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FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
LAWFARE NO BRASIL:
A OPERAÇÃO LAVA-JATO E O CASO LULA
NITERÓI
2022
ARTHUR DIAS REGO MONTEIRO
LAWFARE NO BRASIL:
A OPERAÇÃO LAVA-JATO E O CASO LULA
Orientador:
Prof. Dr. Gladstone Leonel da Silva Júnior
NITERÓI
2022
Ficha catalográfica automática - SDC/BFD
Gerada com informações fornecidas pelo autor
CDD -
LAWFARE NO BRASIL:
A OPERAÇÃO LAVA-JATO E O CASO LULA
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dr Gladstone Leonel da Silva Júnior (Orientador) - UFF
_____________________________________________
Prof. Dr. Ozéas Correa Lopes Filho - UFF
_____________________________________________
Profa. Dra. Adriana Dias Vieira - UFF
NITERÓI
2022
AGRADECIMENTOS
Este trabajo de conclusión del curso tiene como objetivo abordar el fenómeno Lawfare
denunciado en la historia jurídica reciente a partir de los hechos en el seno de la Operación
Lava-Jato con miras a la rendición de cuentas penal del expresidente Luíz Inácio Lula da
Silva bajo la imputación presentada por el MPF en los expedientes de Acción Penal No.
5046512-94.2016.4.04.7000 / PR, que fue comúnmente conocido como el caso Lula.
Inicialmente, se señalan los elementos constitutivos del Lawfare y sus objetivos,
exponiendo los elementos internos y externos del Derecho, así como sus interlocuciones.
Inicialmente se construye la noción de corrupción del poder político, según las lecciones
de. Enrique Dussel, y la dicotomía potentia-potetas. Posteriormente, Lawfare se explica
en el presente caso, a partir de los actores y procedimientos de la Operación, su
repercusión en el entorno social a partir de la cobertura mediática, explorando la
construcción de su potencial y el daño causado. Finaliza con consideraciones sobre la
necesidad de una reorganización estructural de las instituciones para evitar el
florecimiento del fenómeno analizado y salvaguardar los preceptos democráticos.
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 10
2 LAWFARE: CONCEITO E IDENTIFICAÇÃO 13
.......................................................................................
2.1 DA JURISDIÇÃO ESCOLHIDA – OU 16
COOPTADA....................................................................
2.2 DO DIREITO ENQUANTO ARMA 18
.......................................................................................
2.3 ELEMENTOS EXTERNOS AO DIREITO 19
.................................................................................................
3 LAWFARE, LAVA-JATO E O CASO LULA 22
.......................................................................................
3.1 COERCITIBILIDADE: O PROCESSO ENQUANTO TEATRO E 24
JAULA
.......................................................................................
3.2 A ANUÊNCIA DOS ÓRGÃOS DA JUSTIÇA AO LAWFARE 30
..............................................................................................
4 DA INCOMPETÊNCIA E SUSPEIÇÃO: OS HABEAS CORPUS 33
193.726 E 164.493
..............................................................................................
4.1. DA ANÁLISE DA IMPARCIALIDADE 34
.........................................................................................................
4.2. DA CONCLUSÃO PELA AUSÊNCIA DE IMPARCIALIDADE 35
.........................................................................................................
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................. 40
REFERÊNCIAS .................................................................................. 42
1 INTRODUÇÃO
1
A afirmação dialoga com a noção de política e vida pública no mundo Ocidental deste a Antiguidade
Clássica. Aristóteles cunhou o verbete “o homem é um animal político” em sua obra Política, enfatizando
a necessidade da vida em coletividade como pré-requisito para a vida humana, conquanto aspecto da própria
natureza do homem.
2
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Editora Atlas, 26ª Edição,
2013. (pág. 2)
3
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Editora Atlas, 26ª Edição,
2013. (pág. 2)
4
Constituição Federal.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição. (grifo nosso)
5
Constituição Federal.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
Assim, valendo-se das lições de Enrique Dussel, o poder político, denominado
potentia, é detido pela comunidade como uma faculdade ou capacidade enquanto última
instância da soberania, da autoridade e da governabilidade estatais. Estas últimas
denominam-se potestas, e se materializa de forma mais clara na burocracia estatal, em
suas instituições6.
O ex-presidente foi alvo da Operação, sendo denunciado pelo MPF pelos crimes
de corrupção passiva qualificada, por 3 vezes, em concurso material, previsto no art. 317,
caput e §1º, c/c art. 327, §2º, todos do Código Penal. O processo seria distribuído à 13ª
Vara Federal de Curitiba, sob a responsabilidade do então juiz Sérgio Moro.
9
Uma das bases do pensamento liberal, a noção de “popular sovereignty” dita que um governo é feito por,
e existe para, o povo, e que um governo que afasta-se da lei e da vontade popular, segundo Jonh Locke,
deve ser deposto, pois ensejaria tal cenário no direito de rebelião daqueles subjugados por dito governo,
pelas circunstâncias, tirânico.
1 LAWFARE: CONCEITO E IDENTIFICAÇÃO
10
CARLSON, Jonh; YOMANS, Neville. Whither Goeth the Law: Humanity or Barbary. In SMITH,
Margareth, David. The way out: Radical alternatives in Australia. Melborne: Lansdowne Press, 1975.
Disponível em: http: https://www.laceweb.org.au/whi.htm. Acesso em 10.09.2021.
prejudicar ou aniquilar um inimigo eleito11, com o intuito de avançar com determinada
agenda contra a qual referido inimigo fazia resistência – e por isso é considerado inimigo.
11
ZANIN, Cristiano; MARTINS, Valeska; VALIM, Rafael. Lawfare: Uma Introdução. Editora
Contracorrente, 1ª Reimpressão, 2020, p. 21.
12
Conforme decisão prolatada na ADI 4277, que equiparou, para todos os fins, as uniões estáveis
homoafetivas às uniões estáveis heteroafetivas.
