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Universidade Federal do Amazonas

Instituto de Ciências Humanas e Letras


Departamento de História

STEPHANIE LOPES DO VALE

ALISTAR PARA HABITAR OS SERTÕES.


Os Corpos de Auxiliares e os Corpos de Ordenança,
no Estado do Grão-Pará e Maranhão (1750-1772).

Manaus – AM
2010

1
Stephanie Lopes do Vale

ALISTAR PARA HABITAR OS SERTÕES.


TROPAS DE AUXILIARES E TROPAS DE ORDENANÇA,
NO ESTADO DO GRÃO-PARÁ E MARANHÃO (1750-1772).

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de


Graduação em História da Universidade Federal do
Amazonas, como requisito parcial para a obtenção do
título de Licenciatura em História.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marcia Eliane Alves de Souza e Mello.

Manaus – AM
2010

2
À todos que existiram,
mesmo sem serem vistos.

3
Agradecimento

O trabalho que lerão é o final de uma etapa de minha vida onde escolhi meu
caminho pela História. Nestes últimos quatro anos encontrei obstáculos, inclusive em
mim mesma, que me fizeram aprender e entender sobre esse ofício. Este texto é apenas
o começo de minha jornada pela História.
Nestes quatro anos aprendi e tive apoio de pessoas muito importantes. Agradeço
primeiramente a minha orientadora, Professora Doutora Marcia Eliane Alves de Souza e
Mello, que me mostrou o caminho da pesquisa e a todo seu apoio, compreensão e
paciência. E agradeço também ao Núcleo de Pesquisas em Políticas, Instituições e
Práticas Sociais – POLIS, da Universidade Federal do Amazonas pelas oportunidades
dadas e abertura as pesquisas que desenvolvi na instituição.
Também agradeço ao Departamento de História da Universidade Federal do
Amazonas – UFAM, especialmente aos professores Aloysio Nogueira, Maria Eugênia
Mattos, Hideraldo Lima da Costa, Sínval Carlos Gonçalves, James Roberto Silva,
Patrícia Melo Sampaio, Francisco Jorge dos Santos e Auxiliomar Ugarte, tanto por seus
exemplos de vida e trabalho, como por suas palavras, compreensão, incentivos e
expectativas.
Digo obrigado ainda a Robeilton Gomes que me ajudou disponibilizando seu
material bibliográfico e sendo um espaço de debate, poucos que somos os historiadores
setecentistas da Amazônia.
Em minha vida pessoal devo uma eterna gratidão a minha mãe, que espera tanto
de mim, e sonha o melhor para mim. E aos meus tios Eneida e Gilberto Vasconcelos
que durante todos esses anos me ajudaram a estudar e sorrir. A família Cruz que fez e
fará sempre parte da minha vida, agradeço a todo carinho e cuidado da Senhora Nazaré
Cruz que foi como uma mãe em diversos momentos, e a Caio Cruz que me acompanhou
desde a adolescência, crescendo comigo, é e sempre será um de meus maiores amigos.
Agradeço toda compreensão e paciência neste último ano de Renan Cambize,
que entrou em minha vida há pouco tempo, mas já é tão importante, dando apoio e
carinho em momentos de crise. No mesmo sentido sou grata a meu caro amigo Ygor
Olinto por seus conselhos e amizade.
Agradeço novamente a todos que passaram e estão em minha vida.

4
RESUMO

Esta pesquisa procurou encontrar alguns dos oficiais das Tropas de Auxiliares e as
Tropas de Ordenança, do Estado do Grão-Pará e Maranhão, ressaltando sua real
existência com os nomes de seus oficiais. O resultado das pesquisas produziu uma
monografia, onde estão apresentados e discutidos os 598 militares atuantes nas quatro
capitanias encontradas na documentação: Pará, Rio Negro, Maranhão e Piauí. Foram
pesquisadas as correspondências entre o estado e a metrópole e as nomeações de patente
entre 1750 e 1772. Quando da analise tivemos o contexto do Tratado de Madri de 1750,
o Diretório dos Índios de 1755 e a reforma militar e administrativa da segunda metade
do século XVIII no Império Ultramarino Português, especialmente as medidas do conde
de Lippe a partir de 1760, como arestas. O trabalho procurou localizar os militares do
estado, mas não o quantitativo absoluto, pois a primeira preocupação era saber se estas
tropas foram efetivas no estado, localizando os nomes e os locais de exercício.
Encontramos apenas 246, ou seja, 41 % dos nomeados eram indígenas, o que mostrou
que é ainda necessário relativizar as relações entre brancos e índios, e que a fronteira era
uma linha tênue negociada.

PALAVRAS-CHAVES: Tropas Auxiliares, Tropas de Ordenança, Reforma Militar,


Civilização e Ocupação.

5
ABSTRACT

This study sought to find some of the officers of the Auxiliary Troops and Ordinance
Troops, the State of Grão-Para and Maranhão, showing its existence with the names of
its officers. The result of research produced a monograph, which are presented and
discussed in 598 military working four captaincy found in the documentation: Pará, Rio
Negro, Maranhão and Piauí. We investigated correlations between the state and the
mainland and the appointments of patents between 1750 and 1772. When we examine
the context of the Treaty of Madrid in 1750, the Indian Directorate of 1755 and the
administrative and military reform in the second half of the eighteenth century the
Portuguese Overseas Empire, especially the measures of the Count of Lippe from 1760,
as limit. The study sought to find the state's military, but not the absolute quantitative,
because the first concern was whether these troops were effective in the state, finding
the names and locations of exercise. We found only 246, or 41% of those appointed
were indigenous, which showed that it is still necessary to relativize the relations
between whites and Indians, and that the border was a fine line negotiated.

KEYS-WORDS: Auxiliary Troops, Ordinance Troops, Soldier Reform, Civilization


and Occupation.

6
SUMÁRIO

Lista de Esquemas, Quadros, Gráficos e Tabelas ...........................................................08


Lista de Abreviaturas ......................................................................................................09
Epígrafe ..........................................................................................................................10
Introdução .......................................................................................................................11
Capítulo 1 – Mundo Militar no Império Ultramarino Português ....................................18
1.1. Uma Necessidade Estratégica ....................................................................18
1.2. A Legislatura Militar Portuguesa ..............................................................20
1.3. Dois corpos distintos, mas sincrônicos: Auxiliares e Ordenanças ............37
1.4. Os Militares da Amazônia Colonial, entre 1750 e 1772 ............................43
Capítulo 2 – A Amazônia Colonial na Defesa ...............................................................49
2.1. A região Amazônica no período colonial ..................................................50
2.2. Os Indígenas nas Tropas Militares ............................................................59
2.2.1. Etnias Indígenas ......................................................................................62
2.2.2. De Principal a Mestre de Campo ............................................................65
2.3. Cidades da Amazônia ................................................................................71
2.3.1. As Fortalezas e Fortins pela Linha de Demarcações ..............................77
Capítulo 3 – A Composição dos Terços Militares de Auxiliares e Ordenanças, entre
1751 e 1772, no Estado do Pará e Maranhão .................................................................81
3.1. O Terço das Milícias entre 1750 e 1772 ...................................................87
3.2. O Terço das Ordenanças entre 1750 e 1772 .............................................92
3.3. A Soldadesca Regular ...............................................................................97
Conclusão .....................................................................................................................101
Referências Bibliográficas ............................................................................................104
Anexos ..........................................................................................................................112

Lista de Esquemas, Quadros, Gráficos e Tabelas


7
Lista de Esquemas

Terço, Companhia e Esquadra ........................................................................................28


Cargos – Postos ..............................................................................................................29
Tropas Regulares ou Tropas de Linha ............................................................................38
Tropas de Auxiliares ou Milícia .....................................................................................40
Tropas de Ordenança ou Tropas Irregulares ...................................................................41

Lista de Quadros

Quadro 01: Números gerais das Tropas Militares ..........................................................28


Quadro 02: As Nações Nomeadas em suas Aldeias .......................................................64
Quadro 03: Atuação índia nas Ordenanças .....................................................................68
Quadro 04: Atuação índia nas Milícias ..........................................................................69

Listas de Gráficos

Oficiais Militares ............................................................................................................73


Militares na Cidade de Belém do Pará ...........................................................................75
Militares na Vila de São José do Macapá .......................................................................76
Militares na Fortaleza de São José de Maranbitenas ......................................................79
Valores absolutos por ano ...............................................................................................86
Postos Altos dos Auxiliares ............................................................................................89
Postos da Companhia dos Auxiliares .............................................................................90
Postos Altos nas Ordenanças ..........................................................................................94
Postos da Companhia das Ordenanças ...........................................................................95

Lista de Tabelas

Tabela 01: Os índios na Amazônia ...............................................................................112


Tabela 02: Moradores da Capitania do Rio Negro Aptos a Pegar em
Armas em 1764 ..............................................................................................113
Tabela 03: Cidades/Ano – Ordenança ..........................................................................114
8
Tabela 04: Auxiliares ....................................................................................................115
Tabela 05: Ordenanças .................................................................................................122

Lista de Abreviaturas

APP – Arquivo Público do Pará


Cod. – Códice
AHU – Arquivo Histórico Ultramarino
ACL – Administração Central
CU – Conselho Ultramarino
013 – Série Brasil-Pará
Cx. – Caixa
Doc. – Documento

9
O que entendemos efetivamente por documentos senão um
“vestígio”, quer dizer, a marca, perceptível aos sentidos,
deixada por um fenômeno em si mesmo impossível de captar?

Apologia da História ou Ofício de Historiador,


Marc Bloch.

10
INTRODUÇÃO

O presente estudo propôs-se a compreender a região Amazônica colonial, entre

1750 e 1772. Apresentamos aqui o Estado do Grão-Pará e Maranhão, que tinha na sua

jurisdição as capitanias do Pará, Rio Negro, Maranhão e Piauí, a área do estado colonial

ia da região do nordeste até a região onde hoje é a cidade de Macapá, capital do Amapá,

conhecida na época como Cabo Norte.

O Estado do Grão-Pará e Maranhão vivenciou na segunda metade do século

XVIII o processo demarcatório das fronteiras com a Espanha na América colonial. O

período estudado foi influenciado pelo Tratado de Madri – 1750, mas o Tratado de

Santo Ildefonso – 1777 foi um tratado de reproduziu boa parte das definições do

Tratado de Madri, mas que trouxe perdas a Portugal na América portuguesa perdendo a

região dos Sete Povos das Missões e Sacramento. O Tratado de Santo Ildefonso surgiu

do fato das fronteiras não terem sido demarcadas, pois em 1761 o Tratado de El Pardo

anulou o Tratado de Madri. Todavia o processo de ocupação do Vale Amazônico

manteve-se em processo, pois o intento de assegurar o território continuou.

Em 1755 foi instituído no Estado do Grão-Pará e Maranhão o Diretório dos

Índios que junto as Leis de 06 e 07 de junho de 1752, mudaram a situação legal do

estado. As analises do historiador Mauro Cesar Coelho nos informam que o Diretório

foi uma construção dinâmica das instâncias centrais com as locais, logo a medidas da

legislação procuraram agregar necessidades diversas1. Importa a questão aqui

vislumbrada informar que o Diretório re-tutelou os índios depois da Lei de Liberdade de

1752, os indígenas era civilmente responsabilidade da administração portuguesa, mas

eram reconhecidos como civilizáveis.


1
COELHO, Mauro Cesar. Do sertão para o mar. Um estudo sobre a experiência portuguesa na
América, a partir da colônia: o caso do Diretório dos Índios (1751-1798). Tese de Doutoramento. São
Paulo: USP, 2005.
11
***

No século XVIII a sociedade portuguesa vivência uma organização de Antigo

Regime. Dentro da organização do Antigo Regime – não somente em Portugal, era

comum a outros países europeus – o Estado era visto como um corpo social no qual

todos tinham seu lugar no reino e ao rei cabia manter a justiça. A Justiça representava

assegurar a cada qual o que era seu por direito, o rei não podia limitar ou dar a alguém

algo que não lhe fosse devido, na verdade o espaço de ação do rei era pequeno, pois

caso fosse considerado tirânico – inteferindo, podendo ser afastado de sua posição real

por ser considerado perigoso ao bem comum.2

Dentro dos paradigmas do Antigo Regime o costume era a base do argumento

legal. Nos estabelecimentos portugueses temos diversos tipos de colonização, a

historiadora Maria Fernanda Bicalho fala que os portugueses – também por uma questão

pratica – integravam a organização local as suas instituições, construindo

estabelecimentos que diversos de freguesias à colônias de ocupação. Segundo a

historiadora Maria Fernanda Bicalho como base legal: a Justiça, baseava-se ao uso de

costume, obrigando ao reconhecimento e integração das instancias locais, tanto que

ocorreu a integração de lideranças locais ao corpo administrativo e a construção da rede

administrativa se deu a partir da constituição destas relações. A base da organização

legal portuguesa deu-se fundamentada em negociações locais3.

O espaço colônia português compreendeu dois oceanos, Portugal tenha colônias

na Ásia, África e América. Para conseguir administrar o grande espaço colonial sem

esgotar suas possibilidades humanas, o reino portgues promoveu associações entre sua

2
HESPANHA, Antonio Manuel (cood). História de Portugal. 4◦ vol. Lisboa: Estampa, 1998.
3
BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; FRAGOSO; João (orgs.). O Antigo Regime
nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001. A questão que se debatia era até aonde esses nativos eram civilizados e civilizáveis.
Dentro da Igreja diferenciava-se o método de civilização e de catequização, justificando-se a escravidão
por argumentos vários e foi esse o ponto de maior debate e indecisão na legislação sobre os indígenas
americanos e de divergências na Igreja.
12
organização e a das colônias temos, assim, durante séculos instituições diversas e

legislações especificas a determinadas situações. A historiadora Maria de Fátima

Gouvea nos fala em seus textos que a base de ligação entre estas instituições e colônias

diversas era as chamadas: redes imperiais. As redes imperiais eram situações de

interdependência construídas por todo império, o rei dava a instâncias locais

reconhecimento, aumentando o alcance de poder – é claro que haviam escolhas, entre

representantes locais, o que muitas vezes causou discórdias e guerras internas, ou criou

inimigos automáticos a Portugal, ou mesmo deixou problemas ao reino, pois a fluidez

de comando dificultou entendimentos4 – e formas de distinção da nação ou do líder,

dependendo da relação interna.5 Ao dar reconhecimento era reconhecido como aliado,

as relações desenvolveram-se. Dentro das redes imperiais circulavam trocas o que é

sintetizado pelo historiador Antonio Manuel Hespanha pela formular: dar, receber e

restituir, essa interação é uma obrigação que cria um circulo vicioso de obrigações que

vinculavam o rei a qualquer súdito no ultramar6.

As relações entre os súditos e o rei davam-se primeiro pela justiça, onde era

obrigação do rei dar e também obrigação do súdito receber e restituir o rei. O rei dá o

dom ou privilégio que está sobre sua jurisdição, sendo às vezes interpretados como seu,

como os postos em questão. O rei deve nomear aqueles que são aptos – os requisitos

variaram – de exercer os ofícios, logo é uma obrigação do rei, o súdito deve restituir o

rei com lealdade e sobriedade que o cargo exigiu, sendo obrigação do súdito, só que o

posto não passa a ser do agraciado pelo provimento. Em alguns momentos foi possível

vender terras ou mesmo titulo ou ofícios, sem, contudo que isto fosse legalizado.

4
MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997.
5
ABREU, Martha; SOIHET, Rachel; GONTIJO, Rebeca (orgs.). Cultura política e leituras do
passado: historiografia e ensino de história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. BICALHO,
Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; FRAGOSO; João (orgs.), 2001.
6
HESPANHA, Antonio Manuel (cood), 1998.
13
Nas colônias a graça, dom ou privilegio dirigiam-se aos principais da terra7.

Aqueles que eram reconhecidos como pessoas de capacidade de mando, distinção,

geralmente os ofícios dirigiam-se para pessoas que tinham como manter-se, pois a

maioria não pagava e justamente por isso buscava-se dar o cargo estes, pois não teriam

necessidade de lucrar com o posto. Até a primeira metade do século XVIII ainda havia

leis de restrição sobre aqueles que exerciam ofícios mecânicos e os de ascendência

impura – inicialmente eram os judeus, mouros e depois agregou os negros e índios, foi

durante o período pombalino que se promoveu mais a valorização de qualidades

técnicas e retirou-se desvalorização por serem cristãos novos.

Na Amazônia as mudanças na segunda metade do século XVIII, abriram espaço

para a atuação em altos cargos da administração a índios e mestiços. É justamente nesse

contexto teórico que o nosso trabalho está, escolhemos abordar os oficiais das Tropas de

Auxiliares e das Tropas de Ordenanças, mostrando a ampliação dos quadros militares

entre 1750 e 1772 num momento de reformas militares e administrativas que tinham

viés iluminista.

***

A proposta desta pesquisa era encontrar os oficiais militares dos dois corpos de

enquadramento local: os Corpos de Auxiliares e os Corpos de Ordenança, entre 1750 e

1772, procurando vislumbrar a atuação índia nestas tropas. Procuramos ainda entender a

articulação que dava-se em torno dos provimentos e o que isso resultava localmente

numa dinâmica com o centro – tanto do estado, representado pelo governador como o

reino de Portugal.

7
ABREU, Martha; SOIHET, Rachel; GONTIJO, Rebeca (orgs.), 2007; ALMEIDA, Maria Regina
Celestino de. Os Índios Aldeados no Rio de Janeiro Colonial - Novos Súditos Cristãos do Império
Português. Tese de Doutoramento. Campinas, SP: UNICAMP, 2000; e COELHO, Mauro Cesar, 2005.
BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; FRAGOSO; João (orgs.), 2001.
14
Para localizar os indivíduos atuantes nas tropas fizemos uso de documentação

cotidiana entre o estado e a metrópole e de cartas patentes e provisões de natureza local,

respectivamente do Arquivo Histórico Ultramarino e do Arquivo Público do Pará – esta

documentação manuscrita. A leitura da documentação permitiu que localizássemos os

militares e onde exerciam os cargos, identificando os que são ou não índio segundo a

própria documentação. A partir do levantamento dessas pessoas levantamos os cargos

exercidos e os locais de atuação.

Juntamente com a legislação e a historiografia, procuramos entender o contexto

das nomeações contextualizando e corrigindo distorções. Seguimos a perspectiva de

entendimento da cultura política, onde as relações são dinâmicas e a realidade é

constantemente construída e significada. Entendemos que a relação dos indígenas na

administração portuguesa não representa uma submissão a padrões externos e

opressores onde a colônia é dominada até a anulação, a partir desse pressuposto teórico

vemos a arregimentação na administração como uma estratégia de sobrevivência e

resistência, onde a intenções da metrópole tem que ser negociadas com os lideres locais.

Compreendemos a realidade como dialética e a cultura como viva, logo buscamos

entender o pacto colonial em seus vários níveis de interação e negociação.8

A organização da monografia deu-se procurando expor os vários focos que esses

corpos militares expõem. Os corpos militares pesquisados abrem um dialogo com a

realidade colonial da segunda metade do século XVIII, demonstrando tanto atitudes

locais como metropolitanas frente à necessidade habitacional e de defesa da colônia, de

seus territórios. Os corpos Auxiliares e de Ordenanças são oportunidades de resolução

de dois projetos, para falamos desses paradoxos dividimos a monografia em três

8
São diversas as leituras sobre a questão indicamos resumidamente: SOIHET, Raquel; BICALHO, Maria
Fernanda Baptista e GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (orgs.). Culturas Políticas. Ensaios de historia
cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005; ABREU, Martha; SOIHET,
Rachel; GONTIJO, Rebeca (orgs.), 2007; ALMEIDA, Maria Regina Celestino de, 2000; e COELHO,
Mauro Cesar, 2005.
15
capítulos, permitindo uma visualização dos resultados obtidos, distinguindo entre

militares da Ordenança e dos Auxiliares.

No primeiro capitulo apresenta a tradição militar do Estado do Grão-Pará e

Maranhão. Explicamos a formação das tropas militares no Império Português,

apresentando os dois regimentos militares que estudaremos: as Ordenanças e os

Auxiliares. A intenção do capítulo é localizar ao leitor o objeto de estudo delineando a

sua área de atuação e incidência. Fechamos o capitulo expondo o exercício das tropas

no estado.

O segundo capitulo mostra a situação do Estado do Pará e Maranhão entre os

anos de 1750 e 1772. Dentro deste capitulo mostramos as modificações efetivas no

estado ao longo da colonização e o contexto em que está inserida as nomeações

localizadas. Por tratar-se de um momento de mudança de estatuto civil, dividimos em

dois momentos a atuação indígena nas tropas e a substancialidade desse exercício.

Falamos ainda das vila e aldeias, e da atuação militar dessas tropas, ainda falamos da

importância estratégica das fronteiras e fortaleza. Nesse capitulo damos voz a

perspectiva de habitação que estas tropas traziam, pois obrigavam ao permanecer no

local e eram posições exercidas por moradores do estado, mostramos a modificação dos

moradores para habitar a terra.

O terceiro e último capitulo do texto fala dos números absolutos das tropas em

si. Nesta parte do texto dialogamos diretamente com os corpos de militares

individualmente, mostrando como adquiriram atribuições diferentes para o estado,

sendo ambos estratégicos. Ao falarmos dos valores absolutos por ano e depois por cargo

oficial exploramos os corpos militares em si. Terminamos ainda falando brevemente dos

soldados e das Tropas Regulares, que se relacionam com a formação oficial das tropas

Auxiliares e de Ordenança.

16
Procuramos mostrar neste trabalho um pouco da dinamicidade das relações

coloniais, que não foram bipolarizadas entre brancos e índios e que há outras formas de

resistir e de se afirmar. Os indígenas conservaram espaço e receberam dons e

benefícios, compartilhando inimigos comuns dos dois lados. Compreendemos que não

existiram homogeneidades na Amazônia colonial.

17
Capítulo 1

Mundo Militar no Império Ultramarino Português

1. 1. Uma Necessidade Estratégica

Em 1621, Portugal funda o Forte do Presépio, onde é a atual cidade de Belém do

Pará, iniciando sua incursão pelo Vale Amazônico. Ao longo do século XVI Portugal

promoveu uma colonização indireta no litoral oeste da América, através do sistema de

capitanias hereditárias. Entre estes períodos de tempo o Vale Amazônico era pelo

Tratado de Tordesilhas essencialmente espanhol, exceto a área próxima a Ilha de

Marajó.

Com as atenções lusitanas voltadas ao atual nordeste brasileiro a região norte da

América portuguesa ficou desguarnecida. Nos anos do século XVI a região próxima ao

Caribe foi alvo de incursões de outros estrangeiros: franceses, ingleses e posteriormente

holandeses. De certo nem todos os corsários e exploradores vieram com um plano

colonizador, somente na virada do século XVII se tem um estabelecimento mais

intenso. A criação da Companhia das Índias Ocidentais (verificar no Antigo Regime

datas) pela Holanda e a ação mais agressiva francesa com as invasões e ocupação de

territórios ultramarinos portugueses: Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e a fundação de

São Luis na América Portuguesa, mas também em Angola e Goa na África. Foi posto

em risco os territórios ultramarinos portugueses e o comércio ultramarino,

principalmente o regime comercial atlântico.

Foi exposta a fragilidade portuguesa, em especial no norte de sua colônia

americana. A fundação de São Luís9 é relevante no seu aspecto de proximidade com o

rico nordeste açucareiro, porção essencial no comércio português. A existência da

9
Atual cidade de mesmo nome no estado do Maranhão.
18
cidade em mãos estrangeiras representava um ameaça a soberania lusa. De fato

franceses e holandeses já haviam estabelecido um colonização com feitorias e

freguesias estabelecendo as Guianas10, o fato de os franceses descerem pelo Atlântico

era alarmante, estava posta a possibilidade e mesmo a facilidade em fazê-lo.

Formavam-se décadas de relações entre os nativos e os europeus na região

quando a incursão portuguesa virou-se para a região. O primeiro século de processo

colonizador na América foi essencialmente marcado por aventureiros e iniciativas

individuais do que por processos organizados pela metrópole. Retrato disto são as

famosas bandeiras paulistas que a partir de 1580 foram dilatando a área portuguesa no

continente em busca de indígenas, e na década de 1640 as expedições direcionaram-se a

territórios mais distantes11. Tanto colonos portugueses quanto franceses e holandeses

estabeleceram alianças e acordos com diversas nações indígenas, agregando inimigos

em comum.

No entremeio das décadas de 1580 e 1640 formou-se a União Ibérica, o

desaparecimento do Rei Dom Sebastião na África sem deixar herdeiros gerou um

problema sucessório onde Felipe II da Espanha assumiu o trono português como Felipe

I, em Portugal. Em 1640, D. João IV inicia processo para assumir o trono e restabelecer

a autonomia lusitana. A restauração da independência portuguesa levou

aproximadamente vinte anos (1640-1680), período no qual o rei D. João implementou

uma serie de mudanças, como : em 11 de dezembro de 1640 cria o Conselho de Guerra

10
Entre o Cabo Norte, atual Amapá e a região do Rio Branco, atual Roraima.
11
O presente trabalho não tem como foco a questão das bandeiras tão pouco este período. Mas a medida
de esclarecimento: estas incursões tinham um caráter local e direcionado inicialmente a região da Lagoa
dos Patos, com o esgotamento desta rumou-se para o norte – atual Minas Gerais e Goiás com a distancia
aumentando as expedições diminuíram pelo seu elevado custo. Tal logo poucas atingiram o Vale
Amazônico (somente duas). MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas
origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

19
e em 14 de julho de 1643 o Conselho Ultramarino 12. A historiadora Christiane

Figueiredo Pagano de Mello afirma acerca dessas mudanças: “A restauração da

independência de Portugal, no ano de 1640, após o período de dominação espanhola,

levou o reino a novas situações de guerra, fossem na defesa contra a ameaça espanhola

ou a manutenção de seus domínios ultramarinos.13”

1. 2. A Legislatura Militar Portuguesa 14

No decorrer da história portuguesa a Guerra não foi campo privilegiado de

atenções, a tradição lusa de combate aos mouros era de caráter incerto e até heróico. No

entrar do século XV Portugal não possuía exército. No ano de 1508, o rei Dom Manuel

em Alvará Régio denominado “Gente da Ordenança das Vinte Lanças da Guarda”,

instaura um “exército” composto por mercenários estrangeiros e de caráter temporário –

em urgências. Somente em 1549 (07/08/1549), quando o rei Dom João III publica um

Regimento que determina que a todos os súditos reais, no reino e nos arquipélagos

atlânticos, entre 20 e 65 anos cabiam os serviços em armas, menos clérigos. Neste

documento as obrigações militares corresponderiam às propriedades, categorias sociais

profissões15, além de os corpos militares se agruparem por províncias 16. Segundo Ana
12
No século XVIII um dos órgãos mais importantes, responsável por estudar, executar, fiscalizar,
observar a jurisdição e supervisionar geral de matérias e negócios, e propor ao rei a nomeação de
autoridades e oficiais para o Ultramar além de responder cartas, provisões, despachos e patentes do
Ultramar. MELLO, Christiane Figueiredo Pagano. Forças Militares no Brasil Colonial. Rio de Janeiro:
E-Papers, 2009. Pp. 44.
13
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 43-44.
14
Neste tópico as referências a datas e documentação vem de: MELLO, Christiane Figueiredo Pagano,
2009; COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de Poderes Locais no Império Lusitano: uma análise do
perfil das chefias militares dos Corpos de Ordenanças e de suas estratégias na construção de sua
autoridade. Vila Rica, (1735-1777). Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006; SALGADO,
Graça (cood). Fiscais e Merinhos. A Administração no Brasil Colonial. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1986.
15
A determinação seria feita a partir da avaliação dos bens, o responsável inicialmente foi o Corregedor,
mais leis posteriores modificaram, e instaurou-se uma fiscalização que variou com as leis o tempo de 6
meses a um ano ou uma à três vezes no ano e o responsável por fazê-la. O que narrar aqui denotaria um
tempo e desviaria o eixo do trabalho.
16
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 29.
20
Paula Pereira da Costa, o historiador Joaquim Romero de Magalhães chamou de

“princípio de militarização geral da sociedade.” Esta é segundo a historiadora Ana Paula

Costa a base das Ordenanças em Portugal.17

No reinado de Dom Sebastião são implementadas um serie de mudanças que

estruturam os Corpos militares portugueses. O crescente processo de conquista da

África, perseguição dos mouros e o crescente corso, é um período de extensão dos

domínios ultramarinos e sedimentação dos territórios ultramarinos. Em 09 de dezembro

de 1569 D. Sebastião assina a “Lei das Armas”, que estabelece que sempre deve haver

gente armada, a pé e a cavalo. Sendo este um meio de obrigar a população a ter armas e

cavalos, aprimorando a Lei anterior, e estipulava penalidade aos que não cumprissem 18.

