Você está na página 1de 104

Língua Portuguesa:

Fonética e Fonologia
Professor Esp. Sérgio Aparecido Carneiro
AUTOR

Professor Esp. Sérgio Aparecido Carneiro

Possui graduação em Letras – Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portu-


guesa – pela Universidade Estadual de Maringá.
Fez especialização em Docência do Ensino Superior na Faculdade de Tecnologia
América do Sul, em Maringá.
Tem experiência no ensino de Língua Portuguesa para os níveis médio e superior.
Atualmente tem se dedicado ao estudo da análise linguística relacionada à alfabetização e
ao letramento.
Link do Currículo Lattes:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4798419H0
APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

Você está iniciando a disciplina de “Língua Portuguesa: Fonética e Fonologia”.

O objetivo fundamental aqui é promover reflexões sobre o funcionamento dos sons que

formam as palavras em Língua Portuguesa, com destaque à questão sonora em Português

usado no Brasil. O material que redigi para você é composto de quatro unidades.

Na Unidade I, apresento algumas questões gerais sobre a diferenciação dos cam-

pos de estudo da Fonética e da Fonologia e mostro também como esses dois ramos do

saber linguístico estão relacionados. Destaco Ferdinand de Saussure como marco inicial

do Estruturalismo. Apresento sua discussão sobre os conceitos de língua (langue) e fala

(parole) e outras questões ligadas aos seus estudos.

Apresento também a Alfabeto Fonético Internacional (AFI) e o direciono aos símbo-

los mais necessários para o estudo dos sons do Português usado no Brasil. É um primeiro

contato com a representação dos sons da fala através de símbolos específicos. Além disso,

na primeira unidade, você vai pensar na relação entre os sons do nosso idioma e sua

correspondência com o sistema ortográfico. Trata-se de um tópico muito importante que,

inclusive, pode despertar sua curiosidade por investigar melhor o nosso sistema ortográfico.

Na Unidade II, apresento os órgãos envolvidos na produção da voz humana e o

papel desses órgãos na hora de articular sons específicos como os sons orais e os nasais,

por exemplo. Você vai fazer comigo uma análise dos sons vocálicos e consonantais e suas

peculiaridades no uso brasileiro da Língua Portuguesa. Trata-se de um estudo muito escla-

recedor sobre uma série de questões relevantes para a compreensão do idioma usado no

Brasil. E essa unidade também vai tratar da transcrição fonética, que é um assunto capaz

de levar você a entender melhor muitas variações de pronúncias, por exemplo, para uma

mesma palavras no nosso país.


Na Unidade III, você fará comigo um caminho teórico sobre as perspectivas do
Estruturalismo e do Gerativismo, na busca de compreender melhor os sons da voz humana.
Apresento o conceito fundamental para os estudos fonológicos: os traços distintivos. A partir
desse conceito, você entenderá melhor os campos de atuação da Fonética e da Fonologia.
Entenderá também o conceito de fonema e as marcas (os traços) capazes de diferenciar
fonemas no nosso idioma. Também estabeleço paralelos entre a transcrição fonética e a
transcrição fonológica das palavras.

Na Unidade IV, você vai ter reflexões muito instrutivas relacionando os conhecimen-
tos fonéticos e fonológicos com o processo de alfabetização. Veremos como a educação
linguística favorece esse processo. Além disso, traço uma perspectiva de ensino inicial do
idioma e de alfabetização, que procura relacionar os sons da fala com o sistema ortográfico
da Língua Portuguesa e busca promover situações reais de uso da fala e da escrita, o
chamado letramento. Por fim, convido você a pensar num tópico muito importante para uma
língua falada num território tão grande como o Brasil: a variação linguística e o preconceito
linguístico.

Seja muito bem-vindo(a) a este estudo feito pra você...


SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 6
Introdução à Fonética e à Fonologia

UNIDADE II.................................................................................................... 26
Fonética

UNIDADE III................................................................................................... 50
Fonologia

UNIDADE IV................................................................................................... 76
Fonética, Fonologia e Ensino
UNIDADE I
Introdução à Fonética e à Fonologia
Professor Esp. Sérgio Aparecido Carneiro

Plano de Estudo:
● Fonética e Fonologia: questões gerais;
● O alfabeto fonético;
● A relação de correspondência entre letra e som no português brasileiro.

Objetivos de Aprendizagem:
● Conceituar Fonética e Fonologia;
● Delimitar o campo de análise linguística da Fonética e da Fonologia;
● Discutir tópicos sobre o Estruturalismo em Ferdinand de Saussure;
● Apresentar o alfabeto fonético, destacando os fones do Português do Brasil;
● Discutir a relação entre letra e som no Português do Brasil;
● Iniciar a discussão sobre os desafios da alfabetização ligados à relação entre letra e
som no Português do Brasil.

6
INTRODUÇÃO

Caro (a) aluno (a), você está iniciando comigo os estudos sobre Fonética e Fono-
logia com destaque à Língua Portuguesa falada no Brasil. O que será apresentado nesta
primeira unidade ajudará você a compreender melhor as unidades seguintes. Sem descui-
dar do rigor teórico, procuro facilitar a linguagem para tornar seu estudo bem produtivo.
Esta unidade é composta por três tópicos. No primeiro, “Fonética e Fonologia:
questões gerais”, procuro mostrar os campos de estudo específicos da Fonética e da Fo-
nologia e a aplicação atual desses estudos. Apresento também alguns questionamentos
importantes sobre o marco histórico da Linguística, com Ferdinand de Saussure e o início
do Estruturalismo.
No segundo tópico, “O alfabeto fonético”, apresento as consoantes, as semivogais
e as vogais do Português do Brasil. E mostro como se faz a transcrição dos sons (fones) de
nosso idioma, obedecendo ao Alfabeto Fonético Internacional (AFI). É uma primeira noção
que será desenvolvida nas próximas unidades. Com esse estudo, você terá uma visão
ampliada da variedade de sons do Português do Brasil e até passará a entender melhor os
dicionários de língua estrangeira quando explicam o funcionamento de alguma pronúncia.
No terceiro tópico, “A relação de correspondência entre letra e som no português
brasileiro”, eu começo a mostrar as relações óbvias e as mais curiosas entre letra e som
(fone, fonema) no nosso idioma. Esse tópico é bem interessante e objetiva também levar
você e eu à consciência de que estudar Fonética e Fonologia pode melhor nossa com-
preensão da ortografia e auxiliar o trabalho do professor que alfabetiza.
Os estudos dessa unidade iniciam um processo seu de maior conhecimento do
idioma usado no Brasil. Eu garanto a você que essa é uma viagem que vale a pena...

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 7


1 FONÉTICA E FONOLOGIA: QUESTÕES GERAIS

Fonética e Fonologia são estudos linguísticos inter-relacionados. Ambas “inves-


tigam como os seres humanos produzem e ouvem os sons da fala” (SEARA; NUNES;
LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p.11). É claro que cada uma delas tem suas especificidades.
E, dependendo da corrente linguística e das evoluções históricas dos estudos, os enfoques
podem mudar também.
Pense em todos os órgãos e regiões anatômicas envolvidos na produção da fala
humana. Diafragma, pulmões, traqueia, laringe, glote, cordas vocais, cavidade oral e ca-
vidades nasais, língua, palato duro (céu da boca) e palato mole (parte traseira do céu
da boca), dentes, alvéolos que envolvem os dentes, boca, língua, lábios e principalmente
o cérebro. Todos eles colaboram na produção dos sons da fala. Já para entender uma
mensagem, a audição e o cérebro entram em cena. E só vai haver comunicação se falante
e ouvinte dominarem a mesma língua. Entender esse funcionamento é objeto de estu-
do da fonética, que obviamente vai precisar de outros conhecimentos auxiliares, como a
anatomia humana, a acústica da física para analisar sons em laboratórios, a psicologia, a
neurociência, eventualmente até a filosofia, a sociologia etc.. Os aspectos fundamentais
da articulação e produção dos sons da fala humana serão detalhados nas Unidades II e III,
priorizando os sons (fones e fonemas) em Português do Brasil (PB).
Assim, a fonética estuda como se dá a produção dos sons da fala humana e a
recepção desses sons, os chamados fones. Isso seria possível dentro do estudo das

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 8


mais variadas línguas. Em se tratando de uma língua específica, como é o meu e o seu
interesse, caro aluno, neste estudo sobre o Português do Brasil (PB), as investigações da
fonética focalizadas serão principalmente as variações de produção de um mesmo som
(fone) do nosso idioma. Por exemplo, as ocorrências de pronúncias variadas no PB do
som representado pela letra “r” em final de sílaba, como ocorre com a palavra “amor”. Aqui
haveria um encontro constante de perspectivas da Fonética e da Fonologia.
“É a partir do século XIX que a fonética, entendida como ciência dos sons e sua
classificação, começa a se constituir como um domínio definido nos estudos das línguas
[...]” (CALLOU; LEITE, 2009, p. 48).
E, ainda segundo CALLOU e LEITE (2009, p. 53), há necessidade de avançarem
os estudos fonéticos:
Apesar de todo esse progresso, ainda permanecem não de todo claras, dada
a sua complexidade, as inter-relações entre a produção da fala e o sinal acús-
tico dela resultante, principalmente no que diz respeito ao mapeamento entre
o sinal e a sequência de símbolos discretos, tal como os propostos pela fo-
nética articulatória nos alfabetos fonéticos. Ainda não estão completamente
resolvidos os princípios de segmentação e de discriminação de um registro
acústico. (CALLOU; LEITE, 2009, p. 48).

Pensemos um pouco agora na Fonologia. Ela também se ocupa da produção e


recepção dos sons da fala. Mas há uma mudança de perspectiva. A fonologia focaliza os
traços distintivos de uma língua, os chamados fonemas. Ela se ocupa de estudar as diferen-
ças sonoras capazes de alterar o significado de palavras. Por exemplo, as palavras “mata”
e “nata” têm significados diferentes devido ao primeiro som / m / e / n /, que respectivamente
(são lidos como fonemas “mê” e “nê”). Aqui não interessa a letra, mas o som representado.
Ela vai investigar onde estão os traços distintivos entre essas duas palavras e vai descrever
isso. E vai também postular regras que expliquem as situações linguísticas capazes de
promover distinção de significado.
Um fato atual importante é que o interesse de várias profissões tem crescido em
relação aos estudos da Fonética e da Fonologia:
Alfabetização: É indispensável para os professores que atuam na alfabetiza-
ção, quer de adultos, quer de crianças o conhecimento de Fonética e noções
sobre o funcionamento da Fonologia de sua língua, para que esses profes-
sores melhor atendam às necessidades de seus alunos. Existem técnicas fo-
nológicas que, empregadas em atividades com os alunos, podem fazê-los se
debruçar com interesse sobre os fatos da língua. Além disso, é fundamental
saber lidar com essas variações, para relacioná-las aos elementos gráficos.
Especialmente em relação às variações fonéticas que sofrem influências de
natureza social, a sua compreensão permite lidar mais adequadamente com
o preconceito variação fonético-fonológica - que sempre vai existir - e levar o
aluno a compreensão que permite lidar mais adequadamente com o precon-
ceito linguístico que pode surgir na sala de aula. (SEARA; NUNES; LAZZA-
ROTO-VOLÇÃO, 2011, p.14 e 15).

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 9


Ainda citando Seara, Nunes e Lazzarato-Volção (2011, p.15 e 16), o estudo de
línguas, a fonoaudiologia, a fonética forense, a tradução e as tecnologias de fala (criação
de tecnologias para mediar a comunicação através da fala entre o homem e a máquina) são
estudos que têm espaço na atualidade e que precisam da Fonética e da Fonologia.

1.1 UM MARCO HISTÓRICO NOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS

Segundo Rodrigues (2008, p. 1-4), o conhecimento linguístico do século XX teve


grande influência da obra Curso de Linguística Geral, lançada na França, em 1916. Essa
obra é trabalho de discípulos do linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857 – 1913),
que havia ministrado três cursos de Linguística Geral a seus alunos da Universidade de
Genebra, entre 1907 e 1911. É a partir dessa obra dos discípulos de Saussure, que toda a
sua perspectiva frente aos estudos linguísticos ficará conhecida e será ampliada, revisitada
e até repensada pelos estudos linguísticos futuros.
Saussure viveu num momento em que se buscava dar rigor científico aos estudos
de linguagem. Utilizando a indução (parte-se da observação de fatos particulares até se
possibilitar generalizações), chegou ao método chamado de Estruturalismo e definiu o
objeto de estudo da Linguística: a língua.
Saussure dedicou toda a sua vida à produção de uma obra que implantasse
nos estudos linguísticos um modelo metodológico capaz de imprimir a tais
estudos o rigor científico almejado. A precisão na delimitação do objeto dessa
ciência é parte fundamental desse processo de constituição. É exatamente
por isso que ele é considerado o linguista cujas elaborações teóricas propi-
ciaram o desenvolvimento da linguística científica e estabeleceram a base do
pensamento sobre a linguagem no século XX. Seja ao desenvolver o pensa-
mento saussuriano, seja ao questioná-lo, ou ambos, a produção teórica sobre
língua e linguagem durante todo o século passado esteve relacionada, de
alguma maneira, à obra do linguista genebrino. (RODRIGUES, 2008, p. 7).

Ele utiliza o conceito marxista de “fato social” adaptado também ao funcionamento


da língua enquanto um sistema maior ao qual o indivíduo pertence, está sujeito e não
consegue mudar sozinho. Pelo menos uma de suas maneiras de conceituar “língua” rela-
ciona-se ao “fato social”:
Para ser um fato social o fenômeno teria de atender às características de
generalidade, exterioridade e coercitividade, fazendo com que as pessoas
sintam, pensem e façam aquilo que já é esperado delas pela sociedade. Esse
conceito está na base do aspecto social da língua, e se traduz pelo conceito
de sistema presente na obra saussuriana. (RODRIGUES, 2008, p. 5)

Quero aqui destacar os conceitos de “língua” e “fala” segundo o Curso de Linguística


Geral. Rodrigues (2008, p. 8), mostrando a importância dos estudos de Saussure, destaca
“língua” e “fala” como conceitos que se opõem:

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 10


Tal obra divulga, assim, os conceitos basilares de uma nova ciência, a linguís-
tica. Define o objeto dessa ciência, a língua. Isola, ou distingue esse objeto
dos demais fatos da linguagem. Caracteriza linguagem em oposição à língua.
Caracteriza a língua em oposição à fala, à escrita e a outros códigos de lin-
guagem. Ademais, ao estabelecer toda essa abstração teórica, suscita um
método capaz de imprimir rigor aos estudos linguísticos, até então orientados
pela subjetividade ou pela inadequação do método empregado nas ciências
naturais, a saber, um método adequado aos estudos sociais, o estruturalis-
mo. (RODRIGUES, 2008, p. 8).

A “língua” (langue – termo em francês normalmente usado) aparece como um sis-


tema abstrato de possibilidades de comunicação, derivada de um contrato social, ou como
um “sistema virtual que existe no cérebro” (SILVA; MILANI, 2011, p. 9-11). Por um lado, a
língua é apresentada como social, coletiva e externa ao indivíduo; mas, por outro lado,
também aparece como um sistema linguístico internalizado pelo indivíduo. Essa dualidade
apresentada pelo conceito de “língua” no Curso de Linguística Geral já rendeu muita dis-
cussão teórica, mas extrapola os objetivos do nosso estudo neste material.
A “fala” (parole - termo em italiano normalmente usado) seria a realização da “língua”,
ocorre na hora em que o indivíduo faz uso pessoal de um sistema linguístico abstrato. É o
momento em que pela inteligência e vontade o indivíduo faz uso real da “língua”. E Silva e
Milani (2011, p. 15) contribuem para esclarecer o conceito de “ fala”: “[...] poderá escolher o
que dizer e como dizer. Poderá selecionar algumas palavras e não outras; poderá escolher
um tom mais alto ou mais baixo; poderá escolher entre uma variante mais ou menos formal;
poderá ser criativo no uso da língua”.
Saussure define o signo linguístico como portador de “significado” (o que a palavra
quer dizer) e “significante” (a imagem acústica, o som). Haveria uma ligação arbitrária entre
o significado e o som, para cada palavra dentro de uma língua. E, com a evolução da
história de cada palavra numa língua, o significado pode ser alterado:
Em consequência ao princípio de arbitrariedade, podemos dizer que um sig-
no pode desfazer a sua união, que um significante pode unir-se a outro signi-
ficado qualquer, reciprocamente. Dessa forma a união que resulta num signo
não é eterna, um significante não está colado a um significado, isso permite
que uma língua se transforme, permite a variabilidade de sons e sentidos
(CUNHA, 2008, p. 4)

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 11


2 O ALFABETO FONÉTICO

O Alfabeto Fonético Internacional (AFI) ou em inglês (IPA – International Phonetic


Alphabet) foi criado pela Associação Fonética Internacional como forma de padronizar a
representação dos sons das línguas humanas. E vem sendo constantemente atualizado e
aprimorado.
Ele foi desenvolvido por foneticistas com o patrocínio da Associação Fonética
Internacional. Apresenta uma notação padrão para a representação fonética
de todas as línguas do mundo. A maior parte de suas letras originaram-se
do alfabeto romano, e algumas do grego. Seus símbolos dividem-se em três
categorias: letras (representando sons básicos), diacríticos (que auxiliam a
melhor especificar esses sons básicos) e suprassegmentos (que denotam
características como: velocidade, tom e acento tônico). (SEARA; NUNES;
LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 62)

Nesta unidade, priorizei os fones (sons) do Português do Brasil (PB). Serão apre-
sentadas as consoantes, as vogais e as semivogais. A transcrição desses sons é feita entre
colchetes. A transcrição fonética envolve, dependendo da discussão feita e do som em
questão, uma série de pronúncias possíveis. Isso será feito, nas unidades seguintes. Aqui
será apresentada apenas uma pronúncia ampla dos fones. Observe que estamos falando
de sons. Normalmente, esses sons são representados por letras que já usamos no nosso
alfabeto. Mas, eventualmente, aparecem outros símbolos para darem conta da variedade
sonora do Português do Brasil. Caro aluno, o que pode lhe parecer complexo, num primeiro
momento, com um pouco de estudo e acompanhando o direcionamento das quatro unida-

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 12


des deste estudo, você verá que é relativamente simples compreender o sistema fonético
e fonológico em nosso idioma.
A divisão tradicional entre vogais e consoantes em nível de articulação deve
ser entendida a partir da liberação do fluxo de ar dos pulmões. Nas vogais,
não há nenhum impedimento a essa passagem de ar, ou seja, os segmentos
vocálicos são produzidos com o fluxo de ar passando livremente ou prati-
camente sem obstáculos (obstruções ou constrições) no trato vocal. Já as
consoantes são articuladas a partir de alguma obstrução no trato oral, seja
ela parcial ou total. Uma outra diferença entre esses dois tipos de sons é que
as vogais são vozeadas, isto é, são produzidas com a vibração das pregas
vocais, enquanto as consoantes podem ou não ser produzidas com vibração
das pregas vocais. Assim podem ser vozeados ou não-vozeados. (SEARA;
NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 25)

As consoantes, semivogais e vogais apresentadas a seguir tiveram como fonte


de pesquisa a obra “Fonética e fonologia do português brasileiro: 2º período” (SEARA;
NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 25 - 61), com exemplificações e mínimas adap-
tações criadas por este autor.

2.1 As consoantes do português do Brasil

[ p ] como nas palavras “padre”, “operário”...


[ b ] como nas palavras “boi”, “barco”...
[ t ] como nas palavras “tarde”, “todo”...
[ d ] como nas palavras “dedo”, “mercado”...
[ k ] como nas palavras “casa”, “acontecimento”, “queijo” (nesta última palavra, é o
grupo de duas letras “qu” que representa o som [ k ])...
[ g ] como nas palavras “gaiola”, “gota” e “guitarra” (nesta última palavra, é o grupo
de duas letras “gu” que representa o som [ g ])...
[ f ] como nas palavras “fico”, “fumaça”...
[ v ] como nas palavras “vozes”, “avesso”...
[ s] como nas palavras “saia”, “cidade”, “máximo”, “descer”, “assento” (nas duas
últimas palavras, são os grupos de duas letras “sc” e “ss” que representam o som [ s ])...
[ z ] como nas palavras “azedo”, “zorra”...
[ ʃ ] como nas palavras “mexer”, “xarope”, “xadrez”, “chuva”, “achar” (nestas duas
últimas palavras, o grupo de duas letras “ch” é que representa o som [ ʃ ])...
[ ʒ ] como nas palavras “jantar”, “ajuda”, “girafa”, “gente”...
[ l ] como nas palavras “lua”, “aliado”...
[ ʎ ] como nas palavras “malho”, “palhaço” (observe como se trata do grupo de
duas letras “lh” representando o fone [ ʎ ])...

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 13


[ ɾ ] como nas palavras “careta”, “marinha”...(Vão existir outros símbolos, depen-
dendo da variante sonora transcrita. Eles serão apresentados depois).
[ ř ] como nas palavras ”remédio”, “carro” (observe, na última palavra, como se
trata do grupo de duas letras “rr” representando o fone [ ř ]). (Vão existir outros símbolos,
dependendo da variante sonora transcrita. Eles serão apresentados depois).

[ m ] como nas palavras “mata” e “amor”...


[ n ] como nas palavras “noite”, “anunciar”...
[ ɲ ] como nas palavras “minha”, “amanhecer”... (observe como se trata do grupo
de duas letras “nh” representando o fone [ ɲ ])...

2.2 As semivogais do português do Brasil

As semivogais ocorrem quando existe mais de som de vogal na mesma sílaba:


mei-ga, mau, i-guais. Esses sons serão representados aqui por [ y ] para o som de “i” e
[w] para o som de “u”. Optei pelo símbolo [ y ], que por vezes é representado por [ j ], para
facilitar nosso trabalho aqui. Esses fones apresentam-se como mais breves que as vogais.
E, numa sílaba em Língua Portuguesa, só há uma vogal, que será o núcleo dessa sílaba.
Portanto se aparentemente houver mais de uma vogal numa mesma sílaba, na verdade só
uma desempenha o papel de vogal formadora da sílaba e os demais sons de vogais são as
chamadas “semivogais”. Isso será detalhado nas unidades seguintes.

[ w ] como nas palavras “mau”, “desceu”...


[ y ] como nas palavras “Paraguai”, “sei”...

2.3 As vogais do português do Brasil

A análise dos sons vocálicos no Português do Brasil requer um estudo abrangente


que leva em consideração uma série de caraterísticas desses sons. Uma das primeiras
questões é o tipo de sílaba em que a vogal ocorre: tônica, pretônica, postônica, subtônica.
Isso será assunto para as unidades seguintes. Aqui somente apresentaremos essas vogais
e sua transcrição fonética ampla.

Vogais orais:
[ a ] como em “mala”, “vá”...
[ ɐ ] como em “pegada”, “leva”...

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 14


[ ɛ ] como em “fé”, “sério”...
[ e ] como em “dedo”, “apelido”...
[ ɔ ] como em “dó”, “forte”...
[ o ] como em “amor”, “nojo”...
[ i ] como em “vida”, “amigo”...
[ u ] como em “pulo”, “estúpido”...
[ ʊ ] como em “húmus”, “cavalo” (observe a pronúncia desse “o” final átono que soa
como “u”)....

As vogais nasais:
] como nas palavras “maçã”, “pantera”, “manhã”...
[ ẽ ] como nas palavras “pente”, “sempre”, “prenhez”...
[ ĩ ] como nas palavras “índio”, “sim”, “pinho”...
[ õ ] como nas palavras “corações”, “onça”, “bomba”...
[ ũ ] como nas palavras “untar”, “bumbum,” “(ele) punha”, “”...

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 15


3 A RELAÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA ENTRE LETRA E SOM NO PORTUGUÊS BRA-
SILEIRO

A correspondência entre letra (grafema) e os sons (fonemas e fones) é o objeto


desta seção do nosso estudo. Há várias situações que merecem ser observadas. Entendê-
-las pode auxiliar a diminuir dúvidas ortográfica na hora de escrever. Uma primeira situação
é quando há exata correspondência entre letra e som. “É o caso das consoantes ‘p’, ‘b’, ‘t’,
‘d’, ‘f ’, ‘v’, ‘m’ e ‘n’ em início de sílaba, e dos dígrafos ‘nh’ e ‘lh’ (HAUPT, 2012, p.240):

pato [ ‘patʊ ]
braço [ ‘brasʊ ]
tudo [ ‘tudʊ ]
duro [ ‘durʊ ]
favela [ fa ’vεlɐ ]
vaca [ ‘vakɐ ]
mico [ ‘mikʊ ]
nada [ ‘nadɐ]
milho [ ‘miʎʊ ]

Nesses casos acima, as letras representam sempre o mesmo som. Poderá haver,
no entanto, pequenas alterações de pronúncia sem modificarem o significado das palavras
e isso será detalhado nas próximas unidades.

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 16


Mas nem sempre há essa correspondência. Às vezes o mesmo som pode ser
representado por letras diferentes:

[ s ] santo, ciúmes, osso, próximo.


[ ʃ ] chance, ameixa.
[ g ] guerra, gota.
[ z ] asa, azia, exausto.
[ k ] cama, quilo.

Há também situações em que um único som é representado por duas letras. São
os chamados dígrafos:

ch [ ∫ ] - chuva, cheque…
lh [ ʎ ] - pilha, palhaço…
nh[ ŋ ] – ninho, banho…
ss [ s ] – passeio, assar…
sc [ s ] – descida, nascer…
sç [ s ] – desça, cresça…
qu [ k ] - queijo, quiabo…
gu [ g ] – guerrilha, guitarra…

Existem letras que não representam fonema algum. É o caso do “h’ em início de
palavras, apenas é usado porque deriva de alguma palavra que possuía “h”. As
letras “m” e “n” em final de sílabas também não representam som, só nasalizam a vogal
anterior:

herbanário, homem, hífen, hora....


bomba, ombro, sombra, ambiente...
antes, untar, ente, índio....

