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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF

FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

ARTHUR DIAS REGO MONTEIRO

LAWFARE NO BRASIL:
A OPERAÇÃO LAVA-JATO E O CASO LULA

NITERÓI
2022
ARTHUR DIAS REGO MONTEIRO

LAWFARE NO BRASIL:
A OPERAÇÃO LAVA-JATO E O CASO LULA

Trabalho de conclusão de curso


apresentado à Faculdade de Direito da
Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial à obtenção do
grau de Bacharel em Direito.

Orientador:
Prof. Dr. Gladstone Leonel da Silva Júnior

NITERÓI
2022
Ficha catalográfica automática - SDC/BFD
Gerada com informações fornecidas pelo autor

R343l Rego monteiro, Arthur Dias


LAWFARE NO BRASIL : A OPERAÇÃO LAVA-JATO E O CASO LULA /
Arthur Dias Rego monteiro ; Gladstone Leonel da Silva Júnior,
orientador. Niterói, 2022.
44 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito)-


Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Direito,
Niterói, 2022.

1. Direito Constitucional. 2. Direito Processual Penal. 3.


Direito Penal. 4. Produção intelectual. I. Silva Júnior,
Gladstone Leonel da, orientador. II. Universidade Federal
Fluminense. Faculdade de Direito. III. Título.

CDD -

Bibliotecário responsável: Debora do Nascimento - CRB7/6368


ARTHUR DIAS REGO MONTEIRO

LAWFARE NO BRASIL:
A OPERAÇÃO LAVA-JATO E O CASO LULA

Trabalho de conclusão de curso


apresentado à Faculdade de Direito da
Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial à obtenção do
grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em ____ de _________________ de 2022.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________
Prof. Dr Gladstone Leonel da Silva Júnior (Orientador) - UFF

_____________________________________________
Prof. Dr. Ozéas Correa Lopes Filho - UFF

_____________________________________________
Profa. Dra. Adriana Dias Vieira - UFF

NITERÓI
2022
AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, pela paciência e confiança nesta empreitada. Ao corpo docente e


discente da Universidade Federal Fluminense, aos técnicos e assistentes administrativos,
e a todos que fazem da universidade, enquanto este centro crítico e acadêmico, possível.
Por fim, agradeço aos meus avós, Osmar e Maria de Lourdes, padrinhos e madrinhas,
Osmar Filho e Anna Paula, aos meus pais, Carlos e Anna, aos meus irmãos, Eduardo e
Amanda, à minha companheira, Kharla Wilma, e a todos os meus amigos que me
acompanham nestes últimos anos. Vocês não só me erguem para enfrentar a caminhada,
como fazem com que ela tenha sentido.
“O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis.”
Platão
RESUMO
Este trabalho de conclusão de curso tem por finalidade abordar o fenômeno do Lawfare
denunciado na história jurídica recente a partir dos acontecimentos no cerne da Operação
Lava-Jato com vistas a responsabilização criminal do ex-presidente Luíz Inácio Lula da
Silva nos termos da acusação apresentada pelo MPF nos autos da Ação Penal nº 5046512-
94.2016.4.04.7000/PR, a qual ficou comumente conhecida como Caso Lula. Inicialmente,
aponta-se os elementos constitutivos do Lawfare e seus objetivos, expondo os elementos
internos e externos do Direito, assim como suas interlocuções. Inicialmente, constrói-se
a noção de corrupção do poder político, conforme as lições de. Enrique Dussel, e a
dicotomia potentia-potetas. Após, explicita-se o Lawfare no caso em comento a partir dos
atores e procedimentos da Operação, a repercussão dos mesmos no meio social a partir
da cobertura midiática, explorando a construção das potencialidades dos mesmos e dos
danos causados. Finda-se com as considerações acerca da necessidade de reorganização
estrutural das instituições a fim de se evitar o florescer do fenômeno analisado e
resguardar os preceitos democráticos.

Palavras-chave: Lawfare. Lava-Jato. Direito Penal. Direito Constitucional.


RESUMEN

Este trabajo de conclusión del curso tiene como objetivo abordar el fenómeno Lawfare
denunciado en la historia jurídica reciente a partir de los hechos en el seno de la Operación
Lava-Jato con miras a la rendición de cuentas penal del expresidente Luíz Inácio Lula da
Silva bajo la imputación presentada por el MPF en los expedientes de Acción Penal No.
5046512-94.2016.4.04.7000 / PR, que fue comúnmente conocido como el caso Lula.
Inicialmente, se señalan los elementos constitutivos del Lawfare y sus objetivos,
exponiendo los elementos internos y externos del Derecho, así como sus interlocuciones.
Inicialmente se construye la noción de corrupción del poder político, según las lecciones
de. Enrique Dussel, y la dicotomía potentia-potetas. Posteriormente, Lawfare se explica
en el presente caso, a partir de los actores y procedimientos de la Operación, su
repercusión en el entorno social a partir de la cobertura mediática, explorando la
construcción de su potencial y el daño causado. Finaliza con consideraciones sobre la
necesidad de una reorganización estructural de las instituciones para evitar el
florecimiento del fenómeno analizado y salvaguardar los preceptos democráticos.

Palablas clave: Lawfare. Lava-Jato. Derecho Penal. Derecho Constitucional


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade


ADO Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CPP Código de Processo Penal
ECHR European Court of human Rights
HC Habeas Corpus
INQ Inquérito
LJ Lava-Jato (Operação)
MPF Ministério Público Federal
QO Questão de Ordem
RISTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal
STF Supremo Tribunal Federal
TRF-4 Tribunal Regional Federal da 4ª Região
VF Vara Federal
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 10
2 LAWFARE: CONCEITO E IDENTIFICAÇÃO 13
.......................................................................................
2.1 DA JURISDIÇÃO ESCOLHIDA – OU 16
COOPTADA....................................................................
2.2 DO DIREITO ENQUANTO ARMA 18
.......................................................................................
2.3 ELEMENTOS EXTERNOS AO DIREITO 19
.................................................................................................
3 LAWFARE, LAVA-JATO E O CASO LULA 22
.......................................................................................
3.1 COERCITIBILIDADE: O PROCESSO ENQUANTO TEATRO E 24
JAULA
.......................................................................................
3.2 A ANUÊNCIA DOS ÓRGÃOS DA JUSTIÇA AO LAWFARE 30
..............................................................................................
4 DA INCOMPETÊNCIA E SUSPEIÇÃO: OS HABEAS CORPUS 33
193.726 E 164.493
..............................................................................................
4.1. DA ANÁLISE DA IMPARCIALIDADE 34
.........................................................................................................
4.2. DA CONCLUSÃO PELA AUSÊNCIA DE IMPARCIALIDADE 35
.........................................................................................................
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................. 40
REFERÊNCIAS .................................................................................. 42
1 INTRODUÇÃO

A vida contemporânea caracteriza-se pela vida em sociedade1. No Ocidente, o


tecido social fora desde muito regulado e controlado pelo Estado, estrutura esta cuja
forma se torna mais perceptível e congruente com sua faceta atual a partir da Modernidade
e dos Estados-Nacionais europeus, idealizados nas obras de Machiavel, Hobbes e tantos
outros teóricos da modernidade.

Sobre o Estado, este caracteriza-se, em perspectiva evidentemente jurídica,


enquanto ente personalizado, apresentando-se não apenas exteriormente, nas relações
internacionais, como internamente, neste caso como pessoa jurídica de direito público,
capaz de adquirir direitos e contrair obrigações na ordem jurídica2.

O Estado subdivide-se em Poderes, segmentos estruturais em que se divide o


poder geral e abstrato decorrente de sua soberania3. Nos Poderes, segmentos estruturais
do Estado, observa-se a figura das Instituições e Órgãos, centros de competência com
funções específicas a fim de exercer o poder estatal de forma coesa e racional.

Em uma sociedade democrática, pressupõe-se que o poder político é detido pelo


povo e materializado pelo Estado a partir das suas instituições4, observando-se normas e
garantias jurídicas na relação Estado-indivíduo. Entende-se, portanto, que o objetivo do
Estado na contemporaneidade é proporcionar aos seus cidadãos as condições necessárias
para o pleno exercício de uma existência digna (conforme se extrai do texto
constitucional5), furtando-se o jugo arbitrário estatal.

1
A afirmação dialoga com a noção de política e vida pública no mundo Ocidental deste a Antiguidade
Clássica. Aristóteles cunhou o verbete “o homem é um animal político” em sua obra Política, enfatizando
a necessidade da vida em coletividade como pré-requisito para a vida humana, conquanto aspecto da própria
natureza do homem.
2
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Editora Atlas, 26ª Edição,
2013. (pág. 2)
3
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Editora Atlas, 26ª Edição,
2013. (pág. 2)
4
Constituição Federal.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição. (grifo nosso)
5
Constituição Federal.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
Assim, valendo-se das lições de Enrique Dussel, o poder político, denominado
potentia, é detido pela comunidade como uma faculdade ou capacidade enquanto última
instância da soberania, da autoridade e da governabilidade estatais. Estas últimas
denominam-se potestas, e se materializa de forma mais clara na burocracia estatal, em
suas instituições6.

Potestas, assim, é a potentia racionalizada, organizada e chancelada pelo Estado,


que obtém sua legitimidade do próprio povo que lhe delegou o poder para ser Estado.
Todo o poder emana do povo, que comumente o exerce por meio de representantes
eleitos, em paráfrase com o texto Constitucional.

Enquanto o potestas, poder político delegado ao Estado pelo povo, corresponde


com o desejo e expectativas do povo, desde que alinhadas com garantias e direitos
naturais, têm-se uma sociedade harmônica, na qual os debates da vida pública são
realizados com, e tendo como objetivo, a civilidade e o avanço coletivo.

Do contrário, quando o ator político (deputados, governadores, juízes, etc.)


rompem com a premissa democrática7 que legitima seu exercício de poder dentro das
instituições estatais, afastando-se do mandato concedido a ele pelo povo para materializar
sua vontade e mobilizando o poder fático estatal enquanto algo autorreferente e retro-
legitimador, têm-se a corrupção do poder político8.

O termo corrupção aqui empregado possui inerente caráter negativo. Presume-se


maléfica a corrupção do poder político por sua fuga a sua finalidade original, e
consequente revogação do mandato (em sentido amplo) concedido pelo povo ao agente
político para cumprir, em nome da coletividade, as atribuições necessárias a sanar os
desejos e necessidades desta coletividade. Vez que o poder estatal, quando não deferente

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;


II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação. (grifo nosso)
6
DUSSEL, Enrique. 20 Teses Políticas. Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales – CLACSO; São
Paulo; Expressão Popular Ltda, 2007. 1ª Edição. Págs 29-32.
7
Dita premissa democrática baliza-se tanto pelo legalismo que organiza e confere competências aos
agentes políticos quanto pelas garantias e princípios do Estado Democrático de Direito que devem reger
os atos de ditos agentes. Assim, a função do agente político encerra-se no cumprimento de seu papel,
respondendo aos seus pares e coletividade, e nas limitações e construções sociais e jurídicas provenientes
da tradição democrática internacional a qual o Brasil se filia.
8
DUSSEL, Enrique. 20 Teses Políticas. Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales – CLACSO; São
Paulo; Expressão Popular Ltda.. 1ª Edição. 2007.
ao controle social, torna-se entidade apartada da vida pública, por esta, em sentido
individual, torna-se insignificante dada a independência fática das instituições, é
mandatório o estrito controle da sociedade sobre o Estado que a governa, sob pena de,
não ratificadas suas ações, podendo ser questionado9.

Assim, o poder corrompido – e seus agentes – tendem a buscar formas socialmente


aceitáveis de exercer seus atos eivados de vício de finalidade e legitimidade política. No
presente momento, com o ideal do Estado Democrático de Direito se fazendo presente no
imaginário político e jurídico do país e do mundo, a corrupção do poder encontra,
paradoxalmente, nas estruturas garantidoras do Estado o ambiente propício para agirem,
dada a presunção de legalidade e decoro que ditas instituições gozam.