13
Conforme decisão prolatada no ADO 26, equiparando a injúria de natureza transfóbica ou homofóbica
ao crime de injúria racial
Justamente por sua natureza, o Direito – enquanto ciência e estrutura – é o
esqueleto perfeito a ser reapropriado a interesses pessoais. Primeiramente, porque a
disciplina e suas instituições compõem o aparato estatal de repressão legítima na
sociedade contemporânea. Em verbete que bem sumariza este pensamento, “a força e o
Direito não são mutuamente exclusivos”, pelo contrário, “o direito é a organização da
força”14. O Judiciário é o poder legitimador da força materializada, seu chancelador
final15 caso seja esta formalmente questionada. É o Judiciário que concretiza o intuito da
lei no caso concreto. É o Judiciário que determina o justo e o injusto em lide que a ele é
apresentada, e como e o que se deve reparar. É o Judiciário que mantém ou relaxa uma
prisão realizada por agentes estatais.
14
KELSEN, Hans. A paz pelo direito. WMF Martins Fontes - POD; 1ª edição, 2011.
15
Como exemplos, os seguintes trechos da Constituição Federal que demonstram a capacidade do judiciário
de materializar ou suprimir a vontade estatal:
“Art. 5ª Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos
em lei;
LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz
competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;” (grifos nossos)
que a máquina que os deve aplicar controle, revisando-os mediante provocação, está
calibrada a dar continuidade à farsa. Trata-se de um jogo de cartas marcadas.
16
CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. Disponível em: http://almanaquemilitar.com/site/wp-
content/uploads/2014/02/Da-Guerra-Carl-Von-Clausewitz.pdf. Acesso em 10.09.2021.
17
DIDIER, Fredie. Editorial 67. Disponível em https://www.frediedidier.com.br/editorial-67/. Acessado
em 10.09.2021.
de determinado réu operam grande efeito no sentido de efetivamente destruir a imagem
deste réu, visto como inimigo.
Vale recordar que as peças a serem movidas neste enredo precisam estar, de certa
maneira, em sincronia com o objetivo bélico por traz da judicialização proposta. A
corrupção do poder político, anteriormente trabalhada, se faz inteiramente presente aqui:
se o juiz decide determinada questão processual ou de mérito, não focando no regular
andamento do feito, e sim em como dita questão será lançada ao público e como melhor
traçar uma narrativa conveniente, por exemplo, se valendo de argumentos ortodoxos ou
quiçá populistas, então se afasta da finalidade de suas funções (julgar com justiça),
corrompendo o potestas e a capacidade política a ele conferida pelo povo e decidindo
aquém do bom direito (julgando com interesses próprios). Não por acaso, juízes estão
sujeitos aos institutos da suspeição e impedimento, a fim de se afastar do campo da
existência decisões corrompidas e, portanto, nulas, vez que atentatórias a própria noção
de justiça.
18
A banalização da “escolha de competência”, por vezes, é transparente. O Prosecutotial Guidelines for
Cases of Concument Jurisdiction: Making the Decision – “Which Jurisdiction Should Prosecute?”,
publicado pela International Assossiation of Prosecutors verbalmente recomenda que “os promotores
devem identificar todas as jurisdições em que existe uma base jurídica para potenciais ações penais, mas
também verificar onde existe uma perspectiva de condenação”. O documento pode ser acessado em
https://www.iap-association.org/IAP/media/IAP-
Folder/IAP_Guidelines_Cases_of_Concurrent_Jurisdiction_FINAL.pdf. Acesso em 10.09.2021.
1.2 DO DIREITO ENQUANTO ARMA
19
ZANIN, Cristiano; MARTINS, Valeska; VALIM, Rafael. Lawfare: Uma Introdução. Editora
Contracorrente, 1ª Reimpressão, 2020, p.38
20
No artigo “UNWITTING SANCTIONS: UNDERSTANDING ANTIBRIBERY LEGISLATION AS
ECONOMIC SANCTIONS AGAINST EMERGING MARKETS”, Andrew B. Spalding demonstra a
utilização do Foreign Corruption Practices Act enquanto instrumento de desestabilização de economias
divergentes. O artigo pode ser acessado no sítio
https://poseidon01.ssrn.com/delivery.php?ID=85109109100908008309211211411107309903402305806
7019062072066002100008098081023103123034016097101060099003105126108006089113092026058
0120380040240031141051040770011010420260470640731200790940910890650081260991031140670
10092030009072027023087096102093064&EXT=pdf&INDEX=TRUE
o tráfico de drogas e terrorismo, objetiva a repressão de aspectos da vida cotidiana eleitos
pelo Estado enquanto incompatíveis com a cidadania. A este fenômeno, Gunther Jackobs
cunhou o termo Direito Penal do Inimigo, e, sob sua ótica, o inimigo – do Estado - é
aquele indivíduo que incorre em condutas específicas previamente elencadas. O Lawfare,
por sua vez, não parte de uma assunção genérica de certo ou errado formulada pelo Estado
e individualiza seu alvo a partir de uma lógica silogística. Pelo contrário, ele inicia com
a identificação do alvo e, a partir do aparato legal disponível, cria-se a estratégia a ser
empregada para atacar o inimigo eleito. O Direito não é usado como instrumento para se
definir quem será a vítima do Lawfare – tal cognição, não raro, ocorre por critérios
econômicos, políticos e sociais apartados do mundo jurídico – mas sim ferramenta que
definirá como se irá atingir a vítima.
De acordo com o artigo 14, parágrafo 2 (do Pacto Internacional sobre Direitos
Civis), todos os acusados de uma infração penal terão o direito de ser
presumidos inocentes até que sejam considerados culpados de acordo com a
lei. A presunção de inocência é fundamental para a proteção dos direitos
humanos, impõe-se à acusação o ônus de provar a culpabilidade. Ninguém é
culpado até que a acusação o prove, ale de qualquer dúvida razoável. Garante-
se ao acusado o benefício da dúvida e exige que as pessoas acusadas de uma
infração penal sejam tratadas de acordo com este princípio. É um dever de
todas as autoridades públicas absterem-se de prejulgar o resultado de um
julgamento, por exemplo, abstendo-se de fazer declarações públicas
afirmando a culpa do acusado. Os réus normalmente não devem ser
algemados ou mantidos em celas durante os julgamentos ou apresentados
ao tribunal de maneira a indicar que podem ser criminosos perigosos. A
mídia deve evitar a cobertura de notícias minando a presunção de
inocência. Além disso, a duração da prisão preventiva nunca deve ser
tomada como uma indicação de culpa e seu grau. A recusa de fiança ou
conclusões de responsabilidade em processos civis não afetam a presunção de
inocência. (grifo nosso)
21
ECHR. Worm v Austria.. 29 de agosto de 1997. Disponível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-
58087
Judiciário. O jornalista fora condenado pelo Tribunal de Viena por ter exercido influência
indevida no resultado do julgamento do Ministro, condenação, esta, posteriormente
mantida pela Comissão.