Pode ocorrer de uma letra representar sons diferentes, dependendo do contexto


linguístico em que ela esteja inserida:

Letra “x” – baixo [ ∫ ], nexo [ ks ], próximo [ s ], êxodo [ z ]...


Letra “s” – casamento [ z ], saúde [ s ]...

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 17


Letra “z” – azar [ z ], paz [ s ] (nesta última palavra, há mais possibilidades de
pronúncia)...
Letra “g” – goma [ g ], geada [ ʒ ]...

A letra “x”, em algumas palavras, pode representar dois sons [ks]: perplexo, anexo,
prolixo, sexo, conexão, maxilar, intoxicar...
Uma questão relevante é que o número de letras pode ou não coincidir com o
número de fonemas (sons que ainda serão detalhados nas unidades seguintes). Isso pode
se dar por vários motivos. A seguir apresento a palavra, a transcrição dos fonemas e o
motivo por não haver correspondência entre o número de letras e de fonemas:

Hoje – / ‘o ʒe / - 4 letras e 3 fonemas. O “h” inicial não representa fonema.


Táxi - / ‘taksi / - 4 letras e 5 fonemas. A letra “x” representa 2 fonemas, /ks/.
Descer - / de ‘ser / - 5 letras e 4 fonemas. As letras “sc” representam um fonema
só, /s/.
Macaco - / ma ‘kako / - 5 letras e 5 fonemas.

Há casos dependentes do contexto fonético (HAUPT, 2012, p. 240 e 241), que


poderiam ser destacados aqui. Por exemplo, o som [ k ], quando seguido das letras “a”, “o”,
“u” (ou dos sons [ a ], [ ɔ ], [ o ], [ u ]) será grafado com a letra “c”: casa, coisa, cunhado. Se
aparecem as vogais “e”, “i”, já vai haver necessidade do grupo de duas letras (dígrafo) “qu”
para produzir o mesmo som: aquele [ a’ keli ], máquina [ ‘makinɐ ].
O som [ g ] aparece seguido das vogais “a”, “o”, “u”: gato, goela, guarda. Para
representar o mesmo som seguido das vogais “e”, “i”, será necessário o grupo de letras
“gu”: gueto [ ‘getʊ ], guinada [ gi’ nadɐ ].
Sem querer aqui estender a lista em detalhes, ainda posso levantar casos inte-
ressantes, (HAUPT, 2012, p. 241) como o som [ z ] em início de palavra que sempre será
representado pela letra “z”: zebra, zangão, zoada, zangar... E o som [ ∫ ] representado pela
letra “x”, depois de ditongo: caixa, ameixa, feixe, faixa...

3.1 Relação entre letra e som no Português do Brasil: um desafio à alfabeti-


zação

Dependendo do tipo de variação linguística a que a criança em fase de alfabetiza-


ção esteja exposta, existirão dificuldades específicas para ela entender a relação entre o

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 18


som das palavras e a escrita. Esse é um fato importante, principalmente porque há várias
maneiras de pronunciar um vocábulo e só uma forma oficial de escrevê-lo.
Muitas podem ser as dificuldades nessa área. As palavras terminadas com a letra
“e” ou a letra “o” átonas normalmente são pronunciadas com os fones [ i ], [ ʊ ]. Então,
“osso” soa como [ ‘osu ] ou [ ‘osʊ ], como se costuma representar, e “pele” soa como [ ‘
pɛli ]. É comum, durante o processo de alfabetização, a criança grafar o final das palavras
“osso” e “pele”, respectivamente, com as letras “u”, “i”. A criança vai precisar entender que
se pronuncia de uma forma, mas se escreve de outra. 
Outra situação em que crianças se veem em dificuldades, é com o som  de “r” em
finais de verbos no infinitivo. Em muitas localidades brasileiras esse som não é pronunciado.
Daí a grafia, por exemplo, de “falar”, “comprar”, “vender”, poder ser feita, respectivamente,
como “falá”, “comprá”, “vendê”. 
Outra situação é quando alguns grupos de vogais (ditongos) são desfeitos na fala.
Por exemplo, “peixe’ soa como [ ‘peʃi ] ou [ ‘peʃe ]. O resultado pode ser a grafia “pexe”
ou “pexi”. O mesmo pode ocorrer com vocábulos como “faixa”, “caixa”, trouxe”, “couro”,
“ouro”... Novamente, a criança vai precisar entender que se pronuncia de uma forma, mas
se escreve de outra.
Outra dificuldade é o “h” no início de palavras. Ele só tem valor etimológico (quer
lembrar a origem do vocábulo). Como ele não representa nenhum som, saber empregá-lo
será mais um exercício de memorização. Dentre outras atividades úteis para usar esse “h”,
a leitura de textos variados auxilia a conhecer palavras como “haver”, “hífen”, “herói”, “hon-
ra”... Nessa questão, a criança precisará entender esse fenômeno da Língua Portuguesa:
uma letra que se coloca na palavra sem que ela represente som.
Existem situações em que a criança precisará entender que um mesmo som poderá
ser representado por letras diferentes. Pode ser necessário ajudar a criança a compreen-
der certas situações linguísticas e também a desenvolver atividades de memorização. É
o caso, dentre muitos outros, do som [ z ]. Esse som em início de palavra só poderá ser
representado pela letra “z”, como em “zero”, “zumbido”, zoológico”... Já no início de sílaba,
no interior de palavras, poderá ser representado pela letra “s”, quando entre duas vogais,
como em “asa”, “mesa”, “peso”. Além disso, na mesma situação da letra “s” pode aparecer
a letra “x” representando o mesmo som, como ocorre com “êxodo”, “exame”, “exagero”...
Não quero aqui fazer uma lista exaustiva. Mas muitas são as situações linguísti-
cas que precisam ser conhecidas pelo professor que alfabetiza e pelo professor de língua
materna no Brasil. A nasalidade conferida, por exemplo, pelo til, na palavra “maçã”, e pela

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 19


letra “n”, na palavra “hífen”, é idêntica, embora sejam soluções ortográficas diferentes.  A
pronúncia do “lh”, na palavra “palha”, por exemplo, é próxima da pronúncia das letras “li”,
na palavra “família”. O que pode levar uma criança a escrever “familha”. Aqui a consciência
dos sons da língua, a repetição, as brincadeiras com esses sons e uma série de palavras
para ilustrar as duas situações linguísticas podem ajudar a criança a alicerçar uma crença
adequada para esses sons e para as letras correspondentes.
Conhecer essas características do sistema ortográfico do português brasilei-
ro, de suas regularidades e irregularidades, é fundamental para o professor
de língua. Além disso, é também fundamental que o professor conheça as
diferentes variedades e os diversos falares de seus alunos. Consideramos
que debruçar-se sobre essas variedades é o primeiro passo para se fazer um
bom trabalho com a ortografia. Nessa perspectiva, o professor poderá enten-
der o que há por trás dos desvios ortográficos de seus alunos decorrentes
das transcrições da fala e de analogias que resultam em casos de hipercor-
reção, por exemplo. (HAUPT, 2012, p. 242).

REFLITA

O grande escritor Ariano Suassuna foi entrevistado por uma aluna que queria uma fala
sua sobre o preconceito linguístico. A aluna alegava que ele seria a pessoa ideal para fa-
lar sobre isso por ter muito conhecimento e por ser nordestino. O escritor responde num
texto inspirador e que suscita o respeito ao modo de as mais variadas pessoas falarem:

– O que você me disse me deixou meio mal-assombrado. Mas é o se-


guinte, uma coisa que a mim me incomoda muito como escritor é porque
normalmente as pessoas não distinguem a linguagem escrita da lingua-
gem falada. A linguagem escrita é uma convenção, e as vezes pra mim e
até um preconceito, veja bem, tem gente por aí que pensa diferente, mas
eu acho que existe até um preconceito contra o povo; quando o pessoal
vai apresentar um personagem popular, faz questão de errar a grafia,
dos nomes. Olhe, a grafia é uma convenção, está entendendo?, ninguém
fala de acordo com a grafia. Veja, por exemplo, eu sou nordestino, como
você, eu não digo “cruz”, eu digo “cruiz”, eu não digo “luz”, eu digo “luiz”.
Eu só conheço um tipo de gente que fala desse jeito, é pastor protestante
e padre católico, eles dizem “Jesus, na cruz, cercado de luz”. Tá certo?
[...] (FEEDBACK MAGAZINE, 2014).

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 20


SAIBA MAIS

Caro aluno (a), quem fala o português mais correto? Qual região do Brasil fala o por-
tuguês mais correto? Qual o sotaque mais adequado ao português falado no Brasil?
Qual o sotaque mais bonito ou o mais aceito? Se em algum momento você se faz essas
perguntas, é porque existe a ideia de que haveria um português correto e outras formas
de falar seriam menos corretas ou incorretas. Se você viajar o Brasil um pouco ou for
ver um vídeo na internet com algum morador típico de alguma região brasileira falando,
perceberá pronúncias diferentes, chiados diferentes e até coisas que recebem nomes
diferentes... E a pergunta continua… O que é mais correto? Qual a forma mais adequa-
da de falar? Em um país grande como o Brasil, não é possível existir uma única forma
de falar o idioma oficial. As regiões brasileiras receberam influências linguísticas distin-
tas. Existem influências mais próximas do português lusitano, de línguas indígenas, de
línguas africanas, de descendentes europeus de várias etnias e línguas, etc..
Em situações profissionais como a do Jornal Nacional, por exemplo, os jornalistas op-
tam por evitar qualquer sotaque muito afetado ou muito capaz de identificar uma região.
Acabam tendo pronúncias meio artificiais. E quanto mais letrado for o ambiente de tra-
balho, mais haverá a tendência culta de pronunciar bem as palavras e de cuidar de uma
entonação frasal que favoreça a clareza e a boa comunicação no ambiente de trabalho.
Agora, os sotaques, as pronúncias típicas, as entonações de frase típicas de cada re-
gião devem ser respeitadas. Mesmo porque esses fenômenos são inevitáveis. Além
disso, numa visão linguística científica e distante de preconceitos, essa diversidade do
português falado no Brasil representa um dos aspectos da riqueza cultural de nosso
país. Respeitar isso é sinal de conhecimento linguístico e de tolerância.

Fonte: o autor.

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 21


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões linguísticas feitas na primeira unidade são o início de questiona-


mentos que serão ampliados nas unidades seguintes. Você estudou algumas questões
sobre Fonética e Fonologia. Começou a pensar também em características específicas do
Português do Brasil. Refletiu sobre a atualidade e abrangência desses estudos. Viu alguns
aspectos gerais da transcrição das consoantes, das semivogais e das vogais do Português
do Brasil. Essas transcrições que ajudam a entender os fones e fonemas do idioma falado
no país serão aprofundadas nas próximas unidades. O objetivo principal será entender as
variações de pronúncia no Brasil.
Você percebeu que nem sempre existe correspondência exata entre letra e som no
nosso idioma. Levantamos algumas situações bem específicas e importantes dentro desse
assunto. E você deve ter percebido o quanto é importante estudar esses aspectos sonoros
de nossa língua devido à sua complexidade. Por outro lado, o assunto é instigante e nos
provoca a aprofundar os conhecimentos nas próximas unidades.

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 22


LEITURA COMPLEMENTAR

Civilização Banto/Contribuições para a cultura brasileira

A maior parte dos negros escravizados que foram trazidos para o Brasil eram de
etnias bantas (Congo, Benguela, Ovambo, Cabinda, Angola, Macua, Angico etc.)[1]. A des-
peito do intenso processo de aculturação a que foram submetidos quando chegaram no
Brasil, muito de sua cultura original preservou-se. Muito do vocabulário atual do português
que é falado no Brasil, por exemplo, tem origem banta. Mais especificamente, se origina do
idioma quimbundo, uma das línguas nacionais de Angola.
Por exemplo: “banza” vem de mbanza[2]. “Banzar” vem de kubanza[3]. “Berimbau”
vem de mbirimbau. “Bunda” vem de mbunda. “Cachimbo” vem de kixima, palavra que
também originou “cacimba”. “Caçula” vem de kasule. “Cacumbu” vem de ka, “pequeno”
e kimbu, “machado”[4]. “Cacunda” vem de kakunda[5]. “Cafuné” vem de kifunate, “torcedura”.
“Calango” vem de kalanga[6].
“Camundongo” vem de kamundong. “Candimba” vem de kandemba[7]. “Canjica”
vem de kanjika. “Capanga” vem de kappanga. “Carimbo” vem de kirimbu, “marca”. “Caxin-
guelê” vem de kaxinjiang’elê, “rato de palmeira”[8]. “Cochilar” vem de kukoxila. “Curiango”
vem de kurianga, “preceder”[9]. “Curinga” vem de kuringa, “matar”[10].
“Dendê” vem de ndénde, “palmeira”. “Farofa” vem de falofa. “Fubá” vem de fuba.
“Ganja” (no sentido de “vaidade”) vem de nganji[11]. “Ganzá” vem de nganza, “cabaça”[12].
“Jiló” vem de njilu. “Macaia” vem de ma’kaña[13]. “Macota” vem de ma’kota, “os maiores”[14].
“Maculo” vem de ma’kulu[15]. “Macumba” vem de ma´kumba[16]. “Marimba” vem
de marimba[17].
“Marimbondo” vem de ma  (prefixo de plural) +  rimbondo, “vespa”. “Maxixe” vem
de  maxi’xi[18]. “Mocambo” vem de mu´kambu, “cumeeira”. “Molambo” vem de mu´lambu,
“pano”. “Moleque” vem de mu´leke, que significa “menino”. “Moqueca” vem de  mu´keka.
“Muamba” vem de mu´hamba, “carga”. “Mucama” vem de mu´kama, “amásia escrava”.
“Mugunzá” vem de mu´kunza, “milho cozido”. “Mumbanda” vem de mi-nbamda, “mulher”[19].
“Mumbica” vem de mu’bika, “escravo”[20].
“Munguzá” vem de mu’kunza, “milho cozido”[21]. “Murundu” vem de mulun’du[22].
“Muxiba” vem de mu´xiba, “nervo, veia”. “Quiba” e “quibas” vêm de kiba, “pele, couro”[23].
“Quenga” vem kienga, “tacho”[24]. “Quibaca” vem de kibaka, “ombreira”[25]. “Quibebe” vem
de kibebe[26].
“Quiçaça” vem de kisada, “moita, ramo”[27]. “Quiçamba” vem de kisambu, “samburá
grande”[28]. “Quilombo” vem de kilombo, “povoação”. “Quimanga” vem de kimanga, “alcofa,
cesto”[29].

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 23


“Quimbanda” vem de kimbanda, “curandeiro”[30]. “Quitanda” vem de kitanda, “feira”.
“Quitute” vem de kitutu, “indigestão”. “Samba” vem de semba, “umbigada”. “Senzala” vem
de sanzala. “Soba” vem de soba[31]. “Tanga” vem de tanga, “pano”. “Tungar” vem de tunga,
“madeira, pancada”[32]. “Tutu” vem de ki´tutu. “Umbanda” vem de umbanda, “magia”[33].
“Xingar” vem de kuxinga, “injuriar”.
Muitos alimentos cultivados e consumidos pelas populações bantas se incorpora-
ram à alimentação cotidiana da população brasileira, como o jiló, a melancia, o maxixe, a
galinha d’angola, o quiabo, o azeite de dendê e o feijão-fradinho. No campo da música, os
bantos forneceram grande parte do ritmo que caracteriza a música brasileira. O gosto dos
bantos pelos batuques, atabaques e instrumentos de percussão se refletiu em gêneros
musicais como o samba, a bossa nova, o coco, o maracatu, o pagode etc. Um instrumento
musical introduzido na música brasileira provavelmente pelos bantos foi a cuíca, que acre-
dita-se originalmente ter sido criada para imitar os sons dos animais e ajudar desta forma a
atraí-los para serem caçados.
Em Salto de Pirapora, no estado de São Paulo, existe, até hoje, um dialeto deri-
vado das línguas bantas. É a cupópia, que é usada juntamente com o português e que se
compõe de uma mistura dos idiomas quicongo, quimbundo e umbundo[34]. Em duas cidades
do estado de Minas Gerais, também sobrevivem, até hoje, línguas de origem banta: em
Patrocínio (a língua calunga) e em Bom Despacho (a gira da Tabatinga). Embora todas as
três línguas estejam em processo de extinção, devido ao reduzido número de pessoas que
as conhecem.
A atual arte marcial da capoeira foi criada no Brasil pelos negros escravizados
bantos procedentes do sul de Angola, que praticavam, em sua terra de origem, uma luta
que tinha por objetivo encostar o pé na cabeça do oponente, num movimento semelhante
ao coice de uma zebra. Tal luta, chamada n’golo («zebra» em quimbundo), era praticada ao
som de tambores e possuía muitos movimentos semelhantes à capoeira atual. O vencedor
das competições da luta tinha o direito de escolher uma noiva sem ter de pagar o dote, na
cerimônia de iniciação das mulheres chamada mufico, efico ou efundula[35]. O berimbau, o
principal instrumento utilizado na capoeira, também é originário dos povos bantos do sul da
África [...]
Em 2003, o Decreto 4887 passou a regular a identificação e a legalização dos terri-
tórios remanescentes dos antigos quilombos. A medida significa um reconhecimento oficial
por parte do governo brasileiro dos direitos dos descendentes de negros escravizados e do
valor de sua cultura [...][41][42]

Texto de domínio público. Não editado pelo autor deste material.


(CIVILIZAÇÃO BANTO/CONTRIBUIÇÕES PARA A CULTURA BRASILEIRA, 2019)

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 24


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Fonologia, Fonética e Ensino Guia introdutório
Autor: Mikaela Roberto
Editora: Parábola
Sinopse: Livro atualizado, com tópicos importantes de Fonologia
e Fonética. Além disso, discute a relação entre oralidade e escrita,
assunto de interesse à alfabetização e à formação de professores
de língua materna. Apresenta os fones do Português do Brasil,
suas transcrições e variações (alofones).

FILME/VÍDEO
Título: Jornal Hoje - Sotaques do Brasil desvendam as diferentes
formas de falar do brasileiro.
Ano: 2014
Sinopse: Para divulgar o Atlas Linguístico do Brasil, lançado em
2014, pela Editora da Universidade Estadual de Londrina (EDUEL),
num esforço de pesquisadores de várias universidades brasileiras,
o Jornal Hoje fez uma série de vídeos. O Atlas investigou sotaques
e usos linguísticos variados nas capitais brasileiras.
O vídeo em questão trata de diferentes nomes que uma mesma
coisa recebe em diferentes localidades brasileiras. O Atlas in-
vestigou mais de 200 palavras com nomes variantes. E o Jornal
Hoje percorreu o Brasil para apresentar essas variações de forma
curiosa e divertida.
Link do vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=WwP_b48TpgE&t=1s

FILME/VÍDEO
Título: Jornal Hoje - Sotaques do Brasil: o maior número de pes-
soas disputam o falar do brasileiro.
Ano: 2014
Sinopse: O vídeo 2 é da mesma série produzida pelo Jornal Hoje
para divulgar o Atlas Linguístico do Brasil, lançado em 2014, pela
Editora da Universidade Estadual de Londrina (EDUEL). Nele
mostra-se o fone [ s ], em algumas situações de final de sílaba. O
vídeo convida a uma viagem por algumas localidades brasileiras,
entrevistando pessoas pronunciando o “s” mais ou menos chiado.
Entrevista também pesquisadores que trabalharam na produção
do Atlas Linguístico do Brasil. É muito curiosa a variedade de
pronúncia do som [ s ] apresentada pelo jornal e as falas dos pes-
quisadores são bem instrutivas.
Link do vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=flOhPXEPW9c

UNIDADE I Introdução à Fonética e à Fonologia 25


UNIDADE II
Fonética
Professor Esp. Sérgio Aparecido Carneiro

Plano de Estudo:
● Fonética articulatória;
● As vogais e as consoantes em Língua Portuguesa;
● A transcrição fonética.

Objetivos de Aprendizagem:
● Entender a participação dos órgãos do aparelho fonador na produção da voz humana;
● Distinguir os principais processos articulatórios na produção de vogais, semivogais e
consoantes;
● Ilustrar como são amplas as possibilidades de pronúncia do Português do Brasil;
● Relacionar as possibilidades de pronúncia com a representação delas na transcrição
fonética.

26
INTRODUÇÃO

Caro (a) aluno (a), bem-vindo (a) à Unidade II. Nela você vai encontrar muito co-
nhecimento sobre a fonética e sobre o Português do Brasil. Vai fazer uma “viagem” comigo,
entendendo alguns fatos do nosso idioma: como você e eu produzimos nossa voz, nossa
fala e como essa produção é flexível.
Num país gigante como o nosso, as influências linguísticas serão muito diferentes
de região para região e muito diversas também serão as possibilidades de pronúncia das
palavras. Você terá uma oportunidade de começar a pensar nessa riqueza do Português do
Brasil, de maneira organizada e inteligente.
Está unidade está dividida em três tópicos. No primeiro, Fonética articulatória, você
estudará o aparelho fonador humano e terá chances de entender melhor como articulamos
os sons que usamos para nos comunicarmos na fala. Trata-se de um conhecimento valioso
voltado para o nosso idioma, mas que pode ajudar você no aprendizado de qualquer nova
língua.
No segundo tópico, trato de como são produzidas especificamente as vogais, con-
soantes e semivogais no Português do Brasil. Aqui você já vai aprender muito de transcrição
fonética também. Procurei usar uma linguagem bem acessível para facilitar o seu processo
de aprendizagem. Faça comigo todo o percurso teórico com calma, você vai perceber que
o conteúdo fica mais fácil de entender.
No terceiro tópico, algumas questões de transcrição são retomadas. Aproveito tam-
bém para recuperar algumas discussões importantes através de transcrições. É um olhar
sobre a diversidade de pronúncia de nosso idioma que vai muito além do conhecimento
comum sobre como se escrevem as palavras. O que importa aqui é compreender os sons
produzidos e como registrar isso para efeito de estudo. Espero que você aproveite esta
unidade para dar mais um passo no entendimento de nosso idioma. Bom trabalho!

UNIDADE II Fonética 27
1 FONÉTICA ARTICULATÓRIA
A Fonética Articulatória é definida como o estudo dos sons da fala na
perspectiva de suas características fisiológicas e articulatórias. Para se
entender os mecanismos de articulação desses sons, precisa-se inicialmente
conhecer os diferentes órgãos responsáveis pela realização dos sons das
línguas naturais, ou melhor, o aparelho fonador humano. (SEARA; NUNES;
LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p.17)

Todos os órgãos do chamado aparelho fonador têm funções específicas no corpo


humano e a produção de sons seria uma segunda possibilidade deles. Dentre todos os
sons que podemos emitir pela boca, alguns são articulados e formam as palavras, são os
chamados fones e fonemas. Observe a seguir os órgãos envolvidos na produção da voz
humana:

(Imagem 1- adaptada pelo autor: o aparelho fonador)

UNIDADE II Fonética 28
Esses órgãos do chamado aparelho fonador desempenham dois tipos de funções
na produção da voz:
Os órgãos articuladores envolvidos na produção da fala dividem-se em ativos
e passivos. Os articuladores ativos, aqueles que se movimentam para a
realização dos diferentes sons da fala, são constituídos: pela língua (que se
divide em ápice (ponta), lâmina e dorso) e lábio inferior, que alteram a cavi-
dade oral; pelo véu do palato, que é responsável pela abertura e fechamento
da cavidade nasal; e pelas pregas vocais. Os articuladores passivos com-
preendem o lábio superior, os dentes superiores, os alvéolos (região crespa,
logo atrás dos dentes superiores), o palato duro (região central do céu da
boca) e o palato mole (final do céu da boca) (SEARA; NUNES; LAZZAROTO-
-VOLÇÃO, 2011, p.18).

Durante o processo de inspiração, o ar entra pelo nariz, passa pela faringe, laringe,


traqueia, brônquios e chega aos pulmões. O diafragma e os músculos intercostais se con-
traem e as costelas se levantam. O tórax aumenta de volume…

Na hora da expiração, durante a soltura do ar, é que os fones podem ser produzidos.
A expiração para produzir a fala (SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 20) é
bem mais longa que a inspiração e dura de 4 a 20 segundos. E a expiração em silêncio dura
em média 2 segundos. Na respiração sem produção de voz, o ar passa livremente pelas
laringe e cordas vocais.

Na produção da voz humana ocorrem duas situações distintas quanto à passagem


do ar pelas cordas vocais, originando os chamados sons surdos e sonoros. No caso
dos sons surdos ou não vozeados, durante a passagem do ar, as cordas vocais estarão
abertas e o ar passará livremente sem vibração. Já no caso dos sons sonoros ou vozeados,
as cordas vocais estarão fechadas. E durante a passagem do ar as pregas vocais serão
forçadas e vibrarão. Veja a ilustração abaixo, que mostra a situação das cordas vocais na
hora de produzir os sons surdos e sonoros, respectivamente:

(Imagem 2 - adaptada pelo autor: as cordas vocais)

UNIDADE II Fonética 29
Se você colocar a mão na altura do pomo de Adão, perceberá que, para os pares
surdo/sonoro, a vibração será percebida somente na hora em que o som sonoro for pronun-
ciado. Os pares de fones a seguir são surdos e sonoros, respectivamente:
[ p ] x [ b ], [ t ] x [ d ], [ f ] x [ v ], [ ʃ ] x [ ʒ ], [ k ] x [ g ].

