAÍ GEOPARK PROJECT
ANDRÉ DE ANDRADE KOLYA1, MARISELMA FERREIRA ZAINE1, JOSÉ EDUARDO ZAINE1, JOSÉ ALEXANDRE PERINOTTO1,
FÁBIO AUGUSTO GOMES VIEIRA REIS1
1
Departamento de Geologia Aplicada, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” Câmpus de Rio Claro
Avenida 24 A, 1515 - Bela Vista, Rio Claro - SP
E-mails: akolya@outlook.com, mfzaine@gmail.com, jezaine@rc.unesp.br,
perinoto@rc.unesp.br, fabioreis@rc.unesp.br

Abstract This study proposes the approach and consequent valorization of the geodiversity at the Corumbataí River Basin, state of São
Paulo, by inserting the subject in the daily life of elementary school students, through a pedagogic practice based on ludic and practical
activities. The strategy includes activities such as games (puzzle and memory), field trip at a local geodiversity site and other creative
exercises. The geodiversity addressed in this study refers to the Paraná Sedimentary Basin and includes natural heritages such as rocks,
fossils, soils, water resources, landscapes, archaeological paintings and artefacts, as well as their interactions with cultural and biotic means.
This proposal aims to contribute to the formation of critical citizens related to the environment in which they live and to promote the appro-
priation of the sense of belonging to the place. The proposals presented are based on the guidelines of the Brazilian National Curricular
Parameters in the areas of Natural Sciences, Geography and Environment, and are a source of teaching materials for educators. In addition,
the resources presented may be used for informal and non-formal educational practices, as products to be offered to visitors at interpretation
centers of the Corumbataí Geopark, whose project is being elaborated for the eight constituent municipalities of the Corumbataí River Basin.

Keywords Teaching in Geosciences, Didactic Games, Pedagogical Practice, Geodiversity, Geoconservation, Corumbataí River Basin.

Resumo Este trabalho propõe a abordagem e consequente valorização da geodiversidade na região da Bacia do Rio Corumbataí, interior
do estado de São Paulo, inserindo-a no cotidiano de alunos do ensino fundamental, através de uma prática pedagógica baseado em atividades
lúdicas e práticas. A estratégia compreende atividades como jogos (quebra-cabeça e memória), estudo do meio em um sítio da geodiversidade
local e exercícios criativos. A geodiversidade abordada neste trabalho refere-se à Bacia do Paraná e inclui patrimônios como rochas, fósseis,
solos, recursos hídricos, paisagens, pinturas e artefatos arqueológicos, bem como suas interações com os meios cultural e biótico. Esta
proposta visa contribuir para a formação de cidadãos críticos acerca do meio em que vivem e promover a apropriação do sentimento de
pertencimento ao lugar. As propostas de ensino apresentadas apoiam-se nas diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais nas áreas de
Ciências Naturais, Geografia e de meio ambiente e constituem uma fonte de material didático para educadores. Ademais, os recursos apre-
sentados poderão ser utilizadas em práticas educativas informais e não formais, constituindo produtos a serem oferecidos a visitantes em
centros de interpretação do Geoparque Corumbataí, cujo projeto está em fase de elaboração para os oito municípios constituintes da Bacia
do Corumbataí.

Palavras-chave Ensino em Geociências, Jogos Didáticos, Prática Pedagógica, Geodiversidade, Geoconservação, Bacia do Rio Corumba-
taí.

Linha temática Educação, Ensino de Geociências e Formação de Professores.

1 Introdução de materiais passíveis de serem trabalhados em ferramen-


tas constituem elementos da geodiversidade, que tiveram
papel crucial na ocupação da região.
A Bacia Hidrográfica do Rio Corumbataí, localizada no
Ao longo do tempo, a Bacia do Corumbataí foi palco
interior do estado de São Paulo, constitui uma região no-
de importantes descobertas e avanços científicos. Em
tável pela rica geodiversidade. A região apresenta vasta
1875, o naturalista alemão Carlos Rath publicou estudos
gama de elementos e processos geológicos que ilustram a
paleontológicos pioneiros na região (Simões et al. 1992).
evolução e a dinâmica terrestre, caracteriza-se como um
laboratório de campo para a educação ambiental. Rochas, Em 1927, o geólogo sul-africano Du Toit comparou
paisagens, fósseis, evidências arqueológicas e demais pa- rochas e fósseis (principalmente, répteis Mesossaurídeos)
trimônios naturais são visitados por alunos de diferentes da região com outras localidades na América do Sul e
níveis de ensino, professores e pesquisadores de diversos África, utilizando os resultados a favor da teoria (então hi-
estados e até de outros países. A utilização antrópica de pótese) da deriva continental. Na década de 1950, a região
elementos da geodiversidade da região começou há, pelo de Rio Claro foi alvo de campanhas de prospecção petro-
menos, 10 mil anos, segundo datações recentes (Araújo et lífera, que contribuíram, significativamente, para a com-
al. 2017). Abundância hídrica, relevo adequado ao deslo- preensão da estratigrafia da Bacia do Paraná no estado de
camento, abrigo nas cavidades naturais e disponibilidade São Paulo. Em 1958, teve início a Faculdade de Filosofia,