No Brasil, um desses espaços é o Poder Judiciário, e nele, é possível observa-se o


fenômeno muito caro à democracia moderna: o Lawfare, a ser conceituado e abordado
neste trabalho a partir das ilegalidades e abusos perpetrados no âmbito da Operação Lava-
Jato, com foco no que ficou conhecido como Caso Lula.

O ex-presidente foi alvo da Operação, sendo denunciado pelo MPF pelos crimes
de corrupção passiva qualificada, por 3 vezes, em concurso material, previsto no art. 317,
caput e §1º, c/c art. 327, §2º, todos do Código Penal. O processo seria distribuído à 13ª
Vara Federal de Curitiba, sob a responsabilidade do então juiz Sérgio Moro.

A operação e dita denúncia, autuada na Ação Penal 5046512-94.2016.4.04.7000


marcaria a história processual penal recente do país, tomando os noticiários com suas
diligências cinematográficas, antagonismo característico entre réu e juiz e a exposição de
verdadeira trama nos bastidores do Judiciário federal paranaense, tendo repercussões
tanto nas mais altas cortes quanto no pleito eleitoral de 2018 e na política nacional.

9
Uma das bases do pensamento liberal, a noção de “popular sovereignty” dita que um governo é feito por,
e existe para, o povo, e que um governo que afasta-se da lei e da vontade popular, segundo Jonh Locke,
deve ser deposto, pois ensejaria tal cenário no direito de rebelião daqueles subjugados por dito governo,
pelas circunstâncias, tirânico.
1 LAWFARE: CONCEITO E IDENTIFICAÇÃO

Em 1975, John Carlson e Neville Yeomans cunharam o termo “Lawfare” em um


artigo10 jurídico acerca do processo de mediação – ou melhor, a ausência do mesmo – no
ordenamento australiano, mas o neologismo, que de uma tradução crua à língua
portuguesa se extrai o sentido de “armamentização do direito”, tornando a lei e o aparato
legal enquanto objeto de guerra, tomaria o mundo.

Se o direito, dentro da perspectiva política liberal, já foi despido pela literatura


crítica de sua roupagem de neutralidade, trazendo para si extensão do embate político a
partir da judicialização dos conflitos sociais, da forma na qual se dá a prestação
jurisdicional e a efetiva condução processual da lide, o Lawfare nasce de um lugar à
margem da legalidade jurídico-política do liberalismo. Isto porque, faticamente, o
liberalismo nunca teve a pretensão de se ter o direito enquanto “ciência pura”, tendo
claramente arquitetado o ordenamento em prol de seus interesses, mas ainda assim tenta
atuar dentro de certa legalidade objetiva, prezando por uma aparência de “neutralidade”
ou “normalidade”. O Lawfare, como será exposto, trata-se da negação da legalidade,
tendo como característica a natureza de estratagema, que possui sua verdadeira motivação
ao largo do processo judicial.

Isto porque, em análise superficial de textos acadêmicos a respeito do tema,


percebe-se a preocupação de se apontar o aspecto secundário do rito processual na
resolução de eventual conflito. Isto é, se o processo judicial tem por objetivo a pacificação
social e a prestação jurisdicional, tal processo e respectiva demanda possui um fim em si
mesmos; caso o processo ou suas decisões e sentença sejam instrumentos para concretizar
determinado objetivo alheio a demanda, dialogando com o conceito de corrupção do
poder político anteriormente travado, pode o observador do fenômeno estar diante do
Lawfare.

Afastando-se inicialmente qualquer percepção subjetiva, tem-se que o Lawfare é


um fenômeno majoritariamente jurídico; uma potência, por ter a capacidade, quando
racionalmente empregado, com metodologia e objetivos específicos, de deslegitimar,

10
CARLSON, Jonh; YOMANS, Neville. Whither Goeth the Law: Humanity or Barbary. In SMITH,
Margareth, David. The way out: Radical alternatives in Australia. Melborne: Lansdowne Press, 1975.
Disponível em: http: https://www.laceweb.org.au/whi.htm. Acesso em 10.09.2021.
prejudicar ou aniquilar um inimigo eleito11, com o intuito de avançar com determinada
agenda contra a qual referido inimigo fazia resistência – e por isso é considerado inimigo.

Aqui, é importante ressaltar a diferenciação da judicialização de conflitos sociais,


ou até mesmo outros fenômenos do meio jurídico, como o ativismo judicial, os quais
possuem eminente interesse político, do Lawfare. Os primeiros fenômenos jurídicos
elencados, estudados por juristas, filósofos e sociólogos da área detém certa
subjetividade.

Decisões judiciais que escapam da literalidade da lei, ou por vezes a suprem,


invariavelmente colidirão com críticas e elogios acerca de seu mérito. Interpretação
conforme a Constituição de artigo do Código Civil com o fito de possibilitar a inserção
de núcleos familiares homoafetivos no conceito legal de família e, consequentemente, no
escopo de suas garantias12, ou a equiparação de tipos penais julgados necessários, mas
ausentes da legislação, com tipos penais já existentes, a fim de assegurar a capacidade
persecutória do Estado13, são exemplos de posturas políticas recentes do Judiciário
brasileiro em sua atuação jurisdicional. Em paralelo ao debate de competência, é evidente
que a eleição de prioridades de temas para julgamento e seu eventual resultado possuem
faceta política, principalmente nos denominados hard cases. O que difere tais casos do
fenômeno aqui abordado, em primeiro plano, é que, por mais que determinadas decisões
possuam impactos políticos e sociais diretos, tais consequências eram o objetivo do litígio
e ainda estão concentradas no universo do Direito. O Lawfare utiliza o Direito,
principalmente seu aparato coercitivo, para atingir fim externamente focado em relação
ao processo em si. Poderia argumentar-se que a resolução do “conflito” em sede judicial,
no escopo do Lawfare, é o menor dos interesses de seus agentes, ou simplesmente não o
é – o objetivo é o que se fazer com o inimigo-vítima por meio do processo judicial.

Por se tratar de fenômeno majoritariamente jurídico, o Lawfare se dá,


principalmente, nas Cortes e Tribunais, nos processos e decisões do Judiciário, entre os
agentes de Estado que compõe a máquina pública no setor cuja função maior é proteger
o cidadão da injustiça e da perseguição.

11
ZANIN, Cristiano; MARTINS, Valeska; VALIM, Rafael. Lawfare: Uma Introdução. Editora
Contracorrente, 1ª Reimpressão, 2020, p. 21.
12
Conforme decisão prolatada na ADI 4277, que equiparou, para todos os fins, as uniões estáveis
homoafetivas às uniões estáveis heteroafetivas.
13
Conforme decisão prolatada no ADO 26, equiparando a injúria de natureza transfóbica ou homofóbica
ao crime de injúria racial
Justamente por sua natureza, o Direito – enquanto ciência e estrutura – é o
esqueleto perfeito a ser reapropriado a interesses pessoais. Primeiramente, porque a
disciplina e suas instituições compõem o aparato estatal de repressão legítima na
sociedade contemporânea. Em verbete que bem sumariza este pensamento, “a força e o
Direito não são mutuamente exclusivos”, pelo contrário, “o direito é a organização da
força”14. O Judiciário é o poder legitimador da força materializada, seu chancelador
final15 caso seja esta formalmente questionada. É o Judiciário que concretiza o intuito da
lei no caso concreto. É o Judiciário que determina o justo e o injusto em lide que a ele é
apresentada, e como e o que se deve reparar. É o Judiciário que mantém ou relaxa uma
prisão realizada por agentes estatais.

Neste sentido, extrai-se o segundo elemento que faz do Direito-estrutura enquanto


Poder da República um excelente catalizador da vontade estratégica do Lawfare: em uma
perspectiva social, o Judiciário confere legitimidade à violência empregada para subjugar
a vítima.

No mais, ao viciar o Judiciário e fazer partir dele os atos e decisões que


concretizam o objetivo prejudicial contra seu alvo, o Lawfare garante a si um verniz de
normalidade institucional que dificulta sua identificação e combate. Do ponto de vista
interno do Direito, o mesmo seria incapaz de expor, de forma orgânica e não provocada,
a manipulação operada, sobretudo quanto a validade ou invalidade dos atos jurídicos, vez

14
KELSEN, Hans. A paz pelo direito. WMF Martins Fontes - POD; 1ª edição, 2011.
15
Como exemplos, os seguintes trechos da Constituição Federal que demonstram a capacidade do judiciário
de materializar ou suprimir a vontade estatal:
“Art. 5ª Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes:

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos
em lei;

LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz
competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;” (grifos nossos)
que a máquina que os deve aplicar controle, revisando-os mediante provocação, está
calibrada a dar continuidade à farsa. Trata-se de um jogo de cartas marcadas.

Assim, o “instrumento a serviço da paz” de Luigi Ferrajoli torna-se a


macroestrutura a ser empregado para, comparando-se o fenômeno aqui descrito a uma
guerra, “derrubar o seu oponente de modo a torná-lo incapaz de oferecer qualquer outra
resistência16”.

Necessário, após definir o conceito de Lawfare, aprofundar a forma com que se


articula estrategicamente o Direito. Em um jogo de cartas marcadas, a trapaça
normalmente se inicia com a forma com que se distribuem-nas.

1.1 DA JURISDIÇÃO ESCOLHIDA – OU COOPTADA

Ao se abordar questões de jurisdição e competência no contexto de Lawfare,


torna-se conveniente expor as palavras de Fredie Didier17:

É absolutamente natural que, havendo vários foros competentes, o autor


escolha aquele que acredita ser o mais favorável aos seus interesses. É do jogo,
sem dúvida. O problema é conciliar o exercício desse direito potestativo com
a proteção da boa-fé. Essa escolha não pode ficar imune à vedação ao abuso
do direito, que é exatamente o exercício do direito contrário à boa-fé. É certo
que vige no direito processual o princípio da boa-fé, que torna ilícito o abuso
do direito. Também é certo que o devido processo legal impõe um processo
adequado, que, dentre outros atributos, é aquele que se desenvolve perante um
juízo adequadamente competente. A exigência de uma competência adequada
é um dos corolários dos princípios do devido processo legal, da adequação e
da boa-fé. Pode-se inclusive falar em um princípio da competência adequada.

Como anteriormente exposto, o Lawfare possui um sentido estratégico. Objetiva-


se alcançar objetivo alheio e exterior ao processo judicial, mas os atos processuais e seus
deferimentos – mormente o deferimento de pedidos, interlocutórias ou em sede de
sentença – é central para alcançar-se tal objetivo. Conforme será abordado adiante,
decisões como a condução coercitiva com emprego de aparato desproporcional ou
homologação de acordos de cooperação, assim como proibições de entrevistas e visitação

16
CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. Disponível em: http://almanaquemilitar.com/site/wp-
content/uploads/2014/02/Da-Guerra-Carl-Von-Clausewitz.pdf. Acesso em 10.09.2021.
17
DIDIER, Fredie. Editorial 67. Disponível em https://www.frediedidier.com.br/editorial-67/. Acessado
em 10.09.2021.
de determinado réu operam grande efeito no sentido de efetivamente destruir a imagem
deste réu, visto como inimigo.

Daí a necessidade de majorar as chances de êxito de se efetivamente utilizar o


Judiciário enquanto arma fazendo com que determinado processo corra sob a
responsabilidade de órgão judicial favorável aos pedidos requeridos, ignorando-se ou
artificialmente alargando competência de jurisdições tidas como favoráveis - ou apenas
úteis. A identificação e escolha de tal juízo varia de estratagema para estratagema, e sua
natureza subjetiva acaba por fugir do escopo deste trabalho, mas certo de que, dentre os
operadores do direito, têm-se a percepção do que é ou não um órgão propício a sua causa
– mormente personificado na figura do magistrado responsável pelo mesmo –, e se houver
a possibilidade de influenciar a escolha de tal órgão, a mesma é uma das primeiras
preocupações da faceta metodológica do Lawfare18.