No ano seguinte, 10 de dezembro de 1570, é criado o “Regimento dos capitães-mores e

mais oficiais das companhias de gente de cavalo e de p, e da ordem que devem ter em

se exercitarem ou, simplesmente Regimento das Companhias de Ordenanças

(Ordenanças Sebásticas)”, que oferecia vantagens de distinção. A historiadora acerca

disso afirma que as leis visavam à camada intermediaria da sociedade, que possuíssem

bens e renda suficiente para aquisição de cavalos e armas, sem levar em conta suas

origens:

A Lei das Armas, ao conferir aos ricos privilégios de servir na


cavalaria e usufruir do indulto, equiparava a riqueza à nobreza,
fazendo com que os homens de determinada fortuna – aqueles
17
COSTA, Ana Paula Pereira, 2006. Pag. 31.
18
A historiadora Christiane Figueiredo Pagano de Mello em seu trabalho, supracitado, informa que: “Aos
mais abastados, conforme o patrimônio e o montante de rendimentos, obrigava-se possuir um número de
variável de cavalos, lanças, espadas e arcabuzes; além disso, tinham que, às próprias custas, armar de
arcabuzes um determinado número de homens a pé ou a cavalo. Aqueles com bens e rendimentos
inferiores ao exigido para adquirir um cavalo, deviam se armar, na proporção das respectivas posses, de
arcabuzes ou espingardas. Os despossuídos de bens ou rendimentos haviam de ter lança, meia-lança ou,
ao menos, dardo. (...) Os moradores das Ilhas da Madeira, Açores, Cabo Verde, São Tomé e os do Brasil,
eram isentos da posse de cavalos, mas obrigados a manter armamento em dobro (...). Os prazos exigidos
eram diferenciados: para os que já dispusessem de cavalos, um ano (...); para aqueles que viriam a ser
submetidos à avaliação de bens, caso incidissem a obrigatoriedade da posse de cavalo(s), dois anos (...); e
todos os vassalos, indistintamente, teriam de providenciar as armas em um ano e meio(...).” MELLO,
Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 31-32.
21
que podiam possuir “cavalo de marca –, passassem a pertencer a
uma elite, e até a almejar um futuro enobrecimento.19

Ainda no reinado de D. Sebastião, no dia 10 de dezembro de 1570 é posto “O

Regimento das Ordenanças ou dos capitães-mores” que esmiúça a hierarquia, o

processo, os critérios para os postos, as obrigações, a composição dos corpos, a

disciplina e a organização militar. A idade de serviço muda para de 18 a 60 anos de

idade, sendo que deveriam estar todos disciplinados e prontos ao combate.

Teoricamente, cada Companhia de Ordenança deveria ser


composta de 250 homens, distribuídos em 10 esquadrias de 25
homens, sob o comando do capitão-de-companhia. Este se
subordinava diretamente ao capitão-mor e tinha em sua
companhia um alferes, um sargento, um meirinho, um escrivão,
dez cabos-de-esquadra e um tambor. Em caso de afastamento, a
substituição seguia a ordem da hierarquia. Eventualmente
haveria ao lado das companhias de infantaria as companhias de
cavalo, para enquadrar a gente nobre do conselho.20

A eleição dos oficias das Ordenanças era feita nas Câmaras, na presença do Capitão-

mor que era o senhor do lugar. No tocante a este cargo, a nova lei mudou bastante, pois

inseriu os espaços locais, o que será mais abordado posteriormente - falar no tópico

seguinte. O fidalgo ou o dono da Capitania Hereditária passou obrigatoriamente a ter

um cargo militar, estas ingerências atingiram o espaço ultramarino profundamente.

O Estado do Brasil em 1548 recebe o primeiro Governador-Geral e Capitão-Mor

da Armada: Tomé de Souza. O Regimento de Tomé de Souza delimita normas para a

construção de uma área administrativa militar. “Varnhagen assegura que tais medidas de

defesa representaram “o começo da milícia regular de segunda linha no Brasil.”21

Somente com o Regimento das Ordenanças é que o regimento de Tome de Souza é

ampliado, onde o engajamento nos corpos também se dá nas Capitanias. A pesquisadora

19
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 32-33. Grifo próprio.
20
COSTA, Ana Paula Pereira, 2006. Pp. 7.
21
Apud de SALGADO, Graça (cood), 1986. Pp. 99. A guisa de informação, o que Adolfo Varnhagen
chama de Segunda Linha é o corpo militar conhecido por Tropas Auxiliares ou Milícias, estas passam a
ter o nome de Tropas de Segunda Linha em 1790, por lei portuguesa.
22
Graça Salgado afirma que: “Neste sentido, talvez tenho sido a primeira lei que, aplicada

ao Brasil colonial, conseguiu organizar a força auxiliar e a defesa” 22. Com este

Regimento de Ordenança se reforça os vínculos do cargo com a territorialidade,

vincula-se o cargo com o local, pois o Regimento das Ordenanças reafirma este caráter

onde quem retirar-se do local de atuação perdia o posto. Dentre as mudanças realizadas

pela nova legislação uma das mais substanciais é a que dá espaço de exercício de poder

aos moradores locais, Ana Paula Pereira da Costa afirma que: “Refira-se desde já que as

reformas sebásticas concederam às Câmaras um papel central na organização das

Ordenanças na medida em que ficaram responsáveis pelas eleições dos oficiais, sendo

os membros da Câmara eleitores e elegíveis ao mesmo tempo, o que reforçava o poder

das elites locais”23.

As mudanças em 1570 incidem sobre as colônias diretamente onde o senhor do

lugar – desde que residente no lugar – exercia o posto de Capitão Mor e este junto da

Câmara faziam o censo da população e armamentos, e posteriormente se elegia os

moradores para os cargos. Estas mudanças marcam uma maior presença portuguesa nas

colônias, no caso americano a partir de 1534. Apesar de parecer que essas instancias e

uma conseqüente fragmentação do poder são reflexos de um afastamento de Portugal

quanto as colônias, isto não é verdadeiro. Com o Regimento das Ordenanças se ver

adensar a presença portuguesa com a instauração da Defesa24 – inclusive com corpos

específicos para o litoral, os “Vigias” – e a instalação de Câmaras, que são espaços das

elites locais. As mudanças são parte de uma perspectiva de Estado Corporativo 25, onde

cada qual tem seu lugar e cabe ao Rei distribui e manter a justiça.
22
SALGADO, Graça (cood), 1986. Pp. 100.
23
COSTA, Ana Paula Pereira, 2006. Pp. 34.
24
O termo Defesa se refere a uma das estruturas gerais da realidade Moderna, no caso Portugal. Os
estudiosos da Época Moderna distinguem três espaços nos quais o corpo público era ordenado: Defesa,
Fazenda e Justiça. Entretanto é preciso ter em mente que esta distinção no período até praticamente o
século XIX, em alguns países, eram insignificante. As especificações de cargos era incomum, os
universos mesclavam-se.
25
Este aspecto está posto na Introdução.
23
Em 1574, o rei faz alterações no Regimento de Ordenança através da Provisão

das Ordenanças. A provisão modificou algumas exigências, como a vistoria que teve

sua freqüência diminuída. Afirma Christiane Figueiredo Mello que o rei de fato sabia

que as regulamentações não estavam sendo integralmente cumpridas, porém descarta

que seja por excessiva exigência. Crer a historiadora que os que tinham a

responsabilidade de zelar pelo cumprimento do estabelecido pelo Regimento de 1570

eram justamente os que mais desrespeitavam a ordem régia.26 Um ponto interessante é

que D. Sebastião não via problema na demora da avaliação de bens (o prazo máximo era

dois anos para os que não possuíssem cavalos, ou seja, 1572) ou como Christiane

Figueiredo Mello possibilita: “uma expressão de resistência, conseqüência de possíveis

opressões27”.

Efetivamente a provisão, deu poderes de verificação aos corregedores ou

provedores da comarca, em função de denúncia. É alterado também os responsáveis

pelas avaliações de bens que passam a ser os juízes de fora ou capitães mores e se adia o

prazo para providenciarem as armas e específica o acesso as tropas privilegiadas,

proibindo o acesso a Cavalaria – especialmente aos que não tivessem fazenda para tal e

aqueles que tivessem cavalos utilizados para carga28. A Provisão de 1574 muda a

arrecadação das punições e a forma de fazê-lo, retira o posto de Capitão Mor nas vilas

onde existisse apenas uma Companhia de Ordenança “a não ser que, sobre o mesmo,

recaísse também o de aldaide-mor; substitui o posto de sargento-mor pelo de sargento

26
Cita Christiane Figueiredo Mello documentação: “escusam algumas pessoas de ir na Ordenança, que
conforme o Regimento devam ir nela, ou lhes levam peias, ou dádivas, ou fazem em seus cargos outras
cousas que não devam, e dão opressão ao povo, e que há nisso escândalo.” MELLO, Christiane
Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 41.
27
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 42
28
A tradição medieval dava a cavalaria um posição especial frente as outras tropas – infantaria e
artilharia, como sendo um corpo de reunia a aristocracia senhorial. Nos séculos aqui abordados houve
uma abertura e oficialização do exercito, que passará a ser perene e profissional com as medidas
pombalinas. Tão logo, a cavalaria se manteve como um lugar para privilegiados, mesmo não sendo mais
exclusivamente senhorial, principalmente pelo caráter militar do momento que encarregava o oficial de
armar-se e ter seu próprio cavalo.
24
de Companhia; determina que tabeliães, escrivães, oficias de justiça e de fazenda não

mais ocupem posto de Ordenanças...”29 O novo Regimento pretende resolver problemas

oriundos de pontos-cego da Lei de Armas e do Regimento de Ordenanças, todavia estas

mudanças seriam realizadas na pratica pelos oficiais de Ordenança, fincando frouxo o

objetivo.

Aqui cabe uma inflexão, pois de 1580 a 1640 Portugal vivenciou a União

Ibérica. Durante a década de 1570 o rei português Dom Sebastião desaparece na África

e boa parte da nobreza, enquanto batalhava com os mouros. Isto causou um problema,

pois o rei ainda não tinha herdeiros iniciando uma disputa dinástica. A questão foi

resolvida com ascensão ao trono de Filipe II, da Espanha.

A monarquia dual foi aceita nas Cortes de Tomar, neste acordo estava estipulada

uma separação institucional dos dois reinos, mas os poderes soberanos seriam exercidos

pela mesma pessoa, ainda eram reinos separados. O acordo era favorável, pois fortalecia

os reinos no ultramar e frente à Europa, vale lembrar que não foi uma conquista

propriamente militar, mas mais um acordo entre nobrezas, monarquia compósitas.

Maria Fernanda Baptista Bicalho afirma acerca desta organização comum século XVI

na Europa que,

(...) as monarquias compósitas foram constituídas sobre um


mútuo pacto entre a Coroa e as elites nobres e plebéias,
provinciais e urbanas, o que conferia, mesmo às mais arbitrarias
e artificiais, uma certa dose de flexibilidade e estabilidade. A
nobreza sentia-se atraída pela cultura da corte. Tanto ela quanto
os magistrados, mercadores e principais homens das cidades –
todos aqueles que tinham meios de servir ao rei – esperavam
receber em retribuição dádivas e mercês, em títulos, cargos,
proventos e acrescentamento de status. A identidade de homens
e mulheres com a sua comunidade local – com a “pátria”, no
sentido em que esse termo era entendido nos séculos XVI e
XVII – não era incompatível com a extensão da lealdade a uma

29
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 43
25
entidade mais ampla, um rei, uma monarquia ou um Estado,
desde que as vantagens da união pudessem ser reconhecidas.30

Tanto no âmbito administrativo - Conselho, Câmara – quanto militar não houve

uma mudança significativa, os postos dentro do governo português fora vetados a

estrangeiros. Conseqüências da União Ibérica somente mostraram-se no século XVIII,

devido à indefinição de fronteiras entre territórios espanhóis e portugueses, e o avanço

de ambos sobre o continente. Mas está questão não cabe aqui, importa ter em mente que

a posição do quadro de Defesa pouco mudou, temos somente o Regimento do

Governador Francisco Giraldes (08/03/1588), que reafirmar o que já estava posto 31. Não

há nenhuma medida que modifique substancialmente a Defesa.

Na terceira década do século XVII, inicia-se o processo de restauração da

independência de Portugal, com disputas diplomáticas mais que militares. A dinastia

Bragança inicia sua ascensão ao trono. Dom João IV assumiu o trono na década de 40,

porém a Restauração é assegurada em 1668 com reconhecimento espanhol.

Em 11 de dezembro de 1640 D. João cria o Conselho de Guerra, órgão que

centraliza a supervisão das questões militares. A política militar é modificada com a

Restauração, sendo organizado o primeiro exército permanente de Portugal, em 29 de

agosto de 1645 o rei institui o Regimento de Fronteiras dirigido as Tropas Regulares32,

este regimento estipulava como deveria se dá as tropas. O regimento repartiu o

território, onde cada província seria dividida em comarcas e estas em Companhias, onde

cada província teria um governador e cada comarca um capitão-mor, um sargento-mor e

30
BICALHO, Maria Fernanda. Dos “Estados nacionais” ao “sentido da colonização”: história moderna e
historiografia do Brasil colonial. In.: ABREU, Martha; SOIHET, Rachel; GONTIJO, Rebeca (orgs.).
Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de história. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2007. Pp. 74-75.
31
SALGADO, Graça (cood), 1986. Pp. 103.
32
Formação militar de caráter profissional, onde os militares eram regularmente treinados, recebendo
soldo não podendo exercer outro oficio. Estes militares deveriam estar sendo postos ao serviço militar,
tendo atuação constante.
26
dois ajudantes tendo as companhias um capitão e os demais oficiais, da mesma forma

que o regimento sebastiano. Esse regimento é importante por regular as tropas no

espaço colonial, mas somente em 1653 é que se determina que o regimento seja

aplicado no Estado do Brasil e quando se resolveu como se daria os pagamentos dos

militares33.

Em 07 de janeiro de 1645 o rei D. João IV cria o Regimento dos Auxiliares.

Composto por civis não renumerados que seriam treinados e armados para ser um

segundo escalão da força militar para auxiliar as tropas regulares. A organização dos

corpos regulares e auxiliares era baseada no sistema militar espanhol, potência militar

na época. Os corpos de Auxiliares introduziram a formação em Terços: o numero de

soldados de 100 passou a 60 homens, sendo 04 Esquadras de 15 soldados, a união

destas esquadras formava uma Companhia e a união de 04 companhias formava um

Terço34 de 1000 soldados, há uma discordância quanto ao último, pois o texto de Ana

Paula Pereira da Costa35 afirma que no total os Terços detinham 1000 homens no fim, já

Christiane Figueiredo Pagano de Mello36 afirma que eram no total 600 soldados. Abaixo

está posto visualmente a organização segundo Ana Paula Pereira da Costa, onde

33
Observar-se a criação de três postos: Vedor-geral do exército, Comissários de Mostra e Comissário de
Vedoria, que segundo Graça Salgado: “o cargo de VEDOR-GERAL DO EXÉRCITO, a quem cabia o
controle do pagamento dos oficiais e soldados, bem como a responsabilidade por todos os gastos com as
tropas das fronteiras. A seu serviço deviam estar quatro COMISSÁRIOS DE MOSTRA e que quatro
OFICIAIS DE PENA, encarregados de fazer as revistas, inscrições das tropas e elaborar as listas onde
constariam os dados pessoais do militar (nome, data de ingresso, posto, conduta, morte em serviço, baixa,
promoção e outros). Dessas listas era extraída a fé de oficio, que condicionava a promoção ou
rebaixamento de patente. Cabia também ao vedor-geral zelar pela qualidade dos suprimentos fornecidos
às tropas regulares, pelo estado das munições, armazéns e hospitais. As necessidades de cada praça eram
verificadas pelo COMISSÁRIO DA VEDORIA, que, em conjunto com os almoxarifes e capitães-mores,
assentava todas as despesas, cujas certidões deviam ser entregues ao vedor-geral e ao contador.” Nenhum
oficial podia impor obstáculo a estes trabalhos. SALGADO, Graça (cood), 1986. Pp. 102 e 103.
34
A nomenclatura Terço refere-se a esta unidade equivaler a um terço (1/3) das Companhias de
Ordenanças, que eram de 3.000 soldados. COSTA, Ana Paula Pereira, 2006. Pp. 33
35
COSTA, Ana Paula Pereira, 2006. Pp. 33 e COSTA, Ana Paula Pereira. Organização militar, poder
de mando e mobilização de escravos armados nas conquistas: a atuação de Ordenanças em Minas
colonial. Revista de História Regional. N. 11, V. 2. Inverno, 2006.
Pp. 07
36
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 47
27
diferentemente Christiane Mello afirma que cada Terço possui 10 Companhias de 60

homens, onde Ana Paula Costa não define quantos são os Terços:

Terço

Companhias
Companhias Companhias 60 soldados
Companhias 60 soldados 60 soldados
60 soldados
Esquadra
Esquadra Esquadra Esquadra 15 homens
15 homens 15 homens 15 homens

Esquadra Esquadra Esquadra


Esquadra 15 homens 15 homens 15 homens
15 homens

Esquadra Esquadra Esquadra Esquadra


15 homens 15 homens 15 homens 15 homens

Esquadra Esquadra Esquadra Esquadra


15 homens 15 homens 15 homens 15 homens

Cargos – Postos:

Terço:
 Mestre de Campo;
 Sargento Mor;
 Ajudante
Companhia:
 Capitão;
 Tenente;
 Alferes
 Sargento;
 Furriel;
 Porta-Estandarte
Esquadra:
 Cabo de Esquadra
Na relação dos cargos em cada unidade são iguais tanto nos esquemas das historiadoras Ana Paula Pereira
da Costa e Christiane Figueiredo Pagano de Mello.

28
Essa nova organização em Terços dirigiu-se inicialmente para os recém criados

Corpos Militares de Auxiliares, sendo depois estendida aos outros corpos militares. Este

corpo possui a diferença de que componentes seus viriam da Tropa Regular, no caso o

sargento-mor e o ajudante, responsáveis por conduzir e treinar os militares dando o

saber técnico que não tinham por não terem treinamento regular. As Tropas Auxiliares

ainda tinham a peculiaridade de que os cargos mais altos no Terço – mestre de campo –

e na Companhia – capitão – fossem indicações dos governadores ao rei. A escolha dos

oficiais não estava vincula a decisões da Câmara Municipal 37. E em 24 de novembro de

1645, o Alvará dos Privilegiados os isentou de todo encargo tendo direito a privilégios

de estanque de tabaco, atribuindo aos Auxiliares patentes e privilégios de militares

pagos.38

A segunda metade do século XVII não assistiu modificações nas normas ou

procedimentos no campo militar. Na América portuguesa os alvarás ou regimentos

apenas reafirmavam ou exigiam o cumprimento das medidas militares reguladas.

Somente em 18 de outubro de 1709 um Alvará Régio veio a alterar a maneira como era

realizada a escolha ou eleição dos ocupantes dos postos dentro do Corpo de Ordenança.

Em 1709, a Coroa opera mudanças nas formas de nomeação para cargos no

corpo de Ordenança, reduzindo o espaço de decisão das Câmaras e aumentando o poder

decisório dos altos oficiais, principalmente do Capitão Mor. De modo diversificado por
37
Lembrando que a Câmara era o principal espaço de negociação do poder local, onde tanto
internamento quanto na relação colônia – metrópole se dava negociações. Espaço onde era tecido as
relações clientelais e elemento imprescindível das redes imperiais. Acerca disto ver BICALHO, Maria
Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; FRAGOSO; João (orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos: a
dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
38
“De acordo com o Alvará de 24 de novembro de 1645, eram os seguintes os privilégios dos Auxiliares:
gozavam da isenção de contribuir com peitas, fintas, talhas, pedidos, serviços, empréstimos e outros
encargos das Câmaras Municipais; nem lhes tomem casa, adegas, estrebarias, pão, vinho, palha,
cevada, lenha, galinhas e outras aves, e gados e assim bestas de cela, não as trazendo a ganho,
usufruíam de todos os privilégios do estanco do tabaco; os que tivessem um ano de serviço nas fronteiras
poderiam eximir-se de para ali retornar; os que mais se distinguissem dentro de suas funções poderiam
filiar-se aos foros da Casa Real e enquanto alistados gozavam das regalias concedidas às tropas
remuneradas. “Alvará dos Privilégiados dos Auxiliares, de 24/11/1645.” In.: MELLO, Christiane
Figueiredo Pagano, 2009. Pp.48 cita Systema ou Collecção dos Regimentos Reais, compilados por José
Roberto de Campos Coelho e Sousa, tomo V, Officina Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, 1789.
29
cargos39 os oficiais eram escolhidos entre os “da melhor nobreza, cristandade e

desinteresse” “as pessoas mais dignas e capazes de suas companhias” principalmente

os “principais da terra”, estas eram características em comum solicitadas, a lógica de

nomeação baseava-se que estes agraciados com a mercê por terem ganhos próprios não

teriam razão que querer auferir lucros do posto, que por si não remunerava40 . O Alvará

também ligou os indicados aos cargos a localidade e os capitães mores, sargentos mores

e capitães teriam suas patentes – antes era dado por provisão 41 – dadas por ordem e

assinatura régia. Houve um aumento da presença do poder central no espaço local.

Durante a primeira metade do XVIII no Estado do Brasil e o Estado do

Maranhão, Grão-Pará e Piauí42 houveram varias modificações na organização militar

para “economizar despesas ou reprimir abusos”, procurando retirar discrepâncias sem

sentido. Em 21 de abril de 1739, por exemplo, uma Lei recomenda que se restrinja o

numero de militares de acordo com o lugar: cada vila 43 teria apenas um capitão mor,

sargento mor e ajudantes, e os capitães corresponderiam ao numero de moradores nas

39
No cargo de Capitão Mor: a Câmara comunicava a vacância ao Corregedor ou Provedor da Comarca
que junto a Câmara indicavam três pessoas, estes nomes eram remetidos ao general ou cabo comandante
das armas locais, que juntamente com as informações sobre os concorrentes reunidas pela Câmara,
propunham os nomes pelo Conselho de Guerra, que sugeria um nome ao Rei. Nos cargos de Sargento
Mor e Capitão: a lógica era a mesma do Capitão Mor, porém junto a Câmara escolhia o Alcaide Mor ou o
Capitão Mor, faltando estes as pessoas residentes nos limites da localidade decidiam, mas cabia no fim ao
Conselho de Guerra a indicação final do nome para autorização régia – claro que o rei podia rejeitar. Os
cargos de Alferes e Sargento: eram nomeados por “nombramento” pelo próprio Capitão da Companhia,
escolha que teria que ser aprovada pelo Capitão Mor e confirmada pelo Governador das Armas – tanto
nombramento como aprovação e confirmação são etapas jurídicas distintas, onde as duas primeiras dão
permissão ao exercício do posto mas somente a confirmação atribui o cargo. O cargo de Ajudante era
eleito e nomeado pelo Capitão Mor. Segundo MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 72-73 e
COSTA, Ana Paula Pereira, 2006. Pp. 34-35.
40
Em todo período colonial os únicos cargos militares que renumerava era nas Tropas Regulares ou de
Primeira Linha, que exigia dedicação exclusiva, pois pela constituição implantou um trabalho contínuo
para tropas permanentes e sempre a “postos”.
41
Há uma diferença básica entre carta patente e provisão, enquanto a provisão no período colonial é um
ato régio que confere algum beneficio ou cargo, a carta patente é um diploma que atesta a concessão de
mercê pelo o rei ou alguém que recebeu essa autoridade, neste há uma regra em trono do cargo e
freqüência. Retirou-se uma relação mais intima, pois envolveu outros organismos. BELLOTTO, Heloísa
Liberalli. Como fazer análise diplomática e análise tipológica de documento de arquivo. São Paulo:
Arquivo do Estado, Imprensa Oficial, 2002.
42
Neste momento o Estado norte da América portuguesa abrangia: as capitanias do Ceará, Piauí, Pará,
Maranhão numa faixa litorânea que começa no Cabo de são Roque até a fronteira não demarcada no
período no Pará. MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 43
43
Cada vila tem um terço e suas respectivas companhias e esquadras.
30
vilas; sendo que as vilas com menos de cem habitantes não teria capitão mor e o

comandante militar seria o capitão44 e cada companhia teria apenas: 01 capitão, 01

alferes, 01 sargento do numero, 01 sargento supra e os cabos de esquadra necessários,

“extinguindo-se todos os mais cargos, ficando reformados os que atualmente têm

exercício, para irem entrando nos postos que vagarem nos seus distritos” 45. A mesma

lei determinou ainda que as áreas litorâneas devessem ter Terços de Auxiliares e que os

postos de Ordenança seriam providos pelos governadores, além de confirmar as práticas

anteriores, dando apenas ao Conselho de Guerra a função das confirmações das

patentes.46

A Lei de 1749, também dirigida a América portuguesa reiterava as regulações

anteriores e possui a mesmo objetivo de parar as irregularidades nos provimentos. No

entanto esta lei passou ao governador das capitanias a função de passar patente ao que

ele achasse mais apto dentre os propostos pela Câmara para o cargo. Houve nesta Lei

uma modificação na duração da nomeação ao posto de capitão mor que antes era três

anos, passando a ser vitalícia. Em razão a vitaliciedade do posto de capitão mor o

Senado47 sofreu um redução na sua ingerência nos Corpos de Ordenança, onde as datas

das reuniões para a eleição dos outros postos passou a ser decidida pelo capitão mor, e

somente na morte deste ou na criação de outra tropa que a Câmara elegia. A historiadora

Christiane Figueiredo de Mello afirma sobre o qüinqüênio:

As leis dispostas no reinado de D. João V (1706-1750)


reduziram o poder das Câmaras nas questões militares,
principalmente sobre as Ordenanças, e reforçaram a figura do
capitão mor. Esse conjunto de leis é a chave do entendimento de
boa parte das tensões produzidas entre os vereadores das
Câmaras e os oficiais das Ordenanças. (...) Embora existisse em
vínculo entre as Ordenanças e as Câmaras Municipais, as duas
44
O nome capitão refere-se ao capitão de companhia
45
Grifo próprio. In.: SALGADO, Graça (cood), 1986. Pp. 107 Apud Sistema ou Coleção dos regimentos
reais: contém regimentos pertencentes à administração da Fazenda Real... 6 vols (vol. 4º). Lisboa, 1778-
1791. Pp. 536-537.
46
SALGADO, Graça (cood), 1986. Pp. 107
47
O mesmo que Câmara.
31
instituições se transformaram em redes cada vez mais distintas
de autoridade, aumentando o número de desavenças e disputas
de poder entre esses dois centros de poder local.48

Na década de 1750, ao assumir o posto de Ministro dos Negócios Ultramarinos

Marquês de Pombal tem a frente o Tratado de Madri que lhe exigira esforços de

organização militar e administrativa, principalmente nas fronteiras de forma a assegurar

territórios reivindicados por Portugal. Sendo exposta a precariedade da situação militar

colonial e a própria heterogenia. Dentre as medidas instaladas duas são alvo de

destaque: a reforma militar e a exigência do cumprimento e a retira do certificado de

impureza de sangue dado aos indígenas ou aos naturais da terra mestiços, este último

uma das maiores mudanças do período. Os indígenas tornarem-se vassalos reais

ampliava os habitantes aptos a dedicarem sua lealdade ao rei, lhe dando direitos e

deveres49 baseado na relação de débito ao favor real e a serviço do servo, o ato de dar

“funcionava como um dispositivo de supervisão e distribuição hierárquica (...) As

concessões régias podem ser vistas como fonte vital do Estado Absoluto; (...)

substância indispensável para o fortalecimento do vínculo de fidelidade entre os

súditos e o poder real.”50

A provisão de 30 de abril de 1758, a “Provisão das Ordenanças” reuniu o

Regimento das Ordenanças, as provisões de 1570 e 1574, e as ordens de 1739 e 1749

num só documento. A Provisão das Ordenanças visava reunir num único documento as

instruções para os corpos militares, passando ao mundo colonial português um modelo

para uniformizar o campo militar, onde a provisão relaciona as mudanças que

ocorreram. A provisão determinou que todas as sedes das capitanias deveriam ter

capitães mores e os outros oficiais da Ordenança, e que a nomeação do capitão mor

48
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 75-76.
49
Informo quanto a isto que haviam direitos ou privilégios próprios a mudança de status e principalmente
para estes indígenas pois sua ascendência ainda lhe dava um duplo privilégio de influência local.
Benéfico a ambos.
50
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 78-79.
32
deveria ser dada pelo governador e confirmada pelo rei. A provisão ainda extinguiu os

cargos civis de meirinho e escrivão das companhias, passando as funções deles para o

sargento da companhia. Segundo Christiane Figueiredo de Mello as alterações feitas por

D. José I fortaleceu os governadores das capitanias na influência sobre os Corpos de

Ordenança.51

Entre os anos de 1756 e 1763 ocorreu na Europa a Guerra dos Sete Anos entre

Inglaterra e França, em 1761 a Espanha posiciona-se a favor da França, pondo Portugal

numa situação difícil. Na década de 1760 Portugal e Espanha vivenciavam a Guerra

Guaranítica na área dos Sete Povos das Missões, mas ainda sim a constante indecisão

das fronteiras, pois o Tratado de Madri foi anulado em 12 de fevereiro de 1761 pelo

Tratado do Pardo. Quando a Espanha ficou do lado da França seguiu o Pacto das

Famílias52 que complicou a situação portuguesa que era aliado da Inglaterra, que não

pode mais ser neutro na questão53. Somente em 1763 é que a paz foi assinada e os

territórios são devolvidos a Portugal, porém a questão não é decidida 54. Em 22 de março

de 1766 uma carta régia dirigisse a colônia, reiterando que as tropas militares se

achavam desorganizada afirmando da necessidade da formação de terço de auxiliares e

de ordenanças, que estavam indisciplinados e irregulares.55


51
Parágrafo baseado em SALGADO, Graça (cood), 1986. Pp. 108; COSTA, Ana Paula Pereira, 2006. Pp.
40 e MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 76.
52
Em agosto de 1761 a família Bourbons – as famílias reais européias casavam entre si mantendo laços
dinásticos entre os reinos – que reinava na França, fez um acordo de apoio e auxílio de defesa. O rei
D.José I era casado com uma princesa Bourbon nome.
53
Christiane Figueiredo de Mello nos fala: “com o envolvimento da Espanha na guerra, Portugal logo foi
intimado pela aliança franco-espanhola a permitir que tropas dos Bourbons se instalassem nos portos
lusitanos, a fim de impedir um possível desembarque inglês. A recusa de Portugal em colaborar com o
Pacto de Família teria como provável conseqüência a invasão de seus domínios pelas duas grandes nações
aliadas.” In.: MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 124.
54
A historiadora Simei Torres afirma que a disputa entre espanhóis e portugueses toma novos rumos com
a morte de D. José e a saída de Pombal, as transformações nos negócios ultramarinos revelam a fraqueza
lusitana frente a Espanha, e Portugal reata relações com a Corte espanhola. O Tratado de Santo Ildefonso
(1777-1790) reproduziu em grande parte o Tratado de Madri, mas representou uma grande perda na parte
sul por determinar que tanto a Colônia do Sacramento quanto os Sete Povos das Missões eram espanhóis.
TORRES, Simei Maria de Souza. Definindo fronteiras lusas na Amazonia colonial: O Tratado de Santo
Ildefonso (1777-1790). In.: SAMPAIO, Patrícia Maria Melo; ERTHAL, Regina de Carvalho (orgs.).
Rastros da Memória: história e trajetórias das populações indígenas na Amazônia. Manaus, EDUA,
2006. Pp. 96-132.
55
SALGADO, Graça (cood), 1986. Pp. 109.
33
Na década de 1760 ocorreu as maiores mudanças para reformar o exército

português, dentro do Pacto das Famílias o Conde Schaumburg-Lippe 56 – um dos oficiais

militares da Europa na época, o Marquês de Pombal deu-lhe encarregou da reforma

militar. O Conde Lippe teve como suas principais preocupações: as fortificações, as


57
regras de recrutamento, aprendizagem, fardamento e disciplina . Juntamente com o

planejamento militar de Lippe teve papel relevante de organização da Defesa o livro

Cartas sobre a Educação da Mocidade (1759), de António Alves Ribeiro Sanches. O

livro de Ribeiro Sanches foi paradigma para a educação civil e militar, suporte

educacional após a saída dos padres da educação que deixou de ser domínio religioso

para ser governamental, laica, propunha uma “Escola Militar ou dos Nobres”. Tanto as

diretrizes militares de Lippe quanto as ideias educacionais de Ribeiro Sanches deram

uma nova roupagem ao serviço militar, onde a pedagogia militar não se dirigia apenas

para a prática do combate, mas para uma ordem e disciplina no Estado, o soldado

também conserva os territórios e a guerra é tratada e teorizada como ciência. A

concepção militar era objetiva para toda população – pobres, nobres, mestiços, negros,

índios – e os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças tinham função essencial, pois

englobava toda população não militar de oficio 58 em prol do bem maior para o Estado,

uma idéia nova a época e desenvolvida em vários Estados em formação no próximo

século.

56
Na colônia foi tenente-coronel austríaco João Henrique Böhm que foi responsabilizado pela
organização militar “(...) influenciado pelo modelo de Lippe, bem, como pelo morgado de Mateus, D.
Luís Antônio de Souza, e pelo Marquês de Lavradio, dois dos aristocratas mais eficientes que haviam
trabalhado com Lippe...”. Segundo: COSTA, Ana Paula Pereira, 2006. Pp. 41.
57
COSTA, Ana Paula Pereira, 2006. Pp. 36.
58
“A organização militar, capaz de englobar amplas camadas da população, definira para cada morador o
seu lugar na hierarquia do corpo militar, e o seu na República, subordinando todos à univocidade da
vontade do soberano. (...) As propostas estratégicas (...) eram de incorporação e intervenção: por um lado,
a integração da população aos corpos militares através de um conjunto de medidas para os recrutamentos;
por outro, a repressão pura e simples de qualquer desordem (...), o sistema manteria o controle sobre a
população nas armas e pelas armas.” MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 84-85.
34
Na segunda metade do século XVIII é que se insere este trabalho, num momento

em que o projeto político empreendido por Sebastião José de Carvalho e Mello

promovia a presença efetiva portuguesa em todo Ultramar e nos mais diversos âmbitos.

No âmbito militar os governadores das capitanias receberam mais atribuições

controlando o sistema de vigias nos locais de litoral e passou a poder decidir quando e

onde seriam os exercícios da Ordenança. Ainda passou a caber aos governadores os

recursos judiciais, que junto com o auditor-geral e o cabo de maior patente dariam o

veredicto da causa. O monarca atualizou o uso dos armamentos, reafirmou a

obrigatoriedade de sua aprovação no processo eletivo dos postos. As medidas

empreendidas por Dom José I tinham por objetivo com que os habitantes do Império

Português participassem da defesa do patrimônio colonial 59, articulando as redes de

relações construídas pelo Atlântico – no período praticamente não havia presença

lusitana na Ásia – na defesa e funcionamento deste Império.

As medidas régias quanto às tropas militares, principalmente para a colônia

visavam uma maior subordinação do posto de capitão mor frente ao poder régio. Na

medida em que atribuía mais autonomia ao capitão mor o vinculava ao governador com

as posteriores mudanças de atribuição que lhe deram mais poder. A força desse dois

postos refletem a relação constituída: o capitão mor era escolhido entre os “principais da

terra”, tendo uma clara relação com as questões locais, mas sua permanência e

articulação com os organismos centrais fragilizava a afirmação local, num mesmo

sentido desligava a instancia administrativa da militar fazendo a Câmara e o Capitão

Mor terem o mínimo contato; o governador era um claro representante do poder

metropolitano desarticulado com as questões locais, mas que envolvia-se no âmbito

local com o tempo. A historiadora Fátima Lopes nos fala sobre o envolvimento dos
59
O parágrafo é todo a partir de MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 77-78.
35
“principais da terra” como uma estratégia de desarticulação do poder local 60, esta

questão envolve outros fatores, mas é importante frisar que a relação entre colônia e

metrópole era dinâmica, sendo dual mesmo que desigual onde os dois lados

negociavam. Nas relações entre os poderes metropolitanos havia uma clara troca: o

reconhecimento de poder por parte da metrópole e a presença de instancias e

principalmente corpos que representassem e protegessem os interesses lusos.61

1.3. Dois corpos distintos, mas sincrônicos: Auxiliares e Ordenanças

Como acima explicado, a formação dos corpos militares atenderam a

necessidades especificas sendo unidades militares diferentes e de papel diverso. É do

interesse deste estudo os corpos de Tropas Auxiliares ou Milícia e Tropas Irregulares ou

Ordenanças, justamente por seu caráter de recrutamento local.

Pode-se entender a peculiaridade de cada tropa por seu caráter eletivo essencial.

As Tropas Auxiliares eram um espaço de articulação diferente, pois os altos oficiais

eram escolhidos por agentes metropolitanos entre as elites locais, eram uma força

autônoma as Câmaras. As Tropas de Ordenança tinha seus cargos eleitos nas Câmaras

entre os habitantes locais, mesmo com as mudanças no cargo de capitão mor e sua

vinculação ao governador, as Ordenanças possuíam um caráter local, mesmo que

separado entre disputas locais das Ordenanças com os Senados. 62 A historiadora Shirley

Nogueira afirma que na Amazônia ao longo da segunda metade do século XVIII houve

60
LOPES, Fátima Martins. Oficiais das Ordenanças de Índios: Novos Interlocutores nas Vilas da
Capitania do Rio Grande. Anais do XXV Simpósio Nacional de História. Simpósio Temático 36: Os
Índios na História, 13-17 de julho de 2009.
61
Sobre a relação entre colônia e metrópole há uma vasta literatura, porém para este trabalho seguiu-se a
linha de estudos da Cultura Política e a nova noção de Pacto Colonial. Esta linha de trabalho é pensada
desde a década de 80 com as novas leituras numa relação de contato com as ciências sociais e literatura,
principalmente com a antropologia. Posteriormente esta questão será desenvolvida.
62
SALGADO, Graça (cood), 1986. Pp. 108; COSTA, Ana Paula Pereira, 2006. Pp. 40 e MELLO,
Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 49 e 76.
36
um progressivo aumento dos Corpos Auxiliares e em sentido aposto um decréscimo das

nomeações para os postos dentro das ordenanças.63

As forças militares portuguesas no século XVIII eram separadas entre cavalaria,

infantaria e artilharia. A tropa de cavalaria ocorria apenas nos Regulares e Auxiliares,

sendo por tradição lugar de destaque para aqueles de nobreza herdada e depois a aqueles

que tinham qualidade de nobreza apesar de não possuí-la. “De acordo co a legislação e

com a tradição lusitana, não haveria Ordenanças de homens de cavalo formadas por

pardos ou negros libertos. As Ordenanças de homens de cavalo eram destinadas aos

brancos. (...) Os homens pardos e negros estariam agrupados, basicamente, no caso das

Ordenanças em companhias de Ordenanças de Pé; os Corpos de Pedestres e os Corpos

de Homens-do-Mato.64” O historiador Francis Albert Cotta possui pesquisas sobre os

corpos militares em Minas Gerais, no seu foco estão os chamados Paisanos Armados ou

Tropas Irregulares ou Ordenanças compostos por pardos e negros libertos – às vezes

escravos, pois o caráter da formação dos Corpos de Ordenança era muitas vezes fruto de

iniciativas particulares, tendo como capitães os senhores locais65.

As Tropas militares portuguesas eram compostas da seguinte forma:

Tropas Regulares ou Tropas de Linha

63
NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. A estrutura militar no Grão-Pará setecentista. In.: BEZERRA
NETO, José Maia; GUZMÁN, Décio de Alencar (orgs.). Terra Matura: Historiografia e História Social
na Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2002. Pp. 197-206.
64
COSTA, Ana Paula Pereira, 2006. Pp. 45-46.
65
COTTA, Francis Albert. Os Terço de Homens Pardos e Pretos Libertos: mobilidade social via postos
militares nas Minas do século XVIII. In.: Revista de Humanidades – MNEME. Rio Grande do Sul. Vol.
03; N. 06, p. 71-95, out./nov. de 2002. Em 2005 o historiador Francis Albert Cotta defendeu sua tese de
doutoramento na Universidade Federal de Minas Gerais: No rastro dos Dragões: universo militar luso-
brasileiro e as políticas de ordem nas Minas Gerais.
37
Fonte: SAMPAIO, Patrícia Melo. Espelhos Partidos: etnia, legislação e desigualdade na colônia. Tese
(Doutorado) em História, Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2001.

Como se pode observar o corpo de Regulares não possui companhias especificas

de indígenas ou mestiços. Criado em 1641, justamente no contexto de reorganização da

Restauração portuguesa, era um exército profissional onde os soldados eram pagos,

mantidos sempre em atividades militares exercitados e disciplinados. Este exército era

formado em geral por filhos segundos das famílias, pois eles não herdavam o status

familiar e ingressavam ou na administração lusa no ultramar ou nos corpos militares.

Geralmente os altos postos eram dados aos filhos de fidalgos.

Dentro desta pesquisa este corpo de oficiais regulares não é objeto de estudo,

mas sua compreensão é imprescindível. São justamente das tropas regulares que os

militares de altos postos para as Companhias Auxiliares proviam e muitos oficiais

auxiliares e de ordenança ascendiam para as Tropas Regulares. É apenas neste capítulo

que eles serão abordados. Há uma ausência na historiografia, especialmente amazônica,

sobre os corpos militares milicianos e irregulares. A escolha de não abordar os corpos

Regulares baseasse na sua mobilidade e ligação metropolitana. Na segunda metade do

século XVIII o Império Ultramarino vive uma reestruturação militar, especialmente


38
para as colônias que viviam uma completa bagunça na Defesa. A correspondência do

período frisa a necessidade de uniformização das tropas coerentemente com a população

local. Com a Lei de Liberdade e retirada da tutela eclesiástica sobre os índios e o

posterior Diretório Pombalino os indígenas podem ascender a altos postos 66, são

vassalos reais.

A escolha da Tropa Auxiliar e da Tropa de Ordenança é em razão de seu caráter

local. Estes cargos eram vinculados a vila, a própria arregimentação era vinculada ao

local. O quantitativo e os tipos de postos se relacionavam a localidade, o que num

momento de necessidade de contingente habitacional e de fundações de vilas, as

Milícias e os Irregulares revelam as necessidades, principalmente nas fronteiras.

Falemos destas agora:

Tropas Auxiliares ou Milícia

Fonte: SAMPAIO, Patrícia Melo. Espelhos Partidos: etnia, legislação e desigualdade na colônia. Tese
(Doutorado) em História, Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2001.

66
Em todos os campos: Defesa, Fazenda, Justiça e Governo.
39
Tropas de Ordenança ou Tropas Irregulares

Fonte: SAMPAIO, Patrícia Melo. Espelhos Partidos: etnia, legislação e desigualdade na colônia. Tese
(Doutorado) em História, Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2001.

Os dois esquemas anteriores foram elaborados pela professora Patrícia Melo

Sampaio em sua tese67 que tratada do norte da América colonial portuguesa, os dois

organogramas em questão dirigem-se ao período de 1750 a 1798. E mostram a

existência de companhias exclusiva para índios e brancos, e a ausência da companhia de

privilegiados de Granadeiros além de que as Ordenanças possuírem apenas Infantaria.

O Corpo de Ordenanças era marcado pela estrita vinculação local. Apesar das

mudanças implementadas por D. José em 1758, não houve um distanciamento do

mundo local, ao contrário disso. Com cada vez mais presença de oficiais vinculados

diretamente ao poder metropolitano nas Câmaras para decidir junto os indicados aos

cargos e a própria necessidade de aprovação do rei do agraciado 68. As modificações

implantadas retiraram a intermediação entre a metrópole e as elites locais, distribuiu-se


67
SAMPAIO, Patrícia Melo. Espelhos Partidos: etnia, legislação e desigualdade na colônia. Tese
(Doutorado) em História, Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2001.
68
Graça ou mercê era a atribuição do rei. Segundo o paradigma corporativo do Antigo Regime cabia ao
rei fazer justiça, logo atribuir a cada súdito o que lhe era de direito, essa relação que parece apenas uma
formalidade exprime dentro do mundo moderno uma relação de divida e relação de fidelidade. Dentre da
tríade: dar, receber e restituir.
40
o poder de certa forma, pois antes os Senados concentravam uma série de atribuições

dentre essas tinham ampla ingerência nas Ordenanças. No século XVIII são os

principais rivais dos vereadores, o poder régio se tornou mais forte justamente por

distribuir o poder, diminuindo o poder dos senhores de vassalos. A área de atuação das

Ordenanças não extrapolava seu distrito de residência.

As Tropas Irregulares possuíam apenas um tipo de companhia: a infantaria. A

exclusividade da infantaria decorre da ausência de treinamento, sendo que estes Terços

eram raramente vistoriados e treinados. Eram levantados em função de necessidades

extremadas de defesa para apoiarem os Auxiliares, ou mesmo quando estes eram

deslocados para outras áreas69. A composição entre brancos e índios são deve ser

entendida a rigor, os historiadores Arno Wehling e Maria José Wehling 70 nos lembram

que os recenseamentos feitos para alistar os moradores hábeis a pegar em armas era

feito por declaração e mesmo os declarantes tinham imprecisão com as idades, logo há

de supor que no espaço colonial amazônico muitos mestiço declaravam-se branco ou

indígenas a depender da situação71. Inicialmente o interesse da pesquisa dirigia-se

apenas para este corpo de defesa, mas sua relação com as Milícias revelaram outra

situação.

As Tropas Auxiliares foram criadas em 1645 com o objetivo de dar apoio às

tropas regulares, tropas não remuneradas que seriam periodicamente treinadas. Foram as

tropas que introduziram a organização militar em terço. Foram criadas vinculadas aos

69
Na Amazônia isso não era tão incomum. No setecentos ainda haviam ataques indígenas, e na segunda
metade do século houveram as fortificação de fronteiras, principalmente em razão dos Manaus – nio
Branco – e dos Muras e Mundurucus, também no Cabo Norte. SANTOS, Francisco Jorge dos. Além da
Conquista – Guerras e rebeliões indígenas na Amazônia pombalina. 2ª ed. Manaus: Editora da
Universidade do Amazonas, 2002; e FARAGE, Nádia. As Muralhas dos Sertões. Os Povos indígenas no
Rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; ANPOCS, 1991.
70
WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. O Funcionário colonial: entre a sociedade e rei. In:
PRIORE, Mary (org.) Revisão do Paraíso. Os brasileiros e o Estado em quinhentos anos de História.
Rio de Janeiro: Campus. 2000.
71
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Índios e Mestiços no Rio de Janeiro: Significados Plurais e
Cambiantes (Séculos XVIII-XIX). Revista Memória Americana. N. 16, v. 1. 2008.
41
Regimentos Regulares e a Coroa, os cargos de alto escalão – mestre de campo e capitães

– eram escolhidos pelo rei os cargos intermediários – sargento mor e ajudante – eram

militares experimentados das Tropas Regulares. Eram tropas privilegiadas, Christiane

Mello fala que as vantagens destas tropas visavam atrair os mais prestigiados, os oficiais

destas tropas eram os responsáveis pelos alistamentos de suas próprias tropas, isto lhe

atribuiu um poder local, pois as listas de Ordenanças muitas vezes mão eram levadas em

conta. A historiadora Christiane Mello afirma sobre a criação das Milícias:

“As novas forças militares, sem a influência direta das Câmaras,


usaram todo o alcance do poder de que dispunham para
interferir no nível local, não somente no domínio militar, mas
também como observou Joaquim Romero, no que esse poder
representava na vida social.”72

A implantação de corpos militares no caso amazônico não atendia somente a

uma necessidade de defesa dos territórios e fronteiras. A criação dos terços de auxiliares

e de ordenança no Estado do Grão-Pará representava a habitação da região. A idéia de

vassalos armados, súditos fiéis a Coroa disciplinados tanto militar como civilmente

componha bem o ideário constituído por Ribeiro Sanches. Essa perspectiva atendia as

necessidades de um poder local que queria afirmar-se e ter privilégios e interligava um

vasto império.

1.4. Os Militares da Amazônia Colonial, entre 1750 e 1772

São poucos os estudos sobre o campo da Defesa no Império Ultramarino,

principalmente para o Estado do Grão-Pará e Maranhão. A maior dificuldade que

qualquer estudo sobre a região norte do atual Brasil encontra problemas, principalmente

pela falta de documentação – a grande parte está em arquivos portugueses e a região já

perdeu parte de seu acervo vitima do descuido da gestão pública.


72
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 50.
42
Dentro dos problemas de uma historiografia que nos últimos 20 anos está sendo

feita73 temos um espaço nas pesquisas direcionadas a atuação militar na Amazônia,

principalmente as Milícias e as Tropas Irregulares. Como já foi exposto estes militares

tinham uma profunda importância essencialmente por serem os habitantes da região, já

possuem em sua maioria família e posses na localidade que habitam. Eram elementos de

suma importância tanto para os poderes locais quanto para o poder central, junto das

Câmaras exerciam um espaço de negociação e era um veiculo de manobra das elites

locais. O período chamado de Absolutista na Europa, principalmente para Portugal com

sua pratica política do Antigo Regime é objeto de análise aqui, pois uma revisão destes

três elementos – Câmara, Tropa de Auxiliares e Tropa de Ordenança – revela as

negociações dentro da relação entre as colônias e a metrópole:

“A mudança na forma de recrutamento militar, questão de


grande impotancia estratégica, contribuiu para o processo de
fortalecimento do poder central régio, que então seria exercido
por meio de uma rede de poder local diretamente subordinado
ao rei, formada pelas Câmaras Municipais. Houve um reforço
nas ligações formais entre o aparelho régio e as localidades por
intermédio da elite local. (...) a Câmara Municipal assumia o
papel de interlocutora confiável, atuando como mediadora
entre poder régio e as populações locais.74”

Apesar das mudanças na legislação militar que retirou das Câmaras o amplo

poder nas Ordenanças e da criação dos Auxiliares que retirar a exclusividade local das

Ordenanças, a partir das reflexões de Christiane Mello pode-se entender que essas

medidas tenderam nivelar os poderes das Câmaras, deixando ela de ser a

centralizadora75.

A pesquisa na documentação colonial revelou que há meios de encontrar estes

militares e que de fato eram substanciais. A colônia norte da América portuguesa revela
73
São poucos os historiadores que trataram da região, nascidos aqui somente Arthur Cesár Ferreira Reis
possui renome.
74
MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009. Pp. 36 -37. Grifo próprio.
75
O processo de centralização acusado pela historiografia do período também acaba por nos ser
interessante, pois creio que há uma simplificação de um processo por uma palavra, que não deveria ser
posta isolada.
43
uma grande preponderância em militares dentre os funcionários, em razão de um caráter

militar da região. Foi apresentada uma parte da legislação sobre o campo da Defesa, no

caso as Leis, Decretos e Regimentos que mais se vinculam aos corpos de Ordenança e

Auxiliares. O que nos propomos aqui é expor os rastros do corpo militar mais envolvido

com a instância local. Foram encontrados 22, entre estes os cargos que informavam as

companhias alistadas, como se pode observar abaixo:

Quadro 01: Números gerais das Tropas Militares

Tropas Auxiliares Tropas de Ordenança


Cargo Quantidade Cargo Quantidade
Terço
Mestre de Campo 23
Sargento Mor de Cavalaria 04
Sargento Mor 10
Sargento Mor de Aldeia 27
Ajudante dos Auxiliares 01
Ajudante dos Auxiliares 02
Ajudante de Aldeia 01
Ajudante do Numero de
08 Ajudante de Numero de
Infantaria 01
Infantaria
Ajudante de Aldeia 25
Ajudante Supra 02
Ajudante Supra 04
Companhias
Capitão dos Auxiliares 65 Capitão Mor 10
Capitão de Infantaria 66 Capitão dos Auxiliares 01
Capitão de Granadeiros 01 Capitão de Infantaria Auxiliar 46
Capitão de Cavalaria 06 Capitão de Cavalaria Auxiliar 15
Capitão de Forasteiros das
Capitão de Aldeia 53 01
Companhias de Ordenanças
Alferes de Infantaria 33 Alferes de Infantaria 44
Alferes de Cavalaria 03 Alferes de Cavalaria 10
Sargento de Infantaria 03 Sargento de Infantaria 02
Sargento do Numero 36 Sargento do Numero 29
Sargento 02
Sargento Supra 30
Sargento Supra 34
Furriel de Cavalaria 02
Total 196
Total 402
Total 598

Como se pode observar no gráfico de um total de 601 indivíduos por cargo.

Existem pessoas que estão em cargos diferentes, pois o interesse aqui é ver os cargos

ocupados. Mas existem caso curiosos como um integrante da Cavalaria Auxiliar que

compõe as Ordenanças. E todos os Sargentos Mores de Cavalaria são das Ordenanças, e

44
segundo a estruturação abordada nas Tropas Irregulares não deveria haver cavalaria, e

encontrou-se uma companhia distinta, mesmo a lógica da legislação: Capitão de

Forasteiros das Companhias de Ordenanças.