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Ciências e Letras de Rio Claro, com o curso de História estudo do meio, em função de serem recursos amplamente
Natural, apoiando-se na diversidade natural da região. utilizados no ensino de geociências.
Posteriormente, a faculdade foi incorporada à UNESP e O quebra-cabeça foi desenvolvido com base no Mapa
criados novos cursos que utilizam a Bacia do Corumbataí Ilustrado dos Patrimônios Naturais da Bacia do Rio Co-
como laboratório natural. A partir da década de 1960, em rumbataí (ZAINE, 1996). Segundo a autora,
face aos muitos achados arqueológicos que vinham sendo Um dos objetivos do mapa é conscientizar a comunidade, no
feitos por proprietários de terras, os professores Tom Mil- sentido de conhecer mais sobre o meio ambiente, suas belezas
ler Junior, Fernando Altenfelder Silva e a pesquisadora e monumentos naturais – cuestas, cavernas, cachoeiras, mata
nativa, fósseis, sítios arqueológicos, formações geológicas.
Maria Beltrão, esta última do Museu Nacional, começa-
ram a sistematizar as pesquisas arqueológicas na região. Além de retratar o patrimônio natural, o mapa apre-
Na década de 1980, o espeleólogo Guy Collet realizou es- senta toponímias, incluindo cidades, estradas, ferrovias,
tudos pioneiros de prospecção e análise de cavidades na- feições de relevo e elementos cartográficos, como le-
turais areníticas na região (ZAINE, 1996). genda, escala gráfica e orientação.
Em 1996, o estudo Patrimônios Naturais e História
Geológica da Região de Rio Claro incluiu um levanta-
mento qualitativo da geodiversidade da Bacia do Corum-
bataí (ZAINE, 1996). Posteriormente, Amorim (2005)
propôs um sistema de informações georreferenciadas, vi-
sando o geoturismo na Bacia. Recentemente, Garcia et al.
(2017) publicaram o primeiro inventário sistemático do
patrimônio geológico no estado de São Paulo, incluindo
diversos geossítios na Bacia do Corumbataí. A partir de
2016, os esforços em geoconservação na bacia estão con-
centrados em um projeto de desenvolvimento de um Geo-
park Global da UNESCO, do qual participam membros da
Unesp Rio Claro, Unicamp, Consórcio das Bacias Hidro-
gráficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí e prefei-
turas dos oito municípios da Bacia do Corumbataí (Geo-
park 2018).
Neste sentido, o presente trabalho visa contribuir com
as estratégias de valorização da geodiversidade, em espe-
cial a educação em geociências. Especificamente, tem
como objetivo propor uma forma simples, clara, lúdica e
organizada de apresentar a diversidade natural da Bacia
do Rio Corumbataí a estudantes do ensino fundamental.

