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1.2 – Racionalidade.
Em termos gerais este segundo pilar da explicação racional aponta, segundo
ELSTER (1986), para relações muito específicas entre os desejos e crenças por um lado
e a ação por outro. São condições mínimas para que haja racionalidade em um
comportamento:
(4) O quadro de crenças C é internamente consistente (traduzindo livremente do
inglês teríamos: as crenças devem ser internamente consistentes).
(5) O quadro de desejos D é internamente consistente.
A discussão que Elster faz destas duas condições de racionalidade é das mais
curiosas. Em primeiro lugar parece claro que se um desejo é internamente inconsistente
(por exemplo, viajar e ficar no mesmo lugar ao mesmo tempo) não se pode pensar em
escolher o melhor meio de realizá-lo, simplesmente porque é irrealizável. Mas, e se o
agente acreditar que ele é realizável? O ponto é que, como já indicamos acima, a
explicação racional repousa sobre o indivíduo e não no seu enquadramento social ou
institucional. A questão se torna ainda mais grave quando se considera a relutância de
Elster em assentar a explicação racional sobre a competência mental do agente.
Certamente que soa preconceituoso afirmar que a um agente que acredita ser realizável
um desejo internamente incoerente falta competência mental. Mas, o que mais sobra?
Sobra, como podemos ver no ensaio de ELSTER (1986), a idéia de que as crenças
devem ter como parâmetro as evidências disponíveis. Mas, vale a pena citar Jon Elster
para ver como ele parece relutante em exigir que as crenças, para serem racionais,
cumpram esta exigência. Eis a passagem:
“Pode-se demandar mais racionalidade das crenças e desejos do que a mera
consistência. Em particular, pode-se requerer que as crenças sejam, em algum sentido,
substantivamente bem sedimentadas, isto é, indutivamente justificadas pelas evidências
disponíveis. Isto, por certo, é um noção altamente problemática; mesmo assim aqui eu
assuma doravante que é uma noção significativa” (ELSTER, 1986: 63).
Como se pode ver, Elster hesita. Ficamos sem saber exatamente porque ele
considera a justificação indutiva como “altamente problemática”. E isso é algo que se
deve estranhar em um autor conhecido pelo rigor da argumentação. Mas, talvez a
dificuldade se deva ao fato de ele ter substituído a noção mais rigorosa de “quadro
cognitivo” por outra, bem menos precisa, “crença”. De fato, se em vez de “crença”,
Elster se ativesse ao “quadro cognitivo”, a utilização tanto da competência mental,
quanto da “indução” como parâmetros para a medição da racionalidade do desejo não
soaria menos estranha. Se não por nada, porque tiraria do âmbito das crenças
explicáveis pela teoria da escolha racional tudo o que se referi a um enquadramento
menos sedimentado no empiricamente observável. Um bom exemplo disso seriam todas
as crenças religiosas de vida após a morte ou na vinda do messias. Um indivíduo que
acredite na possibilidade de “viagens astrais”, por exemplo, acredita piamente que é
possível viajar e permanecendo corporalmente no mesmo lugar.
É verdade que os exemplos citados no artigo do autor de Marx Hoje (e aqui
também) em nada ajudam. São simples demais, óbvios demais. Têm apenas o propósito
de tornar claro algo bem mais complicado. Em ciências sociais não se lida com o
problema de ator achar que pode operar a trissecção do ângulo de um triângulo da forma
como Elster indica, ou com aqueles que acreditam em viagens astrais, como indicamos
nós. Sociólogos e cientistas políticos não lidam com este tipo de agente. Os contextos
em que os agentes vão fazer escolhas são bem menos obviamente qualificáveis como
racionais ou irracionais.
Um exemplo talvez torne o que estamos indicando mais facilmente visualizável.
Consideremos, assim, o relato que Jung Chang, a autora de Cisnes Selvagens, faz da
China no período do “Grande Salto Para Frente”. Em termos econômicos, o grande salto
que a economia chinesa deu no período foi para trás. Tanto que a conseqüência foi uma
epidemia de fome em todo país, especialmente entre os camponeses e as camadas mais
pobres das cidades (geralmente as pessoas que não faziam parte do partido comunista
chinês). O Grande Salto foi uma idealização pessoal de Mao Tse Tung. Seu objetivo
político era mostrar que a China era capaz de crescer em moldes não capitalistas.