A criação de corpos específicos para tipos específicos de pessoas confirma um

dos principais princípios da justiça do Antigo Regime: cada parte do corpo tem sua

função. Entrar no corpo militar colonial trazia vantagens, privilégios, porém nada além

do que cada qual poderia receber. Quando da criação da Ordenança seu alvo foi a classe

intermediária da sociedade76, que detinha bens e riqueza, mas não reconhecimento sendo

considerado igual a plebe. Os altos postos e mesmos os baixos davam reconhecimento

social e o valor de nobreza. Ter valor de nobreza não é o mesmo que ser, primeiro, pois

isto não pode ser herdado ou dado em herança, o reconhecimento do rei em certos

cargos dava o reconhecimento real77 da posição. A organização corporativa e desigual

da sociedade direcionava posições para certos indivíduos, os “principais da terra”:

“O termo “pessoas principais” traduzia-se em homens com


capacidade de mando, que se mostravam extremamente
desejosos de títulos e honras. Pode-se dizer que os privilégios da
ocupação de um posto nas Ordenanças não representavam
diretamente ganhos monetários – o que representava para a
Coroa uma economia em gastos diretos com a administração –
mas sim produção ou reprodução de prestigio e posição de
comando, bens não negligenciáveis no Antigo Regime, bem
como isenções de impostos e outros privilégios.” 78

A rivalidade entre os poderes locais é fruto desses mecanismos de acesso, que

eram entendidos de maneiras diferentes:

“Vale lembrar que no Brasil, ao contrario de Portugal, o caráter


nivelador que se introduzia com as Ordenanças gerava grandes
expectativas. Se em Portugal a associação com as Ordenanças
era tida pela nobreza como desonrosa, devido à dissociação
entre a expectativa de um acréscimo de honra e a participação
nesta força militar – que se traduzia numa resistência ao
76
Não é o que chamamos hoje de classe média, mas no caso os mercadores enriquecidos e/ou os filhos
segundos que não herdavam a nobreza.
77
Nas duas acepções da palavra.
78
COSTA, Ana Paula Pereira, 2006. Pp. 35
45
recrutamento e a participação nos seus escalões mais altos – o
cenário no Brasil era outro. Se levarmos em conta que na
América Portuguesa a hierarquia social se forjava na presença
do escravismo, o corte social proposto pelas Ordenanças era
uma oportunidade de afirmação social e de distinção entre os
homens livres, sendo por isso a posse de uma patente nesta força
militar algo muito requisitado pelas elites locais79”

A historiadora Ana Paula Pereira da Costa dirigiu sua atenção ao caso das Minas

Gerais, na Amazônia talvez o tom seja outro. Observou-se que nas tropas do Estado do

Grão-Pará e Maranhão há separação entre indígenas e brancos, na historiografia sobre o

período destaco o trabalho do historiador Rafael Ale Rocha80 que aborda que na reforma

militar os comandantes informam constantemente das fugas e deserções e o historiador

Flávio Gomes81 ao abordar os fugidos na região norte entre os séculos XVIII e XIX fala

do constante apoio dado mesmo por militares e que muitos dos mocambos e quilombos

da região continham deserdados. Ao final do trabalho de conclusão de curso de Rafael

Ale Rocha, ele expõe outra situação onde o oficio militar era um dos mais solicitados,

resta-nos saber por quem.

79
COSTA, Ana Paula Pereira, 2006. Pp. 41
80
ROCHA, Rafael Ale. Levantes e deserções militares na Amazônia pombalina. Trabalho de
Conclusão de Curso. Manaus: UFAM, 2006.
81
A Hidra e os Pântanos, do historiador Flávio Gomes.
46
Capítulo 2

A Amazônia Colonial na Defesa

É preciso ter em ótica o que afirmou Maria Fernanda Bicalho, de que existe um

erro conceitual – para ser suave – em crer que cerca de trezentos anos foram

homogêneos por todo o continente82. Isso também se aplica a região norte da colônia

americana lusitana, a qual mesmo na historiografia nacional é reconhecida como

currículo apenas regional83 ou com as mudanças em razão do Exame Nacional do

Ensino Médio – ENEM, dispensável.

Como já exposto na Introdução o que objetivamos é localizar os cargos atuantes

na região do Estado do Grão-Pará e Maranhão entre 1750 e 1772, período este

conhecido na historiografia como “Era Pombalina”. Nome em função de Sebastião José

de Carvalho e Mello, que na segunda metade do século XVIII foi nomeado Ministro do

então recém rei Dom José I, acumulando poder e cargos ao longo de duas décadas, nas

quais o ultramar foi um de seus pontos de atenção. 84 O trabalho de pesquisa tinha como

meta encontrar os cargos atuantes e as pessoas nomeadas nestes postos, especialmente

os indígenas. No período aqui explorado ocorre um processo de inserção do índio como

vassalo real português.

Iniciemos apresentando o local que estamos...

82
BICALHO, Maria Fernanda Baptista. Pacto colonial, autoridades negociadas e o império ultramarino
português. In.: SOIHET, Rachel; BICALHO, Maria Fernanda B. e GOUVÊA, Maria de Fátima Silva.
Culturas políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro:
Mauad, 2005. Pp. 85-105.
83
A questão do currículo escolhido pelo Ministério da Educação e a própria escolha da História Oficial,
hierarquizando os conhecimentos em conceitos hoje desmistificados, como: erudito, popular ou regional e
nacional, não entra aqui. O que importa é que as escolhas influem na propagação das pesquisas e na
própria percepção das pessoas sobre o que hoje é o Brasil. Por estes direcionamentos vindos do Estado
temos situações de preconceito regional e mesmo no campo cientifico graves erros de interpretação e falta
de dialogo historiográfico.
84
O titulo “Era Pombalina” ao período deve-se a titulação que Sebastião José de Carvalho e Mello
recebe. Na década de 1760 é titulado Conde de Oeiras, mas somente em 1778 recebe o título de Marquês
de Pombal, quando já havia falecido. Em decorrência do reconhecimento a este título para o poderoso
ministro optamos por manter a pratica de referência a ele e a época pelo titulo do marquesado.
47
2.1. A região Amazônica no período colonial

Durante o século XVI o norte da América do Sul foi alvo de diversos corsários,

alguns estrangeiros – não portugueses e espanhóis – estabeleceram-se na costa

Atlântica. Nas décadas iniciais da colonização não há presença estável de portugueses,

nada além de navegações pelos rios da região. Somente na década de 20 do século XVII

é que os portugueses passam a ocupar o território criando a primeira cidade lusa na

região: Belém do Pará, em 1616.

No século XVII ocorreu as primeiras incursões pela região, e iniciaram os

primeiros conflitos com nações indígenas. O historiador Arthur Cézar Ferreira Reis

narra as diversas explorações na região e os combates entre brancos e indígenas, na sua

fala chama a atenção para a passividade de nações aos primeiros estabelecimentos

portugueses e as posteriores batalhas85. Segundo o historiador John Manuel Monteiro

tornou-se notório a fluidez de posição entre os indígenas, principalmente os tupinambás

– que habitavam toda costa do atual Brasil – e tão rápido as relações se constituíam tão

rápido se desfaziam e isto era resultante do próprio caráter da população 86. Quanto aos

europeus é importante a fala de Sérgio Buarque de Holanda em o Semeador e o

Ladrilhador87, onde o autor atribui sobre a colonização portuguesa um caráter instável,

não havia um interesse de estabelecer uma colonização efetiva, como a inglesa, os

portugueses vindos à região constituíam estabelecimentos temporários pouco

estruturados em decorrência da transitoriedade da permanência no lugar. Tal como no

Estado do Brasil o projeto de colonização foi “terceirizado” a particulares, e foram

85
REIS, Arthur Cézar Ferreira. ....In.: História da Civilização Brasileira.
86
MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997.
87
HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Semeador e o Ladrilhador. In.: Raízes do Brasil
48
abertos os navios aos dispostos a vir a possessão – além dos degredados, somente

posteriormente é que grupos familiares seriam direcionados a América para um

processo de estabelecimento permanente patrocinado pela metrópole, a região se tornou

uma segunda alternativa para os que queriam enriquecer, e já não encontravam mais

espaço no Nordeste.

A ocupação na Amazônia foi uma necessidade e uma alternativa estratégica. O

historiador Francisco Jorge dos Santos nos conta que:

“Essa ocupação teve objetivos claramente diferenciados da


colonização da costa leste brasileira, pois a Amazônia significava para
os portugueses apenas um problema militar. Era notório que desde
1596 o delta amazônico vinha sendo ocupado por ingleses e
holandeses, que iniciaram a montagem de feitorias e de fortins para
garantir a exploração econômica da região. Os franceses instalados em
Caiena desciam em incursões pelo Cabo Norte (atual Amapá), foz do
Amazonas, até alcançar o Maranhão, onde fundaram São Luís, em
1612. Além disso constituía uma possessão ambígua, ou como quer
Caio Pardo Júnior, “de soberania duvidosa”, um vez que Portugal se
encontrava sob o patrocínio da Coroa filipina (1580-1640).
Configurava, assim, um problema geopolítico em relação aos
espanhóis, com indefinição dos limites dos domínios territoriais de
Portugal e Espanha.”88

A região representou uma oportunidade, principalmente aos que não tinham espaço no

promissor Nordeste açucareiro, e a ocupação militar no norte visava constituir bases de

defesa ao norte do Estado do Brasil.

Nos primeiros momentos de ocupação se tentou estabelecer o sistema de

‘plantation89’, mas este não deu muito resultado principalmente porque o interesse dos

colonos voltou-se para os produtos locais: a grande força de trabalho e os gêneros

naturais abundantes para o comércio. As “drogas dos sertões” foram o principal foco de

interesse dos colonos, no século XVII Portugal começava a perder possessões na Ásia o

88
SANTOS, Francisco Jorge. Além da Conquista: guerra e rebeliões indígenas na Amazônia pombalina.
2 ed. Manaus: EDUA, 2002. Pp. 15. Grifo próprio.
89
O sistema de ‘plantation’ foi empregado principalmente nas Antilhas e no Nordeste, onde uma grande
extensão de terra, geralmente de um senhor local apenas, era empregada para a produção agrícola de
apenas um produto com uso de mão-de-obra intensiva, tanto escrava ou trabalho compulsório.
Geralmente eram plantados cana-de-açúcar, algodão, arroz e trigo – os dois primeiros principalmente no
norte e nordeste e os dois últimos no sul.
49
que significava perder o lucrativo comércio das especiarias das Índias Orientais –

extremamente lucrativas – os produtos amazônicos representaram uma alternativa de

substituição. Quando veio a região o padre Antonio Vieira em suas correspondências

crítica a ação dos colonos, pois nada produziam na região e dependiam única e

inteiramente dos indígenas. Na verdade, o processo colonizador tendeu a especializar as

regiões, no caso amazônico os colonos preferiam o comercio das “drogas do sertão”,

que lhes trazia um lucro certo. Uma das conseqüências da priorização da coleta de

produtos naturais é a necessidade dos índios. As populações nativas eram as

responsáveis pela ida a mata e coleta justamente pelos seus conhecimentos da região.

Durante sua estadia o padre António Vieira crítica o uso indiscriminada dos índios, pois

nada os brancos faziam sem eles, e que a razão de suas misérias era sua preguiça.
90
O então Estado do Maranhão e Grão-Pará entrou no Império Ultramarino

como uma possessão estratégica e problemática militarmente, e pouco lucrativa 91. A

historiadora Nádia Farage92 nos fala que a entrada dos europeus no circuito relacional

transformou as relações entre as nações, onde inicialmente eles eram mais um elemento,

mas o projeto português desequilibrou as relações principalmente porque havia outros

agentes interessados. Clássico exemplo das disputas surgidas é o combate aos Manau na

região do Rio Branco93, onde o interesse das nações envolvidas e dos holandeses

chocou-se com a expansão dos portugueses. Isto expõe em claro que não somente os

90
O Estado tornou-se efetivamente independente do Estado do Brasil em 1624 onde era ligado
diretamente a Lisboa, aglutinando as capitanias do Pará, Maranhão, Ceará, Piauí e Rio Negro, e as outras
que eram de particulares até o século XVIII – exceto a real Capitania de Gurupá, área que foi mantida
sempre como pólo administrativo real local e o Rio Negro que foi criado no século 18. A constituição do
Estado do norte da América portuguesa variou conforme o tempo, as capitanias do Piauí e Ceará
passaram por vezes para ingerência do Estado do Brasil. Até o período final da pesquisa temos
nomeações para a Capitania do Piauí: Ordenança – 54 e Auxiliares – 50. Foi: Estado do Maranhão em
1612; Estado do Maranhão e Grão-Pará em 1654; Estado do Grão-Pará e Maranhão em 1751 e Estado do
Grão-Pará e Rio Negro em 1772.
91
Creio que a analise econômica da região deve ter em vista as particularidades da região e de seu
processo histórico, que é resultado da escolha de seus habitantes.
92
FARAGE, Nádia. As Muralhas dos Sertões. Os Povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio
de Janeiro: Paz e Terra; ANPOCS, 1991.
93
Atual estado do Amapá.
50
europeus articulavam-se, havia interesse indígena em questão e eles eram essenciais. A

historiadora Ângela de Castro Gomes sentencia da seguinte forma: “não há controles

absolutos e ‘coisificação’ de pessoas, e (...) nas relações de dominação, os dominantes

não ‘anulam’ os dominados, ainda que haja extremo desequilíbrio de forças entre os

dois lados.94”. A partir disso tem-se em mente que a colonização foi um projeto que teve

a participação ativa da população indígena, as alianças foram essenciais desde o inicio.

O historiador John Manuel Monteiro observa que as relações se faziam segundo um

inimigo comum e Arthur Cézar Ferreira Reis fala da fluidez das alianças, as duas falas

mostram um certo equilíbrio inicial95. Quando escreve sobre São Paulo colonial John

Monteiro mostra que os portugueses aderiram a práticas indígenas, Nádia Farage para

nos fala que mesmo séculos depois os utensílios portugueses não faziam tanta diferença

prática, apesar de os indígenas terem aprendido as técnicas bélicas.

Foi na primeiraa metade do século 17 que as missões religiosas ganharam mais

espaço. A legislação sobre a forma de recrutamento da população indígena e como eles

seriam vistos variou conforme a força de barganha dos missionários e dos colonos.

Apesar da recorrência da historiografia em demonstrar que a lei não era cumprida – o

que ninguém nega aqui – ela continua sendo relevante: “As Idéias nele [legislação,

decretos, alvarás] contidas são muito mais do que mera retórica destinada a permitir a

realização da vontade de um ou outro grupo político. Nos momentos críticos, em que as

leis são discutidas, colonos e jesuítas recorrem a princípios comuns, pertencentes a uma

mesma tradição jurídica.96”. Assim como fala Beatriz Perrone-Moisés as disputas em


94
GOMES, Ângela de Castro. História, historiografia e cultura política no Brasil: algumas reflexões. In.:
SOIHET, Raquel; BICALHO, Maria Fernanda Baptista e GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (orgs.).
Culturas Políticas. Ensaios de historia cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro:
Mauad, 2005. Grifo próprio.
95
MONTEIRO, John Manuel, 1997 e REIS, Arthur Cézar Ferreira. ....In.: História da Civilização
Brasileira.
96
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios Livres e Índios Escravos. Os princípios da legislação indigenista
do período colonial (séculos XVI a XVIII). In.: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos
índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 1992. Pp.
116.
51
torno da tutela dos índios eram baseadas em razões jurídicas do Antigo Regime, e este

se baseava na justiça. A justiça significa dizer que os status anteriores a presença

portuguesa deveriam ser respeitados e reconhecidos. A legislação foi refeita não por

razões estritamente pessoais, mas sim argumentações lógicas baseadas nos paradigmas

contemporâneos e estes paradigmas obrigavam ao respeito ao chamado “uso comum97”.

Todo período colonial passa por uma constante instabilidade, pois as alianças

traziam inimigos. Na disputa entre missionários e colonos estavam os indígenas em

lados opostos, a depender de alianças que lhe são próprias e outras geradas ao longo do

período colonial. Deste modo não é mesmo freqüente as queixas contra os indígenas, a

historiadora Maria Regina Celestino de Almeida98 nos fala das negativas de populações

indígenas que se negaram a ir trabalhar para os brancos quando solicitados e há queixas

de índios de maus tratos por parte dos missionários, como ela defende em sua tese: há

um claro limite de controle por parte dos missionários e colonos. A colonização impõe

limites desde populacionais, onde os portugueses eram em menor numero, até culturais

onde até o século XIX havia populações que apesar de não falarem mais sua língua

materna também não falavam português – as vezes mesmo sabendo.

O século XVII foi o momento de expansão da fronteira do Tratado de

Tordesilhas, onde um incontável numero de sertanistas adentrou na região, motivados

pela busca de indígenas que iam rareando nas áreas de habitação de colonos. A

exploração do território e os estabelecimentos causaram um desarranjo local que

resultou em um “estado de guerra contra o domínio de terras e a escravização 99”. Os

missionários também adentraram no sertão100, com as leis e decretos sobre o uso da

mão-de-obra indígena, e a forma como se viram a população – variou de bárbaros


97
Uma das argumentações mais usadas em requerimentos e respostas a estes. Como o historiador Mauro
Cesar Coelho escreve em sua tese a leis eram constituídas dinamicamente.
98
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios Aldeados no Rio de Janeiro Colonial - Novos
Súditos Cristãos do Império Português. Tese de Doutoramento. Campinas, SP: UNICAMP, 2000.
99
SANTOS, Francisco Jorge, 2002. Pp. 24.
100
Sertão é um termo empregado para o interior do território colonial.
52
irrecuperáveis a semi-civilizados – que ficou tutelada ora aos padres ora aos colonos, a

liberdade absoluta ocorreu em dois momentos que não duraram além de meses que

forma cheios de revolta dos colonos e padres. Esse período não é nosso objetivo, mas é

importante frisar a inconstância que determinou pólos de combate, onde padres eram a

favor de um controle violento e colonos de uma liberdade que promovesse a

miscigenação, e também o oposto, não houve uma homogeneidade.

No entanto é importante ter em mente o que afirma Beatriz Perrone-Moisés, que

a legislação era para um tipo de índio, o rebelde. Os aliados eram encarados de forma

diversa, e a legislação se modificava procurando privilegiar esse tipo especifica que era

fundamental. A documentação reforça que essa população, principalmente os lideres

deveriam ser agradados e presenteados, as nações decidas recebiam deveres e direitos

que deveriam ser respeitados, pois havia sempre o risco de abandono. Foi nesse período

que surgiram os primeiros núcleos coloniais permanentes, onde havia também revoltas e

era alvo de ataques, e mesmo entre as ordens religiosas existiam conflitos 101. A mudança

da legislação resulta disso, as leis tentaram regular o existente e em 1686 é publicado o

Regimento da Missões, que vigorou até 1755. Que não solucionou a questão de todo, é

válido o que afirmou Beatriz Perrone-Moisés: que foi a questão indígena o motor da

historia colonial102. E é em decorrência disso que a legislação caminha, pois como já

dito o sentido do costume direcionava a atuação administrativa logo as razões das

disposições legais para um caso especifico, que era estendido.

Tratar do período colonial amazônico é falar das relações que se dão em torno

do índio, a primeira metade do século XVIII não é muito diferente do anterior. Mas na

101
A Amazônia foi loteada entre as ordens religiosas: capuchos – franciscanos da Provincia de Santo
Antônio – Ilha de Marajó, São José, Bom Jesus, Paru e Urubuquara, dos sete núcleos que tinham entre o
rio Amazonas e Nhamundá; jesuítas: margens direita e esquerda do sul do Rio Amazonas; os carmelitas:
área do Rio Negro e Solimoes; mercedários: rio Urubu e parte do baixo rio Negro; e os capuchos da
Piedade – franciscanos da Provincia da Piedade – área ao redor do Gurupá, com os distritos do rio
Amazonas até Nhamundá tendo o Xingu e o Trombetas. SANTOS, Francisco Jorge dos, 2002.
102
PERRONE-MOISÉS, Beatriz, 1992.
53
segunda metade do século um elemento modifica um pouco: o Diretório Pombalino,

onde a população indígena passa a ser vassalo.

As cinco décadas seguintes vivenciaram a presença do Marquês de Pombal no

Ministério português. Importa aqui principalmente a política para o ultramar formulada

por ele. O historiador Mauro Cesar Coelho103 argumenta que as medidas implantadas

pela administração metropolitana eram resultado das negociações entre os agentes locais

e metropolitanos. A argumentação do historiador

consiste na tese de que a política indigenista implementada não


refletiu, apenas, as projeções metropolitanas para o Vale Amazônico.
A política instituída – o Diretório dos Índios – representou, na sua
formulação, o resultado dos conflitos havidos durante a
administração de Francisco Xavier de Mendonça Furtado: conflitos
que colocavam em campos opostos missionários, colonos e a
administração colonial. (...) as projeções pombalinas encontraram um
espaço dentro do qual outras projeções eram gestadas. De modo que
aqueles e estas entraram em conflito. (...) as questões que
movimentavam os interesses do Império certamente desempenharam
papel relevante e se constituíram em argumentos sólidos que
favoreceriam a Metrópole.104

O governador do Estado do Maranhão e Grão-Pará é Francisco Xavier de

Mendonça Furtado, irmão de Sebastião José de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal

o nomeia no ano de 1751 e uma de suas primeiras medidas é a modificação do nome do

estado, que passa a ser Estado do Grão-Pará e Maranhão. A modificação do nome

vincula-se a modificação da sede do governo do estado, de São Luis do Maranhão para

Belém do Pará, esta mudança é significativa, primeiramente, pois oficializa uma pratica

de despacho em Belém do Pará, onde os governadores geralmente ficavam mais tempo

que na sede oficial – São Luis, segundo ponto, a modificação externa a política do

momento onde as fronteiras e o interior das colônias passaram a ser essencial. Em 13 de

janeiro de 1750 Alexandre de Gusmão, ministro anterior a Pombal, selou junto ao

103
COELHO, Mauro Cesar. Do sertão para o mar. Um estudo sobre a experiência portuguesa na
América, a partir da colônia: o caso do Diretório dos Índios (1751-1798). Tese de Doutoramento. São
Paulo: USP, 2005.
104
COELHO, Mauro Cesar, 2005. Pp. 92 e 93.
54
diplomata espanhol o Tratado de Madri para resolver o problema da fronteira entre

Portugal e Espanha; herança dada a Pombal quando ele assumiu o posto, Kenneth

Maxwell105 afirma que apesar de discordar com o Tratado este teria de ser cumprido e

dessa forma ele nomeou em 30 de abril de 1753, seu irmão Francisco Xavier de

Mendonça Furtado plenipotenciário das demarcações, chefiava a comissão do norte

portuguesa106.

Em 04 de abril de 1755 o governador lança o Alvará de Lei que retira a infâmia

dos que se casam com índios; em 6 de junho de 1755 a Lei que “restituiu aos índios do

Grão-Pará e Maranhão a liberdade de suas pessoas, bens e comércio na forma que nela

se declara; no dia seguinte (07/06/1755) o Alvará com força de Lei “cassando a

jurisdição temporal dos regulares sobre os índios do Grão-Pará e Maranhão (...) ordena

que preferencialmente, fossem designados nas vilas, para juízes ordinários, vereadores e

oficiais de justiça, os índios naturais delas, reputados como idôneos para os cargos. E

dispõe que fossem as aldeias governadas pelos seus principais, tendo estes como

subalternos aos sargentos-mores, capitães, alferes e meirinhos das próprias nações”; em

03 de maio de 1757 o Diretório dos Índios; o Alvará de 17 de agosto de 1758 confirmou

o Diretório e determinou que ele fosse aplicado também ao Estado do Brasil; e em Lei

de 3 de setembro de 1759 expulsou os jesuítas de todo o reino de Portugal.107

As mudanças na regulamentação, especialmente o Diretório dos Índios e o

Tratado de Madri deram o tom ao qüinqüênio seguinte. Foi caro ao período a

necessidade de habitantes, o Tratado de Madri por si só trazia uma ambigüidade à

região, na medida em que exigiu que fossem estabelecidas ocupações estáveis com

organização de vilas pelo Vale Amazônico solicitava um numero elevado de indivíduos

105
MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal. Paradoxo do Iluminismo. 2º Ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1996.
106
A Espanha encarregou no norte D. José de Iturriaga. REIS, Arthur César Ferreira. História do
Amazonas. 2a ed. Itatiaia Limitada: Belo Horizonte, 1989.
107
SANTOS, Francisco Jorge, 2002. Pp. 47-48.
55
para fazerem e auxiliarem as demarcações. O trabalho de conclusão de curso de Rafael

Ale Rocha nos fala das deserções militares 108, a documentação é recorrente em afirmar

as epidemias e as dificuldades financeiras da Fazenda – principalmente para equipar e

pagar as tropas109, os dois projetos principais no período (demarcações e ocupação) se

contradizem, ambos necessitam de um grande numero de pessoas, no caso os índios.

A questão que se coloca nesse período é necessidade de afirmar o território – o

acordo respeitava o princípio do utis possidetis110. A defesa tem um papel essencial, é

nestes séculos que fortes são reconstruídos e construídos em lugares estratégicos, os

indígenas passam a ser “as muralhas dos sertões111” seu conhecimento da região e sua

força bélica representam a fortaleza contra as rebeliões e invasões de nações inimigas

(tanto estrangeiros europeus como indígenas rebeldes ao processo português). A

transformação do nativo em vassalo abria possibilidades para os dois lados: autonomia e

tutela, um novo espaço de manobra. O debate deixou de ser os índios, mas sim as terras

ao fim desse período.

108
ROCHA, Rafael Ale, 2006.
109
Ao longo das décadas estudadas se encontrou correspondências: “sobre o empréstimo feito junto da
Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, para o pagamento das tropas.” Em 15 de
outubro de 1761. AHU ACL CU 013, Cx. 51, Doc. 4623. Em 11 de julho de 1763 remete sobre a
necessidade de fardamento e o soldo dos soldados, que está atrasado a 10 meses. AHU ACL CU 013, Cx.
54, Doc. 4964. Em 20 de fevereiro de 1764 um oficio é “sobre o empréstimo solicitado aos
administradores da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, para pagamento de um
ano de soldos e côngruas às Tropas, ministros da Sé e vigários daquele Estado.” AHU ACL CU 013, Cx.
55, Doc. 5044. Em 21 de julho de 1766 é enviado ofício “para pagamento dos empréstimos concedidos
pela Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão para suprir as despesas da fortificação
da Praça de São José do Macapá (...)”. AHU ACL CU 013, Cx. 58, Doc. 5280. Em 10 de março de 1769
um ofício remete uma relação com os “os empréstimos concedidos pelos administradores da Companhia
Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, para a realização das obras da fortificação da vila de São
José do Macapá, do pagamento dos soldos das Tropas das fortificações daquele Estado (...).” AHU ACL
CU 013, Cxs. 63 e 64, Docs. 5526 e 5527. Em 19 de setembro de 1770 um oficio do provedor ao
secretario de estado Marinha e Ultramar fala das despesas do estado: “sobre as principais despesas da
Provedoria para pagamento dos soldos dos dois regimentos de Infantaria, de um sargento-mor agregado
com exercício de engenheiro, dos ajudantes de doze Terços de Auxiliares e Ordenanças, das obras de
fortificação de São José do Macapá, das madeiras para a construção do Arsenal da cidade do Pará, das
folhas civil e eclesiástica, e para prestar apoio às capitanias do Mato Grosso e Rio Negro.” AHU ACL
CU, Cx. 66, Doc. 5688. Grifos próprios.
110
Essa perspectiva é romana, do direito clássico, onde seria considerado dono da terra aquele que nela
residisse e produzisse, era sua por direito de uso.
111
FARAGE, Nádia, 1991.
56
2.2. Os Indígenas nas Tropas Militares

O Diretório dos Índios re-tutelou os indígenas, agora ao Estado. Como visto a lei

de 6 de junho de 1755 e a de 7 de junho do mesmo ano deram aos indígenas a liberdade

de suas pessoas, como deve-se esperar isto causou uma confusão absurda no estado.