Vale recordar que as peças a serem movidas neste enredo precisam estar, de certa
maneira, em sincronia com o objetivo bélico por traz da judicialização proposta. A
corrupção do poder político, anteriormente trabalhada, se faz inteiramente presente aqui:
se o juiz decide determinada questão processual ou de mérito, não focando no regular
andamento do feito, e sim em como dita questão será lançada ao público e como melhor
traçar uma narrativa conveniente, por exemplo, se valendo de argumentos ortodoxos ou
quiçá populistas, então se afasta da finalidade de suas funções (julgar com justiça),
corrompendo o potestas e a capacidade política a ele conferida pelo povo e decidindo
aquém do bom direito (julgando com interesses próprios). Não por acaso, juízes estão
sujeitos aos institutos da suspeição e impedimento, a fim de se afastar do campo da
existência decisões corrompidas e, portanto, nulas, vez que atentatórias a própria noção
de justiça.

Tal fator – a escolha de órgão judicial conivente - é determinante para a


estrategização do Direito porque, em um juízo previamente condescendente com a tese
apresentada pelo agente do Lawfare, viável se torna a armamentização do Direito.

18
A banalização da “escolha de competência”, por vezes, é transparente. O Prosecutotial Guidelines for
Cases of Concument Jurisdiction: Making the Decision – “Which Jurisdiction Should Prosecute?”,
publicado pela International Assossiation of Prosecutors verbalmente recomenda que “os promotores
devem identificar todas as jurisdições em que existe uma base jurídica para potenciais ações penais, mas
também verificar onde existe uma perspectiva de condenação”. O documento pode ser acessado em
https://www.iap-association.org/IAP/media/IAP-
Folder/IAP_Guidelines_Cases_of_Concurrent_Jurisdiction_FINAL.pdf. Acesso em 10.09.2021.
1.2 DO DIREITO ENQUANTO ARMA

Dado o objetivo de subjugar o alvo do Lawfare, normalmente lança-se mão da


área do Direito mais restritiva à matéria; se possível, o direito penal. Nas palavras de
Cristiano Zanin et al19:

“No tocante ao lawfare, o armamento é representado pelo ato normativo


escolhido para vulnerar o inimigo eleito – ou, ainda, pela norma jurídica
indevidamente extraída pelo intérprete do texto legal. Entre os diplomas legais
mais usados pelos praticantes do lawfare destacam-se os anticorrupção,
antiterrorismo e relativos à segurança nacional. Isso ocorre porque tais leis, em
regra, veiculam conceitos vagos – manipuláveis facilmente -, ostentam
violentas medidas cautelares e investigatórias e vulneram gravemente a
imagem do inimigo.”

Atos normativos com capacidade de vulnerar inimigos podem possuir diversas


naturezas e representar objetivos mais ou menos genéricos.

De decretos que regularizem o comércio itinerante, viabilizando a “higienização


social” do espaço urbano afastando e perseguindo o trabalhador informal dos camelôs e
vendedores ambulantes, até legislações extranacionais que acabam por dobrar a soberania
nacional de Estados por intermédio de ordenamento jurídico próprio20, o que se tem de
comum a todos é a capacidade de se valer de ato legislativo, em sentido amplo, como
objeto de ataque a outrem.

Aqui, outra distinção de caráter conceitual: existem fenômenos jurídicos,


evidentemente na seara do direito penal, identificados pela criminalização ou deliberada
restrição de direitos e garantias a determinado conjunto de condutas e práticas. A
criminalização da capoeira e do samba em um passado não muito remoto, por exemplo,
tal qual a dureza da legislação que trata de determinados tipos penais mundo afora, como

19
ZANIN, Cristiano; MARTINS, Valeska; VALIM, Rafael. Lawfare: Uma Introdução. Editora
Contracorrente, 1ª Reimpressão, 2020, p.38
20
No artigo “UNWITTING SANCTIONS: UNDERSTANDING ANTIBRIBERY LEGISLATION AS
ECONOMIC SANCTIONS AGAINST EMERGING MARKETS”, Andrew B. Spalding demonstra a
utilização do Foreign Corruption Practices Act enquanto instrumento de desestabilização de economias
divergentes. O artigo pode ser acessado no sítio
https://poseidon01.ssrn.com/delivery.php?ID=85109109100908008309211211411107309903402305806
7019062072066002100008098081023103123034016097101060099003105126108006089113092026058
0120380040240031141051040770011010420260470640731200790940910890650081260991031140670
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o tráfico de drogas e terrorismo, objetiva a repressão de aspectos da vida cotidiana eleitos
pelo Estado enquanto incompatíveis com a cidadania. A este fenômeno, Gunther Jackobs
cunhou o termo Direito Penal do Inimigo, e, sob sua ótica, o inimigo – do Estado - é
aquele indivíduo que incorre em condutas específicas previamente elencadas. O Lawfare,
por sua vez, não parte de uma assunção genérica de certo ou errado formulada pelo Estado
e individualiza seu alvo a partir de uma lógica silogística. Pelo contrário, ele inicia com
a identificação do alvo e, a partir do aparato legal disponível, cria-se a estratégia a ser
empregada para atacar o inimigo eleito. O Direito não é usado como instrumento para se
definir quem será a vítima do Lawfare – tal cognição, não raro, ocorre por critérios
econômicos, políticos e sociais apartados do mundo jurídico – mas sim ferramenta que
definirá como se irá atingir a vítima.

O Direito se torna a lança com a qual se fustiga o inimigo, e o poder de manuseá-


lo enquanto tal é chancelado por órgãos jurisdicionais previamente selecionados para isso.

1.3 ELEMENTOS EXTERNOS AO DIREITO

Por mais que se entenda que o Lawfare se faz ocupando e desvirtuando as


estruturas jurídicas, fazendo dele fenômeno majoritariamente do Direito, o mesmo não
pode se limitar a esta única esfera da vida pública para se tornar viável. É necessário,
tanto para se organizar as forças a serem mobilizadas, quanto para se atingir o objetivo
esperado, gerar um ambiente favorável para a armamentização do Direito, ou o
estratagema seria facilmente descoberto.

A legitimação de atos judiciais que atropelam o devido processo se dá em via


dupla. O cidadão, receptor da imagem dos atos judiciais, deve ver nestes atos virtude, o
que empodera o órgão judicial – cooptado -, que, por sua vez, legitima por si só novo ato
contra o mesmo inimigo eleito, por ter sido este órgão envernizado de inerente
legitimidade e virtude no primeiro momento. Por se perseguir alguém mal quisto, o juiz
se torna herói, e por ser herói, torna aqueles que persegue em vilões, estes mal quistos por
definição.
Não se furtando do apontamento de que tal postura de um juiz vai na contramão
da imparcialidade que deve ser inerente a posição de julgador – o que será abordado mais
adiante -, neste momento foca-se no elemento originário do ciclo vicioso exposto: deve-
se ter construída a figura do inimigo, para então ter-se a figura do herói. E para isto, a
mídia é facilitador central da construção desta narrativa.

Aqui vislumbra-se o fenômeno do trial by media, em que a cobertura midiática de


determinados atores de determinados processos, dando-se especial atenção a
determinados atos, decisões e declarações em detrimento a outras, normalmente feita de
forma repetitiva e quiçá sensacionalista, consolida no imaginário popular a figura de
culpado antes de definitiva sentença – alcançando o objetivo bélico de humilhação e
paralisia social do inimigo -, ou até mesmo influencia ou reforma eventual sentença.

A potencialidade danosa dessa influência midiática é tamanha que o Comitê de


Direitos Humanos da ONU, em Comentário Geral 32, no parágrafo 30, entende que a
irrestrita exploração da narrativa judicial pode apresentar-se enquanto fato atentatório a
presunção de inocência, efeito comumente utilizado no Lawfare:

De acordo com o artigo 14, parágrafo 2 (do Pacto Internacional sobre Direitos
Civis), todos os acusados de uma infração penal terão o direito de ser
presumidos inocentes até que sejam considerados culpados de acordo com a
lei. A presunção de inocência é fundamental para a proteção dos direitos
humanos, impõe-se à acusação o ônus de provar a culpabilidade. Ninguém é
culpado até que a acusação o prove, ale de qualquer dúvida razoável. Garante-
se ao acusado o benefício da dúvida e exige que as pessoas acusadas de uma
infração penal sejam tratadas de acordo com este princípio. É um dever de
todas as autoridades públicas absterem-se de prejulgar o resultado de um
julgamento, por exemplo, abstendo-se de fazer declarações públicas
afirmando a culpa do acusado. Os réus normalmente não devem ser
algemados ou mantidos em celas durante os julgamentos ou apresentados
ao tribunal de maneira a indicar que podem ser criminosos perigosos. A
mídia deve evitar a cobertura de notícias minando a presunção de
inocência. Além disso, a duração da prisão preventiva nunca deve ser
tomada como uma indicação de culpa e seu grau. A recusa de fiança ou
conclusões de responsabilidade em processos civis não afetam a presunção de
inocência. (grifo nosso)

A Comissão de Direitos Humanos da União Europeia, ao julgar recurso


proveniente de condenação de jornalista austríaco21 que publicou artigo contra Ministro
de Finanças daquele país que respondia a processo por evasão de divisas travou a
seriedade da influência dos meios de comunicação na imparcialidade e independência do

21
ECHR. Worm v Austria.. 29 de agosto de 1997. Disponível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-
58087
Judiciário. O jornalista fora condenado pelo Tribunal de Viena por ter exercido influência
indevida no resultado do julgamento do Ministro, condenação, esta, posteriormente
mantida pela Comissão.

Entendeu-se na ocasião que o direito a um julgamento justo, promovido por Corte


não influenciada, configura direito de maior relevância quando contrastado com o a
liberdade de informação e expressão. A lógica por trás da decisão é a de que a exposição
de réus, assim como a discussão em veículo de mídia a respeito do resultado provável do
processo ou valoração de provas permearia a opinião pública e, invariavelmente, a forma
com a qual o magistrado, a quem se presume imparcial, conduzirá o processo.

A mera existência de narrativa sobre os detalhes de processo em andamento,


exposta ao público, poderia vir a filtrar a compreensão do julgador, caracterizando-se
quebra da independência22 do magistrado de forma subjetiva. No mais, reiterou-se no
julgado da Comissão que cabe aos promotores, e não aos jornalistas, estabelecer em juízo
a culpa do réu.

O Lawfare, portanto, é a instrumentalização do arcabouço jurídico e de suas


instituições, por meio de extenso aparato de cooptação e corrupção das estruturas de
poder, distorção dos objetivos da prestação jurisdicional e negação de princípios
constitucionais e garantias, além da utilização de pressões sociais conduzidas por atores
externos ao Direito, com o intuito de apresar inimigo que ofereça resistência a agenda e
objetivos, os mais variados que sejam, do agente ativo da trama.

22
O termo, em primeiro momento, refere-se à impossibilidade de ingerência de outros Poderes no Poder
Judiciário, a fim de garantir decisões justas e pautadas nos autos, mas dada a importância do fair trial, ate
mesmo em uma dimensão de direitos humanos e fundamentais, torna-se relevante a expansão do significado
de independência, conforme se extrai da jurisprudência.
2 LAWFARE, LAVA-JATO E O CASO LULA

A operação Lava-Jato, deflagrada em 2014 e que desde então tomou de assalto os


noticiários, assim como seus personagens principais, dispensa apresentações23. Os efeitos
da mesma, evidentemente dada a sua publicidade exacerbada nos meios de comunicação,
também foram marcantes a vida pública do País: os noticiários urgentes, matérias
jornalísticas dedicadas ao dia-a-dia da operação e convenientes vazamentos de
documentos e áudios aos jornais24 foram usados como mote para um Impeachment, o
acirramento de perseguição política contra setores de bancada e a desumanização de uma
das candidaturas mais fortes das eleições presidenciais de 2018.

