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ORGANIZADO POR CP IURIS

RETA FINAL TJRJ


- E-BOOK UNIFICADO –
VOLUME II

1ª edição
Brasília
2023
SOBRE OS AUTORES

RODRIGO FRANCISCONI COSTA PARDAL. Professor de Direito Penal do Grancursos. Foi professor de
Direito Penal do LFG (2010/2011) e do Damásio Educacional (2011/2021). Especialista em Direito Penal pela
Escola Superior do Ministério Público e pela Universidade de Salamanca. Mestre e Doutorando em Direito
Penal pela PUC/SP.

MICHELLE TONON Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília - UnB (2005). Foi aprovada, ainda
durante a faculdade, no concurso para técnico judiciário do Superior Tribunal de Justiça. Atuou, de 2005 a
2007, como assessora de Subprocuradores-Gerais da República na PGR. Ingressou na Defensoria Pública do
Distrito Federal em 2008, com atuação predominante na área criminal e Tribunal do Júri. Possui pós-
graduação lato sensu em Direito, Estado e Constituição pela Jurplac/Faciplac (2009). É coautora das obras
"Série Defensoria Pública. Teses jurídicas dos Defensores Públicos do Distrito Federal. Direito Penal e
Processual Penal. Coordenação da ADEP-DF", "Manual de mediação judicial", "Estudos de arbitragem,
mediação e negociação. Volumes 2 e 3", "O novo Direito Administrativo brasileiro - o Estado, as agências e o
terceiro setor" e "O novo Direito Administrativo - o público e o privado em debate."

LAÍS MESQUITA GONDIM. Defensora Pública Federal aprovada no VI Concurso da DPU. Aprovada no II
Concurso para Defensor Público do Estado do Piauí (2022). Graduada na Universidade Federal do Ceará. Pós-
Graduada em Direito Penal e Processual Penal pelo Centro Universitário Unifitec.

FREITAS JR. Aprovado em 1º lugar no concurso público para Delegado de Polícia Substituto da Polícia Civil
do Estado de Goiás – PCGO. Aprovado em 2º lugar no concurso público para o cargo de Agente de Trânsito
do Departamento de Trânsito do Distrito Federal – DETRAN/DF. Aprovado em 2º lugar no concurso público
para o cargo de Agente Administrativo do Ministério do Esporte – ME. Aprovado no concurso público para
Analista Judiciário – Área Judiciária – do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT –, tendo
obtido a nota 39,80 dos 40 pontos possíveis na prova discursiva. Aprovado no concurso público para o cargo
de Técnico Administrativo da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. Aprovado no concurso
público para o cargo de Agente Administrativo do Ministério da Saúde – MS. Aprovado no concurso público
para o cargo de Assistente de Chancelaria do MRE do Ministério das Relações Exteriores. Aprovado no
concurso de admissão para a Escola Preparatória de Cadetes do Exército nos anos de 2005 e 2006

ALEXANDRE SALIM. Promotor de Justiça no Rio Grande do Sul. Foi Delegado de Polícia no Rio Grande do
Sul. Doutor em Direito pela Universidade de Roma Tre. Mestre em Direito pela Universidade do Oeste de
Santa Catarina (Unoesc). Especialista em Teoria Geral do Processo pela Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Professor de Direito Penal, Processo Penal e Legislação Penal Especial. Coautor das sinopses de Direito Penal
em três volumes da Editora Juspodivm.

Instagram: @profalexandresalim
SUMÁRIO
DIREITO PENAL PARTE GERAL ................................................................................................................... 17

LIÇÕES PRELIMINARES DE DIREITO PENAL ................................................................................................. 18

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 19
2. CRIMINOLOGIA E POLÍTICA CRIMINAL .................................................................................................................... 19
3. FUNÇÃO DO DIREITO PENAL ................................................................................................................................ 20
4. CLASSIFICAÇÕES DO DIREITO PENAL...................................................................................................................... 21
4.1. Direito Penal substantivo e Direito Penal adjetivo ............................................................................... 21
4.2. Direito Penal objetivo e Direito Penal subjetivo ................................................................................... 21
4.3. Direito Penal de emergência e Direito Penal simbólico ....................................................................... 22
4.4. Direito Penal promocional/político/demagogo ................................................................................... 22
4.5. Direito Penal de intervenção ................................................................................................................ 23
4.6. Direito Penal como proteção de contextos da vida em sociedade ...................................................... 23
4.7. Direito Penal garantista ....................................................................................................................... 23
4.8. Direito Penal secularizado .................................................................................................................... 24
4.9. Direito Penal subterrâneo e Direito Penal paralelo.............................................................................. 25
4.10. Direito Penal quântico ........................................................................................................................ 25
4.11. A escola de Kiel – Direito Penal da Alemanha nacional-socialista ..................................................... 26
4.12. O Direito Penal comunista .................................................................................................................. 26
5. PRIVATIZAÇÃO DO DIREITO PENAL ........................................................................................................................ 26
6. VELOCIDADES DO DIREITO PENAL ......................................................................................................................... 27
7. ESPIRITUALIZAÇÃO, DINAMIZAÇÃO OU DESMATERIALIZAÇÃO DO BEM JURÍDICO ............................................................. 27
8. GARANTISMO HIPERBÓLICO MONOCULAR .............................................................................................................. 28
9. ECOCÍDIO ........................................................................................................................................................ 28

EVOLUÇÃO HISTÓRICA .............................................................................................................................. 30

......................................................................................................................................................................... 30
1. PERÍODO DA VINGANÇA ..................................................................................................................................... 31
2. PERÍODO ILUMINISTA ......................................................................................................................................... 31
3. PERÍODO DAS ESCOLAS PENAIS ............................................................................................................................ 31
4. DIREITO PENAL BRASILEIRO ................................................................................................................................. 32

FONTES DO DIREITO PENAL ...................................................................................................................... 34

1. DOUTRINA CLÁSSICA .......................................................................................................................................... 35


2. DOUTRINA MODERNA ........................................................................................................................................ 35
3. COSTUME ........................................................................................................................................................ 36
4. CARACTERÍSTICAS DA LEI PENAL............................................................................................................................ 37
5. CLASSIFICAÇÃO DA LEI PENAL ............................................................................................................................... 37

INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL ................................................................................................................. 38

1. QUANTO À ORIGEM (OU AO SUJEITO QUE INTERPRETA) ............................................................................................ 39


2. QUANTO AO MODO ........................................................................................................................................... 39
3. QUANTO AO RESULTADO .................................................................................................................................... 39
4. FORMAS DE INTERPRETAR A LEI PENAL ................................................................................................................... 40
4.1. Interpretação extensiva........................................................................................................................ 40
4.2. Interpretação analógica ....................................................................................................................... 41
5. ANALOGIA ....................................................................................................................................................... 41

TEORIA GERAL DA NORMA PENAL ............................................................................................................ 42

1. PRINCÍPIO DA EXCLUSIVA PROTEÇÃO DE BENS JURÍDICOS ........................................................................................... 43

4
2. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA .................................................................................................................... 43
3. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA ............................................................................................................................ 43
4. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL ....................................................................................................................... 47
5. PRINCÍPIO DA EXTERIORIZAÇÃO OU DA MATERIALIZAÇÃO DO FATO .............................................................................. 47
6. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE .................................................................................................................................. 47
7. PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE OU LESIVIDADE .......................................................................................................... 49
7.1. Princípio da alteridade ......................................................................................................................... 50
8. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL ............................................................................................................ 50
9. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA .......................................................................................................... 51
10. PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE ............................................................................................................................ 51
11. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (NÃO CULPABILIDADE) .............................................................................. 51
12. PRINCÍPIO DA PESSOALIDADE ............................................................................................................................. 52
13. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO BIS IN IDEM ............................................................................................................... 52
14. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA ................................................................................................................................. 53

EFICÁCIA DA LEI PENAL NO TEMPO ........................................................................................................... 54

......................................................................................................................................................................... 54
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 55
2. TEMPO DO CRIME ............................................................................................................................................. 55
3. SUCESSÃO DE LEIS PENAIS ................................................................................................................................... 55
3.1. Novatio legis incriminadora ................................................................................................................. 55
3.2. Novatio legis in pejus............................................................................................................................ 55
3.3. Abolitio criminis .................................................................................................................................... 56
3.4. Novatio legis in mellius ......................................................................................................................... 56
3.5. Lei penal benéfica em período de vacatio legis.................................................................................... 56
3.6. Combinação de leis penais (lex tertia) ................................................................................................. 57
3.7. Continuidade típico-normativa ............................................................................................................ 57
3.8. Leis temporárias e excepcionais ........................................................................................................... 57
3.9. Retroatividade da jurisprudência ......................................................................................................... 58
3.10. Retroatividade da lei penal no caso de norma penal em branco ....................................................... 58
3.11. Lei intermediária mais benéfica ......................................................................................................... 59

LEI PENAL NO ESPAÇO .............................................................................................................................. 60

1. INTRODUÇÃO E PRINCÍPIOS ................................................................................................................................. 61


2. TEORIAS DA LEI PENAL NO ESPAÇO ........................................................................................................................ 61
3. TERRITÓRIO NACIONAL ....................................................................................................................................... 61
4. EMBAIXADAS .................................................................................................................................................... 62
5. PASSAGEM INOCENTE ........................................................................................................................................ 62
6. LUGAR DO CRIME .............................................................................................................................................. 62
7. EXTRATERRITORIALIDADE .................................................................................................................................... 63
7.1. Extraterritorialidade incondicionada ................................................................................................... 63
7.2. Extraterritorialidade condicionada ...................................................................................................... 63
7.3. Extraterritorialidade hipercondicionada .............................................................................................. 64
8. COMPETÊNCIA PARA EXTRATERRITORIALIDADE ........................................................................................................ 64
9. PENA CUMPRIDA NO ESTRANGEIRO....................................................................................................................... 65

EFICÁCIA DO DIREITO PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS ............................................................................ 66

1. IMUNIDADE DIPLOMÁTICA .................................................................................................................................. 67


2. AGENTE CONSULAR ........................................................................................................................................... 67
3. IMUNIDADES PARLAMENTARES ............................................................................................................................ 67
3.1. Imunidades absolutas (substancial, material ou indenidade) ............................................................. 68
3.2. Imunidades relativas (formal ou processual) ....................................................................................... 68

5
3.3. Parlamentar licenciado ........................................................................................................................ 71
3.4. Imunidades dos deputados estaduais .................................................................................................. 71
3.5. Imunidades dos vereadores .................................................................................................................. 71

DISPOSIÇÕES GERAIS ................................................................................................................................ 72

1. EFICÁCIA DA SENTENÇA ESTRANGEIRA ................................................................................................................... 73


2. CONTAGEM DE PRAZO ........................................................................................................................................ 73
3. FRAÇÕES NÃO COMPUTÁVEIS DA PENA .................................................................................................................. 73
4. CONFLITO APARENTE DE NORMAS ........................................................................................................................ 73

TEORIA GERAL DO CRIME: INTRODUÇÃO .................................................................................................. 76

1. CONCEITO DE INFRAÇÃO PENAL ............................................................................................................................ 77


2. DIFERENÇA ENTRE CRIME E CONTRAVENÇÃO ........................................................................................................... 77
3. SUJEITO ATIVO DO CRIME .................................................................................................................................... 78
3.1. Responsabilização penal da pessoa jurídica ........................................................................................ 78
3.2. Responsabilização penal da pessoa jurídica dissolvida ........................................................................ 79
3.3. Responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público ........................................................... 79
3.4. Crime comum, crime próprio e crime de mão própria ......................................................................... 80
4. SUJEITO PASSIVO DO CRIME................................................................................................................................. 80
4.1. Espécies de sujeito passivo ................................................................................................................... 80
4.2. Classificação do sujeito passivo............................................................................................................ 81
4.3. Crime contra o morto ........................................................................................................................... 81
4.4. Simultaneidade de sujeição ativa e passiva ......................................................................................... 81
5. OBJETO JURÍDICO DO CRIME E OBJETO MATERIAL..................................................................................................... 81
5.1. Objeto material .................................................................................................................................... 81
5.2. Objeto jurídico ...................................................................................................................................... 82
6. CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES ................................................................................................................................ 82
7. SUBSTRATOS DO CRIME ...................................................................................................................................... 90

TEORIA GERAL DO CRIME: FATO TÍPICO .................................................................................................... 91

......................................................................................................................................................................... 91
1. CONCEITO E ELEMENTOS DO FATO TÍPICO............................................................................................................... 92
2. CONDUTA ........................................................................................................................................................ 92
2.1. Teorias da conduta ............................................................................................................................... 92
2.2. Elementos da conduta .......................................................................................................................... 98
2.3. Causas de exclusão da conduta ............................................................................................................ 99
2.4. Formas de conduta ............................................................................................................................... 99
2.5. Erros de tipo ....................................................................................................................................... 105
2.6. Classificação dos crimes quanto ao modo de execução..................................................................... 109
3. RESULTADO ................................................................................................................................................... 111
4. NEXO CAUSAL................................................................................................................................................. 111
4.1. Conceito e teorias ............................................................................................................................... 111
4.2. Concausas ........................................................................................................................................... 112
4.3. Teoria da imputação objetiva ............................................................................................................ 114
4.4. Causalidade nos crimes omissivos ...................................................................................................... 116
5. TIPICIDADE PENAL ........................................................................................................................................... 117
5.1. Tipicidade formal ................................................................................................................................ 117
5.2. Elementos do tipo penal ..................................................................................................................... 118
5.3. Tipo penal congruente e incongruente .............................................................................................. 118
5.4. Tipo simples e tipo misto .................................................................................................................... 118

TEORIA GERAL DO CRIME: ILICITUDE ....................................................................................................... 120

6
1. CONCEITO ..................................................................................................................................................... 121
2. TEORIAS QUE EXPLICAM A RELAÇÃO ENTRE FATO TÍPICO E ILICITUDE .......................................................................... 121
3. CAUSAS EXCLUDENTES DA ILICITUDE (DESCRIMINANTES OU JUSTIFICANTES) .......................................................... 122
3.1. Estado de necessidade ....................................................................................................................... 122
3.2. Legítima defesa .................................................................................................................................. 124
3.3. Estrito cumprimento do dever legal ................................................................................................... 127
3.4. Exercício regular de um direito........................................................................................................... 128
3.5. Ofendículos ......................................................................................................................................... 128
3.6. Causas supralegais de exclusão da ilicitude ....................................................................................... 128
3.7. Excesso não justificante ..................................................................................................................... 130
3.8. Descriminante putativa ...................................................................................................................... 130

TEORIA GERAL DO CRIME: CULPABILIDADE ............................................................................................. 133

....................................................................................................................................................................... 133
1. CONCEITO ..................................................................................................................................................... 134
2. TEORIAS DA CULPABILIDADE .............................................................................................................................. 134
2.1. Teoria psicológica da culpabilidade ................................................................................................... 134
2.2. Teoria psicológica-normativa ............................................................................................................. 134
2.3. Teoria normativa pura (extremada) ................................................................................................... 134
3. COCULPABILIDADE ........................................................................................................................................... 135
4. COCULPABILIDADE ÀS AVESSAS .......................................................................................................................... 135
5. CULPABILIDADE DO AUTOR OU CULPABILIDADE DO FATO ......................................................................................... 136
6. ELEMENTOS DA CULPABILIDADE ......................................................................................................................... 136
6.1. Imputabilidade ................................................................................................................................... 136
6.2. Potencial consciência da ilicitude ....................................................................................................... 140
6.3. Exigibilidade de conduta diversa ........................................................................................................ 141

TEORIA GERAL DO CRIME: PUNIBILIDADE ............................................................................................... 143

....................................................................................................................................................................... 143
1. CONCEITO ..................................................................................................................................................... 144
2. CAUSAS EXTINTIVAS DA PUNIBILIDADE ................................................................................................................. 144
2.1. Morte do agente................................................................................................................................. 145
2.2. Anistia, graça e indulto....................................................................................................................... 145
2.3. Abolitio criminis .................................................................................................................................. 146
2.4. Decadência ......................................................................................................................................... 147
2.5. Perempção .......................................................................................................................................... 147
2.6. Prescrição ........................................................................................................................................... 148
2.7. Renúncia ao direito de agir ................................................................................................................ 155
2.8. Perdão do ofendido ............................................................................................................................ 156
2.9. Retratação do agressor ...................................................................................................................... 156
2.10. Perdão judicial .................................................................................................................................. 157

TEORIA GERAL DO CRIME: CONCURSO DE PESSOAS ................................................................................ 158

1. CONCEITO ..................................................................................................................................................... 159


2. REQUISITOS ................................................................................................................................................... 159
3. TEORIAS ........................................................................................................................................................ 159
4. FORMAS DE PRATICAR O CRIME QUANTO AO SUJEITO ............................................................................................. 160
4.1. Autoria (animus auctoris) ................................................................................................................... 160
4.2. Autoria mediata ................................................................................................................................. 161
4.3. Autoria colateral................................................................................................................................. 161
4.4. Multidão delinquente ......................................................................................................................... 162
5. COAUTORIA ................................................................................................................................................... 162

7
6. PARTICIPAÇÃO (ANIMUS SOCCI) ......................................................................................................................... 163
6.1. Espécies de partícipe .......................................................................................................................... 163
6.2. Teorias da punição do partícipe ......................................................................................................... 163
6.3. Participação em cadeia e participação sucessiva .............................................................................. 164
7. CONCURSO DE PESSOAS EM CRIMES CULPOSOS ..................................................................................................... 164
8. CONCURSO DE PESSOAS EM CRIMES OMISSIVOS .................................................................................................... 164
9. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA ............................................................................................................. 165
10. PARTICIPAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA (DESVIO SUBJETIVO) ................................................................................ 165
11. COMUNICABILIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS, CONDIÇÕES E ELEMENTARES ................................................................. 165
12. PARTICIPAÇÃO IMPUNÍVEL .............................................................................................................................. 166

TEORIA GERAL DA PENA: CONCEITOS E FUNDAMENTOS.......................................................................... 167

....................................................................................................................................................................... 167
1. CONCEITOS E FUNDAMENTOS ............................................................................................................................ 168
2. FINALIDADES (OU FUNÇÕES) DA PENA ................................................................................................................. 168
2.1. Teorias da pena .................................................................................................................................. 168
3. FINALIDADE DA PENA NO BRASIL ........................................................................................................................ 170
4. JUSTIÇA RESTAURATIVA .................................................................................................................................... 170
5. PRINCÍPIOS INFORMADORES DA PENA.................................................................................................................. 170
6. PENAS PROIBIDAS NO BRASIL............................................................................................................................. 171
6.1. Pena de morte .................................................................................................................................... 171
6.2. Pena de caráter perpétuo................................................................................................................... 171
6.3. Pena de trabalhos forçados ................................................................................................................ 172
6.4. Pena de banimento ............................................................................................................................ 172
6.5. Penas cruéis ........................................................................................................................................ 172
7. PENAS PERMITIDAS NO BRASIL........................................................................................................................... 172
7.1. Privação da liberdade ......................................................................................................................... 173
7.2. Restritivas de direito........................................................................................................................... 173
7.3. Pena de multa..................................................................................................................................... 173

TEORIA GERAL DA PENA: APLICAÇÃO DA PENA ....................................................................................... 174

....................................................................................................................................................................... 174
1. FIXAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ......................................................................................................... 175
1.1. Conceito .............................................................................................................................................. 175
1.2. Sistema trifásico (Sistema Nélson Hungria) ....................................................................................... 175
1.3. Regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade ........................................................ 191
1.4. Espécies de pena privativa de liberdade ............................................................................................ 194
1.5. Fixação do regime inicial de cumprimento de pena e detração ........................................................ 195
1.6. Penas e medidas alternativas à prisão ............................................................................................... 196
1.7. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA ................................................................................................................. 205
1.8. Livramento condicional ...................................................................................................................... 210

DIREITO PENAL ....................................................................................................................................... 214

PARTE ESPECIAL...................................................................................................................................... 214

DOS CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ........................................................................... 215

1. ARTIGO 197: ATENTADO CONTRA A LIBERDADE DE TRABALHO ............................................................................... 216


2. ARTIGO 198: ATENTADO CONTRA A LIBERDADE DE CONTRATO DE TRABALHO E BOICOTAGEM VIOLENTA ....................... 216
3. ARTIGO 199: ATENTADO CONTRA A LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO............................................................................. 217
4. ARTIGO 200: PARALISAÇÃO DE TRABALHO, SEGUIDA DE VIOLÊNCIA OU PERTURBAÇÃO DA ORDEM ............................... 217
5. ARTIGO 201: PARALISAÇÃO DE TRABALHO DE INTERESSE COLETIVO ......................................................................... 217
6. ARTIGO 202: INVASÃO DE ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL, COMERCIAL OU AGRÍCOLA. SABOTAGEM ............................. 218

8
7. ARTIGO 203: FRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO POR LEI TRABALHISTA ............................................................. 218
8. ARTIGO 204: FRUSTRAÇÃO DE LEI SOBRE A NACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO ............................................................ 219
9. ARTIGO 205: EXERCÍCIO DE ATIVIDADE COM INFRAÇÃO DE DECISÃO ADMINISTRATIVA ................................................ 219
10. ARTIGO 206: ALICIAMENTO PARA O FIM DE EMIGRAÇÃO ..................................................................................... 219
11. ARTIGO 207: ALICIAMENTO DE TRABALHADORES DE UM LOCAL PARA OUTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL ..................... 220

DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS ......................... 221

1. ARTIGO 208: ULTRAJE A CULTO E IMPEDIMENTO OU PERTURBAÇÃO DE ATO A ELE RELATIVO ......................................... 222
2. ARTIGO 209: IMPEDIMENTO OU PERTURBAÇÃO DE CERIMÔNIA FUNERÁRIA ............................................................... 222
3. ARTIGO 210: VIOLAÇÃO DE SEPULTURA .............................................................................................................. 222
4. ARTIGO 211: DESTRUIÇÃO, SUBTRAÇÃO OU OCULTAÇÃO DE CADÁVER ...................................................................... 223
5. ARTIGO 212: VILIPÊNDIO A CADÁVER ................................................................................................................. 223

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL ...................... 224

1. ARTIGO 213: ESTUPRO .................................................................................................................................... 225


2. ARTIGO 214: ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR .................................................................................................... 226
3. ARTIGO 215: VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE ............................................................................................. 226
4. ARTIGO 215-A: IMPORTUNAÇÃO SEXUAL ............................................................................................................ 227
5. ARTIGO 216: ATENTADO AO PUDOR MEDIANTE FRAUDE ........................................................................................ 228
6. ARTIGO 216-A: ASSÉDIO SEXUAL ...................................................................................................................... 228

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: DA EXPOSIÇÃO DA INTIMIDADE SEXUAL ............................ 230

....................................................................................................................................................................... 230
1. ARTIGO 216-B: REGISTRO NÃO AUTORIZADO DA INTIMIDADE SEXUAL ...................................................................... 231

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL ..................... 233

1. ARTIGO 217: SEDUÇÃO ................................................................................................................................... 234


2. ARTIGO 217-A: ESTUPRO DE VULNERÁVEL .......................................................................................................... 234
3. ARTIGO 218: CORRUPÇÃO DE MENORES ............................................................................................................. 236
4. ARTIGO 218-A: SATISFAÇÃO DE LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE ..................................... 236
5. ARTIGO 218-B: FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU DE OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇA OU
ADOLESCENTE OU DE VULNERÁVEL ........................................................................................................................................ 237
6. ARTIGO 218-C: DIVULGAÇÃO DE CENA DE ESTUPRO E DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL, DE SEXO OU PORNOGRAFIA .............. 239
DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: DO RAPTO ......................................................................... 241

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: DISPOSIÇÕES GERAIS ......................................................... 242

1. ARTIGO 225: AÇÃO PENAL ............................................................................................................................... 243


2. ARTIGO 226: AUMENTO DE PENA ...................................................................................................................... 243

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: DO LENOCÍNIO E DO TRÁFICO DE PESSOA PARA O FIM DE
PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL ............................................................................... 246

....................................................................................................................................................................... 246
1. ARTIGO 227: MEDIAÇÃO PARA SERVIR A LASCÍVIA DE OUTREM ................................................................................ 247
2. ARTIGO 228: FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL ..................................... 248
3. ARTIGO 229: CASA DE PROSTITUIÇÃO ................................................................................................................. 249
4. ARTIGO 230: RUFIANISMO ............................................................................................................................... 250
5. ARTIGOS 231 E 231-A: TRÁFICO INTERNACIONAL E INTERNO PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL ................................... 251
6. ARTIGO 232-A: PROMOÇÃO DE MIGRAÇÃO ILEGAL ............................................................................................... 251

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: DO ULTRAJE PÚBLICO AO PUDOR ...................................... 253

....................................................................................................................................................................... 253
1. ARTIGO 233: ATO OBSCENO ............................................................................................................................. 254

9
2. ARTIGO 234: ESCRITO OU OBJETO OBSCENO ........................................................................................................ 254

DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ................................................................................ 256

DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: DOS CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL ............................................................................................................... 259

....................................................................................................................................................................... 259
1. ARTIGO 312: PECULATO .................................................................................................................................. 260
2. ARTIGO 313: PECULATO MEDIANTE ERRO DE OUTREM ........................................................................................... 262
3. ARTIGO 313-A: INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES ............................................................. 262
4. ARTIGO 313-B: MODIFICAÇÃO OU ALTERAÇÃO NÃO AUTORIZADA DE SISTEMA DE INFORMAÇÕES .................................. 263
5. ARTIGO 314: EXTRAVIO, SONEGAÇÃO OU INUTILIZAÇÃO DE LIVRO OU DOCUMENTO .................................................... 263
6. ARTIGO 315: EMPREGO IRREGULAR DE VERBAS OU RENDAS PÚBLICAS ...................................................................... 264
7. ARTIGO 316: CONCUSSÃO ............................................................................................................................... 264
8. ARTIGO 316, § 1º: EXCESSO DE EXAÇÃO ............................................................................................................. 265
9. ARTIGO 317: CORRUPÇÃO PASSIVA.................................................................................................................... 266
10. ARTIGO 318: FACILITAÇÃO DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO ........................................................................... 268
11. ARTIGO 319: PREVARICAÇÃO.......................................................................................................................... 268
12. ARTIGO 319-A: PREVARICAÇÃO IMPRÓPRIA OU NOS PRESÍDIOS............................................................................. 268
13. ARTIGO 320: CONDESCENDÊNCIA CRIMINOSA .................................................................................................... 269
14. ARTIGO 321: ADVOCACIA ADMINISTRATIVA....................................................................................................... 269
15. ARTIGO 322: VIOLÊNCIA ARBITRÁRIA ............................................................................................................... 270
16. ARTIGO 323: ABANDONO DE FUNÇÃO .............................................................................................................. 270
17. ARTIGO 324: EXERCÍCIO FUNCIONAL ILEGALMENTE ANTECIPADO OU PROLONGADO .................................................. 271
18. ARTIGO 325: VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL................................................................................................... 271
19. ARTIGO 326: VIOLAÇÃO DO SIGILO DE PROPOSTA DE CONCORRÊNCIA ..................................................................... 272
20. ARTIGO 327: CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA OS EFEITOS PENAIS ........................................................... 272

DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A
ADMINISTRAÇÃO EM GERAL ................................................................................................................................ 273

1. ARTIGO 328: USURPAÇÃO DE FUNÇÃO PÚBLICA ................................................................................................... 274


2. ARTIGO 329: RESISTÊNCIA ............................................................................................................................... 274
3. ARTIGO 330: DESOBEDIÊNCIA ........................................................................................................................... 275
4. ARTIGO 331: DESACATO .................................................................................................................................. 275
5. ARTIGO 332: TRÁFICO DE INFLUÊNCIA ................................................................................................................ 276
6. ARTIGO 333: CORRUPÇÃO ATIVA ....................................................................................................................... 276
7. ARTIGO 334: DESCAMINHO.............................................................................................................................. 277
8. ARTIGO 334-A: CONTRABANDO........................................................................................................................ 279
9. ARTIGO 335: IMPEDIMENTO, PERTURBAÇÃO OU FRAUDE DE CONCORRÊNCIA ............................................................. 280
10. ARTIGO 336: INUTILIZAÇÃO DE EDITAL OU DE SINAL ............................................................................................ 281
11. ARTIGO 337: SUBTRAÇÃO OU INUTILIZAÇÃO DE LIVRO OU DOCUMENTO ................................................................. 281
12. ARTIGO 337-A: SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA .......................................................................... 281

DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTRANGEIRA ............................................................................................................ 283

1. ARTIGO 337-B: CORRUPÇÃO ATIVA EM TRANSAÇÃO COMERCIAL INTERNACIONAL ....................................................... 284


2. ARTIGO 337-C: TRÁFICO DE INFLUÊNCIA EM TRANSAÇÃO COMERCIAL INTERNACIONAL ................................................ 284

DIREITO PROCESSUAL PENAL .................................................................................................................. 286

PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL ........................................................................................................... 287

1. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU DA NÃO CULPABILIDADE .................................................. 288


2. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO................................................................................................................. 293

10
3. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA .................................................................................................................... 295
4. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE ....................................................................................................................... 299
5. PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE ............................................................................................................ 300
6. PRINCÍPIO DO JUIZ, DO PROMOTOR E DO DEFENSOR NATURAIS ............................................................... 301
7. PRINCÍPIO DO NEMO TENETUR SE DETEGERE ............................................................................................ 303
8. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE......................................................................................................... 307
8.1. Princípio da proporcionalidade e sua relação com a prova ilícita ..................................................... 308
9. PRINCÍPIO DA AQUISIÇÃO OU COMUNHÃO DA PROVA ............................................................................. 309
10. PRINCÍPIO DA ORALIDADE ........................................................................................................................ 309
11. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO................................................................................ 310
12. PRINCÍPIO DA LIBERDADE PROBATÓRIA................................................................................................... 310
13. PRINCÍPIO DO FAVOR REI ......................................................................................................................... 311

AÇÃO PENAL........................................................................................................................................... 314

1. DIREITO DE AÇÃO PENAL ............................................................................................................................ 315


2. CONDIÇÕES DA AÇÃO PENAL ..................................................................................................................... 315
2.1. Condições genéricas da ação penal ................................................................................................... 316
2.1.1. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO ............................................................................................................. 316
2.1.2. LEGITIMIDADE PARA AGIR OU LEGITIMATIO AD CAUSAM ................................................................................... 317
2.1.3. INTERESSE DE AGIR .................................................................................................................................... 319
2.1.4. JUSTA CAUSA............................................................................................................................................ 320
2.2. Condições específicas ou de procedibilidade da ação penal .............................................................. 320
2.3. Condições de prosseguibilidade .......................................................................................................... 321
2.4. Condições objetivas de punibilidade e escusas absolutórias .............................................................. 322
3. CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES PENAIS ........................................................................................................... 322
3.1. Ação penal de conhecimento ............................................................................................................. 323
3.1.1. AÇÃO PENAL DE CONHECIMENTO CONDENATÓRIA ........................................................................................... 323
3.1.2. AÇÃO PENAL DE CONHECIMENTO CONSTITUTIVA ............................................................................................. 323
3.1.3. AÇÃO PENAL DE CONHECIMENTO DECLARATÓRIA ............................................................................................. 323
3.2. Ação penal cautelar ............................................................................................................................ 324
3.3. Ação de execução no processo penal ................................................................................................. 324
4. PRINCÍPIOS DA AÇÃO PENAL ...................................................................................................................... 325
4.1. Princípio do ne procedat iudex ex officio ............................................................................................ 325
4.2. Princípio do ne bis in idem .................................................................................................................. 325
4.3. Princípio da intranscendência............................................................................................................. 326
4.4. Princípio da oficialidade ..................................................................................................................... 326
4.5. Princípio da oficiosidade ..................................................................................................................... 326
5. PRINCÍPIOS DA AÇÃO PENAL PÚBLICA ........................................................................................................ 326
5.1. Princípio da obrigatoriedade ou legalidade processual ..................................................................... 326
5.2. Princípio da indisponibilidade ou indesistibilidade ............................................................................. 327
5.3. Princípio da divisibilidade ................................................................................................................... 328
6. PRINCÍPIOS DA AÇÃO PENAL PRIVADA ....................................................................................................... 328
6.1. Princípio da oportunidade ou conveniência ....................................................................................... 328
6.2. Princípio da disponibilidade ................................................................................................................ 329
6.3. Princípio da indivisibilidade ................................................................................................................ 329
7. QUADRO RESUMO DOS PRINCÍPIOS ..................................................................................................................... 330
8. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA .................................................................................................. 330
9. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA ..................................................................................................... 331
9.1. Representação .................................................................................................................................... 331
9.2. Requisição do Ministro da Justiça ...................................................................................................... 334
10. AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA ...................................................................................................... 334
10.1. Ação penal exclusivamente privada ................................................................................................. 334

11
10.2. Ação penal privada personalíssima .................................................................................................. 335
11. AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA .................................................................................... 335
12. HIPÓTESES DE EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE NA AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA ........................... 336
12.1. Decadência ....................................................................................................................................... 337
12.2. Renúncia ........................................................................................................................................... 337
12.3. Perdão .............................................................................................................................................. 338
12.4. Perempção........................................................................................................................................ 338
13. OUTRAS HIPÓTESES DE AÇÃO PENAL ....................................................................................................... 339
13.1. Ação penal popular........................................................................................................................... 339
13.2. Ação penal adesiva ........................................................................................................................... 339
13.3. Ação de prevenção penal ................................................................................................................. 340
13.4. Ação penal sem demanda, ação penal de ofício (ex officio) ou jurisdição sem ação ............. 340
13.5. Ação penal secundária ..................................................................................................................... 340
14. PEÇA ACUSATÓRIA ................................................................................................................................... 340
14.1. Requisitos ......................................................................................................................................... 341
14.1.1. REDAÇÃO EM VERNÁCULO ........................................................................................................................ 341
14.1.2. ENDEREÇAMENTO ................................................................................................................................... 341
14.1.3. QUALIFICAÇÃO DO ACUSADO..................................................................................................................... 341
14.1.4. EXPOSIÇÃO DO FATO DELITUOSO COM TODAS AS SUAS CIRCUNSTÂNCIAS ............................................................ 341
14.1.5. CLASSIFICAÇÃO DO CRIME ........................................................................................................................ 343
14.1.6. RAZÕES DE CONVICÇÃO OU PRESUNÇÃO DE DELINQUÊNCIA ............................................................................. 343
14.1.7. ROL DE TESTEMUNHAS ............................................................................................................................. 343
14.1.8. SUBSCRIÇÃO PELO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO OU ADVOGADO DO QUERELANTE ....................................... 344
14.1.9. PROCURAÇÃO ........................................................................................................................................ 344
14.1.10. RECOLHIMENTO DE CUSTAS NA QUEIXA-CRIME............................................................................................ 344
14.2. Prazo para oferecimento .................................................................................................................. 345
14.3. Acusação genérica x acusação geral ................................................................................................ 346
14.4. Cumulação de imputação ................................................................................................................. 346
14.5. Imputação alternativa ...................................................................................................................... 347
14.6. Aditamento da denúncia .................................................................................................................. 347
15. DISPOSITIVOS LEGAIS RELACIONADOS AO CAPÍTULO .............................................................................. 348

DA JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA (ARTS. 69 A 91, CPP) ............................................................................ 352

1. JURISDIÇÃO ................................................................................................................................................ 353


1.1. Características da jurisdição ............................................................................................................... 353
1.1.1. SUBSTITUTIVIDADE .................................................................................................................................... 353
1.1.2. INÉRCIA ................................................................................................................................................... 353
1.1.3. LIDE ....................................................................................................................................................... 353
1.1.4. ATUAÇÃO DO DIREITO ................................................................................................................................ 354
1.1.5. IMUTABILIDADE ........................................................................................................................................ 354
1.2. Princípios gerais da jurisdição ............................................................................................................ 354
1.2.1. JUIZ NATURAL .......................................................................................................................................... 354
1.2.2. INVESTIDURA............................................................................................................................................ 354
1.2.3. INDECLINABILIDADE ................................................................................................................................... 354
1.2.4. INAFASTABILIDADE .................................................................................................................................... 355
1.2.5. IMPRORROGABILIDADE ............................................................................................................................... 355
1.2.6. INDELEGABILIDADE .................................................................................................................................... 355
1.2.7. IRRECUSABILIDADE (OU INEVITABILIDADE) ...................................................................................................... 355
1.2.8. UNIDADE ................................................................................................................................................. 355
1.2.9. CORRELAÇÃO ........................................................................................................................................... 356
2. COMPETÊNCIA ........................................................................................................................................... 356
2.1. ESPÉCIES DE COMPETÊNCIA ............................................................................................................... 356

12
2.1.1. COMPETÊNCIA ABSOLUTA E COMPETÊNCIA RELATIVA ........................................................................................ 357
3. FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA CRIMINAL ...................................................................................................... 361
1.1. Justiça Militar ..................................................................................................................................... 362
1.1.1. DIFERENÇAS ENTRE A JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO E A JUSTIÇA MILITAR DOS ESTADOS ........................................... 362
3.1.2. LEI Nº 13.491/17 .................................................................................................................................... 366
3.2. Justiça Eleitoral ................................................................................................................................... 371
3.2.1. CONEXÃO ENTRE CRIME COMUM E CRIME ELEITORAL ....................................................................................... 372
3.2.2. CONEXÃO ENTRE CRIME MILITAR E CRIME ELEITORAL ........................................................................................ 373
3.2.3. CONEXÃO ENTRE CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA E CRIME ELEITORAL .................................................................. 373
3.2. Justiça do Trabalho ............................................................................................................................. 373
3.4. Justiça Federal .................................................................................................................................... 374
3.4.1. COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS........................................................................................ 374
3.4.2. COMPETÊNCIA DOS JUÍZES FEDERAIS ............................................................................................................. 374
3.5. Foro por prerrogativa de função ........................................................................................................ 386
3.5.1. INFRAÇÃO PENAL COMETIDA DURANTE O EXERCÍCIO DO CARGO (REGRA DA CONTEMPORANEIDADE) ......................... 386
3.5.2. INFRAÇÃO PENAL RELACIONADA COM O EXERCÍCIO FUNCIONAL........................................................................... 387
3.5.3. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO.......................................................... 389
3.5.4. CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA ................................................................................................................ 389
3.5.5. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO E LOCAL DA INFRAÇÃO ............................................................................ 390
3.5.6. EXCEÇÃO DA VERDADE ............................................................................................................................... 391
3.6. Competência de foro e competência de juízo ..................................................................................... 391
3.6.1. LUGAR DA INFRAÇÃO ................................................................................................................................. 392
3.6.2. DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA PELO DOMICÍLIO OU PELA RESIDÊNCIA DO RÉU .................................................. 395
3.6.3. FORO DE DOMICÍLIO DA VÍTIMA ................................................................................................................... 396
3.6.4. NATUREZA DA INFRAÇÃO PENAL ................................................................................................................... 397
3.6.5. COMPETÊNCIA POR DISTRIBUIÇÃO ................................................................................................................ 398
3.6.6. COMPETÊNCIA POR PREVENÇÃO ................................................................................................................... 399
3.6.7. MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA (CONEXÃO E CONTINÊNCIA) ............................................................................ 401
3.6.8. CRIMES COMETIDOS FORA DO TERRITÓRIO BRASILEIRO ..................................................................................... 413
4. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................ 414
4.1. Supremo Tribunal Federal .................................................................................................................. 414
4.2. Superior Tribunal de Justiça................................................................................................................ 415

DAS PROVAS (ARTS. 155 A 250, CPP) ....................................................................................................... 417

1. INTRODUÇÃO E TEORIA GERAL DA PROVA (ART. 155 A 157, CPP).............................................................. 418


1.1. Princípios aplicáveis ............................................................................................................................ 418
1.1.1. CONTRADITÓRIO ....................................................................................................................................... 418
1.1.2. IMEDIATIDADE .......................................................................................................................................... 418
1.1.3. CONCENTRAÇÃO ....................................................................................................................................... 418
1.1.4. COMUNHÃO ............................................................................................................................................ 419
1.2. Sistema de valoração da prova adotado pelo CPP ............................................................................. 419
1.3. Elementos de informação produzidos na investigação policial .......................................................... 419
1.4. Estado civil das pessoas ...................................................................................................................... 421
1.5. Ônus probatório ................................................................................................................................. 422
1.6. Iniciativa probatória do juiz ................................................................................................................ 422
1.7. Inadmissibilidade das provas ilegais .................................................................................................. 423
1.7.1. ILICITUDE POR DERIVAÇÃO (TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA) ......................................................... 423
2. PROVAS EM ESPÉCIE ................................................................................................................................... 426
2.1. Do exame de corpo de delito, da cadeia de custódia e das perícias em geral (arts.158 a 184, CPP)
................................................................................................................................................................................. 426
2.1.1. INTRODUÇÃO, CONCEITO, INFRAÇÕES QUE O EXIGEM, ESPÉCIES E LOCAL/HORÁRIO DE REALIZAÇÃO ......................... 426
2.1.2. PRIORIDADE NA REALIZAÇÃO DO EXAME DE CORPO DE DELITO ............................................................................ 428

13
2.1.3. NÚMERO DE PERITOS ................................................................................................................................. 428
2.1.4. AUSÊNCIA DO EXAME DE CORPO DE DELITO .................................................................................................... 428
2.1.5. DIVERGÊNCIA ENTRE OS PERITOS .................................................................................................................. 429
2.1.6. NÃO ADSTRIÇÃO AO LAUDO ........................................................................................................................ 429
2.1.7. POSSIBILIDADE DE RECUSA À REALIZAÇÃO DE PERÍCIA ........................................................................................ 429
2.1.8. EXAME PERICIAL POR CARTA PRECATÓRIA ....................................................................................................... 430
2.1.9. ASSISTENTE TÉCNICO.................................................................................................................................. 430
2.1.10. ESCLARECIMENTOS PERICIAIS E FORMULAÇÃO DE QUESITOS ............................................................................. 431
2.1.11. CADEIA DE CUSTÓDIA ............................................................................................................................... 431
2.2. Interrogatório do réu (arts. 185 a 196, CPP) ...................................................................................... 433
2.2.1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 433
2.2.2. NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO POR ADVOGADO .................................................................................... 433
2.2.3. FASES DO INTERROGATÓRIO ........................................................................................................................ 433
2.2.4. ADVERTÊNCIA QUANTO AO DIREITO AO SILÊNCIO ............................................................................................. 434
2.2.5. MOMENTO PARA A REALIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO ..................................................................................... 434
2.2.6. FACULDADE DE PERGUNTAS PELA ACUSAÇÃO E DEFESA ..................................................................................... 435
2.2.7. INTERROGATÓRIO DE CORRÉUS .................................................................................................................... 435
2.2.8. INTERROGATÓRIO DO RÉU PRESO.................................................................................................................. 436
2.2.9. ORALIDADE DO INTERROGATÓRIO................................................................................................................. 436
2.2.10. DESIGNAÇÃO DE INTÉRPRETE ..................................................................................................................... 437
2.3. Confissão (arts. 197 a 200, CPP) ......................................................................................................... 437
2.3.1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 437
2.3.2. CARACTERÍSTICAS DA CONFISSÃO ................................................................................................................. 437
2.3.3. ESPÉCIES DE CONFISSÃO ............................................................................................................................. 437
2.4. Declarações do ofendido (art. 201, CPP) ............................................................................................ 438
2.5. Testemunhas (arts. 202 a 225, CPP) ................................................................................................... 439
2.5.1. INTRODUÇÃO E CAPACIDADE PARA SER TESTEMUNHA ....................................................................................... 439
2.5.2. CARACTERÍSTICAS DA PROVA TESTEMUNHAL ................................................................................................... 439
2.5.3. DEVERES DAS TESTEMUNHAS ....................................................................................................................... 441
2.5.4. PRESENÇA DO RÉU GERANDO CONSTRANGIMENTO À VÍTIMA OU À TESTEMUNHA ................................................... 444
2.5.5. FORMA DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS .................................................................................................... 444
2.5.6. MOMENTO ADEQUADO PARA INDICAÇÃO DO ROL DE TESTEMUNHAS ................................................................... 445
2.5.7. ESPÉCIES DE TESTEMUNHAS ........................................................................................................................ 445
2.6. Reconhecimento de pessoas e coisas (arts. 226 a 228, CPP) .............................................................. 446
2.6.1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 446
2.6.2. PROCEDIMENTO,EXISTÊNCIA DE NULIDADE E SITUAÇÃO DIVERGENTE ................................................................... 447
2.6.3. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO ................................................................................................................ 448
2.6.4. RECONHECIMENTO FONOGRÁFICO OU CLICHÊ FÔNICO ...................................................................................... 449
2.6.5. RECONHECIMENTO POR VIDEOCONFERÊNCIA .................................................................................................. 449
2.7. Acareação (arts. 229 e 230, CPP) ....................................................................................................... 449
2.8. Documentos (arts. 231 a 238, CPP) .................................................................................................... 450
2.8.1. INTRODUÇÃO E ESPÉCIES............................................................................................................................. 450
2.8.2. MOMENTO PARA A PRODUÇÃO DA PROVA DOCUMENTAL (EM SENTIDO LATO)....................................................... 451
2.8.3. CARTAS PARTICULARES ............................................................................................................................... 452
2.8.4. REQUISIÇÃO DE DOCUMENTO PELO JUIZ......................................................................................................... 452
2.8.5. DOCUMENTOS EM LÍNGUA ESTRANGEIRA ....................................................................................................... 452
2.8.6. RESTITUIÇÃO DE DOCUMENTOS.................................................................................................................... 453
2.9. Indícios (art. 239, CPP) ........................................................................................................................ 453
2.9.1. INDÍCIOS COMO PROVA INDIRETA ................................................................................................................. 453
2.9.2. INDÍCIO COMO PROVA SEMIPLENA ................................................................................................................ 454
2.9.3. CONTRAINDÍCIOS ...................................................................................................................................... 454
2.10. Busca e apreensão (arts. 240 A 250, CPP) ........................................................................................ 454

14
2.10.1. CONCEITOS E NATUREZA JURÍDICA .............................................................................................................. 454
2.10.2. MOMENTO PARA A REALIZAÇÃO................................................................................................................. 454
2.10.3. INICIATIVA DA MEDIDA ............................................................................................................................. 455
2.10.4. FORMALIDADES DO MANDADO .................................................................................................................. 455
2.10.5. ESPÉCIES DE BUSCA.................................................................................................................................. 456
2.10.6. BUSCA EM TERRITÓRIO DE JURISDIÇÃO ALHEIA .............................................................................................. 463
2.10.7. BUSCA INFRUTÍFERA ................................................................................................................................ 463
2.10.8. ACESSO A MENSAGENS DE APLICATIVOS TELEMÁTICOS .................................................................................... 463
3. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................ 464
3.1. Supremo Tribunal Federal .................................................................................................................. 464
3.2. Superior Tribunal de Justiça................................................................................................................ 465
1. ATOS JURISDICIONAIS ................................................................................................................................ 479
2. CLASSIFICAÇÃO DAS SENTENÇAS ............................................................................................................... 479
2.1. Quanto aos efeitos ............................................................................................................................. 479
2.2. Quanto à aptidão para produzir efeitos imediatos ............................................................................ 480
2.3. Quanto ao órgão jurisdicional prolator da decisão ........................................................................... 480
3. ESTRUTURA E REQUISITOS DA SENTENÇA ................................................................................................. 481
4. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA........................................................................................................................... 482
5. SENTENÇA CONDENATÓRIA ....................................................................................................................... 484
6. PUBLICAÇÃO E INTIMAÇÃO DA SENTENÇA ................................................................................................ 486
7. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE ACUSAÇÃO E SENTENÇA OU PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA ............. 488
7.1. Emendatio libelli ................................................................................................................................. 488
7.2. Mutatio libelli ..................................................................................................................................... 490
8. DISPOSITIVOS LEGAIS RELACIONADOS AO CAPÍTULO ................................................................................ 493

LEIS PENAIS ESPECIAIS ............................................................................................................................ 498

LEI N.º 11.343/2006 — ENTORPECENTES ................................................................................................ 499

1. Posse de substância entorpecente para uso pessoal ............................................................................ 500


1. 1. PRESCRIÇÃO ............................................................................................................................................... 500
1.2. REINCIDÊNCIA ............................................................................................................................................. 500
2. Tráfico ilícito de drogas ......................................................................................................................... 501
2.1. FIXAÇÃO DA PENA ........................................................................................................................................ 506
2.2. PROGRESSÃO DE REGIME ............................................................................................................................... 506
2.3. TRÁFICO PRIVILEGIADO OU MINORADO ............................................................................................................. 507
2.4. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ........................................................................................................................ 508
2.5. PREVISÃO DE TIPO CULPOSO ........................................................................................................................... 509
2.6. LIVRAMENTO CONDICIONAL ........................................................................................................................... 509
3. Expropriação de glebas ......................................................................................................................... 510

LEI N.º 10.826/2003 — ESTATUTO DO DESARMAMENTO ........................................................................ 511


1. Questões pontuais que aparecem com frequência nas provas de concurso. ....................................... 512
1.1. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA ....................................................................................................................... 512
1.2. APREENSÃO E PERÍCIA ................................................................................................................................... 512
1.3. ABOLITIO CRIMINIS INDIRETA OU TEMPORÁRIA................................................................................................... 512
2. Posse irregular de arma de fogo de uso permitido ............................................................................... 512
2.1. CRIME DE MÉDIO POTENCIAL OFENSIVO ............................................................................................................ 512
2.2. ELEMENTO ESPACIAL DO TIPO ......................................................................................................................... 512
3. Omissão de cautela ............................................................................................................................... 513
4. Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido ..................................................................................... 513
4.1. TIPO MISTO ALTERNATIVO.............................................................................................................................. 513
4.2. INCONSTITUCIONALIDADE .............................................................................................................................. 513

15
5. Disparo de arma de fogo ou acionamento de munição ........................................................................ 513
5.1. ELEMENTO ESPACIAL..................................................................................................................................... 513
5.2. SUBSIDIARIEDADE ........................................................................................................................................ 514
5.3. INCONSTITUCIONALIDADE .............................................................................................................................. 514
6. Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito .......................................................................... 514
6.1. FIGURAS EQUIPARADAS ................................................................................................................................. 515
6.2. HEDIONDEZ ................................................................................................................................................ 515
7. Comércio ilegal de arma de fogo .......................................................................................................... 516
7.1. HABITUALIDADE ........................................................................................................................................... 516
7.2. PACOTE ANTICRIME...................................................................................................................................... 516
8. Tráfico internacional de arma de fogo .................................................................................................. 516
8.1. PACOTE ANTICRIME...................................................................................................................................... 516
8.2. COMPETÊNCIA ............................................................................................................................................. 516
9. Majorantes ou causas de aumento ....................................................................................................... 516
10. Liberdade provisória ............................................................................................................................ 517
10.1. INCONSTITUCIONALIDADE ............................................................................................................................ 517

LEI N.º 8.078/1990: CRIMES CONTRA O CONSUMIDOR ............................................................................ 518

1. Conceitos de consumidor, fornecedor e relação de consumo ............................................................... 519


2. Objetividade jurídica ............................................................................................................................. 519
3. Crimes em espécie ................................................................................................................................. 519
4. Teoria monista ou unitária quanto ao concurso de pessoas................................................................. 524
5. Circunstâncias agravantes .................................................................................................................... 524
6. Penas de multa e restritiva de direitos .................................................................................................. 524

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................... 526

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL

DIREITO PENAL
PARTE GERAL

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL

1 LIÇÕES PRELIMINARES DE DIREITO PENAL

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL

1. INTRODUÇÃO

O direito é um elemento cultural que revela os valores reinantes em uma sociedade em um


determinado espaço de tempo. Em verdade, o direito permite, e até mesmo estimula, a realização em
concreto de tais valores. Portanto, antes mesmo de se positivar o comportamento desejável e o indesejável
(criminoso), a sociedade já tem como antijurídica determinada conduta. O direito reproduz o anseio social e,
em seguida, o supera.

O processo de endoculturação começa com as crianças. As manifestações do homem não são fruto
de sua isolada consciência e experiência. Pensar é, também, expressão do condicionamento histórico-social
do homem.

Qual é o conceito de Direito Penal? A resposta não é única e, como adverte Rogério Sanches Cunha,
dependerá do aspecto em destaque, do enfoque do estudioso.

Sob o aspecto formal (estático), o Direito Penal consiste em um conjunto de normas jurídicas que
qualificam comportamentos humanos comissivos ou omissivos como delitos, preveem situações excludentes
da ilicitude de tais comportamentos, ou excludentes da culpabilidade de seu autor, cominam sanções e
tratam dos mais diversos temas ligados ao fenômeno delitivo.

Sob o aspecto material, o Direito Penal cuida de comportamentos violadores de bens jurídicos que
o ordenamento jurídico, na esfera penal, decidiu tutelar, ou seja, violadores de bens indispensáveis à
conservação e ao progresso do organismo social. Aqui, vale destacar que o Direito Penal não tutela todos os
bens jurídicos, somente os reputados mais importantes à sociedade.

Ainda vale ressaltar que mesmo os bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal não merecem sua
proteção em qualquer situação antijurídica. O Direito Penal tutela, por exemplo, o patrimônio. Entre os
diversos bens jurídicos passíveis de tutela, o direito criminal escolheu esse (caráter fragmentário do Direito
Penal). Porém, não são todas as violações ao patrimônio que recebem guarida desse ramo do direito.

Em caso de colisão entre veículos, se um dos condutores tiver sido imprudente, há violação do
patrimônio do inocente e há um responsável por isso. Mas, nesse caso, a responsabilização se dá apenas na
esfera cível. O Direito Penal não é chamado a intervir quando outro ramo do direito se mostra suficiente.
Tem-se, assim, aplicação do princípio da intervenção mínima do Direito Penal (Direito Penal como ultima
ratio): o Direito Penal só deve intervir quando os outros ramos do direito se mostrarem insuficientes.

Sob o aspecto sociológico (ou dinâmico), o Direito Penal é instrumento de controle social, buscando
assegurar a necessária disciplina para que a convivência dos membros da sociedade seja harmônica.

2. CRIMINOLOGIA E POLÍTICA CRIMINAL

Na ciência penal, podemos estudar criminologia e política criminal. É importante diferenciá-las do


Direito Penal.

A ciência penal estuda a delinquência como um fato social. Em toda sociedade, há crime. Portanto,
a partir desta constatação desenvolvem-se dois campos de estudo interligados, quais sejam: a Criminologia
e a Política Criminal.

A Criminologia é a ciência que estuda o crime, o criminoso, a vítima, e o controle social. As escolas
da criminologia dedicam-se ao estudo do crime, ora como fato natural (história natural do delito), ora como
entidade jurídica abstrata (escola clássica), ora como prática decorrente de anomalia individual ou produto

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL

do ambiente. A evolução da criminologia passa pela crítica ao sistema penal como (re)produtor de criminosos
e mecanismo de rotulação e dominação social. As constatações da criminologia, em grande medida fruto de
trabalho empírico, devem subsidiar o desenvolvimento da política criminal. Destacam-se as escolas clássica,
positiva e crítica.

O estudo da criminologia não é objeto de nossa presente obra.

Apenas para se ter ideia da complexidade de seu estudo, destacamos pensamentos da escola
positiva. Para os positivistas, a função do direito é descobrir, através da análise dos fatos empiricamente
verificáveis, as leis que regem as condutas humanas.

Se para Lombroso as características morfológicas de um ser humano seriam suficientes para defini-
lo como criminoso, não se pode afirmar o mesmo para a definição de delito, variável de época para época.

Garofalo defenderá a necessidade de desenvolver um conceito atemporal de delito, aplicável a


qualquer sociedade e em qualquer momento da história. Para Garofalo, há uma antijuridicidade natural ou
universal e outra local, social. A primeira ofende os sentimentos de piedade, o que faz com que o ato seja
considerado delituoso em qualquer momento da história. A segunda ofende sentimentos de justiça,
probidade e antijuridicidade vulgar, que estão sujeitos a variações de educação, ambiente e moral. O delito,
portanto, é um conceito natural, e não jurídico. Cabe ao naturalista dizer o que é delito.

Ferri defende o caráter sociológico do crime. Ele defende que o corpo social reage a um ato ofensivo
assim como o corpo reage a uma infração (comer muito causa indigestão). A pena, portanto, não tem caráter
retributivo, mas de defesa social, fundado na periculosidade apresentada pelo agente. É um meio de
prevenção especial.

Os positivistas entendem que o crime é causado por fatores psíquicos, físicos e sociais. Portanto, há
um determinismo biológico e/ou social na construção do delinquente e na formação de sua periculosidade,
constatada na prática da infração penal. A reação penal é uma forma de defesa social.

Política criminal: é o vetor que orienta a produção das normas no Direito Penal.

Para isso, é avaliado o que deve ser criminalizado, quais condutas desejamos evitar e qual a finalidade
da punição, para, assim, definirmos quando afastar punições de caráter penal.

A política criminal possui uma finalidade e trabalha com estratégias e mecanismos de controle social
da criminalidade. A criminologia deve orientar a elaboração da política criminal, que, por sua vez, deve
orientar o legislador na elaboração das leis penais. Possui a característica de vanguarda, porque a mudança
da política criminal, por exemplo, conduz à reforma das leis.

3. FUNÇÃO DO DIREITO PENAL

O estudo do funcionalismo penal exige uma análise sobre qual é a função e qual é a finalidade do
Direito Penal.

O movimento do funcionalismo penal busca descobrir a real função do Direito Penal. Nesse campo,
existem duas correntes que se destacam: a corrente do funcionalismo teleológico racional (moderado) e a
corrente do funcionalismo sistêmico (radical).

O funcionalismo teleológico (moderado, dualista ou da política criminal) tem como expoente Claus
Roxin, o qual preceitua que a finalidade do Direito Penal é proteger bens jurídicos, de modo que, não
havendo bem jurídico a ser protegido, não há que se falar em intervenção do Direito Penal. É chamado de

20
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL

funcionalismo teleológico porque busca encontrar a finalidade do Direito Penal e reconstruir o ordenamento
jurídico penal a partir dessa finalidade.

O funcionalismo sistêmico (radical ou monista) é de criação de Günther Jakobs. Jakobs dirá que a
função do Direito Penal é assegurar a vigência do sistema, garantindo o império da norma. Para ele, não é
possível afirmar que o Direito Penal tem por finalidade proteger bens jurídicos, porque sua intervenção só se
dá quando o bem jurídico já foi violado ou ameaçado de violação por meio de ato executório (crimes
consumados ou tentados). Em verdade, o autor de um crime é punido para que se demonstre que o sistema
continua em vigor e que a norma deve ser obedecida. É um funcionalismo sistêmico, pois o Direito Penal
existe em razão do sistema e para assegurar sua higidez. É um funcionalismo radical, porque, a cada
descumprimento, tem-se uma punição. A função do Direito Penal é, portanto, assegurar o respeito à norma.
Se, ao cometer um crime, o autor nega a existência da norma (negação), sua punição significa negação do
comportamento antijurídico. Portanto, a pena é a negação da negação (Hegel).

Para Günther Jakobs, o indivíduo que, reiterada e deliberadamente, se comporta como um violador
da lei penal, não deve ser tratado como um cidadão, devendo ser visto e tratado como um inimigo da
sociedade. O Direito Penal do Inimigo, a ser estudado mais a frente, nasce da ideia de que o Direito Penal
deve tratar de maneira diferenciada aqueles que se mostram infiéis ao sistema. Assim, é preciso que haja
uma repressão mais forte àqueles que perderam o status de cidadão, porque decidiram desobedecer à
norma e ao sistema imposto (rompimento do contrato social – base rousseauniana). ATENÇÃO: A análise
acerca do Direito Penal do inimigo não está inserida no funcionalismo de Jakobs, mas se dá em outro
momento de seus escritos.

4. CLASSIFICAÇÕES DO DIREITO PENAL

São várias as classificações do Direito Penal.

4.1. Direito Penal substantivo e Direito Penal adjetivo

Direito Penal substantivo: é o Direito Penal material propriamente dito, que consta, classicamente,
no Código Penal. Define o crime e anuncia a pena. Também há Direito Penal substantivo em legislações
especiais, como na Lei de Drogas (Lei n.º 11.343/2006) e na Lei de Abuso de Autoridade (Lei n.º 13.869/2019).
Observação: é comum encontrarmos, nas legislações extravagantes, normas de Direito Penal substantivo e
de Direito Penal adjetivo (processo penal). É o que ocorre nos dois exemplos citados;

Direito Penal adjetivo: é o direito processual penal. É previsto, em regra, no Código de Processo
Penal. Cuida do processo e do procedimento.

Essa classificação perdeu a importância, em virtude de o direito processual ter passado a ser
considerado ramo autônomo do Direito, e não mais um braço do Direito Penal.

4.2. Direito Penal objetivo e Direito Penal subjetivo

Direito Penal objetivo: é o conjunto de leis penais em vigor no país. Constitui-se das normas penais
incriminadoras e não incriminadoras;

Direito Penal subjetivo: é o direito de punir pertencente ao Estado (ius puniendi). O direito punitivo
estatal não é ilimitado. As limitações ao ius puniendi encontram-se explicitadas no texto constitucional e
reproduzidas na legislação infraconstitucional (princípio da legalidade). O Direito Penal deve respeitar

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL

direitos e garantias fundamentais, não atingindo o núcleo duro de tais direitos, sob pena de violação à própria
dignidade humana.

• Vale destacar que a privação da liberdade (pena clássica) deve se dar nos limites legais e em
estabelecimentos prisionais que cumpram as exigências estabelecidas pela Lei de Execução
Penal (Lei n.º 7.2010/1984).
• Quanto ao espaço, o Direito Penal objetivo será aplicado apenas aos fatos praticados no
território nacional, geralmente (princípio da territorialidade). No que toca ao tempo, o Estado
só poderá exercer o seu direito de punir por certo prazo. Após o esgotamento do prazo legal
para dar fim à persecução penal, perderá o Estado esse direito (prescrição, que é causa extintiva
da punibilidade).

4.3. Direito Penal de emergência e Direito Penal simbólico

Direito Penal de emergência: é o Direito Penal criado a partir de uma situação atípica. O legislador
cria normas de repressão porque há uma anormalidade social que exige uma resposta legal extraordinária.

Certamente, a opinião pública e determinados setores da sociedade exercem pressão para produção
de normas excepcionais. Busca-se, com a produção legislativa, devolver ao seio da sociedade uma sensação
de tranquilidade. A criação de norma que recrudesce o tratamento já existente é legislação de emergência.
Todavia, vale ressaltar que o Direito Penal de emergência é campo fértil para um Direito Penal meramente
simbólico.

Destacamos que, conforme determina o art. 5º, XL, da Magna Carta, a lei penal não retroagirá, salvo
para beneficiar o réu. Assim, o Direito Penal de emergência só será aplicado aos fatos posteriores à vigência
da Lei criada.

Direito Penal simbólico: é o Direito Penal que vai ao encontro aos anseios populares, pois o legislador
atua pensando na opinião pública para devolver à sociedade uma ilusória sensação de tranquilidade.

Não se tem a norma cumprindo sua função (prevenção de crimes exercida pela lei - função inibitória),
razão pela qual o Direito Penal será apenas simbólico. Se a criação da lei penal não afeta a realidade, o Direito
Penal acaba cumprindo apenas uma função simbólica, nasce sem qualquer eficácia social.

4.4. Direito Penal promocional/político/demagogo

O Direito Penal promocional é uma distorção do Direito Penal. É um Direito Penal político, eis que
visa a promoção do próprio Estado. Acaba sendo um Direito Penal demagogo, tendo em vista que engana e
cria a ideia de que o Direito Penal pode promover a alteração da sociedade.

Utiliza o Direito Penal como instrumento de transformação social. É função das políticas públicas
promover transformação social. O Estado, visando a consecução dos seus objetivos políticos, emprega leis
penais desconsiderando o princípio da intervenção mínima. Tem por finalidade usar o Direito Penal para a
transformação social. Exemplo: criando contravenção penal de mendicância (revogada) para acabar com os
mendigos ao invés de melhorar políticas públicas.

Até 2009, a mendicância era uma contravenção penal. A “criminalização” do fato de o indivíduo ser
mendigo não faria com que ele deixasse a sua condição. Afora isso, havia uma discussão sobre a configuração
de um Direito Penal do autor, que pune o indivíduo pelo que ele é, não pelo que ele fez.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL

4.5. Direito Penal de intervenção

Windfried Hassemer trata sobre o direito de intervenção. O autor traz que o Direito Penal não deve
ser alargado, devendo se preocupar apenas com os bens jurídicos individuais, tais como a vida, o
patrimônio, a propriedade etc., bem como com infrações penais que causem perigo concreto.

Nessa concepção, se a infração penal visa proteger bem jurídico difuso, coletivo ou de natureza
abstrata, ela não deveria ser considerada uma infração penal, razão pela qual deveria ser tutelada pela
administração pública, sem risco de privação da liberdade do infrator. Este seria o direito de intervenção.

O direito de intervenção (ou interventivo) estaria entre o Direito Administrativo e o Direito Penal.

A crítica que se faz é que não se sabe nem como seria a legitimidade e a atuação do direito de
intervenção e nem como se separaria o direito de intervenção do Direito Penal e do Direito Administrativo.

4.6. Direito Penal como proteção de contextos da vida em sociedade

Trata-se de uma ideia oposta à de Hassemer.

Segundo Günter Stratenwerth, na verdade, a proteção de bens estritamente individuais deve ter
um foco secundário no Direito Penal. Isso porque, para ele, o Direito Penal deve enfocar nos interesses
difusos e da coletividade, eis que estes são os mais importantes para a sociedade, como, por exemplo,
quando há a tipificação de crimes ambientais.

O Direito Penal deve focar nos interesses difusos e da coletividade, havendo aqui a substituição do
bem jurídico pela tutela direta de relações ou contextos de vida. Por isso o nome “Direito Penal como
proteção de contextos da vida em sociedade”. Consiste em um direito de gestão punitiva dos riscos gerais.

A preocupação é diferente do que Hassemer enfatizou.

4.7. Direito Penal garantista

O Direito Penal garantista tem como expoente Luigi Ferrajoli.

A Constituição traz garantias fundamentais, as quais se subdividem em duas categorias:

Garantias primárias: a Constituição traz os limites impostos aos exercícios de qualquer poder.
Determina o que não será feito.

Garantias secundárias: é uma forma de reparação à violação da garantia primária. Se o limite


estabelecido pela garantia primária não for observado, haverá de levantar a garantia secundária. Quando o
que era para não ser feito o foi, então pode-se acionar esse instrumento de proteção.

Exemplo: é garantia primária de que não haverá penas de caráter perpétuo. Essa garantia não é
observada pelo legislador, o qual cria o crime e comina a pena com pena privativa de liberdade de caráter
perpétuo. Neste caso, há uma garantia secundária na própria Constituição, a qual se dará por meio do
controle de constitucionalidade, julgando o ato nulo.

Ferrajoli terá como base da sua teoria garantista penal os 10 axiomas ou implicações deônticas:

Nulla poena sine crimine (Não há pena sem crime): Alguém não pode ser apenado se não cometeu
crime. É o princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em relação ao delito.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL

Nullum crimen sine lege (Não há crime sem lei): não há crime sem que haja lei, refletindo o princípio
da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito.

Nulla lex (poenalis) sine necessitate (Não há lei penal sem necessidade): é reflexo do princípio da
necessidade ou da economia do Direito Penal, ambos decorrem do princípio da intervenção mínima.

Nulla necessitas sine injuria (Não há necessidade sem ofensa a bem jurídico): decorre do princípio
da lesividade ou ofensividade do evento. Significa dizer que os tipos penais devem descrever condutas que
ofendam bens jurídicos de terceiros.

Nulla injuria sine actione (Não há ofensa ao bem jurídico sem ação): não há materialidade, sendo
necessário que seja exteriorizada a ação. É o princípio da materialidade ou da exterioridade da ação.

Nulla actio sine culpa (Não há ação sem culpa): o indivíduo deve ter cometido uma ação, mas com
dolo ou culpa. Trata-se de corolário do princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal.

Nulla culpa sine judicio (Não há culpa sem processo): o indivíduo deve ser submetido a um processo,
não podendo ser considerado culpado sem este. É decorrência do princípio da jurisdicionalidade no sentido
lato ou estrito.

Nulla judicium sine accustone (Não há processo sem acusação): para se instaurar um processo, é
necessário que alguém o instaure. Trata-se de uma garantia, fruto do princípio acusatório ou da separação
ente o juiz e a acusação.

Nulla accusatio sine probatione (Não há acusação sem prova): o ônus da prova é de quem acusa. É
aplicação do princípio do ônus da prova ou da verificação.

Nulla probatio sine defensione (Não há prova sem defesa): a prova não existe sem que a defesa
tenha tido a oportunidade de se manifestar sobre ela. Trata-se do princípio da defesa ou da falseabilidade.

Os axiomas de Ferrajoli estão todos ligados: não há pena sem crime e não há crime sem lei; não há
lei sem necessidade e não há necessidade se não houver ofensa, de modo que não há ofensa se não houver
ação. Ação é a exteriorização: não se pune o pensamento, é preciso que haja uma ação para que haja punição.
Não há ação sem culpa; a responsabilidade penal é subjetiva e não se considera alguém culpado sem o devido
processo legal. O processo legal só existe se houver uma acusação (princípio acusatório) e ninguém pode
acusar sem provas, de modo que não há que se falar em provas se a defesa não pode se manifestar a respeito
daquilo.

Por isso, na fase pré-processual, fala-se em elementos informativos que vão se confirmar ou não em
sede processual.

4.8. Direito Penal secularizado

A ideia do Direito Penal secularizado é separar o Direito Penal da Igreja.

O Direito Penal secularizado, de acordo com Luigi Ferrajoli, é a ideia de que inexiste uma conexão
entre o direito e a moral. O Direito Penal não tem a missão de reproduzir os elementos da moral ou de outro
sistema metajurídico de valores éticos-políticos, como os dogmas religiosos. Essa secularização (laicização) é
a ruptura entre a cultura eclesiástica e as doutrinas filosóficas, especialmente entre a moral do clero e a
forma de produção da ciência. Por isso, o Estado não deve nem se imiscuir coercitivamente na vida moral
dos cidadãos, nem promover coativamente sua moralidade, mas tutelar sua segurança, impedindo que se
lesem uns aos outros. Com o princípio da secularização, busca-se preservar a pessoa numa esfera em que é

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL

ilícito proibir, julgar e punir a esfera do pensamento, das ideias. Exemplo: Ordenações Afonsinas, fundada
nos dogmas religiosos.

4.9. Direito Penal subterrâneo e Direito Penal paralelo

A classificação de Zaffaroni se refere aos sistemas penais paralelos e subterrâneos e está inserida em
um contexto maior, do seu funcionalismo redutor.

Direito Penal paralelo: é paralelo ao Direito Penal oficial. Ao lado da atuação do Estado, por não ser
essa atuação suficiente, surgem outros mecanismos de Direito Penal. É como se no âmbito particular surgisse
um Direito Penal paralelo extraestatal. O sistema penal formal do Estado não exerce grande parte do poder
punitivo, de forma que outras agências acabam se apropriando desse espaço e passam a exercer o poder
punitivo paralelamente ao Estado. Exemplo: médicos aprisionando doentes mentais.

Direito Penal subterrâneo: é um Direito Penal do “andar de baixo”. Dentro da própria estrutura do
Estado, mas no “andar de baixo”, é construída uma estrutura de Direito Penal. Diante da constatação de que
o sistema que está positivado (o sistema que é visto, que está “no térreo, no andar de cima”) não é eficiente,
no “andar de baixo” são organizadas formas de exercer o poder punitivo. Ocorre quando as instituições
oficiais atuam com poder punitivo ilegal, acarretando abuso de poder. Os próprios agentes do Estado passam
a atuar ilegalmente. Exemplo: desaparecimentos de indivíduos pela polícia; extorsões mediante sequestro
etc.

4.10. Direito Penal quântico

O Direito Penal quântico é o Direito Penal que não se contenta com a mera relação de causalidade
(relação física de causa e efeito), mas também com elementos indeterminados, como o nexo normativo e a
tipicidade material, a serem aferidos pelos operadores do direito diante da análise do caso concreto.

Para se imputar a alguém um resultado, não basta que o sujeito tenha praticado uma conduta que
tenha levado àquele resultado e que ele tenha a vontade de praticar aquela conduta. Não basta, também,
sequer a causalidade subjetiva ou psíquica. É preciso que, antes de observar tudo isso, se observe quais
critérios objetivos me permitam imputar àquele sujeito a prática daquela conduta, por isso o nome “teoria
da imputação objetiva”. Para imputar um crime a alguém é preciso que ele tenha criado ou incrementado
um risco juridicamente proibido, que haja a realização desse risco no resultado e que o resultado esteja
dentro do alcance do tipo.

Esses três parâmetros são objetivos para que se possa imputar a alguém a prática de um crime. Há
exigência um nexo normativo.

O Direito Penal quântico é limitador, uma vez que exige critérios objetivos para atribuir uma
conduta a quem realizou uma prática criadora de risco juridicamente proibido. Nem sempre que houver
uma causalidade física se imputará a alguém um crime. Outro critério que se admite no Direito Penal quântico
é a tipicidade material, a qual afirma que se não houver a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado, o Direito
Penal não deve intervir. Não basta a causalidade física, é preciso que se analise se o bem jurídico tutelado foi
efetivamente lesado ou não.

Dessa maneira, pode-se caracterizar o Direito Penal quântico pela existência de uma imprecisão no
Direito, que se afasta da dogmática penal e se aproxima da política criminal. Com isso, há uma nítida exigência
da tipicidade material, afastando da esfera penal condutas socialmente aceitas que não trazem uma carga

25
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL

mínima de lesão ao bem jurídico (sendo que o Direito Penal quântico se agarra também na teoria da
imputação objetiva).

4.11. A escola de Kiel – Direito Penal da Alemanha nacional-socialista

As concepções de Direito, especialmente a de Direito Penal na Alemanha nacional-socialista,


reproduzem a ideia de formação de um povo de uma só raça, a germânica, com um só sentimento.

A partir dessa ideia, a lei é parte do Direito, mas não limita sua atuação. Atrás de cada tipo penal há
um tipo de autor que o legislador quer punir. Portanto, se alguém adota um comportamento que fere o
sentimento social, pode o juiz se valer do tipo penal que se mostre mais próximo de tal comportamento
antijurídico para punir o agente.

Permite-se, portanto, a aplicação da analogia incriminadora. O papel do juiz passa a ser


demasiadamente criativo na função de punir e preceitos como da legalidade cedem ante a busca da
construção de uma sociedade completamente harmônica, o que só seria possível com uma única raça, pura
(Teoria do Delito. Miguel Reale Jr. 2ª ed. rev. São Paulo: RT, 2000).

4.12. O Direito Penal comunista

No Direito Penal comunista tem-se a clara ideia de que o Direito não é um instrumento de
transformação social, mas de manutenção da realidade em que uma classe exerce domínio sobre outra. O
Direito Penal é despido de qualquer intenção reformatória.

Quando passamos ao Direito Penal soviético, em sua ditadura do proletariado, o Direito Penal passa
a servir aos interesses da revolução. Tem-se a possibilidade de emprego de analogia para incriminar condutas
que, a despeito de não estarem descritas em tipo penal autônomo, mostram-se contrárias à sociedade
socialista, à coletividade. Isso porque tais condutas evidenciam a periculosidade social do fato e,
especialmente, a periculosidade social do autor.

Em 1958, a possibilidade de emprego de analogia incriminadora no Direito Penal soviético é


descartada, mas ainda persiste a importância da periculosidade social como critério para definição do crime.
A ausência de periculosidade social da ação (ausência de risco à sociedade soviética e à ditadura do
proletariado) exclui a ilicitude da conduta (Teoria do Delito. Miguel Reale Jr. 2ª ed. rev. São Paulo: RT, 2000).

5. PRIVATIZAÇÃO DO DIREITO PENAL

A privatização do Direito Penal é uma expressão que destaca a crescente participação da vítima ou
da importância dada à vítima no âmbito criminal.

A ideia é fazer com que a vítima retorne à situação que ostentava antes da prática do crime. Daí a
ideia da justiça restaurativa e da pena cumprindo uma terceira função, chamada “terceira via da pena”: a
pena não é mais para retribuir apenas o mal causado, nem para prevenir a nova prática de infrações pelo
apenado ou pela sociedade, que ao ver o sujeito sendo penalizado desiste de praticar crimes, mas serve para
restaurar a situação que a vítima tinha antes do crime.

Trata-se do destaque dado às vítimas nos últimos anos, como ocorre com a Lei dos Juizados Especiais
Criminais, nos quais é possível a composição civil, ou que seja declarada extinta a punibilidade em razão do
cumprimento da transação penal ou da suspensão condicional do processo (sursis processual), ou até mesmo
o sursis penal (suspensão condicional da pena).

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL

Para todos estes institutos, haverá a extinção da punibilidade, desde que tenha havido a reparação
dos danos à vítima. Há, como se vê, uma maximização da importância dada à vítima.

Outro exemplo é a Lei n.º 11.719/2008, que consagrou a hipótese de que o juiz criminal deve se
manifestar no momento da sentença condenatória, a fim de fixar o mínimo indenizatório à vítima.

Por conta de tudo isso, há um campo fértil para a teoria da justiça restaurativa.

A justiça restaurativa cria a chamada terceira via da função da pena, pois a função da pena,
tradicionalmente, seria a retribuição ao mal causado (ao mal do crime, o mal da pena) e a prevenção, que é
fazer com que o indivíduo não volte a praticar crimes (prevenção especial) e fazer com que outros indivíduos,
vendo aquele ser punido, optem por não cometer crimes (prevenção geral). Estas seriam as duas vias da
função da pena: retribuição e prevenção.

Todavia a partir do momento em que se busca a reparação da vítima por meio de indenização no
âmbito criminal, bem como institutos despenalizadores diretamente ligados à vítima, passa-se a ter uma
terceira função da pena, denominada de terceira via, exteriorizada pela reparação do dano causado.

6. VELOCIDADES DO DIREITO PENAL

Jesús-María Silva Sánchez cria as chamadas velocidades do Direito Penal:

Direito Penal de 1ª velocidade: enfatiza infrações penais mais graves, as quais podem ser punidas
com penas privativas de liberdade. Porém, para serem fixadas, é preciso que se observem todas as garantias
do indivíduo que está sendo acusado. Todos os direitos e garantias fundamentais estão sendo observados,
mas, ao final, pode ser que o sujeito seja condenado a uma pena privativa de liberdade. Exemplo: crime de
homicídio.

Direito Penal de 2ª velocidade: temos um Direito Penal mais célere, porque há uma flexibilização de
direitos e garantias fundamentais para que se tenha celeridade na punição. Esta velocidade se destina a
infrações penais menos graves, eis que se aplicam penas não privativas de liberdade, como as penas
alternativas. Exemplo: Leis dos Juizados Especiais.

Direito Penal de 3ª velocidade: há uma flexibilização de direitos e garantais fundamentais, porém há


infrações penais mais graves, podendo, inclusive, cominar pena privativa de liberdade. É uma mistura da 1ª
velocidade com a 2ª velocidade. Há um recrudescimento do tratamento do indivíduo em prejuízo de
garantias processuais. Exemplo: Lei dos Crimes Hediondos. É aqui que se encontra o Direito Penal do Inimigo.

Observação: Fala-se, atualmente, em uma 4ª velocidade do Direito Penal, não tratada por Silva
Sanchez. A 4ª velocidade do Direito Penal (neopunitivismo) está ligada ao Direito Internacional, sendo
aplicável, especialmente, a Chefes de Estado que, como tais, violaram tratados internacionais de direitos
humanos. Eles serão julgados conforme normas de Direito Internacional, sendo, em regra, o Tribunal Penal
Internacional competente para processar e julgar o feito. Dada a reprovabilidade do comportamento de tais
líderes, defende-se uma diminuição de garantias individuais penais e processuais penais em seu desfavor.

7. ESPIRITUALIZAÇÃO, DINAMIZAÇÃO OU DESMATERIALIZAÇÃO DO BEM


JURÍDICO

A tipificação de crimes sempre esteve relacionada à proteção de bens jurídicos inerentes ao


indivíduo, sejam estes bens lesados (crimes de dano) ou expostos a efetivo perigo (crimes de perigo
concreto). Havia, portanto, uma materialização dos bens jurídicos.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL

À medida que tem crescido essa criminalização de condutas ofensivas a bens de caráter difuso e
coletivo, passa-se a ter dificuldade de individualizar qual bem foi violado com a conduta criminosa. Assim, há
uma liquefação, uma desmaterialização do Direito Penal.

Neste cerne, a espiritualização do bem jurídico foi uma expressão criada pela doutrina para criticar a
tipificação de condutas que visam tutelar bens jurídicos de interesse transindividual, com o fim de
combater condutas difusas e perigosas, que, se não evitadas, acabariam resultando em danos às pessoas.
Exemplificando esta nova tendência, punem-se crimes ambientais porque a proteção do meio ambiente traz
benefícios às pessoas em geral, e um meio ambiente desequilibrado é prejudicial à vida e à saúde dos seres
humanos, ainda que reflexamente.

Parcela da doutrina critica a inadequada expansão da tutela penal na proteção de bens jurídicos de
caráter difuso ou coletivo. Argumenta-se que tais bens são formulados de modo vago e impreciso, ensejando
a denominada desmaterialização, espiritualização, ou liquefação do bem jurídico.

8. GARANTISMO HIPERBÓLICO MONOCULAR

Garantismo é a visão do Direito Constitucional aplicada no Direito Penal e Processual Penal. Trata-se
de expressão cunhada pelo jurista italiano Luigi Ferrajoli.

Para muitos, o garantismo serviria apenas para beneficiar o réu, forma de proteção de seus direitos
fundamentais e individuais. Desse modo, surge o chamado garantismo hiperbólico monocular.

É hiperbólico porque é aplicado de uma forma ampliada, desproporcional e é monocular porque só


enxerga os direitos fundamentais do réu (só um lado do processo). Esse garantismo hiperbólico monocular
contrapõe-se ao garantismo penal integral, que visa resguardar os direitos fundamentais não só dos réus,
mas também das vítimas.

Um exemplo seria a Lei de Lavagem de Capitais, com alteração dada pela Lei n.º 12.683/2012. O rol
de crimes antecedentes que outrora era taxativo foi revogado. Permitiu-se, dessa forma, a aplicação da lei
supra acerca de qualquer infração penal (crime ou contravenção) antecedente. Nesse sentido, caso fosse
aplicado o garantismo hiperbólico monocular (tese adotada pelas defensorias públicas), o crime ou
contravenção antecedente que não constasse do rol taxativo da antiga Lei n.º 9.613/1998 (Lei de Lavagem
de Capitais) não poderia ser, agora, utilizado para punição pela lei de lavagem.

9. ECOCÍDIO

O Tribunal Penal Internacional (TPI) decidiu, no final de 2016, reconhecer o ecocídio como crime
contra a humanidade.

O termo designa a destruição em larga escala do meio ambiente. O novo delito, de âmbito mundial,
vem ganhando adeptos na seara do Direito Penal Internacional e entre advogados e especialistas
interessados em criminalizar as agressões contra o meio ambiente.

Com o novo dispositivo, em caso de ecocídio comprovado, as vítimas terão a possibilidade de entrar
com um recurso internacional para obrigar os autores do crime, sejam empresas ou chefes de Estado e
autoridades, a pagar por danos morais ou econômicos.

A responsabilidade direta e penas de prisão podem ser emitidas, no caso de países signatários do
TPI, mas a sentença que caracteriza o ecocídio deve ser votada por, no mínimo, um terço dos seus membros.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL

O Brasil é signatário do Tratado de Roma, que aceita a jurisdição do TPI.

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2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL 2

1. PERÍODO DA VINGANÇA

Em relação à evolução histórica do Direito Penal, devemos passar pelas seguintes fases:

Fase da vingança divina: é a ideia de que haveria uma punição perpetrada por entidades divinas.
Quando o indivíduo cometia uma infração, ele era penalizado pela tribo para que a divindade não punisse
todos os membros daquela comunidade.

Fase da vingança privada: um sujeito defende seu direito em face do outro. É a chamada homo
homini lupus, ou seja, o homem é o lobo do próprio homem. Posteriormente, há evolução dessa fase com a
Lei de Talião, que seria olho por olho, dente por dente, surgindo daí a proporcionalidade.

Fase da vingança pública: o direito de punir passa a ser do Estado.

2. PERÍODO ILUMINISTA

A partir do século XVIII, se vive no mundo o chamado Iluminismo. Neste movimento, busca-se a
racionalidade e o desenvolvimento humano, e, a partir do iluminismo, buscou-se a finalidade da norma que
tem caráter sancionador.

O que se procura é prevenção? Ou ressocialização? Ou retribuição? Durante o iluminismo é que se


buscou o caráter das normas de caráter sancionador, de modo que o Direito Penal até então aplicado seria
contraproducente.

A partir disso, surgiu a obra que marcou a história do Direito Penal, escrita por Cesare Beccaria
(Marquês de Beccaria), conhecida como “Dos Delitos e das Penas”.

A conclusão de Beccaria foi a seguinte: “Para que cada pena não seja uma violência, de um ou de
muitos, contra um cidadão, esta pena deve ser essencialmente pública, rápida, necessária e a mínima
possível nas circunstâncias dadas, observada a proporcionalidade aos delitos, e ditadas tais penas pelas
leis”. Ou seja, quem pune deve ser o Estado. A punição deverá ser rápida para que se tenha a resposta ao
ilícito. Necessidade é a proporcionalidade. A ideia de ultima ratio deve ser vista como a mínima pena nas
circunstâncias dadas. Como se vê, até mesmo à legalidade Beccaria se referia.

3. PERÍODO DAS ESCOLAS PENAIS

Após o período iluminista, surgem as escolas penais, duas delas ganhando destaque: Escola clássica
e Escola positiva.

A Escola Clássica, destacada por Francesco Carrara, entendia que:

Crime era um ente jurídico, eis que consiste na violação de um direito (razão por que atinge a esfera
jurídica). Talvez essa seja a grande crítica à Escola Clássica, pois ela não se preocupa em entender a origem
do crime. Para a Escola Clássica, crime é uma entidade jurídica, é a violação do Direito (porque o Direito
previu que aquela conduta era proibida) e, portanto, quem descumpre a norma, descumpre por vontade
própria, age com livre arbítrio e por isso se pune o delinquente.

Delinquente é um ser livre, que pratica um delito por vontade própria, alheia à moral.

Função da pena é prevenir a prática de novos crimes; é a necessidade ética.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL 2

A Escola Clássica tem como base os ensinamentos de Beccaria, pois há uma relação com o
absolutismo, tendo a ideia de que, se o indivíduo praticou o crime, deve ser penalizado, pois o sujeito é livre
para suas escolhas.

No entanto, para Enrico Ferri, os ensinamentos da Escola Clássica não resolveram e nem poderiam
resolvê-los, pois não se preocupam em resolver a origem do crime e, quando não se quer entender de onde
surgiu a doença, não se pode dizer qual o remédio adequado. Daí surge a ideia da Escola Positiva, uma escola
empírica que vai trabalhar com estatísticas.

A Escola Positiva tem como expoente Cesare Lombroso. Para a Escola positiva:

Crime decorre de fatores naturais e sociais. Existe a figura de um criminoso nato e existe a figura de
um sujeito que nasceu em um ambiente criminógeno, que é propício a fazer com que as pessoas se tornem
criminosas.

Delinquente não é dotado de livre arbítrio pois, do ponto de vista biológico ou psíquico, seria
portador de uma anormalidade. Existiria um criminoso nato, nascido com essas características.

Finalidade da pena é prevenir crimes, mas deverá ser indeterminada, a ser fixada a partir do caso
concreto, tendo em vista que estamos diante de um criminoso nato. A pena deve ter um caráter terapêutico
(tratar o criminoso).

Escola positiva possui caráter determinista, pois traz a ideia do criminoso nato, cunhada por
Lombroso.

4. DIREITO PENAL BRASILEIRO

Quando o Brasil foi colônia, vigoravam as Ordenações Afonsinas, sendo as mesmas normas que
vigiam em Portugal. Estas normas tinham caráter religioso.

Em 1514, estas Ordenações Afonsinas foram revogadas pelas Ordenações Manuelinas, as quais,
posteriormente, foram substituídas por uma compilação feita por Nunes Leão, criando o Código
Sebastiânico.

Esta compilação, mais tarde, dá lugar às Ordenações Filipinas. Nessas ordenações, continuam as
ideias de direito confundido com religião e moral. Por isso, havia uma preocupação do ordenamento jurídico
em punir benzedores, feiticeiros, hereges e bruxas, aplicando-se penas desumanas e com caráter cruel, de
forma que fosse infundido temor nas pessoas da sociedade.

No entanto, o Brasil se torna independente em 1822, vindo, logo em seguida, a Constituição de 1824,
seguida do Código Criminal do Império. Tratava-se de um código penal humanitário, trazendo, inclusive, o
princípio da individualização da pena. Para se ter ideia, considerando seu contexto social, a pena de morte
ficou limitada aos crimes cometidos por escravos.

Em 1890, posteriormente ao início da República, sanciona-se o Código Criminal da República. A


Constituição de 1891 vedou a pena de morte e a pena de prisão de caráter perpétuo. O Código Republicano
permitia as penas de prisão, banimento e suspensão de direitos, mas o banimento seria de natureza
temporária, pois era vedado pela Constituição de 1891 que a pena tivesse caráter perpétuo.

Em 1932, tem-se uma Consolidação das Leis Penais, realizada pelo Desembargador Vicente Piragibe,
recebendo o nome de Consolidação de Piragibe.

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Em 1942, entra em vigor o Código Penal atual, sendo sua parte geral reformulada pela Lei n.º
7.209/1984.

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3 FONTES DO DIREITO PENAL

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As fontes do Direito Penal podem ser divididas em:

• Fonte material;
• Fonte formal.

1. DOUTRINA CLÁSSICA

Segundo a doutrina tradicional, fonte material é o órgão criador do Direito Penal. No Brasil, quem
cria o Direito Penal é a União, que tem competência privativa, conforme art. 22, I, CF.

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:


I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico,
espacial e do trabalho;

A Constituição permite que os Estados legislem sobre Direito Penal, nos casos específicos, desde que
haja uma autorização dada por lei complementar, conforme o § único do art. 22, CF.

Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões
específicas das matérias relacionadas neste artigo.

Ainda, segundo esta corrente tradicional, a fonte formal do Direito Penal traz os instrumentos pelos
quais se exterioriza o Direito Penal. A fonte formal imediata do direito é a lei. Como fonte formal mediata,
haveria os princípios gerais do direito e os costumes.

2. DOUTRINA MODERNA

Rogério Sanches traz a fonte formal do Direito Penal à luz da doutrina moderna:

• Fontes formais imediatas: lei, CF, tratados e convenções internacionais de direitos humanos,
jurisprudência, princípios e a norma penal em branco;
• Fonte formal mediata: é apenas a doutrina;
• Fonte informal: costumes.

A lei é única fonte imediata capaz de criar infrações penais e cominar sanções. É a única fonte
incriminadora.

A Constituição Federal é fonte formal imediata, mas não pode criar infrações penais ou cominar
sanções, em razão de seu processo rígido e moroso de alteração, incompatível com o dinamismo que deve
envolver o processo legislativo no Direito Penal. Muito embora a CF não possa criar crimes nem cominar
penas, ela pode orientar o legislador na sua função (de criar crimes e cominar penas). São os chamados
mandados constitucionais de criminalização. Exemplo: art. 5 XLII, CF – a prática do racismo constitui crime
inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão (patamares mínimos). É a lei, no entanto, que cria o
crime de racismo e comina a sua pena. A CF como fonte formal imediata fica evidente quando, por exemplo,
traz a imprescritibilidade e a inafiançabilidade do racismo, constituindo-se num mandado constitucional de
criminalização.

Os tratados e convenções internacionais de direitos humanos também são fontes formais


imediatas, ainda que não possam criar crimes e cominar penas. Isto é percebido na própria decisão do STF,
quando reputou inadmissível a utilização do conceito de organização criminosa trazido pela Convenção de
Palermo (HC n.º 96.007).

As normas dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos podem ingressar no nosso
ordenamento jurídico por duas formas: o Tratado Internacional de Direitos Humanos (TIDH) que foi ratificado

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 3

com quórum de emenda constitucional tem status de norma constitucional. Já o TIDH que foi ratificado com
quórum comum está abaixo da CF, mas acima da lei ordinária, tendo status supralegal.

ATENÇÃO!
Respeitável corrente doutrinária se posiciona no sentido de que os tratados que versem sobre
direitos humanos (e somente eles), uma vez subscritos pelo Brasil, incorporam-se automaticamente e
possuem (sempre) caráter constitucional, a teor do dispositivo 1º e 2º, art. 5º, da CF.

No entanto, as normas dos tratados e convenções internacionais jamais poderão criar crimes ou
cominar penas para o direito interno, só podem criar crimes ou cominar penas para o direito internacional.
Assim, antes do advento das Leis n.º 12.696/2012 e n.º 12.850/2013, o STF manifestou-se pela
inadmissibilidade da utilização do conceito de organização criminosa dado pela Convenção de Palermo,
trancando a ação penal que deu origem à impetração, em face da atipicidade da conduta (HC n.º 96.007).

A jurisprudência é fonte formal imediata, pois trata de normas de Direito Penal. Isto está ainda mais
evidente com as denominadas súmulas vinculantes. Basta ler a súmula vinculante 24, a qual postula que
“não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n.º
8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo”.

Os princípios, para a doutrina clássica, aparecem como fonte formal mediata. Para a doutrina
moderna, devem ser rotulados como fonte formal imediata não incriminadora. Não raras vezes réus são
absolvidos ou condenados baseados em princípios. Assim, os princípios também são, hoje, fontes formais
imediatas, tendo em vista a grande relevância que tem se dado a eles. Os princípios possuem densidade
normativa, ou seja, são normas. Por exemplo, quando pensamos no princípio da insignificância, lembremos
que há casos em que o indivíduo furta uma fruta, sem que haja lesão efetiva ao bem jurídico da vítima, o que
ensejaria a atipicidade da conduta.

O mesmo ocorre com relação à norma penal em branco, pois, neste caso, o próprio complemento é
uma fonte formal imediata.

A doutrina moderna entende que só a doutrina é fonte formal mediata, pois traz interpretações e
análises de como as normas devem ser interpretadas.

Há, ainda, na corrente moderna, posição no sentido de que os costumes são fontes informais do
Direito Penal.

3. COSTUME

Costume é um comportamento uniforme e constante, sendo este o elemento objetivo. Seria um


hábito qualificado pela convicção da obrigatoriedade, formando um elemento subjetivo. Em suma:

• Elemento objetivo: comportamento uniforme;


• Elemento subjetivo: convicção de obrigatoriedade.

Rogério Sanches afirma que costumes não criam infrações penais, pois não há crime sem lei e,
portanto, quem cria o crime é a lei (reserva legal).

Costumes também não extinguem nem revogam infrações penais, ainda que a sociedade não mais
considere aquela conduta criminosa. Exemplo disso é o jogo do bicho, o qual continua sendo contravenção
penal. Esta é a corrente prevalente, mas há, ainda, duas outras correntes:

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 3

1ª corrente: corrente abolicionista entende que costumes revogam infrações penais, material e
formalmente.

2ª corrente: um fato que deixa de ser considerado como infração penal para a sociedade não pode
ser revogado formalmente, mas apenas de forma material, não devendo a lei ser aplicada pelo magistrado.

3ª corrente: entende que somente lei revoga lei, pois enquanto estiver em vigor possui plena
eficácia. Esta corrente possui guarida na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), art. 2º
“Não se destinando a vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”. Esta é a
corrente adotada pelo STF e pela doutrina majoritária.

4. CARACTERÍSTICAS DA LEI PENAL

A lei penal possui algumas características:

• Exclusividade: somente a lei define infrações e comina sanções;


• Imperatividade: a lei penal é imposta a todos;
• Generalidade: a lei penal é de acatamento geral, ainda que sejam inimputáveis os seus destinatários;
• Impessoalidade: a lei penal se dirige a todos abstratamente. A lei penal trata de fatos, e não de
pessoas.

5. CLASSIFICAÇÃO DA LEI PENAL

A doutrina traz, basicamente, duas classificações:

• Lei penal incriminadora: é a lei que define crimes e comina sanções, trazendo o preceito primário
(conduta) e o preceito secundário (sanção).
• Lei penal não incriminadora: a doutrina subdivide:
• Permissiva (justificante e exculpante): a lei permite que se pratique a conduta mesmo sendo lícita.
Exemplo: a norma prevista no art. 25 do CP - matar em legítima defesa (permissiva justificante) - é uma
norma penal permissiva. Poderá ser permissiva exculpante, em que é eliminada a culpabilidade, quando o
indivíduo agir acobertado por uma excludente de ilicitude ou por uma excludente de culpabilidade. Isso
ocorre, por exemplo, na embriaguez acidental completa.
• Explicativa (interpretativa): a lei explica o conteúdo da norma. Exemplo: peculato trata de um crime
cometido por funcionário público, vindo o art. 327 e explicando esta norma (norma explicativa).
• Complementar: ocorre quando delimita a aplicação das leis incriminadoras, determinando quando e
onde aplica-se a lei penal. O art. 5º do CP trata da aplicação da lei penal no território brasileiro, delimitando
as normas penais incriminadoras.
• De extensão (integrativa): viabiliza a tipicidade de alguns fatos. Trata-se da denominada adequação
típica mediata. Sem essa norma penal, as condutas seriam tidas por atípicas. Exemplo: norma que trata da
tentativa (art. 14, II, CP) e a norma que trata da participação (art. 29, CP).

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4 INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL

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Interpretar significa buscar o significado. O ato de interpretar é necessariamente feito por um sujeito
que, empregando determinado modo, chega a um resultado.

Há várias classificações da interpretação da lei penal. A interpretação é estudada quanto ao sujeito,


ao modo e ao resultado.

1. QUANTO À ORIGEM (OU AO SUJEITO QUE INTERPRETA)

• Autêntica: feita pelo legislador, aquela fornecida pela própria lei; a lei interpreta a si mesma;
• Doutrinária: feita pelo estudioso;
• Jurisprudencial: realizada pelos Tribunais.

2. QUANTO AO MODO

• Gramatical: busca-se o sentido literal das palavras;


• Teleológica: busca-se a finalidade ou intenção, o objetivo da lei. O intérprete pesquisa a intenção
objetivada na lei, busca saber em que contexto essa norma foi produzida;
• Histórica: busca-se o fundamento de criação da norma;
• Sistemático: busca-se analisar o sistema em que a norma está inserida. Interpretação em conjunto
com a legislação em vigor e com os princípios gerais do direito. É uma interpretação rica;
• Progressiva: busca-se o significado legal de acordo com a ciência que está progredindo;
• Lógica: busca-se utilizar métodos indutivos e dedutivos de dialética, tentando encontrar o sentido da
lei a partir da razão.

3. QUANTO AO RESULTADO

• Declarativa: o resultado que se alcança é o que está escrito no texto; é aquela em que a letra da lei
corresponde exatamente àquilo que o legislador quis dizer, nada suprimindo e nada adicionando;
• Restritiva: é preciso reduzir o alcance das palavras da lei. Legislador disse mais do que queria e é
preciso restringir a aplicação da norma;
• Extensiva: legislador disse menos do que queria, sendo necessário ampliar o alcance das palavras.
Amplia-se o alcance das palavras da lei para que corresponda à vontade do texto.

PERGUNTA!
Admite-se interpretação extensiva contra o réu?

Socorrendo-se do princípio in dubio pro reo, não se admite interpretação extensiva contra o réu (na
dúvida, o juiz deve interpretar em seu benefício). O Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal
Internacional, no seu art. 22, § 2º, alerta que, na dúvida, o juiz deve interpretar a norma de forma a favorecer
a pessoa objeto do inquérito, acusada ou condenada.

O STJ tem precedente que afirma que o princípio da legalidade estrita impede a interpretação
extensiva em desfavor do réu, mas essa tese não prevalece mais. O próprio STJ e o STF admitem e aplicam
interpretação extensiva em desfavor do réu. A Lei n.º 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) estabelece que a Lei
n.º 9.099/1995 (Lei do Juizados Especiais) não se aplica aos crimes praticados no contexto de violência
doméstica e familiar contra a mulher. Os Tribunais Superiores dizem que, na verdade, a Lei n.º 9.099/1995
não se aplica aos crimes e às contravenções penais, porque na verdade a Lei Maria da Penha quis falar em

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delito, que engloba crimes e contravenções penais. Dá-se a “crimes” interpretação extensiva, já que a lei
disse menos do que queria. E essa é uma interpretação extensiva feita em desfavor do réu.

Não podemos confundir interpretação extensiva com interpretação analógica.

Interpretação analógica (intra legem) – dentro da própria lei. O Código, atento ao princípio da
legalidade, detalha todas as situações desejáveis e, posteriormente, permite que aquilo que a elas seja
semelhante passe também a ser abrangido no dispositivo. Estamos diante de exemplos seguidos de fórmula
genérica de encerramento. O legislador, ao formular a lei, dá exemplos e, sabendo que não pode abranger
todas as hipóteses, encerra de forma genérica para que o juiz, encontrando situação semelhante, interprete
de forma analógica. Exemplo: art. 121, § 2º, I, III e IV, CP.

ATENÇÃO
A interpretação analógica não se confunde com analogia! Analogia não é forma de interpretação,
mas de integração. É chamada de integração analógica.

Rogério Sanches traz, ainda, a interpretação sui generis, que é dividida em:

• interpretação sui generis exofórica: o significado da norma não está no ordenamento jurídico,
pois não se encontra na lei. Por exemplo, o art. 20 do CP não traz o significado da palavra “tipo”,
razão pela qual deve ser buscado na doutrina.
• interpretação sui generis endofórica: ocorre quando o texto normativo interpretado procura o
significado em outros textos do próprio ordenamento, ainda que não seja da própria lei. É isso
que ocorre quando estamos diante de uma norma penal em branco. Por exemplo, a Lei de
Drogas não define o que é “droga”, no entanto, dentro do ordenamento encontra-se uma norma
positivada (portaria da ANVISA) que explica o que se encaixa no conceito de “droga”.

A interpretação conforme a Constituição é aquela em que o intérprete busca, dentre várias


interpretações possíveis, aquela que se coaduna com a Constituição.

4. FORMAS DE INTERPRETAR A LEI PENAL

4.1. Interpretação extensiva

Segundo o art. 22 do Estatuto de Roma, não é possível interpretação extensiva em prejuízo do réu,
pois, em caso de ambiguidade, a norma deve ser interpretada em favor da pessoa investigada ou acusada. O
STJ também já disse que o princípio da estrita legalidade impede a interpretação extensiva.

Zaffaroni e Pierangeli, por outro lado, entendem que, em casos excepcionais, é possível
interpretação extensiva em prejuízo do réu, quando sua aplicação restrita resultar em notória
irracionalidade. Isso é chamado de escândalo interpretativo. Dizem que, em regra, de fato, não cabe
interpretação extensiva contra o réu, salvo quando interpretação diversa resultar num escândalo por sua
notória irracionalidade. Quando falo em notória irracionalidade falo em princípio da proibição da proteção
deficiente.

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4.2. Interpretação analógica

Na interpretação analógica, o legislador, propositadamente, traz uma série de situações que


pretende regular e, no fim, permite que aquilo que seja semelhante àquelas situações também seja
abrangido pela norma. Exemplo: homicídio pode ser qualificado mediante paga, promessa de recompensa,
ou por outro motivo torpe, e é o juiz quem determinará o que é o motivo torpe.

Há uma fórmula casuística, seguida de uma fórmula genérica. O que se tem é o encerramento
genérico que permite que sejam enquadradas outras situações naquela descrição.

5. ANALOGIA

Analogia não é forma de interpretar a norma, mas modo de integrar a lei penal. A integração da lei
penal se faz por meio da analogia.

Parte-se do pressuposto de que não há lei para ser aplicada no caso concreto. Não havendo lei,
aplica-se a norma que regule o caso semelhante: “onde há mesma razão deve haver a mesma decisão”.

Sabe-se que, por conta da reserva legal, está vedada a analogia in malam partem. A doutrina é
pacífica no sentido de que a analogia seja praticada in bonam partem.

Ademais, para que a analogia seja aplicada, deverá haver uma lacuna legal, e não um silêncio
intencional do legislador, além de resultar em algo favorável ao réu.

A analogia pressupõe lacuna, ausência de lei. É necessário integrar essa lacuna. Parte-se do
pressuposto de que não existe uma lei a ser aplicada ao caso concreto, motivo pelo qual é preciso socorrer-
se de previsão legal empregada à outra situação similar.

É possível analogia no Direito Penal? Sim. Os pressupostos são:

a. Certeza de que sua aplicação será favorável ao réu – somente in bonam partem.
b. Existência de uma efetiva lacuna a ser preenchida, isto é, omissão involuntária do legislador. Se
o legislador omitir propositalmente, se for um silêncio eloquente ou se ele não quis que uma
determinada lei seja aplicada a um fato, ainda que seja para favorecer o réu, não será aplicada
a analogia. Exemplo: art. 181, I, CP: não se fala em companheiro/união estável, fala somente em
cônjuge. À época da edição do CP, em 1940, não se falava em União Estável. Nesse caso, trata-
se de uma omissão involuntária do legislador.

Exemplo: o art. 155, § 2º, do CP trata da forma privilegiada do furto, mas há silêncio do legislador na
forma privilegiada ao roubo. O legislador não quis colocar a forma privilegiada no roubo.

A analogia poderá ser:

• analogia legis: o operador entende que não há uma norma regulando o tema, mas há uma
norma regulando tema semelhante. Com isso, integra-se a norma àquela lacuna.
• analogia iuris: o operador entende que não há uma norma regulando o tema, mas poderá se
utilizar de um princípio geral do direito, que regula caso semelhante, e integrá-lo àquela lacuna.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 5

5 TEORIA GERAL DA NORMA PENAL

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 5

É preciso tratar dos princípios gerais do Direito Penal.

1. PRINCÍPIO DA EXCLUSIVA PROTEÇÃO DE BENS JURÍDICOS

Segundo Luiz Régis Prado, bem jurídico é um ente material ou imaterial essencial para coexistência
e desenvolvimento do homem em sociedade. E por ser essencial, é juridicamente e penalmente protegido.
O caráter essencial do bem jurídico a vida em sociedade do homem justificam a sua proteção na esfera penal.

Portanto, a criação de tipos penais deve ser pautada pela proibição de comportamentos que
exponham a risco ou lesionem estes bens jurídicos, valores essenciais para o ser humano.

Isso vai pautar a atuação do legislador quando proibir condutas e criar crimes, pois deverá analisar
se tais condutas vão expor a perigo valores essenciais do ser humano.

2. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

O Direito Penal só deve ser aplicado quando for estritamente necessário, de forma que a atuação do
Direito Penal fique condicionada à insuficiência das demais esferas do controle social.

Só pode o Direito Penal atuar nos casos em que houver relevante lesão ou perigo de lesão a um bem
juridicamente tutelado. Este é o caráter fragmentário do Direito Penal, sendo, portanto, a ultima ratio.

3. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Como desdobramento do princípio da intervenção mínima e da fragmentariedade, surge o


denominado princípio da insignificância.

Ainda que o legislador crie tipos incriminadores, é possível que no caso concreto a lesão ao bem
jurídico seja irrelevante. Nesses casos que estaremos diante do crime de bagatela.

No caso do princípio da insignificância, há subsunção do fato à norma, configurando a tipicidade


formal. Todavia, não há tipicidade material.

No caso do princípio da insignificância, não há tipicidade material.

Do ponto de vista da interpretação, o princípio da insignificância seria uma restrição dada ao tipo
penal. Ou seja, o tipo penal, neste caso, não é aplicado. E, por conta disso, a conduta seria atípica.

Informativo 913-STF (05/09/2018) – Dizer o Direito


Em regra, o reconhecimento do princípio da insignificância gera a absolvição do réu pela
atipicidade material. Em outras palavras, o agente não responde por nada.
Em um caso concreto, contudo, o STF reconheceu o princípio da insignificância, mas, como
o réu era reincidente, em vez de absolvê-lo, o Tribunal utilizou esse reconhecimento para
conceder a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, afastando
o óbice do art. 44, II, do CP:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de
liberdade, quando: (...) II – o réu não for reincidente em crime doloso;
Situação concreta: Antônio foi denunciado por tentar furtar quatro frascos de xampu de um
supermercado, bens avaliados em R$ 31,20. O réu foi condenado pelo art. 155 c/c art. 14,
II, do CP a uma pena de 8 meses de reclusão. Foi aplicado o regime inicial semiaberto e
negada a substituição por pena restritiva de direitos em virtude de ele ser reincidente (já
possuía uma condenação anterior por furto), atraindo a vedação do art. 44, II, do CP.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 5

Em razão da reincidência, o STF entendeu que não era o caso de absolver o condenado,
mas, em compensação, determinou que a pena privativa de liberdade fosse substituída por
restritiva de direitos, afastando a proibição do art. 44, II, do CP.
STF. 1ª Turma. HC 137217/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de
Moraes, julgado em 28/8/2018 (Info 913).

Os Tribunais Superiores fixaram 4 requisitos para aplicação do princípio da insignificância (OPRI):

• Mínima ofensividade da conduta;


• Ausência de periculosidade social da ação;
• Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
• Inexpressividade da lesão jurídica causada.

O STF, analisando casos de aplicação ou não do princípio da insignificância, chegou à conclusão de


que o criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado como se
tivesse praticado condutas irrelevantes. Quando estes pequenos crimes são analisados em conjunto, é
possível perceber que o sujeito fez da infração penal um meio de vida, não podendo ser beneficiado pelo
princípio da insignificância.

O STJ vai além, dizendo que a reiteração delitiva impede o reconhecimento do princípio da
insignificância, eis que demonstra a periculosidade do agente, por meio do alto grau de reprovabilidade do
comportamento.

Vale lembrar que já houve a aplicação do princípio da insignificância quando a reincidência não se
deu em relação ao mesmo bem jurídico tutelado. Exemplo: o sujeito já havia sido condenado pela prática de
uma lesão corporal leve, com sentença já transitada em julgado, e cometeu um furto de R$ 16,00. Como os
bens jurídicos eram distintos (integridade física e patrimônio), nada impediria a aplicação do princípio da
insignificância.

O STJ, em determinado caso, admitiu a aplicação do princípio da insignificância, mas a Sexta Turma
decidiu da seguinte forma: “Ainda que se trate de acusado reincidente, ou portador de antecedentes, deve
ser aplicado o princípio da insignificância, no caso em que a conduta esteja restrita à subtração de 11 latas
de leite em pós, avaliadas em R$ 66,00, pertencentes ao estabelecimento comercial”.

Como se vê, a aplicação é casuística. No entanto, via de regra, quem reitera na prática delitiva não
é beneficiado.

O STF e o STJ vão considerar a lesão insignificante ou não, partindo da análise da capacidade
financeira da vítima, eis que uma coisa é subtrair R$ 100,00 de um sujeito desempregado e outra é subtrair
do empresário bilionário Abílio Diniz. Ou seja, caso a pessoa tenha poucas condições financeiras, poderá o
agente ter negada a aplicação do princípio da insignificância, uma vez que, com relação à vítima, o
quantum não seria insignificante.

Informativo 911-STF (23/08/2018) – Dizer o Direito


Em regra, a habitualidade delitiva específica (ou seja, o fato de o réu já responder a outra
ação penal pelo mesmo delito) é um parâmetro (critério) que afasta o princípio da
insignificância mesmo em se tratando de bem de reduzido valor.

Destaque-se, porém, que a situação em análise (casuística) pode justificar a aplicação do princípio da
bagatela, em respeito à própria ideia de proporcionalidade. Senão, vejamos precedente da Suprema Corte:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE FURTO SIMPLES. CINCO GALINHAS E DOIS SACOS DE
RAÇÃO. INEXPRESSIVIDADE ECONÔMICA E SOCIAL DA CONDUTA. RES FURTIVA DEVOLVIDA
À VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA PENAL DA CONDUTA. RECURSO PROVIDO. 1. O princípio da
insignificância penal é vetor interpretativo do tipo incriminador que exclui da abrangência

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 5

do Direito Penal condutas provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado.
2. Essa forma de interpretação visa, para além de uma desnecessária carcerização, ao
descongestionamento de uma Justiça Penal que se deve ocupar apenas das infrações tão
lesivas a bens jurídicos dessa ou daquela pessoa quanto aos interesses societários em geral.
3. A subtração de cinco galinhas e dois sacos de ração, no caso, não agrediu, materialmente,
o tipo penal incriminador do furto simples. Pelo que não é de se mobilizar a máquina
custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como é o aparato de poder em que o
Judiciário consiste para, afinal, não ter o que substancialmente proteger ou tutelar. Até
porque os autos dão conta da total devolução da res furtiva (coisa furtada) à vítima. 4. A
inexpressividade econômica e social dos objetos que o acusado subtraiu salta aos olhos. A
revelar muito mais a extrema carência material do paciente do que indícios de um estilo de
vida em franca aproximação da delituosidade. 5. Recurso ordinário em habeas corpus
provido para reconhecer a atipicidade da conduta e, por conseqüência, determinar o
trancamento da ação penal. (RHC 105919, Relator(a): AYRES BRITTO, Segunda Turma,
julgado em 23/11/2010, DJe-020 DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-
02454-03 PP-00762)

Informativo 938-STF (03/05/2019) – Dizer o Direito


A reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal
da conduta, à luz dos elementos do caso concreto.
No entanto, com base no caso concreto, o juiz pode entender que a absolvição com base
nesse princípio é penal ou socialmente indesejável. Nesta hipótese, o magistrado condena
o réu, mas utiliza a circunstância de o bem furtado ser insignificante para fins de fixar o
regime inicial aberto. Desse modo, o juiz não absolve o réu, mas utiliza a insignificância para
criar uma exceção jurisprudencial à regra do art. 33, § 2º, “c”, do CP, com base no princípio
da proporcionalidade
STF. 1ª Turma. HC 135164/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de
Moraes, julgado em 23/4/2019 (Info 938).

STJ: Em se tratando de evasão de divisas praticada mediante operação do tipo “dólar-cabo”


(efetuados pagamentos em reais no Brasil para disponibilizar, por meio de quem recebe tal pagamento, o
respectivo montante em moeda estrangeira no exterior), não é possível utilizar o valor de R$ 10 mil como
parâmetro para aplicação do princípio da insignificância. Vejamos:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. VIOLAÇÃO DO ART. 381, II E III, DO CPP
NÃO CONFIGURADA. PENA DE MULTA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO QUANTO À CONCRETA
SITUAÇÃO ECONÔMICA DO RÉU. FIXAÇÃO DO DIA-MULTA NO VALOR MÍNIMO. EVASÃO DE
DIVISAS. DIVERSAS OPERAÇÕES “DÓLAR-CABO” EM VALORES INFERIORES A R$ 10 MIL.
TIPICIDADE. VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO EM RAZÃO DA
COMPLEXIDADE DO ESQUEMA DE REMESSA DE VALORES. ADMISSIBILIDADE. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O magistrado não está obrigado a se manifestar sobre todos os pontos de discussão
apresentados pelas partes, de modo que a insatisfação com o resultado trazido na decisão
não significa prestação jurisdicional insuficiente ou contrária à norma do art. 381, III, do
CPP. Precedentes.
2. A pena de multa deve ser fixada em duas fases. Na primeira, fixa-se o número de dias-
multa, considerando-se as circunstâncias judiciais (art. 59, do CP). Na segunda, determina-
se o valor de cada dia-multa, levando-se em conta a situação econômica do réu.
3. Existe ilegalidade na estipulação do valor do dia-multa em um salário mínimo, portanto
acima do piso legal, sem que tenha havido apreciação concreta das condições econômico-
financeiras do recorrente na sentença ou no acórdão proferido na apelação. Nesse caso,
deve o valor do dia-multa ser reduzido ao mínimo legal de 1/30 do salário mínimo, nos
termos do art. 49, § 1º, do Código Penal.
4. A legislação autoriza, em relação ao valor inferior a R$ 10.000,00 (ou seu equivalente em
moeda estrangeira), apenas a saída física de moeda sem comunicação às autoridades
brasileiras. No caso de transferência eletrônica, saída meramente escritural da moeda, a lei
exige, de forma exclusiva, o processamento através do sistema bancário, com perfeita
identificação do cliente ou beneficiário (Lei n° 9.069/1995, art. 65, caput).

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 5

5. No caso das operações “dólar-cabo” existe uma grande facilidade na realização de


centenas ou até milhares de operações fragmentadas sequenciais. É muito mais simples do
que a transposição física, por diversas vezes, das fronteiras do país com valores inferiores a
R$ 10.000,00. Admitir a atipicidade das operações do tipo “dólar-cabo” com valores
inferiores a R$ 10.000,00 é fechar a janela, mas deixar a porta aberta para a saída
clandestina de divisas.
6. A evasão de divisas pode ser praticada de diversas formas, desde meios muito
rudimentares – como a simples saída do país com porte de dinheiro em valor superior a dez
mil reais sem comunicação às autoridades brasileiras – até a utilização de complexos
esquemas de remessas clandestinas.
7. Não se mostra justo punir da mesma forma condutas tão distintas como a mera saída
física do país na posse de valores não declarados e um sofisticado esquema de remessa
ilícita de valores como o demonstrado no caso concreto. 8. Recurso parcialmente provido,
apenas no que se refere à fixação do valor do dia-multa (REsp 1.535.956 - RS, Relator(a):
MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julgado em 1º de março de 2016).

Segundo o TSE, não é possível a aplicação do princípio da insignificância em crimes eleitorais (REsp.
1.188.718/RN).