Outra questão é a possibilidade de produzir sons orais ou nasais. Quando o véu


palatino está levantado, o ar sai todo pela boca, são produzidos os sons orais, como [ p ], [
k ], [ s ], [ a ], [ ɛ ], [ e ]. É o que mostra a primeira ilustração abaixo. A maioria dos sons em
Português do Brasil são orais. Por outro lado, quando o véu palatino está abaixado, o ar
sai pela boca e pelas cavidades nasais, são produzidos os sons nasais. São exemplos de
sons nasais: [ m ] de “mau”, [ n ] de “nada”, [ ɲ ] de “manhã”, e as vogais [] de “ímã”, [ ẽ ] de
“sempre”, [ ĩ ] de “pinho”, [ õ ] de “monstro”, [ ũ ] de “mundo”. A produção dos sons nasais é
ilustrada na segunda figura abaixo. Se você colocar a mão fechando as cavidades nasais e
produzir fones, o ar sairá somente pela boca. Então você perceberá que sons como [ e ], [
t ], [ p ] soarão com pronúncias adequadas, iguais às que você costuma ouvir. Mas se você
fechar as cavidades nasais com a mão e pronunciar, por exemplo, os sons [ m ] e [ n ] (“mê”,
“nê”), ouvirá sons “fanhosos”, como se costuma dizer. Haverá uma alteração nas pronún-
cias que você está acostumado a ouvir, porque o ar estará saindo só pela boca ao invés de
sair pela boca e pelo nariz como ocorre com os sons nasais. Observe as ilustrações abaixo

(Imagem 3 - adaptada pelo autor: O véu palatino na produção de sons orais e nasais)

UNIDADE II Fonética 30
2 AS VOGAIS E AS CONSOANTES EM LÍNGUA PORTUGUESA

2.1 As vogais do Português do Brasil

Em primeiro lugar, já vimos, na unidade anterior, que as vogais são produzidas sem
interrupção da corrente de ar na boca, diferentemente das consoantes. Além disso, são
formadoras de sílaba. Toda sílaba, em Língua Portuguesa, precisa de pelo menos um som
de vogal. O som de consoante já pode ou não ocorrer na sílaba. É importante para o estudo
das vogais, saber em que tipo de sílaba o som vocálico se encontra: tônica ou átona. Por
exemplo, na palavra “árvore” (ár-vo-re), “ár-” é a sílaba tônica, “-vo-“ é átona e postônica e
“-re” é átona final e postônica. E, em “cipó” (ci-pó), “ci-” é sílaba átona pretônica e “-pó” é a
tônica.
Vários são os critérios para descrição das vogais do Português do Brasil. Vamos
começar pensando na articulação delas, no tocante ao papel da língua, dos lábios e da
mandíbula:
Para a classificação articulatória das vogais, estão envolvidos o corpo da lín-
gua e os lábios. O corpo da língua pode movimentar-se verticalmente, levan-
tando-se ou abaixando-se, ou horizontalmente, avançando ou recuando. A
mandíbula auxilia na abertura do trato oral para a diferenciação entre vogais
abertas e fechadas. O parâmetro que define o movimento vertical da língua
é denominado altura e o que define o movimento horizontal (avanço/recuo)
denomina-se anterioridade/posterioridade. Há ainda a possibilidade de os lá-
bios estarem distensos ou arredondados. O movimento de arredondamento
dos lábios ocorre na produção de vogais ditas arredondadas. As demais são
articuladas com os lábios distensos e são classificadas como não arredonda-
das (SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 26).

UNIDADE II Fonética 31
Parâmetro altura da língua: é preciso considerar o movimento vertical da língua.
Embora haja outro movimento simultâneo da língua, vou considerar agora só o movimen-
to vertical por questão meramente didática. Segundo esse critério, as vogais podem ser
baixas, médias-baixas, médias-altas e altas. Pronuncie as vogais que vou demonstrar na
sequência e perceba que a língua irá do repouso até uma posição bem elevada.
Vogais baixas: [ a ], [ ɐ ]. A língua estará em repouso, na parte inferior da boca. [a
], como em “vale” [ ‘vali ], “pá” [ ‘pa ]. Já [ ɐ ] será vogal final átona, pronunciada mais fraco,
como em “mesa” [ ‘mesɐ ], “louça” [ ‘lowsɐ ].
Vogais médias-baixas: [ ɛ ], [ ɔ ]. Ao pronunciar [ ɛ ], como em “mel” [ ‘mɛw ], “pé”
[ ‘pɛ ] e [ ɔ ], como em “moda” [ ‘mɔdɐ ] e “só” [ ‘sɔ ], ambas vogais abertas, já se percebe
uma pequena alteração da língua num movimento para cima.
Vogais médias-altas: [ e ], [ o ]. São vogais fechadas, como [ e ] em “seco” [‘seko],
“medo” [ ‘medo ] e [ o ] em “moer” [ ‘moeɾ ], “bistrô” [ bis ‘tɾo ]. Ao pronunciar essas vogais,
já se percebe mais alguma elevação da língua, se comparadas às vogais anteriores.
Vogais altas: [ i ], [ u ]. Aqui a língua estará numa posição bem elevada, como
ocorre com [ i ] de “miado” [ mi ‘ado ] e [ u ] de “pulo” [ ‘pulo ].

Parâmetro anterioridade/posterioridade: o foco dessa classificação é o movi-


mento horizontal da língua. Ela pode ser jogada para frente ou recuada para trás. Segundo
esse critério, as vogais serão centrais, anteriores e posteriores.
Vogais centrais: [ a ], [ ɐ ]. Há uma pequena diferença de posição da língua na
produção dessas duas vogais. Para produzir o [ a ] a língua vai um pouquinho para frente
se comparada com a vogal final átona [ ɐ ]. Mas em ambas a língua acaba ficando no centro
da boca.
Vogais anteriores: [ ɛ ], [ e ], [ i ]. Pronuncie essas vogais e perceba como a língua
se movimenta em direção para frente, em direção aos alvéolos que protegem os dentes
superiores.
Vogais posteriores: [ ɔ ], [ o ], [ u ]. Pronuncie esses fones e perceba que o dorso
da língua se desloca num movimento para trás, em direção ao palato mole.

Parâmetro lábios distendidos ou arredondados: os lábios podem estar disten-


didos, relaxados, como ocorre com as vogais anteriores e até com as vogais centrais: [ ɛ
], [ e ], [ i ], [ a ], [ ɐ ]. Mas, na hora de pronunciar os sons vocálicos posteriores, [ ɔ ], [ o
], [ u ], os lábios ficam bem arredondados e são jogados para frente. Pronuncie as vogais
distendidas ou relaxadas na frente do espelho: [ ɛ ], [ e ], [ i ], [ a ], [ ɐ ]. Depois pronuncie

UNIDADE II Fonética 32
as vogais arredondadas na frente do espelho, [ ɔ ], [ o ], [u], e observe atentamente como
os lábios ficam bem redondos e como eles são jogados para frente, na pronúncia destas
últimas vogais.

(Imagem 4 - adaptada pelo autor: formato da boca produzindo sons arredondados)

Quanto ao timbre: as vogais podem ser abertas, fechadas ou reduzidas. [ a ], [ɛ],


[ ɔ ], como em “fale”, “pé”, “jiló”, respectivamente, são produzidas com uma boa abertura
da boca, são chamadas de abertas. [ e ], [ o ], como em “selo” e “poeira”, respectivamente,
são produzidas com uma pequena abertura da boca, são chamadas de fechadas. Já as
finais átonas são pronúncias de maneira fraca e muito rapidamente, de forma que há uma
abertura mínima da boca. São chamadas de reduzidas. Essas finais átonas - [ ɐ ], [ I ], [ ʊ
] – ocorrem em palavras como “casa” [ ‘kazɐ ], “lápis” [‘lapIs] ou “mole” [ ‘mɔlI ], “vírus [ ‘virʊs
] ou “poço” [ ‘posʊ ].
Quanto à intensidade: as vogais podem ser tônicas ou átonas. Depende da sílaba
em que a vogal esteja. Em “açaí” (a-ça-í), há 3 vogais: a última é tônica, a penúltima e a
antepenúltima são átonas. Existe também a sílaba subtônica, com vogal subtônica, que
ocorre em palavras derivadas. Por exemplo, em “somente” (so-men-te), a penúltima sílaba
é tônica e a antepenúltima é subtônica (mais forte que a última sílaba que é átona e menos
forte que a sílaba tônica). O mesmo ocorre com as palavras derivadas seguintes (destaquei
a sílaba subtônica): “facilmente”, “pezinho”, “cidadezinha”. A subtônica era a sílaba tônica
na palavra primitiva (destaquei a sílaba tônica): “fácil”, “pé”, “cidade”.

Papel das cavidades bucal e nasal: esse é outro critério de classificação das
vogais. Já explicamos, no primeiro tópico desta unidade, que com o véu palatino levantado,
na hora de produzir os fones, o ar sai todo pela boca e produzidos os sons orais. Por outro
lado, com o véu palatino abaixado (reveja a imagem 3), o ar sai pela boca e pelas cavidades

UNIDADE II Fonética 33
nasais, são produzidos então os sons nasais. Embora haja pequenas diferenças no pro-
cesso de abaixar e levantar o véu palatino para produzir as várias vogais do Português do
Brasil, não destaco isso aqui, para evitar detalhes que possam dificultar o estudo. Se você
tiver interesse, pode conferir isso em Seara, Nunes e Lazzaroto-Volção (2011, p. 37-40).
Assim, existem as vogais orais [ a ], [ ɛ ], [ e ], [ ɔ ], [ o ], [ i ], [ u ] e as vogais orais
para representar também as finais átonas, com pronúncia fraca: [ ɐ ], como em “vela” [
‘vɛlɐ ]; [ I ], como em “júri” [ ‘ʒuɾI ]; [ ʊ ], como em “lótus” [ ‘lɔtʊs ]. E existem as vogais nasais
[], [ ẽ ], [ ĩ ], [ õ ], [ ũ ]. As vogais nasais se reduzem em relação às orais, porque não existem
vogais nasais abertas. Então, [ ɛ ] e [ ɔ ], que são abertas, nunca poderiam ser vogais
nasais.
Além de vogais nasais como as que ocorrem com “vilã” [ vi ‘lɐ͂ e “corações”
[koɾa‘sõys], há os casos de vogais que são nasalizadas pelo contexto vizinho:
[...] temos vogais que são nasalizadas em função dos contextos vizinhos. É o
que ocorre em palavras como cama, ninho, tenho, nas quais o abaixamento
do véu do palato para a articulação da consoante nasal adjacente é realizado
antes da completa articulação da vogal que antecede esse segmento nasal.
Isso faz com que tais vogais sejam percebidas como nasalizadas. Em con-
texto tônico, essa nasalização é mais perceptível do que em contexto átono.
Essas palavras são transcritas, respectivamente, como: [ ‘kmɐ ], [ ‘nĩ ɲʊ ] e [
tẽɲʊ ]. (SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 41).

Quanto ao vozeamento: as vogais vibram as cordas vocais ao serem produzidas.


Podem ser chamadas de vozeadas ou sonoras. No entanto, Seara, Nunes e Lazzaroto-Vol-
ção (2011, p. 41) chamam a atenção para o fenômeno de “desvozeamento”, que ocorre
com as finais átonas: [ ɐ ], [ I ] e [ ʊ ]. Devido ao seu caráter de pronúncia rápida e fraca,
perdem a característica de vozeamento. São consideradas surdas. É o que ocorre, por
exemplo, com a última vogal do vocábulo “moço” [ ‘mosʊ ].
Seara, Nunes e Lazzaroto-Volção (2011, p. 46) montaram um quadro para sintetizar
a análise básica das vogais do Português do Brasil, que se costuma fazer em Fonética e
Fonologia. Vamos usá-lo para retomar a título de resumo o que estudamos sobre vogais.
Vamos usá-lo também para pensar na diferença entre as vogais quando se trata de situação
pretônica, tônica e postônica.

UNIDADE II Fonética 34
Tabela 1: As vogais do Português do Brasil
(SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p.46).

* Esses segmentos só vão aparecer em palavras derivadas como cafezinho, bolinha, nas quais as sílabas
tônicas são, respectivamente, “zi” e “li”, mas cujas sílabas pré-tônicas “fe” e “bo” possuem um acento secun-
dário herdado de suas correspondentes palavras de origem.

** Esses segmentos aparecerão de forma minoritária em algumas regiões do Brasil, como por exemplo na
capital do estado do Paraná.

Pelo quadro fica fácil de retomar o Parâmetro altura da língua, o Parâmetro anterio-
ridade/posterioridade da língua e o Parâmetro lábios distendidos ou arredondados. Sugiro
que você retome rapidamente o que foi dito sobre essas classificações e depois tente vi-
sualizar isso aqui no quadro. Vai ficar bem fácil. O quadro só ilustra os sons vocálicos orais.
No quadro das pretônicas, aparecem cinco vogais: [ a ], [ e ], [ o ], [ i ], [ u ]. Elas
ocorrem em palavras como “atrevido”, em que a vogal da sílaba “-vi-“ é a tônica e as duas
vogais anteriores - [ a ], [ e ] – são as pretônicas. Já as vogais [ ɛ ], [ ɔ ] abertas ocorreriam
só em sílabas subtônicas como na primeira vogal da palavra “sozinho”.
Por outro lado, diferentemente da visão desse quadro sobre as vogais pretônicas
e para enriquecer essa discussão, cito Cardoso et al. (2014, p. 70-73), no Atlas Linguístico
do Brasil, com pronúncias das capitais brasileiras, obra em que foram observadas as pro-
núncias das vogais médias [ɛ ], [ ɔ ] abertas em posição pretônica em palavras normais,
sem estarem em sílaba subtônica. Palavras como “tesoura”, “travesseiro”, “cebola”, “ferida,

UNIDADE II Fonética 35
“perfume” tiveram a vogal média pretônica anterior em questão realizada como [ ɛ ] e como
[ e ]. O mesmo ocorreu como a vogal média pretônica posterior [ ɔ ] e [ o ]. Ambas foram
ouvidas em palavras como “trovoada”, “toró”, “orvalho”, “coração”, “coletivo”.
No quadro das vogais tônicas, aparecem sete vogais: [ a ], [ ɛ ], [ e ], [ ɔ ], [ o ], [ i ],
[ u ]. São fones estáveis.
Quanto ao quadro das vogais postônicas, as autoras pretendem destacar as fi-
nais átonas já bem comentadas aqui: [ ɐ ], [ I ], [ ʊ ]. Normalmente, essas vogais seriam
reduzidas a três no Português do Brasil. Porém, nos estados do Sul, como foi chamada a
atenção para Curitiba no quadro, pode ocorrer a existência também de [ e ], [ o ]. A questão
recai sobre palavras como “leite” e “povo”. Normalmente a última vogal seria ouvida como
[ I ], [ ʊ ], respectivamente. Mas, nos estados do Sul, também pode-se ouvir [ e ], [ o ],
respectivamente. É o que faria as palavras em questão soarem como [ ‘leyte ] e [ ‘povo ].

2.2 Encontros vocálicos


O núcleo da sílaba será sempre uma vogal. Caso haja outros sons vocálicos ro-
deando essa vogal, na mesma sílaba, esses sons serão as chamadas semivogais. Elas são
os fones [ i ], [ u ] pronunciados de maneira mais breve. As semivogais (ou glides) podem
ser representadas por [ y ] e [ w ], como ocorre nas palavras “sei” e “meu”, transcritas fone-
ticamente por [ ‘sey ] e [ ‘mew ]. Pode ocorrer o encontro de uma vogal e uma semivogal na
sílaba e haverá o chamado ditongo, como em “vai” [ ‘vay ]. Pode ocorrer também o encontro
de uma vogal e duas semivogais na sílaba e haverá o chamado tritongo, como na palavra
“iguais”, formada pelas sílabas: i-guais [ i ‘gways]
Mas o que interessa aqui são os sons, os fones. Várias situações de palavras com
letras diferentes − além de “i”, “u” − podem produzir o som de semivogal. Vou destacar
algumas situações importantes. Inicialmente, como mostrei acima, as letras “i”, “u” podem
satisfazer as condições para serem semivogais, quanto estiverem numa situação periférica
de sílaba ao lado de uma vogal. É o que ocorre nas palavras “foi” e “nasceu” (nas-ceu), que
podem ser pronunciadas como [ ‘foy ] e [ na ‘sew ].
Outra situação pode ocorrer com as letras “m” e “n” em finais de palavras. É o
que acontece com a palavra “tem”, em que se ouve um “i” depois do som [ ẽ ]: [‘tẽy].
É o que acontece com a palavras “hífen”: [ ‘ifẽy ]. Na mesma situação está a palavra
“falaram”, em que o “m” final soa como [ w ]: [ fa ‘laɾɐ͂w ]. Outros exemplos: “falem”
[‘falẽy], “amém” [a ‘mẽy], “andem” [ ‘ɐ͂dẽy ], “águem” [ ‘agwẽy ] e “pegaram” [ ‘pe ‘gaɾɐ͂w],
escreveram [ ‘ escɾe ‘veɾɐ͂w ].

UNIDADE II Fonética 36
Outra situação pode ocorrer com a letra “l” soando como [ w ], depois de uma vogal
e em final de sílaba: “mel” [ ‘mɛw ], “sal” [ ‘saw ], “anzol” [ ‘ɐ͂zɔw ], “pastel” [ ‘past ɛw ].

Também podem ocorrer encontros vocálicos em que a letra “e” representa o som [
y ] e a letra “o” representa o som [ w ]. É o caso das palavras seguintes: “põe” [ ‘põy ], “mãe”
[ ‘mɐ͂y ], “mão” [ ‘mɐ͂w ] , “latão” [ la ‘tɐ͂w ], “orquídea” [ oɾ ‘kidyɐ ], “róseo” [ ‘ řɔzyo ].

Voltando à classificação, os ditongos podem ser crescentes (semivogal e vogal) ou


decrescente (vogal e semivogal). Além disso, podem ser orais ou nasais, dependendo da
vogal do encontro. Já os tritongos têm estrutura fixa: semivogal + vogal + semivogal. Os
tritongos também podem ser orais ou nasais.

Seara, Nunes e Lazzaroto-Volção (2011, p. 43) apresentam uma lista das possibili-
dades de ditongos em Português do Brasil. Veja-os nos quadros abaixo:

Quadro 1 : Os ditongos Decrescentes

Decrescentes Orais: Decrescentes Nasais


gaita [ ay ] mão [ ɐ͂w ]
leite [ ey ] mãe [ ɐ͂y ]
ideia [ ɛy ] tem [ ẽy ]
oito [ oy ] Põe [ õy ]
joia [ ɔy ]
circuito [ uy ]
aula [ aw]
deu [ ew]
papel [ ɛw ]
abriu [ iw ]
roubo [ ow ]
sul [ uw ]
lençol [ ɔw ]

Quadro 2: Os ditongos Crescentes

Crescentes Orais: Crescentes Nasais:


farmácia [ yɐ ] quando [ uɐ͂ ]
série [ ye ] pinguim [ uĩ ]
Biópsia [ yɐ ]
Biologia [ yo ]
Quase [ wa ]
Tênue [ we ]
(Quadros com adaptações do autor)

UNIDADE II Fonética 37
Pode ocorrer, na pronúncia de palavras com ditongo, a monotongação. Nesse caso,
o ditongo passa a ser uma só vogal. É desfeito o ditongo. A seguir, vou colocar exemplos de
palavras seguidas da pronúncia sem e com monotongação, respectivamente:
● caixa [ ‘kayʃɐ ] - [ ‘kaʃɐ ]
● feixe [ ‘feyʃI ] - [ ‘feʃI ]
● couro [ ‘kowɾʊ ] - [ ‘koɾʊ ]
● vou [ vow ] - [ vo ]
● manteiga [ ‘mɐ͂teygɐ ] - [ ‘mɐ͂tegɐ ]
Uma outra questão é que ditongos decrescentes nunca são separados. Já os cres-
centes podem apresentar duas pronúncias, por exemplo: “história [ is. ‘tɔ.ɾiɐ ], como vogal e
semivogal na mesma sílaba representando o ditongo; [ is. ‘tɔ.ɾi.ɐ ], como vogal seguida de
outra vogal, cada uma formando uma sílaba diferente.
Quanto aos tritongos orais e nasais, exemplifico e apresento a transcrição fonética
correspondente abaixo:

Quadro 3: Os Tritongos

Tritongos orais: Tritongos nasais:


Paraguai [ paɾa ‘gway ] águam [ ‘agwɐ͂w ]
enxaguei [ ẽʃa ‘gwey ] águem [ ‘agwẽy ]
quaisquer [ kways ‘kɛɾ ] saguões [ sa ‘gwõys ]
Fonte: O autor deste material

Os encontros vocálicos ainda podem ser constituídos por vogal + vogal, seguidas,
mas cada uma formando sílaba diferente. São os chamados hiatos. Apresento exemplos
separados em sílabas e seguidos de observações fonéticas de Seara, Nunes e Lazzaroto-
-Volção (2011, p. 45):
● co-o-pe-ra-ção [ ko.o.pe.ɾa ‘sɐ͂w ] – pode ocorrer uma crase das vogais idênticas
e a pronúncia se modifica: [ ko.pe.ɾa ‘sɐ͂w ];
● ve-em [ ‘ve. ɐ͂y ] - pode ocorrer uma simplificação de pronúncia, a chamada
ditongação: [ ‘vɐ͂y ];
● ri-o [ ři. u ] – há uma tendência desse hiato a tornar-se ditongo: [ řiw ].

● Outros exemplos de hiato: a-ça-í, a-í, ins-ti-tu-í, sa-ís-te, Sa-a-ra, xi-i-ta.

UNIDADE II Fonética 38
2.3 As consoantes do Português do Brasil

Vários são os critérios de classificação das consoantes:


Vozeamento: Na produção do som, as cordas vocais podem estar fechadas e
vibrarem, serão produzidos os fones vibrantes ou vozeados. Se as cordas vocais estiverem
abertas para a passagem do ar, não vibrarão e serão produzidos os fones surdos ou não
vozeados, como ocorre com o par surdo/sonoro [ p ] e [ b ].
Modo de articulação: Na produção das consoantes, diferentemente das vogais,
sempre ocorre algum tipo de obstrução da saída de ar na boca. Quando for total, as con-
soantes serão chamadas de oclusivas: [ p ], [ b ], [ t ], [ d ], [ k ], [ g ]. Há ainda outras
possibilidades articulatórias, normalmente com a interrupção parcial do ar na boca, que
poderão ser fricativas, vibrantes, laterais, nasais, retroflexa, africadas.
Ponto de articulação: Dependendo do lugar da boca em que as consoantes são
articuladas, terão pontos de articulação diferentes. Por exemplo, [ p ] é produzida tocando
os lábios inferior e superior, será classificada como bilabial. Nesse critério, as consoantes
podem ser classificadas como bilabiais, labiodentais, dental ou alveolar, alvéolo-palatais,
palatais, velares e há ainda classificações de sons como os glotais e uvulares.
Vou detalhar as consoantes quanto às suas classificações, ciente de que não haja
consenso dos estudiosos quanto a muitas questões. Para você entender melhor, procure
testar o que será dito, pronunciando, articulando cada uma das consoantes em questão.
Começo com o grupo das consoantes com modo de articulação oclusivo: [ p ], [b],
[ t ], [ d ], [ k ], [ g ]. A interrupção do ar é total na boca. Quanto ao vozeamento, temos os
pares surdos/sonoros, respectivamente: [ p ] - [ b], [ t ] - [ d ], [ k ] - [ g ]. Todas são orais.
[ p ], [ b ] têm o ponto de articulação bilabial (os lábios se encostam); [ t ] , [ d ] são dentais
ou alveolares (produzidas com a ponta da língua (ápice) tocando os dentes superiores ou
tocando os alvéolos que protegem os dentes superiores); [ k ], [ g ] são velares (a parte
traseira da língua, o dorso, vai em direção à parte traseira do céu da boca, o chamado
palato mole).
As nasais são três: [ m ], [ n ], [ ɲ ], como em “mala”, “nata” e “pinho”, respectiva-
mente. Essas são as únicas consoantes nasais, todas as demais são orais. Seara, Nunes
e Lazzaroto-Volção (2011, p. 52) explicam o modo de articulação de uma nasal:
Produzida com uma obstrução total e momentânea do fluxo de ar nas cavi-
dades orais. Há, no entanto, um abaixamento simultâneo do véu do palato,
permitindo a liberação do ar pelas cavidades nasais. O ar então saindo dos
pulmões ressoa também na cavidade oral antes de ser expelido somente
através das cavidades nasais. (LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 52).

UNIDADE II Fonética 39
Quanto ao ponto de articulação, [ m ] é bilabial (os lábios se tocam); [ n ] dental
ou alveolar (ponta da língua toca dentes superiores ou alvéolos); e [ ɲ ] é palatal (a parte
central da língua toca o céu da boca, o final do palato duro). Quanto ao vozeamento, as
consoantes nasais são sonoras ou vozeadas.
As africadas ocorrem em palavras como “tia” e “dia”: [‘tʃiɐ], [ dʒiɐ ]. É uma possibi-
lidade de pronúncia de [ t ] e [ d ] seguido do som [ i ]. Em palavras como “dente”, “forte”,
“tarde” e “acode”, considerando a pronúncia do “e” final átono como [ I ],
ocorrem também as africadas [ tʃ ], [ dʒ ].
Africada: produzida com uma oclusão total e momentânea do fluxo de ar, se-
guida de um estreitamento do canal bucal, gerando um ruído de fricção, logo
após o relaxamento da oclusão. Aqui também o véu do palato encontra-se
levantado, e o fluxo de ar passa apenas pela cavidade oral (SEARA; NUNES;
LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 54).

