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Resumo
Este artigo de atualização reúne alguns estudos que foram desenvolvidos com o intuito de analisar a variabilidade
genética em espécies vegetais presentes no Cerrado Brasileiro. A região dos cerrados apresenta grande diversificação
faunística e florística, em suas diferentes fisionomias vegetais. O desconhecimento do potencial de uso dos recursos
naturais, o desrespeito às leis de proteção ambiental, as queimadas e a intensidade de exploração agrícola têm provocado
prejuízos irreparáveis ao solo, à fauna, à flora e aos recursos hídricos, comprometendo a sustentabilidade desse ecossistema
e colocando muitas espécies animais e vegetais em risco de extinção, principalmente as frutíferas nativas. Essas espécies
e outras espécies animais são intensamente exploradas e (ou) caçadas. Analisar a variabilidade genética dessas populações
é de extrema importância, pois permite fornecer subsídios para a elaboração de estratégias de conservação dessas espécies
que habitam o Cerrado, um bioma considerado bastante ameaçado e classificado como um hotspot de diversidade
biológica. Através desta atualização, pretende-se apresentar alguns trabalhos com espécies vegetais do Cerrado na área
de Genética da Conservação.
INTRODUÇÃO
1
Bacharel em Ciências Biológicas – UEG. Goiânia - GO
2
Professor de Ciências Biológicas. Departamento de Biologia – UEG. Goiânia - GO
com a finalidade de avaliar a variabilidade ge- tos. A madeira é de boa qualidade, sendo em-
nética entre e dentro das populações naturais, pregada regionalmente em cercas, esteios e pos-
com vistas a fornecer subsídios aos programas tes (ALMEIDA et al., 1987).
de conservação. Tabebuia impetiginosa – Os estudos de filogeografia possibilitam
Bignoniaceae (Ipê-roxo) ocorre desde em esta- o entendimento da evolução das diferentes li-
dos do Nordeste até no Sudeste e no Sul, tanto nhagens e sua relação com os eventos históricos
na mata pluvial atlântica como na floresta determinantes de sua diversificação. Além des-
semidecídua e, ocasionalmente, no Cerrado e ses aspectos, podem fornecer importantes in-
na caatinga. Os estudos realizados com essa es- formações para orientar programas que visem à
pécie consistem numa análise genética de seis sua conservação. O jatobá-do-cerrado é uma
populações de Ipê-roxo, das Florestas Estacionais espécie endêmica e de ampla distribuição no
Decíduas da Região do Vale do Paranã, GO, bioma Cerrado. As análises foram realizadas a
totalizando 164 indivíduos. Os resultados ob- partir do seqüenciamento de uma região não
tidos mostram que a variabilidade dentro das codificante de DNA de cloroplasto (cpDNA).
populações é muito maior quando comparada Foram analisadas 495 bases em 98 indivíduos,
aos resultados obtidos entre as populações. Isso coletados em 8 populações. A estrutura
sugere que o risco de extinção não é elevado, já populacional verificada através da AMOVA
que, dentro de um mesmo fragmento, indepen- (análise de variância molecular) corroborou a
dentemente do nível de perturbação, a variabi- análise de barreiras, mostrando que 41,2% da
lidade genética observada é muito grande. A variação genética se devem às diferenças entre
pequena variabilidade (6%) entre as seis popu- estes dois grupos e apenas 10,1% entre popu-
lações, incluindo as perturbadas e não pertur- lações dentro de grupos, sugerindo uma barrei-
badas, indica que a intervenção causada nas re- ra entre as populações a leste e a oeste da área
giões perturbadas, até este momento, não cau- amostrada. As populações do grupo Leste apre-
sou grandes mudanças na estrutura genética das sentaram maior diversidade, como aferida pe-
populações. A ocorrência de uma diferenciação los índices de diversidade haplotípica e
entre as populações, mesmo que pequena, su- nucleotídica. Algumas evidências geológicas que
gere uma estratégia de conservação que inclua o indicam a formação de refúgios de cerrado du-
máximo de fragmentos. No entanto, para o de- rante o Pleistoceno podem ser uma possível ex-
senvolvimento de estratégias desse nível, talvez plicação para a maior diversidade genética nas
seja necessária a realização de estudos que utili- populações do grupo Leste. Associado à redu-
zem outras técnicas de análise molecular e que ção das áreas de Cerrado, outro importante acon-
possam analisar tal variabilidade, considerando tecimento que poderia ter influenciado a estru-
outras seqüências de DNA que não essas alea- tura genética encontrada em H. stigonocarpa
tórias utilizadas por RAPD, como é o que ocor- seria a extinção da megafauna no final do
re com marcadores microssatélites, por exem- Pleistoceno (RAMOS et al., 2005).