Por outro lado, o STF já entendeu que é possível a aplicação do princípio da insignificância ao crime
consistente na conduta de Prefeito que utilizou máquinas e caminhões da Prefeitura para realizar
terraplenagem no terreno de sua residência.

A doutrina moderna distinguiu o princípio da insignificância do princípio da bagatela imprópria


(irrelevância penal do fato):

• Princípio da bagatela própria: há insignificância da conduta perpetrada, sendo materialmente


atípica;
• Princípio da bagatela imprópria: há uma irrelevância da pena, ainda que o fato seja relevante.
O fato é material e formalmente típico, ilícito e culpável, mas não haverá a aplicação da pena,
pois ela se torna desnecessária, não cumprindo a sua função. Exemplo: homicídio culposo
quando o sujeito mata o filho, ou quando o sujeito que cometeu o crime fica tetraplégico.

Destacam-se, ainda, duas súmulas do Superior Tribunal de Justiça:

• Súmula 589: “É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais


praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas. Fundamento: relevância penal
da conduta”.
• Súmula 599: “O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração
pública”.

Vale destacar que o próprio STJ já excepcionou a aplicação do enunciado sumular supracitado. Senão,
vejamos:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DANO


QUALIFICADO. INUTILIZAÇÃO DE UM CONE. IDOSO COM 83 ANOS NA ÉPOCA DOS FATOS.
PRIMÁRIO. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. MITIGAÇÃO EXCEPCIONAL DA SÚMULA
N. 599/STJ. JUSTIFICADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. A subsidiariedade do Direito Penal não permite tornar o processo criminal instrumento
de repressão moral, de condutas típicas que não produzam efetivo dano. A falta de
interesse estatal pelo reflexo social da conduta, por irrelevante dado à esfera de direitos da
vítima, torna inaceitável a intervenção estatal-criminal.
2. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio
da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade
da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau
de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 5

3. A despeito do teor do enunciado sumular n. 599, no sentido de que O princípio da


insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública, as peculiaridades do
caso concreto – réu primário, com 83 anos na época dos fatos e avaria de um cone avaliado
em menos de R$ 20,00, ou seja, menos de 3% do salário mínimo vigente à época dos fatos
– justificam a mitigação da referida súmula, haja vista que nenhum interesse social existe
na onerosa intervenção estatal diante da inexpressiva lesão jurídica provocada.
4. Recurso em habeas corpus provido para determinar o trancamento da ação penal n.
2.14.0003057-8, em trâmite na 2ª Vara Criminal de Gravataí/RS (RHC 85.272 / RS, relator
Min. NEFI CORDEIRO).

4. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL

Rogério Sanches ainda distingue o princípio da insignificância do princípio da adequação social. Este
princípio foi idealizado por Häns Welzel.

Segundo o princípio da adequação social, ainda que uma conduta seja formalmente e materialmente
típica, não poderá ser considerada típica caso ela seja socialmente adequada.

Aqui há duas funções básicas, pois reduz a abrangência do tipo penal. A primeira é que se o fato está
em desacordo com a norma, mas de acordo com o interesse social, a conduta deverá ser tida como atípica.
A segunda remete o princípio da adequação social ao legislador. Isso porque, se essa conduta está de acordo
com a sociedade, o legislador não pode criminalizá-la, orientando o parlamentar a como proceder na
definição dos bens jurídicos a serem tutelados.

Cezar Roberto Bitencourt faz uma crítica ao princípio da adequação social, afirmando que este
critério é impreciso. E continua: “princípio sempre inseguro e relativo”. Isso explicaria o porquê de os mais
destacados penalistas internacionais não aceitarem o princípio da adequação nem como caso de exclusão da
tipicidade nem mesmo como causa de justificação da pena.

O STJ não aceitou tal tese: Súmula 502 - STJ: Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica,
em relação ao crime previsto no art. 184, §2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas.

5. PRINCÍPIO DA EXTERIORIZAÇÃO OU DA MATERIALIZAÇÃO DO FATO

Vem do axioma: nulla injuria sine actione. Ou seja, não há ofensa ao bem jurídico sem ação.

Trata-se do Direito Penal do fato, pois não há como punir o pensamento do autor. É preciso que haja
a exteriorização ou materialização do fato.

Não se admite incriminações de sujeito pela sua personalidade. Isso porque o Direito Penal não é do
autor, e sim do fato, havendo materialização deste.

6. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O art. 1º do CP dispõe que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal.

A partir daí é possível perceber a ótica do Direito Penal sob três fundamentos:

• Fundamento político: vincula o Poder Executivo e Poder Judiciário, proibindo o exercício arbitrário
de um poder punitivo;
• Fundamento democrático: é o povo que elege o representante que vai definir o que é crime;
• Fundamento jurídico: a lei deve existir antes de se punir alguém, pois cria um efeito intimidativo.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 5

A doutrina amplia o alcance do CP e da CF, devendo ser lido o crime como infração penal e pena
como sanção penal, de forma a incluir a contravenção penal e a medida de segurança, respectivamente.

A doutrina também vai desmembrar o princípio da legalidade em outros 6 princípios:

Não há crime nem pena sem lei: com relação ao princípio da reserva legal, esta decorrência advém
do trecho “não há crime sem lei...nem pena sem prévia cominação legal”. A lei deve ser em sentido estrito.
Medida provisória não pode definir infração penal nem cominar pena, mas pode versar sobre Direito Penal
não incriminador, segundo o STF. Por isso, as MPs do Estatuto do Desarmamento tornaram o fato atípico
durante um período. É inadmissível que lei delegada verse sobre Direito Penal, pois a CF determina que é
vedado que lei delegada verse sobre direitos individuais. Quando falamos de norma penal, falamos de
direitos individuais.

Não há crime nem pena sem lei anterior: anterioridade da lei penal.

Não há crime nem pena sem lei escrita: exclui-se a possibilidade de o direito consuetudinário
promover a agravação da pena ou ser utilizado como fundamentação para se considerar a existência ou não
de crime. Costume não cria e nem extingue norma penal.

Não há crime nem pena sem lei estrita: é a proibição de analogia para tipo incriminador e para
agravar a pena. O STF não admitiu o furto de energia elétrica nos casos em que há furto de sinal de TV a cabo,
pois não seria possível fazer analogia in malam partem.

Não há crime nem pena sem lei certa: é o princípio da taxatividade. É dirigido ao legislador, devendo
os tipos penais terem clareza. O legislador não pode simplesmente criar um tipo penal de que seja crime um
“comportamento incorreto no trânsito”, pois esse conceito é vago.

Não há crime nem pena sem lei necessária: também advém do princípio da intervenção mínima do
Direito Penal.

Já a legalidade deve ser analisada sob dois aspectos:

• Legalidade formal: é a obediência aos trâmites processuais, denominado de devido processo


legislativo em que se cria a lei.
• Legalidade material: é imprescindível que a lei criada a partir desse processo legislativo seja
compatível com a Constituição.

A lei penal pode ser classificada como:

• Lei completa: não depende de complemento, seja valorativo (pelo juiz) ou normativo (por outra
norma). Exemplo: “matar alguém” é uma lei completa.
• Lei incompleta: depende de completo valorativo ou normativo.
• Tipo penal aberto: a norma depende de um complemento valorativo dado pelo juiz. Exemplo: crimes
culposos, pois é o juiz que decide se houve imprudência.
• Norma penal em branco: há a necessidade de um complemento normativo. Portanto, é preciso que
outra norma promova esse complemento. O preceito primário não é completo, razão pela qual a doutrina
subdivide essa norma penal em branco em:
• Própria (em sentido estrito, heterogênea): o complemento normativo advém de uma norma diversa
do legislador. Exemplo: Portaria complementa o crime de tráfico de drogas.
• Imprópria (em sentido amplo, homogênea): o complemento normativo emana do próprio
legislador:
• Homovitelina: o complemento emana do mesmo diploma legal. Exemplo: peculato é
complementado pelo conceito de funcionário público do art. 327, ambos do Código Penal;

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 5

• Heterovitelina: o complemento emana de instância legislativa diversa. Exemplo: o CP, quando fala
em contrair casamento com impedimento, não determina o que seria impedimento, de maneira que deverá
se complementar com o conceito previsto no Código Civil.

ATENÇÃO!
Rogério Greco afirma que a norma penal em branco imprópria pode ser homovitelina ou
heterovitelina, conforme emane ou não do mesmo ramo do direito. Portanto, se o complemento emana do
ramo de Direito Penal, a norma penal será homovitelina. De outro lado, se a norma-complemento está em
outro ramo do direito civil, então a norma penal será heterovitelina.

A doutrina também versa sobre norma penal em branco ao revés, sendo aquela em que o
complemento não vem no preceito primário, e sim no preceito secundário (sanção). É o caso dos crimes de
genocídio, razão pela qual, por se tratar de pena, necessariamente será complementada por meio de lei.

A norma penal em branco também pode ser do tipo norma penal em branco ao quadrado, sendo
aquela que a norma penal requer um complemento, mas este complemento também exige a integração por
outra norma. Exemplo: art. 38 da Lei n.º 9.605/1998 estabelece ser crime destruir ou danificar floresta de
preservação permanente. Todavia, a floresta de preservação permanente está prevista no Código Florestal.
Ocorre que será floresta de preservação permanente a assim declarada pelo chefe do Poder Executivo. Então,
quem vai determinar é o chefe do poder executivo.

A norma penal em branco pode ser de instâncias federativas diversas. Por exemplo, a Lei De Crimes
Ambientais pode criminalizar uma conduta de alguém que altere a estrutura da edificação, em desacordo
com o ato administrativo ou com uma lei, podendo esta ser municipal, estadual ou federal. O que se entende
é que, como regra, estas disposições são constitucionais, salvo se muito abertas, perdendo a taxatividade e
violando a competência privativa da União.

Norma penal em branco é passível de complemento internacional por uma norma de Direito
Internacional.

7. PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE OU LESIVIDADE

O princípio da ofensividade está ligado ao axioma da nulla necessitas sine injuria1 (não há necessidade
sem ofensa ao bem jurídico).

Para este princípio, é necessário que haja uma lesão ou um perigo de lesão ao bem jurídico tutelado
para que haja crime.

Parte da doutrina defende, com base neste princípio, a inconstitucionalidade dos crimes de perigo
abstrato. Isso porque, no caso, não haveria lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico. Os crimes de
perigo abstrato possuem uma presunção absoluta do perigo.

1Máxima de Luigi Ferrajoli.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 5

Os Tribunais Superiores admitem delitos de perigo abstrato como constitucionais. Exemplo: posse
ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 12, da Lei n.º 10.826/2003 – Estatuto do Desarmamento)2. A
posse ilegal de arma de fogo desmuniciada já seria suficiente para configurar o crime.

Outro exemplo, em que o STF entende possível o crime de perigo abstrato, é a embriaguez ao
volante.

São vedações decorrentes do princípio da lesividade:

• Vedação à criminalização de pensamentos e cogitações (direito à perversão) – o pensamento é


impunível, uma vez que não há alteridade, não há lesão ao outro.
• Vedação à criminalização de condutas que não tenham caráter transcendental (vedação à
criminalização da autolesão) – só é possível criminalizar determinada conduta se esta atingir bem jurídico
de outrem.

PERGUNTA!
Pratica crime o sujeito que se auto lesiona com o intuito de receber indenização da seguradora?

Sim, mas o bem jurídico ofendido não é a sua integridade física, mas sim o patrimônio da seguradora
que o sujeito, de forma ardil, viola. Pratica, portanto, estelionato.

• Vedação à criminalização de meros estados existenciais (criminalização da pessoa pelo que ela é):
não se pode criminalizar a pessoa pelo o que ela é, mas sim pelo o que ela faz. É por essa razão que não se
admite a contravenção penal da mendicância, visto que o Direito Penal não pode ser utilizado como forma
de produção de política pública. Em outras palavras, o sujeito não deixará de ser mendigo por existir
contravenção penal prevendo que ser mendigo é uma infração penal.

7.1. Princípio da alteridade

É um subprincípio do princípio da lesividade. Este princípio indica que a conduta deve


necessariamente atingir, ou ameaçar atingir, bem jurídico de terceiro.

A conduta deve ser transcendental para ser criminalizada. Por isso, o Direito Penal não pune a
autolesão. É este o argumento para se aduzir a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas.

8. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL

Só se pune alguém por aquilo que ele fez. É vedado que a pena atinja quem não praticou o fato. A
pena não passará da pessoa do condenado.

Tendo em vista que a responsabilidade é pessoal, é indispensável que a denúncia traga, de forma
pormenorizada, a conduta de cada um dos envolvidos em caso de concurso de pessoas. Ressalte-se que esta
previsão é relativa, uma vez que em muitos casos é praticamente impossível individualizar com precisão a
conduta de cada agente envolvido.

A partir de então, em síntese, têm-se dois desdobramentos:

2Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação
legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular
ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 5

• É preciso que a denúncia seja individualizada, narrando, ao menos minimamente, o que os acusados
fizeram;
• Exige-se que, na sentença, seja feita a individualização da pena, pois cada um merece uma pena
certa.

9. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA

Sem a presença de culpa em sentido amplo, que inclui dolo e culpa, não há responsabilidade penal.

O ordenamento não admite a chamada responsabilidade penal objetiva. Para que o sujeito seja
responsabilizado criminalmente é preciso que tenha agido com culpa em sentido amplo.

No caso de embriaguez completa, desde que não acidental (voluntária ou culposa), o sujeito será
responsabilizado com base na teoria da actio libera in causa (a ação é livre na causa); o estado mental do
agente será analisado no momento imediatamente anterior ao início da ingestão da bebida alcóolica.

10. PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE

O princípio da culpabilidade é um postulado que limita o direito de punir do Estado. É preciso que o
sujeito seja culpável para ser punível.

Ou seja, é preciso, para ser punido, que o sujeito (elementos da culpabilidade):

• Seja imputável;
• Tenha potencial consciência da ilicitude de sua conduta;
• Pudesse ter uma conduta diversa (exigibilidade de conduta diversa).

O princípio da culpabilidade exige que estejam presentes tais elementos para haver a punição do
indivíduo.

Obs.: A punibilidade não faz parte do conceito analítico de crime.

11. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (NÃO CULPABILIDADE)

Dispõe a CF, em seu art. 5º, LVII, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória.

A partir dessa ideia, é possível extrair três ideias do Estatuto de Roma:

• A pena privativa de liberdade só é admissível após a condenação em caráter definitivo (trânsito em


julgado);

OBSERVAÇÃO!
O Supremo reafirmou entendimento no sentido de que o início do cumprimento da pena só pode
ocorrer após o trânsito em julgado da condenação. Destaque-se que, no período de fevereiro de 2016 a
novembro de 2019, a partir do HC 126.292, o STF havia entendido que o início do cumprimento da pena após
a confirmação da condenação em segunda instância não violaria o princípio do estado de inocência. No
entanto, atualmente, resta reafirmado o entendimento da Corte de se exigir o trânsito em julgado da
sentença condenatória.

• Quem deve comprovar a responsabilidade penal do réu é o órgão acusatório (Ministério Público). Ao
final do processo, se restar dúvida, o sujeito deve ser absolvido, já que ele é presumidamente inocente;

51
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 5

• Eventual dúvida, deve ser interpretada a favor do réu (in dubio pro reo).

12. PRINCÍPIO DA PESSOALIDADE

Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, conforme art. 5º, XLV, CF.

Este princípio está ligado ao princípio da responsabilidade penal subjetiva, da responsabilidade penal
pessoal, da culpabilidade etc.

13. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO BIS IN IDEM

Este princípio não encontra consagração expressa na Constituição, mas está previsto no Estatuto de
Roma, em seu artigo 20.

Para o Estatuto de Roma, nenhuma pessoa poderá ser julgada por outro tribunal por um crime
mencionado no artigo 5° em relação ao qual já tenha sido condenada ou absolvida pelo Tribunal.

O princípio da vedação do bis in idem não é de caráter absoluto. Há uma exceção, contudo, nos arts.
7º e 8º do Código Penal, que são os casos de extraterritorialidade da lei penal brasileira. O artigo 8º do CP
dispõe que a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando
diversas; ou nela é computada, quando idênticas. Logo, é possível que o sujeito tenha sido processado e
condenado duas vezes pelo mesmo fato.

No direito brasileiro, a sentença condenatória transitada em julgado evita que se instaure novo
processo contra o réu condenado, em razão do mesmo fato, quer para impingir ao sentenciado acusação
mais gravosa, quer para aplicar-lhe pena mais elevada.

Obs.: A Quinta Turma do STJ, conforme informativo 569, assim decidiu:

DIREITO PENAL. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM.


O agente que, numa primeira ação penal, tenha sido condenado pela prática de crime de
roubo contra uma instituição bancária não poderá ser, numa segunda ação penal,
condenado por crime de roubo supostamente cometido contra o gerente do banco no
mesmo contexto fático considerado na primeira ação penal, ainda que a conduta referente
a este suposto roubo contra o gerente não tenha sido sequer levada ao conhecimento do
juízo da primeira ação penal, vindo à tona somente no segundo processo. De fato,
conquanto o suposto roubo contra o gerente do banco não tenha sido sequer levado ao
conhecimento do juízo da primeira ação penal, ele se encontra sob o âmbito de incidência
do princípio ne bis in idem, na medida em que praticado no mesmo contexto fático da
primeira ação. Além disso, do contrário ocorreria violação da garantia constitucional da
coisa julgada. Sobre o tema, há entendimento doutrinário no sentido de que "Com o
trânsito em julgado da sentença condenatória, o ato adquire a autoridade de coisa julgada,
tornando-se imutável tanto no processo em que veio a ser proferida a decisão (coisa julgada
formal) quanto em qualquer outro processo onde se pretenda discutir o mesmo fato
criminoso objeto da decisão original (coisa julgada material). No direito brasileiro, a
sentença condenatória evita se instaure novo processo contra o réu condenado, em razão
do mesmo fato, quer para impingir ao sentenciado acusação mais gravosa, quer para
aplicar-lhe pena mais elevada". Portanto, não há se falar, na hipótese em análise, em
arquivamento implícito, inadmitido pela doutrina e pela jurisprudência, tendo em vista que
não se cuida de fatos diversos, mas sim de um mesmo fato com desdobramentos diversos
e apreciáveis ao tempo da instauração da primeira ação penal. Ademais, a doutrina sustenta
que "a proibição (ne) de imposição de mais de uma (bis) consequência jurídico-repressiva
pela prática dos mesmos fatos (idem) ocorre, ainda, quando o comportamento definido
espaço-temporalmente imputado ao acusado não foi trazido por inteiro para apreciação do
juízo. Isso porque o objeto do processo é informado pelo princípio da consunção, pelo qual

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 5

tudo aquilo que poderia ter sido imputado ao acusado, em referência a dada situação
histórica e não o foi, jamais poderá vir a sê-lo novamente. E também se orienta pelos
princípios da unidade e da indivisibilidade, devendo o caso penal ser conhecido e julgado
na sua totalidade - unitária e indivisivelmente - e, mesmo quando não o tenha sido,
considerar-se-á irrepetivelmente decidido". Assim, em Direito Penal, "deve-se reconhecer
a prevalência dos princípios do favor rei, favor libertatis e ne bis in idem, de modo a
preservar a segurança jurídica que o ordenamento jurídico demanda" (HC 173.397-RS,
Sexta Turma, DJe de 17/3/2011). HC 285.589-MG, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em
4/8/2015, DJe 17/9/2015.

14. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA

O princípio da confiança, nem sempre citado pela doutrina e que é estudado no contexto do
funcionalismo sistêmico de Jakobs, aduz que todos possuem o direito de atuar acreditando que as demais
pessoas irão agir de acordo com as normas que disciplinam a vida em sociedade. Assim, quando alguém
ultrapassa um sinal verde e acaba colidindo lateralmente com outro veículo que avançou o sinal vermelho,
aquele que ultrapassou o sinal verde agiu amparado pelo princípio da confiança, não tendo culpa, já que
dirigia na expectativa de que os demais respeitariam as regras de sinalização.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 6

6 EFICÁCIA DA LEI PENAL NO TEMPO

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 6

1. INTRODUÇÃO

É possível que a lei penal se movimente no tempo. A esse movimento dá-se o nome de extra-
atividade.

Se a lei penal é aplicada a fatos que ocorreram antes da sua entrada em vigor, temos a retroatividade
da lei penal. Sendo aplicada a fatos posteriores a sua revogação, o caso é de ultratividade da lei penal.

2. TEMPO DO CRIME

Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento
do resultado: teoria da atividade (art. 4º, CP).

Isso tem implicações, principalmente, quando o sujeito é inimputável pela menoridade no momento
da ação, e maior de 18 anos no momento do resultado. Nesta situação, será punido com base no Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA).

3. SUCESSÃO DE LEIS PENAIS

O art. 5º, XL, da CF estabelece que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Portanto, percebemos que a regra é a irretroatividade da lei penal e a exceção é a retroatividade da


lei penal benéfica.

3.1. Novatio legis incriminadora

Se a conduta anteriormente era atípica, mas com a vigência da nova lei passa a ser uma conduta
criminosa, tem-se novatio legis incriminadora (teoria da ação significativa). A lei penal, neste caso, não
retroagirá.

3.2. Novatio legis in pejus

A nova lei trata de um comportamento que já era considerado criminoso, mas o tratamento atual
dado pela lei a este comportamento é um tratamento mais rigoroso.

Se a conduta já era criminalizada, mas uma lei recrudesce o tratamento estatal em relação àquela
conduta, receberá o nome de novatio legis in pejus. A lei nova que, de qualquer modo, prejudique o réu
também será irretroativa.

Cabe fazer uma observação com relação à Súmula 711 do STF, a qual dispõe que a lei penal mais
grave se aplica ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da
continuidade ou da permanência.

• Crime permanente é aquele cuja consumação se protrai no tempo pela vontade do agente. Exemplo:
crime de sequestro.
• Crime continuado, que é uma ficção jurídica, consiste na prática de vários crimes da mesma espécie,
sob as mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução, de forma que um crime será considerado
continuação do outro, sendo todos tratados como crime único. Neste caso, se uma lei mais prejudicial entrar
em vigência e o indivíduo continuar cometendo crimes da mesma natureza, em condições abarcadas pelo
instituto do crime continuado, a lei penal mais grave incidirá na cadeia de todos os crimes cometidos, ainda

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 6

que anteriores à vigência da nova lei penal, desde que não tenha cessado a continuidade. Aplica-se,
portanto, a pena do crime mais grave e, considerando o número de infrações praticadas, exaspera-se a pena
(≠ concurso formal). Bitencourt critica a súmula sustentando ser ela inconstitucional em relação ao crime
continuado.

3.3. Abolitio criminis

É possível que a conduta criminosa seja suprimida do ordenamento jurídico por meio de uma lei
penal, tornando-se um indiferente penal. Apresenta-se, consequentemente, como uma lei penal benéfica
que irá retroagir, alcançado, inclusive, situações definitivamente julgadas.

Neste caso, a lei penal será denominada de abolitio criminis. Este é inclusive o teor do art. 2º do CP,
estabelecendo que ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando
em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Portanto, serão interrompidos os
efeitos penais, ou seja, poderá a vítima cobrar as indenizações do réu, pois a abolitio criminis não retira o
caráter ilícito da conduta, mas, tão somente, a ilicitude penal.

Os efeitos extrapenais persistem, visto que o fato de uma conduta deixar de ser considerada um
ilícito penal não significa que ela tenha deixado de ser um ilícito civil e, portanto, a obrigação de indenizar a
vítima por eventual prejuízo causado persiste.

Por isso, é assentado que os efeitos extrapenais não são alcançados pela abolitio criminis.

Para Flávio Monteiro de Barros, a natureza jurídica da abolitio criminis é de causa extintiva da
tipicidade. No entanto, em primeira fase não devemos seguir esta posição. Isso porque o Código Penal
estabelece que a abolitio criminis é causa extintiva da punibilidade (art. 107, CP).

3.4. Novatio legis in mellius

É possível que uma nova lei venha a beneficiar o réu, sendo uma lex mitior. O art. 2º, parágrafo único,
do CP estabelece que a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos
anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

Trata-se de uma nova lei que passa a conferir um tratamento mais brando àquela conduta criminosa.
Isto é, a conduta continua sendo considerada criminosa, mas recebe tratamento mais ameno.

Trata-se da retroatividade da lei penal benéfica, incidindo ainda que o sujeito tenha sido condenado
definitivamente.

Após o trânsito em julgado da sentença, o juiz competente para aplicar a novatio legis in mellius é o
juízo da execução, conforme entendimento sumulado do STF (Súmula 611).

Todavia, Rogério Sanches atenta ao fato de que a súmula está incompleta, pois é possível que a
análise da lei mais benéfica seja feita pelo juízo competente para apreciar a revisão criminal. Isso ocorre
quando houver necessidade de exercício de um juízo de valor. É o caso que exige maior complexidade.

Será competente o juízo da execução quando a aplicação da novatio legis in mellius exigir apenas
uma operação matemática.

3.5. Lei penal benéfica em período de vacatio legis

PERGUNTA!

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 6

Lei penal mais benéfica pode ser aplicada ainda que de forma retroativa e em período de vacatio
legis?

Não, visto que ainda não entrou em vigor. Ressalte-se que é só com a entrada em vigor que uma lei
passa a ter aptidão para produzir efeitos jurídicos.

No caso de lei penal benéfica em período de vacatio legis, a discussão desemboca em duas correntes:

1ª Corrente: Alberto Silva Franco diz que é possível a aplicação, mesmo que esteja a lei em vacatio
legis.

2ª Corrente: A lei penal durante a vacatio legis não tem eficácia jurídica, razão pela qual não pode
beneficiar o réu. É a corrente majoritária.

3.6. Combinação de leis penais (lex tertia)

No caso de combinação de leis penais, o STF não admite a criação de uma terceira lei, em que o
magistrado se utiliza de pontos positivos de duas leis e os aplica ao caso concreto. O STJ também não admite
tal figura pela Súmula 501.

Se fosse possível, o Judiciário estaria agindo como legislador positivo, o que não é permitido. O juiz
deve aplicar integralmente a lei A ou a lei B.

Por essa razão, não se admite a combinação de lei penais no tempo, devendo a benignidade entre a
lei posterior e a lei anterior ser aferida considerando-as separadamente.

Assevera a doutrina que se houver dúvida sobre qual lei se mostra mais benéfica, a análise cabe ao
réu, representado por seu advogado.

3.7. Continuidade típico-normativa

Este princípio não se confunde com a abolitio criminis.

No caso da abolitio, há uma supressão formal e material da conduta criminosa, fazendo com que
esta não mais seja considerada criminosa.

No princípio da continuidade normativo-típico, há a supressão formal, mas não material do crime.


Esse princípio se aplica nos casos em que uma norma penal é revogada, mas sua conduta continua sendo
criminosa no ordenamento.

Exemplo: Lei n.º 12.015/2009 – o crime de atentado violento ao pudor (art. 214) teve sua conduta
migrada para o delito de estupro (art. 213). Houve a supressão formal, mas não a material. Outro exemplo é
o da Lei n n.º 13.718/2018 – a conduta descrita no artigo 61 do Decreto-Lei (DL) 3.688/41 passou a ser
prevista no artigo 215-A do Código Penal, ainda que com redação mais abrangente. Não houve abolitio
criminis, mas continuidade normativo-típica.

3.8. Leis temporárias e excepcionais

As leis temporárias e excepcionais são leis que possuem uma duração. Estas leis já nascem com
previsão de revogação.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 6

A lei temporária e a excepcional, mesmo que encerrado o período de sua duração, serão aplicadas
aos fatos praticados durante a sua vigência, razão pela qual têm o efeito da ultratividade.

A lei temporária tem um prazo determinado. Exemplo: Lei n.º 12.663/2012, que busca proteger o
patrimônio material e imaterial da FIFA, tendo vigência até 31/12/2014. Encerrado o prazo, não há mais que
se falar em tais crimes, no entanto, se alguém cometeu crime durante o prazo em que vigia a lei, responderá
por eles.

A lei excepcional é editada em função de algum acontecimento excepcional, como por exemplo uma
calamidade. Percebe-se, por exemplo, que quando o estado de emergência cessar também cessará a lei,
porém continua a ser aplicada aos fatos ocorridos durante a sua vigência.

Tais leis possuem duas características essenciais:

• Autorrevogabilidade: a lei penal temporária traz o prazo certo da sua revogação, enquanto a lei
penal excepcional não traz o momento de revogação, cessando quando cessar a situação ensejadora.
• Ultratividade: alcançam fatos praticados durante a sua vigência, mesmo após a sua revogação.

Vale lembrar que, como regra, não há abolitio criminis e nem mesmo lex mitior para os fatos delitivos
praticados durante a vigência das leis temporárias e excepcionais, salvo se houver determinação expressa
em lei nesse sentido.

3.9. Retroatividade da jurisprudência

Entendimento que prevalece: a extra-atividade, ultratividade ou retroatividade da jurisprudência não


são admitidas. Só se admite a extra-atividade da lei.

DICA!
Para a primeira fase do concurso adote que o entendimento que a JURISPRUDÊNCIA NÃO RETROAGE
PARA BENEFICIAR O RÉU.

Todavia, à luz dos ensinamentos do professor Rogério Sanches, chamemos a atenção ao fato de que
não se pode negar a possibilidade de retroatividade benéfica de jurisprudência de efeito vinculante, a qual
se dá através de súmula vinculante do STF, bem como quando há controle concentrado de
constitucionalidade. Nesses casos, a decisão terá efeito erga omnes. Para primeiras fases, devemos marcar
que jurisprudência não retroage, ainda que para beneficiar o réu.

3.10. Retroatividade da lei penal no caso de norma penal em branco

Norma penal em branco é aquela que é incompleta, dependente de um complemento normativo.

O STF afirma que a alteração de um complemento da norma penal em branco homogênea (norma
penal em branco imprópria / em sentido amplo), por ser complementada pela própria lei (homovitelina ou
heterovitelina), deverá retroagir para beneficiar o réu.

Todavia, no caso de uma alteração de uma norma penal em branco heterogênea (norma penal em
branco própria / em sentido estrito), cujo complemento se dá através de uma norma de hierarquia diferente
da lei (normalmente uma Portaria ou Resolução), a retroatividade da lei penal dependerá do caráter do
complemento.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 6

Quando a legislação complementar é revestida de caráter excepcional, como é o caso de portarias


que fazem tabelamento de preços, tal qual os crimes contra a ordem econômica, se não for obedecido o
tabelamento daquele ano ou mês, mas posteriormente houve a correção da tabela para um patamar
superior, não haverá a retroatividade da lei penal. Isso porque não produz a descriminalização, visto que o
complemento é dotado de caráter excepcional.

Quando a legislação não se reveste de excepcionalidade, como é o caso da retirada do cloreto de


etila da lista da Portaria da Anvisa que complementa a Lei de Drogas, haverá a retroatividade da lei penal,
razão pela qual, neste caso, a alteração do complemento produz a descriminalização da conduta. Isso porque
não há caráter excepcional da Portaria que não seja droga.

3.11. Lei intermediária mais benéfica

Suponha-se que João tenha cometido um crime sob a vigência da Lei A. Esta lei pune a conduta de
João com 4 anos de reclusão. Posteriormente, durante o processo, vem a Lei B, estabelecendo que a pena
de João passa a ser de 2 anos. Por fim, quando do julgamento, surge uma nova Lei C, determinando que a
pena seja de 3 anos.

Analisando as três leis, a melhor é a Lei B. Todavia, esta é intermediária, eis que não estava presente
no momento do fato, tampouco no momento da sentença.

O entendimento da doutrina e do STF é de que esta lei é dotada de duplo-efeito:

• retroatividade: retroage para alcançar o fato;


• ultratividade: possui força para alcançar a sentença ou o julgamento.

Prevalece a norma mais favorável que tenha tido vigência entre a data do fato e a data da sentença

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 7

7 LEI PENAL NO ESPAÇO

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RODRIGO PARDAL LEI PENAL NO ESPAÇO • 7

1. INTRODUÇÃO E PRINCÍPIOS

Quando falamos em lei penal no espaço, há um verdadeiro conflito de jurisdição internacional. Neste
caso, há princípios que levam à solução de um conflito aparente:

Princípio da territorialidade: a lei penal do local do crime é a que será aplicada, não importando a
nacionalidade do agente, da vítima ou do bem jurídico.

Princípio de nacionalidade ativa (personalidade ativa): aplica-se a lei do país pertencente ao agente
do crime (sujeito ativo), sem importar a nacionalidade da vítima, local do crime ou bem jurídico violado.

Princípio da nacionalidade passiva (personalidade passiva): aplica-se a lei do país pertencente à


vítima do crime, sem importar a nacionalidade do agente (sujeito ativo), local do crime ou bem jurídico
violado.

Princípio da defesa real: é a aplicação da lei penal da nacionalidade da coisa, do bem jurídico lesado.

Princípio da justiça penal universal (justiça penal cosmopolita): é o princípio que exige que se faça
justiça, sem se importar onde. O agente fica sujeito ao país em que for encontrado.

Princípio do pavilhão (representação, substituição ou bandeira): aplica-se a lei nacional aos crimes
cometidos em aeronaves ou embarcações privadas, quando praticados no estrangeiro, mas aí não sejam
julgados. Adotado pelo CP.

2. TEORIAS DA LEI PENAL NO ESPAÇO

Segundo o art. 5º, aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito
internacional, ao crime cometido no território nacional. Ou seja, aplica-se a lei penal brasileira aos crimes
cometidos no território nacional, mas não haverá prejuízos a tratados celebrados com o Brasil. Esta teoria
adotada é denominada de territorialidade mitigada.

Isto é, permite-se, eventualmente, a aplicação da lei estrangeira a fato praticado no território


brasileiro, sendo isto denominado de intraterritorialidade. Exemplo disso é a imunidade diplomática.

Por outro lado, também é possível que se aplique a lei penal brasileira a fato praticado no estrangeiro,
a isto se dando o nome de extraterritorialidade.

3. TERRITÓRIO NACIONAL

Para efeitos penais, segundo o art. 5º, § 1º, do CP consideram-se como extensão do território
nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro
onde quer que se encontrem.

Também são extensão do território nacional as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes


ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-
mar (princípio do pavilhão ou da bandeira).

O § 2º determina que é também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de
aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se as aeronaves em pouso no
território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente, ou então as embarcações em porto ou mar
territorial do Brasil.

61
RODRIGO PARDAL LEI PENAL NO ESPAÇO • 7

4. EMBAIXADAS

Apesar de as Embaixadas serem invioláveis, não constituem extensão do território dos países que
representam. Como a embaixada está dentro do território nacional, a aplicação da lei brasileira pode ser
afastada em razão da existência de Convenção Internacional que conceda imunidade diplomática, mas ainda
assim a embaixada é parte do território nacional.

Exemplo: A embaixada da Holanda no Brasil é considerada território brasileiro, razão pela qual, a
depender de quem pratique o crime lá dentro, haverá incidência da lei penal brasileira, salvo se houver
convenções, tratados e regras de direito internacional em sentido contrário.

5. PASSAGEM INOCENTE

O direito de passagem inocente consiste na não incidência da lei penal brasileira no caso em que
ocorra um crime dentro de um navio ou aeronave que se encontra de passagem no território nacional.

Neste caso, não haverá aplicação da lei penal brasileira, pois não há intenção de atracar no território
nacional.

6. LUGAR DO CRIME

Segundo o art. 6º do CP, considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão
(teoria da atividade), no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado
(teoria do resultado).

Como se vê, foi adotada a teoria mista ou da ubiquidade.

OBSERVAÇÃO!
O art. 70 do Código de Processo Penal adota a teoria do resultado para fins de fixação de
competência.

Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a
infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
§ 1º Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a
competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último
ato de execução.
§ 2º Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será
competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia
produzir seu resultado.
§ 3º Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a
jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais
jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.
§ 4º Nos crimes previstos no art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal), quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem
suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou
mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da
vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção.
(Incluído pela Lei nº 14.155, de 2021)

O professor Rogério Sanches apresenta três classificações de crimes:

• Crimes à distância (crime de espaço máximo): é o crime que percorre dois territórios de estados
soberanos. Poderá gerar um conflito de jurisdição.

62
RODRIGO PARDAL LEI PENAL NO ESPAÇO • 7

• Crimes em trânsito: é o crime que percorre mais de dois países soberanos, também podendo gerar
um conflito internacional de jurisdição.
• Crimes plurilocais: são os crimes que percorrem dois ou mais territórios dentro de um mesmo país.
Neste caso, pode existir um conflito interno de competência.

DICA!
Crimes à Distância percorrem Dois estados soberanos. Crimes em Trânsito percorrem Três ou mais
estados soberanos.

7. EXTRATERRITORIALIDADE

É a possibilidade de aplicar a lei penal brasileira a fatos ocorridos no estrangeiro.

O Código Penal, em seu art. 7º, estabelece quais crimes ficam sujeitos à lei brasileira, embora estes
crimes tenham sido cometidos no estrangeiro.

7.1. Extraterritorialidade incondicionada

Inciso I: haverá extraterritorialidade incondicionada, ou seja, o agente será punido segundo a lei
brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro, nos seguintes crimes:

• crimes contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;


• crimes contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de
Município, de empresa pública, de sociedade de economia mista, de autarquia ou de fundação instituída pelo
Poder Público;
• crimes contra a administração pública, por quem está a seu serviço;
• crimes de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;

A extraterritorialidade incondicionada é uma exceção ao princípio do ne bis in idem.

7.2. Extraterritorialidade condicionada

Inciso II: estabelece a extraterritorialidade condicionada para os crimes:

• que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;


• praticados por brasileiro;
• praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando
em território estrangeiro e aí não sejam julgados (trata-se de aplicação do princípio da bandeira ou pavilhão).

Todavia, para que haja a extraterritorialidade condicionada e seja aplicada a lei penal brasileira,
deverá haver o cumprimento de algumas condições:

• Entrar o agente no território nacional: trata-se de uma condição de procedibilidade, pois somente
haverá processo se o agente ingressar no território nacional;
• Ser o fato punível também no país em que foi praticado: se o agente consumiu droga em
determinado local permitido, então o fato não será punível no local em que foi praticado (trata-se de uma
condição objetiva de punibilidade);

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RODRIGO PARDAL LEI PENAL NO ESPAÇO • 7

• Estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição: as condições
estão previstas no art. 82 da Lei n.º 13.445/2017 (Lei de Migração)3;
• Condenação/absolvição: não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a
pena: percebe-se aqui um maior respeito ao ne bis in idem;
• Perdão/extinção de punibilidade: não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro
motivo, segundo a lei mais favorável, não estar extinta a punibilidade (se o indivíduo tiver sido perdoado,
não mais poderá ser punido no Brasil, assim como se tiver sido absolvido ou extinta a punibilidade).

7.3. Extraterritorialidade hipercondicionada

A extraterritorialidade hipercondicionada exige, além de todas as condições da extraterritorialidade


condicionada, que o crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, nesse caso, para haver
aplicação da lei brasileira, é necessário que:

• não tenha sido pedida ou negada a extradição;


• haja uma requisição do Ministro da Justiça.

8. COMPETÊNCIA PARA EXTRATERRITORIALIDADE

No caso da extraterritorialidade, a competência será da Justiça Estadual para julgar o indivíduo que
praticou o crime fora do território nacional, mas que está sujeito à aplicação da lei brasileira.

A regra é que seja da Justiça Estadual, no entanto, se estiverem presentes alguma (ou algumas) das
hipóteses do art. 109 do Código Penal, a competência será da Justiça Federal.

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no §
1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada
ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).
I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;
III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede
a dois;

3Lei n.º 13.445/2017 (Lei de Migração) - Art. 82. Não se concederá a extradição quando:
I - o indivíduo cuja extradição é solicitada ao Brasil for brasileiro nato;
II - o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente;
III - o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;
IV - a lei brasileira impuser ao crime pena de prisão inferior a 2 (dois) anos;
V - o extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se
fundar o pedido;
VI - a punibilidade estiver extinta pela prescrição, segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente;
VII - o fato constituir crime político ou de opinião;
VIII - o extraditando tiver de responder, no Estado requerente, perante tribunal ou juízo de exceção; ou
IX - o extraditando for beneficiário de refúgio, nos termos da Lei no 9.474, de 22 de julho de 1997, ou de asilo territorial.
§ 1o A previsão constante do inciso VII do caput não impedirá a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração à lei
penal comum ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal.
§ 2o Caberá à autoridade judiciária competente a apreciação do caráter da infração.
§ 3o Para determinação da incidência do disposto no inciso I, será observada, nos casos de aquisição de outra nacionalidade por
naturalização, a anterioridade do fato gerador da extradição.
§ 4o O Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crime político o atentado contra chefe de Estado ou quaisquer
autoridades, bem como crime contra a humanidade, crime de guerra, crime de genocídio e terrorismo.
§ 5o Admite-se a extradição de brasileiro naturalizado, nas hipóteses previstas na Constituição Federal.

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RODRIGO PARDAL LEI PENAL NO ESPAÇO • 7

O art. 88 do CPP estabelece que, no processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será
competente o juízo da capital do Estado onde houver por último residido o acusado.

Todavia, caso o acusado nunca tenha residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da
República.

9. PENA CUMPRIDA NO ESTRANGEIRO

Inicialmente, esse caso seria hipótese de extraterritorialidade, mas a pena foi cumprida no
estrangeiro. Esta hipótese apenas se aplica para a extraterritorialidade incondicionada, sendo seu escopo
afastar o risco de bis in idem.

Por essa razão, o Código Penal prevê que, se a pena foi cumprida no estrangeiro, a pena imposta no
Brasil será atenuada, se aquela for diferente desta.

Exemplo: No estrangeiro a pena para o crime é de prestação de serviços à comunidade, mas no Brasil
é pena privativa de liberdade. Neste caso, o cumprimento da prestação de serviços à comunidade em país
estrangeiro atenuará a pena imposta no Brasil, não podendo ser a mesma que seria caso o condenado não
tivesse cumprido a penalidade no exterior.

Por outro lado, se a pena for idêntica, ou seja, ambas privativas de liberdade, a pena cumprida no
exterior será abatida da sanção aplicada no Brasil. Em outras palavras, será computada.

Exemplo: Sendo o indivíduo, no Brasil, condenado a 4 anos, mas no estrangeiro condenado a 3 anos,
nesta hipótese, a pena privativa de liberdade é computada, pois são idênticas. Desse modo, se cumpriu os 3
anos no estrangeiro, faltará apenas 1 ano para cumprir a pena no Brasil.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 8

8 3EFICÁCIA DO DIREITO PENAL EM


RELAÇÃO ÀS PESSOAS

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 8

1. IMUNIDADE DIPLOMÁTICA

As imunidades diplomáticas são prerrogativas, e não privilégios. Trata-se de prerrogativa em razão


do cargo exercido, de natureza pública.

Possuem imunidades diplomáticas:

• Chefes de estado e Chefes de governo, bem como seus familiares e membros da comitiva;
• Embaixador e sua família;
• Funcionários do corpo diplomático e sua família;
• Funcionários de organização internacional, quando estes estiverem em serviço (séquito).

A Convenção de Viena vai além, assegurando ao agente diplomático a imunidade de jurisdição


penal do estado acreditado (aquele que recebe o agente diplomático), ou seja, ele não pode ser punido pelas
leis do Estado acreditado (em que ele está), pois está representando o seu país, que no caso é o Estado
acreditante (aquele que envia o agente diplomático).

PERGUNTA!
O diplomata não deve obediência à lei penal brasileira?

Sim, ele deve. Isso porque a lei penal possui caráter geral (generalidade) e imperativo
(imperatividade), pois a todos ela é imposta. Sendo assim, o diplomata deve obedecer à lei, pois se a
desobedecer, apesar de não ser submetido às consequências do Direito Penal brasileiro, poderá ficar sob a
eficácia da lei do Estado a que pertence (acreditante). Nesse caso da imunidade diplomática, haverá o
fenômeno da intraterritorialidade, pois será aplicada a lei do país acreditante aqui no Brasil.

O agente diplomático não pode ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão, conforme
Decreto n.º 56.435/1965. Esta inviolabilidade se estende à sua residência, documentos, correspondências,
ou seja, aos seus bens em geral.

A natureza jurídica da imunidade diplomática é de causa pessoal de isenção de pena. Esta imunidade
se aplica a qualquer crime, e não apenas aos atos praticados no exercício da função. O embaixador, por
exemplo, não ficará submetido a qualquer dessas reprimendas.

2. AGENTE CONSULAR

Não se pode confundir o agente diplomático com o agente consular.

O agente consular tem a função meramente administrativa, não desfrutando de imunidade


diplomática. Apesar disso, o cônsul possui uma imunidade restrita aos atos de ofício, ou seja, é uma
imunidade funcional relativa.

3. IMUNIDADES PARLAMENTARES

As imunidades parlamentares poderão ser classificadas em: Imunidades absolutas (substancial,


material ou indenidade); e Imunidades relativas (formal ou processual).

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 8

3.1. Imunidades absolutas (substancial, material ou indenidade)

Segundo o art. 53, caput, da CF, os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por
quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

Perceba-se que há uma inviolabilidade pelas palavras, opiniões e votos. Trata-se da liberdade da fala.

O STF entendeu que para haver a incidência da imunidade absoluta, é preciso que haja uma
conexão entre as palavras e opiniões do parlamentar e o exercício de suas funções. Não havendo essa
conexão, não há imunidade parlamentar substancial.

Todavia, se o parlamentar estiver nas dependências do Parlamento, presume-se absolutamente


que há essa conexão, razão pela qual sua imunidade estaria assegurada, tal como decidiu o STF4.

3.2. Imunidades relativas (formal ou processual)

A imunidade parlamentar relativa está prevista no art. 53, § § 1º a 8º, da CF, e se desdobra em:

• Imunidade relativa ao foro;


• Imunidade relativa à prisão (incoercibilidade dos congressistas);
• Imunidade relativa ao processo;
• Imunidade relativa à condição de testemunha;
• Imunidade relativa ao estado de sítio.

3.2.1. Imunidade relativa ao foro

Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o


Supremo Tribunal Federal. Não se trata de privilégio, mas sim um foro por prerrogativa de função.

OBSERVAÇÃO!
O Supremo conferiu uma interpretação restritiva – o foro por prerrogativa de função para deputados
e senadores só existe em relação a crimes praticados no exercício da função e em razão dela.5

3.2.2. Imunidade relativa à prisão (incoercibilidade dos congressistas)

A imunidade relativa à prisão visa proteger os parlamentares para que não sofram coerções pelas
suas atuações e opiniões. Trata-se da denominada incoercibilidade dos congressistas.

Por conta disso, desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser
presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de 24 horas

4STF. RE 606451 AgR-segundo, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 23/03/2011. (Os atos praticados em local distinto, escapam da proteção
absoluta da imunidade, que abarca apenas as manifestações que guardem pertinência, como nexo de causalidade, com o
desempenho das funções do mandato parlamentar).
5STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018. (As normas da Constituição de 1988 que

estabelecem as hipóteses de foro por prerrogativa de função devem ser interpretadas restritivamente, aplicando-se apenas aos
crimes que tenham sido praticados durante o exercício do cargo e em razão dele. Assim, por exemplo, se o crime foi praticado antes
de o indivíduo ser diplomado como Deputado Federal, não se justifica a competência do STF, devendo ele ser julgado pela 1ª instância
mesmo ocupando o cargo de parlamentar federal. Além disso, mesmo que o crime tenha sido cometido após a investidura no
mandato, se o delito não apresentar relação direta com as funções exercidas, também não haverá foro privilegiado).

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 8

à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. Trata-se de uma
decisão política, podendo a Casa liberá-lo ou mantê-lo preso.

No caso do Senador Delcídio do Amaral, o STF entendeu que o Senador estava obstruindo a Justiça
(art. 2º, § 1º, da Lei n.º 12.850/2013), e que este delito possui caráter permanente, estando, por isso, em
situação de flagrante. Ademais, no caso em apreço, não cabia fiança, razão pela qual estariam presentes os
requisitos para prisão cautelar.

Destaca-se, ainda, o caso do Deputado Federal Daniel Silveira (PSL-RJ). No dia 17/02/2021, por
unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a prisão em flagrante do deputado,
decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, “após a divulgação de vídeo em que Silveira defende medidas
antidemocráticas, como o AI-5, e instiga a adoção de medidas violentas contra a vida e a segurança dos
ministros do STF, o que constitui crime inafiançável”6.

A decisão foi proferida no Inquérito (INQ) 4781, que investiga fake news, denunciações caluniosas e
ameaças à Corte.

Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que as manifestações do parlamentar violam
os princípios republicanos e democráticos, a separação de Poderes, além de configurar crimes inafiançáveis,
não acobertados pela imunidade parlamentar. As manifestações do deputado teriam a finalidade de impedir
o exercício da judicatura, especialmente a independência do Poder Judiciário e a manutenção do Estado
Democrático de Direito.

As condutas praticadas estariam previstas nos artigos 17 (tentar mudar, com emprego de violência
ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito), 18 (tentar impedir, com emprego de
violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos estados), 22, incisos I
e IV (fazer propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social ou de
qualquer dos crimes previstos na lei), 23, incisos I, II e IV (incitar a subversão da ordem política ou social, a
animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis ou a prática
de qualquer dos crimes previstos na lei) e 26 (caluniar ou difamar o presidente da República, do Senado
Federal, da Câmara dos Deputados ou do STF), todos da Lei de Segurança Nacional (Lei n. º 7.170/1973)7.

Com relação à pensão alimentícia, há uma divergência sobre a possibilidade de prisão ou não do
parlamentar:

• 1ª Corrente: Uadi Lammego Bulos entende que é possível a prisão do parlamentar devedor de
alimentos.
• 2ª Corrente: Gilmar Mendes entende que não é cabível, eis que a imunidade abarca qualquer ato de
privação da liberdade, impedindo também as prisões de natureza extrapenal, como a do devedor de
alimentos.
• 3ª Corrente: Rogério Sanches afirma que a depender da espécie de alimentos, poderá ou não haver
a prisão. Se os alimentos forem provisórios, em uma tutela de urgência, não caberia prisão. Todavia, se os
alimentos tiverem caráter definitivo, então seria possível a prisão do parlamentar pelo descumprimento
inescusável e voluntário da obrigação alimentícia.

6 POR UNANIMIDADE, Plenário mantém prisão em flagrante do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ). Supremo Tribunal Federal,
17 fev. 2021. Disponível em https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=460657&ori=1 Acesso em: 10 ago.
2021.
7 Fonte: Site do STF.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 8

O tema não é pacífico. Aqui entendemos que bastaria que parte do subsídio do parlamentar fosse
destinado ao adimplemento da dívida alimentícia.

3.2.3. Imunidade relativa ao processo

A imunidade relativa se estende ao processo, mais precisamente a processos relativos a crimes


cometidos após a diplomação por congressistas. Repita-se: APÓS a diplomação.

No caso de crimes praticados após a diplomação por congressista, sendo recebida a denúncia pelo
Supremo Tribunal Federal, permite-se que a Casa Legislativa respectiva suste, a pedido de qualquer partido
político que nela tenha representação, o andamento da ação penal, através do voto ostensivo e nominal da
maioria absoluta de seus membros (art. 53, § 3º da CF).

Veja, esta imunidade não impede a instauração do processo, pois o STF dispensa a autorização.

Esta suspensão processual deve ser apreciada dentro do prazo de 45 dias pela Casa respectiva. Caso
ocorra a sustação, o processo não seguirá enquanto o parlamentar seguir no mandato, ficando suspenso o
processo e, consequentemente, o lapso prescricional.

ATENÇÃO!
A imunidade parlamentar em sentido formal, que é a ideia de sustar o processo a partir de um partido
político com representação no Congresso Nacional, não se estende aos inquéritos policiais, razão pela qual,
se houver a respectiva instauração da investigação, não há que se falar em suspensão a pedido de qualquer
partido político.

Ademais, como se trata de parlamentar, o STF entende que a iniciativa para instauração de inquérito
policial deve ser requerida pelo Procurador-Geral da República, com a autorização do STF, de modo que, a
partir de então, restará supervisionada pelo Supremo Tribunal Federal.

3.2.4. Imunidade relativa à condição de testemunha

Com relação à imunidade relativa à condição de testemunha, esta não se trata de parlamentar
acusado ou investigado, e sim na sua verdadeira condição de testemunha.

Os parlamentares são obrigados a testemunhar, salvo em duas hipóteses excepcionais, previstas na


CF:

• não são obrigados a prestar testemunhos sobre informações recebidas ou prestadas em razão do
exercício do mandato;
• não são obrigados a prestar sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações.

Portanto, nestes casos, há uma relação íntima com a atribuição do cargo.

De acordo com o art. 221 do CPP, os parlamentares possuem a prerrogativa de serem inquiridos em
local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz, ou seja, eles têm o dever de prestar testemunho,
salvo naquelas hipóteses constitucionais, mas deverão ajustar previamente a inquirição.

Atente-se que a condição de testemunha não se aplica ao parlamentar investigado ou acusado.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 8

3.2.5. Imunidade relativa ao estado de sítio

Mesmo que decretado o estado de sítio, as imunidades parlamentares persistem. É possível que
estas imunidades sejam suspensas pela decisão de 2/3 dos parlamentares da Casa respectiva, nos casos de
atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, e que sejam incompatíveis com a execução da
medida.

3.3. Parlamentar licenciado

Segundo STF, o parlamentar licenciado não tem imunidade. Todavia, permanece apenas o foro por
prerrogativa de função para ser julgado perante a Corte Suprema.

3.4. Imunidades dos deputados estaduais

A CF, em seu art. 27, § 1º, estende as imunidades dos parlamentares federais aos deputados
estaduais. Portanto, eles possuem as mesmas imunidades em razão do princípio da simetria.

3.5. Imunidades dos vereadores

O art. 29, VIII, da CF/88, estabelece que os vereadores possuem inviolabilidade por suas opiniões,
palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município. Isto é, possuem apenas
imunidades absolutas (materiais).

Ademais, vereadores não possuem foro por prerrogativa de função, salvo se previsto na
Constituição Estadual.

Por esta razão, aplica-se o disposto na súmula vinculante 45, estabelecendo que a competência
constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido
exclusivamente pela Constituição Estadual.

O foro por prerrogativa de função do prefeito está na Constituição Federal, devendo ser julgado
originariamente no Tribunal de Justiça. O STF amplia essa competência para tribunais de 2º Grau, a depender
da espécie de crime cometido (TRF, TRE ou TJ). Todavia, o vereador não possui foro previsto na CF, razão
pela qual se houver a prática de homicídio doloso, será julgado pelo Tribunal do Júri, ainda que previsto o
foro na Constituição Estadual.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 9

9 DISPOSIÇÕES GERAIS

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 9

1. EFICÁCIA DA SENTENÇA ESTRANGEIRA

A sentença criminal proveniente de estado soberano estrangeiro, desde a EC 45/2004, deve ser
homologada no Brasil pelo Superior Tribunal de Justiça. Ao fazer a homologação, o STJ não aprecia o mérito,
fazendo apenas um exame formal (juízo de prelibação).

Após a homologação, se a parte quiser que o agente repare o dano, restitua a reparação ou que
ocorra qualquer efeito civil, neste caso, é necessário que a parte interessada promova a ação, pois haverá
sempre a necessidade de requerimento por parte do interessado.

Ainda, se a homologação for pertinente à medida de segurança, será imprescindível que exista
tratado de extradição com o país de cuja autoridade emanou a decisão. Se não houver este tratado, é
necessário que haja uma requisição do ministro da justiça que suprirá a necessidade do tratado entre os
países.

Esta homologação não é imprescindível para que ela produza todos os seus efeitos. Damásio de
Jesus explica as hipóteses em que não é necessária a homologação: quando, por exemplo, no caso da
reincidência, basta que o sujeito tenha uma sentença penal condenatória, ainda que proferida no
estrangeiro, desde que traduzida por tradutor juramentado. Há ainda outros casos, como o sursis e
livramento condicional, hipóteses em que o reconhecimento independerá de homologação da sentença
penal condenatória.

2. CONTAGEM DE PRAZO

Com relação à contagem de prazo, Rogério Sanches estabelece a diferença de:

• prazos processuais penais: o CPP estabelece que não é computado o dia do início, mas é incluído o
dia do vencimento. Se cair em feriado ou dia não útil, prorrogar-se-á para o primeiro dia útil imediatamente
posterior.
• prazos penais: há aqui uma improrrogabilidade dos prazos, de forma que será incluído o dia do
começo e excluído o dia do final.

3. FRAÇÕES NÃO COMPUTÁVEIS DA PENA

Dispõe o art. 11 do CP que são desprezadas, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de
direitos, as frações de dia, e, na pena de multa, as frações de reais (cruzeiro).

O CP estabelece, ainda, que a pena será exasperada em 1/3, por exemplo.

Exemplo: Quando há uma causa de aumento de pena, essa pena poderá ficar em 8 anos, 7 meses,
12 dias e 4 horas, esta fração de dia (4 horas) é excluída pelo Código Penal. A pena de multa poderá ficar em
R$ 3.500,87, sendo que estas frações de reais serão excluídas.

4. CONFLITO APARENTE DE NORMAS

Quando falamos de conflito aparente de normas, não falamos em sucessão de leis penais no tempo.
Para se falar em conflito aparente de normas, é necessário que haja duas leis penais em vigor ao mesmo
tempo.

Para resolver o conflito aparente de norma, é necessário se valer dos seguintes princípios:

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 9

• princípio da especialidade;
• princípio da subsidiariedade;
• princípio da consunção;
• princípio da alternatividade.

4.1. Princípio da especialidade

O princípio da especialidade estabelece que a lei especial prevalece sobre a geral (lex specialis
derogat legi generali). No conflito entre lei penal geral e lei penal especial, aplica-se esta última. A lei é
especial em razão de conter, além de todos os elementos da lei geral, elementos especializantes.

Exemplo: Quem comete um infanticídio mata alguém, mas há elementos como “logo após o parto”
e o “estado puerperal” que são elementos especializantes, distinguindo-se tal crime do homicídio.

Atente-se que não há relevância se o crime é mais gravoso ou menos gravoso. O infanticídio possui
pena mais branda do que o homicídio.

4.2. Princípio da subsidiariedade

Na subsidiariedade, uma lei define o fato como criminoso e outra lei também define o fato como
criminoso. Porém, a abrangência da outra lei é maior. Em verdade, o que se percebe nesta relação entre
norma subsidiária e norma principal é que há um a relação de maior e de menor gravidade.

Não é relação de norma e espécie. Trata-se de uma relação de menor gravidade e maior gravidade.
A norma subsidiária só se aplica quando não houver subsunção do fato à norma mais grave, que é a norma
principal, devendo ser aplicada a norma subsidiária (lex primaria derogat legi subsidiariae).

A subsidiariedade poderá ser:

• subsidiariedade expressa: ocorre quando o próprio tipo penal traz a fórmula “se não houver crime
mais grave”;
• subsidiariedade tácita: ocorre quando o tipo penal não traz a fórmula, mas é possível perceber o
caráter de subsidiariedade da norma.

4.3. Princípio da consunção

Na consunção, há uma absorção de um delito por outro (lex consumens derogat legi consumptae).
Não há uma relação de espécie e gênero, tampouco um menos grave para o mais grave.

No princípio da consunção não necessariamente será aplicada a pena do crime mais grave. É o caso,
por exemplo, do agente que falsifica documento (com pena de reclusão de 2 a 6 anos) e posteriormente
utiliza-o para a prática de estelionato (com pena de reclusão de 1 a 5 anos). Neste caso, haverá aplicação da
Súmula 17 do STJ, a qual estabelece que, quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade
lesiva, é por este absorvido (o crime de estelionato é menos grave do que o de falsificação de documento).

No ano de 2016, o STJ entendeu que, se o agente cria farmácia de fachada para vender produtos
falsificados destinados a fins terapêuticos ou medicinais, ele deverá responder pelo delito do art. 273 do CP
(e não por este crime em concurso com tráfico de drogas), ainda que fique demonstrado que ele também
mantinha em depósito e vendia alguns medicamentos e substâncias consideradas psicotrópicas no Brasil por
estarem na Portaria SVS/MS nº 344/1998.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 9

Assim, mesmo tendo sido encontradas algumas substâncias que podem ser classificadas como
droga, o crime do art. 33 da Lei n.º 11.343/2006 ficará absorvido pelo delito do art. 273 do CP, que possui
maior abrangência. Aplica-se aqui o princípio da consunção.

Segundo decidiu o STJ8, “não se mostra plausível dizer que houve a prática de dois crimes distintos e
em concurso material quando, em um mesmo cenário fático, se observa que a intenção criminosa era dirigida
para uma única finalidade, perceptível, com clareza.”

4.3.1. Crime progressivo x progressão criminosa

O que caracteriza o princípio da consunção é o fato de que uma lei atinge parte de um todo de outro
crime. E quando atinge o todo, mesmo que uma parte não seja crime, deverá aplicar a parte do crime que
é o todo.

No crime progressivo, o sujeito já tem uma finalidade grave, mas para alcançá-la o sujeito pratica
crime menos grave.

Exemplo: João quer matar José. João pega uma faca e dá uma facada em José, tendo aqui uma lesão
corporal. Em seguida, dá uma segunda facada e, na terceira, José morre. Perceba que para alcançar o
resultado de um crime, neste caso mais grave, o agente passa necessariamente por um crime menos grave.
Há aqui um crime progressivo.

Todavia, o agente, desde o início, tinha o dolo de matar. É isto que diferencia a progressão criminosa
do crime progressivo (lesão é uma parte do homicídio).

Na progressão criminosa, o sujeito substitui o dolo inicial, pois, primeiramente, o sujeito queria
lesionar. Após lesionar, quer matar, havendo uma mudança do dolo. Há uma substituição do dolo, dando
causa a um resultado mais grave. Por essa razão, considera-se que o indivíduo praticou apenas um crime,
qual seja, o crime mais grave.

É ainda caso de consunção os chamados ante factum impunível e post factum impunível: ante factum
impunível: é o que ocorre antes e não será punível. São fatos anteriores que estão na linha de desdobramento
na ofensa mais grave.

Exemplo: João quer furtar a televisão de José. Para isso, viola o domicílio e leva a televisão. Neste
caso, a violação de domicílio é uma etapa do furto, mas não será de todo furto. Por essa razão, não há de se
falar em progressão criminosa e crime progressivo. Não há aqui substituição impunível.

Post factum impunível: consiste basicamente no exaurimento do crime principal.

Exemplo: O sujeito já cometeu a lesão, pegando o objeto que subtraiu e o destrói. Após ter cometido
o crime, ele o exaure. O sujeito que furtou a televisão de José e o coloca fogo nela não praticará um furto e
um dano, mas apenas um furto, pois a destruição posterior é post factum impunível.

8STJ. RE no REsp 1537773/SC. Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 19/12/2016.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 10

10 TEORIA GERAL DO CRIME: INTRODUÇÃO

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 10

1. CONCEITO DE INFRAÇÃO PENAL

• Enfoque formal: infração penal consiste na prática de uma conduta descrita em uma normal penal
incriminadora; em outras palavras, é aquilo que está rotulado em uma norma penal incriminadora com
ameaça de pena;
• Enfoque material: infração penal é o comportamento humano, causador de uma lesão ou ameaça
de lesão ao bem jurídico tutelado pelo Estado;
• Enfoque analítico: infração penal é o fato típico, ilícito e culpável (teoria tripartite).

2. DIFERENÇA ENTRE CRIME E CONTRAVENÇÃO

No Brasil, infração penal é gênero, tendo como espécies o crime e a contravenção penal.

Entre crime e contravenção penal não há diferença ontológica; o professor Nelson Hungria assevera
que contravenção penal não mais é do que um crime anão.

No entanto, do ponto de vista axiológico, há diferença acerca da valoração que se faz da infração.
Crimes são infrações penais mais graves e contravenções penais são menos graves

São diferenças entre crime e infração penal:

Quanto à pena privativa de liberdade imposta: o CP dispõe em sua Lei de Introdução que se
considera crime quando a pena privativa de liberdade é de reclusão ou de detenção, ainda quando
alternativamente à pena de multa. A contravenção penal é apenada com prisão simples, multa, ou prisão
simples e multa.

Quanto à espécie de ação penal: as contravenções penais são de ação penal pública incondicionada
(que é a regra), enquanto os crimes podem ser de ação penal pública incondicionada, condicionadas à
representação ou requisição e de ação penal privada;

Quanto à tentativa: as contravenções penais não admitem tentativa, pois não são puníveis (art. 4º,
Lei de Contravenções Penais). Os crimes admitem, como regra.

Quanto à extraterritorialidade da lei brasileira: somente se admite a extraterritorialidade quando


houver a prática de crime, não cabendo este instituto com relação às contravenções (art. 2º, LCP).

Quanto à competência para processar e julgar: os crimes podem ser da competência da Justiça
Federal, Estadual ou Eleitoral. Em relação às contravenções, estas serão sempre de competência da Justiça
Estadual (por exemplo, ainda que seja cometida contra o patrimônio da União), salvo se quem a cometeu a
contravenção tiver foro por prerrogativa de função.

Quanto aos limites da pena: no crime, a execução não pode exceder a 40 anos (Lei n.º 13.964/2019).
Nas contravenções, o limite para cumprimento de pena é de 5 anos.

Quanto ao período de prova (sursis): nos crimes, o período de prova será, como regra, de 2 a 4 anos,
porém, se for o sursis etário ou humanitário, poderá ser de 4 a 6 anos. No caso de contravenção, o período
de prova será de 1 a 3 anos, somente.

Quanto ao cabimento de prisão temporária e preventiva: crime admite prisão temporária e prisão
preventiva, porém contravenção não admite, pois não está dentro das hipóteses do art. 313 do CPP, nem no
rol previsto para a prisão temporária (Lei n.º 7.960/1989).

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 10

Quanto à possibilidade de confisco: a lei prevê que é possível confisco de bens que sejam produtos
de crimes, não havendo previsão neste sentido para as contravenções.

Quanto à ignorância da lei: no tocante às contravenções penais, no caso de ignorância ou de errada


compreensão da lei, quando escusáveis, a pena poderá deixar de ser aplicada pelo magistrado (hipótese de
perdão judicial). Todavia, no caso dos crimes, o Código Penal estabelece que, quando há crime, o
desconhecimento da lei é inescusável, funcionando, no máximo, como atenuante da pena.

3. SUJEITO ATIVO DO CRIME

Sujeito ativo do crime é qualquer pessoa que pratica uma infração penal, podendo ser pessoa física
ou pessoa jurídica.

Para ser sujeito ativo, a pessoa física deverá ser maior de 18 anos e capaz.

3.1. Responsabilização penal da pessoa jurídica

No tocante à pessoa jurídica, existe discussão, contudo, prevalece que a pessoa jurídica poderá
cometer crime, conforme o art. 225, § 3º, da CF (as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados).

A Lei nº 9.605/1995 (Lei dos Crimes Ambientais) regulamenta essa matéria, ao dispor que as pessoas
jurídicas serão responsabilizadas penalmente conforme o disposto nesta Lei, desde que:

• a infração seja cometida por decisão de quem detinha poderes para tanto dentro da Pessoa Jurídica,
ou seja, o seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado;
• a infração se dê no interesse ou benefício da sua entidade.

Com relação à pessoa jurídica, há algumas correntes que divergem sobre a possibilidade de punição:

• 1ª Corrente: entende que pessoa jurídica não pode praticar crime. A empresa é uma ficção jurídica,
sendo desprovida de consciência e vontade, não havendo que se falar em dolo.
• 2ª Corrente: entende que apenas pessoa física pode praticar crimes, mas, em se tratando de crimes
ambientais, e havendo uma relação objetiva entre o autor do fato e a empresa (exemplo: quem cometeu o
crime foi o seu representante legal), admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Neste caso, ela
não comete o crime, mas poderá ser responsabilizada se houver esta relação objetiva entre o autor do ilícito
e a pessoa jurídica.
• 3ª Corrente: entende que a pessoa jurídica é ente autônomo, distinto dos seus membros, e dotada
de vontade própria, razão pela qual pode cometer crimes ambientais. Essa doutrina não ignora que a
responsabilização da PJ está associada a uma pessoa física, pois esta age com elementos subjetivo: dolo e
culpa. TEORIA ADOTADA!

Todavia, o STF decidiu que a responsabilidade penal da pessoa jurídica independe da


responsabilidade penal da pessoa física. Sendo assim, STF9 e STJ10 não adotam a teoria da dupla imputação,
visto que afronta o art. 225, § 3º, CF, pois acaba condicionando a punição da pessoa jurídica à punição da
pessoa física, e isso não está previsto na CF ou legislação ordinária.

9RE 548181, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013.
10 RMS 39.173-BA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 6/8/2015, DJe 13/8/2015.

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Por essa razão, é possível que os responsáveis pela empresa sejam absolvidos por inexigibilidade de
conduta diversa, excluindo-se assim a culpabilidade dos agentes, mas a pessoa jurídica seja punida pelo
ilícito.

3.2. Responsabilização penal da pessoa jurídica dissolvida

O que acontece se for constatado um crime praticado por pessoa jurídica e, durante a apuração
criminal ou processo criminal, essa pessoa jurídica for dissolvida?

Aqui, há uma celeuma. Para Rogério Sanches, não há óbice para continuidade da apuração se a
pessoa jurídica é dissolvida durante o processo criminal. O que vai obstar a punição da pessoa jurídica é a
sua liquidação. Isso porque o art. 51 do Código Civil determina que nos casos de dissolução da pessoa jurídica,
ou cassada a autorização para o seu funcionamento, ela subsistirá para o fim de liquidação até que essa se
conclua. Portanto, até a liquidação ela subsistirá.

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, decidiu que a responsabilização
penal de empresa incorporada não pode ser transferida à sociedade incorporadora. O colegiado fixou o
entendimento de que o princípio da intranscendência da pena, previsto no artigo 5º, inciso XLV, da
Constituição Federal, pode ser aplicado às pessoas jurídicas (REsp nº 1977172 / PR).

3.3. Responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público

Trata-se de outra controvérsia. Há uma corrente que afirma que pode haver responsabilização penal
da pessoa jurídica de direito público, mas outra corrente se posiciona no sentido da sua impossibilidade:

• 1ª Corrente: entende pela impossibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica de direito


público. Utiliza como argumento o fato de que o Estado não pode ser delinquente. Isso porque a finalidade
do Estado é cumprir as leis, e, se não há o cumprimento, é porque a pessoa que estava na sua direção
desviou-se da vontade do Estado. O outro argumento pela impossibilidade é o fato de que o titular do ius
puniendi é o próprio Estado, não podendo ele aplicar pena a si mesmo. E o último fundamento é que, na
verdade, a reprimenda de uma punição penal ao Estado seria um ônus contra a própria sociedade.
• 2ª Corrente: entende pela possibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica de direito
público. Em primeiro lugar, porque a CF e a Lei n.º 9.605/1995 não obstam a punição da pessoa jurídica de
direito público. o argumento é que as normas que disciplinam a responsabilidade penal da pessoa jurídica
não excepcionam as pessoas jurídicas de direito público e, portanto, se a lei não impõe barreiras, não cabe
ao intérprete fazê-lo. Em segundo lugar, porque o Estado, muitas vezes, se lança em atividades, por meio de
pessoas jurídicas, inclusive para atuar na disputa do mercado com o setor privado, não havendo empecilhos
para que essas pessoas venham a delinquir.

Para ser penalizada a pessoa jurídica de direito público, é necessário que sejam feitas algumas
adequações às penas que ela pode receber. Os art. 21, 22 e 23 da Lei n.º 9.605/1995 tratam das sanções a
que ficam sujeitas as pessoas jurídicas infratoras.

Algumas dessas sanções não poderiam ser aplicadas às pessoas jurídicas de direito público, como é
o caso do art. 21, estabelecendo que as penas aplicáveis à pessoa jurídica seriam a multa, penas restritivas
de direitos e a prestação de serviços à comunidade.

O art. 22 explicita quais são estas penas restritivas de direito:

• suspensão parcial ou total de atividades;


• interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;

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• proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.

Já o art. 23 especifica em que consiste a prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica:

• custeio de programas e de projetos ambientais;


• execução de obras de recuperação de áreas degradadas;
• manutenção de espaços públicos;
• contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

No caso de um município cometer conduta que se enquadre como crime ambiental, se entendermos
que a pessoa jurídica de direito público pode ser responsabilizada penalmente, algumas penas serão
incompatíveis, tais como as penas restritivas de direito. Isso porque as atividades não podem ser suspensas,
tampouco interditados os estabelecimentos, além de não ser possível proibir a contratação com o Poder
Público.

Por outro lado, a pena de multa e a prestação de serviços à comunidade seriam, em tese,
plenamente aplicáveis também aos municípios.

Em suma, conclui-se que a Lei n.º 9.605/1995 não obsta que a pessoa jurídica de direito público
seja responsabilizada penalmente. Este é o entendimento de Édis Milaré e Paulo Affonso Leme Machado.

CUIDADO NA PROVA!
As questões objetivas ainda se posicionam no sentido de inadmissibilidade da punição.

3.4. Crime comum, crime próprio e crime de mão própria

O delito pode ser classificado como:

• crime comum: qualquer pessoa pode praticá-lo, não exigindo uma qualidade especial do agente.
Admite coautoria. Exemplo: furto, homicídio;
• crime próprio: exige-se uma qualidade pessoal do agente. Admite coautoria, ainda que o coautor
não ostente a qualidade especial, desde que saiba que seu comparsa ostenta (comunicação de circunstância
e condição pessoal, que são elementares do tipo). Exemplo: peculato;
• crime de mão própria: além da qualidade pessoal do agente, é necessário que o próprio agente
execute o delito, de forma que somente ele poderá praticar o crime na condição de autor. Exemplo: falso
testemunho ou falsa perícia. No crime de mão própria, admite-se participação, mas coautoria não;
excepcionalmente ocorreria na hipótese de dois peritos combinarem em assinar laudo falso.

4. SUJEITO PASSIVO DO CRIME

O sujeito passivo é a vítima do crime, ou seja, aquele que sofre as consequências da infração penal,
admitindo-se que seja qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, incluindo os entes sem
personalidade jurídica.

Quando o crime for cometido contra esses entes sem personalidade jurídica, neste caso, o nome
doutrinário será crime vago. Exemplo: crimes contra a família, coletividade etc.

4.1. Espécies de sujeito passivo

O sujeito passivo pode ser subdividido em:

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 10

• sujeito passivo imediato, casuístico, material, particular, acidental, direto ou eventual: é o


titular do interesse juridicamente protegido e que foi violado naquela situação em apreço.
• sujeito passivo constante, mediato, formal, geral, genérico ou indireto: será sempre o Estado,
em razão da violação de uma norma estatal, uma vez que é a ele que pertence o direto público
subjetivo de exigir o cumprimento da lei;

4.2. Classificação do sujeito passivo

• sujeito passivo próprio: dependerá da exigência da uma qualidade especial do sujeito passivo.
Exemplo: infanticídio – recém-nascido filho(a) do sujeito ativo.
• sujeito passivo comum: a vítima do crime pode ser qualquer pessoa.

Sendo o sujeito ativo e passivo comuns, o delito será classificado como crime bi-comum. Por outro
lado, se ambos os sujeitos forem próprios, o crime será bi-próprio.

4.3. Crime contra o morto

PERGUNTA: Sendo o crime cometido contra os mortos, como a calúnia, quem será o sujeito passivo?

O morto não é titular de direitos. Se o delito é contra o respeito aos mortos, o sujeito passivo será a
coletividade. No caso de uma calúnia contra o morto, o sujeito passivo será a sua família.

4.4. Simultaneidade de sujeição ativa e passiva

PERGUNTA: É possível que o indivíduo seja sujeito ativo e passivo do crime ao mesmo tempo?

Em regra, não será possível. Nem mesmo no caso de autolesão para obtenção de benefício de seguro
será admissível. Neste caso, o sujeito passivo é a seguradora, pois é o seu patrimônio que é violado.

Na autoacusação falsa, a vítima é o Estado, e não a parte que faz essa autoacusação.

Contudo, na rixa há uma divergência. Isso porque, na rixa, os rixosos são sujeitos ativos nas condutas
que realizam e sujeitos passivos quando sofrem as consequências dos outros participantes. Não quer dizer
que ele é sujeito passivo e ativo ao mesmo tempo, e sim que é sujeito ativo das condutas que pratica e
passivo das condutas praticadas contra ele.

Todavia, ainda no caso da rixa, Rogério Greco entende que o crime de rixa seria uma exceção em
que haveria uma pessoa sendo sujeito ativo e passivo ao mesmo tempo.

5. OBJETO JURÍDICO DO CRIME E OBJETO MATERIAL

5.1. Objeto material

É o resultado naturalístico alcançado pela infração penal. Em outras palavras, é a pessoa ou a coisa
sobre a qual recai a conduta. Exemplo: no furto de um carro, o objeto material é o carro (objeto jurídico: o
patrimônio). No homicídio de José, o objeto material é José (objeto jurídico: a vida).

PERGUNTA: Existe crime sem objeto material?

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Sim, é o caso dos crimes de mera conduta. Nos crimes omissivos puros ou próprios, também não
haveria objeto material. Exemplo: porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14, Lei n.º
10.826/2003).

Por outro lado, nos crimes materiais sempre há objeto material. Isso porque a lei descreve uma
conduta e um resultado naturalístico, o qual será indispensável para a consumação do delito.

5.2. Objeto jurídico

Todo crime tem objeto jurídico. Objeto jurídico é o interesse tutelado pela norma, ou seja, é o bem
jurídico em si. Exemplo: no porte ilegal de arma de fogo o objeto jurídico é a incolumidade pública.

O crime pode ofender um bem jurídico (crime mono-ofensivo), mas também poderá ofender mais
de um bem jurídico (crime pluriofensivo). Exemplo: no furto, o bem jurídico violado é o patrimônio; no
roubo, viola-se a liberdade e o patrimônio.

Anselm Von Feuerbach dizia que delito deveria ser concebido como uma violação a uma liberdade
individual e não como mera violação à norma. Não obstante às críticas a elas direcionadas, as ideias de
Feuerbach foram fundamentais para a posterior construção do conceito de bem jurídico, por J. M. F.
Birnbaum.

Para Birnbaum, o Direito Penal estaria materialmente limitado a intervir nas liberdades individuais
apenas para pretender tutelar um determinado bem, individual ou coletivo, de relevante interesse para o
indivíduo ou para a sociedade, respectivamente.

Abandona-se, assim, a ideia de violação ao direito como legitimação à resposta penal, proposta por
Feuerbach, numa transposição de bases normativas para bases naturalistas, daí porque alguns se referem a
Birnbaum como um jus racionalista naturalista.

ATENÇÃO!
Nem todo o crime possui objeto material, porém, todo o crime possui objeto jurídico. Não é possível
haver crime sem objeto jurídico, mesmo os crimes de mera conduta.

6. CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES

Estas classificações costumam cair em prova. Extrai-se a classificação da obra Manual de Direito Penal
– parte geral – de Rogério Sanches Cunhas (ed. JusPodivm).

a) Classificação quanto ao resultado

A classificação que trata dos crimes materiais, formais e de mera conduta se refere ao resultado
naturalístico:

• Crime material: a norma descreve a conduta e o resultado naturalístico (modificação no mundo


exterior), sendo imprescindível a ocorrência do resultado para a consumação do delito. Exemplo: homicídio;
• Crime formal (crime de consumação antecipada ou de resultado cortado): o tipo descreve um
resultado, mas a sua ocorrência é desnecessária para ocorrer a consumação, caso ocorra, ter-se-á mero
exaurimento. Exemplo: extorsão mediante sequestro, em que a vantagem indevida é mero exaurimento
(este fator repercutirá na dosimetria da pena;

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 10

• Crime de mera conduta ou simples atividade: é aquele em que a norma descreve a conduta e não
descreve o resultado naturalístico. O crime de mera conduta não possui objeto material, sendo o mero
comportamento proibido. Exemplo: porte ilegal de arma de fogo (art. 12, Lei n.º 10.826/2003).

b) Classificação quanto ao sujeito

O crime pode ser classificado quanto ao sujeito ativo como:

• crime comum ou geral: qualquer um pode cometer;


• crime próprio ou especial: exige uma qualidade especial do agente;
• crime de mão própria: exige a qualidade especial do agente e sua atuação pessoal.

O crime pode ser classificado quanto ao sujeito passivo como crime vago, que é aquele que tem
como vítima um ente destituído de personalidade jurídica.

c) Classificação quanto ao ânimo do agente

O crime pode ser classificado como:

• crime doloso: ocorre quando o agente quer o resultado (dolo direto – teoria da vontade) ou
assume o risco de produzi-lo (dolo eventual – teoria do assentimento);
• crime culposo: ocorre quando o agente não quer o resultado, mas este é previsível, de modo que
o agente age sem o dever objetivo de cuidado e causa o resultado. Neste caso, provocou o
resultado por imprudência, negligência ou imperícia;
• crime preterdoloso: é aquele que possui o dolo na conduta antecedente e culpa na conduta
consequente. Inicia a conduta dolosamente, mas o resultado mais grave é culposo.
o Exemplo: lesão corporal seguida de morte.

d) Classificação quanto ao momento de consumação

O crime pode ser classificado como:

• crime instantâneo: quando a consumação se dá em momento determinado. Exemplo: roubo, que se


dá com a inversão da posse do bem;
• crime permanente: é aquele cuja consumação se protrai no tempo. Exemplo: extorsão mediante
sequestro;
• crime instantâneo de efeitos permanentes: é aquele em que a consumação se dá em momento
determinado, mas o efeito causado é irreversível. Exemplo: O sujeito mata alguém (homicídio).

e) Crime consumado ou tentado

O crime pode ser classificado como:

• crime consumado: é o crime que preencheu todos os elementos do tipo. Não se confunde com
o crime exaurido, em que após a consumação é praticado um novo ato. O exaurimento é
relevante para fins de aplicação da pena;
• crime tentado: não se tem o preenchimento de todos os requisitos legais, por circunstâncias
alheias à vontade do agente.

f) Crime de dano ou crime de perigo

O crime pode ser classificado como:

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 10

• crime de dano: há uma efetiva lesão ao bem jurídico tutelado;


• crime de perigo: não há uma efetiva lesão ao bem jurídico, pois ele somente é colocado em risco.
Pode se subdividir em:
o crime de perigo concreto: exige a demonstração de que o bem jurídico foi colocado em
risco. Exemplo: exposição da vida e da saúde de outrem a perigo (art. 132, do CP);
o crime de perigo abstrato ou presumido: a própria lei presume absolutamente que aquela
conduta é perigosa, dispensando a prova do perigo. Exemplo: porte ilegal de arma de
fogo.

g) Crime simples, complexo, qualificado e privilegiado

O crime pode ser classificado como:

• crime simples: é formado pelo tipo penal. É objetivamente aferido, bastando a leitura do caput
da lei penal incriminadora;
• crime complexo: na descrição do crime há a fusão de pelo menos dois tipos penais. Exemplo: o
roubo é a soma do furto com o constrangimento ilegal;
• crime ultracomplexo: tipo penal complexo + uma causa de aumento de pena ou de uma
qualificadora. Exemplo: roubo praticado com emprego de arma de fogo. Neste caso, como o
indivíduo porta a arma de fogo ilegalmente, poderia configurar o tipo autônomo do Estatuto do
Desarmamento. No entanto, no caso do crime de roubo, o que se tem é uma causa de aumento,
aplicando-se o princípio da especialidade, respondendo por roubo, majorado pelo emprego da
arma. Para evitar bis in idem, se o indivíduo utilizou a arma apenas para o crime de roubo, não
responderá pelo crime de posse ilegal de arma de fogo. Este é o entendimento do STJ e foi objeto
de recente atuação legislativa11;
• crime qualificado: é um crime que deriva do tipo penal básico ou complexo, derivando do caput,
como regra. A qualificadora fixa novos patamares mínimo e máximo de pena;
• crime privilegiado: a reprimenda é abrandada. A lei considera que, em certas circunstâncias, a
gravidade da conduta é menor, razão pela qual há um tipo penal com patamares menores do
que o tipo penal básico.

h) Crime plurissubjetivo ou unissubjetivo

O crime pode ser classificado como:

• crime plurissubjetivo: é o crime em que há uma pluralidade de sujeitos. É um crime de concurso


necessário. Exemplo: associação criminosa; promover ou integrar organização criminosa.

Neste caso, o crime poderá apresentar:

o condutas paralelas: quando todos pretendem alcançar um fim único. Exemplo:


associação criminosa (art. 288, CP);
o condutas divergentes: quando os sujeitos dirigem suas ações uns contra os outros.
Exemplo: rixa (art. 137, CP);
o condutas bilaterais: ocorre quando a conduta de um agente se encontra com a conduta
de outro agente. Exemplo: bigamia (art. 235, CP).

11 A Lei 13.654/2018 alterou o art. 157, do Código Penal, que passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 157 § 2º-A - A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):
I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 10

• crime unissubjetivo: ocorre quando não há exigência da pluralidade de sujeitos, basta uma única
pessoa. Ressalte-se que é possível a prática do crime em concurso de pessoas. São os chamados
crimes de concurso eventual. Exemplo: homicídio, que pode ser praticado por uma ou várias
pessoas.

i) Crime omissivo ou comissivo

O crime pode ser classificado como:

• Crime comissivo: é a realização do crime por meio de uma ação. O indivíduo viola uma norma
penal proibitiva. Exemplo: é proibido matar, mas o indivíduo mata;
• Crime omissivo: o sujeito não faz o que devia ser feito; há a violação de um tipo mandamental.
Exemplo: a norma manda o indivíduo socorrer, mas ele não socorre. O crime omissivo se
subdivide em:
o Crime omissivo próprio: o não fazer é o que caracteriza o crime omissivo próprio, somado
à situação em que o indivíduo devia e podia agir. A norma mandamental do crime
omissivo decorre do próprio tipo penal. Exemplo: omissão de socorro (art. 135, CP);
▪ É possível a participação por ação em crime omissivo próprio, ocorrendo
quando o agente influencia (participação moral por induzimento) o autor a
deixar de prover alimentos a vítima (art. 244, CP).
o Crime omissivo impróprio (impuro ou comissivo por omissão): tem-se, em verdade, um
crime comissivo, praticado por omissão; o sujeito tem o dever jurídico de evitar o
resultado, é o chamado GARANTE (art. 13, § 2º, CP); a omissão decorre de uma cláusula
geral, de um dever de agir que está descrito. Neste caso, não há uma descrição do tipo
penal incriminador, de forma que o tipo descreve inclusive uma conduta comissiva, e não
omissiva;
▪ Exemplo: mãe que, querendo matar o filho, deixa de amamentá-lo, levando-o à
morte. Nesta situação, a mãe praticou o crime na forma omissiva, denominando-
se de crime omissivo impróprio, impuro ou comissivo por omissão. Admite-se a
participação por ação em crime omissivo impróprio. Isso ocorre quando o agente
induz (participação moral por induzimento) a mãe a matar o próprio filho por
inanição (art. 13, § 2º, alínea 'a', c/c art. 29, ambos do CP).
o Crime omissivo por comissão: é aquele crime em que a pessoa atua para que outras se
omitam em relação à situação em que deveriam agir; a pessoa deveria agir, mas ela é
impedida por alguém;
▪ Exemplo: médico tem a obrigação legal de atender a pessoa em situação de
emergência. Todavia, um desafeto do paciente tranca o médico na sala e impede
que ele atue para salvar a pessoa. Neste caso, morrendo o sujeito, o médico não
terá agido, havendo o crime de homicídio do desafeto por meio omissivo por
comissão. O médico não responde.

ATENÇÃO!
No crime omissivo, via de regra, não se admite a tentativa; não há que falar em resultado
naturalístico. Mas se o crime é omissivo por comissão, é plenamente possível a tentativa, bastando pensar
na hipótese em que o médico consegue quebrar a porta, sair e atender o paciente. Neste caso, o desafeto
tentou matar a vítima trancando o médico na sala.

Há ainda o crime de conduta mista, em que há uma ação comissiva seguida de uma omissão.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 10

Exemplo: apropriação de coisa achada (art. 169, II, CP). Primeiro, o indivíduo acha a coisa (ação). Em
seguida, ele não devolve a coisa à autoridade competente, passados 15 dias (omissão).

j) Crime unissubsistente ou plurissubsistente

O crime pode ser classificado como:

• crime unissubsistente: é cometido por apenas uma conduta. Não se admite o fracionamento da
conduta. Neste caso, não haverá tentativa. Exemplo: injúria verbal, pois, sendo escrita, poderá
haver a interceptação da carta e configurar tentativa;
• crime plurissubsistente: a conduta poderá ser fracionada, e, por isso, é possível a tentativa.
Exemplo: homicídio, furto, roubo, etc.

k) Crime habitual

O crime habitual é aquele em que se exige uma reiteração de atos para fins de consumação.

Exemplo: art. 229 do CP tipifica a manutenção de estabelecimento em que ocorra a exploração


sexual. Não basta a exploração sexual, deve haver a manutenção do estabelecimento, o que preceitua a
habitualidade; artigo 282 do CP tipifica o exercício ilegal da medicina.

l) Crime exaurido

Crime exaurido é aquele que já se consumou, mas ocorreu o resultado agravador; contempla os atos
posteriores à consumação. Exemplo: obtenção do resgate (delito de resultado cortado) no crime de extorsão
mediante sequestro (art. 159, CP); o pagamento do resgate é considerado mero exaurimento.

m) Crime de ação única ou crime de ação múltipla

• crime de ação única: há apenas uma conduta descrita como possível. Exemplo: no furto, só é
descrita a subtração, ainda que possa ser fracionada a conduta;
• crime de ação múltipla (tipo penal misto): ocorre quando há diversas formas de conduta
descrita pelo tipo penal. Exemplo: tráfico de drogas (vender, trazer consigo, ter em depósito,
oferecer a venda etc.).
o tipo penal misto alternativo: a prática de uma ou mais condutas implicará, no mesmo
contexto fático, crime único. Exemplo: quem traz consigo e, em seguida, vende a droga,
pratica um crime de tráfico;
o tipo penal misto cumulativo: as condutas praticadas são consideradas autonomamente,
ainda que descritas no mesmo tipo penal, de forma que se o sujeito incorrer em mais de
um verbo, irá responder por tantos crimes quantos forem os núcleos praticados.
Exemplo: art. 242 do CP – Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao
estado civil de recém-nascido.

ATENÇÃO!
A Lei n.º 12.015/2009 alterou o CP, passando o crime de estupro a abarcar a conduta que antes era
de atentado violento ao pudor. É estupro a prática de constrangimento a uma conjunção carnal, bem como
de ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

O sujeito que, no mesmo contexto, constrange a mulher à conjunção carnal e a sexo oral, pratica
um ou dois delitos?

86
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 10

A priori, estabeleceu-se o entendimento de que se tratava de tipo penal misto cumulativo.


Posteriormente, sedimentou-se o entendimento de que se trata de tipo penal misto alternativo, havendo,
portanto, crime único. Houve uma novatio legis in melius.

n) Crime falho e quase-crime

Crime falho: é sinônimo de tentativa perfeita, tentativa acabada. O sujeito praticou todos os atos
da execução, mas não conseguiu consumar o crime por circunstâncias alheias à sua vontade.

Quase-crime: não há crime, o que há é um crime impossível, por impropriedade absoluta do objeto
ou ineficácia absoluta do meio.

o) Crime de atentado

No crime de atentado, a lei atribui ao crime tentado responsabilidade penal idêntica à do crime
consumado. Exemplo: evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou pessoa submetida a medida de segurança por
meio de violência à pessoa; pune-se a evasão e a tentativa de evasão da mesma forma.

p) Crime de resultado cortado e crime mutilado de dois atos

Nos chamados delitos de intenção, o agente tem o intento. A doutrina denomina isso de “delito de
tendência interna transcendente”, pois há um especial fim de agir, subdividindo-se em:

• crime de resultado cortado (ou de resultado separado): o sujeito pratica o ato, chega à consumação
do seu delito, mas quer que outro ato seja praticado. Ocorre que este segundo ato não é praticado por ele.
Por isso, o resultado que ele deseja, que é dispensado da consumação, não depende do agente, pois está
fora de sua atuação. Exemplo: extorsão mediante sequestro (art. 159, CP). O sujeito promove o sequestro, e
por meio da extorsão exige a vantagem indevida (1º ato). Todavia, quem paga o resgate é um terceiro (2º
ato), não cabendo ao agente a realização deste segundo ato, razão pela qual o delito já se consuma com o 1º
ato.
• crime mutilado de dois atos: o sujeito também consuma o crime no 1º ato, mas o 2º ato, que
também é dispensado para consumação do crime, depende de uma ação do agente, estando em sua esfera
de decisão. Exemplo: crime de petrechos para falsificação de moedas. O sujeito possui os petrechos para
promover a falsificação, razão pela qual já está consumado o delito. Se ele vai falsificar ou não moeda ou
colocá-la em circulação, não interessa, pois o delito já está consumado. Como se vê, este 2º ato depende
somente do agente, havendo, em virtude disso, dois atos. É mutilado não em razão da consumação do delito
com a prática de um 1º ato, mas pela prática de 2 atos do próprio agente.

q) Delito de tendência interna transcendente

O delito de tendência interna transcendente é o chamado delito de intenção. Neste crime, o sujeito
ativo quer alcançar o resultado (delito de resultado cortado), o segundo ato não depende do agente, e, no
mutilado de dois atos, o segundo ato depende do agente. Em ambos os casos, no entanto, o resultado (2º
ato), seja por um terceiro ou pelo próprio agente, é dispensado para haver a consumação do crime.

Ou seja, o delito de intenção é composto:

• por um dolo;

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• por um elemento subjetivo especial, que é a finalidade transcendente ou especial fim de agir.12

r) Crime de acumulação

No crime de acumulação, o legislador, ao criar alguns tipos penais, busca proteger interesses
supraindividuais.

Nos crimes contra o meio ambiente, uma conduta considerada isoladamente pode configurar uma
repressão desproporcional.

Exemplo: é proibido pescar em determinado período em certa localidade. Se alguém for encontrado
pescando dez peixes, nos parece desproporcional que este indivíduo tenha cometido um crime. Contudo,
nos chamados delitos cumulativos, é necessário entender que, se diversas pessoas começarem a pescar
peixes, haverá um desequilíbrio ambiental significativo na região. Com isso, o delito de acumulação traz ao
intérprete a necessidade de analisar o fato sob esta vertente, impedindo a aplicação do princípio da
insignificância.13

STF e STJ entendem ser possível a aplicação do princípio da insignificância, mas com a devida cautela,
haja vista se tratar de direito fundamental de terceira geração.

s) Crime de rua ou crime de colarinho azul

Os crimes de colarinho branco são os crimes cometidos na órbita econômica, como a lavagem de
dinheiro, praticado por quem, normalmente, teria condições de viver adequadamente sem o cometimento
de crimes.

Os crimes de rua ou crimes de colarinho azul são os praticados por pessoas economicamente menos
favorecidas, em situações de vulnerabilidade. Como destaca o professor Rogério Sanches, o nome é uma
alusão aos operários norte-americanos do final do século XX, denominados “blue collars”.

t) Crime de olvido

Crime de olvido é sinônimo de crimes de esquecimento. O sujeito esqueceu-se de praticar uma


conduta. São crimes omissivos impróprios de natureza culposa. Tem-se culpa inconsciente: o agente não
prevê o resultado que era previsível no caso concreto.

Exemplo: Pai que esquece o filho recém-nascido dentro do carro, causando-lhe a morte.

u) Quanto à existência autônoma do crime

• crimes principais: aqueles que possuem existência autônoma, independendo da prática de crime
anterior. Exemplo: estupro (art. 213, CP).
• crimes acessórios ou parasitários: dependem da prática de crime anterior para a sua existência.
Exemplo: receptação (art. 180, CP) e lavagem de capitais (Lei n.º 9.613/1998).

v) Quanto à necessidade de exame de corpo de delito como prova

13 HC 137652. Rel. Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 02/08/2017.

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• crime transeunte ou de fato transitório: não deixam vestígios materiais. Exemplo: injúria verbal.
Nesse caso, não se realiza perícia.
• crime não transeunte ou de fato permanente: deixam vestígios materiais. Exemplo: homicídio.
Nesse caso, o exame de corpo de delito é imprescindível e sua ausência acarreta a nulidade da ação penal.

w) Quanto ao vínculo existente entre os crimes

• crimes independentes: não apresentam nenhuma ligação com outros delitos;


• crimes conexos: ocorre uma ligação dos delitos entre si. Essa conexão pode ser penal ou processual.
A conexão penal, que nos interessa, divide-se em:
o conexão teleológica ou ideológica: o crime é praticado para assegurar a execução de outro delito;
o conexão consequencial ou causal: o crime é praticado na sequência de outro, para assegurar a
impunidade, ocultação ou vantagem de outro delito.
o conexão ocasional: o crime é praticado como consequência da ocasião, proporcionada pela prática
do crime antecedente. Exemplo: estupro praticado após o roubo. Trata-se, conforme ensina
Sanches, de criação doutrinária, sem amparo legal.

Observe que as duas primeiras (teleológica e consequencial) possuem previsão legal no art. 61,
servindo como agravantes dos crimes, salvo no caso de homicídio em que servirão como qualificadoras.

x) Quanto à liberdade para iniciar a ação penal

• Crimes incondicionados: o Estado pode iniciar a persecução penal sem prévia autorização. A regra é
que os crimes sejam apurados mediante ação penal pública incondicionada.
• Crimes condicionados: o início da persecução penal depende de representação da vítima ou do CADI
(cônjuge, ascendente, descendente ou irmão) ou de requisição do Ministro da Justiça; trata-se de uma
condição objetiva de procedibilidade. Exige-se previsão legal nesse sentido.

y) Outras classificações

• crime gratuito: é o crime cuja motivação não se conhece. Difere-se do motivo fútil, porque este
revela sua motivação, a qual mostra-se desproporcional à conduta perpetrada;
• crime de ímpeto: é o cometido por impulso, sem planejamento ou premeditação. Comum em caso
de crimes passionais;
• crime de circulação: é o praticado em veículo automotor. Podem ser dolosos ou culposos, a exemplo
do artigo 302 do CTB;
• crime de opinião ou de palavra: praticado mediante distorção do direito fundamental à liberdade
de expressão, em que a manifestação do autor viola a honra da vítima;
• crime multitudinário: praticado por multidão, em tumulto.;
• crime internacional: aquele que o Brasil, por tratado ou convenção, já internalizado em nosso país,
obrigou-se a punir. Exemplo: art. 231, CP (tráfico de pessoas);
• crime de mera suspeita, sem ação ou mera posição: o agente é punido pela suspeita em seu
proceder. Não há efetivamente ação. Viola-se o Direito Penal do fato (o sujeito seria punido pelo que ele é e
não pelo que fez). Exemplifica-se com a contravenção penal do art. 25 (posse de instrumento usual na
prática de furto);
• crime inominado: ofende regra ética ou cultural, consagrada em sociedade e seu bem jurídico
também encontra proteção do Direito Penal, mas cuja conduta em apreço não está definida como infração
penal. Não pode ser considerado crime (artigo 1º do CP);
• crime profissional: crime habitual cometido com finalidade lucrativa. Exemplo: rufianismo (art. 230,
CP);

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• crime subsidiário: somente se verifica se o fato não constituir crime mais grave. Exemplo: crime de
dano (art. 163, CP). Sanches nos lembra que Nelson Hungria o chama de “soldado de reserva”;
• crime de ação astuciosa: praticado por meio de fraude, engodo. Exemplo: estelionato (art. 171, CP);
• crime putativo: só existe na cabeça do agente. O autor acredita ter praticado um crime que não
ocorreu. Tem-se um não-crime por erro de tipo, de proibição ou por obra de agente provocador;
• crime remetido: é o que se verifica quando o tipo penal faz referência a outro crime, que passa a
integrá-lo. Exemplo: fazer uso de documento falso (art. 304, CP);
• crime de responsabilidade: dividem-se em próprios (crimes comuns ou especiais), como por
exemplo: crimes previstos no DL 201/67; e impróprios (infrações administrativas), que redundam em
sanções políticas, os quais, em verdade, não são crimes.
• crime obstáculo: são delitos que outrora constituíam meros atos preparatórios, mas passaram a ser
considerados delitos autônomos pelo legislador. Exemplo: associação criminosa (art. 288, CP);

• crime de impressão: como destaca Sanches, são aqueles que provocam determinado estado de
ânimo, de impressão na vítima. Subdividem-se em:
o crimes de inteligência: praticados mediante engano;
o crimes de vontade: recaem na vontade da vítima quanto à sua autodeterminação;
o crimes de sentimento: incidem nas faculdades emocionais da vítima.
• crimes militares: tipificados pelo Código Penal Militar. Subdividem-se em:
o próprios: exclusivamente militares. Exemplo: deserção;
o impróprios: previstos tanto no CPM quanto no CP, Exemplo: furto;
o crimes militares em tempo de paz: previstos no art. 9º do CPM;
o crimes militares em tempo de guerra: previstos no art. 10 do CPM;

• crimes falimentares: tipificados no Código Penal: artigos 337-E a 337-O;


• crimes funcionais ou delicta in officio: o tipo penal exige que o autor seja funcionário público.
Dividem-se em:

o próprios: cuja condição funcional é indispensável para a tipicidade do ato;


o impróprios: se ausente a qualificação funcional, desclassifica-se para outro delito.
Exemplo: Peculato; furto.
• crimes funcionais típicos e atípicos: como destaca Sanches, o STF entende que somente os
crimes funcionais típicos (sejam eles próprios ou impróprios) seriam processados por meio do
procedimento especial de apuração da responsabilidade dos funcionários públicos (existência de
defesa prévia). Dividem-se em:
o típicos: o tipo penal exige que a conduta seja praticada por funcionário público. Exemplo:
prevaricação;
o atípicos: praticados por funcionário público em razão de suas funções, mas poderiam ter
sido praticados por um particular. Exemplo: Frustração do caráter competitivo de
licitação: art. 337-F, do Código Penal (Incluído pela Lei 14.133/2021).

7. SUBSTRATOS DO CRIME

No conceito analítico de crime, prevalece o conceito tripartite: crime é fato típico, ilícito e culpável.

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11TEORIA GERAL DO CRIME: FATO TÍPICO

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1. CONCEITO E ELEMENTOS DO FATO TÍPICO

O fato típico é uma ação ou omissão humana que se adequa a um modelo descrito em uma norma
penal incriminadora. Há uma subsunção de um fato a uma norma penal incriminadora.

São elementos do fato típico: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade.

2. CONDUTA

O conceito de conduta varia conforme a teoria adotada.

2.1. Teorias da conduta

• teoria causalista;
• teoria neokantista;
• teoria finalista.

2.1.1. Teoria causalista (natural)

Para a teoria causalista, conduta é um movimento corporal voluntário que modifica o mundo
exterior, passível de ser percebida pelos sentidos. Não se analisa culpa ou dolo no fato típico. Foi idealizada
por Von Liszt e Belling.

Quando falam em movimento, explicam o crime comissivo, mas falham no crime omissivo.

A vontade é composta por um aspecto externo (movimento corporal do agente) e um aspecto


interno (vontade de fazer ou não fazer), porém a vontade do sujeito não está relacionada à sua finalidade, a
qual será analisada apenas na culpabilidade. Por isso, na teoria causalista, o dolo será analisado na
culpabilidade, e não no fato típico como elemento da conduta.

Será percebido que a teoria causalista é obrigatoriamente tripartite, eis que o dolo e a culpa estão
na culpabilidade. Do contrário, haveria responsabilização objetiva.

A culpabilidade para os causalistas é composta por dois elementos:

• imputabilidade;
• culpabilidade dolosa/culposa (espécies).

A antijuridicidade ou ilicitude, para os causalistas, só é analisada formalmente, bastando que esteja


ou não presente uma causa excludente.

São críticas feitas pela doutrina em relação ao causalismo:

• não explicação dos crimes omissivos e crimes de mera conduta, pois o resultado naturalístico deveria
ser perceptível pelos sentidos;
• deixar para analisar dolo e culpa na culpabilidade inviabiliza a possibilidade de distinguir a finalidade
do agente, ou seja, dificulta a análise do crime cometido. Exemplo disso é o caso da distinção da lesão
corporal grave da tentativa de homicídio, diante de um caso concreto;
• não há conduta humana desprovida de finalidade.

Além disso, nesta teoria, o tipo normal é aquele que contém elementos objetivos, enquanto o tipo
anormal contém, além dos objetivos, elementos subjetivos e normativos.

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2.1.2. Teoria neokantista (neoclássica)

Tem base causalista, idealizada por Edmund Mezger.

Segundo esta teoria, a conduta é elemento do fato típico, mas passa a abranger não só a ação, como
também a omissão. Isto é, a conduta passa a ser um comportamento humano voluntário.

Com isso, admite-se a valoração no tipo penal, passando a não mais ser composto apenas por
elementos objetivos, mas também por elementos subjetivos e normativos. A existência de tais elementos do
tipo penal passa a ser considerada como normal.

No âmbito da antijuricidade há uma modificação, passando a ter um aspecto material. Ou seja, para
os neokantistas, se não há lesão ao bem, não há antijuricidade.

Quanto à culpabilidade, a teoria neokantista desenvolve a teoria psicológico-normativa, ou seja, o


dolo e a culpa continuam na culpabilidade, mas não mais como espécies, e sim como elementos, ao lado da
imputabilidade e da exigibilidade de conduta diversa:

• imputabilidade;
• exigibilidade de conduta diversa;
• dolo ou culpa.

Dolo deixa de ser apenas a vontade de fazer, passando a ser também a vontade de fazer somado à
consciência atual da ilicitude do que se faz. Veja-se que o dolo, por conta disso, será um dolo normativo, não
um dolo natural.

A culpabilidade não é mais apenas compreendida como um vínculo entre o agente e o resultado, mas
sim como um juízo de censurabilidade, de reprovação, da conduta.

2.1.3. Teoria finalista

Hans Welzel vai desenvolver a teoria finalista. Segundo este autor, a conduta é um comportamento
humano voluntário psiquicamente dirigido a um fim.

O crime é realmente fato típico, ilícito e culpável, apesar de haver doutrina no Brasil aderindo à
teoria bipartite, funcionando o crime como fato típico e ilícito, sendo a culpabilidade o pressuposto de
aplicação da pena.

A grande mudança da teoria finalista está na culpabilidade, pois os elementos de dolo ou culpa
deixam a culpabilidade, migrando para o fato típico.

Portanto, o dolo passa a ser composto pela consciência (elemento cognitivo) e pela vontade
(elemento volitivo).

EXEMPLO: João atravessa um viaduto a 50 km/h e, de repente, uma pessoa se atira. João atropela o
indivíduo, que morre. A via permitia 80 km/h. Neste caso, João não pratica fato típico, eis que não houve
dolo e culpa, não se podendo falar em homicídio, ainda que tenha havido o efeito morte.

O dolo, na teoria finalista, perde o seu elemento normativo (consciência atual da ilicitude), deixando
de ser um dolo normativo para ser um dolo natural, que é, na verdade, essa vontade e consciência de praticar
o ato. Trata-se do dolus bonus, que se contrapõe ao dolus malus, que é o dolo normativo.

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Os finalistas, por retirarem o elemento psicológico da culpabilidade, adotam a teoria normativa pura
da culpabilidade. A culpabilidade passa a ser apenas um juízo de reprovação, possuindo os seguintes
elementos:

• imputabilidade;
• potencial consciência da ilicitude;
• exigibilidade de conduta diversa.

Há uma crítica ao finalismo com o fundamento de que quando se afirma que a ação do homem é
dirigida a um fim, sendo necessário analisar este fim para saber qual foi o fato típico, é muito difícil explicar
o delito culposo, pois, neste crime, o resultado alcançado não é o desejado, não havendo esta finalidade. A
conduta culposa, normalmente, é orientada por um fim lícito, mas a reprovação não recai sobre a finalidade,
e sim sobre os meios que o sujeito elegeu para alcançar aquele fim. A imputação do crime culposo recai
sobre os meios e não sobre a finalidade.

2.1.4. Teoria social da ação

Essa teoria, desenvolvida por Johannes Wessels e Jescheck, não tinha como ideia substituir as
demais, mas, tão somente, acrescentar a tendência social da ação.

Para esta teoria, a conduta é um comportamento humano voluntário psiquicamente dirigido a um


fim socialmente reprovável.

A crítica que recai sobre esta teoria é o fato de que não há no ordenamento jurídico uma previsão
sobre o que seria fim social. Esta vagueza não transmite segurança jurídica.

2.1.5. Teorias funcionalistas

PERGUNTA!
Qual é a função do Direito Penal e qual a sua finalidade?

Três principais correntes se destacam:

• funcionalismo moderado (teleológico);


• funcionalismo radical (sistêmico);
• funcionalismo redutor.

a) Funcionalismo moderado (teleológico)

Para Claus Roxin, o funcionalismo moderado busca resgatar a função do Direito Penal, que, para ele,
se destina à proteção de bens jurídicos. Se não há bem jurídico a ser tutelado, não deve haver a intervenção
do Direito Penal.

O fato típico deve atuar de forma a tipificar fatos relevantes do ponto de vista material. A teoria do
delito deve ser reconstruída a partir da política criminal. Ou seja, o finalismo é teleológico, a fim de se
proteger os fatos realmente relevantes.

Conduta: comportamento humano voluntário, causador de relevante e intolerável lesão ou perigo


de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal.

Claus Roxin vai dizer que o crime é composto por três substratos:

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• tipicidade;
• ilicitude;
• responsabilidade (reprovabilidade).

A culpabilidade funcionaria como limite funcional da pena (culpabilidade funcional).

A responsabilidade, como terceiro elemento do substrato do crime, seria composta por 4 elementos:

• imputabilidade;
• potencial consciência da ilicitude;
• exigibilidade de conduta diversa;
• necessidade da pena.

Como se vê, se a pena não atingir o seu fim, não haverá responsabilidade do agente e
consequentemente não haveria crime. Eis o critério teleológico.

No Brasil, não foi adotado o conceito de conduta do funcionalismo teleológico.

b) Funcionalismo radical (sistêmico)

Segundo Günther Jakobs, se a norma é frustrada pelo agente, é imprescindível que ele seja
sancionado. Isso porque o sistema está em vigor, e a função do Direito Penal é assegurar a higidez do
sistema, ainda que indivíduos o violem.

Conduta, portanto, é um comportamento humano voluntário, causador de um resultado evitável


que ocasiona a violação do sistema.

Jakobs vai dizer que culpabilidade faz parte do substrato do crime. Ademais, a culpabilidade seria
formada pelos elementos tradicionais:

• imputabilidade;
• potencial consciência da ilicitude;
• exigibilidade de conduta diversa.

Perceba que a ideia do funcionalismo sistêmico, que é a proteção do sistema, permitirá a exumação
do Direito Penal do inimigo, pois, desde Thomas Hobbes e São Tomás de Aquino, há a preocupação de
combater esse indivíduo que decide desobedecer às normas vigentes.

Jakobs entende que o indivíduo que recorrentemente se utiliza de violações constantes da norma
penal deve receber um sistema próprio de tratamento, devendo ser tratado com mais rigor, pois o indivíduo
abriu mão de ser cidadão, razão pela qual deve recair sobre ele o Direito Penal do inimigo. Ou seja, esse
inimigo não é cidadão, perdendo o tratamento fundado nas garantias e direitos individuais, tendo em vista
que seu comportamento compromete o tratamento do sistema em relação aos demais cidadãos. Esta teoria
se funda na teoria do contrato social de Rousseau.

As principais características do Direito Penal do inimigo são:

• antecipação da punibilidade com a tipificação de atos preparatórios. Exemplo: associação criminosa;


• crimes de mera conduta e de perigo abstrato. Aqui há a flexibilização do princípio da ofensividade.
O perigo da conduta é absolutamente presumido pela norma. Exemplo: porte ilegal de arma de fogo;
• descrição vaga de crimes e de penas. Há uma flexibilização do princípio da legalidade;

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• preponderância do Direito Penal do autor. A preocupação é com o inimigo da sociedade, e não com
o que ele fez ou faz. É uma contraposição ao Direito Penal do fato, sendo uma flexibilização do princípio da
exteriorização do fato, pois retira os olhos do fato e se direciona ao autor;
• surgem as chamadas leis de luta e de combate. É preciso criar leis rigorosas para combater o inimigo,
gerando uma falsa sensação de tranquilidade;
• recrudescimento da execução penal. É a dificuldade para progressão de regime, como ocorre nos
casos de crimes hediondo, os quais necessitam de 2/5 e 3/5 de cumprimento da pena;
• restrições de direitos e garantias fundamentais. É característica clássica de Direito Penal de 3ª
velocidade (professora Jesus Maria Silvia Sanchez), que flexibiliza garantias e aplica pena privativa de
liberdade.

c) Funcionalismo redutor
Como ramo do saber jurídico o Direito Penal tem um objetivo prático, qual seja, procurar o
conhecimento para orientar as decisões judiciais que devem ser racionais (não serem contraditórias, dentre
outros atributos). Ademais, o sistema é construído segundo a interpretação das leis penais e, por isso, é
necessário um conceito de pena para delimitar seu universo, conceito este que deve abarcar tanto as lícitas,
quanto as ilícitas. Este sistema proposto aos juízes deve ter por objeto conter e reduzir o poder punitivo para
impulsionar o progresso do Estado de Direito (Zaffaroni, Direito Penal Brasileiro, I - pág. 40).

Não há um Estado de Direito puro. Ele não passa de uma barreira a represar o Estado de Polícia que
invariavelmente sobrevive em seu interior. Por isso, a contenção do Direito Penal é indispensável à
subsistência e ao progresso do Estado de Direito.

Zaffaroni, ao analisar o poder punitivo, se refere à criminalização primária e criminalização


secundária. Aquela é o ato de sancionar uma lei penal material que incrimina ou permite a punição e se dirige
a condutas, atos. Já, a criminalização secundária é a ação punitiva exercida sobre pessoas concretas.

No entanto, sequer uma parcela considerável de todos os crimes chega ao processo de criminalização
secundária. O número de casos que não chega a conhecimento do Estado, a chamada cifra oculta, torna
natural que o sistema penal leve a cabo a seleção de criminalização secundária como realização de uma parte
ínfima do programa primário.

A criminalização secundária necessariamente é seletiva. Isto decorre diretamente do fato de não


haver aparato para apurar e ter conhecimento de todos os fatos. Destarte, há uma seleção inerente. Escolhe-
se quem será criminalizado e quem será vitimizado.

Ocorre que essa seleção não é feita exclusivamente pelas agências policiais, mas é condicionada pelas
agências de comunicação social, pelas agências políticas. A orientação se dá pelos chamados empresários
morais (comunicador social após uma audiência, político em busca de admiradores, grupo religioso à procura
de notoriedade, chefe de polícia que quer galgar postos ou uma organização que reivindica direitos das
minorias) que participam das duas etapas de criminalização. Em qualquer dos casos, a empresa moral vai
desembocar em um fenômeno comunicativo.

Em regra, a criminalização secundária selecionará:

1. Fatos grosseiros - crimes cuja detecção é mais fácil;

2. Pessoas que causem menos problemas (por sua incapacidade de acesso ao poder político ou à
comunicação massiva).

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Estes atos grosseiros cometidos por pessoas são divulgados como os únicos delitos e tais pessoas
como os únicos delinquentes. Diante disso, cria-se um estereótipo no imaginário coletivo. Estas pessoas, por
serem desvaloradas, tem a elas associadas todas as cargas negativas existentes na sociedade sob a forma de
preconceitos a resultar em uma imagem pública do delinquente com componentes de classe social, étnicos,
etários, de gênero e estéticos.

Essa seletividade operacional provoca uma distribuição seletiva que atinge os mais vulneráveis que
estão dentro do estereótipo e praticam condutas mais toscas (sua educação apenas lhes permite tais
práticas) mais facilmente detectáveis. Diante disso, a pessoa que se encontra nestes patamares é mais
vulnerável no sentido de que não precisa fazer um esforço muito grande para colocar-se em posição de risco
criminalizante.

Zaffaroni parte da premissa de que há em verdade uma rede de sistemas penais paralelos. Há o
sistema penal formal do Estado que recebe a atenção discursiva e outra parte do poder punitivo também
com função de controle social.

Todas as agências exercem algum poder punitivo à margem de qualquer legalidade ou por marcos
de legalidade questionável, mas sempre fora do poder jurídico. Este é o sistema penal subterrâneo que
institucionaliza a pena de morte (execuções sem processo), torturas, sequestros, etc. Na medida em que o
discurso jurídico legitima o poder punitivo discricionário e nega qualquer esforço para limitá-lo, amplia o
espaço para o exercício do poder pelos sistemas subterrâneos.

No que tange à função da pena, Zaffaroni entende que todas as teorias existentes fracassaram por
serem falsas ou não-generalizáveis.

Incorpora referências ônticas e a conceitua como: “coerção que impõe uma privação de direitos ou
uma dor, mas não repara, nem restitui, não detém lesões em curso e, tampouco neutraliza perigos iminentes.
A pena é um exercício de poder”. (Direito Penal, I, pág. 99).

É a chamada teoria agnóstica ou negativa da pena.

Gnóstico vem do grego “gnostos" que significa conhecimento. O prefixo “a" antes da palavra traz a
ideia de negação e, portanto, de não-conhecimento. Ou seja, Zaffaroni não conhece/reconhece qualquer
função à pena.

É negativo por duas razões:

1. Não conceda qualquer função positiva à pena;

2. É obtido por exclusão (não entra nos modelos chamados positivos).

É agnóstico quanto à função, pois confessa não a conhecer.

Consequência deste modelo: Incorporar atos de poder ilícitos que ficam alheios às teorias
tradicionais sobre as funções da pena. Não exclui do conceito de pena torturas, ameaças, dentre outras
condutas.