2 Materiais e Métodos

Este trabalho envolveu quatro etapas: pesquisa bibliográ-


fica, trabalho de campo, confecção de materiais didáticos
e planejamento da estratégia pedagógica.
Figura 1. Mapa Ilustrado dos Patrimônios Naturais da Bacia do Rio Co-
A pesquisa bibliográfica foi realizada em livros, arti- rumbataí. Fonte: Zaine (1996)
gos, trabalhos acadêmicos e materiais didáticos sobre as
temáticas: Bacia do Corumbataí; Ensino de Geociências; O mapa foi digitalizado pela Seção Técnica de Apoio
Práticas Pedagógicas; Estudo do Meio; Jogos Educativos, ao Ensino, Pesquisa e Extensão (STAEPE) do Instituto de
e os 5Gs (Geodiversidade, Geoconservação, Geoturismo, Geociências e Ciências Exatas da Unesp Rio Claro. Em
Patrimônio Geológico e Geoparques). Foi também con- seguida, o mapa digital foi vetorizado e adaptado ao la-
sultado o banco de dados do Projeto Geopark Corumbataí, yout. Foi adicionada uma marca d’água (com textura de
cujas informações nortearam a escolha dos elementos e rochas), para possibilitar a diferenciação de todas as peças
processos abordados na prática pedagógica aqui proposta. do jogo. O material foi finalizado pela empresa Ricca
Brindes, de Rio Claro, utilizando técnica de sublimação.
O trabalho de campo consistiu em visitas a sítios da
geodiversidade na área de estudo. O critério para a seleção Outro produto, o jogo da memória, foi confeccionado
de sítios foi o potencial de uso educativo e a representati- a partir dos registros fotográficos realizados nos sítios da
vidade de elementos e/ou processos geológicos. Foi reali- geodiversidade. Os elementos representados nas peças do
zado um registro fotográfico, de modo a retratar os ele- jogo incluem: morros testemunhos, cavidades naturais,
mentos e os processos mais representativos da diversidade fósseis de répteis Mesossaurídeos, fósseis de conchas bi-
natural. valves, recursos hídricos, artefatos arqueológicos e pintu-
ras rupestres. Os pares de fotografias foram impressos e
Os materiais didáticos propostos são constituídos por
colados em peças de madeira, incluindo o nome do ele-
um quebra-cabeça, um jogo da memória e um roteiro de
mento representado.

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Figura 3. Localização da Bacia do Corumbataí no Estado de São Paulo;
Fonte. São Paulo (2013)

Figura 2. Localização do Sítio da Geodiversidade selecionado para o


roteiro de estudo do meio. Fonte: Kolya et al. (2016)

O roteiro de estudo do meio elaborado visa apresentar


aos alunos elementos representativos da geodiversidade,
de fácil compreensão. O local escolhido é o sítio da geo-
diversidade “Coquina do Distrito Industrial” localizado no
município de Rio Claro (lat: -22,368756°; long: -
47,561154°), entre os bairros Distrito Industrial e Santa
Clara II, em meio a um loteamento em implantação e
Áreas de Preservação Permanente (Fig. 2). O sítio se des- Figura 4. Situação geomorfológica e geológica da Bacia do Corumba-
taí. Fonte: Adaptado de Ab’Sáber (1956)
taca pela diversidade de elementos e processos ilustrativos
do patrimônio natural, incluindo feições de relevante po-
tencial didático para estudantes do ensino fundamental,
como conchas fósseis (coquina), relevo, recursos hídricos
e influência antrópica no ambiente natural.

3 Geodiversidade na Bacia do Rio Corumbataí

A Bacia Hidrográfica do Rio Corumbataí está localizada


no centro-leste do estado de São Paulo, a cerca de 200 qui-
lômetros da capital (Fig. 3). A Bacia do Corumbataí situa-
se geologicamente sobre rochas Vulcano-sedimentares da
Bacia do Paraná e abrange duas unidades do relevo pau-
lista: a Depressão Periférica e as Cuestas Arenítico-Basál-
ticas (Fig. 4), segundo definido por Almeida (1964).
Graças à situação geográfica e à evolução tectônica,
a sequência estratigráfica completa da Bacia do Paraná no
estado de São Paulo aflora na região. Estas características
contribuem para que a localidade seja um hotspot da di-
versidade natural (Fig. 5).
É seguro afirmar que os recursos hídricos, minerais e
edáficos proporcionados por esta natureza rica e diversa
embasaram o desenvolvimento socioeconômico da região,
desde a pré-história até os dias de hoje. Consequente-
mente, tais elementos fazem parte da cultura local, estam-
pando símbolos, logos, brasões municipais, pinturas e fo-
tografias, livros, entre outros (Fig. 6).