Constantemente a população reclamava de sua penúria frente à riqueza dos jesuítas, e

que não tinham condições de comprar negros. Em 1755 foi criada a Companhia Geral

do Comércio do Grão-Pará, monopolista dos negócios, tinha por obrigação introduzir

escravos africanos e incentivar a agricultura, detinha direitos exclusivistas no estado.

Com a companhia afirmava-se a proposta de substituição da mão-de-obra índia, que

seria usada como assalariado e por tempo determinado. Devo dizer que na pratica isso

não funcionou.

Durante as décadas estudadas o aparelho de estado aumentou sua presença nas

questões locais para coibir os vícios. A questão indígena passou para o “governo civil”,

o diretor dos índios112 deveria defender os interesses dos índios, que estavam em fase de

civilização. O projeto do Diretório visava uma civilização dos índios pela convivência

com os brancos, um processo de mestiçagem não física, mas principalmente cultural:

O Diretório dos Índios pretendeu, então, introduzir novas formas de


socialização das populações indígenas integradas (...) pretendiam a
civilização das populações nativas, sobre novas bases. Integrar
significava, (...), transformar os índios em vassalos do rei de Portugal
(...) aqueles que comprovariam o direito português às terras em
disputa, segundo o Tratado de Madri. (...) Mais que tudo, a lei do
Diretório previa a inserção das populações indígenas nas relações de
poder da sociedade colonial portuguesa. (...), a ambiciosa inclusão
112
Cargo previsto no Diretório, que era uma figura leiga que deveria zelar pelo indígena enquanto ele não
pudesse governar a si próprio. Era nomeado pelo governador do Estado, devendo ser uma pessoa de bons
costumes, seu pagamento vinha de 1/6 do pagamento dado ao trabalho dos indígenas, não determinava
para quem o índio trabalhava, mas cuidava de seus rendimentos e zelava por seu processo de civilização.
Na prática tornou-se um problema, pois não cumpria suas obrigações de proteção dos índios e muitos não
os pagavam, as reclamações deles vêm de todos os lados: indígenas, párocos, colonos, agentes
administrativos. Mas as denuncias que acusam de associações com outros agentes coloniais também são
freqüentes. A historiografia – Arthur Cézar Ferreira Reis - e seus contemporâneos – ouvidor Francisco
Xavier Ribeiro de Sampaio e o naturalista Alexandre Ferreira Rodrigues - são freqüentes em atribuir o
fracasso do diretório pombalino a eles.
57
dos povos nativos na sociedade colonial compreendia a manutenção e,
em certa medida, a ampliação da cadeia hierárquica da sociedade
colonial.113

Esta modificação não significou que a sociedade portuguesa modificou-se, o

indígena ainda era um estrato inferior da sociedade, mas era parte dela, no seu local

devido: “Os fatores culturais são os mais essenciais na estratificação: em primeiro lugar

o idioma e a indumentária (...) É o índio cultural e não o índio biológico que constitui o

estrato inferior do sistemas de estratificação114”. O Diretório foi a primeira política

assimilicionalista aplicada na América portuguesa, esta legislação dava aos indígenas o

direito a alcançar altas nomeações na hierarquia colonial, reconhecia os lideres

indígenas como “principais da terra”, a ampliação da rede de relações imperiais

objetivava envolver as lideranças locais.

A historiadora Fátima Martins Lopes em seu artigo 115 nos fala do uso estratégico

da vassalação dos líderes indígenas. A liderança indígena tem características próprias,

onde o reconhecimento do líder dar-se por ações dele, que não o diferencia dentro da

sociedade ele deve ser o primeiro a fazer as atividades, não há privilégios de isenções 116,

e a falha lhe tira a posição tão logo a liderança dificilmente é herdada. Ao tornar os

índios vassalos abria-lhes direitos de reconhecimento de terras, não podiam ser forçados

a mudar de local ou a exercer trabalho, inclusive de serem nomeados ou votados a

postos. Maria Regina Celestino de Almeida em sua tese relata que os indígenas

constituíram relações diferentes em torno disso. O estado procurava nomear os

principais da terra, que seriam aqueles que tivessem reconhecimento social de sua

113
COELHO, Mauro Cesar. Os limites da igualdade: a inserção indígena na sociedade colonial
paraense do Diretório dos Índios (1757-1798). Canoa do Tempo: Revista do Programa de Pós-Graduação
em História da Universidade Federal do Amazonas. Vol. 2. N. 1 jan./dez. 2008. Manaus: EDUA, 2010.
Pp. 232. Grifo próprio, negrito do autor.
114
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de, 2000. Pp. 153. Grifo Próprio.
115
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de, 2000; COELHO, Mauro Cesar, 2005; MONTEIRO, John
Manuel, 1997.
116
Em algumas nações ele pode ter mais de uma esposa.
58
distinção e de seu caráter117. A historiadora narra em que os indígenas entendiam bem

seu papel na sociedade e buscavam meios de distinção.

Ao avaliar o exercício dos cargos por indígenas, Fátima Martins Lopes encontra

solicitações a superiores que sua posição seja respeitada, na Amazônia isto não é

diferente. As distinções são defendidas, pois representam o apoio da nação, há situações

em que por ver um individuo nomeado ao um posto na vila a população indígena

ameaça retirar-se do local – em certos casos são atendidas em outros não118 - o que

representa muitas vezes a força do líder e a importância da vila – as vilas possuem

especializações e quantitativos populacionais que lhe dão valor dentro do império 119. A

historiadora Fátima Lopes em seu artigo chama a atenção para a nomeação como uma

estratégia de separação, onde o líder envolvia-se menos com as questões locais

enfraquecendo a união do grupo, tão logo a resistência dele frente ao poder central 120. A

questão é que como esclarece a cultura política: as estratégias são negociadas e

constantemente reconstruídas, as ações dos homens são dinâmicas, eles reagem.

O presente estudo dirigiu-se a rastrear estes oficiais militares, principalmente os

indígenas. Durante a década de 50 o principal interesse foi a reestruturação física da

Defesa, com fardamento, tropas e fortaleza, mas ainda na década de 60 o estado de

penúria era grande. O texto procura não ater-se somente aos indígenas, seu foco de

estudo são as Tropas Irregulares e as Milícias, que se vinculavam mais com as vilas e

com os habitantes locais, é um caminho de pesquisa inicial.

117
LOPES, Fátima Martins. Oficiais das Ordenanças de Índios: Novos Interlocutores nas Vilas da
Capitania do Rio Grande. Anais do XXV Simpósio Nacional de História. Simpósio Temático 36: Os
Índios na História, 13-17 de julho de 2009.
118
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de, 2000. E ROCHA, Rafael Ale. Os Oficiais Índios na
Amazônia Pombalina: Sociedade, Hierarquia e Resistência (1751-1798) – Dissertação de Mestrado.
Niterói, RJ: UFF, 2009.
119
As maiores vila, grande população indígena, são Portel e Melgaço que seus líderes têm respeito e
deferência. ROCHA, Rafael Ale, 2006 e 2009, em 1761 Melgaço tinha 312 indigenas e Portel 524, a
terceira maior (Veyroz) tinha 149. AHU ACL CU 013, Cx. 49, Doc. 4519. Ver Anexos, Tabela 01.
120
LOPES, Fátima Martins, 13-17 de julho de 2009.
59
2.2.1. Etnias indígenas

Pode parecer um tanto estranho uma inflexão tão grande para falar dos indígenas

se a pesquisa não é indigenista, mas a transformação operada no período e a própria

maioria de indígenas na região pede esta inflexão. Apesar de agora serem vassalos do

rei tal como o restante da pouca população ‘branca’ os indígenas ainda carregam um

política especifica de relação e obrigação.

Nas décadas de 50 e 60 ocorrem transformações, as ações empreendidas pelo

governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado e pelo bispo D. Miguel de

Bulhões121 direcionavam para implantar o projeto de vassalização dos indígenas. A

partir do momento que assumi o posto na colônia, inicia um processo de instauração das

Demarcações. O historiador Mauro Cesar Coelho afirma que a proposta do Diretório

dos Índios foi feita a partir das observações de D. Miguel de Bulhões e Francisco Xavier

de Mendonça Furtado, e que o primeiro tivera uma péssima impressão da atuação dos

padres nas missões122, sendo uma proposta intervencionista que tinha nexo com as

expectativas locais123.

Anteriormente as Leis de 06 e 07 de junho de 1755 os naturais da terra

integrantes de nações indígenas já eram agraciados com postos na administração

portuguesa, porém ascendiam em postos baixos e locais. Apesar de atender a uma

formula de escrita na nomeação, as cartas patentes e provisões revelam dados e

aspectos. Em geral são nomeações especificas as informações de carreira e social são

121
Durante a década de 1750 o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado foi nomeado
plenipotenciário das Demarcações, e em 1753 ele dirigiu-se para a Capitania do Rio Negro para
encontrar-se com a comissão espanhola. A comissão portuguesa ficou anos esperando, já mapeando o
local e edificando a sedo do governo da capitania: Vila de Barcelos, antiga Mariúa. Nos momentos de
ausência do governador – para muitas vezes inspecionar o interior do Estado, assumia interinamente o
bispo do Estado do Grão-Pará e Maranhão, D. Miguel de Bulhões.REIS, Arthur César Ferreira, 1989.
122
A ordem dos carmelitas era constantemente acusada de manter relações de negociação da mão-de-obra
indígena, não cuidando da evangelização e da civilidade dos indígenas.
123
COELHO, Mauro Cesar, 2005.
60
postas, mas as nomeações de índios são diferentes. As cartas patentes índias são

substancialmente mais curtas o que revela uma maior simplicidade e localidade da

nomeação, que era assinada pelo secretário e não pelo governador. Dentro da

documentação lida as nomeações de indígenas davam: condição social de índio, nome,

posto, aldeia/vila124, nação e data125, as informações contidas na nomeação indígena

vinculam os nativos a sua aldeia.

A pesquisa revelou entre 1751 e 1761 nomeados no Estado do Grão-Pará e

Maranhão 18 indígenas com sua nomeação vinculada a aldeia e a nação, estes não são

números absolutos. Estes 18 militares estão distribuídos entre 06 Ajudantes de Aldeia e

12 Capitães de Aldeia, apesar destes cargos serem relevantes, são cargos locais e o texto

da nomeação demonstra que eram nomeados entre os de sua nação. O texto das

nomeações vincula a aldeia à nação, e é sabido pela historiografia que para uma maior

desagregação local as etnias indígenas foram primeiramente retiradas de sua local de

origem e já na aldeia diversas etnias passaram a conviver num mesmo espaço. Apesar

do esforço de aportuguesamento das etnias, as nomeações se vinculam a nação, podendo

supor que os cargos eram para as nações dentro das aldeias, sendo um reconhecimento

de uma sociedade dentro da organização maior que era a aldeia. Como afirma Maria

Regina Celestino de Almeida126, as sociedades indígenas constituam diversas formas de

resistências entre elas re-significavam as novas situações, não apenas entendiam as

pressões, mas procuravam formas de sobrevivência e afirmação. Na medida em que a

124
Aldeia/vila refere-se aos locais que antes das leis da década de 1750 eram aldeia, e com o processo de
lusitanização da região tornaram-se vila, muitas com o nome indígena retirado para um português.
125
Exemplo de nomeação, a grafia foi atualizada e os corroídos foram corrigidos: “Ao Indio Miguel da
Costa se passou Patente de Capitão da Aldeia de Guariurû dos de sua Nação Mamayanâ em 23 de Agosto
de 1752.” APP, Cód. 58, imagem 25, doc. 53, nomeação 89.
126
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Índios e Mestiços no Rio de Janeiro: Significados Plurais
e Cambiantes (Séculos XVIII-XIX). Revista Memoria Americana. N. 16, v. 1. 2008.
61
sociedade portuguesa tencionava-os eles criavam resistências dentro de seus espaços de

liberdade127

Abaixo temos o quadro das aldeias128 e nações, com os cargos dos indígenas:

Quadro 02: As Nações Nomeadas em suas Aldeias

Vilas e Aldeias Nações Cargos


Aldeia de Inajatuba Aruâ Ajudante de Aldeia
Aldeia de Gurupý Caueyabitena Ajudante de Aldeia
Aldeia de Urubuorara Cahaouna Ajudante de Aldeia
Aldeia de Topajôs Topajô Ajudante de Aldeia
Aldeia de Piravirý Guiratû Ajudante de Aldeia
Aldeia de Maracanã Aragauxiaz^ Ajudante de Aldeia
Aldeia de Guariurû Mamayanâ Capitão de Aldeia
Aldeia do Gurupý Caueyabitena Capitão de Aldeia
Aldeia de São José do Igarapé Grande Aruara Capitão de Aldeia
Aldeia de Bourarý Vayuú Capitão de Aldeia
Aldeia de Gurupatuba Tapuyassu Capitão de Aldeia
Aldeia de Caabý Topinambâz Capitão de Aldeia
Aldeia de Santo Ignacio Ubiptia Capitão de Aldeia
Aldeia de Anibâ Aruaqui Capitão de Aldeia
Aldeia de Santa Anna dos Pauxy Mepuy Capitão de Aldeia
Aldeia de Comarú Uanacuá Capitão de Aldeia
Guancurû Engahiba Capitão de Aldeia
Vila de Chaves Aruá Capitão de Aldeia
FONTE: APP, Códice 58.

Cremos que todos estes são nomeados do Corpo dos Auxiliares, pela sua

vinculação com a aldeia. E pela nomeação dar-se a partir de órgão externo. A pesquisa é

preliminar, mas revelou a existência de militares indígenas, no caso aqui exposto temos

a importância das etnias, pois a nomeação expõe que são indígenas e suas etnias. É claro

que as reflexões desenvolvidas são conjecturas, não há fontes escritas diretamente pelos

127
É necessário rever conceitos das relações entre dominador e dominado, há sempre um limite de
pressão. Angela de Castro Gomes ao longo de seu texto trata dos espaços de negociação, por mais forte
que seja o dominador para a manutenção de sua posição é necessário a atuação do dominado, é uma
relação dinâmica, não estática. GOMES, Ângela de Castro. História, historiografia e cultura política no
Brasil: algumas reflexões. In.: SOIHET, Raquel; BICALHO, Maria Fernanda Baptista e GOUVÊA,
Maria de Fátima Silva (orgs.). Culturas Políticas. Ensaios de historia cultural, história política e ensino
de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005. Pp. 21-44.
128
Em Anexos, Tabela 01 contém as aldeias e vilas com o contingente de índios habitantes em 1760.
62
indígenas, mas os escritos de brancos e mestiços revelam passos da população tanto

pelo que dizem tanto pelo que não dizem.

2.2.2. De Principal a Mestre de Campo129

Como foi dito os 18 militares indígenas tem em sua nomeação o nome da nação,

que é atrelada a sua posição entre sua etnia. Em 1755, os indígenas passaram a ser

considerados vassalos reais e em decorrência disso deixaram de se considerados

indignos de ocupar certas posições por suas origens. Assim passaram a receber

privilégios: de ser tratado com a dignidade natural ao seu posto, de não poder ser

obrigado a ir aos sertões podendo enviar indígenas em seu lugar para beneficio próprio.

A década de 50 viu esforços de reorganização da área militar, que estavam em

absoluta penúria. Segunda Rafael Ale Rocha dentre os ofícios que haviam, o que todos

fugiam eram os postos militares, estando a Defesa do estado desorganizada,

indisciplinada, incompleta composta por idoso, em estado deplorável.130 O que

representava um problema, por isso uma das maiores preocupações era a reorganização

dos corpos militares, em 1752 os Corpos de Auxiliares foram efetivamente implantados

no estado – as tropas de Ordenanças já existiam no estado desde 1711, a Cavalaria

surgiu em 1761 no estado131. Nas correspondências do governador a assunto militar era

freqüente, o estado das tropas e das fortificações.

Entre 1756 e 1763 ocorreu a Guerra dos Sete Anos, a qual Portugal ficou neutro

boa parte. Ocorre que a Espanha entrou na Guerra forçando Portugal a decidir-se, pois a

França pelo Pacto das Famílias exigia que Portugal lhe desse apoio, acontece que a

129
Não encontramos na pesquisa Mestre de Campo índio, mas a historiografia firma que há.
130
ROCHA, Rafael Ale, 2006.
131
NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. A estrutura militar no Grão-Pará setecentista. In.: BEZERRA
NETO, José Maia; GUZMÁN, Décio de Alencar (orgs.). Terra Matura: Historiografia e História Social
na Amazonia. Belém: Paka-Tatu, 2002. Pp. 197-206.
63
posição lusa foi favorável a Inglaterra. Em 1761 o Tratado de El Pardo (12/02/1761)

anulou o Tratado de Madri, e em 1762 o conde Schamburg-Lippe assumiu o comando

da reforma militar estimulado pelo Marquês de Pombal132. Na região amazônica ocorre

um progressivo aumento de nomeações no período aqui estudado 133, e as características

das nomeações mudam.

A documentação oficial lida revelou que na década de 70 as nomeações de

“brancos134” e índios estavam se igualando. Os indígenas passaram a ter sua nomeação

com maiores detalhes e formalidade, além de não mais citar a nação. Apesar de parecer

mera formalidade, nossa percepção sobre este ‘detalhe’ representa um mudança de

tratamento e um reconhecimento. Em geral as mudanças na regulamentação são

reconhecimento ou normatização de medidas já ocorridas cotidianamente 135. A justiça

portuguesa reconhecia o direito e a prática do costume, então se pode entender que a

mudança da lei reconhecia segmentos que agregavam destaque. A mudança na forma do

documento revela que pelo menos para certos elementos da população havia um

reconhecimento de sua posição. É recorrente na historiografia sobre colônia relatos de

atitudes indígenas e as correspondências de defesa de seu interesse onde está exposto –

os relatores e escrivães são ‘brancos’ podendo ter interesse em desmerecer, mas também

em louvar o índio (!) – a ciência, que no mínimo as lideranças, tinham da posição que os

índios ocupavam na sociedade colonial, e de seus direitos136.

Dentre as mudanças que ocorrem desde a década de 50 na documentação sobre

nomeação é a progressiva supressão do nome da etnia de que é originário o oficial. Os

132
WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Formação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1994.
133
Com será visto no capitulo seguinte, é no final da década que ocorre o aumento substancial de
nomeação de indivíduos.
134
Creio que essa brancura deve ser relativizada, pois muitos eram filhos de índias com brancos, ou já de
muitas gerações mestiços.
135
GOMES, Ângela de Castro, 2005.
136
Grande exemplo dessa avaliação é: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Ilustríssimo chefe
indígena. In.: http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1967.
64
cargos passaram a ser dados referenciando-se apenas: o nome, posto, vila/aldeia e data,

nas nomeações que são curtas no modelo da primeira metade do século XVIII. Nas

nomeações de índios segundo a forma detalhada branca não se fala a nação. Entende-se

a partir das leituras que a supressão é própria a implementação do Diretório Pombalino

que procurava juntar índios e brancos, europeizando os naturais da terra e fruto de um

processo de redimensionamento indígena. Os historiadores Mauro Cesar Coelho e

Maria Regina Celestino de Almeida nos falam em suas teses sobre o processo por parte

dos índios, argumentam eles que dentro do cotidiano da aldeia onde o processo colonial

juntou diversas etnias, novas alianças forma construídas e um novo entendimento das

aldeias foi feito fazendo o equilíbrio das relações dos poderes locais e o poder central

variar de localidade para localidade. Existiam aldeias/vilas que tinham mais força do

que outras, desse modo, oficiais indígenas mais fortes do que outros137. Quando se

observa que há uma progressiva diminuição do numero de nações indicadas ver-se a

atrelação do posto, logo do indígena e dos seus a aldeia/vila, que é uma organização

colonial, há uma reconstrução do espaço. Abaixo estão os indígenas localizados nos

Corpos Irregulares e Auxiliares, inclusive os acima arrolados no quadro 02:

Quadro 03: Atuação índia nas Ordenanças

Localidade de atuação Posto Total de índios


Vila de Obídos Ajudante do Numero de Infantaria 01
Capitão de Infantaria 09
Alferes de Infantaria 11
Capitania do Pará Sargento do Numero 10
Sargento Supra 09
Total 39
Fortaleza de Maranbitenas Capitão de Infantaria 01
Capitão de Infantaria 07
Vila de São José do Javary Alferes de Infantaria 06
Total 13

137
Não apenas força de numero, braços, mais estratégica, produtiva e simbólica.
65
Capitão de Infantaria 09
Alferes de Infantaria 11
Vila de São José do Macapá Sargento do Numero 10
Sargento Supra 11
Total 31
Capitão de Infantaria 02
Capitania do Maranhão Alferes de Infantaria 03
Total 05
FONTE: AHU 013; APP Cód. 58; APP Cód. 183; APP Cód. 210. Retirou-se os cargos que não há índios

São 89 índios nomeados para as Ordenanças, onde nenhum tem o nome da nação

indicado. As Tropas Irregulares foram implantadas em 1711 no estado, mas sua

organização era irregular, os militares localizados referem-se mais aos anos de 1769 a

1771. É no final da década de 60 que os regimentos militares aumentam muito de

numero. O mesmo processo dar-se nas Milícias, que estão expostas abaixo:

Quadro 04: Atuação índia nas Milícias

Localidade de atuação Posto Total de índios


Aldeia de Inajatuba Ajudante de Aldeia 01
Ajudante de Aldeia 01
Aldeia de Gurupý
Capitão de Aldeia 01
Aldeia de Urubuorara Ajudante de Aldeia 01
Aldeia de Topajôs Ajudante de Aldeia 01
Aldeia de Piravirý Ajudante de Aldeia 01
Aldeia de Maracanã Ajudante de Aldeia 01
Lugar de Bemfica Capitão dos Auxiliares 01
Aldeia de Jesus do Igarapê
Capitão de Aldeia 01
Grande
Aldeia de Guariurû Capitão de Aldeia 01
Gurupatuba Capitão de Aldeia 01
Aldeia de Bourarý Capitão de Aldeia 01
Aldeia de Parajô Capitão de Aldeia 01
Aldeia de Caabý Capitão de Aldeia 01
Aldeia de Santo Ignacio Capitão de Aldeia 01
Aldeia de Anibâ Capitão de Aldeia 01
Guancurû Capitão de Aldeia 01
Vila de Chaves Capitão de Aldeia 01
Total 18
Capitão de Infantaria 18
Sargento do Numero 08
Capitania do Pará
Sargento Supra 12
Total 38

66
Capitão de Infantaria 09
Alferes de Infantaria 09
Vila de São José do Macapá Sargento do Numero 09
Sargento Supra 10
Total 37
Capitão de Infantaria 06
Alferes de Infantaria 08
Fortaleza de Maranbitenas Sargento do Numero 10
Sargento Supra 10
Total 34
FONTE: AHU 013; APP Cód. 58; APP Cód. 183; APP Cód. 210. Retirou-se os cargos que não há índios.

O quadro que apresenta os militares índios nas milícias inclui os índios que

foram apresentados no Quadro 04: As Nações Nomeadas em suas Aldeias, o resulta

em 127 indígenas. A soma dos dois corpos resulta em 216 principais da terra de origem

indígena que estão liderando terço e companhias pelo estado. É claro que como afirma

Maria Regina Celestino de Almeida a maioria dos trabalhos eram efetuados pelos

indígenas, eram os índios que remavam e transportavam as canoas e mercadorias, mas

são mudanças significativas138. Os indícios aqui trabalhados podem ajudar a conhecer o

cotidiano das relações coloniais.

A pesquisa feita trouxe indícios da atuação indígena dentro da hierarquia militar,

na qual o natural da terra139 de ascendência e vinculação índia assumiu cargos de

liderança de tropa, como o Capitão. Na historiografia lida citam-se outros cargos aos

quais os índios passaram a ser nomeados. Cremos a partir do trabalhado que os cargos

dirigiam-se aos índios que mais estavam vinculados aos interesses em questão, as

maiores vila e mais produtoras eram mais ouvidas e atendidas em seus anseios140. Em

parte o projeto pombalino operou nesse sentido, as etnias deixaram de sobressair sobre a

nova organização colonial, mais em contrapartida constituíram formas diversas de

resistências e sobrevivência. O resultado do processo de mestiçagem que objetivava um

138
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de, 2000.
139
É um termo que se refere aos que são nascidos na colônia.
140
ROCHA, Rafael Ale. Os Oficiais Índios na Amazônia Pombalina: Sociedade, Hierarquia e
Resistência (1751-1798) – Dissertação de Mestrado. Niterói, RJ: UFF, 2009.
67
aportuguesamento foi espaço de sobrevivência índia e na Amazônia especialmente

uniformização tendeu para hábitos indígenas.141

2.3. Cidades da Amazônia

A reforma militar na Amazônia tinha como obstáculo a dimensão do estado do

Grão-Pará e Maranhão. Quando o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado

assumiu seu posto no estado no ano de 1751, um de suas principais avaliações era o

estado militar do estado, e como já dito anteriormente a palavra que melhor exprime é:

deplorável. Basicamente somente Belém do Pará e São Luis do Maranhão tinham

regimentos militares, e nas condições acima ditas.

É importante lembrar que foi no século XVIII que foram desenvolvidas as

minerações no centro do que hoje é o Brasil, dentro disso cria-se uma outra preocupação

com a região norte da colonial. A região mineradora incluía as capitanias de São Paulo,

Minas e Mato Grosso, acontece que está última era particularmente próxima a Capitania

do Pará, e os rios e a mata tornaram-se fronteiras criticas de escoamento. A proximidade

com a Capitania do Mato Grosso142 acentuou a necessidade de maior vigilância da

região, em 15 de outubro de 1761 um oficio do Governador do Estado Manuel Bernardo

de Melo e Castro ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de

Mendonça Furtado fala sobre a chegada dos fardamentos dos regimentos militares do

estado, do arraial do Rio Negro e da capitania do Mato Grosso143 e em 1764 duas

correspondências informam que a relação das Capitanias onde as tropas do Pará foram

141
Apenas alguns: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de, 2000; SANTOS, Francisco Jorge dos, 2002;
PERRONE-MOISÉS, Beatriz, 1992.
142
Criada em 1748, no mesmo ano que a Capitania de Goiás, antes mesmo que o Tratado de Madri
regulasse as terras a Portugal. WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José, 1994.
143
15/10/1761, AHU ACL CU 013, Cx. 51, Doc. 4624.
68
prestar socorro a Capitania do Mato Grosso144, o teor das últimas correspondências

revelam que as tropas militares do estado atendiam e vigiavam a Capitania do Mato

Grosso. Em 1752 há uma consulta do Conselho Ultramarino sobre a formação de

regimentos que assegurem uma comunicação das minas do rio Tocantins com as vilas

da Capitania do Pará145, a região do Mato Grosso é um dos pontos de atuação das tropas

militares do estado, espacialmente da capitania do Pará 146. E nesse mesmo ano em

31/10/1752 e 01/11/1752 o secretario de estado da Marinha e Ultramar, Diogo de

Mendonça Corte Real manda avisos147 sobre o estabelecimento de tropas no estado e a

abertura do caminho para as minas para o secretário do Conselho Ultramarino, Joaquim

Miguel Lopes de Lavre148. Apesar de ser parte do Estado do Brasil, sua organização e

apoio militar vinha pelo Estado do Grão-Pará e Maranhão, o que incidia maior urgência

nas condições militares.