As africadas são alvéolo-palatais (a parte da frente da língua toca a parte média do


palato duro, o céu da boca). E quanto ao vozeamento, tem-se um par surdo/sonoro: [ tʃ ],
[ dʒ ].
As fricativas são produzidas através de um estreitamento da boca, ocorre um fe-
chamento parcial e o ar passa fazendo uma fricção. São fricativas os pares surdo/sonoro: [
f ] - [ v ], [ s ] – [ z ], [ ʃ ] – [ ʒ ]. São labiodentais (lábios inferiores vão em direção dos dentes
superiores sem tocar neles: [ f ] e [ v ]. Já [ s ] e [ z ] são dentais ou alveolares (produzidas
com a ponta da língua (ápice) tocando os dentes superiores ou tocando os alvéolos que
protegem os dentes superiores). E [ ʃ ], [ ʒ ] são alvéolo-palatais (a parte da frente da língua
toca a parte média do palato duro, o céu da boca).
Os sons [ l ], [ ʎ ], [ ɫ ] são as chamadas consoantes laterais. As três são vozeadas.
E são produzidas através de uma oclusão promovida pela língua no meio da boca e o ar
escapa pelas laterais. O som [ l ] ocorre em palavras como “litro” [ ‘litɾʊ ]. É um fone dental ou
alveolar (produzido com a ponta da língua (ápice) tocando os dentes superiores ou tocando
os alvéolos que protegem os dentes superiores e deixando o ar escapar pelos lados).
O fone [ ʎ ] ocorre em palavra como “palha” [ ‘paʎɐ ]. Ele é palatal (a parte da frente
da língua toca a parte média do palato duro, o céu da boca e deixa o ar escapar pelas
laterais). E o som [ ɫ ] representa a pronúncia da letra de “l” final de sílaba em algumas
regiões do rio Grande do Sul. Ocorre em palavras como “mal” [ ‘maɫ ], “pastel” [ pas ‘tɛɫ ].
Trata-se de uma consoante velar (o dorso da língua vai em direção à parte traseira do céu
da boca, o chamado palato mole e bloqueia a saída do ar, que escapa pelas laterais).

UNIDADE II Fonética 40
Os sons de “r”. Esse é um assunto que gera muita controvérsia entre estudiosos
do Português do Brasil, inclusive gerando falta de unanimidade até na transcrição dos fo-
nes. Tal dificuldade demonstra as muitas variações que os sons de “r” sofrem nas diferentes
regiões brasileiras e está ligada também às muitas posições que o “r” pode assumir na
palavra.
Em contexto de estudo fonológico, como vou aprofundar na unidade III, há em
Língua Portuguesa, dois fonemas vibrantes. Um chamado vibrante simples / r / e outro
chamado vibrante múltipla / R /. São fonemas diferentes porque são capazes de distinguir
significado em palavras como “caro” / ‘karo / e “carro” / ‘kaRo /, por exemplo.
Mas o que ocorre, considerando as variações (alofones) de pronúncia desses dois
fonemas no Brasil, é o que nos interessa aqui nesta unidade. Inicialmente, apresento o som
chamado de “tepe” – [ ɾ ], uma possibilidade de pronúncia da vibrante simples como afirmam
as autoras Seara, Nunes e Lazzaroto-Volção (2011, p. 54):
Tepe (ou tap): produzida com uma oclusão total e rápida do fluxo de ar nas
cavidades orais. O véu do palato está levantado, impedindo a passagem do
ar pelas cavidades nasais: caro [ ‘kaɾʊ ], prato [ ‘pɾatʊ ]. O som [ ɾ ] apresenta
uma oclusão percebida como uma batida bastante rápida da ponta da língua
nos alvéolos, permitindo uma oclusão total, mas extremamente breve. Essa
consoante também é conhecida como vibrante simples, por apresentar ape-
nas essa única batida. (LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 54).

Uma outra variação da vibrante simples é o “r” retroflexo”: [ ɽ ]. Seara, Nunes e


Lazzaroto-Volção (2011, p. 55) apresentam o esse fone produzido a partir do reverso da
ponta da língua que é levantado até tocar o palato duro. Trata-se de um som vozeado e
oral. É o chamado “r” caipira de palavras como “porta” [ ‘pɔɽtɐ] e “amor” [ a ‘moɽ ].
Para a consoante vibrante múltipla, que aparece em início de palavra, como “”rato”
e “Roma”, e em contextos como os de “carro”, “corrente”, “honra”, destaco a vibrante alveo-
lar [ r ] e a vibrante uvular [ R ].
Em primeiro lugar, vibrante alveolar [ r ] “aciona esta série de rápidas oclusões
tocando a ponta da língua nos alvéolos” e a vibrante uvular [ R ] “realiza a sequência de blo-
queios tocando, através da vibração da úvula, o dorso da língua. Essa consoante também
é chamada de vibrante múltipla em função das múltiplas batidas, em oposição à vibrante
simples, que apresenta um único bloqueio”. (SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO,
2011, p. 55).
Considerando as muitas regiões brasileiras, as realizações principalmente dos
sons de “r” múltiplo são um assunto muito interessante e extenso, ao qual muitos atlas
linguísticos têm se dedicado. E o apagamento do “r” em final de palavra (ou quase apaga-

UNIDADE II Fonética 41
mento) também é assunto que desperta interesse hoje. Para Curioletti e Sandri, (2019, p.
162) “[...] as representações dos traços fonológicos, aliados aos articuladores, descrevem as
etapas de mudança de traços da vibrante [...] sendo algumas delas mais regionalizadas devido
ao provável reflexo dos contatos linguísticos com outras línguas em cada região do Brasil [...]”.
Por fim, não cabe nesta unidade um trabalho mais extenso dos sons vibrantes em Língua
Portuguesa e no Português falado no Brasil. Esse é um tema para futuras pesquisas caso
seja do seu interesse, caro (a) aluno (a).

UNIDADE II Fonética 42
3 A TRANSCRIÇÃO FONÉTICA

Naturalmente, como era necessário que você fosse pensando as possibilidades


de produção dos sons do Português do Brasil e já fosse visualizando isso através das
transcrições, muito já fizemos sobre o assunto nesta unidade. Optamos pela transcrição
ampla que não exagera em detalhes dos sons produzidos e pode dar uma noção mais geral
do processo de transcrição.

Neste tópico da Unidade II, você vai poder relembrar e fixar alguns dos principais
pontos e dificuldades que destacamos sobre as variações de sons no Português do Brasil.
E faremos isso principalmente através da transcrição fonética. Para uma palavra dada, vou
ilustrar algumas das principais formas de realização fonética. E junto com o fone em ques-
tão, você estará relembrando a forma de transcrever foneticamente muitos outros sons.
[ I ], [ ʊ ] – finais átonos:
mole [ ‘mɔlI ] ou [ ‘mɔle ] tiro [ ‘tiɾʊ ] ou [ ‘tiɾo ]
leve [ ‘lɛvI ] ou [ ‘lɛve ] carro [ ‘kařʊ ] ou [ ‘kařo ]
júri [ ‘ʒuɾI ] lótus [ ‘lɔtʊs ]
[ ɛ ], [ ɔ ] abertos – [ e ], [ o ] fechados:
fé [ ‘fɛ ] selo [ ‘selo ] ou [ ‘selʊ ]
mocotó [ moko ‘tɔ ] dor [ ‘doɾ ]

UNIDADE II Fonética 43
[ a ] no interior de palavra – [ ɐ ] átono em final de palavra:
mala [ ‘malɐ ] camiseta [ kami ‘zetɐ ] ou [ kɐ͂mi ‘zetɐ ]

Diferença de transcrição - oral/nasal:


cedo [ ‘sedʊ ] ou [ ‘sedo ] sento [ sẽtʊ ] ou [ sẽto ]

[ i ], [ u ] vogais – [ y ], [ w ] semivogais
vila [ ‘vilɐ ] sei [ ‘sey ]
mula [ ‘mulɐ ] meu [ ‘mew ]

[ t ], [ d ] – [ tʃ ], [ dʒ ] diante de [ i ]
todo [ ‘todʊ ] ou [ ‘todo ] titia [tʃi ‘tʃiɐ ] ou [ti ‘tiɐ ]
nada [ ‘nadɐ ] dia [ ‘dʒiɐ ] ou [ ‘diɐ ]

Letra “l” em final de sílaba: semivogal [ w ] ou consoante velar do Rio Grande do Sul:
sinal [ si ‘naw ] ou [ si ‘naɫ ] anel [ a ‘nɛw ] ou [ a ‘nɛɫ ]

Algumas dificuldades de transcrição: lh - [ ʎ ]; nh - [ ɲ ] ; ch - [ ʃ ]:


pilha [ ‘piʎɐ ] tinha [ ‘tĩɲɐ ]
malha [ ‘maʎɐ ] mexer [ me ‘ʃeɾ ]
sonho [ ‘sõɲʊ ] ou [ ‘sõɲo ] chefe [ ‘ʃɛfΙ ] ou [ ‘ʃɛfe ]

Outras dificuldades – vá pelo som e não pela letra:


galo [ ‘galʊ ] ou [ ‘galo ] cedo [‘sedʊ ] ou [‘sedo ]
geada [ʒe ‘adɐ ] ou [ʒi ‘adɐ ] coisa [ ‘koyzɐ ]
asa [ ‘azɐ ] amém [ a ‘mẽy ]
azedo [ a ‘zedʊ ] ou [ a ‘zedo ] são [ ‘sɐ͂w ]
nexo [ ‘nɛksʊ ] ou [ ‘nɛkso ] sussurrar [ susu ‘řaɾ ]
máximo [ ‘masimʊ ] ou [ ‘masimo ] aquilo [ a ‘kilʊ ] ou [ a ‘kilo ]

UNIDADE II Fonética 44
SAIBA MAIS

O ‘r” retroflexo ou caipira [ ɽ ], segundo pesquisadores linguistas entrevistados pela série


Sotaques do Brasil do Jornal Hoje, de 2014, foi uma criação dos indígenas, porque eles
não tinham o som de “r” nem de “l” e começaram a fazer adaptações para conseguirem
falar em Língua Portuguesa. Aos poucos esse “r” retroflexo foi se espalhando pelo inte-
rior do país.
O famoso “r” carioca é herança da Família Real Portuguesa quando veio para o Brasil.
Era requintado copiar os franceses e os portugueses da época vindos para cá exa-
geravam na pronúncia do “r” para ficar mais próximos do idioma francês. O modismo
pegou e ficou no “r” dos cariocas e espalhou-se mais suavemente pelo Nordeste, Belo
Horizonte... Por outro lado, o “r” de muitas regiões do Sul do país sofreu influências dos
imigrantes europeus.

Fonte: JORNAL HOJE. Sotaques do Brasil – primeira parte. Rio de Janeiro: Rede Globo, 2014. Dispo-
nível em: https://www.youtube.com/watch?v=Riesu0ByqWQ. Acesso em: 16 de fev. de 2020.

REFLITA

“Uma raça, cujo espírito não defende o seu solo e o seu idioma, entrega a alma ao es-
trangeiro, antes de ser por ele absorvida.”

Fonte: Rui Barbosa. Disponível em: https://kdfrases.com/autor/rui-barbosa. Acesso em: 2 de fev. de 2020.

UNIDADE II Fonética 45
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro (a) aluno (a), é muito satisfatório chegar com você ao final de uma unidade
tão importante para o nosso estudo. Fizemos um percurso bem proveitoso e com bastante
informação. À medida que você for avançando nas propostas de estudo do material que
preparei, se houver necessidade, volte a essa unidade para checar informações e tirar
dúvidas. O conhecimento é exigente, requer atenção e reelaboração mental.
Você estudou o aparelho fonador e a classificação articulatória de vogais e con-
soantes e entendeu o funcionamento das semivogais. Não é assunto para decorar. É para
entender e voltar ao material quando for necessário. Esse estudo também serve como
ponto de partida para seus futuros estudos e aprofundamentos. E, a partir de agora, você
poderá ter um olhar mais atento às variações de pronúncia no Português do Brasil e isso
já será também uma maneira de continuar investigando esse assunto tão rico na cultura
brasileira.
Você deve ter percebido que a perspectiva da Fonética, diante das muitas possibi-
lidades de realização de pronúncia, é de descrição do fenômeno linguístico. E ela também
procura entender as regularidades e eventualidades desses fenômenos. Diante de pronún-
cias como [ koɾa ‘sɐ͂w ] e [ kɔɾa ‘sɐ͂w ] ou como [ ‘mɐ͂teygɐ ] e [ ‘mɐ͂tegɐ ], não há a ideia
normativa do ensino de língua tradicional. Os fenômenos variantes existem e a Fonética
quer entendê-los.
Variações como as que vimos na monotongação de palavras como [ ‘kowɾʊ ] e
[ ‘koɾʊ ], [ bey ‘ɾadɐ ] e [ be ‘ɾadɐ ] e nas várias pronúncias de “r”, por exemplo, ilustram
o movimento constante de evolução da língua nas questões de pronúncia. As mudanças,
quando estão surgindo, recebem mais ou menos aceitação num primeiro momento. Mas,
quando se trata de uma tendência da língua, como apagar o “r” em verbos no infinitivo
em algumas regiões do Brasil, em palavras como “comer” [ ko ‘me ] e “falar” [ fa ‘la ], as
mudanças com o tempo são inevitáveis. Obrigado por você ter chegado até aqui comigo.

UNIDADE II Fonética 46
LEITURA COMPLEMENTAR

ENSINO DE LÍNGUA MATERNA: DIFICULDADES E NECESSIDADES FORMATIVAS


APONTADAS POR PROFESSORES NA EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL

[...] Este artigo provém de uma pesquisa intitulada A formação do professor dos
anos iniciais do Ensino Fundamental para superação do fracasso escolar: perfil teórico-me-
todológico e propostas para o ensino de língua materna, financiada pelo Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 472024/2014. O objetivo
da pesquisa mencionada é suscitar a reflexão sobre formação docente e ensino de língua
materna, no sentido de compreender as dificuldades enfrentadas cotidianamente pelo
professor e quais as contribuições possíveis para a superação do fracasso escolar. Dessa
forma, investiga aspectos profissionais, pessoais, concepções teórico-metodológicas, difi-
culdades para o ensino de língua materna, interesses por cursos de formação continuada,
dentre outros fatores, tendo como sujeitos os professores e os gestores de 22 escolas de
Ensino Fundamental do município de Presidente Prudente.
Ser capaz de ler e escrever com proficiência em língua materna é imprescindível
para o desenvolvimento de qualquer pessoa inserida em uma cultura letrada. Além disso,
o domínio da leitura e da escrita ajuda o sujeito a desenvolver autonomia e a superar
barreiras sociais, culturais e econômicas que podem lhe ser impostas ao longo da vida.
Nesse sentido, refletir sobre aspectos relacionados à formação docente e ao ensino de
língua materna pode contribuir para o encaminhamento de possíveis ações que visem à
superação do fracasso escolar. O que se observa, de um modo geral, é que o professor dos
anos iniciais do Ensino Fundamental encontra-se sem um respaldo teórico-metodológico
que norteie a sua prática. Nesse sentido, torna-se reprodutor de conteúdos programáticos
desajustados da realidade do aluno, priorizando o estudo da metalinguagem, ou seja, o
estudo da nomenclatura gramatical, deixando de propiciar aos seus alunos momentos de
uso efetivo da língua materna.
No que diz respeito à alfabetização e letramento, para que o indivíduo seja consi-
derado letrado, deve fazer uso de diferentes materiais escritos e compreendê-los, tornando
possível a sua inserção no âmbito social. Por conseguinte, o ato de ler amplia-se e passa
a compreender um conjunto de habilidades que vão da simples decodificação de palavras
escritas até a atribuição de sentido, ou sentidos, que as palavras podem assumir, de acordo
com as situações de interação verbal.
Entender a alfabetização em um sentido relacionado tão somente à aquisição do
código, dissociada do letramento, impõe uma restrição às questões da leitura e da escrita,

UNIDADE II Fonética 47
relegando os aspectos extraescolares que efetivam a importância do uso adequado da lín-
gua, seja em situações de escrita, seja em manifestações orais. Conceber, essencialmente,
que as questões do letramento não estão limitadas aos muros escolares é importante para
se buscar uma efetiva mudança na cultura escolar de alfabetização. [...]
Os resultados deste estudo permitem-nos dizer que as principais dificuldades
relacionadas ao ensino de língua materna, de acordo com os dados analisados, dizem
respeito: à heterogeneidade das fases de alfabetização; a como corrigir os textos produ-
zidos pela criança; a como ensinar a leitura, a produção de texto e a ortografia; além de
como trabalhar com a oralidade no Ensino Fundamental I. Nesse sentido, os professores
pesquisados destacaram vários temas sobre os quais têm interesse de aprofundamento:
produção textual, alfabetização e letramento, análise linguística e normatividade, reescrita
e avaliação de textos e leitura e interpretação textual.
Dessa forma, o processo de formação continuada de professores pode constituir-se
num significativo momento para que se devolva a palavra aos sujeitos, a fim de que, num
processo dialógico, tornem-se responsáveis por sua formação, enfatizando o seu contexto
de trabalho, já que o conhecimento da língua materna é fundamental para que o docente
dos anos iniciais do Ensino Fundamental possa exercer com maestria a sua função de en-
sinar as crianças a lerem e a produzirem textos, pois é relevante perceber que o uso efetivo
da linguagem abre possibilidades para atuarmos sobre nossos interlocutores, persuadi-los,
encantá-los, etc.
Por meio dos dados apresentados é possível inferir que o professor trava uma luta
diária entre a situação ideal para o ensino de língua materna e o contexto de sua sala de aula.
As dificuldades que mencionam são reflexo de uma realidade complexa: formação inicial
deficiente que não os preparou para a reflexão sobre oralidade, variação linguística, ensino
de leitura e de produção textual; salas com muitos alunos, material didático muitas vezes
ruim, problemas relacionados à indisciplina, dentre outros fatores. Ouvir o professor, trazer
à tona as suas dificuldades e as suas necessidades formativas com relação ao ensino de
língua materna pode contribuir para a mudança, para o desvelamento de novas práticas de
ensino de língua materna que certamente demandarão um professor com mais autonomia
para planejar as unidades de ensino, escolher materiais didáticos, a fim de poder trabalhar
com alfabetização e letramento como prática social.

Fonte: (PARISOTTO; RINALDI, 2016)

Este é um artigo de Acesso Aberto distribuído sob os termos da Licença de Atribuição Creative Commons,
que permite uso, distribuição e reprodução irrestritos em qualquer meio, desde que o trabalho original seja
devidamente citado.

UNIDADE II Fonética 48
MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Como Falam os Brasileiros
Autores: Yonne Leite e Dinah Callou
Editora: Zahar
Sinopse: O livro discute a unidade do Português falado no Brasil e
sua diversidade, apresentando características dos falares carioca,
gaúcho, paulista, baiano e pernambucano. É um estudo sério e
reconhecido no meio acadêmico.

FILME/VÍDEO
Título: Jornal Hoje - Sotaques do Brasil: os jeitos diferentes de
falar do brasileiro.
Ano: 2014
Sinopse: Ainda para divulgar o Atlas Linguístico do Brasil, lança-
do em 2014, pela Editora da Universidade Estadual de Londrina
(EDUEL), esse vídeo do Jornal Hoje apresenta as diferenças de
uso dos pronomes “tu” e “você” em algumas capitais brasileiras.
Além disso, mostra jeitos específicos do mineiro e do cuiabano
pronunciarem as palavras.

Link do vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=HwHfkuRCflc&list=PL8tgKAD-
g9iMdSnZOo4GI22sq1ch-fNESh

UNIDADE II Fonética 49
UNIDADE III
Fonologia
Professor Esp. Sérgio Aparecido Carneiro

Plano de Estudo:
A Fonologia sob a perspectiva do Estruturalismo e do Gerativismo;
● Conceitos fundamentais: dos fonemas aos traços distintivos no Português Brasileiro;
● A transcrição e a análise fonológica.

Objetivos de Aprendizagem:
● Conceituar e contextualizar Estruturalismo e Gerativismo;
● Conceituar fonema.
● Compreender traços distintivos em análise fonológica;
● Diferenciar transcrição fonética de transcrição fonológica.

50
INTRODUÇÃO

Caro (o) aluno (a), você está diante de uma unidade muito importante do nosso
estudo. Vou lhe propor uma série de reflexões linguísticas que vão ampliar seu repertório
de conhecimentos sobre o Português do Brasil.
No primeiro tópico, “A Fonologia sob a perspectiva do Estruturalismo e do Gerativis-
mo”, você terá uma perspectiva teórica que orientará seu estudo nesta unidade e, também,
trata-se de um conteúdo para nortear futuras pesquisas, que eventualmente você tenha
interesse. Você verá a discussão da importância dos traços distintivos para os estudos
linguísticos.
No segundo tópico, “Conceitos fundamentais: dos fonemas aos traços distintivos
no Português Brasileiro”, você terá uma rica discussão de conceitos e traços distintivos do
nosso idioma. Apresento conceitos, fenômenos linguísticos, traços distintivos, transcrições
fonéticas e fonológicas quando houver necessidade para o melhor entendimento do con-
teúdo.
E, no último tópico, “A transcrição e a análise fonológica”, fechamos alguns deta-
lhes da transcrição fonológica sempre comparada à transcrição fonética, para você poder
compreender fatos importantes do Português do Brasil. Na análise fonológica, você verá
uma série de processos fonológicos de nosso idioma numa perspectiva do Gerativismo.
Será um novo olhar sobre fatos da língua já vivenciados por você no cotidiano.
Sugiro que faça seu estudo com calma e atenção. Procurei ao máximo facilitar a
linguagem sem perder a riqueza das discussões linguísticas. Nada aqui é para ser me-
morizado, mas sim compreendido. À medida que for avançando no estudo desta unidade,
permita-se voltar a informações das páginas anteriores quando sentir necessidade. Bom
trabalho!

UNIDADE III Fonologia 51


1 A FONOLOGIA SOB A PERSPECTIVA DO ESTRUTURALISMO E DO GERATIVISMO

[...] mesmo sem nos darmos conta, existe um contrato (acordo) estabelecido
entre os falantes de uma comunidade linguística e é ele que controla a varia-
ção de nossa fala. Esse acordo é a nossa língua. E, de certa forma, é des-
se acordo que trata a fonologia” (SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO,
2011, p. 67).

A Fonologia, inicialmente, preocupa-se com modelos teóricos para descrever o


funcionamento de uma língua específica.
O chamado Estruturalismo surge na Linguística com o Curso de Linguística Geral,
lançado na França em 1916, por discípulos de Ferdinand Saussure. Grandes dicotomias
como “língua” (langue) e “fala” (parole), “forma” e “substância” marcam o pensamento de
Saussure. A língua é vista como sistema abstrato de regras e a fala como a realização
individual da língua pelo falante. A forma está relacionada à estruturação da língua com
suas regras próprias. E a substância está relacionada à realidade da fala e suas variações.
Forma e substância estão intimamente ligadas assim como língua e fala.
As noções de Saussure sobre o fonema vão ser importantes para a Fonologia. Os
estudos fonológicos partem dessas noções e avançam:
A noção atual do termo fonema estava latente, portanto, na distinção lan-
gue-parole de Saussure e a ideia do contraste fonêmico estava presente nos
trabalhos iniciais de E. Sapir. Saussure não chegou a formular sua conceitua-
ção, mas já tinha uma ideia bastante clara de que os fonemas são antes de
tudo entidades opositivas, relativas e negativas. Essa concepção de entida-
des opositivas em Saussure aplica- se a todas as unidades linguísticas. Os
fonemas se caracterizam não por uma qualidade particular positiva de cada
um, mas simplesmente pelo fato de que não se confundem uns com os outros
(CALLOU; LEITE, 2009, p. 36).

UNIDADE III Fonologia 52


O Círculo Linguístico de Praga, no final da década de 1920, na Europa, vai avançar
os estudos estruturalistas. Nomes como N. Trubezkoy, R. Jakobson, A. Martinet e E. Benve-
niste são representantes desse momento. E vão delimitar o fonema como unidade mínima
da língua capaz de distinguir significado. Por exemplo, se você considerar as palavras
“mata” e “nata”, / ‘mata / e / ‘nata /, observará que elas têm significados diferentes e que
houve a troca de apenas um som: / m / foi substituído por / n /. Como essa troca produziu
distinção de significado, pode-se afirmar que / m / e / n / são fonemas.
Na mesma época, nos Estados Unidos, E. Sapir e L. Bloomfield desenvolvem estu-
dos linguísticos, que recebem o nome de Fonêmica. Esses estudos tinham preocupações,
que se pareciam com as do Círculo de Praga: identificar e estudar os fonemas. É comum
encontrar hoje Fonética e Fonologia usadas com sentido aproximado. O fato de que, para
se chegar ao fonema, segmenta-se a palavra, trouxe a técnica da segmentação para outros
níveis de descrição gramatical e isso representou um avanço nos estudos linguísticos.
Assim a Fonêmica prescinde de uma análise cuidadosa dos dados, trans-
critos foneticamente levando em consideração seus contextos, ou seja, sua
distribuição. No modelo estruturalista, parte-se sempre do particular para o
geral, do fato para o sistema, ou ainda, da realidade fonética para a interpre-
tação fonológica. A Fonêmica constitui-se, então, em uma das teorias, dentre
outras tantas, sobre a organização dos sons da fala em um sistema (SEARA;
NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 70).

Roman Jakobson deu uma contribuição importante para a Fonologia. Ele reviu o
conceito de fonema e o ampliou:
Foi ele quem definiu o fonema como um ‘feixe de traços distintivos’, com base
na ideia de que o fonema era divisível em unidades menores. A partir de en-
tão o fonema passou a ser visto pelos seguidores da escola de Praga como
a soma das particularidades fonologicamente pertinentes que uma unidade
fônica comporta. Nesse novo conceito de fonema, em termos mais abstratos
e menos físicos, salientava-se o papel funcional que o elemento fônico de-
sempenha na língua (CALLOU; LEITE, 2009, p. 36).