Figura 5. Geodiversidade na Bacia do Paraná. A: Rio Cabeça. Fonte:


Acervo pessoal André Kolya. B: Morro do Cuscuzeiro. Fonte: Acervo pes-
soal André Kolya. C: Artefatos arqueológicos. Fonte: Zaine (1996). D: Con-
chas fósseis. Fonte: Kolya et al. (2016). E: Salto do Nhô Tó. Fonte: Acervo
pessoal André Kolya. F: Cachoeira do Saltão. Fonte: Saltão (2018). G: Fós-
sil Stereosternum tumidum. Fonte: Dinoera (2016)

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Figura 8. Detalhe do contato entre a Formação Rio Claro e a Formação
Corumbataí. Fonte: André Kolya

A Formação Rio Claro é uma unidade predominante-


mente arenosa e pouco litificada, que cobre o platô de Rio
Claro. Esta unidade foi depositada em um passado geoló-
gico recente (próximo ao limite Terciário / Quaternário),
principalmente pela ação de rios. O pacote arenoso da For-
mação Rio Claro é extremamente poroso e permeável, atu-
ando como uma “esponja” que contém um reservatório de
água, denominado Aquífero Rio Claro. Já, a Formação
Figura 6. Geodiversidade e Sociedade. A: Geodiversidade nos brasões Corumbataí (abaixo) atua como um selante na base do
municipais. Fonte: MBI (2018). B: Geodiversidade em logomarca co- aquífero. A água que percola pela Formação Rio Claro
mercial. Fonte: Villa Donn’Anna (2018). C: Pintura da Serra de Ipeúna.
Fonte: Araujo (2018). D: Guia de Escalada. Fonte: Chinaglia (2014). E:
não atravessa as rochas impermeáveis da Formação Co-
Espiritualidade na Gruta Nossa Senhora de Lourdes. Fonte: Diário da rumbataí e escorre lateralmente, junto ao contato, até atin-
Região (2016). F: Prática de ciclismo e cicloturismo na região. Fonte: gir a superfície e formar o anfiteatro de nascentes obser-
Destino MTB (2017) vados na área.
A Formação Corumbataí é constituída por um pacote
3.1 Geodiversidade no sítio “Coquina do Distrito Indus- predominantemente silte-argiloso, com níveis areníticos e
trial” calcários, formado em uma época em que a região era co-
berta por uma espécie de mar de dimensões continentais.
A área proposta para o estudo do meio está situada na Nesta unidade são encontrados fósseis, como conchas de
borda do platô de Rio Claro (Fig. 7). bivalves, dentes e escamas de peixes.
O principal elemento, que dá nome ao local, é uma
camada de conchas fósseis (coquina), com cerca de 2-4
cm de espessura, exposta na superfície horizontal. Foram
identificadas duas espécies de bivalves, Pinzonella illusa
Reed, 1932 e Terraia aequilateralis Mendes, 1952 (Sal-
vador et al. 2010).

Figura 7. Características geológicas e geomorfológicas do Sítio Co-


quina do Distrito Industrial. Fonte: Adaptado de Zaine (1994)

A quebra de relevo no local deve-se ao contato entre


duas unidades geológicas, a Formação Corumbataí abaixo
e a Formação Rio Claro acima (Fig. 8). Trata-se de um
contato do tipo erosivo, pois a unidade mais antiga (Co-
rumbataí) formou-se cerca de 250 milhões de anos antes
da mais jovem (Rio Claro).

Figura 9. Coquina do Distrito Industrial. A: Nível de conchas fósseis.


B: Detalhe dos fragmentos de coquina. C: Detalhe de espécime de Pin-
zonella illusa. Fonte: Kolya et al. 2016