Durante as décadas de 50 e 60 ocorreu um substancial aumento do numero de

militares na região149. Em 1752 foram enviados de Portugal dois regimentos de Tropas

Regulares, que foram atuar primeiramente em Belém do Pará. Sendo a vinda destes dois

regimentos o inicio da reforma militar no estado, em 14 de novembro de 1752 um alvará

real ao governador ordena que:

144
28/02/1764, AHU ACL CU 013, Cx. 55, Doc. 5047; 09/03/1764, AHU ACL CU 013 CX. 55, Doc.
5054; e em 1769 informa um oficio do provedor da Fazenda Real do Pará que a Companhia Geral de
Comércio do Grão-Pará e Maranhão dera apoio financeiro a Capitania do Mato Grosso, 10/03/1769, AHU
ACL CU 013, Cx. 63 Doc. 5526 e AHU ACL CU, Cx. 64, Doc. 5527. E em 19 de setembro de 1770 um
oficio provedor da Fazenda do Para sobre os gastos da Fazenda, entre eles com apoio à Capitania do Mato
Grosso, AHU ACL CU 013, Cx. 66, Doc. 5688.
145
07/08/1752, AHU ACL CU 013, Cx. 33, Doc. 3129.
146
A Vila de Borba, na foz do rio Madeira, era um importante entreposto com a capitania do Mato
Grosso.
147
Avisos são dentro da administração colonial, diplomas expedidos pelo secretario de estado para outros
secretários ou presidentes de tribunais, em nome do soberano para um destinatário especifico.
BELLOTTO, Heloísa Liberalli, 2002.
148
31/10/1752, AHU ACL CU 013, Cx. 33, Doc. 3139; 01/11/1752, AHU ACL CU 013, Cx. 33, Doc.
3141.
149
Em trabalho de iniciação cientifica para levantamento de agentes da administração, foram localizados
94 militares entre 1720 e 1730; 137 entre 1731 e 1740; 166 entre 1741 e 1750; e 393 militares entre 1751
e 1760, apenas na Capitania do Pará. Apesar do progressivo aumento foi um salto de mais que o dobro da
década anterior ao Diretório Pombalino.
69
conforme consulta do Conselho Ultramarino de 23 de Outubro de
1752, se proceda a criação de dois Regimentos de Infantaria um na
Cidade do Pará e outro para a Fortaleza do Macapá, compostos por
dez Companhias de cinquenta Praças cada, designando-se os
respectivos oficiais superiores e menores, um Capelão, mantendo o
mesmo cirurgião já em funções em outros Regimentos da mesma
Cidade, e devendo adoptar-se as mesmas ordens para os Regimentos
de Granadeiros, Engenheiros e Artilheiros, e em todas as fortalezas e
postos adjacentes a Belém do Pará, destacando Parú, Gurupá, Tapajós,
Rio Negro e Rio Branco.150

e em 08/12/1752 em oficio do secretario de estado da Marinha e Ultramar para o

governador trata do desembarque e distribuição das tropas enviadas para as capitania do

Pará e Maranhão151. Estas implementações não se dirigiam apenas as tropas regulares,

pois mestres de campo, sargentos mores, ajudantes e capitães viam destes regimentos.

Na medida em que se observa que a capitania do Pará recebia mais encargos e tropas,

têm-se mais tropas de Ordenança e Auxiliares na capitania, como se ver no gráfico

abaixo:

Oficiais militares

80 60
60 48 50
39 Ordenanças
40
9 9 12 Auxiliares
20 1
0
Capitania Capitania Capitania Capitania
do Pará do Rio do do Piauí
Negro Maranhão
FONTE: AHU 013; APP Cód. 58; APP Cód. 183; APP Cód. 210. O quantitativo aqui posto refere-se
apenas as nomeações que indicam a Capitania.

Há duas situações que se destacam, primeiro que as capitanias do Pará e Piauí

têm ampla maioria de militares e segundo que somente na capitania do Piauí é que o
150
AHU ACL CU 013, Cx. 33, Doc. 3148.
151
AHU ACL CU 013, Cx. 34, Doc. 3159.
70
numero na Ordenança é maior que no Pará e que nessa capitania há mais Auxiliares que

na capitania do Piauí. E é essencial analisar esse quadro para o local onde foram

nomeados, nenhum destas pessoas tem em sua nomeação qualquer especificação da

cidade onde devem exercer o cargo, o que é particularmente estranho para as tropas em

questão, lembre-se que eram corpos vinculados ao espaço local, e temos 228 onde a

nomeação fala apenas a capitania. O que ao se cruzar informações com outras fontes

como do Arquivo Histórico Ultramarino e com a historiografia pode-se construir

suposições. A historiografia no informa que ocorriam constantemente deslocamentos –

ao falar sobre isso se dirigi as tropas regulares – principalmente do Pará e Macapá –

entre 150 a 300 homens, conta-se soldados o que seriam cerca de 1 a 3 companhias – e

a documentação nos fala do constante trânsito das tropas, o que nos leva a questionar até

onde estas tropas irregulares e a milícia ficaram relegadas ao espaço das vilas e cidades,

será que ao haviam tropas que itineravam pelo estado? Está é uma pergunta que a

pesquisa não permite responder, por outro lado pode ser que a pergunta não tenha

cabimento.

Os números no gráfico são ilustrativos de situações não previstas pela

legislação, talvez sendo aberturas ao poder local. Pelas particularidades da pesquisa o

quadro não mostra tendências absolutas, expõe apenas uma situação encontrada, que é

curiosa, há diversos outros militares nomeados que são dirigidos a locais específicos

dentro das capitanias152. Dentre as cidades e vila encontradas a capitania do Piauí,

possui: Cidade de Oeyra , Vila de Valença, Vila de Jaromenga, Vila de Pamagoá, Vila

de Campo de Mayor, Vila de Marvão, Vila de São José de Parmayba todas com 1

nomeado para Ordenanças em cada um e a Cidade de Oeyra com 2 nomeados para

Ordenanças e 1 para Auxiliares, e a vila de Mazagão possui cerca de 15 Auxiliares

nomeados; o que resulta em 123 pessoas em cargos militares na capitania do Piauí, o


152
A Tabela 01, nos Anexos contém as vilas e lugares em 1760.
71
que é cerca de 20,56% dos oficiais encontrados, somente a Vila de São José do Macapá

corresponde a 13% do total e a cidade de Belém do Pará expressa 6,85%. Ao relativizar

a distribuição dos militares temos as áreas estratégicas de fronteira e fortaleza e de

produção e escoamento, além do comercio, em destaque, pois reúnem uma grande

população, e podem também apresentar mais distúrbios.

Uma das cidades mais importante para a região é Belém do Pará, primeiro por

sua posição estratégica e por sua história que lhe agregou como centro populacional. As

escolhas da administração portuguesa reuniram na cidade os centros das áreas

governativa, militar, fazendária e judiciária do estado, o desaguar do rio Amazonas

facilitou as comunicações com Portugal e com os sertões. No meio do século XVIII a

área já estava estabilizada como capital local, e tornou sede do estado. Logo se tornou

centro irradiador das expedições militares para os sertões, como dito acima, apesar de

encontrarmos 41 pessoas para ocuparem os postos militares, acreditamos que isso

sinaliza uma estabilização procedente com a posição da cidade no estado num numero

alto para uma sede de estado.

Militares na Cidade de Belém do Pará

9
22% Ordenança
32 Auxiliar
78%

. FONTE: AHU 013; APP Cód. 58; APP Cód. 183; APP Cód. 210.

A cidade de Belém do Pará conta com um numero menor de nomeados em

comparação a vila de São José do Macapá, que é no Cabo Norte – no atual estado do

Amapá. Existem diferenças entre estas duas localidades que não permitem que sejam
72
comparadas indistintamente. A vila do Macapá é um fundação recente, e principalmente

esta numa fronteira, a vila foi fundada intentando ser uma barreira aos franceses, que

haviam estabelecido uma colônia ao norte da Amazônia 153, o que era um problema

bélico aos portugueses. A vila seria junto com uma fortaleza, que foi erguida

definitivamente em 1765, apesar de os trabalhos e gastos terem iniciado já na década de

1750. Foi na década de 50 e 60 que casais dos Açores e da Ilha da Madeira forma

enviados a região para povoarem154 o estado, os casais foram direcionados ao interior do

estado, entre as vilas, a de São José do Macapá recebeu casais.

Militares na Vila de São José do Macapá

31
39%
Ordenança
Auxiliar
48
61%

FONTE: AHU 013; APP Cód. 58; APP Cód. 183; APP Cód. 210.

Dentre dessas pessoas encontradas 37 nomeados para os Terços de Auxiliares

são índios e todos os militares das Ordenanças são índios. Em nossa percepção os 11

que atuam na Tropa Auxiliar são militares providos das Tropas Regulares, o que é

próprio a tropa. É justamente por ser uma área estratégica e nova em povoação, foi a

primeira povoação a receber cavalaria em 1761155, com o projeto de uma fortaleza que

os enviados para atuarem são nativos, já adaptados ao clima local, e aos inimigos locais

e vizinhos. E foram justamente as fronteiras e fortalezas que exigiram mais indígenas

tanto para defesa quanto para a demarcação.

153
A área hoje corresponde ao Suriname e Guiana.
154
17/03/1755, AHU ACL CU 013, Cx. 38, Doc. 3527.
155
NOGUEIRA, Shirley Maria Silva, 2002. Pp. 199.
73
2.3.1. As Fortalezas e Fortins pela Linha de Demarcações

Quando iniciou seu trabalho no agora estado do Grão-Pará e Maranhão, na nova

sede Belém do Pará, tinha as “Instruções Régias públicas e secretas” com as principais

diretrizes que deveria implementar. Nas instruções que recebeu tinham tarefas militares:

“(...) diligência para examinar as Fortalezas e repará-las, quando for possível, como,

também, para o estabelecimento de outras, sendo necessárias; dando-me conta de tudo

o que a este respeito achardes sobre a (matéria), e especialmente sobre a fortaleza que

em 8 de março de 1749, se me propôs ser precisa na costa de Macapá (...) 156”, as

fortalezas foram uma das matérias de observação e construção no estado.

Durante os 43 anos de Diretório Pombalino (1755-1798) foram construídos e

reconstruídos 07 Fortes: Forte de Bragança, Príncipe da Beira, São José dos

Maranbitenas (1762), São Gabriel da Cachoeira (1762), São José do Macapá (1765),
157
São Francisco Xavier de Tabatinga (1770) e São Joaquim do Rio Branco (1777) .

Todos estes fortes estavam em locais estratégicos e a exceção da Fortaleza de São José

do Macapá todas estavam na Capitania do Rio Negro, e a exceção das Fortalezas do

Macapá e de São Joaquim do Rio Branco todas eram em fronteiras com a colônia

espanhola. Existiam ainda outras fortalezas menores: Fortalezas dos Pauxis, Fortaleza

do Gurupá, Fortaleza da Barra e Fortim da Cidade de Belém do Pará, em decorrência do

caráter belicoso da população indígena inimiga as cidades e vilas maiores possuíam um

fortim. Segundo observamos nos mapas da tese do historiador Tadeu Valdir de Freitas

de Rezende, as fortalezas localizavam a margem de rios que possibilitavam escoamento,


156
Idem, Pp. 197. Grifo próprio. Apud “Instruções Régias públicas e secretas para Francisco Xavier de
Mendonça Furtado, Capitão general do Estado do Grão-Pará e Maranhão”. In.: MENDONÇA, Marcos
Carneiro de (org.). A Amazônia na Era Pombalina. Correspondência inédita do Governador e Capitão
General do Grão-Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, 1751-1759. 3 vols. Rio de
Janeiro: IHGB, 1963, P. 35.
157
Os dois primeiros não se achou a data de conclusão. SAMPAIO, Patrícia Melo. Espelhos Partidos:
etnia, legislação e desigualdade na colônia. Tese (Doutorado) em História, Rio de Janeiro: Universidade
Federal Fluminense, 2001. Pp. 55.
74
apesar da maioria das vilas fundadas serem na capitania do Pará. Isto talvez se explique

pelas características diversas destas capitanias, a capitania do Pará encontrava as vilas

que antes eram aldeias e eram estabelecimentos mais antigos, a capitania do Rio Negro

era o que chama a historiadora Patrícia Mello Sampaio158 de “reservatório de braços”,

para onde a economia regional expandiria. O historiador Fabiano Vilaça dos Santos

ressalta que, os principais focos da década de 60 eram Macapá e a capitania do Rio

Negro159.

A capitania do Rio Negro tinha sobre jurisdição a área em demarcação no Estado

do Grão-Pará, o Tratado de Madri delimitava entre Espanha e Portugal a porção norte

em questão com a Holanda e França na época estava em aberto para os dois lados, logo

a vila de São José do Macapá tinha uma grande relevância estratégica, pois estava

próxima a desembocadura do rio Amazonas no Oceano Atlântico. No mesmo sentido

estratégico a Fortaleza de São José dos Maranbitenas – ou Marabitanas – foi edificada

na base da área conhecida como ‘cabeça de cachorro’, próximo onde hoje é a fronteira

tríplice dos hoje países Colômbia e Venezuela com o estado do Amazonas, atual Brasil.

Dos projetos de fortificações do período, a Fortaleza de Maranbitenas foi a primeira a

ser concluída, em 1762. E dentro de nossa pesquisa foram encontradas 27 nomeações

dirigindo pessoas para os postos na fortaleza, como se pode ver abaixo:

158
SAMPAIO, Patrícia Melo, 2001. Pp. 55 e 56.
159
SANTOS, Fabiano Vilaça dos. Caminhos e “descaminhos” da colonização portuguesa em São
José do Rio Negro no governo de Joaquim Tinoco Valente (1763-1779. Canoa do Tempo: Revista do
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas. Vol. 2. N. 1 jan./dez.
2008. Manaus: EDUA, 2010. Pp. 210.
75
Militares na Fortaleza de São José de Maranbitenas
2
7%

Ordenança
Auxiliar

25
93%

FONTE: AHU 013; APP Cód. 58; APP Cód. 183; APP Cód. 210.

Destes 27 militares apenas 02 são de Tropas de Ordenança, sendo que apenas

um Miliciano e um militar das Tropas de Ordenança eram brancos, 93% dos militares

atuantes na Fortaleza de São José de Maranbitenas era indígena e Auxiliar. Em uma

área de fronteira, onde não encontramos registros de vila próxima 160, pode indicar que

os militares para lá locados são de relações antigas com o processo colonizador, onde

podiam ser deslocados de sua povoação carregando distinção na própria pessoa. Era

comum a organização indígenas que elemento de distinção fosse dado pelos próprios

índios, podendo ser retirado caso ele perdesse o prestigio junto a sua população. A

desagregação desses índios de sua vila original, pode indicar um aportuguesamento de

valores e uma desarticulação interna de determinados grupos161, onde ser parte de

corpos Auxiliares só adensa um envolvimento maior com as instâncias mais amplas

dentro do estado e do Império. Apenas 01 acendeu a um posto dentro do Terço:

Ajudante do Terço das Ordenanças e era branco e o outro branco era Capitão dos

Auxiliares, compondo parte das Companhias com os 25 índios que eram: Capitão de

160
Rafael Ale Rocha analisa os mapas populacionais da capitania do Rio Negro, e em 1767 não encontra
nenhum morador branco em Maranbitenas e na Fortaleza do Rio Negro, mas encontra 31 moradores
índios na Fortaleza do Rio Negro capazes de pegar em armas e em Maranbitenas 105 índios. Tendo em
Maranbitenas 128 índios e famílias e a Fortaleza do Rio Negro 66 índios e famílias. In.: Quadros: 1,2,3.
ROCHA, Rafael Ale, 2006.
161
As formas de resistências eram diversas, e as populações indígenas não eram uniformes tão pouco
tinham padrões de atitudes comuns a todas.
76
Infantaria (03), Alferes de Infantaria (08), Sargento do Numero (10) e Sargento Supra

(10). Temos dentro de período cerca de 03 a 10 companhias entre 1762 e 1772 atuando

na Fortaleza de Maranbitenas, se supormos os soldados atuantes segundo o numero de

oficiais existente na localidade teríamos de 450 a 2500 soldados na fortaleza, que

possivelmente seriam índios.

Justamente por ser uma contenção para três lados – espanhol, holandês e

português – era necessário ter militares que fossem capaz de andar pela região, contra o

tráfico (ou a favor dele162) e pelo reconhecimento do território como português, eram

necessários índios. Foi justamente no século XVIII que os Mundurucus e os Murá,

atacaram povoações por todo o Rio Negro, fortalezas e vilas estratégicas garantiriam a

chegada de tropas de socorro.

***

A existência de tropas Auxiliares e de Ordenança na fronteira e em áreas de

fortaleza indica que não eram apenas pontos de defesa militar, o projeto de colocar

postos nas fronteiras era também para habitar a região de fronteira. A convocação destes

dois corpos tanto pode ser de pessoas para lá direcionadas ou que já estavam nestes

locais, mas transmite o mesmo intento: a instalação definitiva de habitações em pontos

estratégicos para defender e habitar, as duas práticas empregadas para assegurar o

território. A Vila de São José do Macapá foi fundada antes da Fortaleza e a Fortaleza de

São José de Maranbitenas recebeu um bom numero de postos oficiais que eram

baseados em áreas de habitação, mas neste poucos eram de Ordenanças. Mesmo que ao

redor da fortaleza tenha surgido área de vilarejo sua importância nunca alcançou Macap

162
SANTOS, Fabiano Vilaça dos, 2010.
77
Capítulo 3

A Composição dos Terços Militares de Auxiliares e Ordenanças,

entre 1751163 e 1772, no Estado do Pará e Maranhão

O século XVIII é particularmente um século agitado nas colônias americanas

portuguesas. A descoberta do outro no centro da colônia, o aumento da produção no

Nordeste, os conflitos no sul, a guerra guaranítica e as reformas pombalinas agitaram os

ânimos coloniais. Na Amazônia os constantes conflitos sobre a mão-de-obra e a

civilização dos índios eram comuns, juntamente com as revoltas e ataques indígenas.

O caráter belicoso da colônia portuguesa tornava mais imprescindível uma

reforma militar. A assinatura do Tratado de Madri tornou mais urgente a reforma das

tropas portuguesas e dos estabelecimentos militares que estavam em fraca desordem.

Como já foi dito entramos no governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado com

duas diretrizes: as Demarcações e o Diretório dos Índios. O Diretório foi finalmente

instituído em 1755, contradizendo a Lei de Liberdade, pois em decorrência das revoltas

da população e do grande numero de fugas para a floresta as povoações esvaziaram, o

que causou um falta de mão-de-obra, o Diretório foi uma resposta a essas queixas, pois

manteve a população índia aldeada, contudo regulou o trabalho indígena e manteve o

status de vassalo.164 Acontece que as demarcações não ocorreram, as expedições

portuguesas e espanholas não se encontraram e com a Guerra dos Sete Anos (1756-

1763) ambos não estavam de acordo com a proposta e em 1761 o Tratado de El Pardo

veio a anular o Tratado de Madri165. Porém na década de 1760 o conde Schamamburg-


163
Nesta pesquisa não encontramos nenhum militar em 1750.
164
COELHO, Mauro Cesar, 2005.
165
“As causas da anulação do tratado foram várias. Em primeiro lugar, as dificuldades surgidas com a
demarcação. (...) Às dificuldades técnicas para as demarcações, que exigiam tempo, somaram-se os
problemas políticos originados pela recusa dos indígenas das missões em retirar-se para a outra margem
do rio Uruguai. As operações militares da guerra guaranítica, entre 1754 e 1756, e a recusa de Gomes
78
Lippe assumiu o comando da reforma militar, o conde Lippe segue o padrão de

organização prussiano e sua principal implementação é uma disciplina nos moldes

saxões. Uma das principais mudanças na Amazônia é a exigência que os corpos

militares sejam adequadamente compostos.166

O reconhecimento de que os indígenas podiam ser civilizados e sua nova

posição na ordem social representou mudanças. Primeiro o numero de habitantes

vassalos aumentou vertiginosamente na Amazônia, e isto significava que a terra era

habitada por súditos leais à Sua Majestade Fidelíssima – o rei português – o que na

prática, assegurava as terras para Portugal, pois como vassalos reais podiam e seriam

agraciados com dons em forma de freguesias e cargos na hierarquia portuguesa 167. É

importante entender esse ponto, porque a nova condição dava-lhes privilégios, mas

ainda assim estavam em baixo patamar da hierarquia do Antigo Regime, podendo

ascender até certo limite – tal como todo vassalo – e podendo ser punido por crimes de

traição168. Durante o regime pombalina desenvolveu-se em Portugal paradigmas

iluministas, onde haveria uma maior possibilidade de ascensão pelo desenvolvimento

individual, dentre as leis e modificações a esta feitas pelo ministro as mais

revolucionárias são a retirada do critério de pureza de sangue e de origem por trabalho

mecânicos para acesso a distinções, Kenneth Maxwell afirma que esta foi uma das

Freire [Alexandre de Gomes Freire, governador geral da capitania do Rio de Janeiro] em receber de
imediato a região dos Sete Povos geraram desconfianças sobre a devolução de Sacramento pelos
portugueses. Finalmente, o inicio da Guerra dos Sete Anos, em 1756, complicou o quadro das relações
entre os países ibéricos, que acabaram mais uma vez em campos opostos da política européia.”
WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José, 1994. Pp. 183. Segundo o historiador Kenneth Maxwell esta
atitude de Gomes Freire foi uma orientação de Pombal, pois desde a época da assinatura do tratado existia
a perspectiva de anulá-lo. MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal. Paradoxo do Iluminismo. 2º Ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
166
COELHO, Mauro Cesar, 2005; ROCHA, Rafael Ale, 2006 e 2009.
167
Dois requisitos básicos para se comprovar um processo colonizador é a presença de: instâncias
administrativas – mesmo que mistas – e o desenvolvimento de atividades produtivas. BICALHO, Maria
Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; FRAGOSO; João (orgs), 2001.
168
Logo a prática de contrabando e comércio sem pagamentos a Fazenda ou com estrangeiros poderia ser
punida, isso assegurava os índios no lado português da fronteira. O historiador Fabiano Vilaça dos Santos
argumenta em seu artigo que a não efetuação das Demarcações era uma possibilidade de lucros aos lusos,
havendo interesse em deixar a questão em aberto permitindo um lucrativo comercio que aumentava a
receita da capitania. SANTOS, Fabiano Vilaça dos, 2010.
79
principais lutas de Pombal dentro da administração e que foi essa a razão de tanto ódio

por parte da nobreza para com ele, dentro das instituições que foi encarregado e criou

retirou totalmente a presença da nobreza.169 Como já foi dito o exercício de postos

militares era considerado indigno pelas cortes portuguesas, mas nas colônias eram

consideradas dignidades promissoras170, mas na Amazônia era um problema, não havia

como ocupar e guarnecer uma região tão vasta e inóspita. Nesse sentido devemos crer

que a idéia de torná-los vassalos não é ruim, pois como tais poderiam ser alistados (e

como qualquer outro súdito no Império) deveriam servir. Nesse entremeio o conde

Lippe recebe do Ministro Sebastião José de Carvalho Mello autorização para uma

reforma militar, como já dito a perspectiva do general alemão era de uma disciplina não

somente de serviço militar, mas para uma disciplinação do homem social. O alistamento

nas tropas militares passa a ser um recurso de civilização dos índios.

A partir da leitura da historiografia sobre a região171, percebemos que a situação

de deserções e fugas, além das rebeliões não parou. Em 25 de agosto de 1755172 o

governador interino do estado, D. Miguel de Bulhões e Souza, envia oficio ao secretário

de estado Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Furtado, sobre as dificuldades que

enfrenta no governo: miséria, naufrágio, fome, sublevações e deserções de índios. É

neste ano que o Diretório dos Índios é instalado na região, segundo se aprende da leitura

da correspondência a situação agravou-se com a saída de Francisco Xavier de

Mendonça Furtado para a capitania do Rio Negro, para liderar as Demarcações. A partir

da leitura da tese de Mauro Cesar Coelho, e tendo a correspondência do estado com a

169
MAXWELL, Kenneth, 1996.
170
O único cargo que carregava honra por tradição era o alto posto na Índia, por uma tradição de
conquista oriental cavalheiresca. MELLO, Christiane Figueiredo Pagano, 2009; BICALHO, Maria
Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; FRAGOSO; João (orgs), 2001.
171
Principalmente o trabalho de conclusão de curso de Rafael Ale Rocha e de Francisco Jorge dos
Santos. ROCHA, Rafael Ale, 2006 SANTOS, Francisco Jorge dos, 2002.
172
AHU ACL CU 013, Cx. 39, Doc. 3635
80
metrópole, construímos a situação da década de 1750, um decênio onde a política que

será adotada no Vale Amazônico é decidida173. Em 21 de novembro de 1756 o

governador interino envia oficio para o secretário de estado de Marinha e Ultramar

sobre as deserções de soldados da Tropa do Estado e fuga deles para o Reino 174, isto

quatro anos após a vinda de regimentos pagos do Reino. A situação militar e financeira

do estado era péssima, o estado não tinha como pagar o soldo e prover o sustento da

tropa175. As Demarcações exigiram do estado boa parte dos militares e dos indígenas

para dar o suporte às explorações do território e sustento dos encarregados, promovendo

instabilidade nas povoações pelas solicições.

Durante a década de 1760 ocorre um aumento no numero de descimentos na

capitania do Rio Negro, para frear o avanço estrangeiro sobre a fronteira que ficou

indefinida promoveu-se com estes índios aldeamentos, principalmente na área do Rio

Branco176. Mas é somente nessa década que a reforma nos corpos militares no estado

ocorre, são 341 militares encontrados entre 1761 e 1772, cerca de 62% de 22 anos de

analise correspondem a 10 destes anos. Durante esse período a região sofria os conflitos

com os Muras e Mundurucus, as Vilas e Cidades eram constantemente atacadas e

causando pânico na população local, desorganizando as povoações e atividades

produtivas177. Ainda em 1755 (18/08/1755) o governador interino envia oficio para o

secretário de estado Marinha e Ultramar “sobre a necessidade de recuperação da

Fortaleza de Macapá e a construção de uma fortificação junto ao rio Branco, a fim de

173
COELHO, Mauro Cesar, 2005
174
AHU ACL CU 013, Cx. 41, Doc. 3825.
175
Em 14 de junho de 1756, o Conselho Ultramarino faz Consulta sobre desconto que fariam nos soldos
dos regimentos de Infantaria da cidade do Pará e do Macapá, para pagar as fardas, farinhas e munições, já
prevendo as sublevações que acorreriam por causa disso. AHU ACL CU 013, Cx. 3759. Em 22 de
fevereiro de 1759, um ofício do provedor do Pará, Feliciano Ramos Nobre Mourão, para o secretário de
estado Marinha e Ultrarmar, Tomé Joaquim da Costa Corte Real, relata das despesas, entre elas a
dificuldade de pagar os 02 Regimentos militares, em razão da falta de rendimentos. AHU ACL CU 013,
Cx. 44, Doc. 4045.
176
SANTOS, Fabiano Vilaça dos, 2010.
177
SANTOS, Francisco Jorge dos., 2002.
81
178
proteger as populações dos ataques indígenas” . A maioria das fortalezas é construída

na década seguinte, e para dirigir e ocupar estes locais são nomeados diversos militares

nas capitanias do Rio Negro e Pará – na capitania do Maranhão apenas 03 – nas vilas 179,

Belém do Pará e fronteiras: Maranbitenas e vila de São José do Macapá. É na década de

1760 que os postos militares tornam-se mais solicitados, principalmente entre os

indígenas.