Acontece que o campo tem uma maneira correta de ser cultivado que não depende da
forma do sistema político. Daí que as safras tenham sido prejudicadas por formas
incorretas de cultivo. A terra, afinal, não possuía então, nem possui nunca, simpatias
ideológicas. A propaganda oficial, contudo, afirmava o sucesso do projeto. Números
altissonantes propalavam o enorme crescimento da produtividade tanto no campo
quanto na indústria. A fome (infelizmente também sem simpatias ideológicas) era
creditada a catástrofes naturais.
Como classificar o comportamento de Mao? Pode-se classificar seu
comportamento como irracional, se considerarmos as evidências disponíveis. A questão
é que de outro ponto de vista, justamente aquele que reluta em considerar o fator
indutivo como sinal de racionalidade, teríamos que nos defrontar com o seguinte
argumento: uma vez que Mão acreditou ser perfeitamente possível submeter a
agricultura e a indústria a uma lógica “socialista” que seria tão ou mais eficiente que a
capitalista, seu comportamento seria perfeitamente racional.
Isso é forçar o argumento, por certo. Mao soube quase imediatamente, dado os
resultados da economia, que seu Grande Salto Para Frente estava fadado ao fracasso.
Sua crença (ou demência) não ia tão longe até o ponto de não ser capaz de reconhecer
seu fracasso. A questão é que ele não podia reconhecer seu fracasso tão imediatamente,
pois isso significaria perder sua posição de poder na estrutura do partido comunista
chinês. Mas não podia insistir na sua política pelo simples fato de que isso também
significaria desacreditar o Partido e a si próprio diante da população. Estava, portanto,
em uma armadilha. Por cinco anos insistiu na sua política e condenou os chineses à
fome. Porém, teve de se render às... evidências.
Não interessa aqui como Mao resolveu a questão política no Partido. Sabe-se que
após o fracasso do Grande Salto Para Frente, ele teve que devolver a condução da
economia à corrente mais moderada, liderada por Deng Xiaoping. Interessa, sim, o que
isso diz a respeito do critério de racionalidade de desejos e crenças. E as evidências não
costumam perdoar o comportamento que nelas não está baseado.
Elster, portanto, mesmo a contragosto, também tem de considerá-las em sua
argumentação. E, novamente, três condições têm que ser satisfeitas para o bem da
racionalidade:
(1b) A crença deve ser a melhor crença, dada a evidência disponível.
(2b) A crença deve ser causada pela evidência disponível.
(3b) A evidência deve causar a crença “da maneira certa”.
A primeira condição implica na aceitação da inferência indutiva como condição
de formação da crença. A segunda reforça o argumento indicando que o processo para
se chegar à crença deve ser necessariamente baseado na indução e não em “wishful
thinking” que, coincidentemente, pode ter levado o agente à alcançar os mesmos
resultados. A terceira é ainda mais exigente. Não basta que o agente chegue,
considerando as evidências, à crença que é garantida pelo processo de argumentação (ou
consideração das evidências) – é necessário que o processo de ponderação das
evidências seja o processo correto.
Elster chega, então, a fazer mais um postulado de racionalidade que inclui as
evidências (E) disponíveis:
(W) A relação entre C e E deve satisfazer (1b), (2b) e (3b).
Chama atenção, contudo, para o fado deste postulado ser incompleto. O motivo
da incompletude: ele precisa ser suplementado por uma condição sobre quanta
evidência é racional coletar.
Com relação à consistência interna dos desejos, Elster formula mais um
postulado:
(6) Dado C, B é a melhor ação com respeito ao quadro completo de desejos bem
ponderado.
Este postulado visa, segundo Elster, evitar o comportamento acrático ou a
fraqueza da vontade. O ponto é que um indivíduo pode possuir vários desejos, ou até
desejos conflitantes com respeito a um mesmo objeto ou objetivos. Isto posto, um
comportamento é racional se, bem ponderados os desejos e suas conseqüências, o
indivíduo escolher realizar aquele desejo que lhe for mais benéfico. O seu exemplo é o
do indivíduo que, mesmo desejando parar de fumar, não rejeita um cigarro quando um
lhe é ofertado. Ciente dos malefícios do tabagismo, este indivíduo mesmo assim opta
pelo cigarro. Ora, este comportamento não é racional. Não pode ser objeto de uma
explicação racional. É importante salientar a explicação que Elster aceita para este
comportamento: a falta de uma ligação causal (ou uma ligação causal defeituosa) entre
os desejos e as ações. A razão mais fraca bloqueia a mais forte de entrarem em
operação. Ou seja, estamos, querendo-se ou não, bem no meio de mecanismos
psicológicos que exercem um papel explicativo para o comportamento do agente.