22
O termo, em primeiro momento, refere-se à impossibilidade de ingerência de outros Poderes no Poder
Judiciário, a fim de garantir decisões justas e pautadas nos autos, mas dada a importância do fair trial, ate
mesmo em uma dimensão de direitos humanos e fundamentais, torna-se relevante a expansão do significado
de independência, conforme se extrai da jurisprudência.
2 LAWFARE, LAVA-JATO E O CASO LULA
23
O MPF mantém, em seu sítio eletrônico, aba dedicada à operação, na qual é a mesma descrita nos
seguintes termos:
“A Operação Lava Jato, uma das maiores iniciativas de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da
história recente do Brasil, teve início em março de 2014. Na época, quatro organizações criminosas que
teriam a participação de agentes públicos, empresários e doleiros passaram a ser investigadas perante a
Justiça Federal em Curitiba. A operação apontou irregularidades na Petrobras, maior estatal do país, e
contratos vultosos, como o da construção da usina nuclear Angra 3.
Por causa da complexidade do esquema, políticos e econômicos, novas frentes de investigação foram
abertas em vários estados como Rio de Janeiro, São Paulo e no Distrito Federal. Também resultou na
instauração de inquéritos criminais junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de
Justiça (STJ) para apurar fatos atribuídos a pessoas com prerrogativa de função.
No MPF, a condução das investigações ficou a cargo de procuradores da República, que estruturaram o
trabalho investigativo em forças-tarefas. A primeira delas surgiu em Curitiba. Em seguida, portarias
regulamentaram o funcionamento das forças-tarefas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Equipes da
operação atuaram ainda nos Tribunais Regionais Federais da 2ª região (RJ/ES) e 4ª região (RS/SC/PR).”
24
“Ao grampear e divulgar minhas conversas como presidenta da República sem autorização do STF,
usando um diálogo fora de contexto para criar uma farsa sobre a nomeação de Lula para a Casa Civil, o
juiz fabricou a falsa impressão de que havia uma deliberada tentativa de retirá-lo do alcance da Lava Jato.
Agora, revela-se que, por meio de vários grampos, o juiz e os procuradores sabiam que Lula iria para a
Casa Civil com o objetivo de articular a base política do governo e barrar o golpe de Estado. Pelo menos
21 gravações mostram isso claramente. Tal informação, contudo, foi escondida da população e,
criminosamente, também do STF, que acabaria por julgar o direito de Lula assumir. Todos os nossos
insistentes desmentidos foram ignorados. O tribunal decidiu sem ter acesso a todos os grampos realizados,
que deviam ter sido entregues à Corte, mas que foram negados por Moro. O juiz e a Lava Jato afrontaram
a lei para enganar o STF e fabricar um ambiente de perturbação social.” Ex-presidente Dilma Rousseff,
em coluna de opinião Dilma Rousseff: a Lava Jato foi decisiva para o golpe de 2016 datado de
15.09.2019, acessível no endereço eletrônico: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/dilma-rousseff-a-
lava-jato-foi-decisiva-para-o-golpe-de-2016/
O rosto da Operação Lava-Jato e da cruzada anti-corrupção que perdurou no país
nos últimos anos, o senhor Sérgio Moro, reiteradamente comparou o desmantelamento da
“velha política corrupta” com a Operação Mani Puliti, ou Mãos Limpas, deflagrada na
Itália na década de 1990. Aliás, suas opiniões acerca da condução da Mani Puliti foram
evidenciadas em artigo25 publicado pelo mesmo, no qual comenta sobre elementos que
caracterizariam a Lava-Jato sob seu comando; a necessidade de deslegitimação da classe
política, o emprego de prisões preventivas e conduções coercitivas somado à utilização
de delações premiadas, e o clamor popular como elemento fundamentacional da prestação
jurisdicional, fomentado pela mídia:
“(...) A deslegitimação do sistema foi ainda agravada com o início das prisões
e a divulgação de casos de corrupção. A deslegitimação, ao mesmo tempo
em que tornava possível a ação judicial, era por ela alimentada: A
deslegitimação da classe política propiciou um ímpeto às investigações de
corrupção e os resultados desta fortaleceram o processo de deslegitimação.
Consequentemente, as investigações judiciais dos crimes contra a
Administração Pública espalharam-se como fogo selvagem, desnudando
inclusive a compra e venda de votos e as relações orgânicas entre certos
políticos e o crime organizado. (...) O processo de deslegitimação foi
essencial para a própria continuidade da operação mani pulite. (...) Talvez
a lição mais importante de todo o episódio seja a de que a ação judicial contra
a corrupção só se mostra eficaz com o apoio da democracia. É esta quem
define os limites e as possibilidades da ação judicial. Enquanto ela contar
com o apoio da opinião pública, tem condições de avançar e apresentar
bons resultados. Se isso não ocorrer, dificilmente encontrará êxito. Por certo,
a opinião pública favorável também demanda que a ação judicial alcance bons
resultados. Somente investigações e ações exitosas podem angariá-la. (...). É a
opinião pública esclarecida que pode, pelos meios institucionais próprios,
atacar as causas estruturais da corrupção. Ademais, a punição judicial de
agentes públicos corruptos é sempre difícil, se não por outros motivos,
então pela carga de prova exigida para alcançar a condenação em
processo criminal. Nessa perspectiva, a opinião pública pode constituir
um salutar substitutivo, tendo condições melhores de impor alguma espécie
de punição a agentes públicos corruptos (...).” (grifo nosso)
25
MORO, Sérgio Fernando. CONSIDERAÇÕES SOBRE A OPERAÇÃO MANI PULITE. R. CEJ,
Brasília, n. 26, p. 56-62, jul./set. 2004. Acessível no sítio eletrônico: https://www.conjur.com.br/dl/artigo-
moro-mani-pulite.pdf. Acesso em 02.12.2021.
26
No dia 12 de julho de 2017, Sergio Moro, juiz federal de primeira instância, condenou o ex-presidente
Luís Inácio Lula da Silva a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem
de dinheiro na ação penal por ter supostamente recebido um triplex em Guarujá (SP) como contrapartida
por facilitar contratos da empreiteira OAS com a Petrobras, quando ainda era presidente.