plo. Essas análises permitiriam estimar a varia-
bilidade genética, analisando-se fluxo gênico, Jenipapo
heterozigosidade, freqüências alélicas e taxas de O estudo genético de G. americana, a
endogamia, o que forneceria outros resultados partir de dados de isoenzimas, possibilitou con-
para o desenvolvimento de estratégias de con- cluir que os níveis de heterozigosidade espera-
servação e manejo sustentável (CIAMPI et al., dos foram altos para a população de adultos, se
2003). comparados à média de outras espécies arbóreas
tropicais estudadas. A alta heterozigosidade é
Jatobá-do-cerrado de valor relevante, visto que permite novas
O jatobazeiro, leguminosa arbórea co- recombinações genotípicas e, por tais razões, a
mum dos Cerrados, além de fornecer frutos com plasticidade adaptativa da espécie às futuras
polpa farinácea com emprego na culinária regi- mudanças ambientais e à colonização de novas
onal, é também importante por outros aspec- áreas. As plântulas mostraram baixa heterozi-
baixa diversidade entre as populações, que pode do propriamente dito (ppd). Com uso de mo-
ser explicada pelos altos níveis de fluxo gênico delo de genética quantitativa, avaliou-se tam-
entre elas (MELO-JÚNIOR et al., 2004). bém o potencial plástico dessa espécie. Os da-
dos obtidos confirmam a atuação da plasticidade
Pitanga fenotípica como mecanismo gerador de varia-
A plasticidade fenotípica retrata a habi- bilidade fenotípica e apontam sua importância
lidade de um organismo alterar sua fisiologia e nos processos adaptativos e evolutivos envolvi-
(ou) morfologia, em decorrência de sua interação dos na formação de ecótipos nas áreas de cerra-
com o ambiente. Espécies com grande potenci- do recortadas por veredas (CARDOSO;
al para plasticidade em caracteres ligados à so- LOMÔNACO, 2003).
brevivência apresentam vantagens adaptativas
em ambientes instáveis, heterogêneos ou de
transição, visto que as mudanças produzidas CONCLUSÃO
podem facilitar a exploração de novos nichos,
resultando no aumento da tolerância ambiental. O potencial de utilização das espécies
A plasticidade fenotípica pode ser considerada vegetais do Cerrado é enorme, principalmente
um mecanismo gerador de variabilidade no que se refere às fruteiras nativas. Elas vêm
fenotípica e, uma vez que a seleção natural age sendo utilizadas há anos, por possuírem valor
sobre fenótipos, cria oportunidades para que nutritivo na alimentação, propriedades medi-
mudanças genéticas ocorram. Além disso, se as cinais e potencial de utilização madeireira e or-
divergências fenotípicas geradas dentro de uma namental. Infelizmente, a maioria das espécies
população forem mantidas por seleção descritas neste artigo tem sido aproveitada de
disruptiva, haverá favorecimento para o maneira extrativista, ou seja, não há uma preo-
surgimento de subespécies, raças ou ecótipos. cupação com o cultivo comercial dessas espéci-
Espera-se que uma população que ocupe um es, evitando seu desaparecimento no meio na-
ambiente heterogêneo apresente grande poten- tural.
cial plástico em suas características fisiológicas A variabilidade genética dentro de uma
e (ou) morfológicas. Por causa disso, a formação espécie é fundamental para garantir seu poten-
de ecótipos ou variedades poder ser bastante cial adaptativo frentes às adversidades
favorecida em ambientes de transição ou ambi- ambientais. Quantificar essa variabilidade den-
entes que apresentam gradientes edáficos, como tro das populações é crucial para avaliar como
é o caso de áreas ocupadas pelo bioma do Cer-
as espécies enfrentam o ambiente e se mantém
rado. Eugenia calycina Cambess. é uma planta
vivas e reprodutivas ao longo dos tempos, prin-
arbustiva, popularmente conhecida como
cipalmente na região do Cerrado, considerado
pitanga-vermelha ou pitanga-do-cerrado. Per-
um bioma de rica biodiversidade. A análise da
tence à família Myrtaceae, que compreende
variabilidade genética das espécies nativas pas-
aproximadamente 100 gêneros e 3.500 espéci-
sou a ter hoje um papel de destaque na defini-
es, distribuídas principalmente nas regiões tro-
ção das estratégias de conservação e manejo de
picais e subtropicais do mundo, com poucas
populações naturais.
espécies ocorrendo nas regiões temperadas. No
De uma maneira geral, todos os estudos
Brasil, E. calycina já foi registrada em áreas de
realizados com espécies vegetais do Cerrado
Cerrado dos Estados de Goiás, Minas Gerais e
Distrito Federal, nos tipos fitofisionômicos de descritas neste artigo revelaram alta variabilida-
campo sujo, cerrado propriamente dito, campo de genética dentro das populações estudadas, o
cerrado e transição cerrado-vereda. O estudo que implica uma preocupação imediata com a
realizado com essa espécie teve como objetivo exploração dessas espécies, impedindo que elas
verificar a ocorrência de variações fenotípicas em desapareçam da natureza e fornecendo boas
Eugenia calycina Cambess. numa área que apre- bases para o melhoramento e estratégias de con-
senta gradiente de transição entre vereda e cerra- servação.
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Recebido em / Received: 12/01/05
Aceito em / Accepted: 27/09/06