1.3 – Otimalidade
O terceiro pilar explicativo da teoria está assentado na idéia de que o agente se
comporta escolhendo a melhor maneira de atingir seu objetivo. Ele está presente já no
postulado inicial (1). Os problemas com esta exigência são muitos, pelo que se pode
depreender das considerações de Elster. E ele apresenta essencialmente dois. Em suas
palavras, “por um lado, pode haver várias opções que são igualmente e maximamente
boas; por outro, pode haver nenhuma ‘melhor’ opção de todo” (ELSTER, : 65).
Com relação ao primeiro caso, a não-unicidade de escolha ótima, ele pode surgir
porque o ator é indiferente às várias opções. Nenhuma é melhor que a outra. Esta
possibilidade põe em questão tanto a Teoria do Equilíbrio Geral, como na Teoria dos
Jogos – onde, como nota Elster, jogos com múltiplos ótimos abundam.
O caso anterior aponta para a indiferença do agente diante de vários ótimos. O
problema se torna ainda mais sensível quando não existe um ótimos entre duas opções.
O caso aqui é de incomparabilidade. E se apóia, em parte, nas considerações de Sen e
Williams sobre decisões que dizem respeito ao bem-estar alheio.
Mas, as considerações de Elster se tornam ainda mais instigantes quando ele
considera situações em que decisões têm de ser tomadas em contextos de incerteza. De
fato, a maioria das escolhas são feitas em tais contextos. Simplesmente não se tem
informações completas disponíveis para cada grupo de decisões a serem tomadas.
Isto é retomar o argumento da escolha feita diante das evidências disponíveis que
foi discutido acima. Quando da formulação da cláusula (W) Elster já havia indicado a
sua incompletude. Não há, em suma, como saber que as evidências coletadas são
suficientes para embasar uma escolha que seja segura quanto ao seu resultado. Por outro
lado, não se pode saber com segurança em qual ponto se deve parar de coletar
informações. Ainda mais: não se sabe qual o ponto em que os custos marginais da coleta
de evidências vai superar os seus ganhos.
Como isto tudo é muito vago, vaga é a condição que se pode impor sobre E:
(N) Deve-se coletar uma quantidade de evidência que fique entre os limites mais
altos e mais baixos que são definidos pela situação-problema, incluindo D.
E Elster finaliza afirmando que se pode impor a seguinte condição sobre a relação
entre evidência, crença e desejos:
(7) A relação entre C, D e E deve satisfazer (1b), (2b), (3b) e (N).
Elster chama atenção, a certa altura de sua argumentação, para o seu objetivo no
ensaio: explorar a utilização da explicação da Teoria da Escolha Racional no domínio
da racionalidade individual. Com isso, evita pensar em sujeitos coletivos, na
coordenação da ação entre diversos indivíduos e, por fim, naquilo que se pode chamar
de influências exteriores ou circunstâncias exteriores ao domínio do indivíduo. Pelo
menos faz este esforço neste ensaio. A questão é saber se se pode pensar numa
explicação para o comportamento do indivíduo centrando a atenção apenas em seus
desejos, cognições e nas evidências disponíveis que ele processa cognitivamente.
Anteriormente indicamos que a incorporação de Elster das evidências disponíveis
é algo relutante. Não se deve estranhar esse aspecto. As evidências disponíveis estão aí
meio que de contrabando. É algo que o indivíduo vai internalizar, mas não são algo que
advenham do próprio indivíduo, do seu psiquismo. Na verdade Elster se esforça por
limpar sua argumentação de fatores externos, como ficou claro aqui quando citamos sua
frase acerca da “facilidade” de análises que os incorporam.
Mas, este ponto é por demais importante para que fique de fora das propostas
explicativas assentadas na Teoria da Escolha Racional. De fato, parece que sua
aplicabilidade, os modelos explicativos propostos por aqueles que a advogam, não
podem prescindir de fatores externos ao psiquismo do indivíduo.
No que se segue, gostaríamos de expor como aqueles que advogam uma postura
mais externalista da Teoria da Escolha Racional apresentam seus argumentos.
4 – Considerações Finais
BIBLIOGRAFIA
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