23
O MPF mantém, em seu sítio eletrônico, aba dedicada à operação, na qual é a mesma descrita nos
seguintes termos:

“A Operação Lava Jato, uma das maiores iniciativas de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da
história recente do Brasil, teve início em março de 2014. Na época, quatro organizações criminosas que
teriam a participação de agentes públicos, empresários e doleiros passaram a ser investigadas perante a
Justiça Federal em Curitiba. A operação apontou irregularidades na Petrobras, maior estatal do país, e
contratos vultosos, como o da construção da usina nuclear Angra 3.

Por causa da complexidade do esquema, políticos e econômicos, novas frentes de investigação foram
abertas em vários estados como Rio de Janeiro, São Paulo e no Distrito Federal. Também resultou na
instauração de inquéritos criminais junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de
Justiça (STJ) para apurar fatos atribuídos a pessoas com prerrogativa de função.

No MPF, a condução das investigações ficou a cargo de procuradores da República, que estruturaram o
trabalho investigativo em forças-tarefas. A primeira delas surgiu em Curitiba. Em seguida, portarias
regulamentaram o funcionamento das forças-tarefas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Equipes da
operação atuaram ainda nos Tribunais Regionais Federais da 2ª região (RJ/ES) e 4ª região (RS/SC/PR).”

A íntegra do texto pode ser acessada em http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lava-jato/entenda-o-caso.

24
“Ao grampear e divulgar minhas conversas como presidenta da República sem autorização do STF,
usando um diálogo fora de contexto para criar uma farsa sobre a nomeação de Lula para a Casa Civil, o
juiz fabricou a falsa impressão de que havia uma deliberada tentativa de retirá-lo do alcance da Lava Jato.
Agora, revela-se que, por meio de vários grampos, o juiz e os procuradores sabiam que Lula iria para a
Casa Civil com o objetivo de articular a base política do governo e barrar o golpe de Estado. Pelo menos
21 gravações mostram isso claramente. Tal informação, contudo, foi escondida da população e,
criminosamente, também do STF, que acabaria por julgar o direito de Lula assumir. Todos os nossos
insistentes desmentidos foram ignorados. O tribunal decidiu sem ter acesso a todos os grampos realizados,
que deviam ter sido entregues à Corte, mas que foram negados por Moro. O juiz e a Lava Jato afrontaram
a lei para enganar o STF e fabricar um ambiente de perturbação social.” Ex-presidente Dilma Rousseff,
em coluna de opinião Dilma Rousseff: a Lava Jato foi decisiva para o golpe de 2016 datado de
15.09.2019, acessível no endereço eletrônico: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/dilma-rousseff-a-
lava-jato-foi-decisiva-para-o-golpe-de-2016/
O rosto da Operação Lava-Jato e da cruzada anti-corrupção que perdurou no país
nos últimos anos, o senhor Sérgio Moro, reiteradamente comparou o desmantelamento da
“velha política corrupta” com a Operação Mani Puliti, ou Mãos Limpas, deflagrada na
Itália na década de 1990. Aliás, suas opiniões acerca da condução da Mani Puliti foram
evidenciadas em artigo25 publicado pelo mesmo, no qual comenta sobre elementos que
caracterizariam a Lava-Jato sob seu comando; a necessidade de deslegitimação da classe
política, o emprego de prisões preventivas e conduções coercitivas somado à utilização
de delações premiadas, e o clamor popular como elemento fundamentacional da prestação
jurisdicional, fomentado pela mídia:

“(...) A deslegitimação do sistema foi ainda agravada com o início das prisões
e a divulgação de casos de corrupção. A deslegitimação, ao mesmo tempo
em que tornava possível a ação judicial, era por ela alimentada: A
deslegitimação da classe política propiciou um ímpeto às investigações de
corrupção e os resultados desta fortaleceram o processo de deslegitimação.
Consequentemente, as investigações judiciais dos crimes contra a
Administração Pública espalharam-se como fogo selvagem, desnudando
inclusive a compra e venda de votos e as relações orgânicas entre certos
políticos e o crime organizado. (...) O processo de deslegitimação foi
essencial para a própria continuidade da operação mani pulite. (...) Talvez
a lição mais importante de todo o episódio seja a de que a ação judicial contra
a corrupção só se mostra eficaz com o apoio da democracia. É esta quem
define os limites e as possibilidades da ação judicial. Enquanto ela contar
com o apoio da opinião pública, tem condições de avançar e apresentar
bons resultados. Se isso não ocorrer, dificilmente encontrará êxito. Por certo,
a opinião pública favorável também demanda que a ação judicial alcance bons
resultados. Somente investigações e ações exitosas podem angariá-la. (...). É a
opinião pública esclarecida que pode, pelos meios institucionais próprios,
atacar as causas estruturais da corrupção. Ademais, a punição judicial de
agentes públicos corruptos é sempre difícil, se não por outros motivos,
então pela carga de prova exigida para alcançar a condenação em
processo criminal. Nessa perspectiva, a opinião pública pode constituir
um salutar substitutivo, tendo condições melhores de impor alguma espécie
de punição a agentes públicos corruptos (...).” (grifo nosso)

O modus operandi da operação e, principalmente, do juízo determinado


competente para o processamento das ações penais delas decorrentes, dada condução
heterodoxa da persecução penal, chamou desde muito a atenção de juristas e figuras
públicas, em especial no Caso Lula26, principalmente à luz do fenômeno jornalístico
nomeado Vaza Jato.

25
MORO, Sérgio Fernando. CONSIDERAÇÕES SOBRE A OPERAÇÃO MANI PULITE. R. CEJ,
Brasília, n. 26, p. 56-62, jul./set. 2004. Acessível no sítio eletrônico: https://www.conjur.com.br/dl/artigo-
moro-mani-pulite.pdf. Acesso em 02.12.2021.
26
No dia 12 de julho de 2017, Sergio Moro, juiz federal de primeira instância, condenou o ex-presidente
Luís Inácio Lula da Silva a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem
de dinheiro na ação penal por ter supostamente recebido um triplex em Guarujá (SP) como contrapartida
por facilitar contratos da empreiteira OAS com a Petrobras, quando ainda era presidente.
A Vaza Jato é o termo pelo qual ficou conhecido, na imprensa brasileira, o
vazamento de conversas, realizadas através do aplicativo Telegram, entre o ex-juiz Sergio
Moro e o promotor Deltan Dallagnol, além de outros integrantes da força-tarefa da
Operação Lava Jato. A divulgação das conversas foi feita pelo jornalista estadunidense
Glenn Greenwald, do periódico virtual The Intercept, a partir de 9 de junho de 2019.

As transcrições indicaram que Moro cedeu informação privilegiada à acusação,


auxiliando o Ministério Público Federal (MPF) a construir casos, além de orientar a
promotoria, sugerindo modificação nas fases da operação Lava Jato; também mostraram
cobrança de agilidade em novas operações, conselhos estratégicos, fornecimento de pistas
informais e sugestões de recursos ao MPF.

Serão apresentados a seguir alguns episódios marcantes da operação, os


apontamentos realizados pelo mundo jurídico há época e os bastidores dos mesmos,
expostos como consequência do jornalismo investigativo anteriormente comentado.

2.1 COERCITIBILIDADE: O PROCESSO ENQUANTO TEATRO E JAULA

O uso exagerado e/ou desnecessário de atos coercitivos contra o réu, como a


fatídica condução coercitiva deferida pelo então juiz Moro a fim de viabilizar o
depoimento do acusado, sem nem mesmo tendo lhe intimado a comparecer em juízo, foi
alvo de grande controvérsia já em seu tempo27. Presumindo que o ex-Presidente e
associados tomariam providências para turbar a diligência, o que poderia colocar em risco
os agentes policiais e mesmo terceiros - conforme os termos da sentença condenatória
exarada pelo ex-juiz – tornara-se necessário o emprego de verdadeiro aparato bélico para
realização da ordem.

27
No dia 08 de março de 2016, a Associação Juízes para a Democracia editou nota em que sustentava que
a condução coercitiva do paciente representava um verdadeiro “show midiático”. O texto assinado pelos
magistrados advertia já à época que “ilegalidade não se combate com ilegalidade e, em consequência, a
defesa do Estado Democrático de Direito não pode se dar às custas dos direitos e garantias fundamentais.”
Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,entidade-dejuizes-ve-show-midiatico-em-
operacao-contra-lula,10000020091
Aqui, em primeiro plano, vê-se a flexibilização de garantias constitucionais do
acusado. O artigo 5º, inciso LIV, da Constituição prevê que “ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Sobre a incidência das normas constitucionais ao processo, leciona Ada Pellegrini


Grivoner:
“O direito processual não se separa da constituição: muito mais do que mero
instrumento técnico, o processo e instrumento ético de efetivação das garantias
jurídicas. Sobre os princípios políticos e sociais da constituição edificam-se os
sistemas processuais, num inegável paralelo entre o regime constitucional e a
disciplina do processo.28”

Com a inserção do princípio do devido processo legal no texto constitucional, o


sentido que se lhe atribui é o de um direito fundamental do cidadão. Não é apenas dever
do juiz velar pelo respeito as normas jurídicas processuais: é uma garantia assegurada ao
jurisdicionado, ao lado de outros direitos fundamentais previstos na Constituição e
tratados internacionais, como o Pacto de San Jose da Costa Rica, o qual estabelece, dentre
as chamadas garantias judiciais, que “toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as
devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer
acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou
obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”. (grifo
nosso)

Ocorre que as justificativas adotadas na sentença não se coadunam com a garantia


constitucional do devido processo legal29, uma vez que se reconhece inexistência de
intimação prévia para prestar depoimento desobedecida pelo ex-Presidente, nos termos
dos artigos 218 e 260 do CPP:

28
GRINOVER, Ada Pellegrini. Os Princípios Constitucionais e o Código de Processo Civil. Sao
Paulo: Jose Bushatsky Editor, p. VII. 1975.
29
Em entrevista ao jornal “O Globo”, o Ministro Alexandre de Moraes comenta sobre a condução
coercitiva de Lula: “Eu só concebo condução coercitiva se houver recusa do intimado a comparecer.
É o figurino legal. Basta ler o que está no código de processo. (...) Deve ser o último recurso. Você hoje
é um cidadão e pedem que você seja intimado a prestar um depoimento. Em vez de expedirem o mandado
de intimação, podem conduzir coercitivamente, como se dizia, debaixo de vara? (...) Quando se
potencializa o objetivo a ser alcançado em detrimento de lei, se parte para o justiçamento, e isso não se
coaduna com os ares democráticos da Carta de 88”. O Globo, n. 30161, 05/03/2016. País, p. 10. Grifo
nosso.
“Art. 218 - A testemunha regularmente intimada que não comparecer ao ato para o qual
foi intimada, sem motivo justificado, poderá ser conduzida coercitivamente.”

“Art. 260 - Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento


ou qualquer ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar
conduzi-lo à sua presença”. Parágrafo único: “o mandado conterá, além da ordem de
condução, os requisitos mencionados no artigo 352, no que lhes for aplicável”.

O STF, reconhecendo a abusividade da conduta, decidiria30 no sentido de proibir


as conduções coercitivas abusivas (em contrariedade ao princípio da inocência e
proporcionalidade) de réus em ações penais para a colheita de interrogatório, mas o dano
já havia se concretizado. A imagem do réu, sendo conduzido por diversos agentes de
segurança até Curitiba, tomou o imaginário popular e seria mais uma peça do teatro do
combate à corrupção, saciando a vontade do espectador já àquela altura instigado por ver
políticos pagarem por genéricos e pressupostos atos atentatórios ao patrimônio público.
A figura do “bandido corrupto” se adere ao conduzido, mesmo que o mesmo o seja de
forma ilegal31.