Sobre a sistemática teleológica do Direito Penal limitador, estabelece que o sistema deve se pautar
em uma função manifesta, porque, do contrário, seria irracional e violentaria a realidade. O sistema deve ser
construído de modo a racionalizar e conter o poder punitivo. Assim, se estabelece uma relação dialética com
o estado de polícia a ser contido e reduzido por etapas (Direito Penal, I, pág. 172).

Modelo

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Estabelece Zaffaroni que todo conceito jurídico tem uma função política. Assim, qualquer conceito
para atender a uma finalidade político-criminal deve aspirar a que tais objetivos sejam alcançados na
realidade social, não sendo possível negar os dados da realidade. Ademais, a funcionalidade política destes
conceitos não é algo aleatório ou suprimível, vez que estes conceitos sempre afetam o poder punitivo e,
portanto, sempre são funcionais. Diante disso, conclui Zaffaroni que a funcionalidade é um dado ôntico dos
conceitos jurídico-penais (Direito Penal Brasileiro, II, I, pág. 58).

Desta forma, o sistema penal deve se prestar a reduzir o poder punitivo e deve partir de uma teoria
do conflito, ou seja, compreendida em uma sociedade integradas por grupos cujos interesses se chocam.
Desta forma, o poder punitivo tende a intervir quando dos conflitos do lado do mais forte, como a história
demonstra. Portanto, temos aqui uma teoria funcional amparada nas teorias do conflito e na teoria negativa
da pena (Direito Penal, II, I - pág. 61).

Em seu modelo adota a noção de crime como fato típico, antijurídico e culpável, no entanto, ao
preencher tais elementos apresenta diferenças substanciais em relação aos demais modelos funcionalistas.

2.1.6. Teoria adotada pelo Código Penal

O CP adota a teoria finalista. O CP Militar adota a teoria causalista, e coloca dolo e culpa como
elementos da culpabilidade (art. 33, CPM).

2.1.7. Teoria da ação significativa

A teoria da ação significativa propõe uma nova análise do conceito de conduta. Para esta teoria,
haverá uma ação a partir do significado que se dá àquilo que as pessoas fazem, e não simplesmente uma
ação com base naquilo que as pessoas fazem.

Havendo uma conduta, poderá ela até mesmo ter uma aparência de ação, e, a partir desse momento,
será necessário buscar o seu significado.

Segundo a teoria da ação significativa, a ação só existe em razão da norma. Então, quando dizemos
que matar alguém é homicídio, significa dizer que matar alguém só é homicídio porque uma norma precedeu
esta conduta. Por conta disso, só existe ação em razão da norma, isto é, se não houvesse norma, não haveria
significado para aquela ação.

EXEMPLO: crimes cibernéticos não tinham significado, por isso não eram considerados crimes, sendo
indiferentes penais. Hoje, no entanto, possuem significado de crime. Com isso, a norma criou o significado
para ação. Daí a ideia de que só existe ação com a instituição de normas. Ou seja, a norma define o que nós
entendemos socialmente como uma ação. A partir da norma é que teremos uma ação. A subtração de coisa
alheia móvel só tem significado porque uma norma definiu que é crime e que isto configura o furto.

2.2. Elementos da conduta

A conduta tem como elementos:

• comportamento voluntário psiquicamente dirigido a um fim;


• exteriorização da vontade.

A partir desses elementos, se não houve qualquer deles, não haverá conduta e, por essa razão, não
haverá crime.

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2.3. Causas de exclusão da conduta

São causas de exclusão da conduta:

• caso fortuito ou força maior: a doutrina diverge, mas são conceituados como eventos imprevisíveis
ou impossíveis de se evitar ou de se impedir;
• estado de inconsciência completa: trata-se de uma involuntariedade do agente;
• movimentos reflexos: também é o caso de involuntariedade do agente, que ocorrerá quando o
sujeito age por meio de reações automáticas. Não se confunde com as ações em curto-circuito, pois nestas
hipóteses o agente age impulsivamente, dotado de dolo e vontade, sabendo o que faz;
• coação física irresistível: neste caso, não haverá conduta, pois foi empregado contra o sujeito a vis
absoluta, sendo impossibilitado de exercer seus movimentos.

2.4. Formas de conduta

• dolosa;
• culposa;
• preterdolosa.

Também poderá ser:

• comissiva por ação;


• omissivos:
o omissivo próprio ou puro;
o omissivo impróprio ou comissivo por omissão.

2.4.1. Conduta dolosa

A conduta dolosa é praticada quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. A
consciência é dirigida a realizar ou a aceitar a realização de uma conduta prevista no tipo penal incriminador.

Com relação ao dolo, há basicamente três teorias, mas existe histórico de certames que cobraram as
demais:

Teoria da vontade: dolo é a vontade consciente de praticar a infração penal. Para essa teoria, o dolo
pressupõe a consciência (elemento intelectivo), mas esta não basta, sendo imprescindível a vontade do
agente em produzir o resultado (elemento volitivo). É a vontade de praticar a conduta e alcançar o resultado
(dolo direto). É classificada como uma teoria volitiva.

Teoria da representação (teoria da possibilidade): dolo está presente sempre que o agente tem a
previsão do resultado como possível, e ainda assim continua a sua conduta. Basta, portanto, a presença do
elemento intelectual (consciência) para sua caracterização. Para essa teoria, a culpa é sempre inconsciente,
porque, sendo reconhecida a certeza, possibilidade ou probabilidade do resultado, haveria dolo, não sendo
necessário analisar se o agente assumiu ou não sua produção do resultado. É, pois, uma teoria intelectiva.

Teoria do assentimento (teoria do consentimento ou teoria aprovação): o agente tem a previsão


do resultado como possível e ainda assim prossegue na sua conduta, assumindo o risco de produzir o
resultado. Ou seja, o dolo exige que o agente consinta em causar o resultado, além de o considerar como
possível. Para aplicação dessa teoria, Frank sugeriu a fórmula hipotética seguinte: diante da realização do
tipo objetivo, o agente pensa: “seja assim ou de outro modo, ocorra este ou outro resultado, em todo caso
eu atuo”. É uma teoria volitiva.

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Teoria da probabilidade (teoria da cognição): de acordo com esta teoria, distingue-se o dolo
eventual segundo a probabilidade da realização do resultado representado pelo agente. Esta teoria traz
dificuldades em conhecer o real elemento volitivo do agente. Haverá dolo eventual quando o agente prevê
como provável o resultado, e não apenas como possível, admitindo ou não o resultado. Se a produção do
resultado for pouco provável, haverá culpa consciente. Exemplo: “A” atira a longa distância em “B”, com o
intuito de testar a eficácia do tiro da arma. Se “A" vislumbra a possibilidade de alvejar e matar “B”, e, ainda
assim, dispara, assumindo o risco da ocorrência do resultado, caso o evento danoso ocorra, ter-se-á
homicídio doloso com dolo eventual.

Teoria da evitabilidade: segundo Juarez Cirino, a teoria da não-comprovada vontade de evitação


do resultado (teoria da objetivação da vontade de evitação do resultado), desenvolvida por Armin Kaufmann
em bases finalistas, coloca o dolo eventual e a imprudência consciente na dependência da ativação de
contrafatores para evitar o resultado representado como possível: imprudência consciente, se o autor ativa
contrafatores; e dolo eventual, se não ativa contrafatores para evitação do resultado. Ou seja, a teoria da
evitabilidade (cognitiva) pressupõe a representação do resultado como possível, o que bastará para a
caracterização do dolo eventual. Contudo, se o agente busca evitar o resultado através da ativação de
contrafatores, agindo concretamente, existirá culpa consciente.

Teoria do risco: a existência do dolo depende do conhecimento pelo agente do risco indevido
(tipificado) na realização de um comportamento ilícito. Teoria pertencente ao grupo das intelectivas.

Teoria do perigo a descoberto: fundamenta-se apenas no tipo objetivo. Perigo descoberto vem a ser
a situação na qual a ocorrência do resultado lesivo subordina-se à sorte ou ao acaso. Cirino afirma que essa
teoria retira o elemento volitivo do conteúdo do dolo – a principal característica da teoria da representação
– e fundamenta a distinção entre dolo eventual e imprudência consciente com base na natureza do perigo:
o perigo desprotegido, caracterizado pela dependência de meros fatores de sorte-azar, configura dolo
eventual, ainda que o autor confie na ausência do resultado, como jogar roleta russa (com risco de resultado
na proporção de 1:5). É uma teoria intelectiva.

Teoria da indiferença ou do sentimento: estabelece a distinção entre dolo eventual e culpa


consciente por meio da disposição de ânimo ou da atitude subjetiva do agente ante a representação do
resultado. Baseia-se na postura de indiferença diante da produção do resultado (dolo eventual), ou do alto
grau de indiferença por parte do agente para com o bem jurídico ou com sua lesão. É uma teoria considerada
volitiva.

O Código Penal adota a teoria da vontade para o dolo direto e a teoria do assentimento para o dolo
eventual. Não se adota a teoria da representação para o dolo.

Em relação às espécies, o dolo pode ser:

• Dolo natural ou neutro: é o composto pelo elemento cognitivo e volitivo. É o adotado pela teoria
finalista.
• Dolo normativo (híbrido): traz a consciência atual da ilicitude (elemento normativo) juntamente com
os elementos cognitivo e volitivo. Este dolo era integrante da culpabilidade, tornando-a psicológica-
normativa. Adotado pela teoria neoclássica.
• Dolo direto, determinado, intencional, imediato ou incondicionado: agente prevê o resultado e
atua para que este resultado seja alcançado;
• Dolo indireto ou indeterminado: o agente não busca um resultado certo e determinado. Há aqui
duas formas de manifestação:
• Dolo eventual: sujeito age com indiferença penal, pois, com a sua conduta, assume o risco de
produzir o resultado;

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 11

• Dolo alternativo: está presente quando há uma pluralidade de resultados e o sujeito dirige a sua
conduta para alcançar qualquer uma delas, tendo a mesma intensidade de vontade entre elas. O
indivíduo quer ferir ou matar. Neste caso, o agente será punido sempre pelo crime mais grave,
respondendo em caso de ferimento por tentativa de homicídio.
• Dolo de dano: é a vontade de causar lesão ao bem jurídico tutelado pela norma.
• Dolo de perigo: é a intenção de expor a perigo o bem jurídico tutelado.
• Dolo genérico: é a vontade de realizar a conduta descrita no tipo, sem qualquer finalidade específica.
Exemplo: homicídio (art. 121 do CP).
• Dolo específico: é a vontade de realizar a conduta, visando um fim específico previsto no tipo penal
como sua elementar. Exemplo: extorsão (art. 158 do CP).

• Dolo geral (erro sucessivo): ocorre quando o agente, supondo que já tivesse alcançado o resultado
com a sua primeira ação, pratica uma nova ação que efetivamente leva ao resultado almejado.
Exemplo: O sujeito atira na vítima e, pensando já estar morta, joga-a no rio, a qual vem a morrer por
afogamento. Neste caso, o indivíduo responderá por homicídio.
• Dolo direto de 1º grau: é o dolo direto, destinado a cometer uma conduta criminosa. Exemplo: João
quer matar José, e o faz por meio de um disparo.
• Dolo direto de 2º grau: há um dolo de consequências necessárias para alcançar um determinado
resultado. Trata-se de um dolo de efeitos colaterais, eis que a conduta dirigida a atingir um resultado
está diretamente ligada a outro resultado, vindo a atingir outros bens jurídicos. Exemplo: João quer
matar um presidente de um banco. Para tanto, João insere uma bomba no veículo da vítima, mas
esta é conduzida por um motorista. Diante disso, João tem o dolo direto de 1º grau contra a vítima
e dolo direto de 2º grau contra o motorista.
• Dolo direto de 3º grau: é a consequência da consequência necessária. Exemplo: No caso do
presidente do banco, João sabe que a motorista do veículo estava grávida. Mesmo assim, comete o
crime por meio do uso de uma bomba. Com essa conduta, João possui dolo direto de 1º grau contra
o presidente do banco, dolo direto de 2º grau contra a motorista e dolo direto de 3º grau em face do
feto.

A conduta dolosa pode ser dividida em duas fases:

o fase interna;
o fase externa.

a) Fase interna

É a fase do pensamento e da cogitação. Esta fase é composta por:

• representação ou antecipação do resultado;


• após, se desenvolve pelos meios eleitos para que aquela conduta seja praticada;
• avaliação dos efeitos colaterais decorrentes da conduta.

Esta fase não é punível, uma vez que o pensamento é impunível.

b) Fase externa

Nesta fase, o sujeito ativo põe em prática aquilo que deliberou, entra na fase de execução da
conduta, surgindo somente aqui a relevância penal.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 11

2.4.2. Conduta culposa

Está prevista no art. 18, II, do CP. Segundo o dispositivo, a conduta voluntária, que realiza um evento
ilícito não voluntário, mas que era previsível, pode implicar crime culposo.

O sujeito pratica uma conduta (conduta voluntária), mas não quer atingir o resultado (resultado
involuntário). No entanto, se o resultado era previsível, e ele não previu, haverá culpa inconsciente. Por
outro lado, sendo o resultado previsível e o agente previu, porém acreditou sinceramente que o resultado
não ocorreria, haverá culpa consciente.

Nesses casos, para haver crime culposo, será necessário que o indivíduo não tenha tomado as
cautelas nos moldes do homem-médio e, portanto, é preciso que tenha havido a quebra de um dever
objetivo de cuidado, exteriorizado por imprudência, negligência ou imperícia.

A culpa é tratada como um elemento normativo da conduta, estando inserida no fato típico.

Os elementos estruturais do crime culposo são:

• conduta humana voluntária;


• resultado involuntário;
• nexo de causalidade;
• tipicidade;
• violação de um dever objetivo de cuidado;
• previsibilidade objetiva.

São modalidades de culpa:

Imprudência: é uma forma positiva da culpa. Trata-se da culpa no agir. FALTA DE CUIDADO + AÇÃO.
Exemplo: Dirigir a 200km/h em uma via residencial.

Negligência: é a ausência de precaução. É negativa. É a omissão ou um não fazer referente àquilo


que deveria ter feito. FALTA DE CUIDADO + OMISSÃO. Exemplo: Sujeito que não fez a revisão do carro.

Imperícia: é falta de aptidão técnica para o exercício da arte ou da profissão. Na imperícia, o sujeito
não tem aptidão técnica, não se confundido com o erro profissional, eis que, neste caso, o sujeito domina a
arte e a profissão. No entanto, no que se refere à conduta médica, é sabido que a medicina não é uma ciência
exata, razão pela qual, mesmo assim, o indivíduo pode morrer. No caso de erro profissional, não há que se
falar em imperícia;

Obs.1: Ainda que o sujeito atue violando uma regra, não significa que ele praticou um crime culposo,
sendo apenas um indício de que tenha agido culposamente. Pode ser que aquele resultado ocorresse ainda
que o indivíduo não tivesse quebrado o seu dever objetivo de cuidado. E, se isto ocorrer, não há que se falar
em responsabilização culposa.

Por exemplo, o indivíduo pula de um viaduto, e um motorista passa por cima dele a 120 km/h, na via
em que o máximo seria 80 km/h, vindo este a matar o indivíduo. A princípio, houve uma quebra do dever
objetivo de cuidado. Contudo, é preciso analisar se, caso o motorista estivesse a 80 km/h, a morte poderia
ter sido evitada, comprovadamente feito por perícia. Do contrário, não haverá responsabilização.

Por conta da necessidade de ocorrência do resultado naturalístico, como regra, os crimes culposos
são classificados como crimes materiais.

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No entanto, existem exceções, como é o caso do art. 38 da Lei de Drogas, que estabelece ser crime
culposo a conduta de prescrever drogas sem que delas necessite o paciente. Este crime se consuma com a
mera prescrição feita pelo médico ou dentista, ou seja, é um crime de mera conduta. Se o indivíduo usar a
droga será mero exaurimento.

Obs.2: Em regra, os delitos culposos são tipos penais abertos que exigem uma valoração feita pelo
magistrado. O código penal estabelece que não se pune a conduta culposa, salvo se houver expressa
disposição em lei neste sentido.

São espécies de culpa:

• culpa consciente: o sujeito prevê o resultado previsível (resultado previsto), mas acredita
sinceramente que ele não vá ocorrer, pois confia em sua habilidade;
• culpa inconsciente: o sujeito não prevê o resultado previsível;
• culpa própria: é o caso em que o indivíduo não quer o resultado, mas acaba dando causa por
imprudência, negligência ou imperícia;
• culpa imprópria (culpa por equiparação ou por assimilação): o agente, por um erro evitável, imagina
que se encontra numa situação fática que, caso fosse real, levaria à licitude do seu comportamento.
Por exemplo: João vê um vulto dentro de casa e dispara, pensando ser um bandido, mas, na verdade,
era sua filha retornando da festa que estaria proibida de frequentar. Neste caso, João matou por
vontade própria, mas acreditando que agia em legítima defesa. Por conta disso, e em razão de
política criminal, o ordenamento denominou esta situação de descriminante putativa, fazendo com
que o sujeito, mesmo agindo dolosamente, responda pelo crime culposo (desde que haja previsão
legal). Na hipótese, não haveria isenção de pena, pois o erro seria evitável. Na hipótese de erro
inevitável, o sujeito seria isento de pena, ainda que a descriminante seja putativa. Ademais, em razão
de o indivíduo cometer a conduta, em verdade, de forma dolosa, caberá tentativa, caso sua conduta
não tenha sido consumada, hipótese de excepcional possibilidade da denominada tentativa de crime
culposo. Ou seja, culpa imprópria admite a tentativa.

São questões divergentes que a doutrina e a jurisprudência debatem:

Crime de racha: o STJ estabelece que no crime de racha há dolo eventual caso alguém seja atingido.
Por outro lado, houve uma alteração legislativa, estabelecendo uma nova redação para o art. 308 do CTB.
Esta lei acrescentou dois parágrafos, um para a lesão corporal grave e outro para a morte decorrentes do
crime de racha. Nessas hipóteses, o delito será qualificado. Todavia, o dispositivo destaca que as penas são
aplicadas apenas se as circunstâncias indicarem que o indivíduo não quis o resultado nem assumiu o risco de
produzi-lo. Portanto, o indivíduo teria agido com culpa. Todavia, o STJ entende que, se há um resultado
lesivo no crime de racha, o dolo é eventual. Ocorre que, hoje, pela lei, se houver a lesão grave ou a morte,
o delito passará para um patamar mais elevado, por conta da qualificação, mas neste caso a qualificadora
será pela culpa, e não pelo dolo eventual. Em suma, pelo STJ, é hipótese de dolo eventual, mas pela leitura
da lei a ocorrência de lesão corporal grave ou a morte no racha qualificam o delito, desde que o sujeito não
tenha desejado o resultado nem assumido o risco de produzi-lo.

Atropelamento por conta da embriaguez: os Tribunais Superiores, majoritariamente, entendem que


o crime cometido na condução de veículo automotor sob o efeito de álcool é crime culposo por culpa
consciente, e não dolo eventual, pois o indivíduo confia nas suas habilidades para não cometer o resultado
previsto.

Compensação de culpas: não cabe compensação de culpas no Direito Penal. O máximo que poderá
ocorrer é que, se houver culpa concorrente da vítima, haverá uma atenuação da pena, pois o art. 59 do CP

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coloca entre as circunstâncias judiciais o comportamento da vítima. Isto é, se o comportamento da vítima


contribuiu para a prática do delito, a pena-base poderá ser fixada no mínimo legal.

Concorrência de culpas: dá-se quando dois ou mais agentes culposamente contribuem para a
eclosão de um resultado naturalístico. Todos respondem pelo evento danoso, por conta da conditio sine qua
non. Perceba que dois agentes contribuíram para um resultado, mas não há entre eles o liame psicológico.
Ou seja, não há concurso de pessoas.

São hipóteses de exclusão da culpa:

Caso fortuito e força maior: eventos imprevisíveis e impossíveis de se evitar ou de se impedir


excluem a culpa.

Princípio da confiança: o indivíduo que pratica condutas de acordo com as regras do ordenamento
jurídico e da sociedade presume que as demais pessoas também sigam estas regras.

Erro profissional: poderá ser gerado por uma falibilidade dos métodos científicos. O agente é apto a
realizar o procedimento, porém naquela situação não se mostrou suficiente. Nesta situação, não há que se
falar em falha humana, ou em imperícia. Isso porque o indivíduo sabe o que está fazendo. Por exemplo: o
médico pensa que ministrando um remédio ao paciente ele irá se curar, porém não se curou e morreu. Na
época, não era possível saber que se tivesse ministrado o outro remédio o indivíduo estaria curado. Não
havia, ainda, evolução da medicina para aferir isso.

Risco tolerado: o comportamento humano e a própria vida em sociedade implicam risco. E, na


verdade, se não tolerarmos certos riscos, não haverá como conviver em sociedade. Mesmo para a evolução
da ciência, é necessário que se admitam testes em humanos, por exemplo, ainda que haja riscos.

2.4.3. Conduta preterdolosa

No crime preterdoloso há uma figura criminosa híbrida, pois há dolo na conduta antecedente e culpa
na conduta consequente. O sujeito dolosamente pratica uma conduta criminosa, mas ele dá causa ao
resultado agravador de maneira culposa.

O exemplo clássico é homicídio preterdoloso, que, na verdade, consubstancia-se no crime de lesão


corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, CP). Outro exemplo é o do aborto qualificado em que ocorre a
morte da gestante (art. 127, CP).

Os elementos do crime preterdoloso são:

• conduta dolosa;
• resultado mais grave, causado culposamente, mas previsível;
• nexo causal entre a conduta dolosa e o resultado culposo;
• tipicidade.

Se o sujeito pratica crime preterdoloso, neste caso, para fins de reincidência, o indivíduo será
considerado reincidente em crime doloso. Isso porque ele já tinha o dolo de praticar o crime menos grave,
tendo atingido, inclusive, esta finalidade. Todavia, ele ultrapassa essa finalidade, atingindo um resultado
culposo ainda mais grave. Esta conduta é ainda pior do que a conduta inicialmente praticada dolosamente.
Ou seja, não poderá o indivíduo ser tratado de modo mais benéfico do que seria se não tivesse cometido o
resultado culposamente agravador.

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O fato do sujeito ser reincidente em crime doloso tem repercussão: não caberá, por exemplo, a
suspensão condicional da pena. Isto é, devido a configuração do crime preterdoloso como crime doloso para
fins de reincidência, haverá certas consequências, como o sursis, pois o art. 77 do CP exige que o indivíduo
que esteja sendo beneficiado com a suspensão condicional da pena não seja reincidente em crime doloso.

2.5. Erros de tipo14

O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo e a culpa, se invencível
(escusável, desculpável, inevitável). Sendo vencível (inescusável, injustificável, evitável), exclui apenas o
dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei, conforme aduz o art. 20, CP.

EXEMPLOS: (i) Quando o agente toma coisa alheia como própria. (ii) Relaciona-se sexualmente com
vítima menor de 14 anos, supondo-a maior. (iii) Contrai casamento com pessoa já casada, desconhecendo o
matrimônio anterior; (iv) Apossa-se de coisa alheia, acreditando tratar-se de res nulliu. (v) Atira em alguém
imaginando ser um animal. (vi) Ideia de agir por desconhecer sua qualidade de garantidor; e (vi) tem relações
sexuais com alguém supondo-se curado de doença venérea.

2.5.1. Diferença entre erro de tipo e erro de proibição

No erro de tipo, o sujeito tem uma má compreensão da realidade. Há um erro sobre a circunstância
fática. É isso que diferencia o erro de tipo do erro de proibição. No erro de tipo, mesmo sabendo que o crime
de furto se configura com a subtração de coisa alheia móvel para si ou para outrem, o indivíduo pega uma
carteira enganado, achando que era o seu. Neste caso, o indivíduo não teve dolo, ou seja, não houve conduta,
pois foi desprovida de dolo, e não há punição culposa, pois não existe furto culposo. O erro de tipo essencial
sempre exclui o dolo. Ou seja, neste caso, o fato foi atípico.

No erro de proibição, o sujeito sabe o que está fazendo, conhecendo a realidade, porém desconhece
a ilicitude da conduta por ele praticada. O indivíduo sabe o que faz, mas não sabe que a sua conduta é
proibida pelo ordenamento.

EXEMPLOS: (i) Sujeito mantém relação sexual com uma adolescente de 13 anos, e ele sabe que ela
possui 13 anos, mas como a moça e família consentem, pensa o sujeito não estar cometendo estupro; (ii) O
indivíduo, ao se deparar com uma carteira no chão, apanha para si, pensando que “achado não é roubado”,
pois, para ele, não haveria uma conduta ilícita, em razão de não imaginar a existência do crime de apropriação
de coisa achada.

O indivíduo sabe o que está fazendo, pois sabe que o dinheiro não era seu, porém não imaginava que
a conduta seria proibida pelo ordenamento jurídico.

Os erros de tipo podem ser classificados como:

• erro de tipo essencial


• erro de tipo acidental

14Éaquele que recai sobre as elementares , circunstâncias ou qualquer dado que se agregue à determinada figura típica, ou ainda
aquele, incidente sobre os “pressupostos de fato de uma causa de justificação ou dados secundários da norma penal incriminadora.
(GREGO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. 19ª ed. Impetus. 2017).

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2.5.2. Erro de tipo essencial

No erro de tipo essencial, o erro recai sobre os dados principais do tipo penal. Exclui sempre o dolo.

O erro de tipo essencial pode ser:

• Inevitável (justificável, escusável, desculpável): exclui o dolo e a culpa. O sujeito não responde por
qualquer crime.
• Evitável (injustificável, inescusável, indesculpável): exclui o dolo, mas o sujeito pode ser punido a
título de culpa.

No erro de tipo essencial, para verificar se o erro foi inevitável ou evitável, a doutrina aduz que é
necessário se utilizar do homem-médio. Doutrina mais moderna entende que as circunstâncias do caso
concreto, bem como o grau de instrução do agente, devem ser consideradas a fim de se concluir se seria
evitável ou não tal erro de tipo.

2.5.3. Erro de tipo acidental

O erro de tipo acidental é o erro que recai sobre dados secundários ou periféricos do tipo penal.
Neste caso, há um intento criminoso manifesto, devendo ser dividido em:

• erro sobre o objeto (error in objecto);


• erro quanto a pessoa (error in persona);
• erro na execução;
• resultado diverso do pretendido (aberratio criminis ou aberratio delicti);
• erro sobre o nexo causal.

a) Erro sobre o objeto (error in objecto)

O erro sobre o objeto não encontra previsão legal. O agente confunde a coisa (objeto material). Por
exemplo, o indivíduo quer furtar um relógio Rolex, mas subtrai um relógio falsificado ou de baixo valor. A
consequência é que o sujeito é punido pela conduta perpetrada. A doutrina considera que deve ser levado
em consideração o objeto material efetivamente atingido. Por essa razão, é possível, inclusive, aplicar o
princípio da insignificância, a depender do objeto material do crime.

Rogério Sanches defende que deve ser considerado aquilo que seja mais benéfico ao réu. Isto é, se o
indivíduo queria furtar um relógio Rolex, mas subtrai um relógio dourado, deve ser considerado o bem mais
benéfico ao réu, eis que inexiste previsão legal sobre ao assunto.

b). Erro quanto a pessoa (error in persona)

O art. 20, § 3º, do CP estabelece que o erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não
isenta de pena. Neste caso, há um erro na representação mental do agente, que olha uma pessoa e a
confunde coma a pessoa que queria atingir. A vítima efetiva, nesse caso, não corre qualquer perigo. Não se
consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente
queria praticar o crime (vítima virtual). O CP preceitua que, no erro in persona, não se considera a pessoa
efetivamente atingida, e sim a vítima que o agente pretendia atingir.

EXEMPLOS: O agente quer matar José, saca a arma e mata João, pensando ser José, visto que estes
são irmãos gêmeos (univitelinos). O erro se deu quanto à compreensão da pessoa atingida, e não por má

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 11

pontaria. Considera-se, portanto, a vítima que o agente queria atingir (vítima virtual). No caso de uma mãe
que, em estado puerperal, entra no berçário e mata uma criança pensando que era seu filho, não cometerá
homicídio, e sim infanticídio, eis que se considera a vítima virtual (vítima que buscava atingir). A teoria que
fundamenta a vítima virtual é denominada de teoria da equivalência.

c) Erro na execução (aberratio ictus)

Ocorre quando o indivíduo representa efetivamente quem se quer atingir, porém, por erro de
pontaria ou acidente, outra pessoa é atingida. É denominado de aberratio ictus.

Segundo o art. 73 do CP, quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, em
vez de atingir a pessoa que pretendia ofender, atingir pessoa diversa, responderá como se tivesse praticado
o crime contra aquela (vítima virtual), atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código (erro na
execução com resultado único ou unidade simples). No caso de ser também atingida a pessoa que o agente
pretendia ofender, aplica-se a regra do concurso formal (art. 70 do CP – erro na execução com resultado
duplo ou unidade complexa) – homicídio doloso consumado (vítima virtual) e lesão corporal culposa (vítima
real).

Perceba que, no erro de execução, o agente representa a vítima que deseja ofender, mas, por erro
na execução, atinge pessoa diversa da pretendida. Neste caso, aplica-se a teoria da equivalência. Aqui, a
doutrina diverge quando há duplo resultado.

EXEMPLO: João, querendo matar Maria, atira e fere Maria, mas mata Carla, por erro de pontaria.

1ª corrente: deverá o indivíduo ser responsabilizado por tentativa de homicídio em face de Maria e
homicídio culposo em face de Carla, em concurso formal. (T.H. + H.C.)

2ª corrente: o indivíduo deverá responder, em concurso formal, pelo crime de homicídio doloso
consumado, como se efetivamente tivesse matado Maria, e pela lesão corporal culposa, por lesionar a amiga
de Maria (Carla). (H.D. + L.C.C.)

Não há uma previsão legal dirimindo esta controvérsia, razão pela qual o magistrado deverá fazer
um juízo com base naquilo que seja mais benéfico ao réu.

d). Resultado diverso do pretendido (aberratio criminis ou aberratio delicti)

No resultado diverso do pretendido, o indivíduo atinge bem jurídico distinto daquele que pretendia
atingir.

O art. 74 do CP estabelece que quando, por acidente ou erro na execução do crime, vier resultado
diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo. Porém, se
ocorrer também o resultado pretendido, aplica-se a regra do concurso formal (art. 70).

Por exemplo, indivíduo quer cometer um crime de dano e, para tanto, arremessa uma pedra em uma
casa. O indivíduo erra a casa e acerta uma senhora de 80 anos, lesionando-a. Neste caso, tem-se o crime de
lesão corporal culposa. Se, todavia, o indivíduo, além de acertar a senhora, atingir o imóvel pretendido,
responderá pelo crime de dano e pela lesão corporal culposa, em concurso formal.

Rogério Sanches estabelece que, quando o resultado pretendido for mais grave do que o resultado
culposamente praticado, não poderá ser aplicado o art. 74. Por exemplo, a Lei de Crimes Ambientais, em
seu art. 49, parágrafo único (Lei n.º 9.605/1998), tipifica o crime culposo de destruir ou danificar plantas de

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ornamentação de logradouros públicos. Em regra, dano culposo não é crime, mas esta lei criou esta figura.
Com base nessa tipificação, Sanches afirma que não é possível aplicar o art. 74 quando o resultado
efetivamente alcançado for de crime menos gravoso do que o pretendido.

EXEMPLO: João joga uma pedra com a intenção de matar José. José desvia e João danifica uma planta
de ornamentação de logradouros públicos culposamente. O dano culposo, neste caso, não absorverá a
tentativa de homicídio, sendo inaplicável o art. 74. Do contrário, haveria uma teratologia.

e) Erro sobre o nexo causal

Neste caso, também não há previsão legal. O resultado almejado pelo sujeito é produzido. Por
exemplo, João quer matar José, mas somente consegue matá-lo com nexo causal diverso do previsto. Este
erro se divide em duas espécies:

Em sentido estrito: o agente provoca o resultado com apenas um ato. Todavia, este resultado é
alcançado por outro nexo causal. EXEMPLO: João decide matar José. Sabendo que José não sabe nadar, João
o arremessa no rio. Durante a queda, José bate a cabeça numa pedra e morre. Neste caso, houve homicídio,
pois, ainda que João não tenha matado José por afogamento, atingiu sua finalidade. Houve um erro em
sentido estrito. Sendo assim, João responderá por homicídio. João deu causa ao resultado com uma única
ação, mas o nexo causal foi distinto do planejado.

Dolo geral (aberratio causae): ocorre quando o agente alcança o resultado pretendido, mas com
uma pluralidade de atos. EXEMPLO: João atira em José. Pensando que José estava morto, João o joga no rio.
Feita a perícia, constatou-se que José morreu por afogamento. Portanto, houve dois atos praticados por João.
No caso, o dolo inicial se generaliza no desdobramento fático, ao contrário de responder por tentativa de
homicídio e homicídio culposo, o dolo geral fará com que o sujeito responda apenas pelo homicídio doloso
consumado. Trata-se da aplicação do princípio unitário.

f) Diferença entre erro de tipo essencial e delito putativo por erro de tipo
(delito de alucinação)

Erro de tipo essencial é o erro quanto às circunstâncias fáticas que recaem sobre elementar do tipo;
é a prática do crime sem ter consciência da realidade. Nesta hipótese, o indivíduo não quer cometer o crime.
EXEMPLO: José leva a carteira de João, pensando ser sua.

Delito putativo por erro de tipo acontece quando o sujeito quer realizar um crime, mas, na verdade,
o fato é atípico. O crime só existe na cabeça do agente. Exemplo: João sai com uma menina, pensando que
ela tem 13 anos de idade, o que configuraria um estupro de vulnerável. No entanto, após a apuração, verifica-
se que ela tem 15 anos de idade. Apesar de ele ter pensado que seria um estupro de vulnerável, o fato é
atípico.

g) Competência do erro de tipo

No caso de erro de tipo, a competência é fixada com base na vítima efetivamente atingida, e não
sobre aquela em que o indivíduo tinha a intenção de cometer o delito.

Segundo o STF, deverá ser considerada a vítima efetivamente atingida, e não aquela que ele
pretendida atingir, pois, em matéria processual, não há o tratamento específico previsto no Código Penal.

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Exemplo: caso de error in persona, em que o agente quer matar uma mulher, mas acaba matando um policial
rodoviário federal, no exercício de suas funções.

h) Erro de subsunção e erro de proibição

O erro de subsunção retrata uma situação jurídica que para o Direito Penal será irrelevante. O sujeito
responderá penalmente pelo fato praticado. O que se mostra indiferente é que o indivíduo comete um
equívoco no tocante à valoração jurídica. Há uma interpretação errônea do autor do fato sobre o tipo penal
que julga praticar. O sujeito sabe que sua conduta é ilícita, tendo potencial consciência da ilicitude.
Exemplo: jurado pede mil reais para votar a favor do réu. Neste caso, ele sabe que está praticando um ilícito,
porém desconhece que sua conduta, em razão do seu enquadramento como funcionário público para fins
penais, configura crime contra a administração pública.

No erro de proibição, o sujeito não sabe que sua conduta é ilícita, como é o caso de um senhor de
70 anos que pesca na sua cidade durante o período de pesca proibida. Ele sabe que está pescando, porém
desconhece que o fato é considerado ilícito.

i) Erro provocado por terceiro

Em regra, o erro provocado por terceiro gera a punição do agente provocador do erro, denominado
autor mediato. O agente provocado, chamado de autor imediato, em regra, não responde pelo crime, salvo
se tiver agido dolosa ou culposamente. EXEMPLO: médico que determina que a enfermeira aplique uma
injeção. Todavia, naquela injeção, há veneno, levando o enfermo à morte. Neste caso, o médico responde
pelo crime de homicídio, como autor mediato, e a enfermeira não comete crime, pois o erro foi provocado
por terceiro (o médico). Se a enfermeira tomou conhecimento de que a injeção continha veneno e, mesmo
assim, a aplicou, também responderá pelo crime doloso. Se percebeu que a substância não era remédio, mas
não conferiu do que se tratava, responderá pelo crime culposo.

2.6. Classificação dos crimes quanto ao modo de execução

O crime pode ser:

• comissivo (violação de um mandamento proibitivo);


• omissivo (violação de um tipo mandamental);
• conduta mista.

No crime comissivo há um fazer do agente, violando um mandamento proibitivo. O art. 121 do CP


estabelece que é crime matar alguém. Se o sujeito matar alguém, violará um tipo proibitivo.

Já no crime omissivo, o sujeito não faz o que ele deveria fazer, violando um tipo mandamental. Na
omissão de socorro (art. 135), a norma ordena “socorra”, e o indivíduo não socorre. Nesta situação, o
indivíduo viola a norma mandamental.

A norma mandamental pode decorrer de:

• Próprio tipo: é denominado de crime omissivo próprio ou puro. Este dever é dirigido a todos, de
modo que qualquer um poderá incidir no crime do art. 135 do CP, por exemplo;
• Cláusula geral: é o denominado crime omissivo impróprio, impuro ou comissivo por omissão. Neste
caso, não há a simples abstenção de um comportamento exigido pela lei, e sim a adoção da teoria
normativa. Aqui, há um não fazer penalmente relevante, mesmo o tipo descrevendo uma conduta

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comissiva, como é o caso do art. 121. Para que o indivíduo pratique um crime comissivo de maneira
omissiva, é necessário que o agente tenha o dever jurídico de evitar o resultado (garante). O art. 13,
§ 2º, cria este dever, de forma que a omissão configura o próprio tipo penal doloso, cometido pelo
agente ao não evitar a ocorrência do resultado.

EXEMPLO: É o caso da mãe que deixa de amamentar seu filho para vê-lo morrer de inanição (fome).
A mãe possuía um dever jurídico de evitar o resultado. Cabe ressaltar que o dever de agir não é suficiente
para imputar ao agente a conduta delituosa, é imprescindível que o indivíduo também tivesse a possibilidade
de agir para evitar o resultado.

Como se vê, são dois os pressupostos para que haja incidência no crime comissivo por omissão,
devendo o agente, diante do caso concreto:

• dever de agir;
• possibilidade de agir.

O art. 13, § 2º, do CP é claro neste sentido, ao estabelecer que a omissão é penalmente relevante
quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado.

O dever de agir incumbe a quem:

Tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância (dever legal): aqui está a obrigação dos
pais em relação aos filhos, sendo denominado poder familiar.

De outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado (garante): nessa situação, há


uma assunção voluntária do encargo, como é o caso em que a babá se comprometeu de cuidar das crianças.
Se houver alguma conduta criminosa comissiva, e ela deixou de agir, sendo certo que podia e devia agir, a
fim de evitar o resultado, responderá pelo crime comissivo por omissão. Rogério Sanches também afirma
que relações da vida cotidiana também podem gerar este dever, como ocorre quando um indivíduo bebe e
o outro não, mas a mãe de um deles liga para o indivíduo que não estaria alcoolizado e ele garante que levará
o bêbado para casa. Neste caso, o indivíduo assumiu o encargo voluntariamente. Também é aqui que mora
a responsabilização dos indivíduos no que tange às relações contratuais.

Com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado: neste caso, quem criou
o risco não pode ser considerado sem o dever jurídico de agir.

Crimes de conduta mista são aqueles em que o tipo penal traz, primeiramente, uma ação seguida de
uma omissão.

A norma exige do sujeito ativo dois comportamentos:

• comissão no antecedente;
• omissão no consequente.

É o caso da apropriação de coisa achada (art. 169, parágrafo único, inciso II, CP), que ocorre quando
o agente acha coisa alheia perdida e dela se apropria (conduta comissiva), total ou parcialmente, deixando
de restitui-la ao dono ou legítimo possuidor, ou de entregá-la à autoridade competente (conduta omissiva),
no prazo de quinze dias.

Neste caso, está configurada uma ação seguida de uma omissão, sendo um crime de conduta mista.
Há, portanto, uma comissão no antecedente e uma omissão no consequente.

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3. RESULTADO

Da conduta comissiva ou omissiva poderão surgir dois resultados:

• resultado naturalístico: é a modificação no mundo exterior provocado pela conduta;


• resultado normativo: é a violação da norma protetora do bem jurídico tutelado. Todo crime possui
um resultado jurídico.

Em se tratando de resultado naturalístico, é possível afirmar que há crimes sem resultado


naturalístico, como é o caso dos crimes de mera conduta (exemplo: ato obsceno – art. 233, CP), mas também
há crimes que não exigem a ocorrência do resultado naturalístico para sua consumação, ainda que previsto,
sendo o caso dos crimes formais (exemplo: extorsão mediante sequestro – 157, CP). Há ainda os crimes que
exigem a ocorrência do resultado naturalístico para sua consumação, como ocorre nos crimes materiais
(exemplo: homicídio).

No caso do resultado normativo (jurídico), há apenas a lesão ao bem jurídico, ou mesmo um perigo
de lesão ao bem jurídico. Considerando que é o atingimento do bem jurídico que caracteriza o resultado, é
possível entender que todo crime possui um resultado jurídico. Veja, não há crime sem resultado normativo.

Quando tratamos dos elementos do fato típico (conduta, nexo causal, resultado e tipicidade), a
doutrina diverge sobre qual seria a espécie de resultado.

1ª Corrente: a corrente tradicional estabelece que se trata de resultado naturalístico, razão pela qual
os crimes de mera conduta e os formais teriam o preenchimento de seus fatos típicos com apenas a conduta
e a tipicidade, não sendo necessário nexo causal e resultado.

2ª Corrente: a corrente mais moderna entende que a teoria do fato típico se refere ao resultado
normativo, pois estaria ali descrita a lesão (ou perigo de lesão) ao bem jurídico tutelado, de modo que todos
os crimes teriam resultado jurídico previsto no fato típico (LFG e Rogério Sanches).

4. NEXO CAUSAL

4.1. Conceito e teorias

Nexo de causalidade é o vínculo que existe entre a conduta e o resultado.

O art. 13, caput, do CP estabelece que o resultado, de que depende a existência do crime, somente
é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria
ocorrido.

Analisando o dispositivo acima, é possível compreender que, para fins de causa, o CP adotou a teoria
da equivalência dos antecedentes causais (teoria da equivalência das condições, da condição simples ou
generalizadora ou teoria da conditio sine qua non).

Para saber se certa conduta foi ou não causa do crime, é necessário adotar a teoria da eliminação
hipotética dos antecedentes causais (Método de Thyrén). Neste caso, deverá o aplicador do direito suprimir
determinada ação ou omissão e verificar se o resultado teria ocorrido, ou, ao menos, se teria ocorrido
daquela forma. Caso se conclua que o fato não teria ocorrido da mesma forma, a ação ou omissão será
considerada como causa do crime.

EXEMPLO: João toma banho e coloca uma camisa amarela. Sai de casa e coloca a arma no bolso. Liga
e marca um jantar com José. José senta e inicia o jantar. No final, João saca a arma e dá um tiro em José,

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matando-o. Neste caso, a arma foi causa do crime. A ligação foi causa. A camisa amarela não é causa, pois se
ele estivesse de camisa azul, o crime teria ocorrido da mesma forma.

Teoria da equivalência dos antecedentes causais + Teoria da eliminação hipotética dos antecedentes
causais = causalidade objetiva do resultado (causalidade efetiva do resultado).
A junção da teoria da equivalência dos antecedentes causais e a teoria da eliminação hipotética dos
antecedentes causais denomina-se causalidade objetiva do resultado ou teoria das condições qualificadas
(causalidade efetiva do resultado). Esta causalidade objetiva é apenas uma mera relação de causa e efeito,
razão pela qual a crítica alega que a causalidade objetiva do resultado leva ao regresso ao infinito.

Para evitar o regresso ao infinito, é preciso que o aplicador se utilize da causalidade subjetiva
(psíquica), de forma que devemos analisar se o agente, anteriormente, agiu de forma dolosa ou culposa.

4.2. Concausas

Concausa é uma causa que está junto de outra causa. A partir do momento em que se sabe o que
pode figurar como causa de um crime, é possível que se note, no caso concreto, que há mais de uma causa
concorrendo para o resultado, e esta concorrência de causas é denominada de concausas.

Existem concausas que são absolutamente independentes e relativamente independentes.

4.2.1. Concausas absolutamente independentes

Nas concausas absolutamente independentes, a causa efetiva do resultado não se origina, direta ou
indiretamente, do comportamento concorrente. Veja que a causa absolutamente independente não tem
qualquer relação com a outra causa.

O sujeito quer cometer um crime, pratica a conduta, mas o resultado não decorreu dessa conduta,
mas ocorre por outra causa, absolutamente independente. Quer esta causa seja antecedente, concomitante
ou superveniente, quem praticou a primeira conduta responderá por crime tentando.

A causa absolutamente independente pode ser:

Preexistente: Exemplo: Maria decide matar o marido. Para tanto, decide fazer uma sopa e colocar
veneno. O marido toma a sopa. No momento em que o marido está assistindo televisão, o veneno começa a
fazer efeito, mas, antes que ele morra, entra um indivíduo na residência e atira no marido de Maria. O
bandido vai embora. Posteriormente, constata-se que o marido de Maria morreu em razão do veneno, e não
em razão dos disparos. Maria responderá pelo homicídio consumado, enquanto o bandido responderá por
latrocínio tentado.

Concomitante: Exemplo: quando o bandido dá um tiro em José e, no mesmo instante, cai um lustre
na cabeça de José, que morre por traumatismo craniano. Neste caso, o bandido responderá por tentativa de
homicídio.

Superveniente: Exemplo: Maria decide matar o marido, José. Para tanto, decide fazer uma sopa e
colocar veneno. O marido toma a sopa. No momento em que o marido está assistindo televisão e antes de o
veneno começar a fazer efeito, entra um indivíduo na residência e mata o marido de Maria. O marido vem a
óbito por motivo dos disparos, e não pelo motivo do veneno. Maria responderá por tentativa de homicídio,
eis que, quando ela ministrou o veneno, o objeto material (marido) tinha vida, não havendo que se falar em
crime impossível. Veja, ela não conseguiu matar o marido por circunstâncias alheias à sua vontade. A causa

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absolutamente independente da primeira causa é superveniente, pois o bandido só ingressou na residência


após a conduta de Maria.

A conclusão é de que, no caso de concausas absolutamente independentes, não importa a espécie,


o comportamento paralelo será punível como se fosse tentado. Mas o outro que efetivamente causar o
resultado responderá por este, salvo no caso do lustre, em que não haverá crime.

4.2.2. Concausas relativamente independentes

As concausas poderão ser relativamente independentes, hipótese em que haverá uma conjugação
de causas que irão levar ao resultado final.

As concausas, nesta situação, se fossem analisadas individualmente consideradas, não levariam ao


resultado final. Todavia, se conjugarmos as duas causas, será plenamente possível o resultado.

As concausas relativamente independentes poderão ser:

Preexistentes: a causa efetiva é anterior à causa concorrente, o sujeito responderá pelo crime
consumado. Exemplo: João é portador de hemofilia. José deseja matar João e, por saber que ele é hemofílico,
dá uma facada na vítima. Posteriormente, é constatado que João não teria sido morto por conta da facada,
que foi no braço, porém, em razão da hemofilia, a vítima morreu. Neste caso, José responderá por homicídio
consumado, eis que o agente tinha o intento de matar, alcançando a morte de João. Há aqui uma concausa
preexistente relativamente independente (hemofilia).

Concomitantes: a causa efetiva ocorre simultaneamente à outra causa, o sujeito responderá pelo
crime consumado. Exemplo: Neste caso, João, com intenção de matar José, efetua um disparo contra a
vítima. No entanto, João não atinge José, mas, por ter 90 anos, a vítima morre de infarto com o susto causado
pela atitude do agente. João responderá pelo homicídio consumado, eis que tinha o dolo de matar, efetuou
o disparo para matar, e conseguiu matar, ainda que tenha sido por uma causa relativamente independente,
que foi o susto de José.

Superveniente: no caso de causa superveniente relativamente independente, a causa efetiva do


resultado ocorre após a causa concorrente, há uma cisão no nexo causal, um rompimento de fato. O sujeito
responderá pelos atos até então praticados.

O exemplo clássico é aquele em que João efetua um disparo contra José, porém este é socorrido com
vida e levado por uma ambulância ao hospital. No trajeto para o hospital, a ambulância colide com um ônibus,
levando a vítima à morte. Esta causa é superveniente, pois ocorreu após os disparos, e é relativamente
independente, visto que, se não tivesse sofrido o tiro, a vítima não estaria na ambulância. Além disso, é uma
causa que, por si só, produziu o resultado. Nesta hipótese, o CP (§ 1º do art. 13) aduz que a superveniência
de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos
anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

Portanto, o indivíduo que efetuou os disparos responderá por tentativa de homicídio, e não por
homicídio consumado. Isso porque, o que há é uma causa relativamente independente que produziu por si
só o resultado. O art. 13, § 1º, do CP adotou a teoria da causalidade adequada (condição qualificada ou
condição individualizadora), considerando como causa a circunstância que, além de ser um antecedente
indispensável, leva a produção de um resultado dentro daquilo que é esperado. Ou seja, o sujeito realiza
uma atividade adequada à concretização do resultado. Quem age para matar não quer matar por um
acidente do veículo que conduz a vítima para o hospital. Isto não está dentro do desdobramento esperado.

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Por outro lado, quando o fato superveniente está dentro do desdobramento normal da causa
realizada pelo agente, o sujeito vai responder pelo crime. Por exemplo, no caso em que João dispara contra
José e, ao chegar no hospital, recebe tratamento médico, o qual se mostrou insuficiente em razão de um
erro médico, João responderá pelo homicídio consumado, podendo até mesmo o médico responder por
homicídio culposo. Todavia, João responde pelo homicídio doloso consumado, eis que um erro médico no
momento da cirurgia é algo que está dentro do desdobramento normal.

Como dito, no caso da ambulância, o evento sai da linha de desdobramento causal, sendo um evento
imprevisível. Neste caso, o agente não responderá pelo resultado consumado, mas apenas pelos atos até
então praticados, no caso, a tentativa de homicídio.

Em suma, são adotadas pelo Código Penal:

Teoria da equivalência dos antecedentes causais em conjugação com a teoria da eliminação


hipotética, que é denominada de teoria da causalidade objetiva, a qual deve ser somada à teoria da
causalidade subjetiva (causalidade psíquica), sendo essa um freio para o regresso ao infinito.

Teoria da causalidade adequada, a qual ocorre quando se analisa a concausa relativamente


independente superveniente. Quando a concausa relativamente independente superveniente, por si só,
produzir o resultado, excluir-se-á a imputação, eis que aquela conduta inaugural não é adequada ao resultado
como se deu.

4.3. Teoria da imputação objetiva

Esta teoria busca delimitar a imputação do resultado ao agente. O agente não responde
objetivamente pelo delito, mas a análise é objetiva para imputar o resultado ao agente. Esta teoria considera,
além do critério físico, os nexos normativos para o momento em que se atribui um resultado a uma conduta.

Anteriormente, se valorava a ação do sujeito para verificar se a conduta do indivíduo se dirigiu para
determinado fim. A teoria da imputação objetiva vai além, criando uma faceta objetiva da finalidade, ou seja,
a teoria busca identificar se houve a criação de um risco juridicamente proibido pelo agente.

Em suma, o desvalor do resultado está ligado à criação ou incremento de um risco juridicamente


proibido. Em seguida, é necessário verificar se o resultado foi alcançado por meio da criação ou incremento
desse risco. E, por último, é indispensável que o resultado esteja dentro do alcance do tipo penal.

Caso os três elementos estejam presentes, haverá o nexo normativo. Esta análise do nexo normativo
antecede a análise subjetiva da conduta do agente, não se falando em dolo ou culpa neste momento.

Portanto, a análise da teoria da imputação objetiva passa pelos seguintes critérios normativos:

• criação ou incremento de um risco juridicamente proibido;


• realização do risco proibido no resultado;
• resultado dentro do alcance do tipo.
A relevância do fato é apurada caso este tenha produzido situação de risco não autorizado
ao bem jurídico e este risco tenha produzido uma situação proibida e se tenha tornado um
resultado danoso. (Gunther Jakobs, Derecho Penal, Madrid, 1997. Breve enfoque estrutura
da imputação objetiva. José Carlos Gobbis Pagliuca. Caderno Jurídico - Abril/01 - Ano 1 - n.º
1 – ESMP (MPSP).

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Claus Roxin, com base no princípio do risco, estabelece 4 vertentes que impedirão a imputação
objetiva15:

a. a diminuição do risco: a conduta que reduz a probabilidade de uma lesão não pode ser
concebida como orientada pela finalidade de lesão da integridade corporal. Exemplo: “alguém
que joga uma criança pela janela da casa que pega fogo, lesionando-a gravemente, mas com
isso a salva da morte nas chamas.”;
b. a criação de um risco juridicamente relevante: se a conduta do agente não é capaz de criar um
risco juridicamente relevante, ou seja, se o resultado por ele pretendido não depender de sua
vontade, caso este aconteça, deverá ser atribuído ao acaso. Exemplo disso é o caso emblemático
ocorrido na Alemanha: o gerente de uma fábrica de pincéis entrega a suas trabalhadoras pelos
de cabra chineses, sem tomar as devidas medidas de desinfecção. Quatro trabalhadoras são
infectadas pelo bacilo antrácico e falecem. A investigação concluiu que os meios de desinfecção
prescritos seriam ineficazes em face do bacilo, até então desconhecido na Europa. O
empregador é, então, absolvido.
c. o aumento do risco permitido: se a conduta do agente não houver, de alguma forma,
aumentado o risco de ocorrência do resultado, este não lhe poderá ser imputado. Paradigmático
“caso do ciclista”, julgado pelo Supremo Tribunal alemão, citado por ROXIN (2002, p. 338): o
motorista de um caminhão deseja ultrapassar um ciclista, mas o faz a 75 cm de distância, não
respeitando a distância mínima ordenada. Durante a ultrapassagem, o ciclista, que está bastante
bêbado, em virtude de uma reação de curto-circuito decorrente da alcoolização, move a
bicicleta para a esquerda, caindo sob os pneus traseiros da carga do caminhão. Verifica-se que
o resultado também teria possivelmente ocorrido, ainda que tivesse sido respeitada a distância
mínima exigida pela Ordenação de Trânsito.
d. a esfera de proteção da norma como critério de imputação: somente haverá responsabilidade
quando a conduta afrontar a finalidade protetiva da norma. Exemplo: “A” mata “B” e a mãe da
vítima, ao receber a notícia, sofre um ataque nervoso e morre. Neste caso, “A” não pode ser
responsabilizado pela morte da mãe de “B”. Um outro exemplo se dá quando dois carros
trafegam à noite, um atrás do outro, ambos com suas lanternas e faróis apagados. Em razão da
diminuição de sua visibilidade pela escuridão, o motorista que seguia à frente colide com um
terceiro motorista, que vinha em direção contrária. O resultado teria sido evitado se o motorista
que seguia atrás tivesse ligado a iluminação de seu carro. Evidentemente o motorista que seguia
à frente deve ser punido por lesões corporais culposas, pois o dever de usar o farol tem por fim
(dentre outros) evitar colisões.

Ao dirigir com o farol apagado, o primeiro motorista criou perigo não-permitido e este perigo se
realizou. Quanto ao segundo motorista, este também criou o perigo, que se realizou por meio do acidente
que envolveu o primeiro motorista, eis que, caso tivesse empregado sua iluminação, teria evitado o acidente.
A ele, porém, nenhum resultado poderá ser imputado na esfera criminal. O fundamento é que a finalidade
do dever de iluminação é de evitar colisões próprias e não as alheias. Ele não realizou o risco não-permitido
que a lei pretendia evitar mediante seu comando, podendo, portanto, ser punido pela infração de trânsito,
mas jamais pelas lesões corporais culposas.

Observação importante: também delimita o alcance do tipo o critério da autorresponsabilidade da


vítima. Afirma Roxin que não poderá ser punível a participação em autocolocação em perigo, quando houver,
por parte da vítima, uma completa visão do risco. Não abrange o alcance do tipo tal hipótese, por encontrar
o efeito protetivo da norma seu limite na autorresponsabilidade da vítima. Exemplo: traficante que entrega

15 Rodrigo Murad do Prado. Canal Ciências Criminais. 21 de nov. de 2018 Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/teoria-
imputacao-objetiva/. Acessado em: 11 de outubro de 2021.

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heroína ao viciado, vindo este último a falecer de overdose. O ato de entrega da droga constitui criação de
risco não-permitido, que se realizou quando o viciado faleceu graças à injeção da droga. Entretanto, não terá
a ação do traficante sido de homicídio (dolo eventual), cabendo a este responder apenas pelo tráfico. O
usuário da droga possuía completa visão do risco e optou livremente pela autocolocação em perigo,
impedindo, assim, que o tipo do homicídio alcance o traficante. Importante salientar que no Direito Penal
brasileiro, distintamente do alemão, existe previsão legal de punibilidade para a participação no suicídio.

Günther Jakobs baseia sua vertente da teoria da imputação objetiva nos seguintes critérios de
imputação:

• risco permitido;
• princípio da confiança;
• proibição de regresso;
• capacidade da vítima.

a. risco permitido: se cada um se comporta de acordo com um papel que lhe foi atribuído pela
sociedade, mesmo que a conduta praticada importe na criação do risco de lesão ou perigo de
lesão aos bens de terceira pessoa, se tal comportamento se mantiver dentro dos padrões aceitos
e assimilados pela sociedade e se dessa conduta advier algum resultado lesivo, este será
imputado ao acaso;
b. princípio da confiança: de acordo com este princípio, não se imputarão objetivamente os
resultados produzidos por quem obrou confiando que os outros se manterão dentro dos limites
do perigo permitido. Não ocorrerá violação de papel, vedando-se a imputação objetiva, para
aquele que atuou acreditando que os demais se conservariam dentro dos limites do perigo
permitido;
c. proibição de regresso: se determinada pessoa atuar de acordo com os limites de seu papel, a
sua conduta, mesmo contribuindo para o sucesso da infração penal levada a efeito pelo agente,
não poderá ser incriminada. Exemplo: confeiteiro que vende um bolo posteriormente
envenenado por um homicida que o utiliza para matar terceiro. Mesmo que tal confeiteiro
conhecesse a finalidade ilícita do homicida, ainda assim não poderia responder pela infração,
pois a atividade de vender o bolo consiste na realização comum e circunscrita de seu papel de
confeiteiro. Deve-se observar que a proibição da contribuição do padeiro na venda do bolo não
seria suscetível, de fato, a evitar a conduta do homicida que poderia sem nenhum esforço obtê-
lo de outra forma;
d. competência ou capacidade da vítima: se a vítima, por sua própria vontade, se colocar na
situação de risco, está afastada a responsabilidade do agente produtor do resultado. Exemplo:
praticante de esportes radicais, que, sabedor do risco de lesões a que se expõe, não poderá
imputá-las posteriormente ao seu instrutor que agira com plena observância ao seu dever de
cuidado.

4.4. Causalidade nos crimes omissivos

Mirabete diz que “do nada, nada surge”. Portanto, para ele, quem não faz nada não comete nada.

Por isso, para que haja a causalidade nos crimes omissivos, é necessário que o aplicador do direito
se utilize de um nexo normativo.

Trata-se do nexo de evitação. Ou seja, deve-se empregar um juízo hipotético e pensar se o resultado
teria ocorrido caso a mãe tivesse dado alimento ao filho. Se verificado que o resultado teria sido evitado com
a alimentação, a mãe será responsável pelo crime, estando previsto o nexo de evitação.

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Exemplo: quando o pai deixa de alimentar o filho, a criança morre de inanição. Neste caso, há um
dever jurídico criado pela norma para que o pai dê alimento ao filho. O pai tem a obrigação de evitar o
resultado morte.

5. TIPICIDADE PENAL

Para a doutrina tradicional, tipicidade é a subsunção do fato à norma. Neste caso, se o indivíduo
subtrair uma agulha, haverá crime de furto. Essa ideia não mais se sustenta na íntegra, uma vez que é apenas
uma das facetas da tipicidade.

A doutrina moderna preceitua que não basta a subsunção do fato à norma, sendo necessário que
haja lesão ou perigo de lesão, de forma relevante, ao bem jurídico tutelado. Portanto, quem subtrai uma
caneta Bic pratica fato atípico (atipicidade material).

A corrente moderna entende que a tipicidade penal é formada por:

• tipicidade formal;
• tipicidade material.

Zaffaroni, todavia, preceitua que o ordenamento deve atuar de forma conglobante. Para ele, a
tipicidade se subdivide em:

• tipicidade formal (subsunção do fato à norma);


• tipicidade conglobante (tipicidade material + antinormatividade).

A antinormatividade é a contrariedade ao ordenamento jurídico como um todo, visando evitar


incoerência do fato. Para ele, não se pode considerar uma conduta ilícita penalmente se outra norma estatal
é determinada ou fomentada pelo Estado.

Neste caso, para Zaffaroni, a excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal que
fundamenta a atuação do oficial de justiça, quando promove a penhora de bens (subtraindo coisa alheia
móvel), deveria ser analisada sob o âmbito da excludente do fato típico, eis que estaria desprovida de
antinormatividade. Não havendo antinormatividade, por essa conduta ser determinada pelo Estado, não
poderia haver tipicidade conglobante, razão pela qual não haveria que se falar em tipicidade penal e,
consequentemente, em crime.

Para a doutrina que acolhe a teoria da tipicidade conglobante, os casos de estrito cumprimento do
dever legal e o exercício regular de um direito fomentado não poderão ser considerados como excludentes
da ilicitude, mas sim excludentes da tipicidade penal, tornando tais condutas atípicas. Nas demais hipóteses
Zaffaroni adota a ratio cognoscendi (tipicidade indiciária).

5.1. Tipicidade formal

Há duas espécies de tipicidade formal:

• subsunção direta ou adequação típica imediata: não há dependência de qualquer dispositivo


complementar para adequar o fato à norma. Exemplo: João atira e mata José. Neste caso o fato de
matar alguém se enquadra diretamente no art. 121 do CP.
• subsunção indireta ou adequação típica mediata: há uma conjugação do tipo penal com a norma de
extensão, também denominada de norma de adequação típica mediata. Exemplo: João tenta matar
José. Neste fato, não há subsunção direta ao art. 121, CP. Neste caso, devemos utilizar o art. 121 do
CP e conjugá-lo com o art. 14, II, do CP. Da mesma forma, quem espera do lado de fora da casa o

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comparsa subtrair a televisão, não subtrai o objeto, mas neste caso responderá pelo furto qualificado
pelo concurso de pessoas em razão do art. 29 do CP. A própria norma de extensão do garante (art.
13, § 2º, do CP) também é de subsunção indireta.

5.2. Elementos do tipo penal


Basicamente, temos como elementos do tipo penal:

• Elementos subjetivos: estão ligados ao especial fim de agir do indivíduo:


• Positivos: são elementos subjetivos que animam o agente. Exemplo: no tráfico para uso
compartilhado, o indivíduo deve vender droga com o objetivo de consumir juntamente com a pessoa.
• Negativos: elementos subjetivos que não devem animar o agente. Exemplo: no tráfico para uso
compartilhado, o indivíduo deve vender droga sem o objetivo de lucrar.
• Elementos objetivos:
• Descritivos: descrevem aspectos materiais da conduta como o tempo, circunstância, forma de
execução.
• Normativos (valorativos): há um juízo de valor para sua compreensão. Exemplo: no ato obsceno, é
necessário o juiz valorar sobre o que é essa obscenidade.
• Científico: não são meramente elementos normativos, mas demandam o conhecimento técnico de
determinado conceito. Exemplo: para saber se houve utilização inadequada de embrião humano, é
necessário saber o que é, tecnicamente, um embrião.

A doutrina ainda classifica os elementos do tipo como modais, que de certa forma se confundem
com os elementos descritivos.

• Elementos modais são elementos relacionados às circunstâncias de tempo, local, modo de execução
etc. Exemplo: no roubo impróprio, há o emprego da violência logo depois de subtrair a coisa. Este
“logo depois” seria o elemento modal, pois traz uma circunstância de tempo, devendo ser logo
depois.

5.3. Tipo penal congruente e incongruente

O tipo penal pode ser classificado como:

• Congruente (simétrico): há uma simetria entre os elementos objetivos e os elementos subjetivos.


Exemplo: matar alguém;
• Incongruente (assimétrico): aqui há uma assimetria entre os elementos objetivos e subjetivos.
Exemplo: No crime tentado, João tem subjetivamente o dolo de matar, mas objetivamente ele não
alcança, havendo uma assimetria. No crime preterdoloso, há o inverso, o sujeito quer apenas lesionar
(elemento subjetivo), mas acaba matando (elemento objetivo), ou seja, não há uma congruência.

5.4. Tipo simples e tipo misto

O tipo penal pode ser:

• Tipo simples: o crime contém apenas um núcleo. Exemplo: subtrair coisa alheia móvel, para si ou
para outrem;
• Tipo misto (de conduta mista ou de conteúdo variado): há mais de um núcleo no tipo penal.
Exemplo: tráfico de drogas. Pode ser subdividido em:

o Tipo misto alternativo: a prática de mais de um núcleo do tipo será crime único, desde que
no mesmo contexto fático. Para o STJ, a conjunção carnal e outro ato libidinoso, sob

118
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 11

violência ou grave ameaça, praticados no mesmo contexto fático, configuram crime único
de estupro;
o Tipo misto cumulativo: quando há a prática de mais de um núcleo do tipo. Haverá concurso
material de crimes.

119
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 12

12TEORIA GERAL DO CRIME: ILICITUDE

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 12

1. CONCEITO

Ilicitude é uma conduta contrária ao ordenamento jurídico. É o segundo elemento do crime, sendo
conhecida como antijuridicidade.

2. TEORIAS QUE EXPLICAM A RELAÇÃO ENTRE FATO TÍPICO E ILICITUDE

A ilicitude será verificada a partir de um juízo negativo, pois não havendo causa excludente de
ilicitude, o crime é considerado ilícito.

A partir daí, é possível verificar a existência de quatro teorias que tratam sobre essa relação:

Teoria da autonomia (absoluta independência): defendida por Ernest Ludwig von Beling (1906), a
tipicidade não tem a ver com ilicitude. O fato pode ser típico e não ser ilícito. Não há qualquer relação entre
os substratos.

Teoria da indiciariedade (ratio cognoscendi): idealizada por Mayer em 1915, defende que a
existência de um fato típico gera a presunção relativa de que o fato é também ilícito. Há um caráter indiciário
da ilicitude. Ou seja, há uma certa relação de dependência da ilicitude em relação ao fato típico. Cabe à
defesa fazer prova que o fato típico foi praticado sob o manto de uma excludente de ilicitude. É a teoria
adotada pelo Direito Penal. O fato típico desperta indícios de ilicitude.

Obs.: Essa teoria foi mitigada com a reforma do CPP. O art. 386 do CPP passou a afirmar que se o juiz
tiver fundada dúvida sobre a existência de uma excludente de ilicitude, deverá absolver o indivíduo,
aplicando-se o in dubio pro reo. Sendo assim, a defesa não precisa provar categoricamente que o sujeito agiu
acobertado por uma excludente de ilicitude, basta que ela produza prova suficiente e capaz de deixar alguma
dúvida no magistrado. Há uma mitigação da teoria da relatividade do ônus probatório. Exemplo: João
lesionou Pedro, mas afirma que só o fez porque estava em legítima defesa. Pedro não prova o contrário,
deixando a cargo das provas constantes nos autos. João, por sua vez, traz uma prova que coloca o juiz em
dúvida, não sendo absolutamente convincente se o sujeito teria agido em legítima defesa. Diante disso, o
juiz deverá absolver o réu, pois presente a fundada dúvida.

Teoria da absoluta dependência (ratio essendi): idealizada por Mezger em 1930, esta teoria entende
que há o tipo total do injusto, ou seja, a ilicitude faz parte da própria tipicidade, é a essência da tipicidade.
Se o fato não é ilícito, não será considerado típico.

Teoria dos elementos negativos do tipo: para esta teoria, o tipo penal é composto por elementos
positivos e elementos negativos. Os positivos são explícitos, enquanto os elementos negativos estão
implícitos.

Exemplo: tipo penal postula “matar alguém”, sendo este o elemento positivo. No entanto, também
contém os elementos negativos implícitos, o que significa que o tipo penal deve ser lido da seguinte forma
“matar alguém é crime, salvo se praticado acobertado por uma excludente da ilicitude”. Para que o
comportamento do agente seja típico, não podem estar configurados os elementos negativos. Há aqui uma
absoluta relação de dependência entre o fato típico e a ilicitude.

Como dito, o Brasil adotou a teoria da indiciariedade (ratio cognoscendi). A importância disso é que,
uma vez demonstrado que o sujeito praticou o fato típico, caberá à defesa demonstrar que o réu praticou
uma conduta amparada por uma causa excludente da ilicitude, pois há presunção de ilicitude da conduta.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 12

3. CAUSAS EXCLUDENTES DA ILICITUDE (DESCRIMINANTES OU JUSTIFICANTES)

As causas excludentes da ilicitude estão descritas no art. 23 do CP:

• estado de necessidade;
• legítima defesa;
• estrito cumprimento do dever legal;
• exercício regular do direito.

Não se trata de causas exaustivas, pois o próprio CP traz a hipótese de aborto justificado (art. 128,
CP).

Inclusive, há causas de justificação supralegais (sem previsão legal), como é o consentimento do


ofendido (em se tratando de bem disponível, próprio, vítima capaz).

3.1. Estado de necessidade

3.1.1. Conceito

O art. 24 do CP estabelece que

Art. 24. considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo
atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio
ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. (grifo nosso)

3.1.2. Requisitos do estado de necessidade

Perceba que é possível verificar os requisitos do estado de necessidade:

• Perigo atual: há uma discussão se o perigo iminente seria elemento possível do estado de
necessidade. O entendimento que prevalece é no sentido de que o perigo atual abrange o perigo
iminente, tendo em vista que perigo é a probabilidade de dano16.

• Quanto à existência do perigo, o estado de necessidade pode se classificar em (i) estado de


necessidade real, em que há efetivamente o perigo; e em (ii) estado de necessidade putativo,
situação em que o perigo é imaginário.

• Perigo não causado voluntariamente pelo agente: o agente não pode ser o causador voluntário da
situação de perigo. Esta voluntariedade, segundo a doutrina majoritária, se refere àquele que causou
dolosamente o perigo. Se o causador atuou culposamente, este indivíduo poderá agir em estado de
necessidade. O professor Mirabete, entretanto, possui entendimento diverso (corrente minoritária).
• Salvar direito próprio ou alheio: para incidir na excludente, também é necessário que o indivíduo
aja para salvar direito próprio ou alheio. Sendo o direito próprio a ser salvo, haverá estado de
necessidade próprio, porém, se salvar direito alheio, haverá estado de necessidade de terceiro.
• Inexistência de dever legal de enfrentar o perigo: o art. 24, § 1º, do CP assevera que
Art. 24, § 1º. Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar
o perigo.

Este dever legal, para a maioria da doutrina, é um dever jurídico, e deve ser considerado em sentido
amplo, não podendo alegar o estado de necessidade quem tem o dever jurídico de enfrentar o

16Para provas de 1ª fase deve-se adotar a expressão atual, salvo em banca CEBRASPE que gabaritou perigo iminente.

122
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 12

perigo, podendo, inclusive, nascer este dever de uma relação contratual. Exemplo: um salva-vidas
tem o dever jurídico de tentar salvar quem está se afogando no mar. O segurança da boate não pode
alegar estado de necessidade e não enfrentar uma situação de briga no estabelecimento. No caso do
World Trade Center, devido aos desabamentos, os bombeiros saíram do prédio. Nesta situação, não
poderiam alegar estado de necessidade em razão do dever jurídico que possuíam, porém poderiam
alegar a inexigibilidade de conduta diversa, afastando-se a culpabilidade.
• Inevitabilidade do comportamento lesivo: a lei determina que o indivíduo sacrifique o direito alheio,
pois não há outro modo de agir. O comportamento do agente deve ser absolutamente inevitável. Se
é possível a fuga, o indivíduo deve fugir. Ou seja, se a saída é possível, havendo outro modo de evitar
a lesão, deverá o indivíduo adotar o modo menos lesivo. Quanto a quem sofre a ofensa, poderá haver
a classificação em:
o Estado de necessidade defensivo: quando o bem jurídico violado é do causador da situação
de perigo;
o Estado de necessidade agressivo: quando o sacrifício se dá em relação a bem pertencente a
terceiro, que não causou a situação de perigo. Neste caso, subsiste o dever de indenizar. Na
esfera cível, se a lesão se deu em face de quem gerou o perigo (e. n. defensivo), não há o
dever de indenizar o indivíduo. Por outro lado, se o causador da lesão atingir o terceiro, que
não causou o perigo, deverá indenizá-lo, sem prejuízo da ação de regresso contra o indivíduo
causador do perigo.
• Inexigibilidade do sacrifício do interesse ameaçado: aqui há uma ponderação entre o bem salvo e o
bem sacrificado. A partir dessa ideia se desenvolvem duas teorias:
o Teoria diferenciadora: é necessário fazer uma diferenciação, isto é, se o bem jurídico
sacrificado tiver um valor menor ou igual ao bem jurídico protegido, haverá estado de
necessidade como excludente da ilicitude, denominado de estado de necessidade
justificante. Por outro lado, se o bem sacrificado tiver o valor maior do que o bem protegido,
a doutrina denominará esta situação de estado de necessidade exculpante, ou seja, há a
exclusão da culpabilidade. NÃO É ADOTADA.
o Teoria unitária: não há estado de necessidade exculpante, mas apenas o estado de
necessidade como excludente da ilicitude. Sendo o bem sacrificado mais valioso do que o
bem protegido, deverá o indivíduo responder pelo crime, mas há uma causa obrigatória de
redução de pena de um a dois terços, conforme estabelece o § 2º do art. 24. O dispositivo
dispõe que
Art 24, § 2º. Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá
ser reduzida de um a dois terços. TEORIA ADOTADA.

• Conhecimento da situação justificante: é o requisito subjetivo, determinando que o sujeito saiba


que está agindo em estado de necessidade.

3.1.3. Estado de necessidade em crime habitual e em crime permanente

Rogério Sanches reputa o questionamento acerca da possibilidade de se falar em estado de


necessidade diante de um crime habitual ou de um crime permanente. A conclusão a que ele chega é a de
que, como a lei exige perigo atual, inevitabilidade do comportamento lesivo e não razoabilidade de sacrifício
do direito ameaçado (art. 24, CP), não há como aplicar esses requisitos legais nos casos de crime permanente
e crime habitual.

Isso porque no crime habitual, por exemplo, o sujeito não poderia exercer a medicina irregularmente
em razão de um perigo atual. Todavia, poderá, eventualmente, o indivíduo se valer de uma inexigibilidade
de conduta diversa, que é uma causa excludente da culpabilidade, não havendo que se falar em estado de
necessidade em crime habitual ou permanente.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 12

3.1.4. Estado de necessidade contra estado de necessidade

É possível falar-se em estado de necessidade contra estado de necessidade, bastando lembrar do


caso dos náufragos em que, havendo uma tábua de salvação, ambos possuem o interesse jurídico de evitar
o perigo atual, podendo matar a outra pessoa para salvar o seu bem jurídico: a vida.

A doutrina denomina esta espécie de estado de necessidade recíproco.

3.1.5. Estado de necessidade e erro na execução

Trata-se de erro de pontaria. Supondo que o indivíduo esteja de frente com o cachorro do vizinho,
não havendo como fugir. Neste caso, se o indivíduo estivesse com uma arma e matasse o cachorro, incidiria
em estado de necessidade. Contudo, um dos disparos atravessa o cachorro e atinge a perna de uma criança,
causando lesões.

A repercussão jurídica disso deve ser feita a partir do erro na execução. Isso porque o indivíduo
queria apenas matar o cachorro, e não a criança. Neste caso, deverá ser considerada apenas a vítima
pretendida, que era o cachorro, por meio do estado de necessidade. Por esta razão, o disparo que atingiu a
criança não configurará crime, salvo se agiu culposamente.

3.2. Legítima defesa

3.2.1. Conceito – Art. 25, CP

Dispõe o artigo 25 do Código Penal, em seu caput, que:

Art 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios
necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Já o parágrafo único, inserido pela Lei Anticrime (Lei n.º 13.964/2019), estabelece que

Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se


também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de
agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

3.2.2. Requisitos da legítima defesa

Agressão injusta: agressão é uma ação ou omissão humana e a injustiça deve ser contrária ao direito
e ao ordenamento jurídico. Se houver a agressão injusta, o agredido poderá revidar a agressão, não se
exigindo a fuga do local (commodus discessus), diferentemente do estado de necessidade. A injustiça da
agressão justifica o rebate do agredido. Exemplo: o ataque do cachorro pode gerar legítima defesa, caso o
dono do cachorro tenha o instigado a atacar a pessoa. Se não há essa determinação do dono, que o utiliza
como instrumento de ataque, o caso poderá configurar estado de necessidade.

A legítima defesa independe da consciência do agressor, ou seja, o inimputável, por exemplo, pode
ser agressor injusto e haver uma legítima defesa contra este indivíduo. O provocador da injusta agressão
poderá agir em legítima defesa, como no caso em que o indivíduo encontra a mulher e o amante na cama.
Neste caso, aquele sujeito que será agredido pelo agressor provocou a situação, mas poderá se utilizar da
legítima defesa.

Há duas hipóteses em que o provocador da agressão não pode invocar a legítima defesa: (i) a
hipótese em si já se mostra uma provocação. Por exemplo, João dá um soco na cara de Pedro. Pedro não

124
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 12

poderá pegar uma arma e sustentar que agiu em legítima defesa; (ii) a hipótese em que o próprio indivíduo
provoca a agressão injusta com o intuito de levantar a legítima defesa. O indivíduo tem por finalidade criar a
ação de legítima defesa para justificar a morte do agressor. É o caso em que o indivíduo, querendo matar o
marido de sua amante, vai até a casa, fazendo com que ele compareça à residência e encontre os dois na
cama, de modo que antes de o marido sacar a arma, o amante mata o traído. Esta provocação só foi um
pretexto para que o provocador agisse em legítima defesa, razão pela qual não será admissível a excludente.

A legítima defesa quanto à existência dessa injusta agressão, pode ser: real (agressão real) ou
putativa (agressão imaginária).

Agressão atual ou iminente: não se admite a legítima defesa contra agressão passada (vingança) e
nem contra agressão futura (mera suposição).

PERGUNTA!
O que é a legítima defesa postergada? Se o sujeito acabou de ser roubado, porém, quando o ladrão
vai fugir, a vítima vai atrás dele e reage, empurrando o agente e conseguindo o bem de volta. Neste caso, a
vítima agrediu o agente em momento posterior, quando a agressão já não era mais iminente e nem mesmo
atual. A partir dessa situação, deve-se fazer uma leitura elástica do termo atual. Entende-se que se esta
reação, logo depois da ocorrência do ilícito, é atual: o sujeito ainda age em legítima defesa, pois ele ataca
logo em seguida. Esta é a decisão mais justa, porém é necessário que seja logo após a agressão injusta.

Rogério Sanches questiona: é possível a legítima defesa no crime de rixa? Em regra, não, pois as
agressões são todas injustas, não havendo que se falar em legítima defesa. Porém, é possível que um dos
sujeitos envolvidos extrapole a agressão do conflito pactuado com os demais, admitindo-se que os outros se
utilizem da legítima defesa.

Proteção de direito próprio ou de outrem: se agir para defender direito próprio, haverá a legítima
defesa própria, sendo o direito de outrem, haverá a legítima defesa de terceiro (ex persona). Não se impõe
a observância da proporcionalidade entre o bem jurídico injustamente atacado e aquele que foi atingido pelo
exercício da legítima defesa. Por exemplo, sujeito está sendo furtado, mas poderá inclusive ceifar a vida do
agente. Neste caso, há a relação de vida versus patrimônio, podendo ser admitida a legítima defesa.

Uso moderado dos meios necessários: é preciso que o indivíduo aja com proporcionalidade, isto é,
deve ser utilizado o meio menos lesivo à disposição do agredido. Meio necessário é aquele menos lesivo à
disposição de quem vai repelir a injusta agressão, mas que seja capaz de repelir o ataque. A atuação
moderada é uma utilização sem excessos e que demonstre que houve emprego suficiente daquilo que se
exige para cessar a agressão. Nélson Hungria destaca que, na verdade, para dizer se foi moderado ou não,
não é possível utilizar de uma balança de farmácia, devendo-se analisar se foi mais ou menos proporcional.

Conhecimento da situação de fato justificante: é o requisito subjetivo.

A legítima defesa pode ser invocada para repelir injusta agressão de alguém que se encontra
acobertado por uma excludente de culpabilidade. Isso porque a excludente de culpabilidade não altera o
caráter injusto da conduta (o fato continua sendo típico e ilícito), o que permite a atuação em legítima defesa.

Exemplo: O sujeito coloca arma na cabeça do filho do gerente do banco e determina que o gerente
adentre o banco e furte cem mil reais. Ele agia mediante coação moral irresistível.

125
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 12

3.2.3. Legítima defesa e erro na execução

Havendo erro na execução ocasionado pela legítima defesa, a vítima que foi acertada por erro na
execução será considerada como se o indivíduo tivesse acertado o agente criminoso (vítima virtual), de modo
que não estaria configurado o crime.

3.2.4. Legítima defesa recíproca

Diferentemente do estado de necessidade, não é possível legítima defesa contra legítima defesa
(recíproca), pois não é possível que duas pessoas ajam uma contra outra em legítima defesa. Para que haja
legítima defesa, uma das agressões deve ser injusta. Porém, se duas legítimas defesas são idôneas, não há
agressão injusta, não havendo fundamento para a legítima defesa.

3.2.5. Legítima defesa sucessiva

É o caso em que um sujeito, em legítima defesa, agride outro que havia provocado a agressão injusta,
porém age com excesso, dando aporte à legítima defesa sucessiva. Portanto, é possível legítima defesa
sucessiva.

O sujeito agredido repele a agressão injusta e se excede. Se o sujeito se excede, a agressão passa a
ser injusta, isto é, aquele que era inicialmente o agressor passa a ser o agredido, podendo agir em legítima
defesa.

3.2.6. Legítima defesa real contra legítima defesa putativa

Exemplo: João, desafeto de José, vai pegar uma carteira de cigarro no bolso, mas José pensa que
João sacará uma arma e atira em João. José estaria agindo em legítima defesa putativa. Todavia, neste
momento, João, tendo recebido disparos contra si, pega a sua arma e revida disparos contra José. Nesta
situação, João estaria agindo legítima defesa real contra a legítima defesa putativa de José.

3.2.7. Legítima defesa putativa recíproca

É possível que ambos os indivíduos queiram sacar uma carteira de cigarro ou um bilhete, quando
João pensa que José sacará uma arma e vice-versa. Neste momento, José saca sua arma e João também saca
a sua.

Portanto, é possível que haja uma legítima defesa putativa de uma legítima defesa putativa.

3.2.8. Legítima defesa presumida

Dispõe o parágrafo único do art. 25 do Código Penal:

Art. 25. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em
legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a
vítima mantida refém durante a prática de crimes.

Entendemos que o parágrafo único supracitado inaugurou hipótese de legítima defesa presumida.
Assim, diferentemente da regra geral, segundo a qual cabe a defesa demonstrar que o acusado, autor de um
fato típico, agiu acobertado por uma excludente da ilicitude (decorrência da teoria da indiciariedade), na
situação descrita pela norma excepcional, presume-se que o agente de segurança pública tenha agido em

126
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 12

conformidade com o ordenamento (conduta jurídica). Portanto, em situações de resgate de vítima feita de
refém em que houver lesão ou morte do sequestrador, caberá ao Órgão Acusador demonstrar que o agente
praticou um fato típico e ilícito.

Caso entendêssemos de forma diversa, a norma do parágrafo único seria inútil, já que exige, para
reconhecimento da legítima defesa, a presença dos requisitos do caput. Ora, se for necessário ao réu
demonstrar a presença dos requisitos do caput, o parágrafo único é inútil. Isso, porque, estando presentes
os requisitos do caput, há, inegavelmente, legítima defesa. No entanto, a “lei não contém palavras inúteis”.
Assim sendo, concluímos que a norma cria hipótese de legítima defesa presumida, excepciona a teoria da
indiciariedade e adota, extraordinariamente, a teoria da absoluta independência, cabendo ao Parquet
demonstrar a prática do fato típico e a ilicitude da conduta típica.

3.2.9. Legítima defesa da honra


O STF entendeu da seguinte forma:

A tese da “legítima defesa da honra” nos crimes contra a vida não pode ser admitida, visto
que confronta diretamente com um importante valor constitucional: a dignidade da pessoa
humana. Por isso, o plenário do STF referendou medida cautelar que havia sido concedida
pelo ministro Dias Toffoli, na qual se considerou inconstitucional a tese da legítima defesa
da honra no tribunal do júri: “[…] A “legítima defesa da honra” não pode ser invocada como
argumento inerente à plenitude de defesa própria do tribunal do júri, a qual não pode
constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. Assim, devem prevalecer a
dignidade da pessoa humana, a vedação a todas as formas de discriminação, o direito à
igualdade e o direito à vida, tendo em vista os riscos elevados e sistêmicos decorrentes da
naturalização, da tolerância e do incentivo à cultura da violência doméstica e do feminicídio.
5. Na hipótese de a defesa lançar mão, direta ou indiretamente, da tese da “legítima defesa
da honra” (ou de qualquer argumento que a ela induza), seja na fase pré-processual, na fase
processual ou no julgamento perante o tribunal do júri, caracterizada estará a nulidade da
prova, do ato processual ou, caso não obstada pelo presidente do júri, dos debates por
ocasião da sessão do júri, facultando-se ao titular da acusação recorrer de apelação na
forma do art. 593, III, a, do Código de Processo Penal. 6. Medida cautelar parcialmente
concedida para (i) firmar o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é
inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da
CF); (ii) conferir interpretação conforme à Constituição aos arts. 23, inciso II, e 25, caput e
parágrafo único, do Código Penal e ao art. 65 do Código de Processo Penal, de modo a
excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa; e (iii) obstar à
defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a
tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-
processual ou processual penais, bem como durante o julgamento perante o tribunal do
júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento. 7. Medida cautelar referendada” (ADPF
779, j. 15/03/2021).

3.3. Estrito cumprimento do dever legal

3.3.1. Conceito

O indivíduo age em estrito cumprimento de um dever legal, ou seja, a lei obriga o agente a atuar.
Trata-se da realização de um fato típico por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei. O dever
legal que fundamenta essa descriminante decorre da lei em sentido amplo. Em outras palavras, a conduta
do agente estará abarcada por qualquer diploma normativo, com algum grau de abstração. Exemplo:
decreto, regulamento, portaria etc.

127
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 12

Obs.: Para Zaffaroni, o estrito cumprimento do dever legal não é excludente de ilicitude, mas sim
excludente de tipicidade, pois a tipicidade penal para ele deve ser formal e conglobante (tipicidade material
+ antinormatividade).

3.3.2. Requisitos

Além da lei em sentido amplo, a doutrina costuma exigir que esteja presente o elemento subjetivo,
ou seja, é necessário que o indivíduo tenha a consciência de que está agindo no estrito cumprimento do
dever legal.

3.4. Exercício regular de um direito

3.4.1. Conceito

Trata-se de condutas que são facultadas ao cidadão comum, desde que de forma regular. São
condutas autorizadas pela lei, como é o caso da prisão em flagrante por particular. Exemplo: Se o particular
prende uma pessoa que acabou de cometer crime, ainda que o indivíduo esteja privando o agente da sua
liberdade, estará ele agindo no exercício regular de um direito. E, portanto, não há crime.

Frise-se que o exercício deve ser regular, pois o exercício irregular do direito é ato ilícito.

3.4.2. Requisitos

É requisito para que haja o exercício regular de um direito que o exercício seja proporcional ou
indispensável.

Ademais, é necessário que o indivíduo tenha o conhecimento de que age no exercício regular de um
direito.

3.5. Ofendículos

3.5.1. Conceito

São aparatos, obstáculos facilmente perceptíveis e pré-ordenados para defesa da propriedade.


Exemplo: cacos de vidros nos muros ou pontas de lanças no portão.

3.5.2. Natureza jurídica

A doutrina majoritária defende que, enquanto o ofendículo não é acionado, o indivíduo age em
exercício regular de um direito. Porém, quando é acionado o aparato protetor, a fim de repelir a injusta
agressão, o indivíduo agirá em legítima defesa preordenada.

3.6. Causas supralegais de exclusão da ilicitude

Há causas supralegais de exclusão da ilicitude, como é o caso do consentimento do ofendido. O


consentimento do ofendido não caracterizará sempre uma excludente da ilicitude, podendo ser:

• Indiferente penal;

128
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 12

• Excludente da tipicidade (quando o dissentimento for elementar do crime, como é o caso do


estupro. Neste caso, como o dissentimento é elementar, caso haja o consentimento, não haverá
o crime, não sendo causa supralegal);
• Excludente da ilicitude.

3.6.1. Requisitos do consentimento como causa excludente da ilicitude

Para que haja a excludente da ilicitude como causa supralegal, é necessário que:

• O consentimento não seja elementar do crime;


• A vítima seja capaz;
• O consentimento seja válido: quem consente deve ter, naquele momento, liberdade e consciência
para emitir sua vontade;
• O bem seja disponível: não é possível que haja o consentimento para bem indisponível. Esta é a
grande razão para que eutanásia seja considerada crime, pois a vida é indisponível;
• Bem próprio: só se pode consentir se o bem não for de terceiro;
• Prévio ou simultâneo à lesão ao bem jurídico: se o consentimento for posterior à lesão, não haverá
excludente de ilicitude, ainda que possa haver outras repercussões penais, como é o caso do perdão
do ofendido na ação penal privada ou na ação penal pública condicionada à representação, bem
como da renúncia, decadência;
• Consentimento expresso: a doutrina tradicional ainda se posiciona no sentido de que o
consentimento deve ser expresso, porém a doutrina moderna discorda, dizendo que é admissível o
consentimento tácito;
• Conhecimento da situação de fato que autoriza a justificante: portanto, é necessário que o agente
saiba que está agindo com o consentimento do ofendido.

3.6.2. Integridade física é bem jurídico disponível?

PERGUNTA!
A integridade física é bem jurídico disponível?

A doutrina diverge. A corrente moderna entende que a integridade física é bem disponível, pois se
fundamenta na Lei n.º 9.099/1995, que fez com que a ação penal para os crimes de lesão leve e culposa, os
quais eram crimes de ação pública incondicionada, passasse a ser pública condicionada à representação do
ofendido.

Portanto, a vítima pode dispor, exercendo ou não o direito, não sendo processado o autor da lesão.
Isso subsidia a integridade física como bem disponível.

Todavia, para que haja a disponibilidade da integridade física, é necessário observar os seguintes
requisitos:

• lesão corporal de natureza leve;

• consentimento não contrário à moral e aos bons costumes, o que exige um juízo de valor.

3.6.3. Consentimento do ofendido nos crimes culposos

PERGUNTA!
É possível que haja o consentimento do ofendido nos crimes culposos?

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 12

Segundo Rogério Sanches, sim. Exemplo: o condutor de uma motocicleta propõe a um amigo uma
volta de motocicleta, cheia de manobras radicais e perigosas. O amigo aceita a oferta. Um dos indivíduos vai
na garupa do outro a fim de promover diversas manobras. Em certo momento a motocicleta cai, fazendo
com que o amigo sofra lesões corporais leves. Nesse caso, podemos dizer que o bem é disponível. O sujeito
consentiu a partir de o momento em que subiu na garupa, sabendo que iria realizar manobras perigosas.

Como se vê, o caso fundamenta a excludente supralegal do consentimento do ofendido para o crime
de lesão corporal culposa.

3.7. Excesso não justificante

O art. 23 do CP em seu parágrafo único estabelece que

o agente, em qualquer das hipóteses em que agir acobertado por uma excludente da
ilicitude, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

A expressão excesso pressupõe que tenha havido algum momento em que não havia sido excedido
o limite. Pressupõe, ainda, uma situação inaugural de legalidade, seguida de um momento em que se
extrapolou a legalidade, cometendo-se excesso.

Segundo a doutrina, o excesso poderá ser:

• Excesso doloso: o sujeito se propõe a ultrapassar os limites da justificante. Exemplo: sujeito,


acobertado por uma excludente de ilicitude depois de receber um injusto tapa na cara, resolve matar
o agressor. É o excesso proposital.
• Excesso culposo: o sujeito reage à uma agressão injusta e, ao se defender, extrapola os limites da
legítima defesa sem que esta fosse a sua intenção. O indivíduo não observa os cuidados sobre os
limites.
• Excesso acidental: do ponto de vista penal, é irrelevante, pois não decorre de um fato realizado pelo
sujeito, e sim de um caso fortuito ou força maior. Exemplo: supondo que o agente esteja repelindo
agressão e, neste ato, o agressor, nervoso com aquela situação, por ter tomado um soco, sofre
parada cardíaca, razão de sua morte. Neste caso, o sujeito não responderá pelo excesso, pois não
houve dolo ou culpa, e o Código Penal dispõe justamente que o sujeito só responderá se agir com
excesso doloso ou culposo. O excesso acidental não pode implicar responsabilidade penal de quem
agiu.
• Excesso exculpante: o sujeito está em um estado anímico que lhe retira a capacidade de atuar
racionalmente. Neste caso, o indivíduo não agiu dentro da excludente da ilicitude, porém somente
poderia responder se tivesse agido culposamente. Todavia, na situação, sua culpabilidade é afastada,
por inexigibilidade de conduta diversa, tendo em vista que o indivíduo está fora de si. Exemplo:
sujeito, ao retornar para casa, verifica que sua filha de 9 anos de idade está sendo estuprada por um
idoso de 75 anos de idade. O sujeito, vendo o idoso estuprar sua filha, o agride, retirando-o de cima
de sua filha. No entanto, o pai está em um estado de ânimo tão alterado, e, portanto, fora de si, que
continua a agressão contra o idoso, matando-o. É possível encontrar, nesse caso, apesar de
ultrapassados os limites da legítima defesa, uma excludente da culpabilidade.

3.8. Descriminante putativa

Descriminante: aquilo que não é crime. Putativa: está somente na cabeça do indivíduo.

É a causa imaginária de excludente da ilicitude. Neste caso, há dois tipos de erros putativos:

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 12

• Erro de tipo: o erro recai sobre as circunstâncias fáticas, ou seja, o agente erra sobre os pressupostos
da realidade. Exclui o dolo. Se evitável, afasta o dolo, mas o sujeito responde pelo crime culposo; se
inevitável, exclui dolo e culpa. Exemplo: José pega a carteira de João achando que é a sua, coloca-a
no bolsa e vai embora. José está acobertado por um erro de tipo.
• Erro de proibição (indireto): o agente erra sobre a existência de uma norma penal proibitiva. O
sujeito fica isento de pena, se inevitável, ocorrendo a exclusão da culpabilidade; se evitável, o sujeito
terá a pena reduzida de 1/3 a 2/3. Exemplo: Sujeito que tem 18 anos e mantém relação sexual com
a sua namorada de 13 anos, mas que desconhece estar cometendo o crime de estupro de vulnerável,
porque a adolescente e a família consentem.

3.8.1. Erro quanto à existência da descriminante

Apesar de o sujeito conhecer a situação de fato, não sabe que o comportamento é ilícito. Por conta
disso, o indivíduo, ao tomar um soco injustamente, resolve revidar com um tiro, achando que estaria
amparado pela legítima defesa. O indivíduo sabe o que está fazendo, bem como tem o conhecimento da
circunstância fática, mas o equívoco do sujeito é sobre a existência de uma descriminante putativa.

3.8.2. Erro quanto aos pressupostos fáticos (descriminante putativa por erro
de tipo)

Neste caso, o indivíduo tem uma errada compreensão da norma, não sabe o que está acontecendo
na realidade, imaginando situação de fato que, na realidade, não existe. Isso pode ocorrer quando alguém
saca a carteira do bolso, mas o outro indivíduo pensa que se trata de arma, hipótese em que reage, agindo
em legítima defesa putativa. O erro é quanto à situação de fato.

O equívoco do agente neste caso deve ser tratado como um erro de tipo ou de proibição?

▪ 1ª Corrente: para a teoria extremada da culpabilidade, o erro sobre os pressupostos fáticos nas
causas justificantes deve ser considerado como erro de proibição. O fundamento está no fato
de que, conforme o art. 20, § 1º, do CP, quando o erro é inevitável, o agente está isento de pena,
ou seja, a isenção é da pena, havendo crime.

Crítica: o CP, em outras passagens, fala em isenção de pena quando, na verdade, não existe crime.
Este argumento da teoria extremada da culpabilidade não se sustenta, portanto, esta teoria não é a adotada.

▪ 2ª Corrente: a teoria limitada da culpabilidade, que é a prevalente, estabelece que, no caso em


que a descriminante putativa se dá em razão dos pressupostos fáticos, há erro de tipo. Isso
porque, se ele for inevitável, excluirá o dolo e a culpa, apesar de a lei determinar que o agente
é isento de pena, eis que esta é apenas uma consequência. Se o agente não age com dolo ou
com culpa, não pode ser penalizado. Tanto é que essa é a ideia que o próprio CP adota ao
postular que, se o erro for evitável, o indivíduo responderá a título de crime culposo,
consequência do erro de tipo e do erro de proibição. O erro de tipo repercute na conduta do
sujeito se ela for dolosa ou culposa. Esta é a denominada culpa imprópria. Imprópria porque o
sujeito mata dolosamente, mas acredita estar em legítima defesa. Em razão de política criminal,
pune-se o sujeito a título culposo, em vez de se admitir responsabilização dolosa.

Lembre-se: a culpa imprópria admite tentativa, pois é um delito intencional. Exemplo: o sujeito mata
porque quer matar, se não alcançar o resultado morte, terá sido por circunstâncias alheias à sua vontade.

▪ 3ª Corrente: a teoria extremada sui generis estabelece que o art. 20, § 1º, do CP é uma figura
híbrida, eis que haveria uma fusão das duas teorias. Dessa forma, quando o erro é inevitável

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adota-se a teoria extremada da culpabilidade, ou seja, o sujeito é isento de pena. Por outro lado,
quando o erro é evitável, adota-se a teoria limitada da culpabilidade, eis que o sujeito é punido
por um crime culposo.

Prevalece a teoria limitada da culpabilidade, sendo um erro de tipo.

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13 TEORIA GERAL DO CRIME: CULPABILIDADE

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1. CONCEITO

É o terceiro substrato do conceito analítico do crime. Culpabilidade é um juízo de reprovação. Este


juízo recai sobre a conduta típica e ilícita que o agente realizou (teoria tripartite).

Para quem adota o conceito bipartite do crime, a culpabilidade não seria substrato do crime, mas
seria um pressuposto de aplicação da pena. No entanto, para a maioria da doutrina é o terceiro substrato do
crime.

A culpabilidade reprova a conduta do autor que cometeu um fato típico e ilícito. A reprovação advém
da possibilidade que o autor teria de atuar conforme o direito, porém optou livremente por se comportar
de maneira contrária ao ordenamento. A partir dessa ideia, que justifica a reprovabilidade do
comportamento do autor, é que serão extraídos os elementos da culpabilidade.

2. TEORIAS DA CULPABILIDADE

É necessário entender as teorias adotadas pela doutrina:

• teoria psicológica da culpabilidade;


• teoria psicológica-normativa;
• teoria normativa pura.

2.1. Teoria psicológica da culpabilidade

A culpabilidade consiste na relação psíquica entre autor e resultado. A culpabilidade se confunde


com o dolo e com a culpa. Possui como espécies a culpabilidade-dolo e a culpabilidade-culpa.

Para esta teoria, o dolo seria normativo, isto é, o sujeito tem consciência da ilicitude de sua conduta.

No caso dessa teoria psicológica da culpabilidade, a imputabilidade é mero pressuposto da


culpabilidade, não sendo um elemento propriamente dito.

2.2. Teoria psicológica-normativa

A teoria psicológica-normativa entende que a culpabilidade possui um caráter psicológico, sendo


dolo e culpa elementos da culpabilidade, e não mais espécies. Para essa teoria, juntamente como o dolo
(normativo – em que o sujeito tem consciência atual da ilicitude) e a culpa, também é necessário que haja
imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa.

Há um avanço em relação à teoria psicológica. O dolo, na teoria psicológica-normativa, ainda é


normativo, estando dentro da culpabilidade.

2.3. Teoria normativa pura (extremada)

A teoria normativa pura da culpabilidade, inspirada no finalismo de Hans Welzel, dispõe que a
culpabilidade é composta dos seguintes elementos:

• imputabilidade;
• exigibilidade de conduta diversa;
• potencial consciência da ilicitude.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 13

O dolo e a culpa migram para o fato típico, tornando o dolo natural.

Perceba que, agora, a culpabilidade é normativa, pois não há qualquer elemento psicológico na
culpabilidade. Dolo e culpa estão no fato típico.

A teoria adotada no Brasil é a teoria limitada da culpabilidade.

Essa teoria tem as mesmas premissas da teoria normativa pura (extremada), porém há uma ressalva
quanto às descriminantes putativas sobre os pressupostos fáticos. Isso porque a teoria limitada da
culpabilidade classifica o que é erro de tipo, razão pela qual a doutrina adota a teoria limitada.

3. COCULPABILIDADE

A teoria da coculpabilidade (Zaffaroni) estabelece que o Estado tem parcela de responsabilidade nos
fatos realizados por criminosos que não tiveram acesso à escola, saúde, oportunidades de vida, tendo
trilhado o caminho do crime.

O CP não adota expressamente a teoria da coculpabilidade, mas é possível aplicá-la por meio do
art. 66 do CP, que determina que:

Art. 66. A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou
posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei. (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)

4. COCULPABILIDADE ÀS AVESSAS

Se a coculpabilidade significa um menor grau de reprovabilidade do comportamento daquele sujeito


que não teve oportunidade, a coculpabilidade às avessas vai significar uma maior reprovabilidade do
comportamento do sujeito que teve todas as oportunidades de seguir pelo caminho da licitude, mas não o
fez.

E, portanto, a coculpabilidade às avessas adota uma postura crítica quanto à seletividade do Direito
Penal. Ela dispõe que o Direito Penal do jeito que se apresenta resta equivocado, pois há abrandamento no
tocante aos delitos praticados por pessoas com alto poder econômico social. Exemplo: abrandamento é o
pagamento do crédito tributário que extingue a punibilidade.

Outra crítica que ela faz é no sentido de que o sistema é feito de maneira a se mostrar mais gravoso
para as pessoas com menores condições. Basta olhar para a Lei de Contravenções Penais e compreender que
vadiagem e mendicância são atos cometidos por aqueles que são marginalizados e não possuem condições
de prover o seu próprio sustento (trata-se de punição ao sujeito pelo que ele é, e não pelo que ele faz).

A partir daí, começam a ser tipificadas condutas de pessoas que não tiveram acesso ao ensino, saúde
e educação de qualidade. Devido a isso, há uma coculpabilidade às avessas ao indivíduo que, a par de todas
as oportunidades, decidiu ingressar no mundo do crime.

A maior reprovabilidade da coculpabilidade às avessas não possui previsão legal. Além disso, não é
possível sua aplicação, eis que não se admite analogia in malam partem no Direito Penal.

Todavia, o magistrado, quando da dosimetria da pena, poderá considerar um grau maior de


reprovabilidade na conduta do agente, nas circunstâncias do art. 59 do CP, devendo haver algo específico
para que a pena seja fixada acima do mínimo legal. Mas, em nenhum momento, poderá considerar a
coculpabilidade às avessas como agravante.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 13

5. CULPABILIDADE DO AUTOR OU CULPABILIDADE DO FATO

A doutrina alemã levanta uma questão: a culpabilidade é do autor ou a culpabilidade é do fato?

Prevalece, na doutrina, que o Direito Penal brasileiro adotou a culpabilidade do fato. Apesar de o
objeto da censura ser o agente. Ele é censurado pelo que fez, e não pelo que ele é. E, portanto, a culpabilidade
é do fato.

6. ELEMENTOS DA CULPABILIDADE

São elementos da culpabilidade:

• imputabilidade;
• potencial consciência da ilicitude;
• exigibilidade de conduta diversa.

6.1. Imputabilidade

6.1.1. Conceito e elementos de imputabilidade

Imputabilidade é a capacidade de imputação de o sujeito ser responsabilizado pelos seus atos.

São dois os elementos que devem estar presentes para que o sujeito tenha imputabilidade:

• Elemento intelectivo: deve ter higidez psíquica, consciência do caráter ilícito do fato;
• Elemento volitivo: tendo consciência, o sujeito tem vontade de praticar o fato, dominando a sua
vontade.

Ou seja, ele compreende o caráter ilícito do fato e é capaz de dominar a sua vontade de acordo com
esse entendimento.

6.1.2. Critérios da imputabilidade

São critérios para aferição da imputabilidade:

▪ Critério biológico: leva-se em conta apenas o desenvolvimento mental e a idade do agente. Se


o sujeito é doente mental, ele é inimputável, bastando isso. Adotado para o menor de 18 anos,
considerando-se que este possui desenvolvimento mental incompleto e, portanto, é
inimputável.
▪ Critério psicológico: considera-se apenas se o agente, ao tempo da conduta, tinha capacidade
de entendimento e de autodeterminação. Deve-se analisar se, ao tempo da conduta, o agente
tinha capacidade para entender a ilicitude do fato e determinar o seu comportamento de acordo
com esse entendimento. Não é o critério adotado.
▪ Critério biopsicológico: para este critério, considera-se inimputável aquele que, em razão da sua
condição mental (doente mental, ou desenvolvimento mental incompleto), era, ao tempo da
conduta, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo
com esse entendimento. Portanto, não basta que o agente tenha a doença mental, é necessário
que essa doença mental tenha sido capaz de comprometer o seu entendimento ou o seu
comportamento a partir desse entendimento.

No Brasil adota-se o critério conforme a causa da inimputabilidade.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 13

6.1.3. Inimputabilidade em razão da capacidade mental do agente

O art. 26 do CP estabelece que

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Nesse caso, percebe-se que o critério adotado foi o biopsicológico, devendo o agente ter a doença
e não poder se determinar ou entender o caráter ilícito do fato.

Doente mental pode ser considerado imputável, desde que não haja o comprometimento sobre
entender o caráter ilícito do fato e de se comportar de acordo com esse entendimento. É devido a isso que
o sujeito, mesmo que acometido por doença mental, se praticar o crime num momento de lucidez, será
imputável.

O inimputável, salvo se menor de idade, será denunciado, processado, mas não será condenado, e
sim processado e absolvido impropriamente. Supondo-se que o agente tenha cometido o fato análogo ao
crime, neste caso, receberá uma sanção penal, denominada medida de segurança com natureza de
tratamento. Esta é a denominada absolvição imprópria.

Já o semi-imputável, por outro lado, segundo o art. 26, parágrafo único, do CP, se o agente, em
virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era
inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento, este sujeito será condenado, mas a sua pena será reduzida de 1/3 a 2/3.

Ou seja, o semi-imputável terá sua pena reduzida, porém, é possível que o magistrado perceba que,
para ele, é mais indicado que se submeta a uma medida de segurança. Veja, o juiz poderá modificar a
redução da pena por uma medida de segurança, mas, ainda assim, a sentença continuará sendo
condenatória.

Atenção: somente deve ser aplicada pena ou medida de segurança, e não pena e medida de
segurança. Se adota o sistema vicariante ou unitário. O Brasil não mais adota o sistema do duplo binário.

6.1.4. Inimputabilidade em razão da idade

O art. 27 do CP estabelece que

Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às
normas estabelecidas na legislação especial.

A legislação especial a que o artigo se refere é o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º
8.069/1990).

Se o indivíduo é menor de 18 anos, ficam desprezados os critérios que levam em conta a capacidade
de o agente compreender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Adota-se o critério biológico. Há uma presunção absoluta de que o desenvolvimento mental é


incompleto neste caso.

O sujeito alcança a maioridade no primeiro minuto do dia em que faz aniversário.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 13

6.1.5. Inimputabilidade em razão da embriaguez

A inimputabilidade pode se dar em razão da embriaguez.

Embriaguez é uma intoxicação causada pelo álcool ou outra substância que tenha efeitos análogos
ao álcool.

A embriaguez pode ser classificada como:

• embriaguez não acidental;


• embriaguez acidental.

a) Embriaguez não acidental

A embriaguez não foi um acidente, mas causada voluntariamente ou culposamente:

• embriaguez voluntária: é aquela que se dá quando o sujeito tem a intenção de se embriagar;


• embriaguez culposa: é aquela em que o indivíduo se embriaga por negligência ou imprudência,
começa a beber e não tem o cuidado necessário, passando a ficar embriagado.

A embriaguez voluntária e a culposa podem ser completas ou incompletas:

• embriaguez completa: retira do sujeito a capacidade de entendimento e de autodeterminação;


• embriaguez incompleta: neste caso, não retira completamente a capacidade, mas diminui a
capacidade de entendimento e de autodeterminação.

A embriaguez não acidental (voluntária ou culposa) jamais exclui a imputabilidade, ainda que seja
completa, mesmo que retire a capacidade de autodeterminação e entendimento. Isso porque, nessa
hipótese, o Código Penal adota a teoria actio libera in causa (a ação era livre na causa).

b) Embriaguez acidental

Trata-se da embriaguez causada por conta de um caso fortuito ou força maior. Exemplo: quando
alguma substância é colocada na bebida do sujeito, sem o seu conhecimento, levando-o à embriaguez
causada dos fatores externos à sua vontade. Poderá ser:

• embriaguez completa: neste caso, haverá isenção de pena, conforme art. 28, § 1º, CP;
§ 1 º É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito
ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

• embriaguez incompleta: se apenas diminuir a capacidade de entendimento, não haverá a isenção


de pena, mas a pena do agente será reduzida de 1/3 a 2/3 (art. 28, § 2º, CP).
§ 2 º A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez,
proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão,
a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento.

A embriaguez pode ainda ser classificada como:

c) Embriaguez patológica

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 13

É uma doença, ou seja, o sujeito pode ser considerado inimputável ou semi-imputável, mas em razão
da doença.

d) Embriaguez preordenada

Visa conferir coragem ao indivíduo para praticar o crime. O sujeito ingere bebida com a finalidade de
cometer o delito. Neste caso, o art. 61, II, “l”, do CP estabelece que a embriaguez preordenada é uma
agravante do crime.

II - ter o agente cometido o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
(...)
l) em estado de embriaguez preordenada.

A embriaguez será punida, mesmo nos casos em que ela é completa.

O fundamento disso é a teoria da actio libera in causa. Essa teoria estabelece que o ato revestido de
inconsciência, que é o que se dá quando a embriaguez está completa, decorre de um ato anterior consciente.

Ato anterior: é o momento da ingestão da bebida alcoólica, pois o agente era livre na sua vontade.
Portanto, deve o aplicador do direito transferir para o momento anterior à conduta delitiva, ou seja, para o
momento da decisão de ingerir a bebida alcoólica, a análise sobre a existência de imputabilidade e
voluntariedade, se o sujeito quis ou não se embriagar.

Percebe-se que o dolo e a culpa somente serão analisados no momento originário da ingestão da
bebida alcoólica. Em outras palavras, não há responsabilidade penal objetiva, ao contrário do que a minoria
da doutrina estabelece.

Isso, porque, se o sujeito decidiu beber, e bebeu prevendo o resultado, como é o caso em que o
indivíduo bebe para matar outra pessoa, ele responderá pelo crime. O mesmo ocorre se o sujeito estiver
bebendo e prever que, se continuar bebendo, poderá matar uma pessoa, mas ignora tal condição, assumindo
o risco do resultado (dolo eventual).

Por outro lado, se o sujeito decidiu beber, e o resultado era previsível, mas o sujeito não previu,
haverá culpa inconsciente. De outra forma, se o sujeito decidiu beber, o resultado era previsível, o sujeito
previu, mas sinceramente não acreditou que poderia gerar o resultado, haverá culpa consciente.

PERGUNTA!
Se, ao tempo em que o agente decidiu beber, a conduta posterior fosse imprevisível, o sujeito teria
cometido crime?

NÃO. O dolo e a culpa somente serão analisados no momento originário da ingestão da bebida
alcoólica. Trata-se de fato atípico, pois o Direito Penal não admite a responsabilidade penal objetiva.

6.1.6. Imputabilidade do índio não integrado

Rogério Sanches lembra que a condição do índio não integrado não gera presunção de incapacidade
penal. É possível que se analise, a partir do caso concreto, que o indivíduo não tinha potencial consciência
da ilicitude ou que não lhe era exigível uma conduta diversa. Todavia, não se pode estabelecer, a priori, que
ele seja inimputável por ser índio.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 13

6.1.7. Emoção e paixão

A emoção e a paixão não isentam de pena, não excluem a responsabilidade do réu. Emoção é um
súbito sentimento, ocorrido na hora. Paixão é um sentimento crônico e duradouro.

A emoção poderá funcionar como uma atenuante ou mesmo como uma causa de diminuição de
pena, como no homicídio privilegiado.

A paixão, no entanto, se funcionar como uma patologia, poderá significar que o sujeito seja semi-
imputável, ou mesmo inimputável.

Todavia, em regra, emoção e paixão não excluem a responsabilidade penal.

6.2. Potencial consciência da ilicitude

6.2.1. Conceito

A potencial consciência da ilicitude afere se o sujeito possui condições de compreender que a sua
conduta é reprovável.

É, como regra, a análise daquele que desconhece a lei, mas tem a consciência de que seu
comportamento é ilícito, ainda que desconheça o dispositivo legal. Essa possibilidade de compreender é a
potencial consciência da ilicitude.

Essa valoração feita na esfera do sujeito que não é operador do direito é denominada de valoração
paralela na esfera do profano. O juiz promove uma valoração paralela, fora da sua própria, diante do
profano, ou seja, diante daquele que não conhece o Direito (leigo). Esse é o critério usado para aferir se a
pessoa possui potencial consciência da ilicitude. A valoração paralela na esfera do profano exige apenas que
o indivíduo tenha condições de conhecer o caráter ilícito do fato que pratica, conhecendo a antissocialidade,
imoralidade ou lesividade da conduta.

6.2.2. Erro de proibição

No erro de proibição, há uma causa que exclui a potencial consciência da ilicitude ou, ao menos,
que tenha a possibilidade de excluir.

O art. 21 do CP estipula que o desconhecimento da lei é inescusável. Todavia, o erro sobre a ilicitude
do fato (não saber que o fato é ilícito), sendo este erro escusável (inevitável), isenta de pena. Por outro lado,
se este erro for inescusável (evitável), haverá redução da pena de 1/6 a 1/3.

O erro de proibição é o desconhecimento de que a conduta realizada é proibida pelo ordenamento


jurídico.

Para aferir se o erro é inescusável ou escusável, a doutrina estabelece que se deve analisar as
características pessoais do agente, como a idade, grau de instrução etc.

6.2.3. Espécies de erro de proibição

O erro de proibição é dividido em espécies:

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL • 13

Erro de proibição direto: o sujeito se equivoca quanto à existência de uma norma proibitiva, ou
ignora a existência do tipo incriminador, ou não conhece completamente o seu conteúdo. Exemplo: sujeito
maior que pratica relação sexual com sua namorada de 13 anos, a qual consente; marido que estupra a
mulher sabendo que ela não quer praticar relação sexual e pensa estar acobertando por um exercício regular
do direito; holandês, habituado a consumir maconha no seu país de origem, acredita ser possível utilizar a
mesma droga no Brasil, equivocando-se quanto ao caráter proibido da sua conduta; o sujeito que pesca em
período em que a pesca é proibida.

Erro de proibição indireto: o agente sabe que a conduta é típica, mas supõe presente uma norma
permissiva, ora supondo existir uma causa excludente da ilicitude, ora supondo estar agindo nos limites da
discriminante. O sujeito viola uma norma permissiva, pois acredita que está agindo acobertado por uma
norma permissiva, mas na verdade não está observando esta norma. Há uma descriminante putativa por
erro de proibição. O sujeito sabe o que está fazendo, mas age com uma conduta permissiva ou por uma causa
excludente da ilicitude, a qual, na verdade, inexiste. Exemplo: sujeito descobre que a mulher está lhe traindo,
chega em casa e agride a mulher e seu amante, e acredita que está amparado pela legítima defesa da honra.

6.3. Exigibilidade de conduta diversa

6.3.1. Conceito

Exigibilidade de conduta diversa é a possibilidade de agir de acordo com o ordenamento jurídico,


adotando conduta contrária àquela que o agente tomou.

Segundo o art. 22:

Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não
manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

6.3.2. Coação moral irresistível

A coação irresistível é uma excludente da culpabilidade.

São elementos da coação moral irresistível:

• coação moral: a coação é moral, pois se a coação for física, haverá exclusão da tipicidade, uma vez
que não haverá mais conduta;
• coação irresistível: se a coação for resistível, o coacto responde pelo crime do coator, mas com uma
atenuante, enquanto o coator responderá com uma agravante.

Nesse caso, o coator responderá pelo delito, pois é o autor mediato. Ademais, o coator responderá
pelo crime que coagiu em concurso material com o crime de tortura. Isso porque a Lei de Tortura determina
que constitui crime de tortura constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-
lhe sofrimento físico ou mental para provocar ação ou omissão de natureza criminosa (art. 1º, I, “b”, Lei n.º
9.455/1997).

O coator responde pelo ato que o coagido praticou, bem como com o crime de tortura em concurso
material.

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6.3.3. Obediência hierárquica

No caso da obediência hierárquica, os requisitos são:

• Ordem de um superior hierárquico de uma relação pública: no caso de subordinação doméstica,


eclesiástica, não há este excludente de culpabilidade, podendo até configurar uma inexigibilidade de
conduta diversa, mas em regra não há;
• Não pode ser manifestamente ilegal: esta ordem não pode ser manifestamente ilegal. Do contrário,
o subordinado também responderá pelo crime, com a presença da atenuante, e o expedidor da
ordem uma agravante. Neste caso, completos os requisitos, só o expedidor da ordem irá responder
pelo crime;
• Estrita obediência à ordem: se o subordinado se excede na ordem, ele responderá. Do contrário,
apenas o autor da ordem responderá, funcionando como autor mediato.