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4 Ensino de Geociências nas escolas 5.1 Estímulo inicial
A geodiversidade deve ser apresentada aos alunos em ter-
O ensino de geociências ainda enfrenta dificuldades de ser mos simples e familiares. Devido ao fato da palavra bio-
aplicado em escolas. Os livros e apostilas didáticos, prin- diversidade ser muito mais comum no cotidiano popular,
cipal material de apoio dos professores, abordam a temá- pode-se fazer um paralelismo com a geodiversidade, co-
tica de forma fragmentada e superficial, dificultando que locando-as como partes integrantes da natureza e que se
o aluno compreenda o sistema Terra de forma integrada. interagem.
Muitas vezes, os conteúdos abordados são demasia- Também é importante mostrar os valores da geodi-
damente teóricos, exigindo a memorização do aluno e ali- versidade para a sociedade. Os recursos hídricos fornecem
mentando o estigma de que as geociências são desinteres- água; os recursos edáficos, os solos agriculturáveis, e os
santes, distantes da realidade do aluno e de difícil assimi- recursos minerais, a argila, a brita, a areia, os revestimen-
lação. Se por um lado, o ensino de geociências é deficitá- tos, os calçamentos, presentes no cotidiano e assim por di-
rio nas escolas, também há muita desinformação no tema, ante.
devido a representações fantasiosas na mídia, que acarre- Para que o aluno não só compreenda, mas possa visu-
tam mais confusão aos conceitos em geociências (Car- alizar o conceito de geodiversidade, podem ser usados
neiro et al. 2004, Guimarães et al. 2017). exemplos locais conhecidos, como o Rio Corumbataí, o
Este cenário contrasta com a importância que deve ser Morro do Cuscuzeiro, em Analândia, a Floresta Estadual
dada ao ensino de geociências, desde os primeiros anos do Edmundo Navarro de Andrade (FEENA), entre outros. É
ensino. O conteúdo em geociências, quer em suas verten- importante a interação da turma nesta etapa, complemen-
tes ambientais, econômicas ou geográficas, é fundamental tando com experiências pessoais.
para a formação político-cidadã da população, pois cons-
titui a base da gestão territorial e outras políticas públicas.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais 5.2 Desenho
(PCN), no nível fundamental, o ensino de geociências
A segunda atividade proposta é o desenho livre, de modo
pode ser incluído nas áreas de geografia e ciências natu-
que a classe produza uma representação gráfica relativa
rais e, ainda, se encaixar no âmbito da temática meio am-
aos conceitos abordados de forma oral. Este exercício es-
biente. Essa inserção reforça o caráter interdisciplinar do
timula os estudantes a adotar um papel ativo na aprendi-
estudo de geociências e o entendimento de que a natureza
zagem e ajuda na fixação de conceitos. A atividade tam-
constitui um sistema complexo, unificado, interdepen-
bém é utilizada para que educadores avaliem o entendi-
dente, que busca o equilíbrio (Iftoda 2001).
mento da turma, de forma a identificar necessidades e ap-
Os PCNs recomendam a realização de atividades ex- tidões individuais e coletivas. Os alunos podem apresentar
traclasse, para promover o conhecimento acerca dos seus desenhos para os colegas em mais um momento de
meios biótico, abiótico e socioeconômico, de modo a for- troca de experiências.
necer elementos para que os indivíduos adquiram uma
postura crítica frente à realidade, criando e ou fortale-
cendo vínculos com o lugar. As atividades de estudo do 5.3 Pesquisa
meio podem ser realizadas em parques, unidades de con-
servação, locais de interesse histórico e cultural. Devido A pesquisa é uma atividade que pode ser designada como
às dificuldades na realização de atividades de estudo do tarefa de casa ou desenvolvida na biblioteca e/ou labora-
meio, é interessante lançar mão de recursos que estimulem tório de informática da escola. Pode ser realizada indivi-
o conhecimento por meio de atividades lúdicas, como o dualmente ou em grupo. O exercício consiste na pesquisa
jogo da memória e quebra-cabeça aqui propostos. A partir sobre os termos “Patrimônio Natural”, “Geodiversidade”,
do ensino fundamental, os professores do ensino funda- “Bacia do Rio Corumbataí”, entre outros de escolha dos
mental podem propor atividades com linguagem gráfica, educadores. É preferível que os alunos busquem conteú-
como mapas, despertando o interesse dos alunos e sua in- dos ilustrados e de linguagem simples. Textos longos,
teração com as ferramentas cartográficas (Brasil 1998). com linguagem técnica, são pouco estimulantes para os
estudantes. Ao fim da atividade, o resultado da pesquisa
pode ser apresentado à turma.
5 Resultados
5.4 Audiovisual
Como resultados do estudo, sugere-se uma estratégia pe-
dagógica composta por seis etapas progressivas. A pro- O recurso audiovisual é recomendado depois que os alu-
posta foi elaborada, de modo que os estudantes se famili- nos já tenham sido apresentados aos conceitos e feito suas
arizem com a geodiversidade local e identifiquem marcos próprias representações e descobertas sobre o tema. Po-
naturais já conhecidos, desenvolvendo, assim, o senti- dem ser utilizados documentários ou obras artísticas com
mento de pertencimento na comunidade. Além disso, as conteúdo relativo ao patrimônio natural da região. O re-
atividades pedagógicas visam atender às orientações dos curso audiovisual possui a vantagem de se aproximar em
PCNs, como a compreensão dos conceitos de espaço- linguagem da realidade dos alunos.
tempo, as transformações antrópicas na natureza, entre
outros.