O caso da condução coercitiva de Lula, porém, seria consequência de outra


conduta reiterada da operação: a utilização de delações premiadas, colhidas a partir de
prisões cautelares dúbias e convenientes, que teriam apontado estratégia do ex-presidente
de evadir-se da competência de Curitiba.

Convenientes, porque tornam-se “incentivos” à colaboração, dando fôlego


político e midiático ao processo de deslegitimação dos inimigos da Operação. Armados

30
1 "Se nós validarmos aqui regras autoritárias, o que o guarda da esquina vai fazer?", questionou o
ministro Gilmar Mendes durante a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que analisou a
constitucionalidade do uso de condução coercitiva para colher interrogatórios de investigados. A
maioria dos 11 ministros do STF seguiu a argumentação de Mendes, relator do caso, e proibiu o
procedimento utilizado 227 vezes pela força-tarefa da Operação Lava Jato de Curitiba. A utilização
das conduções coercitivas, que alcançou o ápice da polêmica quando teve como alvo o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, em março de 2016, estava proibida liminarmente desde dezembro passado
por decisão do próprio Mendes.” Trecho de matéria jornalística do veículo El País. STF contraria
Lava Jato e proíbe condução coercitiva para interrogatório, 14.06.2018. Acessível no sítio
eletrônico https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/13/politica/1528918107_943737.html. Acesso em
03.12.2021.
31
1.1.1.1 “Vimos um espetáculo lamentável na sexta-feira, 4 de março. Este dia ficará marcado como
“o dia em que um ex-presidente da República foi ilegal e inconstitucionalmente preso por
algumas horas”, sendo o ato apelidado de “condução coercitiva”. Sem trocadilho, tucanaram
a prisão cautelar.” Trecho do artigo Condução coercitiva de ex-presidente Lula foi ilegal e
inconstitucional, de Lênio Luís Streck, datado de 4 de março de 2016, podendo ser acessado no
sítio eletrônico https://www.conjur.com.br/2016-mar-04/streck-conducao-coercitiva-lula-foi-
ilegal-inconstitucional. Acesso em 03.12.2021.
de confissões extraídas a partir de prisões cautelares, os Procuradores poderiam seguir
com sua cruzada anticorrupção, mesmo que ausentes elementos comprobatórios daquilo
confessado.

A estratégia usada pelo MPF e pela 13º Vara Federal de Curitiba também tem
raízes, assim como a percepção do clamor popular e necessidade de deslegitimação dos
acusados aos olhos de Sérgio Moro32, na Operação Mani Puliti:

“A estratégia de ação adotada pelos magistrados incentivava os investigados a


colaborar com a Justiça: A estratégia de investigação adotada desde o início do
inquérito submetia os suspeitos à pressão de tomar decisão quanto a confessar,
espalhando a suspeita de que outros já teriam confessado e levantando a
perspectiva de permanência na prisão pelo menos pelo período da custódia
preventiva no caso da manutenção do silêncio ou, vice-versa, de soltura imediata
no caso de uma confissão (uma situação análoga do arquétipo do famoso “dilema do
prisioneiro”). Além do mais, havia a disseminação de informações sobre uma corrente
de confissões ocorrendo atrás das portas fechadas dos gabinetes dos magistrados. Para
um prisioneiro, a confissão pode aparentar ser a decisão mais conveniente quando
outros acusados em potencial já confessaram ou quando ele desconhece o que os
outros fizeram e for do seu interesse precedê-los. Isolamento na prisão era necessário
para prevenir que suspeitos soubessem da confissão de outros: dessa forma, acordos
da espécie “eu não vou falar se você também não” não eram mais uma possibilidade.”
(grifo nosso)

O que se viu na Operação Lava-Jato foi o caráter excepcional da prisão sendo


deixado de lado para utilizá-la como método para esvaziar o direito de defesa e obrigar o
acusado a adotar uma postura de “colaborador”.

Terceirizava-se o trabalho da acusação preenchendo uma jaula com suspeito de


corrupção interessante à vontade político-jurídica da Operação até que o mesmo, após o
arrefecimento de medidas persecutórias como inquéritos e ações penais contra parentes,
entregasse material que pudesse ser utilizado na investigação, reforçando ao mesmo
tempo a noção de eficácia e necessidade da Operação assim como a inerente qualidade
de “bandido” daqueles que esta persegue. Uma vez realizado o acordo, o delator era
rapidamente beneficiado, caso delatasse o que fosse julgado conveniente33.

32
MORO, Sérgio Fernando. CONSIDERAÇÕES SOBRE A OPERAÇÃO MANI PULITE. R. CEJ,
Brasília, n. 26, p. 56-62, jul./set. 2004. Acessível no sítio eletrônico: https://www.conjur.com.br/dl/artigo-
moro-mani-pulite.pdf. Acesso em 02.12.2021.
33
“As mensagens obtidas pelo Intercept mostram que Moro desprezou esses limites ao impor
condições para aceitar as delações num estágio prematuro, em que seus advogados ainda estavam
na mesa negociando com a Procuradoria.
(...)
Embora a lei garanta ao Ministério Público autonomia para negociar, Deltan achava arriscado
desprezar a opinião de Moro e queria que o colega desse mais atenção ao juiz. No dia 25, o chefe da
força-tarefa voltou a manifestar sua preocupação.
A título de exemplo, tem-se a determinação, em 15 de fevereiro de 2017, da prisão
preventiva e busca e apreensão em endereços de Apolo Vieira, indicado como operador
de propina investigado pela Lava-Jato. Em 21 de fevereiro, seis dias depois, o juízo se
retrataria da diligência, vez que estaria o investigado “em tratativas de para um acordo de
colaboração”, saindo rapidamente da condição de risco à ordem pública e ameaça a
efetividade da ação penal que justificaram as medidas em primeiro lugar.

Tem-se, também, o episódio envolvendo o aumento de pressão ao investigado


Raul Schmidt para que colaborasse a partir de ações contra sua filha34, além de episódio
que diz respeito ao acusado Bernardo Freiburghaus, a respeito de quem Deltan Dallagnol

“Vc quer fazer os acordos da Camargo mesmo com pena de que o Moro discorde?”, perguntou a Carlos
Fernando. “Acho perigoso pro relacionamento fazer sem ir FALAR com ele, o que não significa que
seguiremos.”
“Podemos até fazer fora do que ele colocou (quer que todos tenham pena de prisão de um ano), mas tem
que falar com ele sob pena de ele dizer que ignoramos o que ele disse”, acrescentou.
(...)
2 A opinião de Moro foi respeitada. Com a assinatura dos acordos, dois dias depois, ficou acertado
que os dois executivos da Camargo Corrêa, Dalton Avancini e Eduardo Leite, que estavam presos
em Curitiba em caráter preventivo havia quatro meses, sairiam da cadeia com tornozeleiras e
ficariam mais um ano trancados em casa.” (grifo nosso)
3
4 – Trecho de reportagem do The Intercept, em parceria com A Folha de São Paulo. Mensagens
apontam que Moro interferiu em negociação de delações. 18.jul.2019, acessado no sítio
eletrônico https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/07/mensagens-apontam-que-moro-interferiu-
em-negociacao-de-delacoes.shtml em 03.12.2021.
34
Ministério Público Federal pediu duas vezes ao então juiz Sergio Moro operações contra a filha de
um alvo da Lava Jato que vive em Portugal como forma de forçá-lo a se entregar. Apesar de ser titular
de contas no exterior que receberam propinas, ela não era suspeita de planejar e executar crimes.
(...)
Tendo negado a cassação do passaporte de Nathalie, Moro perguntou ao MPF se as demais medidas
contra ela (bloqueios de contas e quebras de sigilo fiscal e de comunicações no WhatsApp) ainda eram
necessárias, considerando que Raul já havia sido preso em Portugal dois dias antes.
Isso significa que o juiz, assim como o MPF, justificou a operação contra Nathalie pelo fato de Raul estar
foragido. Uma vez que ele foi encontrado, a força-tarefa da Lava Jato não viu mais motivos para impor
as restrições a ela.
O processo contra Nathalie ficou adormecido até que o MPF o utilizasse, mais de três meses depois, com
o mesmo objetivo de capturar o pai. No dia 18 de maio de 2018, a justiça portuguesa determinou o
cumprimento imediato da ordem de extradição. Quatro dias depois os procuradores pediram a Moro, com
urgência, o cumprimento das medidas contra Nathalie, afirmando que Raul “se evadiu” ao ser procurado
pelas autoridades.
Desta vez, Moro acatou o desejo dos procuradores, sem qualquer incremento nas provas contra ela. O
MPF não fez nenhum adendo ao processo, apenas reapresentou o pedido que fizera em fevereiro.
Nathalie teve o passaporte retido e foi alvo de busca e apreensão em casa, no Rio de Janeiro, em 24 de
maio. Nessa busca, segundo a defesa dela alegou quatro dias depois em pedido de habeas corpus ao
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, “três agentes da Polícia Federal portando metralhadora
ingressaram na residência da paciente de forma truculenta, exigindo, aos berros, que ela revelasse o atual
paradeiro do seu genitor, sob ameaça de ‘evitar dor de cabeça para seu filho’”, referindo -se à criança
dela, um menino então com sete anos.”
5 – Trecho de reportagem do The Intercept, Intercepta ela. 11.09.2019, acessado no sítio eletrônico
https://theintercept.com/2019/09/10/moro-devassa-filha-investigado/ em 03.12.2021.
propôs: “Acho que temos que aditar para bloquear os bens dele na Suíça. Conta, Imóvel
e outros ativos. Ir lá e dizer que ele perderá tudo. Colocar de joelhos e oferecer redenção.
Não tem como não pegar35”.
Os acordos de delação eram, de fato, oportunidades “de rendição” as quais “não
tem como” o investigado “não pegar”. Não só as medidas restritivas se encerravam com
a homologação de acordo de delação premiada, como também aqueles que as sofriam
recebiam benefícios consideráveis. A título exemplificativo, os dos primeiros acordos de
colaboração celebrados pela Operação Lava Jato, os de Alberto Youssef e Paulo Roberto
Costa, previam, sem respaldo na legislação, a redução da pena de multa; o início do
cumprimento da pena privativa de liberdade com a celebração do acordo,
independentemente de condenação; a fixação de requisitos menos gravosos para a
progressão de regime da pena privativa de liberdade e a suspensão de investigações e de
procedimentos, após atingido o teto de pena privativa de liberdade em outras sentenças.

As delações, extraídas a partir de pressões forjadas e alheias aos fundamentos das


medidas cautelares suportadas pelos investigados, viriam a suprimir a apresentação de
outros elementos probantes nas ações penais da Lava-Jato. Em livro de sua autoria,
denominado As Lógicas das Provas no Processo, Dallagnol desenhou a tese de que seria
possível provar a ocorrência de um crime por meio da “inferência da melhor explicação”
(pag. 11), sustentando ainda que se considerava provado o crime diante “da ausência de
uma explicação alternativa que só o réu poderia prover” (pag. 283) ou diante da “omissão
do réu em produzir provas que lhe são de fácil acesso” (pag. 283). Apesar de ser tal
pensamento clara afronta ao sistema acusatório, compreende-se a partir do mesmo o papel
central das delações na lógica lavajatista de persecução penal, vez que construiriam a teia
de acusações e supostas contradições na narrativa defensiva que viria a derrubá-la.

No mais, fora solicitado pelo MPF e deferido pelo então juiz Sérgio Moro a quebra
de sigilo telefônico, que seria reiteradamente estendido, do ex-presidente, de seus
familiares e até mesmo de seus advogados, com o intuito de monitorar e antecipar as suas
estratégias defensivas.