A abordagem aqui trabalhada explora duas organizações militares: Tropas

Auxiliares ou Milícias e Tropas de Ordenança ou Irregulares, a primeira foi criada com

recurso a uma articulação entre o poder central – o rei ou o governador 180 - e local,

nomeando diretamente, já as Ordenanças tiveram modificações que diminuíram o

espaço de poder das Câmaras, dando ao Capitão Mor autonomia e as listas das

Ordenanças deixaram de ser priorizadas e a composição dos corpos Irregulares passou a

ser feita pela listagem da Milícia. O gráfico nos mostra valores absolutos das

Ordenanças e das Milícias por ano e temos uma clara maioria dos últimos: Ordenanças

tem 196 e Milícia tem 402, sendo 67,22% do total. O mesmo gráfico nos revela a

trajetória de convocações no estado, mostra um panorama ano a ano dentro do estado

distinguindo as tropas. Nos anos de 1752, 1757, 1767, e entre 1769 e 1771, foram os

maiores índices de nomeações181, como se pode ver:

178
AHU ACL CU 013, Cx. 38, Doc. 3603.
179
Aparecem nominadas: Gurupá, Ourém, Por[c]hem, Oeyras, Soure, Obidos, Monforte, Melgaço, Porto
de Moz, Monsaras e lugares de Poyares, de Nossa Senhora do Posto Salvo, Mondim e Outeiro. Lugares
dão áreas adjacentes a Vilas, que viram no século XIX bairros de índios, pois geralmente eram onde os
indígenas mais moravam tendo suas roças .
180
Em 28/06/1756, uma Carta Régia permite ao governador prover todos os postos militares do Estado do
Grão-Pará e Maranhão, até o Coronel dos Regimentos Regulares. ROCHA, Rafael Ale, 2006.
181
É aumento de nomeações não de quantitativo militar necessariamente. Como em todo o trabalho
foram contabilizados os oficiais que tiveram seus nomes localizados nos cargos.
82
100
Valores absolutos por ano
80

60
Quantidade

40

20

0
1751
1753

1757
1759

1761

1765
1755

1763

1767

1769
1771

-20
Anos

Ordenança Auxiliares

FONTE: AHU 013; APP Cód. 58; APP Cód. 183; APP Cód. 210.

O gráfico acima é dividido entre Ordenança e Auxiliares. Em 1752, foi o ano da

chegada de Francisco Xavier de Mendonça Furtado e neste ano são 36 pessoas

localizadas, todas as pessoas são militares da Tropa Auxiliar, esse pico indica uma

83
possível relação com o projeto Demarcatório. Temos a partir de 1768 uma progressiva

ascensão do numero de nomeações dentro do estado que começa a cair em 1770,

voltando aos padrões em 1772. A queda em 1772 vincula-se, talvez a modificação do

estado que nesse ano passou a ser parte do Estado do Brasil e uma capitania geral que

abarcava as capitanias do Pará e Rio Negro, o que resultaria posteriormente em um

numero menor, já que não estavam mais sob sua jurisdição administrativa as capitanias

de Piauí e Maranhão.

3.1. O Terço das Milícias entre 1750 e 1772

Nos picos de nomeação foram localizadas 280 pessoas o que são 69,65% das

nomeações para o Corpo de Auxiliares para todo o período em apenas 06 anos. O corpo

de Auxiliares possui a característica de está vinculado aos Corpos Regulares, então é

provável que parte de todas as 402 pessoas que tiveram sua nomeação encontrada nos

22 anos, fossem militares promovidos das Tropas Regulares.

Em 31 de junho de 1759 o governador do estado, Manuel Bernardo de Melo e

Castro, envia ofício ao secretário de estado Marinha e Ultramar, Tomé Joaquim da

Costa Corte Real, sobre o casamento de 32 soldados europeus com índias na capitania

do Pará e 03 oficiais – Capitão José Antonio Salgado, Tenente José Correa de Lacerda e

o Ajudante Engenheiro Henrique Wilkens – aos quais deu baixa de seus postos, e que

estes se estabeleceram no estado182, dentre estes militares é sabido que Henrique

Wilkens continuou a atuar como militar183. Mas foram encontrados: Manoel Rodriguez

em 1770 na vila de Macapá, nomeado como índio, é Alferes de Infantaria; Vicente

182
31/07/1759, AHU ACL CU 013, Cx. 45, Doc. 4100. Sendo que encontramos 05 índios e 01 não índio
(?) com nomes semelhantes, faltando um sobrenome, não sabemos se são estas 32 pessoas ou filhos delas
com as índias que casaram, ou apenas coincidência
183
REIS, Arthur César Ferreira, 1989.
84
Ferreira foi encontrado em 1770 na Vila de Macapá como Sargento Supra; Silvestre

José dos Santos foi encontrado na Fortaleza de Maranbitenas como Capitão de

Infantaria Auxiliar em 1770. Estas baixas dadas em razão do casamento são para os

militares das Tropas de Linha, militares pagos, e esses militares permaneceram no

estado – segundo o documento – não deixando de serem aptos a prática militar, pois

tinham entre 20 e 60 anos de idade e condições financeiras – por casarem-se com índias

recebiam privilégios e dons entre as nações e do poder português 184 – logo podiam ser

convocados aos Terços e Companhias dos Auxiliares.

As Tropas de Auxiliares eram pessoas vinculadas com a localidade e poder

local, pois o posto pertencia à vila, este tipo de tropa era um laço direto do poder central

com os principais da terra – e o casamento com indígenas criava uma posição nova de

relação com as população índia185. A nomeação destes homens em cargos de oficiais

militares dava às nações a eles atreladas destaque e era justamente o reconhecimento

por parte dos índios que aumentava a importância e a capacidade de mando destes

oficiais, os casamentos também podem ser vistos como uma resignificação das políticas

indígenas e indigenistas186, além de uma forma de aumento populacional. Dentro do

mundo colonial da segunda metade do século o casamento assumiu varias formas de

interpretação. Na documentação foram encontradas pessoas com o mesmo nome ou

parecido, porém a carta patente a identificava como índia. Abaixo temos os terços e

companhias de Milícia no estado no qual 132 pessoas (32,83%) eram índios 187. Levando

184
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de, 2000; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de
Fátima; FRAGOSO; João (orgs.), 2001; COELHO, Mauro Cesar, 2005.
185
Apesar de a mestiçagem ser comum nas colônias americanas, é somente em 1755 que o casamento
com os índios é autorizado e reconhecido com a lei de 04/04/1755.
186
As duas palavras agregam sentidos diferentes, a primeira refere-se as atitudes dos índios e a segunda a
política externa para os índios. PERRONE-MOISÉS, Beatriz, 1992.
187
Por exemplo: Em 24 de dezembro de 1767 um aviso do secretário de estado da Marinha e Ultramar,
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, para o conselheiro do Conselho Ultramarino, António Freire de
Andrade Henriques, sobre a confirmação de patentes dos postos auxiliares concedidos a índios, pelo
governador do estado, Fernando da Costa de Ataíde e Teive Sousa Coutinho. AHU ACL CU, Cx. 61,
Doc. 5419. Grifo próprio.
85
em consideração o que foi dito até aqui devemos questionara te aonde estes não índios,

não eram de fato índios e se estes 67,17% de ‘brancos’ eram de fato brancos e não

mestiços. Visto que a classificação dependia muito da circunstancia.

Os dois gráficos abaixo estão divididos em dois em decorrência de serem

nomeações que devem ser relativizadas. É claro que haverá mais capitães que mestres

de campo, pois este liderava os terços que agregavam as companhias lideradas pelos

capitães – e existiam três tipos de companhias: infantaria, granadeiros e cavalaria no

estado nestes terços. Por isto são dois gráficos separados em altos postos (terço) e

oficias da companhia:

Postos Altos dos Auxiliares


23; 23%

39; 40%
Mestre de Campo
Sargento Mor
Ajudante

37; 37%

FONTE: AHU 013; APP Cód. 58; APP Cód. 183; APP Cód. 210.

2; 1% Postos da Companhia dos Auxiliares


75; 25%

Capitão
Alferes
Sargento

36; 12% 187; 62% Furriel

FONTE: AHU 013; APP Cód. 58; APP Cód. 183; APP Cód. 210.

86
Como é possível observar dentro da pesquisa encontramos 07 cargos com

maioria de Ajudante dentro dos terços e Capitães dentro das companhias, não achando

nenhum Tenente nas fontes utilizadas. Os números sintetizam ofícios que foram

especificados nas nomeações o quantitativo de: Sargento Mor agrega os Sargentos

Mores de Aldeia; os Ajudantes agregam também os Ajudantes de Numero de Infantaria,

Ajudantes de Aldeia e Ajudantes Supras. Dentro das companhias há: nos Capitães os

Capitães de Infantaria, Capitão de Granadeiros, os Capitães de Cavalaria e os Capitães

de Aldeia; existem entre a contagem de Alferes os Alferes de Infantaria e o Alferes de

Cavalaria; os Sargentos agregam Sargentos de Infantaria e Sargentos Supras. De todos

os cargos Auxiliares existem apenas dois tem pagamento: Sargento Mor e Ajudante, que

atuam no Terço, principalmente com a disciplinação e instrução dos militares – que

apesar de o serem, não possuem caráter estável e ainda em 1760 o soldo não estava

determinado188.

Ao analisar os dados temos que ter cuidado em não acreditar que atuavam entre

187 e 75 companhias no estado, as nomeações tinham período de duração podendo ser

renovadas. Assim os valores nos terços e nas companhias podem indicar que em

determinados postos houve mais inconstância ou a situação oposto em determinadas

funções pessoas permaneceram mais que outras. Segundo Christiane Figueiredo de

Mello ocorriam disputas em tornos dos postos, ao passo de certas pessoas nunca serem

convocadas e outras eram rotineiramente189. Tanta era a irregularidade que uma carta

régia para o governador do estado, Fernando da Costa de Ataíde Teive Sousa Coutinho,

em 19 de abril de 1766, onde informado sobre as irregularidades e a falta de disciplina

188
Em 04 de março de 1760 o Ajudante Supra, Francisco Manuel de Sá e Morais, envia um requerimento
ao rei D. José I solicitando que se determine o seu soldo e o dos demais oficiais do Terço de Auxiliares da
capitania do Pará, em seu requerimento fala ainda: mandando expedir as ordens necessárias, na mesma
forma, que se passarão para outro governo do Estado do Brasil, a este Respeito. AHU ACL CU 013, Cx.
45, Doc. 4179, a grafia foi atualizada. Ele foi por 14 anos soldado voluntário, inicialmente em Lisboa e
veio por vontade para o estado, e foi anteriormente Cabo de Esquadra, mas não fala a tropa.
189
MELLO, Christiane, 2005.
87
nas Tropas Auxiliares do estado mandou alistar todos os moradores sem exceção,

“fossem estes nobres, plebeus, brancos, mestiços, pretos, ingénuos e libertos” para a

partir desta listagem formar os Terços de Auxiliares e Ordenanças das Companhias de

Cavalaria e de Infantaria, encarregados de defender onde foram alistados 190.E temos no

ano seguinte um aumento de nomeações, onde em 1768 cai novamente para dar um

salto de 1769 a 1771, quando em 1772 estabiliza-se novamente.

Os Auxiliares eram dotados de particular vinculação com o poder central, que a

inconstância de certos ofícios como o de capitão explique-se pelas relações entre

poderes locais e metrópole, onde por mais que delegasse poder e status à particulares

locais, isto se definia a partir da metrópole, não dando tempo para grupos locais

controlarem e dividindo o espaço colonial – mas são apenas suposições. Importa

perceber que havia diversas companhias circulantes pelo estado. Em 09 de novembro de

1763 o governador do estado, Fernando da Costa de Ataíde Teive Sousa Coutinho,

envia carta para o rei, D. José I, remetendo mapas com os números dos corpos da

capitania do Pará entre elas da Tropa Auxiliar da capitania do Pará: 01 Mestre de

Campo, 01 Sargento Mor, 02 Ajudantes do Numero, 02 Ajudantes Supras, 09 Capitães,

10 Alferes, 10 Sargentos do Numero, 10 Sargentos Supras e 501 Soldados (no total 545)
191
, o mapa mostra o total de um terço, pois há apenas 01 Mestre de Campo e 01

Sargento Mor, enquanto que devem existir 09 Companhias distintas para nove vilas ou

02 ou três destas na cidade do Pará, onde cada companhia tem aproximadamente 50

soldados – menos do que o indicado na legislação. Esta carta mostra que a situação

equilibrou-se mais com a legislação e os postos deixaram de parecerem vitalícios apesar

de não serem e os corpos estavam mais bem compostos.


190
AHU ACL CU 013, Cx. 58, Doc. 5270.
191
Governador “remetendo os mapas das munições de guerra da capitania e dos soldados que constituem
o corpo das Tropas Pagas, Auxiliares e Ordenanças no Pará”, neste é apenas o “Mapa da Tropa Auxiliar
da Capitania do Pará em 12 de Novembro de 1763, assina o Ajudante de Ordens Manoel Joaquim Pereira
de Souza Rego. AHU ACL CU 013, Cx. 55, Doc. 5005. A grafia foi atualizada e as abreviaturas
desfeitas. Esses quantitativos não contaram nas analises, pois não citam os nomes.
88
Ocorre que a carta de 09 de novembro de 1763 revela que neste ano talvez atuem

10 ou 09 companhias apenas. Porém no estado do Pará e Maranhão é constante a

nomeação das tropas de Ordenança que da mesma forma que as tropas Auxiliares eram

encarregadas de proteger as vilas e cidades nas quais estes militares moravam – eram

civis armados192. No entanto, eram fortemente atreladas as tropas Regulares,

principalmente por seus oficiais saírem destas tropas, muitas promoções das tropas

regulares eram postos na alta hierarquia da Milícia. A situação de constante convocação

pode expor a situação de que as tropas Auxiliares passaram a mover-se dentro do estado

sem seres decompostas, quando se observa a convocação das Ordenanças para a Defesa.

3.2. O Terço das Ordenanças entre 1750 e 1772

No gráfico: Valores Absolutos por Ano, é exposto a franca maioria de postos

nomeados para os Auxiliares – implantado efetivamente em 1752193. Por a pesquisa

basear-se nas pessoas ocupantes de cargo – identificadas pelo nome – ocorreu uma

grande diferença entre os terços. Anteriormente a base militar do estado do Pará e

Maranhão era o Terço de Ordenança. A situação expõe uma das primeiras medidas de

reforma militar no estado: a limitação de atuação das Ordenanças que perdem espaço

para as Milícias194.

Dentre as mudanças que foram feitas, a que mais afetou as Ordenanças foi a

vitaliciedade do cargo de Capitão Mor – existente apenas neste corpo, que quase anulou

a ingerência das Câmaras no âmbito militar. Desde sua formação este regimento militar
192
COTTA, Francis Albert. Milícias negras na América Portuguesa. Defesa territorial, manutenção da
ordem e mobilidade social.
193
As tropas de Ordenanças já existiam no estado desde 1711, a Cavalaria surgiu em 1761 no estado
NOGUEIRA, Shirley Maria Silva. A estrutura militar no Grão-Pará setecentista. In.: BEZERRA NETO,
José Maia; GUZMÁN, Décio de Alencar (orgs.). Terra Matura: Historiografia e História Social na
Amazonia. Belém: Paka-Tatu, 2002. Pp. 197-206.
194
Anteriormente haviam dois corpos: os Regulares e Irregulares, as Milícias assumem um espaço maior
que o que fora ocupado pela Ordenança, agindo dentro e fora da vila.
89
era extremamente vinculado ao Senado, na segunda metade do século XVIII ocorreu

uma reforma nas instancias portuguesas particularizando e especializando o corpo do

Império Português. As Ordenanças continuaram sendo ofícios locais. Até o momento

mostramos que a grande maioria dos provimentos foi para os Auxiliares, toda via temos

para a Ordenança 196 nomeações. Em 1755 são nomeados 03 Capitães Mores, e este

ofício continua a ser o principal posto nas Aldeias e Vilas.

A reforma militar tornou o corpo Irregular mais independente e inconstante, as

nomeações eram vinculadas a necessidades extremas de proteção da vila, pelo menos a

legislação passou a prever isso. Mas como se pôde observar que ocorriam convocações

em áreas de fronteiras, e isto indica a formação de habitações estáveis, as Ordenanças

mantiveram-se inteiramente locais. Nos 22 anos pesquisados encontramos nomeações:

Aldeia de Cametâ, Aldeia de São José de Maytapûe, Aldeia de Mortuguza, Lugar de

B[c]a[c]rena, Lugar de Poyares, Aldeia/Vila do Gurupá,Vila de Monsaraz, Vila Nova de

Ourém, Vila de S[c]ncra, Fortaleza de Maranbitenas, Vila de São José do Javary, Vila

de Macapá e Belém do Pará, além de ser indicado para as capitanias sem menção ao

nome da vila.

O contingente de Irregulares é 32,77% das nomeações apesar de parecer pouco,

diminuindo quanto mais distante do litoral for: a Capitania do Rio Negro possui 9,18%

dos oficiais enquanto a Capitania do Piauí representa 24,48%. Alinhando os valores

com o terço de Auxiliares são movimentos opostos, não numa especialização, mas numa

necessidade. A reforma militar propõe-se a isso, fazer um uso mais racional. As

companhias de Ordenanças passaram a serem convocadas mais em áreas de

estabelecimento antigo, somente para vila já existentes antes da administração de

Francisco Xavier de Mendonça Furtado são 21 aldeias/vilas, sendo 3,5%, mas temos

128 pessoas nomeadas para ao capitanias. Foram nomeadas 65,30% das pessoas sem

90
especificação de vila, nos cargos de: Sargento Mor de Cavalaria, Capitão de Infantaria,

Capitão de Cavalaria, Alferes de Infantaria, Alferes de Cavalaria, Sargento do Numero e

Sargento Supra. Abaixo temos a quantidade de oficiais nomeados:

Postos Altos nas Ordenanças

4; 44%
Sargento Mor de Cavalaria
5; 56% Ajudante

FONTE: AHU 013; APP Cód. 58; APP Cód. 183; APP Cód. 210.

Postos da Companhia das Ordenanças


10; 5%

61; 32%
Capitão Mor
63; 34% Capitão
Alferes
Sargento

54; 29%

FONTE: AHU 013; APP Cód. 58; APP Cód. 183; APP Cód. 210.

Os gráficos indicam os oficiais do terço e das companhias nomeados entre 1750

e 1772, em 06 cargos militares. Sendo que no quantitativo de Ajudante temos: Ajudante

de Aldeia, Ajudante do Numero de Infantaria e Ajudante Supra; no cargo de Capitão

temos: Capitão de Infantaria, Capitão de Cavalaria e Capitão dos Forasteiros; no posto

de Alferes temos: Alferes de Infantaria e Alferes de Cavalaria; e entre os Sargentos

temos: Sargento de Infantaria, Sargento do Numero e Sargento Supra.

91
Como se pode observar existe diferenças substanciais entre as tropas de

Auxiliares e de Ordenança: nas Milícias temos nomeações para Mestre de Campo e para

Irregulares temos nomeações para o Capitão Mor, e o posto de Furriel não existe nas

Ordenanças. Percentualmente os Capitães Mores não parecem ser tão substanciais, mas

sua permanência é vitalícia, as nomeações são entre 1755 e 1764. São nove locais para

os quais eles são nomeados: Aldeia de Cametâ, Aldeia de São José de Maytapûe, Lugar

de B[c]a[c]rena, Lugar de Poyares, Vila de Monsaraz, Vila Nova de Ourém, Belém do

Pará e a Aldeia de Santo António do Gurupá, a última aldeia tem duas pessoas

nomeadas em 1762 neste mesmo lugar. Logo nessas nove aldeias e vilas existem mais

de uma companhia de Ordenança, segundo a legislação.

Anteriormente a Lei de 06 e 07 de junho de 1752 os indígenas eram nomeados a

cargos baixos no corpo hierárquico do Antigo Regime. Ainda na década de 1750 as

cartas patentes citavam a etnia juntamente com a aldeia com o seguinte anúncio: “aldeia

de (...) doz Indios dasua nasçaõ ...”, sendo possível uma aldeia ou vila ter mais de um

índio para determinada função no mesmo lugar. Entretanto em 1762 é nomeado dois

Capitães Mores para a aldeia de Gurupá. O posto de Capitão Mor era um dos mais

importantes dentro do espaço local, era o posto mais alto nas companhias e vitalício,

escolhendo os militares dos terços e acompanhando as demais eleições. a primeira

nomeação encontrada em Gurupá é em 23 de junho e a segunda em 09 de setembro, e de

fato duas pessoas diferentes, não temos informações se o primeiro faleceu ou se oficio

nesta vila se especializou para uma população ou para um tipo de tropa, não há na

documentação qualquer indicação.

Em 1739 uma ordem indica que nas vilas onde o numero de habitantes não

superasse 100 pessoas195, não haveria Capitão Mor, apenas o Capitão da Companhia.E
195
Os habitantes eram contados entre os homens adultos, solteiros ou casados. Lembrar que os
alistamentos eram feitos pelos sargentos mores e ajudantes, o numero de habitantes era os que podiam
exercer ofício. MELLO, Christiane, 2005. WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. 2000.
92
as companhias teriam: 1 Capitão, 1 Alferes, 1 Sargento do Numero e 1 Sargento Supra e

os Cabo de Esquadra necessários – 4 por Companhia. 196 Podemos então perceber que

nos 22 anos analisados foram regimentadas diversas companhias – assim como ao

Auxiliares, as Ordenanças tinham datas para serem formadas para vistoria e disciplina –

e que temos 09 grandes aldeias e vilas com mais de uma companhia e uma vila que

pode ter mais de um terço, isto é entre 3 ou 6 companhias. Temos uma correspondência

de 09 de novembro de 1763 enviada pelo governador do estado, Fernando da Costa de

Ataíde Teive Sousa Coutinho, para o rei, D. José I, que remete mapas com os números

dos corpos da capitania do Pará entre elas da Tropa de Ordenança: 01 Mestre de Campo,

01 Sargento Mor, 01 Ajudante do Numero, 01 Ajudante Supra, 03 Capitães, 03 Alferes,

03 Sargentos do Numero, 03 Sargentos Supras e 541 Soldados (no total 557) 197. Pode-se

observar que existiram Mestre de Campo nas Ordenanças e que esta relação não

informa os Capitães Mores, o que talvez signifique que os mapas listem apenas os

cargos temporários.

Apesar de a situação militar ter equilibrado mais no estado, em 19 de abril de

1766 o rei D. José I envia carta régia ao governador do estado, Fernando da Costa de

Ataíde Teive Sousa Coutinho, sobre a irregularidade e falta de disciplina nas do estado,

“mandando alistar todos os moradores sem excepção, fossem estes nobres, plebeus,

brancos, mestiços, pretos, ingénuos e libertos, e destes formar os Terços (...)

Ordenanças das Companhias de Cavalaria e de Infantaria, para defesa das comarcas

respectivas198”. Isto sinaliza que a situação militar do estado ainda era deficitária. A

Ordenança é uma situação de apoio militar, que defende a localidade, a nomeação

196
SALGADO, Graça (cood), 1986. Pp. 107.
197
Governador “remetendo os mapas das munições de guerra da capitania e dos soldados que constituem
o corpo das Tropas Pagas, Auxiliares e Ordenanças no Pará”, neste é apenas o “Mapa das Ordenanças da
Capitania do Pará em 12 de Novembro de 1763”, assina o Ajudante das Ordens Manoel Joaquim Pereira
de Souza Feijo. AHU ACL CU 013, Cx. 55, Doc. 5005. A grafia foi atualizada e as abreviaturas desfeitas.
Esses quantitativos não contaram nas analises, pois não citam os nomes.
198
AHU ACL CU 013, Cx. 58, Doc. 5270.
93
ocorre obrigatoriamente em locais de habitação estável e de tamanho populacional

substancial, do encontrado 58, 16% era indígena. Nas áreas de fronteira pode indicar a

formação de vilas ou uma situação de necessidade de defesa em áreas que estão

surgindo residências.

3.3. A Soldadesca Regular

Durante toda a nossa explanação sobre as tropas militares na Amazônia falamos

dos Oficiais e somente no primeiro capítulo abordamos diretamente as Tropas

Regulares. Entretanto como falamos a composição das companhias e terços baseasse

nos militares Regulares e principalmente naqueles que assentaram praça, constituindo

família e negócios no estado, portanto não mais podendo ser dedicados exclusivamente

ao serviço militar. A nomeação analisada era para oficiais que permaneciam no cargo

mesmo se a tropa não atuasse, ficando indisponível para outro serviço nesse período,

devendo estar atento e em postos.

Em 31 de junho de 1759 o governador do estado, Manuel Bernardo de Melo e

Castro, enviou em ofício ao secretário de estado Marinha e Ultramar, Tomé Joaquim da

Costa Corte Real, sobre o casamento de 32 soldados europeus com índias na capitania
199
do Pará e 03 oficiais das Tropas de Linha , esta carta é significativa, pois representa a

decisão de estes 35 militares morarem no estado, podendo ser convocados aos Terços e

Companhias Auxiliares e de Ordenança200. Entre 1750 e 1772 tivemos noticia de 04

regimentos militares encaminhados para o estado do Pará e Maranhão, e alguns destes

199
31/07/1759, AHU ACL CU 013, Cx. 45, Doc. 4100. Sendo que encontramos 05 índios e 01 não índio
(?) com nomes semelhantes, faltando um sobrenome, não sabemos se são estas 32 pessoas ou filhos delas
com as índias que casaram, ou apenas coincidência
200
Como foi dito encontramos: Manoel Rodriguez como Alferes de Infantaria Auxiliar em 1770; Vicente
Ferreira como Sargento Supra dos Auxiliares em 1770 e Silvestre José dos Santos como Capitão de
Infantaria Auxiliar em 1770. Os dois primeiros na Vila de São José do Macapá e o último na Fortaleza de
Maranbitenas, na Capitania do Rio Negro.
94
casaram e mantiveram-se na região. É interessante lembrar que as pessoas da carta de

31/06/1759 atuavam na cidade de Belém, o que pode indicar que se moveram pela

colônia ou que foram indicados a postos nas tropas Auxiliares – nos três casos

encontrados – em locais que não residiam, revelando que o alistamento podia ocorrer

para preencher os cargos, mas que a nomeação de oficiais, especialmente a Milícia

atendia a requisitos de qualidade que podia levar pessoas a outros lugares.