Callou e Leite (2009, p.37) ainda assinalam que os fonemas não se manifestam
sempre da mesma forma fonética, pode haver variações. E à fonética interessa todos os
traços da manifestação do fonema, mas só os traços distintivos interessam à Fonologia.
Em uma análise fonêmica, deve-se ter um inventário fonético (que lista todas
as vogais e consoantes da língua) e um inventário fonêmico (que lista os
fonemas, alofones e informações complementares da língua a ser descrita,
como por exemplo, considerações sobre a estrutura silábica ou suprasseg-
mental). A unidade mínima da análise fonêmica é o fonema. Pares mínimos
caracterizam a oposição entre os fonemas. Alofones caracterizam a varia-
ção expressa pela distribuição complementar (CRISTÓFARO SILVA, 2003,
p. 188).

UNIDADE III Fonologia 53


Noam Chomsky é o nome mais expressivo da Fonologia Gerativa Padrão, que
veio questionar a visão estruturalista de fonema como unidade indivisível da língua. Ele
buscava uma teoria que propusesse generalizações capazes de explicar o funcionamento
das línguas. Publicou em 1957 a obra “Estruturas Sintáticas” com sua visão teórica.
A falta de um mecanismo que expresse as generalizações presentes nos sis-
temas sonoros é um dos argumentos dos precursores da fonologia gerativa
padrão contra a proposta estruturalista. A fonologia gerativa padrão propõe a
oferecer como alternativa ao modelo estruturalista um mecanismo de forma-
lização sofisticado que expresse as generalizações de sistemas fonológicos
(CRISTÓFARO SILVA, 2003, p. 189).

O Gerativismo propõe uma análise linguística que integre a descrição sintática,


semântica e fonológica. Os trabalhos de Chomsky foram detalhados e aperfeiçoados por
outros estudiosos também:
Dentre estes, destaco os trabalhos de Schane (1973); Hyman (1975); e Kens-
towicz & Kisseberth (1979). Estes trabalhos apresentam a proposta da fo-
nologia gerativa padrão, discutem aspectos controvertidos deste modelo e
propõem refinamentos teóricos para o aperfeiçoamento da descrição fonoló-
gica. Publicou-se também livros de exercícios com o objetivo de propiciar ao
leitor a aplicação prática da Fonologia Gerativa. Dentre estes podemos citar
Schane & Bendixxen (1978); Whitley (1978) e Halle & Clements (1983). Uma
introdução à fonologia gerativa (em português) é apresentada no trabalho de
Callou & Leite (1990) (CRISTÓFARO SILVA, 2003, p. 191).

Chomsky utiliza os conceitos de “competência” e “desempenho” (língua e fala para


os estruturalistas). A competência relaciona-se a estruturas mentais profundas dos falan-
tes, ao seu conhecimento sobre como funciona sua língua. Munidos dessa competência,
os falantes podem entender e criar estruturas linguísticas infinitas dentro de seu idioma.
E a compreensão desses processos é o foco do Gerativismo. Já o desempenho é visto
como algo mais limitado, é a utilização que o falante faz num momento, com suas escolhas
linguísticas e fonéticas, para expressar-se. Aqui reside uma crítica aos estruturalistas, que
estavam mais preocupados com as amostras de fala como objeto de análise linguística.
A proposta do Gerativismo é ampla:
A noção de que fonemas constituem-se em um feixe de traços distintivos que
opõem os morfemas e as palavras entre si é também abarcada pela Fonolo-
gia Gerativa, que tenta especificar os traços, chamados de fonéticos, a partir
da representação das capacidades fonéticas do ser humano, sem levar em
conta nenhuma língua em especial. Esses traços, também extraídos de re-
presentações binárias (+ ou -), apresentam a vantagem de serem simples e
universais. Quando os traços fonéticos são usados em uma língua específica
para trazer contrastes lexicais ou para definir classes naturais, são chamados
de traços fonológicos (SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 70
e 71).

Nos próximos tópicos, vou detalhar aspectos importantes da análise linguística da


Fonêmica e do Gerativismo.

UNIDADE III Fonologia 54


2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS: DOS FONEMAS AOS TRAÇOS DISTINTIVOS NO
PORTUGUÊS BRASILEIRO

2.1 Os Fonemas

Os fonemas são sons dotados da capacidade de distinguir (diferenciar) o significado


entre palavras. Por exemplo, as palavras “tia” e “chia” podem ilustrar esse conceito. / ‘tia / e
/ ‘ʃia / são palavras que apresentam só o primeiro som diferente e isso já foi suficiente para
produzir duas palavras distintas. Então, se / t / e / ʃ / são capazes de diferenciar o significado
dos termos “tia” e “chia”, trata-se de dois fonemas distintos. Observe que, quando se fala
de fonemas, são usadas duas barras inclinadas: / t / e / ʃ /. Para representar a transcrição
fonológica de uma palavra, mostrando todos os seus fonemas, também são usadas duas
barras inclinadas: / ‘tia /. Por outro lado, na transcrição das várias possibilidades de pronún-
cia de uma mesma palavra, representando dialetos diferentes, sem alterar o significado,
são usados dois colchetes: por exemplo, [ ‘tiɐ ] e [ ‘tʃiɐ ]. Essa é uma notação que será feita
ao longo desta unidade. E trata-se de uma convenção usada em todos os livros de Fonética
e Fonologia.

As palavras “cato” e “gato” podem ser usadas como mais um exemplo: / ‘kato /
e / ‘gato /. Observe que os únicos sons diferentes são / k / e / g / e eles são capazes de
distinguir significado, por isso são classificados como fonemas diferentes. Por outro lado,
nas variantes [ ‘katʊ ] - [ ‘kato], ocorreram apenas duas possibilidades de pronúncia da

UNIDADE III Fonologia 55


vogal final átona. Como não houve mudança de significado, [ ʊ ] e [ o ], no contexto em que
ocorrem , representam variação do mesmo fonema. [ ʊ ] e [ o ] são chamados de alofones.
A mesma situação ocorre entre [ ‘gatʊ ] e [ ‘gato ].

Na verdade, o que ocorre entre / k / e / g /, capazes de diferenciar o significado


de palavras como “cato” e “gato”, é o traço distintivo de vozeamento: / k / é surdo ou não
vozeado (não vibra as cordas vocais) e / g / é sonoro ou vozeado (vibra as cordas vocais).
Esses dois fonemas possuem o mesmo modo de articulação (oclusivo) e o mesmo ponto
de articulação (velar).

No início do Estruturalismo, considerava-se o fonema como unidade mínima


distintiva. “Hoje, a unidade mínima desse nível linguístico são os traços distintivos”, e
o fonema é considerado, desde a teoria de Roman Jakobson, como “um feixe de traços
distintivos” (SILVA, 2011, p. 9).
Ainda devemos considerar a tonicidade como tendo valor fonêmico, uma vez
que podemos fazer uma oposição apenas pela posição do acento da pa-
lavra como entre sábia (que sabe muito, erudita), sabia (ação verbal que
corresponde a ter conhecimento) e sabiá (pássaros muito populares e bons
cantores). O traço que distingue os vocábulos é o acento tônico que passa
da primeira vogal para a segunda e depois para a última, variação encon-
trada em PB (antepenúltima, penúltima e última sílaba correspondendo às
proparoxítonas, paroxítonas e oxítonas, respectivamente) (SEARA; NUNES;
LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 75).

2.2 Os Alofones

Alofones refere-se a modificações sonoras que não promovem diferença de signi-


ficado. Como na palavra “mar”, fonologicamente podemos transcrever como / ‘maR
/. Foneticamente a letra “r”, nesse contexto de final de sílaba e final de palavra, pode ter
muitas pronúncias no Português do Brasil. Por exemplo, se compararmos a pronúncia de
um carioca, que pode ser representada como [ ‘maX ], e a pronúncia de do interior do es-
tado de São Paulo [ ‘maɹ ], temos diferenças na produção da consoante. Mas o significado
da palavra “mar” não foi alterado. Então, nesse contexto, as realizações [ X ] e [ ɹ ] são
variações do mesmo fonema. Não se trata de fonemas diferentes, mas de alofones.

UNIDADE III Fonologia 56


2.3 Sons Foneticamente Semelhantes

Os sons com maior proximidade de pronúncia fonética tendem a ser variações do


mesmo fonema (alofones) e os sons com maior distanciamento fonético normalmente são
fonemas diferentes:
Normalmente os sons que são foneticamente semelhantes (aqueles que com-
partilham um maior número de características fonéticas) são mais facilmente
encontrados como variantes de um fonema, e aqueles foneticamente muito
diferentes têm alta probabilidade de ocorrerem como fonemas. Por exemplo,
fonemas como l e p, por não possuírem nenhuma similaridade, devem ser
considerados fonemas distintos. Enquanto um é oclusivo, o outro é lateral;
enquanto um é alveolar, o outro é bilabial, e enquanto um é sonoro, o outro
é surdo. Dessa forma, são distintos em modo, ponto e vozeamento (SEARA;
NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 76).

2.4 Pares Mínimos

Quando duas palavras se diferenciam pela presença de dois fonemas distintos,


estes são chamados de pares mínimos. É o que ocorre, por exemplo, nas palavras “chato”
e “jato” - / ‘ʃato / e / ‘ʒato /. Ocorre que os fonemas / ʃ / e / ʒ / diferenciam as duas palavras
em questão. Eles são chamados de pares mínimos. Esses dois fonemas são consoantes
fricativas (modo de articulação) e alvéolo-palatais (ponto de articulação). O traço distintivo
está no vozeamento: / ʃ / é não vozeada e / ʒ / é vozeada.

Cristófaro Silva (2003, p. 128) lista alguns sons foneticamente semelhantes que
podem resultar em pares mínimos de fonemas:
a. um som vozeado e seu correspondente desvozeado.
b. uma Oclusiva e as fricativas e africadas com ponto de articulação idêntico
ou muito próximo.
c. as fricativas com ponto de articulação muito próximo.
d. as nasais entre si.
e. as laterais entre si.
f. as vibrantes entre si.
g. as laterais, vibrantes e o tepe.
h. sons com propriedades articulatórias muito próximas.
i. as vogais que se distinguem por apenas uma propriedade articulatória. As-
sim, [e, ɛ] constituem um par suspeito porque estas vogais diferem apenas
quanto a uma propriedade articulatória (referente à altura). Por outro lado,
[i,u] não representam pares suspeitos uma vez que estes segmentos diferem
quanto à anteriorização/posteriorização e arredondamento/não-arredonda-
mento.

UNIDADE III Fonologia 57


2.5 Arquifonemas e Neutralização

Quando uma variante de fonema, um alofone, ocorre num contexto específico,


chama-se variante contextual. É o que ocorre com o fonema / d /. Diante do som [ i ] e
suas variações, pode ocorrer [ d ] ou [ dʃ ], como em “digo” – [ ‘digʊ ] ou [ ‘dʃigʊ ]. Já seguido
por outros sons vocálicos, o fonema / d / soará sempre como [ d ]: “data” [ ‘datɐ ], “dedo” [
‘dedʊ ], “doce” [ ‘dosi ], “duas” [ ‘duɐs ]. Então, dependendo do contexto, haverá ou não a
variação. E observe também que [ d ] e [ dʃ ] não são pares mínimos de fonemas.

Por outro lado, os pares mínimos / s / e / z / distinguem significado, em palavras


como “assar” e “azar”: / a ‘sar / e / a ‘zar /. O mesmo ocorre com os pares mínimos / ʃ / e / ʒ /,
em palavras como “chato” e “jato”: / ‘ʃato / e / ‘ʒato /. Então, fica evidente que / s /, / z /, / ʃ /,
/ ʒ / são fonemas diferentes, por isso provocam distinção de significados. Mas, em palavras
como “casca” e “mesmo” (SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 83), o fonema
/ s / poderá ser pronunciado como [ ‘kaska ] ou [ ‘kaʃka ], [ ‘mezmo ] ou [ ‘meʒmo ]. Nesse
caso, sons que são distintivos, que são comprovadamente fonemas diferentes, acabam
representando realizações diferentes do fonema / s /. Aqui haverá, nos exemplos citados, a
neutralização do caráter distintivo desses fonemas. A isso é dado o nome de arquifonema,
que será representado pelo símbolo maiúsculo / S /. E, para marcar esse arquifonema, as
transcrições fonológicas das palavras “ casca” e “mesmo” serão, respectivamente, / ‘kaSka
/ e / ‘meSmo /.

2.6 Os Traços Fonológicos

Seara, Nunes e Lazzarato-Volção (2011, p. 84) explicam como é feita a análise dos
traços fonológicos, segundo o Gerativismo de Chomsky e Halle:
Processos fonológicos aplicam-se sobre as classes naturais formando regras
mais abrangentes do que aquelas aplicadas sobre propriedades individuais.
A complexidade da notação dependerá da complexidade do fenômeno ana-
lisado. Essas propriedades, quer sejam comuns ou individuais, devem ser
escritas entre colchetes com as valências [+ ou -] antes da propriedade.
Por exemplo, [ b ] receberia o traço [+ vozeado], enquanto [ p ], [- vo-
zeado] (grifo nosso).

[...] Estes traços dividem-se naqueles concernentes às classes principais (si-


lábico, consonântico e soante), de corpo da língua (alto, baixo, recuado), de
cavidade (coronal, anterior), de forma dos lábios (arredondado), de modo de
articulação (contínuo, lateral, nasal, estridente, soltura retardada) e de fonte
(vozeado).

UNIDADE III Fonologia 58


Ainda segundo Seara, Nunes e Lazzarato-Volção (2011, p. 85-89), apresento a
seguir uma matriz dos traços fonológicos do Português do Brasil (que também pode ser
apresentada em forma de árvore) e, na sequência, apresento o detalhamento desses traços:

Quadro 1: Traços fonológicos das consoantes


Fonte: (SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 85, apud CHOMSKY; HALLE, 1968)
Nota: / r / refere-se ao “r” forte que se opõe em Língua Portuguesa ao “r” fraco / ɾ /. Essa foi a convenção
adotada pela tabela que reproduzida aqui.

Quadro 2: Traços fonológicos dos fonemas vocálicos


(SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 85, apud CHOMSKY; HALLE, 1968)
Nota: / j / está representando a semivogal que convencionamos até aqui transcrever como / y /.

UNIDADE III Fonologia 59


Na sequência, você vai entender melhor a proposta de análise desses traços dis-
tintivos dos fonemas do Português do Brasil. Antes disso, porém, dois conceitos se fazem
necessários: posição neutra e vozeamento espontâneo.
Na posição neutra, o véu palatino levanta-se e impede a passagem de ar pelas
cavidades nasais. O corpo da língua levanta-se na posição que ficaria para pronunciar as
vogais altas. E a lâmina da língua (base da língua na parte da frente) fica na posição de
uma respiração normal.
No vozeamento espontâneo, ocorre o fenômeno anterior à produção dos sons,
ocorre um estreitamento da glote, as cordas vocais se posicionam, a pressão do ar acima e
abaixo da glote diminui e isso determina a velocidade da produção dos sons. Essa veloci-
dade é responsável por vibrar ou não as cordas vocais, produzindo sons vozeados ou não
vozeados. Mas, no vozeamento espontâneo, são reunidas as condições para a produção
de fonemas vozeados.
Agora, você vai pensar nas características distintivas apresentadas pelas matrizes
dos quadros 1 e 2 (considere este como um momento muito importante do seu estudo nesta
unidade). Sugiro que você volte constantemente aos quadros em questão e vá testando
cada som de acordo com as características apresentadas, para você poder entender me-
lhor o conteúdo. Vou iniciar pelos traços referentes às classes principais:
Silábico: As consoantes ocupam posições periféricas na formação das sílabas,
não são capazes de formar sílabas sem vogais (são assilábicas) e para representar isso
são chamadas de [-sil]. Já as vogais ocupam o núcleo da sílaba, são capazes de formar
sílabas sozinhas e isso é representado da seguinte maneira: [+sil]. As semivogais também
são [-sil].
Consonantal: Todas as consoantes são produzidas com uma interrupção total ou
parcial na boca e esse traço fonológico é definido como [+cons]. Por outro lado, as vogais e
as semivogais são produzidas sem interrupção na boca e isso se representa como [-cons].
Soante: um som que reúna as condições do vozeamento espontâneo será [+son]
e um som que não reúna essas condições será [-son]. Observe que todas as vogais e
semivogais são [+son].
Veja agora os traços distintivos referentes ao corpo da língua:
Alto: um som é alto quando são reunidas as condições da posição neutra: véu
palatino levantado (assim são produzidos os sons orais) e corpo da língua levantado como
no processo de respiração normal. Representa-se como som [+alto]. São [+alto] as vogais
altas e semivogais, as consoantes alvéolo-palatais [ ʃ ] e [ ʒ ]; palatais [ ɲ ] e [ ʎ ], e velares

UNIDADE III Fonologia 60


como [ k ], [ g ]. Além disso, as vogais [ i ] e [ u ] e as suas variações e as semivogais
também são sons [+alto]. Outros sons sem essas características são [-alto].
Baixo:
Baixo: Caracteriza os segmentos realizados com o abaixamento da língua
em uma posição abaixo da verificada na posição neutra. Os baixos [+bx] são
as vogais abertas. As outras consoantes, as vogais altas e médias são sons
não-baixos [-bx]. As vogais médias são melhor classificadas com os traços
[alto] e [baixo] ” (SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 87).

Recuado ou posterior: os sons [+rec] têm a língua voltada mais para trás se com-
parados à posição neutra da língua. São as vogais centrais e posteriores [ a, ɐ, ɔ, o, u, ʊ ],
semivogal [ w ] e consoantes velares [ k, g, r ], esse último referente ao “r” forte. Os demais
sons classificam-se como [-rec].
Vejamos agora os traços relacionados à cavidade. Esses traços são próprios das
consoantes:
Anterior: Demarca os segmentos realizados com uma obstrução no trato oral
localizada na região anterior à região alvéolo-palatal. São anteriores [+ant] as
consoantes labiais, dentais e alveolares; são não-anteriores [-ant] as alvéolo-
-palatais, palatais, velares, uvulares e faringais.
Coronal: Define os sons produzidos com o ápice ou lâmina da língua eleva-
da a uma posição acima da observada na posição neutra, mais especifica-
mente na região atrás dos incisivos superiores, entre a arcada alveolar e o
palato duro. Os sons assim produzidos são coronais [+cor] e constituem-se
nas consoantes dentais, alveolares, alvéolo-palatais, retroflexas. As demais
consoantes são não coronais [-cor] (Ibidem, p. 87-88)

Traço relacionado à forma dos lábios:


Arredondado: Inicialmente esse traço diz respeito às vogais arredondadas
[ ɔ, o, u, ʊ ] e a semivogal [ w ]. Há um estreitamento da boca e os lábios são jogados para
frente.
Traços referentes às consoantes e segundo o modo de articulação:
Contínuo: quando o ar que passa pela boca durante a constrição para produzir o
som não é interrompido, ocorre um som [+cont]. Quando há interrupção, ocorre um som
[-cont]. As fricativas, por exemplo, são [+cont]: [ f ], [ v ], [s ], [ z ], [ ʃ ], [ ʒ ].
Estridente: Marcados como [+est] e [-est].
Estridente: Caracteriza os segmentos produzidos com intensidade elevada
de ruído, o qual se deve à presença na articulação de um obstáculo suple-
mentar que provoca uma turbulência de ar maior.
(SEARA; NUNES;LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 88)

Nasal: Os sons produzidos com o véu palatino abaixado, com o ar passando pela
boca e pelas cavidades nasais serão [+nas]. Os sons produzidos com o véu palatino levan-
tado e o ar passando só pela boca serão os [-nas].

UNIDADE III Fonologia 61


Lateral: A ponta da língua fica levantada, a parte média da língua se abaixa e o ar
escapa pelas laterais. As líquidas - [ l ] , [ ʎ ] - são [+lat]. Os demais sons são considerados
[-lat].
Soltura Retardada: [+solt ret] são os sons africados [ tʃ ], [ dʒ ].
Soltura Retardada: Esse traço é usado para diferenciar as plosivas das afri-
cadas. É definido como [+solt ret] quando o trato vocal se abre gradualmente
como nas africadas. Já o traço [-solt ret] define os segmentos que são produ-
zidos com uma liberação do fluxo de ar abrupta como nas plosivas (Ibidem,
p. 89).

O último traço em questão aqui, está relacionado à fonte de excitação do trato


vocal: Vozeado. Os fonemas serão [+voz] quando na produção do som houver vibração
das cordas vocais e [-voz] quando não houver essa vibração.

UNIDADE III Fonologia 62


3 A TRANSCRIÇÃO E A ANÁLISE FONOLÓGICA

3.1 A Transcrição Fonológica

Como já vimos, a transcrição fonética, representando dialetos diversos com suas


várias possibilidades de produção dos sons chamados de fones, é feita entre colchetes.
Por exemplo, para a palavra “tia”: [ ‘tiɐ ], [ tʃiɐ ]. Por outro lado, a transcrição fonológica é
feita entre barras inclinadas. Esta última se baseia naquilo que é mais comum na língua e
em convenções para representar os sons distintivos chamados de fonemas. Por exemplo,
para a palavra “tia”: / ‘tia /. Na sequência, farei uns destaques de transcrição. Apresentarei
a palavra, sua transcrição fonológica primeiro e depois a(s) fonética(s).

Quadro 3: transcrição fonológica x transcrições fonéticas

ato / ‘ato / [ ‘ato ], [ ‘atʊ ]


maçã / ma ‘sã / [ ma ‘sɐ͂ ]
tostar / toS ‘taR / [ tos ‘taɾ ], [ toʃ ‘taɾ ]
/ S / e / R / estão marcando O “r” final também pode ter várias pronúncias
neutralizações
dia / ‘dia / [ ‘diɐ ], [ ‘dʒiɐ ]
ele / ‘ele / [ ‘ele ], [ ‘el ⊃ ],
mesmo / ‘meSmo / [ ‘mesmo ], [ ‘mezmo ], [ ‘meʒmo ]
O / S / está marcando uma
neutralização
pedra / ‘pɛdɾa / [ ‘pɛdɾɐ ]

UNIDADE III Fonologia 63


mel / ‘mɛl / [ ‘mɛw ], [ ‘mɛɫ ]
pinho / ‘pĩɲo / [ ‘pĩɲo ], [ ‘pĩɲʊ ]
quadro / ‘kwadɾo / [ “kwadɾo ], [ “kwadɾʊ ]
zero / ‘zɛɾo / [ ‘zɛɾo ], - [ ‘zɛɾʊ]
ônibus / ‘onibuS / [ ‘onibʊs ], [ ‘onibʊʃ ]
O / S / está marcando uma
neutralização
pezinho / ‘pɛzĩɲo / [ ‘pɛzĩɲo ], [ ‘pɛzĩɲʊ ]
alho / ‘aʎo / [ ‘aʎo ], [ ‘aʎʊ ],
Fonte: quadro criado pelo próprio autor deste material

Agora analise comigo a questão fonológica do “r’ ortográfico, segundo Cristófaro


Silva (2003, p. 141-143). Vai haver contraste fonêmico somente em contexto intervocálico,
como em “caro” e “carro”: / ‘kaɾo / e / ‘kao /, respectivamente. O chamado “r” fraco será
sempre um tepe / ɾ / e o “r” forte será representado aqui pelo símbolo /
Em final de sílaba (como em “car-ta”) ou em final de sílaba que coincida com final
de palavras (como em “cor”) usaremos o símbolo / R /: / ‘kaRta /, / ‘koR /. Aqui o símbolo
fonológico / R / estará marcando uma neutralização dos traços distintivos do fonema. Há
muitas possibilidades de pronúncia nesse caso, sem marcar distinção de significado. Tem-
-se um arquifonema. Então, nesses finais de sílaba, o arquifonema será representado por
/ R /.
A seguir disponibilizo um quadro ilustrativo dos fonemas / ɾ /, / E apresento também
o arquifonema / R / e algumas das principais realizações fonéticas desses sons. Vou me
ater às realizações do Português do Brasil.

Fonte: CRISTÓFARO SILVA, 2003, p. 143.


Quadro 4 – ocorrências de / ɾ /, / / R /.

UNIDADE III Fonologia 64


O quadro ilustra ocorrências de / ɾ /, / / R / e algumas possibilidades de pronúncia
no Português do Brasil e até de Portugal. Não há muita unanimidade em como representar
principalmente as ocorrências fonéticas dos fonemas em questão. Mas, considerando a
importância da obra citada para o meio acadêmico, decidi usar o quadro e comentá-lo
para auxiliar o seu estudo nesta unidade. Acompanhe os meus comentários abaixo e vá
conferindo no quadro acima, para você entender melhor.

O tepe / ɾ / marca início de sílaba em meio de palavra, como em “careta”, “arame”,


“areia”, “ureia”. E ocorre também em encontros vocálicos, depois de uma consoante, como
“pedra”, “cravo”, “palavra”. O quadro apresenta uma realização fonética única para o fone-
ma / ɾ /. Mas quero lembrar uma exceção, como a que ocorre no interior do Estado de São
Paulo, em que se ouve um “r” caipira inclusive nas situações citadas.