6.3.4. Dirimentes supralegais

As dirimentes supralegais são as condutas inexigíveis, sendo exemplos:

• Cláusula de consciência: o sujeito que, por motivo de crença ou consciência, pratica um fato previsto
como crime, desde que não viole direito fundamental, age com a cláusula de consciência, sendo uma
cláusula supralegal, que é inexigibilidade de conduta diversa. Exemplo: o pai que é testemunha de
Jeová veda a transfusão de sangue ao filho. No entanto, esta conduta somente será válida se o filho
sobreviver. Caso não sobreviva, o pai deverá responder, pois, neste caso, há o conflito entre
liberdade de crença versus vida.
• Desobediência civil: desobediência é um ato de insubordinação, o qual possui a finalidade de
transformar a ordem estabelecida, demonstrando a injustiça, e promover o reconhecimento do
status quo. Primeiro, é necessário que o sujeito esteja desobedecendo com base num direito
fundamental que ele tenha, e que o dano causado em razão dessa desobediência não seja relevante.
Exemplo: invasão do Movimento Sem Terra (MST). É direito de propriedade e direito fundamental,
mas a ação do MST não poderá causar dano relevante, pois, se causar, não poderá dizer que se trata
de causa excludente da culpabilidade.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL•14

14 TEORIA GERAL DO CRIME: PUNIBILIDADE

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL•14

1. CONCEITO

Punibilidade é a possibilidade de punir alguém. Pode-se dizer que é o direito de o Estado aplicar uma
sanção penal a alguém, desde que haja previsão em uma normal penal incriminadora.

Isso quer dizer que punibilidade não integra o conceito analítico de crime.

2. CAUSAS EXTINTIVAS DA PUNIBILIDADE

Inicialmente, nasce o direito de punir do Estado, que, por uma das causas previstas no art. 107, irá
se extinguir (causas extintivas da punibilidade):

Art. 107. Extingue-se a punibilidade: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - pela morte do agente;
II - pela anistia, graça ou indulto;
III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;
IV - pela prescrição, decadência ou perempção;
V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;
VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;
VII - pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos
Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial deste Código;
(Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
VIII - pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se
cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o
prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias a
contar da celebração;
(Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

Trata-se de um rol meramente exemplificativo. Afora as causas legais de extinção da punibilidade, é


possível que haja causas supralegais de extinção da punibilidade.

Exemplo: A súmula 554 do STF estabelece que o pagamento de cheque emitido sem provisão de
fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta a continuação da ação penal. Isso significa dizer que o
pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos antes do recebimento da denúncia obsta a ação
penal. É uma causa supralegal de extinção da punibilidade.

Diferenças das causas extintivas da punibilidade de causas de exclusão da punibilidade e das


condições objetivas de punibilidade:

Causa extintiva da punibilidade significa que o direito de punir do Estado convalesce por alguma
causa especificada em lei ou de forma supralegal. Exemplo: na ação penal privada, o sujeito tem 6 meses
para oferecer queixa-crime. Caso não ofereça, haverá decadência.

Causa de exclusão da punibilidade: o direito de punir sequer nasce, jamais surgiu. É sinônimo de
escusa absolutória. Exemplo: furto praticado pelo filho contra o pai de 50 anos de idade. Para o Direito Penal,
o direito de punir não surge em momento algum.

Condições objetivas de punibilidade: existe o direito de punir, porém não pode ser exercido até
que uma condição se implemente. Trata-se de um evento futuro e incerto, que pode ou não ocorrer. A
condição precisa ser implementada para que seja possível punir aquele sujeito. Exemplo: nos crimes
falimentares, a decretação da falência é uma condição objetiva de punibilidade; quando o crime for cometido
no estrangeiro, para que seja punível no Brasil, será necessário que o fato também seja punível no
estrangeiro.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL•14

2.1. Morte do agente

A morte do agente extingue a punibilidade, pois é o fim da personalidade jurídica.

Com a morte, desaparecem os efeitos penais principais e acessórios (primários e secundários).

Os efeitos civis (extrapenais) podem permanecer, e os herdeiros poderão responder nos limites da
herança. Exemplo: reparação de danos.

Segundo o art. 62 do CPP, a morte é comprovada por meio da certidão de óbito. Esta certidão original
deve ser juntada aos autos.

Em caso de certidão de óbito falsa, Mirabete, Sanches e os Tribunais Superiores entendem que a
decisão que transitou em julgado, declarando extinta a punibilidade em função da morte do réu, será
considerada inexistente, de forma que o sujeito poderá ser punido pelo crime que em tese cometeu. É a que
prevalece.

No entanto, para Damásio de Jesus e Fernando Capez, se a certidão de óbito é falsa e houve o
trânsito em julgado da sentença declaratória de extinção da punibilidade, somente cabe ao Estado punir o
indivíduo por uso de documento falso.

Já a morte da vítima, como regra, não extingue a punibilidade do réu, salvo no caso de ação penal
privada personalíssima, caso do crime de induzimento a erro essencial ou ocultação de impedimento (art.
236, CP).

2.2. Anistia, graça e indulto

São formas de renúncia do Estado ao seu direito de punir.

2.2.1. Anistia

A anistia se dá por meio de lei aprovada pelo Congresso Nacional, por razões de clemência, sociais
e políticas. A anistia apaga os efeitos penais, mas os extrapenais persistem, isto é, o sujeito não é mais
considerado reincidente, não tem mais pena para cumprir, mas a obrigação de indenizar persiste.

A anistia se classifica em:

• anistia própria: ocorre antes da condenação;


• anistia imprópria: ocorre depois da condenação;
• anistia irrestrita: todos são beneficiados;
• anistia restrita: atingem certas pessoas que se enquadram em certas condições;
• anistia condicionada: a lei impõe requisito para anistiar, não se trata de uma simples questão
pessoal. Exemplo: obrigação de reparar o dano;
• anistia incondicionada: não impõe qualquer requisito para anistiar;
• anistia comum: incide sobre crimes comuns;
• anistia especial: incide sobre crimes políticos.

2.2.2. Graça e indulto

São formas de renúncia do direito de punir do Estado.

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Graça e indulto são concedidos pelo presidente da república por decreto presidencial. Todavia, o
presidente poderá delegar aos Ministros de Estado, Procurador-Geral da República e Advogado Geral da
União.

Tanto o indulto quanto a graça apagam apenas os efeitos executórios da condenação, ou seja, o
sujeito deixa de cumprir pena. Porém, subsistirá o crime, a condenação, e os efeitos penais secundários,
como a reincidência. Os efeitos extrapenais também são mantidos.

De acordo com a Súmula 631-STJ, aprovada no dia 24/04/2019, “o indulto extingue os efeitos
primários da condenação (pretensão executória), mas não atinge os efeitos secundários, penais ou
extrapenais”.

Portanto, o indulto e a graça impedem apenas os efeitos executórios da pena.

Diferenças entre graça e indulto:

• Graça: é individual e depende de provocação do interessado ao Presidente da República;


• Indulto: benefício coletivo que não depende de provocação do interessado. Exemplo: indulto
natalino. Segundo o STJ, o benefício da comutação de penas previsto no Decreto de indulto natalino
deve ser negado quando o apenado tiver praticado falta disciplinar de natureza grave nos 12 meses
anteriores à publicação do Decreto de conceder o indulto, mesmo que a respectiva decisão
homologatória tenha sido proferida posteriormente. Assim, não terá direito de comutação de pena
o apenado que praticar falta grave no lapso de 12 meses anteriores à publicação do Decreto
Presidencial, desde que homologada a falta, ainda que a decisão seja posterior ao Decreto.

Classificam-se o indulto e a anistia em:

• plenos: extinguem totalmente a pena;


• parciais: há comutação da pena, diminuindo a pena;
• condicionados: impõem condições para o indivíduo ser beneficiado. Exemplo: ressarcimento do
dano.
• incondicionados: não impõe qualquer requisito.

2.2.3. Anistia, graça, indulto e crimes hediondos

A CF veda a anistia e graça aos crimes hediondos e aos crimes equiparados a hediondos. No entanto,
a Lei n.º 8.072/1990 estabelece que os crimes hediondos e equiparados são insuscetíveis de anistia, graça
e indulto.

O STF já decidiu que ampliação feita pela Lei n.º 8.072/1990 é constitucional. Posicionamento
razoável, uma vez que o indulto nada mais é do que uma graça coletiva.

2.3. Abolitio criminis

Abolitio criminis é o fato que deixa de ser considerado criminoso.

Haverá a cessação dos efeitos penais (principais e acessórios), mas não quer dizer que não seja mais
ilícito civil. Exemplo: adultério deixou de ser crime, mas ainda é uma violação ao dever de fidelidade do
casamento.

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2.4. Decadência

Decadência é a perda do direito de ação pela consumação do tempo.

O sujeito, nesse tempo, deveria ter oferecido queixa-crime ou apresentado representação, mas como
não o fez, foi extinta a punibilidade.

O prazo para oferecimento da queixa-crime e da representação é de 6 meses, a contar do dia em


que a vítima tomou conhecimento de quem foi o autor do fato criminoso.

OBSERVAÇÃO!
Existem crimes de ação penal privada subsidiária da pública, nos quais a vítima terá 6 meses para
oferecer a queixa, que são contados a partir do esgotamento do prazo do Ministério Público (tendo o parquet
quedando-se inerte, a vítima passa a poder propor a ação penal, sendo este o caso de legitimidade
concorrente). Não oferecida a queixa, não haverá extinção da punibilidade. Ressalte-se que na ação penal
privada subsidiária da pública, a decadência não gera a extinção da punibilidade.

Havendo coautoria, a ação penal pública condicionada à representação terá o prazo de 6 meses, a
contar do conhecimento do nome de um dos autores.

Caso a vítima seja menor de 18 anos, não haverá o termo inicial da contagem do prazo. Neste caso,
o exercício do direito de ação será realizado pelo representante da vítima, salvo se houver um conflito de
interesses. Em outras palavras, até os 18 anos, a vítima é representada pelo seu representante legal. Caso o
representante não ingresse com a representação, a vítima poderá representar a partir do momento em que
completar 18 anos, correndo a partir desse momento o prazo de 6 meses.

2.5. Perempção

Perempção é uma sanção processual ao sujeito que se mostra inerte e desidioso.

A perempção incide somente sobre as ações penais privadas, ou seja, somente recairá sobre a ação
penal privada exclusiva ou sobre a ação penal privada personalíssima.

Em nem todas as ações penais privadas haverá perempção. Isso porque na ação penal privada
subsidiária da pública não haverá a perempção. Neste caso, o MP retomará a titularidade da ação.

São hipóteses de perempção:

• querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos, salvo se houver
motivo justo. Exemplo: audiência marcada para dois meses, o querelante não terá que fazer nada
durante os 60 dias;
• falecimento do querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, e ninguém comparecer para dar
seguimento ao processo dentro do prazo de 60 dias;
• querelante deixar de comparecer, injustificadamente, a qualquer ato do processo a que deva estar
presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais;
• quando o querelante pessoa jurídica se extinguir sem deixar sucessor;
• recurso da defesa e o querelante não apresentar contrarrazões recursais. Essa hipótese não está
prevista em lei, mas é admitida na jurisprudência.

Havendo dois querelantes, caso um deles seja desidioso, haverá apenas perempção para um dos
querelantes, não sendo o outro prejudicado.

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2.6. Prescrição

É a perda da pretensão punitiva ou da pretensão executória. Essa perda ocorre em razão de o titular
(Estado) ter perdido o direito de punir ou de executar.

A prescrição deve ser conhecida de ofício pelo magistrado.

2.6.1. Diferença entre decadência e prescrição

Decadência: atinge o direito de ação e ocorre em ação penal privada ou em ação penal pública
condicionada a representação.

Prescrição: atinge o direito de punir ou o direito de executar uma punição e poderá ocorrer em
qualquer ação, seja pública ou privada.

2.6.2. Hipóteses de imprescritibilidade

A CF consagra alguns crimes imprescritíveis:

• Racismo (Lei n.º 7.716/1989). O Supremo Tribunal Federal, por oito votos a um, entendeu que a
injúria racial é uma espécie de racismo, portanto, imprescritível – Informativo 1036:
DIREITO PENAL – CRIME DE INJÚRIA RACIAL; PRESCRIÇÃO
Imprescritibilidade do crime de injúria racial - HC 154248/DF
Resumo:
O crime de injúria racial, espécie do gênero racismo, é imprescritível.
A prática de injuria racial, prevista no art. 140, § 3º, do Código Penal traz em seu bojo o
emprego de elementos associados aos que se definem como raça, cor, etnia, religião ou
origem para se ofender ou insultar alguém.
Consistindo o racismo em processo sistemático de discriminação que elege a raça como
critério distintivo para estabelecer desvantagens valorativas e materiais, a injúria racial
consuma os objetivos concretos da circulação de estereótipos e estigmas raciais.
Nesse sentido, é insubsistente a alegação de que há distinção ontológica entre as condutas
previstas na Lei n.º 7.716/1989 e aquela constante do art. 140, § 3º, do CP. Em ambos os
casos, há o emprego de elementos discriminatórios baseados naquilo que sócio
politicamente constitui raça, para a violação, o ataque, a supressão de direitos
fundamentais do ofendido. Sendo assim, excluir o crime de injúria racial do âmbito do
mandado constitucional de criminalização por meras considerações formalistas desprovidas
de substância, por uma leitura geográfica apartada da busca da compreensão do sentido e
do alcance do mandado constitucional de criminalização, é restringir-lhe indevidamente a
aplicabilidade, negando-lhe vigência.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, denegou a ordem de habeas
corpus, nos termos do voto do relator. Vencido o ministro Nunes Marques.

• Ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional ou contra o estado
democrático de direito.

Não pode o legislador ordinário ou constituinte derivado reformador criar hipóteses de


imprescritibilidades. Seria direito fundamental do indivíduo de que os crimes fossem prescritíveis, isto é, o
Estado deve agir dentro do tempo razoável. Isso é o que garante segurança jurídica.

2.6.3. Espécies de prescrição

A prescrição poderá ser:

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• prescrição da pretensão punitiva: antes do trânsito em julgado. Extingue o direito de punir;


• prescrição da pretensão executória: após o trânsito em julgado. Extingue o direito de executar. Os
efeitos penais secundários continuam vigentes. Exemplo: reincidência.

A prescrição da pretensão punitiva poderá se dividir em:

• prescrição propriamente dita em abstrato;


• prescrição superveniente;
• prescrição retroativa;
• prescrição virtual ou antecipada.

No entanto, os Tribunais Superiores não admitem a prescrição virtual ou antecipada, conforme


dispõe a Súmula 438, do STJ.

É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com


fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo
penal.

a) Prescrição da pretensão punitiva em abstrato

Lapso temporal da prescrição

Para descobrir o lapso temporal, é necessário pegar a pena máxima cominada ao delito e verificar o
rol do art. 109 do CP, que estabelece que a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, verifica-
se:

• em 3 anos, se o máximo da pena é inferior a 1 ano;


• em 4 anos, se o máximo da pena é igual a 1 ano ou, sendo superior, não excede a 2 anos;
• em 8 anos, se o máximo da pena é superior a 2 anos e não excede a 4 anos;
• em 12 anos, se o máximo da pena é superior a 4 anos e não excede a 8 anos;
• em 16 anos, se o máximo da pena é superior a 8 anos e não excede a 12 anos;
• em 20 anos, se o máximo da pena é superior a 12 anos.

Causas de aumento e de diminuição, qualificadoras, agravantes e atenuantes para fins


de prescrição

Para verificar a pena máxima, é necessário analisar as penas máximas das qualificadoras e considerar
as causas de diminuição e aumento de pena. Para o caso de diminuição, deve-se levar em conta a menor
diminuição, e, para o caso de aumento, o maior aumento. Trata-se de aplicação da teoria da pior das
hipóteses.

Não se levam em conta as atenuantes e agravantes, bem como as circunstâncias judiciais, pois não
têm o condão de aumentar ou diminuir o máximo da pena.

ATENÇÃO!
1. As atenuantes da menoridade e da senilidade são relevantes para a prescrição da pretensão
punitiva quando o agente for menor de 21 anos, na data do fato, ou maior de 70 anos, na data da sentença,
eis que, neste caso, segundo o art. 115 do CP, os prazos de prescrição serão reduzidos pela metade.

2. No caso de agravante da reincidência, o prazo prescricional da pretensão punitiva não é alterado,


mas a prescrição da pretensão executória tem o seu quantum aumentado em 1/3.

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Começo do prazo prescricional

A partir do momento em que acabou a atividade criminosa (art. 111 do CP).

Art. 111. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:
I - do dia em que o crime se consumou;
II - no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa;
III - nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência;
IV - nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da
data em que o fato se tornou conhecido.
V - nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código
ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a
esse tempo já houver sido proposta a ação penal. (Redação dada pela Lei nº 12.650, de
2012) (Revogado)
V - nos crimes contra a dignidade sexual ou que envolvam violência contra a criança e o
adolescente, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima
completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.

Ou seja, a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:

• do dia em que o crime se consumou;


• no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa;
• nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência;
• nos casos de bigamia e de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em
que o fato se tornou conhecido
• se fosse contada a prescrição do dia que consumou a infração, não haveria punição. Nesses casos,
será pela data em que o fato se tornou conhecido;
• nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em
legislação especial, da data em que a vítima completar 18 anos, salvo se a esse tempo já houver
sido proposta a ação penal.

Nos casos de crime habitual, o prazo prescricional começará a ser contado a partir da prática do
último ato delitivo.

Causas suspensivas da prescrição

Durante a ocorrência daquela causa, ficará suspenso o curso do prazo prescricional. Após, a
prescrição retomará o seu curso, considerando o período que anteriormente já havia transcorrido. É
diferente da causa interruptiva, na qual o prazo prescricional para e recomeça do zero.

São causas de suspensão da prescrição em que, antes de passar em julgado a sentença final, não
correrá:

• enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da


existência do crime: trata-se da questão prejudicial externa facultativa para existência do crime no
processo penal. Exemplo: no crime de bigamia, resta suspenso o processo penal, enquanto não for
julgado o processo de anulação do casamento no cível;
• enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro;
• na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando
inadmissíveis;
• enquanto não cumprido ou não rescindido o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).

Existem outras causas de suspensão da prescrição não previstas no CP, como é o caso da suspensão
de processo contra parlamentar. Os congressistas, quando processados, podem ter a prescrição suspensa.

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Caso o STF receba a denúncia, a Corte deverá comunicar a Casa respectiva. Nesse caso, o congressista poderá
ter o seu processo suspenso, caso haja requerimento de suspensão formulado por partido político com
representação no Congresso Nacional e haja a aprovação da maioria absoluta da Casa. Esta suspensão do
processo implica suspensão do prazo prescricional. Trata-se de uma questão de prosseguibilidade, isto é,
para que o processo prossiga é necessário comunicar à Casa Legislativa.

Causas interruptivas da prescrição

No caso da interrupção da prescrição, como dito, o prazo voltará a correr do início. As causas
interruptivas estão previstas no art. 117 do CP:

• pelo recebimento da denúncia ou da queixa;


• pela pronúncia;
• pela decisão confirmatória da pronúncia;
• pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis;
• pelo início ou continuação do cumprimento da pena;
• pela reincidência.

Exemplo disso é o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, que interromperá o prazo


prescricional. Caso haja decisão inicial rejeitando a inicial, não terá havido a interrupção do prazo. Se o MP
recorrer e o Tribunal reformar a decisão de rejeição da inicial, a interrupção do prazo prescricional ocorrerá
na data dessa decisão do Tribunal, que implica no recebimento da denúncia.

O STJ entende, de forma pacífica, que quando o recebimento da denúncia se der por autoridade
absolutamente incompetente em razão da prerrogativa de foro do acusado, esse ato não tem o condão de
interromper a prescrição. Se a autoridade for relativamente independente, é plenamente possível essa
interrupção.

No caso de concurso de crimes, a extinção de punibilidade incidirá em relação a cada um


isoladamente.

A decisão de pronúncia é a que remete o réu ao Tribunal do Júri, por haver indícios de autoria e
materialidade do crime. Essa decisão também interrompe a prescrição, e não apenas do crime doloso contra
a vida, mas também do crime conexo, que é objeto do mesmo processo. Exemplo: sujeito matou com um
menor em coautoria; o sujeito cometeu o crime de homicídio e corrupção de menores.

A decisão confirmatória da pronúncia também é causa de interrupção da prescrição. Dá-se com a


confirmação da decisão pelo Tribunal.

A publicação da sentença condenatória interrompe a prescrição. Sobre o acórdão condenatório, o


plenário do STF (abril de 2020) decidiu que o Código Penal não faz distinção entre acórdão condenatório
inicial ou confirmatório da decisão para fins de interrupção da prescrição. A publicação do acórdão que
confirma a sentença condenatória interrompe o prazo prescricional (HC 176.473, rel. Ministro Alexandre de
Moraes).

O próprio Código Penal afirma que essa interrupção depende da publicação da sentença ou do
acórdão condenatório. Segundo o CPP, considera-se publicada a sentença quando: o escrivão procede à
juntada da sentença aos autos; há sentença proferida em audiência; há acórdão proferido em sessão; e a
publicação se dá na audiência ou na sessão de julgamento.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL•14

A interrupção da prescrição não se dá em relação a apenas um autor, e sim em relação a todos os


autores do crime. Exemplo: se houver três réus, cada vez que for recebida a denúncia contra cada um deles
haverá a interrupção do prazo prescricional em relação a todos os demais.

Em relação aos crimes conexos, que sejam objetos do mesmo processo, também haverá a extensão
da interrupção da prescrição em relação a todos eles, independentemente da causa interruptiva que tenha
sido ocasionada. Exemplo: crime doloso contra a vida e corrupção de menores: a decisão de pronúncia
interrompe a prescrição de ambos.

b) Prescrição da pretensão punitiva superveniente (ou intercorrente)

Tem-se aqui a alteração do paradigma para a contabilização do prazo prescricional. Por exemplo, um
juiz fixa uma pena em 4 anos, sendo que a sanção para o crime poderia ser de até 10 anos (Exemplo: crime
de roubo). Quando essa decisão transita em julgado para a acusação, significa que a pena não pode mais ser
majorada. A partir de então, percebe-se a pena máxima que o sujeito poderá receber, visto que não se admite
reformatio in pejus no caso de recurso exclusivo da defesa. Neste momento, há um diferente paradigma para
o prazo prescricional.

Segundo o art. 110, § 1º, do CP, a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em
julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, é regulada pela pena aplicada.

Portanto, são requisitos para essa prescrição:

• sentença ou acórdão condenatório;


• havido trânsito em julgado para a acusação;
• a partir deste momento, essa pena passa a ser o paradigma.

O termo inicial da contagem do prazo prescricional é a data publicação da sentença ou acórdão


condenatório até a data do trânsito em julgado final.

A análise prescricional é contabilizada da sentença ou acórdão condenatório em diante, por isso


prescrição da pretensão punitiva superveniente.

c) Prescrição da pretensão punitiva retroativa

A prescrição da pretensão punitiva retroativa levará em conta a pena em concreto, assim como a
superveniente.

A pena máxima será a partir do trânsito em julgado para a acusação, devendo, nesse caso, o julgador
olhar para trás, ou seja, a prescrição retroativa deverá se voltar a partir da data da publicação da sentença
ou acórdão condenatório até a data do recebimento da denúncia ou queixa.

Se entre a data do recebimento da denúncia e a data da publicação da sentença ou acórdão


condenatório houver transcorrido prazo superior ao prazo prescricional previsto na pena fixada, então terá
havido a prescrição da pretensão punitiva retroativa.

d) Prescrição da pretensão punitiva virtual (antecipada ou em perspectiva ou


prognose)

Não há previsão legal.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL•14

A prescrição virtual leva em conta o conhecimento do fato, bem como das circunstâncias que seriam
levadas em conta quando o juiz fosse graduar a pena, chegando-se a uma provável condenação. Toma-se por
base essa pena virtualmente considerada e faz-se a averiguação de possível prescrição. Assim, não haveria
interesse em dar-se andamento em ação penal que, de antemão, pudesse se encerrar com a extinção da
punibilidade.

Trata-se, em verdade, de uma perda de interesse de agir do Estado.

Os Tribunais Superiores não admitem a prescrição virtual.

O STJ editou a súmula 438, estabelecendo que é inadmissível a extinção da punibilidade pela
prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência
ou sorte do processo penal.

e) Prescrição da pretensão executória

A prescrição da pretensão executória é a prescrição da pena em concreto.

Houve pena fixada e o trânsito em julgado. Neste caso, deve-se analisar os prazos do art. 109 do CP
e descobrir quanto tempo há para o sujeito começar a ter sua pena executada.

Caso o condenado seja reincidente, os prazos do art. 109 deverão sofrer um aumento de 1/3.

Se houver o reconhecimento da prescrição da pretensão executória, a pena estará extinta, mas os


efeitos penais secundários continuam vigentes. Na verdade, ficarão mantidos os efeitos de reincidência, por
exemplo, e os efeitos extrapenais, como é o caso da reparação do dano.

Essa prescrição somente encerra os efeitos penais principais, ou seja, a execução da pena.

f) Termo inicial da prescrição da pretensão executória

Apesar de a redação legal ser bastante criticada pela doutrina e pela jurisprudência, o termo inicial
da prescrição da pretensão executória está disposto no art. 112 do CP.

Segundo o dispositivo, no caso da prescrição da pretensão executória, a prescrição começa a correr:

• do dia em que houver o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para a acusação;
• do dia em que houver a revogação da suspensão condicional da pena (sursis) ou o livramento
condicional;
• do dia em que houver a interrupção da execução, salvo quando o tempo da interrupção deva
computar-se na pena;
• Do dia em que for revogado o sursis ou do dia em que for revogado o livramento condicional.

Vale lembrar que, durante o sursis ou o livramento condicional, não correm os prazos prescricionais.

Nos casos de evasão de cárcere e revogação do livramento condicional, haverá o início da contagem
do prazo prescricional da pretensão executiva. Caso não haja a recaptura do condenado e seja ultrapassado
o prazo prescricional, haverá a prescrição da pretensão executória.

Nesse caso, o prazo para cumprimento que regula a prescrição da pretensão executória deverá ter
por base o quantum de pena que ainda resta cumprir, e não a pena da condenação. Isso também serve para
o livramento condicional, nos casos em que o sujeito se evade tendo cumprido boa parte da pena em cárcere.

153
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL•14

ATENÇÃO!
No caso da suspensão condicional da pena, não haverá essa aplicação, visto que o condenado não
começou a cumprir a pena. Diante disso, deve-se levar em conta o quantum fixado na sentença.

g) Causas de suspensão da prescrição da pretensão executória

O art. 116, parágrafo único, do CP dispõe que, depois de transitada em julgado a sentença
condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado estiver preso por outro motivo,
ou seja, o sujeito está cumprindo pena por um crime e, durante esse prazo, foi condenado por outro crime.
Enquanto estiver cumprindo pena pelo primeiro crime, não correrá a prescrição executória em relação ao
segundo.

Trata-se de causa de suspensão.

Quanto às causas de interrupção da prescrição da pretensão executória, segundo o art. 117, o curso
da prescrição é interrompido:

• pelo início ou continuação do cumprimento da pena;


• pela reincidência.

2.6.4. Prescrição para atos infracionais

Em regra, corre prescrição para crimes. A Lei n.º 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)
não prevê o rol de prazos prescricionais.

No entanto, segundo a jurisprudência, a prescrição para atos infracionais terá os mesmos prazos do
art. 109 do CP, visto que a Súmula 338 do STJ estabelece que a prescrição penal é aplicada às medidas
socioeducativas.

Vale lembrar: o prazo prescricional é reduzido pela metade, pois o condenado era menor de 21
anos na data do fato. Nesse caso, os prazos previstos no art. 109 do CP deverão ser reduzidos pela metade.

2.6.5. Prescrição da pena de multa

A prescrição da pena de multa encontra previsão no art. 114 do CP, havendo, basicamente, duas
regras:

• se pena de multa tiver sido fixada isoladamente ou tiver previsão isolada, a prescrição ocorrerá em
2 anos;
• se a pena de multa tiver sido cominada alternativamente ou cumulativamente com a pena privativa
de liberdade ou tiver sido fixada cumulativamente à pena privativa de liberdade, o prazo
prescricional ocorrerá no mesmo prazo da pena privativa de liberdade.

A maioria da doutrina entende que, mesmo com a Lei n.º 9.268/1996 (que realizou alteração no
sentido de que a pena de multa passou a ser dívida de valor, a ser executada pela Procuradoria), esses são
os prazos prescricionais da pena de multa, a despeito da aplicação da Lei de Execução Fiscal quanto às causas
interruptivas e suspensivas da prescrição em relação à pena de multa. O prazo prescricional continua sendo
o do art. 114 do CP

154
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL•14

ATENÇÃO!
Está superada a Súmula 521 do STJ, que dispõe: “a legitimidade para a execução fiscal de multa
pendente de pagamento imposta em sentença condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda
Pública”. O Plenário do STF definiu que o Ministério Público é o principal legitimado para executar a cobrança
das multas pecuniárias fixadas em sentenças penais condenatórias. Por ter natureza de sanção penal, a
competência da Fazenda Pública para executar essas multas se limita aos casos de inércia do MP. ADI 3150
e 12ª Questão de Ordem apresentada na AP 470 em dezembro de 2018.

Ainda, merece citação a nova redação do artigo 51 do CP (Redação dada pela Lei n.º 13.964/2019 –
Pacote Anticrime):

Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o
juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à
dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e
suspensivas da prescrição.

2.6.6. Redução dos prazos prescricionais

Conforme já exposto, se o sujeito era menor de 21 anos, na data do fato, ou maior de 70 anos, na
data da sentença, os prazos de prescrição serão reduzidos pela metade.

2.6.7. Prescrição e medida de segurança

Para o STJ, a prescrição da medida de segurança imposta em sentença absolutória imprópria é


regulada pela pena máxima abstratamente prevista para o delito.

Este é inclusive o entendimento da Súmula 527 do STJ, que dispõe que o tempo de duração da
medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito
praticado. Sendo este o teto do quantum da medida de segurança, este deve ser paradigma para o cálculo
do prazo prescricional.

Para o STF, a prescrição da medida de segurança não poderá ser superior a 30 anos.

2.7. Renúncia ao direito de agir

É mais uma das causas extintivas da punibilidade. A renúncia é um ato unilateral do indivíduo, pois
ele não quer agir. Consequentemente, caso o indivíduo não exerça o seu direito de agir, não há como o
Estado exercer o direito de punir.

O Estado não confere ao particular o seu direito de punir. Na ação penal privada, o Estado confere
ao particular o direito de perseguir ou não a punição estatal.

Se o sujeito renuncia, esta renúncia implica impossibilidade de o Estado exercer o direito de punir.

Todavia, a Lei n.º 9.099/1995 estabelece que, se houver um acordo homologado entre o agente e o
ofendido, também haverá renúncia ao direito de representação.

A renúncia é do direito de agir, ou seja, ela ocorre antes do direito de agir.

Esta renúncia será da seguinte forma:

• renúncia tácita: o sujeito pratica um ato incompatível com o desejo de exercer a queixa-crime;

155
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL•14

• renúncia expressa: o sujeito expressamente afirma que não quer agir.

Sendo dois os autores do crime, e caso o ofendido renuncie em relação a um deles, essa renúncia se
estenderá ao outro, por meio do princípio da indivisibilidade.

Por outro lado, caso haja duas vítimas e um autor, e uma delas resolva renunciar ao direito de ação
contra o autor, a renúncia de uma não compromete o direito de ação da outra vítima.

2.8. Perdão do ofendido

O princípio prevalente em relação ao perdão do ofendido é o princípio da disponibilidade, isto é, o


sujeito poderá desistir da ação penal.

Caso o ofendido perdoe o réu, o que somente poderá ocorrer após o oferecimento da queixa-crime,
será necessário que o perdão seja aceito, pois é um ato bilateral, diferente da renúncia.

O perdão poderá ser aceito de forma:

• judicial: nos autos do processo;


• extrajudicial: fora dos autos, por escritura pública;
• expressa: o sujeito afirma que perdoou;
• tácita: prática de ato incompatível com o desejo de prosseguir na ação penal. Exemplo: ofendido
convida o réu para ser seu padrinho de casamento.

O perdão não é ato unilateral, e sim ato bilateral, pois é preciso que haja a concordância do réu. No
silêncio, presume-se que o perdão foi aceito.

O perdão do ofendido poderá ser oferecido até o trânsito em julgado. Após isso, não é mais possível
perdoar.

Se o perdão for concedido a um dos autores do delito, haverá extensão aos demais, por conta do
princípio da indivisibilidade. Caso haja dois ofendidos e um deles perdoe o réu, o outro ofendido não será
obrigado a perdoar.

2.9. Retratação do agressor

Retratação é retirar aquilo que foi dito. É dispensável a concordância do ofendido, só sendo possível
nos casos previstos em lei.

Segundo o CP, calúnia e difamação admitem retratação, visto que atingem a honra objetiva.
Portanto, injúria não admite retratação, por se tratar de ofensa à honra subjetiva.

Na calúnia e na difamação, é possível que, antes da sentença, o sujeito se retrate, hipótese em que
o indivíduo ficará isento de pena (causa extintiva da punibilidade).

No caso do falso testemunho e da falsa perícia, há ainda uma outra hipótese em que a lei prevê uma
retratação e, assim, o fato não será punido se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o
agente se retratar. Em outras palavras, o indivíduo que comete falso testemunho e falsa perícia não poderá
se retratar no processo em que responde por esse crime, mas somente no processo em que cometeu esses
crimes.

156
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL•14

2.10. Perdão judicial

Perdão judicial é uma causa extintiva da punibilidade, visto que não há interesse em punir do Estado.
É aplicada pelo juiz. Há um desvalor da ação e um desvalor do resultado, mas a sanção penal é desnecessária.

Preenchidos os requisitos legais para a aplicação do perdão judicial, o indivíduo passa a ter um direito
público subjetivo de não ter a pena imposta contra ele.

A natureza dessa sentença não pode ser condenatória; a Súmula 18 do STJ aduz que a sentença
concessiva do perdão judicial é declaratória de extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito
condenatório.

EXEMPLO: Sujeito que comete homicídio culposo na direção de veículo automotor, cuja vítima é a
esposa.

A Lei de Contravenções Penais traz outra hipótese de perdão judicial: nos casos em que o sujeito tem
a errada ignorância sobre a compreensão da lei, e sendo esta escusável, poderá não ser aplicada a pena
respectiva.

A Lei de Organização Criminosa (Lei n.º 12.850/2013) traz a hipótese em que o juiz poderá, a
requerimento das partes, conceder o perdão judicial daquele que tenha colaborado efetiva e
voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que preenchidos os requisitos legais.

Com relação ao perdão judicial, há quem o denomine de princípio da bagatela imprópria ou princípio
bagatelar impróprio, pois há um desvalor da ação, um desvalor do resultado, mas não há interesse em aplicar
a pena.

Cabe ressaltar, ainda, que o Código de Trânsito Brasileiro não prevê o perdão judicial para homicídio
culposo na direção de veículo automotor. Todavia, é possível aplicar a regra constante no Código Penal aos
crimes cometidos na direção de veículos automoto

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 16

16 3TEORIA GERAL DO CRIME: CONCURSO


DE PESSOAS

158
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 16

1. CONCEITO

Concurso de pessoas é uma reunião de pessoas para realização de um crime. Essas pessoas devem
atuar de maneira relevante e possuir identidade de propósito (liame subjetivo). Não havendo identidade de
propósito, há autoria colateral e não concurso de pessoas.

2. REQUISITOS

São requisitos do concurso de pessoas:

• pluralidade de agentes ou de condutas;


• relevância causal das condutas: significa que cada partícipe ou coautor tenha dado causa, de alguma
forma, para o resultado; é vista a partir da teoria da equivalência combinada com a teoria da
eliminação hipotética
• Imagina-se um desdobramento fático sem aquela conduta, isto é, se o desdobramento for o mesmo,
a conduta não é causa. Se for diferente, então a conduta é causa. Causa é tudo aquilo que contribui
para o resultado, sem o qual ele não teria ocorrido como ocorreu;
• identidade de infração: os agentes queriam praticar o mesmo crime, ou seja, desejavam o mesmo
resultado;
• liame subjetivo: os agentes devem estar conscientes da prática dos demais. É dispensado o prévio
ajuste para a prática do crime.

3. TEORIAS

O ordenamento jurídico traz as seguintes teorias:

• Teoria monista (unitária ou igualitária): todos os concorrentes, independentemente da


distinção entre partícipes, autores ou coautores, praticam condutas concorrendo para a
prática de um único crime, de modo que responderão por este. Disposta no art. 29 do CP e
adotada por ele (em regra, mas há exceções).
Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas,
na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto
a um terço.
§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a
pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o
resultado mais grave.

• Teoria pluralista (teoria da cumplicidade-delito distinto ou autonomia da concorrência):


cada agente do crime comete um delito diferente, eis que cada agente possui um elemento
e conduta específicos. Exemplo: corrupção ativa (art. 333, CP) e corrupção passiva (art. 317,
CP). O particular que corrompe o funcionário público pratica corrupção ativa, enquanto o
funcionário corrompido pratica corrupção passiva.
• Teoria dualista: faz uma diferenciação, estabelecendo que há um delito para os executores
(autores e coautores) e outro delito para os partícipes.

O CP adotou a teoria monista, com base no art. 29, estabelecendo que quem, de qualquer modo,
concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. O autor e o
partícipe respondem pelo mesmo crime. No entanto, há exceções em que se poderia pensar na teoria
pluralista. O CP, em determinados pontos, adota a teoria pluralista, como é o caso da corrupção passiva e
ativa.

159
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 16

4. FORMAS DE PRATICAR O CRIME QUANTO AO SUJEITO

4.1. Autoria (animus auctoris)

Existem várias teorias para definir o que seja autor:

• Teoria subjetiva ou unitária: não faz diferenciação entre autor e partícipe. O autor é aquele que de
alguma forma contribuiu para o resultado;
• Teoria extensiva: não distingue autor de partícipe, mas permite estabelecer graus de autoria. Todos
são autores, mas, a depender do grau de culpabilidade, haverá punições diferentes para cada um
deles. Há previsão de causas de diminuição, conforme o grau de atuação de cada autor do crime;
• Teoria objetiva ou dualista: faz distinção entre autor e partícipe. É a teoria adotada. Essa teoria se
subdivide em:
o Teoria objetivo-formal: autor é quem realiza o núcleo do tipo, enquanto partícipe é quem
concorre dolosamente para o crime de qualquer forma sem praticar o núcleo do tipo.
Exemplo: autor é quem subtrai, partícipe é quem empresta o pé-de-cabra para viabilizar a
subtração;
o Teoria objetivo-material: autor é quem contribui objetivamente de forma mais eficaz,
enquanto partícipe é o que concorre de forma menos relevante;
• Teoria do domínio do fato: autor é quem tem o domínio do fato, controlando finalisticamente o fato,
decidindo a forma de execução, quando começa etc. O partícipe, por sua vez, é quem colabora
dolosamente, porém não tem o domínio do fato. Podemos afirmar, com base nisso, que aquele que
por sua vontade executa o núcleo do tipo é o autor imediato. Já aquele que planeja a empreitada
criminosa é o autor intelectual/mediato. Só há aplicação da teoria do domínio do fato caso o crime
seja doloso, pois no crime culposo o agente não tem o domínio do fato, tanto não tem que dá causa
a um resultado involuntário.

A teoria se pauta em três critérios:

1. Domínio da ação

O agente realiza o fato típico pelas próprias mãos.

2. Domínio da vontade (autoria mediata)

O sujeito realiza o tipo valendo-se de erro, coação, inimputáveis ou em contexto de uma organização
delitiva.

A ideia do domínio do fato mediante aparatos organizados de poder se situa neste momento da
teoria. Foi criada para lidar com os processos relacionados aos crimes ocorridos no nacional-socialismo (caso
Eichmann). O Peru aplicou a teoria corretamente no caso Fujimori.

Esta responsabilidade está vinculada e depende de três pressupostos:

1. O sujeito que dá a ordem deve exercer o poder de mando dentro da organização;

2. A organização deve ser apartada do Direito em suas atividades relevantes para o Direito Penal (nos
casos de delitos praticados por detentores de poder estatal basta que isto se limite a determinados campos
de atividade);

3. O executante individual deve ser fungível, de maneira que em caso de não atuar, outro ocuparia
seu lugar.

3. Domínio funcional

160
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 16

Trata da hipótese de coautoria, baseada na conduta daquele que realiza uma parte necessária do
plano global.

De acordo com a maioria da doutrina, o CP adotou a teoria objetivo-formal. Autor é quem pratica o
núcleo do tipo e partícipe é quem contribui sem executar o núcleo.

4.2. Autoria mediata

Na autoria imediata, é o próprio agente que executa o fato.

O autor mediato, por sua vez, não realiza o núcleo do tipo. Há autoria mediata quando o agente se
utiliza de pessoa, que atua sem dolo ou de forma não culpável, como instrumento para a execução do fato.
O domínio do fato pertence exclusivamente ao autor mediato, e não ao executor. O autor mediato domina
a vontade alheia para cometer o delito. Exemplo: médico indica a injeção letal para que a enfermeira aplique
na vítima, sem que a enfermeira tenha conhecimento do intento criminoso. O médico é autor mediato; se a
enfermeira percebe que é veneno e aplica propositadamente, também pratica o crime de homicídio; se ela
tem dúvida se é ou não veneno, mas acredita sinceramente que não é, apesar da cor ser muito diferente da
cor do remédio, ela pode incidir na prática de homicídio culposo.

Prevalece o entendimento de que não se admite autoria mediata em crimes culposos, também
denominados de crimes imprudentes, pois a autoria mediata tem lugar quando alguém se vale de outrem
como instrumento para atingir um resultado, mas, no caso do crime culposo, o resultado é involuntário.

No tocante aos crimes próprios ou crimes de mão própria17, a doutrina afirma que, em relação aos
crimes próprios (aqueles que exigem uma qualidade especial do sujeito ativo), como é o caso do peculato,
que exige a condição de ser o agente funcionário público, será possível a autoria mediata, desde que o autor
mediato seja quem tenha a qualidade exigida pelo tipo penal, não podendo ser pessoa-instrumento.

Já em relação aos crimes de mão própria, por não permitirem coautoria, o entendimento
majoritário é no sentido de que não se admite autoria mediata, eis que a ação deve ser praticada
diretamente pelo sujeito ativo. Exemplo: crime de falso testemunho ou falsa perícia (art. 342, CP).

A doutrina fala hoje em autoria de escritório, que é uma forma de autoria mediata. Trata-se de uma
autoria em que um indivíduo emite uma ordem para que outro a cumpra. A ordem para o subordinado é de
matar uma terceira pessoa, por exemplo. Quem mata é igualmente culpado, assim como aquele que emite
a ordem. Perceba que quem emite a ordem possui uma posição de comando, enquanto o subalterno pode
ser inclusive trocado. O autor de escritório é o autor mediato. Essa autoria mediata é característica de
organizações criminosas hierarquizadas, havendo fungibilidade dos membros.

4.3. Autoria colateral

Não há concurso de pessoas pela ausência de vínculo subjetivo. Em outras palavras, um não sabe da
conduta do outro.

A autoria colateral ocorre quando dois ou mais agentes, ignorando a atuação do outro, praticam
determinada conduta visando ao mesmo resultado, que ocorre em razão do comportamento de apenas um
deles. Exemplo: João e José querem matar Antônio, esperam Antônio passar e, para isso, cada um se esconde

17A prova do MP-PR considerou correta a seguinte alternativa: “Não existe a possibilidade de autoria mediata nos delitos de mão
própria e nos crimes próprios”.

161
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 16

atrás de uma árvore diferente; quando Antônio passa, ambos atiram; Antônio vem a óbito em razão do
disparo de João e não de José. João responde por homicídio consumado e José por tentativa de homicídio.

Caso não se saiba quem foi o autor responsável pelo disparo fatal, por exemplo, haverá autoria
incerta, razão pela qual ambos deverão responder por tentativa de homicídio, devido à máxima do in dubio
pro reo.

Se, havendo duas pessoas querendo matar alguém, uma se utilizar de meio absolutamente ineficaz
para atingir o resultado e a outra se valer de um meio eficaz, como veneno, caso não seja possível apontar
qual das duas foi a que utilizou o meio eficaz, nenhuma delas será responsável pelo crime. Em outras palavras,
no caso, ficou configurado que uma pessoa cometeu um crime impossível (Exemplo: usou talco para matar
alguém) e a outra usou de um meio possível e matou, de fato, a vítima, mas não se sabe quem ministrou qual
substância. Logo, pela aplicação do in dubio pro reo, nenhum dos agentes responde pelo crime. O caso não
se confunde com o anterior, pois naquele as duas pessoas usavam de meio eficazes para atingir o resultado
desejado.

4.4. Multidão delinquente

São os crimes multitudinários ocorridos por conta de um fato gerador dessas condutas. É o caso, por
exemplo, dos indivíduos que subtraem caixas de cerveja do caminhão tombado – furto qualificado pelo
concurso de pessoas (art. 155, § 4º, inciso IV, do CP).

Apesar de não haver prévio ajuste, há liame subjetivo, havendo concurso de pessoas, porém é difícil
particularizar a conduta de cada um dos indivíduos. Sendo assim, dispensa-se a individualização da conduta,
bastando comprovar que o agente contribuiu para a ocorrência do resultado.

O Código Penal, no art. 65, inciso III, prevê uma atenuante da pena, caso o indivíduo cometa um
crime influenciado pela multidão. Mas essa atenuante é apenas para quem foi influenciado, pois quem
provocou a multidão é punido pela agravante do art. 62, inciso I, do CP, visto que dirigiu a atividade dos
demais agentes.

Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:


III - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos,
na data da sentença;

Art. 62. A pena será ainda agravada em relação ao agente que:


I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes;
II - coage ou induz outrem à execução material do crime;
III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível
em virtude de condição ou qualidade pessoal;
IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.

5. COAUTORIA

Há dois ou mais autores, ligados subjetivamente, unidos para a prática de uma conduta criminosa,
podendo esta ser tanto omissiva quanto comissiva.

Coautoria: dois ou mais autores. Portanto, se há um caso de coautoria, haverá concurso de agentes.

A coautoria pode ser parcial ou direta:

162
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 16

▪ Coautoria parcial: cada autor pratica um ato de execução diferente do outro. Juntos, alcançam
o resultado pretendido. Exemplo: João e José decidem roubar Maria. João ameaça e José subtrai
a bolsa.18
▪ Coautoria direta: todos praticam a mesma conduta. Exemplo: João e José colocam a arma na
cabeça da Maria e subtraem seus pertences.

Nos crimes próprios é possível coautoria, ainda que o indivíduo não tenha a qualidade especial.
Exemplo: para a prática de peculato é necessário ser funcionário público, mas é possível que haja coautoria
ainda que o indivíduo não tenha a qualidade especial, desde que o agente saiba que o comparsa ostenta
essa qualidade.

Prevalece o entendimento de que os crimes de mão própria não admitem coautoria. Estes exigem
que o sujeito ativo pratique o próprio núcleo do tipo, razão pela qual não admitem coautoria, mas tão
somente participação.

Há apenas uma exceção de coautoria em crimes de mão própria que é o caso do crime de falsa
perícia. Nesse caso, os dois peritos combinam de cometer o crime de falsa perícia (art. 342, CP).

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito,
contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial,
ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

6. PARTICIPAÇÃO (ANIMUS SOCCI)

Participação: o sujeito realiza atos que contribuem para o crime, sem executar o núcleo do tipo
(teoria objetivo-formal).

6.1. Espécies de partícipe

São espécies de participação:

• Participação moral: o agente instiga ou induz. Instigar é alimentar a ideia já existente. Induzir é fazer
nascer o pensamento no agente. A instigação e o induzimento devem atingir pessoa certa, pois se
forem gerais, o crime poderá ser o de incitação ao crime (art. 286, CP);
• Participação material: o agente auxilia materialmente.

6.2. Teorias da punição do partícipe

São teorias que analisam a punição do partícipe:

• Teoria da acessoriedade mínima: para punir o partícipe, basta que o autor pratique o fato típico;
• Teoria da acessoriedade limitada (ou média): para punir o partícipe, basta que o autor pratique o
fato típico e ilícito. Esta é a que predomina na doutrina;
• Teoria da acessoriedade máxima: para punir o partícipe, é necessário que o autor pratique o fato
típico, ilícito e que seja o autor culpável;
• Teoria da hiperacessoriedade: para punir o partícipe, é necessário que o autor pratique o fato típico,
ilícito e que seja o autor culpável e punível.

18O emprego de arma de fogo majora a pena do crime de roubo em 2/3, nos termos da Lei n.º 13.654/2018.

163
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 16

6.3. Participação em cadeia e participação sucessiva

• Participação em cadeia: é o caso em que um agente instiga outro que induz um terceiro a cometer
o crime;
• Participação sucessiva: é o caso em que um indivíduo instiga uma pessoa e, paralelamente, há uma
outra instigando também essa pessoa, sem que os instigadores tenham conhecimento da atuação
um do outro. O mesmo agente é instigado por duas ou mais pessoas, sem que uma tome
conhecimento da ação das outras.

7. CONCURSO DE PESSOAS EM CRIMES CULPOSOS

É possível a coautoria em crimes culposos, desde que dois ou mais indivíduos, com vínculo subjetivo,
atuem de forma imprudente, negligente ou imperita, dando causa a resultado involuntário que seja
previsível.

O liame subjetivo no crime culposo não é para alcançar o resultado, mas para praticar aquela
conduta imprudente, negligente ou imperita. Exemplo: um indivíduo pede para que outro dirija a mais de
150 km/h em uma rua residencial. Essa conduta acaba por lesionar gravemente uma mulher que estava
transitando na via.

Há doutrina (minoritária) sustentando que nesse caso haveria participação. Todavia, em verdade, o
liame subjetivo dos indivíduos envolve a própria conduta e, portanto, não caberia participação em crime
culposo, mas apenas coautoria.

8. CONCURSO DE PESSOAS EM CRIMES OMISSIVOS

Admite-se coautoria em crimes omissivos próprios, apesar de divergente o entendimento. Mirabete,


que diz que não é possível coautoria em crimes omissivos próprios, é posição minoritária.

Cezar Roberto Bitencourt entende ser possível coautoria em crimes omissivos próprios, desde que
exista vínculo subjetivo. Exemplo: João e Pedro assistem Maria se afogando. João, então, diz para Pedro:
“deixa morrer”. Pedro responde: “vamos deixar”. Caso Maria morra, haverá coautoria, pois os dois
concordaram em não socorrer a colega.

Também é possível a participação em crimes omissivos próprios. Exemplo: o paciente pede para
médico que ele não cumpra a notificação compulsória de que o paciente é portador. O médico deixa de
efetuar a notificação compulsória, baseado naquele apelo. O sujeito que pediu não omitiu, mas foi partícipe
da omissão (art. 269, CP).

Art. 269. Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é
compulsória:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

É possível a coautoria nos crimes omissivos impróprios (ou comissivos por omissão – que são
aqueles crimes comissivos, mas cometidos por omissão por aquele que tinha o dever jurídico de evitar o
resultado, que é o garante, previsto do art. 13, § 2º, do CP), desde que os garantes tenham de evitar o
resultado, e de comum acordo não o evitem. Exemplo: mãe e pai concordam em deixar o recém-nascido
morrer.

Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem
lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria
ocorrido.

164
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 16

(...)
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar
o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

9. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA

O art. 29, § 1º, do CP assevera que, se a participação for de menor importância, a pena poderá ser
diminuída de 1/6 a 1/3. Isso se justifica em razão da pequena relevância causal que tem a conduta do agente.

O quantum de 1/6 a 1/3 considera a culpabilidade/censurabilidade do sujeito. Quanto maior a


censurabilidade maior a pena.

10. PARTICIPAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA (DESVIO SUBJETIVO)

O art. 29, § 2º, do CP estabelece que “se algum dos concorrentes quis participar de crime menos
grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido
previsível o resultado mais grave”.

Os agentes podem ter dolos distintos. Exemplo: indivíduos queriam furtar, mas ao ingressar na
residência encontram uma pessoa em casa. Neste caso, João, dentro de casa, resolve roubar e o faz,
enquanto José, fora de casa, imagina participar de furto. José responde por furto qualificado e João pelo
roubo majorado pelo concurso de pessoas.

Diante disso, querendo o agente praticar o crime menos grave, deverá responder por ele, caso seja
imprevisível o resultado mais grave. Por outro lado, deve-se aplicar a pena do crime que o agente gostaria
de ter praticado, aumentada de metade, caso seja previsível o crime mais grave.

11. COMUNICABILIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS, CONDIÇÕES E ELEMENTARES

Segundo o art. 30 do CP, não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo
quando elementares do crime. Todos os tipos penais são integrados por suas elementares. Alguns também
possuem circunstâncias.

O que for de caráter pessoal, circunstância ou condição, não se comunica. Só se comunica aquilo que
for elementar.

• Circunstâncias: são dados acessórios ao crime, dispensáveis para a configuração da figura penal
básica, embora causem influência sobre a duração da pena. Podem ser objetivas e subjetivas:
o circunstâncias objetivas - Exemplo: furto mediante rompimento de obstáculo. Essa
circunstância qualifica o crime de furto (elementar) e vai se comunicar.
o circunstâncias subjetivas - não se comunicam como regra, salvo quando forem elementares,
pois se referem ao agente. Exemplo: quem mata o pai para receber herança comete
homicídio qualificado pelo motivo torpe; o motivo torpe é uma circunstância do crime de
homicídio, ligada ao crime, mas que se refere ao agente, sendo esta circunstância subjetiva,
que não se comunica ao coautor.
• Condição: é algo inerente ao indivíduo, existindo independentemente da prática do crime. Exemplo:
reincidência, isto é, independente do crime, o sujeito vai ser reincidente. O mesmo ocorre em relação
à condição da menoridade, uma vez que o indivíduo, por ser menor, não pratica crime, e sim ato
infracional, não se comunicando com os demais agentes.

165
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 16

• Elementar: são dados que constituem o tipo penal, ou seja, são os elementos constitutivos do crime.
As elementares sempre se comunicam, sejam de caráter objetivo ou subjetivo. Exemplo: a vítima é
menor de 14 anos e acaba por ser estuprada por dois indivíduos. Neste caso, o fato de ela ser menor
de 14 é elementar para o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A, CP), sendo uma elementar que
irá atingir os dois agentes, independentemente de suas condições.

As circunstâncias e condições de caráter objetivo se comunicam, desde que os demais indivíduos


tenham o conhecimento. Ou seja, se ambos os indivíduos estiverem sabendo que o crime de furto foi
cometido com rompimento de obstáculo, haverá furto qualificado. No entanto, caso um deles não tenha
esse conhecimento, responderá apenas por furto simples.

12. PARTICIPAÇÃO IMPUNÍVEL

É a participação que não pune, salvo disposição em contrário.

Segundo o art. 31 do CP:

Art. 31. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em


contrário, não são puníveis se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.

Se o crime não chega ao menos a ser tentado, o ajuste, a determinação, a instigação e o auxílio não
geram punição da participação, salvo se previstos como delitos penais autônomos.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 15

15 TEORIA
3 GERAL DA PENA: CONCEITOS E
FUNDAMENTOS

167
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 15

1. CONCEITOS E FUNDAMENTOS

Pena é a sanção penal, é uma resposta que o Estado dá para quem não observou uma determinada
norma penal. A pena é a restrição ou privação de determinado bem jurídico do agente, para que seja
responsável pelo que praticou.

2. FINALIDADES (OU FUNÇÕES) DA PENA

Para os absolutistas, pena é uma decorrência da delinquência, nasce da pena “ao mal do crime, o
mal da pena”. Pena é a retribuição para o mal causado.

Para os utilitaristas, a pena é um instrumento de prevenção:

• Prevenção geral: a finalidade consiste em intimidar a sociedade;


• Prevenção geral negativa: a pena é uma ameaça legal dirigida aos cidadãos para que se abstenham
de cometer delitos. É uma coação psicológica;
• Prevenção geral positiva: demonstração de que a lei ainda está vigente, criando uma sensação de
confiança na sociedade;
• Prevenção especial: dirige-se ao criminoso.
• Prevenção especial negativa: visa a caracterização ou inocuização do condenado quando outros
meios menos lesivos não se mostrarem eficazes para sua ressocialização.
• Prevenção especial positiva: a importância da pena está na ressocialização do condenado.

Há ainda a teoria eclética, em que a finalidade da pena assume estas duas finalidades: retribuição e
prevenção geral e especial.

2.1. Teorias da pena

São várias as teorias da pena solicitadas em prova. Dentre elas, destacam-se:

2.1.1. Teoria agnóstica (Zaffaroni)

Essa teoria tem como fundamento modelos ideais de estado de polícia e de estado de
direito. Para a teoria agnóstica da pena, existe uma grande dificuldade em acreditar que a
pena possa cumprir, na grande maioria dos casos, as funções manifestas atribuídas a ela,
expressas no discurso oficial. Para os seguidores dessa linha de pensamento, a pena está
apenas cumprindo o papel degenerador da neutralização, já que empiricamente
comprovada a impossibilidade de ressocialização do apenado. Não quer dizer que essa
finalidade de ressocializar, ou seja, reintegrar o condenado ao convívio social deva ser
abandonada, mas deve ser revista e estruturada de uma maneira diferente. Para tanto,
adverte-se que a reintegração social daquele que delinquiu não deve ser perseguida através
da pena, e sim apesar dela, vez que para efeitos de ressocialização o melhor criminoso é o
que não existe19. (grifo nosso).

19 VANIN, Carlos. Teoria agnóstica da pena de Eugenio Zaffaroni. Jusbrasil, 2015. Disponível em:
https://duduhvanin.jusbrasil.com.br/noticias/183273877/teoria-agnostica-da-pena-de-eugenio-zaffaroni

168
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 15

2.1.2. Teoria dialética da pena (Zaffaroni)

O discurso crítico da teoria dialética da pena demonstra a natureza real da retribuição penal nas
sociedades modernas. Essa realidade não constitui um fenômeno de sobrevivência histórica da vingança,
nem resquício metafísico de expiação ou de compensação de culpabilidade como as teorias preventivas
apresentam. A teoria dialética mostra a emergência histórica da retribuição equivalente como fenômeno
específico das sociedades capitalistas, pois a função de retribuição equivalente da pena corresponde aos
fundamentos das sociedades fundadas na relação entre capital e trabalho assalariado. A partir daí se inicia
uma tradição de pensamento crítico em teoria jurídica e criminológica, na qual se inserem contribuições
fundamentais da teoria marxista sobre crime e controle social.

Nessa tradição crítica, todo sistema de produção tende a descobrir a punição que corresponde às
suas relações produtivas:

• se a força de trabalho é insuficiente para as necessidades do mercado, o sistema penal adota


métodos punitivos de preservação da força de trabalho;
• se a força de trabalho excede as necessidades do mercado, o sistema penal adota métodos punitivos
de destruição da força de trabalho. O sistema punitivo é um fenômeno social ligado ao processo de
produção.
Se a pena constitui retribuição equivalente do crime, medida pelo tempo de liberdade
suprimida segundo a gravidade do crime realizado, determinada pela conjunção de desvalor
da ação e de desvalor de resultado, então essa pena representa a forma de punição
específica da sociedade capitalista e que deve perdurar enquanto existir a sociedade de
produtores de mercadorias.20

2.1.3. Teoria retributiva (absoluta)

Para a teoria retributiva, a finalidade da pena é punir o autor de uma infração penal. A retribuição
se dá através de um mal justo previsto no ordenamento jurídico em retribuição a um mal injusto praticado
pelo criminoso. A pena não é apenas um mal que se deve aplicar apenas porque antes houve outro mal, isso
porque seria irracional querer um prejuízo simplesmente porque já existia um prejuízo anterior. A imposição
da pena implica no restabelecimento da ordem jurídica violada pelo delinquente.

2.1.4. Teoria preventiva geral intimidatória (negativa)

Direcionada à generalidade dos cidadãos. A pena pode ser concebida como forma acolhida de
intimidação das outras pessoas através do sofrimento que com ela se inflige ao delinquente e que, ao fim,
as conduzirá a não cometerem fatos criminais.

2.1.5. Teoria preventiva geral integradora (positiva)

Direcionada à generalidade dos cidadãos. Fortalece a consciência jurídica dos cidadãos, assim como
sua confiança e fé no Direito. O Estado se serve da pena para manter e reforçar a confiança da comunidade
na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento
jurídico-penal.

20 DOS SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal parte geral. 6ª edição. Curitiba, ICPC, 2014.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 15

2.1.6. Teoria preventiva especial ressocializadora (positiva)

Direcionada ao delinquente concreto. Busca a ressocialização do delinquente, através da sua


correção. Uma pena dirigida ao tratamento do próprio delinquente, com o propósito de incidir em sua
personalidade, com efeito de evitar sua reincidência. A finalidade da pena-tratamento é a ressocialização.

2.1.7. Teoria preventiva especial inocuizadora (negativa)

Direcionada ao delinquente concreto. Tem como fim neutralizar a possível nova ação delitiva
daquele que delinquiu em momento anterior, através de sua "inocuização" ou "intimidação". Busca-se evitar
a reincidência através de técnicas, ao mesmo tempo, eficazes e discutíveis, tais como a pena de morte, o
isolamento etc.

3. FINALIDADE DA PENA NO BRASIL

No Brasil, a pena tem tríplice finalidade:

• retributiva;
• preventiva;
• reeducativa (ressocializadora).

4. JUSTIÇA RESTAURATIVA

A justiça restaurativa tem como ideia restaurar a situação anterior ao crime, recompondo os danos
sofridos pela vítima. Deve-se colocar os olhos sobre a vítima. Exemplo: Lei n.º 9.099/1995, quando permite
a composição civil dos danos.

Há um procedimento de consenso entre o autor do crime e a vítima, podendo envolver outros


sujeitos da comunicada, a depender do caso. Não é apenas a retribuição do crime que é importante,
tampouco a prevenção e a ressocialização, mas sim a restauração do resultado anterior ao crime. Esta seria
uma nova função da pena.

5. PRINCÍPIOS INFORMADORES DA PENA

São princípios informadores da pena:

▪ Princípio da legalidade: não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal (previsto na CF e no CP);
▪ Princípio da personalidade ou da intransmissibilidade: a pena não passará da pessoa do
condenado. É o princípio da intranscendência da pena, conforme art. 5º, XLV, CF;
▪ Princípio da individualização da pena: a lei regulará a individualização da pena. Há uma
preocupação de que a pena seja individualizada. Isto significa que a pena deve ser observada
em vários momentos: 1º para o legislador; 2º para o juiz na dosimetria da pena; 3º para o juiz
da execução da pena21;

21Olegislador individualizará a pena, por exemplo, quando prevê o crime de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo, cuja
pena é de 2 a 8 anos; se há a utilização de explosivo ou de artefato análogo, a pena é de 4 a 10 anos.

170
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 15

▪ Princípio da proporcionalidade: é um princípio implícito, decorrendo do devido processo legal.


A ideia é de que esta noção penal deve ter razoabilidade na aplicação da pena. Deve-se
considerar a personalidade do agente e os danos causados por ele, além de verificar as
condições da vítima. Esse princípio da proporcionalidade se orienta pela proibição do excesso,
bem como pela proibição da proteção deficiente. A proporcionalidade deve ser verificada pelo
legislador e pelo magistrado;
▪ Princípio da inevitabilidade ou da inderrogabilidade da pena: significa que se o sujeito cometer
o crime, deverá obrigatoriamente cumprir a pena. A depender do caso, é possível aplicação do
perdão judicial, hipótese em que não haverá interesse estatal;
▪ Princípio da dignidade da pessoa humana: a dignidade da pessoa humana seria um postulado
anterior ao princípio, sobre a qual os princípios são consagrados. A dignidade da pessoa humana
não comporta ponderação, razão pela qual não é um direito fundamental, e sim um núcleo
duro. Em função disso, não haverá pena: de morte, salvo guerra declarada; de trabalhos
forçados; de caráter perpétuo; de banimento; cruéis etc.
▪ Princípio da vedação do bis in idem: ninguém pode ser processado duas vezes pelo mesmo fato.
Não há previsão na CF, mas sim no Estatuto de Roma. Não tem caráter absoluto, pois é possível
que o sujeito seja condenado e processado duas vezes pelo mesmo fato no caso de
extraterritorialidade incondicionada. O STF já enfrentou um caso em que havia duas sentenças.
No caso, o Supremo reconheceu a nulidade da segunda sentença, ainda que mais benéfica,
em função do princípio da vedação do bis in idem.

6. PENAS PROIBIDAS NO BRASIL

6.1. Pena de morte


Segundo o art. 5, XLVII, da CF/88 não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, em
que haverá pena de fuzilamento para crimes militares.

Apesar da CF dispor que é vedada a pena de morte, a doutrina traz duas outras exceções:

• abate de aeronave (art. 303, § 2º, CBA): a lei permite que uma aeronave hostil, que esteja
sobrevoando o espaço aéreo brasileiro, e que não obedeça à ordem de pouso, poderá ser destruída, levando
o piloto à morte. Não há previsão na CF desta ressalva, mas jamais foi julgado inconstitucional;
• pessoa jurídica com atividades encerradas por violações ambientais (art. 24, Lei n.º 9.605/1998): a
pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a
prática de crime ambiental terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado
instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.

6.2. Pena de caráter perpétuo


A vedação à pena de caráter perpétuo também pode ser extraída do art. 75 do CP, o qual estabelece
que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 anos.

Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior
a 40 (quarenta) anos.

O próprio legislador traz os elementos individualizadores da pena: se o sujeito confessar, atenuar, se for reincidente, agrava, se tiver
maus antecedentes, aplica-se a pena base em um patamar mais elevador, se a vítima contribuiu para a ocorrência do resultado,
diminui a pena-base. Perceba que o legislador já inicia o processo de concretização do princípio da individualização da pena. O juízo
da condenação, ao proferir sentença, observará essas circunstâncias e condições pessoais e individualizará a sanção. O princípio em
comento também encontra guarida no juízo da execução, é possível, por exemplo, que João não trabalhe, que pratica falte grave,
que não apresente bom comportamento carcerário, enquanto José trabalha, estuda, apresenta bom comportamento carcerário e,
portanto, fará jus à remição da pena ou terá a execução da pena adequada à sua situação.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 15

§ 1º - Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja
superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste
artigo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (Revogado)
§ 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja
superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo
deste artigo.
§ 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-
á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.

Atente-se que os 40 anos são de cumprimento da pena, podendo o indivíduo ser condenado a 120
anos.

Súmula 715 do STF:

a pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo
art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o
livramento condicional ou regime mais favorável de execução.

6.3. Pena de trabalhos forçados

É vedado a pena de trabalhos que violam a dignidade da pessoa humana. Não diz respeito ao trabalho
do preso, que é obrigatório, mas não forçado (mediante coação).

6.4. Pena de banimento

Banimento é a expulsão do nacional, a qual não é admitida.

6.5. Penas cruéis

Nesse caso, a pena cruel viola a dignidade da pessoa humana. É uma ordem ao Estado. Por essa razão,
não pode haver pena de castração física do estuprador, pois seria cruel.

Essa ordem é enviada ao legislador e ao Estado, o qual deverá assegurar condições mínimas para
cumprimento da pena.

A pena, na maioria dos presídios do Brasil, viola a vedação à pena de caráter cruel (estado de coisas
inconstitucional).

7. PENAS PERMITIDAS NO BRASIL

A CF estabelece, no art. 5º, XLVI, que são penas permitidas no Brasil:

• privação ou restrição da liberdade;


• perda de bens;
• multa;
• prestação social alternativa;
• suspensão ou interdição de direitos.

Trata-se de um rol exemplificativo. A pena de advertência do art. 28 da Lei n.º 11.343/2006 não está
prevista na CF.

172
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL -PARTE GERAL• 15

7.1. Privação da liberdade

Poderá ser de reclusão, detenção ou prisão simples:

• reclusão: Em regra (art. 33, § 2º, do CP), para que o regime inicial seja fechado, a pena de reclusão
fixada deve ser superior a 8 anos, salvo reincidência ou circunstâncias judiciais autorizadoras de
regime inicial mais gravoso, a despeito de a pena fixada ser igual ou inferior a 8 anos de reclusão.;
• detenção: deve ter regime inicial semiaberto ou aberto. O regime fechado só é admitido em caráter
de regressão por falta grave.
• prisão simples: regime inicial semiaberto ou aberto. Não admite regime fechado mesmo em caráter
de regressão.

7.2. Restritivas de direito

Essas penas podem ser:

• prestação pecuniária;
• perda de bens e valores;
• limitação de fim de semana;
• prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;
• interdição temporária de direitos;
• limitação de fim de semana.

7.3. Pena de multa

A pena de multa passou a ser considerada uma dívida de valor.

173
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

16 TEORIA GERAL DA PENA: APLICAÇÃO DA PENA


3

174
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

1. FIXAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

1.1. Conceito

Fixação da pena consiste em estabelecer a pena do condenado.

1.2. Sistema trifásico (Sistema Nélson Hungria)

Segundo o art. 68 do CP:

Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em
seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas
de diminuição e de aumento.

Esse dispositivo consagra o sistema trifásico (o outro sistema era o bifásico de Roberto Lyra),
também denominado de sistema Nélson Hungria:

• 1ª fase: circunstâncias judiciais do art. 59, CP;


• 2ª fase: agravantes e atenuantes;
• 3ª fase: causas de diminuição e aumento.

O juiz calcula a pena privativa de liberdade. Em seguida, com base no art. 33, § 2º, o juiz fixa o regime
inicial da pena. Verifica, então, a possibilidade de substituição da pena pelo art. 44. Se não for o caso, há
possibilidade de suspensão da pena, com base no art. 77.

Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto.
A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a
regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
(...)
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva,
segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as
hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de


liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for
cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada,
se o crime for culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado,
bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
§ 1º (VETADO) (Incluído pela Lei nº 9.714, de 1998)
§ 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou
por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade
pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de
direitos.

Art. 77. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser
suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:
I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;
II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como
os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;

175
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código.
§ 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício.

1.2.1. Primeira fase: circunstâncias judiciais

O art. 59 do CP traz oito requisitos, sobre os quais o juiz deverá analisar:

• culpabilidade;
• antecedentes;
• personalidade do agente;
• conduta social;
• motivos;
• circunstâncias;
• consequências do crime;
• comportamento da vítima.

Obs.: No caso da Lei de Drogas, somam-se a esses os critérios de quantidade e qualidade da droga,
nos termos do art. 42, da Lei n.º 13.343/2006.

O CP não estipula qual é o critério de aumento que deverá haver para cada uma dessas
circunstâncias. Cabe ao juiz dizer. O juiz está atrelado ao mínimo e ao máximo fixado no preceito secundário
do crime. O magistrado, então, parte da pena mínima e vai valorando.

A lei também não determina como deve ser feita a compensação entre as circunstâncias judiciais,
razão pela qual a doutrina afirma que deve ser feita uma aplicação analógica do art. 67, CP, que dispõe que
nos casos de circunstâncias atenuante e agravantes, algumas prevalecerão.

Rogério Sanches sustenta que esta aplicação analógica não pode servir de prejuízo para o réu.

Em hipótese alguma pode o magistrado majorar a pena-base sem que haja fundamentação objetiva
para justificar a exasperação.

a) Culpabilidade

Culpabilidade do agente significa o menor ou maior grau de censurabilidade do comportamento.

Segundo o STF, para fins de dosimetria da pena, culpabilidade consiste na reprovação social que o
crime e o autor do fato merecem.

Essa culpabilidade de que trata o art. 59 do CP não tem relação com a culpabilidade como requisito
do crime (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude do fato e inexigibilidade de conduta diversa).

STF: no tráfico de drogas, o juiz não pode aumentar a pena-base sob o argumento de que a venda da
droga ocorria dentro da própria casa do condenado, pois não enseja maior reprovabilidade da conduta.

STJ: o fato de o crime de corrupção passiva ter sido praticado por promotor de justiça no exercício
da função poderá servir como circunstância desfavorável, pois há maior reprovabilidade da conduta. Da
mesma forma ocorre com relação a essas espécies de crimes cometidos por policiais.

b) Antecedentes

Antecedente é a condenação com trânsito em julgado que não gera reincidência.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

Por exemplo, no dia 2 de janeiro de 2018, João cometeu um furto. Em seguida, foi processado.
Durante o processo, João cometeu mais de 30 furtos. Não poderão esses 30 furtos serem valorados
negativamente.

A Súmula 444 do STJ deixa claro que inquéritos policiais em aberto e ações penais em curso não
podem agravar a pena-base, não servindo como antecedentes.

Da mesma forma, atos infracionais não podem servir como maus antecedentes.

Segundo o STJ (Informativo 576), atos infracionais não configuram crimes e, por isso, não é possível
considerá-los como maus antecedentes nem como reincidência, até porque fatos ocorridos ainda na
adolescência estão acobertados por sigilo e estão sujeitos a medidas judiciais exclusivamente voltadas à
proteção do jovem.

Condenações definitivas por fatos praticados antes do fato que está sendo julgado podem servir
como maus antecedentes, ainda que o trânsito em julgado do fato pretérito tenha se dado posteriormente
ao delito em apreço. Isto é, se o indivíduo não for reincidente, poderá ser considerado como circunstância
judicial desfavorável. Por outro lado, se o indivíduo for reincidente, somente poderá considerá-la uma única
vez, ou nas circunstâncias judiciais ou na agravante, sob pena de bis in idem. Sendo o agente duplamente
reincidente, uma reincidência é possível utilizar para fins de agravante e a outra para circunstâncias judiciais
(Súmula 244, STJ).

Segundo o STJ, a condenação por fato anterior ao delito que se julga, mas com trânsito em julgado
posterior, pode ser utilizada como circunstância judicial negativa, a título de antecedente criminal.

Após 5 anos do cumprimento de extinção da pena, não poderá mais se considerar o crime pelo qual
houve condenação como reincidência, mas poderia ser computado como maus antecedentes. Este é o
entendimento de Sanches, do STJ e, atualmente, do STF, in verbis: “não se aplica para o reconhecimento dos
maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da reincidência, previsto no art. 64, I, do Código Penal”.
STF. Plenário. RE 593818/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 17/8/2020 (Repercussão Geral - Tema
150).

Informativo 647 – STJ (24/05/2019) – Dizer o Direito


Eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não
utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na
primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se
admitindo sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a
conduta social do agente.
A conduta social e a personalidade do agente não se confundem com os
antecedentes criminais, porquanto gozam de contornos próprios - referem-se
ao modo de ser e agir do autor do delito -, os quais não podem ser deduzidos,
de forma automática, da folha de antecedentes criminais do réu. Trata-se da
atuação do réu na comunidade, no contexto familiar, no trabalho, na
vizinhança (conduta social), do seu temperamento e das características do seu
caráter, aos quais se agregam fatores hereditários e socioambientais,
moldados pelas experiências vividas pelo agente (personalidade social).
Já a circunstância judicial dos antecedentes se presta eminentemente à análise
da folha criminal do réu, momento em que eventual histórico de múltiplas
condenações definitivas pode, a critério do julgador, ser valorado de forma
mais enfática, o que, por si só, já demonstra a desnecessidade de se valorar
negativamente outras condenações definitivas nos vetores personalidade e
conduta social.
STJ. 3ª Seção. EAREsp 1.311.636-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
julgado em 10/04/2019 (Info 947).

177
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

c) Conduta social

Conduta social é o modo como o agente se comporta em sociedade, no ambiente familiar, no


trabalho, igreja, na comunidade etc. Os antecedentes sociais do réu não se confundem com seus
antecedentes criminais. Desse modo, não é correto o juiz utilizar condenações anteriores com trânsito em
julgado como conduta social desfavorável.

Com base nessa ideia, é possível falar em testemunhas de beatificação, as quais afirmam a boa
conduta do agente.

Segundo o STF, os antecedentes sociais do réu não se confundem com os seus antecedentes
criminais. Não se admite a “conduta social desfavorável”.

O fato de o réu ser usuário de drogas não pode ser considerado, por si só, como má-conduta social.

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Dizer o Direito


A circunstância judicial “conduta social”, prevista no art. 59 do Código Penal,
representa o comportamento do agente no meio familiar, no ambiente de
trabalho e no relacionamento com outros indivíduos.
Os antecedentes sociais do réu não se confundem com os seus antecedentes
criminais. São circunstâncias distintas, com regramentos próprios.
Assim, não se mostra correto o magistrado utilizar as condenações anteriores
transitadas em julgado como “conduta social desfavorável”.
Não é possível a utilização de condenações anteriores com trânsito em julgado
como fundamento para negativar a conduta social.
STF. 2ª Turma. RHC 130132, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 10/5/2016
(Info 825).
STJ. 5ª Turma. HC 475.436/PE, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em
13/12/2018.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.760.972-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
08/11/2018 (Info 639).

Informativo 702 do STJ – Dizer o Direito:


Condenações criminais transitadas em julgado, não consideradas para
caracterizar a reincidência, somente podem ser valoradas, na primeira fase da
dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização
para desabonar a personalidade ou a conduta social do agente.
STJ. Plenário. REsp 1.794.854-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 23/06/2021
(Recurso Repetitivo – Tema 1077) (Info 702)
No mesmo sentido:
Eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não
utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na
primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se
admitindo sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a
conduta social do agente.
A conduta social e a personalidade do agente não se confundem com os
antecedentes criminais, porquanto gozam de contornos próprios - referem-se
ao modo de ser e agir do autor do delito -, os quais não podem ser deduzidos,
de forma automática, da folha de antecedentes criminais do réu. Trata-se da
atuação do réu na comunidade, no contexto familiar, no trabalho, na
vizinhança (conduta social), do seu temperamento e das características do seu
caráter, aos quais se agregam fatores hereditários e socioambientais,
moldados pelas experiências vividas pelo agente (personalidade social).
Já a circunstância judicial dos antecedentes se presta eminentemente à análise
da folha criminal do réu, momento em que eventual histórico de múltiplas
condenações definitivas pode, a critério do julgador, ser valorado de forma
mais enfática, o que, por si só, já demonstra a desnecessidade de se valorar

178
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

negativamente outras condenações definitivas nos vetores personalidade e


conduta social.
STJ. 3ª Seção. EAREsp 1.311.636-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
julgado em 10/04/2019 (Info 647).

d) Personalidade do agente

É o retrato psíquico do delinquente. É a síntese das qualidades morais e sociais do agente. Esse
conceito não encontra enquadramento em um conceito jurídico, envolvendo o “sentir do julgador”, o qual
tem contato com as provas, não sendo necessário qualquer estudo técnico. Não se trata simplesmente de
considerações vagas do magistrado, que deve apontar elementos concretos extraídos dos autos.

Por essa razão, segundo o STJ, isto deve ser aferido objetivamente, ou seja, a simples menção à
personalidade do infrator, desprovida de elementos concretos, não se presta à negativação dessa
circunstância. É necessário que um profissional ateste a situação do delinquente.

Assim, a personalidade deve ser verificada pelo modo de agir do agente, avaliando-se a
insensibilidade acentuada, a maldade, a desonestidade e a perversidade demonstrada e utilizada pelo
delinquente na pratica do delito.

Informativo 639-STJ (01/02/2019) – Dizer o Direito


A existência de condenações definitivas anteriores não se presta a
fundamentar a exasperação da pena-base como personalidade voltada para o
crime.
Condenações transitadas em julgado não constituem fundamento idôneo para
análise desfavorável da personalidade do agente.
STJ. 5ª Turma. HC 466.746/PE, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 11/12/2018.
STJ. 6ª Turma. HC 472.654-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 21/02/2019
(Info 643).

e) Motivos do crime

É aquilo que levou o indivíduo a praticar o crime.

Não pode valorar negativamente um motivo inerente ao crime, ou quando funciona como
qualificadora. Exemplo: no furto, a ideia de lucro fácil já é inerente ao crime.

A simples falta de motivos não constitui fundamento idôneo para o incremento da pena-base.

f) Circunstâncias do crime

É a forma como o crime foi cometido nas circunstâncias de tempo, local, instrumentos etc.

g) Consequências do crime

É o resultado do delito decorrente da infração penal.

h) Comportamento da vítima

É a análise se a vítima provocou ou não o crime.

179
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

Não há compensação de culpas, mas, se há uma culpa concorrente, deverá ser valorada em favor do
agente.

Se o comportamento da vítima em nada contribuiu para o crime, isso significa que essa circunstância
é neutra, de forma que não pode ser utilizada para aumentar a pena imposta ao réu.

1.2.2. Segunda fase: agravantes e atenuantes

Na segunda fase, haverá as agravantes e atenuantes.

O CP trata de agravantes e atenuantes, havendo uma preponderância entre algumas, mas não há
fixação quanto a exasperação, ficando isso a critério do magistrado.

A doutrina e a jurisprudência caminham no sentido de que o magistrado deve valorar em 1/6,


entendendo a jurisprudência que o juiz deve observar o mínimo e o máximo do preceito secundário (Súmula
231 do STJ).

Súmula 231 do STJ: "A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução
da pena abaixo do mínimo legal."

a) Preponderância

De acordo com o art. 67, CP, no concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve se aproximar do
limite indicado pelas circunstâncias preponderantes.

As circunstâncias preponderantes são aquelas que resultam:

• dos motivos do crime;


• da personalidade do agente;
• da reincidência.

• Entre as circunstâncias preponderantes, a própria jurisprudência fixou critérios de prevalência.

o atenuante que mais prepondera: menoridade (menor de 21 anos) ou a senilidade (maior


de 70 anos);
o segunda que mais prepondera: reincidência;
o após: agravantes e atenuantes subjetivas;
o por último: agravantes e atenuantes objetivas.

Na reincidência, o STJ tem feito a compensação entre a agravante da reincidência e a atenuante da


confissão espontânea.

Em relação às agravantes, é possível perceber que há um rol taxativo, eis que o Direito Penal não
admite analogia in malam partem.

As agravantes, geralmente, só vão incidir em crimes dolosos, mas há a exceção da reincidência. Ou


seja, o indivíduo que comete crimes culposos reincidentemente deverá sofrer essa agravante.

O art. 385 do CPP estabelece que não é necessário que a denúncia venha descrevendo qual é a
agravante ou a atenuante. Ainda que não haja previsão na denúncia, é possível o magistrado reconhecer
uma agravante ou uma atenuante na sentença.

180
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

b) Agravantes

Segundo o art. 61 do CP, são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou
qualificam o crime:

• reincidência;
• ter cometido o crime por motivo fútil ou torpe;
• ter cometido o crime para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem
de outro crime;
• ter cometido o crime à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que
dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;
• ter cometido o crime com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou
cruel, ou de que podia resultar perigo comum;
• ter cometido o crime contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
• ter cometido o crime com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de
coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;
• ter cometido o crime com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério
ou profissão;
• ter cometido o crime contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida;
• ter cometido o crime quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;
• ter cometido o crime em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública,
ou de desgraça particular do ofendido;
• ter cometido o crime em estado de embriaguez preordenada.

Reincidência

Com relação à reincidência, o art. 63 do CP estabelece que se verifica a reincidência quando o agente
comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha
condenado por crime anterior.

Para ser reincidente, o indivíduo, após ter sofrido uma sentença condenatória transitada em julgado,
deverá ter cometido um novo crime.

Essa leitura deve ser feita em conjunto com o art. 7º da LCP, que dispõe:

“há reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a
sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no
Brasil, por motivo de contravenção” (grifos nossos).

Observe! Será considerado reincidente:

• se o indivíduo tiver uma sentença transitada em julgado por um crime cometido no Brasil ou no
estrangeiro e cometer uma contravenção ou crime, será ele reincidente;
• se o indivíduo tiver uma sentença transitada em julgado por uma contravenção cometida no Brasil
e cometer uma contravenção, será ele reincidente.

Por outro lado:

• se o indivíduo tiver uma sentença transitada em julgado por uma contravenção cometida no Brasil e
cometer um crime, não será ele reincidente;
• se o indivíduo tiver uma sentença transitada em julgado por uma contravenção cometida no exterior
e cometer um crime, não será ele reincidente;

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

• se o indivíduo tiver uma sentença transitada em julgado anterior por crime político, ou por crime
militar próprio, e depois cometer um crime comum ou um crime militar impróprio, também não será
considerado reincidente.

Atente-se que, no caso de crime militar próprio, ele só será considerado reincidente se cometer
outro crime militar próprio.

Obs.: não há necessidade de homologação da sentença penal estrangeira para que produza efeitos
da reincidência no Brasil.

Se houver abolitio criminis ou anistia no delito anterior, o sujeito não é considerado reincidente,
pois estas apagam os efeitos penais principais e acessórios, mantendo os efeitos extrapenais.

O Brasil adota o sistema da temporariedade da reincidência, razão pela qual ultrapassado o período
depurador de 5 anos do cumprimento da pena, o sujeito não será mais reincidente.

Se o indivíduo teve a pena suspensa ou teve livramento condicional, com a posterior declaração de
extinção da pena, esse período será considerado para fins de período depurador. Ou seja, se o indivíduo
ficou 2 anos em livramento condicional, tendo posteriormente a pena sido extinta, passados mais 3 anos, o
sujeito terá completado o período depurador de 5 anos, situação em que, se praticar nova infração penal,
não será considerado reincidente.

A reincidência pode ser:

• reincidência genérica: o sujeito comete um crime e, posteriormente, comete um crime de outra


espécie;
• reincidência específica: o agente comete um crime da mesma espécie, após de ter tido uma sentença
penal condenatória por um delito daquela espécie.

Há algumas consequências para o reincidente específico. Exemplo: obsta a substituição da pena (art.
44, § 3º, CP); fica obstada a concessão de livramento condicional nos crimes hediondos quando o sujeito é
reincidente específico em crimes desta natureza (art. 83, V, CP).

A jurisprudência faz um temperamento em relação à reincidência geral e específica. No caso de


crimes hediondos, haverá reincidência específica quando o indivíduo cometeu um crime hediondo seja
qual for e, posteriormente, cometeu outro crime hediondo de diferente espécie. Portanto, se o indivíduo
cometeu um crime de homicídio qualificado e, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória,
cometeu estupro de vulnerável, ainda assim será considerado reincidente específico.

A prova da reincidência se dá através de certidão cartorária, sendo certo que o STJ admite que se
possa comprovar com a folha de antecedentes criminais.

Por fim, a reincidência não pode ser considerada como agravante e maus antecedentes, conforme
a súmula 241 do STJ. Todavia, caso o sujeito seja duplamente reincidente, poderá uma delas servir como
circunstância judicial e a outra como agravante.

Motivo fútil ou torpe

O motivo fútil é o motivo insignificante. Há uma desproporção entre a causa do crime e o crime
cometido. Exemplo: ao agente é negado uma balinha que, por essa razão, mata o indivíduo (motivo fútil).

Vingança e ciúmes não serão sempre considerados motivos fúteis, a depender do caso concreto.
Exemplo: quem mata o estuprador da filha, mata por vingança, não havendo motivo fútil. A depender, se o

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

sujeito agir sob o domínio de violenta emocional e relevante valor moral, esta conduta poderá ser
considerada, inclusive, como homicídio privilegiado.

Segundo o STJ, o dolo eventual não é compatível com a agravante do motivo fútil, já que o sujeito
apenas assume o risco da ocorrência do resultado.

A qualificadora do motivo fútil não pode ser aplicada ao agente que participa de racha e causa a
morte de terceiro não participante ao colidir com o carro deste, em virtude de direção imprudente (Inf.
583).

OBSERVAÇÃO!
Quando o motivo fútil servir como qualificadora, não funcionará como agravante. No caso do
homicídio, funciona como qualificadora. Se o sujeito pratica um homicídio porque está participando de racha,
trazendo à tona a possibilidade de dolo eventual (o CTB foi alterado para considerar tal conduta como crime
culposo), ainda que se considere que há dolo, o motivo fútil é afastado, vez que o sujeito não tinha a intenção.
O dolo eventual não é compatível com o motivo fútil.

Crime para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou


vantagem de outro crime

Temos aqui um crime conexo a outro delito.

Há duas hipóteses de conexão:

• conexão teleológica: o crime é cometido para assegurar a execução de outro delito;


• conexão consequencial: o crime é cometido para assegurar a ocultação, a impunidade ou vantagem
de outro crime cometido no passado.

Crime à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que


dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido

O Código Penal traz uma série de hipóteses agravantes e as encerra de forma genérica, o que permite
a adoção de uma interpretação analógica.

Segundo o STF, o dolo eventual é incompatível com a agravante da traição, emboscada ou outro
motivo que impossibilite a defesa da vítima.

Crime com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou
cruel, ou de que podia resultar perigo comum

Mais uma vez, a norma traz uma série de hipóteses, encerrando de forma genérica. A consequência
é a possibilidade de interpretação analógica.

Meio cruel é um crime que causa um sofrimento desnecessário à vítima.

Crime contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge

As agravantes até então analisadas se aplicam a crimes dolosos. Crimes culposos não permitirão,
geralmente, a incidência dessas agravantes, salvo a reincidência.

O Direito Penal, naquilo que agrava a pena ou prejudica a situação do réu, não admite analogia.

183
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

Isto significa que não se pode incluir o companheiro, assim como o parentesco por afinidade, uma
vez que ordenamento jurídico veda a analogia in malam partem.

Este parentesco se prova por meio documental.

Crime com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de


coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei
específica

Geralmente, quando o sujeito comete um crime na seara da Lei Maria da Penha, incide essa
agravante, uma vez que foi crime cometido com violência contra a mulher, na forma da Lei n.º 11.340/2006.

Quando a lei se refere ao abuso de autoridade, não se trata de relações públicas, mas de relações
privadas; é a autoridade que alguém exerce sobre outrem. Em outras palavras, é um excesso que ocorre
quando há uma posição de superioridade do ofensor no relacionamento com o ofendido. Exemplo: tutor e
tutelado, curador e curatelado, pai em relação ao filho, de modo que haja abuso nestas relações.

Cometido o crime com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício,
ministério ou profissão

Abuso de poder: aqui, sim, há relação pública. Nesses casos, há um excesso do exercício de uma
relação pública.

Com relação ao cargo, ofício, ministério ou profissão, há um excesso na relação privada. Nesse caso,
há um abuso no exercício da função.

Crime contra criança, maior de 60 anos, enfermo ou mulher grávida

Criança, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é a pessoa com até 12 anos
incompletos. A partir dessa idade, torna-se adolescente.

O Estatuto do Idoso estabelece que idoso é o indivíduo que tem 60 anos ou mais. No entanto, o CP
dispõe que a agravante incide sobre o maior de 60 anos. Isso significa dizer que se o crime for cometido no
dia em que a pessoa completa 60 anos, não poderá incidir essa agravante, pois ela teria exatos 60 anos. Há
opinião em sentido diverso.

Nesses casos, para incidir a agravante são necessários dois requisitos:

• nexo entre a condição da vítima e o crime praticado: a ideia é que a agravante incida em razão da
maior vulnerabilidade da vítima;
• consciência desta situação da vítima: é necessário que o agente tenha conhecimento dessa
condição, uma vez que não se admite responsabilidade penal objetiva.

Crime quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade

A vítima deve estar sob a imediata proteção da autoridade.

Exemplo: no interior de alguma unidade federativa, a população deseja atingir sujeito que estuprou
várias crianças (só não o fazem pois aquele se encontra na delegacia, sob a proteção da autoridade), se
lograssem êxito nesse intento, incidiria a agravante.

Isso difere do resgate de preso na delegacia. Neste caso, só incidiria caso o preso fosse de uma facção
criminosa e o resgate fosse por uma facção rival, hipótese em que o ofendido estaria sob a imediata proteção

184
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

da autoridade. Nos resgates de preso na delegacia pela própria facção do deste, não haverá essa agravante,
pois o ofendido não é o sujeito que foi resgatado, e sim o Estado.

Crime em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade


pública, ou de desgraça particular do ofendido

Cabível a agravante pois o sujeito se vale de uma situação dramática pela qual passa a vítima para
praticar a infração penal. Neste caso, há um maior grau de reprovabilidade.

Crime em estado de embriaguez preordenada

É a embriaguez feita para cometer o crime. Nesse caso, in causa, deve-se aplicar a teoria da actio
libera.

O sujeito se embriaga para praticar a infração penal. Se ele estiver completamente embriagado, não
haverá alteração na causa, pois a ação era livre.

Agravantes cometidas por duas ou mais pessoas

Segundo o art. 62, CP, a pena será ainda agravada em relação ao agente que:

• É o líder da organização: promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos


demais agentes;
• coage ou induz outrem à execução material do crime. É o caso do autor mediato;
• instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude
de condição ou qualidade pessoal (autor mediato);
• executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa. É o caso do
delinquente mercenário.

Se a coação é resistível, o sujeito coator responde com a agravante e o coagido com a atenuante. Se
irresistível, só o coator responde e o coagido terá extinta a sua punibilidade. Da mesma forma, se há uma
ordem que não é manifestamente ilegal e nem proferida por superior hierárquico, haverá excludente de
culpabilidade. Se o subordinado, diante de uma ordem, percebe que é ilegal, mas ainda assim pratica, seu
superior hierárquico terá a pena agrava e quem obedeceu terá a pena atenuada.

Segundo o STJ, é possível que a pena daquele condenado por homicídio, na condição de mandante,
seja agravada em razão de promover ou organizar a cooperação no crime ou dirigir a atividade dos demais
agentes, sem que haja bis in idem (Inf. 580, STJ).

Também é possível compensar a atenuante da confissão espontânea com a agravante da promessa


de recompensa, segundo o STJ (Inf. 577). Tem-se, portanto, duas circunstâncias (uma atenuante ou
agravante) de caráter subjetivo, que demonstram a personalidade do sujeito e que, portanto, devem
preponderar. Nesse caso, como elas preponderam, elas se compensam.

c) Atenuantes

As atenuantes, em regra, atenuam a pena.

Há algumas exceções em que as atenuantes não atenuam, e uma delas é o caso em que não incide a
atenuante quando a circunstância já constitui ou privilegia o crime, como é o caso do homicídio privilegiado
em que a pessoa comete o crime por motivo de relevante valor moral ou social. Nesse caso, o privilégio

185
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

abrange a atenuante, hipótese em que a atenuante não deve ser aplicada. Nesse sentido, é a posição da
jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Corolário desse entendimento é a faceta do princípio da proporcionalidade em razão do princípio da


proibição deficiente.

Nos termos da Súmula 232 do STJ, a incidência de uma circunstância atenuante não pode ficar abaixo
do mínimo legal.

A atenuante incide em todos os crimes: doloso, culposo ou preterdoloso.

São circunstâncias atenuantes:

• ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da
sentença condenatória de 1º grau22;
• desconhecimento da lei;
• ter o agente cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
• ter o agente procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe
ou minorar as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
• ter o agente cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de
autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
• ter o agente confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;
• ter o agente cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.

Menoridade

Haverá atenuante se o agente for menor de 21 anos na época do fato. A lei classifica o agente como
sendo imaturo, devendo ser considerada uma circunstância preponderante.

Senilidade

Haverá atenuante se o agente for maior de 70 anos, na data da sentença.

A data da sentença é a data de sentença de primeiro grau, salvo se esta for absolutória, hipótese em
que, caso haja recurso, o acórdão condenatório será considerado como marco para se aferir a idade do
sujeito.

Desconhecimento da lei

O desconhecimento da lei é inescusável, motivo pelo qual o sujeito responde pelo crime, salvo em
contravenções penais, mas há uma atenuante.

Não se confunde com o erro de proibição, em que o sujeito desconhece a ilicitude de sua conduta,
que é causa excludente da culpabilidade.

Pode o sujeito desconhecer a lei, mas, ainda assim, ter consciência de que sua conduta é ilícita.

Ter o agente cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral

22Far-se-á presente essa atenuante se a sentença for absolutória e o Tribunal reformá-la por recurso do MP para condenar. Neste
caso, o acórdão condenatório que será considerado para fins de verificação se o sujeito era ou não maior de 70 anos.

186
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

Incidirá a atenuante, desde que não configure o privilégio.

Relevante valor moral é o presente na situação em que se manifesta o interesse individual no caso.
Exemplo: agente que mata o estuprador da filha.

No motivo de relevante valor social, o indivíduo age impelido por motivos sociais, como é o caso do
indivíduo que mata o estuprador de cem meninas da cidade.

Ter o agente procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o
crime, evitar-lhe ou minorar as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado
o dano

A reparação do dano funciona como atenuante quando não for mais benéfica.

A reparação do dano nos termos do art. 16 do CP pode configurar arrependimento posterior, que é
causa de diminuição de pena de 1/3 a 2/3; se o sujeito repara integralmente o dano antes do recebimento
da denúncia, nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, a pena será diminuída;

No peculato culposo, a reparação integral antes do trânsito em julgado da sentença penal


condenatória extingue a punibilidade, e, após, diminui a pena na metade.

A composição civil dos danos no juizado especial (crimes de menor potencial ofensivo) extingue a
punibilidade.

Outra hipótese em que não se aplica essa atenuante é para o caso de pagamento de cheque sem
fundos antes do recebimento da inicial, situação que obsta a instauração da ação penal, de acordo com a
súmula 554 do STF.

Súmula 554, STF: O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o
recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal.

No caso de pagamento de tributos, haverá a extinção da punibilidade.

Ter o agente cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento
de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada
por ato injusto da vítima

No caso de coação a que podia resistir ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, tem-
se uma agravante para quem deu a ordem e uma atenuante para quem obedeceu.

No caso da influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima, não incidirá quando
estivermos diante de homicídio privilegiado por essa causa, eis que, no homicídio privilegiado, o indivíduo
estaria sob o domínio de violenta emoção.

Ter o agente confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime

Trata-se da atenuante da confissão espontânea, sendo aquela não instigada ou induzida por
ninguém.

Se a confissão for voluntária, mas não tendo sido espontânea, pois alguém o influenciou, caberá a
atenuante inominada pelo art. 66 do CP.

A confissão pode ser:

187
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

• Confissão simples: o indivíduo apenas admite a prática do crime. Poderá ser:


• Total: sujeito confessa todo o fato;
• Parcial: sujeito confessa parte do fato. Exemplo: furto qualificado pelo rompimento de obstáculo,
mas confissão de furto simples.
• Confissão qualificada: o indivíduo admite a prática do crime, mas levanta a seu favor uma excludente
de culpabilidade ou ilicitude.

Para o STF, é plenamente possível aplicar a atenuante da confissão, quando a confissão qualificada
foi valorada como meio de prova. Exemplo: sujeito que confessa o fato típico de ter roubado por estar em
estado de necessidade ou mediante inexigibilidade de conduta diversa, será admitida excludente de ilicitude
ou excludente de culpabilidade. Se o sujeito não confessa o fato típico, não fará jus à atenuante da confissão.

A Terceira Turma do STJ aprovou a Súmula 630, que assim dispõe: “a incidência da atenuante da
confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecente exige o reconhecimento da traficância pelo
acusado, não bastando a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio”.

Se o agente confessa o crime no curso do inquérito, mas se retrata durante a ação penal, a confissão
poderá ser usada como atenuante, desde que valorada como meio de prova.

STJ: a confissão revela a personalidade do indivíduo, razão pela qual possui caráter preponderante,
sendo plenamente possível sua compensação com a reincidência.

STF (2014): a reincidência prepondera sobre a confissão espontânea.

STJ: a agravante da violência contra a mulher compensa com a atenuante da confissão espontânea.

Ter o agente cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o


provocou

Se o sujeito provocou o crime, haverá incidência da agravante, mas, se não o provocou, incidirá essa
atenuante. Trata-se do crime multitudinário.

Circunstância inominada

Segundo o art. 66, a pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior
ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.

A doutrina traz o exemplo da coculpabilidade, em que a sociedade teria contribuído pela prática de
um crime, razão pela qual deveria incidir essa circunstância inominada. Exemplo: o indivíduo nunca estudou,
não teve acesso à saúde, moradia e era dependente químico desde a infância. O Estado esteve ausente
durante este tempo, mas quando o sujeito comete crime, atua para aplicar-lhe reprimenda. Perceba que a
sociedade tem parcela de culpa pela situação na qual chegou o sujeito.

Os professores LFG e Antonio Molina discordam da coculpabilidade, defendendo a aplicação da


teoria da vulnerabilidade. Para os professores, atenuar ou agravar a situação do indivíduo depende de sua
maior ou menor vulnerabilidade. Quem conta com alta vulnerabilidade são aqueles que estão sujeitos ao
Direito Penal por falta de instrução intelectual ou econômica e, assim, mais suscetíveis ao crime. Nesses
casos, a culpabilidade do indivíduo estaria reduzida, em função dessa hipervulnerabilidade, motivo pelo qual
a pena deveria ser atenuada pela circunstância inominada. Por outro lado, LFG afirma que o sujeito que tem
baixa vulnerabilidade, pois tem instrução, família, acesso à educação e, ainda, condições de pagar advogado,
deverá ter uma culpabilidade maior, também chamada de culpabilidade às avessas. Por essa razão, quem

188
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

tem maior vulnerabilidade tem menor culpabilidade, enquanto o que tem menor vulnerabilidade tem maior
culpabilidade.

1.2.3. Terceira fase: causas de aumento e de diminuição da pena

O ponto de partida é a pena intermediária.

As causas de diminuição e de aumento são denominadas minorantes e majorantes, respectivamente.

Estabelecem o quantum de aumento ou diminuição, podendo levar a pena acima do máximo e


abaixo do mínimo previsto em lei.

Não podem ser confundidas com as qualificadoras, pois estas alteram o intervalo da pena.

a) Concurso (homogêneo) entre causas de aumento

O concurso entre causas de aumento pode estar na parte geral e/ou na parte especial.

I. Concurso entre causas de aumento previstas na parte geral

Sendo causas de aumento previstas na parte geral — por exemplo, duas causas — haverá a aplicação
das duas causas de aumento. Aqui, deverá ser aplicado o princípio da incidência isolada. Ou seja, no
concurso de causas de aumento da parte geral aplicam-se as duas, adotando esse princípio, visto que é mais
benéfico ao réu.

Segundo o princípio da incidência isolada, o aumento recai sobre a pena precedente


(intermediária), e não sobre a pena já aumentada.

Exemplo: João teve sua pena fixada em 4 anos de reclusão. Estão presentes duas causas de aumento,
que determinam que a pena seja aumentada de metade. Neste caso, a primeira causa de aumento incide
sobre 4 anos, devendo somar mais 2, totalizando 6 anos. Para aplicar a outra causa de aumento, deverá
incidir sobre os 4 também, de modo que haverá a soma de mais 2 anos sobre os 4 anos iniciais, somando-se
ainda os 2 anos da primeira causa, totalizando 8 anos.

Não se aplica o princípio da incidência cumulativa, a qual permite que as causas de aumento de
pena incidam sobre as penas já aumentadas, pois isso seria desfavorável ao réu. Partindo do exemplo acima,
somando-se 4 anos mais a metade, tem-se 6 anos acrescidos da metade, que totalizaria 9 anos.

II. Concurso entre causas de aumento previstas na parte especial

No caso de concurso previsto na parte especial, o art. 68, parágrafo único, do CP estabelece que no
concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só
aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

Portanto, não há necessidade de o juiz considerar as duas causas de aumento, podendo considerar
apenas uma delas, desde que seja a que mais aumente.

Havendo concurso entre as causas de aumento da parte geral com a da parte especial, haverá a
incidência das duas, aplicando-se o princípio da incidência isolada.

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é possível aplicar cumulativamente
as causas de aumento de pena previstas na parte especial, mediante fundamentação, não estando obrigado

189
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

o julgador somente a fazer incidir a causa que aumente mais a pena, excluindo as demais ((AgRg no HC
676.447/SC, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA
TURMA, julgado em 16/11/2021, DJe 19/11/2021)

b) Concurso (homogêneo) entre causas de diminuição

A regra é a mesma, mas o princípio é diferente.

Todavia, no caso de concurso entre causas de diminuição, deverá ser aplicado o princípio da
incidência cumulativa. Ou seja, se aplicar uma causa de diminuição de pena, deverá incidir a outra causa de
diminuição sobre o resultado da operação anterior.

É a pena já diminuída que passa a ser paradigma para o cálculo da próxima causa de diminuição da
pena.

Exemplo: João foi condenado a 4 anos de reclusão, presentes duas causas de diminuição. Cada uma
delas reduz a pena da metade: uma na parte geral e outra na especial. Se for utilizado do princípio da
incidência cumulativa, a causa de diminuição reduzirá a pena de João a 2 anos. Posteriormente, esta pena
deverá ser reduzida por metade, devido à outra minorante. Sendo assim, João será condenado a 1 ano.

I. Concurso entre causas de diminuição previsto na parte geral

Se houver duas causas de diminuição previstas na parte geral, aplicam-se as duas.

II. Concurso entre causas de diminuição previstas na parte especial

Nos termos do art. 68, parágrafo único, havendo concurso entre duas causas de diminuição previstas
na parte especial, deverá ser aplicada apenas uma causa de diminuição, desde que seja a que mais diminua.

III. Concurso entre causas de diminuição previstas na parte geral e na parte especial

Havendo concurso entre causas de diminuição previstas na parte geral e na parte especial, aplicam-
se as duas.

OBSERVAÇÃO!
A jurisprudência atesta a aplicação das limitações do art. 68, parágrafo único, do CP referentes à
causa de aumento de diminuição e de pena à legislação penal extravagante.

c) Concurso entre causas de aumento e de diminuição

No caso de concurso entre causas de aumento e de diminuição, deverão ser aplicadas as duas,
formando um concurso heterogêneo.

Assim, haverá a aplicação das duas causas com base no princípio da incidência cumulativa.

Ao chegar na pena definitiva, o juiz vai desconsiderar as frações de dias.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

1.3. Regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade

O juiz, ao prolatar a sentença condenatória, deverá fixar o regime no qual o condenado iniciará o
cumprimento da pena privativa de liberdade. A isso se dá o nome de “fixação do regime inicial”. Os critérios
para essa fixação estão previstos no art. 33 do Código Penal.

O magistrado, ao fixar o regime inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade, deve observar
quatro fatores:

• o tipo de pena aplicada: se reclusão ou detenção;


• o quantum da pena definitiva;
• se o condenado é reincidente ou não;
• as circunstâncias judiciais (art. 59, do CP).

São regimes iniciais de cumprimento da pena:

• regime fechado;
• regime semiaberto;
• regime aberto.

1.3.1. Regime fechado

A pena deve ser cumprida em penitenciária, devendo o condenado ser alojado em uma cela
individual, com tamanho mínimo de 6m², com sanitário, salubre, aerada, com dormitório, aparelho sanitário
e lavatório (arts. 87 e 88 da LEP).

O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena em regime fechado, a exame


criminológico.

Este exame é importante para individualização da pena, passando a considerar as características


daquele sujeito. Trata-se da aplicação desse princípio constitucional na fase de execução.

O preso fica sujeito a trabalho durante o dia e a isolamento durante o repouso noturno. O trabalho
dentro do estabelecimento prisional é um direito e um dever ao mesmo tempo. Trata-se de um direito, pois
a cada 3 dias de trabalho 1 dia de pena é abatido, denominado remição da pena.

O período de atividade laboral do apenado que exceder o limite máximo da jornada de trabalho (8
horas) deve ser contado para fins de remição, computando-se 1 dia de trabalho a cada 6 horas extras
realizadas.

O trabalho em regime fechado, em regra, ocorre dentro do estabelecimento prisional. Todavia, o


trabalho externo é admissível, no regime fechado, em serviços ou obras públicas, desde que haja
autorização do juízo da execução ou do diretor do estabelecimento23.

O condenado, para ter direito a trabalho externo, além de autorização da direção do


estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, e do cumprimento mínimo de 1/6
da pena. Este trabalho externo é quase inócuo nesta fase, pois, geralmente, o sujeito progride com o
cumprimento de 1/6 da pena, de modo que não haveria como trabalhar externamente no regime fechado

23VideDECRETO 9.450 de 24 de JULHO DE 2018: Institui a Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional, voltada à
ampliação e qualificação da oferta de vagas de trabalho, ao empreendedorismo e à formação profissional das pessoas presas e
egressas do sistema prisional.

191
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

nesses casos, salvo se cometeu crime hediondo, eis que, em tais delitos, exige-se uma fração maior para
progressão.

Obs.: o preso não está submetido às regras da CLT, mas deverá ser remunerado. Apesar disso, tem
a garantia da previdência social, nos termos do art. 39, do CP.

Art. 39. O trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhe garantidos os benefícios
da Previdência Social.

Admite-se a remição pelo estudo. A jurisprudência admite a remição inclusive pela leitura. A
Súmula 341 do STJ assevera que a frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo
de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto.

Essa é a previsão da súmula. No entanto, em 2010, a Lei n.º 12.245/2010 alterou a redação do art.
83 da LEP, a fim de autorizar a instalação de salas de aulas nos presídios.

A Lei n.º 12.433/2011 é expressa ao definir que é possível a remição inclusive nos três regimes
(fechado, aberto e semiaberto) e no livramento condicional se o sujeito está estudando. Cada 12 horas de
frequência no curso, distribuídas em pelo menos 3 dias, dão direito à remição de 1 dia de pena.

O tempo remido em função das horas de estudo será acrescido de 1/3, caso o condenado consiga
concluir o ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena.

A remição pelo estudo pressupõe a frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional,
independentemente da sua conclusão ou do aproveitamento satisfatório.

É, ainda, possível que seja cumulado o estudo com o trabalho. O curso pode se dar de forma
presencial ou à distância, desde que haja certificado.

Segundo o STJ, não há remição da pena na hipótese em que o condenado deixa de trabalhar ou
estudar em virtude da omissão do Estado em fornecer tais atividades.

É possível a remição da pena por meio da leitura.

A decisão que reconhece a remição da pena, em virtude de dias trabalhados, não faz coisa julgada
nem constitui direito adquirido.

Obs.: O ECA garante a convivência da criança ou do adolescente com o pai ou a mãe com a sua
liberdade privada. Este acesso se dá por meio de visitas, as quais não dependem de autorização judicial.

1.3.2. Regime semiaberto

A pena será cumprida, no regime semiaberto, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento


similar, podendo o apenado ser alojado em compartimento coletivo.

Lembre-se que no regime fechado o indivíduo fica em cela individual, enquanto no regime
semiaberto é possível alojamento coletivo. Isso porque é o início da preparação do indivíduo ao seu retorno
à vida em sociedade.

O trabalho é admissível dentro do presídio durante o período diurno. O trabalho externo também é
admissível, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau
ou superior. Este trabalho poderá ser em obras e serviços públicos, mas também para a iniciativa privada.

No caso da iniciativa privada, a jurisprudência exige prévia autorização judicial.

192
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

Admite-se a frequência a cursos fora do estabelecimento, podendo ser profissionalizantes, de


instrução de segundo grau ou superior, valendo como remição da pena.

STF: se a pena-base foi fixada no mínimo legal (circunstâncias judiciais favoráveis), o juiz deverá
estabelecer o regime inicial semiaberto para o condenado a pena superior a 4 e que não exceda a 8 anos,
desde que não reincidente. Aplica-se ao caso a Súmula 440 do STJ:

fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais


gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade
abstrata do delito.

1.3.3. Regime aberto

No caso do regime aberto, a ideia é que o sujeito comece a trabalhar, considerando a sua aptidão ao
retorno da vida social.

Cabe ressaltar que não há remição pelo trabalho no regime aberto, pois trabalhar é condição
necessária para que o apenado possa estar nesse regime.

O condenado vai sair do estabelecimento durante o dia, frequentando cursos ou exercer algum
trabalho. Durante a noite, o indivíduo volta para se recolher na casa de albergado.

Tanto no período noturno, como nos dias de folga, o indivíduo fica na casa de albergado. Essa casa é
um imóvel sem grades, não existindo obstáculos físicos à fuga.

Geralmente, não há casa de albergado ou não há vagas na casa de albergado existente. Nesses casos,
a lei permite que o sujeito cumpra pena em estabelecimento adequado, conforme as condições pessoais
do reeducando.

Também é possível que, na falta da casa de albergado, o sujeito cumpra pena em prisão domiciliar.

Nos termos da Súmula Vinculante 56:

a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em


regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados
no RE 641.320/RS.

Nos termos deste RE 641.320/RS:

• a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime


prisional mais gravoso;
• os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto
e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que
não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado
ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, § 1º, alíneas “b” e “c”, do CP). Havendo
déficit de vagas, deve se determinar:
o a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas;
o a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é
posto em prisão domiciliar por falta de vagas;
o o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao
regime aberto.

Segundo a súmula 493 do STJ,

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

é inadmissível a fixação de pena substitutiva (art. 44 do CP) como condição especial ao


regime aberto.

A prisão domiciliar é uma espécie do gênero de regime aberto.

A prisão domiciliar é cabível quando (art. 117, da LEP):

• não há estabelecimento adequado ou casa de albergado;


• o reeducando é maior de 70 anos;
• o reeducando é portador de doença grave;
• a reeducanda tem filho menor ou deficiente físico ou mental;
• a reeducanda é gestante.

1.4. Espécies de pena privativa de liberdade

1.4.1. Pena de reclusão

Basicamente, a pena de reclusão permite que ela seja cumprida em regime fechado, semiaberto ou
aberto.

Em relação a esta pena, o CP estabelece que:

• pena superior a 8 anos: o regime inicial será o fechado, independente se o sujeito for primário ou
reincidente;
• pena superior a 4 anos e não superior a 8 anos: o regime inicial poderá ser semiaberto, desde que
o sujeito seja primário;
• pena não superior a 4 anos de reclusão: o regime inicial poderá ser aberto, desde que o condenado
seja primário;
• sendo reincidente, se a pena for maior que 4 anos e até 8 anos, o regime inicial será fechado;
• sendo reincidente, se a pena for de até 4 anos, é possível a fixação de regime inicial fechado ou
semiaberto, com base na súmula 269 do STJ.
Súmula 269 do STJ: “é admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes
condenados a pena igual ou inferior a 4 anos, desde que favoráveis as circunstâncias
judiciais” (grifos nossos).

A opinião do julgador sobre a gravidade abstrata do crime não é motivação idônea para fixação de
regime de cumprimento mais gravoso do que o previsto em lei. O regime de cumprimento de pena mais
severo exige motivação idônea, que é a gravidade em concreto do delito. É o teor das súmulas 718 e 719 do
STF.

A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo
legal, conforme a Súmula 231 do STJ.

O art. 59, do CP, que trata das circunstâncias judiciais, é um critério que orienta a fixação de regime,
razão pela qual é possível fixar um regime mais gravoso do que o previsto em lei. Isto é, se a pena-base é
fixada acima do mínimo legal em virtude de as circunstâncias judiciais da primeira fase de dosimetria da
pena serem desfavoráveis, é possível que o juiz fixe regime inicial mais gravoso do que o abstratamente
previsto de acordo com a quantidade de pena aplicada (Inf. 775, STF).

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

1.4.2. Pena de detenção

Na pena de detenção, o regime inicial será semiaberto ou aberto. Não se admite regime inicial
fechado, ainda que o sujeito seja reincidente.

É possível a aplicação de regime fechado ao condenado a pena de detenção, desde que haja
regressão de regime, por descumprimento das regras da execução.

1.4.3. Pena de prisão simples

São penas cominadas às contravenções penais. A prisão simples pode ser em regime aberto ou
semiaberto, mas não se admite o regime fechado, ainda que se trate de regressão.

1.4.4. Regime especial para cumprimento de pena de prisão pela mulher

É necessário fazer uma leitura do art. 37 do CP combinado com o art. 5º da CF.

Segundo o dispositivo penal, as mulheres cumprem pena em estabelecimento próprio, observando-


se os deveres e direitos inerentes à sua condição pessoal, bem como, no que couber, o disposto neste
Capítulo (título V – das penas, capítulo I – das espécies de pena). O art. 5º, LXVIII, aduz que a pena será
cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com o sexo do apenado.

O inciso L do art. 5º dispõe que às presidiárias serão asseguradas condições para que possam
permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.

1.5. Fixação do regime inicial de cumprimento de pena e detração

Detração é o cômputo do tempo de prisão provisória cumprida antes do trânsito em julgado no


tempo definitivamente fixado na sentença.

Poderá ser computada não só a prisão provisória, como também a prisão administrativa e a
internação, no Brasil ou no estrangeiro.

A Lei n.º 12.736/2012 alterou o art. 387, § 2º, do CPP, que passou a ter a seguinte redação:

“o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no


estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa
de liberdade”.

O juiz sentenciante é quem fixa o regime inicial, devendo considerar o tempo da prisão provisória.

Só é capaz de permitir um regime prisional menos gravoso do que aquele que caberia de acordo com
a pena antes cômputo da detração, se:

• coincidir o requisito temporal para a progressão (cumprimento de 1/6);


• é necessário considerar outros requisitos subjetivos, como é o caso de crimes contra a administração
pública, que exigem a reparação do dano para a progressão de regime.

Exemplo: João, primário, foi condenado a 9 anos de reclusão. João tem o seu regime fechado fixado.
Todavia, ele já está preso há 1 ano e 1 mês. Quando é feita a detração, João terá de cumprir ainda 7 anos e
11 meses. Se pegarmos apenas 7 anos e 11 meses, o regime inicial cabível seria o semiaberto.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

PERGUNTA!
Com base nisso, seria possível, ao fixar o regime, descontar o período já cumprido provisoriamente
para fixar regime menos gravoso?