Vê-se, portanto, que a Lava-Jato se valeu de coações de várias naturezas para


perseguir seus alvos, atacar sua imagem e exauri-los moral e psicologicamente, a fim de

35
Disponível em https://theintercept.com/2019/08/29/lava-jato-vazamentos-imprensa/.
retroalimentar-se de legitimidade enquanto instituição e ator jurídico-político, se
chancelando a partir clamor popular através dos noticiários fartos de áudios e documentos
acerca das delações, apartados da lei e do devido processo e às custas das garantias
constitucionais, típico do fenômeno do Lawfare.

2.2 A ANUÊNCIA DOS ÓRGÃOS DA JUSTIÇA AO LAWFARE

Como anteriormente mencionado, a cooptação da estrutura do Judiciário é peça


central à concretização dos objetivos estratégicos do Lawfare. Neste sentido, os
julgadores, percebidos como inerentemente capacitados e imparciais no processo,
confeririam verniz de legalidade aos atos de perseguição, vez que exercem elevado poder
moral e institucional.

A escolha do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba como órgão jurisdicional a


quo advém da figura do juiz que o presidia. Sérgio Moro, como suspeitava-se, e
posteriormente foi comprovado, exercitava ativo papel na persecução penal contra o ex-
presidente Lula.

A ação penal do conhecido “caso triplex”, em cujo bojo ocorreram as prisões,


conduções coercitivas e eventual sentença condenatória, fora iniciada a partir de provas
obtidas de “fonte” ouvida pela Força-Tarefa comandada por Dallagnol a pedido de
Moro36. A ação prosseguiu mesmo com a própria dúvida por parte dos procuradores de
que realmente haveria justa causa, e ao longo da mesma, sob orientação de Moro37, houve

36
Não é muito tempo sem operação?. The Intercept, 09 de junho de 2019. Disponível no sítio eletrônico
https://theintercept.com/2019/06/09/chat-moro-deltan-telegram-lava-jato/. Acesso em 04 de dezembro de
2021.
37
“Os procuradores acataram a sugestão do atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, em mais uma
evidência de que Moro atuava como uma espécie de coordenador informal da acusação no processo do
triplex. Em uma estratégia de defesa pública, Moro concedeu uma entrevista nesta sexta-feira ao jornal
o Estado de S. Paulo onde disse que considera “absolutamente normal” que juiz e procuradores
conversem. Agora, está evidente que não se trata apenas de “contato pessoal” e “conversas”, como diz
o ministro, mas de direcionamento sobre como os procuradores deveriam se comportar.
Juntamente com as extensas evidências publicadas pelo Intercept no início desta semana – em que Moro
e Deltan conversam sobre a troca da ordem de fases da Lava Jato, novas operações, conselhos
estratégicos e pistas informais de investigação –, esta é mais uma prova que contraria a tentativa de
Moro de minimizar o tipo de relacionamento íntimo que ele teve com os promotores.
(...)
verdadeiro embate no terreno da mídia a respeito da legitimidade e robustez das alegações
feitas pelas partes, acusação e defesa. A ação não mais era debatida nos autos, e sim nos
noticiários, praças e, mais comprometedoramente à função jurisdicional, por mensagens
no aplicativo Telegram.

A evidente cooptação de Sérgio Moro a frente da 13ª Vara Federal de Curitiba


tornaria-se evidente em dois episódios. O primeiro, quando, mesmo reconhecendo que a
ação do “caso triplex” não configurava as condições necessárias para determinar sua
permanência em Curitiba, nos termos da Questão de Ordem de Inquérito nº 4.130, quais
sejam, o crime praticado envolvesse valores derivados de atos corruptos no bojo da
Petrobrás38, não reconheceu sua incompetência. Entretanto, de forma diligente e
desconhecida no Judiciário brasileiro, foi rápido em despachar nos autos da ação penal
no sentindo de declarar incompetente o Des. Federal Rogério Fraveto, que no dia 08 de
julho de 2018 concedera habeas corpus em favor do paciente Luís Inácio:

"O desembargador federal plantonista, com todo o respeito, é autoridade


absolutamente incompetente para sobrepor-se à decisão do Colegiado da 8ª Turma do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região e ainda do Plenário do Supremo Tribunal
Federal39"

Mesmo sem jurisdição sobre o caso e em período de férias, o ex-juiz atuou


intensamente para evitar o cumprimento da ordem, a ponto de telefonar ao então Diretor-
Geral da Polícia Federal Maurício Valeixo e sustentar o descumprimento da liminar,
agindo como se membro do Ministério Público fosse, com o objetivo de manter a prisão
de réu em caso que já havia se manifestado como julgador.

Moro – 22:12 – Talvez vcs devessem amanhã editar uma nota esclarecendo as contradições do
depoimento com o resto das provas ou com o depoimento anterior dele
Moro – 22:13 – Por que a Defesa já fez o showzinho dela.
Santos Lima – 22:13 – Podemos fazer. Vou conversar com o pessoal.
Santos Lima – 22:16 – Não estarei aqui amanhã. Mas o mais importante foi frustrar a ideia de que ele
conseguiria transformar tudo em uma perseguição sua.

- Trecho da reportagem A defesa já fez o showzinho dela. The Intercept, 14 de junho de 2019. Disponível
no sítio eletrônico https://theintercept.com/2019/06/14/sergio-moro-enquanto-julgava-lula-sugeriu-a-lava-
jato-emitir-uma-nota-oficial-contra-a-defesa-eles-acataram-e-pautaram-a-imprensa/. Acesso em 04 de
dezembro de 2021.
38
“Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora
OAS nos contratos da Petrobrás foram utilizados para pagamento de vantagens indevidas para o ex-
Presidente”. Trecho da decisão de Embargos de Declaração proferida em 18 de julho de 2017 nos autos da
Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR.
39
Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/moro-lula-solto.pdf
O ex-presidente seria mantido em cárcere, sob a alegação de que deveria advir da
8ª Turma do TRF-4 a ordem de soltura. Surpreende o observador da narrativa a postura
leniente que os órgãos judiciais, que cooptados ou coagidos, aceitaram a independência
ad hoc da República de Curitiba, sediada no gabinete da 14ª VF. O sentimento de
autonomia e atuação ao largo das normas processuais e materiais do direito penal fica
evidente em julgamento acerca de abertura de Processo Administrativo contra o então
juiz Sérgio Moro, no qual o relator, após realizar um apanhado das regras possivelmente
infringidas pelo magistrado, em seu voto, proferiu:

“Ora, é sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da chamada


“Operação Lava-Jato”, sob a direção do magistrado representado, constituem caso
inédito no direito brasileiro. Em tais condições, neles haverá situações inéditas, que
escaparão do regramento genérico, destinado aos casos comuns. (...) essas regras
jurídicas só podem ser corretamente interpretadas à luz dos fatos a que se ligam e de
todo modo verificado que incidiram dentro do âmbito de normalidade por elas
abrangido. É que a norma jurídica incide no plano da normalidade, não se aplicando
a situações excepcionais (...)”

Com a maioria dos membros da Corte Especial acompanhando o voto do relator,


restava consagrado o estado de exceção jurídico, tendo a Lava Jato adquirido natureza sui
generis, anormal e, portanto, passível de atuar fora das determinações do Direito Penal,
área inerentemente sensível do direito e de maior incidência ao princípio da legalidade
irrestrita, claramente abandonado.

Houve pelo menos outros dois pedidos de providências contra o ex-juiz Sérgio
Moro que foram arquivados, desta vez no CNJ. Em todos eles discutia-se a atuação do
magistrado para além dos limites de imparcialidade.

Conforme comentado, o exercício do controle judicial dentro do jogo de cartas


marcadas do Lawfare torna-se impossível, vez que os atores estão predispostos a fazer
vista grossa a ilegalidades cometidas em prol de um “bem maior”. Não por acaso a luta
incessante de se manter a competência da Ação Penal que condenou Lula em Curitiba,
sob a direção de personagens da trama já orquestrada.

Diversas foram as tentativas da defesa técnica de Lula de apontar a irregularidade


da competência da 13ª Vara Federal para o processamento das ações penais oriundas da
Lava-Jato contra Lula, mas seria fatidicamente no STF que a trama viria a ser finalmente
desbaratada.
3 DA INCOMPETÊNCIA E SUSPEIÇÃO: OS HABEAS CORPUS 193.726 E
164.493

Em 8 de março de 2020, o Min. Edson Fachin deferiu liminarmente o pedido de


reconhecimento da incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba nos autos do HC
193.726:

“Trata-se de questão que agora vem de ser exposta no habeas corpus impetrado em
3.11.2020 em favor de Luiz Inácio Lula da Silva, no qual se aponta como ato coator
o acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça nos autos do
Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.765.139, no ponto em que foram
refutadas as alegações de incompetência do Juízo da 13ª Vara Federal da Subseção
Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento da Ação Penal n. 5046512-
94.2016.4.04.7000, indeferindo-se, por conseguinte, a pretensão de declaração de
nulidade dos atos decisórios nesta praticados. (...) Afirmam, sob tal ponto de vista,
que a hipótese se assemelha ao entendimento firmado pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal por ocasião do julgamento do INQ 4.130 QO, segundo o qual a 13ª
Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba seria competente apenas para o
julgamento dos fatos que vitimaram a Petrobras S/A, sendo imperativa a observância,
em relação aos demais, às regras de distribuição da competência jurisdicional
previstas no ordenamento jurídico. Requerem a concessão da ordem de habeas corpus
para declarar a incompetência do Juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de
Curitiba e, por consequência, a nulidade dos atos decisórios proferidos na Ação Penal
n. 5046512-94.2016.4.04.7000. Subsidiariamente, caso não conhecida a impetração,
postulam pela concessão da ordem de habeas corpus ex officio, nos termos do art.
654, § 2º, do Código de Processo Penal e do art. 193, II, do RISTF (...) Ante o exposto,
com fundamento no art. 192, caput, do RISTF e no art. 654, § 2º, do Código de
Processo Penal, concedo a ordem de habeas corpus para declarar a incompetência da
13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento das
Ações Penais n. 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (Triplex do Guarujá), 5021365-
32.2017.4.04.7000/PR (Sítio de Atibaia), 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do
Instituto Lula) e 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao Instituto Lula),
determinando a remessa dos respectivos autos à Seção Judiciária do Distrito Federal.
Declaro, como corolário e por força do disposto no art. 567 do Código de Processo
Penal, a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais,
inclusive os recebimentos das denúncias, devendo o juízo competente decidir acerca
da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios.”

Para além de tardiamente reconhecer elemento processual já apontado – e


confesso -, o Min. Edson Fachin determinou a perda do objeto dos outros remédios que
afetavam a Ação Penal, inclusive o Habeas Corpus 169.943, que detinha como pedido o
reconhecimento da suspeição do então juiz Sérgio Moro, valendo-se das conduções
coercitivas, exposições midiáticas do processo, condenação a margem do devido processo
penal e a aceitação do ex-juiz de compor o governo do já eleito presidente Jair Bolsonaro,
ocupando o cargo de Ministro da Justiça.
O HC encontrava-se no gabinete do Min. Gilmar Mendes, que após a decisão de
seu colega de reconhecer a perda de objeto do processo, encerrou sua vista dos autos e
pautou o mesmo na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. A Turma, após vencer
a questão preliminar suscitada pelo Ministro Edson Fachin, avançou acerca do mérito do
Habeas Corpus.

3.1 DA ANÁLISE DA IMPARCIALIDADE

A imparcialidade judicial é consagrada como uma das bases das garantias do


devido processo legal. Embora não prevista expressamente na Constituição Federal,
afirma-se que “a imparcialidade é conditio sine qua non de qualquer juiz, sendo, pois,
uma garantia constitucional implícita”40.