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Figura 10. Documentário sobre a Geodiversidade no Geopark Corum-
bataí. Fonte: TV Unesp

Em um segundo momento, os alunos podem ir além Figura 12. Quebra-cabeça do patrimônio natural da Bacia do Corumba-
e tornar-se agentes ativos também nesta atividade, produ- taí. Fonte: Acervo pessoal André Kolya
zindo materiais audiovisuais próprios. O quebra-cabeça pode ser montado coletivamente
pela turma ou em grupos. Os educadores podem estimular
os alunos a relacionar os elementos representados no
5.5 Jogos
mapa com aqueles ilustrados no jogo da memória. O que-
Os dois jogos propostos neste trabalho, o jogo da memória bra-cabeça pode ser utilizado na abordagem de conceitos
(Fig. 11) e o quebra-cabeça (Fig. 12), constituem recursos cartográficos, como os pontos cardeais, a legenda e a es-
lúdicos, cujas regras são conhecidas pela maior parte das cala. Os estudantes devem saber localizar alguns pontos
crianças e adultos. no mapa, como a cidade em que residem e demais elemen-
tos que reconheçam.

5.6 Estudo do meio


O estudo do meio é a última etapa da estratégia proposta.
Os alunos devem ir a campo com o objetivo de reconhecer
na prática os elementos e conceitos trabalhados anterior-
mente.
Tendo em vista todos os elementos da geodiversidade
passíveis de observação no meio natural, este trabalho pri-
oriza as feições de mais fácil assimilação, como o relevo,
as nascentes, os fósseis e a antropização do ambiente.
A posição geográfica do sítio permite a visualização
Figura 11. Jogo da memória com figuras de importantes elementos do do relevo plano em contraste com as vertentes do Rio Co-
patrimônio natural da Bacia do Corumbataí. Fonte: Acervo pessoal An- rumbataí. Esta situação relaciona-se fortemente com a
dré Kolya
ocupação do espaço. Enquanto o centro da cidade se de-
O objetivo do jogo da memória é reunir o maior nú- senvolveu no planalto, os bairros periféricos situam-se nas
mero de cartas ao final do jogo, juntando os pares. Antes porções declivosas e áreas de planície, sujeitas à inunda-
de iniciar, as cartas são embaralhadas e dispostas sobre a ção. Fazendo uma analogia com o dia a dia dos alunos,
mesa com a ilustração voltada para baixo. O jogador, que muitos já devem ter feito o trajeto da área central até um
inicia, escolhe duas cartas para virar, no intuito de que se- destes bairros afastados (p. ex. Jardim Novo Wenzel) e,
jam duas cartas iguais. Caso sejam, o jogador recolhe para com a devida atenção, é possível observar a quebra de re-
si as cartas iguais, fazendo uma descrição do elemento re- levo (na altura da Rodovia Washington Luis) e a ponte de
presentado e tem direito a uma nova jogada. Caso as cartas passagem sobre o Rio Corumbataí.
viradas sejam diferentes, o jogador as volta para baixo no- Não cabe aos alunos identificar e distinguir diferentes
vamente e passa a vez ao próximo. O jogo termina quando tipos de rocha neste momento, porém, é importante de-
todos os pares forem encontrados e não houver mais cartas monstrar que as feições do relevo estão diretamente liga-
à mesa. O jogador que tiver encontrado e recolhido o das ao limite de duas unidades geológicas. O apareci-
maior número de pares de cartas será o vencedor. mento de nascentes também está ligado ao contato geoló-
gico. Derramando um fio de água sobre argilitos e areni-
tos, é possível demonstrar o contraste entre rochas per-
meáveis e impermeáveis. Caso os alunos tenham facili-
dade em compreender este conceito, a explicação pode ser
extrapolada para explicar a existência do Aquífero Rio
Claro e sua relação com o anfiteatro de nascentes que
existe no local (Fig. 13).