NÃO. Isso porque quem foi condenado a 9 anos, deverá cumprir 1/6 para progredir. Ou seja, o
indivíduo deverá cumprir ao menos 1 ano e 6 meses. Por não ter cumprido esse tempo de 1/6 da pena,
somente após esse prazo é que poderá progredir. Em função disso, o regime de João continuará sendo o
regime fechado.

Por outro lado, caso João tivesse cumprido 1 ano e 7 meses, por exemplo, o juiz deveria fixar a pena,
em vez de 9 anos, em 7 anos e 5 meses, hipótese em que o regime inicial será o semiaberto, desde que
presentes as condições necessárias para tanto.

1.6. Penas e medidas alternativas à prisão

1.6.1. Penas restritivas de direito

A pena alternativa é um direito público subjetivo do réu, isto é, se ele cumprir as exigências legais,
o magistrado é obrigado a promover a substituição da pena privativa. Por outro lado, o réu não pode abrir
mão de tal direito e optar pelo cumprimento da pena privativa de liberdade. Isso porque o magistrado
determina qual a melhor pena devida ao condenado, considerando as finalidades da pena, especialmente a
finalidade preventiva.

O objetivo é impedir que alguém que tenha sido condenado a uma pena privativa de liberdade seja
realmente a ela submetido quando a pena restritiva for mais eficaz e, evidentemente, menos gravosa.

a) Espécies de penas restritivas de direito

São espécies de penas restritivas de direito:

• prestação pecuniária;
• perda de bens e valores;
• limitação de fim de semana;
• prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;
• interdição temporária de direitos.

Obs.: Rol exemplificativo. A Lei de Crimes Ambientais, por exemplo, prevê outras modalidades.

Prestação pecuniária

Prestação pecuniária é a prestação em dinheiro para a vítima, seus dependentes ou entidade


pública.

É fixada pelo juiz, com valor mínimo de 1 salário-mínimo e máximo de 360 salários-mínimos.

Se em uma ação de reparação na esfera cível a vítima já tiver recebido algo a título de prestação
pecuniária, esta indenização será compensada. Caso os beneficiários não sejam coincidentes, não haverá
dedução.

O art. 45, § 2º, CP aduz que, se o beneficiário concordar, a prestação pecuniária poderia consistir
em prestação de outra natureza.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

Rogério Sanches faz uma crítica, no sentido de que tal possibilidade dá abertura, que fragiliza a
segurança jurídica e a legalidade, eis que a outra parte estaria dizendo qual seria a pena. Todavia,
entendemos descabida essa posição, pois há aí potencial de favorecer a justiça restaurativa.

Perda de bens e valores

A perda se dará em favor do Fundo Penitenciário Nacional, salvo se houver lei em sentido contrário.

Esta perda de bens e valores possui dois tetos, e prevalecerá a perda do que for maior, não o que
for menor:

• perda do montante do prejuízo causado;


• perda do proveito criminoso que experimentou.

Ou seja, ou um ou outro será o que o indivíduo irá perder, o que for maior.

Prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas

A prestação de serviços à comunidade só é possível para condenações superiores a 6 meses de pena


privativa de liberdade.

Consiste a prestação de serviços à comunidade na execução de atividades à comunidade ou a


entidades públicas. Exemplo: escola pública, hospital público, orfanato etc.

Esse serviço é prestado de maneira gratuita, não gerando vínculo empregatício.

O juiz deverá aplicar a pena de prestação de serviços de maneira a não prejudicar o trabalho do
condenado, visto que é uma forma de favorecer a plena ressocialização.

Para cada 1 dia de condenação a pena privativa de liberdade, haverá 1 hora para prestação de
serviços à comunidade.

Se a pena privativa de liberdade for superior a 1 ano, a lei permite que o reeducando cumpra a pena
substitutiva em até metade do tempo da pena privativa de liberdade, mas nunca inferior a metade.

Exemplo: João foi condenado a 2 anos a pena privativa de liberdade. Ele deverá cumprir a prestação
de serviços à comunidade em 2 anos, com uma hora por dia. Como a condenação é superior a 1 ano, poderá
ser reduzido pela metade. Ou seja, poderá trabalhar 2 horas por dia e cumprir a pena em 1 ano, mas não
menos do que isso.

É o juízo da execução que cuidará dessa questão.

Limitação de final de semana

É a obrigação do indivíduo que foi condenado de permanecer, aos sábados e domingos, durante 5
horas diárias, em casa de albergado ou estabelecimento adequado, em que serão ministrados cursos e
palestras, ou mesmo atividades educativas.

No caso de violência doméstica e familiar contra a mulher, poderá o juiz determinar o


comparecimento obrigatório do agressor ao programa de recuperação e educação, conforme art. 152,
parágrafo único, da LEP.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

b) Hipóteses de interdição temporária de direitos

• proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo;
• proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de
licença ou autorização do poder público;
• suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo;
• proibição de frequentar determinados lugares;
• proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos.

As duas primeiras são específicas e só se aplicam aos sujeitos que praticaram crimes no exercício de
cargo, função ou atividade com violação aos deveres inerentes ao cargo, função ou atividade.

A primeira hipótese exige que o sujeito tenha se valido da condição do exercício de cargo, função ou
atividade pública, ou do mandato eletivo.

A segunda, deve também ter o sujeito ter se valido de sua profissão para a prática do crime.

A hipótese de suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo foi revogada


tacitamente pelo CTB.

A proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos vale para aquele sujeito que
pratica fraude em concurso público, durante um determinado espaço de tempo, eis que é vedada a pena de
caráter perpétuo.

c) Características das penas restritivas de direitos

O art. 44 do CP estabelece que as penas restritivas de direitos têm as seguintes características:

• autonomia: não se pode cumular penas privativas de liberdade com restritivas de direito;
• substitutividade: as penas restritivas substituem as penas privativas de liberdade quando presentes
os requisitos legais. Primeiro, fixa-se a pena privativa, depois, substitui-se.

As penas restritivas de direitos terão a mesma duração das penas privativas de liberdade, porém há
exceções:

• penas restritivas de caráter real: as penas restritivas de direito de caráter real, como perda de bens
e valores e a prestação pecuniárias, a partir do momento em que os bens são perdidos, ou em que
há o pagamento, há a extinção da pena, em razão do cumprimento da mesma;
• pena privativa superior a 1 ano: neste caso, é possível cumpri-la na metade do tempo;
• estatuto do torcedor: admite-se a pena de impedimento de comparecimento às proximidades do
estádio. Esta pena restritiva de direito poderá ser superior à pena abstratamente prevista no preceito
secundário do tipo penal.

d) Requisitos das penas restritivas de direitos

Segundo Rogério Sanches, é preciso separar a análise dos requisitos entre crimes dolosos e culposos:

• crimes dolosos: nesse caso, os requisitos são:


o a pena fixada não poderá ser superior a 4 anos (art. 44);
o crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa: na violência sobre a coisa, é
possível. A violência deve ser real;

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

o não ser o condenado reincidente em crime doloso: em verdade, a reincidência autoriza a


conversão, quando não for específica e a medida se mostrar socialmente recomendável.
Nesse requisito, o Informativo 706 assim dispõe:
Informativo 706 do STJ – Dizer o Direito:
PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS
A reincidência específica tratada no art. 44, § 3º, do Código Penal somente se aplica quando
forem idênticos, e não apenas de mesma espécie, os crimes praticados.
REGRA: o condenado que for reincidente em crime doloso, não fará jus à pena restritiva de
direitos (art. 44, II, do CP).
EXCEÇÃO: o juiz poderá conceder a pena restritiva de direitos ao condenado, mesmo ele
sendo reincidente, desde que cumpridos dois requisitos previstos no § 3º do art. 44:
a) a medida (substituição) deve se mostrar socialmente recomendável;
b) a reincidência não pode ocorrer em virtude da prática do mesmo crime (não pode ser
reincidente específico).
Art. 44 (...) § 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde
que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a
reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.
O que se entende por reincidente específico para os fins do § 3º do art. 44?
É o indivíduo que cometeu um novo crime doloso idêntico.
• se o condenado tiver praticado um novo crime doloso idêntico: não terá direito à
substituição. Ex: João foi condenado por furto simples. Depois, foi novamente condenado
por furto simples. Não terá direito à substituição porque a reincidência se operou em
virtude da prática do mesmo crime.
• se o condenado tiver praticado um novo crime doloso da mesma espécie (mas que não
seja idêntico): pode ter direito à substituição. Ex: Pedro foi condenado por furto simples
(art. 155, caput). Depois, foi novamente condenado, mas agora por furto qualificado (art.
155, § 4º). Em tese, o juiz poderia conceder a substituição porque o furto simples e o furto
qualificado são crimes da “mesma espécie”, mas não são o “mesmo crime”.
STJ. 3ª Seção. AREsp 1.716.664-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/08/2021 (Info
706)

• seja indicada suficiente a substituição da pena: princípio da suficiência da pena.


• crimes culposos: qualquer que seja a pena, é possível a substituição.

PERGUNTA!
E no caso de crimes preterdolosos? No caso de crimes preterdolosos, deverão ser considerados os
requisitos do crime doloso.

e) Penas restritivas de direitos X delitos de ameaça, lesão corporal leve e


constrangimento ilegal

Na verdade, percebe-se que os delitos de ameaça, lesão corporal leve e constrangimento ilegal são
caracterizados por violência contra a pessoa ou por grave ameaça. Ou seja, pela simples leitura do art. 44,
seria forçoso convir que não seria possível a aplicação das penas restritivas de direitos.

Contudo, a Lei n.º 9.099/1995 passou a considerar esses crimes como infrações de menor potencial
ofensivo, visto que a pena máxima não é superior a 2 anos, razão pela qual seria cabível a transação penal,
que é a aplicação imediata de multa ou de penas restritivas de direitos.

Diálogo das fontes entre a Lei de Juizados e o Código Penal: é possível concluir pela aplicação da
pena restritiva de direitos aos delitos de ameaça, lesão corporal leve e constrangimento ilegal, desde que
esses crimes não sejam cometidos com violência ou grave ameaça contra a mulher, no ambiente doméstico
e familiar. Isso porque esta aplicação das penas restritivas de direitos somente se faz necessária a partir do
momento em que há a aplicação da Lei n.º 9.099/1995. Todavia, a Lei Maria da Penha veda a utilização da

199
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

Lei n.º 9.099/1995, restando apenas a leitura do CP. Assim sendo, não caberia a substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos nesses casos.

f) Penas restritivas de direitos x delitos de roubo impróprio

O crime de roubo pode ser praticado mediante violência física ou grave ameaça, não cabendo a
substituição nesses casos, por óbvio.

A doutrina se debruça nos casos em que há o crime de roubo por meio de violência imprópria,
reduzindo a capacidade da vítima. A doutrina majoritária entende que no caso de violência imprópria é
possível a aplicação das penas restritivas de direitos.

Entendemos que não seja possível, mas esse entendimento é minoritário.

g) Penas restritivas de direitos x crimes militares

O Código Penal Militar não prevê penas restritivas de direito. Ademais, o STF entendeu que, em se
tratando de crimes militares, seria impossível a aplicação de penas restritivas de direitos, devido a uma
omissão voluntária do legislador.

h) Penas restritivas de direitos x regras da substituição

Se a pena privativa de liberdade não for superior a 1 ano, deverá o juiz substituir a pena por uma
restritiva de direitos ou por multa.

Se a pena privativa de liberdade for superior a 1 ano, deverá o juiz substituí-la por multa e por pena
restritiva de direitos ou por duas restritivas de direito.

i) Penas restritivas de direitos x conversão

Deverá ser feito pelo caminho inverso. Substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos, se o sujeito não a cumpre, deverá o juiz converter a pena restritiva de direitos em privativa de
liberdade.

Esta medida é possível em razão da previsão legal que prevê que em determinadas hipóteses a pena
restritiva de direitos vai ser convertida em pena privativa de liberdade. O legislador visa dotar a pena
restritiva de direitos de coercitividade.

São hipóteses de conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade:

• descumprimento injustificado da restrição: sendo justificável, não há conversão;


• sobrevindo condenação à pena privativa de liberdade por um outro crime: nesse caso, o juiz da
execução vai valorar se é necessária a conversão ou se é possível o condenado cumprir a pena privativa e a
pena restritiva de liberdade. Exemplo: indivíduo é condenado a pena privativa de liberdade no regime
semiaberto, hipótese em que irá trabalhar durante o dia e voltará para dormir durante a noite em casa de
albergado. Nesse caso, poderá também o indivíduo ir trabalhar e depois cumprir a pena restritiva de
liberdade no hospital. Todavia, se não for possível o cumprimento da pena privativa de liberdade com a
restritiva de direitos, então esta última será convertida em pena privativa de liberdade;
• prática de falta grave.

200
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

Em havendo conversão, é preciso que o juiz leve em conta o período cumprido pela pena restritiva
de direitos, respeitado o limite mínimo de 30 dias de detenção ou de reclusão.

Informativo 631-STJ (14/09/2018) – Dizer o Direito


Em caso de descumprimento injustificado da pena restritiva de direitos (ex: prestação
pecuniária), o CP prevê, como consequência, a reconversão da pena restritiva de direitos
em privativa de liberdade. Logo, o juiz não deve decretar o arresto dos bens do condenado
como forma de cumprimento forçado da pena substitutiva. A possibilidade de reconversão
da pena já é a medida que, por força normativa, atribui coercividade à pena restritiva de
direitos.
Ex: João foi condenado a pena de 3 anos de reclusão, tendo o juiz substituída a pena
privativa de liberdade por duas restritivas de direitos. Uma delas foi o pagamento de
prestação pecuniária no valor total de R$ 100 mil, parceladamente em 36 prestações
mensais. O Ministério Público afirmou que o prazo para cumprimento da prestação
pecuniária é muito longo e que haveria o risco de o condenado não pagar. Diante disso,
pediu ao juiz que decretasse o arresto dos bens do sentenciado. Este requerimento deverá
ser indeferido.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.699.665-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em
07/08/2018 (Info 631).

Pena de multa

A pena de multa consiste na obrigação de pagar, nos termos do art. 51, do CP. O sujeito é condenado
a pagar ao Fundo Penitenciário um valor em dinheiro.

I. Aplicação da pena de multa

Esta multa deverá observar dois momentos, adotando-se o sistema de dias-multa:

• características e circunstâncias do crime;


• capacidade econômica e características do sentenciado.

Quando o juiz fixa o número de dias-multa, verifica as características do crime. Ou seja, a fixação de
dias-multa será de 10 a 360 dias, com base nas circunstâncias do crime. Para se alcançar esse número, o
magistrado deverá passar pelo critério trifásico.

Fixado o número de dias-multa, o juiz deverá analisar a capacidade econômica do condenado, a fim
de definir o valor de cada dia-multa, devendo variar entre 1/30 do maior salário-mínimo vigente à época
dos fatos e 5 vezes o salário-mínimo vigente à época dos fatos.

Supondo que o sujeito foi condenado a 10 dias-multa e a 1/30 do valor de dias-multa, e supondo que
o salário-mínimo seja de 900 reais, sendo que 1/30 seria 30 reais. Como o indivíduo foi condenado a 10 dias-
multa, deverá pagar 300 reais.

Essa multa é irrisória. Por conta disso, a doutrina predominante afirma que mesmo a multa irrisória
deverá ser cobrada obrigatoriamente em juízo, caso não haja o pagamento espontâneo. Ou seja, pouco
importa o seu valor, pois multa, apesar de ser considerada dívida de valor, não deixa de ser pena. E como
pena, é inevitável, com base no princípio da inderrogabilidade da pena.

II. Pagamento da pena de multa

O pagamento da pena de multa está disciplinado no código penal de uma forma e na Lei de Execução
Penal (LEP) de outra forma.

201
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

De acordo com o CP, a multa deve ser paga dentro de 10 dias depois de transitada em julgado a
sentença. A requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o pagamento
se realize em parcelas mensais.

Já a LEP estabelece que a multa deverá ser paga no prazo de 10 dias, contados da citação do
condenado, precedida da extração da certidão de sentença condenatória e havendo requerimento do MP.
Ou seja, o MP faz um requerimento com a certidão de sentença, e então o condenado é citado para pagar a
multa em 10 dias.

A LEP é mais favorável, razão pela qual deverá prevalecer.

O pagamento da pena de multa poderá ser integral, parcelado ou por meio de desconto do salário
do condenado, desde que não viole à dignidade da pessoa humana e sua capacidade de subsistência.

III. Não pagamento da pena de multa

Não havendo o pagamento da pena de multa, a jurisprudência já entendeu que não é possível a
conversão em pena privativa de liberdade.

A multa não paga é dívida de valor, aplicando-se a ela as regras da execução fiscal, inclusive as regras
interruptivas e suspensivas da prescrição.

Súmula 521 do STJ: a legitimidade para execução fiscal pendente de pagamento imposta
em sentença condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública (súmula
superada).

ATENÇÃO!
Para o STJ, o MP, apesar de não poder executar a pena de multa, é legitimado para promover medida
assecuratória da multa imposta na sentença penal, eis que esta não deixa de ser pena. Esse é um
posicionamento ultrapassado.

ATUALIZAÇÃO!
Em julgamento realizado em 13 de dezembro de 2018, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que,
em virtude da natureza de sanção penal – não alterada pela Lei n.º 9.268/1996 –, a pena de multa deve ser
executada pelo Ministério Público na própria Vara de Execuções Penais.

O Tribunal apreciou conjuntamente uma questão de ordem na Ação Penal 470 e na ADI 3150. A Ação
Direta de Inconstitucionalidade havia sido ajuizada pelo Procurador-Geral da República para que o Tribunal
conferisse interpretação conforme ao art. 51 do Código Penal e estabelecesse a legitimidade do Ministério
Público e a competência da Vara de Execuções Penais para a execução da pena de multa. Já na questão de
ordem, contestava-se decisão do ministro Barroso, que havia estabelecido, com base no art. 164 da LEP, a
legitimidade do Ministério Público para executar multa imposta na AP 470, mas a União sustentava que a Lei
n.º 9.268/1996 havia revogado tacitamente o disposto na Lei de Execução Penal, razão porque caberia à
Procuradoria da Fazenda Nacional executar a sanção imposta naquela condenação.

Segundo o ministro Barroso —que foi acompanhado pela maioria —, a alteração promovida pela Lei
N.º 9.268/1996 não alterou a natureza da pena de multa, que continuou a ser uma espécie de sanção penal,
tanto que o STF impôs, na própria AP 470, o pagamento da multa como condição para a progressão de
regime. O art. 164 da LEP, portanto, continua em vigor e é claro ao estabelecer a legitimidade do Ministério
Público, a quem cabe a fiscalização da execução penal.

202
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

O STJ, em adequação ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (ADI n. 3.150/DF), decidiu que
o inadimplemento da pena de multa obsta a declaração de extinção da punibilidade do apenado, nos
seguintes termos:

"A multa, ao lado da privação de liberdade e de outras restrições (perda de bens, prestação social alternativa
e suspensão ou interdição de direitos), é espécie de pena aplicável em retribuição e em prevenção à prática de crimes,
não perdendo sua natureza de sanção penal" (AgRg no REsp 1.850.903-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta
Turma).

A multa é pena, razão pela qual não poderá passar da pessoa do condenado.

Obs.1: Há uma exceção ao Juizado Especial Criminal: a pena de multa deverá ser executada no
próprio JECRIM, eis que este tem competência, segundo a lei, para executar os seus próprios julgados.

Obs.2: Apesar das causas de suspensão e interrupção serem reguladas pelas normas que tratam da
fazenda pública, o prazo de prescrição da pena de multa continua sendo de 2 anos, caso seja isolada, ou da
pena privativa de liberdade, caso seja cumulada com a pena.

IV. Pena de multa e progressão de regime

A progressão de regime deve observar o disposto no art. 112 da LEP.

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a
transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver
cumprido ao menos:
I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido
cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem
violência à pessoa ou grave ameaça;
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido
cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com
violência à pessoa ou grave ameaça;
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime
hediondo ou equiparado, se for primário;
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for
primário, vedado o livramento condicional;
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa
estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou;
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime
hediondo ou equiparado;
VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou
equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

Perceba que o supracitado artigo não condiciona a progressão de regime ao pagamento de multa.

Apesar disso, o STF entendeu que esse pagamento poderá ser exigido. Para o STF, o juiz está
autorizado a lançar mão de outros requisitos, não necessariamente enunciados no art. 112 da LEP, mas
extraídos do ordenamento jurídico, para avaliar a possibilidade de progressão no regime prisional, tendo
como objetivo, sobretudo, o exame do merecimento do sentenciado.

Dessa forma, o STF entendeu que, em regra, o inadimplemento deliberado da pena de multa
cumulativamente aplicada ao sentenciado impede a progressão no regime prisional. A exceção reside no

203
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

fato de que poderá haver progressão quando o sentenciado, mesmo sem ter pagado, comprovar a absoluta
impossibilidade econômica em quitar a multa, ainda que parceladamente.

Por tudo isso, o STF fixou a tese de que se o juiz autorizar o pagamento da pena de multa
parceladamente, caso o apenado deixe de pagar injustificadamente tais parcelas, haverá a regressão de
regime. O inadimplemento injustificado das parcelas da pena de multa autoriza a regressão no regime
prisional.

O STJ já decidiu que a data-base para subsequente progressão de regime é aquela em que o
reeducando preencheu os requisitos do art. 112 da LEP e não aquela em que o Juízo das Execuções deferiu
o benefício. A decisão do Juízo das Execuções que defere a progressão de regime é declaratória (e não
constitutiva).

Algumas vezes, o reeducando preenche os requisitos em uma data, mas a decisão acaba demorando
meses para ser proferida. Não se pode desconsiderar, em prejuízo do reeducando, o período em que
permaneceu cumprindo pena enquanto o Judiciário analisava seu requerimento de progressão (Inf. 595).

V. Pena de multa e substituição da pena privativa por outra pena de multa

PERGUNTA!
Presentes os requisitos legais, o magistrado pode substituir a pena de prisão por outra multa,
cumulando esta multa substitutiva com a principal? Por exemplo, em crime de furto é aplicada uma pena
de 1 a 4 anos e multa. Supondo que o juiz fixe em 1 ano e 10 dias-multa. Esta pena de 1 ano poderia também
ser convertida em multa substitutiva e outra multa principal?

Segundo o STJ, por meio da súmula 171, cominadas cumulativamente, em lei especial, penas
privativas de liberdade e pecuniária, é defeso a substituição da prisão por multa.

O STJ afirma que se estiver em lei especial, prevendo pena privativa de liberdade e multa, não será
possível substituir a pena privativa de liberdade por multa.

A partir dessa leitura, é possível concluir que se houver a previsão de pena privativa de liberdade
no Código Penal, seria possível a substituição da pena privativa de liberdade por uma multa, mantendo a
condenação principal da outra multa.

VI. Pena de multa e Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha veda a pena de cesta básica, ou outras de caráter pecuniário, bem como a
substituição de pena que implique pagamento isolado de multa.

Ou seja, poderá haver a substituição de pena, como por exemplo a prestação de serviços à
comunidade, mas não poderá haver penas de cestas básicas ou de caráter pecuniário, além de não poder
haver o pagamento isolado de multa. Em outras palavras, havendo a aplicação de multa cumulada com
outras penas, será possível se falar em multa.

Outra exceção ocorre quando o tipo penal prevê como única pena a pena de multa.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

1.7. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA

1.7.1. Conceito

A suspensão condicional da pena é um instituto de política criminal. A ideia é suspender a execução


da pena privativa de liberdade. O condenado tem suspensa a execução da pena, ficando submetido a
determinadas condições, a fim de conferir a ele a liberdade, sendo denominado este período de período de
prova.

O magistrado é obrigado a suspender a pena se estiverem presentes os requisitos. Trata-se de um


direito público subjetivo.

1.7.2. Sistemas do sursis

Existem três sistemas:

Sistema anglo-americano (probation system): o réu fica submetido ao período de prova, após o
reconhecimento de sua responsabilidade penal, mas sem que tenha sido imposta a ele determinada pena.
Descumprindo as condições, o julgamento é retomado, a fim de estabelecer a pena privativa de liberdade.
Não é contemplado no ordenamento jurídico brasileiro.

Sistema do probation of first offender act: é o adotado no âmbito dos juizados especiais criminais,
quando a pena fixada não ultrapassa um ano. Estabelece que haverá a suspensão da ação penal, inclusive
antes de se reconhecer a responsabilidade penal do réu. Há a imposição de determinadas condições, as
quais, não sendo cumpridas, gerará a retomada do processo. É adotado para a suspensão condicional do
processo. A suspensão é condicional, eis que o sujeito fica submetido a determinadas condições. Não
cumprindo as condições, é possível a retomada do processo (e não do julgamento), no qual já foi oferecida a
denúncia e recebida pelo magistrado anteriormente.

Sistema franco-belga: é o sistema adotado no Código Penal. O sujeito é condenado e é imposta a


ele uma pena privativa de liberdade, sendo que, em momento posterior, haverá a suspensão da pena, fixando
o juiz certas condições, às quais o condenado deve se submeter. Caso não as observe, poderá cumprir pena
privativa de liberdade.

Portanto, o ordenamento brasileiro adota o sistema franco-belga, para a suspensão condicional da


pena, e o sistema do probation of first offender act, para a suspensão condicional do processo.

a) Espécies, requisitos e condições

O sursis tem basicamente 4 espécies:

• sursis simples;
• sursis especial;
• sursis etário;
• sursis humanitário.

I. Sursis simples e sursis especial

→ Sursis simples

205
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

O sursis simples está previsto no art. 77, combinado com o art. 78, § 1º, do CP, e exige que a pena
privativa de liberdade não seja superior a 2 anos. Havendo concurso de crimes, haverá a soma deles. Neste
caso, é suspensa a pena, ficando o sujeito submetido ao período de prova que varia de 2 a 4 anos, caso
condenado por crime, ou de 1 a 3 anos, caso condenado por contravenção.

O Supremo Tribunal Federal entende que o período de prova do sursis não tem natureza de pena e,
com isso, não pode ser considerado para fins de indulto, que exige como condição o cumprimento de
determinada fração da pena.

No sursis simples, no 1º ano do prazo, o condenado tem de prestar serviços à comunidade ou terá
limitados seus fins de semana. Aplica-se quando o condenado não reparou o dano injustificadamente ou
quando as circunstâncias do art. 59 não são favoráveis.

Para a aplicação do sursis simples, devem estar presentes os seguintes requisitos:

• condenado não reincidente em crime doloso: se a pena de multa foi a única aplicada em condenação
por crime doloso anterior, não haverá óbice à concessão da suspensão condicional da pena, conforme art.
77, § 1º, do CP;
• circunstâncias judiciais favoráveis (art. 59, CP);
• não indicada ou cabível pena restritiva de direitos (art. 44, CP).

ATENÇÃO!
O sursis possui caráter subsidiário.

→ Sursis especial
O sursis especial somente se diferencia do sursis simples em razão do condenado ter reparado o
dano ou ter comprovado a impossibilidade de fazê-lo.

A pena privativa de liberdade fixada não poderá ser superior a 2 anos, considerando o concurso de
crimes. O período de provas também variará entre 2 e 4 anos.

Frise-se que, diferentemente do sursis simples, o sursis especial exige a reparação do dano ou
comprovada impossibilidade de fazê-lo.

Diante disso, o condenado ficará sujeito às seguintes condições no 1º ano do período de prova:

• proibição de frequentar determinados lugares;


• proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização judicial;
• comparecimento pessoal e obrigatório ao juízo, mensalmente, para informar e justificar suas
atividades.

Essas medidas podem ser fixadas cumulativamente. Veja que são condições menos rigorosas que as
do sursis simples, pois o agente reparou o dano. Ou seja, no sursis especial, o condenado não precisa prestar
serviços à comunidade e não se submete à limitação de fim de semana no 1º ano do período de prova.

Como dito, aplica-se aos casos em que o condenado reparou o dano, salvo justificativa, e desde que
as circunstâncias do art. 59 do CP sejam favoráveis.

Os requisitos do sursis especial são os mesmos do sursis simples:

• condenado não reincidente em crime doloso;


• circunstâncias judiciais favoráveis;
• não indicada ou cabível pena restritiva de direitos.

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

II. Sursis etário e sursis humanitário

→ Sursis etário
O sursis etário é conferido às pessoas maiores de 70 anos, idade essa diferente do Estatuto do Idoso,
razão pela qual nem todo idoso será beneficiário.

Nesse caso, exige-se que a pena não seja superior a 4 anos, ficando o período de prova entre 4 e 6
anos.

Para a aplicação do sursis etário, devem estar presentes os seguintes requisitos:

• condenado não reincidente em crime doloso;


• circunstâncias judiciais favoráveis;
• não indicada ou cabível pena restritiva de direitos.

As condições do sursis etário variam de acordo com o fato de haver ou não o condenado reparado
o dano. Podem ser, portanto, as condições:

• caso tenha reparado o dano: fica sujeito às condições do sursis especial.


• caso não tenha reparado o dano: fica sujeito às condições do sursis simples.

→ Sursis humanitário

O sursis humanitário é conferido às pessoas que razões de saúde justifiquem a suspensão. Nesse
caso, exige-se que a pena não seja superior a 4 anos, ficando o período de prova entre 4 e 6 anos. Exemplo:
tratamento incompatível com o regime prisional.

Para a aplicação do sursis humanitário, devem estar presentes os seguintes requisitos:

• condenado não reincidente em crime doloso;


• circunstâncias judiciais favoráveis;
• não indicada ou cabível pena restritiva de direitos.

As condições do sursis humanitário variam de acordo com o fato de haver ou não o condenado
reparado o dano. Podem ser, portanto, as condições:

• caso tenha reparado o dano: fica sujeito às condições do sursis especial;


• caso não tenha reparado o dano: fica sujeito às condições do sursis simples.

III. Sursis nas Lei de Crimes Ambientais

A Lei de Crimes Ambientais (Lei n.º 9.605/1998) cria uma outra hipótese de suspensão condicional
da pena. Neste caso, é possível o sursis quando a condenação não for superior a 3 anos.

a) Revogação do sursis

Se o sujeito descumprir as condições, o sursis poderá ou será revogado.

Segundo o STJ, mesmo após o fim do período de prova é possível a revogação do sursis, por fato
(apto a causar a revogação) que tenha ocorrido durante o período de prova.

Existem hipótese de revogação obrigatória e revogação facultativa.

b) Hipóteses de revogação obrigatória

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

São hipóteses de revogação obrigatória:

Condenação irrecorrível por crime doloso: o STF entende que essa causa é automática de revogação,
ou seja, dispensa oitiva do beneficiário. Pouco importa ter sido o crime doloso cometido antes ou depois do
início do período de prova.

Frustrar a execução da pena de multa, ou imotivadamente deixa de reparar o dano: em relação à


frustração da pena de multa, houve a revogação tácita do art. 81, II, pela Lei n.º 9.268/1996, visto que passou
a ser vedada a conversão da multa em pena privativa de liberdade. A reparação do dano é uma condição
legal de todo e qualquer sursis. É condição direta do sursis especial e indireta das demais modalidades. De
um modo ou de outro, o agente terá de reparar o dano. Reparado o dano antes da condenação definitiva,
será cabível o sursis especial. Caso, injustificadamente, não repare o dano depois, o benefício será
revogado. Exige prévia oitiva.

Descumprir injustificadamente as condições do art. 78, § 1º, do CP: caso o beneficiário descumpra
injustificadamente tais condições (prestação de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana), o
sursis será revogado. Esta modalidade de revogação exige a prévia oitiva do beneficiário pelo juiz. Repare,
portanto, que somente a revogação prevista no art. 88, inciso I, do CP é automática.

c) Revogação facultativa
São hipóteses que o juiz pode ou não revogar o sursis:

Descumprimento de qualquer outra condição: o condenado descumpre as medidas do sursis


especial, como a proibição de frequentar determinados lugares, de ausentar-se da comarca onde reside sem
autorização do juiz, ou o comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e
justificar suas atividades, ou até mesmo outras condições impostas pelo juiz.

Condenação definitiva do beneficiário por crime culposo ou contravenção penal a pena privativa
de liberdade ou restritiva de direitos: há sentenças transitadas em julgado, por crime culposo ou
contravenção penal, que condenam à pena que não seja a de multa. Ou seja, não caberá a revogação do
sursis se a condenação for a pena de multa.

No caso de revogação facultativa, o juiz também poderá optar:

• pela revogação;
• por nova advertência;
• por prorrogar o período de prova até o máximo; ou
• por exacerbar as condições impostas: neste caso, fixa outras condições.

d) Cassação do sursis
Rogério Sanches afirma que é importante que se saiba distinguir revogação do sursis da cassação do
sursis.

A revogação ocorre em momento posterior do usufruir do benefício pelo condenado, isto é, depois
da audiência de advertência, podendo ser obrigatória ou facultativa. As hipóteses de revogação já foram
estudadas, e constam do art. 81 do CP.

Já na cassação ocorre uma causa anterior ao início do cumprimento do sursis que impede a fruição
do benefício. As hipóteses de cassação do sursis são três:

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RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

• Não comparecimento injustificado na audiência admonitória: antes da audiência admonitória, não


há sursis. Portanto, se o sujeito não comparece à audiência, aquele sursis concedido na sentença é cassado,
pois o condenado não chegou sequer a começar a cumprir a pena.
• Provimento de recurso da acusação contra a concessão do benefício;
• Condenado recusa as condições.

A cassação ocorre após a concessão do sursis na sentença condenatória, mas antes do início de sua
fruição.

e) Prorrogação do sursis

Na prorrogação do sursis haverá a extensão do período de prova.

A prorrogação do período de prova poderá ser aplicada:

• em casos de revogação facultativa;


• quando o sujeito está sendo processado por outro crime ou contravenção.

Neste último caso, trata-se de prorrogação automática até o julgamento definitivo pelo crime que
está sendo processado. Isto é, a simples existência de inquérito policial não acarreta a prorrogação, sendo
indispensável o recebimento de denúncia ou queixa pelo outro crime ou pela contravenção; é necessário a
existência de processo.

Durante a prorrogação, não subsistem as condições impostas originariamente. O beneficiário não


ficará, por exemplo, durante todo o prazo de prorrogação, tendo de prestar serviços à comunidade ou tendo
de comparecer em juízo.

f) Extinção do sursis

A extinção é o término do sursis pelo esgotamento do prazo. Neste caso, a pena privativa de
liberdade está extinta.

g) Sursis sucessivos

Consiste em o réu obter um sursis após o cumprimento de outro sursis.

Ocorre quando o agente, depois de cumprir o sursis (ou durante o período de prova) recebe novo
sursis. É preciso que se trate de crime culposo ou contravenção penal, já que o art. 77, I, do CP exige que o
condenado não seja reincidente em crime doloso. Em função disso, como não é reincidente em crime
doloso, pode ser beneficiado novamente com o sursis sucessivo.

h) Sursis simultâneos

É possível, também, a existência de sursis simultâneos, dados ao mesmo tempo.

Ocorre quando, durante o período de prova, o sujeito é condenado irrecorrivelmente por penas
que autorizam a concessão do sursis. Exemplo: sujeito é condenado por um crime com pena não superior a
2 anos; neste caso, poderá ser agraciado com o sursis. Se o segundo crime é culposo ou se é uma
contravenção penal, haverá hipótese de revogação facultativa (não há que se falar em revogação
automática, eis que necessário que o segundo crime cometido, e agora em condenação definitiva, também
seja doloso).

209
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

Em síntese, admitem-se sursis simultâneos, desde que, depois de aplicado o primeiro sursis, o
segundo seja aplicado antes da realização da audiência admonitória do primeiro.

Exemplo: João é condenado por furto. O juiz aplicou o sursis. Durante o cumprimento desse, João é
condenado por homicídio culposo. Não haverá a revogação automática do sursis, eis que crime culposo é
hipótese de revogação facultativa, podendo, neste período, cumprir os dois sursis simultaneamente.

i) Sursis para estrangeiro

Não há vedação legal de sursis para estrangeiro, prevalecendo o entendimento de que é possível a
aplicação.

1.8. Livramento condicional

1.8.1. Conceito

Livramento condicional significa colocar alguém em liberdade sob determinadas condições.

Formalmente, é uma medida penal que antecipa a liberdade de quem está condenado, desde que
ele se submeta a determinada limitações, funcionando como um instrumento de ressocialização.

Cumprido um determinado período de pena, há um direito subjetivo de ser colocado em liberdade,


desde que cumpridas determinadas condições.

Portanto, o livramento condicional é direito subjetivo do apenado.

1.8.2. Requisitos

a) Requisitos objetivos

Para se falar em livramento condicional é necessário que haja o preenchimento dos seguintes
requisitos objetivos: Pena privativa de liberdade fixada na sentença igual ou superior a 2 anos; e
cumprimento de parcela da pena, operando da seguinte forma:

• Regra: mais de 1/3 da pena, se não for reincidente e portador de bons antecedentes;
• Reincidente: mais de 1/2 de pena;
• Condenado por crime hediondo, tortura, tráfico de drogas, tráfico de pessoas e terrorismo: mais
de 2/3 da pena, desde que não seja reincidente em delitos dessa natureza, pois, nesse caso, não será
admitido o livramento condicional.
• Reparação do dano causado, salvo se for impossível fazer.

b) Requisitos subjetivos

Já os requisitos subjetivos para concessão do livramento condicional são:

• bom comportamento durante a execução da pena: o livramento significa o retorno do indivíduo à


vida em sociedade, sendo o bom comportamento um indicativo;
• não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses (inovação da Lei n.º 13.964/2019):
requisito introduzido pela Pacote Anticrime (Lei 13.964/19) e é irretroativo, tendo em vista que limita a
obtenção do benefício que reflete diretamente no cumprimento da pena. A LEP, em seu artigo 50, traz um
rol taxativo das hipóteses de falta grave;

210
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

• bom desempenho no trabalho;


• aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto: não se exige que o
reeducando tenha um emprego assegurado. Este requisito é um grande obstáculo para os estrangeiros em
situação irregular, pois, neste caso, serão expulsos do país. Sendo assim, o indivíduo não terá aptidão para
prover a subsistência, ficando vedado o livramento condicional;
• para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, é
imprescindível que se constate que as condições pessoais fazem presumir que quando ele estiver livre não
voltará a delinquir. A forma mais comum é pelo exame criminológico. Não é obrigatório, mas não é vedado,
podendo ser determinado pelo magistrado fundamentadamente. Este é o teor da súmula 439 do STJ.
Súmula 439: Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em
decisão motivada.

ATENÇÃO!
Súmula 441 do STJ: “A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento condicional.”

Súmula 534 do STJ: “A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a progressão de
regime de cumprimento de pena, o qual se reinicia a partir do cometimento dessa infração.”

Súmula 535 do STJ: “A prática de falta grave não interrompe o prazo para fim de comutação de pena
ou indulto.”

Segundo o STJ, a não observância do perímetro estabelecido para monitoramento de tornozeleira


eletrônica configura mero descumprimento de condição obrigatória que autoriza a aplicação de sanção
disciplinar, mas não configura, mesmo em tese, a prática de falta grave (Inf. 595, STJ).

Obs.: não confundir a falta grave de quando o apenado rompe a tornozeleira eletrônica ou mantém
a bateria sem carga suficiente com a situação do apenado que descumpre o perímetro estabelecido para
tornozeleira eletrônica, comportamento que não configura a prática de falta grave.

1.8.3. Condições para o livramento condicional

O juiz especificará as condições a que fica subordinado o condenado:

Condições obrigatórias

• deverá ocupar e exercer uma atividade lícita dentro de um prazo razoável: o prazo razoável
depende do momento pelo qual passa o país;
• não mudar do território da comarca sem autorização judicial: ou seja, pode mudar, mas mediante
autorização;
• comunicar periodicamente ao juiz a sua ocupação: esse comunicado não é necessariamente mensal,
sendo o período fixado pelo magistrado.

Condições facultativas (serão elencadas de acordo com o caso concreto)

• não mudar de residência sem comunicação ao juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar
e de proteção: veja, esta condição só existirá se o juiz fixá-la (art. 132, § 2º, LEP).
• recolher-se à habitação em hora fixada;
• não frequentar determinados lugares;
• outras condições estabelecidas pelo juiz.

211
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

1.8.4. Concessão e execução do livramento condicional

É o juízo da execução que fixa o livramento condicional, tendo início a partir da audiência
admonitória. É realizada no estabelecimento onde está sendo cumprida a pena.

Concordando com as condições, é expedida uma carta de livramento, a qual possui duas finalidades:
cientificará o reeducando das condições a que se submeterá e funcionará como alvará de soltura. Caso o
reeducando não observe essas condições, é possível a revogação do livramento.

1.8.5. Revogação do livramento condicional

A revogação poderá ser:

• obrigatória;
• facultativa.

a) Revogação obrigatória

A revogação obrigatória ocorrerá se o liberado vier a ser condenado por sentença transitada em
julgado a uma pena privativa de liberdade por crime cometido durante o período de prova. As
consequências nesse caso são as seguintes:

• o tempo de livramento condicional não é considerado pena cumprida;


• não pode em relação a mesma pena obter um novo livramento condicional;
• o restante da pena a ele fixado não pode somar-se a nova pena para efeito de concessão para novo
livramento.
• Exemplo: o sujeito foi condenado a 6 anos de reclusão. Após o cumprimento de 4 anos, consegue o
livramento condicional. Com 1 ano de período de prova, vem a ser novamente condenado a pena privativa
de liberdade de 5 anos, em sentença irrecorrível, por crime cometido durante o período de prova. Da
primeira pena (6 anos), havia cumprido 4 anos de prisão. O tempo de 1 ano correspondente ao período de
prova não será computado, restando, assim, 2 anos de pena a ser cumprida (1ª condenação). Como a 2ª
condenação foi por crime cometido durante o período de prova, as penas não se somam para efeito de nova
concessão. Em relação ao restante da pena (1ª condenação) não caberá novo livramento condicional. No
tocante à 2ª pena, poderá haver a concessão do livramento.
• Se o liberado vem a ser condenado a pena privativa de liberdade, em sentença irrecorrível, por
crime anterior ao período de prova: neste caso, o tempo de livramento condicional cumprido é considerado
como período de pena cumprido, pois o sujeito não demonstrou que durante o período de prova não estaria
apto a viver em sociedade, visto que o fato foi anterior.

Consequências

• será possível um novo livramento condicional em relação à mesma pena;


• o tempo de livramento cumprido será considerado como período de pena cumprido;
• será permitida, para a concessão de novo livramento, a soma do tempo das duas penas.

b) Revogação facultativa

A revogação facultativa ocorrerá:

• se o liberado deixar de cumprir qualquer das obrigações constantes da sentença;

212
RODRIGO PARDAL DIREITO PENAL - PARTE GERA L• 16

• se o liberado for condenado por crime ou contravenção que não seja privativa de liberdade.

Diante dessa revogação facultativa, o juiz poderá:

• revogar o livramento condicional;


• alterar as condições a que fica submetido o condenado; ou
• aplicar advertência.

1.8.6. Prorrogação do livramento condicional

Nos termos do art. 89 do CP:

Art. 89. O juiz não pode declarar extinta a pena enquanto não transitar em julgado a
sentença em processo a que responde o liberado por crime cometido na vigência do
livramento.

Isso porque, se ele cometer um crime na vigência de um livramento condicional e for condenado
definitivamente à pena privativa de liberdade, haverá a revogação obrigatória e o tempo do livramento não
será considerado tempo de pena cumprido.

Se o indivíduo estiver sendo investigado em inquérito policial, não haverá a prorrogação do


livramento condicional. É necessário que ele esteja sendo processado.

Em síntese, ocorrerá a prorrogação do livramento condicional enquanto não transitar em julgado a


sentença em processo a que responde o liberado, por crime cometido na vigência do livramento.

ATENÇÃO!
Súmula 617 do STJ: “A ausência de suspensão ou revogação do livramento condicional antes do
término do período de prova enseja a extinção da punibilidade pelo integral cumprimento da pena”. Se o
juízo da execução é comunicado sobre a instauração de processo penal por crime cometido na vigência do
livramento condicional pelo condenado, mas não suspende o livramento condicional e o período de prova se
escoarem, mister se fará a declaração de extinção da pena.

Rogério Greco afirma que o indivíduo que for condenado a 1 ano e 11 meses tem interesse recursal
para pedir que sua pena seja majorada para 2 anos, a fim de ser beneficiário do livramento condicional, visto
que este exige a pena superior a 2 anos.

1.8.7. Extinção da pena

O juiz, de ofício, a requerimento do interessado, do MP, ou mediante representação do Conselho


Penitenciário, julgará extinta a pena privativa de liberdade, se expirar o prazo do livramento sem revogação.
Se até o término do período o livramento condicional não for revogado, considera-se extinta a pena
privativa de liberdade.

A sentença é declaratória de extinção da punibilidade.

Segundo o STF, findo o período de prova, sem suspensão ou interrupção, o paciente tem direito à
extinção da pena privativa de liberdade.

213
MICHELLE TONON DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL

DIREITO PENAL
PARTE ESPECIAL

214
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 1

DOS CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO


1
TRABALHO

215
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 1

O bem jurídico tutelado é a organização do trabalho, bem comum de todos. As condutas


previstas no CP envolvem violência ou fraude, que visam atrapalhar o desempenho do trabalho
no âmbito geral. Não é qualquer conduta atentatória à organização do trabalho que interessará
ao direito penal.
Segundo os Tribunais Superiores, não havendo lesão ao direito dos trabalhadores de forma coletiva,
com impacto social relevante, ou ofensa aos órgãos que lhes preservam, não há que se falar em
competência da Justiça Federal. Com efeito, a competência federal não alcança os delitos que
atingem somente direitos individuais, de determinado grupo de trabalhadores, e não a
categoria como um todo. A competência será da Justiça Estadual quando a conduta vulnerar
um trabalhador ou grupo de trabalhadores tão somente na esfera de liberdade individual.

1. ARTIGO 197: ATENTADO CONTRA A LIBERDADE DE TRABALHO

O art. 197 dispõe que constitui atentado contra a liberdade do trabalho a conduta de “constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça: I - a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão
ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias”.
A pena é de detenção, de 1 mês a 1 ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
Trata-se de infração de menor potencial ofensivo. É obrigatório o concurso material de crimes em
caso de violência (lesão corporal, por exemplo).
“II - a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho, ou a participar de parede ou paralisação
de atividade econômica. A pena é de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, além
da pena correspondente à violência.” Trata-se também de infração de menor potencial
ofensivo.
Quando as condutas forem praticadas com violência ou grave ameaça, não será possível o acordo
de não persecução penal.
O tipo tutela a liberdade na escolha profissional.
O crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Não se exige qualidade especial do
agente.
A consumação ocorre quando a vítima cede ao constrangimento, fazendo ou deixando de fazer
aquilo que o constrangedor exige. Trata-se de um crime material, não bastando o
constrangimento. Há que se ter o resultado naturalístico. O crime é também permanente, uma
vez que a consumação prolonga-se no tempo. É viável a tentativa.
No caso do inciso II, “parede” é o abandono coletivo do trabalho, sinônimo de greve. O crime consiste
em emprego de violência para coagir a participar do movimento paredista. Não se confunde
com a participação voluntária em greve, seguida do uso de violência, tipificada no art. 200 do
CP.
A ação penal é pública incondicionada.

2. ARTIGO 198: ATENTADO CONTRA A LIBERDADE DE CONTRATO DE TRABALHO


E BOICOTAGEM VIOLENTA

Segundo o art. 198, configura o crime a conduta de “constranger alguém, mediante violência ou
grave ameaça, a celebrar contrato de trabalho, ou a não fornecer a outrem ou não adquirir de
outrem matéria-prima ou produto industrial ou agrícola”. A pena é de detenção, de 1 mês a 1
ano, e multa, além da pena correspondente à violência. Trata-se de infração de menor potencial
ofensivo. Havendo o emprego de violência ou grave ameaça, não será possível o acordo de não
persecução penal.
É um crime comum, que, por isso, pode ser praticado por qualquer pessoa.
Tem-se um exemplo de norma penal em branco, vez que o conceito de “contrato de trabalho” está
na CLT.

216
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 1

Há duas condutas no dispositivo legal. A primeira consiste em constranger a celebrar contrato de


trabalho (atentado contra a liberdade de trabalho). A segunda é o constrangimento a não
fornecer ou não adquirir de outrem matéria-prima ou produto industrial agrícola (boicotagem
violenta).
Segundo entendimento majoritário, tratando-se de crimes diversos, embora previstos no mesmo
dispositivo, configuram um tipo misto cumulativo. Isso porque, se o agente constrange alguém
a celebrar o contrato de trabalho e constrange outra pessoa ou a mesma pessoa a não fornecer
determinado produto a outrem, haverá a prática de dois crimes, em concurso.
A ação penal é pública incondicionada.

3. ARTIGO 199: ATENTADO CONTRA A LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO

“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a participar ou deixar de participar de


determinado sindicato ou associação profissional” acarreta pena de detenção, de 1 mês a 1 ano,
e multa, além da pena correspondente à violência. Trata-se de infração de menor potencial
ofensivo.
A conduta é de constranger alguém a se filiar ou se desfiliar de sindicato ou associação profissional.
O direito à livre associação é garantido constitucionalmente e engloba o direito de não se
associar.
O crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. A consumação ocorre quando há
efetivamente o constrangimento, fazendo com que o indivíduo participe ou deixe de participar
do sindicato ou associação. Ou seja, quando a vítima cede, o crime se consuma. Assim, o crime
é material, pois requer o resultado naturalístico. A tentativa (conatus) é admissível.
O crime é praticado a título doloso e não se exige especial fim de agir.
A ação penal é pública incondicionada.

4. ARTIGO 200: PARALISAÇÃO DE TRABALHO, SEGUIDA DE VIOLÊNCIA OU


PERTURBAÇÃO DA ORDEM

Segundo art. 200, haverá crime com a conduta de “participar de suspensão ou abandono coletivo
de trabalho, praticando violência contra pessoa ou contra coisa”. Conforme dispõe o parágrafo
único, “para que se considere coletivo o abandono de trabalho é indispensável o concurso de,
pelo menos, três empregados”. Tem-se, no parágrafo, uma norma penal explicativa, já que
esclarece o que se entende por abandono coletivo.
Dessa forma, admite-se que seja feita a greve, mas não se permite a prática de violência contra
pessoa ou coisa. Inclusive, o direito pacífico de greve é assegurado constitucionalmente, no art.
9º, caput, da CF.
A pena é de detenção, de 1 mês a 1 ano, e multa, além da pena correspondente à violência (concurso
material obrigatório). É infração de menor potencial ofensivo. Se cometido com violência, não
admite o acordo de não persecução penal.
O crime é plurissubjetivo ou de concurso necessário, vez que se exige o quantitativo mínimo de três
empregados.
A suspensão do trabalho, em inglês lock out, ocorre quando o empregador figura como autor do
delito. Neste caso, a doutrina majoritária entende que a suspensão também deve ser coletiva.
A ação penal é pública incondicionada e a competência, em regra, é da Justiça Federal.

5. ARTIGO 201: PARALISAÇÃO DE TRABALHO DE INTERESSE COLETIVO

Segundo o art. 201, configura crime a conduta de participar de suspensão ou abandono coletivo de
trabalho, provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo. A pena é

217
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 1

de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Também é infração de menor potencial
ofensivo. A pena é mais gravosa em relação aos tipos anteriores, pois a interrupção é de uma
obra pública, atingindo número maior de pessoas.
O sujeito ativo é o empregado, no caso de abandono coletivo (greve), ou o empregador, no caso da
suspensão coletiva ou lock out. O sujeito passivo será a coletividade (crime vago).
Não importa se a greve é pacífica ou não. Basta o abandono coletivo de trabalho e a interrupção da
obra pública, não se exigindo a violência à coisa ou a pessoa.
O crime é praticado a título doloso e não se exige especial fim de agir.
A competência é, como regra, da Justiça Federal.
A ação penal é pública incondicionada.

6. ARTIGO 202: INVASÃO DE ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL, COMERCIAL OU


AGRÍCOLA. SABOTAGEM

Constitui crime “invadir ou ocupar estabelecimento industrial, comercial ou agrícola, com o intuito
de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho, ou com o mesmo fim danificar o
estabelecimento ou as coisas nele existentes ou delas dispor”. A pena é de reclusão, de 1 (um)
a 3 (três) anos, e multa. Admite-se a suspensão condicional do processo e o acordo de não
persecução penal.
Trata-se de tipo misto cumulativo, já que na mesma disposição legal encontram-se duas figuras
delitivas diferentes (invadir ou ocupar; danificar), as quais podem ser praticadas em concurso.
O crime é comum. Somente pode ser praticado na modalidade dolosa. Há o especial fim de agir,
consistente na finalidade de impedir ou embaraçar o curso normal do trabalho. Não se pune a
forma culposa.
Se o indivíduo invade ou ocupa o estabelecimento, com o intuito de impedir ou embaraçar o curso
normal do trabalho, estará consumado o delito. Se, efetivamente, impede ou embaraça, há
exaurimento do crime. Dessa forma, o delito é formal.
A ação penal é pública incondicionada.

7. ARTIGO 203: FRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO POR LEI TRABALHISTA

Segundo o art. 203, constitui crime a conduta de “frustrar, mediante fraude ou violência, direito
assegurado pela legislação do trabalho”. A pena é de detenção de 1 (um) ano a 2 (dois) anos, e
multa, além da pena correspondente à violência. É infração de menor potencial ofensivo, de
concurso material necessário quando há violência.
Tem-se uma norma penal em branco homogênea, cujo complemento será dado pela legislação
trabalhista. É também crime de ação múltipla ou conteúdo variado.
O § 1º prevê que nas mesmas penas incorre quem (condutas equiparadas):
I - Obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para
impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida;

No caso do inciso I, há elemento subjetivo do tipo, consistente no fim de impossibilitar o


desligamento do serviço em virtude de dívida.
II - Impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por
meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.

O § 2º estabelece que a pena é aumentada de 1/6 a 1/3 se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos,
idosa, gestante, indígena ou pessoa com deficiência física ou mental. Com a incidência da causa
de aumento de pena, a infração deixa de ser de menor potencial ofensivo. A doutrina critica o

218
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 1

rol das pessoas presumidas como mais vulneráveis e sugere que seria mais adequado permitir
ao magistrado avaliar, no caso concreto, se há vulnerabilidade ou não.
O sujeito ativo do crime é qualquer pessoa. O sujeito passivo é o trabalhador prejudicado.
A ação penal é pública incondicionada.

8. ARTIGO 204: FRUSTRAÇÃO DE LEI SOBRE A NACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO

Frustrar, mediante fraude ou violência, obrigação legal relativa à nacionalização do trabalho. A pena
é de detenção, de 1 mês a 1 ano, e multa, além da pena correspondente à violência. É infração
de menor potencial ofensivo.
Parte da doutrina entende que o dispositivo em questão não foi recepcionado pela CF/88, pois esta
garante a igualdade entre o brasileiro e o estrangeiro residente no país, motivo pelo qual não
caberia conferir maior proteção à nacionalização do trabalho.
De qualquer sorte, o intuito da norma é proteger o interesse do trabalhador brasileiro contra os
avanços de estrangeiros no mercado do trabalho.
O crime é comum.
A ação penal é pública incondicionada.

9. ARTIGO 205: EXERCÍCIO DE ATIVIDADE COM INFRAÇÃO DE DECISÃO


ADMINISTRATIVA

Segundo o art. 205, constitui crime a conduta de “exercer atividade, de que está impedido por
decisão administrativa”. A pena é de detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, ou multa. É
infração de menor potencial ofensivo. Exemplo: advogado suspenso por decisão administrativa
da OAB.
Trata-se de crime habitual, pois o núcleo estabelece “exercer atividade”, pressupondo-se a
reiteração da conduta. Dessa forma, não é cabível a tentativa do crime. Trata-se também de um
crime próprio, somente podendo praticar o sujeito impedido por decisão administrativa.
É crime de mera conduta. O tipo não descreve resultado naturalístico.
O professor Rogério Sanches Cunha faz o seguinte questionamento: o médico impedido de exercer
a profissão, após ter cancelada pelo CRM a sua inscrição, pratica o delito de exercício de
atividade com infração de decisão administrativa ou o exercício ilegal da medicina (art. 282 do
CP)?
O STF entende que o médico pratica o crime de exercício de atividade com infração de decisão
administrativa (art. 205 do CP), eis que se trata de uma norma específica. Isso porque o médico
tem, por uma decisão do CRM, o impedimento de exercício da atividade.24
O crime é praticado na forma dolosa e não se exige qualquer finalidade especial.
A ação penal é pública incondicionada.

10. ARTIGO 206: ALICIAMENTO PARA O FIM DE EMIGRAÇÃO

Segundo o art. 206, “recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território
estrangeiro”, acarreta pena de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa. Cabe suspensão
condicional do processo e acordo de não persecução penal.
Emigrar significa sair do país. Não é preciso levar a vítima efetivamente para o território
estrangeiro. Esse é apenas o especial fim de agir. Se recrutar a vítima com essa finalidade, o
delito já estará consumado. Trata-se de um crime formal.

24 CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Volume Único. Parte Especial. 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 499.

219
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 1

O que se tutela é o interesse do Estado na permanência de trabalhadores brasileiros no território


nacional.
O crime é comum, já que pode ser praticado por qualquer pessoa. O sujeito passivo é o Estado, mas
os trabalhadores recrutados também poderão figurar como vítimas.
O crime é praticado dolosamente. No entanto, é preciso o especial fim de agir, que é a intenção de
levar a vítima para o estrangeiro.
Há discussão acerca da quantidade mínima de trabalhadores para a tipificação da conduta. A
doutrina diverge. Prevalece o entendimento de que seriam no mínimo três trabalhadores, vez
que o CP, quando se contenta com o número mínimo de dois, o fez expressamente.
A ação penal é pública incondicionada.

11. ARTIGO 207: ALICIAMENTO DE TRABALHADORES DE UM LOCAL PARA OUTRO


DO TERRITÓRIO NACIONAL

“Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional” é
o crime descrito pelo art. 207, cuja pena é de detenção de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Não há o intuito de emigração, mas sim levar trabalhadores de uma localidade para outra dentro do
território nacional. O objetivo da norma é evitar o despovoamento de uma região e o
consequente inchaço populacional de outra. Deve haver equilíbrio entre as regiões do território,
coibindo-se o deslocamento em massa de trabalhadores.
Trata-se de infração de médio potencial ofensivo, pois admite suspensão condicional do processo e
acordo de não persecução penal.
O crime é formal, pois independe que o agente consiga levar os trabalhadores para outra localidade
do território nacional.
Segundo o § 1º, “incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de
execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer
quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem”.
Por seu turno, o § 2º traz causa de aumento de pena de 1/6 a 1/3, caso a vítima seja menor de 18
(dezoito) anos, idosa, gestante, indígena, pessoa com deficiência física ou mental.
A questão quanto à quantidade mínima de trabalhadores, abordada no comentário ao dispositivo
anterior, também tem lugar no art. 207. Prevalece o entendimento quanto ao número mínimo
de três trabalhadores.
O crime se consuma no momento do recrutamento, ainda que não haja o efetivo transporte do
trabalhador ao local pretendido. Portanto, o delito é formal. No caso do § 1º (figuras
equiparadas), o crime se consuma no momento em que o agente nega ao trabalhador o recurso
para obter o retorno à sua origem.
A ação penal é pública incondicionada.

220
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL• 2

DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E


2
CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS

221
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL• 2

A liberdade de consciência e de crença é garantida constitucionalmente, conforme art. 5º,


inciso VI, da Constituição Federal. É livre o exercício de cultos religiosos, bem como é assegurada
a proteção aos locais onde são realizados.

1. ARTIGO 208: ULTRAJE A CULTO E IMPEDIMENTO OU PERTURBAÇÃO DE ATO A


ELE RELATIVO

Segundo o art. 208, constitui crime escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou
função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar
publicamente ato ou objeto de culto religioso. A pena é de detenção, de 1 mês a 1 ano, ou
multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, que admite suspensão condicional do
processo e transação penal.
O crime é comum. Na primeira conduta, “escarnecer de alguém publicamente”, verifica-se o crime
praticado contra uma pessoa determinada. Nas demais formas (“impedir ou perturbar”;
“vilipendiar”), o sujeito passivo é a coletividade religiosa.
Escarnecer significa zombar, ridicularizar. Não se confunde com a injúria qualificada, prevista no art.
140, § 3º, do CP, na qual se atribui qualidade negativa a pessoa em razão de sua crença religiosa.
O parágrafo único estabelece que, se há emprego de violência, a pena é aumentada de 1/3. Trata-
se de causa de aumento de pena que incide na terceira fase da dosimetria, sem prejuízo da pena
correspondente à violência. A doutrina entende que a majorante tem lugar quando a violência
é empregada contra pessoa e também contra coisa, pois o tipo penal não faz essa distinção.
A ação penal é pública incondicionada.

2. ARTIGO 209: IMPEDIMENTO OU PERTURBAÇÃO DE CERIMÔNIA FUNERÁRIA

Nos termos do art. 209, há crime na conduta de “impedir ou perturbar enterro ou cerimônia
funerária”. A pena é de detenção, de 1 mês a 1 ano, ou multa. Trata-se de infração de menor
potencial ofensivo, cabendo transação penal e suspensão condicional do processo.
O parágrafo único estabelece que, se há emprego de violência, a pena é aumentada de 1/3, sem
prejuízo da pena correspondente (concurso material de crimes).
O crime é comum. O sujeito passivo é a coletividade, sendo representada pela família, amigos e
pessoas que tinham alguma relação com o falecido.
A ação penal é pública incondicionada.

3. ARTIGO 210: VIOLAÇÃO DE SEPULTURA

O art. 210 prevê crime na conduta de “violar ou profanar sepultura ou urna funerária”. A pena é de
reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. É infração de médio potencial ofensivo, cabendo
sursis processual e acordo de não persecução penal.
O bem jurídico tutelado é o respeito aos mortos.
O crime é comum. Qualquer pessoa pode praticar, inclusive os familiares do falecido. O sujeito
passivo é a coletividade, amigos e parentes do morto.
Violar significa abrir, quebrar, devassar. Profanar é ofender, desrespeitar.
É possível haver concurso formal de crimes, caso o ato de profanação se traduza em calúnia contra
o morto. Conforme já estudado, na esfera dos crimes contra a honra, o único passível de
configuração contra os mortos é a calúnia.
Caso haja furto, ou seja, se o indivíduo quer subtrair algum bem móvel de dentro da sepultura, o
delito ora em comento ficará absorvido, eis que se trata de crime-meio.

222
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL• 2

Na hipótese em que o agente viola sepultura com a finalidade de subtrair ou destruir o cadáver,
aplica-se o princípio da consunção, caracterizando-se o crime de destruição, subtração ou
ocultação de cadáver (art. 211 do CP).
Segundo a doutrina, a sepultura vazia ou o monumento à memória de alguém, que não contenham
partes de um cadáver, não poderão ser objeto material do crime.
A ação penal é pública incondicionada.

4. ARTIGO 211: DESTRUIÇÃO, SUBTRAÇÃO OU OCULTAÇÃO DE CADÁVER

“Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele” é crime punido com reclusão, de 1 (um) a 3
(três) anos, e multa. Trata-se de infração de médio potencial ofensivo, cabendo suspensão
condicional do processo e acordo de não persecução penal.
A tutela penal se volta ao sentimento de respeito aos mortos.
O cadáver é coisa fora do comércio, logo, não pode ser objeto de furto, exceto nos casos em que
tenha valor econômico, por estar afetado ao patrimônio de determinada pessoa jurídica, como
um museu, instituto de pesquisas ou faculdade de medicina.
Não podem ser objeto do crime em comento esqueletos, cinzas e múmias.
O crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, inclusive por familiares do morto. O
sujeito passivo é a coletividade, bem como parentes do falecido.
Não se perquire o especial fim de agir. Ademais, não se pode invocar a autodefesa para justificar a
prática do crime. Se a intenção é impedir a apuração de um crime de homicídio, o agente
incorrerá em concurso material de delitos.
Entende a doutrina ser necessário analisar a hipótese em concreto, mas, em princípio, não se mostra
possível o concurso da fraude processual com a ocultação, destruição ou subtração do cadáver.
Se o objetivo do indivíduo era alterar cena de crime e, para isso, destruiu o cadáver, um dos
crimes restará absorvido pelo outro e, por certo, o crime de ocultação de cadáver vai prevalecer,
por ser mais grave.
A ação penal é pública incondicionada.

5. ARTIGO 212: VILIPÊNDIO A CADÁVER

Segundo o art. 212, haverá crime quando o agente vilipendiar cadáver ou suas cinzas. A pena é de
detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. A infração é de médio potencial ofensivo. Caberá
suspensão condicional do processo e acordo de não persecução penal.
O crime é comum, isto é, pode ser praticado por qualquer pessoa, inclusive por parentes do morto.
O sujeito passivo é a coletividade, em especial os familiares do falecido.
Vilipendiar é sinônimo de desprezar, desdenhar, aviltar, rebaixar. O crime é de execução livre, nas
mais variadas formas. Exemplo: colocar o cadáver em posições ofensivas, escarrar, urinar ou
jogar objetos no cadáver.
O crime se consuma com a prática do ato de aviltamento, o que pode ocorrer também por gestos ou
palavras.
A ação penal é pública incondicionada.

223
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 21

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: DOS


21
CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL

224
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 21

A lei protege o direito de escolha ao parceiro sexual. Quando tal direito é violado, o Estado deve
intervir. No presente capítulo, são tipificadas as seguintes condutas:

• Estupro (art. 213);

• Violação sexual mediante fraude, também chamado de estelionato sexual (art. 215);

• Importunação sexual (art. 215-A, introduzido pela Lei n.º 13.718/2018);

• Assédio sexual (art. 216-A).

A Lei n.º 13.718/2018 promoveu importantes alterações nos crimes contra a dignidade sexual, que
serão abordadas ao longo do presente estudo.

1. ARTIGO 213: ESTUPRO

“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou
permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena é de reclusão, de 6 (seis) a 10
(dez) anos. Nos §§ 1º e 2º estão previstas as formas qualificadas:
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18
(dezoito) ou maior de 14 (quatorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

O estupro é crime hediondo em todas as formas, simples ou qualificado, tentado ou consumado. É,


assim, insuscetível de graça, anistia, indulto e fiança.
Constranger é o verbo núcleo do tipo e significa retirar a liberdade de autodeterminação de alguém.
O constrangimento pode ser para a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso diverso, de
gravidade assemelhada à cópula vaginal.
Não houve abolitio criminis em relação ao atentado violento ao pudor, previsto, até 2009, no art.
214 do CP. Em observância ao princípio da continuidade típico-normativa, o fato continua
sendo criminoso, porém tratado em tipo penal diverso. Assim, o atual art. 213 representa a
junção do crime de estupro e do atentado violento ao pudor (antiga figura do art. 214 do CP).
A conjunção carnal é a cópula vaginal. Já os atos libidinosos são aqueles revestidos de conotação
sexual, como o sexo oral, anal, beijo lascivo e o toque nas partes íntimas.
As lesões leves e as vias de fato são absorvidas pelo estupro. As lesões graves, gravíssimas e a morte
qualificam o crime.
Em relação ao constrangimento para a conjunção carnal, a relação deve ser, necessariamente,
heterossexual (pessoas de sexos biológicos opostos; não se trata de orientação sexual, mas de
uma questão biológica). Mulher também pode ser sujeito ativo de estupro, como mandante ou
auxiliando na execução.
Quanto à prática de ato libidinoso (praticar ou permitir que com ele se pratique), a situação pode
envolver pessoas de mesmo sexo biológico ou distintos. Não é necessário o contato físico
erótico entre estuprador e vítima, desde que o sujeito passivo tenha envolvimento no ato.
Exemplo: sujeito que ordena a outro, mediante grave ameaça, que toque em suas próprias
partes íntimas (automasturbação).
O crime é bicomum. Qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo ou passivo.
Se o agente, mediante violência ou grave ameaça, constrange a vítima à conjunção carnal e também
a outro ato libidinoso, como sexo anal, quantos crimes comete?

225
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 21

Segundo entendem os Tribunais Superiores, trata-se de crime único, pois o art. 213 do CP constitui
um tipo misto alternativo. Assim sendo, a pluralidade de comportamentos não acarreta o
concurso de crimes, mas poderá ser valorada de maneira negativa pelo magistrado na
dosimetria da pena (art. 59 do CP).

O crime é praticado somente na forma dolosa, não se exigindo nenhuma finalidade específica. O
delito é material e é perfeitamente compatível com a forma tentada quando, iniciada a execução do ato,
este não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

A depender da idade da vítima, três situações distintas podem se apresentar:

• Vítima com idade igual ou superior a 18 anos: estupro simples (art. 213, caput);

• Vítima maior de 14 e menor de 18 anos: estupro qualificado (art. 213, § 1º, parte final);

• Vítima menor de 14 anos: estupro de vulnerável (art. 217-A, caput).

Pessoa com idade igual ou superior a 14 (quatorze) anos, ausente outra causa de vulnerabilidade,
pode praticar consensualmente conjunção carnal ou outro ato libidinoso.

Rogério Sanches Cunha aborda a questão do stealthing (dissimulação), conduta que corresponde à
retirada do preservativo durante o ato sexual, sem o consentimento do parceiro, que assentira com a prática
condicionada ao uso da proteção.

A criminalização da conduta passa pela análise das peculiaridades do caso concreto. Caso o indivíduo
retire a proteção e encontre resistência do parceiro na continuidade do ato sexual, valendo-se então do
emprego de violência ou grave ameaça, estará caracterizado o estupro. Todavia, se a retirada é sorrateira e
o parceiro ou parceira não perceba, poderá se configurar o tipo do art. 215 do CP, o estelionato sexual.25

A ação penal é pública incondicionada em todos os casos de estupro, nos termos do art. 225, com a
redação dada pela Lei nº 13.718/2018, superando-se, definitivamente, o debate a respeito da eficácia da
Súmula 608 do STF: “No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública
incondicionada.”

2. ARTIGO 214: ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR

Revogado pela Lei n.º 12.015/2009.

3. ARTIGO 215: VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE

O art. 215 estabelece como crime “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém,
mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da
vítima”. A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Nos termos do parágrafo único, “se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica,
aplica-se também multa”.
O delito ora em comento é comumente chamado de “estelionato sexual”, uma vez que são
empregados meios fraudulentos para a prática da conjunção carnal ou outro ato libidinoso. A
vítima é levada a erro e, assim, não expressa o seu consentimento quanto à relação sexual, que
é obtida por meio enganoso.

25 CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Volume Único. Parte Especial. 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 522-523.

226
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 21

O crime somente pode ser praticado na forma dolosa. Se houver o consentimento válido da vítima,
a conduta típica restará afastada.
O crime é bicomum, visto que qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo. Quando a vítima é
menor de 14 (quatorze) anos, a tutela penal se dá no âmbito do art. 217-A do CP (estupro de
vulnerável).
O tipo prevê “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou
outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”, diferentemente
do estupro, em que a fórmula legal é “praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso”. Conclui-se, assim, que, no caso do art. 215 do CP, o agente necessariamente pratica
o ato sexual com a vítima. Não haverá o crime nas hipóteses em que a vítima é obrigada a
praticar o ato libidinoso em si mesma (automasturbação, por exemplo) ou venha a praticar no
agente (sexo oral, por exemplo).26
A fraude ou meio similar engana, retira ou diminui a liberdade de escolha. Exemplo: embriaguez
incompleta, sedação ou anestesia incompleta, falso médico que se vale da suposta profissão
para realizar exames íntimos, falsos rituais de cura espiritual etc.
É importante notar que não há violência ou grave ameaça. Há vício no consentimento. A vítima tem
capacidade de escolha, porém é ludibriada.
Se a embriaguez, sedação ou coma retirar, por completo, o discernimento da vítima, o crime será de
estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), ante a incapacidade da vítima em manifestar
consentimento.
A doutrina entende ser possível a (o) prostituta (o) ser vítima da violação sexual mediante fraude. Se
o cliente, após combinar o programa e uma vez realizado o ato, foge sem pagar a quantia
previamente acertada, a prostituta foi vítima do crime, vez que a falsa promessa de pagamento
caracterizou-se em fraude para a prática sexual.
O crime é material. Consuma-se com a realização da conjunção carnal ou de outro ato libidinoso. A
tentativa é admissível.
A ação penal é pública incondicionada, por força do art. 225, com a redação dada pela Lei n.º
13.718/2018.

4. ARTIGO 215-A: IMPORTUNAÇÃO SEXUAL

O art. 215-A foi introduzido no CP pela Lei n.º 13.718/2018. A conduta consiste em praticar contra
alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a
de terceiro. A pena é de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais
grave.
É crime de médio potencial ofensivo. Admite a suspensão condicional do processo, uma vez
preenchidos os requisitos legais do art. 89 da Lei nº 9.099/95, e também o acordo de não
persecução penal (art. 28-A do CPP).
O tipo penal em comento surge no contexto em que certas práticas, com caráter libidinoso e para
satisfação da lascívia, estavam tuteladas de forma deficiente pelo ordenamento jurídico, visto
que não havia um meio termo entre o estupro, o estupro de vulnerável e a contravenção penal
de importunação ofensiva ao pudor, prevista no art. 61 da LCP. Exemplo: sujeito que, no
transporte coletivo, para satisfazer a própria lascívia, se masturba e ejacula em passageira. O
fato não podia ser enquadrado como estupro (art. 213 do CP), considerando a ausência de
violência ou grave ameaça. Também não podia ser classificado como violação sexual mediante

26"De fato, ao se valer da expressão 'praticar outro ato libidinoso com alguém' o art. 215 do Código Penal reclama a prática, pelo
sujeito, de atos libidinosos na vítima, excluindo situações diversas. Exige-se, portanto, um comportamento meramente passivo de
parte do ofendido, e este equívoco legislativo não pode ser suprido no caso concreto, em face da inadmissibilidade da analogia in
malam partem no Direito Penal.” (MASSON, Cleber. Direito Penal. Parte Especial. Vol. 3. São Paulo: Gen Método, 2017, p. 43).

227
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 21

fraude (art. 215 do CP), tendo em vista que o ato libidinoso não foi praticado com a vítima.
Diante disso, a conduta era punida como contravenção penal, prevista no art. 61 do Decreto-
Lei n.º 3.688/1941.
Com o advento da Lei n.º 13.718/2018, o fato passa a ser tipificado como importunação sexual,
delito do art. 215-A do CP, com uma punição mais consentânea à gravidade em abstrato.
As condutas que se amoldam ao novo tipo penal não apresentam a mesma reprovabilidade de uma
conjunção carnal, sexo anal ou oral, praticados em contexto violento, mas também não
poderiam continuar subtuteladas como contravenção penal.
O art. 61 do Decreto-lei n.º 3.688/1941 (importunação ofensiva ao pudor) foi expressamente
revogado pelo art. 215-A do CP. Aplica-se, na hipótese, o princípio da continuidade normativo-
típica. Todavia, tratando-se de novatio legis in pejus, não poderá retroagir para alcançar
situações ocorridas antes da vigência da Lei n.º 13.718/2018.
O crime é bicomum. É preciso atentar para a majorante estabelecida no art. 226, inciso II, do CP.
Seria possível a vítima do crime ser menor de 14 (quatorze) anos? Há possibilidade de
desclassificação do estupro de vulnerável para a conduta do art. 215-A, nos casos de atos
libidinosos menos graves, como o toque furtivo sobre as roupas?
Até o presente momento, o STJ não admite a desclassificação comentada, ao argumento de que
deve ser observado o princípio da especialidade (art. 217-A do CP). No entanto, alguns ministros
já manifestaram intenção de debater mais a fundo a possibilidade.
O núcleo do tipo penal é o verbo “praticar”, que significa fazer, realizar um ato libidinoso (ação com
propósito lascivo). Exemplo: masturbação e ejaculação, toque nas partes íntimas sobre as
roupas, fricção dos órgãos genitais no corpo de outrem (também chamada de frotteurismo,
palavra de origem francesa, que significa tocar e se esfregar em uma pessoa sem seu
consentimento). O dispositivo exige que o ato libidinoso seja praticado contra pessoa ou grupo
de pessoas específico. Se o ato não for direcionado a pessoa determinada, tem-se, em princípio,
o crime de ato obsceno, previsto no art. 233 do CP.
Apesar de ser mais frequente em ambientes públicos, em que há aglomeração e contato físico entre
pessoas, o crime também pode ser praticado em locais fechados, como o interior de uma
residência.
Ademais, o tipo apresenta subsidiariedade expressa, conforme se vê no preceito secundário (“se o
ato não constitui crime mais grave”). Se há constrangimento, mediante violência ou grave
ameaça, o crime é de estupro (art. 213 do CP).
O delito é material, consumando-se com a prática do ato libidinoso. A importunação envolve um
profundo desconforto, mal estar.
Exige-se um elemento subjetivo específico, consistente no objetivo de satisfazer a própria lascívia
ou a de terceiro. Não há previsão de modalidade culposa.
A tentativa, em tese, é possível. Isso porque se trata de crime plurissubsistente. Porém, de difícil
verificação na prática.
Convém lembrar que delito plurissubsistente é aquele cuja execução pode ser fracionada em vários
atos.
A ação penal é pública incondicionada (art. 225 do CP).

5. ARTIGO 216: ATENTADO AO PUDOR MEDIANTE FRAUDE

Revogado pela Lei n.º 12.105/2009.

6. ARTIGO 216-A: ASSÉDIO SEXUAL

O art. 216-A tipifica a conduta de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou
favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou

228
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 21

ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. A pena é de detenção, de 1


(um) a 2 (dois) anos.
Parcela da doutrina entende desnecessária a criminalização, pois o assédio pode ser
satisfatoriamente tutelado pelo Direito Civil, do Trabalho e Administrativo.
A Organização Mundial do Trabalho (OIT) define o assédio sexual como insinuações, contatos físicos
forçados, convites impertinentes, desde que sejam uma condição para manter o emprego,
influenciar nas promoções, prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar ou intimidar.
O bem jurídico tutelado é a liberdade sexual e o exercício do trabalho em condições dignas,
desprovidas de constrangimentos e humilhações.
O verbo núcleo do tipo é “constranger”. Todavia, a redação do tipo legal é criticada, pois no crime
de assédio não há emprego de violência ou grave ameaça. Conforme já estudado, constranger,
para fins penais, significa compelir, retirar a liberdade de autodeterminação. Exige-se o dissenso,
isto é, o comportamento contra a própria vontade.
Observa-se, da redação do dispositivo, que o legislador também não mencionou constranger a quê.
Ora, a conduta de constranger corresponde necessariamente a um determinado
comportamento. Para o professor Cleber Masson, o tipo do art. 216-A deve ser entendido como
uma modalidade específica de constrangimento ilegal, sem violência ou grave ameaça à pessoa.
A conduta deve ser compreendida como molestar, perturbar, intimidar. Exemplos: promoção
funcional condicionada à satisfação sexual do superior hierárquico; ameaça de demissão caso
não pratique atos libidinosos com o chefe.27
Deve haver relação entre o constrangimento e o exercício laboral. Assédio fora do ambiente de
trabalho, desvinculado da posição de hierarquia ou ascendência, não tipifica a conduta.
O crime é bipróprio ou especial, pois somente pode ser cometido por superior hierárquico da vítima
ou por quem tenha ascendência sobre ela, seja a relação de direito público ou privado. Haverá
assédio na relação entre patrão e empregada doméstica.
Não são relevantes o sexo e a orientação sexual (pode haver uma relação homossexual de assédio).
A vantagem ou favorecimento sexual pode ser para o próprio agente ou para outrem.
Segundo o entendimento tradicional da doutrina e da jurisprudência, para que se configure o
assédio, é imprescindível haver hierarquia ou ascendência do autor do crime em relação à
vítima, no âmbito do exercício de emprego, cargo ou função. Assim, não se cogitava de assédio
sexual na relação entre professores e alunos, ou na relação entre líderes religiosos e seus fiéis,
pois ausente hierarquia derivada do exercício de emprego, cargo ou função.
Todavia, em 2019, o STJ julgou ser possível inserir, no tipo do assédio sexual, a conduta do professor
que, no ambiente da sala de aula, aproxima-se de aluna (o) e, com o objetivo de obter vantagem
sexual, toca partes do corpo da vítima. Consideraram os ministros que a ascendência do docente
sobre os alunos é inerente ao exercício da profissão, já que o professor pode interferir
diretamente na avaliação, atribuição de notas e na aprovação dos discentes.28
O elemento subjetivo é o dolo, acrescido do especial fim de agir, caracterizado pelo intuito de obter
vantagem ou favorecimento sexual.
O crime é formal. Consuma-se com o constrangimento, independentemente da realização do ato
desejado pelo superior hierárquico.
Se a vítima tiver menos de 14 (quatorze) anos, ou for vulnerável (pessoa com deficiência ou doença
mental incapacitantes), a doutrina indica ser a hipótese de estupro de vulnerável, tentado ou
consumado, a depender da situação fática concreta. Não se cogita de assédio sexual em face
de vulneráveis.
Nos termos do § 2º, a pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.
A ação penal é pública incondicionada.

27MASSON, Cleber. Direito Penal. Parte Especial. Vol. 3. São Paulo: Gen Método, 2017, pp. 49-50.
28 REsp 1.759.135/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13/08/2019.

229
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL• 3

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: DA


3
EXPOSIÇÃO DA INTIMIDADE SEXUAL

230
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL• 3

1. ARTIGO 216-B: REGISTRO NÃO AUTORIZADO DA INTIMIDADE SEXUAL

A Lei n.º 13.772/2018 introduziu no CP o art. 216-B, segundo o qual é crime “produzir, fotografar,
filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter
íntimo e privado sem autorização dos participantes”. Comina-se pena de detenção, de 6 (seis) meses a 1
(um) ano, e multa. É infração de menor potencial ofensivo, cabendo os institutos da Lei n.º 9.099/1995.
Admitida a transação penal, torna-se inviável o acordo de não persecução penal, nos termos do art. 28-A, §
2º, inciso I, do CPP.

O tipo soluciona a punição a indivíduos que registram a prática de atos sexuais entre terceiros sem
consentimento ou autorização. Antes da Lei n.º 13.772/2018 não havia punição, no âmbito
penal, para aquelas pessoas que instalavam câmeras ou outros dispositivos para captar cenas
de nudez ou de caráter sexual em banheiros públicos ou privados, hotéis ou cômodos alugados.
O bem jurídico protegido é a intimidade sexual. O crime é bicomum. Porém, se há envolvimento de
criança ou adolescente, prevalece o princípio da especialidade, aplicando-se as disposições do
ECA (art. 240 ou 241-C da Lei n.º 8.069/1990, a depender do caso).
O elemento subjetivo é o dolo. Não se exige especial fim de agir. Não se admite modalidade culposa.
A cena registrada deve ter sido praticada em caráter íntimo e privado. Se o agente filma um casal
mantendo relações sexuais em uma praça ou parque, em local aberto ao público, não haverá o
crime, pois as partes abriram mão de sua intimidade. Inclusive, os indivíduos que praticam atos
libidinosos em público poderão responder pela figura do art. 233 do CP (ato obsceno). Se há
autorização de todos os envolvidos, o fato é atípico, salvo na hipótese de envolvimento de
criança ou adolescente, situação na qual se configura o crime do art. 240 do ECA.
A tentativa é, em tese, possível. Isso porque se trata de crime plurissubsistente (a execução pode
ser fracionada em vários atos). Seria a hipótese de instalação oculta do dispositivo pelo agente
com o fim de registro, e, apesar do funcionamento da câmera, a vítima percebe a tempo e
desliga o aparelho.
Se o agente faz o registro indevido e, posteriormente, divulga a cena, deve responder pelos crimes
dos artigos 216-B e 218-C em concurso material? É necessário investigar o dolo do agente. Se,
inicialmente, o indivíduo faz o registro para a satisfação da própria lascívia e, tempos depois,
resolve divulgar a cena, é possível se cogitar do concurso de crimes, diante dos contextos fáticos
distintos. Por outro lado, se o registro já é feito com o intuito de divulgação, ou são feitos de
forma simultânea (transmissão ao vivo ou streaming), a aplicação do princípio da consunção
mostra-se mais adequada, sendo o registro, menos grave, absorvido pela conduta do art. 218-C
do CP, mais gravosa. Nesse exato sentido, tem-se o posicionamento do prof. Rogério Sanches
Cunha.29
O parágrafo único prevê conduta equiparada. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em
fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez
ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.
Assim, temos que, no caput, a cena registrada é verdadeira. Já no parágrafo único, a fotografia, vídeo
ou áudio não é verdadeiro. Foi feita uma montagem, ou seja, foram acrescentados elementos
que não ocorreram na realidade. Exemplo: o agente pega imagem de uma modelo nua e, por
meio do programa de computador, troca o rosto da modelo pelo da vítima.30
Tanto o sujeito ativo como o sujeito passivo podem ser qualquer pessoa. Trata-se, portanto, de crime
bicomum.

29CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Volume Único. Parte Especial. 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 540-541.
30Fonte: Dizer o Direito. Acesso e disponibilidade em: https://www.dizerodireito.com.br/2018/12/lei-137722018-crime-de-registro-
nao.html.

231
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL• 3

O elemento subjetivo é o dolo. Não se exige especial fim de agir (vingança ou qualquer outra
motivação especial). Não se admite modalidade culposa.
O crime se consuma ainda que o agente tenha feito a montagem com o intuito apenas de diversão,
ou seja, com a intenção de brincar com a vítima.
A Lei n.º 13.772/2018 entrou em vigor na data de sua publicação, em 20/12/2018. Por se tratar de
novatio legis in pejus, não se aplica a fatos ocorridos antes de sua vigência. Assim, os atos
praticados antes de 20/12/2018 não poderão ser punidos com base no art. 216-B do CP.
A ação penal é pública incondicionada, nos termos do art. 225 do CP.

232
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 3

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: DOS


23
CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL

233
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 3

Vulneráveis são os indivíduos em situação de fragilidade, em razão da idade ou outra condição


médica ou psicológica. São aqueles que, biologicamente, não têm capacidade para compreender
o que seja ou quais as consequências de um ato sexual, por estarem em condição de saúde ou
psíquica que não permita saber ou discernir.
A lei despreza, por completo, o consentimento dos vulneráveis. Não há vontade penalmente
relevante.
Dessa forma, a vulnerabilidade tem natureza objetiva e não comporta a discussão sobre presunção
relativa ou absoluta. A partir de provada idade inferior a 14 (quatorze) anos, ou de laudo médico
que ateste a doença, a incapacidade de discernir, não há que falar em consentimento, visto que
a análise é objetiva.
Os tipos penais que tutelam os vulneráveis no CP são os seguintes:

• Estupro de vulnerável (art. 217-A);

• Corrupção de menores (art. 218). Não se confunde com a previsão do art. 244-B do ECA;

• Satisfação da lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A);

• Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente


ou vulnerável (art. 218-B);

• Divulgação de cena de estupro, de estupro de vulnerável, de sexo ou pornografia (art. 218-C).

1. ARTIGO 217: SEDUÇÃO

Revogado pela Lei n.º 11.106/2005.

2. ARTIGO 217-A: ESTUPRO DE VULNERÁVEL

O caput do art. 217-A tem a seguinte redação: “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso
com menor de 14 (quatorze) anos”. A pena é de reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. O
critério etário foi o adotado pelo legislador. Não se utiliza mais a expressão presunção de
violência. Em seu lugar, passa a existir o conceito de vulnerabilidade.
A Súmula 593 do STJ já deixava clara a concepção objetiva da vulnerabilidade, ao estabelecer que "o
crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso
com menor de 14 (quatorze) anos, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima para
a prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o
agente.".
O § 1º, primeira parte, estabelece que “incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no
caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato.”
A enfermidade ou doença podem ser permanentes ou temporárias, congênitas ou adquiridas, desde
que retirem completamente a capacidade de consentir. Nesses casos, há necessidade de laudo
médico pericial para atestar o grau de comprometimento do indivíduo. O critério adotado pelo
legislador foi o sistema biopsicológico.
É preciso compatibilizar a previsão legal com a Lei n.º 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com
Deficiência, de sorte a se resguardar o direito à gestão da vida sexual de tais indivíduos. O Código
Penal não pretende tolher o exercício da liberdade sexual por pessoas com graus leves e
moderados de deficiência e que possuem capacidade de discernimento e compreensão. O que

234
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 3

a lei penal veda é o abuso. Daí a importância do laudo médico, para atestar o grau de deficiência
da vítima.31
O § 1º, parte final, prevê a prática do crime também contra aquele que, “por qualquer outra causa,
não pode oferecer resistência”. Nesse caso, a interpretação da cláusula genérica deve se dar
em sentido amplo, abrangendo qualquer motivo que retire a capacidade de resistir ao ato
sexual. Exemplos: coma profundo, sedação, anestesia geral. O agente pode tanto provocar a
situação, como se aproveitar de quadro já existente.
Nos §§ 3º e 4º temos as formas qualificadas pelo resultado (crime preterdoloso). No primeiro caso,
“se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima”, a pena passa a ser de
reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. Se resulta morte, a reclusão será de 12 (doze) a 30 (trinta)
anos.
O estupro de vulnerável é hediondo em todas as suas formas, aplicando-se os rigores da Lei n.º
8.072/1990, seja o crime tentado ou consumado.
Não se exige a violência ou grave ameaça como meio de execução. A vulnerabilidade já afasta a
capacidade de consentimento.
É necessário o contato físico efetivo para a tipificação do crime? Não. Doutrina e jurisprudência
sustentam a desnecessidade do contato físico direto do réu com a vítima, a fim de priorizar o
nexo causal entre o ato praticado pelo acusado, destinado à satisfação da sua lascívia, e o
efetivo dano à dignidade sexual sofrido pela ofendida. Nesse sentido, o STJ tem precedentes no
sentido de considerar a chamada contemplação lasciva como suficiente para a configuração de
ato libidinoso, elemento indispensável constitutivo do delito do art. 217-A do CP. Portanto, o
mentor intelectual dos atos libidinosos responde pelo crime de estupro de vulnerável (STJ, Info
685).
O § 5º, introduzido pela Lei n.º 13.718/2018, estabelece que “as penas previstas no caput e nos §§
1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato
de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime”. Observa-se, assim, que o
enunciado sumular do STJ foi introduzido, com algumas modificações, no texto legal. Segundo a
doutrina, a interpretação do § 5º deve ser restrita quando se cuidar de pessoa com enfermidade
ou deficiência mental, para a devida compatibilização com o Estatuto da Pessoa com Deficiência,
nos moldes já explicitados.
É importante distinguir o estupro de vulnerável da violação sexual mediante fraude, prevista no art.
215 do CP.
No estupro de vulnerável, a vítima está totalmente privada de sua capacidade de resistência.
Exemplo: vítima completamente sedada, embriagada ou drogada.
Já na violação sexual mediante fraude (art. 215 do CP), também chamado de estelionato sexual, a
vítima tinha presente a sua capacidade de resistência, mas foi enganada. Exemplo: exames
ginecológicos com sedação ou anestesia parcial, falsos rituais de cura espiritual.
Questão importante decidida pela jurisprudência diz respeito à possibilidade de desclassificação do
estupro de vulnerável para importunação sexual (art. 215-A do CP).
Segundo restou assentado pelo STJ, presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de
terceiros, a prática de ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos configura o crime de
estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da
superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de
importunação sexual (art. 215-A do CP). STJ. 3ª Seção. REsp 1.959.697-SC, Rel. Min. Ribeiro
Dantas, julgado em 08/06/2022 (Recurso Repetitivo – Tema 1121. Info 740).

31ALei n.º 13.146 de 2015, em seu art. 6º, dispõe que “A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: II –
exercer direitos sexuais e reprodutivos”. O artigo 8º do mesmo diploma preceitua que é dever do Estado, da sociedade e da família
assegurar à pessoa com deficiência a efetivação dos direitos à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade, à maternidade, à dignidade,
entre outros.

235
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 3

A ação penal, para todas as figuras do art. 217-A, será pública incondicionada.

3. ARTIGO 218: CORRUPÇÃO DE MENORES

O art. 218 estabelece ser crime “induzir alguém menor de 14 (quatorze) anos a satisfazer a lascívia
de outrem”. A pena cominada é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Apesar do nomen iuris, esta figura não se confunde com o art. 244-B do Estatuto da Criança e do
Adolescente, mais popularmente conhecido como corrupção de menores (embora não seja
usada essa nomenclatura na Lei nº 8.069/90). A previsão da lei especial não tem qualquer cunho
sexual e é aplicada a indivíduo maior de idade que cometa crime em concurso com menor de
idade, independentemente da natureza da conduta criminosa.
Diante dessa situação, a doutrina sugere que o nomen iuris mais adequado ao tipo penal em comento
seria “mediação de menor vulnerável para satisfazer a lascívia de outrem”.
Percebe-se que a mediação pressupõe um triângulo constituído pelo mediador (sujeito ativo), a
vítima (menor de 14 anos induzida) e o destinatário da atividade criminosa do mediador.
Consuma-se o crime com o comportamento erótico do menor de 14 (quatorze) anos para satisfazer
a lascívia de outrem. Exemplo: indivíduo que induz menor de 14 (quatorze) anos a dançar nu
para um terceiro. Ainda que nenhum interesse sexual tenha sido despertado no terceiro, com o
comportamento do vulnerável o crime já estará caracterizado. Tem-se, assim, um crime
material, que exige o resultado naturalístico para a consumação. Não confundir com o art. 244-
B do ECA, que é formal, nos termos da Súmula 500 do STJ.
A satisfação da lascívia, na presente hipótese, deve se dar por atividades contemplativas
(contemplação passiva). Se houver contato físico, o crime poderá ser o do art. 217-A do CP.
Há certa semelhança com o tipo do art. 227 do CP (mediação para servir à lascívia de outrem). A
diferença se dá quanto à idade da vítima.
O verbo núcleo do tipo é induzir, isto é, criar na mente de alguém menor de 14 (quatorze) anos a
vontade de satisfazer a lascívia alheia.
A conduta deve atingir menores de 14 (quatorze) anos determinados. Se forem indeterminados, o
crime será de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual, estabelecido
no art. 218-B do CP.
Uma parcela da doutrina, a exemplo do professor Guilherme de Souza Nucci, entende ser o tipo
desnecessário, pois seria uma exceção pluralística à teoria monista quanto ao concurso de
agentes. Para o referido doutrinador, a conduta consiste em participação moral no estupro de
vulnerável, já que se induz o menor a um comportamento erotizado.32
O crime é comum. O sujeito ativo é também chamado de proxeneta (mediador da lascívia alheia).
Ressalte-se que proxeneta é diferente de cafetão ou rufião, conceitos que serão estudados
oportunamente.
A ação penal é pública incondicionada.

4. ARTIGO 218-A: SATISFAÇÃO DE LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE CRIANÇA


OU ADOLESCENTE

Segundo o art. 218-A, “praticar, na presença de alguém menor de 14 (quatorze) anos, ou induzi-lo a
presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem”, é
crime, com pena de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

O bem jurídico tutelado é a dignidade sexual do menor de 14 (quatorze) anos, que deve ter um
desenvolvimento moral sadio.

32NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: RT, 2010, p. 933.

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MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 3

Não há envolvimento corporal do vulnerável com qualquer pessoa. O menor limita-se a presenciar a
conjunção ou outro ato libidinoso, despertando, com isso, a lascívia do sujeito ativo ou de
terceiros.
Trata-se de tipo misto alternativo, de conteúdo múltiplo ou variado (se praticar na presença ou
induzir a presenciar, em relação à mesma vítima, no mesmo contexto fático, haverá crime
único).
Segundo uma parcela da doutrina, não é necessária a presença física do menor no ambiente. Basta
que a relação sexual seja presenciada ou assistida, ainda que por meios tecnológicos. Outra
corrente entende que, por meios virtuais, o crime seria o previsto no art. 241-D do ECA.
O tipo exige especial fim de agir, consistente na intenção de satisfazer lascívia própria ou de outrem.
O crime é formal, pois se consuma quando o menor presencia a prática da conjunção carnal ou outro
ato libidinoso. O crime não exige habitualidade, nem a efetiva satisfação sexual da pessoa
envolvida.
A ação penal é pública incondicionada.

5. ARTIGO 218-B: FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU DE OUTRA FORMA DE


EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE OU DE VULNERÁVEL

Nos termos do art. 218-B, “submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração
sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone” é crime
punido com reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

O tipo é misto-alternativo, de conteúdo múltiplo ou variado, pois prevê condutas praticadas contra
vítimas que ainda não foram inseridas na prostituição, nos casos dos verbos “submeter”, “induzir”, “atrair”
ou “facilitar” e, nos casos dos núcleos “impedir” ou “dificultar”, as vítimas são os indivíduos já prostituídos,
isto é, que exercem o comércio sexual habitualmente.

O art. 244-A do ECA foi revogado tacitamente pelo art. 218-B.

A prostituição é definida como comércio sexual exercido com habitualidade. Pressupõe contato
físico. Em nosso sistema penal, a prostituição, por si só, quando praticada por pessoa maior e capaz, não é
crime. Pune-se a exploração da prostituição e o envolvimento de menores. No caso da exploração de
adultos, o crime é o do art. 228 do CP.

O tipo penal também abrange condutas que não dependem de contato físico para a satisfação sexual.
Exemplo: shows eróticos, disque-sexo.

O crime é comum. Deve-se atentar para a majorante do art. 226, inciso II, do CP, isto é, crime
praticado por ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador,
preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela. Nesses casos, a
pena aumenta-se da metade na terceira fase da dosimetria. O sujeito passivo é a pessoa menor de 18
(dezoito) anos, homem ou mulher, ou que por enfermidade ou deficiência mental não tem o necessário
discernimento para a prática do ato. A doutrina destaca que, se menor de 14 (quatorze) anos, a hipótese
poderá ser de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP).

Segundo o STJ, nos termos do art. 218-B do Código Penal, são punidos tanto aquele que capta a
vítima, inserindo-a na prostituição ou outra forma de exploração sexual (caput), como também o cliente do
menor prostituído ou sexualmente explorado (§ 1º). HC 371.633/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado
em 19/03/2019 (Info 645).

237
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 3

Em outras palavras, este tipo penal incrimina:

• o proxeneta, este punido pelo caput do art. 218-B;

• e também o cliente da prostituição do menor, sancionado pelo § 1º do art. 218-B. O cliente pode
ser punido de forma autônoma, ou seja, mesmo que não haja um proxeneta.

Ainda que o próprio cliente tenha negociado o programa sem intermediários, haverá o crime. Basta
que o agente, mediante pagamento, convença a vítima, dessa faixa etária, a praticar com ele conjunção
carnal ou outro ato libidinoso33.

Considere que João, maior de idade, conheceu Pedro, de 16 (dezesseis) anos, em uma praça e
ofereceu R$ 50,00 e mais um lanche para que o adolescente fizesse sexo com ele no seu apartamento. Pedro,
garoto muito pobre, aceitou e João praticou ato libidinoso com o adolescente em troca de dinheiro. Essa
situação se repetiu por mais sete vezes, todas elas envolvendo sexo em troca de dinheiro. Os pais de Pedro
descobriram o fato e o Ministério Público denunciou João pela prática do crime previsto no art. 218-B, § 2º,
inciso I, do CP em continuidade delitiva (art. 71).

A defesa do acusado poderia ter sucesso se conseguisse provar que o adolescente de 16 (dezesseis)
anos já tinha discernimento para a prática do ato sexual e, portanto, não era vulnerável?

O tema é polêmico, mas o STJ respondeu que sim. Segundo decidiu a Corte, a vulnerabilidade no
caso do art. 218-B do CP é relativa. Assim, diferentemente do que ocorre nos artigos 217-A, 218 e 218-A do
Código Penal, nos quais o legislador presumiu de forma absoluta a vulnerabilidade dos menores de 14
(quatorze) anos, no art. 218-B não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18
(dezoito) anos ou a pessoa enferma ou doente mental, não tem, de fato, o necessário discernimento para a
prática do ato ou, por outra causa, não pode oferecer resistência34.

O STJ, apesar de ter fixado, em abstrato, a tese acima exposta, considerou que, no caso concreto, o
adolescente se entregou à prostituição em razão de sua péssima situação econômica, motivo pelo qual a sua
imaturidade, em função da idade, associada à sua situação financeira, o tornaram vulnerável. Em outras
palavras, a defesa não conseguiu afastar a presunção relativa e o rapaz foi considerado vulnerável, razão pela
qual caracterizou-se o crime.

Por fim, a defesa ponderou que não houve continuidade delitiva, ao argumento de que o crime do
art. 218-B só se consuma com a reiteração de atos, ou seja, não haveria o delito se o ato sexual fosse
praticado só uma vez. Logo, se o tipo penal exige obrigatoriamente pluralidade de atos, não se pode falar em
punição maior pela continuidade delitiva, já que a reiteração é algo que sempre deve existir. A tese, todavia,
não foi acolhida pelo STJ. Para a Corte, o crime se consuma mesmo que haja apenas uma relação sexual. O
tipo penal não exige habitualidade. Basta um único contato consciente com o adolescente submetido à
prostituição para que se configure o crime.35

A prostituta pode ser sujeito passivo deste crime? Sim, nas modalidades “impedir ou dificultar que
abandone a prostituição”.

O crime pode ser instantâneo, nos verbos “submeter”, “induzir”, “atrair” ou “facilitar”. Será
permanente nas modalidades “impedir” e “dificultar”.

33 STJ. 6ª Turma. REsp 1490891/SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 17/04/2018.
34 STJ. 5ª Turma. HC 371.633/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/03/2019. Info 645.
35 Fonte: Dizer o Direito. Acesso e disponibilidade em: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2019/06/info-645-stj-1.pdf.

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MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 3

Estabelece o § 1º que, “se o delito é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se
também multa”.

O § 2º, por seu turno, estabelece que incorre nas mesmas penas de reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez)
anos (figuras equiparadas):

I - Quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior
de 14 (quatorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;

Vale lembrar que, se o indivíduo praticar qualquer ato sexual com menor de 14 (quatorze) anos,
haverá estupro de vulnerável. Por outro lado, se o agente se vale do adolescente maior de 14 (quatorze) anos
e menor de 18 (dezoito) anos, já inserido na prostituição, para a prática de ato sexual, incidirá nas mesmas
penas do caput.

II - O proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas


no caput deste artigo.

Segundo o § 3º, “na hipótese do inciso II do § 2º, constitui efeito obrigatório da condenação a
cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento”.

O art. 218-B, em todas as suas modalidades, é catalogado como crime hediondo.


A ação penal é pública incondicionada.

6. ARTIGO 218-C: DIVULGAÇÃO DE CENA DE ESTUPRO E DE ESTUPRO DE


VULNERÁVEL, DE SEXO OU PORNOGRAFIA

Eis a redação do tipo penal:


Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou
divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de
informática ou telemática –, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha
cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática,
ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia. A pena é de
reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.

O crime foi acrescido ao CP pela Lei n.º 13.718/2018. Apesar da previsão do art. 154-A (invasão de
dispositivo informático), este dispositivo se mostrava insuficiente para tutelar outras formas de
exposição da intimidade que passaram a existir com o crescente avanço tecnológico. Na
atualidade, é comum o compartilhamento de dados contendo conteúdo pornográfico, como a
troca de “nudes” e cenas de sexo em aplicativos de conversas, salas de bate-papo virtuais e
redes sociais.
Trata-se de crime de médio potencial ofensivo. Admite a suspensão condicional do processo e o
acordo de não persecução penal.
O art. 218-C contém nove verbos núcleos do tipo. É misto-alternativo, de conteúdo múltiplo ou
variado. A prática de mais de uma conduta, no mesmo contexto fático e contra a mesma vítima,
caracteriza crime único.
Ademais, o crime é comum (pode ser praticado por qualquer pessoa). O agente que divulgou o vídeo
não necessariamente é o mesmo indivíduo que participou ou filmou o ato. Se for a mesma
pessoa, poderá haver concurso de crimes. Exemplo: imagine que o indivíduo praticou o estupro
e filmou o ato. Em seguida, ele divulgou o vídeo na internet. Neste caso, ele terá praticado dois
delitos em concurso material: estupro e o crime do art. 218-C do CP.
Nos casos de vítima menor de 18 (dezoito) anos, a subsunção pode se dar nos artigos 241 ou 241-A
do ECA, mais graves. Se a conduta consiste em vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou
outro registro audiovisual com cena envolvendo criança ou adolescente, o crime é o do art. 241

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MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 3

do ECA, punido com reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos. Tratando-se das demais condutas
envolvendo menores de idade, o crime é o do art. 241-A, punido com reclusão de 3 (três) a 6
(seis) anos.
O art. 218-C apresenta subsidiariedade expressa, ou seja, é preciso verificar se o fato não constitui
tipo mais grave. Pode ser praticado por qualquer meio (de forma livre).
O objeto material pode ser fotografia, vídeo ou outros registros audiovisuais. Não se exige especial
fim de agir ou objetivo de lucro.
A consumação ocorre no momento em que o agente pratica qualquer dos verbos descritos, ou seja,
oferece, troca, disponibiliza, transmite, vende, expõe à venda, distribui, publica ou divulga. A
tentativa é possível, pois se trata de crime plurissubsistente.
O § 1º dispõe que a pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado
por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim
de vingança ou humilhação. Pune-se de maneira mais grave o indivíduo que quebra uma relação
de confiança, em relações como o casamento, união estável ou namoro. Não se inserem nesta
definição relações casuais, sem maior vínculo entre o agente e a vítima, situações que se
subsumem à forma básica do caput. Quanto ao fim de vingança ou humilhação, tem-se o
chamado revenge porn, a vingança ou humilhação ocorrida, em geral, após o fim de
relacionamento amoroso. A parte inconformada com o término divulga registros da intimidade
do casal. Nesse caso, poderá se cogitar da incidência da causa de aumento a relações casuais,
desde que constatada a intenção de vingança.
No § 2º há previsão de excludente de ilicitude. Não há crime quando o agente pratica as condutas
descritas no caput deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou
acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua
prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos. Nessa hipótese, não há o dolo do
agente em provocar qualquer prejuízo, de humilhar ou expor a vítima a constrangimento.
Por fim, vale notar que não se trata de crime hediondo.
A ação penal é pública incondicionada.

240
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 4

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: DO


4 RAPTO

Artigos 219 a 222 revogados pela Lei n.º 11.106/2005.

241
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 5

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL:


5
DISPOSIÇÕES GERAIS

242
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 5

Artigos 223 e 224 revogados pela Lei n.º 12.015/2009.

1. ARTIGO 225: AÇÃO PENAL

“Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública
incondicionada”. A redação foi dada pela Lei n.º 13.718/2018. Antes, a regra era a ação penal
condicionada à representação, sendo incondicionada apenas quando a vítima fosse menor de
18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável (Lei nº 12.015/2009).
Conforme se nota, o legislador não primou pela melhor técnica na redação atual do art. 225. Isso
porque, como regra no CP, quando a lei nada diz, a ação é pública incondicionada. A lei é
expressa nas ações públicas condicionadas à representação e nas ações penais privadas. Como
a ação penal passou a ser pública incondicionada em todos os crimes contra a dignidade sexual,
bastaria ter revogado o art. 225 do CP.
Com isso, supera-se o debate a respeito da eficácia da Súmula 608 do STF: “No crime de estupro,
praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.”
Alguns doutrinadores tecem críticas à nova previsão legal, vez que ignora o strepitus judicii, isto é,
constrangimento gerado pelo processo. Retira-se da vítima maior e capaz a possibilidade de
optar por não expor e reviver fatos relativos à sua intimidade.
Por se tratar de matéria de processo penal, mas com reflexos penais evidentes, a inovação não pode
retroagir, pois é desfavorável aos acusados.

2. ARTIGO 226: AUMENTO DE PENA

O aumento previsto no art. 226 é aplicável aos crimes dos Capítulos I e II, isto é, aos artigos 213, 215,
215-A, 216-A, 216-B, 217-A, 218, 218-A, 218-B e 218-C (crimes contra a liberdade sexual, de
exposição da intimidade sexual e crimes sexuais contra vulnerável).
I – de quarta parte (1/4), se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas;
II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge,
companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro
título tiver autoridade sobre ela;
III – (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
IV – de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado:

• Estupro coletivo: mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes;

Forma de concurso de pessoas, já existente no inciso I, cuja única diferença é a fração de aumento.
Seria um deslize do legislador? A doutrina entende ser plenamente possível compatibilizar
ambos os dispositivos. O inciso I é aplicável a todos os delitos dos capítulos I e II. Já o inciso IV é
específico para o crime de estupro, inclusive o de vulnerável.

• Estupro corretivo: para controlar o comportamento social ou sexual da vítima.

Abrange, em regra, crimes contra mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais. O estuprador age a
pretexto de “corrigir” a orientação sexual ou identidade de gênero da vítima. Por óbvio que a
motivação é das mais reprováveis, pautada por ódio e preconceito.
O prof. Sanches Cunha explica que se trata da violência usada como um castigo pela negação da
mulher à masculinidade do homem.36

36 CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Volume Único. Parte Especial. 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 577.

243
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 5

A Lei n.º 13.718/2018 entrou em vigor na data de sua publicação, em 25/09/2018. Como se trata de
lei penal mais gravosa (novatio legis in pejus), não retroage, não alcançando fatos praticados
antes da sua vigência.
A regra de irretroatividade vale, inclusive, para as ações penais. Assim, por exemplo, se, em
24/09/2018, o agente cometeu contra uma mulher maior de 18 (dezoito) anos um assédio
sexual (art. 216-A do CP), a ação penal continua sendo pública condicionada à representação.

QUESTÕES
1. (CEBRASPE – MPPI - 2019) A respeito de crimes contra a dignidade sexual, assinale a opção correta.
a) Para a configuração do crime de estupro de vulnerável, é relevante, na avaliação da atipicidade da
conduta, averiguar a existência de relacionamento amoroso entre a vítima e o agente.

b) O STJ pacificou o entendimento de que, com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência,
eventual consentimento da vítima afasta a tipicidade do estupro de vulnerável.

c) Em regra, o crime de importunação sexual pode ter como agente passivo pessoa vulnerável, dados a
especificidade da conduta e seu caráter de crime não subsidiário.

d) Caracteriza o crime de assédio sexual a conduta de médico ginecologista que, durante atendimento,
pratica ato libidinoso contra paciente, aproveitando-se do consentimento dado por ela para a
realização de exame ginecológico.

e) Em se tratando de crime de estupro em que a vítima seja maior de 18 (dezoito) anos de idade e
plenamente capaz, a ação penal é pública incondicionada, ainda que não tenha ocorrido violência
real na prática do crime.

2. (CEBRASPE – TJPR – 2019) Julgue os itens a seguir, relativos a delitos de natureza sexual.
I - Praticar, em local público, ato libidinoso contra alguém e sem o seu consentimento caracteriza
contravenção penal tipificada como importunação ofensiva ao pudor.
II - Praticar conjunção carnal com o parceiro na presença de menor de 14 (quatorze) anos de idade,
a fim de satisfazer a própria lascívia, configura, a princípio, o tipo penal específico denominado
satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente.
III - Praticar ato obsceno em praça pública, ainda que sem a intenção de ultrajar alguém específico,
configura crime de importunação sexual, que, por equiparação, é considerado hediondo.
IV - Divulgar na Internet fotografias de conteúdo pornográfico envolvendo adolescente, como meio
de vingança pelo término de relacionamento, configura crime específico previsto no ECA, o que
afasta a incidência do novo tipo penal previsto no art. 218-C do Código Penal.
Estão certos apenas os itens:
a) I e III.

b) I e IV.

c) II e III.

d) II e IV.

3. (CEBRASPE – TJSC – 2019 adaptada) Um indivíduo poderá responder criminalmente por violação
sexual mediante fraude, caso pratique frotteurismo contra uma mulher em uma parada de
ônibus coletivo lotada, sem o consentimento dela.

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MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 5

4. (CEBRASPE – TJSC – 2019 adaptada) Tanto ao agente, maior e capaz, que praticar o crime de
estupro coletivo quanto ao agente, maior e capaz, que praticar o crime de estupro corretivo será
aplicada a mesma majorante de pena in abstrato.

GABARITO
1. Gabarito: letra E, nos termos do art. 225 do Código Penal.
2. Gabarito: letra D. Vide art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. Gabarito: ERRADO. Frotteurismo significa a prática de esfregar, fazer fricção. A conduta se amolda
ao art. 215-A do CP (importunação sexual).
4. Gabarito: CORRETO, nos exatos termos do art. 226, inciso IV, do CP.

245
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 6

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: DO


6 LENOCÍNIO E DO TRÁFICO DE PESSOA PARA O FIM DE
PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO
SEXUAL

246
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 6

1. ARTIGO 227: MEDIAÇÃO PARA SERVIR A LASCÍVIA DE OUTREM

O tipo penal prevê como criminosa a conduta de “induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem”.
A pena é de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
O crime é chamado de “lenocínio principal”, isto é, dar assistência à libidinagem de outrem ou dela
tirar proveito. As figuras do caput e dos parágrafos estão relacionadas aos mediadores da
exploração sexual.
A prostituição é apenas uma das formas de exploração sexual. Existem outras, como o turismo
sexual, a pornografia e o tráfico para fins libidinosos.
O crime é de médio potencial ofensivo. Comporta a suspensão condicional do processo e o acordo
de não persecução penal, desde que não haja violência ou grave ameaça.
A conduta punível é a de induzir alguém a satisfazer a lascívia de pessoa determinada. Do contrário,
se a vítima é induzida a satisfazer a lascívia de um número indeterminado de pessoas, haverá o
crime de favorecimento da prostituição (art. 228 do CP).
A satisfação pode se dar mediante qualquer atividade de cunho sexual, incluindo a mera
contemplação passiva. É um crime de ação livre, não necessariamente habitual.
Uma parcela minoritária da doutrina entende que a conduta deveria ser abolida do ordenamento, já
que a questão é de âmbito moral. A liberdade sexual, exercida sem violência ou grave ameaça,
não deve ser tutelada pelo Estado quando se tratar de pessoas maiores e capazes que exercem
livremente a sua vontade.
O tipo penal traz apenas o verbo “induzir” (fazer nascer a ideia). Não contempla o verbo “instigar”
(reforçar a vontade já existente) que será, a princípio, atípico.
O crime é comum. Não exige nenhuma característica especial do sujeito ativo.
A conduta somente é praticada a título de dolo, este entendido como a vontade livre e consciente
de induzir a vítima a satisfazer a lascívia de pessoa determinada. Há uma finalidade pessoal, que
é busca da satisfação da lascívia de outrem.
A consumação ocorre com a prática do ato que importa satisfação da lascívia da outra pessoa,
independentemente dessa pessoa se considerar satisfeita com o ato ou não. O crime é material
ou causal.
Os parágrafos contemplam as qualificadoras.
O § 1º estabelece que, “se a vítima é maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o
agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou
pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda”, a pena
passa a ser de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. Vale lembrar que, se a vítima tem menos de
14 (quatorze) anos, a figura é a descrita no art. 218 do CP.
No § 2º tem-se que, “se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude”, a
pena passa a ser de reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência
(concurso material obrigatório).
Por fim, no § 3º, “se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa”. É o chamado
lenocínio mercenário ou questuário. Não é preciso que haja habitualidade. Não se confunde
com o rufianismo, previsto no art. 230, no qual a vítima exerce a prostituição, havendo a
exploração de forma habitual. Na hipótese ora em comento, a pessoa explorada não exerce
atividade de comércio sexual, nem se exige habitualidade.
A ação penal é pública incondicionada.

247
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 6

2. ARTIGO 228: FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE


EXPLORAÇÃO SEXUAL

No art. 228, temos a conduta de “induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de
exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone”. A pena cominada é
de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Na figura do art. 227 do CP, anteriormente estudada, a vítima não era prostituída. No tipo legal em
destaque, a vítima vai praticar o comércio sexual com habitualidade. Ocorrerá, portanto, a
prostituição ou outra forma de exploração, como o turismo para fins libidinosos.
O crime é comum. Pode ser praticado por qualquer pessoa. Nos termos do § 1º, “se o agente é
ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador,
preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de
cuidado, proteção ou vigilância”, haverá forma qualificada do crime, com pena de reclusão, de
3 (três) a 8 (oito) anos.
O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, desde maior de 18 (dezoito) anos, plenamente capaz.
Conforme já visto, vítima menor de 18 (dezoito) anos ou que apresente característica de
vulnerabilidade, por enfermidade ou doença mental, que não tenha o necessário discernimento
para a prática do ato, torna o agente incurso no art. 218-B do CP, crime hediondo.
A prostituição é o comércio sexual exercido com habitualidade.
O Brasil adotou o sistema abolicionista, segundo o qual a prostituição, por si só, não constitui crime
ou contravenção, fazendo parte do livre arbítrio individual, da liberdade de disposição do corpo
para fins sexuais. Não é punido quem exerce a prostituição, mas se pune quem a favorece (art.
228), contribui para sua manutenção, intermediando encontros (art. 229) ou dela se aproveita
materialmente (art. 230). O que se pune é a exploração ou estímulo, para evitar a proliferação
desenfreada.
O art. 228 do CP comina penas ao favorecimento da prostituição, isto é, ao comércio sexual habitual
com contato físico entre as partes envolvidas, bem como a qualquer outra forma de exploração
sexual que não depende de contato físico, a exemplo de shows eróticos.
A exploração sexual é elemento normativo do tipo, isto é, de índole cultural, devendo seu conceito
ser obtido pelo intérprete a depender do momento em que se vive, da situação daquela
comunidade, dentre outros aspectos históricos e regionais envolvidos. Ressalte-se que o Poder
Público faz vistas grossas a estabelecimentos de exploração sexual de pessoas maiores, sendo
conhecidos em todas as cidades os locais onde tais práticas ocorrem.
O tipo é misto alternativo, de ação múltipla ou conteúdo variado. Os verbos são:

• Induzir: dar a ideia, inspirar;

• Atrair: aliciar ou seduzir;

• Facilitar: simplificar o acesso;

Nesses três casos, a vítima ainda não se dedica à prostituição.