A Vaza Jato é o termo pelo qual ficou conhecido, na imprensa brasileira, o
vazamento de conversas, realizadas através do aplicativo Telegram, entre o ex-juiz Sergio
Moro e o promotor Deltan Dallagnol, além de outros integrantes da força-tarefa da
Operação Lava Jato. A divulgação das conversas foi feita pelo jornalista estadunidense
Glenn Greenwald, do periódico virtual The Intercept, a partir de 9 de junho de 2019.
27
No dia 08 de março de 2016, a Associação Juízes para a Democracia editou nota em que sustentava que
a condução coercitiva do paciente representava um verdadeiro “show midiático”. O texto assinado pelos
magistrados advertia já à época que “ilegalidade não se combate com ilegalidade e, em consequência, a
defesa do Estado Democrático de Direito não pode se dar às custas dos direitos e garantias fundamentais.”
Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,entidade-dejuizes-ve-show-midiatico-em-
operacao-contra-lula,10000020091
Aqui, em primeiro plano, vê-se a flexibilização de garantias constitucionais do
acusado. O artigo 5º, inciso LIV, da Constituição prevê que “ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
28
GRINOVER, Ada Pellegrini. Os Princípios Constitucionais e o Código de Processo Civil. Sao
Paulo: Jose Bushatsky Editor, p. VII. 1975.
29
Em entrevista ao jornal “O Globo”, o Ministro Alexandre de Moraes comenta sobre a condução
coercitiva de Lula: “Eu só concebo condução coercitiva se houver recusa do intimado a comparecer.
É o figurino legal. Basta ler o que está no código de processo. (...) Deve ser o último recurso. Você hoje
é um cidadão e pedem que você seja intimado a prestar um depoimento. Em vez de expedirem o mandado
de intimação, podem conduzir coercitivamente, como se dizia, debaixo de vara? (...) Quando se
potencializa o objetivo a ser alcançado em detrimento de lei, se parte para o justiçamento, e isso não se
coaduna com os ares democráticos da Carta de 88”. O Globo, n. 30161, 05/03/2016. País, p. 10. Grifo
nosso.
“Art. 218 - A testemunha regularmente intimada que não comparecer ao ato para o qual
foi intimada, sem motivo justificado, poderá ser conduzida coercitivamente.”
30
1 "Se nós validarmos aqui regras autoritárias, o que o guarda da esquina vai fazer?", questionou o
ministro Gilmar Mendes durante a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que analisou a
constitucionalidade do uso de condução coercitiva para colher interrogatórios de investigados. A
maioria dos 11 ministros do STF seguiu a argumentação de Mendes, relator do caso, e proibiu o
procedimento utilizado 227 vezes pela força-tarefa da Operação Lava Jato de Curitiba. A utilização
das conduções coercitivas, que alcançou o ápice da polêmica quando teve como alvo o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, em março de 2016, estava proibida liminarmente desde dezembro passado
por decisão do próprio Mendes.” Trecho de matéria jornalística do veículo El País. STF contraria
Lava Jato e proíbe condução coercitiva para interrogatório, 14.06.2018. Acessível no sítio
eletrônico https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/13/politica/1528918107_943737.html. Acesso em
03.12.2021.
31
1.1.1.1 “Vimos um espetáculo lamentável na sexta-feira, 4 de março. Este dia ficará marcado como
“o dia em que um ex-presidente da República foi ilegal e inconstitucionalmente preso por
algumas horas”, sendo o ato apelidado de “condução coercitiva”. Sem trocadilho, tucanaram
a prisão cautelar.” Trecho do artigo Condução coercitiva de ex-presidente Lula foi ilegal e
inconstitucional, de Lênio Luís Streck, datado de 4 de março de 2016, podendo ser acessado no
sítio eletrônico https://www.conjur.com.br/2016-mar-04/streck-conducao-coercitiva-lula-foi-
ilegal-inconstitucional. Acesso em 03.12.2021.
de confissões extraídas a partir de prisões cautelares, os Procuradores poderiam seguir
com sua cruzada anticorrupção, mesmo que ausentes elementos comprobatórios daquilo
confessado.
A estratégia usada pelo MPF e pela 13º Vara Federal de Curitiba também tem
raízes, assim como a percepção do clamor popular e necessidade de deslegitimação dos
acusados aos olhos de Sérgio Moro32, na Operação Mani Puliti:
32
MORO, Sérgio Fernando. CONSIDERAÇÕES SOBRE A OPERAÇÃO MANI PULITE. R. CEJ,
Brasília, n. 26, p. 56-62, jul./set. 2004. Acessível no sítio eletrônico: https://www.conjur.com.br/dl/artigo-
moro-mani-pulite.pdf. Acesso em 02.12.2021.
33
“As mensagens obtidas pelo Intercept mostram que Moro desprezou esses limites ao impor
condições para aceitar as delações num estágio prematuro, em que seus advogados ainda estavam
na mesa negociando com a Procuradoria.
(...)
Embora a lei garanta ao Ministério Público autonomia para negociar, Deltan achava arriscado
desprezar a opinião de Moro e queria que o colega desse mais atenção ao juiz. No dia 25, o chefe da
força-tarefa voltou a manifestar sua preocupação.
A título de exemplo, tem-se a determinação, em 15 de fevereiro de 2017, da prisão
preventiva e busca e apreensão em endereços de Apolo Vieira, indicado como operador
de propina investigado pela Lava-Jato. Em 21 de fevereiro, seis dias depois, o juízo se
retrataria da diligência, vez que estaria o investigado “em tratativas de para um acordo de
colaboração”, saindo rapidamente da condição de risco à ordem pública e ameaça a
efetividade da ação penal que justificaram as medidas em primeiro lugar.
“Vc quer fazer os acordos da Camargo mesmo com pena de que o Moro discorde?”, perguntou a Carlos
Fernando. “Acho perigoso pro relacionamento fazer sem ir FALAR com ele, o que não significa que
seguiremos.”
“Podemos até fazer fora do que ele colocou (quer que todos tenham pena de prisão de um ano), mas tem
que falar com ele sob pena de ele dizer que ignoramos o que ele disse”, acrescentou.
(...)