O “r” forte / aparece entre vogais, na grafia o “r” é dobrado, como em “morro”,
“amarrar”, “arroz”, “sorrir”. Ocorre também em início de palavra, como em “remédio”, “raça”,
“rio”, “ruído”. Além disso, pode aparecer seguindo uma consoante e formando uma nova
sílaba, como em “honra”, “enredo”, “genro”, “israelita”. O quadro apresenta para esse fo-
nema, algumas realizações possíveis, como a do Rio de Janeiro [ h ], de Belo Horizonte [
X ], onde o som é mais suave do que o do Rio de Janeiro e é apresentada também uma
variante caipira [ ɹ ].

Em final de sílaba, haverá o arquifonema / R /. O quadro destaca uma diferença


para a produção desse fonema, quanto ao vozeamento da consoante seguinte. Em Belo
Horizonte, nas palavras, por exemplo, “corda” e “torto”, o fonema / R / é seguido da con-
soante / d / vozeada e da consoante / t / desvozeada. E haverá uma concordância em
vozeamento com a consoante seguinte: [ ɦ ] e [ h ], respectivamente, consoante vozeada e
desvozeada. O mesmo ocorre no Rio de Janeiro, com as mesmas palavras como exemplo,
o fonema / R / é seguido da consoante / d / vozeada e da consoante / t / desvozeada e é
realizado como [ ɣ ] e [ X ], respectivamente, consoante vozeada e desvozeada. Já em final
de sílaba que coincida com final de palavra, como em “mar”, a produção da consoante será
igual ao caso em que / R / foi seguido da consoante / t / desvozeada. Respectivamente,
para Belo Horizonte e Rio de Janeiro: [ h ] e [ X ].

UNIDADE III Fonologia 65


3.2 Tópicos de Análise Fonológica

3.2.1 Símbolos Frequentemente Usados na Análise Fonológica

A seguir aparece um quadro com alguns símbolos que serão usados nesta unidade.
Você poderá voltar a esse quadro, sempre que precisar dele.

Quando 5 – Símbolos fonológicos


Fonte: SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 75.

3.2.2 Regras fonológicas

Apresentaremos uma discussão de alguns processos fonológicos, de acordo com


Seara, Nunes e Lazzaroto-Volção (2011, p. 111-116). Para entender esses processos, os
três questionamentos abaixo sempre são necessários. Além disso, vá usando os quadros 1
e 2 desta unidade, para ir comparando os traços dos fonemas.
1. Quais sons foram alterados?
2. Que tipo de modificação esses sons sofreram?
3. Em que condições houve as alterações?

UNIDADE III Fonologia 66


Enfraquecimento
Regra I:

Vamos responder às perguntas feitas anteriormente, a partir da regra I:

a) Que elementos foram modificados? Vogais com os traços [+baixo] e [+re-


cuada] (/ ɛ /) ou [+baixo] e [-recuada] : (/ ɔ / );

b) Que modificações sofreram? Vogais com o traço [+baixo] se transforma-


ram em vogais com traço [-baixo] ([ e ] e [ o ]);

c) Sob que condições se modificaram? Quando a vogal se encontra em po-


sição átona.

Leitura da Regra: As vogais / ɛ / e / ɔ / tornam-se respectivamente [e] e [o]


quando não-acentuadas. Ex: f[ ɔ ]rma → f[ o ]rmoso ou t[ ɛ ] la → t[ e ]celão.

(SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p. 111-112).

Então, vogais [+baixo] se transformaram em vogais [-baixo]. Quer dizer, essas


vogais se transformaram em vogais mais altas, com a língua mais elevada. Você pode
notar que a língua vai se levantar mais no movimento entre [ ɔ ] e [ o]. E o mesmo ocorre no
movimento entre [ ɛ ] e [ e ]. Isso foi possível porque [ o ] e [ e ] estão em sílaba átona e
sofreram influência de outros sons, tiveram suas características enfraquecidas.

UNIDADE III Fonologia 67


Regra II:

Vamos responder às perguntas feitas anteriormente, a partir da Regra II.


a) Que elementos foram modificados? Vogais com os traços [-baixo] e [-alto],
[+recuado] ou [recuado], átonas (/ e /, / o /)
b) Que modificações sofreram? Transformaram-se em vogais com traço
[+alto] ([ i ] e [ u ]);
c) Sob que condições se modificam? Quando a vogal se encontra em posição
final de palavra.

Leitura da Regra: As vogais / e /, / o / tornam-se [ i ] e [ u ], respectivamente,


quando não-acentuadas e em posição final de palavra.
Ex: lequ[ e ] → lequ[ i ] ou bol[ o ] → bol[ u ].
(Ibidem, p.112-113).

Então, as vogais / e /, / o / que são finais e não acentuadas (são átonas) tornaram-se
[ i ] e [ u ]. Esse processo já foi bem estudado nesta unidade. Mas entenda a descrição da
regra. Iniciemos pelo traço [-baixo]. As vogais [ i ] e [ u ] são consideradas vogais [+alto],
porque a língua se eleva para sua produção. Considerando esse traço, / e /, / o / são vogais
[-alto] que, em final átono, podem se tornarem altas, como ocorreu com as palavras “leque”
e “bolo”.
Agora, entenda um outro traço: as vogais / e /, / o / tem o traço [-baixo]. As vogais
com o traço [+baixo] são as que a língua fica numa posição mais rebaixada do que aquela
da posição de repouso. São as vogais abertas: / ɛ / e / ɔ /. Cuidado para evitar confusão
de conceitos aqui. As vogais / e /, / o / tem menos desse traço de ficarem com língua bem
rebaixada na produção como ocorre com as vogais abertas. Por isso se diz que / e /, / o /
tem o traço [-baixo].
A vogal / e / é [-rec] porque a língua vai para frente num movimento horizontal,
durante a sua produção. Já a vogal / o / é [+rec] porque num movimento horizontal a língua
se movimenta para trás. E, quanto ao traço [-acento], existe nessa situação porque se trata
de vogais sem acento tônico, ambas são átonas.
Entendendo tudo isso, veja como a demonstração gerativa dos traços iniciais e a
transformação deles ficam acessíveis. Vogais com os traço em questão à esquerda ( / e /,

UNIDADE III Fonologia 68


/ o /) tornam-se vogais com o traço [+alto] em finais de palavras átonos: “lequ[ e ] → lequ[ i ]
, bol[ o ] → bol[ u ]”. A visualização fica muito acessível, depois de haver familiaridade com
os processos fonológicos. Aqui também houve enfraquecimento de um traço.

Assimilação - Regra III:

“Leitura da Regra: Uma vogal é nasalizada diante de uma consoante nasal. Isso
pode ocorrer quando a vogal é seguida por uma consoante nasal na sílaba seguinte. Ex.ca-
ma – [ kɐ͂mɐ ]” (SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p.113).

Então, uma vogal torna-se [+nas], quando está seguida de uma consoante [+nas].
A consoante nasal pode estar na sílaba seguinte, como em “vinho”: vi-nho [ ‘vĩɲʊ ].
Além disso, pode ocorrer também de a consoante [+nas] estar na mesma sílaba, como em
“bomba”: bom-ba [ ‘bõbɐ ].

Palatalização - Regra IV:


“Um segmento torna-se palatal ou mais semelhante a um som palatal ao adquirir
uma articulação secundária africada”.

“Leitura da Regra: As consoantes / t / e / d / quando diante de / i / tornam-se


africadas [ tʃ ] e [ dʒ ], respectivamente. Ex: [ t ]ia → [ tʃ ]ia ou [ d ]ia → [ dʒ ]ia”.
(SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p.113).

Uma consoante [+coronal], [+anterior] e [-soltura retardada] torna-se [+soltura retar-


dada], quando estiver diante de uma vogal [-recuada] e [+alta]. Analise comigo esses traços
para você entender essa regra de palatalização.
Um som [+coronal] diz respeito à elevação da ponta da língua ou da lâmina da
língua à região atrás dos dentes superiores. Um som [+anterior] está relacionado à uma

UNIDADE III Fonologia 69


oclusão do ar anterior à região alvéolo-palatal. E um som de [-soltura retardada] é quando
o ar é solto rapidamente durante a produção do som.
Então, um som com as características descritas acima encaixa-se nos fonemas / t /
e / d /, que podem tornar-se [+soltura retardada], com a soltura do ar mais gradativa, como
ocorre na produção de [ tʃ ] e [ dʒ ]. Tal fenômeno pode ocorrer, quando as consoantes [ t ]
e [d ] estiverem diante da vogal / i /. Essa vogal por sua vez é [-recuada], a língua vai para
frente, e [+alta], a língua fica na posição mais alta de produção das vogais.

Labialização - Regra V:

“Leitura da Regra: Acrescenta-se o traço [+arr] a uma consoante quando esta é


antecedida e seguida por vogais com o traço [+arr]. Ex. osso: / oso / → [ osʷo ].”
(SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p.114).
O traço arredondado do / o / contaminou a pronúncia do [ s ], que ganha o traço
arredondado também: há um estreitamento da boca e os lábios são jogados para frente.

Assimilação de vozeamento - Regra VI:

“Leitura da Regra: Essa regra estabelece que uma consoante [+ant, +cor,+alt,
-voz] adquire o traço [+voz] em final de sílaba ou palavra, quando estiver diante de uma
consoante [+voz]. Ex. me[ s ]mo → me[ z ]mo.”
(Ibidem, p.114-115).
O fonema / s / desvozeado, diante do fonema / m / vozeado, pode ser pronunciado
como vozeado também.

UNIDADE III Fonologia 70


Inserção ou Epêntese – Regra VII:

“Leitura da Regra: Essa regra diz que haverá a inserção de um segmento [-sil,
-cons, +alto, -post, -arr] [ j ] quando uma consoante [+cor, +estr] em posição final de sílaba
for antecedida por uma vogal acentuada. Ex. três → trê[ j ]s.”
(Ibidem, p.115).
Para a semivogal em questão, tenho usado neste material o símbolo [ y ] no lugar
de [ j ]. A consoante [ s ] antecedida por uma vogal tônica permitiu a pronúncia com inserção
de uma semivogal. O mesmo pode ocorrer com palavras como “mas”, “vez”, “pôs”, etc..

Harmonia Vocálica : Regra VIII


Há uma tendência de tornar as vogais semelhantes entre si.

Leitura da Regra: Uma vogal não-acentuada assume o mesmo valor do tra-


ço [baixo] da vogal acentuada. Vejamos um exemplo prático: essa regra indi-
ca que, se a vogal tônica tiver o traço [+baixo], a vogal pretônica também terá
o traço [+ baixo]. No entanto, se a tônica tiver o traço [-baixo], a vogal pré-tô-
nica terá esse mesmo traço. É o que acontece com as palavras peteca [ pɛ
‘tɛkɐ ], remoto [ xɛmɔtʊ ] e reboco [ xebokʊ ], colosso [ ko ‘losʊ ], ou ainda em
menino [ mi ‘ninʊ ] (SEARA; NUNES; LAZZAROTO-VOLÇÃO, 2011, p.115).

Lembre que as vogais com o traço [+baixo] são aquelas com uma posição abaixo
da posição neutra, são as vogais abertas, como [ a ], [ ɛ ], [ ɔ ]. Já as vogais com o traço
fonológico [-baixo] são as com posição mais elevada da língua. Em “peteca” e “remoto” as
vogais tônicas abertas [ ɛ ] e [ ɔ ] podem influenciar a realização das vogais anteriores a
elas, que são átonas pretônicas: [ pɛ ‘tɛkɐ ], [ xɛmɔtʊ ]. (É claro que a pronúncia fechada
dessas vogais pretônicas também ocorre no Português do Brasil). O mesmo fenômeno de
harmonia vocálica pode ser observado nos demais exemplos da citação acima.

UNIDADE III Fonologia 71


Sandi - Regra IX:
Em fronteira de palavra, pode haver queda de vogal.

Leitura da Regra: Uma vogal átona final de palavra é eliminada quando a


palavra que a segue também começa por uma vogal. Quando isso acontece,
há uma reestruturação da sílaba que continha essa vogal eliminada. Ex. É o
que ocorre em uma amiga / ‘uma a ‘miga / que passa a [ ‘uma ‘migɐ ].
(Ibidem, p.116).

Essa regra é fácil de entender, porque é muito comum na fala esse fenômeno de
haver uma crase de vogais em fronteira de palavras.

SAIBA MAIS

Os portugueses, vindos do Norte de Portugal, no século XVII, à procura de ouro, le-


varam a Cuiabá um sotaque bem diferente, que ainda sobrevive por lá e em algumas
cidades da região, “djeito”, “tchamar”, “fedjão”...
Pronúncias como “Salvadô”, “amô”, “calô”, “lavora”, “bejo”, “poco”, “chero” têm um in-
fluência especial dos milhares de negros africanos trazidos ao Brasil. Gerúndios como
“andano”, “falano” e a simplificação da terceira pessoa do plural, como em “pegaro”,
‘mataro” são influências de dialetos africanos, numa adaptação que foi um caminho en-
contrado para facilitar o Português.

Fonte: CARBONARI;JOKURA, 2018.

REFLITA

“Se um homem imagina uma coisa, outro a tornará realidade”.


Júlio Verne.

Fonte: Disponível em: https://www.frasesfamosas.com.br/. Acesso em: 10 de fev. de 2020.

UNIDADE III Fonologia 72


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), acredito que essa Unidade III tenha lhe trazido muita reflexão so-
bre o funcionamento fonológico e fonético também do Português do Brasil. Minha intenção
não é sugerir memorização, mas sim possibilitar a reflexão e o interesse por estudos sobre
os fones, fonemas e falares do nosso idioma. Você deve ter percebido que a sua percep-
ção sobre o funcionamento sonoro de nosso Português auxilia os estudos mais técnicos e
teóricos de fonologia e fonética.
Vimos como os estudos do Estruturalismo foram ampliados pela perspectiva do
Gerativismo. E é essa perspectiva que possibilita a análise fonológica hoje. Finalmente,
chegamos à análise dos traços distintivos e de processos fonológicos presentes no Portu-
guês do Brasil, que é o fundamental desta unidade de estudo.
Você viu como a transcrição fonética e fonológica têm suas diferenças e como
elas podem nos auxiliar, enquanto falantes de Língua Portuguesa, a entender melhor o
funcionamento específico da língua no nosso país. Temos características próprias, que
derivam das muitas influências que a Língua Portuguesa sofreu e tem sofrido no Brasil.
Há um processo de transformação dinâmico da língua. Começar a estudá-lo é um
privilégio, que deve mostrar como se trata de um campo de conhecimento vasto e instigante.
Essa unidade é densa de conteúdo e precisa ser revisitada, à medida que você for
avançando nos estudos deste curso. O conhecimento é gradativo. Você vai acrescentando
sempre mais possibilidades de compreensão. Quando mais o estudo for cuidadoso, acres-
cido de atividades e reflexões e de novos estudos, mais o conteúdo faz sentido. Faço votos
de que você tenha começado a pensar na organização sonora do Português Brasil e que
isso lhe provoque um olhar mais crítico. E que você saiba aproveitar as novas possibilidades
de conhecimento nessa área que lhe surgirão. Obrigado por ter me acompanhado até aqui.

UNIDADE III Fonologia 73


LEITURA COMPLEMENTAR

Dialeto Caipira
A língua tupi, que era a língua habitual dos bandeirantes que ocuparam as regiões
onde se fala atualmente o dialeto caipira, não apresentava alguns sons habitais da língua
portuguesa, como os representados pelas letras f, l e r (de «rato», por exemplo).[4] Isso
influenciou o atual dialeto caipira brasileiro. Por exemplo: o dialeto caipira se caracteriza
pelo r retroflexo (como em «porta», «carta») e pela substituição do dígrafo «lh» por «i»,
como em «palha», «milho», que se leem «paia», «mio». Nos dois casos[carece de fontes], ocorreu
uma adaptação da fonética portuguesa à fonologia tupi.[5] Outro ponto em comum entre a
língua tupi e o dialeto caipira é ausência de diferenciação entre singular e plural: abá, em
tupi, pode significar tanto “homem” quanto “homens”[6] e o dialeto caipira usa tanto «a casa”
quanto “as casa”.

Características Fonéticas:
Desde a obra de Amaral, a fonética caipira é marcada por cinco principais traços
distintivos:[7]
1. O “R” caipira: O fonema /r/, em fim de sílaba ou em posição intervocálica,
assume as características formas aproximante alveolar [ɹ], retroflexo [ɻ].[8][9][10]
2. A rotacização do «L»: a permutação, em fim de sílaba, da aproximante late-
ral [l] pelo fonema /r/ (mil > mir, enxoval > enxovar, claro > craro, etc.). Esse
traço não é exclusivo do dialeto caipira, mas se faz presente de forma gradual
ao longo de todo o país, sendo menos comum na linguagem culta. Trata-se de
um fenômeno que já vinha ocorrendo na passagem do latim para o português
(ex: clavu > cravo).[11]
3. A  iotização  do «LH»:  [ʎ]  (<Falhou>  [faˈjo]; <Mulher>  [muˈjɛ]; <Alho>  [ˈaju];
<Velho> [vɛˈju]; <Olhei> [oˈjej], etc.). Da mesma forma que a rotacização do L,
esse traço existe ao longo do país todo, sendo mais uma marca social do que
regional.[12]
4. A apócope da consoante /r/ na terminação dos verbos no infinitivo[13] (<Brincar> 
[bɾĩˈka]; <Olhar> [oˈja]; <Comer> [koˈme]; <Chorar>: [ʃoˈɾa]; etc.).

[...]
Texto de domínio público. Não editado pelo autor deste material.

(DIALETO CAIPIRA, 2019)

UNIDADE III Fonologia 74


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Fonética e Fonologia do português brasileiro
Autores: Izabel Christine Seara, Vanessa Gonzaga e Cristiane
Lazzaroto-Volcão
Editora: Contexto
Sinopse: O livro traz os principais conceitos de Fonética e Fonolo-
gia do Português do Brasil. As autoras são professoras que procu-
ram uma linguagem atualizada e acessível dos fatos linguísticos. A
coleção “Para Conhecer” procura introduzir assuntos importantes
de maneira a serem mais facilmente compreendidos, através de
atividades práticas.

FILME/VÍDEO
Título: Jornal Hoje
Sotaques do Brasil mostra como os brasileiros pronunciam
Ano: 2014
Sinopse: Para divulgar o Atlas Linguístico do Brasil, lançado em
2014, pela Editora da Universidade Estadual de Londrina (EDUEL),
num esforço de pesquisadores de várias universidades brasileiras,
o Jornal Hoje fez uma série de vídeos. O Atlas investigou sotaques
e usos linguísticos variados nas capitais brasileiras.
O vídeo em questão mostra as diferenças de pronúncia das vogais
átonas [ e ] e [ o ]. São cenas divertidas de várias cidades do Brasil
e falas de moradores locais com suas pronúncias típicas, além
de apontamentos instrutivos de pesquisadores sobre os diversos
falares de brasileiros.
Link do vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=sJAGpU3uQaM&t=23s

UNIDADE III Fonologia 75


UNIDADE IV
Fonética, Fonologia e Ensino
Professor Esp. Sérgio Aparecido Carneiro

Plano de Estudo:
● ALFABETIZAÇÃO E EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA
● ESTRATÉGIAS DE ENSINO
● VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Objetivos de Aprendizagem:
● Compreender o que é fundamental em alfabetização;
● Pensar no como se aplicam conhecimentos fonéticos e fonológicos na alfabetização;
● Refletir sobre práticas de educação linguística;
● Analisar a importância do letramento;
● Pensar em práticas de alfabetização e letramento;
● Discorrer sobre os tipos de variações linguísticas;
● Analisar o letramento como alternativa ao ensino tradicional de gramática normativa;
● Refletir sobre o preconceito linguístico.

76
INTRODUÇÃO

Caro (a) aluno (a), nesta última unidade do nosso estudo, você vai analisar comigo
aspectos importantes do processo de alfabetização e de letramento. No primeiro tópico “Al-
fabetização e Educação Linguística”, você vai refletir comigo o status da alfabetização no
Brasil e pensar em práticas de sucesso.  A grande crítica que se faz hoje aos muitos casos
de fracasso escolar na alfabetização se dá principalmente pela falta de sistematização do
processo. Vamos pensar sobre isso e sugerir estratégias de educação linguística que têm
funcionado. O uso de bons textos como elementos desencadeadores de todo o trabalho
será uma das discussões feitas. E práticas de letramento serão apresentadas como proces-
sos simultâneos à alfabetização e ao mesmo tempo facilitadores dela.
No segundo tópico “Estratégias de Ensino”, você será convidado a pensar comigo
no processo de alfabetização e letramento, na prática. Levanto discussões importantes so-
bre como todo o processo de alfabetização e letramento deve ser sistematizado e dinâmico.
Apresento a você uma série de práticas e atividades para implementar o trabalho. Meu
objetivo é levar você a começar a pensar no como dinâmicas de alfabetização e letramento
podem surtir efeito.
No último tópico “Variação Linguística e Preconceito Linguístico”, você vai pensar
no processo dinâmico de evolução e modificação do Português do Brasil. Você vai analisar
como a ideia de que a língua é homogênea atrapalha o ensino de língua materna e favorece
a geração do preconceito linguístico. Vamos pensar nos dialetos usados, em um país con-
tinental como o nosso, e no como a língua é heterogênea. Da mesma forma que a cultura
brasileira é heterogênea, os dialetos do Brasil também são. Levo você a pensar no como o
preconceito linguístico deve ser evitado. Por fim, sugiro práticas de letramento como alter-
nativa ao ensino tradicional de gramática. E mostro como essa nova postura educacional
pode ampliar o repertório linguístico do aluno e fazer o ensino de língua materna algo mais
significativo e funcional.

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 77


1 ALFABETIZAÇÃO E EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA

O processo de alfabetização normalmente se inicia antes da idade escolar, quando


as crianças já têm contato com o mundo da escrita, já percebem o desenho das letras. 
Porque, numa sociedade letrada como a nossa, as palavras escritas estão em todos os
lugares: na rua, nas lojas, no celular, na televisão, nas revistas, etc.
Na educação infantil, já começa, de maneira mais sistematizada, o desenvolvimen-
to da consciência fonológica: será preciso que as crianças entendam que tudo o que é
falado pode ser transposto para a linguagem escrita. Para isso, surge todo um trabalho
voltado para o desenvolvimento de competências relacionadas à consciência fonológica.
Todas as atividades são permeadas de brincadeiras e interações sociais.
Na Educação Infantil, as aprendizagens essenciais compreendem tanto com-
portamentos, habilidades e conhecimentos quanto vivências que promovem
aprendizagem e desenvolvimento nos diversos campos de experiências,
sempre tomando as interações e a brincadeira como eixos estruturantes. Es-
sas aprendizagens, portanto, constituem-se como objetivos de aprendizagem
e desenvolvimento (BRASIL, 2018, p. 45).

Vou destacar a etapa da Educação Infantil entre 4 e 5 anos:


E a partir da modificação introduzida na LDB em 2006, que antecipou o aces-
so ao Ensino Fundamental para os 6 anos de idade, a Educação Infantil pas-
sa a atender a faixa etária de zero a 5 anos. Entretanto, embora reconhecida
como direito de todas as crianças e dever do Estado, a Educação Infantil
passa a ser obrigatória para as crianças de 4 e 5 anos apenas com a Emenda
Constitucional nº 59/200926, que determina a obrigatoriedade da Educação
Básica dos 4 aos 17 anos. Essa extensão da obrigatoriedade é incluída na
LDB em 2013, consagrando plenamente a obrigatoriedade de matrícula de
todas as crianças de 4 e 5 anos em instituições de Educação Infantil (BRA-
SIL, 2018, p. 36-37).

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 78


Para a Educação Infantil, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) destaca
como direitos de aprendizagem e desenvolvimento: conviver, brincar, participar, explo-
rar, conhecer-se. E estabelece cinco Campos de Experiências nos quais devem ser
concretizados os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento.
Os Campos de Experiências (BRASIL, 2018, p. 55) são direcionados a competên-
cias específicas. Destaco entre parênteses competências voltadas para a faixa etária entre
4 e 5 anos: “O eu, o outro e o nós” (o autoconhecimento e as relações com o grupo); “Corpo,
gestos e movimentos” (hábitos de higiene, autocuidado, desenvolvimento da coordenação);
“Traços, sons, cores e formas” (desenvolver a capacidade auditiva para a música, as rimas
, os sons; expressar-se através de artes visuais, do corpo e das brincadeiras); “Escuta, fala,
pensamento e imaginação” (aprender a ouvir e expressar ideias e sentimentos, compreen-
der a leitura como fonte de prazer e informação); “Espaços, tempos, quantidades, relações
e transformações” (identificar e discriminar objetos, interagir como o meio natural, entender
noções de grandeza como maior e menor..., noções de tempo e espaço e quantidade).
É dentro desses Campos de experiências e dessas competências, que a BNCC
propõe um trabalho amplo na direção do desenvolvimento integral das crianças. Sem dúvi-
da, todo esse desenvolvimento colabora com essa fase de pré-alfabetização. Com tantos
estímulos, desenvolve-se nelas a capacidade de ouvir, de identificar sons, de apreciar os
jogos sonoros em muitas brincadeiras e textos infantis. Já se aprende a identificar letras,
palavras e sílabas. Também se desenvolve a coordenação motora que será útil para escre-
ver (e para tantas outras tarefas). E esse conhecimento todo é fundamental para a etapa
seguinte - a alfabetização propriamente dita -, que em tese deve ocorrer entre 6 a 7 anos,
nas duas primeiras séries do ensino fundamental.
A criança que passou pela educação infantil e teve condições de desenvolver as
competências que apresentamos já deve ter o que se chama consciência fonológica.
Ela já deve ter entendido que aquilo que se fala pode ser escrito.  É possível até que ela
já tenha interesse em aprender a escrever e a ler. De qualquer forma, essas questões
devem ser retomadas e ampliadas: as letras, os seus nomes, os sons que as letras podem
representar, o papel delas nas sílabas. Além disso, dentro dessa consciência fonológica,
também está o conhecimento de onde começam e terminam as palavras e as sílabas que
as compõem. Outra questão importante é entender que as palavras não são as coisas, mas
são representações das coisas.