• Impedir: vedar ou obstar;

• Dificultar: tornar mais oneroso, criar obstáculos.

Nesses últimos dois casos, a pessoa já se encontra no comércio sexual habitual. A conduta punida
será a do indivíduo que impede ou dificulta que o sujeito prostituído abandone a prostituição.

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MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 6

O § 2º contempla forma qualificada, com pena de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, quando o
crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude. Por certo, não se deixará
de aplicar a pena correspondente à violência. Haverá, assim, concurso de crimes.
Por fim, o art. 228, § 3º, estabelece que, se há finalidade de lucro, aplica-se também a pena de multa.
Não se exige a efetiva obtenção da vantagem econômica, basta a intenção de recebê-la.
A ação penal é pública incondicionada

3. ARTIGO 229: CASA DE PROSTITUIÇÃO

“Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja,
ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente.” Esta é a conduta
criminosa definida como casa de prostituição, de elevado potencial ofensivo. A pena é de
reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Não são cabíveis os benefícios da Lei nº 9.099/95,
porém admite-se o acordo de não persecução penal. Alguns autores atribuem ao delito o nomen
juris “estabelecimento para exploração sexual”.37
O verbo núcleo do tipo é “manter” e, assim, exige um comportamento costumeiro. A doutrina
entende que, além de ser crime habitual, é também permanente, já que enquanto se mantém
o estabelecimento para exploração sexual o delito está sendo consumado. A habitualidade é
incompatível com a tentativa.
Incluem-se no tipo penal os bordéis, casas de tolerância, “inferninhos”, “zonas”, casas de strip-tease,
“clubes das mulheres”. Porém, o nome utilizado não é relevante, mas sim a atividade exercida.
Conforme se extrai da leitura do dispositivo, é indiferente que o proprietário compareça ao local,
desde que mantenha a estabelecimento destinado ao fim de exploração sexual.
O sujeito ativo é qualquer pessoa, sendo crime comum. Tem-se a figura do proxeneta, o
intermediário para relações sexuais alheias.
O sujeito passivo é a pessoa explorada sexualmente e, em segundo plano, a coletividade.
O elemento subjetivo é o dolo. A intenção de lucrar (animus lucrandi) é irrelevante para fins de
tipicidade. Poderá ser valorada na fixação da pena-base, nos termos do art. 59 do CP.
Não se cogita de atipicidade material, pela aplicação do princípio da adequação social, sob o
argumento de que são atividades toleradas socialmente, praticadas em estabelecimentos
conhecidos de toda a população. O costume não revoga o tipo penal. Cabe somente ao
legislador o papel de revogar ou modificar a lei penal em vigor, isto é, a abolitio criminis só ocorre
por força de lei38.
Embora polêmico, segundo entendimento mais recente do STJ, o estabelecimento que não se volta
exclusivamente à prática de mercancia sexual, tampouco envolve menores de idade ou do qual
se comprove retirada de proveito, auferindo lucros da atividade sexual alheia mediante ameaça,
coerção, violência ou qualquer outra forma de violação ou tolhimento à liberdade das pessoas,
não dá origem a fato típico a ser punido na seara penal.39

37CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Volume único. Parte Especial. 12 ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 583.
38
STF, HC 104.467/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, Informativo 615.
39Exemplo fornecido no Informativo Comentado pelo Dizer o Direito: João era proprietário de um bar e restaurante denominado

“Tesouro”. O agente, pretendendo aumentar a clientela e auferir maiores lucros, convidou mulheres de cidades próximas para se
prostituírem no local. Para tanto, acertou com elas que forneceria hospedagem e alimentação em troca da realização de programas
sexuais com clientes do estabelecimento. Conforme ficou combinado, quando os clientes chegassem ao local as garotas os
convenceriam a pagar bebidas, que eram vendidas por doses e em valores superiores ao de mercado. Em seguida, essas mulheres
acertariam com os clientes a realização de programa sexual num dos quartos do local, mediante o pagamento de valor ao dono do
estabelecimento. Ao fim, a mulher ficaria com o valor correspondente ao programa enquanto o denunciado ganharia com a venda
das bebidas e com o aluguel dos quartos. Por tal conduta, João foi denunciado nas penas do art. 229 do CP. Segundo decidiu o STJ, a
conduta de João é atípica. Fonte: Dizer o Direito. Acesso e disponibilidade em:
https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2018/11/info-631-stj.pdf

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MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 6

A “exploração sexual” é elemento normativo do tipo, de modo que a conduta consistente em manter
casa para fins libidinosos, por si só, não mais caracteriza crime, sendo necessário, para a
configuração do delito, que haja exploração sexual, assim entendida como a violação à liberdade
das pessoas que ali exercem a mercancia carnal.
Dessa forma, crime é manter pessoa em condição de explorada, obrigada, coagida, não raro em más
condições, ou mesmo em condição análoga à de escravidão, impondo-lhe a prática de sexo sem
liberdade de escolha, ou seja, com tolhimento de sua liberdade sexual e em violação de sua
dignidade sexual.
Nesse sentido, o bem jurídico tutelado não é a moral pública, mas a dignidade sexual, como, aliás,
o é em todos os crimes constantes do Título VI da Parte Especial do Código Penal, e o sujeito
passivo do delito não é a sociedade, mas a pessoa explorada, vítima da exploração sexual.
Assim, se não se trata de estabelecimento voltado exclusivamente para a prática de mercancia
sexual, tampouco há notícia de envolvimento de menores de idade, nem comprovação de que
o recorrido tirava proveito, auferindo lucros da atividade sexual alheia mediante ameaça,
coerção, violência ou qualquer outra forma de violação ou tolhimento à liberdade das pessoas,
não há que se falar em fato típico a ser punido na seara penal40.
A ação penal é pública incondicionada.

4. ARTIGO 230: RUFIANISMO

O art. 230 prevê como criminosa a conduta de “tirar proveito da prostituição alheia, participando
diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça”.
A pena é de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. É crime de médio potencial ofensivo,
sendo possível a suspensão condicional do processo e o acordo de não persecução penal.
O tipo exige que o sujeito seja sustentado pela prostituição (rufião ou cafetão). A exploração é
material, econômica, daquilo que a pessoa prostituída aufere, e não do corpo.
O sujeito ativo é qualquer pessoa (crime comum).
Para a caracterização do crime, é necessário que haja habitualidade, ou seja, deve haver reiteração
de comportamento, constituindo-se em crime habitual.
Embora a prostituição em si não seja ilícita, o Estado não tolera a conduta daqueles que se mantém
às custas de quem se prostitui.
O crime é material, consumando-se com o proveito obtido em decorrência da prostituição alheia.

Segundo a doutrina, o rufianismo poderá ser ativo ou passivo:

• Rufianismo ativo: é aquele no qual o indivíduo tira proveito da prostituição alheia, participando
diretamente de seus lucros. Exemplo: cafetão.

• Rufianismo passivo: tem-se quando o indivíduo tira proveito da prostituição alheia, fazendo-se
sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça. Exemplo: gigolô.

Há quem sustente a inconstitucionalidade do dispositivo na forma básica (caput), vez que a questão,
de cunho eminentemente moral, está relacionada à liberdade sexual de indivíduos maiores e capazes, não
devendo ser punida pelo Direito Penal.

Nos termos do § 1º, “se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze) anos ou se o crime
é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor
ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma,

40REsp 1.683.375-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, julgado em 14/08/2018, DJe 29/08/2018, noticiado
no Informativo 631.

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MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 6

obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”, a pena passa a ser de reclusão, de 3 (três) a 6


(seis) anos, e multa (forma qualificada).
Por sua vez, o § 2º prevê que, “se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou
outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima”, a pena será de
reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência (concurso
obrigatório de crimes).
É importante estabelecer a diferença do crime de mediação para satisfazer a lascívia de outrem com
o fim de lucro (art. 227, §3º, do CP) e rufianismo (art. 230).
O ponto em comum é que ambos são espécies de lenocínio questuário ou mercenário, em que há o
desejo de obter vantagem econômica pela atividade sexual de terceira pessoa.
No rufianismo, a pessoa explorada exerce a prostituição, e sua configuração reclama habitualidade,
pois o agente tira proveito da prostituição alheia, participando diretamente dos seus lucros
(rufianismo ativo) ou fazendo-se sustentar (rufianismo passivo), no todo ou em parte, por quem
a exerça.
Já na mediação para servir a lascívia de outrem, a pessoa explorada não se prostitui, e o delito é
instantâneo (não requer habitualidade, uma única conduta já perfaz o crime). Em outras
palavras, para sua consumação basta um único ato de induzir alguém a satisfazer a lascívia
alheia.
A ação penal é pública incondicionada.

5. ARTIGOS 231 E 231-A: TRÁFICO INTERNACIONAL E INTERNO PARA FIM DE


EXPLORAÇÃO SEXUAL

Revogados pela Lei n.º 13.344/2016, que introduziu no Código Penal o art. 149-A (tráfico de pessoas).
Não houve abolitio criminis. As condutas continuam sendo punidas, porém em dispositivo
diverso, aplicando-se ao caso o princípio da continuidade normativo-típica.

6. ARTIGO 232-A: PROMOÇÃO DE MIGRAÇÃO ILEGAL

Segundo o art. 232-A, “promover, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem econômica, a
entrada ilegal de estrangeiro em território nacional ou de brasileiro em país estrangeiro” é crime
apenado com reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
O tipo penal foi introduzido no CP pela Lei n.º 13.445/2017, a qual instituiu a Lei de Migração e
revogou o Estatuto do Estrangeiro.
A localização topográfica do artigo no CP é alvo de muitas críticas e está, nitidamente, equivocada,
pois o crime de promoção de migração ilegal não tem conotação sexual e não se confunde, de
forma alguma, com o tráfico de pessoas para exploração sexual, que antes da Lei n.º
13.344/2016 fazia parte do mesmo Capítulo.
A conduta ora em estudo consiste em viabilizar a entrada, no território brasileiro, de estrangeiro que
não cumpre os requisitos legais estabelecidos na própria Lei de Migração.
O crime é comum (pode ser cometido por qualquer pessoa).
A Lei de Migração tem como um dos seus princípios a não criminalização do migrante ilegal (art. 3º,
inciso III, da Lei n.º 13.445/2017). A punição se dirige ao indivíduo que promove a migração de
terceiro, com intuito de obter vantagem econômica.
O sujeito passivo é o Estado, o qual deve ter controle sobre o trânsito de estrangeiros no país.
O tipo contém a finalidade especial de obter vantagem econômica. Não haverá crime se alguém tiver
o intuito de auxiliar pessoa que pretende ingressar ilegalmente no território nacional ou em país
estrangeiro.
É compatível com a tentativa.

251
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 6

No § 1º há previsão de figura equiparada. “Na mesma pena incorre quem promover, por qualquer
meio, com o fim de obter vantagem econômica, a saída de estrangeiro do território nacional
para ingressar ilegalmente em país estrangeiro.”
O § 2º estabelece causa de aumento de pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) se:
I - o crime é cometido com violência; ou
II - a vítima é submetida a condição desumana ou degradante.
Nesse último caso, o legislador está atento, sobretudo, às condições de transporte e moradia a que
os migrantes se submetem.
Por fim, o § 3º prevê que “a pena prevista para o crime será aplicada sem prejuízo das
correspondentes às infrações conexas”, a exemplo do tráfico de pessoas e a falsificação de
documentos.
A ação penal é pública incondicionada. A competência é da Justiça Federa

252
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 7

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: DO


7
ULTRAJE PÚBLICO AO PUDOR

253
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 7

1. ARTIGO 233: ATO OBSCENO

“Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público” acarreta pena de
detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. Trata-se de infração de menor potencial
ofensivo, que comporta os institutos despenalizadores da Lei n.º 9.099/1995.
O ato obsceno é aquele dotado de sexualidade, idôneo a ferir o sentimento de pudor, não aceito
socialmente. Exemplos: exibir os órgãos genitais, andar nu em locais públicos.
O simples verbalizar, utilização de palavras de baixo calão ou de cunho sexual, não tipifica a conduta,
já que o verbo núcleo do tipo é “praticar”, exigindo-se um agir.
O bem jurídico tutelado é o pudor público, a moral coletiva. A prática do ato não se dirige a uma
pessoa específica. Nesse último caso, poderá haver a importunação sexual, descrita no art. 215-
A do CP.
Qualquer pessoa poderá ser sujeito ativo do crime.
O costume não revoga a lei penal, mas o que se considera ato obsceno tem mudado ao longo dos
anos. Assim, ato obsceno é elemento normativo do tipo, que comporta interpretação pelo
magistrado, a depender dos costumes locais, da aceitação cultural de determinada conduta, o
que pode, inclusive, se modificar ao longo do tempo.
É importante diferenciar os seguintes conceitos:

• Lugar público: é aquele lugar que é acessível por qualquer pessoa. Exemplo: rua, praça, etc.

• Lugar aberto ao público: é o lugar em que o público pode frequentar, ainda que se trate de um
número indeterminado de pessoas. Não significa livre acesso, mas um indeterminado número de
pessoas poderá frequentar, desde que observe a forma adequada. Exemplo: cinema,
restaurante, teatro, hotel, etc.

• Lugar exposto ao público: o local não é aberto, mas o público consegue ver o que lá acontece.
Exemplo: garagem com um portão que permite ver o que se passa dentro, casa com janelas de
vidro.

O delito somente se verifica na modalidade dolosa. Consuma-se com a prática do ato obsceno, sendo
um crime de mera conduta (ou simples atividade). O tipo penal descreve o comportamento
ilícito, sem a previsão de qualquer resultado naturalístico.
A ação é pública incondicionada.

2. ARTIGO 234: ESCRITO OU OBJETO OBSCENO

Nos termos do art. 234, “fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de
comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou
qualquer objeto obsceno” é crime apenado com detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou
multa. O parágrafo único estabelece condutas equiparadas. Incorre na mesma pena quem:
I - vende, distribui ou expõe à venda ou ao público qualquer dos objetos referidos neste
artigo;
II - realiza, em lugar público ou acessível ao público, representação teatral, ou exibição
cinematográfica de caráter obsceno, ou qualquer outro espetáculo, que tenha o mesmo
caráter;
III - realiza, em lugar público ou acessível ao público, ou pelo rádio, audição ou recitação de
caráter obsceno.

Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, cabendo transação penal e suspensão condicional
do processo.

254
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 7

A previsão revela-se um tanto inadequada e curiosa para os dias atuais, visto que as possibilidades
de tipificação são inúmeras. Devido às mudanças na sociedade frente à liberdade de expressão,
o tipo penal não encontra muita aplicação prática. A tipificação depende de ofensa à
moralidade pública. Há, assim, um descompasso entre a letra da lei e a realidade dos dias de
hoje.
A conduta de “expor à venda” é crime permanente, já que a conduta se prolonga no tempo.
Objeto obsceno é elemento normativo do tipo, que comporta interpretação, a depender da época e
dos costumes sociais.
O crime é comum, doloso, formal, de perigo abstrato (basta a potencialidade de ofensa à moralidade
pública), não requer resultado naturalístico.
É indispensável a presença de dois elementos especiais subjetivos: a finalidade de comércio, de
distribuição ou de exposição pública, bem como o propósito de ofender a moral pública.
A ação penal é pública incondicionada.

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MICHELLE TONON DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 40

40 DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

256
MICHELLE TONON DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 40

Alguns conceitos são importantes para o início do presente estudo.


Crimes funcionais próprios: são aqueles em que, se não houver a qualidade de funcionário público,
a conduta se torna um indiferente penal. Exemplo: prevaricação (art. 319).
Crimes funcionais impróprios: quando há o desaparecimento da qualidade especial de servidor
público, o delito é desclassificado para outro tipo penal. Exemplo: peculato-furto (art. 312). Caso
não haja a condição de funcionário público, haverá o crime de furto (art. 155).
O particular pode praticar crime funcional (próprio ou impróprio) contra a Administração Pública?
Sim, pois nos termos do art. 30 do CP, não se comunicam as circunstâncias e as condições de
caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. A condição de funcionário público, por ser
elementar dos crimes funcionais, comunica-se aos particulares que tiverem concorrido para o
fato. Por certo, a elementar deve ser de conhecimento do particular (extraneus), sob pena de
se consagrar responsabilização penal objetiva. Portanto, o particular que pratica o crime
juntamente com o servidor público, sabendo desta condição pessoal, poderá ser coautor ou
partícipe do crime funcional.
O conceito de funcionário público para fins penais está disposto no art. 327 do CP. É aquele indivíduo
que, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
O art. 327 é, assim, uma norma penal explicativa ou interpretativa. Inserem-se no conceito de
funcionário público os jurados, quando no desempenho da função.
O § 1º do art. 327 contempla as figuras equiparadas. “Equipara-se a funcionário público quem exerce
cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora
de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração
Pública”.
Exemplos de empresas prestadoras de serviço conveniadas são as Santas Casas de Misericórdia.
Entidades paraestatais são as empresas do “Sistema S” (SESI, SESC, SENAI). Exemplos de pessoas
contratadas para exercer atividade típica da Administração Pública são os funcionários de
hospitais particulares e médicos contratados para atenderem pelo Sistema Único de Saúde.
Segundo recentemente decidiu o STF, o diretor de organização social pode ser considerado
funcionário público por equiparação para fins penais. Isso porque as organizações sociais que
celebram contratos de gestão com o Poder Público devem ser consideradas “entidades
paraestatais”, nos termos do art. 327, § 1º do CP.41
Agentes políticos, tais como os membros do Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e
Defensoria Pública também se inserem no conceito de funcionário público, para fins penais.
Função pública é diferente de munus público. Segundo a doutrina, não se inserem no conceito do
art. 327 do CP aqueles que exercem munus público, como os tutores, curadores, inventariantes
e o defensor dativo (não integrante da Defensoria Pública). Todavia, quanto aos defensores
dativos, o STJ tem entendimento em sentido diverso.42
Vale ressaltar que, segundo o § 4º do art. 33 do CP, para que o condenado por crime contra a
Administração Pública tenha direito à progressão de regime prisional é necessário que faça a
reparação do dano causado, ou a devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos
legais. O STF decidiu que essa previsão é constitucional. No entanto, deve ser permitido que o

41
STF. 1ª Turma. HC 138484/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/9/2018. Informativo 915.
42 EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. DEFENSOR DATIVO.
CONVÊNIO ENTRE A OAB E A DEFENSORIA PÚBLICA. LOCAL CARENTE DE SERVIÇOS DA INSTITUIÇÃO. ENQUADRAMENTO COMO
FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA FINS PENAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NÃO OCORRÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO
IMPROVIDO.
1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, em homenagem ao princípio da celeridade e economia processual.
2. Segundo a jurisprudência pacífica desta Corte Superior é possível considerar o defensor dativo, cujas atividades derivam de
convênio realizado entre a OAB e a Defensoria Pública para realização de defesa em local não provido de atuação dessa instituição,
como funcionário público, para fins penais, nos termos do art. 327 do CP.
3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.
(EDcl no RHC 126.207/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 09/06/2020)

257
MICHELLE TONON DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA • 40

sentenciado faça o parcelamento do valor da dívida, em especial quando se tratar de valores


vultuosos (Informativo 772).
Quanto ao princípio da insignificância, como causa que afasta a tipicidade material da conduta, a
orientação que prevalece é no sentido de não ser aplicável aos crimes contra a Administração
Pública, em razão de não se tutelar apenas o aspecto patrimonial, mas sobretudo a moralidade
administrativa, que não é quantificável em termos financeiros. A exceção é quanto ao delito de
descaminho, previsto no art. 334 do CP, que possui peculiaridades, a serem estudadas
oportunamente.
Nesse sentido, o STJ editou a Súmula 599, segundo a qual o “princípio da insignificância é inaplicável
aos crimes contra a Administração Pública.”
Não se desconhece, porém, a existência de julgados em sentido diverso, inclusive no âmbito do
próprio STJ. Com efeito, foi reconhecida a insignificância na conduta de danificar um cone de
trânsito avaliado em 20 (vinte) reais.43
No STF, há julgados admitindo a aplicação do princípio mesmo em outras hipóteses além do
descaminho, como foi o caso do HC 107370, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/04/2011
e do HC 112388, Rel. p/ Acórdão Min. Cezar Peluso, julgado em 21/08/2012. Segundo o
entendimento que prevalece no STF, a prática de crime contra a Administração Pública, por si
só, não inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância, devendo haver uma análise do caso
concreto para se examinar se incide ou não o referido postulado. Exemplo: na situação de
apropriação de folhas de papel, canetas ou outros objetos de pequeno valor, o STF tem
relativizado a aplicação do princípio da insignificância.
A seguir, nos artigos 312 a 326, serão estudados os crimes funcionais, isto é, aqueles praticados por
funcionário público contra a Administração.

QUESTÃO
(CESPE-CEBRASPE PF 2021) Um médico de hospital particular conveniado ao Sistema Único de Saúde
pode ser equiparado a funcionário público, para fins de responsabilização penal.

GABARITO

Gabarito: item certo, nos exatos termos do parágrafo § 1º do art. 327 do Código Penal.

43PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DANO QUALIFICADO. INUTILIZAÇÃO DE UM CONE. IDOSO
COM 83 ANOS NA ÉPOCA DOS FATOS. PRIMÁRIO. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. MITIGAÇÃO EXCEPCIONAL DA SÚMULA N.
599/STJ. JUSTIFICADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. A subsidiariedade do direito penal não permite tornar o processo criminal instrumento de repressão moral, de condutas típicas
que não produzam efetivo dano. A falta de interesse estatal pelo reflexo social da conduta, por irrelevante dado à esfera de direitos
da vítima, torna inaceitável a intervenção estatal-criminal.
2. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a
concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
3. A despeito do teor do enunciado sumular n. 599, no sentido de que o princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a
administração pública, as peculiaridades do caso concreto - réu primário, com 83 anos na época dos fatos e avaria de um cone
avaliado em menos de R$ 20,00, ou seja, menos de 3% do salário mínimo vigente à época dos fatos - justificam a mitigação da referida
súmula, haja vista que nenhum interesse social existe na onerosa intervenção estatal diante da inexpressiva lesão jurídica provocada.
3. Recurso em habeas corpus provido para determinar o trancamento da ação penal n. 2.14.0003057-8, em trâmite na 2ª Vara
Criminal de Gravataí/RS.
(RHC 85.272/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 14/08/2018, DJe 23/08/2018). Grifou-se.

258
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 8

DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:


8 DOS CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO
PÚBLICO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL

259
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 8

1. ARTIGO 312: PECULATO

“Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou
particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”
é conduta punida com reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Admite o acordo de não
persecução penal.
O termo peculato vem do latim pecus, que significa não só gado, mas também moeda, como em
pecúnia e pecuniário.
O crime é próprio, somente pode ser praticado por funcionário público. Porém, é possível o concurso
de agentes com o particular, desde que este conheça a condição de funcionário público do
comparsa (elementar).44
O sujeito passivo é o Estado. No caso do bem pertencente a particular, o proprietário também será
vítima.

1.1. Modalidades de peculato


Peculato-apropriação: agente se apodera de coisa que tem sob sua posse legítima. Exemplo:
escrivão de polícia encarregado de receber os valores pagos a título de fiança na delegacia e que
se apropria das quantias.
Peculato-desvio: agente confere destinação diversa à coisa. É também chamado de malversação.
Peculato-furto: ou impróprio. É aquele descrito no § 1º. “Aplica-se a mesma pena de reclusão, de 2
(dois) a 12 (doze) anos, e multa, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro,
valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio,
valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.” Exemplo: no caso
da situação hipotética das fianças que são recebidas pelo escrivão de polícia, se o policial
investigador, que não é o responsável por essa função, entra na sala do colega e subtrai os
valores, tipifica-se a figura do § 1º. O investigador se valeu da facilidade de acesso à sala do
escrivão.
A prestação de serviços não é equiparada a bem móvel para fins de tipicidade do peculato. Veda-se
a analogia in malam partem.
O crime se consuma, na primeira modalidade, quando há a apropriação do dinheiro, valor ou bem
móvel, dispondo o sujeito do objeto material como se dono fosse. No caso do peculato-desvio,
tem-se crime formal, para cuja consumação não se exige que o agente público ou terceiro
obtenha vantagem indevida mediante prática criminosa, bastando a destinação diversa daquela
que deveria ter o dinheiro. Nesta modalidade de peculato, não se discute o deslocamento de
verbas públicas em razão de gestão administrativa, mas o deslocamento de dinheiro particular
em posse do Estado. Assim, a consumação do crime não depende da prova do destino do
dinheiro ou do benefício obtido por agente ou terceiro.45
Assim, é dispensável a obtenção de lucro pelo agente em qualquer caso.46
Segundo o STJ, o administrador que desconta valores da folha de pagamento dos servidores públicos
para quitação de empréstimo consignado e não os repassa à instituição financeira pratica

44 Jurisprudência em Teses STJ (ed. 57). Tese 9: A elementar do crime de peculato se comunica aos coautores e partícipes estranhos
ao serviço público.
45 Fonte: Dizer o Direito. Acesso e disponibilidade: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2020/03/info-664-stj.pdf
46 Jurisprudência em Teses STJ (ed. 57). Tese 11: A consumação do crime de peculato-desvio (art. 312, caput, 2ª parte, do CP) ocorre

no momento em que o funcionário efetivamente desvia o dinheiro, valor ou outro bem móvel, em proveito próprio ou de terceiro,
ainda que não obtenha a vantagem indevida.

260
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 8

peculato-desvio, sendo desnecessária a demonstração de obtenção de proveito próprio ou


alheio, bastando a mera vontade de realizar o núcleo do tipo47.

Questão debatida na jurisprudência diz respeito à prática de crime por “funcionário fantasma”, isto
é, o ocupante de cargo, emprego ou função pública que não trabalha efetivamente, apenas assina a folha de
ponto, recebendo a remuneração mensalmente. Segundo o entendimento do STJ, não é típico o ato do
servidor que se apropria de valores que já lhe pertenceriam, em razão do cargo por ele ocupado. Assim, a
conduta pode ter repercussões disciplinares ou mesmo no âmbito da improbidade administrativa, mas não
se ajusta ao delito de peculato, porque os vencimentos efetivamente lhe pertenciam. Se o servidor merecia
perceber a remuneração, à luz da ausência da contraprestação respectiva, é questão a ser discutida na esfera
administrativo-sancionadora, mas não na instância penal, por falta de tipicidade.48

No caso do peculato impróprio (ou peculato furto), a consumação ocorre com a subtração da coisa,
dispensando-se a posse mansa e pacífica, na mesma linha doutrinária do crime de furto (teoria da amotio).49

Em regra, não se admite a aplicação do princípio da insignificância.

E quanto ao peculato de uso? Há crime se o agente tem a intenção de restituir o objeto material à
Administração Pública?

A doutrina se divide. Há quem sustente ser conduta típica, ainda que a intenção seja de restituir o
bem móvel subtraído, apropriado ou desviado. Não se perquire, ainda, se a conduta foi vantajosa para a
Administração. Se a moralidade administrativa foi ofendida, sempre haverá crime.

Todavia, prevalece o entendimento de não ser crime. Segundo o STF, é atípico o peculato de uso
relacionado ao uso momentâneo de coisa infungível, sem a intenção de se apropriar, seguida
da restituição integral. Poderá caracterizar improbidade administrativa. Porém, haverá
peculato no caso de bens fungíveis, como o dinheiro.
No § 2º está previsto o peculato culposo. “Se o funcionário concorre culposamente para o crime de
outrem”, a pena será de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Nesse caso, há o concurso não intencional de funcionário público, por ação ou omissão, para a
apropriação, desvio ou subtração de dinheiro, valor ou bem móvel pertencente ao Estado ou
sob sua guarda, por terceira pessoa, que pode ser tanto funcionário público (intraneus) ou
particular (extraneus). É a conduta do servidor desatento, relapso, desidioso.
Para a tipificação, deve existir a prática de conduta dolosa por terceiro, que se aproveita da facilidade
gerada culposamente pelo funcionário público. A conduta do terceiro é sempre dolosa. Quem
age culposamente é o servidor público que, por imprudência, negligência ou imperícia, cria uma
facilidade para a conduta dolosa do intraneus ou extraneus.
Nos moldes do § 3º, no caso do peculato culposo, “a reparação do dano, se precede à sentença
irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta”.
Se o servidor que age culposamente faz a reparação do dano antes do trânsito em julgado da
sentença, terá extinta a sua punibilidade. Se a reparação se der após o trânsito, terá a pena
reduzida à metade. A reparação do dano deve ser completa e não exclui eventual sanção
administrativa.
A competência será da Justiça Federal sempre que houver afetação de bens ou interesses da União,
suas autarquias ou empresas públicas.

47 STJ. Corte Especial. APn 814-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
06/11/2019. Informativo 664.
48 STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 2.073.825-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 16/08/2022 (Info 746).
49 Importa registrar que, para o prof. Cleber Masson, na obra já citada anteriormente, o crime de peculato é material em suas três

formas.

261
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 8

A ação penal, em todas as modalidades de peculato, é pública incondicionada.

QUESTÕES
1. (Juiz Federal TRF2 2017) O particular que auxilia materialmente a prática de crime de peculato-
desvio por seu amigo, que sabe ser servidor, responderá por apropriação indébita, tendo em
vista lhe faltar a qualidade de funcionário público.
2. (CESPE- CEBRASPE 2018) É causa de extinção da punibilidade a reparação de dano decorrente de
peculato culposo por funcionário público, antes do trânsito em julgado de sentença
condenatória.
3.(CESPE- CEBRASPE PF 2021) Na hipótese de crime de peculato doloso, o ressarcimento do dano
exclui a punibilidade.

GABARITO
1. Gabarito: item errado, pois a elementar servidor do crime de peculato se comunica aos coautores
e partícipes estranhos ao serviço público, desde que conheçam a referida condição.
2. Gabarito: item correto, nos exatos termos do § 3º do art. 312 do CP.
3. Gabarito: item errado, pois o ressarcimento do dano, antes do trânsito em julgado, só exclui a
punibilidade no peculato culposo, conforme art. 312, § 3º, do CP.

2. ARTIGO 313: PECULATO MEDIANTE ERRO DE OUTREM

“Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de
outrem” é a conduta tipificada no art. 313. A pena cominada é de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro)
anos, e multa.
Trata-se do crime chamado de “peculato-estelionato”: o funcionário público se aproveita do erro
alheio. A vítima tem uma falsa percepção da realidade.
Apesar do nome, trata-se de modalidade especial de apropriação de coisa havida por erro (art. 169,
1ª parte, CP). Exemplo: particular dirige-se a uma repartição para pagar determinado tributo
supostamente atrasado. O funcionário percebe que o valor já estava pago, porém silencia e se
apropria do valor. O erro da vítima deve ser espontâneo, pois, se foi provocado pelo funcionário,
a conduta típica será diversa (estelionato).
O sujeito ativo é o funcionário público, nos moldes do art. 327 do CP. Caso seja ocupante de cargo
em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta,
sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público,
sofrerá aumento de pena da terça parte, na terceira fase da dosimetria, conforme previsão do
§ 2º do art. 327.
A ação penal é pública incondicionada.

3. ARTIGO 313-A: INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES

Segundo dispõe o art. 313-A,


Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir
indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da
Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou
para causar dano.

É crime apenado com reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Permite o acordo de não
persecução penal.

262
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 8

Tem-se o chamado “peculato eletrônico”, introduzido pela Lei n.º 9.983/2000. O objetivo principal
da nova legislação foi tutelar o patrimônio e a saúde financeira da Previdência Social. Em
verdade, a figura não guarda semelhança com os tipos precedentes. Mas, em razão da
localização topográfica no Código, é também chamada de peculato.
O tipo é misto alternativo, de ação múltipla ou conteúdo variado: a conduta pode ser de “inserir”,
“facilitar”, “alterar” ou “excluir”. A prática de mais de um desses verbos no mesmo contexto
fático enseja crime único.
O crime é próprio. Exige-se que seja praticado pelo funcionário público autorizado ao acesso a dados
restritos.
O elemento subjetivo é o dolo, acrescido de especial fim de agir, consistente no “fim de obter
vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano”. Não se admite a prática
culposa.
O delito é formal, vez que prescinde do resultado naturalístico para a consumação. Não é necessária
a obtenção de vantagem indevida e dano a outrem.
Segundo o STJ, o crime é instantâneo. Uma vez realizada a inserção ou alteração dos dados, o crime
já estará consumado.
A ação penal é pública incondicionada.

4. ARTIGO 313-B: MODIFICAÇÃO OU ALTERAÇÃO NÃO AUTORIZADA DE SISTEMA


DE INFORMAÇÕES

“Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem


autorização ou solicitação de autoridade competente” é crime punido com detenção, de 3 (três)
meses a 2 (dois) anos, e multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo. São cabíveis
os benefícios despenalizadores da Lei n.º 9.099/1995.
É também modalidade do chamado “peculato eletrônico”, introduzido pela Lei n.º 9.983/2000.
Busca-se proteger a integridade dos sistemas de informações e programas de informática.
Trata-se de normal penal em branco, que exige complementação para identificar os sistemas de
informações ou programa de informática.
Nos termos do parágrafo único, as penas são aumentadas de um terço até a metade se da
modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.
Dessa forma, o dano não é requisito para a configuração do crime. A consumação é antecipada
(crime formal). O aumento de pena aplica-se no caso de exaurimento (dano efetivo à
Administração).
O tipo é misto alternativo, de conteúdo múltiplo ou variado. Os verbos “modificar” e “alterar” não
são sinônimos para fins penais. “Modificar” significa fazer uma transformação radical, na
essência. Já “alterar” é menos profundo, pois a mudança não desnatura por completo as
informações.
O funcionário público é o sujeito ativo do crime, sendo possível a participação do particular, desde
que conhecedor da condição do comparsa.
O delito é praticado somente na forma dolosa.
A ação penal é pública incondicionada.

5. ARTIGO 314: EXTRAVIO, SONEGAÇÃO OU INUTILIZAÇÃO DE LIVRO OU


DOCUMENTO

“Extraviar livro oficial ou qualquer documento, de que tem a guarda em razão do cargo; sonegá-lo
ou inutilizá-lo, total ou parcialmente” é crime apenado com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro)
anos, se o fato não constitui crime mais grave. É possível a suspensão condicional do processo
e o acordo de não persecução penal. Percebe-se, também, que o preceito secundário apresenta

263
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 8

subsidiariedade expressa. Necessário verificar, portanto, se a conduta não se enquadra nas


hipóteses dos artigos 305 (supressão de documento) e 356 (sonegação de papel ou objeto de
valor probatório) do CP (mais específicos).
O tipo é misto alternativo. “Extraviar” significa fazer que não chegue ao destino real. “Sonegar” é o
mesmo que ocultar, esconder. “Inutilizar”, por seu turno, é tornar imprestável, total ou
parcialmente.
O sujeito ativo é o funcionário público, conforme descrito no art. 327 do CP.
A destruição pode ser total ou parcial, desde que haja comprometimento de parte essencial.
O delito é punido apenas dolosamente. Não se exige especial fim de agir.
A ação penal é pública incondicionada.

6. ARTIGO 315: EMPREGO IRREGULAR DE VERBAS OU RENDAS PÚBLICAS

Nos termos do art. 315, “dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei”
é crime punido com detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa. É infração de menor
potencial ofensivo. Admitida a transação penal, fica inviabilizado o acordo de não persecução
penal.
O tipo penal tutela o princípio da legalidade, previsto no art. 37 da CF. Nesse caso, os recursos não
são apropriados pelo servidor público em benefício próprio ou de outrem. As verbas são
destinadas no âmbito da Administração, mas para uma finalidade diferente daquela prevista em
lei. O objetivo é evitar o emprego arbitrário das verbas públicas.
Observa-se uma norma penal em branco homogênea, já que a destinação das verbas deve ser
estabelecida em lei.
O tipo em comento não se aplica aos prefeitos. Por força do princípio da especialidade, incide o
Decreto-Lei n.º 201/1967, que trata dos crimes de responsabilidade dos prefeitos (art. 1º,
inciso III).
Não se deve confundir o crime em estudo com o peculato-desvio. No tipo do art. 315, as verbas ou
rendas públicas são desviadas em favor da própria Administração Pública. Os recursos devem
ser aplicados regularmente, de acordo com destinação legal prévia. No caso do crime previsto
no art. 312, o bem móvel, público ou particular, é desviado em proveito próprio ou de terceiro.
O elemento subjetivo é o dolo, prescindindo de finalidade específica. Não se admite a modalidade
culposa.
O crime é material: consuma-se com a aplicação das verbas em finalidade diversa da legalmente
prevista. É irrelevante a comprovação de efetivo prejuízo à Administração Pública.
A competência, em regra, é da Justiça Estadual.
A ação penal é pública incondicionada.

7. ARTIGO 316: CONCUSSÃO

A conduta tipificada no art. 316 consiste em “exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida”.
Comina-se pena de reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Admite-se o acordo de não
persecução penal.
O preceito secundário foi objeto de recente modificação, pela Lei n.º 13.964/2019 (Pacote
Anticrime). Antes da lei, o delito era punido com pena de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e
multa. Discutia-se, na doutrina, a desproporcionalidade da cominação em abstrato quando
comparada ao crime de corrupção passiva, previsto no art. 317, o qual prevê pena de reclusão
de 2 (dois) a 12 (doze) anos. Dessa forma, um delito menos grave, a corrupção passiva, era
punida com mais rigor do que a concussão. Tal incongruência foi, então, corrigida.

264
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 8

O sujeito ativo é o funcionário público, mas também pode ser aquele indivíduo que ainda não está
no exercício da função (nomeado, mas ainda não em exercício) e se vale da função para exigir
vantagem indevida. A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes forem
ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da
administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída
pelo poder público (art. 327, § 2º).
O particular pode concorrer para o crime, desde que saiba da condição pessoal do comparsa (art. 30
do CP).
O sujeito passivo é a Administração Pública, mas também o particular que sofreu o constrangimento.
O verbo núcleo do tipo é “exigir”. Há uma diferença em relação ao simples solicitar. A exigência
envolve grave ameaça, há um temor fundado da vítima, uma influência intimidativa. Já a
solicitação é mero pedido e está relacionado ao tipo do art. 317 (corrupção passiva).
Dessa forma, podemos resumir que na concussão há exigência, grave ameaça, ao passo que na
corrupção passiva ocorre solicitação, pedido que não envolve violência ou grave ameaça.
O crime é formal: não é necessário que o indivíduo obtenha a vantagem para a consumação,
bastando que faça a exigência. A entrega da proveito é mero exaurimento.
A vantagem indevida deve ser de natureza econômica ou patrimonial?
Há quem sustente que sim, porém prevalece o entendimento de que pode ser vantagem de qualquer
espécie (sexual ou política, por exemplo).
Jurados podem praticar concussão? Sim, nos termos do art. 445 do CPP. O jurado, no exercício da
função ou a pretexto de exercê-la, será responsável criminalmente nos mesmos termos em que
o são os juízes togados.
Segundo já decidiu o STF, é legítima a utilização da condição pessoal de policial civil como
circunstância judicial desfavorável para fins de exasperação da pena-base aplicada a acusado
pela prática do crime de concussão. Aquele que está investido de parcela de autoridade pública
— como é o caso de um juiz, um membro do Ministério Público ou uma autoridade policial —
deve ser avaliado, no desempenho da sua função, com maior rigor do que as demais pessoas
não ocupantes de tais cargos50.
A ação penal é pública incondicionada.

8. ARTIGO 316, § 1º: EXCESSO DE EXAÇÃO

Nos termos do § 1º do art. 316, “se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou
deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso,
que a lei não autoriza” incidirá em pena de reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. Admite-
se o acordo de não persecução penal (ANPP).
A doutrina critica a técnica legislativa. Verifica-se um tipo fundamental previsto em um parágrafo.
Com efeito, a conduta ora em comento é autônoma e independente da prevista no caput do art.
316.
No presente caso, a exigência ilegal do tributo ou contribuição social se dá em benefício da
Administração Pública, ao passo que na concussão o funcionário público o faz em proveito
próprio ou de terceiro.
Só o funcionário público poderá praticar o delito. É crime próprio ou geral. O sujeito passivo é a
Administração Pública.
Trata-se de tipo misto alternativo (exigir ou empregar meio vexatório) e uma norma penal em
branco homogênea ou em sentido lato, pois necessita de complemento normativo no preceito
primário.

50 STF. 1ª Turma. HC 132990/PE, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 16/8/2016. Informativo 835.

265
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 8

A consumação ocorre no momento em que há a cobrança ilícita, ou quando devido o tributo, é


empregada a cobrança de maneira irregular, independentemente do efetivo pagamento. Assim,
o delito é formal ou de consumação antecipada nas duas modalidades. Há compatibilidade com
a tentativa.
Custas e emolumentos correspondentes aos serviços notariais e de registros podem constituir objeto
material do crime de excesso de exação, segundo o STJ e STF.
Conforme o § 2º, “se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu
indevidamente para recolher aos cofres públicos” a pena será de reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze)
anos, e multa. Trata-se do excesso de exação qualificado.
Uma vez mais, critica-se a técnica legislativa, pois a pena mínima é inferior à figura do § 1º.
O recolhimento é feito ilicitamente em favor da Administração. O desvio ocorre posteriormente,
porém, antes da incorporação ao patrimônio público. Se a quantia já ingressou nos cofres
públicos, resta caracterizado o peculato-desvio (art. 312, caput, parte final, do CP).
O tipo tem rara ocorrência na prática nos dias atuais, já que os tributos são recolhidos por meio de
instituições financeiras, por guias próprias.
A ação penal em todos os casos é pública incondicionada.

9. ARTIGO 317: CORRUPÇÃO PASSIVA

Nos termos do art. 317, “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar
promessa de tal vantagem” é crime punido com reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Permite-se o acordo de não persecução penal. A tutela se volta à moralidade administrativa.
O agente poderá praticar o crime por 3 condutas diferentes:
Solicitar vantagem indevida: a conduta inicial parte do funcionário público, fazendo o pedido.
Lembrar da diferença entre solicitação (mero pedido) e exigência (ameaça com potencial
intimidador).
Receber vantagem indevida: a conduta inicial parte do particular, que oferece a vantagem.
Aceitar promessa de vantagem indevida: a conduta inicial parte do particular, que faz a promessa
da vantagem.
Segundo o § 1º, a pena é aumentada de terça parte, se, em consequência da vantagem ou promessa,
o funcionário:

• Retarda qualquer ato de ofício;

• Deixa de praticar qualquer ato de ofício;

• Pratica ato de ofício infringindo dever funcional.

Essa causa de aumento é muito recorrente em provas de concurso. Tais situações não são
elementares do caput, mas caso se aperfeiçoem, a pena é incrementada na terceira fase da
dosimetria.
Configura-se o crime, ainda que a vantagem seja entregue ou prometida não diretamente ao
funcionário público, mas a um familiar seu (esposa, filhos).

9.1. Classificação da corrupção passiva


Corrupção imprópria: ocorre quando visa a prática de um ato legítimo. Exemplo: funcionário aceita
a vantagem para fazer o ato mais rápido. Em outras palavras, o agente faz o certo, mas de forma
mais célere, ou de forma a beneficiar o indivíduo que pagou a vantagem.

266
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 8

Corrupção própria: ocorre quando o agente recebe vantagem para a prática de um ato ilícito.
Exemplo: receber vantagem para aprovar projeto lesivo ao meio ambiente.
A consumação do delito se dá no momento em que há solicitação da vantagem, quando a recebe ou
quando aceita a promessa de vantagem. O crime é, portanto, formal ou de consumação
antecipada.
Importa ressaltar que se observa, no presente caso, uma exceção pluralística à teoria monista
quanto ao concurso de agentes (art. 29 do CP).
A regra no direito penal é no sentido de que todo indivíduo que concorre para o crime incide nas
suas penas, na medida de sua culpabilidade. É a chamada teoria monista ou unitária, prevista
no art. 29 do CP. Todavia, há exceções na parte especial.
Assim, se um funcionário aceita promessa de vantagem feita por particular para praticar
determinado ato, em relação ao servidor, o tipo é o do art. 317 (corrupção passiva). Em relação
ao particular, este incidirá na corrupção ativa, prevista no art. 333 do CP.
A corrupção passiva independe da ativa na figura “solicitar”. Já nas formas “receber” e “aceitar”, a
conduta inicial é do particular e se observa a exceção à teoria monista.
Na conduta “solicitar”, não há a participação do particular, a iniciativa é do funcionário público. No
momento da solicitação, o particular pode ou não atender ao pedido. O particular não comete
crime.
Nas formas “receber” e “aceitar”, o particular é quem oferece a vantagem ou faz promessa do
proveito ao servidor público. Nessa situação, o particular incide na conduta do art. 333 do CP.
Não se aplica o princípio da insignificância, não importando o valor da vantagem indevida solicitada
ou recebida.
Segundo decisão do STJ, o crime de corrupção passiva consuma-se ainda que a solicitação ou
recebimento de vantagem indevida, ou a aceitação da promessa de tal vantagem, esteja
relacionada com atos que, formalmente, não se inserem nas atribuições do funcionário público,
mas que, em razão da função pública, materialmente implicam alguma forma de facilitação da
prática da conduta almejada.
Ao contrário do que ocorre no crime de corrupção ativa, o tipo penal de corrupção passiva não exige
a comprovação de que a vantagem indevida solicitada, recebida ou aceita pelo funcionário
público esteja causalmente vinculada à prática, omissão ou retardamento de “ato de ofício”.
A expressão “ato de ofício” aparece apenas no caput do art. 333 do CP, como um elemento normativo
do tipo de corrupção ativa, e não no caput do art. 317 do CP, como um elemento normativo do
tipo de corrupção passiva. Ao contrário, no que se refere a este último delito, a expressão “ato
de ofício” figura apenas na majorante do art. 317, § 1º, do CP e na modalidade privilegiada do
§ 2º do mesmo dispositivo51.
No art. 317, § 2º, está prevista a corrupção passiva privilegiada. O funcionário age com menor
reprovabilidade, cedendo a pedido ou a influência de outrem. Trata-se de infração de menor
potencial ofensivo.
O crime é material, pois se mostra necessária a produção do resultado naturalístico para sua
consumação. Diferencia-se da prevaricação (art. 319), na qual o funcionário tem a especial
finalidade de satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Na corrupção passiva privilegiada, o
sujeito cede a influência ou pedido de terceiro.
A ação penal, em todos os casos, é pública incondicionada.

51 STJ. 6ª Turma. REsp 1.745.410-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Laurita Vaz, julgado em 02/10/2018

267
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 8

10. ARTIGO 318: FACILITAÇÃO DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO

Conforme dispõe o art. 318, “facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou
descaminho (art. 334)” é delito punido com reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. Admite-
se o acordo de não persecução penal.
É um exemplo de crime remetido. Deve-se complementar o preceito primário do tipo penal com o
art. 334 (descaminho) e art. 334-A (contrabando), ambos do CP.
Ademais, observa-se mais uma hipótese de exceção à teoria monista ou unitária quanto ao concurso
de agentes. O funcionário público responde pela figura do art. 318, que é mais grave, em razão
da sua condição funcional, enquanto o particular incidirá no art. 334 ou 334-A do CP.
“Descaminho” é a conduta de iludir, no todo ou em parte, o pagamento de impostos de importação,
exportação ou consumo.
“Contrabando” é a importação ou exportação de mercadoria proibida no país.
Não se admite a modalidade culposa. Não se exige especial fim de agir, basta o dolo.
O crime é formal, pois sua consumação independe do resultado naturalístico. O delito já se consuma
com a intenção de facilitar o contrabando ou descaminho, ainda que estes não se aperfeiçoem.
A competência é da Justiça Federal.
A ação penal é pública incondicionada.

11. ARTIGO 319: PREVARICAÇÃO

“Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição


expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal” é a figura descrita no art. 319,
punida com detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. É infração de menor potencial
ofensivo.
Trata-se de um crime funcional próprio, pois se desaparecer a elementar “funcionário público”, o
delito se transforma em um indiferente penal.
O tipo é misto alternativo, vez que pode ser praticado por mais de uma conduta, a saber, retardar
ou deixar de praticar.
A expressão “indevidamente” é elemento normativo do tipo, exigindo análise, pelo magistrado, no
caso concreto.
Exige-se a constatação do especial fim de agir, revelado na expressão “para satisfazer interesse ou
sentimento pessoal”. Dessa forma, é indispensável que haja o dolo específico para configurar o
crime.
Pratica prevaricação o funcionário público que se recusa a cumprir mandado judicial referente a ato
de sua atribuição legal. Não se trata de desobediência (art. 330 do CP), vez que esta somente
pode ser praticada pelo particular ou por funcionário que receba ordens não relacionadas às
suas funções.
O crime é formal. Para a consumação basta a intenção de satisfazer o interesse ou sentimento
pessoal, ainda que o resultado não se concretize.
Difere da corrupção passiva privilegiada, pois não há pedido, nem influência. O funcionário age
ilicitamente para atender a sentimento ou interesse pessoal.
A ação penal é pública incondicionada.

12. ARTIGO 319-A: PREVARICAÇÃO IMPRÓPRIA OU NOS PRESÍDIOS

Nos termos do art. 319-A, “deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu
dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a
comunicação com outros presos ou com o ambiente externo” é conduta punida com detenção,
de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Apesar da crítica doutrinária, a infração é de menor potencial

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MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 8

ofensivo, sendo aplicáveis os benefícios da Lei nº 9.099/1995. Considera-se a pena muito branda
à gravidade da conduta, acarretando uma proteção insuficiente ao bem jurídico tutelado.
Apesar de o legislador não ter conferido um nomen iuris ao crime, é comumente chamado de
prevaricação imprópria ou nos presídios. Foi introduzido no CP pela Lei n.º 11.466/2007.
O indivíduo custodiado que se achar portando aparelho telefônico ou similar não responde pelo art.
319-A, pois essa previsão se dirige ao Diretor de Penitenciária ou agente público. Ao preso
caberá a atribuição de falta grave no curso da execução penal, com todas as repercussões
inerentes (art. 50, inciso VII, da LEP).
É indiferente se tratar de preso provisório ou definitivo.
Trata-se de crime omissivo próprio ou puro, de mera conduta, que se se consuma com a abstenção
do dever legal, sendo dispensável o efetivo acesso do interno ao aparelho. É, assim, incompatível
com o conatus.
A ação penal é pública incondicionada.

13. ARTIGO 320: CONDESCENDÊNCIA CRIMINOSA

Diz o art. 320 que haverá crime na conduta de “deixar o funcionário, por indulgência, de
responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte
competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente”. A pena é de
detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa. É infração de menor potencial ofensivo.
Só poderá praticar o funcionário público (crime próprio), hierarquicamente superior ao servidor
infrator. O sujeito passivo é o Estado.
A pena será aumentada da terça parte quando o autor do crime for ocupante de cargos em comissão
ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de
economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público, nos termos do art.
327, § 2º, do CP.
Se o superior se omite por um sentimento diverso da indulgência, poderá haver outro crime, como
o de prevaricação.
O crime apresenta somente a forma dolosa. É omissivo próprio ou puro, sendo assim incompatível
com a tentativa.
A ação penal é pública incondicionada.

14. ARTIGO 321: ADVOCACIA ADMINISTRATIVA

Segundo o art. 321, haverá crime na conduta de “patrocinar, direta ou indiretamente, interesse
privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário”. A pena é de
detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa. É infração de menor potencial ofensivo,
cabendo transação penal e suspensão condicional do processo.
Tutela-se a moralidade administrativa. Funcionários públicos não devem, valendo-se do cargo,
patrocinar interesse privado em detrimento da Administração Pública.
O sujeito ativo é o funcionário público (crime próprio). Sujeito passivo é o Estado.
“Patrocinar” significa defender, advogar, pleitear. Não importa se o interesse patrocinado é lícito ou
ilícito. Não se exige, para a consumação, a prática de ato de ofício, nem a obtenção de vantagem.
Não se pune a forma culposa.
O parágrafo único estabelece que, se o interesse particular patrocinado perante a administração é
ilegítimo, a pena será de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, além da multa. Continuará
sendo infração de menor potencial ofensivo.
A advocacia administrativa não se estende ao funcionário público que patrocina o seu próprio direito.
Quando se tratar de licitações e contratos, há tipo específico, no art. 337-G do Código Penal.
A ação penal é pública incondicionada.

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MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 8

15. ARTIGO 322: VIOLÊNCIA ARBITRÁRIA

Segundo o art. 322, configura violência arbitrária a conduta de “praticar violência, no exercício de
função ou a pretexto de exercê-la”.
A pena é de detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da pena correspondente à violência.
Cabe apenas a suspensão condicional do processo. Cometido com violência, não será possível o
acordo de não persecução penal.
Alguns doutrinadores defendem ter sido o tipo revogado pela Lei n.º 4.898/1965, esta revogada pela
Lei n.º 13.869/2019. Todavia, o STF entende que tal dispositivo não foi revogado pela Lei de
Abuso de Autoridade.
Segundo Rogério Sanches, quando presente o abuso de autoridade, acompanhado de violência, o
art. 322 do CP atuará como soldado de reserva, deixando de incidir quando o fato se subsumir
ao disposto na lei especial (Lei n.º 13.869/2019).52
O sujeito ativo é o funcionário público (crime próprio). Sujeito passivo é o Estado (Administração
Pública), mas também o indivíduo submetido ao abuso.
Para haver o crime, a violência deve ser arbitrária, motivo pelo qual não abrange a violência aplicada
legalmente, como no caso do art. 292 do CPP (resistência à prisão).
O crime se consuma com o emprego da violência. Se causar lesões corporais ou morte, haverá o
somatório das penas (cúmulo material).
A ação penal é pública incondicionada.

16. ARTIGO 323: ABANDONO DE FUNÇÃO

Segundo o art. 323, haverá crime na conduta de “abandonar cargo público, fora dos casos permitidos
em lei”. A pena é de detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa. É infração de menor
potencial ofensivo.
É preciso tutelar o regular desenvolvimento das atividades administrativas.
Trata-se de norma penal em branco, sendo necessário verificar os casos que a lei permite o
abandono. Ademais, o tipo restringe-se aos cargos públicos. Não configura o crime o abandono
de função ou emprego público.
O sujeito ativo é o funcionário ocupante de cargo público (crime próprio).
Sujeito passivo é o Estado, a Administração Pública, prejudicada com a interrupção da atividade.
É necessário que o funcionário público abandone o cargo por um período juridicamente relevante.
É possível que o sujeito abandone o cargo sem abandonar o local de trabalho. Basta pensar no caso
de um funcionário que permanece no local de trabalho com os braços cruzados, sem fazer
absolutamente nada.
Trata-se de um crime omissivo próprio, pois o agente público deixa de fazer o que ele tinha por dever
de fazer. Não é cabível a tentativa.
Somente se pune a forma dolosa. A negligência no exercício das funções poderá ser punida no
âmbito administrativo.
O § 1º estabelece que, se do fato resulta prejuízo público, a pena é de detenção, de 3 (três) meses a
1 (um) ano, e multa. Trata-se da forma qualificada.
Segundo o § 2º, “se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira”, a pena será de
detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
A “faixa de fronteira” está definida na CF (art. 20, § 2º. É a extensão de 150 km de largura, ao longo
das fronteiras terrestres). A punição mais rigorosa está justificada pela necessidade de defesa
do território nacional.

52 CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Volume Único. Parte Especial. 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 896.

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MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 8

A ação penal é pública incondicionada.

17. ARTIGO 324: EXERCÍCIO FUNCIONAL ILEGALMENTE ANTECIPADO OU


PROLONGADO

Segundo o art. 324, configura o crime a conduta de “entrar no exercício de função pública antes de
satisfeitas as exigências legais, ou continuar no exercício de função pública, sem autorização,
depois de saber oficialmente que foi exonerado, removido, substituído ou suspenso”.
A pena é de detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa. É infração de menor potencial
ofensivo.
Sujeito ativo do crime é o funcionário público que antecipa ou prolonga o exercício da função.
É a qualidade do agente, pessoa ligada à Administração Pública, que vai distinguir o crime de exercício
funcional ilegalmente antecipado do crime de usurpação de função pública (art. 328). Isso
porque no crime de usurpação de função pública o sujeito é um particular, alheio e sem qualquer
ligação com a Administração.
São condutas do tipo:

• Entrar no exercício de função pública antes de satisfeitas as exigências legais. Nessa hipótese, o
sujeito ignora a diplomação, posse, perícia médica.

• Continuar no exercício de função pública, sem autorização, depois de saber oficialmente que foi
exonerado, removido, substituído ou suspenso. No caso, há uma decisão na esfera administrativa
que exonerou o sujeito. Se fosse uma decisão judicial, haveria o crime do art. 359 (desobediência
a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito) do CP. A comunicação deve se dar por
meio oficial. Trata-se de norma penal em branco.

O crime somente é punido na forma dolosa.


A ação penal é pública incondicionada.

18. ARTIGO 325: VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL

Constitui o crime de violação de sigilo funcional a conduta de “revelar fato de que tem ciência em
razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”. A pena é de
detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.
É crime subsidiário expresso. Também é infração de menor potencial ofensivo, cabendo transação
penal e suspensão condicional do processo.
O § 1º estabelece que, nas mesmas penas de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa,
se o fato não constitui crime mais grave, incorre quem:
I - permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou
qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou
banco de dados da Administração Pública;
II - se utiliza, indevidamente, do acesso restrito.

O § 2º estabelece que, se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem, a


pena é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. O exaurimento do delito é punido de
forma mais gravosa.
O sujeito ativo é o funcionário público (crime próprio). Mesmo o funcionário público aposentado
poderá cometer o crime, assim como o funcionário público afastado.
Sujeito passivo é o Estado (Administração Pública) e, eventualmente, o indivíduo lesado.

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MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 8

O delito se consuma quando um terceiro não autorizado toma conhecimento do segredo. Se vai
gerar prejuízo ou não, não interessa para a consumação. O crime é formal. Exige-se que o agente
tenha ciência do caráter secreto do fato revelado.
A ação penal é pública incondicionada.

19. ARTIGO 326: VIOLAÇÃO DO SIGILO DE PROPOSTA DE CONCORRÊNCIA

Este artigo foi revogado tacitamente pelo art. 94 da Lei n.º 8.666/1993, que tipifica a mesma
conduta, entretanto, estabelece pena mais grave.

20. ARTIGO 327: CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA OS EFEITOS


PENAIS

Nos termos do art. 327,


Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente
ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em
entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou
conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste
Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou
assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa
pública ou fundação instituída pelo poder público.

Ao início do estudo dos crimes contra a Administração Pública foram feitas as principais observações
sobre o conceito penal de funcionário público.
Na classificação, incluem-se os titulares de cargo público efetivo, os empregados públicos (regidos
pela CLT), os ocupantes de cargo em comissão (providos sem concurso) e os servidores
temporários (contratados sem concurso, por tempo determinado).

QUESTÃO
(CEBRASPE – TJSC – 2019) Joaquim, fiscal de vigilância sanitária de determinado município brasileiro,
estava licenciado do seu cargo público quando exigiu de Paulo determinada vantagem
econômica indevida para si, em função do seu cargo público, a fim de evitar a ação da
fiscalização no estabelecimento comercial de Paulo. Nessa situação hipotética, Joaquim praticou
o delito de
a) constrangimento ilegal.

b) extorsão.

c) corrupção passiva.

d) concussão.

e) excesso de exação.

GABARITO
Gabarito: letra D. A conduta se amolda ao art. 316 do CP, pois Joaquim exigiu, embora fora da função
mas em razão dela, vantagem indevida.

272
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 9

DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:


9 DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA
A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL

273
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 9

São crimes comuns, que podem ser praticados por qualquer pessoa. Não se inserem no rol dos
crimes funcionais.
Podem ser cometidos por funcionários públicos, quando não investidos na função pública
desempenhada.
Não se aplica a eles o rito especial previsto no CPP.

1. ARTIGO 328: USURPAÇÃO DE FUNÇÃO PÚBLICA

Constitui crime a conduta de “usurpar o exercício de função pública”. A pena é de detenção, de 3


(três) meses a 2 (dois) anos, e multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo. Cabe
transação penal e suspensão condicional do processo.
O parágrafo único prevê que, “se do fato o agente aufere vantagem”, a pena será de reclusão, de 2
(dois) a 5 (cinco) anos, e multa. É a modalidade qualificada.
Qualquer pessoa pode praticar (crime comum).
Diferentemente do que ocorre no crime de exercício funcional ilegal, o agente não possui qualquer
vínculo com a Administração Pública ou, caso possua, suas funções são absolutamente
estranhas à função usurpada.
“Usurpar” significa apoderar-se indevidamente ou exercer de forma ilegítima uma função pública.
Para a caracterização do crime, é essencial que o usurpador exerça atos inerentes à função
pública. Não basta que o indivíduo se arrogue na função. Deve praticar atos de ofício como se
legitimado fosse.
Se o sujeito se limita a se apresentar como funcionário público, resta caracterizada a contravenção
penal descrita no artigo 45 do Decreto-Lei n.º 3.688/1941.
Na figura do caput, o crime é formal, pois independe de efetivo dano patrimonial à Administração
ou a obtenção de qualquer tipo de vantagem.
Já a previsão qualificada do parágrafo único é crime material, pois se exige a obtenção de vantagem.
A ação penal é pública incondicionada.

2. ARTIGO 329: RESISTÊNCIA

“Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para
executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio” é crime punido com detenção, de 2 (dois)
meses a 2 (dois) anos. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo.
A tutela penal se volta à preservação da autoridade e do prestígio da Administração Pública e, via
de consequência, o regular desenvolvimento das atividades.
A resistência consiste em forma mais grave de desobediência (art. 330), já que requer a prática de
violência ou ameaça. É também chamada de “desobediência belicosa”.
A violência deve ser dirigida à pessoa (funcionário público ou particular que o auxilia). Não se
considera a violência dirigida contra objetos. Exemplo: desferir chutes ou socos contra o Oficial
de Justiça que tenta realizar a citação.
A violência contra objetos (coisas) poderá caracterizar a ameaça (art. 147 do CP) e crime de dano
contra o patrimônio público (art. 163 do CP).
A resistência passiva, como a inação, a fuga, a manifestação oral de recalcitrância, não tipificam a
resistência, mas a desobediência. Exemplo: particular que se recusa abrir a porta para o policial
que tem mandado para ingressar.
Ameaça é a promessa de mal injusto factível, apta a amedrontar o homem médio (comum).
Rogar pragas não caracteriza ameaça, diante da impossibilidade de concretização. Não consiste
ameaça dizer que vai representar perante os superiores ou em órgão correcional, uma vez que
se trata do direito de petição, constitucionalmente assegurado (art. 5º, XXXIV, CF/88).

274
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 9

A jurisprudência entende que eventuais crimes de desobediência ou de desacato são absorvidos


pelo delito de resistência, que é mais grave, pois podem ser um meio para a prática do crime de
resistência. Deverá ser feita a análise no caso concreto.
A violência ou ameaça devem ocorrer durante a prática do ato. Se antes ou depois, poderá
caracterizar outros tipos penais, como a lesão corporal.
Age em legítima defesa o funcionário público que se vale de violência moderada contra aquele que
resiste violentamente à execução regular de um ato legal (art. 25 do CP). Hipótese de
excludente de ilicitude.
É possível que a resistência seja exteriorizada por terceira pessoa, como um amigo ou parente do
destinatário da ordem.
Cuspir, lançar urina ou fezes caracteriza desacato, pois o intuito é de ofender, humilhar, e não
ofender a integridade física.
O § 1º prevê a forma qualificada. “Se o ato, em razão da resistência, não se executa”, a pena passa
a ser de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Trata-se de crime de médio potencial ofensivo. O
exaurimento do delito é tratado de forma mais gravosa.
Por fim, o § 2º estabelece que “as penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes
à violência”.
A ação penal é pública incondicionada.

3. ARTIGO 330: DESOBEDIÊNCIA

Segundo dispõe o art. 330, “desobedecer a ordem legal de funcionário público” deve ser conduta
punida com detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa. Trata-se de infração de
menor potencial ofensivo.
Não há o emprego de violência ou ameaça, mas desobediência passiva.
Deve haver a notificação pessoal do responsável pelo cumprimento da ordem. Se o indivíduo não
sabe que deve cumprir a ordem, não incidirá no crime de desobediência.
O crime se tipifica se houver a intenção deliberada de não cumprir a ordem. O crime é doloso. Não
se admite a forma culposa.
Segundo o STJ, o crime de desobediência é subsidiário e somente se caracteriza nos casos em que o
descumprimento da ordem emitida pela autoridade não é objeto de sanção administrativa, civil
ou processual. Trata-se de reflexo da subsidiariedade do direito penal, que é a ultima ratio.
Não haverá crime se a ordem for materialmente ou formalmente ilegal. Exemplo: um mandado
judicial não poderá ser cumprido no período noturno. Assim, se o destinatário da ordem se
recusar a cumprir a ordem, não haverá crime.
O crime se consuma com o desatendimento da ordem, o que pode ocorrer por ação ou omissão.
A ação penal é pública incondicionada.

4. ARTIGO 331: DESACATO

“Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela” é delito punido com
detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa. Cuida-se de infração de menor potencial
ofensivo.
Dirige-se a proteção ao agente público, no exercício legítimo de seu cargo, contra investidas
violentas ou ameaçadoras de particulares.
Recentemente, houve importante discussão quanto à descriminalização do desacato.
Segundo recomendação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, os países aderentes do Pacto
de San José da Costa Rica devem eliminar de suas leis a figura do desacato, pois o crime
representaria uma posição de superioridade do funcionário público perante o particular, que
ficaria limitado em sua liberdade de pensamento e expressão.

275
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 9

Embora a 5ª Turma tenha proferido uma decisão isolada nesse sentido, em 2016, a 3ª Seção do STJ
não acatou tal entendimento e assentou que desacatar funcionário público no exercício da
função continua a ser crime, nos termos do art. 331 do CP.
“Desacatar” é menosprezar a função pública. Ofende-se o funcionário com o objetivo de humilhar a
dignidade e o prestígio da atividade administrativa.
O crime é de forma livre, compatível com os mais diversos meios de execução.
A ofensa deve ser proferida na presença do funcionário público. Exemplos: chamar servidores
públicos de vagabundos, corruptos, cuspir, fazer gestos obscenos.
O delito é formal, consumando-se quando o funcionário público toma conhecimento do ato
humilhante.
A embriaguez, voluntária ou culposa, não afasta a responsabilidade criminal, assim como a emoção
não afasta o crime.
A ação penal é pública incondicionada.

5. ARTIGO 332: TRÁFICO DE INFLUÊNCIA

“Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a
pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função.” Esta é a
conduta tipificada pelo art. 332, punida com reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Admite o acordo de não persecução penal.
Nos termos do parágrafo único, há causa de aumento de pena se o agente alega ou insinua que a
vantagem é também destinada ao funcionário.
O bem jurídico tutelado é o prestígio da Administração Pública.
O crime se assemelha ao estelionato, pois o agente ilude e frauda, alegando um prestígio que não
tem ou assegurando um êxito que não está ao seu alcance.
O tipo é misto alternativo, de ação múltipla ou de conteúdo variado, pois pode ser praticado
mediante solicitar, exigir, cobrar ou obter.
Se o agente realmente possuir influência perante o funcionário público e vier a corrompê-lo, o crime
será o de corrupção ativa, previsto no art. 333.
Outros nomes para o crime descritos na doutrina: gabolice mendaz, bazófia ilusória, jactância
enganosa.
O crime é praticado apenas na forma dolosa. Não se exige especial fim de agir.
O delito é comum ou geral. O sujeito passivo é o Estado e, de forma mediata, o comprador da
influência. Ainda que constatada a torpeza bilateral, isto é, ainda que o comprador da falsa
influência objetivasse um fim ilícito, não deixará a condição de vítima.
A ação penal é pública incondicionada.

6. ARTIGO 333: CORRUPÇÃO ATIVA

Nos termos do art. 333, “oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício” é crime punido com reclusão, de 2
(dois) a 12 (doze) anos, e multa. Admite-se o acordo de não persecução penal.
O parágrafo único estabelece causa especial de aumento de pena, de um terço, “se, em razão da
vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo
dever funcional”.
A conduta deste tipo penal é do particular. Se o funcionário público pede a vantagem indevida e o
particular dá a vantagem a ele, não haverá crime deste último, pois o tipo fala apenas em
“oferecer” ou “prometer”. O particular será vítima da corrupção passiva (art. 317 do CP), uma
vez inviável a analogia in malam partem. O particular só comete a corrupção ativa se oferece ou
promete.

276
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 9

A existência da corrupção ativa independe da corrupção passiva e vice-versa. Há uma relativa


independência entre os tipos penais. Conforme já estudado, os tipos representam exceção
pluralística à teoria unitária ou monista quanto ao concurso de agentes (art. 29 do CP):
corrupção passiva, prevista no art. 317 CP, praticada por funcionário público e corrupção ativa,
estabelecida no art. 333 CP, quando praticada por particular.
O tipo é misto alternativo, pois pode ser praticado mediante “oferecer” ou “prometer”. É também
de forma livre.
Pratica o crime quem entrega quantia ao funcionário público, bem como aquele que deixa sobre a
mesa envelope com dinheiro.
O delito é formal: consuma-se com o oferecimento ou a promessa da vantagem, independentemente
da aceitação pelo funcionário público.
Exige-se que o oferecimento ou promessa de vantagem sejam anteriores à prática do ato de ofício.
Inexiste a corrupção ativa subsequente.
O particular que pede ao funcionário público que “dê um jeitinho” não pratica crime se não há o
oferecimento ou promessa de vantagem indevida. Se o funcionário “der o jeitinho”, violando
dever funcional, poderá incidir no art. 317, § 2º (“ceder a pedido de outrem” – corrupção
passiva privilegiada, pena de detenção), sendo o particular partícipe. Porém, se o funcionário
nada faz, a conduta será atípica para ambos.
A “carteirada”, ato do funcionário público consistente na exibição de seu documento funcional a um
particular ou outro funcionário público, não caracteriza corrupção ativa, pois não há
oferecimento ou promessa de vantagem. Em face do particular, poderá se caracterizar o abuso
de autoridade (Lei n.º 13.869/2019).
“Dar, oferecer ou prometer vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete para
fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou
interpretação” caracteriza o crime do art. 343 do CP (crime contra a administração da justiça),
em razão do princípio da especialidade, e não o de corrupção ativa do art. 333.
Segundo decidiu o STJ, o pagamento da diferença do imposto devido, antes do recebimento da
denúncia, não extingue a punibilidade pelo crime de corrupção ativa atrelado ao de sonegação
fiscal. Exemplo: João, sócio de uma empresa, ofereceu e pagou propina ao fiscal para que
pudesse recolher um valor menor de imposto. Assim, em vez de pagar R$ 400 mil de imposto,
João pagou apenas R$ 100 mil. Os fatos foram descobertos. João praticou, em tese, corrupção
ativa (art. 333 do CP) e sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90). Antes que a denúncia
fosse oferecida, João pagou a diferença do imposto devido acrescido de multa, juros e correção
monetária. Esse pagamento irá gerar a extinção do crime de sonegação fiscal, mas não da
corrupção ativa que deverá ser julgada normalmente.53
A ação penal é pública incondicionada.

7. ARTIGO 334: DESCAMINHO

“Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou
pelo consumo de mercadoria” é crime punido com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Admite
a suspensão condicional do processo e o acordo de não persecução penal.
O contrabando foi deslocado para o tipo do art. 334-A, com a Lei n.º 13.008/2014, e teve sua pena
aumentada.
“Iludir” significa ludibriar, enganar, frustrar. Utiliza-se um meio fraudulento para mascarar a
realidade.
O objeto material é o tributo não recolhido.

53STJ. 6ª Turma. RHC 95.557-GO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/06/2018. Informativo 631. Disponível em:
https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2018/11/info-631-stj.pdf.

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MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 9

Tem-se uma lei penal em branco homogênea, cujo complemento é fornecido por outra lei definidora
dos impostos devidos pela entrada e saída de mercadorias do Brasil.
Nota-se, na presente hipótese, uma exceção à teoria unitária ou monista quanto ao concurso de
agentes (art. 29 do CP). Conforme já estudado, o funcionário público que tem a função de
impedir a conduta, mas facilita, pratica o crime do art. 318 (facilitação de descaminho, crime
mais grave).
O descaminho também é chamado de contrabando impróprio, pois não se trata de mercadoria
proibida.
O crime é formal. A consumação se dá com a fraude, no sentido de mascarar a realidade.
É desnecessário o prévio esgotamento da esfera administrativa. Assim, não é necessária a prévia
constituição administrativa do débito fiscal para o início da ação penal pelo descaminho. Porém,
a decisão administrativa ou judicial favorável ao contribuinte é questão prejudicial externa.
Exemplo: anulação do auto de infração suspende o trâmite da ação penal, até que se resolva a
questão no âmbito administrativo (art. 93 do CPP).
Aplica-se o princípio da insignificância ao delito em comento, em razão de sua natureza tributária.
Sobre o assunto, convém destacar o Tema 157 do STJ, estabelecido na análise de recursos repetitivos.
A Corte fixou em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) o valor máximo para incidência do princípio da
insignificância no caso de crimes tributários federais e de descaminho. Anteriormente, o valor
máximo considerado era de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
A revisão foi necessária, entre outras razões, em virtude de decisões divergentes do Supremo
Tribunal Federal sobre o tema e do parâmetro fixado pelas Portarias nº 75 e 130 do Ministério
da Fazenda.
O crime não admite modalidade culposa.
Iludir o imposto incidente sobre o consumo de mercadoria, a exemplo do ICMS, é crime do art. 1º da
Lei n.º 8.137/1990 (crimes contra a ordem tributária), em razão do princípio da especialidade.
A Súmula 151 do STJ dispõe que a competência para o processo e julgamento por crime de
contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão
dos bens.
No art. 334, § 1º, tem-se o descaminho por equiparação ou assimilação.
§ 1º Incorre na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014)
I - pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;
II - pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho;
III - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito
próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de
procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou
fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional
ou de importação fraudulenta por parte de outrem;
IV - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade
comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de
documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.

O § 2º estabelece que “equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer
forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido
em residências”.
Por fim, no § 3º, observa-se causa de aumento de pena se o descaminho é praticado em transporte
aéreo, marítimo ou fluvial. Entende o STJ que a majorante se aplica, inclusive, aos crimes
cometidos em voos regulares, e não apenas àqueles de natureza clandestina.
Segundo decidiu o STJ, compete à Justiça Federal a condução do inquérito que investiga o
cometimento do delito previsto no art. 334, § 1º, IV, do Código Penal, na hipótese de venda de
mercadoria estrangeira, permitida pela ANVISA, desacompanhada de nota fiscal e sem

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MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 9

comprovação de pagamento de imposto de importação54. Compete à Justiça Federal o


julgamento dos crimes de contrabando e de descaminho, ainda que inexistentes indícios de
transnacionalidade na conduta55.
Cabe ressaltar que eventual pagamento do tributo não é apto a promover a extinção da punibilidade
do descaminho.
A ação penal é pública incondicionada.

8. ARTIGO 334-A: CONTRABANDO

Importar ou exportar mercadoria proibida:


Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem:
I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;
II - importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou
autorização de órgão público competente;
III - reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;
IV - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito
próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida
pela lei brasileira;
V - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade
comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira. (Incluído pela Lei nº 13.008,
de 26.6.2014)
§ 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de
comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em
residências.
§ 3º A pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo,
marítimo ou fluvial.

A figura do caput admite o acordo de não persecução penal.


A conduta ora em comento é mais grave e reprovável que o descaminho, em razão de ser proibida
a mercadoria.
O funcionário público que facilita o contrabando incidirá no art. 318 (facilitação de contrabando ou
descaminho) do CP.
O objeto material é a mercadoria, compreendida como qualquer bem móvel suscetível de
comercialização. Não precisa ser necessariamente estrangeira. Pode ser de fabricação brasileira,
desde que destinada exclusivamente à exportação.
Em regra, não é necessária perícia.
Por força do princípio da especialidade, quando se tratar de drogas, aplica-se o art. 33 da Lei n.º
11.343/2006 e, quando se tratar de armas, incide o art. 18 da Lei n.º 10.826/2003.
Quanto ao contrabando, não se aplica o princípio da insignificância, diferentemente do descaminho
(art. 334 do CP) em razão da natureza proibida da mercadoria importada ou exportada. O crime
em tela não tem natureza tributária.
O delito é formal: independe de resultado naturalístico para a sua consumação.
Não admite modalidade culposa e somente é praticado a título doloso.
A proibição da mercadoria pode ser absoluta ou relativa.
As figuras previstas no § 1º do art. 334-A do CP são chamadas de contrabando por assimilação.
O art. 334-A, § 1º, IV trata de uma forma específica de receptação (art. 180 do CP).
Se a pessoa aceita adquirir, receber ou ocultar, no exercício de atividade comercial ou industrial, uma
mercadoria de procedência estrangeira sem os documentos que atestam que ela foi introduzida
regularmente ou com documentos falsos, estará fomentando o contrabando. Assim, o inciso

54 STJ. Plenário. CC 159.680-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 08/08/2018.
55 STJ. 3ª Seção. CC 160.748-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/09/2018. Informativo 631.

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MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 9

pune a pessoa que pratica atividade comercial ou industrial envolvendo mercadoria de


procedência estrangeira, que foi trazida para o Brasil de forma clandestina (sem que as
autoridades soubessem) ou fraudulenta (enganando as autoridades).
A exemplo do descaminho, há causa de aumento de pena no § 3º em relação aos crimes cometidos
em voos e embarcações. Uma parcela da doutrina defende que somente terá incidência ao
transporte de natureza clandestina.
Segundo decidiu o STF, configura contrabando (e não descaminho) a conduta de importar, à margem
da disciplina legal, arma de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola.
A importação de arma de pressão está sujeita à autorização prévia da Diretoria de Fiscalização de
Produtos Controlados do Exército Brasileiro e só pode ser feita por colecionadores, atiradores e
caçadores registrados no Exército. Além disso, deve se submeter às normas de desembaraço
alfandegário previstas no Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados.
Logo, trata-se de mercadoria de proibição relativa, sendo a sua importação fiscalizada não apenas
por questões de ordem tributária, mas outros interesses ligados à segurança pública.
Não é possível aplicar o princípio da insignificância mesmo que a arma de ar comprimido importada
seja de calibre inferior a 6 mm, já que este postulado é incabível para contrabando56.
Segundo já decidiu o STJ, configura crime de contrabando (art. 334-A do CP) a importação de colete
à prova de balas sem prévia autorização do Comando do Exército. (STJ. 6ª Turma. RHC 62.851-
PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/2/2016. Info 577).
A competência é da Justiça Federal.
A ação penal é pública incondicionada.

QUESTÃO
(CESPE – CEBRASPE PF 2021) O pagamento do tributo devido extingue a punibilidade do crime de
descaminho.

GABARITO
Gabarito: errado, pois o crime de descaminho é formal. Mostra-se irrelevante o parcelamento e
pagamento do tributo, não se inserindo, ademais, o crime de descaminho entre as hipóteses de
extinção da punibilidade listadas na Lei n.º 10.684/2003.

9. ARTIGO 335: IMPEDIMENTO, PERTURBAÇÃO OU FRAUDE DE CONCORRÊNCIA

“Impedir, perturbar ou fraudar concorrência pública ou venda em hasta pública, promovida pela
administração federal, estadual ou municipal, ou por entidade paraestatal; afastar ou procurar
afastar concorrente ou licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento
de vantagem” é delito punido com detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa, além
da pena correspondente à violência. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, cabendo
transação e suspensão condicional do processo.
A doutrina discute se houve a revogação total ou parcial do dispositivo pela Lei de Licitações. No
entanto, prevalece o entendimento de que houve uma revogação parcial, pois haverá esse
crime quando houver impedimento, perturbação ou fraude em hasta pública, pois quando
houver concorrência pública, aí incidirá o tipo penal da Lei n.º 8.666/1993.
Assim sendo, o dispositivo continua em vigor para os crimes cometidos em hasta pública.
Qualquer pessoa pode praticar, sendo crime comum. O Estado é o sujeito passivo.
O elemento subjetivo é o dolo, acrescido do especial fim de agir, que é a vontade de afastar o
concorrente de participar desta hasta pública.

56 STF. 2ª Turma. HC 131943/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 7/5/2019. Informativo 939.

280
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 9

Conforme prevê o parágrafo único, “incorre na mesma pena quem se abstém de concorrer ou licitar,
em razão da vantagem oferecida”. É a chamada abstenção subornada. O delito é próprio,
praticado pelo competidor.
A ação penal é pública incondicionada.

10. ARTIGO 336: INUTILIZAÇÃO DE EDITAL OU DE SINAL

“Rasgar ou, de qualquer forma, inutilizar ou conspurcar edital afixado por ordem de funcionário
público; violar ou inutilizar selo ou sinal empregado, por determinação legal ou por ordem de
funcionário público, para identificar ou cerrar qualquer objeto” é crime apenado com detenção,
de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo,
cabendo transação e suspensão condicional do processo.
A tutela dirige-se ao regular desenvolvimento das atividades administrativas.
Qualquer pessoa pode praticar o delito, inclusive o funcionário público. O sujeito passivo é o Estado.
“Conspurcar” significa sujar, sem impedir completamente a leitura.
Não haverá crime se o edital já foi inutilizado ou não tem mais utilidade. Exemplo: edital com prazo
vencido.
A ação penal é pública incondicionada.

11. ARTIGO 337: SUBTRAÇÃO OU INUTILIZAÇÃO DE LIVRO OU DOCUMENTO

Segundo o art. 337, configura crime “subtrair, ou inutilizar, total ou parcialmente, livro oficial,
processo ou documento confiado à custódia de funcionário, em razão de ofício, ou de particular
em serviço público”. A pena é reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime
mais grave. Admite-se o acordo de não persecução penal.
Trata-se de crime subsidiário expresso.
Qualquer pessoa pode praticar a conduta. O sujeito passivo é o Estado.
Se o sujeito ativo for advogado, que retirou o processo ou documento e não devolveu, o crime será
do art. 356 (sonegação de papel ou objeto de valor probatório) do CP.
A ação penal é pública incondicionada.

12. ARTIGO 337-A: SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

O art. 337-A prevê o seguinte:


Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as
seguintes condutas:
I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto
pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou
trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços;
II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as
quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de
serviços;
III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou
creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 1º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as
contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social,
na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.
§ 2º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente
for primário e de bons antecedentes, desde que: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
I – (VETADO) (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

281
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 9

II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele
estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o
ajuizamento de suas execuções fiscais.
§ 3º Se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não ultrapassa
R$ 1.510,00 (um mil, quinhentos e dez reais), o juiz poderá reduzir a pena de um terço até
a metade ou aplicar apenas a de multa.
§ 4º O valor a que se refere o parágrafo anterior será reajustado nas mesmas datas e nos
mesmos índices do reajuste dos benefícios da previdência social.

A tutela penal volta-se à fonte de custeio da previdência social. A pena cominada permite o acordo
de não persecução penal.
Parcela da doutrina critica a alocação no CP, considerando as leis especiais que também tutelam a
previdência social.
O crime é próprio, pois somente pode praticá-lo o responsável pelo lançamento das informações que
o tipo relaciona. Porém, há decisão do STJ no sentido de considerá-lo comum, podendo figurar
como autor qualquer pessoa, inclusive prefeitos. O sujeito passivo é a previdência social.
A perfeita tipificação exige um complemento, sendo uma norma penal em branco heterogênea. A
Previdência Social deverá indicar as fichas e papéis que devem ser preenchidos, por exemplo.
A doutrina majoritária entende que o delito é omissivo próprio, motivo pelo qual não admite
tentativa.
O STJ tem precedente no sentido de reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de
sonegação previdenciária e de apropriação indébita previdenciária, apesar de serem distintos.
O elemento subjetivo é o dolo de não incluir os dados necessários nos lançamentos. Mais do que o
dolo geral, exige-se o elemento subjetivo especial de agir, que é a finalidade de fraudar a
previdência social.
O crime se consuma com a redução ou supressão. Nesse caso, apesar do especial fim de agir, o crime
é material, já que se exige a efetiva supressão ou redução do valor devido.
A punibilidade resta extinta se o agente:

• Espontaneamente confessa e presta as informações devidas antes do início da execução fiscal.

• Promove o pagamento do tributo ou da contribuição social antes do recebimento da denúncia.

Se o pagamento do valor devido ocorrer após o início da ação penal, ou após o recebimento da
denúncia, só incidirá a atenuante genérica do art. 65, III, b, do CP.
A competência é da Justiça Federal, exceto na hipótese do art. 149, § 1º, da CF/88.
A ação penal é pública incondicionada.

282
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 10

DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:


10 DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA
A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTRANGEIRA

283
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 10

Primeiramente, é necessário conceituar o funcionário público estrangeiro para fins penais.

Segundo o art. 337-D do CP, “considera-se funcionário público estrangeiro, para os efeitos penais,
quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função
pública em entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro”.
O parágrafo único diz que “se equipara a funcionário público estrangeiro quem exerce cargo,
emprego ou função em empresas controladas, diretamente ou indiretamente, pelo Poder
Público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais”.

1. ARTIGO 337-B: CORRUPÇÃO ATIVA EM TRANSAÇÃO COMERCIAL


INTERNACIONAL

O art. 337-B prevê como crime as condutas de “prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente,
vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a
praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial internacional”. A
pena estabelecida é de reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa. Cabe suspensão condicional
do processo e o acordo e não persecução penal.
No parágrafo único, verifica-se que “a pena é aumentada de 1/3, se, em razão da vantagem ou
promessa, o funcionário público estrangeiro retarda ou omite o ato de ofício, ou o pratica
infringindo dever funcional”.
O objeto jurídico é o regular desenvolvimento das relações comerciais entre o Brasil e demais
países.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, brasileiro ou estrangeiro (crime comum). O sujeito passivo
é por uns considerada a administração pública lesada. Outros entendem que é a credibilidade
das relações comerciais internacionais. De qualquer sorte, o crime é vago.
Não é necessário que a vantagem seja direta, podendo ser oferecida, prometida ou dada de maneira
indireta, implícita.
É crime formal (“prometer” e “oferecer”), motivo pelo qual o efetivo recebimento da vantagem é
mero exaurimento e não pressuposto da consumação, bastando que a vantagem chegue ao
conhecimento do funcionário público estrangeiro. Na modalidade “dar”, o crime é material, só
se consumando quando o agente recebe a vantagem.
A tentativa é possível, nas três modalidades. Não se admite a forma culposa. Exige-se, ainda, a
finalidade especial de agir, consistente na intenção de ver o ato ser praticado, omitido ou
retardado (dolo específico).
A ação penal é pública incondicionada.

2. ARTIGO 337-C: TRÁFICO DE INFLUÊNCIA EM TRANSAÇÃO COMERCIAL


INTERNACIONAL

Nos termos do art. 337-C, “solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por
funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a transação comercial
internacional” é crime punido com reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Admite-se o
acordo de não persecução penal.
O parágrafo único dispõe que “a pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a
vantagem é também destinada a funcionário estrangeiro”.
O bem jurídico é o mesmo do artigo anterior, aplicando-se, quanto aos sujeitos, as mesmas
disposições.
Ademais, o tipo é idêntico ao previsto no art. 332, com especializantes.

284
MICHELLE TONON DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL • 10

Exemplo: Fulano aborda Beltrano e diz: “Meu amigo, me dá uma prata aí que eu vou falar com o
Pedrinho, que trabalha lá no Consulado do Chile, pra ele adiantar a tua parada.”. Entretanto, o
infrator não pretende, efetivamente, fazer o que prometeu. Ele pretende ludibriar o Beltrano,
que vai comprar a influência. Se o indivíduo, de fato, possui influência sobre o funcionário
público estrangeiro e pretende utilizá-la, não pratica este delito.
O elemento subjetivo também é o dolo, não se admitindo na forma culposa. Há finalidade especial
de agir, consistente na intenção de obter a vantagem “para si ou para outrem”.
O crime se consuma com a mera solicitação, exigência ou cobrança da vantagem (crime formal). Na
modalidade “obter”, o crime é material. A tentativa é admitida.
Há uma causa de aumento de pena (majorante), que incidirá caso o infrator alegue que está pedindo
a vantagem, mas que parte dela se destina ao funcionário público que se pretende “comprar”.
A ação penal é pública incondicionada.

285
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL

DIREITO
PROCESSUAL
PENAL

286
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

1 PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL

287
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

Os princípios possuem uma importância ímpar no processo penal justamente porque cumprem a
árdua missão de proteção e tutela de direitos individuais, a fim de evitar abusos na aplicação do ius puniendi
do Estado. Veja os princípios constitucionais e infraconstitucionais que incidem na disciplina do direito
processual penal.

Ressalta-se que alguns princípios, a exemplo do princípio da inadmissibilidade da prova ilícita, do


duplo grau de jurisdição, serão trabalhados nos materiais relacionados ao assunto, de modo a melhor discutI
-los.

1. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU DA NÃO CULPABILIDADE

Trata-se de princípio amplamente reconhecido em diplomas internacionais, tais como a Declaração


dos Direitos do Homem e do Cidadão (art. 9º), Declaração Universal de Direitos Humanos (art. 11), Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 14.2), Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8º,
§2º), entre outros.

Antes da CF/88, esse princípio existia somente de forma implícita no ordenamento jurídico brasileiro,
como decorrência da cláusula do devido processo legal. Porém, com o advento da Constituição, o princípio
passou a constar expressamente do art. 5º, LVII, da CF/88, veja:

Art. 5º. (...)


LVII - Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória.

Segundo Renato Brasileiro (p. 43), o princípio em tela “pode ser definido como o direito de não ser
declarado culpado senão após o término do devido processo legal, durante o qual o acusado tenha se
utilizado de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da
credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório).”

Tendo em vista que a Constituição não utiliza a expressão “inocente”, mas sim fala em “não ser
considerado culpado”, a doutrina e a jurisprudência denominam o presente princípio tanto como de
presunção de inocência quanto de presunção de não culpabilidade.

Desse princípio derivam duas regras fundamentais: a regra probatória (in dubio pro reo)e a regra de
tratamento.

Por força da regra probatória, não cabe ao acusado o ônus de provar sua inocência, mas sim à parte
acusadora o ônus de demonstrar sua culpabilidade além de qualquer dúvida razoável. Dessa forma, o ônus
da prova recai exclusivamente sobre a acusação.

São consectários da regra probatória:

• incumbência do acusador de demonstrar a culpabilidade do acusado;

• necessidade de comprovar a existência dos fatos imputados, não de demonstrar a inconsistência


das desculpas do acusado;

• essa comprovação deve ser feita legalmente, conforme o devido processo legal;

• impossibilidade de se obrigar o acusado a colaborar na apuração dos fatos (direito ao silêncio).

288
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

Desse modo, essa regra probatória deve ser utilizada sempre que houver dúvida sobre o fato
relevante para decisão do processo. Portanto, não havendo certeza, mas dúvida sobre os fatos em discussão
em juízo, inegavelmente é preferível a absolvição de um culpado à condenação de um inocente, pois, em um
juízo de ponderação, o primeiro erro acaba sendo menos grave que o segundo. Há uma necessidade de
certeza.

Nesta acepção, a presunção de inocência se confunde com o in dubio pro reo, o qual, no entanto,
não é uma simples regra de apreciação de provas. Na verdade, deve ser utilizado no momento da valoração
das provas: havendo dúvida, a decisão deve favorecer o imputado. Cabe à parte acusadora afastar a
presunção de não culpabilidade que recai sobre o imputado, provando além de uma dúvida razoável que o
acusado praticou a conduta delituosa.

Atenção para o princípio do in dubio pro societate! O in dubio pro reo incide somente até o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória. Na revisão criminal, não há que falar em in dubio pro reo, mas
em in dubio pro societate. Nesse caso, o ônus de provar a presença de uma das hipóteses autorizadoras
da revisão (art. 621 doCPP) recai exclusivamente sobre o condenado. Dessa forma, em caso de dúvida, o
tribunal deverá manter a condenação.

Ainda, a jurisprudência aplica o princípio do in dubio pro societate no momento do recebimento da


denúncia e na decisão de pronúncia no procedimento do tribunal do júri, casos em que, havendo dúvida,
deve o magistrado receber a denúncia e pronunciar o acusado:

No momento da denúncia, prevalece o princípio do in dubio pro societate. [STF. 1ª Turma.


Inq 4506/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em
17/04/2018 (Info 898)]
Na sentença de pronúncia deve prevalecer o princípio in dubio pro societate, não existindo
nesse ato qualquer ofensa ao princípio da presunção de inocência, porquanto tem por
objetivo a garantia da competência constitucional do Tribunal do Júri. [STF. 2ª Turma. ARE
986566 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 21/08/2017]

A doutrina mais moderna critica a existência do in dubio pro societate, afirmando que ele é contrário
às garantias conferidas ao réu. Recentemente, o Ministro Gilmar Mendes também apresentou algumas
críticas à aplicação desse princípio na fase da pronúncia:

Na fase de pronúncia deve-se adotar a teoria racionalista da prova, na qual não deve haver
critérios de valoração das provas rigidamente definidos na lei, no entanto, por outro lado,
o juízo sobre os fatos deve ser pautado por critérios de lógica e racionalidade, podendo ser
controlado em âmbito recursal ordinário.
Para a pronúncia, não se exige uma certeza além da dúvida razoável, necessária para a
condenação. Contudo, a submissão de um acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri
pressupõe a existência de um lastro probatório consistente no sentido da tese acusatória.
Ou seja, requer-se um standard probatório um pouco inferior, mas ainda assim dependente
de uma preponderância de provas incriminatórias. [STF. 2ª Turma. ARE 1067392/CE, Rel.
Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/3/2019 (Info935)]

O Ministro fez críticas ao princípio do in dubio pro societate afirmando que ele não encontra amparo
constitucional ou legal e acarreta o completo desvirtuamento das premissas racionais de valoração da
prova, além de sustentar que esse princípio desvirtua por completo o sistema bifásico do procedimento do
júri brasileiro, esvaziando a função da decisão de pronúncia. Assim, não deveria ser aplicado o princípio do
in dubio pro societate por duas razões:

• por absoluta ausência de previsão legal;

• em razão da existência expressa do princípio da presunção de inocência, que faz com que seja
necessário adotar o princípio do in dubio pro reo.

289
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

A posição do Ministro se assemelha à do autor Gustavo Badaró:

Não se exige, pois, que haja certeza de autoria. Bastará a existência de elementos de
convicção que permitam ao juiz concluir, com bom grau de probabilidade, que foi o
acusado o autor do delito. Isso não se confunde, obviamente, com o in dubio pro societate.
Não se trata de uma regra de solução para o caso de dúvida, mas sim deestabelecer
requisitos que, do ponto de vista do convencimento judicial, não seidentificam com a
certeza, mas com a probabilidade. Quando a lei exige para umamedida qualquer que
existam ‘indícios de autoria’, não é preciso que haja certeza daautoria, mas é necessário
que o juiz esteja convencido de que estes ‘indícios’ estãopresentes. Se houver dúvida
quanto à existência dos ‘indícios suficientes de autoria’, o juiz deve impronunciar o acusado,
como consequência inafastável do in dubio pro reo. [BADARÓ Gustavo H. Ônus da prova no
processo penal, RT, 2004. p. 390-391]

Apesar das críticas do Ministro Gilmar Mendes, não é possível afirmar que o STF negou a aplicação
do princípio do in dubio pro societate. Dessa forma, sendo a posição mais segura a ser adotada em concursos
públicos, o princípio do in dubio pro societate é aplicado em três momentos no processo penal brasileiro:

• na revisão criminal;

• no momento do recebimento da denúncia;

• na decisão de pronúncia no procedimento do Tribunal do Júri.

A regra de tratamento veda que o sujeito, estando em posição de suspeito, indiciado, denunciado
ou acusado, seja tratado como se já condenado fosse enquanto não sobrevier sentença condenatória
transitada em julgado. Dela decorre a vedação de prisões processuais automáticas ou obrigatórias e a
impossibilidade de execução provisória da pena. A privação cautelar da liberdade somente se justifica
em casos excepcionais, ou seja, a regra é responder ao processo penal em liberdade, e a exceção é
estar preso.

A regra de tratamento do princípio da presunção de inocência atua em duas dimensões:

• dimensão interna ao processo: Funciona como dever imposto ao magistrado no sentido de que
o ônus da prova recai integralmente sobre a acusação, devendo a dúvida favorecer o acusado. As
prisões cautelares somente podem ser decretadas em casos excepcionais;

• dimensão externa ao processo: proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização do


acusado, funcionando como limites à exploração midiática em torno do fato criminoso e do
processo judicial.

Por outro lado, em relação à execução provisória da pena, importa ressaltar que o STF entendia por
sua impossibilidade diante do princípio da presunção de inocência. Entretanto, em 2016, o STF modificou sua
orientação anterior e decidiu que a execução provisória da pena após acórdão condenatório de segundo grau
não era incompatível com o princípio da presunção de inocência, e o STJ seguiu esse entendimento.

Em 2019, a posição do STF mudou novamente para o sentido oposto. Assim, pode-se distinguir 4
momentos históricos em relação à interpretação do art. 5º, LVII, da CF/88, conforme tabela do Dizer o Direito:

Atenção! Para o STF, é possível o início do cumprimento da pena caso somente reste o julgamento de
recursosem efeito suspensivo (ex: só falta julgar Resp ou RE)? É possível a execução provisória da pena?

1º Período: Até fevereiro de 2009, o STF entendia que era possível a execução provisória da pena.
Desse modo, se o réu estivesse condenado e interpusesse recurso especial ou recurso extraordinário, teria
que iniciar o cumprimento provisório da pena enquanto aguardava o julgamento.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

Os recursos extraordinário e especial são recebidos no efeito devolutivo. Assim, exauridas


estão as instâncias ordinárias criminais, é possível que o órgão julgador de segundo grau
expeça mandado de prisão contra o réu (STF. Plenário. HC 68726, Rel. Min. Néri da Silveira,
julgado em 28/6/1991).

2º Período: No dia 5/2/2009, o STF, ao julgar o HC 84.078 (Rel. Min. Eros Grau), mudou de posição e
passou a entender que não era possível a execução provisória da pena.

Observação! O condenado poderia até aguardar o julgamento do REsp ou do RE preso, mas desde
que estivessem previstos os pressupostos necessários para a prisão preventiva (art. 312 do CPP).

Dessa forma, ele poderia ficar preso, mas cautelarmente (preventivamente) e não como execução
provisória da pena.

Principais argumentos:

• A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título
cautelar.

• A execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa restrição do direito


de defesa.

• A antecipação da execução penal é incompatível com o texto da Constituição.

3º Período: de fevereiro de 2016 a novembro de 2019: Sim! É possível a execução provisória da


pena.

No dia 17/2/2016, o STF, ao julgar o HC 126.292 (Rel. Min. Teori Zavascki), retornou para a sua
primeira posição e voltou a dizer que era possível a execução provisória da pena.

Principais argumentos:

• É possível o início da execução da pena condenatória após a prolação de acórdão condenatório


em 2º grau e isso não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência;

• O recurso especial e o recurso extraordinário não possuem efeito suspensivo (art. 637 do CPP).
Isso significa que, mesmo a parte tendo interposto algum desses recursos, a decisão recorrida
continua produzindo efeitos. Logo, é possível a execução provisória da decisão recorrida
enquanto se aguarda o julgamento do recurso;

• Até que seja prolatada a sentença penal, confirmada em 2º grau, deve-se presumir a inocência do
réu. Mas, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos
cabíveis da decisão de segundo grau ao STJ ou STF não se prestam a discutir fatos e provas, mas
apenas matéria de direito;

• É possível o estabelecimento de determinados limites ao princípio da presunção de não


culpabilidade. Assim, a presunção da inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em
julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado;

• A execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o


núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, desde que o acusado tenha sido tratado
como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as
garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório
atual;

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

• É necessário equilibrar o princípio da presunção de inocência com a efetividade da função


jurisdicional penal. Neste equilíbrio, deve-se atender não apenas os interesses dos acusados,
como também da sociedade, diante da realidade do intrincado e complexo sistema de justiça
criminal brasileiro;

• “Em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma
condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte”.

4º Período: Não é possível a execução provisória da pena

No dia 7/11/2019, o STF, ao julgar as ADCs 43, 44 e 54 (Rel. Min. Marco Aurélio), retornou para a sua
segunda posição e afirmou que o cumprimento da pena somente pode ter início com o esgotamento de todos
os recursos. Assim, é proibida a execução provisória da pena.

Vale ressaltar que é possível que o réu seja preso antes do trânsito em julgado (antes do esgotamento
de todos os recursos), no entanto, para isso, é necessário que seja proferida uma decisão judicial
individualmente fundamentada, na qual o magistrado demonstre que estão presentes os requisitos para a
prisão preventiva previstos no art. 312 do CPP.

Dessa forma, o réu até pode ficar preso antes do trânsito em julgado, mas cautelarmente
(preventivamente), e não como execução provisória da pena.

Principais argumentos:

• O art. 283 do CPP, com redação dada pela Lei nº 12.403/2011, prevê que “ninguém poderá ser
preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da
investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”. Esse artigo
é plenamente compatível com a Constituição em vigor;

• O inciso LVII do art. 5º da CF/88, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória”, não deixa margem a dúvidas ou a controvérsias de
interpretação;

• É infundada a interpretação de que a defesa do princípio da presunção de inocência pode obstruir


as atividades investigatórias e persecutórias do Estado. A repressão a crimes não pode
desrespeitar e transgredir a ordem jurídica e os direitos e garantias fundamentais dos
investigados;

• A Constituição não pode se submeter à vontade dos poderes constituídos nem o Poder Judiciário
embasar suas decisões no clamor público.

Assim, a prisão após o julgamento da apelação não é mais automática. O TJ ou TRF deverá decidir,
de forma individualizada, sobre a liberdade do réu, podendo até decretar a prisão preventiva, desde que
cumpridos os requisitos legais. Caso contrário, o réu deve ficar em liberdade.

Ressalte-se que existe julgado do STF afirmando não ser possível a execução provisória da pena
mesmo em caso de condenações pelo Tribunal do Júri (STF. 2ª Turma. HC 163.814 ED/MG, Rel. Min. Gilmar
Mendes, julgado em 19/11/2019. Info 960).

No entanto, com a previsão do art. 492, I, “e”, do CPP, dada pela Lei Anticrime (Lei nº 13.964/19), há
a determinação da execução provisória da pena no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

(quinze) anos de reclusão. Resta saber como os tribunais superiores irão se posicionar quanto à
constitucionalidade do dispositivo.

O tema ainda está pendente no STF, mas o STJ já se manifestou reafirmando seu posicionamento
de impossibilidade de execução provisória da pena mesmo em caso de condenação pelo tribunal do júri
com reprimenda igual ou superior a 15 anos de reclusão (STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 714884-SP, julgado em
15/03/2022, Info 730).O STF entendeu também que, se o Tribunal de 2ª instância não analisou a necessidade
da prisão preventiva ou de medidas cautelares, diversas da prisão após o julgamento da apelação, em razão
de ter aplicado o antigo entendimento do STF sobre a execução provisória, antes de ser decretada a
liberdade, aplicando-se o entendimento atual, deve o Tribunal fazer essa análise (1ª Turma. HC 174875/MG,
rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 3/12/2019. Info 962).

Por fim, cabe ressaltar que o STJ fixou em entendimento sumular a impossibilidade de execução
provisória de pena restritiva de direitos. A Súmula 643, STJ:

A execução da pena restritiva de direitos depende do trânsito em julgado dacondenação.

2. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

O princípio do contraditório encontra-se expresso no art. 5º, LV, da CF/88:

Art. 5º (...)
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Classicamente, o princípio do contraditório consiste na ciência bilateral dos atos ou termos do


processo e a possibilidade de contrariá-los. O núcleo fundamental do contraditório estaria ligado à discussão
dialética dos fatos da causa, devendo se assegurar às partes (portanto, não somente à defesa!) a
oportunidade de fiscalização recíproca dos atos praticados no curso do processo.

A doutrina elenca dois elementos do contraditório: direito à informação e direito de participação.

O direito à informação funciona como consectário lógico do contraditório. Consiste na ciência da


parte adversa sobre a existência da demanda e os argumentos da parte contrária. Daí a importância dos
meios de comunicação dos atos processuais: citação, intimação e notificação. Nesse sentido, há
entendimento sumulado do STF. A Súmula 707, STF:

Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao


recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo.

O direito de participação, por sua vez, compreende a possibilidade de a parte oferecer reação,
manifestação ou contrariedade à pretensão da parte contrária. Não basta que a parte tenha a informação,
é necessário assegurar uma real e igualitária participação das partes, concretizando, pois, um contraditório
pleno, efetivo e equilibrado.

Pela concepção original do princípio do contraditório, entendia-se que, quanto à reação, bastava que
ela fosse possibilitada, ou seja, tratava-se de reação possível. No entanto, a mudança de concepção sobre o
princípio da isonomia, com a superação da mera igualdade formal e a luta por uma igualdade substancial,
trouxe a necessidade de se igualar os desiguais, repercutindo também no âmbito do contraditório. Dessa
maneira, o contraditório deixou de ser visto como mera possibilidade de participação para o contraditório
real (equilibrado e efetivo).

Dessa forma, não basta assegurar ao acusado apenas o direito à informação e à reação em um plano
formal, como acontece no processo civil. Tendo em vista que no processo penal discute- se o direito à

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

liberdade de locomoção, ainda que o acusado não tenha interesse em reagir, o CPP impõe sua
obrigatoriedade por intermédio de um defensor, não bastando sua atuação formal, mas sendo sim necessária
uma atuação comprometida e fundamentada:

Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado
sem defensor.
Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será
sempre exercida através de manifestação fundamentada.

Portanto, pode-se dizer que, em um primeiro momento, o contraditório limitava-se ao direito à


informação e à possibilidade de reação. Atualmente, o contraditório passou a ser a analisado também no
sentido de assegurar o respeito à paridade de tratamento (par conditio ou paridade de armas). De fato,
nada adianta assegurar à parte a possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária se
não lhe são outorgados meios para que se tenha condições reais e efetivas de contrariá-los e influenciar no
julgamento do magistrado.

Importa salientar que prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a


observância do contraditório só é obrigatória na fase processual e não na fase investigativa. Chega-se a esta
conclusão porque o art. 5º, LV, da CF/88 faz menção à observância do contraditório em processo judicial e
administrativo. Como o inquérito policial é tido como um procedimento administrativo destinado à colheita
de elementos de informação57 quanto à existência do crime e quanto à autoria ou participação, não há que
falar na observância do contraditório nessa fase preliminar.

Em relação às provas produzidas no processo, o princípio do contraditório consiste em apresentá-las


à parte contrária, possibilitando-se sua manifestação sobre ela, em cumprimento ao princípio do
contraditório.

Assim, importa expor a diferenciação feita pela doutrina entre o contraditório para a prova, ou
contraditório real, e o contraditório sobre a prova, também chamado de contraditório diferido ou
postergado:

• contraditório para a prova ou contraditório real: trata-se de participação direta das partes na
formação da prova, de forma que a produção desta se dê em sua presença e sob supervisão do
órgão julgador;

• contraditório sobre a prova ou contraditório diferido ou postergado: trata-se da realização do


contraditório após a formação da prova. A observância do contraditório é feita posteriormente,
dando-se oportunidade ao acusado e ao seu defensor de, no curso do processo, contestar a
providência cautelar, ou combater a prova pericial feita no curso do inquérito. Ex.: interceptação
telefônica, na qual não há sentido no exercício do contraditório real pelo investigado ou acusado,
tendo em vista que comprometeria a própria finalidade da diligência. Uma vez finda a diligência,
dar-se-á vista à defesa a fim de que se tenha ciência das informações obtidas, preservando o
contraditório e a ampla defesa. Não há violação do contraditório, porquanto seu exercício será
apenas diferido para um momento ulterior.

57Aqui chamados de elementos de informação, porque, classicamente, só pode ser considerado “prova” depoisque os elementos
de informação são expostos ao contraditório, fato que só irá ocorrer na fase judicial.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

3. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

Assim como o contraditório, a ampla defesa encontra-se expressa no art. 5º, LV, da CF/88:

LV - Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são


assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Sob a ótica que privilegia o interesse do acusado, a ampla defesa trata-se de um direito. Todavia, sob
o enfoque publicístico, no qual prepondera o interesse geral de um processo justo, é vista como uma
garantia.

O direito de defesa está intimamente ligado ao princípio do contraditório. Somente é possível falar
em exercício da ampla defesa em virtude de um dos elementos que compõem o contraditório: o direito à
informação. Ademais, a ampla defesa se concretiza por intermédio do segundo elemento: direito de reação.
Apesar da íntima ligação, os dois princípios não se confundem, como explica Renato Brasileiro (p. 54):

Com efeito, por força do princípio do devido processo legal, o processo penal exige partes
em posições antagônicas, uma delas obrigatoriamente em posição de defesa (ampla
defesa), havendo a necessidade de que cada uma tenha o direito de se contrapor aos atos
e termos da parte contrária (contraditório).

Assim, a defesa e o contraditório são manifestações simultâneas, intimamente ligadas, mas que não
se confundem! Isso é muito importante, pois, como são diferentes, é possível violar o contraditório sem que
viole a defesa e vice-versa, como no caso de se deixar de comunicar um determinado ato processual à
acusação. Embora não seja violação ao direito de defesa, viola o princípio do contraditório. O contraditório
diz respeito à ambas as partes, enquanto que a ampla defesa, somente ao réu.

A ampla defesa é, inclusive, o fundamento pelo qual admite-se que o acusado seja formalmente
tratado de maneira desigual em relação à acusação no processo penal, concretizando- se o viés material do
princípio da igualdade. São exemplos dessas situações a proibição da reformatio in pejus, a regra do in dubio
pro reo, a previsão de revisão criminal exclusivamente pro reo etc.

A proteção proporcionada pela ampla defesa abrange a defesa técnica, processual ou específica e a
autodefesa ou defesa material ou genérica.

A defesa técnica, processual ou específica é aquela exercida por profissional da advocacia, dotado
de capacidade postulatória, seja ele advogado constituído, nomeado, ou defensor público. Trata-se de defesa
necessária, indeclinável, plena e efetiva, não sendo possível que alguém seja processado sem que possua
defensor.

Sendo indispensável e irrenunciável, mesmo que o acusado queira ser processado sem defesa
técnica, e ainda que seja revel, deve o juiz providenciar a nomeação de um defensor. É nesse sentido o art.
261, caput, do CPP:

Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado
sem defensor.

Caso isso não seja feito, havendo o prosseguimento do processo sem nomeação de um defensor,
configura-se, pois, sua nulidade absoluta, por afronta à garantia da ampla defesa (art. 564, III, “c”, do CPP),
como dispõe a Súmula 708 do STF:

É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único
defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

No entanto, importa salientar que há situações excepcionais em que a CF/88 e o CPP permitem que
o acusado atue mesmo sem postulação por um defensor, como o habeas corpus, recursos, incidentes da
execução penal e revisão criminal.

Tendo em vista que a necessidade é de assistência de um profissional da advocacia legalmente


habilitado nos quadros da OAB ou defensor público, juízes e promotores não podem exercer sua própria
defesa técnica, a despeito de possuírem o conhecimento jurídico.

Ressalta-se que a defesa técnica é imprescindível inclusive nos Juizados Especiais Criminais, ao
contrário dos juizados cíveis, nos termos dos arts. 72; 76, §3º; 81 e 89, §1º, da Lei nº 9.099/95.

Outro desdobramento da ampla defesa e da defesa técnica consiste no direito do acusado de


escolher seu próprio defensor. Tendo em vista que é estabelecida uma relação de confiança entre eles.
Havendo omissão do defensor constituído pelo acusado, não cabe ao juiz, de pronto, nomear-lhe outro, mas
sim intimá-lo para constituir novo defensor. Somente após isso, e em caso de inércia do acusado, o juiz
poderá nomear um defensor dativo ou um defensor público para exercer o patrocínio do acusado,
ressalvando-se o direito do acusado de constituir novo defensor a qualquer tempo. É nesse sentido o
entendimento do STF:

Se o advogado discordar de alguma decisão do juiz da causa na condução do procedimento


ele não pode simplesmente se recusar a oferecer as alegações finais. A ampla defesa não
engloba essa possibilidade. Não há dúvida da importância da ampla defesa como elemento
central de um processo penal garantista. Todavia, esse princípio não tem o condão de
legitimar qualquer atuação por parte da defesa.
Se o advogado constituído, mesmo intimado para apresentar alegações finais, for omisso,
o juiz tem poderes de intimar o réu para que substituta o causídico. Se o réu, mesmo
intimado, ficar inerte, o magistrado poderá requerer que a Defensoria Pública ofereça as
alegações finais.
STJ. 6ª Turma. RMS 47680-RR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/10/2021 (Info
715).
Súmula 707, STF: Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer
contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação
de defensor dativo.

Porém, deve-se ter em mente o seguinte julgado do STJ:

Não afronta o princípio da inércia da jurisdição a decisão do Juízo penal que determina
seja designado Defensor Público para réu hipossuficiente economicamente, sem sua
prévia solicitação. Isso porque o dever do magistrado de zelar pela regularidade do
andamento do processo, com o fim de evitar nulidade processual, manifesta-se de forma
mais destacada no bojo do processo penal, quando voltado para a verificação da efetiva
obediência às garantias constitucionais do devido processo legal substantivo e do direito
ao contraditório e à ampla defesa do réu que não está devidamente representado e/ou
não tem condições financeiras de constituir um patrono. [STJ. 5ª Turma. RMS 59413-DF,
Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 07/05/2019 (Info 648)]

Ademais, não basta assegurar a presença formal de um defensor técnico, mas é necessário que este
atue de forma plena e efetiva em prol do acusado58, sob pena de considerá-lo indefeso. Por isso, dispõe o
art. 261, parágrafo único, do CPP:

Art. 261 (...)


Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será
sempre exercida através de manifestação fundamentada.

58 Isso não quer dizer que sempre o defensor deverá pedir a absolvição do acusado.

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Nesse sentido é também o entendimento sumulado do STF. A Súmula 523, STF:

No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o
anulará se houver prova de prejuízo para o réu.

Assim, deve-se assegurar ao acusado e seu defensor o tempo e os meios adequados para realizar a
defesa.

Deve-se salientar que a Súmula Vinculante nº 559 não se aplica à execução penal, porquanto, nessa
fase do processo, a defesa técnica também é imprescindível, tendo em vista que está em risco o direito de
liberdade de locomoção. Assim é o entendimento do STJ. A Súmula 533, STJ:

Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é


imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo direto estabelecimento
prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituídu defensor
público nomeado”.

Atenção! O STF firmou tese em regime de repercussão geral afirmando que a oitiva do condenado
pelo Juízo da Execução Penal, em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério
Público, afasta a necessidade de prévio Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre
eventual ausência ou insuficiência de defesa técnica no PAD, instaurado para a a prática de falta grave
durante o cumprimento da pena (Plenário. RE 972.598. Repercussão Geral – Tema 941. Info 985).

O entendimento acima indica a superação da Súmula 533 do STJ, tendo em vista que a instauração
de PAD não é mais imprescindível. No entanto, não há mudanças no entendimento quanto a
imprescindibilidade da defesa técnica, uma vez que se exige a presença do defensor na audiência de
justificação.

Ressalte-se que o STF entende que a ausência de defensor, devidamente intimado, à sessão de
julgamento e, consequentemente, à ausência de sustentação oral, não implica, por si só, nulidade processual
(STF. 1ª Turma. HC 165534/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em
3/9/2019. Info 950).

Ainda, se por um lado é imprescindível a presença de defensor no interrogatório do réu por ele
representado, por outro, no interrogatório dos demais réus, sua presença é facultativa. No entanto, a
Suprema Corte firmou entendimento de que, se o interrogatório é de um corréu delator, apresença do
advogado dos réus delatados é indispensável:

Se o interrogatório é de um corréu delator, a presença do advogado dos réus delatados é


indispensável. Neste caso, deve-se exigir a presença dos advogados dos réus delatados,
pois, na colaboração premiada, o delator adere à acusação em troca de um benefício
acordado entre as partes e homologado pelo julgador natural. Normalmente, o delator
presta contribuições à persecução penal incriminando eventuais corréus, razão pela qual
seus advogados devem acompanhar o ato. [STF. 2ª Turma. AO 2093/RN, Rel. Min. Cármen
Lúcia, julgado em 3/9/2019 (Info 955)]

No entanto, somente haverá nulidade na ausência do advogado do corréu no interrogatório do


corréu delator se a parte representada foi delatada no interrogatório, tendo em vista a ausência de prejuízo
no caso de ter sido delatado em outro momento.

Por sua vez, a autodefesa ou defesa material ou genérica, é aquela exercida pelopróprio acusado
em determinados momentos do processo. Embora não possa ser desprezada pelo juiz, ao contrário da defesa

59Súmula Vinculante nº 5: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar nãoofende a
Constituição”.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

técnica, a autodefesa é disponível, não se podendo compelir o acusado a exercer seu direito ao interrogatório
nem tampouco de acompanhar os atos da instrução processual.

Para se assegurar o exercício da autodefesa, o acusado, em regra, deve ser citado pessoalmente,
somente sendo cabível sua citação por edital quando esgotadas todas as diligências para localizá-lo. A ofensa
ao direito de autodefesa consiste em nulidade absoluta por violação à autodefesa.