2 A opinião de Moro foi respeitada. Com a assinatura dos acordos, dois dias depois, ficou acertado
que os dois executivos da Camargo Corrêa, Dalton Avancini e Eduardo Leite, que estavam presos
em Curitiba em caráter preventivo havia quatro meses, sairiam da cadeia com tornozeleiras e
ficariam mais um ano trancados em casa.” (grifo nosso)
3
4 – Trecho de reportagem do The Intercept, em parceria com A Folha de São Paulo. Mensagens
apontam que Moro interferiu em negociação de delações. 18.jul.2019, acessado no sítio
eletrônico https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/07/mensagens-apontam-que-moro-interferiu-
em-negociacao-de-delacoes.shtml em 03.12.2021.
34
Ministério Público Federal pediu duas vezes ao então juiz Sergio Moro operações contra a filha de
um alvo da Lava Jato que vive em Portugal como forma de forçá-lo a se entregar. Apesar de ser titular
de contas no exterior que receberam propinas, ela não era suspeita de planejar e executar crimes.
(...)
Tendo negado a cassação do passaporte de Nathalie, Moro perguntou ao MPF se as demais medidas
contra ela (bloqueios de contas e quebras de sigilo fiscal e de comunicações no WhatsApp) ainda eram
necessárias, considerando que Raul já havia sido preso em Portugal dois dias antes.
Isso significa que o juiz, assim como o MPF, justificou a operação contra Nathalie pelo fato de Raul estar
foragido. Uma vez que ele foi encontrado, a força-tarefa da Lava Jato não viu mais motivos para impor
as restrições a ela.
O processo contra Nathalie ficou adormecido até que o MPF o utilizasse, mais de três meses depois, com
o mesmo objetivo de capturar o pai. No dia 18 de maio de 2018, a justiça portuguesa determinou o
cumprimento imediato da ordem de extradição. Quatro dias depois os procuradores pediram a Moro, com
urgência, o cumprimento das medidas contra Nathalie, afirmando que Raul “se evadiu” ao ser procurado
pelas autoridades.
Desta vez, Moro acatou o desejo dos procuradores, sem qualquer incremento nas provas contra ela. O
MPF não fez nenhum adendo ao processo, apenas reapresentou o pedido que fizera em fevereiro.
Nathalie teve o passaporte retido e foi alvo de busca e apreensão em casa, no Rio de Janeiro, em 24 de
maio. Nessa busca, segundo a defesa dela alegou quatro dias depois em pedido de habeas corpus ao
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, “três agentes da Polícia Federal portando metralhadora
ingressaram na residência da paciente de forma truculenta, exigindo, aos berros, que ela revelasse o atual
paradeiro do seu genitor, sob ameaça de ‘evitar dor de cabeça para seu filho’”, referindo -se à criança
dela, um menino então com sete anos.”
5 – Trecho de reportagem do The Intercept, Intercepta ela. 11.09.2019, acessado no sítio eletrônico
https://theintercept.com/2019/09/10/moro-devassa-filha-investigado/ em 03.12.2021.
propôs: “Acho que temos que aditar para bloquear os bens dele na Suíça. Conta, Imóvel
e outros ativos. Ir lá e dizer que ele perderá tudo. Colocar de joelhos e oferecer redenção.
Não tem como não pegar35”.
Os acordos de delação eram, de fato, oportunidades “de rendição” as quais “não
tem como” o investigado “não pegar”. Não só as medidas restritivas se encerravam com
a homologação de acordo de delação premiada, como também aqueles que as sofriam
recebiam benefícios consideráveis. A título exemplificativo, os dos primeiros acordos de
colaboração celebrados pela Operação Lava Jato, os de Alberto Youssef e Paulo Roberto
Costa, previam, sem respaldo na legislação, a redução da pena de multa; o início do
cumprimento da pena privativa de liberdade com a celebração do acordo,
independentemente de condenação; a fixação de requisitos menos gravosos para a
progressão de regime da pena privativa de liberdade e a suspensão de investigações e de
procedimentos, após atingido o teto de pena privativa de liberdade em outras sentenças.
No mais, fora solicitado pelo MPF e deferido pelo então juiz Sérgio Moro a quebra
de sigilo telefônico, que seria reiteradamente estendido, do ex-presidente, de seus
familiares e até mesmo de seus advogados, com o intuito de monitorar e antecipar as suas
estratégias defensivas.
35
Disponível em https://theintercept.com/2019/08/29/lava-jato-vazamentos-imprensa/.
retroalimentar-se de legitimidade enquanto instituição e ator jurídico-político, se
chancelando a partir clamor popular através dos noticiários fartos de áudios e documentos
acerca das delações, apartados da lei e do devido processo e às custas das garantias
constitucionais, típico do fenômeno do Lawfare.
36
Não é muito tempo sem operação?. The Intercept, 09 de junho de 2019. Disponível no sítio eletrônico
https://theintercept.com/2019/06/09/chat-moro-deltan-telegram-lava-jato/. Acesso em 04 de dezembro de
2021.
37
“Os procuradores acataram a sugestão do atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, em mais uma
evidência de que Moro atuava como uma espécie de coordenador informal da acusação no processo do
triplex. Em uma estratégia de defesa pública, Moro concedeu uma entrevista nesta sexta-feira ao jornal
o Estado de S. Paulo onde disse que considera “absolutamente normal” que juiz e procuradores
conversem. Agora, está evidente que não se trata apenas de “contato pessoal” e “conversas”, como diz
o ministro, mas de direcionamento sobre como os procuradores deveriam se comportar.
Juntamente com as extensas evidências publicadas pelo Intercept no início desta semana – em que Moro
e Deltan conversam sobre a troca da ordem de fases da Lava Jato, novas operações, conselhos
estratégicos e pistas informais de investigação –, esta é mais uma prova que contraria a tentativa de
Moro de minimizar o tipo de relacionamento íntimo que ele teve com os promotores.
(...)
verdadeiro embate no terreno da mídia a respeito da legitimidade e robustez das alegações
feitas pelas partes, acusação e defesa. A ação não mais era debatida nos autos, e sim nos
noticiários, praças e, mais comprometedoramente à função jurisdicional, por mensagens
no aplicativo Telegram.
Moro – 22:12 – Talvez vcs devessem amanhã editar uma nota esclarecendo as contradições do
depoimento com o resto das provas ou com o depoimento anterior dele
Moro – 22:13 – Por que a Defesa já fez o showzinho dela.