No âmbito penal, contudo, tal premissa adquire contornos ainda mais relevantes.
Por imposição da presunção de inocência, o julgador deve adotar uma posição de
descrença institucional em relação à acusação – não se trata de pressupor a mentira, mas
adotar a máxima de que é necessário “ver para crer”. Somente se houver comprovação
além de qualquer dúvida razoável é que se autoriza o sancionamento. Sobre a natureza
constitucional do mandamento da imparcialidade, o Supremo Tribunal Federal
consignou:

“o princípio constitucional da separação dos Poderes (CRFB, art. 2º), cláusula


pétrea inscrita no art. 60, § 4º, III, da Constituição República, revela-se
incompatível com arranjos institucionais que comprometam a independência e
a imparcialidade do Poder Judiciário, predicados necessários à garantia da
justiça e do Estado de Democrático de Direito” (ADI 5.316 MC, Rel. Min. Luiz
Fux, Tribunal Pleno, DJe 6.8.2015)

No processo penal brasileiro, tem-se a imparcialidade enquanto elemento central


do sistema de persecução acusatório. O modelo acusatório determina, em sua essência, a
separação das funções de acusar, julgar e defender, e, assim, tem como escopo
fundamental a efetivação da imparcialidade do juiz, visto que esta é claramente violada

40
BADARÓ, Gustavo H. Processo Penal. 5ª ed. RT, 2018. p. 46
em um cenário de julgamento inquisitivo. Interessante apontar que de forma
contemporânea aos atos conduzidos pelo então juiz Sérgio Moro, membros do MPF já
ventilavam suas frustrações acerca da postura inquisitorial do juiz41.

O que se tem, portanto, é a ideia de que “uma aliança entre o juiz e o promotor
acarreta inclinações/preconceitos no sistema de justiça, impedindo a produção da
verdade. A legitimidade do sistema adversarial depende da imparcialidade do julgador.
Se as dinâmicas de poder possibilitam que a sociedade suponha que promotor e juiz estão
trabalhando conjuntamente como uma equipe, a imparcialidade não existe42”.

3.2 DA CONCLUSÃO PELA AUSÊNCIA DE IMPARCIALIDADE

41 “Ângelo – 10:00:07 – Cara, eu não confio no Moro, não. Em breve vamos nos receber cota de delegado
mandando acrescentar fatos à denúncia. E, se não cumprirmos, o próprio juiz resolve. Rs.
Monique – 10:00:30 – Olha, penso igual.
Monique – 10:01:36 – Moro é inquisitivo, só manda para o MP quando quer corroborar suas ideias, decide
sem pedido do MP (variasssss vezes) e respeitosamente o MPF do PR sempre tolerou isso pelos ótimos
resultados alcançados pela lava jato
Ângelo – 10:02:13 – Ele nos vê como “mal constitucionalmente necessário”, um desperdício de dinheiro.
Monique – 10:02:30 – Se depender dele, seremos ignorados.
Ângelo – 10:03:02 – Afinal, se já tem juiz, por que outro sujeito processual com as mesmas garantias e a
mesma independência? Duplicação inútil. E ainda podendo encher o saco.
Monique – 10:03:43 – E essa fama do Moro é antiga. Desde que eu estava no Paraná, em 2008, ele já atuava
assim. Alguns colegas do MPF do PR diziam que gostavam da pro atividade dele, que inclusive aprendiam
com isso.
Ângelo – 10:04:30 – Fez umas tabelinhas lá, absolvendo aqui para a gente recorrer ali, mas na investigação
criminal – a única coisa que interessa -, opa, a dupla polícia/ juiz eh senhora.
Monique – 10:04:31 – Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados.”

É particularmente significativo que procuradores tenham chamado algumas absolvições de Moro de


“tabelinhas” – destinadas a criar uma falsa percepção de imparcialidade –, já que as absolvições haviam
sido citadas pelo ex-juiz e por Deltan Dallagnol justamente para refutar acusações de que Moro era o
verdadeiro chefe dos procuradores.”

- Trecho da reportagem Moro viola sempre o sistema acusatório. The Intercept. 29 de junho de 2019.
Disponível no sítio eletrônico https://theintercept.com/2019/06/29/chats-violacoes-moro-credibilidade-
bolsonaro/. Acesso em 04.12.2021.
42
HESSICK, Andrew; SAUJANI, Reshma. Plea Bargaining and Convicting the Innocent. Brigham
Young University Journal of Public Law, v. 16, 2002. p. 231
Em extenso voto-vista, o Min. Gilmar Mendes retoma o julgamento do HC
164.493 no dia 09 de março de 2021. Apesar de não apontar as práticas do magistrado
como exemplo de Lawfare, o Ministro descreve o perfil político, inquisitório e eleitoral
das decisões prolatadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba quando da estada de Moro:

“O olhar em retrospecto não esconde que o Juiz Sergio Moro diversas vezes não se
conteve em pular o balcão. Na ordenação dos atos acusadores, o magistrado
gerenciava os efeitos extraprocessuais da exposição midiática dos acusados. A opção
por provocar – e não esperar ser provado – garantia que o Juiz estivesse na dianteira
de uma narrativa que culminaria, como será discutido, na consagração de um
verdadeiro projeto de poder que passava pela deslegitimação política do Partido dos
Trabalhadores e, em especial, do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, a fim de
afastá-lo do jogo eleitoral”.

O ministro apontou inicialmente três elementos para se configurar a


imparcialidade de Moro na condução da Ação Penal que condenara Lula a partir da
divulgação das conversas pela Vaza Jato43: “Julgador definindo os limites da acusação e
selecionando pessoas a serem denunciadas, ou não, pois prejudicaria apoios importantes;
Julgador indicando testemunha para a acusação e sugerindo meios ilícitos para inserção
da fonte de prova no processo penal, além de incentivar a sua inserção no processo de
modo indevido, como se fosse de fonte anônima; Julgador atuando em conjunto com
acusadores no sentido de emitir nota contrária à defesa, além de taxar de modo pejorativo
as estratégias defensivas”.

Para além dos escândalos trazidos à tona pelo jornalismo investigativo, os


Ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal que entenderam pela parcialidade
de Sérgio Moro na condução dos atos judiciais contra Lula pautaram-se nos elementos
trazidos pela defesa em sua petição para aferir a manutenção da imparcialidade objetiva
do magistrado. Relevante se faz, conforme o Min. Gilmar Mendes em seu voto, não
apenas “examinar se os atos por ele praticados isoladamente encontrariam agasalho na
legislação aplicável. O que se deve investigar aqui é o significado contextualizado do

43
“Por fim, o debate aqui abordado toca diretamente na temática das provas ilícitas no processo penal.
Trata-se de avanço primordial em um Estado Democrático de Direito, consolidado no art. 5º, LVI, da CF
(“são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”) e no CPP, nos termos da reforma
de 2008, consoante do art. 157, caput, “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as
provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Cuida-se de
medida fundamental para a proteção do réu contra abusos no exercício do poder punitivo estatal. Assim, é
intrigante perceber que tal garantia tem sofrido críticas, sendo objeto de propostas de relativizações, como
aquelas apresentadas pelo próprio MPF (10 medidas contra a corrupção). O Supremo Tribunal Federal já
assentou que o interesse de proteção às liberdades do réu pode justificar relativização à ilicitude da prova”.

- Trecho do Voto Vista do Min. Gilmar Mendes. HC 164.493


encadeamento das decisões judiciais do ex-juiz; seus motivos explícitos ou implícitos de
prolação, suas repercussões intencionais sobre a condução do processo e, principalmente,
as suas repercussões para a percepção objetiva sobre se o magistrado cumpre ou não o
seu dever de independência”.

Para tanto, valorou-se os acontecimentos processuais da Ação Penal do “caso


triplex” e da Operação Lava-Jato. Classificou-se a condução coercitiva realizada em
março de 2016 como procedimento sui generis, com claro objetivo de exposição pública
do ex-presidente Lula. Destacou-se ainda que “do ponto de vista mais amplo das
estratégias midiáticas utilizadas pela Operação Lava-Jato, o uso das medidas de condução
coercitivas desempenhava um papel central na espetacularização. É que essas medidas,
em sua própria essência, pintam cenas de subjugação dos acusados, em que esses eram
expostos publicamente como criminosos conduzidos debaixo de vara, como se a sua
liberdade de locomoção em si representasse perigo à coletividade ou à instrução
criminal”.

Assim, conclui-se que, seja por não terem sido respeitadas as balizas legais, seja
por ter propiciado uma exposição atentatória à dignidade e à presunção de inocência do
investigado, a decisão de ordenação da condução coercitiva do ex-presidente macula a
imparcialidade do ex-Juiz Sérgio Moro.

No mais, a intensa cooperação de caráter subjetivo entre juiz e procuradores


importou grave mácula a imparcialidade, dada a proximidade entre os atores processuais,
a afinidade em suas intenções e alinhamento em futuras etapas do processo e operação.
No dia 05 de março de 2016, um dia após a realização da condução coercitiva, os
membros da Força-Tarefa de Curitiba articularam manifestações e notas oficiais
Ministério Público Federal para defender a controversa decisão de Sérgio Moro, com
apoio de assessoria de imprensa de jornalistas de grandes veículos de comunicação44.

44
“Em uma das diversas conversas divulgadas pelo site, o jornalista Vladimir Netto, filho de Miriam Leitão
que fez a cobertura jornalística da Lava Jato pela Globo, orienta Dallagnol a como proceder durante a
condução coercitiva do ex-presidente Lula, ocorrido no dia 4 de março de 2016.
Na troca de mensagens, Dallagnol pergunta a Netto se deveria emitir nota sobre a operação e é aconselhado
a não se pronunciar. (...) No dia posterior, os procuradores resolveram emitir nota. Antes da divulgação,
Dallagnol enviou o texto ao repórter da Globo. ““A nota ficou excelente CF. Bem melhor do que a que
tinha feito. Sou a favor. Deixa eu consultar o Vladimir Neto”, escreveu às 18h48. Cerca de 3 minutos
depois, Dallagnol volta ao grupo para colocar as impressões do jornalista. (...) “Vladimir Neto achou ok o
final atacando, mas achou realmente pra tirar o começo”, escreveu, às 19h13. Pouco menos de 15 minutos
depois, ele volta a falar com o filho de Miriam Leitão. “Acabou ficando boa parte do começo, mas com
base em seu olhar tiramos 2 itens inteiros. Acabou pesando a solidariedade à nota de hoje. Obrigado,
Elencou-se, também como elemento de imparcialidade a flagrante violação do
direito constitucional à ampla defesa do ex-presidente quando da quebra de seu sigilo
telefônico e de seus advogados - o que configura grave violação de prerrogativas da
advocacia e que não foi revisado mesmo com a cientificação do juízo acerca da natureza
dos telefones grampeados45.

Aborda-se, também enquanto indicativo da parcialidade do juiz, a controvertida


divulgação de conversas obtidas em interceptações telefônicas de Lula com familiares e
terceiros vazamentos esses realizados em momento de grande efervescência na cena
política, dada a nomeação de Lula como Ministro da Casa Civil da Presidência da
República. Eis o elemento político do inimigo do Lawfare: a agenda política e
institucional do governo federal da época, comandado pela ex-presidente Dilma Rousseff,
do Partido dos Trabalhadores. Escancara-se o objetivo de se causar mal-estar na cena
política visto que, sendo um dos interceptados detentor de foro de prerrogativa de função,
sabia o magistrado de Curitiba da sua incompetência, devendo remeter o material ao STF.
Ao contrário, remeteu aos jornais e limitou-se a fazer mea culpa.

Outro episódio que caracterizaria a hostilidade de cunho eleitoral e política entre


magistrado e partido foi a juntada e imediata suspensão de sigilo, por iniciativa do então

Vladimir!”.“De nada! Fico feliz em ajudar. Já soltaram a nota? Ainda dá tempo de sair no JN”, disse o
jornalista da Globo, referindo ao Jornal Nacional.”