A autodefesa se manifesta no processo penal das seguintes formas:

• Direito à audiência: direito que o acusado tem de apresentar ao juiz da causa sua própria versão
dos fatos, pessoalmente. Materializa-se por meio do interrogatório. Daí porque a doutrina
majoritária define a natureza jurídica do interrogatório como meio de defesa60.

• Direito de presença: trata-se do direito do acusado de presenciar os atos processuais, ou seja, de


acompanhar os atos da instrução ao lado de seu defensor, auxiliando-o na elaboração de sua
defesa. Por isso, é obrigatória a intimação do defensor e do acusado para todos os atos
processuais.

O comparecimento do acusado aos atos processuais trata-se de um direito e não um dever. Com
base nesse fundamento, o STF declarou que a condução coercitiva do acusado para o interrogatório
determinada pelo art. 260 do CPP não foi recepcionada pela CF/88 (Plenário. ADPF 395/DF e ADPF 444/DF,
Rel. Min. Gilmar Mendes, julgados em 13 e 14/6/2018) (Info 906). Entendeu- se que “o emprego da medida
representa restrição à liberdade de locomoção e viola a presunção de não culpabilidade, sendo, portanto,
incompatível com a Constituição Federal”.

Segundo a Corte Suprema, a condução coercitiva representa uma supressão absoluta, ainda que
temporária, da liberdade de locomoção, bem como não é o tratamento devido a quem se presume inocente,
de modo que o investigado conduzido é claramente tratado como culpado. Ainda, viola também a dignidade
da pessoa humana. Importa ressaltar que ela é ilegítima mesmo que o investigado tenha sido previamente
intimado para comparecer à Delegacia para interrogatório e tenha se recusado.

Ressaltou-se, no entanto, que os atos até então realizados são considerados válidos, mas, após o
entendimento acima, os agentes ou autoridades públicas que desconsiderarem a decisão do STF poderão
responder nos âmbitos civil, administrativo e criminal pelo ato, sem prejuízo da ilicitude do interrogatório
e consequente impossibilidade de utilização dos elementos ali angariados, bem como da responsabilidade
civil do Estado.

Entretanto, a condução coercitiva permanece válida para outras ocasiões, tais como a dúvida sobre
a identidade civil do investigado ou a qualificação do investigado na primeira fase do interrogatório. Do
mesmo modo, não foi abordada no julgamento a legitimidade da condução coercitiva da testemunha.

O direito de presença do acusado pode ser restringido em prol dos direitos das testemunhas e vítimas
à vida, à segurança, à intimidade e à liberdade de declarar. Por isso, na hipótese de prática de atos
intimidatórios contra esses sujeitos, entende-se que houve renúncia tácica ao direito de presença, tendo em
vista a adoção de comportamento com ele incompatível, nos termos do art. 217 do CPP:

Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou
sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade

60Durante muito tempo foi entendido como meio de prova por conta de sua posição topográfica no CPP. Porém, com o advento da
Lei nº 11.689/08, ficou muito claro que se trata de meio de defesa, uma vez que foi deslocado para ser o último ato da instrução
processual penal.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa


forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presençado seu
defensor.

Importa salientar que o fato de o acusado se encontrar preso não pode ser fundamento para impedir
o exercício desse direito. Ou seja, mesmo estando preso, o acusado tem o direito de assistir e presenciar os
atos processuais, sendo irrelevantes alegações do Poder Público quanto à dificuldade ou inconveniência de
proceder com o deslocamento do acusado.

Há precedentes jurisprudenciais de que a violação ao direito de presença pelo motivo acima


constituiria nulidade absoluta. Porém, os precedentes mais recentes são no sentido de que constitui apenas
nulidade relativa, devendo-se comprovar a oportuna requisição e a presença de efetivo prejuízo à defesa.
Se o pedido é indeferido motivadamente pelo magistrado com base na periculosidade do acusado ou na
ausência de efetivo prejuízo, não há nulidade do feito.

Ressalta-se a capacidade postulatória autônoma do acusado: em hipóteses excepcionais, defere-se


ao acusado capacidade postulatória autônoma, independentemente da presença de seu advogado. É por isso
que, no processo penal, o acusado pode: interpor recursos, impetrar habeas corpus, ajuizar revisão criminal,
bem como formular pedidos relativos à execução da pena.

4. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

O princípio da publicidade consiste na garantia do acesso de todo e qualquer cidadão aos atos
praticados no curso do processo. Revestido de uma clara postura democrática, tem como objetivo precípuo
assegurar a transparência da atividade jurisdicional, oportunizando sua fiscalização, não só pelas partes do
processo, como por toda a comunidade. A publicidade, pois, atende ao interesse das partes e ao interesse
público.

Tal é a importância desse princípio que se encontra expresso em diversos dispositivos


constitucionais, bem como no próprio CPP, respectivamente:

Art. 5º (...)
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena
de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado;
(...)
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem;

Art. 93 (...)
IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas
todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em
determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos
nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o
interesse público à informação;

Art. 792. As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se


realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do
oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados.
§1º Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar
escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal,
câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público,

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas
que possam estar presentes.

Assim, a publicidade funciona como pressuposto de validade dos atos e decisões do Poder Judiciário.

Conforme é perceptível pela redação dos dispositivos acima, esse princípio não possui natureza
absoluta, podendo ser excepcionado em determinados casos. Com base nisso, a doutrina divide o princípio
da publicidade em publicidade ampla e publicidade restrita.

A publicidade é ampla, plena, popular, absoluta ou geral quando os atos processuais são
praticados perante as partes e aberto a todo o público. Além das partes, qualquer cidadão do povo poderá
acompanhar as audiências criminais de coleta de provas e/ou julgamentos em qualquer grau de jurisdição,
assim como consultar os processos ou obter certidões. Portanto, a publicidade ampla é a regra no processo
penal.

A publicidade restrita ou interna, por sua vez, caracteriza-se quando houver alguma limitação à
publicidade dos atos do processo, tais como a defesa da intimidade ou o interesse social ou quando puder
resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem. Nesses casos, os atos
processuais serão realizados somente perante às partes e seus procuradores ou, ainda, somente perante
estes. A publicidade restrita ou interna é chamada impropriamente de “segredo de justiça”.

É o que acontece com processos criminais relativos a crimes contra a dignidade sexual, nos quais a
publicidade ampla poderia aumentar sobremaneira o sofrimento da vítima, causando-lhe desnecessária
exposição e humilhação. O STJ firmou um importante entendimento acerca do princípio da publicidade e o
crime de pornografia infantil. Veja:

No caso de processo penal que tramita sob segredo de justiça em razão da qualidade da
vítima (criança ou adolescente), o nome completo do acusado e a tipificação legal do delito
podem constar entre os dados básicos do processo disponibilizados para consulta livre no
sítio eletrônico do Tribunal, ainda que os crimes apurados se relacionem com pornografia
infantil.
Muito embora o delito de divulgação de pornografia infantil possa causar repulsa à
sociedade, não constitui violação ao direito de intimidade do réu a indicação, no site da
Justiça, do nome de acusado maior de idade e da tipificação do delito pelo qual responde
em ação penal, ainda que o processo tramite sob segredo de justiça. [STJ. 5ª Turma. RMS
49.920-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 2/8/2016 (Info 587)]

Por fim, há hipóteses em que o sigilo é decretado até mesmo para o acusado e seu defensor, sob
pena de tornar inócua a medida. É o caso das provas cautelares, como a interceptação telefônica ou a quebra
de sigilo de dados bancários, sendo possibilitado o contraditório deferido sobre a medida.

5. PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE

No processo penal, vigorava o princípio da verdade material, da verdade substancial ou da verdade


real. A descoberta da verdade era premissa indispensável para a realização da pretensão punitiva do Estado,
e esta poderia ser obtida a qualquer preço, inclusive por meio da prática de arbitrariedades e violações de
direitos. Nas palavras de Renato Brasileiro (p. 67):

A crença de que a verdade podia ser alcançada pelo Estado tornou a sua perseguição o fim
precípuo do processo criminal. Diante disso, em nome da verdade, tudo era válido,
restando justificados abusos e arbitrariedades por parte das autoridades responsáveis
pela persecução penal, bem como a ampla iniciativa probatória concedida ao juiz, o que
acabava por comprometer sua imparcialidade.

300
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

Atualmente, a visão é outra. Superou-se esse entendimento de que a verdade absoluta poderia ser
atingida no processo penal. A prova produzida em juízo, por mais robusta que seja, é incapaz de dar ao
magistrado juízo de certeza absoluta. O que temos é uma aproximação da certeza dos fatos. Há de se buscar,
portanto, a maior exatidão possível na reconstituição do fato controverso, mas jamais com a pretensão de
que se possa atingir uma verdade real. A verdade absoluta, coincidente com todos os fatos ocorridos, é um
ideal, é inatingível.

Considerando-se essa visão, prevalece na doutrina mais moderna que não vigora no processo penal
o princípio da verdade material ou real, mas sim o princípio da busca da verdade. O seu fundamento legal
consta no art. 156 do CPP, que permite a iniciativa probatória subsidiária de ofício pelo juiz na fase
processual. Outros dispositivos também demonstram esse princípio:

Art. 196. A todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido
fundamentado de qualquer das partes.

Art. 209. O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das
indicadas pelas partes.
§1º Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se
referirem.

Art. 616. No julgamento das apelações poderá o tribunal, câmara ou turma proceder a novo
interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar outras diligências.

Por outro lado, o princípio da busca da verdade possui algumas restrições:

• são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI, da CF/88);

• impossibilidade de leitura de documentos ou exibição de objetos no plenário do júri se não


tiverem sido juntados nos autos com antecedência mínima de 3 dias úteis, dando ciência a outra
parte (art. 479 do CPP);

• limitações ao depoimento de testemunhas que têm ciência do fato em razão do exercício de


profissão, ofício, função ou ministério (art. 207 do CPP);

• não cabimento de revisão criminal contra sentença absolutória com trânsito em julgado, ainda
que surjam novas provas contra o acusado (art. 621 do CPP);

• questões prejudiciais devolutivas absolutas, ou seja, questões prejudiciais heterogêneas que


versam sobre o estado civil das pessoas.

Por fim, cabe ressaltar que, no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, tendo em vista aprevisão de
institutos despenalizadores na Lei nº 9.099/95, tais como a composição civil dos danos, a transação penal e
a suspensão condicional do processo, o princípio da busca da verdade cede espaço à prevalência da vontade
das partes. Assim, o conflito penal é resolvido por meio de um acordo de vontades, o que a doutrina
denomina de verdade consensuada.

6. PRINCÍPIO DO JUIZ, DO PROMOTOR E DO DEFENSOR NATURAIS

O princípio do juiz natural consiste tanto no direito de ser processado pelo magistrado competente
quanto na vedação constitucional à criação de juízo ou tribunal de exceção:

Art. 5º (...)
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

(...)
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;

Juiz natural é aquele constituído antes do fato delituoso a ser julgado, mediante regras taxativas de
competência estabelecidas em lei.

É direito do cidadão ser julgado por juízo que foi previamente escolhido em lei ou pela CF/88 como
o juízo competente. Não haver juízo ou tribunal de exceção significa uma vedação ao Estado em criar um
órgão de julgamento após a ocorrência do fato delituoso, com o objetivo de julgar apenas aquele
determinado fato. Dessa forma, o princípio do juiz natural se desdobra em três regras de proteção:

• somente podem exercer jurisdição os órgãos instituídos pela Constituição Federal;

• ninguém pode ser julgado por órgão jurisdicional instituído após a ocorrência do fato;

• entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competência que exclui qualquer
discricionariedade.

Prevalece na jurisprudência o entendimento de que a modificação de competência criminal por lei


não viola o princípio do juiz natural, ainda que seja competência em razão da matéria. A norma que altera
a competência tem natureza processual e, portanto, aplica-se imediatamente.

Da mesma forma, os tribunais superiores entendem que o presente princípio não é ofendido quando
o magistrado fisicamente competente é substituído por outro de acordo com as regras legais, tal como
acontece com as hipóteses de substituições legais e com os julgamentos por órgão colegiado formado por
maioria de juízes convocados:

Não viola o princípio do juiz natural o julgamento de apelação por órgão colegiado
presidido por desembargador, sendo os demais integrantes juízes convocados. [STF. 1ª
Turma. HC 101473/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min.Roberto Barroso,
julgado em 16/2/2016 (Info 814)]

Do princípio do juiz natural decorrem dois outros, o princípio do promotor natural e o princípio do
defensor natural, considerados implícitos naquele.

O princípio do promotor natural consiste na vedação à designação arbitrária de promotor para


patrocinar caso específico. Ou seja, o promotor natural é aquele determinado em lei, em regras
previamente estabelecidas pela instituição para distribuição de atribuições no foro de atuação, proibindo-se
a interferência hierárquica indevida da chefia do órgão por meio de eventuais designações especiais.

Atenção aos requisitos para que o princípio do promotor natural seja atendido:

• Investidura no cargo de promotor de justiça;

• Existência de órgão de execução;

• Lotação por titularidade e inamovibilidade do Promotor de Justiça no órgão de execução, exceto


nas hipóteses legais de substituição e remoção;

• Definição em lei das atribuições do órgão.

Ademais, seguem decisões dos Tribunais Superiores sobre o assunto:

A atuação de promotores auxiliares ou de grupos especializados não ofende o princípio do


promotor natural, uma vez que, nessa hipótese, se amplia a capacidade de investigação, de
modo a otimizar os procedimentos necessários à formação da opinio delicti do Parquet.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

Vale ressaltar, contudo, que, para que não haja ofensa ao princípio do promotor natural, o
promotor a quem distribuído livremente o feito deverá solicitar ou anuir com a participação
ou ingresso do GAECO nas investigações.
Na hipótese em exame, não há que se falar em violação do princípio do promotor natural,
uma vez que não houve designação casuística ou arbitrária do grupo especializado para sua
atuação nos autos da investigação. O Promotor de Justiça a quem a investigação foi
atribuída solicitou a atuação do GAECO.
STJ. 5ª Turma. AgRg no RHC 147951/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
27/09/2022 (Info 751).

Não viola o Princípio do Promotor Natural se o Promotor de Justiça que atua na vara criminal
comum oferece denúncia contra o acusado na vara do Tribunal do Júri e o Promotor que
funciona neste juízo especializado segue com a ação penal, participando dos atos do
processo até a pronúncia.
No caso concreto, em um primeiro momento, entendeu-se que a conduta não seria crime
doloso contra a vida, razão pela qual os autos foram remetidos ao Promotor da vara comum.
No entanto, mais para frente comprovou-se que, na verdade, tratava-se sim de crime
doloso.
Com isso, o Promotor que estava no exercício ofereceu a denúncia e remeteu a ação
imediatamente ao Promotor do Júri, que poderia, a qualquer momento, não ratificá-la.
Configurou-se uma ratificação implícita da denúncia.
Não houve designação arbitrária ou quebra de autonomia. [STF. 1ª Turma.HC 114093/PR,
rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 3/10/2017
(Info 880)]

A abrangência do princípio do promotor natural limita-se ao processo penal, excluindo-se o


inquérito policial. Assim, se determinadas diligências realizadas na investigação foram determinadas por
promotor distinto do que deve atuar, não há ofensa ao postulado.

O princípio do defensor natural, por sua vez, consiste na vedação de nomeação de defensor diverso
daquele que possui atribuição legal para atuar na causa. Trata-se de uma proteção contra o arbítrio em
razão da possibilidade de nomeação de defensor dativo por parte do juiz ou contra as designações do
Defensor Público Geral. Encontra previsão legal na LC nº 80/94:

Art. 4º-A. São direitos dos assistidos da Defensoria Pública, além daqueles previstos na
legislação estadual ou em atos normativos internos:
IV – o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor natural;

Tanto o princípio do promotor natural quanto o princípio do defensor natural ainda se encontram
em discussão no nosso ordenamento, não estando pacificados os entendimentos sobre eles. Entretanto,
mostra-se possível defender a existência desse tripé principiológico, tendo em vista que ele prestigia o
sistema acusatório, definindo-se precisamente as funções de julgar, defender e acusar.

7. PRINCÍPIO DO NEMO TENETUR SE DETEGERE

De acordo com a primeira parte do art. 5º, LXIII, da CF/88, o preso será informado de seus direitos,
entre os quais o de permanecer calado. Esse dispositivo explicita o direito do preso ao silêncio.

Entretanto, o direito ao silêncio trata-se apenas em uma das vertentes do princípio do nemo
tenetur se detegere, o qual consiste no direito de ninguém ser obrigado a produzir prova contra si mesmo,
uma modalidade de autodefesa passiva, exercida por meio da inatividade do indivíduo sobre quem recai a
imputação.

Dessa forma, são desdobramentos do princípio do nemo tenetur se detegere os seguintes:

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

• Direito ao silêncio ou direito de permanecer calado

Direito de não responder às perguntas formuladas pela autoridade, funcionando como espécie de
manifestação passiva da defesa. Não é sinônimo de confissão ficta ou falta de defesa, nem pode ser
interpretado em prejuízo do acusado.

Foi com base no direito ao silêncio que o STJ entendeu que o acusado pode escolher não responder
às perguntas da acusação no interrogatório e responder apenas às perguntas da defesa:

O art. 186 do CPP estipula que, depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro
teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do
seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.
O interrogatório, como meio de defesa, implica ao imputado a possibilidade de responder
a todas, nenhuma ou a apenas algumas perguntas direcionadas ao acusado, que tem
direito de poder escolher a estratégia que melhor lhe aprouver à sua defesa.
Verifica-se a ilegalidade diante do precoce encerramento do interrogatório do réu, após
manifestação do desejo de não responder às perguntas do juízo condutor do processo,
senão do seu advogado, sendo excluída a possibilidade de ser questionado pelo seu
defensor técnico.
STJ. 6ª Turma. HC 703978-SC, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF
1ª Região), julgado em 05/04/2022 (Info 732).

É assegurado o direito ao silêncio, total ou parcial, no procedimento do Tribunal do Júri.


Consequentemente, admite-se o fenômeno do direito ao silêncio seletivo pelo acusado.
STJ. 6ª Turma (decisão monocrática). HC 703.978, Rel. Min. Olindo Menezes
(Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), data da publicação 08/11/2021.

• Direito de não ser constrangido a confessar a prática de ilícito penal

• Inexigibilidade de dizer a verdade

Alguns doutrinadores entendem que o acusado possui o direito de mentir, uma vez que não existe
o crime de perjúrio no Direito brasileiro. Outra parte da doutrina defende, sob o mesmo argumento, que o
comportamento de dizer a verdade não é exigíveldo acusado, de forma que a mentira é tolerada, uma vez
que não pode resultar em nenhum prejuízo.

OBSERVAÇÃO!

A mentira a ser tolerada é a mentira defensiva. As mentiras agressivas, a exemplo de quando o


acusado imputa falsamente a terceiro que sabe ser inocente a prática do delito, não estão acobertadas pelo
direito de não produzir prova contra si mesmo, de forma que poderá responder pelo delito de denunciação
caluniosa (art. 339 do CP). O direito de não produzir prova contra si mesmo esgota-se na proteção do réu,
não podendo servir de suporte para o cometimento de outros delitos.

Ressalte-se que o direito ao silêncio não abrange o direito de omitir a verdade quanto à identidade
pessoal, tipificando-se o crime de falsa identidade:

Súmula 522, STJ: “A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial
é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa”.

• Direito de não praticar qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo

Sempre que a produção da prova tiver como pressuposto uma ação por parte do acusado, será
indispensável o seu consentimento (ex.: acareação, reconstituição do crime, exame grafotécnico etc.). Não
se admitem medidas coercitivas contra o acusado para obrigá-lo a cooperar na produção de provas que lhe
exigem um comportamento ativo.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

Dessa forma, a recusa do acusado em submeter-se a esse tipo de prova não configura o crime de
desobediência nem o de desacato, tendo em vista ser um exercício regular de direito, não podendo ser
extraída nenhuma presunção de culpabilidade.

OBSERVAÇÃO!

Segundo o STF, com base no fundamento acima, o acusado não está obrigado a fornecer material
para exame grafotécnico. Todavia, nada impede que a autoridade determine a apreensão de papéis e
documentos que possam suprir o fornecimento do referido material. O fato de o acusado se recursar a
fornecer o material não afasta a possibilidade de se obter documentos por ele subscritos.

Por outro lado, quando a prova demandar apenas que o acusado tolere sua realização, ou seja,
aquelas que exijam sua cooperação passiva, não há violação ao princípio do nemo tenetur se detegere. É o
caso do reconhecimento pessoal, em que o acusado é mero objeto de verificação, admitindo-se sua
condução coercitiva em caso de recusa de participação.

• Direito de não produzir nenhuma prova incriminadora invasiva

São provas invasivas aquelas que consistem em intervenções corporais que pressupõe penetração
no organismo humano em cavidades naturais ou não, resultando na utilização ou extração de alguma parte
dele ou na invasão física do corpo humano. Ex.: exame de sangue, ginecológico, identificação dentária,
endoscopia etc.

As provas não invasivas consistem em inspeção ou verificação corporal sem que haja penetração no
corpo humano nem implique em extração de parte dele. Ex.: exame de DNA a partir de fios de cabelo
encontrados no chão. Portanto, o que determina se uma prova é invasiva ou não é a forma de sua coleta.

Havendo o consentimento do sujeito passivo da medida, após prévia advertência do direito de não
produzir prova contra si mesmo, a intervenção corporal poderá será realizada, seja a prova invasiva ou não
invasiva. Porém, caso o agente não concorde com a realização de uma intervenção corporal, deve-se
distinguir o tratamento relativo às provas invasivas e não invasivas.

Em se tratando de prova não invasiva, mesmo que o agente não concorde com aprodução da prova,
esta poderá ser realizada normalmente, desde que não implique colaboração ativa do acusado.

No caso de provas invasivas, por conta do princípio do nemo tenetur se detegere, o sujeito não é
obrigado a se autoincriminar, podendo validamente recursar-se a colaborar com a produção da prova e não
podendo sofrer qualquer gravame em virtude dessa recusa.

Observção importante. É necessário fazer uma ressalva quanto ao material descartado pela
pessoa investigada. Nesse caso, não há que se invocar o princípio do nemo tenetur se detegere, pois é
plenamente possível apreender o material descartado para se utilizar como prova. Ex.: não se pode obrigar
o acusado a fornecer fios de cabelo para exame de DNA, mas é possível apreender esses fios em um salão de
beleza.

Existem precedentes no STJ no sentido de que a extração de saliva não representa método invasivo
da intimidade referindo-se a casos em que o material genético foi encontrado em objetos descartados –
como cigarros jogados no lixo ou copos de plástico utilizados e eliminados – ou quando a arrecadação do
elemento biológico é consentida.

Ressalte-se que, a despeito de a Constituição Federal dar a entender que o destinatário do direito de
não produzir provas contra si mesmo seja apenas a pessoa que se encontra na condição de preso, o

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

dispositivo constitucional não se presta a proteger apenas este, mas qualquer pessoa a quem seja imputada
uma infração criminal, estando presa ou solta. Conforme leciona Renato Brasileiro (p. 70), “pouco importa
se o cidadão é suspeito, indiciado, acusado ou condenado, e se está preso ou em liberdade”.

Tendo em vista essa condição de direito fundamental titularizado por qualquer pessoa, o STF já
entendeu que não configura crime de falso testemunho quando a pessoa, depondo na condição de
testemunha e sob o dever de falar a verdade, deixa de revelar fatos que possam incriminá-la.

A doutrina majoritária defende que deve haver uma advertência prévia e formal quanto ao direito
ao silêncio, com o objetivo de evitar a autoincriminação involuntária, sob pena de ilicitude da prova obtida,
o que se aplica, inclusive, à testemunha:

Não se admite condenação baseada exclusivamente em declarações informais prestadas a


policiais no momento da prisão em flagrante.
A CF/88 determina que as autoridades estatais informem os presos que eles possuem o
direito de permanecer em silêncio (art. 5º, LXIII).
Esse alerta sobre o direito ao silêncio deve ser feito não apenas pelo Delegado, durante o
interrogatório formal, mas também pelos policiais responsáveis pela voz de prisão em
flagrante. Isso porque a todos os órgãos estatais impõe-se o dever de zelar pelos direitos
fundamentais.
A falta da advertência quanto ao direito ao silêncio torna ilícita a prova obtida a partir
dessa confissão. [STF. 2ª Turma. RHC 170843 AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
4/5/2021 (Info 1016)]

É nula a “entrevista” realizada pela autoridade policial com o investigado, durante a busca
e apreensão em sua residência, sem que tenha sido assegurado ao investigado o direito à
prévia consulta a seu advogado e sem que ele tenha sido comunicado sobre seu direito
ao silêncio e de não produzir provas contra si mesmo.
Trata-se de um “interrogatório travestido de entrevista”, havendo violação do direito ao
silêncio e à não autoincriminação. [STF. 2ª Turma. Rcl 33711/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes,
julgado em 11/6/2019 (Info 944)]

É ilícita a gravação de conversa informal entre os policiais e o conduzido ocorrida quando


da lavratura do auto de prisão em flagrante, se não houver prévia comunicação do direito
de permanecer em silêncio. [STJ. 6ª Turma. HC 244977-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
julgado em 25/9/2012]

Se o indivíduo é convocado para depor como testemunha em uma investigação e, durante


o seu depoimento, acaba confessando um crime, essa confissão não é válida se a
autoridade que presidia o ato não o advertiu previamente de que ele não era obrigado a
produzir prova contra si mesmo, tendo o direito de permanecer calado. [STF. 2ª Turma.
RHC 122279/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 12/8/2014 (Info 754)]

Por outro lado, a jurisprudência considera que a nulidade é relativa, devendo ser demonstrado o
prejuízo, bem como que a falta de registro da advertência não necessariamente significa que esta não existiu:

Eventual irregularidade na informação acerca do direito de permanecer em silêncio é causa


de nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da alegação em tempo oportuno e da
comprovação do prejuízo.
O simples fato de o réu ter sido condenado não pode ser considerado como o prejuízo.
É o caso, por exemplo, da sentença que condena o réu fundamentando essa condenação
não na confissão, mas sim no depoimento das testemunhas, da vítima e no termo de
apreensão do bem. [STJ. 5ª Turma. RHC 61754/MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
julgado em 25/10/2016]

A falta do registro do direito ao silêncio não significa que este não tenha sido comunicado
ao interrogado, pois o registro não é exigido pela lei processual.

306
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

Em outras palavras, não é porque não está escrito no termo de interrogatório que o
interrogando foi advertido de que poderia ficar em silêncio que se irá, obrigatoriamente,
declarar a nulidade do ato. [STJ. 6ª Turma. RHC 65977/BA, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado
em 10/3/2016]

Miranda Warning ou Miranda Rights?

O art. 5º, LXIII, da CF/88 assemelha-se ao famoso Miranda rights (aviso de Miranda) do direito norte-
americano, em que o policial, no momento da prisão, deve informar ao preso os seguintes direitos, sob pena
de não ter validade o que por ele foi dito: (i) de permanecer calado; (ii) de ser alertado de que tudo o que
disser poderá ser usado contra si; e (iii) à assistência de um advogado ou, na impossibilidade, um Defensor
Público custeado pelo Estado.

O aviso de Miranda tem origem no famoso caso Miranda vs. Arizona julgado pela Suprema Corte
americana em 1966, no qual o réu confesso Ernesto Miranda foi absolvido, pois a polícia não havia lhe
informado o direito de ser assistido por um advogado e de não produzir prova contra si.

Na oportunidade, entendeu-se que nenhuma validade pode ser conferida às declarações feitas pela
pessoa à polícia, a não ser que antes ela tenha sido claramente informada de que tem o direito de não
responder, que tudo que disser pode vir a ser utilizado contra ela e que tem o direito à assistência de um
defensor.

Antenção! Em habeas corpus apreciado pela 2ª Turma, em que se alegava a ilicitude de prova juntada
aos autos, consistente em entrevista concedida a jornal, na qual o acusado narrou o modus operandi de 2
homicídios a ele imputados, sem ter sido previamente advertido de seu direito ao silêncio, o STF entendeu
que o dever de advertir os presos e acusados do direito de permanecerem calados tem como destinatário
o Poder Público. Dessa forma, o preso deve ser informado pela autoridadepolicial ou judicial da faculdade
de manter-se calado.

O exercício do direito de não produzir provas contra si mesmo não pode resultar em nenhuma
consequência prejudicial ao acusado. Assim, não pode ser utilizado como argumento em favor da acusação,
ou valorado na fundamentação de decisões judiciais, nem ser utilizado como elemento para formação da
convicção do julgador, ou como fundamento para majoração da pena, nem ser fundamento para decretação
de prisão cautelar.

Por outro lado, não se pode permitir que do exercício do nemo tenetur se detegere seja cometida
alguma infração penal. Caso ocorra a prática de infração penal com o objetivo de encobrir delito anterior,
não há que se falar em direito de não autoincriminação.

8. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

O princípio da proporcionalidade não está previsto de maneira expressa na Constituição Federal,


mas implicitamente no aspecto material do princípio do devido processo legal.

O mencionado postulado funciona como coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais,
como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público. Dessa forma, o princípio da
proporcionalidade proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder Público.

O princípio da proporcionalidade é dividido em três subprincípios: adequação, necessidade e


proporcionalidade em sentido estrito. Eles podem ser resumidos na seguinte frase: “uma medida é

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

adequada se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível, e proporcional em sentido
estrito, se as vantagens trazidas superam as desvantagens”.

Por força do princípio da adequação ou da idoneidade ou conformidade, a medida restritiva será


considerada adequada quando for apta a atingir o fim proposto. Há uma relação de meio e fim,
questionando-se se o meio escolhido contribui para a obtenção do resultado pretendido.

Num plano qualitativo, impõe-se que as medidas sejam idôneas por sua própria natureza,
qualitativamente aptas a alcançar o fim desejado. O plano quantitativo diz respeito à duração e intensidade
da mediada em relação à finalidade pretendida.

Por sua vez, a adequação na determinação do âmbito subjetivo de aplicação diz respeito à
individualização do sujeito passivo da medida e à proibição de extensão indevida de sua aplicação.

O princípio da necessidade ou da exigibilidade, da intervenção mínima, da menor ingerência possível,


da alternativa menos gravosa, da subsidiariedade, da escolha do meio mais suave ou da proibição do excesso,
determina que a medida escolhida deve ser a menos gravosa, a que menos restrinja direitos fundamentais.

Por último, princípio da proporcionalidade em sentido estrito impõe um juízo de ponderação entre
o ônus imposto e o benefício trazido com a medida, para que se constate se há justificativa plausível para
interferência na esfera de direitos fundamentais. Trata-se da verificação da relação de custo-benefício da
medida.

No âmbito do processo penal, este juízo opera-se entre o interesse individual e o interesse estatal.
De um lado, o interesse do indivíduo na manutenção de seu ius libertatis e do outro o interesse estatal na
persecução penal, objetivando a tutela de bens jurídicos protegidos pela norma penal.

8.1. Princípio da proporcionalidade e sua relação com a prova ilícita

É necessário analisar o princípio da proporcionalidade e sua relação com a prova ilícita, a qual tem
sua utilização vedada pela Constituição Federal:

Art. 5º (...)
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

No entanto, deve-se entender essa proibição como uma limitação ao Estado, ao seu direito de punir.
Dessa forma, é possível que uma sentença absolutória se fundamente na prova ilícita produzida a favor do
acusado. É nesse sentido a orientação da doutrina e da jurisprudência, com base no princípio da
proporcionalidade. Entre a proibição da prova ilícita versus o direito de defesa e o princípio da presunção de
não culpabilidade, estes dois últimos prevalecem sobre o direito de punir.

É inadmissível que alguém seja condenado e privado de sua liberdade injustamente apenas porque
a prova que demonstrou sua inocência foi produzida ilicitamente. Ademais, ao Estado não interessa a
condenação de alguém inocente, sob pena da impunidade do culpado. Por fim, defende-se que a utilização
da prova ilícita pelo acusado pode ser justificada pelo estado de necessidade como excludente da ilicitude.

Por outro lado, a proporcionalidade não pode ser invocada pelo Estado para utilização da prova
ilícita pro societate, como entende a jurisprudência dos Tribunais Superiores, sob pena de se criar um
perigoso precedente em detrimento dos direitos e garantias individuais. A vedação à utilização de prova ilícita
sobrepõe-se à busca da verdade real. Apesar disso, alguns doutrinadores defendem sua possibilidade.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

9. PRINCÍPIO DA AQUISIÇÃO OU COMUNHÃO DA PROVA

Com base nesse princípio, não importa quem produziu a prova, ela não pertence às partes, mas sim
ao processo. Dessa forma, a prova pode ser inclusive invocada a favor da parte que não a produziu.

Ressalte-se, no entanto, que somente cabe falar desse princípio após a produção da prova. Até tal
momento, a parte pode renunciá-la, conforme disposição do CPP:

Art. 402 (...)


§2º A parte poderá desistir da inquirição de qualquer das testemunhas arroladas,
ressalvado o disposto no art. 209 deste Código.

10. PRINCÍPIO DA ORALIDADE

Segundo a oralidade, deve ser dada preferência à palavra falada, porém sem exclusão total da palavra
escrita. Desse princípio decorrem os subprincípios da concentração, do imediatismo,da irrecorribilidade das
decisões interlocutórias e da identidade física do juiz.

Conforme o princípio da concentração, toda a produção probatória deve acontecer em uma única
audiência. Excepcionalmente, não sendo isso possível, deve-se designar a continuidade da audiência para a
data mais próxima. Encontra respaldo no CPP:

Art. 400 (...)


§1º As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as
consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.

Segundo o princípio do imediatismo, o juiz deve ter contato direto com a prova produzida, em
contato imediato com as partes. Esse princípio não veda a produção de prova por videoconferência ou carta
precatória.

O princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias objetiva evitar interrupções no processo


por meio de recursos das partes. Essa irrecorribilidade é imediata, não impedindo que eventuais ilegalidades
praticadas pelo juiz sejam alegadas em preliminar de apelação e sem prejuízo dos remédios constitucionais,
como o habeas corpus ou o mandado de segurança.

Por fim, o princípio da identidade física do juiz significa que aquele que teve contato com a prova é
o mais apto a tomar as decisões, encontrando-se expresso no CPP:

Art. 399 (...)


§2º O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.

Apesar do silêncio do dispositivo processual, entende-se que o princípio pode ser mitigado nas
hipóteses de convocação, licenciamento, afastamento por qualquer motivo, promoção e aposentadoria
do juiz. Nesses casos, seu sucessor ficará responsável pela sentença.

Essas exceções foram identificadas a partir da aplicação subsidiária do CPC/73 ao processo penal.
Apesar de o CPC/15 não ter repetido a regra, certo é que sua aplicabilidade ao processo penal não foi
revogada. A ocorrência de qualquer dessas hipóteses cessa a competência do juiz que acompanhou os atos.
Ainda, caso entenda necessário, o sucessor pode determinar a repetição das provas produzidas antes de
proferir a decisão.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

O princípio da identidade física do juiz não impede a realização de atos instrutórios por
videoconferência ou carta precatória, cuja necessidade tem como fundamento as dimensões continentais
do Brasil, bem como o exercício do direito de defesa e de audiência do acusado.

Os magistrados instrutores também não encontram limitação nesse princípio. Tratam-se de


desembargadores de Turmas ou Câmaras Criminais ou de juízes de varas criminais convocados pelos
Ministros do STF ou do STJ para a realização de atos de instrução dos processos de competência originária
dos Tribunais Superiores.

A possibilidade de utilização desses magistrados é devidamente prevista em lei ordinária, assim como
o princípio da identidade física do juiz, sendo plenamente possível que uma lei ordinária excepcione a regra
de outra. Ademais, os magistrados instrutores atuam como longa manus do Relator e sob sua constante
supervisão. Trata-se de medida necessária para fazer observar o princípio da duração razoável do processo.

11. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO

Também chamado de princípio da persuasão racional do juiz ou da livre apreciação judicial da


prova, consiste no fato de que todas as provas produzidas em juízo possuem o mesmo valor e que o
magistrado detém ampla liberdade para valorá-las, não estando adstrito a um valor pré-estabelecido em lei,
desde que fundamente sua decisão.

A necessidade de fundamentação permite o controle da atividade jurisdicional, possibilitando às


partes conhecer dos motivos da decisão e recorrer delas, bem como permite o reexame dos argumentos em
grau de recurso.

Tal princípio é adotado como regra no nosso ordenamento processual penal, sendo ressalvado pelo
Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, no qual prevalece a íntima convicção, bem como pelo sistema de
provas tarifadas em relação ao estado das pessoas.

12. PRINCÍPIO DA LIBERDADE PROBATÓRIA

A regra no processo penal é a liberdade probatória quanto ao momento da prova, quanto ao tema
da prova e quanto aos meios de prova.

Quanto ao momento, a prova pode ser produzida a qualquer momento do processo, conforme o
CPP:

Art. 231. Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em
qualquer fase do processo.

Atenção como exceção a essa regra. Tem-se a apresentação do rol de testemunhas, que deve ocorrer,
para a acusação, na peça acusatória (art. 41) e, para a defesa, na resposta à acusação (art. 396-A), sob pena
de preclusão. Nada impede, no entanto, que o juiz inquira as testemunhas tardiamente apresentadas como
do juízo.

Outra exceção trata-se do julgamento no júri, quando vedada a leitura de documento ou a exibição
de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis (art. 479).
Sobre isso, atente-se ao recente entendimento jurisprudencial:

O prazo de 3 dias úteis a que se refere o art. 479 do CPP deve ser respeitado não apenas
para a juntada de documento ou objeto, mas também para a ciência da parte contrária a

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

respeito de sua utilização no Tribunal do Júri. [STJ. 6ª Turma. REsp 1.637.288-SP, Rel. Min.
Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 8/8/2017
(Info 610)]

Quanto ao tema, quaisquer fatos podem ser objeto de prova, desde que tenham relação com as
afirmações feitas pelas partes e interessem ao processo. Nesse sentido, há o poder do juiz de recusar a
produção de provas consideras irrelevantes, impertinentes ou protelatórias (art. 400, §1º).

Finalmente, a liberdade probatória quanto ao meio de prova significa que as partes podem se utilizar
de provas nominadas e inominadas, desde que obtidas por meios lícitos. A exceção nesse caso fica a cargo
da prova do estado das pessoas:

Art. 155 (...)


Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições
estabelecidas na lei civil.

Súmula 74, STJ: “Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova
por documento hábil”.

Além da licitude das provas e do estado das pessoas, há também limitação quanto às pessoas
impedidas de depor (art. 207) e quanto aos documentos em poder do defensor (art. 243, §2º).

13. PRINCÍPIO DO FAVOR REI

Esse princípio tem como objetivo equilibrar a produção probatória entre Ministério Público e
acusado, tendo em vista que aquele possui todo um aparato oficial, auxiliado pela polícia judiciária. Trata-se
da criação de mecanismos processuais a favor da defesa, numa busca da igualdade substancial, tais como
recursos exclusivos da defesa, regra de interpretação in dubio pro reo, absolvição por falta de provas,
proibição da reformatio in pejus etc.

Nesse sentido, o legislador editou a Lei nº 13.432/17, disciplinando a profissão de detetive particular,
na qual foi reconhecida a possibilidade de este profissional poder colaborar com investigação policial em
curso, desde que expressamente autorizado pelo contratante e com a aceitação do delegado de polícia.
Apesar de falar em investigação, nada impede a utilização da colaboração do detetive particular também no
processo penal.

QUESTÕES DE CONCURSO
1. (2021 / Banca: CESPE / CEBRASPE / Órgão: MPE-SC / Prova: Promotor de Justiça Substituto - Prova 1) De
acordo com o princípio do promotor natural, reconhecido pelos tribunais superiores, a atribuição
para um promotor de Justiça atuar em determinado caso deve ser fixada a partir de regras abstratas
e preestabelecidas, o que é incompatível com a designação casuística do promotor de justiça pelo
procurador-geral de justiça para atuar em casos que não sejam de sua atribuição.

2. (2021 / Banca: FCC / Órgão: TJ-GO / Prova: Juiz Substituto) No tocante às garantias constitucionais
aplicáveis ao processo penal,
a) todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões,
sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a
seus advogados, mas não somente a estes.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

b) o civilmente identificado jamais pode ser submetido a identificação criminal, sob pena de caracterização
de constrangimento ilegal.
c) o preso tem direito à identificação do responsável por sua prisão, mas nem sempre por seu interrogatório
policial.
d) a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação são garantias
exclusivamente aplicáveis à ação penal.
e) a garantia do juiz natural é contemplada, mas não só, na previsão de proibição de juízo ou tribunal de
exceção.

3. (2021 / Banca: FGV / Órgão: PC-RN / Prova: Delegado de Polícia Civil Substituto) O direito processual
penal é regido por diversos princípios, dentre os quais o do nemo tenetur se detegere, pelo qual ninguém
será obrigado a produzir prova contra si mesmo. Com base no princípio em questão e na jurisprudência dos
Tribunais Superiores:
a) a atribuição de falsa identidade pelo suspeito ou investigado, ainda que em situação de autodefesa,
configura fato típico;
b) a recusa do investigado em prestar informações quando intimado em sede policial poderá justificar, por
si só, o seu indiciamento pela autoridade policial;
c) as provas que exijam comportamento passivo do investigado não poderão ser produzidas sem sua
concordância;
d) a alteração de cena do crime pelo agente não configura fraude processual;
e) apenas o preso poderá valer-se do direito ao silêncio, não se estendendo tal proteção aos investigados.

4. (2022 / Banca: FAURGS / Órgão: TJ-RS / Prova: Juiz Substituto) Considerando a legislação processual
penal, a abranger as garantias consagradas nos diplomas internacionais incorporados pelo Brasil, assinale a
afirmativa INCORRETA.
a) O acusado possui o direito a um processo sem dilações indevidas.
b) O acusado possui o direito ao tempo adequado à preparação de sua defesa.
c) O acusado possui o direito aos meios adequados à preparação de sua defesa.
d) O acusado possui o direito de ser comunicado, de modo genérico, da acusação formulada, sem
necessidade de que essa comunicação seja pormenorizada.
e) O acusado, por meio de sua defesa, tem o direito de inquirir as testemunhas de acusação e de obter o
comparecimento e a inquirição das testemunhas de defesa nas mesmas condições das testemunhas de
acusação.

COMENTÁRIOS
1. GABARITO: CERTO. A alternativa traz exatamente a definição do princípio do promotor natural.
2. GABARITO: Alternativa E. O princípio do juiz natural possui duas vertentes, a vedação
constitucional à criação de juízo ou tribunal de exceção e a de ser processado pelo magistrado
competente definido em lei. A alternativa A está incorreta, pois o art. 93, IX, da CF permite que a lei
limite a presença, em determinados atos somente às partes e seus advogados. A alternativa B está
errada por ser contrária à disposição do art. 5º, LVIII, da CF. A alternativa C também está contrária
ao art. 5º, LXIV, da CF. Por fim, a razoável duração do processo se aplica aos processos cíveis e
administrativos também (art. 5º, LXXVIII, da CF), o que torna a alternativa D incorreta.
3. GABARITO: Alternativa A. Está em conformidade com a Súmula 522 do STJ. A alternativa B
está incorreta, pois o investigado não é obrigado a prestar informações e isso não é justificativa
para indiciamento. A alternativa C está errada, uma vez que as provas que exijam comportamento
ativo, e não passivo, do investigado não poderão ser produzidas sem sua concordância. A
alternativa D está contrária ao disposto no art. 158-C, §2º, do CPP. Finalmente, a alternativa E está
equivocada, pois é pacífico que, apesar de a redação do art. 5º, LXIII, da CF falar apenas em

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 1

“preso”, o dispositivo constitucional não se presta a proteger apenas este, mas qualquer pessoa a
quem seja imputada uma infração criminal, estando presa ou solta.
4. GABARITO: Alternativa D. O erro da alternativa D é a parte que afirma “sem necessidade de
que essa comunicação seja pormenorizada”. As demais alternativas encontram-se previstas no art.
8º, 2, b, da CADH e no art. 14.3 do PIDCP.

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2 AÇÃO PENAL

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1. DIREITO DE AÇÃO PENAL

O direito de ação pode ser conceituado como o direito público subjetivo de pedir ao Estado-Juiz a
aplicação do direito penal objetivo ao caso concreto. Assim, segundo Renato Brasileiro (p. 199), “funciona
como o direito que a parte acusadora — Ministério Público ou ofendido (querelante) — tem de, mediante o
devido processo legal, provocar o Estado a dizer o direito objetivo no caso concreto”.

Vale ressaltar que há corrente minoritária que sustenta que a ação penal não seria um direito, mas
sim um poder, porque a contrapartida seria uma sujeição do Estado-Juiz, que está obrigado a se manifestar.

O direito de ação encontra respaldo constitucional no princípio da inafastabilidade da jurisdição:

Art. 5º (...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Por outro lado, ação é o ato jurídico, a iniciativa de se ir à justiça em busca da efetiva prestação da
tutela jurisdicional.

A doutrina aponta como características do direito de ação penal as seguintes:

• Direito público: a atividade jurisdicional que se pretende provocar é de natureza pública, sendo a
ação exercida contra o próprio Estado. Mesmo se tratando de ação penal de iniciativa privada, a
ação continua sendo um direito público.

• Direito subjetivo: o titular do direito de ação penal é quem pode exigir do Estado-juiz a prestação
jurisdicional.

• Direito autônomo: o direito de ação penal não se confunde com o direito material violado.

• Direito abstrato: o direito de ação penal considera-se exercido, ainda que não seja julgado
procedente o pedido do autor. Portanto, independe da procedência ou improcedência da ação.

• Direito determinado: o direito de ação é um instrumento conexo a um fato concreto,


pretendendo solucionar uma pretensão de direito material.

• Direito específico: o conteúdo do direito de ação é o objeto da imputação, ou seja, o fato


delituoso.

2. CONDIÇÕES DA AÇÃO PENAL

As condições da ação consistem nos requisitos necessários e condicionantes ao exercício regular do


direito de ação. Vale registrar que, não obstante o CPC/2015 tenha suprimido a expressão “condição da
ação”, essas alterações não causam tanto impacto na esfera processual penal, uma vez que o art. 395, II,
do CPP, assevera que a denúncia ou queixa será rejeitada quando faltar condições para o exercício da ação
penal.

Teorias sobre as condições da ação:

1. Teoria Eclética: defende que a existência do direito de ação é independente da existência do


direito material, porém é necessário o preenchimento de certos requisitos formais, chamados de condições
da ação.

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Assim, as condições da ação não se confundem com o mérito, de forma que, a qualquer tempo no
processo e em qualquer grau de jurisdição, verificada a ausência de alguma condição da ação, deverá o juiz
extinguir o processo sem resolução do mérito por carência da ação.

2. Teoria da Asserção (In Status Assertionis ou Teoria Dela Prospettazione): as condições da ação
são analisadas pelo juiz com base nos elementos apresentados pelo próprio autor da ação na petição inicial,
sem nenhum aprofundamento cognitivo.

Portanto, se nessa fase o juiz constata a ausência de alguma condição da ação, deverá extinguir o
processo sem resolução do mérito por carência da ação. Todavia, se há necessidade de uma cognição mais
aprofundada para analisar a presença das condições da ação, elas passam a ser analisadas como mérito,
gerando, pois, uma sentença de rejeição do pedido com formação de coisa julgada formal e material.

Essa foi a teoria adotada pelo STJ:

As condições da ação, dentre elas o interesse processual e a legitimidade ativa, definem-se


da narrativa formulada inicial, não da análise do mérito da demanda (teoria da asserção),
razão pela qual não se recomenda ao julgador, na fase postulatória, se aprofundar no exame
de tais preliminares. [STJ. 3ª Turma. REsp 1561498/RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em
1/3/2016]

Tem prevalecido na jurisprudência do STJ o entendimento de que a aferição das condições


da ação deve ocorrer in status assertionis, ou seja, à luz das afirmações do demandante
(Teoria da Asserção). [STJ. 2ª Turma. REsp 1395875/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado
em 20/2/2014]

Portanto, no processo penal, a presença das condições da ação deve ser analisada durante o juízo de
admissibilidade da peça acusatória, de maneira que a denúncia ou a queixa deverá ser rejeitada quando faltar
alguma condição da ação, nos termos do CPP:

Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:


(...)
II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal;

No processo penal, as condições da ação subdividem-se em genéricas e específicas ou de


procedibilidade.

2.1. Condições genéricas da ação penal

As condições genéricas da ação penal são aquelas que devem estar presentes em todas as ações.
Aqui, são aplicadas as mesmas condições da ação do processo civil: possibilidade jurídica do pedido,
legitimidade e interesse de agir.

2.1.1. Possibilidade jurídica do pedido


O pedido formulado pela parte deve ser uma providência que encontre respaldo no ordenamento
jurídico. No processo penal, trata-se de previsão expressa de pedido condenatório.

Assim, para que o pedido seja juridicamente possível no processo penal e tendo em vista o princípio
da legalidade (art. 5º, XXXIV, da CF/88 e art. 1º do CP), é necessária a existência de norma jurídica definindo
a conduta imputada ao acusado como infração penal, cominando uma respectiva sanção. Explica, pois,
Renato Brasileiro (p. 204):

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

De modo a não se confundir a análise dessa condição da ação com o mérito, a apreciação
da possibilidade jurídica do pedido deve ser feita sobre a causa de pedir (causa petendi),
considerada em tese, desvinculada de qualquer prova porventura existente. Analisa-se o
fato tal qual narrado na inicial, sem se discutir se é ou não verdadeira, a fim de concluir
se o ordenamento material lhe comina, em abstrato, uma sanção.

Dessa forma, pode-se citar como exemplo de impossibilidade jurídica do pedido a atipicidade da
conduta e o oferecimento de denúncia contra menor de 18 (dezoito) anos.

Atenção! A doutrina critica a transposição simplista dos conceitos do direito processual civil para o
processo penal.

Assim, defende-se que a possibilidade jurídica do pedido, à semelhança do tratamento recebido pelo
CPC/15, deve ser enfrentada como decisão de mérito, e não de inadmissibilidade da inicial acusatória.

Isso porque essa utilização da possibilidade jurídica do pedido como condição da ação penal olvida
uma das premissas básicas do processo penal: o pedido é irrelevante, pois o acusado defende-se dos fatos
que lhes são imputados.

Portanto, a possibilidade jurídica do pedido é analisada à luz da própria causa de pedir. Se o fato é
típico, ilícito e culpável, é inviável sustentar que não está, na realidade, relacionada ao mérito, apta a
produzir, pois, coisa julgada formal e material.

2.1.2. Legitimidade para agir ou legitimatio ad causam


Trata-se da pertinência subjetiva da ação, tanto em relação ao sujeito ativo quanto ao sujeito
passivo. Assim, há legitimidade quando o autor é titular do direito subjetivo material que se pretende
proteger, bem como quando o demandado é o titular da obrigação corresponde ao seu direito.

No processo penal, a legitimidade ativa pertence privativamente ao Ministério Público quanto à


ação penal pública, nos termos do art. 129, I, da CF/88. Essa é a legitimidade ordinária do processo penal. O
parquet age em nome próprio para a defesa de interesse próprio.

Já na ação penal de iniciativa privada, o legitimado ativo é o ofendido, sendo possível a sua
representação e sucessão, em caso de falecimento:

Art. 30. Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação
privada.

Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o
direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão.

Ressalta-se que a doutrina já interpretava o art. 31 à luz da Constituição Federal, entendendo que a
legitimidade pertence também a(o) companheiro(a), tendo em vista a equiparação da união estável ao
casamento. Em 2019, o STJ se manifestou no mesmo sentido:

A companheira, em união estável homoafetiva reconhecida, goza do mesmo status de


cônjuge para o processo penal, possuindo legitimidade para ajuizar a ação penal privada.
[STJ. Corte Especial. APn 912-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/8/2019 (Info 654)]

A legitimidade do ofendido consiste em legitimidade extraordinária ou substituição processual,


tendo em vista que ele age em nome próprio para defender direito alheio, e o Estado é o titular exclusivo do
direito de punir, apenas concedendo o ius persequendi in judicio ao ofendido.

317
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

A ilegitimidade ad causam consiste em nulidade absoluta do processo penal, nos termos do art.
564, II, do CPP.

Por sua vez, a legitimidade passiva recairá sobre o provável autor do fato, que deverá ser maior de
18 (dezoito) anos, tendo em vista que os menores são penalmente inimputáveis (art. 228 da CF/88).

Legitimidade da pessoa jurídica:

É pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que a pessoa jurídica pode


figurar no polo ativo do processo penal, até porque há previsão expressa nesse sentido no CPP:

Art. 37. As fundações, associações ou sociedades legalmente constituídas poderão exercer


a ação penal, devendo ser representadas por quem os respectivos contratos ou estatutos
designarem ou, no silêncio destes, pelos seus diretores ou sócios-gerentes.

Um exemplo dessa possibilidade consiste no crime de difamação, tendo em vista que a pessoa
jurídica é dotada de honra objetiva.

Quanto à legitimidade passiva da pessoa jurídica no processo penal, o STF e o STJ têm admitido o
oferecimento da denúncia em face dela pela prática de crimes ambientais, com fundamento no art. 225, §3º,
da CF/88.

Sobre o assunto, inclusive, a jurisprudência deixou de adotar a teoria da dupla imputação, não
sendo mais necessária a imputação simultânea da conduta à pessoa física e à pessoa jurídica:

É possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais


independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu
nome.

A jurisprudência não mais adota a chamada teoria da "dupla imputação".

[STJ. 6ª Turma. RMS 39173-BA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em
6/8/2015 (Info 566)]

[STF. 1ª Turma. RE 548181/PR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 6/8/2013 (Info 714)]

Importa ressaltar que a legitimidade ad causam não se confunde com a legitimidade ad processum
ou capacidade processual, a qual está relacionada à capacidade de estar em juízo, pressuposto processual
de validade. Essa legitimidade se refere à capacidade de praticar validamente atos processuais. Quem não
tem legitimidade processual precisa ser representado.

A capacidade processual, por sua vez, não se confunde com a capacidade postulatória, que consiste
na aptidão de postular perante o Poder Judiciário, o que é reservado aos membros do Ministério Público,
da Defensoria Pública e aos advogados regularmente inscritos nos quadros da OAB.

Por fim, também não se confundem com a legitimidade ad causam a capacidade de ser parte,
pressuposto processual de existência. Decorrente da própria personalidade, consiste na capacidade de
contrair direitos e obrigações.

É condição da ação.
Legitimado ativo é o titular do direito subjetivo material
LEGITIMIDADE PARA AGIR OU AD
demandado.
CAUSAM
Legitimado passivo é o titular da obrigação exigida
pelo legitimado ativo.

318
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

É pressuposto de validade do processo.


LEGITIMIDADE AD PROCESSUM OU Consiste na capacidade de estar em juízo, capacidade
CAPACIDADE PROCESSUAL de praticar validamente os atos processuais.
Ausente a parte, é necessária sua representação
Consiste na aptidão de postular perante o Poder
CAPACIDADE POSTULATÓRIA
Judiciário.
É pressuposto de existência do processo.
CAPACIDADE DE SER PARTE Consiste na capacidade de contrair direitos e
obrigações, decorrendo da personalidade
2.1.3. Interesse de agir
Analisado sob os aspectos da necessidade, adequação e utilidade.

A necessidade de obtenção da tutela jurisdicional pretendida é implícita na ação penal


condenatória, tendo em vista que nulla poena sine judicio (não há pena sem processo), de forma que
nenhuma sanção penal será imposta sem a observância do devido processo legal.

Atenção! A transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95) é apontada pela doutrina como uma exceção
à necessidade, tendo em vista que se trata de instituto por meio do qual há a aplicação imediata de pena
restritiva de direito ou de multa sem haver processo.

A adequação consiste na compatibilidade da providência judicial requerida com o direito que se


pretende proteger. No processo penal, não deslancha maior relevância, tendo em vista que não há diferentes
espécies de ações penais condenatórias.

Porém, quando se fala em ação penal não condenatória, é mais fácil visualizar a importância da
adequação, a exemplo do habeas corpus:

Súmula 693, STF: “Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de
multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a
única cominada”.

Por sua vez, a utilidade consiste na eficácia do processo em satisfazer o direito do autor, de modo
que haverá utilidade quando houver possibilidade de aplicação de sanção penal.

Prescrição virtual:

Um dos argumentos da doutrina quanto à utilidade na ação penal relaciona-se com a prescrição em
perspectiva, por prognose, projetada, antecipada, prescrição virtual, prescrição da pena em perspectiva,
que consiste no reconhecimento antecipado da prescrição pela pena que hipoteticamente seria aplicada no
caso de possível condenação.

O juiz, verificando que já se passaram muitos anos desde o dia em que o prazo prescricional começou
ou voltou a correr, entende que, mesmo que o inquérito ou processo continue, ele não terá utilidade porque
provavelmente haverá a prescrição pela pena em concreto.

Nesse caso, não haveria interesse em movimentar a máquina judiciária, tendo em vista que o
processo estaria fadado à prescrição.

Entretanto, a prescrição virtual não é admitida pela jurisprudência, sob o argumento de que ela não
tem amparo legal, bem como viola o princípio da presunção de não culpabilidade:

319
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

Súmula 438, STJ: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão


punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte
do processo penal”.

2.1.4. Justa causa


Consiste no suporte probatório mínimo que deve lastrear a ação penal, consistente na
demonstração da materialidade do fato e indícios de autoria. Em regra, é fornecido pelo inquérito policial,
mas também pode ser fornecido por outros meios de investigação. Naquele caso, o inquérito policial
acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra (art. 12 do CPP).

Atenção! Com a reforma do CPP pela Lei nº 13.964/19 (Pacote Anticrime), o inquérito não poderá
mais acompanhar a denúncia quando do seu encaminhamento do juiz das garantias ao juiz da instrução e
julgamento. Nos termos do art. 3º-C, §3º:

§3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão
acautelados na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa,e não
serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento,
ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de
provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em
apartado.

A exceção são as provas irrepetíveis, medidas de obtenção ou de antecipação de provas, as quais


serão apensadas em apartado.

Na realidade, não há consenso na doutrina sobre a natureza jurídica da justa causa: se elemento do
interesse de agir, se condição autônoma da ação penal ou instituto distinto das condições da ação. Fato é
que a ausência de justa causa é fundamento para a rejeição da peça acusatória (art. 395, III, do CPP).

Justa causa duplicada:

No caso de crimes de lavagem de dinheiro, além das condições da ação acima apresentadas, é
necessário que a denúncia demonstre também o suporte probatório mínimo da infração penal
antecedente (art. 2º, §1º, da Lei n.º 9.613/98).

Ou seja, o autor da ação penal deverá apresentar lastro probatório mínimo da lavagem de capitais e
da infração antecedente. A doutrina denominou essa situação como justa causa duplicada.

2.2. Condições específicas ou de procedibilidade da ação penal

Além das condições genéricas da ação, que devem estar presentes em toda e qualquer ação penal,
há situações em que a lei condiciona o exercício do direito de ação ao preenchimento de condições
especificas. Assim, são exemplos dessa situação os seguintes:

• representação do ofendido em crimes de ação penal pública condicionada à representação;

• requisição do Ministro da Justiça nos crimes de ação penal pública condicionada à requisição;

• presença de provas novas quando o inquérito policial tiver sido arquivado com base na ausência
de elementos probatórios:

320
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

Súmula 524-STF: “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento


do promotor de justiça61, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas”.

• Presença de provas novas após a preclusão da decisão de impronúncia em crimes dolosos


contra a vida:

Art. 414 (...)


Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada
nova denúncia ou queixa se houver prova nova.

• Presença de laudo pericial nos crimes contra a propriedade imaterial:

Art. 525. No caso de haver o crime deixado vestígio, a queixa ou a denúncia não será
recebida se não for instruída com o exame pericial dos objetos que constituam o corpo de
delito.

• autorização por 2/3 dos membros da Câmara dos Deputados para instauração de processo contra
o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado (art. 51, I, da CF/88);

• trânsito em julgado da sentença que anule o casamento por motivo de erro ou impedimento nos
crimes de induzimento a erro essencial e de ocultação de impedimento de casamento (art. 236,
parágrafo único, do CP).

2.3. Condições de prosseguibilidade

As condições da ação diferenciam-se das condições de prosseguibilidade. Aquelas são necessárias


para o próprio início da ação penal, enquanto estas, para o seu prosseguimento, sua continuação. Ou
seja, o processo já está em andamento e uma condição deverá ser implementada para que ele siga seu curso
normal.

É o caso dos crimes de lesão corporal leve e culposa, os quais, antes da Lei n.º 9.099/95, eram de
ação pública incondicionada e passaram a ser de ação pública condicionada à representação (art. 88). Nesses
casos, nos processos já em andamento, foi necessária a intimação do ofendido ou representante legal para
oferecerem a representação no prazo de trinta dias.

Ação penal no crime de estelionato: Já quanto à mudança de ação penal pública incondicionada para
ação penal pública condicionada à representação efetuada pela Lei nº 13.964/19 (Pacote Anticrime) no crime
de estelionato (art. 171, §5º, do CP), o STJ após divergência, pacificou o entendimento no sentido de que “a
exigência de representação da vítima no crime de estelionato não retroage aos processos cuja denúncia já
foi oferecida” [STJ. 3ª Seção. HC 610.201/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/03/2021 (Info 691)]

Esse também é o entendimento da 1ª Turma do STF. A 2ª Turma, no entanto, diverge quanto ao


momento de retroação da norma:

A alteração promovida pela Lei nº 13.964/2019, que introduziu o §5º ao art. 171 do Código
Penal, ao condicionar o exercício da pretensão punitiva do Estado à representação da
pessoa ofendida, deve ser aplicada de forma retroativa a abranger tanto as ações penais
não iniciadas quanto as ações penais em curso até o trânsito em julgado. STF. 2ª Turma.
HC 180421 AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 22/6/2021 (Info 1023).

61 Essa parte da súmula ficou superada com a nova redação do art. 28 do CPP.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

Ressalta-se: é pacífico nos Tribunais Superiores que a norma retroage! A divergência é quanto até
qual momento retroage.

2.4. Condições objetivas de punibilidade e escusas absolutórias

As condições objetivas de punibilidade consistem em circunstâncias nas quais a punibilidade do


crime depende do aperfeiçoamento de certos elementos, os quais não são elementos normativos do tipo
penal. São chamadas objetivas porque não dependem do dolo ou culpa do agente, tratando-se de
acontecimento futuro e incerto.

A ausência de condição objetiva de punibilidade impede o próprio início da persecução penal e, caso
proposta a ação penal quando ausente, dará ensejo a uma decisão de mérito, que fará coisa julgada formal
e material.

São exemplos de condições objetivas de punibilidade:

• sentença declaratória de falência (Lei n.º 11.101/05):

Art. 180. A sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a
recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de
punibilidade das infrações penais descritas nesta Lei.

• circunstância de o fato ser punível no país em que foi praticado e estar incluído entre aqueles que
a lei brasileira permite a extradição nos crimes praticados fora do território nacional (art. 7º, §2º,
“b” e “c”, do CP);

• Decisão final do procedimento administrativo nos crimes materiais contra a ordem tributária:

Súmula Vinculante nº 24: “Não se tipifia crime material contra a ordem tributária, previsto
no art. 1º,incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.

Atenção! Na hipótese de crime formal contra a ordem tributária, não há que se falar em lançamento
definitivo do tributo, sendo a conclusão do procedimento administrativo totalmente desnecessária para a
persecução penal.

Da mesma forma, no delito de descaminho, apesar de ser crime contra a ordem tributária, não há
necessidade de lançamento definitivo do crédito tributário, pois se trata de crime formal.

Havendo a instauração de inquérito policial relativo a crime que comine pena privativa de liberdade,
haverá constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, o que autoriza o seu trancamento por habeas
corpus.

As escusas absolutórias, por sua vez, são condições de punibilidade negativamente formuladas, que
excluem a punibilidade do crime em relação a determinadas pessoas quando presentes. Um exemplo é a
isenção de pena prevista nos arts. 181, I e II, e 348, §2º, do CP.

3. CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES PENAIS

Analisando-se do ponto de vista do direito processual civil as classificações das ações como de
conhecimento, cautelar e de execução, veja-se como funciona no direito processual penal.

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3.1. Ação penal de conhecimento

Pode ser dividida em condenatória, constitutiva e declaratória.

3.1.1. Ação penal de conhecimento condenatória


É aquela em que é deduzida em juízo a pretensão punitiva, imputando-se ao acusado a prática de
um fato típico, ilícito e culpável, cuja finalidade é a aplicação de uma sanção penal. Elas são classificadas em
ação penal pública incondicionada, ação penal pública condicionada e ação penal privada.

A ação penal privada, por sua vez, é dividida em ação penal exclusivamente privada (é aregra), ação
penal privada personalíssima, quando somente a própria vítima pode apresentar a queixa, não havendo
possibilidade de sucessão, e ação penal privada subsidiária da pública, prevista no art. 5º, LIX, da CF/88:

Art. 5º (...)
LIX – será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no
prazo legal;

Ação penal pública subsidiária da pública? Seria a ação penal pública intentada pelo Ministério
Público Federal quando não ajuizada pelo Ministério Público Estadual responsável. Trata-se de tema
controvertido na doutrina sobre ser espécie de ação penal pública. Os doutrinadores que são a favor
apontam as seguintes hipóteses:

• previsão do art. 2º, §2º, do Decreto-Lei nº 201/67, em que se pode requerer ao PGR as
providências para a persecução penal quando não atendidas por autoridade policial ou Ministério
Público estadual. A maioria da doutrina defende que esse dispositivo não foi recepcionado pela
Constituição;

• previsão do art. 357, §§3º e 4º, do Código Eleitoral, em que, se o membro Ministério Público não
oferecer a denúncia, a autoridade judiciária representará contra ele e solicitará ao Procurador
Regional a designação de outro promotor;

• previsão do incidente de deslocamento da competência da Justiça Estadual para a Justiça Federal


em casos de grave violação de direitos humanos protegidos por tratados internacionais em que o
Brasil é parte (art. 109, V -A e §5º, da CF/88).

3.1.2. Ação penal de conhecimento constitutiva


Visa criar, modificar ou extinguir uma situação jurídica. São exemplos a revisão criminal, a
homologação de sentença penal estrangeira e o pedido de extradição.

3.1.3. Ação penal de conhecimento declaratória


Objetiva a declaração da existência ou não de uma relação jurídica. Exemplo é o habeas corpus, cuja
impugnação é relativa à declaração da extinção de punibilidade (art. 648, VII, do CPP).

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

3.2. Ação penal cautelar

Não é admitida como um processo autônomo na esfera penal. A tutela cautelar é exercida por meio
de medidas cautelares previstas ao longo do CPP e da legislação especial.

3.3. Ação de execução no processo penal

Diferentemente do processo civil, pode ser iniciada de ofício quando se tratar de execução de penas
privativas de liberdade, medidas de segurança (arts. 105 e 171 da LEP) e penas restritivas de direitos (art. 147
da LEP). Esta última também pode ser requerida pelo Ministério Público.

Quanto à legitimidade para a execução da pena de multa, o entendimento sumulado do STJ no


enunciado 52162 era no sentido de que pertencia exclusivamente à Procuradoria da Fazenda Pública.

Entretanto, o STF (Info 927) entendeu que a legitimidade para a execução da pena de multa fixada
em sentenças penais condenatórias pertence ao Ministério Público.

Ao ser considerada como dívida de valor, a pena de multa não perde seu caráter de sanção criminal.
Não há como retirar a legitimidade do MP para sua execução, pois decorre da sua função institucional de
promover privativamente a ação penal prevista no art. 129, I, da CF/88.

Ademais, a legitimidade do MP é reconhecida no art. 164 da LEP. Dessa forma, o Ministério Público
deve executar a pena de multa na vara de execuções penais, aplicando-se o disposto na LEP.

No entanto, o STF entendeu que essa legitimidade do MP é prioritária, restando legitimidade


subsidiária à Fazenda Pública. Ou seja, se o titular da ação penal, após intimado, manter-se inerte e não
propuser a execução da pena de multa no prazo de 90 dias, o juiz deve dar ciência à Fazenda Pública para
que promova a cobrança na vara de execução fiscal, sob os trâmites da Lei n.º 6.830/80.

Esse entendimento foi positivado na nova redação do art. 51 do CP, dada pela Lei n.º 13.964/19 (Lei
Anticrime):

Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o
juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à
dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e
suspensivas da prescrição.

A nova redação não falou na legitimidade prioritária do Ministério Público e da subsidiária da Fazenda
Pública, mas permanecem intactas, tendo em vista a mens legis e o fato de que se trata de decisão tomada
em ADI, a qual possui eficácia erga omnes e efeito vinculante.

O entendimento sumulado do STJ, por fim, restou superado, e o tribunal deverá em breve cancelar
a súmula.

62Súmula 521-STJ: A legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta emsentença condenatória é
exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

4. PRINCÍPIOS DA AÇÃO PENAL

Há determinados princípios que são exclusivos da ação penal pública e outros exclusivos da ação
penal privada. Entretanto, há também aqueles que são comuns a ambas, os quais estudaremos a seguir.

4.1. Princípio do ne procedat iudex ex officio

Antes da Constituição de 1988, era possível que o órgão jurisdicional desse início a um processo
condenatório de ofício, chamado de processo judicialiforme.

Com a adoção do sistema acusatório pela Constituição (art. 129, I), essa prática passou a ser vedada,
sendo adotado o princípio em questão, também chamado de princípio da iniciativa das partes. Trata-se de
consectário do direito de ação.

Ressalta-se que a Lei n.º 13.964/19 (Lei Anticrime) positivou expressamente a adoção do princípio
acusatório no processo penal brasileiro (art. 3º-A), bem como criou a figura do juiz das garantias para
assegurar a imparcialidade do órgão julgador.

Desse princípio, deriva o princípio da correlação entre acusação e sentença, o qual consiste na
proibição de que o juiz profira provimento sobre matéria que não tenha sido trazida ao processo por uma
das partes.

Atenção! Apesar da existência do princípio acima, há no processo penal a previsão de que o


magistrado pode conceder ordem de habeas corpus de ofício (art. 654, §2º, do CPP), bem como iniciar de
ofício a execução de sentença penal condenatória.

4.2. Princípio do ne bis in idem

O princípio em questão significa que ninguém poderá ser processado duas vezes pelo mesmo fato
penal. Assim, entende-se que duas ações penais são idênticas quando elas possuem as mesmas partes e o
mesmo fato delituoso como causa de pedir. Ou seja, o fato delituoso deverá ser idêntico.

É um princípio que não consta expressamente na Constituição Federal, mas encontra respaldo no
art. 8.4 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Decreto n.º 678/92).

Observa-se que a presente vedação não se limita apenas ao processo com sentença transitada em
julgado, mas também abrange a litispendência, ou seja, ninguém pode ser processado pela mesma
imputação simultaneamente em processos diferentes.

A consequência mais relevante em relação ao princípio do ne bis in idem é que, ainda que a sentença
absolutória ou extintiva de punibilidade seja prolatada por juízo incompetente, o acusado não poderá ser
novamente processado. Isso se dá porque o vício de incompetência é um vício de nulidade, e não de
inexistência da decisão, bem como o processo penal não admite revisão criminal pro societate.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

4.3. Princípio da intranscendência

Por força desse princípio, a denúncia ou a queixa somente podem ser oferecidas contra o provável
autor do delito, não podendo incluir familiares ou demais pessoas que não tiveram participação na infração
penal. Trata-se de um desdobramento do princípio da intranscendência da pena (art. 5º, XLV, da CF/88).

Atenção! O presente princípio somente se aplica quanto às consequências penais do fato típico, de
modo que, diante de uma responsabilidade não penal, a exemplo do dever de reparar o dano, é
perfeitamente possível que haja sua transferência aos sucessores na hipótese de morte do condenado,
respondendo eles até as forças da herança.

4.4. Princípio da oficialidade

Consiste na atribuição da legitimidade para a persecução penal a órgãos oficiais do Estado. Assim,
a apuração da infração fica a cargo da polícia judiciária, e a ação penal, do Ministério Público.

Esse princípio aplica-se à ação penal pública tanto na fase pré-processual quanto na fase processual.
Já quanto à ação penal de iniciativa privada, aplica-se apenas na fase pré- processual, tendo em vista que
é o particular que move a ação.

4.5. Princípio da oficiosidade

Os órgãos oficiais incumbidos da persecução penal deverão agir de ofício, independentemente da


provocação do ofendido.

Na ação penal pública incondicionada, ele é aplicável sem limitações. Entretanto, na ação penal
pública condicionada, esse princípio somente pode vigorar quando há representação do ofendido. Da mesma
forma, na ação penal de iniciativa privada, somente vigora quando o ofendido requer a instauração do
inquérito policial.

5. PRINCÍPIOS DA AÇÃO PENAL PÚBLICA

Nesse tópico, estudaremos os princípios exclusivos da ação penal pública.

5.1. Princípio da obrigatoriedade ou legalidade processual

Esse princípio preconiza que os órgãos responsáveis pela persecução penal estão obrigados a
procedê-la, de modo que não há nenhuma discricionariedade para decidir se irão ou não atuar.

Dessa forma, a autoridade policial está obrigada a apurar o delito, bem como o Ministério Público
possui o dever de oferecer a denúncia no caso de haver elementos de informação suficientes para a formação
da sua opinio delicti quanto à materialidade do fato e quanto a estarem presentes as condições da ação.

Esse princípio é extraído da redação do art. 24 do CPP:

Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério
Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de
representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

Ademais, o ordenamento jurídico prevê como mecanismo de fiscalização do princípio da


obrigatoriedade a ação penal privada subsidiária da pública, intentada pela vítima quando o Ministério
Público não oferece denúncia dentro do prazo.

Aenção! A obrigatoriedade de oferecer a denúncia não significa que, ao final da instrução criminal,
em sede de alegações finais, o Ministério Público está obrigado a pedir a condenação do acusado, tendo em
vista que a ele também interessa salvaguardar a liberdade de pessoas inocentes e punir o real autor do fato.

Ademais, são exceções ao princípio da obrigatoriedade previstas no nosso ordenamento


jurídico.

• acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP e art. 1º, §3º, da Lei nº 8.038/90): preenchidos
os requisitos, aceitos os termos do acordo e homologado pelo juiz das garantias, o Ministério
Público deixa de oferecer denúncia. Trata-se do princípio da discricionariedade regrada ou
princípio da obrigatoriedade mitigada;

• transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95): preenchidos os requisitos e aceitos os termos da


transação, haverá a imediata aplicação de penas restritivas de direito ou multa. Também se
trata do chamado princípio da discricionariedade regrada ou princípio da obrigatoriedade
mitigada;

• termo de ajustamento de conduta (art. 5º, §6º, da Lei nº 7.347/85): é comum que o TAC já
resulte na solução de controvérsias, tratando-se de instrumento de solução extrajudicial dos
conflitos, não sendo razoável a instauração de um processo penal. Enquanto houver o
cumprimento do TAC, o Ministério Público não pode oferecer denúncia;

• parcelamento do crédito tributário (art. 83, §2º, da Lei nº 9.430/96): é previsto na legislação
como causa de suspensão da pretensão punitiva, desde que o parcelamento tenha sido
formalizado antes do recebimento da denúncia. A prescrição criminal também será suspensa,
extinguindo-se a punibilidade dos crimes quando houver o pagamento integral dos débitos
tributários;

• acordo de leniência, de brandura ou de doçura (arts. 86 e 87 da Lei nº 12.529/11): celebrado


pelo CADE com pessoas físicas ou jurídicas autoras de crime contra a ordem econômica, o acordo
de leniência impede o oferecimento da denúncia e, cumprido, extingue a punibilidade.

• colaboração premiada (art. 4º, §4º, da Lei nº 12.850/13): celebrado o acordo de colaboração
premiada, o Ministério Público pode deixar de oferecer a denúncia caso cumprido os requisitos
exigidos em lei.

Na ação penal privada, o princípio que se contrapõe a esse é o princípio da oportunidade ou


conveniência.

5.2. Princípio da indisponibilidade ou indesistibilidade

A indisponibilidade decorre do princípio da obrigatoriedade: do mesmo modo que o Ministério


Público é obrigado a iniciar a ação penal quando há justa causa, ele não pode dela dispor ou desistir. A
obrigatoriedade é aplicável na fase pré-processual, enquanto que a indisponibilidade é aplicada no processo.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

Decorre do princípio da indisponibilidade também a impossibilidade de o Ministério Público desistir


de um recurso já apresentado. Ressalta-se que ele não é obrigado a recorrer, pois os recursos são
voluntários, mas uma vez tendo recorrido, não é possível desistir.

Esse princípio está expresso em dois dispositivos do CPP:

Art. 42. O Ministério Público não poderá desistir da ação penal.

Art. 576. O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto.

Atenção! O princípio da indisponibilidade também se aplica à ação penal privada subsidiária da


pública, tendo em vista que cabe ao Ministério Público, no caso de negligência do querelante, retomar a ação
como parte principal (art. 29 do CPP).

Por outro lado, a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95) é uma exceção ao
princípio da indisponibilidade, uma vez que o processo ficará suspenso quando aceita.

A contraposição desse princípio na ação penal privada é o princípio da disponibilidade.

5.3. Princípio da divisibilidade

A posição majoritária é no sentido que o Ministério Público pode oferecer denúncia contra apenas
alguns autores e partícipes, sem prejuízo do prosseguimento das investigações quanto aos demais.

Dessa forma, se o Parquet considerar que há justa causa para um ou alguns dos investigados, mas
não para outros, poderá iniciar a ação penal apenas em relação àqueles, deixando estes de fora.

Esse é o entendimento da jurisprudência, inclusive:

Na ação penal pública não vigora o princípio da indivisibilidade. Assim, o MP não está
obrigado a denunciar todos os envolvidos no fato tido por delituoso, não se podendo falar
em arquivamento implícito em relação a quem não foi denunciado. Isso porque o Parquet
é livre para formar sua convicção, incluindo na denúncia as pessoas que ele entenda terem
praticado o crime, mediante a constatação de indícios de autoria e materialidade. [STJ. 6ª
Turma. RHC 34233-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 6/5/2014 (Info
540)]

Assim, o Parquet é livre para formar sua convicção, incluindo na denúncia as pessoas que ele entenda
que praticaram os crimes, não se podendo falar em arquivamento implícito em relação a quem não foi
denunciado.

Na ação penal privada, vigora o princípio da indivisibilidade.

6. PRINCÍPIOS DA AÇÃO PENAL PRIVADA

São princípios exclusivos da ação penal privada os seguintes.

6.1. Princípio da oportunidade ou conveniência

Em contraposição ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, cabe ao ofendido ou seu


representante legal realizar um juízo de oportunidade e conveniência sobre o oferecimento da queixa.
Dessa forma, é outorgada ao titular da ação penal uma faculdade, de forma que ele pode dela dispor.

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Assim, não existe nenhum mecanismo de controle sobre o direito de ação penal de iniciativa privada
como existe em relação à ação penal pública.

Esse princípio também se aplica à representação e à requisição do Ministro da Justiça quanto à


ação penal pública condicionada, na qual o legitimado pode deixar de apresentá-la também por motivos de
conveniência e oportunidade.

Dessa forma, caso o ofendido não exerça seu direito de queixa, configurar-se-á a decadência
ou renúncia.

6.2. Princípio da disponibilidade

O presente princípio decorre do princípio da oportunidade e conveniência da ação penal privada.


Enquanto que a oportunidade e conveniência aplicam-se antes do oferecimento da queixa-crime, a
disponibilidade aplica-se durante o processo.

Dessa forma, é possível que o querelante desista do processo penal em andamento. Ele pode fazer
isso de três formas, melhor estudadas à frente:

• concessão do perdão: é causa extintiva de punibilidade, porém deve ser aceito pelo querelado
(art. 51);

• perempção: consiste na desídia do querelante com o processo (art. 60);

• conciliação e termo de desistência no procedimento dos crimes contra a honra: no processo por
crime de calúnia ou injúria, antes de receber a queixa, o juiz oferecerá às partes oportunidade
para se reconciliarem (art. 520). No caso de reconciliação, depois de assinado pelo querelante o
termo da desistência, a queixa será arquivada (art. 522).

6.3. Princípio da indivisibilidade

A indivisibilidade significa que o querelante não pode escolher quem vai processar, estando
obrigado a oferecer a queixa contra todos os autores do delito. Esse princípio encontra respaldo legal:

Art. 48. A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e
o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade.

Dessa forma, caso assim não o faça, o querelante terá reconhecidos contra si a renúncia ou o perdão,
com a respectiva extinção da ação:

Art. 49. A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do


crime, a todos se estenderá.

Art. 51. O perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos, sem que produza,
todavia, efeito em relação ao que o recusar.

Porém, se a ação penal não for proposta contra todos, haverá uma diferenciação no caso de omissão
voluntária ou involuntária:

OMISSÃO VOLUNTÁRIA (DELIBERADA) OMISSÃO INVOLUNTÁRIA

Deve-se entender que houve renúncia tácita O Ministério Público deverá requerer a intimação
quanto àquele que foi excluído, a qual se estende a do querelante para que ele faça o aditamento da

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todos os coautores e partícipes. O juiz deverá queixa-crime e inclua os demais coautores ou


rejeitar a queixa e declarar a extinção da partícipes que ficaram de fora.
punibilidade para todos (arts. 104 e 109, V, do CP). • Se o querelante fizer o aditamento: o processo
Todos ficarão livres do processo. continuará normalmente.
Não oferecida a queixa-crime contra todos os • Se o querelante se recusar expressamente
supostos autores ou partícipes da prática delituosa, ou permanecer inerte: o juiz deverá entender
há afronta ao princípio da indivisibilidade da ação que houve renúncia (art. 49 do CPP). Assim,
penal, a implicar renúncia tácita ao direito de deverá extinguir a punibilidade em relação a
querela, cuja eficácia extintiva da punibilidade todos os envolvidos.
estende-se a todos quantos alegadamente hajam
intervindo no cometimento da infração penal.
STF. 1ª Turma. Inq 3526/DF, Rel. Min. Roberto
Barroso, julgado em 2/2/2016 (Info 813).

Assim, conclui-se que a não inclusão de eventuais suspeitos na queixa-crime não configura, por si só,
renúncia tácita ao direito de queixa. Para seu reconhecimento, exige-se a demonstração de que a não
inclusão de determinados autores ou partícipes na queixa-crime se deu de forma deliberada pelo querelante.

7. QUADRO RESUMO DOS PRINCÍPIOS

PRINCÍPIOS DA AÇÃO PENAL PÚBLICA PRINCÍPIOS DA AÇÃO PENAL PRIVADA


Princípio do ne procedat iudex ex officio
Princípio do ne bis in idem
Princípio da intranscendência
Princípio da obrigatoriedade Princípio da oportunidade e conveniência
Princípio da indisponibilidade Princípio da disponibilidade
Princípio da divisibilidade Princípio da indivisibilidade
Princípio da oficialidade: apenas na fase pré-
Princípio da oficialidade
processual
Princípio da oficiosidade: apenas na fase pré-
Princípio da oficiosidade
processual

8. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA

A ação penal pública incondicionada é a regra no nosso ordenamento jurídico, nos termos do art.
100, caput, do CP. De acordo com o art. 129, I, da CF/88, seu titular é o Ministério Público, bem como sua
peça inicial é denominada denúncia.

A exceção quanto a essa titularidade configura-se na ação penal de iniciativa privada subsidiária da
pública, a qual será estudada adiante, mas que não perde seu caráter de ação penal pública.

É chamada incondicionada porquanto a iniciativa do Ministério Público não depende de nenhuma


manifestação da vítima ou de terceiros. Assim, para saber se a ação penal será incondicionada, basta
procurar se a lei penal dispõe em sentido diverso. Não dispondo, é ação pública incondicionada.

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Súmula 542, STJ: “A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência
doméstica contra a mulher é pública incondicionada”.

Em regra, as lesões corporais leves e culposas são crimes de ação penal pública condicionada à
representação, nos termos do art. 88 da Lei n.º 9.099/95. Entretanto, não o será no caso de lesões corporais
praticadas contra mulher no âmbito das relações domésticas, sendo, pois, de ação penal pública
incondicionada, pois a Lei dos Juizados Especiais não se aplica aos casos de violência doméstica (art. 41 da
Lei n.º 11.340/06).

Ressalta-se que a ação pode ser proposta a qualquer momento pelo Ministério Público enquanto não
ocorrida a extinção de punibilidade.

9. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA

Há determinadas situações em que a persecução do delito penal pode causar maiores danos à vítima,
de ordem moral, social ou psicológica, do que a própria impunidade do crime, o que a doutrina chama de
escândalo do processo, strepitus iudicii e vitimização secundária. Por outro lado, há crimes que afetam
diretamente interesses particulares. Nesses casos, a lei figura ao ofendido a decisão sobre iniciar o processo
ou não.

Nesse caso, a promoção da ação penal pública pelo Ministério Público depende de representação
do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça. A ação será pública condicionada quando a lei penal
assim dispuser.

9.1. Representação

A representação consiste na manifestação do ofendido ou de seu representante legal de que tem


interesse na persecução penal do delito praticado.

Tal ato processual é regido pelo princípio da oportunidade e conveniência, em que cabe ao ofendido
ou seu representante legal decidir sobre o exercício ou não do direito de representação.

Atenção! Doutrina e jurisprudência entendem que, em regra, não é possível haver a renúncia ao
direito de representação, tendo em vista que o CPP apenas trata sobre a renúncia do direito de queixa.

Entretanto, a Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95) prevê que haverá renúncia ao direito de
representação se houver composição civil dos danos:

Art. 74 (...)
Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública
condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de
queixa ou representação.

Por outro lado, o art. 16 da Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/06) dispõe que será admitida a
renúncia à representação antes do recebimento da denúncia. Nesse caso, houve uma atecnia do legislador,
tendo em vista que a representação é exercida em momento anterior à denúncia. Portanto, deve-se entender
que o dispositivo tratou da possibilidade de retratação da representação.

A representação possui natureza jurídica de condição específica de procedibilidade, cuja


ausência enseja a rejeição da peça acusatória, nos termos do art. 395, II, do CPP. Entretanto, no caso de

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crimes de ação penal incondicionada passarem a ser de ação penal condicionada quando o processo já
estiver iniciado, a representação será condição de prosseguibilidade. Foi o que ocorreu com os crimes de
lesão corporal leve e culposa.

Para o exercício do direito de representação, não é exigido nenhum formalismo, bastando que haja
manifestação de vontade da vítima ou de seu representante legal, podendo ser escrita ou oral:

Art. 39. O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador
com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do
Ministério Público, ou à autoridade policial.
§1º A representação feita oralmente ou por escrito, sem assinatura devidamente
autenticada do ofendido, de seu representante legal ou procurador, será reduzida a termo,
perante o juiz ou autoridade policial, presente o órgão do Ministério Público, quando a este
houver sido dirigida.
§2º A representação conterá todas as informações que possam servir à apuração do fato e
da autoria.
§3º Oferecida ou reduzida a termo a representação, a autoridade policial procederá a
inquérito, ou, não sendo competente, remetê-lo-á à autoridade que o for.
§4º A representação, quando feita ao juiz ou perante este reduzida a termo, será remetida
à autoridade policial para que esta proceda a inquérito.
§5º O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem
oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a
denúncia no prazo de quinze dias.

A despeito do que diz o caput do dispositivo acima, entende-se que a representação não deve ser
realizada ao juiz, de modo a preservar sua imparcialidade, devendo ele encaminhá-la ao Parquet.

Ressalta-se que a representação não vincula o Ministério Público, cabendo ao órgão formar sua
opinio delicti com os elementos de informação colhidos.

Como se vê acima, a legitimidade para a representação é do ofendido, que poderá exercê-la


pessoalmente ou por procurador com poderes especiais. Ressalta-se que consiste no mesmo regime jurídico
para o oferecimento da queixa-crime, de modo que tudo que for estudado aqui valerá para a ação penal de
iniciativa privada.

No caso de pessoa jurídica, a representação é exercida por quem os respectivos contratos ou


estatutos designarem ou, no silêncio destes, pelos seus diretores ou sócios-gerentes (art. 37).

Atenção! Há certos casos em que o ofendido não poderá exercer o direito de representação:

• ofendido menor de 18 (dezoito) anos, mentalmente enfermo ou retardado mental: o direito de


representação será exercido por seu representante legal;

• ofendido menor de 18 (dezoito) anos, mentalmente enfermo ou retardado mental que não
tenha representante legal ou caso haja conflito de interesses: a representação será exercida por
curador especial, por interpretação extensiva do art. 33 do CPP:

Art. 33. Se o ofendido for menor de 18 (dezoito) anos, ou mentalmente enfermo, ou


retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os
daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial, nomeado, de ofício
ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente para o processo penal.

Ressalta-se que o curador não é obrigado a oferecer a representação (ou a queixa-crime), devendo
analisar sua conveniência e oportunidade. Trata-se de hipótese de substituição processual ou legitimação
extraordinária, uma vez que ele estará exercendo em nome próprio defesa de direito alheio.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

Essa hipótese aplica-se, inclusive, aos maiores de 16 (dezesseis) anos e menores de 18 (dezoito) anos
casados ou emancipados, entendendo-se que, apesar da obtenção da capacidade civil plena, não possuem
capacidade para oferecer representação ou queixa-crime.

Morte da vítima: é hipótese de legitimação anômala, uma vez que ocorrerá sucessão processual:

Art. 24 (...)
§1º No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o
direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o
direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão.
Art. 36. Se comparecer mais de uma pessoa com direito de queixa, terá preferência o
cônjuge, e, em seguida, o parente mais próximo na ordem de enumeração constante do art.
31, podendo, entretanto, qualquer delas prosseguir na ação, caso o querelante desista da
instância ou a abandone.

Ressalta-se que o art. 36 impõe uma ordem de preferência entre os legitimados. Assim, o ascendente
somente poderá exercer o direito de representação quando o cônjuge assim não o fez, e assim vai. Havendo
divergência entre eles, prevalece a vontade de quem deseja a persecução penal. Da mesma forma, qualquer
um dos sucessores poderá prosseguir no processo já instaurado no caso de outro desistir ou abandoná-lo.

A maioria da doutrina defende que, por força do art. 226, §3º, da CF/88, o companheiro também
está incluído no rol de sucessores. A doutrina minoritária, por sua vez, defende ser hipótese de analogia in
malam partem, vedada no Direito Penal.

O prazo para exercer o direito de representação é decadencial de 6 (seis) meses, contado do dia em
que vier a saber quem é o autor do crime (art. 38 do CPP). Trata-se de prazo de natureza material, ou seja,
fatal e improrrogável, não sujeito a suspensão e interrupções, devendo ser contado na forma do art. 10 do
CP: o dia do começo inclui-se no cômputo do prazo.

No caso de sucessão processual, o prazo é o mesmo (art. 38, parágrafo único), porém, tendo em vista
que ele é uno, os sucessores apenas disporão do restante do prazo. Ex.: passados três meses do
conhecimento da autoria, o ofendido falece. Seus sucessores disporão de apenas três meses a partir de sua
morte, caso também tenham conhecimento da autoria do crime. Não tendo, o prazo de três meses se inicia
em tal momento.

Atenção! No caso do crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento, o prazo


para o exercício da representação conta-se a partir do trânsito em julgado da sentença que anule o
casamento (art. 236, parágrafo único, do CP). Trata-se de exceção à regra do art. 38 do CPP.

Importa ressaltar que a representação goza de eficácia objetiva, a qual consiste no fato de que,
exercido o direito de representação contra um dos coautores ou partícipes de determinado fato delituoso,
ela se estende aos demais. Dessa forma, o Ministério Público poderá apresentar denúncia contra todos os
envolvidos no crime.

Porém, importa ressaltar que essa eficácia objetiva é somente quanto aos sujeitos do crime, não
permitindo que o Ministério Público ofereça denúncia quanto a outros fatos, ou seja, fatos delituosos
distintos daquele em que houve a representação.

Por fim, é possível que o ofendido se retrate da representação, desde que o faça até o
oferecimento da denúncia pelo Ministério Público:

Art. 25. A representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia.

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Atenção! A retratação acontece até o oferecimento da denúncia, não até o recebimento. Essa é uma
pegadinha comum em provas, esteja atento! Ressalva-se a possibilidade de retratação até o recebimento da
denúncia admitida no art. 16 da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), já tratada acima.

Retrataçao da retratação? Parcela majoritária da doutrina defende que é possível a retratação da


retratação da representação, bastando que o ofendido ou seu representante legal apresente nova
representação e desde que o faça dentro do prazo decadencial de 6 (seis) meses, contado a partir do
conhecimento da autoria.

9.2. Requisição do Ministro da Justiça

A requisição, dirigida ao chefe do Ministério Público, consiste em manifestação da vontade do


Ministro da Justiça no sentido de que há interesse na persecução penal do autor do fato delituoso. Nesse
caso, vigora o princípio da oportunidade e conveniência.

Da mesma forma que a representação, a requisição é condição de procedibilidade para o


oferecimento da denúncia, devendo ser apresentada em relação a crime cometido por estrangeiro contra
brasileiro fora do Brasil (art. 7º, §3º, “b”, do CP) e a crimes contra a honra cometidos contra o Presidente da
República ou chefe de governo estrangeiro (arts. 141, I, e 145, parágrafo único, do CP).

Apesar de denominada “requisição”, o Ministério Público não está a ela vinculado, não sendo
obrigado a oferecer a denúncia, cabendo ao órgão formar sua opinio delicti.

O CPP não trata de qual o prazo para o exercício da requisição, de modo que se entende que ela não
está sujeita à decadência, como a representação, podendo ser oferecida a qualquer tempo enquanto não
extinta a punibilidade.

A doutrina majoritária defende que também é cabível a retratação da requisição, nos mesmos
moldes da representação, ou seja, enquanto não oferecida a denúncia. Da mesma forma, a requisição é
dotada de eficácia objetiva, estendendo-se aos demais autores e partícipes do fato.

10. AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA

Da mesma forma que na ação penal pública condicionada à representação, há crimes em que o
trâmite do processo causa maiores danos à vítima do que a impunidade, configurando-se o escândalo do
processo (strepitus iudicii) e a vitimização secundária, e crimes que afetam diretamente interesses
particulares. Ademais, a produção de prova depende quase que unicamente do ofendido.

Assim, a lei determinou que nesses delitos a ação penal deverá ser iniciada pelo ofendido, e não pelo
Ministério Público. Nesses casos, a lei é expressa nessa determinação.

10.1. Ação penal exclusivamente privada

Essa é a regra quanto às ações penais privadas, sendo possível a sucessão processual em caso de
morte do ofendido, pois permite a transmissão do direito de queixa:

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o
direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão.

Como já exposto, a doutrina majoritária já interpretava o art. 31 à luz da Constituição Federal,


entendendo que a legitimidade pertence também a(o) companheiro(a), tendo em vista a equiparação da
união estável ao casamento. Em 2019, o STJ se manifestou no mesmo sentido (Info 654).

Sobre o assunto, importante estudar o entendimento sumulado do STF sobre os crimes contra a
honra de funcionário público no exercício das funções:

Súmula 714, STF: “É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do


ministério público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime
contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções”.

A súmula trará como hipótese de legitimidade concorrente, mas, na realidade, trata-se de


legitimação alternativa: uma vez havida representação pelo ofendido, a ação penal será pública
condicionada, não havendo mais a possibilidade de se apresentar queixa-crime, e vice-versa. Cabe, pois, ao
ofendido, a opção entre fazer a representação ou apresentar queixa-crime.

Apesar disso, em provas objetivas, é recomendável seguir a literalidade da súmula.

10.2. Ação penal privada personalíssima

Nesse caso, o direito de queixa somente pode ser exercido pelo ofendido pessoalmente, não
cabendo sucessão processual, ainda que em caso de morte ou ausência. Da mesma forma, não caberá
atuação de representante legal ou de curador especial.

Assim, havendo a morte da vítima, configurada está a extinção de punibilidade. Na hipótese de a


vítima ser menor de 18 (dezoito) anos, deve-se aguardar que atinja a maioridade para poder exercer seu
direito, estando suspenso o prazo de decadência.

Atenção! No direito brasileiro, apenas o crime de induzimento a erro essencial e ocultação de


impedimento ao casamento (art. 236 do CP) é de ação penal privada personalíssima.

11. AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA

A ação penal privada subsidiária da pública possui previsão constitucional e legal no Código
Penal e no Código de Processo Penal, respectivamente:

Art. 5º (...)
LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no
prazo legal;
Art. 100 (...)
§3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o
Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.
Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada
no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer
denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de
prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a
ação como parte principal.

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Ela encontra fundamento no princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF/88) e
consiste em instrumento de fiscalização do princípio da obrigatoriedade que rege o Ministério Público.
Trata-se de verdadeiro direito fundamental, cláusula pétrea.

Porém, importa ressaltar que a ação penal privada subsidiária da pública somente é cabível quando
há um ofendido determinado. Dessa forma, nos crimes de perigo, não se afigura possível esse tipo de ação.

Atenção! O legitimado para a queixa-crime pode ser pessoa jurídica e entes não ligados diretamente
ao ofendido. É o caso dos crimes e contravenções que envolvam a relação de consumo (arts. 80 e 82, III e IV,
do CDC) e dos crimes falimentares (art. 184, parágrafo único, da Lei nº 11.101/05).

Como se percebe, só se pode falar em ação penal privada subsidiária quando há inércia do
Ministério Público, não sendo possível levá-la a cabo quando o órgão arquiva o inquérito policial, uma vez
que não houve omissão do Parquet.

Por outro lado, enquanto não oferecida a queixa-crime pelo ofendido, continua possível ao
Ministério Público apresentar denúncia, configurando-se legitimidade concorrente.

Aqui também vigora o princípio da oportunidade e conveniência, pois cabe ao ofendido ou seu
representante decidir se apresentará ou não queixa-crime. Quanto ao prazo, importa estudar o dispositivo
legal:

Art. 38. Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no
direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses,
contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia
em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.

O prazo é decadencial, mas, ao contrário da ação penal privada, seu escoamento não provoca a
extinção da punibilidade. Por isso, a doutrina denomina de decadência imprópria. Entretanto, ele não se
prorroga nem se interrompe.

Na ação penal privada subsidiária da pública, o Ministério Público exerce um papel de interveniente
adesivo obrigatório ou parte adjunta, uma vez que a lei exige que intervenha em todos os atos do processo,
sob pena de nulidade (art. 564, III, “d”, do CPP). Assim, ele pode tomar as seguintes providências:

• opinar pela rejeição da queixa-crime se presentes alguma das hipóteses que autorizam sua
rejeição (art. 395 do CPP);

• aditar a queixa-crime, tanto quanto aos aspectos acidentais quanto aos aspectos essenciais,
podendo incluir novos fatos delituosos, coautores ou partícipes;

• repudiar a queixa-crime, desde que até o seu recebimento. Nesse caso, o Ministério Público
deverá obrigatoriamente apresentar denúncia substitutiva;

• retomar a ação penal como parte principal, no caso de inércia ou negligência do querelante, o
que a doutrina chama de ação penal indireta.

12. HIPÓTESES DE EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE NA AÇÃO PENAL DE INICIATIVA


PRIVADA

Tendo em vista ser regida pelo princípio da disponibilidade, há hipóteses previstas em lei em que
haverá a extinção da punibilidade do autor do delito caso configuradas na ação penal de iniciativa privada.
São elas a decadência, a renúncia, o perdão e a perempção.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

12.1. Decadência

Decadência consiste na perda do direito de ação penal privada ou de representação pelo seu não
exercício no prazo legal.

Como já estudado, esse prazo é de 6 (seis) meses a partir do conhecimento da autoria do delito ou
do fim do prazo para apresentação da denúncia, no caso de ação penal privadasubsidiária da pública, à
exceção do crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (art. 236, parágrafo único,
do CP), o qual conta-se a partir do trânsito em julgado da sentença que anule o casamento.

Importa ressaltar que seu não exercício na ação penal subsidiária não acarreta extinção de
punibilidade, tendo em vista que esta não perde seu caráter público.

12.2. Renúncia

É o ato unilateral e voluntário por meio do qual o legitimado, ou seja, o ofendido ou seu
representante legal, abdica do seu direito de queixa, podendo ser expressa ou tácita:

Art. 50. A renúncia expressa constará de declaração assinada pelo ofendido, por seu
representante legal ou procurador com poderes especiais.
Parágrafo único. A renúncia do representante legal do menor que houver completado 18
(dezoito) anos não privará este do direito de queixa, nem a renúncia do último excluirá o
direito do primeiro.

Art. 57. A renúncia tácita e o perdão tácito admitirão todos os meios de prova.

A renúncia tácita se configura pela prática de ato incompatível com a vontade de processar. Ex.: o
ofendido convida o autor do delito para ser seu padrinho de casamento.

É unilateral, pois não há necessidade de aceitação do acusado para ser reconhecida. Ademais, a
renúncia em face de um dos autores aos demais se estenderá, tendo em vista o princípio da indivisibilidade
da ação penal privada:

Art. 49. A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do


crime, a todos se estenderá.

Contrariamente, a renúncia de uma vítima não importa na renúncia das demais, não produzindo
qualquer consequência quanto ao direito de queixa.

Atenção! A aceitação da composição civil dos danos, homologada judicialmente, implica a


renúncia ao direito de queixa (art. 74, parágrafo único, da Lei n.º 9.099/95):

Art. 74 (...)
Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública
condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de
queixa ou representação.

A renúncia é ato extraprocessual, sendo, pois, exercida antes do início da ação penal. Por isso
diz-se que ela pode ocorrer até o oferecimento da queixa.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

12.3. Perdão

Consiste em ato bilateral e voluntário exercido no curso do processo penal por meio do qual o
ofendido perdoa o acusado e resolve não prosseguir com a demanda, não se confundido com o perdão
judicial. Portanto, é ato endoprocessual.

Sendo ato bilateral, é necessária a aceitação do querelado, a qual não significa aceitação de culpa,
bem como se estende aos demais acusados, tendo em vista o princípio da indivisibilidade:

Art. 51. O perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos, sem que produza,
todavia, efeito em relação ao que o recusar.

Nos termos do Código Penal, o perdão pode ser concedido até o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória:

Art. 106 (...)


§2º - Não é admissível o perdão depois que passa em julgado a sentença condenatória.

Da mesma forma que a renúncia, o perdão pode ser expresso ou tácito (art. 57 do CPP). Ademais,
ele também pode ser judicial ou extrajudicial, bem como sua aceitação:

Art. 58. Concedido o perdão, mediante declaração expressa nos autos, o querelado será
intimado a dizer, dentro de três dias, se o aceita, devendo, ao mesmo tempo, ser
cientificado de que o seu silêncio importará aceitação.

Art. 59. A aceitação do perdão fora do processo constará de declaração assinada pelo
querelado, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais.

A recusa ao perdão também pode ser judicial ou extrajudicial, mas deverá ser sempre expressa,
tendo em vista que, como o art. 58 acima dispõe, o silêncio do acusado importa aceitação.

Se o querelado for mentalmente enfermo ou retardado mental e não tiver representante legal, ou
colidirem os interesses deste com os do querelado, a aceitação do perdão caberá ao curador que o juiz lhe
nomear (art. 53 do CPP).

Para não haver confusão entre os institutos, segue o quadro comparativo com as diferenças entre
renúncia e perdão:

RENÚNCIA PERDÃO
Ato unilateral: não depende de aceitação Ato bilateral: depende de aceitação do querelado
É concedida antes do processo É concedido no curso do processo
Pode ocorrer até o oferecimento da queixa-crime Pode ocorrer até o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória

12.4. Perempção

A perempção se verifica quando há a perda do direito de prosseguir no exercício da ação penal tendo
em vista a negligência do querelante, extinguindo-se a ação e não sendo possível sua renovação. São
hipóteses de perempção:

Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta
a ação penal:
I - quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo
durante 30 dias seguidos;

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

II - quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em


juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das
pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36;
III - quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do
processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas
alegações finais;
IV - quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.

Antes de extinguir a ação, o melhor é que o juiz intime o querelante para apresentar eventual
justificativa para o abandono do processo. A contagem do prazo de trinta dias do inciso I é contínua.

O prazo de 60 dias do inciso II inicia imediatamente após a morte do querelante ou de sua


incapacidade. A preferência entre os sucessores tratada no art. 36 do CPP também se aplica aqui.

Ressalta-se que, quanto ao inciso III, não há necessidade de que o pedido de condenação seja
realizado de maneira expressa. No entanto, se houver a ausência não justificada do advogado do querelante
na audiência una de instrução e julgamento, entende-se que houve perempção, pois não haverá alegações
finais requerendo a condenação.

Atenção! Como exceção à hipótese do inciso III, tem-se que a ausência na audiência de conciliação
do art. 520 do CPP, que trata sobre o procedimento dos crimes contra a honra, não deve ser entendida como
perempção, mas sim como demonstração inequívoca de que não deseja a reconciliação.

Havendo pluralidade de infrações, é possível que a perempção seja reconhecida em face de apenas
uma delas.

13. OUTRAS HIPÓTESES DE AÇÃO PENAL

Além das espécies de ação penal estudadas até agora, a doutrina aponta outras, que por vezes
podem aparecer em prova:

13.1. Ação penal popular

Parte da doutrina aponta sua existência em duas hipóteses: habeas corpus, no sentido de que pode
ser impetrado por qualquer pessoa em favor de qualquer pessoa, e a possibilidade de qualquer cidadão
poder oferecer denúncia por crime de responsabilidade contra determinados agentes políticos.

Entretanto, nenhuma das duas hipóteses consiste na possibilidade de qualquer pessoa ajuizar ação
penal condenatória, como ocorre com a ação popular no processo civil. Ademais, os crimes de
responsabilidade são, na realidade, infrações de natureza política e não criminal.

13.2. Ação penal adesiva

Existente no direito alemão, consiste na possibilidade de o Ministério Público ingressar com ação
penal pública mesmo nos casos de ação penal privada, desde que visualize um interesse público. O ofendido
consiste em parte acessória.

No direito processual penal brasileiro, não existe essa possibilidade. O instituto que chegaria mais
perto seria a possibilidade de o ofendido atuar como assistente da acusação (art. 268) ao lado do Ministério

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

Público, tendo em vista que, no caso do direito alemão, ele seria um interveniente adesivo facultativo, não
havendo ação autônoma na hipótese brasileira.

Outra perspectiva apontada pela doutrina consiste na possibilidade de comporem o polo ativo, em
conjunto, o Ministério Público e o querelante no caso de conexão ou continência entre crimes de ação penal
pública e ação penal privada. Seria uma espécie de litisconsórcio, havendo duas peças acusatórias, quais
sejam, a queixa-crime da vítima e a denúncia do parquet.

13.3. Ação de prevenção penal

A doutrina chama aquela ajuizada com o objetivo de se aplicar exclusivamente medida de segurança
ao inimputável tratado no art. 26, caput, do CP. Nesse caso, será proferida sentença absolutória imprópria,
sem prejuízo de o acusado ser absolvido por outras causas, tais quais atipicidade e extinção de punibilidade.

13.4. Ação penal sem demanda, ação penal de ofício (ex officio) ou jurisdição
sem ação

A ação penal é deflagrada pelo juiz ou pelo delegado de polícia por meio de portaria ou auto de prisão
em flagrante, dando início ao processo judicialiforme.

Obviamente, desde a CF/88, com a previsão de titularidade privativa da ação penal pelo Ministério
Público e o sistema acusatório, qualquer dispositivo legal que determine outro legitimado para a ação penal
pública não foi recepcionado pela Constituição, de modo que a ação penal sem demanda não subsiste em
nosso ordenamento jurídico.

A hipótese que mais se assemelharia a esse caso seria a possibilidade de qualquer juiz ou tribunal
conceder ordem de habeas corpus de ofício, nos termos do art. 654, §2º, do CPP.

13.5. Ação penal secundária

Configura-se quando a lei estabelece uma espécie de ação penal para determinado delito, porém,
havendo circunstâncias especiais, passa a prever, secundariamente, uma nova espécie de ação penal.

É o caso dos crimes contra a honra, que, em regra, são de ação penal privada (art. 145, caput, do CP),
mas, configurando-se injúria racial, a ação passa a ser pública condicionada à representação (art. 145,
parágrafo único, do CP).

14. PEÇA ACUSATÓRIA

Nos crimes de ação penal pública, a peça acusatória é denominada denúncia, enquanto que nos
crimes de ação penal privada, ela é denominada queixa-crime.

A denúncia consiste no ato processual por meio do qual o Ministério Público manifesta a vontade de
persecução penal de determinado delito, cujo objetivo é a aplicação de sanção penal ao culpado.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

Da mesma forma, a queixa-crime consiste em peça processual subscrita por advogado constituído
por meio de procuração com poderes especiais por meio da qual o querelante requer a aplicação de pena
ao suposto autor do delito.

Atenção! Nos Juizados Especiais Criminais, a denúncia e a queixa-crime podem ser apresentadas
oralmente, as quais serão reduzidas a termo (art. 77, caput e §3º, da Lei n.º 9.099/95).

14.1. Requisitos

De acordo com o art. 41 do CPP, são requisitos da peça acusatória:

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas
circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa
identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

A doutrina aponta outros requisitos: endereçamento da peça acusatória, redação em vernáculo,


razões de convicção ou presunção de delinquência, subscrição da peça por membro do Ministério Público ou
pelo advogado do querelante e recolhimento de custas, no caso de queixa-crime:

14.1.1. Redação em vernáculo


A peça deverá ser redigida em português, o que se pode extrair de outros dispositivos do CPP: arts.
193, 223, 236 e 784, §1º.

14.1.2. Endereçamento
Consiste na indicação do órgão jurisdicional a quem a peça acusatória é dirigida. Entretanto, não
consiste em requisito essencial, tendo em vista que o erro no endereçamento não invalida a peça.

14.1.3. Qualificação do acusado


Requisito essencial a fim de se saber contra quem a ação penal está sendo movida. Portanto,
individualiza-se o acusado por seu nome, estado civil, número de identidade, CPF etc.

Entretanto, nem sempre é possível fazê-lo, pelo fato de sua qualificação completa ser desconhecida.
Nesse caso, não haverá óbice para o oferecimento da peça, desde que os elementos apresentados para sua
identificação permitam identificá-lo, diferenciando-o de outras pessoas:

Art. 259. A impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou


outros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física. A
qualquer tempo, no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença, se for
descoberta a sua qualificação, far-se-á a retificação, por termo, nos autos, sem prejuízo da
validade dos atos precedentes.

Sobre o assunto, o STJ, inclusive, já decidiu que anexar fotografia do acusado aos autos viola direitos
constitucionais como a honra, a imagem e a dignidade da pessoa humana.

14.1.4. Exposição do fato delituoso com todas as suas circunstâncias

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Aqui, é necessário que a parte acusatória apresente os elementos essenciais, definidos como aqueles
necessários para identificar a conduta como fato típico. A ausência de elemento essencial é causa de nulidade
absoluta, sendo o prejuízo para a defesa presumido.

Por outro lado, os elementos acidentais ou acessórios, que são circunstâncias identificadoras ou
individualizadoras ligadas ao tempo e espaço, quando ausentes, nem sempre são relevantes para a reação
do acusado. Portanto, não são causa de nulidade absoluta, mas sim relativa, devendo o prejuízo ser
comprovado.

Sobre o assunto, os tribunais superiores entendem que não pode haver a acusação de determinado
sujeito apenas pela posição hierárquica que ele ocupa:

Inexistindo a demonstração do mínimo vínculo entre o acusado e o delito a ele imputado,


impossibilitado está o exercício do contraditório e da ampla defesa.
[STJ. 6ª Turma. RHC 154.162-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 22/3/2022 (Info
730)].

A mera posição hierárquica do querelado como titular da empresa de comunicação não é


suficiente para o recebimento da queixa-crime. Seria necessário que o querelante tivesse
descrito e apontado elementos indiciários que evidenciassem a vontade e consciência do
querelado de praticar os crimes imputados.
Não tendo isso sido feito, a queixa-crime deve ser rejeitada por manifesta ausência de justa
causa. [STF. 1ª Turma. Pet 5660/PA, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14/3/2017 (Info 857)].

A denúncia contra Prefeito por crime ocorrido em licitação municipal deve indicar, ao
menos minimamente, que o acusado tenha tido participação ou conhecimento dos fatos
supostamente ilícitos. O Prefeito não pode ser incluído entre os acusados unicamente em
razão da função pública que ocupa, sob pena de violação à responsabilidade penal
subjetiva, na qual não se admite a responsabilidade presumida. [STF. 1ª Turma. AP 912/PB,
Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/3/2017 (Info 856)].

Não há óbice para que a denúncia invoque a teoria do domínio do fato para dar suporte à
imputação penal, sendo necessário, contudo, que, além disso, ela aponte indícios
convergentes no sentido de que o Presidente da empresa não só teve conhecimento do
crime de evasão de divisas, como dirigiu finalisticamente a atuação dos demais acusados.
Assim, não basta que o acusado se encontre em posição hierarquicamente superior. Isso
porque o próprio estatuto da empresa prevê que haja divisão de responsabilidades e, em
grandes corporações, empresas ou bancos há controles e auditorias exatamente porque
nem mesmo os sócios têm como saber tudo o que se passa. [STF. 2ª Turma. HC 127397/BA,
Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 6/12/2016 (Info 850)].

É inepta a denúncia que, ao imputar a sócio a prática dos crimes contra a ordem tributária
previstos nos incisos do art. 1º da Lei 8.137/1990, limita-se a transcrever trechos dos tipos
penais em questão e a mencionar a condição do denunciado de administrador da sociedade
empresária que, em tese, teria suprimido tributos, sem descrever qual conduta ilícita
supostamente cometida pelo acusado haveria contribuído para a consecução do resultado
danoso.
O simples fato de o acusado ser sócio e administrador da empresa constante da denúncia
não pode levar a crer, necessariamente, que ele tivesse participação nos fatos delituosos,
aponto de se ter dispensado ao menos uma sinalização de sua conduta, ainda que breve,
sob pena de restar configurada a repudiada responsabilidade criminal objetiva. [STJ. 6ª
Turma. HC 224728-PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 10/6/2014 (Info 543)].

Importa ressalta que, nos crimes societários, não se exige a descrição minuciosa e detalhada das
condutas de cada autor, bastando a descrição do fato típico, das circunstâncias comuns, os motivos do crime
e indícios suficientes da autoria, ainda que sucintamente, a fim de garantir o direito à ampla defesa e
contraditório:

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

Nos crimes de autoria coletiva, não é necessária a descrição MINUCIOSA e


INDIVIDUALIZADA da ação de cada acusado.
Basta que o MP narre as condutas delituosas e a suposta autoria, com elementos suficientes
para garantir o direito à ampla defesa e ao contraditório.
Embora não seja necessária a descrição PORMENORIZADA da conduta de cada denunciado,
o Ministério Público deve narrar qual é o vínculo entre o denunciado e o crime a ele
imputado, sob pena de ser a denúncia inepta. [STJ. 5ª Turma. HC 214861-SC, Rel. Min.
Laurita Vaz, julgado em 28/2/2012]

É necessário, no entanto, que haja o mínimo de individualização da conduta. Se a denúncia se limita


a descrever a posição hierárquica do denunciado, ela deverá ser considerada inepta. Isso, na prática,
significaria adotar a responsabilização objetiva na esfera penal.

Por fim, apesar das críticas doutrinárias, tendo em vista a previsão do art. 385 do CPP, os tribunais
superiores entendem que não é necessário que a peça acusatória aponte as circunstâncias agravantes do
art. 61 do CP:

Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda
que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes,
embora nenhuma tenha sido alegada.

14.1.5. Classificação do crime


Aqui, não basta o nomen juris do delito, mas é sim necessária a indicaçãodo dispositivo legal em
que há a previsão da pena. Porém, não consiste em requisito obrigatório, uma vez que se entende que, no
processo penal, o acusado defende-se dos fatos imputados e não da sua classificação jurídica.

14.1.6. Razões de convicção ou presunção de delinquência


Consiste na indicação do lastro probatório da ação penal, sejam depoimentos colhidos, laudos
periciais e outros elementos de informação. É requisito essencial, tendo em vista que sua ausência é motivo
de rejeição da peça acusatória por ausência de justa causa (art. 395, III, do CPP).

Inclusive, trata-se de hipótese em que é possível a condenação do querelante ao pagamento


de honorários advocatícios:

É possível condenar o querelante em honorários advocatícios sucumbenciais na hipótese


de rejeição de queixa-crime por ausência de justa causa. [STJ. 3ª Seção. EREsp 1218726-RJ,
Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 22/6/2016 (Info 586)]

14.1.7. Rol de testemunhas


Na realidade, não é requisito essencial, pois nem sempre os fatos criminosos terão testemunhas,
havendo situações em que a prova é apenas documental. No entanto, havendo testemunhas, a ausência de
apresentação de seu rol, pela acusação na peça inaugural e peladefesa na resposta à acusação, é causa de
preclusão temporal.

A título de complementação, segue tabela do número máximo de testemunhas em cada espécie de


procedimento no processo penal:

ESPÉCIE DE PROCEDIMENTO NÚMERO DE TESTEMUNHAS


Procedimento comum ordinário 8
Procedimento comum sumário 5

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Procedimento sumaríssimo 3
Primeira fase do procedimento do tribunal do júri 8
Segunda fase do procedimento do tribunal do júri 5
Lei de Drogas 5

Ressalta-se que esse número máximo é por fato imputado. Da mesma forma, o número máximo é
para cada acusado. Ou seja, no procedimento comum ordinário, se houver dois fatos imputados ou dois
acusados, podem ser apresentadas 8 testemunhas para cada, totalizando 16. Por fim, não são computadas
as testemunhas referidas, as que não prestam compromisso e as que nada souberem.