Santos Lima – 22:13 – Podemos fazer. Vou conversar com o pessoal.
Santos Lima – 22:16 – Não estarei aqui amanhã. Mas o mais importante foi frustrar a ideia de que ele
conseguiria transformar tudo em uma perseguição sua.
- Trecho da reportagem A defesa já fez o showzinho dela. The Intercept, 14 de junho de 2019. Disponível
no sítio eletrônico https://theintercept.com/2019/06/14/sergio-moro-enquanto-julgava-lula-sugeriu-a-lava-
jato-emitir-uma-nota-oficial-contra-a-defesa-eles-acataram-e-pautaram-a-imprensa/. Acesso em 04 de
dezembro de 2021.
38
“Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora
OAS nos contratos da Petrobrás foram utilizados para pagamento de vantagens indevidas para o ex-
Presidente”. Trecho da decisão de Embargos de Declaração proferida em 18 de julho de 2017 nos autos da
Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR.
39
Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/moro-lula-solto.pdf
O ex-presidente seria mantido em cárcere, sob a alegação de que deveria advir da
8ª Turma do TRF-4 a ordem de soltura. Surpreende o observador da narrativa a postura
leniente que os órgãos judiciais, que cooptados ou coagidos, aceitaram a independência
ad hoc da República de Curitiba, sediada no gabinete da 14ª VF. O sentimento de
autonomia e atuação ao largo das normas processuais e materiais do direito penal fica
evidente em julgamento acerca de abertura de Processo Administrativo contra o então
juiz Sérgio Moro, no qual o relator, após realizar um apanhado das regras possivelmente
infringidas pelo magistrado, em seu voto, proferiu:
Houve pelo menos outros dois pedidos de providências contra o ex-juiz Sérgio
Moro que foram arquivados, desta vez no CNJ. Em todos eles discutia-se a atuação do
magistrado para além dos limites de imparcialidade.
“Trata-se de questão que agora vem de ser exposta no habeas corpus impetrado em
3.11.2020 em favor de Luiz Inácio Lula da Silva, no qual se aponta como ato coator
o acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça nos autos do
Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.765.139, no ponto em que foram
refutadas as alegações de incompetência do Juízo da 13ª Vara Federal da Subseção
Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento da Ação Penal n. 5046512-
94.2016.4.04.7000, indeferindo-se, por conseguinte, a pretensão de declaração de
nulidade dos atos decisórios nesta praticados. (...) Afirmam, sob tal ponto de vista,
que a hipótese se assemelha ao entendimento firmado pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal por ocasião do julgamento do INQ 4.130 QO, segundo o qual a 13ª
Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba seria competente apenas para o
julgamento dos fatos que vitimaram a Petrobras S/A, sendo imperativa a observância,
em relação aos demais, às regras de distribuição da competência jurisdicional
previstas no ordenamento jurídico. Requerem a concessão da ordem de habeas corpus
para declarar a incompetência do Juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de
Curitiba e, por consequência, a nulidade dos atos decisórios proferidos na Ação Penal
n. 5046512-94.2016.4.04.7000. Subsidiariamente, caso não conhecida a impetração,
postulam pela concessão da ordem de habeas corpus ex officio, nos termos do art.
654, § 2º, do Código de Processo Penal e do art. 193, II, do RISTF (...) Ante o exposto,
com fundamento no art. 192, caput, do RISTF e no art. 654, § 2º, do Código de
Processo Penal, concedo a ordem de habeas corpus para declarar a incompetência da
13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento das
Ações Penais n. 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (Triplex do Guarujá), 5021365-
32.2017.4.04.7000/PR (Sítio de Atibaia), 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do
Instituto Lula) e 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao Instituto Lula),
determinando a remessa dos respectivos autos à Seção Judiciária do Distrito Federal.
Declaro, como corolário e por força do disposto no art. 567 do Código de Processo
Penal, a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais,
inclusive os recebimentos das denúncias, devendo o juízo competente decidir acerca
da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios.”
No âmbito penal, contudo, tal premissa adquire contornos ainda mais relevantes.
Por imposição da presunção de inocência, o julgador deve adotar uma posição de
descrença institucional em relação à acusação – não se trata de pressupor a mentira, mas
adotar a máxima de que é necessário “ver para crer”. Somente se houver comprovação
além de qualquer dúvida razoável é que se autoriza o sancionamento. Sobre a natureza
constitucional do mandamento da imparcialidade, o Supremo Tribunal Federal
consignou:
40
BADARÓ, Gustavo H. Processo Penal. 5ª ed. RT, 2018. p. 46
em um cenário de julgamento inquisitivo. Interessante apontar que de forma
contemporânea aos atos conduzidos pelo então juiz Sérgio Moro, membros do MPF já
ventilavam suas frustrações acerca da postura inquisitorial do juiz41.
O que se tem, portanto, é a ideia de que “uma aliança entre o juiz e o promotor
acarreta inclinações/preconceitos no sistema de justiça, impedindo a produção da
verdade. A legitimidade do sistema adversarial depende da imparcialidade do julgador.
Se as dinâmicas de poder possibilitam que a sociedade suponha que promotor e juiz estão
trabalhando conjuntamente como uma equipe, a imparcialidade não existe42”.
41 “Ângelo – 10:00:07 – Cara, eu não confio no Moro, não. Em breve vamos nos receber cota de delegado
mandando acrescentar fatos à denúncia. E, se não cumprirmos, o próprio juiz resolve. Rs.
Monique – 10:00:30 – Olha, penso igual.
Monique – 10:01:36 – Moro é inquisitivo, só manda para o MP quando quer corroborar suas ideias, decide
sem pedido do MP (variasssss vezes) e respeitosamente o MPF do PR sempre tolerou isso pelos ótimos
resultados alcançados pela lava jato
Ângelo – 10:02:13 – Ele nos vê como “mal constitucionalmente necessário”, um desperdício de dinheiro.
Monique – 10:02:30 – Se depender dele, seremos ignorados.
Ângelo – 10:03:02 – Afinal, se já tem juiz, por que outro sujeito processual com as mesmas garantias e a
mesma independência? Duplicação inútil. E ainda podendo encher o saco.