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 79


Para Soares (2018, p. 17-18), “a alfabetização é um processo de representação
de fonemas em grafemas e vice-versa, mas é também um processo de compreensão/
expressão de significados por meio do código escrito”.
Num primeiro momento, a criança entende que o que ela fala pode ser representado
por palavras na escrita. Ela vai usar primeiro a fala e depois a escrita. A correspondência
inicial é entre o que se fala e como se escreve aquilo. Depois, é que ela vai entender que se
fala de um jeito e a grafia oficial pode ser diferente. E, dependendo da variedade linguística
que a criança traga de casa, a distância da língua escrita vai ser maior ou menor. Quando
maior o distanciamento entre a língua considerada culta e a variedade que a criança traz,
maior terá de ser o esforço na aquisição da escrita convencional. Mas essa aquisição passa
por várias etapas. Dominar a tecnologia da escrita é complexo:
Em primeiro lugar, a língua escrita não é uma mera representação da língua
oral, como faz supor o primeiro conceito. Além de apenas em poucos casos
haver total correspondência entre fonemas e grafemas de modo que a língua
escrita não é, de forma alguma, um registro fiel dos fonemas da língua oral,
há também uma especificidade morfológica, sintática e semântica da língua
escrita: não se escreve como se fala, mesmo quando se fala em situações
formais. E, não se fala como se escreve, mesmo quando se escreve em con-
textos informais [...]

O discurso oral e o discurso escrito são organizados de forma diferente. Por


exemplo: na língua escrita, é preciso explicitar muitos significados que, na
língua oral são expressos por meios não verbais ( aspectos prosódicos, ges-
tos, etc.); por outro lado, na língua oral, a compreensão é contemporânea
da expressão, e não é possível voltar atrás, refazer o caminho, em busca de
melhor compreensão, ou de mais adequada expressão (Daí, entre outros, os
recursos de redundância e de tropicalização na língua oral). (SOARES, 2018,
p.18).

O processo de aquisição da língua escrita é trabalhoso. O fato de não existir uma


correspondência exata entre as letras e os fonemas representados por essas letras exige
um trabalho muito sério e planejado em etapas:
[...] a aprendizagem da escrita: um processo de estabelecimento de relações
entre sons e símbolos gráficos, ou entre fonemas e grafemas. Ora, como
não há a correspondência unívoca entre o sistema fonológico e o sistema
ortográfico na escrita portuguesa (um mesmo fonema pode ser representado
por mais de um grafema, e um mesmo grafema pode representar mais de um
fonema), o processo de alfabetização significa, do ponto de vista linguístico,
um progressivo domínio de regularidades e irregularidades (Magda Soares,
2018, p. 23).

Soares (2018, p. 23) destaca que esse processo passa por duas questões funda-
mentais: a primeira é a descrição do sistema ortográfico da língua portuguesa e a segunda
é o entendimento dos processos cognitivos que as crianças utilizam para vencerem dificul-
dades na aquisição da escrita e da leitura.

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 80


Independentemente do método ou dos métodos utilizados na alfabetização, de ma-
neira gradativa, as crianças precisarão entender o sistema ortográfico da língua portuguesa.
Embora exista muita discussão sobre as formas mais adequadas de se passar por esse
processo, o certo é que o professor/alfabetizador tem de conduzir o aluno à compreensão
de como os fones e fonemas do idioma são representados na escrita.
Uma ampliação do conceito de consciência fonológica é a chamada consciência
fonêmica. Numa linguagem adequada às crianças, já são inseridos conhecimentos relacio-
nados aos fonemas da língua portuguesa. Pode ser trabalhado com pares mínimos, como
os que ocorrem entre “mata” e “nata”, “vaca” e “faca”, “pito” e “pico”, etc. Já se insere o
conhecimento de que, trocando um som da palavra, o significado dela é alterado. Pode-se
também retirar palavras do interior de outros vocábulos: da palavra “Santana”, pode-se
retirar “Santa” e “Ana”; de “Mariana”, pode se retirar “Maria” e “Ana”; de “Renata”, pode-se
retirar a palavra “nata” etc. 
Outra possibilidade da “brincadeira” com palavras é analisar palavras ou frases que
podem ser lidas ao contrário. O sentido delas pode ou não ser alterado. É o que ocorre, por
exemplo, como “Roma”, “osso”, “ovo”, “reler”, “rever”, “arara”; “ame um poema”, “anotaram
a data da maratona”, “Oto come mocotó”, entre tantos outros exemplos que podem ser
usados.
A consciência fonêmica também é trabalhada, quando se analisa, por exemplo,
que a palavra “chá” tem o “ch” para representar um som e a palavra “xícara” usa a letra
“x” para representar o mesmo som. Diferenciar os conceitos de fones de fonemas na alfa-
betização, parece-me precoce e desnecessário. Por isso acredito que seja possível usar
genericamente a palavra “som” tanto para o conceito de fonema quanto para os fones que
representem variações desse fonema.
Quando se mostra, por exemplo, que várias letras podem representar o mesmo
som também se trabalha a consciência fonêmica e o sistema ortográfico do nosso idioma.
Por exemplo, nas palavras “casa’, “azedo”, “êxodo”, o mesmo fonema / z / está sendo
representado por letras distintas. Aqui já se tem uma etapa de refinamento do processo de
alfabetização. E uma etapa de análise das relações entre sons e letras da língua portuguesa. 
As crianças em alfabetização tendem a escrever da forma que elas falam. A análise
fonética gradativa e adaptada às situações de escrita e de leitura das crianças pode ser
muito útil ao processo. Por exemplo, se a variação linguística que se traz de casa sugerir a
pronúncia [ ‘leytʃI ] para a palavra “leite”, haverá necessidade de uma análise fonética junto

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 81


com  os estudantes. Será preciso mostrar que a palavra “leite” é escrita de um jeito mas a
pronúncia pode ser [ ‘leite], [ ‘leitI ] ou [ ‘leitʃI ].
Palavras que terminam com as vogais [ e ] e [ o ] finais átonos, na pronúncia mais
comum do Brasil, soam como [ I ] e [ ʊ ]. Por exemplo, A palavra “fale” pode ser pronunciada
como [ ‘fale ] ou [ ‘falI ]. E a palavra “osso” pode ser pronunciada como [ ‘oso ] ou [ ‘osʊ ].
Novamente as crianças vão precisar entender que é possível falar de um jeito e escrever
de outro. Essas habilidades de reconhecimento fonético precisam ser trabalhadas o tempo
todo no processo de alfabetização e são muito úteis ao ensino e à aprendizagem. O contato
diário com bons textos também auxilia na compreensão dessas diferenças entre o que se
escreve e o que se fala, porque a forma escrita das palavras aparece o tempo todo nos
textos.
É preciso que, no processo de alfabetização, em primeiro lugar, haja o ensino
sistemático das relações entre fonemas e grafemas (entre som  e letra). Além disso, um
segundo aspecto da formação do aluno, tão importante quanto o primeiro aspecto levantado
acima, é o contato com bons textos e o entendimento dos usos variados da linguagem
escrita em nossa sociedade - o letramento. Qualquer ensino que dê menos atenção a um
desses aspectos da formação será deficiente.
Privilegiar só o trabalho com textos e deixar o aluno ir descobrindo as relações entre
o que se fala e o que se escreve pode atrasar o processo. Abaixo essa postura educacional
é descrita, mas a autora não a defende:
O princípio de que aprender a ler e a escrever é aprender a construir sentido
para e por meio de textos escritos, usando experiências e conhecimentos
prévios; no quadro dessa concepção, o sistema grafofônico (as relações fo-
nema-grafema) não é objeto de ensino direto e explícito pois sua aprendiza-
gem decorreria de forma natural da interação com a língua escrita (Soares,
2018, p. 41).

Por outro lado, também não é eficiente a alfabetização aos moldes tradicionais, que
privilegia o ensino sistemático das relações entre os sons do idioma e sua transposição
para a linguagem escrita, deixando em segundo plano as boas práticas de letramento, de
leitura de bons textos, de compreensão dos usos sociais da língua escrita.

Existem programas atuais de alfabetização, no Brasil, que ganharam notoriedade


por seus resultados expressivos, como o Projeto Alfaletrar, em Minas Gerais (alfaletrar.org.
br/) e o Projeto do Município de Sobral, no Ceará (SOBRAL, 2018).
O projeto Alfaletrar tem apoio técnico da professora e pesquisadora Magda Soares. 
Desde 2007, desenvolve um trabalho sistemático de alfabetização no município de Lagoa

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 82


Santa, na região metropolitana de Belo Horizonte. O nome alfaletrar veio das palavras
alfabetizar e letrar, esta última está ligada ao  conceito de letramento. O projeto acredita
no trabalho sistemático das etapas da alfabetização. Desenvolve a educação fonêmica,
a relação entre os sons da língua e os grafemas correspondentes, porque acredita que o
processo de alfabetização precise ser organizado, planejado e gradativo.
Simultaneamente a esse trabalho, o projeto desenvolve atividades para levar a
criança a entender as práticas letradas da sociedade. Para isso, todo o trabalho em sala
de aula parte de textos escolhidos para servirem de modelos de organização textual com
conteúdo, coesão e coerência. O tempo todo o processo de alfabetização é pensado como
uma possibilidade de inserção da criança na nossa sociedade letrada. As atividades de
leitura e produção textual procuram criar situações reais de produção de textos, que fazem
sentido aos alunos e que serão usados em situações reais de comunicação. Há também
constantes encontros dos professores e técnicos envolvidos na alfabetização.
A educação do município de Sobral ganhou grande repercussão devido a sua nota
nas últimas edições da prova SAEB, alcançando o melhor Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb) do Brasil em 2017. Sobral tem promovido seminários de estudo
sobre alfabetização constantemente. O país todo se interessou por saber quais práticas
levaram o município a resultados tão expressivos em alfabetização e em séries seguintes
do ensino fundamental. Algumas práticas ficaram conhecidas, como o processo de forma-
ção continuada dos professores e de acompanhamento e assessoria do trabalho desses
professores feito por técnicos em educação do município.
Há também um envolvimento muito grande dos pais dos alunos no processo. Há
até relatos de pais indo às escolas para fazer sessões de leitura junto com as crianças. Na
alfabetização, as crianças são acompanhadas de perto e passam por avaliações de leitura
que ficaram famosas: elas são gravadas durante a leitura individual e posteriormente se
avalia a qualidade dessa leitura. De qualquer forma, é um sistema organizado que acom-
panha de perto o desenvolvimento das crianças e obtém resultados com isso e vale a pena
ser observado por todo o país. Do trabalho de Sobral, parece sobressair um compromisso
constante de avaliar e aprimorar o processo. Das práticas de Sobral, certamente muitas
podem ser úteis para diminuir principalmente as deficiências em alfabetização no Brasil.
Diante de tarefa tão importante e tão complexa, a formação inicial de professores
precisa ser de excelência. É necessário um embasamento teórico sólido.  Ao lado disso, a
prática, durante esse processo de formação, tem de ser uma constante. A nosso ver, um
quadro deve ser mudado: as discussões teóricas intermináveis nos cursos de licencia-

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 83


tura no Brasil em detrimento de teorias sólidas e de atividades práticas que preparem o
futuro professor para o trabalho. Além disso, a formação continuada do professor precisa
acontecer. O projeto Alfaletrar e o trabalho feito em Sobral são exemplos de formações
continuadas que trazem resultados.

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 84


2 ESTRATÉGIAS DE ENSINO

Pensando num processo eficiente de alfabetização e de letramento, a primeira


questão é a escolha adequada dos textos a serem trabalhados.  Todo o estudo deveria
partir de bons textos, sempre adequados ao momento específico das crianças em ques-
tão. É preciso trabalhar a partir de textos selecionados, que apresentem possibilidades de
fomentar a imaginação das crianças. É necessário que sejam textos que tenham progres-
são de informação e mecanismos adequados de coesão e coerência. Os textos que são
apresentados às crianças acabam sendo modelos para suas produções.  Abaixo coloco
exemplos que nunca deveriam ser utilizados: 
O navio da vovó
Vovó veio de navio novo.
No navio ela viu o anão.
Nilo foi no colo da vovó.
E o novelo caiu.
Nicole lavou o novelo.
Ou novelo de lã ficou novo.

O jacaré bebe café.


A jiboia bebe cajuada.
E o bode?
O bode joga dado e bebe água de coco.

(SOARES, 2018, p. 104)

Esse tipo de texto artificial e mal construído oferece às crianças modelos totalmente
inadequados. Por outro lado, os textos escolhidos precisam ser aqueles que circulam na

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 85


sociedade, tem de ser textos reais e dos mais variados gêneros. Mesmo quando as crianças
ainda não leem, a leitura tem de ser feita pelo professor.  É preciso instigar os estudantes
para se interessarem por aprender a ler. Com esse objetivo, os bons textos literários e os
de tradição oral podem ser muito úteis. 

Textos de qualidade terão um vocabulário melhor, progressão de conteúdo adequa-


da e elementos de coesão, como, por exemplo, “e”, “também”, “mas”, “por isso”, “então”,
“porque” e marcadores de sequência temporal, como “naquele dia”, “antes”, “depois”, “no
momento seguinte”, “algum tempo depois”, “à noite”, “de manhã” e marcadores de espaço,
como “lá”, “na escola”, “na rua”, “naquele lugar”, “dentro do avião”, “no sofá da sala” etc.

Independentemente do método de alfabetização utilizado, a leitura precisa ser


trabalhada.  Enquanto os alunos ainda não leem, o professor pode tirar um tempo todos os
dias para ler bons textos para eles. Às vezes o próprio material didático utilizado traz textos
muito ricos de conteúdo, de excelente trabalho com a linguagem e que ainda são capazes
de incentivar a imaginação das crianças. Depois, quando o processo de alfabetização
estiver mais avançado, com crianças começando a ler, é importante que existam leituras
coletivas, leituras em grupos menores, leituras individuais, leituras feitas pelo professor
também, leitura silenciosa etc. Deixar os alunos manipularem textos variados, inclusive
com ilustrações, pode também incentivar e acelerar o processo de aprendizagem.

Além disso, a produção de texto dos alunos deve acontecer desde o início do pro-
cesso de alfabetização, mesmo quando ainda não sabem escrever. Ainda não escrevem,
mas já rabiscam, fazem de conta que escrevem, copiam letras, inventam letras, criam suas
hipóteses de escrita que vão sendo aperfeiçoados com auxílio do professor e o desenrolar
da alfabetização e do letramento. E o professor, apoiado nas teorias que embasam sua
prática, vai auxiliar o aluno com suas hipóteses de escrita. Isso ocorre desde os primeiros
rabiscos até a compreensão de que as palavras simbolizam as coisas e os sons que as le-
tras representam formam as palavras, como salienta Moreira (2009, p.359): “ [...] o percurso
da aquisição da escrita inicia-se com a ausência de relação grafofônica, passando por uma
série de etapas cíclicas de relações som/letra, até atingirem as relações ortográficas, cuja
dependência som/grafia é superada.”.

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 86


Até escrever sobre uma linha determinada é um aprendizado para as crianças.
Diferenciar a letra “b” minúscula da letra “d” minúscula, por exemplo, parece difícil num
primeiro momento, porque as noções de “lateralidade” (de direita e esquerda) ainda não
estão bem estabelecidas. A relação entre mão e olho também exige treino: olhar o que se
está escrevendo e a mão obedecer com precisão o comando requer amadurecimento. A
discriminação visual da letra, bem como a relação entre letras e sons, precisa ser traba-
lhada. Mas, reforçando a autoestima das crianças e com a mediação do professor, essas
dificuldades vão sendo vencidas.

O trabalho de alfabetização precisa seguir uma sistematização do conteúdo. A falta


de sistematização tem sido apontada por especialistas como uma das principais causas
do fracasso escolar no Brasil. É preciso assegurar que professores serão orientados por
suas equipes pedagógicas e seguirão passos desde as primeiras noções de consciência
fonológica, desde as primeiras sílabas com estrutura simples (cv- consoante+vogal) até os
conteúdos mais complexos, como, por exemplo, as várias letras capazes de representar
um mesmo fonema. De qualquer forma, junto com as sistematizações necessárias para
garantir a alfabetização, é o exercício de leitura e de escrita que vai refinar a compreensão
do sistema alfabético.

Uma outra questão relevante é conhecer a variedade linguística que as crianças


trazem de casa. Alunos com variedades linguísticas das camadas sociais mais populares
precisam de um trabalho maior para compreender como se escreve na língua padrão.
Podem aparecer, por exemplo, termos como “homi” para “homem”, “muié” para “mulher”,
“zóio” ou “oio” para “olho”. É preciso sensibilidade e preparo do professor para lidar com
essas diferenças linguísticas sem preconceito e sem menosprezar o dialeto do aluno. É o
contato com a sociedade letrada que vai ampliar o repertório linguístico das crianças.

Muitas atividades escolares auxiliam o aluno a adquirir esse novo dialeto (sem
desprezar o que foi trazido de casa): a escrita constante, a revisão do que se escreveu
junto com o professor e a refacção do que se tinha escrito. Além disso, a leitura de bons
textos, juntamente com possibilidades extraescolares como ver televisão, é imprescindível
na aquisição desse novo dialeto. Já para as crianças que trazem de casa uma variedade
linguística mais próxima da língua padrão, a pronúncia das palavras já será mais parecida
com a língua culta, e essa dificuldade será menor.

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 87


Outra questão é a esperada leitura com fluência. Para as crianças lerem com
fluência, precisam saber ler as palavras, escrevê-las e existe também a necessidade de
conhecerem os significados de todos os vocábulos trabalhados. Além dessa capacidade
de leitura, outras competências devem ser desenvolvidas ao mesmo tempo: expressar-se
oralmente com clareza; escrever textos com funções sociais definidas, para ganhar mais
autonomia; e saber ouvir, para poder tomar decisões e julgamentos mais acertados.

Não faltam possibilidades para auxiliar na alfabetização e para desenvolver as com-


petências tratadas acima. Textos de tradição oral, como parlendas e trava-línguas, além de
músicas e poemas podem auxiliar a desenvolver a consciência fonológica e a melhorar a
dicção, quando lidos em voz alta. O clima de brincadeira torna as atividades mais leves e
facilita a aprendizagem.

Nessa mesma direção, há ainda muitas atividades. Lembro que a mediação do pro-
fessor é bem importante. O alfabeto móvel, por exemplo, pode servir a uma série de jogos
e brincadeiras, formando sílabas e palavras. E tantas outras possibilidades dinamizam o
processo e desenvolvem competências úteis à alfabetização: achar o crachá do colegas;
atividades que partem da leitura de um texto; brincadeira de bingo com sílabas ou nomes
dos colegas de sala; partindo de um nome de colega colocado no quadro, trabalhar com
letras, sílabas, rimas; várias brincadeiras com palavras que começam com uma letra, um
som ou uma sílaba, como nomes de frutas, animais, comidas, etc.; cadeia de ideias, uma
palavra levando à outra (por exemplo, “Carro lembra o quê?”, alguém pode dizer “viagem” e
se pergunta novamente “ viagem lembra o quê?”...); brincar de dividir palavras em sílabas no
quadro; brincar de falar a palavra depois de o professor ou algum colega ditar as sílabas...
Essas e muitas outras possibilidades podem ser motivo para desenvolver a consciência
fonológica e ampliar o entendimento do sistema ortográfico da língua e trabalhar inclusive
a pronúncia de palavras com dicções bem elaboradas (sempre respeitando a variação
linguística do aluno e seus detalhes fonéticos).

A prática do letramento caminha junto com o processo de alfabetização. É preciso


conduzir as crianças ao uso eficiente da língua escrita. Sempre usar bons textos, de gêne-
ros variados, procurando entender a estrutura deles e a função desses textos na sociedade,
como opinar, argumentar, instruir, ensinar, resumir, informar, etc. Uma atitude fundamental
é sempre divulgar os textos produzidos pelos alunos. Fazer toda uma preparação antes

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 88


de redigir os textos, para depois serem expostos à comunidade escolar. Um exemplo seria
escrever um bilhete aos pais, depois rever com a criança como ele está escrito, passar a
limpo num papel adequado e direcionar aos pais. Ou criar pequenos poemas e fazer uma
apresentação no dia das mães. E cada aluno poderia treinar bem a leitura antes, com
auxílio do professor e dos colegas e, na hora da apresentação, ler o poema. Há inúmeras
possibilidades. O importante é produzir textos para situações reais de interlocução.

Na aprendizagem da tecnologia da escrita, há crianças que podem não acompanhar


as outras. Por vezes, entender em que parte do processo elas se encontram e trabalhar o que
elas ainda não dominam pode ajudá-las a avançar. Muitos desses casos, são confundidos
com algum eventual distúrbio de aprendizagem. Mas é preciso sensibilidade do professor,
a criança pode estar num momento ruim. Se por um lado o processo requer sistematização
e objetividade, por outro lado é preciso paciência também. Junto com o conhecimento das
letras e todo o conhecimento fonológico, está o desenvolvimento psicológico e genético das
crianças. Elas não aprendem todas da mesma forma e ao mesmo tempo.

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 89


3 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Quando se fala em língua portuguesa, num primeiro momento, pode aparecer


a ideia de que o país inteiro fala uma língua homogênea. Mas a língua falada no vasto
território brasileiro sofre muitas variações. Se você viajar um pouco no Brasil, vai encontrar
diferenças incríveis. Existem diferenças de pronúncia, palavras que são empregadas com
sentidos diferentes, nomes que recebem designações distintas, a entonação frasal também
varia muito. Quando discuti com você aspectos da fonética do português do Brasil, vimos
vários fones com pronúncias variadas em diferentes regiões. 
É possível encontrar diferenças também no uso de certas expressões, e certas
construções frasais muito próprias em algumas regiões. Normalmente quando as variações
linguísticas são sistematizadas, apresentam-se três tipos de variedades: regional, social
e histórica. 
A variedade regional é aquela que pode ser percebida quando viajamos.  Em um
país grande como o nosso, diferentes regiões acabaram sofrendo influências linguísticas
distintas e isso resulta em dialetos próprios. Duas questões são bem evidentes nesse tipo
de variação: são encontradas palavras com sentidos diferentes, a pronúncia e a entonação
frasal apresentam marcas próprias.
Já a variedade social pode ser percebida entre as diferentes classes sociais. As
camadas sociais que tiveram mais anos de escolaridade, mais anos de educação formal,
dominam o dialeto urbano de prestígio no Brasil: a chamada norma-padrão.  Mas as classes

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 90


sociais com menos escolaridade usam outros dialetos. Compare um ator global no Rio de
Janeiro com alguém representante de uma comunidade na mesma cidade.  Comparando a
forma dessas duas pessoas usarem a língua portuguesa, muitas diferenças são percebidas
na pronúncia, vocabulário e até em certas expressões usadas.
E a variedade histórica da língua se dá no decorrer do tempo.  Se você compa-
rar a fala de um adolescente com a fala do bisavô dele, por exemplo, perceberá muitas
diferenças, notadamente na pronúncia e no vocabulário. Mas, quando se fala em variação
histórica da língua, pensa-se principalmente nas evoluções constantes pelas quais a língua
passa com o decorrer do tempo. Se você comparar um texto produzido por Machado de
Assis (obras do final do século XIX) com textos atuais literários ou não,  você perceberá
muitas diferenças principalmente de vocabulário e de certas expressões e construções
frasais. As línguas vivas, que têm falantes, como é o caso da língua portuguesa, estão em
constantes modificações. 
Além dessas três grandes variações apresentadas, podem ainda ocorrer outras
alterações. Por exemplo, numa situação mais formal tanto de fala quanto de escrita, haverá
diferenças na linguagem empregada. O vocabulário será mais ou menos cuidado. Caso se
trate de uma situação de fala, quando houver mais formalidade inclusive a pronúncia das
palavras será mais cuidada e a cadência da frase também. 
Muitas questões podem alterar o discurso no momento da sua produção. O in-
terlocutor, a pessoa com quem falo ou para quem escrevo, influencia na minha maneira
de falar ou escrever. Depende muito do seu papel social, depende muito do lugar que o
falante coloca o seu interlocutor, depende da maior ou menor importância que se dá a ele. 
A autoestima do falante e a posição dele diante do seu interlocutor e como ele se sente na
presença do outro também influenciam o tipo de linguagem empregada. 
Diante das variações próprias de todas as línguas e, obviamente, do Português do
Brasil também, Bagno e Rangel (2005, p. 72) comentam o que a falta desse conhecimento
de variação linguística ainda ocasiona:
O reconhecimento da natureza essencialmente heterogênea, variável e mu-
tante das línguas humanas ainda não ganhou o senso comum, e o imaginário
linguístico que vigora na sociedade se estrutura em torno de uma noção está-
tica de língua, sempre encarada como o modelo de “pureza” e “correção” cris-
talizado na obra dos grandes escritores e descrito-prescrito nos compêndios
gramaticais normativos. Nesse conjunto de crenças, o que se entende por
“língua” é uma entidade homogênea, monolítica, não só exterior ao indivíduo,
mas que necessita, inclusive, de ser “protegida” do “mau uso” ou do “abu-
so” que esse mesmo indivíduo possa vir a “cometer” contra ela. A variação,
quando reconhecida, é simplesmente sinônimo de “erro”. (BAGNO; RANGEL,
2005, p. 72).