- Trecho de reportagem Filho de Miriam Leitão, Vladimir Netto orientou Dallagnol sobre condução
coercitiva de Lula: “Entendi o recado…rs. Revista Fórum. 9 de fevereiro de 2021. Disponível no sítio
eletrônico https://revistaforum.com.br/politica/vaza-jato/filho-de-miriam-leitao-vladimir-netto-orientou-
dallagnol-sobre-conducao-coercitiva-de-lula-entendi-o-recadors/. Acessado em 04.12.2021.

45
“De nada adiantaram os dois ofícios enviados pela Telefônica em fevereiro e março ao juiz Sergio Moro
informando que ele havia autorizado a interceptação do telefone central do escritório Teixeira, Martins e
Advogados. O responsável pelos processos da operação “lava jato” em Curitiba enviou um novo documento
ao Supremo Tribunal Federal dizendo que a informação só foi notada por ele depois que reportagens da
ConJur apontaram o problema. Em um ofício que chegou ao STF nesta terça-feira (5/4), Moro dá
explicações por ter dito ao Supremo, no dia 29 de março, que não sabia dos grampos no ramal central do
escritório. Dois dias depois de o juiz se manifestar sobre o assunto, reportagem da revista eletrônica
Consultor Jurídico mostrou que dois ofícios enviados pela operadora de telefonia à 13ª Vara Federal de
Curitiba, no dia 23 de fevereiro (quando foram determinados os grampos) e no dia 7 de março (quando
foram prorrogadas as escutas), deixam claro que um dos telefones grampeados pertence à banca de
advocacia.”
- Trecho da reportagem Moro diz que só soube de grampo em escritório após notícia da ConJur. 5 de
abril de 2016. Revista eletrônica Consultoria Jurídica”. Disponível no sítio eletrônico
https://www.conjur.com.br/2016-abr-05/moro-soube-grampo-escritorio-noticia-conjur. Acesso em
04.12.2021.
juiz, do acordo de delação premiada de Antônio Palocci às vésperas da eleição
presidencial de 2018, mesmo que o mesmo tivesse sido firmado há três meses e a
relevância processual para o ato não mais subsistisse; quando referido acordo foi juntado
aos autos da referida ação penal, a fase de instrução processual já havia sido encerrada, o
que sugere que os termos do referido acordo sequer estariam aptos a fundamentar a
prolação da sentença.

A resistência de Sérgio Moro ao cumprimento da ordem de Habeas Corpus


exarada pelo Des. Federal Rogério Fraveto, anteriormente abordada, também foi
elemento elencado para reconhecer a imparcialidade do ex-juiz. Diante disso, a atuação
clara do ex-juiz Sergio Moro para manter o réu preso, mesmo diante de ordem de Tribunal
a ele superior, evidenciou, aos olhos dos Ministros, a sua inclinação pautada por visões
preconcebidas no caso concreto, em face do então paciente.

Quanto a condenação em si, a ausência de delimitação precisa de um ato do ofício


que teria sido retardado, não praticado ou realizado com infração a dever funcional,
essencial para caracterização do tio penal de corrupção passiva, foi entendida como
deslise ao objetivo de condenar, independentemente da técnica processual. A indicação
do ato de ofício é essencial para a demonstração que o eventual pagamento da vantagem
indevida está relacionado com a função pública que é ou será exercida pelo agente. No
âmbito doutrinário46, afirma-se que, mesmo em caso de corrupção política envolvendo
parlamentares ou titulares de mandatos eletivos, exige-se a indicação da pertinência dos
atos potencialmente mercadejados com o feixe de atribuições do funcionário público.

A pá de cal a respeito da ausência de imparcialidade objetiva do então magistrado


se deu com sua saída da magistratura para assumir o cargo de Ministro da Justiça do
recém eleito presidente Jair Bolsonaro47, candidato cotado como grande adversário de
Lula na corrida presidencial de 2018.

46
GRECO, Luís; LEITE, Alaor. Parecer sobre o tipo penal de corrupção. 6 de junho de 2019. p. 7
47
“Quando Moro foi finalmente confirmado como ministro da Justiça, o procurador Sérgio Luiz Pinel
Dias, que atua na Lava Jato no Rio de Janeiro, digitou no grupo MPF GILMAR MENDES que, daquele
momento em diante, seria muito difícil “afastar a imagem de que a LJ integrou o governo de Bolsonaro”:
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Operação Lava-Jato foi um marco na história jurídica, processual e política do


país. A sensação de combate à impunidade, somada ao sensacionalismo midiático,
protagonismo dos personagens da trama e o embate político eleitoral, inicialmente nos
bastidores, mas logo demonstrado às claras, ergueram procuradores e juízes ao patamar
de heróis, desestabilizaram as bases da democracia brasileira e tornaram público o debate
do papel do Judiciário e da importância das garantias fundamentais.

Expuseram, também, a facilidade com a qual se corrompe pautas tão caras à nação
e de grande relevância a uma democracia tão frágil, como a responsabilização de
políticos, a corrupção e as interrelações entre o espaço público e privado, a fim de
promover uma agenda política ao largo da práxis. O Lawfare é a consolidação de um
objetivo político alcançado fora das estruturas da política, furtando da democracia seu
efetivo exercício.

A perseguição judicial e midiática de setores da política partidária nacional, em


especial seu expoente eleitoral à época evidenciam um campo de embate social ainda não
explorado, ou ao menos ainda não publicizado, e, por consequência, tensionam o debate
político a respeito do papel das instituições.

Do Judiciário, enquanto poder da República, espera-se comprometimento com os


valores constitucionais e observância ao seu papel social e, sobretudo, da lei. Os tribunais
não podem ser extensão do enfrentamento político e eleitoral em uma democracia

Thaméa Danelon – 10:19:01 – Bom dia pessoal. Qual a opinião de vcs sobre Moro no MJ?
José Augusto Simões Vagos – 10:44:57 – Acho inoportuno
Sérgio Luiz Pinel Dias – 10:50:51 – Thamea e colegas, pessoalmente acho ruim para o legado da LJ, por
melhor que sejam as intenções dele de tentar influir por dentro. . . . Para mim, LJ, além de ser um símbolo,
é um método de atuação das nossas instituições, que nos permitiu, até aqui, surfar juntos em uma excelente
onda. Mas será difícil, muito difícil, hoje e provavelmente no futuro, com a assunção de Moro ao MJ, afastar
a imagem de que a LJ integrou o governo de Bolsonaro. Vejo, por esse motivo, com muita preocupação
esse passo do Moro.
Mônica Campos de Ré – 10:54:12 – Concordo!
- Trecho da reportagem Moro viola sempre o sistema acusatório. The Intercept. 29 de junho de 2019.
Disponível no sítio eletrônico https://theintercept.com/2019/06/29/chats-violacoes-moro-credibilidade-
bolsonaro/. Acesso em 04.12.2021.
representativa, correndo o risco de desgastar sua imagem ao ser visto enquanto
impulsionador de perseguições sem lastro jurídico, o que findaria por dificultar seu real
papel: o apaziguamento social a partir da aplicação da norma em observância aos direitos
fundamentais e princípios constitucionais. Este é o exercício singular do potestas jurídico.

De igual relevância ao Judiciário, enquanto chancelador do poder estatal e


“garantidor” de legitimidade, a mídia possuiu importante papel tanto na construção da
imagem de “cruzada legalista” quanto de “conluio político” que caracterizou, e ainda
caracteriza, a Operação e seus responsáveis. Talvez o debate a respeito do papel da mídia
e sua forma de atuação deva ser amadurecido no meio social a fim de se evitar futuros
trials by midia48, incorporando noções de jurisprudência outras além da nacional, como
exposto no capítulo II.III, trazendo a atuação ética dos meios de comunicação por meio
de um filtro alinhado com a dignidade humana e o direito a um julgamento justo e
imparcial.

Decerto, o Lawfare lavajatista e seus impactos na vida pública inauguram uma


faceta da política nacional temerária, devendo ser exemplificada, estudada e publicizada
para, enfim, possa ser combatida, não permitindo que se frustre o exercício político e
democrático a partir de manobras processuais.

48
“O ‘trial by media’, tática intrínseca ao lawfare, compreende a cobertura jornalística de certas suspeitas
ou processos criminais em que indivíduos são acusados de terem cometido crimes ou irregularidades, bem
como as consequências desta estigmatização, não só juridicamente, mas também em suas vidas
profissionais e pessoais.” ZANIN, Cristiano; MARTINS, Valeska; VALIM, Rafael. Lawfare: Uma
Introdução. Editora Contracorrente, 1ª Reimpressão, 2020, p. 62.
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0310512610800608911309202605801203800402400311410510407700110104202604
7064073120079094091089065008126099103114067010092030009072027023087096
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no sítio eletrônico https://theintercept.com/2019/06/14/sergio-moro-enquanto-julgava-
lula-sugeriu-a-lava-jato-emitir-uma-nota-oficial-contra-a-defesa-eles-acataram-e-
pautaram-a-imprensa/. Acesso em 04 de dezembro de 2021.
THE INTERCEPT, Intercepta ela. 11.09.2019, acessado no sítio eletrônico
https://theintercept.com/2019/09/10/moro-devassa-filha-investigado/ em 03.12.2021.

THE INTERCEPT, A Folha de São Paulo. Mensagens apontam que Moro interferiu
em negociação de delações. 18.jul.2019, acessado no sítio eletrônico
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/07/mensagens-apontam-que-moro-
interferiu-em-negociacao-de-delacoes.shtml em 03.12.2021

THE INTERCEPT. Moro viola sempre o sistema acusatório. 29 de junho de 2019.


Disponível no sítio eletrônico https://theintercept.com/2019/06/29/chats-violacoes-moro-
credibilidade-bolsonaro/. Acesso em 04.12.2021.

THE INTERCEPT. Não é muito tempo sem operação?., 09 de junho de 2019.


Disponível no sítio eletrônico https://theintercept.com/2019/06/09/chat-moro-deltan-
telegram-lava-jato/. Acesso em 04 de dezembro de 2021.

ZANIN, Cristiano; MARTINS, Valeska; VALIM, Rafael. Lawfare: Uma Introdução.


Editora Contracorrente, 1ª Reimpressão, 2020, p. 21
Universidade Federal Fluminense
Faculdade de Direito – Coordenação do Curso de Graduação (SGD)
ATA DE DEFESA DE TRABALHO DE FIM DE CURSO

Em 06 de Janeiro de 2022, na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, reuniu-se a banca composta pelos
professores abaixo-assinados para examinar e avaliar a defesa oral do trabalho
Lawfare no Brasil: operação Lava-Jato e o caso Lula, do graduando Arthur Dias Rego Monteiro.

Ao final dos debates, foram concedidas as seguintes notas:

NOME LEGIVEL/SIAPE* ASSINATURA


Nota
10
Gladstone Leonel da Silva Júnior/1929464

Adriana Dias Vieira 10

Ozéas Correa Lopes Filho 10 OZEAS CORREA LOPES FILHO Assinado de forma digital por OZEAS CORREA
LOPES FILHO olopes@id.uff.br:61918644772
olopes@id.uff.br:61918644772 Dados: 2022.01.11 15:49:11 -03'00'

Média final 10

Com isso, o trabalho foi ( X ) APROVADO ( ) APROVADO COM RESTRIÇÕES (DISCRIMINA-LAS EM ANEXO) ( ) REPROVADO,
sendo este resultado também atestado pela seguinte assinatura do graduando.

_____________________________________________________________
Estudante avaliado
*campo obrigatório
**Considerando a Decisão Cepex 110/2020 e as atividades remotas, em decorrência da Pandemia da COVID 19, a presente ata se destina a
comprovação de resultado, mesmo diante da ausência das assinaturas da banca. O resultado foi verificado e confirmado pelo Orientador e
pela Coordenação de Curso.

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