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bióticos de forma a reforçar a percepção do valor do pa-
trimônio geológico.
Aos professores, este trabalho oferece uma fonte de
materiais didáticos, organizados em um roteiro sequen-
cial. Um cuidado adotado foi a apresentação das informa-
ções técnicas com linguagem acessível mesmo para edu-
cadores com pouca experiência na área de geociências, fa-
zendo uso de exemplos locais, ilustrações interpretativas
e evitando o uso de termos excessivamente complexos.
Apesar do público-alvo específico da estratégia pro-
posta, os jogos e o roteiro apresentados podem ser adap-
tados a diferentes públicos, espaços e contextos, em práti-
cas educacionais informais e não formais (Almeida 2014).
Figura 13. Imagem de satélite do sítio de estudo do meio, com vista
para o Distrito Industrial e para o anfiteatro de nascentes. Fonte: Adap- Segundo Brilha (2009), os Geoparques caracterizam-
tado de Google Earth (2018) se como espaços ideais para a educação não formal. Sendo
assim, as propostas deste trabalho ficam disponíveis para
O relevo em escala regional também pode ser obser- serem utilizadas em futuros centros de interpretação do
vado e interpretado pela turma. Além do vale do Rio Co- Projeto Geopark Corumbataí, contemplando atividades
rumbataí, avista-se diversos morros testemunhos situados educativas ou geoprodutos, de modo que os visitantes pos-
em municípios vizinhos (Fig. 14). Ainda que o processo sam utilizar, adquirir e levar os materiais aos mais dife-
de formação do relevo seja um tanto complexo, a simples rentes espaços.
observação e reconhecimento dos elementos do relevo re-
sidual pode incentivar a familiaridade dos alunos com a
paisagem. Referências

Ab’Saber A.N. 1956. A Terra Paulista. Boletim Paulista


de Geografia, 23. 30p.
Almeida F.F.M.de. 1964. Fundamentos geológicos do
relevo paulista. Boletim do Instituto Geográfico e
Geológico, 41:167-263.
Almeida M. S. B. 2016. Educação não formal, informa e
formal do conhecimento científico nos diferentes
Figura 14. Paisagem no sítio de estudo do meio, com vista para diver- espaços de ensino e aprendizagem. Cadernos PDE. 1.
sos morros testemunhos da cuesta arenítico-basáltica (relevo residual) e
o vale do Rio Corumbataí; Fonte: Elaborado pelo autor 16p.
Amorim G. M. Ebert, H. D. Horst, R. 2005. Integração de
Por fim, os fósseis do local constituem importante informações geológicas para o geoturismo na bacia
ferramenta na interpretação das diferentes condições cli- do Rio Corumbataí e sua divulgação na Web através
máticas do passado geológico. Afinal, a existência de con- do Mapserver. Geociências, 24(3):221-238.
chas no local indica que há milhões de anos, a região era Araújo A. G. M. et al. 2017. The “Lagoa do Camargo 1”
coberta por um imenso corpo d’água. É imprescindível, Paleoindian site. Some implications for tropical
entretanto, que os educadores enfatizem a importância da geomorphology, pedology, and paleoenvironments in
conservação deste frágil patrimônio e somem esforços southeastern Brazil. Geoarchaeology, 00:1–16.
para que seja mantida a integridade do conteúdo fossilí- Araujo M. R. B. 2018. Pintura da Serra de Ipeúna.
fero. Brasil. 1998. Parâmetros curriculares nacionais.
Geografia. Brasília: MEC/SEF. p.156.
Brasil. 1998. Parâmetros curriculares nacionais.
6 Conclusão
Introdução. Brasília: MEC/SEF. p.174.
Brasil. 1998. Parâmetros curriculares nacionais. Meio
Quando o aluno reconhece e se apropria da Geodiversi- ambiente. Brasília: MEC/SEF. p.242.
dade, somando-a aos elementos que inspiram o senti- Brilha J. B. R. 2009. A importância dos geoparques no
mento de pertencimento, passa a ter uma visão crítica a ensino e divulgação das Geociências. Geologia USP.
respeito do uso de recursos naturais e do planejamento Publicação Especial. 5:27-33.
ambiental. Neste sentido, o presente trabalho pretende Carneiro C.D.R., Toledo M.C.M.de, Almeida F.F.M.de.
apresentar estes temas de forma lúdica e descomplicada às 2004. Dez motivos para a inclusão de temas de
populações da região da Bacia do Corumbataí, em espe- Geologia na educação básica. Rev. Bras. Geoc.,
cial as crianças e os jovens. 34(4):553-560.
Para tanto, a estratégia proposta inclui a utilização de Chinaglia R. 2014. Guia Completo de Escalada do
jogos e atividades práticas que possuam vínculos com a Cuscuzeiro. São Carlos: Quero Escalar. p.104.
realidade dos alunos, de forma a cativá-los e familiarizá- Destino MTB. 2017. Destino MTB. Episódio 05.
los com os temas expostos. Também se propõe a correla- Limeira/SP/Brasil. 4m30s, son., color. URL:
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