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 91


Essa concepção está relacionada também ao chamado preconceito linguístico.
As pessoas têm expectativas em relação a fala do outro.  Quando a linguagem do outro é
diferente daquela norma-padrão das gramáticas, parece que o valor social de quem não
domina essa norma diminui, a isso se chama preconceito linguístico. Ele pode ser velado
ou pode aparecer por meio de atitudes discriminatórias.  De qualquer forma, pelo fato de o
indivíduo não falar como aquelas pessoas que tiveram muitos anos de instrução formal, ele
é tachado como inferior.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que procura orientar as
novas diretrizes para a educação básica no Brasil, em suas Competências Gerais trata
do desenvolvimento de competências relacionadas à ética e ao não preconceito. Na nona
competência geral, fala especificamente da necessidade de desenvolver competência com
ausência de preconceito. É um tipo de conteúdo mais relacionado ao desenvolvimento de
atitudes:
Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fa-
zendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos,
com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos so-
ciais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconcei-
tos de qualquer natureza (BRASIL, 2018, p. 10).

O preconceito linguístico é similar ao preconceito contra pobres, negros, mulheres,


homossexuais ou pessoas que venham de outras regiões. É um tipo de comportamento se-
gregacionista, que visa a separar do convívio pessoas que falam diferente da elite cultural.
Variedades linguísticas rurais ou de pessoas mais pobres, com menos anos de escolarida-
de ou de nordestinos que estejam trabalhando no Sudeste, por exemplo, são as que mais
sofrem preconceito. Trata-se de um tipo de comportamento que precisa ser combatido, mas
de tanto ficar entre nós é visto como normal. Esse tipo de atitude preconceituosa pode ser
muito prejudicial na escola, levando alunos a sofrer “bullying” e pode em muitos casos ser
responsável pela evasão escolar, inclusive.
Mas a escola que teria de atrair o aluno passa a considerar como errada a linguagem
que ele traz de casa. E, ao invés de acolher esse aluno e sua variação linguística, acaba
prejudicando o desenvolvimento de outras possibilidades de comunicação. Uma sociedade
heterogênea como a nossa tem que aprender a conviver com a diferença, inclusive com
as diferenças linguísticas. Essa é uma grande aspiração das sociedades democráticas:
o convívio com o diferente. Por isso o ensino de língua materna na escola, apesar dos
avanços que os estudos linguísticos já trouxeram, ainda hoje merece revisão. No lugar

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 92


do endeusamento da chamada norma-padrão, deve-se colocar o conceito de letramento e
criar práticas para que ele funcione.
O conceito de letramento está relacionado a um ensino capaz de inserir o aluno
numa sociedade letrada. É tornar o ensino de língua materna eficiente e funcional. É criar
situações reais de interlocução para as produções escolares dos alunos. É auxiliar o es-
tudante a ter um instrumental capaz de torná-lo um cidadão com autonomia. O trabalho
com gêneros textuais, com suas estruturas específicas e seu papel social, pode capacitar
e muito o aluno para viver numa sociedade letrada. O ensino da gramática tradicional dá
lugar à análise linguística. Trata-se de ampliar o repertório linguístico do aluno e inserir esse
estudante em práticas sociais nas quais a leitura e a produção de textos é uma necessidade.
Como expansão desse conceito, tem-se hoje os conceitos de letramento digital e
letramento literário. Ao lado do desenvolvimento de competências de leitura e produção
de textos necessários para vivência em sociedade, hoje um letramento eficiente também
passa pelas competências relacionadas ao mundo digital. Capacitar o aluno para trafegar
no mundo digital, de maneira autônoma e eficiente, é uma necessidade à formação inte-
gral do indivíduo. O letramento literário é uma outra faceta desse processo de formação
integral. Muito além de conhecer a história da literatura, estilos de época, autores, datas,
etc., o aluno precisa ser capaz de apreciar o texto literário com autonomia.  Precisa ter
vivência suficiente para selecionar uma obra literária, ler, apreciar, julgar, aprender, detectar
conteúdos, inclusive nas entrelinhas. Num conceito estendido desse letramento literário, o
mesmo se diga sobre desenvolver competências para conseguir apreciar e analisar letras
de música, filmes, seriados, etc.
Para as séries iniciais do ensino fundamental, alfabetização e letramento devem
caminhar juntos. É claro que o letramento vai estar em sintonia com a idade das crianças
e as competências que vão sendo desenvolvidas. Tornar o ensino de língua materna mais
funcional é uma maneira de dinamizar o processo e fazê-lo ter sentido para as crianças e,
depois, para os alunos das etapas escolares seguintes.

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 93


SAIBA MAIS

Disponibilizo abaixo o link de um vídeo que mostra o projeto “COLETIVANDO: Pais


leitores: a leitura em família”. Trata-se de uma ação de letramento para pais de alunos
do Ensino Fundamental. A professora Glaucia Cristina Scarpe defendeu sua disserta-
ção de mestrado sobre esse projeto na Universidade de Taubaté (Unitau). Ocorreu um
trabalho junto aos pais para que pudessem ajudar suas crianças com leituras literárias
infantis em casa. Os resultados foram pais e filhos mais engajados na leitura literária.
Vale a pena analisar as ações de letramento apresentadas no vídeo.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=TZfMFWVz2IY
Acesso em: 20 de fev. de 2020.

REFLITA

“Vamos travar uma gloriosa luta contra o analfabetismo, a pobreza e o terrorismo. Va-
mos pegar nossos livros e nossas canetas, pois são as armas mais poderosas. Uma
criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo. A educação é a
única solução.”

(Discurso, ONU, 2013) - Malala Yousafzai


Disponível em: https://kdfrases.com/autor/malala-yousafzai
Acesso em: 30 de março de 2020

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 94


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegando ao final desta unidade, espero que as muitas reflexões que fizemos
tenham despertado você para o estudo das relações entre o conhecimento linguístico e a
eficiência do trabalho com alfabetização e letramento.  As reflexões que você fez sobre os
fonemas da língua portuguesa e toda a variação fonética sofrida no Português do Brasil
são um instrumental para compreender melhor as relações entre os sons e o nosso sistema
ortográfico. Esse conhecimento todo é precioso na hora de sistematizar o processo de
alfabetização e letramento.
Em relação às estratégias de ensino, eu espero que tenha ficado bem evidente a
importância de se partir sempre de um bom texto para todo trabalho desenvolvido em sala
de aula ou falar dela. Outra questão tão importante quanto essa primeira é criar situações
reais de interlocução na hora de produzir gêneros textuais com os alunos. Por exemplo,
se o interesse é cuidar da limpeza da escola, vão ser feitas leituras, assistir a vídeos, fazer
debates, observar a sujeira na escola, tirar fotos, fazer produções textuais etc. E todo o
material produzido deve, de alguma forma, chegar até a comunidade escolar, por meios im-
pressos ou digitais ou ainda em algum tipo de reunião ou manifestação que possa ocorrer.
Quanto à variação linguística, quanto aos muitos dialetos existentes em um país
grande como nosso, com múltiplas influências linguísticas dependendo da região, você
deve ter percebido que a heterogeneidade da língua é um fato. Saber respeitar a lingua-
gem do outro e exigir respeito para com o nosso dialeto é sinal de civilidade e tolerância
social.  É da natureza da língua ser diversa, mudar-se constantemente. Aos que dizem que
estamos assassinando a língua portuguesa, falta-lhes conhecimento e tolerância social. E,
em última análise, a escola precisa auxiliar o aluno a ampliar o seu repertório linguístico,
digital, literário... Obrigado por ter chegado comigo até aqui!

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 95


LEITURA COMPLEMENTAR

Letramento digital
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Segundo Aquino (2003, apud  Glotz e Araújo)[1], “letramento digital[2]  significa o


domínio de técnicas e habilidades para acessar, interagir, processar e desenvolver multipli-
cidade de competências na leitura das mais variadas mídias. Um indivíduo [...] precisa tam-
bém ter capacidade para localizar, filtrar e avaliar criticamente informação disponibilizada
eletronicamente e ter familiaridade com as normas que regem a comunicação com outras
pessoas através dos sistemas computacionais”.
Xavier[3](2002) e Buzato[4](2003), afirmam que o letramento digital pressupõe o
domínio das ferramentas digitais, mas de forma a garantir as práticas letradas, atribuindo
sentido ao que se lê e escreve na tela, habilidades essas que envolvem a compreensão do
emprego de imagens, sons, a não linearidade dos hipertextos, a seleção e avaliação das
informações.
Para Xavier[5] (2002,p.2) “ser letrado digital pressupõe assumir mudanças nos mo-
dos de ler e escrever os códigos e sinais verbais e não verbais, como imagens e desenhos,
se compararmos às formas de leitura e escrita feitas no livro, até porque o suporte sobre o
qual estão os textos digitais é a tela, também digital”.
Para Coscarelli (2005) e Ribeiro (2013)[6], “Letramento digital diz respeito às práticas
sociais de leitura e produção de textos em ambientes digitais, isto é, ao uso de textos em
ambientes propiciados pelo computador ou por dispositivos móveis, tais como celulares
e tablets, em plataformas como e-mails, redes sociais na web, entre outras”. De acordo
com elas, “Ser letrado digital implica saber se comunicar em diferentes situações, com
propósitos variados, nesses ambientes, para fins pessoais ou profissionais. Uma situação
seria a troca eletrônica de mensagens, via e-mail, sms, WhatsApp. A busca de informações
na internet também implica saber encontrar textos e compreendê-los, o que pressupõe
selecionar as informações pertinentes e avaliar sua credibilidade”.
Para ser considerado letrado em algo, o indivíduo precisa ser competente para usar
a leitura e a escrita em diferentes práticas sociais. Saber usar o computador, bem como
smartphones e tablets como ferramentas, é um dos elementos que caracteriza um letrado
digital. Mas, para ser letrado digital, é necessário ser, antes, letrado no idioma, para que

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 96


seja possível manusear as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), utilizá-las de
forma consciente e crítica e explorar suas potencialidades[7].

Práticas de Letramento digital


No contexto do Letramento digital, é preciso tratar de conceitos como Práticas de
Letramento Digital (PLD) e Eventos de Letramento Digital (ELD), propostos por Souza [8]
(2016) a partir da atualização para a cultura digital[9] dos conceitos originados em um
conjunto de pesquisas que ocorreram durante os Novos Estudos do Letramento: Práticas
de Letramento (cunhado por Brian Street[10]) e Eventos de Letramento (cunhado por Shirley
Brice Heath[11]).
Kleiman [12](2005) afirma que Práticas de Letramento são um “Conjunto de ativida-
des envolvendo a língua escrita para alcançar um determinado objetivo numa determinada
situação, associadas aos saberes, às tecnologias e às competências necessárias para a
sua realização.” Como exemplo, a autora cita uma aula presencial. Nessa seara, Práticas
de Letramento Digital, de acordo com Souza [8](2016), estão “Situadas no contexto da ci-
bercultura, englobam as concepções que as configuram e as ações dos participantes em
situações de aprendizagem com o uso de Mídias Digitais”. Como exemplo, podemos citar
uma aula virtual.
Por sua vez, Evento de Letramento é “uma situação de interação mediada pelo
texto escrito, uma ferramenta conceitual para examinar dentro de comunidades específicas
de uma determinada sociedade, as formas e funções das tradições orais e letradas e as re-
lações coexistentes entre a linguagem falada e escrita” (HEATH, 1982, apud FERNANDES;
CRUZ; AMANTE, 2017, p. 84)[13]. Como exemplo, podemos citar tomar notas durante uma
aula. Nessa seara, Eventos de Letramento Digital é uma “situação em que um suporte,
portador ou interface digital se torna parte integrante da interação entre os participantes e
seus processos interpretativos”[13]. Como exemplo, podemos citar a participação de alunos
em um fórum de discussão ou chat.

Letramento digital e sala de aula


A cultura de letramentos nos leva a uma reflexão da prática do professor que
também precisa se atualizar e dominar novas habilidades e fazer com que o aluno possa
“analisar e se posicionar reflexivamente diante dos textos... e, sobretudo, tem de lidar com
os multiletramentos exigidos pelas mudanças sociais” (ANSTEY; BULL, 2006).

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 97


s reflexões trazidas por Ferreira e Orlando (2013) defendem a aprendizagem da
língua de modo plural, já que estamos vivendo num turbilhão de mudanças, com novas tec-
nologias surgindo a cada segundo. Hoje, com as novas demandas, é importante repensar
o fazer em sala de aula, tendo um professor que desenvolva as suas práticas dentro de um
ambiente mais colaborativo, crítico e reflexivo. Logo, o professor deve estar bem preparado
para atuar diante de novos desafios no exercício de sua profissão (BORBA; ARAGÃO,
2009).
Diante desse contexto, um olhar atento para as novas tecnologias é necessário,
pois essas vêm exercendo grandes mudanças nas mais variadas instâncias da vida social
(COPE; KALANTZIS, 2000). Muitos alunos já estão imersos na “era digital” e “para eles,
fazer é mais importante do que saber” (FIELDHOUSE; NICHOLAS, 2008).
No que diz respeito a essa imersão dos alunos na “era digital”, resiste, ainda, de
certa forma, o consenso equivocado quanto a alunos saberem mais de tecnologias digitais
do que os professores. Sobre isso, Dudeney, Hockly e Pegrum (2016, p. 65), retomam
termos como “nativos digitais” e “geração internet” para nos lembrar que as habilidades
dos estudantes, em geral, não têm objetivos educacionais. E é nessa lacuna que entra o
professor, quem vai mediar a relação aluno e tecnologias digitais, propondo didaticamente
os objetivos educacionais a serem alcançados com determinada atividade. As tecnologias
digitais, entendidas como potencializadoras dos recursos existentes que contribuem para
a aprendizagem, igualmente devem servir como potencializadoras da capacidade do aluno
em lidar com as ferramentas tecnológicas de forma segura e responsável, valendo-se delas
para aprendizagens diversas [...]
 
Texto de domínio público. Não editado pelo autor deste material.

(LETRAMENTO DIGITAL, 2020).

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 98


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Alfabetização e Letramento
Autor: Magda Soares
Editora: Contexto
Sinopse: O livro é uma coletânea de artigos que a autora foi
produzindo ao longo de seus estudos e práticas educacionais.
Trata-se da sétima edição, de 2018. A autora aproveita discussões
aprofundadas sobre alfabetização e letramento e abre espaços
para atualizar essas discussões frente ao cenário atual da edu-
cação no Brasil. É um percurso histórico e atual. É uma obra de
leitura imprescindível.

FILME/VÍDEO
Título: Alfabetização na prática: professoras compartilham suas
experiências no Ceará e Minas Gerais
Ano: 2019
Sinopse: O Congresso Nacional de Jornalismo e Educação (Jedu-
ca 2019) traz duas experiências com alfabetização e letramento.
São experiências de sucesso educacional. São apresentados
os trabalhos de Lagoa Santa, na região metropolitana de Belo
Horizonte, e do Município de Sobral, no Ceará. São experiências
diferentes, mas ambas deveriam levar o Brasil todo a repensar os
caminhos da alfabetização e do letramento.
Link: https://www.youtube.com/watch?v=KusGZJ367qM

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 99


REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos; RANGEL, Egon de Oliveira. Tarefas da educação linguística no Brasil. Revista
Brasileira de Linguística Aplicada, v. 5, n. 1, 2005, p. 63-81.Disponível em: https://edisciplinas.
usp.br/pluginfile.php/4533678/mod_label/intro/BAGNO_RANGEL_TarefasDaEducacaoLinguistica-
NoBrasil.pdf . Acesso em: 20 de fev. de 2020.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. Disponível
em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf.
Acesso em: 02 de fev. de 2020.

CALLOU, Dinah; LEITE, Yonne. Iniciação à fonética e à fonologia. 11ª ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2009. Disponível em: https://www.academia.edu/9120393/Inicia%C3%A7%C3%A3o_%-
C3%A0_Fon%C3%A9tica_e_%C3%A0_Fonologia_-_CALLOU_e_LEITE. Acesso em: 26 de fev.
2020.

CALLOU, Dinah; YONNE, Leite. Iniciação à fonética e à fonologia. 11 ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2009. Disponível em: https://www.academia.edu/9120393/Inicia%C3%A7%C3%A3o_%-
C3%A0_Fon%C3%A9tica_e_%C3%A0_Fonologia_-_CALLOU_e_LEITE. Acesso em: 26 de fev.
2020.

CARBONARI;JOKURA. Sotaques do Brasil: como a geografia molda nosso jeito de falar. Revista
Superinteressante, 25 de jul. de 2018. Disponível em: https://super.abril.com.br/cultura/sotaques-
-do-brasil/. Acesso em: 10 de março de 2020.

CARDOSO, Suzana Alice Marcelino da Silva et al.. Atlas Linguístico do Brasil – Cartas Linguística
1. Londrina, Eduel, 2014. V 2.

CENPEC. Projeto Alfaletrar. Disponível em: http://alfaletrar.org.br/. Acesso em 20 de fev. de 2020.

CHOMSKY, Noam; HALLE, Morris. The sound pattern of english. New York: Harper and Row, 1968.

CIVILIZAÇÃO BANTO/CONTRIBUIÇÕES PARA A CULTURA BRASILEIRA. In: Wikilivros, Livros


abertos por um mundo aberto. 2019. Disponível em: https://pt.wikibooks.org/w/index.php?title=-
Civiliza%C3%A7%C3%A3o_Banto/Contribui%C3%A7%C3%B5es_para_a_cultura_brasileira&ol-
did=459309. Acesso em: 10 de fev.de 2020.

CRISTÓFARO SILVA, Thaïs. Fonética e Fonologia do Português: Roteiro de Estudos e Guia


de Exercícios. 7ª ed. São Paulo: Contexto, 2003. Disponível em: file:///C:/Users/User/Downloads/
Livro_Fonetica_e_fonologia_do_Portugues%20(1).pdf. Acesso em: 20 de fev. 2020.

CUNHA, Raquel Basílio. A relação significante e significado em Saussure. ReVEL. Edição es-
pecial n. 2, 2008. Disponível em: http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_esp_2_a_relacao_signifi-
cante_e_significado_em_saussure.pdf. Acesso em: 20 de fev. de 2020.

CURIOLETTI, Daiane Sandra Savoldi; SANDRI, Márcia Meurer. A representação fonológica da


vibrante no português brasileiro. Porto Alegre: Cadernos do Instituto de Letras – Programa de
pós-graduação da UFRS, 2019, p. 150-168. Disponível em: https://www.seer.ufrgs.br/cadernosdoil/
article/view/92720/54502. Acesso em: 15 de fev. de 2020.

DIALETO CAIPIRA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2019.
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Dialeto_caipira&oldid=56829188. Acesso
em: 10 de fev. de 2020.

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 100


FEEDBACK MAGAZINE. Ariano Suassuna explica o que realmente é preconceito linguísti-
co.18 de ago. de 2014. Disponível em: http://www.feedbackmag.com.br/ariano-suassuna-explica-o-
-que-realmente-e-um-preconceito-linguistico/. Acesso em: 15 de fev. de 2020.

HAUPT, Carine. Formação Docente e a Fonética e a Fonologia: o Ensino da Ortografia. In Sig-


num: Estudos Linguísticos, n. 15/2, p. 237-256, dez, 2012. Disponível em: https://petletras.pagi-
nas.ufsc.br/files/2016/10/Livro-Texto_Fonetica_Fonologia_PB_UFSC.pdf. Acesso em: 15 de fev. de
2020.

JEDUCA. Alfabetização na prática: professoras compartilham suas experiências no Ceará e Mi-


nas Gerais. São Paulo, 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KusGZJ367qM.
Acesso em: 2 de mar. De 2020.

JORNAL HOJE. Sotaques do Brasil desvenda as diferentes formas de falar do brasileiro. Rio de Ja-
neiro: Rede Globo, 2014. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WwP_b48TpgE&t=1s.
Acesso em: 15 de fev. de 2020.

__________. Sotaques do Brasil: o maior número de pessoas disputam o falar do brasileiro. Rio
de Janeiro: Rede Globo, 2014. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=flOhPXEPW9c.
Acesso em: 18 de fev. de 2020.

JORNAL HOJE. Sotaques do Brasil: primeira parte. Rio de Janeiro: Rede Globo, 2014. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=Riesu0ByqWQ. Acesso em: 16 de fev. de 2020.

___________. Sotaques do Brasil: os jeitos diferentes de falar do brasileiro. Rio de Janeiro: Rede
Globo, 2014. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HwHfkuRCflc&list=PL8tgKAD-
g9iMdSnZOo4GI22sq1ch-fNESh . Acesso em: 16 de fev. de 2020.

JORNAL HOJE. Sotaques do Brasil: Sotaques do Brasil mostra como os brasileiros pronunciam.
Rio de Janeiro: Rede Globo, 2014. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sJAGpU3u-
QaM&t=23s. Acesso em: 30 de fev. de 2020.

LETRAMENTO DIGITAL. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2020.
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Letramento_digital&oldid=57932127.
Acesso em: 31 mar. 2020.

MOREIRA, Cláudia Martins. Os estágios de aprendizagem da escrita pela criança: uma nova leitura
para um antigo tema. Linguagem em (Dis)curso, Palhoça, SC, v. 9, n. 2, p. 359-385, maio/ago.
2009. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ld/v9n2/07.pdf. Acesso em: 20 de Mar. de 2020.

PARISOTTO, Ana Luísa Videira; RINALDI, Renata Portela. Ensino de língua materna: dificuldades e
necessidades formativas apontadas por professores na Educação Fundamental. Educar em Revis-
ta, Curitiba, v. 60, abr./jun. de 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_art-
text&pid=S0104-40602016000200261. Acesso em 29 de fev. de 2020.

RODRIGUES, Rômulo da Silva Vargas. Saussure e a definição da língua como objeto de es-
tudos. ReVEL. Edição especial n. 2, 2008. Disponível em: http://www.revel.inf.br/files/artigos/re-
vel_esp_2_saussure_e_a_definicao_de_lingua.pdf. Acesso em: Acesso em: 15 de fev. de 2020.

Rui Barbosa. Disponível em: https://kdfrases.com/autor/rui-barbosa. Acesso em: 2 de fev. de 2020.

SEARA, Izabel Christine; NUNES, Vanessa Gonzaga; LAZZAROTO-VOLÇÃO, Cristiane. Fonética


e fonologia do português brasileiro: 2º período. Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2011. Disponível
em: https://petletras.paginas.ufsc.br/files/2016/10/Livro-Texto_Fonetica_Fonologia_PB_UFSC.pdf.
Acesso em: 15 de fev. de 2020.

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 101


SILVA, Daniel Marra da; MILANI, Elias. Anais do SILEL. Saussure – as consequências da ins-
tituição de um elemento híbrido, a langue, sistema/fato social, como objeto da linguística.
Uberlândia: EDUFU, 2011. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/156/o/Saussure.pdf.
Acesso em 26 de fev. de 2020.

SILVA, Fernando Moreno da. PROCESSOS FONOLÓGICOS SEGMENTAIS NA LÍNGUA PORTU-


GUESA. Revista Litera Online, v. 4, 2011. Disponível em: https://docplayer.com.br/4277368-Pro-
cessos-fonologicos-segmentais-na-lingua-portuguesa.html. Acesso em: 20 de fev. de 2020.

SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2018.

SOBRAL, Prefeitura do Município de. A experiência Educacional de Sobral. Sobral, 2018.


Disponível em: https://institutoayrtonsenna.org.br/content/dam/institutoayrtonsenna/alfabetiza-
cao360/A%20experi%C3%AAncia%20educacional%20de%20Sobral_CE.pdf. Acesso em: 15 de
fev. de 2020.

TVUNITAU. Coletivando: Pais leitores: a leitura em família. Disponível em: https://www.youtube.


com/watch?v=TZfMFWVz2IY. Acesso em: 20 de fev. de 2020.

YOUSAFZAI, Malala. kdfrases.com. Discurso – ONU, 2013. Disponível em: https://kdfrases.com/


autor/malala-yousafzai. Acesso em: 30 de março de 2020

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 102


CONCLUSÃO

Você acabou de fazer um percurso de estudos sobre Fonética e Fonologia do


Português do Brasil. Você viu como as pronúncias das palavras podem variar, dependendo
da região do país. Viu também como as transcrições fonéticas conseguem registrar essas
diferenças e nos fazer entendê-las melhor. Você aprendeu a avaliar diferenças fonéticas
que não distinguem palavras e diferenças fonológicas que, obviamente, distinguem pala-
vras, alterando seu significado.
Convidei você a começar a pensar nas investigações linguísticas. Fizemos um
estudo dos traços distintivos do Português do Brasil. Pudemos visualizar que as línguas
humanas, como é o caso da Língua Portuguesa também, estão em processo de evolução.
As mudanças sonoras de uma língua são parte dessas mudanças evolutivas.
Os processos fonológicos estudados mostram tendências de mudanças do Portu-
guês do Brasil e como é impossível a existência de uma língua estática no tempo. E você
percebeu também que é impossível querer que todos os brasileiros utilizem a língua da
mesma forma, com as mesmas pronúncias. Tentei deixar claro que não existe uma variação
linguística mais eficiente que outra quando se trata de comunicação.
Você pensou comigo no processo de alfabetização. Vimos que os fracassos nesse
processo têm sido atribuídos principalmente à falta de sistematização entre os sons da fala
e o sistema alfabético e ortográfico. Avaliamos que os estudos em situações artificiais, como
escrever uma redação escolar só para a professora ler, também contribuem para o fracasso
escolar. Em consonância com estudiosos, sugerimos a sistematização rigorosa do processo
que deve ocorrer simultaneamente ao letramento, criando situações reais de interlocução.
A criança precisa ver sentido no processo de alfabetização e o letramento pode ser uma
resposta a esse desafio. E, desde cedo, a escola já pode desenvolver competências para
aceitar o diferente, inclusive promovendo a rejeição ao preconceito linguístico.
Obrigado pelo empenho!

UNIDADE IV Fonética, Fonologia e Ensino 103

Você também pode gostar