Monique – 10:03:43 – E essa fama do Moro é antiga. Desde que eu estava no Paraná, em 2008, ele já atuava
assim. Alguns colegas do MPF do PR diziam que gostavam da pro atividade dele, que inclusive aprendiam
com isso.
Ângelo – 10:04:30 – Fez umas tabelinhas lá, absolvendo aqui para a gente recorrer ali, mas na investigação
criminal – a única coisa que interessa -, opa, a dupla polícia/ juiz eh senhora.
Monique – 10:04:31 – Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados.”
- Trecho da reportagem Moro viola sempre o sistema acusatório. The Intercept. 29 de junho de 2019.
Disponível no sítio eletrônico https://theintercept.com/2019/06/29/chats-violacoes-moro-credibilidade-
bolsonaro/. Acesso em 04.12.2021.
42
HESSICK, Andrew; SAUJANI, Reshma. Plea Bargaining and Convicting the Innocent. Brigham
Young University Journal of Public Law, v. 16, 2002. p. 231
Em extenso voto-vista, o Min. Gilmar Mendes retoma o julgamento do HC
164.493 no dia 09 de março de 2021. Apesar de não apontar as práticas do magistrado
como exemplo de Lawfare, o Ministro descreve o perfil político, inquisitório e eleitoral
das decisões prolatadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba quando da estada de Moro:
“O olhar em retrospecto não esconde que o Juiz Sergio Moro diversas vezes não se
conteve em pular o balcão. Na ordenação dos atos acusadores, o magistrado
gerenciava os efeitos extraprocessuais da exposição midiática dos acusados. A opção
por provocar – e não esperar ser provado – garantia que o Juiz estivesse na dianteira
de uma narrativa que culminaria, como será discutido, na consagração de um
verdadeiro projeto de poder que passava pela deslegitimação política do Partido dos
Trabalhadores e, em especial, do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, a fim de
afastá-lo do jogo eleitoral”.
43
“Por fim, o debate aqui abordado toca diretamente na temática das provas ilícitas no processo penal.
Trata-se de avanço primordial em um Estado Democrático de Direito, consolidado no art. 5º, LVI, da CF
(“são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”) e no CPP, nos termos da reforma
de 2008, consoante do art. 157, caput, “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as
provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Cuida-se de
medida fundamental para a proteção do réu contra abusos no exercício do poder punitivo estatal. Assim, é
intrigante perceber que tal garantia tem sofrido críticas, sendo objeto de propostas de relativizações, como
aquelas apresentadas pelo próprio MPF (10 medidas contra a corrupção). O Supremo Tribunal Federal já
assentou que o interesse de proteção às liberdades do réu pode justificar relativização à ilicitude da prova”.
Assim, conclui-se que, seja por não terem sido respeitadas as balizas legais, seja
por ter propiciado uma exposição atentatória à dignidade e à presunção de inocência do
investigado, a decisão de ordenação da condução coercitiva do ex-presidente macula a
imparcialidade do ex-Juiz Sérgio Moro.
44
“Em uma das diversas conversas divulgadas pelo site, o jornalista Vladimir Netto, filho de Miriam Leitão
que fez a cobertura jornalística da Lava Jato pela Globo, orienta Dallagnol a como proceder durante a
condução coercitiva do ex-presidente Lula, ocorrido no dia 4 de março de 2016.
Na troca de mensagens, Dallagnol pergunta a Netto se deveria emitir nota sobre a operação e é aconselhado
a não se pronunciar. (...) No dia posterior, os procuradores resolveram emitir nota. Antes da divulgação,
Dallagnol enviou o texto ao repórter da Globo. ““A nota ficou excelente CF. Bem melhor do que a que
tinha feito. Sou a favor. Deixa eu consultar o Vladimir Neto”, escreveu às 18h48. Cerca de 3 minutos
depois, Dallagnol volta ao grupo para colocar as impressões do jornalista. (...) “Vladimir Neto achou ok o
final atacando, mas achou realmente pra tirar o começo”, escreveu, às 19h13. Pouco menos de 15 minutos
depois, ele volta a falar com o filho de Miriam Leitão. “Acabou ficando boa parte do começo, mas com
base em seu olhar tiramos 2 itens inteiros. Acabou pesando a solidariedade à nota de hoje. Obrigado,
Elencou-se, também como elemento de imparcialidade a flagrante violação do
direito constitucional à ampla defesa do ex-presidente quando da quebra de seu sigilo
telefônico e de seus advogados - o que configura grave violação de prerrogativas da
advocacia e que não foi revisado mesmo com a cientificação do juízo acerca da natureza
dos telefones grampeados45.
Vladimir!”.“De nada! Fico feliz em ajudar. Já soltaram a nota? Ainda dá tempo de sair no JN”, disse o
jornalista da Globo, referindo ao Jornal Nacional.”
- Trecho de reportagem Filho de Miriam Leitão, Vladimir Netto orientou Dallagnol sobre condução
coercitiva de Lula: “Entendi o recado…rs. Revista Fórum. 9 de fevereiro de 2021. Disponível no sítio
eletrônico https://revistaforum.com.br/politica/vaza-jato/filho-de-miriam-leitao-vladimir-netto-orientou-
dallagnol-sobre-conducao-coercitiva-de-lula-entendi-o-recadors/. Acessado em 04.12.2021.
45
“De nada adiantaram os dois ofícios enviados pela Telefônica em fevereiro e março ao juiz Sergio Moro
informando que ele havia autorizado a interceptação do telefone central do escritório Teixeira, Martins e
Advogados. O responsável pelos processos da operação “lava jato” em Curitiba enviou um novo documento
ao Supremo Tribunal Federal dizendo que a informação só foi notada por ele depois que reportagens da
ConJur apontaram o problema. Em um ofício que chegou ao STF nesta terça-feira (5/4), Moro dá
explicações por ter dito ao Supremo, no dia 29 de março, que não sabia dos grampos no ramal central do
escritório. Dois dias depois de o juiz se manifestar sobre o assunto, reportagem da revista eletrônica
Consultor Jurídico mostrou que dois ofícios enviados pela operadora de telefonia à 13ª Vara Federal de
Curitiba, no dia 23 de fevereiro (quando foram determinados os grampos) e no dia 7 de março (quando
foram prorrogadas as escutas), deixam claro que um dos telefones grampeados pertence à banca de
advocacia.”