Em 12 de novembro de 1763 temos a listagem das Tropas de Infantaria

Regulares para a capitania do Pará: 427 militares Combatendo debaixo das Armas, 454

Destacados, 17 Doentes, 86 Socorrendo Mato Grosso, 984 Efetivo do Estado, 1013

Estado Completo e 19 Ausentes201. Como já dito a capitania do Pará atendia a capitania

do Mato Grosso. Na capitania do Rio Negro haviam 04 regimentos postados com

aproximadamente 100 soldados com seus respectivos oficiais cada202, sendo que no rio

Negro havia 100 praças privados e no rio Solimões 100 praças 203. Em seu trabalho de

conclusão de curso Rafael Ale Rocha analisou os mapas populacionais da capitania do

Rio Negro encontrando: em 1764, 260 soldados; em 1766, 273 soldados; em 1767, 280

soldados; em 1769, 223 soldados; em 1771, 161 soldados; e em 1772, 159 soldados, nos

mapas esta a povoação onde residiam esses militares, que estavam dispersos pela

capitania nas povoações. No mesmo trabalho informa que em 1767 havia em Barcelos

01 Capitão Mor que era branco, e na mesma vila haviam 01 Sargento Mor, 01 Capitão

dos Auxiliares, 01 Capitão de Campo, 02 Alferes dos Auxiliares e 01 Sargento; na vila

de Tomar havia apenas 01 Capitão de Campo; na vila de Borba 01 Sargento Mor e 02

Sargentos; a vila de Alvelos possui 01 Alferes dos Auxiliares; e a vila de Ega 01

201
Governador “remetendo os mapas das munições de guerra da capitania e dos soldados que constituem
o corpo das Tropas Pagas, Auxiliares e Ordenanças no Pará”, neste é apenas o “Mapa da Infantaria Paga
da Capitania do Pará em 12 de Novembro de 1763”, assina o Ajudante das Ordens Manoel Joaquim
Pereira de Souza Feijo. AHU ACL CU 013, Cx. 55, Doc. 5005. A grafia foi atualizada e as abreviaturas
desfeitas. Esses quantitativos não contaram nas analises, pois não citam os nomes.
202
ROCHA, Rafael Ale, 2006.
203
TORRES, Simei Maria de Souza, 2002.
95
Sargento, segundo o historiador todos estes são brancos 40T% do total; no quadro 02

informa que tem 01 Capitão Mor índio em Moura, 01 em Borba e 01 em Ega; 01

Sargento Mor índio em Tomar, 01 em Moreira, 01 em Poiares, 01 em Moura, 01 em

Serpa, 01 em Silves, 01 em Fonte Boa, 01 em Castro de Avelães, 01 em Olivença e 02

em Ega; 01 Ajudante em Tomar, 01 em Poiares, 01 em Moura, 01 em Ega; 01 Alferes

em Moura, 01 em Ega, 01em Nogueira, todos índios e segundo o historiador a capitania

tinha nesse ano 1283 índios e 90 brancos moradores aptos a pegar em armas204.

Temos segundo informações das fontes e da historiografia uma imensa

quantidade de pessoas circulando pelo estado tanto servindo quanto fugindo. Índios que

exercem transporte, defesa, pescam, promovem a agricultura e entram nos matos

fugindo e perseguindo, e ainda os ataques indígenas que apavoram a população e a

exploração aos indígenas205. O atraso dos soldos, as péssimas condições de serviço e o

alistamento obrigatório são algumas das razões de fugas entre soldados e oficiais.

Temos então em mocambos e quilombos soldados e índios ou mestiços reunidos aos

negros, e em alguns casos etnias adversárias ao projeto português, auxiliados por

oficiais militares206. O projeto da segunda metade do século XVIII atendeu a

expectativas locais e metropolitanas207. Mas a dinâmica colonial desfez e refez relações,

criando situações de relações que fogem a polarizações e homogeneizações, é desse

ambiente que as tropas locais são alistadas.

204
ROCHA, Rafael Ale. 2006. Quadro 1 e 2. Pp. 44 e 45. Ver Anexos.
205
SANTOS, Francisco Jorge dos, 2002.
206
Flávio Gomes, A Hidra e os Pântanos.
207
COELHO, Mauro Cesar, 2005.
96
CONCLUSÃO

O reino de Portugal tinha sérios problemas para administrar o vasto império que

tinha, e para compor o corpo de funcionários aglutinou os poderes locais para conseguir

fazê-lo, a relação que se estabeleceu foi também uma exigência jurídica já que a base

das leis e direitos era o respeito ao direito costumeiro. Entende-se assim, que além de

ser algo pratico era um obrigação, as nações que estabeleceram relações de auto-

dependência com o Império Português beneficiaram-se, tornando-se colonizadores.

Na segunda metade do século XVIII encontramos um reconhecimento legal das

relações estabelecidas com o Diretório dos Índios. A historiadora Beatriz Perrone-

Moisés nos fala que as políticas indigenistas eram para dois tipos de indígenas: os que

discordassem e os que cooperassem, os primeiros seriam escravizáveis, selvagens e os

segundos livres, a depender da situação, não vistos como índios 208. No período

pombalino as modificações deram reconhecimento legal à praticas, e buscaram ampliar

o leque de súditos reais para ocupar postos na hierarquia – além de ampliar a

arrecadação da Fazenda pelo aumento da produção e dos pagantes de impostos.

A segunda metade do século XVIII vivenciou na Amazônia uma maior atrelação

da questão indigenista ao governo. O Diretório dos Índios trouxe a tutela civil dos

índios para os Diretores dos Índios nas vilas, e a gestão do trabalho ficou a cargo do

governador, a questão indígena passou a ser localizada por vila, onde havia desníveis a

depender da força dos moradores, e logo das nações com suas redes de relações 209. As
208
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios Livres e Índios Escravos. Os princípios da legislação indigenista
do período colonial (séculos XVI a XVIII). In.: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos
índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura: FAPESP, 1992. Pp.
115-132; ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Política Indigenista de Pombal: a proposta
assimilacionista e a resistência indígena nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. E ALMEIDA, Maria
Regina Celestino de. Índios e Mestiços no Rio de Janeiro: Significados Plurais e Cambiantes
(Séculos XVIII-XIX). Revista Memoria Americana. N. 16, v. 1. 2008.
209
BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima; FRAGOSO; João (orgs.). O Antigo
Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2001.
97
relações no império ultramarino português foram ampliadas com a entrada dos índios na

hierarquia social, entre os campos de aceso abertos um deles foi as tropas militares:

Tropas Regulares, Tropas Auxiliares e Tropas de Ordenanças, e neste trabalho as duas

últimas forma as tropas estudas. A Defesa foi um dos campos de integração local e de

diferenciação dos moradores da Amazônia colonial.

Os dados apresentados mostraram uma ampla maioria de militares nas Tropas de

Auxiliares, este contingente foi implantado em 1752 efetivamente no estado e talvez

justamente por isso apresente o maior numero de nomeações. A Milícia era um corpo

militar que tinha recebia mais instrução militar e era mais treinada do que as

Ordenanças, e este último corpo era extremamente restrito ao espaço da vila e seus

oficiais, especialmente o Capitão Mor receberam maior autonomia, por vezes

rivalizando com as Câmaras em poder local. Os oficiais das tropas que foram

apresentadas representavam o corpo de moradores, e as duas tropas passaram a ser

mecanismo de relação direta da Corte com os espaços locais, mesmo que esta relação

fosse intermediada pelo governador, que deveria no espaço colonial representar o rei.

A modificação no status legal dos índios abriu a possibilidades de ascensão e

reconhecimento, e representou a entrada de pessoas aptas para serviços coloniais dentro

da administração, no quadro da Defesa eram pessoas que conheciam a região. A Defesa

é uma área que integrou índios e brancos – não que a definição no documento

represente de fato uma origem biológica estritamente indígena, podendo indicar

reconhecimento de integração legalizada por casamentos. Pela bibliografia percebemos

que a ascensão na hierarquia era possível, pois temos noticias de índios Mestre de

Campo, porém a ascensão dependia das relações de força nas quais o principal da terra

estava relacionado. As reformas ampliaram a hierarquia do Antigo Regime, ampliaram

os níveis e as diferenças.

98
Os oficiais das tropas militares também eram homens de destaque, não

necessariamente militar. Entre os cargos da Milícia os Sargentos Mores e os Ajudantes

eram militares pagos que foram promovidos para estas tropas, e continuavam sendo

pagos eram encarregados da instrução das tropas Auxiliares. O cargo de Capitão Mor

existente nas Ordenanças era responsável por eleger os outros postos junto a Câmara, e

passou com o tempo a centralizar o comando das companhias, foi no corpo militar

Irregular que primeiramente se deu uma definição de esferas estritamente militar e

governativas. Enquanto as tropas de Auxiliares tiveram uma maior relação com as

Tropas Regulares, sendo nomeados, moradores que assentaram praça no estado, mas

ainda eram aptos ao serviço militar, sendo mesmo movidos de localidade em função do

oficio.

Na pesquisa vimos que as tropas diferenciaram cada vez mais, tornando-se

autônomas entre si. A pesquisa vislumbrou uma nova realidade na região, não

polarizada entre indígenas e brancos, mas entre os que ‘promoviam’ o projeto português

para defender sua própria autonomia modificando-o e aqueles que resistiam a qualquer

negociação. O que na verdade temos um poder central com diversas políticas coloniais e

poderes locais com diversas estratégias de resistência e sobrevivência.

99
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107
Anexos:

Tabela 01: Os índios na Amazônia

Vila e Lugares Índios2 Vila e Lugares Índios2


Lugar, de Serzedello Villa, de Oeyras 112
V.a, de S. Jozé do Javary Lugar, de Azevedo
Lugar de Nogueira Villa, de Porto de Móz 24
Villa, Boim 63 Lugar, de Agoa de Lupe
Lugar de S. Anna do Macapá Villa, de Silviz
Villa de Outeiro 48 Villa, de Alvarans
Villa, de Almeirim 60 Lugar, de Alvelloz
Villa, Franca 146 Villa, de Moura
Villa, de Alter do Chão 59 Villa, de Barcelloz
Villa, de Olivença Lugar, de Castro de Aveláns
Villa, de Alenquer 59 Villa, de Tomar
Lugar, de Condeixa Lugar, de Poyarez
Villa, de Pinhel 58 Villa, de Ega
Villa, de Sanctarem 80 Lugar, de Cravoeyro
Villa de Portel 524 Lugar, de Ayraõ
Villa, de Ovidoz Villa, de Veyros 149
Villa, de Faro 39 Villa, de Bragança
Lugar, de Vilarinho Villa, de Borba
Villa, de Monsaraz Villa, de Souzel 99
Villa, de Espozende Villa, de Monte Alegre 148
Villa, de Arrayollos Villa, de Melgasso 312
Lugar, de Fragozo Villa, de Salva Terra
Villa, de{CE}auez Villa, de Beja 84
Villa, deSerpa Lugar, de Carrazedo
Lugar, de Mondim Lugar, da Ponta da Pedra
Villa, de Monforte Villa, de Villar
Villa, de Soure Lugar, de Moreira
Villa, de Collarez 105 Lugar, de Val de Fontez
Villa, Nova de El Rey Lugar, de Bar Larena
Villa, de Pombal 129 Lugar, de Arcozello
Lugar, de Porto Salvo Lugar de Villarinho do Monte2 20
Villa, de Conde 102 Lugar de Carrazedo2 15
Villa, de Cintra Vila de Obidoz2 58
Obs.: 1. As vilas e lugares referem-se ao: “Mappa de 42 Villas, e21 Lugarez, e Contas tomadas ao Thezr. o
geral dos Indios dos annos de 1757, e 1758”, de 04/11/1760. AHU ACL CU 013, Caixa 57, Documento
4340. As palavras foram separadas, mas a grafia foi mantida.
2. As datas e as três últimos locais se referem a 26/06/1761, na Capitania do Pará. AHU ACL CU
013, Caixa 49, Documento 4519: “Rellação daz Villaz, E Lugares, e do N. O doz Indios seus Moradores e
sua destribuicam”. As palavras foram separadas, mas a grafia foi mantida.

108
Tabela 02: Moradores da Capitania do Rio Negro Aptos a Pegar em Armas em
1764210

Vilas, Aldeias e Fortalezas Brancos Índios


Marabitanas 00 105
Cachoeira 00 98
Lama Longa 00 39
Tomar 07 130
Moreira 06 50
Barcelos 12 120
Poiares 02 88
Carvoeiro 07 37
Moura 06 100
Airão 02 22
Fortaleza do Rio Negro 00 31
Borba 15 90
Serpa 01 33
Silves 13 54
Alvelos 01 28
Ega 04 43
Nogueira 01 32
Alvarães 04 22
Fonte Boa 01 27
Castro de Avelães 02 42
Olivença 05 68
Javari 01 24
Soma 90 1283

210
Tabela feita a partir de: Quadro 01 e 02, ROCHA, Rafael Ale. Levantes e deserções militares na
Amazônia pombalina. Trabalho de Conclusão de Curso. Manaus: UFAM, 2006. Pp. 44 e 45.
109
Tabela 03: Cidades/Ano – Ordenança

17 17 17 17 17 17 17 17 17 17 17 17
? Total
55 58 59 62 63 64 66 68 69 70 71 72
Aldeias no
02 02
Pará*
Aldeia/Vila de
01 01 02
Mortuguza
Lugar de
03 03
C[c]a[c]rena
Lugar de
01 01
Poyares
Aldeia/Vila de
(Santo
04 04
Antonio do)
Gurupá
Vila Nova de
01 01
Ourém
Vila de
01 01
S[c]ntra
Vila de
41 01 12
Macapá
Belém do Pará 01 01 04 01 02 02 11
Capitania do
01 28 10 39
Pará
Vila de São
13 01 14
José do Javary
Fortaleza de
01 01 02
Maranbitenas
Capitania do
01 01
Rio Negro
Capitania do
06 02 01 09
Maranhão
Capitania do
48 48
Piauí
Sem Lugar 02 01 02 05
*: São as aldeias de: Cametâ, São José de Maytapûe.
[c]: são as letras corroídas.

110
Tabela 04: Auxiliares

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


1761 00 01
Praça/Cidade do 1767 00 03
Pará/Belém do Pará 1769 00 02
1771 00 01
1767 00 03
Vila de São José do
1768 00 01
Macapá
1770 00 01
1767 00 01
Capitania do Pará
Mestre de 1769 00 01
Campo Vila de Mazagão 1770 00 01
1766 00 01
Capitania de São José do
1769 00 01
Rio Negro
1772 00 01
1769 00 01
Capitania do Maranhão
1770 00 01
1770 00 01 (ex-)
Capitania do Piauí 1771 00 01
1772 00 01
Total 1761-1772 00 23
Um que está na Vila de S. José do Macapá (1770), esta também no Pará em 1767, pois não se
sabe o lugar especifico. E 02 que aparecem como Pará depois estão apenas no 1º lugar: Belém.

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Vila de São José do
1760 00 01
Macapá
Vila de Gurupâ 1762 00 01
Vila de Ourém 1765 00 01
Belém do Pará 1767 00 02
Vila de São José do
Sargento Mor 1768 00 01
Macapá
Belém do Pará 1768 00 01
Capitania de São José do
1770 00 01
Rio Negro
1762 00 01
Sem Lugar
1770 00 01
Total 1760-1770 00 10

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Sargento Mor de Tauaparâ 1751 00 01
Aldeia Joannes 1752 00 01
Parâ 1752 00 01
Urubacuara 1752 00 01
Iary^ 1752 00 01
Gurupý 1752 00 01
São José do Igarapé
1752 00 01
Grande
Iamundâz 1752 00 01
Anajatuba 1752 00 01
Maturû 1752 00 01
Itacruza 1752 00 01
111
Trocano 1752 00 01
Sumauona 1753 00 01
Abacaxiz^ 1753 00 01
Conceição do Igarapé
1753 00 01
Grande
Topajôz 1753 00 01
Tefé 1753 00 01
Guaricurû 1754 00 02
Gurupatuba 1754 00 01
Vila Nova de Beja 1757 00 01
Vila do Conde 1757 00 01
Lugar de São Francisco de
1757 00 01
Morihia
Vila de Melgaço 1758 00 01
Vila de Por[c]hem 1761 00 01
Sem Lugar 1752 00 02
Total 1751-1761 00 27
Obs.: A excessão dos locais onde diz: vila e lugar, todos os outros são aldeias.

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Ajudante do 1760 00 01
Terço dos Belém do Pará
1761 00 01
Auxiliares
Total 1760-1761 00 02

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


1769 00 01
Belém do Pará
1771 00 01
Cidade do Pará 1772 00 02
Ajudante do
Vila de Bragança 1772 00 01
Numero de
Vila de Mazagão 1770 00 01
Infantaria
Vila de São José do
1769 00 01
Macapá
Capitania do Piauí 1771 00 01
Total 1769 00 08

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Ajudante de Joannes 1752 00 01
Aldeia Inajatuba 1752 01 01
Gurupý 1752 01 01
Urubuorara 1753 01 01
Guraiyatuba 1753 00 01
Conceição do Igarapé
1753 00 01
Grande
Topajôs 1753 01 01
Parajô 1754 00 01
Sumauma 1755 00 01
1756 00 01
Maracanã
1772 00 01
Mortuguza 1756 00 01
Lugar da Ponte de Pedra 1757 00 01
Vila do Conde 1757 00 01
Vila de Bragança 1757 00 01
112
Aldeia de Piravirý 1757 01 01
Vila de Ourém 1758 00 01
Vila de Chaves 1761 00 01
Vila de Oeyras 1761 00 01
Vila de Soure 1761 00 01
Vila de Obidos 1762 00 01
Vila de Monforte 1762 00 01
Lugar de Nossa Senhora
1762 00 01
do Posto Salvo
Lugar de Mordim 1762 00 01
o
Lugar de Outr. 1762 00 01
Total 1752-1771 05 25
Obs.: A exceção dos locais onde diz lugar e vila o resto é aldeia.

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


1769 00 01
Belém do Pará
1772 00 01
Ajudante Supra
Vila de Mazagão 1772 00 01
Capitania do Rio Negro 1772 00 01
Total 1769-1772 00 04

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Belém do Pará 1761 00 01
1771 00 01
Cidade do Pará
1772 00 01
Vila de Vigia 1765 00 02
1769 00 05
Mazagão
1771 00 01
Lugar de Bemfica 1770 01 01
Vila de Santo Antonio de
1762 00 01
Gurupá
1769 00 14
Capitania do Pará 1770 00 01
? 00 01
Capitão dos Estado do Pará 1769 00 01
Auxiliares Vila de São José do
1771 00 01
Macapá
Fortaleza de Maranbitenas,
Capitania de São José do ? 00 01
Rio Negro
Capitania de São José do
1770 00 01
Rio Negro
Cidade do Maranhão ? 00 01
Capitania do Piauí 1771 00 25
1765 01 01
1769 00 01
Sem Lugar
1770 00 02
? 00 01
Total 1761-1771 02 64

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Capitão de Belém do Pará 1759 00 01
113
1761 00 01
1762 00 01
1763 00 01
1768 00 03
1770 00 01
1759 00 01
1766 00 01
Capitania do Pará
1769 03 03
1770 15 15
Vila do Macapá 1770 09 09
Vila de Mazagão 1771 00 04
Infantaria
Fortaleza de Maranbitenas, 1759 01 01
Capitania de São José do 1766 02 02
Rio Negro 1769 03 03
Capitania de São José do
1772 00 02
Rio Negro
Capitania do Maranhão 1770 00 02
Capitania do Piauí 1771 00 10
1761 00 01
1769 00 01
Sem Lugar
1771 00 02
1772 00 01
Total 1759-1772 33 66

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Capitão de
Belém do Pará 1763 00 01
Granadeiros
Total 1763 00 01

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Vila de São José do
1768 00 02
Capitão de Macapá
Cavalaria Ilha de Joannes 1770 00 01
Auxiliar Distrito de Iguarâ 1770 00 01
Sem Lugar 1770 00 02
Total 1768-1770 00 06

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Capitão de Maracanã 1751 00 01
Aldeia Joannes 1752 00 01
Jesus 1752 00 01
São José 1752 00 01
Jesus do Igarapê Grande 1752 01 02
Santa Ana do Macapá 1752 00 02
Parâ 1752 00 01
Urubucuara 1752 00 01
Iar^y 1752 00 01
Guariurû 1752 01 01
Gurupý 1752 01 01
Gurupatuba 1752 01 02
Anajatuba 1752 00 01
Tapajôz 1752 00 01
Tefé 1752 00 01
114
1753 00 01
Piravir^y 1752 00 01
Bourarý 1753 01 01
1753 00 01
Parajô
1754 00 01
Caabý 1753 01 01
Santo Ignacio 1753 01 01
Conceição do Igarapé
1753 00 01
Grande
São Francisco Xavier dos
1753 00 01
Sulimões
Anibâ 1753 01 01
Curuámanema 1753 00 01
Santa Anna dos Pauxy 1753 00 01
Comarú 1754 00 01
Mortigura 1754 00 01
Guancurû 1755 01 01
São José de Maytapûz 1755 00 01
Nova Vila de Ourém 1757 00 01
Vila de Alter do Chão 1757 00 01
Lugar de [c]Siu[c] 1757 00 01
Vila Nova de El Rey 1757 00 01
Lugar de Parada 1757 00 01
Nova Povoação do Ryo
1757 00 01
Capim
Vila Nova de Bragança 1758 00 01
Lugar de Mondim 1758 00 01
Vila de Santarém 1759 00 01
Vila de Salvaterra 1759 00 01
1759 01 01
Vila de Chaves
1761 00 01
Lugar de Bemfica 1760 00 01
Vila de Porto de Moz 1761 00 01
Vila de Melgaço 1762 00 01
1752 00 01
1754 00 01
Sem Lugar
1755 00 01
? 00 01
Total 1751-162 08 53
Obs.: Em 1752 tem apenas 01 para as três Jesus; São José; Jesus do Igarapé Grande na sua
nação. A exceção dos lugares onde diz lugar e vila é aldeia.

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Vila de São José do
1770 09 09
Macapá
Aldeia de Joannes 1752 00 01
Fortaleza de Maranbitenas,
Alferes de Cap. de S. José do Rio 1769 08 08
Infantaria Negro
Capitania do Maranhão 1770 00 02
Capitania do Piauí 1771 00 09
1769 02 03
Sem Lugar
1770 01 01
115
Total 1752-1770 20 33

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Alferes de São José do Macapá 1770 00 01
Cavalaria Cidade do Maranhão 1771 00 02
Total 1770-1771 00 03

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Vila de Mazagão 1770 00 01
Sargento de
Capitania do Maranhão 1770 00 01
Infantaria
Capitania do Piauí 1770 00 01
Total 1770 00 03

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Cidade do Pará 1769 00 02
1769 08 08
Capitania do Pará
1770 00 01
Vila de São José do
1770 09 09
Macapá
Sargento do
Fortaleza de Maranbitenas,
Numero
Capitania de S. José do 1769 10 10
Rio Negro
Capitania do Piauí 1771 00 01
1769 03 03
Sem Lugar
? 02 02
Total 1769-1771 32 36

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Vila de Santo Antonio do
1762 00 01
Sargento Gurupá
Sem Lugar 1762 00 01
Total 1762 00 02

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Capitania do Pará 1769 12 12
Mazagão 1771 00 01
Vila de São José do
1770 10 10
Sargento Supra Macapá
Capitania do Rio Negro 1769 00 01
Fortaleza de Maranbitenas,
1769 10 10
Capitania do Rio Negro
Total 1769-1771 32 34

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Furriel de
Capitania do Maranhão 1771 00 02
Cavalaria
Total 1771 00 02

Estado do Grão-Pará e
Todos os Cargos
Maranhão

116
Tabela 05: Ordenanças

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Sargento Mor de
Capitania do Piauí 1771 00 04
Cavalaria
Total 1771 00 04

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Ajudante do
Maranbitenas 1764 00 01
Terço
Total 1764 00 01

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Ajudante de
Vila de S[c]ncra 1762 00 01
Aldeia
Total 1762 00 01

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Ajudante do
Numero de Belém do Pará 1769 00 01
Infantaria
Total 1769 00 01

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Ajudante Supra Vila de Macapá 1772 00 02
Total 1772 00 02

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Aldeia de Cametâ 1755 00 01
Aldeia de São José de
1755 00 01
Maytapûe
Aldeia de Mortuguza 1755 00 01
Lugar de B[c]a[c]rena 1758 00 01
Belém do Pará 1759 00 01
Capitão Mor
Lugar de Poyares 1762 00 01
Aldeia do Gurupá 1762 00 01
Vila de Santo Antonio
1762 00 01
Gurupâ
Vila de Monsaraz 1763 00 01
Vila Nova de Ourém 1764 00 01
Total 1755-1764 00 10

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Capitão dos Vila de Santo Antonio do
1762 00 01
Auxiliares Gurupá
Total 1762 00 01

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Capitão de Belém do Pará 1768 00 03
Infantaria Capitania do Pará 1770 09 09
Fortaleza de Maranbitenas 1769 01 01
Vila de São José do Javary 1769 07 07
117
? 00 01
Vila de Macapá 1770 09 09
1769 02 03
Capitania do Maranhão
? 00 01
Capitania do Piauí 1771 00 08
1769 03 03
Sem Lugar
? 01 01
Total 1768-1771 32 46
Em Javary (02), Sem Lugar (02) e Maranhão (01) = estão todos datados como 1769.
A Capitania do Piauí inclui: Cidade de Oeyra (02), Vila de Valença, Vila de Jaromenga, Vila
de Pamagoá, Vila de Campo de Mayor, Vila de Marvão, Vila de São José de Parmayba.

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Capitania do Piauí 1771 00 13
Capitão de
? 00 01
Cavalaria Sem Lugar
1771 00 01
Total 1771 00 15

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Capitão dos
Belém do Pará 1766 00 01
Forasteiros
Total 1766 00 01

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Vila de S. José do Macapá 1770 11 11
Vila de Santo Antonio do
1762 00 01
Gurupâ
1769 01 01
Capitania do Pará
Alferes de 1770 10 10
Infantaria Vila de S. José do Javari 1769 06 07
Capitania do Rio Negro 1770 00 01
Capitania do Maranhão 1769 03 03
Capitania do Piauí 1771 00 08
Sem Lugar 1769 02 02
Total 1769-1771 33 44

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Alferes de
Capitania do Piauí 1771 00 10
Cavalaria
Total 1771 00 10

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


Sargento de
Capitania do Maranhão 1770 00 02
Infantaria
Total 1770 00 02

Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas


1771 00 01
Cidade do Pará
1772 00 01
Sargento do
Capitania do Pará 1770 10 10
Numero
Vila de S. José do Macapá 1770 10 10
Capitania do Piauí 1771 00 07
Total 1770-1772 20 29
118
Cargo Lugar Ano Índio Total de Pessoas
1771 00 01
Cidade do Pará
1772 00 01
Capitania do Pará 1770 09 09
Sargento Supra
Vila de São José do
1770 11 11
Macapá
Capitania do Piauí 1771 00 08
Total 1770-1772 20 30

Total de
Lugar Ano Índio
Todos os Pessoas
Cargos Estado do Grão- Pará e
1755-1772 114 196
Maranhão

119

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