- Trecho da reportagem Moro diz que só soube de grampo em escritório após notícia da ConJur. 5 de
abril de 2016. Revista eletrônica Consultoria Jurídica”. Disponível no sítio eletrônico
https://www.conjur.com.br/2016-abr-05/moro-soube-grampo-escritorio-noticia-conjur. Acesso em
04.12.2021.
juiz, do acordo de delação premiada de Antônio Palocci às vésperas da eleição
presidencial de 2018, mesmo que o mesmo tivesse sido firmado há três meses e a
relevância processual para o ato não mais subsistisse; quando referido acordo foi juntado
aos autos da referida ação penal, a fase de instrução processual já havia sido encerrada, o
que sugere que os termos do referido acordo sequer estariam aptos a fundamentar a
prolação da sentença.
46
GRECO, Luís; LEITE, Alaor. Parecer sobre o tipo penal de corrupção. 6 de junho de 2019. p. 7
47
“Quando Moro foi finalmente confirmado como ministro da Justiça, o procurador Sérgio Luiz Pinel
Dias, que atua na Lava Jato no Rio de Janeiro, digitou no grupo MPF GILMAR MENDES que, daquele
momento em diante, seria muito difícil “afastar a imagem de que a LJ integrou o governo de Bolsonaro”:
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Expuseram, também, a facilidade com a qual se corrompe pautas tão caras à nação
e de grande relevância a uma democracia tão frágil, como a responsabilização de
políticos, a corrupção e as interrelações entre o espaço público e privado, a fim de
promover uma agenda política ao largo da práxis. O Lawfare é a consolidação de um
objetivo político alcançado fora das estruturas da política, furtando da democracia seu
efetivo exercício.
Thaméa Danelon – 10:19:01 – Bom dia pessoal. Qual a opinião de vcs sobre Moro no MJ?
José Augusto Simões Vagos – 10:44:57 – Acho inoportuno
Sérgio Luiz Pinel Dias – 10:50:51 – Thamea e colegas, pessoalmente acho ruim para o legado da LJ, por
melhor que sejam as intenções dele de tentar influir por dentro. . . . Para mim, LJ, além de ser um símbolo,
é um método de atuação das nossas instituições, que nos permitiu, até aqui, surfar juntos em uma excelente
onda. Mas será difícil, muito difícil, hoje e provavelmente no futuro, com a assunção de Moro ao MJ, afastar
a imagem de que a LJ integrou o governo de Bolsonaro. Vejo, por esse motivo, com muita preocupação
esse passo do Moro.
Mônica Campos de Ré – 10:54:12 – Concordo!
- Trecho da reportagem Moro viola sempre o sistema acusatório. The Intercept. 29 de junho de 2019.
Disponível no sítio eletrônico https://theintercept.com/2019/06/29/chats-violacoes-moro-credibilidade-
bolsonaro/. Acesso em 04.12.2021.
representativa, correndo o risco de desgastar sua imagem ao ser visto enquanto
impulsionador de perseguições sem lastro jurídico, o que findaria por dificultar seu real
papel: o apaziguamento social a partir da aplicação da norma em observância aos direitos
fundamentais e princípios constitucionais. Este é o exercício singular do potestas jurídico.
48
“O ‘trial by media’, tática intrínseca ao lawfare, compreende a cobertura jornalística de certas suspeitas
ou processos criminais em que indivíduos são acusados de terem cometido crimes ou irregularidades, bem
como as consequências desta estigmatização, não só juridicamente, mas também em suas vidas
profissionais e pessoais.” ZANIN, Cristiano; MARTINS, Valeska; VALIM, Rafael. Lawfare: Uma
Introdução. Editora Contracorrente, 1ª Reimpressão, 2020, p. 62.
REFERÊNCIAS
CARLSON, Jonh; YOMANS, Neville. Whither Goeth the Law: Humanity or Barbary. In
SMITH, Margareth, David. The way out: Radical alternatives in Australia. Melborne:
Lansdowne Press, 1975. Disponível em: http: https://www.laceweb.org.au/whi.htm.
Acesso em 10.09.2021.
EL PAÍS. STF contraria Lava Jato e proíbe condução coercitiva para interrogatório,
14.06.2018. Acessível no sítio eletrônico
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/13/politica/1528918107_943737.html. Acesso
em 03.12.2021.
GRECO, Luís; LEITE, Alaor. Parecer sobre o tipo penal de corrupção. 6 de junho de
2019. p. 7.
KELSEN, Hans. A paz pelo direito. WMF Martins Fontes - POD; 1ª edição, 2011
ROUSSEFF, Dilma. Dilma Rousseff: a Lava Jato foi decisiva para o golpe de 2016
15.09.2019, acessível no endereço eletrônico:
https://www.cartacapital.com.br/opiniao/dilma-rousseff-a-lava-jato-foi-decisiva-para-o-
golpe-de-2016/
THE INTERCEPT, A Folha de São Paulo. Mensagens apontam que Moro interferiu
em negociação de delações. 18.jul.2019, acessado no sítio eletrônico
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/07/mensagens-apontam-que-moro-
interferiu-em-negociacao-de-delacoes.shtml em 03.12.2021
Em 06 de Janeiro de 2022, na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, reuniu-se a banca composta pelos
professores abaixo-assinados para examinar e avaliar a defesa oral do trabalho
Lawfare no Brasil: operação Lava-Jato e o caso Lula, do graduando Arthur Dias Rego Monteiro.
Ozéas Correa Lopes Filho 10 OZEAS CORREA LOPES FILHO Assinado de forma digital por OZEAS CORREA
LOPES FILHO olopes@id.uff.br:61918644772
olopes@id.uff.br:61918644772 Dados: 2022.01.11 15:49:11 -03'00'
Média final 10
Com isso, o trabalho foi ( X ) APROVADO ( ) APROVADO COM RESTRIÇÕES (DISCRIMINA-LAS EM ANEXO) ( ) REPROVADO,
sendo este resultado também atestado pela seguinte assinatura do graduando.
_____________________________________________________________
Estudante avaliado
*campo obrigatório
**Considerando a Decisão Cepex 110/2020 e as atividades remotas, em decorrência da Pandemia da COVID 19, a presente ata se destina a
comprovação de resultado, mesmo diante da ausência das assinaturas da banca. O resultado foi verificado e confirmado pelo Orientador e
pela Coordenação de Curso.