14.1.8. Subscrição pelo membro do Ministério Público ou advogado do


querelante
A ausência desse requisito causa a inexistência da peça acusatória. Porém, não é caso de sua rejeição
imediata, caso não haja dúvidas sobre a autenticidade da peça. Na atualidade, com a assinatura digital nos
processos eletrônicos, é improvável que venha a acontecer de uma peça não a conter.

14.1.9. Procuração
O CPP exige que a procuração outorgue poderes especiais ao advogado do querelante:

Art. 44. A queixa poderá ser dada por procurador com poderes especiais, devendo constar
do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo
quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente
requeridas no juízo criminal.

Eventuais irregularidades na procuração são consideradas sanadas se o querelante também houver


assinado a queixa-crime. Não sendo o caso, a doutrina aponta que é possível haver o saneamento de
irregularidades a qualquer tempo. Porém, o STJ e a 2ª Turma do STF entendem que o vício deve ser corrigido
antes do fim do prazo decadencial de 6 meses, sob pena de decadência e extinção da punibilidade.

Quanto ao requisito de “menção do fato criminoso” constante no dispositivo acima, há uma


divergência entre o STJ e o STF sobre seu significado:

POSIÇÃO DO STJ POSIÇÃO DA 2ª TURMA DO STF


Significa que, na procuração, basta que seja Significa que, na procuração, deve ser
mencionado o tipo penal ou o nomen iuris do individualizado o evento delituoso, não bastando
crime, não precisando identificar a conduta. que apenas se mencione o nomen iuris do crime.
Não é necessário que se narre o fato Vale ressaltar, no entanto, que não é
criminoso na procuração, bastando que se indique necessária uma descrição minuciosa,
o nome do querelado e o artigo do Código Penal que pormenorizada, ou seja, com detalhes.
ele teria praticado. STF. 2ª Turma. RHC 105920/RJ, Rel. Min. Celso de
STJ. 5ª Turma. HC 119.827/SC, Rel. Min. Jorge Mello, julgado em 8/5/2012 (Info 665).
Mussi, julgado em 15/12/2009

14.1.10. Recolhimento de custas na queixa-crime


Trata-se de exigência do CPP:

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

Art. 804. A sentença ou o acórdão, que julgar a ação, qualquer incidente ou recurso,
condenará nas custas o vencido.

Art. 805. As custas serão contadas e cobradas de acordo com os regulamentos expedidos
pela União e pelos Estados.

Art. 806. Salvo o caso do art. 32, nas ações intentadas mediante queixa, nenhum ato ou
diligência se realizará, sem que seja depositada em cartório a importância das custas.
§1º Igualmente, nenhum ato requerido no interesse da defesa será realizado, sem o prévio
pagamento das custas, salvo se o acusado for pobre.
§2º A falta do pagamento das custas, nos prazos fixados em lei, ou marcados pelo juiz,
importará renúncia à diligência requerida ou deserção do recurso interposto.
§3º A falta de qualquer prova ou diligência que deixe de realizar-se em virtude do não-
pagamento de custas não implicará a nulidade do processo, se a prova de pobreza do
acusado só posteriormente foi feita.

O STJ, inclusive, entende que cabe condenação em honorários advocatícios, por aplicação subsidiária
do CPC:

O princípio geral da sucumbência é aplicável no âmbito do processo penal quando se tratar


de ação penal privada. Em outras palavras, é possível haver condenação em honorários
advocatícios em ação penal privada.
Assim, julgada improcedente a queixa-crime, é cabível a condenação do querelante ao
pagamento dos honorários sucumbenciais ao advogado do querelado.
Conclusão que se extrai da incidência dos princípios da sucumbência e da causalidade, o
que permite a aplicação analógica do art. 85 do CPC/2015, conforme previsão constante
no art. 3º do CPP.
[STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 992.183/DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em
7/6/2018]
[STJ. Corte Especial. EDcl na APn 881/DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 3/10/2018]

14.2. Prazo para oferecimento

O prazo para o oferecimento da denúncia é tratado no art. 46:

Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias,
contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito
policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver
devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que
o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.
§1º Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento
da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informações ou a
representação

Quanto à ação penal privada, o art. 46 não dispõe sobre o prazo. Entretanto, entende-se que o
exercício da ação penal pode ser realizado dentro do prazo decadencial de 6 (seis) meses.

No caso de acusado preso, eventual atraso de poucos dias não gera qualquer constrangimento ilegal,
tendo em vista que se entende que o prazo para a conclusão do processo é global, sendo possível haver uma
compensação na fase processual.

Atenção! O prazo previsto no CPP é norma geral, havendo prazos diversos previstos nas leis
especiais:

• Lei de Drogas (art. 54 da Lei n.º 11.343/06): prazo de 10 (dez) dias, estando o acusado preso ou
solto.

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• Crimes contra a economia popular (art. 10, §2º, da Lei n.º 1.521/51): prazo de 2 (dois) dias,
estando o acusado preso ou solto.

• Código Eleitoral (art. 357, caput): prazo de 10 (dez) dias, estando o acusado preso ou solto.

• Crimes falimentares (art. 187, §1º, da Lei n.º 11.101/05): prazo de 15 (quinze) dias após a
apresentação da exposição circunstanciada de que trata o art. 186, se o acusado estiver
solto.

Após os decursos desses prazos, surge para o ofendido a possibilidade de ajuizar ação penal privada
subsidiária da pública.

14.3. Acusação genérica x acusação geral

Trata-se de diferenciação feita por Eugênio Pacelli de Oliveira, tendo em vista a controvérsia sobre
denúncias genéricas em crimes societários.

ACUSAÇÃO GENÉRICA ACUSAÇÃO GERAL


Ocorre quando a acusação imputa vários fatos Ocorre quando a acusação imputa a todos
típicos genericamente a todos os integrantes da indistintamente o mesmo fato,
sociedade, não sendo possível saber quem agiu de independentemente das funções exercidas pelos
qual maneira, sem especificar concretamente a autores na sociedade
conduta ou o agente.
A peça acusatória não deve ser considerada
inepta, desde que o fato seja certo. A questão
quanto a conduta de cada um dos agentes é
É hipótese de inépcia da inicial, por dificultar o
matéria de prova, a ser demonstrada na instrução
exercício da ampla defesa e da individualização da
processual, e não pressuposto processual. Se
pena.
comprovado que algum acusado não
desempenhava funções de gerência ou
administração, ele deve ser absolvido.

Dessa forma, em crimes de autoria coletiva, admite-se a imputação geral aos acusados.

14.4. Cumulação de imputação

Ocorre cumulação quando constar na denúncia ou queixa-crime mais de uma imputação. Pode ser
objetiva ou subjetiva.

CUMULAÇÃO OBJETIVA CUMULAÇÃO SUBJETIVA


Ocorre quando houver a narrativa de dois oumais Ocorre quando a imputação é feita a dois oumais
fatos delituosos acusados
É possível haver cumulação objetiva ou subjetiva no processo penal, uma vez que não há prejuízo ao
exercício da defesa. Em regra, ela ocorre no oferecimento da peça acusatória, conjugando-se os pedidos em
uma só denúncia ou queixa. No entanto, pode ocorrer posteriormente, quando reconhecida alguma das
hipóteses de conexão ou continência ou de aditamento da denúncia,com base no art. 569 do CPP.

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14.5. Imputação alternativa

A imputação é alternativa quando a peça acusatória atribui ao acusado mais de uma conduta,
apresentando todas as prováveis, porém indicando que ele praticou apenas uma delas. Assim, fica expresso
na denúncia ou na queixa que se trate de um ou outro fato narrado.

A imputação alternativa pode ser objetiva ou subjetiva.

IMPUTAÇÃO ALTERNATIVA OBJETIVA IMPUTAÇÃO ALTERNATIVA SUBJETIVA


Refere-se à alternatividade de dados objetivos do Envolve o sujeito passivo da imputação. Ela se
fato. Há duas espécies: ampla e restrita. subdivide em simples e complexa.
Simples: a alternatividade decorre de dúvida sobrea
Imputação alternativa objetiva ampla: incide autoria do crime. Ex.: os investigados acusam-se
sobre a ação principal. Ex.: furto ou receptação. reciprocamente do cometimento do fato, havendo
depoimentos contraditórios
Complexa: abrange tanto o autor do delito quanto a
Imputação alternativa objetiva restrita: refere-se
infração penal. Ex.: particular é acusado de corrupção
à circunstância qualificadora. Ex.: furto qualificado
ativa, mas há dúvidas de solicitação de vantagem pelo
pelo rompimento de obstáculo ou mediante
funcionário público, configurando- se corrupção
escalada.
passiva.

A imputação objetiva ainda pode ser classificada como originária ou superveniente. A originária
ocorre quando já presente na inicial acusatória, enquanto que a superveniente resulta de aditamento da
peça nos casos de mutatio libelli (art. 384 do CPP).

A doutrina majoritária não aceita a imputação alternativa, tendo em vista que acarreta dificuldade
de exercício do direito de defesa. Dessa forma, configura-se causa de nulidade absoluta. Ademais, em caso
de aditamento da denúncia, o art. 384, §4º, do CPP determina que o juiz está adstrito aos termos do
aditamento, ou seja, ao fato superveniente.

14.6. Aditamento da denúncia

No caso de surgirem fatos novos dos quais as partes não tinham conhecimento quando do
oferecimento da peça acusatória, é possível que seja necessária a realização de aditamento da denúncia,
acrescentando ou complementando-a. No entanto, se o novo fato não guardar relação de conexão ou
continência com o narrado na inicial, não há justificativa para se realizar o aditamento da denúncia, mas sim
haver o oferecimento de nova denúncia.

O aditamento pode ser feito desde o oferecimento da denúncia até o momento anteriorà sentença.
Ressalta-se que não é necessária concordância do acusado para a realização do aditamento. Ademais, o
aditamento é opcional ao Ministério Público, que pode considerar ser melhor oferecer nova denúncia.

O aditamento pode ser classificado da seguinte forma:

Aditamento Acrescentam-se fatos delituosos, qualificadoras ou causas


ADITAMENTO
próprio real de aumento de pena ao fato já imputado ou fato novo,
PRÓPRIO
material imputando outro crime.

347
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

Aditamento róprio Acréscimo de dispositivos legais penais ou processuais,


real legal alterando a classificação ou rito processual, sem inovar no
fato.
Aditamento
Inclusão de coautores e partícipes.
próprio pessoal
Não se acrescenta fato novo ou outro acusado, mas apenas
ADITAMENTO IMPRÓPRIO corrige falhas na denúncia (art. 569 do CPP). Ex.: equívoco
na qualificação do acusado.
Fundamentado no princípio da obrigatoriedade e no sistema
ADITAMENTO ESPONTÂNEO acusatório, não havendo necessidade de o juiz provocar o
Ministério Público.
O juiz provoca o Ministério Público, exercendo sua função
ADITAMENTO PROVOCADO anômala de fiscal do princípio da obrigatoriedade. É o caso
de mutatio libelli

Importa ressaltar que, havendo aditamento próprio real, sendo novo fato delituoso incluído na
demanda, a interrupção da prescrição quanto a ele ocorre com o recebimento do aditamento pelo juiz.

Ainda, segundo o art. 45 do CPP, o Ministério Público pode aditar a queixa-crime ainda que a ação
seja de iniciativa privada. No entanto, não pode acrescentar novos autores ou fatos delituosos, restringindo-
se quanto às circunstâncias de tempo, lugar e modus operandi, admitindo-se apenas o aditamento
impróprio. Porém, no caso de ação penal privada subsidiária da pública, sendo ainda de natureza pública, o
parquet é livre para proceder ao aditamento.

Quanto à queixa-crime, a doutrina majoritária não admite o aditamento do art. 384, caput, do CPP
pelo próprio querelante. No entanto, é possível defender sua possibilidade com base na análise se as
omissões foram voluntárias ou involuntárias, como já estudado.

Outros aspectos do aditamento da peça acusatória serão estudados futuramente.

15. DISPOSITIVOS LEGAIS RELACIONADOS AO CAPÍTULO

Destaca-se os arts. 24 a 62 do CPP.

QUESTÕES DE CONCURSO
1. (2021 / Banca: CESPE / CEBRASPE / Órgão: MPE-AP / Prova: Promotor de Justiça
Substituto) A respeito da aplicação dos princípios norteadores do processo penal na ação penal,
assinale a opção correta.
a) O princípio da indivisibilidade afasta a possibilidade de aditamento da queixa-crime.
b) Na ação penal pública, o oferecimento de denúncia em relação a um dos agentes, mas não aos
outros, impõe a instauração de novo processo.
c) O princípio da obrigatoriedade da ação penal pública não comporta mitigação.
d) A ação penal privada subsidiária da pública caracteriza exceção ao princípio da oficialidade.
e) O pedido de absolvição do réu pelo Ministério Público encontra embasamento no princípio da
disponibilidade da ação penal.

2. (2021 / Banca: FGV / Órgão: PC-RN / Prova: Delegado de Polícia Civil Substituto) Ao sair de
sua casa, em 17/05/2020, Miriam foi surpreendida por faixa anônima estendida na via pública com

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

diversas ofensas à sua honra. Diante da humilhação sofrida, Miriam deixou o país e foi morar no
exterior sem se interessar em descobrir o responsável pelos fatos. Em 03/01/2021, Miriam recebeu
mensagem de Sandra, sua antiga vizinha, confessando ser ela a autora das ofensas, bem como
esclarecendo que informou os fatos ao delegado de polícia, em razão de seu arrependimento.
Miriam entrou em contato com seu advogado, em 25/01/2021, para esclarecimentos jurídicos,
informando que permanece no exterior. O advogado deverá esclarecer naquela data que o crime
praticado seria de injúria, de ação penal privada, logo:
a) a abertura do inquérito policial poderá ser determinada pela autoridade policial, diretamente,
mas a ação penal depende da iniciativa da vítima;
b) a abertura do inquérito policial não poderá ser determinada pela autoridade policial nem
requerida por Miriam, pois operou-se o prazo prescricional para representação;
c) a queixa-crime poderá ser oferecida por Miriam, mas, se através de procurador, exigem-se
poderes especiais;
d) a inicial acusatória não poderá ser oferecida por Miriam, pois operou-se o prazo decadencial;
e) a queixa-crime poderá ser oferecida por Miriam, pessoalmente ou por procurador sem poderes
especiais.

3. (2021 / Banca: MPDFT / Órgão: MPDFT / Prova: Promotor de Justiça Adjunto) Considere as
assertivas abaixo:
I. A renúncia ao exercício da ação penal privada consiste na abdicação do direito de sua propositura
e depende de aceitação pela parte adversa.
II. O princípio da indivisibilidade da ação penal privada não se aplica à ação penal pública
incondicionada, pois nesta é permitido o aditamento ou até o posterior oferecimento de outra
denúncia pelo Ministério Público.
III. No processo e julgamento dos crimes contra a propriedade imaterial, no caso de haver o crime
deixado vestígio, a queixa ou a denúncia não será recebida se não for instruída com o exame pericial
dos objetos que constituam o corpo de delito.
A partir do que fora exposto, é possível dizer:
a) As assertivas I, II e III estão corretas.
b) As assertivas I e III estão corretas.
c) As assertivas I, II e III estão incorretas.
d) As assertivas I e II estão corretas.
e) As assertivas II e III estão corretas.

4. (2020 / Banca: CESPE / CEBRASPE / Órgão: MPE-CE / Prova: Promotor de Justiça de


Entrância Inicial) João sofreu calúnia, mas veio a falecer dentro do prazo decadencial de seis
meses, antes de ajuizar ação contra o ofensor. Ele não tinha filhos e mantinha um relacionamento
homoafetivo com Márcio, em união estável reconhecida. João era filho único e tinha como parente
próximo sua mãe. Nessa situação hipotética, o ajuizamento de ação pelo crime de calúnia
a) somente poderá ser promovido pela mãe de João.
b) poderá ser realizado pelo Ministério Público.
c) poderá ser realizado por Márcio.
d) não é cabível, haja vista a morte de João
e) deverá ser realizado por curador especial, a ser nomeado para essa finalidade.

5. (2019 / Banca: CESPE / Órgão: DPE-DF / Prova: Defensor Público) A sentença proferida em
ação de prevenção penal será exclusivamente de absolvição, ainda que aplique especificamente
medida de segurança aos inimputáveis que praticarem fato definido como crime ou contravenção
penal.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

6. (2019 / Banca: CESPE / Órgão: DPE-DF / Prova: Defensor Público) Em se tratando de


contravenção penal punida com pena de multa, admite-se subsidiariamente, em caso de inércia do
Ministério Público, a ação penal sem demanda.
7. (2022 / Banca: CESPE / CEBRASPE / Órgão: DPE-SE / Prova: Defensor Público) A
legitimidade para oferecimento de ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão
do exercício de suas funções é do
a) ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação, de forma
cumulativa.
b) ofendido, exclusivamente, mediante queixa.
c) Ministério Público, exclusivamente, mediante representação.
d) Ministério Público, exclusivamente, mediante ação penal pública incondicionada.
e) ofendido e do Ministério Público nesse caso, independentemente de representação.

8. (2022 / Banca: CESPE / CEBRASPE / Órgão: DPE-PI / Prova: Defensor Público) Consoante
a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a do Superior Tribunal de Justiça, em regra, no
caso de crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher, a ação penal
será
a) pública incondicionada.
b) pública condicionada.
c) privativa da ofendida.
d) privada personalíssima.
e) pública, mediante representação.

COMENTÁRIOS

1. GABARITO: Alternativa D.
O princípio da oficialidade é aquele segundo o qual a atribuição da legitimidade para a
persecução penal a órgãos oficiais do Estado. Na ação penal de iniciativa privada, aplica-se apenas
na fase pré-processual, tendo em vista que é o particular que move a ação, o que caracteriza sua
mitigação.

2. GABARITO: Alternativa C.
A alternativa está de acordo com o art. 44 do CPP. A alternativa A está incorreta, uma vez
que, por se tratar de ação privada, a investigação não pode ser iniciada pela autoridade policial sem
requerimento da vítima (art. 5º, §5º).
Pelo mesmo dispositivo legal, a alternativa B está incorreta, pois é Miriam quem tem que
requerer a abertura do inquérito policial.
No caso da questão, não se operou decadência, pois o prazo só começa a contar quando
do conhecimento da autoria do crime (art. 38), motivo pelo qual a alternativa D está equivocada. A
alternativa E está errada porque o art. 44 do CPP exige poderes especiais.

3. GABARITO: Alternativa E.
A assertiva I está incorreta, pois a renúncia é ato unilateral, não necessitando da aceitação
da parte contrária.
A assertiva II está correta, sendo o entendimento pacífico da jurisprudência. A assertiva III
está correta, pois é o que dispõe a Súmula 574 do STJ.

4. GABARITO: Alternativa C.
O STJ firmou tese no sentido de que a companheira, em união estável homoafetiva
reconhecida, goza do mesmo status de cônjuge para o processo penal, possuindo legitimidade para

350
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR. DIREITO PROCESSUAL PENAL• 2

ajuizar a ação penal privada (Corte Especial. APn 912-RJ, Info 654). Tendo em vista o
reconhecimento pelo STF da legitimidade da união estável homoafetiva, esse entendimento se
aplica a ela também.

5. GABARITO: ERRADO.
Nas ações de prevenção é possível ter-se sentença declaratória, como de extinção da
punibilidade pela prescrição, que não se confunde com a de absolvição.

6. GABARITO: ERRADO.

A ação penal sem demanda é a iniciada pelo juiz ou pelo delegado de polícia por meio de portaria ou auto de
prisão em flagrante, dando início ao processo judicialiforme. Desde a CF/88, ela não é mais aceita no nosso
ordenamento jurídico.

7. GABARITO: Alternativa A. Consiste no entendimento consolidado na Súmula 714 do STF.

8. GABARITO: Alternativa A. Consiste no entendimento consolidado na Súmula 542 do STJ.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

3 DA JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA (ARTS. 69 A 91, CPP)

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

1. JURISDIÇÃO

Por jurisdição entende-se "o poder atribuído, constitucionalmente, ao Estado para aplicar a lei ao
caso concreto, compondo litígios e resolvendo conflitos", substituindo a vontade das partes, reconhecendo,
satisfazendo ou assegurando o direito material de um dos polos da relação jurídica processual instaurada
(NUCCI, 2016, p. 156).

Nesse contexto, considerando que, via de regra, a autotutela resta vedada, "coube ao Poder
Judiciário a missão constitucional de certificar o direito, dirimindo as demandas que lhe são apresentadas"
(TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 375).

Portanto, em regra, o poder de aplicar o direito ao caso concreto compete ao Poder Judiciário,
contudo, a própria Constituição Federal outorga a outros órgãos o exercício da jurisdição em situações
específicas, como ocorre com o julgamento pelo Senado Federal de determinadas autoridades da República
por crimes de responsabilidade, nos termos do art. 52 da CF/88 (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 375).

Assim, embora o exercício da jurisdição seja naturalmente vinculado ao Poder Judiciário,não se trata
de uma competência exclusiva dos juízes e tribunais pátrios, o que se mostra bastante relevante para provas
de concurso público.

1.1. Características da jurisdição

Aduz a doutrina que a jurisdição é dotada de algumas características importantes, destacando-se:

1.1.1. Substitutividade
Considerando que, em regra, não há possibilidade de autotutela, salvo em casos excepcionais,
compete ao Estado-juiz, substituindo a vontade das partes, resolver os litígios a ele apresentados, sendo a
substitutividade característica essencial do processo penal, já que somente o Estado pode aplicar uma sanção
penal a alguém (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 385).

1.1.2. Inércia
A instauração da ação penal depende de iniciativa das partes, restando vedado ao juiz iniciá-la de
ofício, isto é, sem provocação de algum de seus legitimados. O princípio da inércia é relacionado com a
necessidade de justa composição do litígio e de absoluta imparcialidade dojulgador, garantias estas que
estariam comprometidas se fosse dada ao magistrado a faculdade de iniciar uma ação penal sem a
provocação dos legitimados constitucionais – Ministério Público, mediante denúncia, e o particular,
mediante queixa-crime. No processo penal condenatório, hoje, não há nenhuma exceção a esse princípio
(AVENA, 2017, p. 431).

No ponto, cumpre ressaltar que o art. 26 do CPP, o qual previa que a ação penal, nas contravenções,
seria iniciada com o APF ou por meio de portaria da autoridade judiciária ou policial (procedimento
judicialiforme), não foi recepcionado pela CF/88, porquanto, em se tratando de ação penal pública,
necessário o oferecimento de denúncia pelo MP (art. 129, I, CF/88).

1.1.3. Lide

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

Em teoria geral do processo, estuda-se que a lide é o conflito de interesses qualificado pela pretensão
resistida. No processo penal, discute-se a existência de uma lide propriamente dita, porquanto "a acusação
e a defesa estariam em busca do mesmo interesse, que é a realização de justiça", sendo, na esfera penal,
irrelevante a existência de conflito entre as partes, "pois o bem em jogo é indisponível" (TÁVORA; ALENCAR,
p. 48).

1.1.4. Atuação do direito


É objetivo da atuação jurisdicional "aplicar o direito ao caso concreto, restabelecendo-se a paz social
violada pela infração cometida" (TÁVORA; ALENCAR, p. 386).

Em relação à jurisdição processual penal, entende-se que seu exercício tem por finalidade primária
proteger a liberdade alheia, já que somente há falar em restrição da liberdade de alguém se respeitado o
devido processo legal. Secundariamente, a jurisdição penal objetiva a concretização pelo poder jurisdicional
das normas abstratamente trazidas pelo legislador (TÁVORA; ALENCAR, p. 386).

1.1.5. Imutabilidade
Objetivando a pacificação social, o exercício da jurisdição deve ter caráter definitivo, isto é, em regra,
o provimento jurisdicional, materializado na sentença penal transitada em julgado, não poderá sofrer
modificações, salvo exceções, a exemplo da revisão criminal em benefício do réu (TÁVORA; ALENCAR, p. 386).

1.2. Princípios gerais da jurisdição

Além das citadas características, a doutrina ainda anota que, no processo penal, o exercício da
jurisdição é regido por uma série de princípios, destacando-se:

1.2.1. Juiz Natural


Decorre da CF/88 ao dispor que ninguém será processado ou sentenciado por autoridade que não
tenha competência fixada em normas predeterminadas (art. 5º, inciso LIII), o que abrange, também, a
vedação ao juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, inciso XXXVII) (AVENA, 2017, p. 431).

Conforme será mais bem analisado no capítulo atinente aos sujeitos processuais, o princípio
constitucional do juiz natural exige que a determinação do juiz competente se dê por normas previamente
estabelecidas, vedando-se designações casuísticas. É dizer: mesmo antes do cometimento de determinada
infração penal, de antemão, já sabemos qual é o juízo competente para seu processo e julgamento.

1.2.2. Investidura
Apenas quem estiver legalmente investido de jurisdição poderá exercê-la, isto é, somente tais
sujeitos poderão aplicar o direito objetivo ao caso concreto (AVENA, 2017, p. 431).

1.2.3. Indeclinabilidade

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

Nenhum juiz pode subtrair-se ao exercício da jurisdição, restando vedado, nesse sentido, o chamado
non liquet, estando o magistrado, ainda que inexista norma específica para o caso, impossibilitado de se
abster de julgá-lo (AVENA, 2017, p. 431).

1.2.4. Inafastabilidade
De acordo com o art. 5º, inciso XXXV, CF/88, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito.

1.2.5. Improrrogabilidade
Na esfera criminal, mesmo que entrem em acordo, as partes não podem subtrair ao juízo natural o
conhecimento de determinada causa (NUCCI, 2016, p. 156).

1.2.6. Indelegabilidade
Não pode o julgador transferir o poder jurisdicional a quem não o possui (NUCCI, 2016, p. 156).

No ponto, interessante assentar que, no caso da carta precatória ou de ordem, não há delegação de
jurisdição, divergindo a doutrina quanto à natureza jurídica de tal fenômeno processual, isto é, se simples
ato de cooperação ou delegação de competência.

Parcela da doutrina sustenta que só há falar em delegação de competência propriamente dita no


caso da carta de ordem, tendo em vista que a autoridade expedidora poderia, por exemplo, produzir
determinada prova, mas prefere transferir essa atribuição a outro magistrado. Segundo essa parcela da
doutrina, no caso da carta precatória, há simples ato de cooperação, não havendo falar em delegação de
competência, porquanto o juízo deprecante não possui poderes para produzir a prova, por conta própria, no
juízo deprecado. Para eles, se o juízo deprecante não possui tal poder, por óbvio, não pode delegá-lo, já que
ninguém pode delegar aquilo que não possui (NUCCI, 2016, p. 157).

Noutro giro, parcela da doutrina sustenta que, "tanto na precatória quanto na carta de ordem
transmite-se a possibilidade de realizar atos jurisdicionais que a autoridade deprecada não poderia fazer sem
a autorização do deprecante". Para eles, o fato dessa autorização decorrer de lei não retira a característica
da delegabilidade da competência. Assim, para a referida parcela doutrinária, quando um juiz expede uma
carta precatória para oitiva de uma testemunha em Comarca diversa, não está delegando jurisdição ao juiz
da outra Comarca, porquanto este já a detém. Em verdade, o juiz deprecante está delegando o exercício da
competência, isto é, o limite para o exercício jurisdicional (NUCCI, 2016, p. 157).

1.2.7. Irrecusabilidade (ou inevitabilidade)


Salvo nos casos de impedimento ou suspeição do magistrado, que serão estudados em capítulo
próprio, não podem as partes recusar a atuação de determinado juiz (AVENA, 2017, p. 432).

1.2.8. Unidade

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

A jurisdição é una e indivisível, "diferenciando-se apenas no tocante à sua aplicação e ao grau de


especialização, podendo ser civil – federal ou estadual; penal – federal ou estadual; militar – federal ou
estadual; eleitoral ou trabalhista" (NUCCI, 2016, p. 156-157).

1.2.9. Correlação
Ao proferir sentença, o julgador deverá observar a exata correspondência entre sua decisão e os
fatos narrados na inicial acusatória. Em decorrência do princípio em voga, conforme será visto em capítulo
próprio, alterando-se a descrição fática da conduta, há necessidade de aditamento da inicial acusatória
(mutatio libelli), nos termos do art. 384 do CPP.

2. COMPETÊNCIA

Por competência entende-se a "delimitação da jurisdição, ou seja, o espaço dentro do qual pode
determinada autoridade judiciária aplicar o direito aos litígios que lhe forem apresentados, compondo-os"
(NUCCI, 2016, p. 171).

Assim, considerando que se mostra humanamente impossível que o um juiz sozinho decida todos os
litígios ocorridos, embora a jurisdição seja uma e indivisível, seu exercício deve ser partilhado entre diversos
órgãos jurisdicionais, funcionando a competência, nesse sentido, como o limite da jurisdição, isto é, "o
âmbito legislativamente delimitado, dentro do qual o órgão exerce o Poder Jurisdicional" (TÁVORA;
ALENCAR, p. 386).

2.1. ESPÉCIES DE COMPETÊNCIA

A doutrina pátria, tradicionalmente, tem dividido a competência em quatro espécies, a saber:

• Ratione materiae: nos termos do art. 69, inciso III, do CPP, a competência ratione materiae é
aquela fixada em razão da natureza da infração penal praticada, como ocorre, por exemplo, no
caso da competência do Tribunal do Júri para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida
(LIMA, 2019, p. 351);

• Ratione funcionae ou personae (foro por prerrogativa de função): nos termos do art. 69, inciso
VII, do CPP, determinadas pessoas, em razão das funções por elas desempenhadas, serão
processadas e julgadas originariamente por tribunais, como ocorre, por exemplo, com o
Presidente da República, que será processado e julgado, no caso de infração penal comum, pelo
Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, inciso I, alínea b, CF/88;

• Ratione loci: nos termos do art. 69, inciso I e II, do CPP, a competência ratione loci é determinada
em razão de critérios territoriais, isto é, objetiva identificar o juízo territorialmente competente
(foro competente). Tem por parâmetros o local da consumação do delito (regra geral), além do
domicílio ou residência do réu (TÁVORA; ALENCAR, p. 388);

• Competência formal: tem por critério de fixação os atos processuais, isto é, a competência é
fixada por meio da distribuição legal de funções dos julgadores ao longo de um mesmo processo

356
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

ou de um segmento ou de uma fase de seu regular desenvolvimento (LIMA, 2019, p. 352).


Subdivide-se em três espécies:

o Competência funcional por fase do processo: a depender da fase do processo, a


competência será exercida por determinado órgão jurisdicional, como ocorre, por
exemplo, na divisão de competência entre o juízo do processo e o juízo das execuções,
nos moldes dos arts. 65 e 66 da Lei de Execuções Penais (LIMA, 2019, p. 352);

o Competência funcional por objeto do juízo: cada órgão jurisdicional exerce a


competência em relação a determinadas questões específicas a serem decididas no
processo, como ocorre, por exemplo, no Tribunal do Júri, no qual compete ao Conselho
de Sentença o julgamento acerca da existência do fato delituoso e de sua autoria. Ao
juiz-presidente compete materializar a decisão dos jurados em sentença absolutória ou
condenatória, dosando a pena, além de decidir outras questões de direito surgidas no
decorrer da sessão de julgamento (LIMA, 2019, p. 352);

o Competência funcional por grau de jurisdição: a competência é dividida entre órgãos


jurisdicionais superiores e inferiores, havendo processos que já nascem nos Tribunais
(competência originária; competência por prerrogativa de função) e outros que os
alcançam por intermédio da interposição de recursos (princípio do duplo grau de
jurisdição) (LIMA, 2019, p. 352).

A doutrina, agrupando as espécies de competência funcional, diz que essa pode ser subdivida em
duas classificações:

• competência funcional horizontal: ocorre no caso da competência funcional por fase do processo
e por objeto do juízo, isto é, quando não existe hierarquia entre os órgãos jurisdicionais
envolvidos; e

• competência funcional vertical ou hierárquica: verifica-se no caso da competência funcional por


grau de jurisdição, na qual há hierarquia entre os órgãos jurisdicionais envolvidos (LIMA, 2019, p.
352-353).

2.1.1. Competência absoluta e competência relativa


a) Espécies

Apesar de não existir disposição legal expressa quanto ao ponto, a doutrina e a jurisprudência são
unânimes em dividir as espécies de competência em absoluta e relativa (LIMA, 2019, p. 353).

As competências do tipo absoluta, nas quais predomina o interesse público, têm origem em normas
constitucionais, sendo inseridas nessa categoria as seguintes espécies: 1) competência em razão da matéria
(ratione materiae); 2) competência por prerrogativa de função (ratione personae ou funcionae); e 3)
competência funcional (LIMA, 2019, p. 353).

Em contrapartida, a competência do tipo relativa, em que há a predominância do interesse das


partes, tem origem em normas infraconstitucionais, estando nela inseridas: 1) competência ratione loci (em
razão do local), seja pelo lugar da infração, seja pelo domicílio ou residência do réu; 2) competência por
prevenção (Súmula nº 706 do STF); 3) competência por distribuição; e 4) competência por conexão ou
continência (LIMA, 2019, p. 353).

357
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

COMPETÊNCIA ABSOLUTA COMPETÊNCIA RELATIVA


• Competência em razão da matéria (ratione • Competência ratione loci (em razão do local),
materiae); seja pelo lugar da infração, seja pelo domicílio ou
• Competência por prerrogativa de função residência do réu;
(ratione personae ou funcionae); e • Competência por prevenção (Súmula nº 706 do
• Competência funcional. STF);
• Competência por distribuição; e
• Competência por conexão ou continência.

b) Momento adequado para alegação e possibilidade de prorrogação

Conforme será mais bem analisado nos capítulos atinentes às exceções, nulidades e revisão criminal,
a incompetência absoluta, justamente pela predominância do interesse público, poderá ser alegada e/ou
reconhecida pelo juiz a qualquer momento, inclusive após o trânsito em julgado de eventual sentença penal
condenatória ou absolutória imprópria, não havendo, nesse sentido, a possibilidade de sua prorrogação.

Noutro giro, envolvendo interesse predominantemente privado, a incompetência relativa deve ser
arguida pela parte no momento oportuno, sob pena de preclusão. Isto é: caso não seja alegada pela parte no
momento processual adequado para tanto, haverá a prorrogação da competência, razão pela qual o juízo
relativamente incompetente tornar-se-á competente.

c) Possibilidade de reconhecimento de ofício da incompetência relativa no processo penal

No Processo Penal, não se aplica a Súmula nº 33 do STJ, sendo permitido que o juiz, de ofício, isto é,
sem necessidade de provocação das partes, reconheça a incompetência relativa, o queé muito importante
para as provas de concurso.

Assim, aqui no Processo Penal, tanto a incompetência absoluta quanto a incompetência relativa
podem ser reconhecidas de ofício pelo juiz, não havendo necessidade de arguição pelas partes, embora
existente a chamada exceção de incompetência, que será estudada em capítulo próprio.

d) Exceção de incompetência
Conforme será trabalhado com mais detalhes no capítulo atinente às exceções, embora exista
alguma divergência doutrinária quanto ao ponto, entende-se que, diferentemente do "processo civil, a
exceção de incompetência pode veicular tanto a incompetência absoluta quanto a relativa" (LIMA, 2017, p.
1122).

e) Consequências do reconhecimento da incompetência absoluta e da incompetência


relativa
Tal tema será estudado mais profundamente no capítulo atinente às nulidades, interessando-nos
assentar, nesse momento, que a doutrina majoritária rechaça a diferenciação entre as consequências
advindas da incompetência absoluta e da incompetência relativa, apegando-se à literalidade da norma

358
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

inserta no art. 567 do CPP63. Para eles, pouco importa se a nulidade é do tipo absoluta ou do tipo relativa.
Somente haverá necessidade de repetição dos atos decisórios, podendo ocorrer a simples ratificação dos
instrutórios, não havendo falar na necessidade de repetição desses últimos perante o juízo competente.

O STF, afastando-se da literalidade do artigo citado, a partir do julgamento do HC nº 83.006/SP, de


relatoria da Min. Ellen Gracie, passou a entender que, mesmo no caso de incompetência absoluta, poderá
haver a simples ratificação dos atos decisórios, que, por essa razão, não precisariam ser repetidos perante o
juízo competente.

f) Coisa julgada no caso de incompetência absoluta e incompetência relativa

Questionamento que pode aparecer nas provas de concurso diz respeito aos efeitos de eventual
sentença proferida por juízo incompetente.

No que diz respeito à incompetência relativa, bem tranquila se mostra a questão, porquanto,
havendo prorrogação de competência, seja pela não arguição da parte no momento oportuno, seja pelo não
reconhecimento de ofício pelo juízo, não há falar em juízo incompetente, já que a prorrogação de
competência o torna competente.

Logo, pouco importa o tipo de sentença proferida, isto é, se condenatória, absolutória própria,
absolutória imprópria ou extintiva da punibilidade; no caso de incompetência relativa, não há, por essa razão,
fundamento para eventual desconstituição da coisa julgada formada.

Em relação à incompetência absoluta, mister se faz diferenciar as espécies de sentença, já que


distintos os seus efeitos, a saber:

I. Sentenças absolutórias próprias

Nesses casos, considerando a impossibilidade de revisão criminal pro societate, isto é, em prejuízo
do réu, não há a possibilidade de desconstituição da coisa julgada formada. Logo, ainda que proferidas por
juízo absolutamente incompetente, as sentenças absolutórias próprias transitadas em julgado não podem
ser revistas. Trata-se, pois, de um excepcional caso de preclusão de uma nulidade absoluta;

Conforme será visto com mais detalhes no capítulo atinente às nulidades, via de regra, só há falar
em preclusão em relação às nulidades do tipo relativa. Contudo, diante da impossibilidade de revisão criminal
pro societate, sendo proferida sentença absolutória própria, ainda que viciada com nulidade absoluta, não
há possibilidade da desconstituição da coisa julgada formada, operando- se, nesse sentido, a preclusão de
uma nulidade absoluta.

II. Sentença extintiva da punibilidade


Assunto mais espinhoso diz respeito à possibilidade ou não de revisão criminal de sentença extintiva
da punibilidade, o que será verificado a depender do momento em que se deu a declaração da extinção da
punibilidade do agente;

Se a declaração da extinção da punibilidade ocorreu antes do trânsito em julgado da sentença penal


condenatória ou absolutória imprópria, como se verifica, por exemplo, na Prescrição da Pretensão Punitiva
(PPP), não será cabível. Em contrapartida, se ocorreu após o trânsito em julgado da sentença penal

63A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser
remetido ao juiz competente.

359
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

condenatória ou absolutória imprópria, como se dá, por exemplo, no caso de Prescrição da Pretensão
Executória (PPE), será admissível.
Assim, se uma sentença extintiva da punibilidade for proferida por juízo absolutamente
incompetente, em momento anterior ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória ou absolutória
imprópria, não há possibilidade de desconstituição da coisa julgada formada, comoocorrerá, por exemplo,
no caso de sentença que reconhece a PPP.
Noutro giro, se a sentença extintiva da punibilidade for proferida por juízo absolutamente
incompetente, em momento posterior ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória ou absolutória
imprópria, como ocorre, por exemplo, no caso do reconhecimento da PPE, haverá possibilidade de
desconstituição da coisa julgada formada, já que possível o ajuizamento de eventual revisão criminal.
No que diz respeito à sentença concessiva do perdão judicial, também chamada de "absolvição
anômala", não é cabível o manejo da revisão criminal, já que tal sentença não é do tipo condenatória ou
absolutória imprópria, mas, sim, "declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito
condenatório", a teor da Súmula n.º 18 do STJ (LIMA, 2017, p. 1813- 1814).
Logo, caso a concessão do perdão judicial se dê por juízo absolutamente incompetente, diante da
impossibilidade de ajuizamento da revisão criminal, não há falar na possibilidade de desconstituição da coisa
julgada formada.

III. Sentença condenatória ou absolutória imprópria

Caso a sentença proferida por juízo absolutamente incompetente seja do tipo condenatória ou
absolutória imprópria (aplicação de medida de segurança), diante da possibilidade de ajuizamento de revisão
criminal após o seu trânsito em julgado, admite-se a desconstituição da coisa julgada formada, razão pela
qual se diz que, nesses casos, a nulidade absoluta pode ser arguida a qualquer momento.

g) Quadro-resumo das principais características das competências absoluta e relativa

Para fins didáticos, foram compiladas as principais características das duas espécies de competência
no quadro abaixo:

COMPETÊNCIA ABSOLUTA COMPETÊNCIA RELATIVA


Há a predominância do interesse público. Há a predominância do interesse privado.
Origina-se de normas constitucionais. Origina-se de normas infraconstitucionais
Exemplos: competência em razão da matéria Exemplos: competência ratione loci (em razão do
(ratione materiae); competência por prerrogativa local), seja pelo lugar da infração, seja pelo
de função (ratione personae ou funcionae); e domicílio ou residência do réu; competência por
competência funcional prevenção (Súmula nº 706 do STF); competência
por distribuição; e competência por conexão ou
continência.
Poderá ser alegada e/ou reconhecida pelo juiz a Deve ser arguida pela parte no momento
qualquer momento, inclusive após o trânsito em oportuno, sob pena de preclusão. Isto é: caso não
julgado de eventual sentença penal condenatória seja alegada pela parte no momento processual
Pode ser reconhecida de ofício pelo juiz. Pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, não se
aplicando a Súmula nº 33 do STJ.
Apesar de alguma divergência doutrinária, entende- Apesar de alguma divergência doutrinária, entende-
se que pode ser arguida por meio de exceção de se que pode ser arguida por meio de exceção de
incompetência. incompetência.

360
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

3. FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA CRIMINAL

Para se determinar qual o juízo competente para julgar determinada infração penal, primeiramente,
deve ser avaliado se aquele fato está sujeito à jurisdição brasileira, porquanto, ainda que cometido em nosso
território, há possibilidade de não ser de competência de órgão jurisdicional pátrio, nos termos, por exemplo,
do art. 1º, inciso I, do CPP.

Verificando-se se tratar de fato sujeito à jurisdição brasileira, diversos outros questionamentos


devem ser respondidos até que se chegue ao juízo competente, podendo este "caminho da fixação da
competência" ser compilado da seguinte forma (LIMA, 2019, p. 364-365):

• Competência de justiça

O primeiro questionamento a ser feito diz respeito à Justiça competente para julgar tal fato delituoso,
isto é, indaga-se qual é o ramo da Justiça que deve processar e julgar aquela infração penal.
Doutrinariamente, as Justiças são subdivididas em Justiças Especiais e Comuns. Nas primeiras, isto é, nas
chamadas Justiças Especiais, encontram-se: a) Justiça Militar (da União e dos Estados/DF); b) Justiça Eleitoral;
e c) Justiça do Trabalho. Nas segundas, isto é, nas chamadas Justiças Comuns, encontram-se: a) Justiça
Federal; e b) Justiça Estadual e do Distrito Federal e dos Territórios.

Em relação à Justiça Comum, da qual fazem parte a Justiça Federal e a Justiça dos Estados e do Distrito
Federal e dos Territórios, é interessante assentar que a Justiça Federal, apesar de ser uma Justiça Comum, é
especial em relação à Justiça Estadual.

Assim, não sendo o fato atrelado a nenhuma Justiça Especial, isto é, Militar, Eleitoral ou Trabalhista,
deve-se analisar, em um primeiro momento, se o fato é da Justiça Comum Federal. Caso não seja, tendo em
vista o seu caráter residual, o julgamento daquela infração penal competirá à Justiça Comum dos Estados ou
do Distrito Federal e dos Territórios.

• Competência originária

O segundo questionamento diz respeito ao foro por prerrogativa de função. Nesse sentido, indaga-
se se aquela infração penal cometida deve ser, de forma originária, isto é, sem passar pela primeira instância,
processada e julgada por algum Tribunal pátrio.

• Competência de foro ou territorial

O terceiro questionamento diz respeito ao foro territorialmente competente para processar e julgar
a infração penal cometida. Se estivermos na Justiça Estadual, indaga-se, portanto, qual a comarca
competente para o processo e julgamento daquele fato. Na Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, o
questionamento diz respeito à circunscrição judiciária competente. Na Justiça Federal, a pergunta tem
relação com a seção e subseção judiciárias competentes. Na Justiça Militar da União, descobre-se qual é a
circunscrição judiciária militar competente. Na Justiça Eleitoral, desvenda-se qual é a zona eleitoral
competente.

• Competência de juízo especializado

O quarto questionamento diz respeito à existência de eventual juízo especializado dentro do foro
territorialmente competente, como ocorre, por exemplo, no caso de órgãos jurisdicionais especializados em
delitos de trânsito, em infrações penais relacionadas às drogas, às organizações criminosas, aos crimes contra

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

o sistema financeiro, à lavagem de ativos etc. Caso não exista juízo especializado, o fato deve ser processado
pelos juízos criminais comuns. Existindo mais de um juízo comum, a competência, via de regra, será
determinadapela distribuição.

• Competência interna ou de juiz

Se, dentro de uma mesma vara, houver mais de um juiz, a competência será determinada pela
distribuição.

• Competência recursal

Nesse caso, questiona-se qual o órgão competente para processar e julgar eventual recurso
interposto contra determinada decisão judicial. Via de regra, a competência recursal é do órgão jurisdicional
superior àquele que proferiu a decisão combatida. Todavia, é possível que a competência recursal seja do
próprio órgão que prolatou a decisão guerreada, como ocorre, por exemplo, no caso dos embargos de
declaração.

O Código de Processo Penal, em seu art. 69, diz que a competência será determinada de acordo com
sete critérios, a saber: I - o lugar da infração; II - o domicílio ou residência do réu; III - a natureza da infração;
IV - a distribuição; V - a conexão ou continência; VI - a prevenção;e VII - a prerrogativa de função.

1.1. Justiça Militar

Em concursos públicos não atrelados à área militar, o que mais chama atenção em relação à Justiça
Castrense são as alterações promovidas pela Lei nº 13.491/17, que serão estudadas em tópico separado.

Todavia, também é alvo recorrente nos concursos públicos, a diferenciação entre a Justiça Militar da
União e a Justiça Militar dos Estados, razão pela qual iniciemos nossa análise por tal aspecto.

1.1.1. Diferenças entre a Justiça Militar da União e a Justiça Militar dos


Estados
a) Competência criminal

No que toca à competência criminal, tanto a Justiça Militar da União quanto a Justiça Militar dos
Estados somente têm competência para o processo e julgamento dos crimes militares. Tanto é que o art.
124, caput, da CF/88, diz que compete à Justiça Militar da União processar e julgar os crimes militares
definidos em lei. Semelhantemente, o art. 125, §4º, primeira parte, da CF/88, diz que compete à Justiça
Militar dos Estados processar e julgar os militares estaduais nos crimes militares definidos em lei (LIMA, 2019,
p. 371).
Logo, considerando que às Justiças Militares somente compete o julgamento dos crimes militares,
mesmo havendo conexão entre um crime comum e um crime militar, deverá haver a separação dos
processos, o que, inclusive, está previsto no art. 79, inciso I, do CPP e no art. 102, alínea a, do CPPM (LIMA,
2019, p. 371).
Quanto ao ponto, isto é, conexão entre crime militar e crime comum, assunto recorrente em provas
de concurso é a Súmula nº 90 do STJ, a qual, confirmando o exposto acima, aduz que "compete à Justiça

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do
crime comum simultâneo àquele" (LIMA, 2019, p. 371).

I. Crime militar absorvido por crime comum

Situação interessante diz respeito à absorção do crime militar por um crime comum, o que não
justificará a instauração de processo criminal perante a Justiça Militar. Assim, se o agente se utilizar
indevidamente de uniforme de oficial das Forças Armadas, que é crime militar (art. 172, CPM) de
competência da Justiça Militar da União (crime-meio), para a prática do crime de estelionato (crime-fim),
somente haverá persecução penal pelo último crime, já que este absorverá o primeiro, não sendo
instaurado processo criminal na Justiça Castrense pelo crime do art. 172 do CPM (LIMA,2019, p. 371).

II. Crime doloso contra a vida praticado por militar estadual


Conforme art. 125, §4º, da CF/88, a Justiça Militar dos Estados não tem competência para julgar
crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militar estadual, ainda que em serviço. Diferentemente,
o art. 124 da CF/88, que trata da Justiça Militar da União, não trouxe tal ressalva, tendo a Lei n.º 13.491/17,
de forma expressa, determinado que compete à Justiça Militar da União o julgamento de crimes dolosos
contra a vida praticados por militar das Forças Armadas contra civis, que será melhor analisado em tópico
próprio (LIMA, 2019, p. 371).
Nesse tópico, reforça-se a incompetência da Justiça Militar Estadual para o processo e julgamento de
crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militar estadual, ainda que em serviço, já que se trata de
uma grande diferença em relação à Justiça Militar da União.

b) Ações judiciais contra atos disciplinares militares

A competência da Justiça Militar dos Estados vai além do processo e julgamento dos crimes militares
definidos em lei. De acordo com o art. 125, §4º, da CF/88, à Justiça Militar dos Estados também compete o
julgamento das ações judiciais contra atos disciplinares militares, o que não ocorre na Justiça Militar da
União, já que esta, nos termos do art. 124 da CF/88, somente tem competência para o julgamento dos crimes
militares definidos em lei (LIMA, 2019, p. 371).
Destarte, se um militar das Forças Armadas quiser questionar judicialmente uma punição disciplinar
por ele sofrida, deverá buscar a Justiça Comum Federal. Noutro giro, se um militar estadual intentar anular
uma punição disciplinar que lhe fora imposta, deverá buscar a Justiça Militar Estadual (LIMA, 2019, p. 371).

I. Ação civil pública por ato de improbidade praticado por militar estadual
O STJ, no julgamento do CC 100.682/MG, de relatoria do Min. Castro Meira, assentou que compete
à Justiça Comum Estadual (e não à Justiça Militar Estadual) o julgamento de Ação Civil Pública por ato de
improbidade praticado por militar estadual. De acordo com o Tribunal da Cidadania, a competência da Justiça
Castrense Estadual "abrange, tão-somente, as ações judiciais propostas contra atos disciplinares militares,
vale dizer, ações propostas para examinar a validade de determinado ato disciplinar ou as consequências
desses atos" (LIMA, 2019, p. 371).

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c) Acusado

I. Justiça Militar Estadual

Nos termos do art. 125, §4º, da CF/88, a Justiça Militar Estadual não alcança os civis, já que somente
tem competência para processar e julgar os militares dos estados, isto é, os policiais militares e os bombeiros
militares (LIMA, 2019, p. 371).
Logo, se um civil praticar determinado crime contra as instituições militares estaduais, será julgado
na Justiça Comum Estadual, já que, repita-se, a Justiça Castrense Estadual não alcança os civis (Súmula nº 53
do STJ), (LIMA, 2019, p. 371).

II. Aferição da condição de militar estadual

Tendo em vista que a Justiça Militar Estadual não tem competência para julgar civis, importante se
mostra analisar a situação do militar estadual que deixa o cargo após o cometimento do fato delituoso, isto
é, deixa de ser militar estadual depois da infração penal.
Nesse caso, ele ainda será julgado pela Justiça Militar Estadual, porquanto a condição de militar
estadual deve ser verificada quando da prática do crime (tempus delicti), sendo desimportante, por exemplo,
que, antes da instauração do competente inquérito policial militar, o agente deixe as fileiras das corporações
militares estaduais (LIMA, 2019, p. 373-374).

III. Crimes cometidos em coautoria por civil e militar estadual


No caso de coautoria entre um civil e um militar estadual, duas situações bem distintas podem surgir,
merecendo cada uma delas uma análise em apartado.

A primeira situação diz respeito à coautoria em crime que esteja previsto tanto na legislação penal
militar como na legislação penal comum. Nesse caso, haverá a separação dos processos, isto é, o civil
responderá pelo crime comum perante a Justiça Comum Estadual e o militar estadual responderá pelo crime
militar perante a Justiça Militar Estadual. É o que ocorrerá, por exemplo, se um policial militar e um civil, em
concurso de agentes, subtraírem uma arma de fogo da Polícia Militar do interior de um quartel. O militar
estadual responderá pelo crime militar de furto qualificado pelo concurso de agentes (art. 240, §6º, inciso IV,
c/c art. 9º, inciso II, alínea e, ambos do CPM). O civil responderá pelo crime de furto qualificado, nos termos
do art. 155, §4º, inciso IV, do CP (LIMA, 2019, p. 371).
A segunda situação diz respeito à coautoria em crime que somente esteja previsto na legislação penal
militar, isto é, em crime que não esteja previsto na legislação penal comum. Nessa hipótese, o civil não
poderá responder por aquele fato, já que a Justiça Comum jamais poderá julgar o agente pela prática de um
crime militar. É o que ocorre, por exemplo, se um civil, em coautoria com um militar estadual, praticar a
conduta definida como o crime de ingresso clandestino em um quartel da PM, nos termos do art. 302 do
CPM. O militar estadual será julgado pela Justiça Militar Estadual. O civil não responderá (LIMA, 2019, p. 371).

IV. Justiça Militar da União


O art. 124, caput, da CF/88, ao se referir à competência da Justiça Militar da União, somente diz que
a ela compete o julgamento dos crimes militares definidos em lei, nada dizendo quanto à condição do
acusado (LIMA, 2019, p. 374).
Nesse sentido, diferentemente do que estudado em relação à Justiça Militar Estadual, que somente
julga militares estaduais, a Justiça Militar da União tem competência para o processo e julgamento tanto dos
militares quanto dos civis, sendo essa uma importante diferença para as provas de concurso (LIMA, 2019, p.
374).

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

Assim, a competência da Justiça Militar da União é fixada, tão somente, em razão da matéria (ratione
materiae), enquanto que a competência da Justiça Militar Estadual é fixada em decorrência da matéria
(ratione materiae) e da condição pessoal do acusado (ratione personae) (LIMA, 2019, p. 374-375).

V. Órgãos jurisdicionais de 1ª instância

Na Justiça Militar Estadual, nos termos do art. 125, §5º, da CF/88, a primeira instância é exercida
tanto pelos Conselhos de Justiça quanto, singularmente, pelo juiz de direito do juízo militar (LIMA, 2019, p.
375).

Nesse contexto, ainda de acordo com o referido dispositivo legal, ao juiz de direito do juízo militar
compete julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos
disciplinares militares. Em contrapartida, ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, compete
processar e julgar os demais crimes militares.

Na Justiça Militar da União, após alterações trazidas pela Lei nº 13.774/2018, a primeira instância
será exercida por juiz federal da Justiça Militar ou pelos Conselhos de Justiça. Ao juiz federal da Justiça Militar
compete, singularmente, o julgamento do crime militar praticado por civil ou por militar em conjunto com
civil. Ao Conselho de Justiça compete processar e julgar os crimes militares praticados exclusivamente por
militares federais (LIMA, 2019, p. 375).

VI. Órgãos jurisdicionais de 2ª instância

Na Justiça Militar Estadual, a segunda instância, nos termos do art. 125, §3º, da CF/88, é exercida
pelo Tribunal de Justiça Militar nos estados que o possuírem (atualmente, apenas Minas Gerais, São Paulo e
Rio Grande do Sul), ou pelo próprio Tribunal de Justiça, nos estados que não possuírem Tribunal de Justiça
Militar. À segunda instância da Justiça Militar Estadual compete julgar os recursos interpostos das decisões
prolatadas pelo juiz de direito do juízo militar, nos processos de sua competência (inclusive no que diz
respeito às ações judiciais contra atos disciplinares militares), e pelos Conselhos de Justiça (LIMA, 2019, p.
378).
Assim, é muito importante salientar que o Superior Tribunal Militar não exerce qualquer
competência recursal em relação à Justiça Militar Estadual, pelo que eventual recurso contra decisão de
primeira instância da Justiça Castrense dos Estados deverá ser julgado pelo Tribunal de Justiça Militar ou pelo
Tribunal de Justiça, sem prejuízo de interposição de Recurso Especial no STJ ou Recurso Extraordinário no
STF (LIMA, 2019, p. 378).
Na Justiça Militar da União, nos termos do art. 122 da CF/88, a segunda instância é exercida pelo
próprio Superior Tribunal Militar, que, apesar do nome "superior", em verdade, funciona, basicamente, como
um "Tribunal de Apelação" (LIMA, 2019, p. 378).
Portanto, eventual recurso interposto em desfavor de decisão do juiz federal da Justiça Militar ou
dos Conselhos de Justiça da Justiça Castrense Federal deverá ser julgado pelo próprio Superior Tribunal
Militar, o qual, além de ser dotado de algumas competências originárias, funciona, como dito, como tribunal
de revisão (LIMA, 2019, p. 378).
Tendo em vista que, nos termos do art. 105, inciso III, da CF/88, só há falar em Recurso Especial
perante o Superior Tribunal de Justiça contra as causas decididas, em única ou última instância, pelos
Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios; não cabe
Recurso Especial contra acórdão condenatório ou absolutório proferido pelo Superior Tribunal Militar (LIMA,
2019, p. 377-378).

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

Noutro giro, conforme art. 102, inciso III, da CF/88, as decisões do Superior Tribunal Militar poderão
ser combatidas pelo Recurso Extraordinário junto ao Supremo Tribunal Federal(LIMA, 2019, p. 378).

VII. Quadro-resumo das diferenças entre a Justiça Militar da União e a Justiça Militar
Estadual

Para fins didáticos, colaciona-se tabela extraída da obra do Professor Renato Brasileiro de Lima, na
qual são elencadas as principais diferenças entre a Justiça Militar da União e a Justiça Militar Estadual (LIMA,
2019, p. 378):

JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL


1. Competência criminal: crimes militares. Com o 1. Competência criminal: crimes militares. Com o
advento da Lei n. 13.491/17, consideram-se advento da Lei n. 13.491/17, consideram-se
crimes militares não apenas os crimes previstos no crimes militares não apenas os crimes previstos no
Código Penal Militar, mas também os previstos na Código Penal Militar, mas também os previstos na
legislação penal; legislação penal
1.1. Tem competência para o processo e 1.1. Não tem competência para o processo e
julgamento de crimes dolosos contra a vida julgamento de crimes dolosos contra a vida
cometidos por militares das Forças Armadas cometidos por militares estaduais, ainda que
contra civis (CPM, art. 92, §2º, incluído pela Lei n. em serviço, contra civis (CF, art. 125, §4º);
13.491/17);
2. Competência cível: não tem competência para 2. Competência cível: é dotada de competência
o processo e julgamento de ações judiciais contra para o processo e julgamento de ações judiciais
atos disciplinares militares; contra atos disciplinares militares;
3. Acusado: pode processar e julgar tanto 3. Acusado: pode processar e julgar somente
civis quanto militares; os militares dos Estados;
4. Critério de fixação da competência: 4. Critério de fixação da competência:
competência "ratione materiae" (crimes competência "ratione materiae" (crimes militares
militares); + ações judiciais contra atos disciplinares
militares) e "ratione personae" (militares dos
Estados);
5. Órgãos jurisdicionais de 1ª instância: 5. Órgãos jurisdicionais de 1ª instância:
a) Juízes Federais da Justiça Militar: têm a) Juiz de Direito do Juízo Militar: julga,
competência monocrática para o processo e monocraticamente, os crimes militares cometidos
julgamento de civis, e militares, quando estes contra civis e a ações judiciais contra atos
forem acusados juntamente com aqueles no disciplinares militares;
mesmo processo; b) Conselhos Especial e Permanente de Justiça:
b) Conselhos Especial e Permanente de Justiça: julgam os demais crimes militares;
julgam os crimes militares praticados apenas por
militares federais;
6. Presidência dos Conselhos de Justiça: Juiz 6. Presidência dos Conselhos de Justiça: Juiz
Federal da Justiça Militar; de Direito do Juízo Militar;
3.1.2. Lei nº 13.491/17
Em resumo, a Lei n.º 13.491/17 trouxe duas significativas mudanças em relação à competência da
Justiça Militar. A primeira delas diz respeito à ampliação da competência da Justiça Castrense, que não mais
está restrita apenas aos crimes militares previstos no Código Penal Militar, sendo também de sua
competência o processo e julgamento de delitos previstos na legislação penal comum (art. 9º, inciso II, CPM).

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A segunda alteração diz respeito à competência da Justiça Militar da União para processar e julgar crimes
dolosos contra a vida de civis cometidos por militares das Forças Armadas (art. 9º, §2º, CPM) (LIMA, 2019, p.
383).

a) Crimes previstos na legislação penal comum

A partir da nova redação do art. 9º, inciso II, do Código Penal Militar, introduzida pela Lei n.º
13.491/17, a Justiça Militar passou a ter competência para o processo e julgamento dos crimes militares
previstos no Código Penal Militar (como já era antes da nova lei) e dos crimes previstos na legislação penal,
caso sejam cometidos nas seguintes circunstâncias (LIMA, 2019, p. 383):

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação


ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração
militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar,
ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar
da reserva, ou reformado, ou civil;
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou
reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a
administração militar, ou a ordem administrativa militar;
f) revogada.

I. Abrangência do termo "legislação penal"

A expressão "legislação penal", inserta na parte final do art. 9º, inciso II, do CPM, não se refere apenas
aos crimes previstos no Código Penal Comum, mas também àqueles previstos na chamada legislação penal
extravagante, como ocorre, por exemplo, com a Lei de Tortura (Lei n.º 9.455/97) e com o Código de Trânsito
Brasileiro (Lei n.º 9.503/97) (LIMA, 2019, p. 383).

II. Superação da Súmula nº 172 do STJ


Antes da Lei n.º 13.491/17, os crimes militares eram somente aqueles previstos no Código Penal
Militar. Assim, ainda que o fato fosse cometido por um militar em serviço e em lugar sujeito à administração
militar, se não houvesse previsão no CPM, não poderia a conduta ser taxada de crime militar (LIMA, 2019, p.
384).

Não por outro motivo, o STJ editou a Súmula n.º 172, a qual aduz que "compete à Justiça Comum
processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço". Tendo em vista
que o crime de abuso de autoridade é previsto em legislação extravagante (antiga Lei n.º 4.898/68 e nova Lei
n.º 13.869/19), não poderia ser considerado crime militar, já que não está previsto no CPM (LIMA, 2019, p.
384).

Atualmente, portanto, restou superado o entendimento consagrado pela Súmula n.º 172 do STJ,
sendo possível que a Justiça Militar julgue o crime de abuso de autoridade, desde que preenchidas as
condições previstas no art. 9º, inciso II, do CPM (LIMA, 2019, p. 384).

III. Superação da Súmula n.º 6 do STJ

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O mesmo raciocínio vale para a Súmula n.º 6 do STJ, segundo a qual "compete à Justiça Comum
Estadual processar e julgar delito decorrente de acidente de trânsito envolvendo viatura de Polícia Militar,
salvo se autor e vítima forem policiais militares em situação de atividade".

A referida redação sumular baseava-se no fato de que os crimes insertos no CTB não poderiam ser
taxados de crimes militares, já que não são previstos no CPM, o que mudou com a Lei n.º 13.491/17 (LIMA,
2019, p. 384).

Doravante, se o militar em serviço praticar, por exemplo, crime de homicídio culposo na direção de
veículo automotor (art. 302 do CTB), deverá ser processado e julgado perante a Justiça Militar, pouco
importando se a vítima é civil ou militar (LIMA, 2019, p. 384).

IV. Releitura da Súmula nº 75 do STJ

A Súmula n.º 75 do STJ apregoa que "compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o policial
militar por crime de promover ou facilitar a fuga de preso de estabelecimento penal", devendo tal enunciado
ser reinterpretado à luz das mudanças introduzidas pela Lei n.º 13.491/17 (LIMA, 2019, p. 384).

Antes da Lei n.º 13.491/17, o enunciado em comento devia ser assim interpretado: se o militar em
serviço promovesse ou facilitasse a fuga de preso de estabelecimento penal de natureza militar, seria ele
processado e julgado perante a Justiça Militar, pelo crime do art. 178 do CPM. Por outro lado, se o
estabelecimento prisional não fosse de natureza militar, o agente deveria ser processado e julgado perante
a Justiça Comum, pelo crime do art. 351 do CP. Com as mudanças, passou a ser possível que o militar seja
processado e julgado pelo crime do art. 351 do CP perante a Justiça Castrense, desde que o cometa nas
condições previstas no art. 9º, inciso II, do CPM (LIMA, 2019, p. 384).

Nesse sentido, após as mudanças introduzidas pela Lei nº 13.491/17, a Súmula n.º 75 do STJ deve ser
lida da seguinte forma: "Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o policial militar pelo crime
de promover ou facilitar a fuga de preso de estabelecimento penal (CP, art. 351), mas desde que o agente
não se encontre em uma das hipóteses do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar" (LIMA, 2019, p. 385).

V. Incompetência da Justiça Militar para o julgamento de contravenções penais


Conforme já visto, a partir da Lei n.º 13.491/17, a Justiça Militar tem competência para julgar os
crimes previstos no CPM e na legislação penal comum. Todavia, não tem competência para o julgamento de
contravenções penais, já que, à luz dos arts. 124, caput, e 125, §4º, ambos da CF/88, a Justiça Castrense
somente tem competência para julgar os crimes militares definidos em lei (LIMA, 2019, p. 385).

Logo, se um militar federal ou estadual, em serviço e em lugar sujeito à administração militar, praticar
fato definido como contravenção penal, será ele julgado pela Justiça Comum Estadual, ainda que atente
contra interesse da União, já que a Justiça Federal de 1ª instância não tem competência para o processo e
julgamento de contravenções penais, conforme será mais bem trabalhado em tópico próprio (LIMA, 2019, p.
385).

VI. Afastamento da competência da Justiça Militar por regramento específico contido em


norma constitucional e/ou ordinária

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Em uma primeira leitura, ao mencionar que os crimes militares são aqueles previstos no Código Penal
Militar e na legislação penal comum, a Lei n.º 13.491/17 deixa a impressão de que a Justiça Castrense passou
a ter competência para o processo e julgamento de qualquer crime previsto na legislação penal comum,
ainda que haja norma especial em relação à competência para o processo de determinado crime. Todavia,
essa interpretação literal da Lei n.º 13.491/17 deve ser afastada, por duas razões, a saber (LIMA, 2019, p.
385):

• Hierarquia normativa: tendo em vista que a Lei n.º 13.491/17 é de natureza ordinária, não pode
se sobrepor à Constituição Federal no que toca à fixação de competência. Assim, se, por exemplo,
a CF/88, em seu art. 121, determina que à Justiça Eleitoral compete o julgamento dos crimes
eleitorais, um crime eleitoral praticado por militar em serviço não poderá ser de competência da
Justiça Militar, já que a Justiça Eleitoral é a competente para o julgamento do fato; e

• Princípio da especialidade normativa: a Lei n.º 13.491/17 e o próprio Código Penal Militar
deverão ser tratados como normas gerais no que diz respeito à fixação da competência. Portanto,
se uma norma especial outorgar a competência à determinada Justiça, ficarão a Lei n.º 13.491/17
e o CPM afastados pela regra específica, prevalecendo a máxima de que a norma especial afasta
a norma geral, no que com ela for incompatível. É o que ocorre, por exemplo, com os crimes
contra o Sistema Financeiro Nacional, já que a Lei n.º 7.492/86, em seu art. 26, determina que
compete à Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso VI, da CF/88, o julgamento de tais fatos,
restando afastada a competência da Justiça Militar, ainda que a conduta delituosa seja praticada
por militar em serviço.

Nesse contexto, o art. 9º, II, do Código Penal Militar, deve ser lido da seguinte forma: “os crimes
previstos neste Código e os previstos na legislação penal, mas desde que não haja previsão constitucional
e/ou legal outorgando referida competência à outra Justiça, quando praticados.” (LIMA, 2019, p. 385).

VII. Temperamentos em relação à Súmula n.º 90 do STJ


A Súmula nº 90 do STJ, a qual aduz que "compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial
militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele”, continua
válida, contudo, após a Lei n.º 13.491/17, deve ser lida com certo temperamento (LIMA, 2019, p. 385).

Com o alargamento da competência da Justiça Militar, vários crimes outrora considerados comuns
passaram a ser crimes militares, já que estes, após o advento da Lei n.º 13.491/17, abrangem, além dos
crimes previstos no CPM, aqueles insertos na legislação penal comum. Logo, antes da referida lei, se, por
exemplo, um militar em serviço praticasse um crime de lesão corporal e outro de abuso de autoridade,
haveria a separação dos processos, sendo o primeiro julgado pela Justiça Militar, já que previsto no art. 209
do CPM, e o segundo pela Justiça Comum, porquanto inserto na Lei de Abuso de Autoridade (antiga Lei n.º
4.898/68 e nova Lei n.º 13.869/19). Todavia, com a Lei n.º 13.491/17, tal panorama foi alterado, sendo ambas
as infrações (lesão corporal e abuso de autoridade) julgadas pela Justiça Militar, já que não há, na Lei n.º
13.869/19, regramento específico quanto à fixação de competência (LIMA, 2019, p. 385-386).

Noutro giro, é possível que ainda haja a separação de processos, isto é, que a Súmula nº 90 do STJ
seja aplicada em sua literalidade, o que acontecerá se o crime previsto na legislação penal comum tiver regra
específica quanto à fixação de competência. É o que ocorrerá, por exemplo, no caso de um militar que
cometer um crime militar de peculato em detrimento de patrimônio sob a administração militar (art. 303,
c/c art. 9º, inciso II, alínea e, CPM) e lavar o dinheiro daí proveniente, já que a própria Lei de Lavagem de
Capitais (Lei n.º 9.613/98) outorga competência à Justiça Estadual ou Federal para julgar tais crimes. Assim,

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o crime de peculato será julgado pela Justiça Militar, enquanto o crime de lavagem de ativos será processado
pela Justiça Estadual ou Federal, conforme o caso (LIMA, 2019, p. 385-386).

VIII. Crimes militares previstos na legislação penal comum praticados por civis

Tendo em vista que o art. 9º, inciso III, do CPM, faz referência a seu inciso II, entende-se que também
competirá à Justiça Militar da União o julgamento de civis que cometerem crimes militares previstos na
legislação penal comum, desde que praticados (LIMA, 2019, p. 386):

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa


militar;
b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou
assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no
exercício de função inerente ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância,
observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de
natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da
ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele
fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Logo, a mudança introduzida pela Lei n.º 13.491/17, no inciso II, do art. 9º do Código Penal Militar,
também repercutirá no inciso III, "do que se pode concluir que os crimes militares cometidos por civis da
competência da Justiça Militar da União abrangem não apenas aquelesprevistos no Código Penal Militar, mas
também os previstos na legislação especial" (LIMA, 2019, p. 386).

b) Crimes dolosos praticados por militares contra a vida de civis


Conforme estudado acima, o art. 125, §4º, da CF/88, expressamente afasta da Justiça Militar dos
Estados a competência para julgar crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militar estadual. Logo,
se um militar dos Estados praticar um crime doloso contra a vida de um civil,será julgado pelo Tribunal do
Júri, conforme determinação expressa do art. 9º, §1º, do CPM, com a redação dada pela Lei n.º 13.491/17.

Diferentemente, o art. 124 da CF/88, que trata da Justiça Militar da União, não trouxe tal
afastamento de competência, tendo a Lei n.º 13.491/17, de forma expressa, determinado que compete à
Justiça Militar da União o julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados por militar das Forças
Armadas contra civis, desde que cometidos no contexto (art. 9º, §2º, CPM):

I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da


República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;
II– de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que
não beligerante; ou
III– de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou
de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da
Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais:
a) Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica;
b) Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999;
c) Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; e
d) Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral.

Logo, diferentemente do que ocorre com os militares estaduais, que serão julgados pelo Tribunal do
Júri, os militares do Exército, Marinha e da Aeronáutica serão julgados pela própria Justiça Militar da União,

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caso cometam crimes dolosos contra a vida de civis, em algum dos contextos insertos no art. 9º, §2º, do CPM,
como ocorre, por exemplo, em operações de Garantia da Lei e da Ordem determinadas pelo Presidente da
República.

Muito importante ressaltar a hipótese de crime doloso contra a vida de civil praticado por militar das
Forças Armadas em concurso de agentes com militar estadual, em algum dos contextos fáticos arrolados pelo
art. 9º, §2º, do CPM. Nesse caso, haverá separação dos processos, sendo o militar das Forças Armadas julgado
pela Justiça Militar da União e o militar estadual julgado pelo Tribunal do Júri (LIMA, 2019, p. 427).

3.2. Justiça Eleitoral

A Justiça Eleitoral tem competência para o processo e julgamento das chamadas infrações eleitorais,
isto é, aquelas insertas na legislação eleitoral (Código Eleitoral e legislação eleitoral especial), e, além destas,
das infrações comuns que lhes sejam conexas (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 409).

Nota-se, portanto, que a competência da Justiça Eleitoral é definida em razão da matéria, somente
sendo de sua alçada os crimes eleitorais insertos no Código Eleitoral, por exemplo, crimes contra a honra,
praticados durante a propaganda eleitoral, e os que a lei, eventualmente e expressamente, defina como
eleitorais. Fora disso, isto é, se o crime não estiver previsto no Código Eleitoral ou não for definido como
crime eleitoral pela legislação eleitoral especial, salvo o caso de conexão, seu processo e julgamento não
serão de competência da Justiça Eleitoral (LIMA, 2019, p. 429).

Importante assentar que, para fim de definição da competência da Justiça Eleitoral, não é suficiente
que a conduta tenha sido praticada em razão de motivação política ou mesmo eleitoral, já que se mostra
imprescindível que haja lei (Código Eleitoral ou legislação eleitoral especial) definindo-a como crime eleitoral.
É dizer: ainda que a conduta seja fundada em motivação política ou eleitoral, se ela não estiver
expressamente prevista como crime eleitoral, seu processo e julgamento não serão de competência da
Justiça Eleitoral (LIMA, 2019, p. 430).

De igual forma, para fim de fixação da competência da Justiça Eleitoral, não é suficiente que a
conduta seja praticada durante o período eleitoral. Em outras palavras, se a conduta for praticada em tal
período, mas não for definida legalmente como crime eleitoral, seu julgamento não será de competência da
Justiça Eleitoral (LIMA, 2019, p. 430).

Portanto, o primeiro passo para se definir a competência da Justiça Eleitoral é saber se aquela
conduta é tipificada como crime eleitoral pelo Código Eleitoral ou pela legislação eleitoral especial, contudo,
tal fato, por si só, não basta. É dizer: o fato da conduta ser tipificada como crime eleitoral, por si só, não
atrairá a competência da Justiça Eleitoral, sendo necessário avaliar o conteúdo material da conduta
perpetrada, que somente será julgada pela Justiça eleitoral se "atentar contra a liberdade de exercício dos
direitos políticos, vulnerando a regularidade do processo eleitoral e a legitimidade da vontade popular"
(LIMA, 2019, p. 430).

Nessa linha, julgando caso envolvendo o crime de destruição de título eleitoral de terceiro (art. 339
do Código Eleitoral), o STJ, no julgamento do CC 127.101/RS, de relatoria do Min. Rogério Schietti Cruz,
assentou que, se tal conduta for perpetrada com a finalidade exclusiva de impedir a identificação pessoal de
outrem, isto é, sem guardar qualquer vinculação com pleitos eleitorais, a competência para o julgamento
deste fato não será da Justiça Eleitoral (LIMA, 2019, p. 430).

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

3.2.1. Conexão entre crime comum e crime eleitoral


Tema bastante relevante para as provas de concurso diz respeito à conexão de crimes comuns, de
competência da Justiça Federal e/ou da Justiça Estadual, com crimes eleitorais, sendo alvo de constantes
questionamentos a competência para o processo e julgamento de ambos os fatos delituosos.

Enfrentando o tema, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em acórdão de relatoria do Min. Marco
Aurélio (Inq 4435 AgR-quarto/DF), assentou que compete à Justiça Eleitoral o julgamento dos crimes comuns
praticados em conexão com crimes eleitorais, pouco importando se ocrime comum é de competência da
Justiça Federal ou Estadual.

Ainda de acordo com o referido precedente, cabe à Justiça Eleitoral analisar, caso a caso, a existência
de conexão de delitos comuns aos delitos eleitorais e, em não havendo, remeter os casos à Justiça
competente.

Nota-se, nesse sentido, que, havendo a prática de um crime de competência da Justiça Federal e/ou
Estadual e um crime eleitoral, a princípio, competirá à Justiça Eleitoral o julgamento de ambas as infrações
penais cometidas.

Todavia, pode ser que a própria Justiça Eleitoral, a quem compete tal análise, entenda que não há
conexão entre os crimes praticados, caso em que haverá a separação dos processos, competindo à Justiça
Federal e/ou Estadual o julgamento do crime comum e à Justiça Eleitoral o processamento do crime eleitoral.
Frise-se, quanto ao ponto, que a análise quanto à existência ou não de conexão cabe à Justiça Eleitoral e não
à Justiça Federal e/ou Estadual.

a) Críticas ao entendimento jurisprudencial acima


Como dito, o STF assentou que, havendo conexão entre crime comum e crime eleitoral, ambas as
infrações penais, a princípio, devem ser julgadas pela Justiça Eleitoral, pouco importando se o crime comum
é de competência da Justiça Federal e/ou Estadual.

Ocorre que a doutrina critica bastante tal entendimento da Corte Suprema, porquanto haveria a
necessidade de se fazer duas análises distintas:

• conexão entre crime comum de competência da Justiça Federal e crime eleitoral; e

• conexão entre crime comum de competênciada Justiça Estadual e crime eleitoral.

No primeiro caso ― conexão entre crime comum de competência da Justiça Federal e crime eleitoral
― a doutrina sustenta que deve haver separação dos processos, já que ambas as competências originam-se
diretamente da própria Constituição Federal, que prevê, em seu art. 109, os casos que devem ser julgados
pela Justiça Federal e, em seu art. 121, aqueles atrelados à Justiça Eleitoral (LIMA, 2020, p. 493-494).

É dizer: se as competências da Justiça Federal e da Justiça Eleitoral emanam diretamente da própria


CF/88, isto é, originam-se de normas constitucionais, tais competências não podem ser alteradas pela regra
infraconstitucional de conexão, prevista no art. 69, inciso V, do CPP, porquanto regras constitucionais não
podem ser afastadas por normas infraconstitucionais (LIMA, 2020, p. 493- 494).

No segundo caso ― conexão entre crime comum de competência da Justiça Estadual e crime eleitoral
― considerando que a competência da Justiça Estadual é residual, isto é, não se origina diretamente da

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Constituição Federal, sustenta a doutrina que, nos termos do art. 78, inciso IV, do CPP, ambas as infrações
penais deverão ser julgadas pela justiça especial, isto é, pela Justiça Eleitoral (LIMA, 2020, p. 493).

Apesar dos válidos questionamentos doutrinários, é importante assentar que, no Info. 713, o STJ
acompanhou o STF e também bateu que, havendo conexão entre crime comum (federal ou estadual - pouco
importa), a Justiça Eleitoral será competente para processar e julgar ambos os crimes.

3.2.2. Conexão entre crime militar e crime eleitoral


Conforme estudado em tópicos precedentes, a própria Constituição Federal determina que compete
à Justiça Militar da União e/ou dos Estados processar e julgar os crimes militares definidos em lei, pelo que
se pode dizer que a competência da Justiça Castrense é oriunda da própria Carta Magna, o que impede a
Justiça Eleitoral de exercer força atrativa sobre os crimes militares. É dizer: tendo a própria Constituição
definido a competência da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar, no caso de conexão entre crimes eleitorais e
crimes militares, haverá a separação dos processos (LIMA, 2019, p. 431).

3.2.3. Conexão entre crime doloso contra a vida e crime eleitoral


A par de respeitável corrente doutrinária em sentido diverso, majoritariamente, entende-se que,
verificando-se a conexão entre crime doloso contra a vida e crime eleitoral, deve haver separação dos
processos, sendo o primeiro julgado pelo Tribunal do Júri e o segundo pela Justiça Eleitoral, porquanto ambas
as competências originam-se diretamente da própria Constituição Federal (NUCCI, 2016, p. 163).

É dizer: se a própria CF/88 determina que compete ao Tribunal do Júri o processamento dos crimes
dolosos contra a vida (art. 5º, inciso XXXVIII, alínea d) e à Justiça Eleitoral o julgamento dos crimes eleitorais
(art. 121, caput), tais competências não podem ser alteradas pela regra infraconstitucional de conexão,
prevista no art. 69, inciso V, do CPP (NUCCI, 2016, p. 163).

Assim, considerando a premissa de que regras constitucionais não podem ser afastadas por normas
infraconstitucionais, a única forma de se respeitar o regramento constitucional atinente ao Tribunal do Júri
e à Justiça Eleitoral, é separar os processos.

3.2. Justiça do Trabalho

Após o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a ter


competência para processar e julgar "os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o
ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição", conforme disposto no art. 114, IV, da CF/88.

Interessante assentar que o julgamento de tais ações somente competirá à Justiça do Trabalho se o
ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição, razão pela qual nem todo habeas corpus impetrado
contra ato de Juiz do Trabalho será julgado pela Justiça do Trabalho. Caso o ato não guarde relação com as
matérias sujeitas à justiça trabalhista, o writ deverá ser julgado pelo Tribunal Regional Federal competente,
nos termos do art. 108, inciso I, alínea a, da CF/88 (LIMA, 2020, p. 495-496).

Como visto, por expressa determinação constitucional, a Justiça do Trabalho irá processar e julgar os
habeas corpus atinentes a matérias sujeitas à sua jurisdição, o que não lhe confere, todavia, competência
criminal, isto é, não detém a Justiça do Trabalho competência para o processo e julgamento de infrações
penais, ainda que atreladas ao contexto das relações trabalhistas (AVENA, 2017, p. 448).

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3.4. Justiça Federal

3.4.1. Competência dos Tribunais Regionais Federais


A competência dos Tribunais Regionais Federais está disposta no art. 108 da CF/88, que merece ser
lido à inteireza, destacando-se que os juízes federais, incluídos os da justiça castrense e da trabalhista, e os
membros do MPU têm foro por prerrogativa de função perante tais Tribunais, o que é bem importante nos
concursos públicos, porquanto abre a possibilidade da Justiça Federal julgar contravenções penais.

Conforme será mais bem trabalhado adiante, os juízes federais, isto é, a Justiça Federal de 1ª
instância, não têm competência para processar e julgar as contravenções penais, mesmo que cometidas em
conexão com crimes de sua competência.

Ocorre que, caso a contravenção penal seja praticada por detentor de foro por prerrogativa de
função perante um Tribunal Regional Federal, tal infração será julgada por este TRF, isto é, não se pode
afirmar, de forma peremptória, que a Justiça Federal, em sentido amplo, não tem competência para
processar e julgar as contravenções penais. O que não pode acontecer é um juiz federal, isto é, Justiça Federal
de 1ª instância, julgar tais infrações penais, já que somente tem competência para processar crimes
praticados em algum dos contextos insertos no art. 109 da CF/88.

3.4.2. Competência dos Juízes Federais


a) Crimes políticos
Nos termos do art. 109, inciso IV, primeira parte, da CF/88, compete aos juízes federais (Justiça
Federal de 1ª instância), processar e julgar os crimes políticos;

I. Recurso Ordinário Constitucional

Merece bastante atenção a situação prevista no art. 102, inciso II, alínea b, da CF/88, o qual dispõe
que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, em recurso ordinário, o crime político, não
cabendo, nesse sentido, interposição de apelação contra a decisão do juiz federal de 1ª instância, seja a
sentença condenatória, seja absolutória (LIMA, 2020, p. 499).

Portanto, o crime político é julgado, em primeira instância, por um juiz federal, e, em segunda e
última instância, pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que, nesse caso, funcionará como verdadeiro
Tribunal de Apelação (LIMA, 2020, p. 499).

b) Crimes praticados contra a União


De acordo com o art. 109, inciso IV, segunda parte, da CF/88, compete aos juízes federais (Justiça
Federal de 1ª instância) processar e julgar as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços
ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e
ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.

No ponto, em julgado interessante envolvendo o "auxílio emergencial" (decorrente da pandemia de


COVID-19), bateu o STJ, no Info. 716, que compente à Justiça Estadual (e não Federal) processar e julgar a
conduta de terceiro que recebeu o benefício em nome de terceiro e não o repassou. Confira-se:

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Beneficiário do auxílio emergencial transferiu o dinheiro para a conta de terceiro que


deveria sacar a quantia e entregar ao beneficiário; compete à Justiça Estadual julgar a
conduta do terceiro que decidiu não mais entregar o valor (STJ. 3ª Seção. CC 182.940-SP,
Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 27/10/2021 (Info 716)).

I. Sociedades de economia mista da União


Tema bastante recorrente em provas de concurso diz respeito às sociedades de economia mista da
União, já que estas não estão arroladas no citado art. 109, inciso IV, da CF/88. Por esta razão, se a infração
penal for praticada em detrimento de sociedades de economia mista, ainda que pertencentes à União, a
competência para seu processo e julgamento recairá sobre a Justiça Comum Estadual e não Federal, nos
termos da Súmula n.º 42 do STJ.

II. Fundações Públicas Federais


Apesar de não constarem expressamente no art. 109, inciso IV, da CF/88, os crimes praticados em
desfavor das fundações públicas federais, sejam elas de direito público, sejam elas de direito privado, serão
processados e julgados pela Justiça Federal.

III. Contravenções penais


Outro tema de suma importância para as provas de concurso diz respeito às contravenções penais,
que estão excluídas da competência dos juízes federais, isto é, da Justiça Federal de 1ª instância. Atente-se
para isso: não é correto afirmar que a Justiça Federal não tem competência para o processo e julgamento de
contravenções penais, já que o art. 109, IV, da CF/88, somente excluiu tal competência dos juízes federais,
isto é, da Justiça Federal de 1ª instância, o que não impede que a Justiça Federal de 2ª instância julgue tais
infrações penais, conforme será mais bem trabalhado adiante.

Nesse contexto, praticada uma contravenção penal, ainda que em desfavor de bens, serviços ou
interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, salvo se praticada por detentor
de foro por prerrogativa de função, a competência para seu processo e julgamento será da Justiça Comum
Estadual de 1ª instância e não Federal, nos termos da Súmula n.º 38 do egrégio Superior Tribunal de Justiça.

Detalhe importante diz respeito à conexão entre crime e contravenção penal, porquanto, ainda que
ambas as infrações penais tenham sido praticadas em desfavor de bens, serviços ou interesses da União ou
de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, haverá separação obrigatória dos processos, sendo o
crime julgado pela Justiça Federal e a contravenção penal pela Justiça Estadual. É dizer: no caso de conexão
entre crime de competência da Justiça Federal e contravenção penal, não haverá a reunião de processos
perante o juízo federal de 1ª instância, que, como dito, não tem competência para o julgamento de
contravenções penais.

Noutro giro, se a contravenção penal for praticada por detentor de foro por prerrogativa de função
perante Tribunal Regional Federal, como ocorre, por exemplo, no caso de juiz federal, tal infração será
processada e julgada por aquele Tribunal Federal, sendo esse um exemplo no qual a Justiça Federal é
competente para o processo de contravenções penais.

Assim, apesar da simplicidade da regra contida no art. 109, inciso IV, da CF/88, muita atenção deve
ser dada ao fato de que a Justiça Federal de 2ª instância tem competência para o processo e julgamento de

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contravenções penais, caso estas sejam praticadas por detentores de foro por prerrogativa de função
perante os Tribunais Regionais Federais (AVENA, 2017, p. 450).

IV. Crimes em desfavor de servidores públicos federais

Nos termos da Súmula n.º 147 do STJ, “compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes
praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função”. Percebe-se,
portanto, que, caso o crime não esteja relacionado com o exercício funcional, ainda que praticado em
desfavor de servidor público federal, a competência para seu processo e julgamento recairá sobre a Justiça
Comum Estadual e não Federal, que somente atuará se o fato tiver relação com as funções exercidas por
aquele servidor público (propter officium).

V. Crimes praticados por servidores públicos federais


Conforme a Súmula n.º 254 do extinto Tribunal Federal de Recursos, "compete à Justiça Federal
processar e julgar os delitos praticados por funcionário público federal no exercício de suas funções e com
estas relacionados". Logo, assim como ocorre nos crimes praticados contra os servidores públicos federais,
nos crimes por eles praticados, a condição de servidor público, por si só,não atrai a competência da Justiça
Federal.

Para que o crime praticado por servidor público federal seja processado e julgado pela Justiça Comum
Federal, é necessário que tenha relação com as funções daquele servidor público (propter officium). Caso
não haja, a competência para o processo e julgamento do fato recairá sobre a Justiça Comum Estadual.

VI. Crimes contra a fauna e a flora

A Súmula n.º 91 do STJ dispunha que "compete à Justiça Federal processar e julgar crimes praticados
contra a fauna”. Todavia, atualmente, tal enunciado encontra-se superado. Assim, não havendo lesão ou
perigo de lesão a bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas
públicas, afasta-se a competência da Justiça Federal, sendo os crimes contra o meio ambiente, aqui incluídos
os delitos contra a fauna e a flora, via de regra, julgados pela Justiça Comum Estadual (AVENA, 2017, p. 450).

Importante não confundir bem da União com patrimônio nacional. Nos termos do art. 225, §4º, da
CF/88, "a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a
Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que
assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais". Apesar de
integrarem o patrimônio nacional, isto é, de serem bens do interesse do Brasil, mormente diante de
eventuais ingerências estrangeiras, os ecossistemas citados no parágrafo transcrito não são bens da União.
Por essa razão, eventuais crimes contra eles praticados, por não envolverem interesse direto da União, serão
processados e julgados pela Justiça Comum Estadual (LIMA, 2020, p. 520).

Quanto ao ponto, em caso de bastante repercussão, já que envolvia o triste episódio do rompimento
da barragem em Brumadinho/MG, assentou o STF, no Info. 714, que, a Justiça Federal é competente para
processar os crimes ambientais e contra a vida decorrentes da citada citada tragédia.

VII. Uso de documento falso

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Nos termos da Súmula nº 546 do STJ, "a competência para processar e julgar o crime de uso de
documento falso é firmada em razão da entidade ou órgão ao qual foi apresentado o documento público,
não importando a qualificação do órgão expedidor", logo, para fins de definição da Justiça competente,
pouco importa qual órgão ou entidade é responsável pela emissão do documento falsificado.

Tem-se, por exemplo, o caso do uso de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) falsificada. Nessa
hipótese, como visto, não importa de quem é a responsabilidade para a emissão de tal documento. Em
verdade, o que será levado em consideração, para fins de definição da competência, é o órgão ou entidade
a qual o documento falsificado foi apresentado. Se, por exemplo, a CNH falsa foi apresentada a um Policial
Rodoviário Federal, a competência para o processo e julgamento deste fato será da Justiça Federal. Por outro
lado, se a CNH falsa foi apresentada a um Policial Militar, este fato deverá ser processado e julgado pela
Justiça Estadual.

VIII. Moeda falsa


Por atentar contra um serviço da União, isto é, contra o serviço de emissão de moedas, nos termos
do art. 21, VII, da CF/88, o crime de moeda falsa, inserto no art. 289 do CP, é de competência da Justiça
Federal.

No ponto, muita atenção deve ser dada à falsificação grosseira de moedas, tema recorrente nas
provas de concurso, porquanto duas situações bastante distintas podem ser questionadas.

A primeira delas diz respeito ao agente que é surpreendido com moedas grosseiramente falsas, como
ocorre, por exemplo, com um cidadão que é abordado, em uma "blitz" policial, na posse de moedas
grosseiramente falsas, no interior de seu automóvel. Nesse caso, por absoluta impropriedade do objeto, o
crime é impossível, nos termos do art. 17 do CP, evidenciando-se a atipicidade do fato.

A segunda delas diz respeito ao agente que se vale de moeda grosseiramente falsa para ludibriar
outrem, como ocorre, por exemplo, no caso de um sujeito que, valendo-se de R$2.000,00 (dois mil reais) em
notas falsas, consegue adquirir um notebook de um idoso. Nessa hipótese, restará configurado o crime de
estelionato, nos termos do art. 171 do CP, já que, valendo-se de um ardil (utilização de moeda
grosseiramente falsificada), o agente obteve vantagem ilícita, em prejuízo alheio, sendo o fato de
competência da Justiça Estadual, nos termos da Súmula nº 73 do STJ.

IX. Atos infracionais

Os atos infracionais, ainda que praticados em desfavor de bens, serviços ou interesses da União ou
de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, não são de competência da Justiça Federal. Em verdade,
o menor inimputável que praticar um ato infracional está sujeito "à jurisdição do Juiz da Infância e da
Juventude, no âmbito da Justiça Comum Estadual" (LIMA, 2020, p. 528).

c) Crimes previstos em tratado ou convenção internacional


De acordo com o art. 109, V, da CF/88, compete aos juízes federais processar e julgar os crimes
previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou
devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente.

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Nota-se, portanto, que, por si só, o fato de o crime estar previsto em tratado ou convenção
internacional não atrai a competência da Justiça Comum Federal. Para tanto, é necessário que, além disso, o
crime tenha "repercussão internacional e não meramente interna ao País" (AVENA, 2017, p. 450).

I. Tráfico de drogas
Partindo da premissa acima trabalhada, o crime de tráfico de drogas somente será de competência
da Justiça Federal se evidenciada a sua transnacionalidade, isto é, se não estiver adstrito às fronteiras do
Brasil.

É nesse sentido a Súmula nº 522 do STF, a qual aduz que, “salvo ocorrência de tráfico para o exterior,
quando então a competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados o processo e julgamento
dos crimes relativos a entorpecentes”.

Logo, ainda que verificada a interestadualidade do tráfico, se o crime estiver adstrito ao território
nacional, a competência será da Justiça Comum Estadual.

Para que seja evidenciado o tráfico transnacional, nos termos do art. 40, I, da Lei nº 11.343/06, não
basta que a droga provavelmente tenha sido adquirida no exterior. É dizer: não sendo demonstrado que foi
aquela pessoa a responsável por transpor as fronteiras do País com a droga apreendida, não se pode
pressupor que o tráfico seja transnacional.

Caso contrário, se fosse utilizado o critério da provável aquisição no exterior, toda vez que fossem
apreendidas porções de cocaína em nosso País, restaria evidenciado tráfico internacional, já que o Brasil não
produz tal substância (AVENA, 2017, p. 450).

Nesse contexto, ainda que a droga seja apreendida em localidade próxima às fronteiras do Brasil,
para que o fato seja de competência da Justiça Federal, é preciso averiguar se a pessoa surpreendida com a
droga, de fato, está envolvida com atos de importação e transporte internacional ou se é mera revendedora
que já teria adquirido a substância em nosso território (LIMA, 2020, p. 532).

Detalhe interessante diz respeito ao fato de que, para se verificar a competência da Justiça Federal,
isto é, para que o tráfico seja considerado transnacional, necessário se faz que a substância apreendida no
Brasil também seja considerada ilícita no país de origem ou de destino. Caso contrário, o tráfico é interno, ou
seja, de competência da Justiça Comum Estadual (LIMA, 2020, p. 532).

No que diz respeito à competência territorial, à luz da Súmula nº 528 do STJ, "compete ao juiz federal
do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico
internacional". Assim, pouco importa por onde aquela droga entrou. O que importa, para fins de
determinação do juízo federal competente, é o local da apreensão. Caso contrário, a justiça federal das
fronteiras ficaria abarrotada de processos de tráfico.

Ainda em relação à Súmula nº 528 do STJ, importantíssimo assentar que, no ano de 2021, o STJ
mitigou o seu alcance, tendo afirmado que: "Compete ao Juízo Federal do endereço do destinatário da droga,
importada via Correio, processar e julgar o crime de tráfico internacional" (STJ. 3ª Seção. CC 177.882-PR, Rel.
Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 26/5/2021; Info 698). É dizer: se a droga é traficada pelo Correio e não
há identificação do destinatário, aplica-se, em sua inteireza, a Súmula nº 528 do STJ. Todavia, se é traficada
pelo Correio e há identificação do destinatário, competirá o julgamento ao juízo do local de destino da droga,
em favor da facilitação da fase investigativa, da busca da verdade e da duração razoável do processo.

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II. Contrabando e descaminho


O STJ, no julgamento do CC 160.748/SP, de relatoria do Min. Sebastião Reis Júnior, assentou que,
ainda que inexistentes indícios de transnacionalidade da conduta, compete à Justiça Federal processar e
julgar os crimes de contrabando e descaminho, o que se mostra bem relevante nas provas de concurso, já
que, via de regra, só há falar em competência da Justiça Federal se verificada a transnacionalidade da
conduta.

III. Pornografia infantil e pedofilia por meio da internet


O fato dos crimes insertos no art. 241 e seguintes do ECA serem praticados pela internet, por si só,
não atrai a competência da Justiça Federal, já que, nos termos do art. 109, inciso V, da CF/88, mostra-se
necessário que o delito tenha caráter transnacional.

Nesse contexto, se um agente, em Brasília/DF, por meio do WhatsApp, envia uma fotografia que
contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente a uma pessoa que esteja
no Rio de Janeiro/RJ, não há falar em competência da Justiça Federal, já que não satisfeito o requisito da
transnacionalidade (LIMA, 2020, p. 537).

Noutro giro, se esse mesmo agente de Brasília/DF, posta tal fotografia em um site da rede mundial
de computadores, isto é, abrindo a possibilidade de acesso por qualquer pessoa do mundo, restará
configurada a transnacionalidade do delito, ainda que nenhuma pessoa de fora do Brasil tenha, de fato,
acessado, invocando-se a competência da Justiça Federal. Logo, havendo divulgação do conteúdo na rede
mundial de computadores, a competência para o processo e julgamento do fato é da Justiça Federal (LIMA,
2020, p. 537).

No que diz respeito à competência territorial, os Tribunais Superiores têm entendido que compete
ao juízo do local do lançamento das fotos na internet, sendo desimportante a localização do provedor de
acesso à rede mundial de computadores (LIMA, 2020, p. 537).

d) Incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal


Conforme art. 109, inciso V-A, da CF/88, compete aos juízes federais processar e julgar as causas
relativas a direitos humanos a que se refere o art. 109, §5º, da CF/88, o qual aduz que, nas hipóteses de grave
violação de direitos humanos, o PGR, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações
decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar,
perante o STJ, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para
a Justiça Federal.

Nesse sentido, de acordo com a própria literalidade dos dispositivos legais transcritos, verifica-se que
o Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) é suscitado pelo Procurador-Geral da República perante
o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase da investigação ou do processo judicial, a fim de que sejam
respeitados tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte.

Nota-se, portanto, que não é necessário, para fins de suscitação do IDC, que o crime praticado seja
dotado de caráter transnacional. Em verdade, para que se possa falar na federalização dos crimes contra os
direitos humanos, dois pressupostos devem ser preenchidos, a saber (LIMA, 2020, p. 539):

a) a existência de crime praticado com grave violação aos direitos humanos;

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b) demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de


tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de
vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em
proceder à devida persecução penal.

Como se nota, não é todo caso que envolva grave violação aos direitos humanos que será levado à
Justiça Federal. Para que se retire o caso da Justiça Estadual, é necessário que os órgãos estaduais da
persecução penal, sejam eles policiais, sejam eles judiciários, se mostrem inertes, negligentes ou sem
condições reais de efetivar a necessária persecução penal. Assim, verificando-se uma gravíssima violação aos
direitos humanos, mas não sendo observada atuação deficiente dos órgãos estaduais, não há falar no
Incidente de Deslocamento da Competência.

e) Crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o
sistema financeiro e a ordem econômico-financeira
De acordo com o art. 109, inciso VI, da CF/88, compete aos juízes federais processar e julgar os crimes
contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem
econômico-financeira.

Depreende-se, portanto, que, em relação aos crimes contra a organização do trabalho, para que o
processo e julgamento de tais delitos sejam de competência da Justiça Federal, não há necessidade de
legislação infraconstitucional. É dizer: a competência da Justiça Federal, no caso dos crimes contra a
organização do trabalho, emana diretamente da Constituição Federal.

Em contrapartida, no caso dos crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira,


só há falar em competência da Justiça Federal, se houver lei infraconstitucional prevendo tal situação. É dizer:
a competência da Justiça Federal, no caso dos crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-
financeira, não emana diretamente da Constituição Federal.

I. Crimes contra a organização do trabalho

Como visto, independentemente de legislação infraconstitucional, a CF/88 determina que compete


aos juízes federais processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho. Interpretando tal dispositivo
constitucional, a jurisprudência dos Tribunais Superiores assentou que só há falar em competência da Justiça
Federal nos casos em que houver lesão aos direitos dos trabalhadores coletivamente considerados. É dizer:
"tratando-se de simples lesão a direito individual, remanesce a competência residual da Justiça Estadual"
(AVENA, 2017, p. 452).

Nesse contexto, permanece aplicável a Súmula nº 115 do extinto Tribunal Federal de Recursos, que
assim dispõe: "Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho,
quando tenham por objeto a organização geral do trabalho ou direitos dos trabalhadores considerados
coletivamente".

Logo, nem todo crime inserto no Título IV do Código Penal, que trata "dos crimes contra a organização
do trabalho", será de competência da Justiça Federal. Em verdade, a regra é que seja julgado pela Justiça
Estadual, sendo de competência da Justiça Federal somente os casos que atentarem contra a organização
geral do trabalho ou direitos dos trabalhadores coletivamente considerados.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

Tema bastante recorrente nas provas de concurso diz respeito ao crime de redução a condição
análoga à de escravo, inserto no art. 149 do Código Penal, o qual, apesar de não constar no citado Título IV
(e sim no Título I do CP), é considerado um crime contra a organização geral do trabalho e/ou os direitos dos
trabalhadores considerados coletivamente, sendo, pois, um crime de competência da Justiça Federal
(AVENA, 2017, p. 452).

II. Crimes contra o sistema financeiro


Como dito, para que os crimes contra o sistema financeiro fossem julgados pela Justiça Federal, exigiu
o constituinte regulamentação infraconstitucional quanto ao ponto. Logo, somente serão de competência da
Justiça Federal os casos expressamente previstos na legislação infraconstitucional.

No que diz respeito ao Sistema Financeiro Nacional, especial atenção deve ser dada à Lei n.º
7.492/86, a qual, em seu art. 26, determina que "a ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida
pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal".

Portanto, atendendo ao comando constitucional inserto no art. 109, inciso VI, da CF/88, o legislador
infraconstitucional, ao editar a Lei n.º 7.492/86, estatuiu que os crimes nela previstos serão de competência
da Justiça Comum Federal, razão pela qual fica afastada a atuação da Justiça Comum Estadual.

III. Crimes contra a ordem econômico-financeira

Assim como ocorre em relação aos crimes contra o sistema financeiro, para que os crimes contra a
ordem econômico-financeira fossem julgados pela Justiça Comum Federal, a Constituição Federal exigiu
regulamentação infraconstitucional quanto ao ponto. Nesse sentido, somente serão de competência da
Justiça Federal os casos expressamente previstos na legislação infraconstitucional.

Diferentemente do que ocorreu em relação aos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, o
legislador infraconstitucional não previu que os crimes contra a ordem econômico-financeira fossem julgados
pela Justiça Federal, razão pela qual, via de regra, tais delitos serão apreciados pela Justiça Estadual.

É o que se verifica, por exemplo, em relação aos crimes contra a economia popular, insertos na Lei
nº 1.521/51, a qual nada diz respeito à competência. Portanto, silenciando o legislador, nos termos do art.
109, inciso VI, da CF/88, a competência para processar e julgar os crimes contra a economia popular recai
sobre a Justiça Comum Estadual. É nesse sentido o teor da Súmula nº 498 do STF: "Compete à Justiça dos
Estados, em ambas as instâncias, o processo e o julgamento dos crimes contra a economia popular".

De forma semelhante, a Lei n.º 8.137/90, que trata dos crimes contra a ordem tributária, econômica
e contra as relações de consumo, também foi silente em relação à competência, razão pela qual, via de regra,
os crimes nela previstos serão de competência da Justiça Estadual.

Logicamente, se um crime previsto na Lei n.º 8.137/90, como o delito de formação de cartel (art. 4º),
atentar contra bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas,
tal fato deverá ser julgado pela Justiça Federal, com base no estudado art. 109, inciso IV, da CF/88 e não por
seu inciso VI, ora estudado (LIMA, 2020, p. 546).

A Lei n.º 8.176/91, a qual, em seu art. 1º, inciso I, traz o crime de venda de combustível adulterado,
nada dispôs sobre a competência para seu processo e julgamento, razão pela qual fica afastada a
competência da Justiça Federal. Nesse caso, pouco importa o fato de competirem à Agência Nacional de

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

Petróleo o controle, a fiscalização e a regulação da atividade de distribuição e revenda de derivados do


petróleo e álcool, "haja vista tratar-se de interesse genérico, reflexo e não-imediato, o que, por si só, não
atrai a competência da Justiça Federal com base no inciso IV do art. 109 da Carta Magna" (LIMA, 2020, p.
546).

Por sua vez, a Lei n.º 9.613/98, que trata dos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e
valores, quanto à competência, traz uma estrutura híbrida, isto é, tais fatos poderão ser julgados pela Justiça
Estadual ou pela Justiça Federal.

A regra geral é que os crimes de lavagem de dinheiro serão processados e julgados pela Justiça
Comum Estadual. Todavia, dispõe o art. 2º, inciso III, da Lei n.º 9.613/98, que tais delitos são de competência
da Justiça Federal, nos seguintes casos:

• quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em


detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou
empresas públicas; e

• quando a infração penal antecedente for de competência da Justiça Federal.

f) Habeas Corpus
De acordo com o art. 109, VII, da CF/88, compete aos juízes federais processar e julgar os habeas
corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos
atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição.

Assim, será da competência do juiz federal, isto é, será julgado pela Justiça Federal de 1ª instância o
habeas corpus impetrado contra ato de um delegado de Polícia Federal, porquanto tal autoridade não é
dotada de foro por prerrogativa de função.

Em contrapartida, se a autoridade apontada como coatora for dotada de foro por prerrogativa de
função, o habeas corpus contra ela impetrado não será de competência do juiz federal, como ocorre, por
exemplo, no caso de ato praticado por procurador da república atuante na 1ª instância, que deve ser julgado
pelo Tribunal Regional Federal respectivo, conforme será melhor estudado no capítulo atinente ao habeas
corpus.

g) Mandado de segurança em matéria criminal

Conforme art. 109, inciso VIII, da CF/88, compete aos juízes federais processar e julgar o mandado
de segurança impetrado contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais
federais.

Portanto, será de competência do juiz federal, isto é, será julgado pela Justiça Federal de 1ª instância,
o mandado de segurança impetrado contra ato de um delegado de Polícia Federal, que, por exemplo, denega
ao advogado acesso às peças já documentadas em inquérito policial que tramita em sua delegacia, violando,
pois, a Súmula Vinculante n.º 14 do STF.

h) Crimes cometidos a bordo de navios e aeronaves

De acordo com o art. 109, IX, da CF/88, compete aos juízes federais processar e julgar os crimes
cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar.

I. Crimes cometidos a bordo de navios

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No que diz respeito à primeira parte do art. 109, inciso IX, da CF/88, nota-se que o constituinte foi
bastante seletivo na escolha do termo por ele utilizado, já que, ao se valer da expressão "navios", teve a
intenção de somente fixar a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de crimes
cometidos a bordo de "embarcações aptas para a navegação em alto-mar". É dizer: os crimes cometidos a
bordo de "embarcações de pequeno porte ou de pequeno calado, tais como lanchas de recreio, botes com
motor de popa, jet-skis, etc.", não são julgados pela Justiça Federal, mas, sim, pela Justiça Comum Estadual
(LIMA, 2020, p. 551).

Outro detalhe importante em relação aos crimes cometidos a bordo de navios diz respeito ao fato
de que, para fins de fixação da competência da Justiça Federal, é exigido que o navio "se encontre em
situação de deslocamento internacional ou ao menos em situação de potencial deslocamento". Por essa
razão, o STJ assentou que compete à Justiça Estadual processar e julgar crimes de homicídio e lesão corporal
culposos ocorridos durante operação de carregamento de navio, porquanto a embarcação estava ancorada
e não se encontrava nem mesmo em situação de potencial deslocamento (STJ, CC 116.011/SP, Rel. Ministro
GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/11/2011, DJe 1º/12/2011).

II. Crimes cometidos a bordo de aeronaves

Diferentemente do que fez em relação aos navios, o constituinte, ao redigir a segunda parte do art.
109, inciso IX, da CF/88, não restringiu o alcance do termo por ele empregado, sendo de competência da
Justiça Federal os crimes cometidos a bordo de aeronaves, pouco importando o seu porte. É dizer: para fins
de fixação da competência da Justiça Federal, mostra-se desimportante o fato de a aeronave ser de grande,
médio ou pequeno porte. Se for aeronave, o crime nela cometido será processado e julgado pela Justiça
Federal.

Conquanto o constituinte não tenha sido seletivo em relação ao termo aeronave, não é tão fácil,
inclusive em tese, saber o que é uma aeronave, cuja definição legal se encontra no art. 106, caput, da Lei nº
7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica), que assim dispõe: "Considera-se aeronave todo aparelho
manobrável em vôo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas,
apto a transportar pessoas ou coisas".

Enfrentando um caso que passava justamente pela conceituação de aeronave, o STJ, após assentar
que o termo aeronave é "de difícil definição jurídica", disse que compete à Justiça Estadual processar e julgar
crimes cometidos a bordo de "balões de ar quente tripulados", porquanto estes não se enquadrariam na
conceituação legal de aeronave (CC 143.400/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado
em 24/4/2019, DJe 15/5/2019).

Ainda no que diz respeito às aeronaves, tem-se que, diferentemente do que ocorre em relação aos
navios, para fins de fixação da competência da Justiça Federal, mostra-se irrelevante o fato da aeronave se
encontrar em solo ou sobrevoando. É dizer: ainda que a aeronave se encontre em terra, o crime nela
cometido será de competência da Justiça Federal, ou seja, mesmo que a aeronave não esteja em
deslocamento ou em situação de potencial descolamento, o crime cometido em seu interior deverá ser
processado e julgado pela Justiça Federal (CC 143.343/MS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA
SEÇÃO, DJe 30/11/2016).

III. Foro competente no caso de crimes cometidos a bordo de embarcações e aeronaves

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Em seus arts. 89, 90 e 91, o Código de Processo Penal disciplina o foro competente para processar e
julgar as infrações penais praticadas a bordo de embarcações e aeronaves.

Um detalhe muito importante, que, muitas das vezes, passa desapercebido, refere-se ao fato de que
as regras insertas nos arts. 89, 90 e 91 do CPP somente são aplicáveis ao território nacional, isto é, somente
podemos nos recorrer a elas, no caso da embarcação ou aeronave ser considerada território nacional. Caso
contrário, não serão aplicadas as regras estatuídas pelos citados artigos, mas, sim, aquela trazida pelo art. 88
do mesmo Código, que disciplina o foro competente para processar e julgar fatos ocorridos fora do território
nacional, que será analisado no último tópico desse capítulo.

Em outras palavras, somente são aplicáveis as regras trazidas pelos arts. 89, 90 e 91, do CPP, caso
aquela embarcação ou aeronave seja considerada território nacional, porquanto, caso não seja território
nacional, isto é, se tratar de extraterritorialidade da lei penal, quem determinará o foro competente é o art.
88 do CPP.

De acordo com a primeira parte do art. 5º, §1º, do Código Penal, as embarcações e aeronaves de
natureza pública ou que estejam a serviço do governo brasileiro, onde quer que se encontrem, serão
consideradas território nacional, isto é, ser-lhe-ão aplicadas as regras dos arts. 89, 90 e 91, do CPP. Isto é,
mesmo que as embarcações ou aeronaves públicas do Brasil ou que estejam a serviço do governo brasileiro
se encontrem em águas ou no espaço aéreo de outro País, serão elas consideradas território do Brasil.

Em sentido contrário, respeitando-se a reciprocidade, as embarcações e as aeronaves estrangeiras


de natureza pública ou que estejam a serviço de governo estrangeiro, ainda que se encontrem em nossas
águas ou em nosso espaço aéreo, não serão consideradas território nacional, não sendo aplicáveis às
infrações penais nelas cometidas as regras dos arts. 89, 90 e 91, do CPP.

Conforme a segunda parte do art. 5º, §1º, do Código Penal, as embarcações e as aeronaves
brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, serão consideradas território nacional em duas situações,
tão somente: I) por óbvio, se estiverem em território nacional, isto é, em nossas águas ou em nosso espaço
aéreo; e II) estiverem no alto-mar ou no espaço aéreo correspondente ao alto-mar, isto é, em território de
nenhum outro País. Caso tais embarcações ou aeronaves se encontrem em águas ou no espaço aéreo de
outro País, não serão aplicadas às infrações penais nelas cometidas as regras insertas nos arts. 89, 90 e 91,
do CPP.

Em complementação à regra trazida pela segunda parte do art. 5º, §1º, do Código Penal, o §2º
disciplina que, caso embarcações ou aeronaves estrangeiras de propriedade privada estejam em portos,
águas, aeroportos ou em nosso espaço aéreo, serão consideradas território nacional, sendo aplicadas às
infrações penais nelas cometidas as regras insertas nos arts. 89, 90 e 91, do CPP. É dizer: pela reciprocidade,
se nossas embarcações e aeronaves privadas, quando estão em águas ou no espaço aéreo pertencentes a
outro País, não são consideradas nosso território, tal regra também deve valer para as embarcações e as
aeronaves estrangeiras de natureza privada.

Fixadas essas balizas, tem-se que o art. 89 do CPP disciplina que as infrações penais cometidas a
bordo de embarcações serão processadas pela justiça (federal ou estadual) do primeiro porto brasileiro em
que tocar a embarcação, após o fato, ou, quando se afastar do País, pela do último em que houver tocado.
Assim, sendo aplicável a regra do art. 89 do CPP, isto é, caso seja nosso território, a infração penal cometida
a bordo de embarcações deverá ser julgada pela justiça do primeiro porto brasileiro em que tocar após o
crime. Caso aquela embarcação tenha se afastado do Brasil, o fato deverá ser julgado pela justiça do último
porto brasileiro que a embarcação tocou antes de partir. Desse modo, duas regras devem ser observadas: I)
se a embarcação não saiu do Brasil, a infração penal será julgada pela justiça do local do primeiro porto

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brasileiro em que ela tocar após o crime; e II) se a embarcação saiu do Brasil, a infração penal será julgada
pela justiça do local do último porto brasileiro que ela tocou.

Semelhantemente, o art. 90 do CPP normatiza que as infrações penais cometidas a bordo de


aeronaves serão julgadas pela justiça (federal) do território em que se verificar o pouso após o crime, ou pela
comarca de onde houver partido a aeronave. Assim, sendo aplicável a regra do art. 90 do CPP, isto é, caso
seja nosso território, a infração penal cometida a bordo de aeronave deverá ser julgada pela justiça do local
onde ocorrer o pouso após o crime. Caso a aeronave tenha se afastado do Brasil, o fato deverá ser julgado
pela justiça do local em que está situado o aeroporto de onde a aeronave partiu. Desse modo, duas regras
devem ser observadas: I) se a aeronave não saiu do Brasil, a infração penal será julgada pela justiça do local
do aeroporto brasileiro em que ela pousar depois do crime; e II) se a aeronave saiu do Brasil, a infração penal
será julgada pela justiça do local do aeroporto brasileiro de onde ela partiu.

Caso as regras trazidas pelos arts. 89 e 90 do CPP não sejam suficientes à determinação da
competência, nos termos do art. 91 do CPP, esta será fixada pela prevenção do juízo, que será estudada, com
mais detalhes, em tópico próprio.

i) Crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro

Conforme art. 109, X, primeira parte, da CF/88, compete aos juízes federais processar e julgar os
crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro.

Inicialmente, assenta-se que o dispositivo constitucional ora em análise deve ser entendido "no
sentido de que compete aos juízes federais o processo e julgamento de todo e qualquer crime, previsto na
legislação comum ou especial, cometido pelo estrangeiro com o intuito de regularizar o seu ingresso e
permanência no Brasil" (LIMA, 2020, p. 553).

Ademais, importa registrar que o fato do crime ser cometido por estrangeiro, por si só, não atrai a
competência da Justiça Federal. É dizer: "a condição de estrangeiro, para fins de fixação de competência
criminal, só tem relevância quando se trata de crime relacionado ao ingresso ou permanência irregular no
país" (LIMA, 2020, p. 553).

j) Disputa sobre direitos indígenas

De acordo com o art. 109, inciso XI, da CF/88, compete aos juízes federais processar e julgar a disputa
sobre direitos indígenas.

Trazendo tal dispositivo constitucional ao campo da competência criminal, tem-se que:

não é o fato de ser índio o sujeito ativo ou o sujeito passivo da conduta delituosa que atrai
a competência federal, sendo necessário que fique caracterizado estar o delito relacionado
à disputa sobre direitos indígenas", isto é, "que atinja interesses gerais da população
indígena, assumindo caráter transindividual (AVENA, 2017, p. 454).

É nesse sentido o teor da Súmula nº 140 do STJ, a qual aduz que "compete à justiça comum estadual
processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou como vítima”.

Assim, ainda que o fato seja praticado no interior de uma reserva indígena, caso não guarde relação
com a disputa sobre direitos indígenas, não será processado e julgado pela Justiça Federal, mas, sim, pela
Justiça Comum Estadual (LIMA, 2020, p. 554).

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3.5. Foro por prerrogativa de função

Em razão das funções públicas exercidas por determinados agentes, o ordenamento lhes confere a
prerrogativa de serem julgados, originariamente, quando na condição de réu, por um Tribunal, o que é
denominado de foro por prerrogativa de função ou competência ratione personae ou ratione funcionae. É
dizer: o processo criminal já "nasce" perante um Tribunal, não se sujeitando ao crivo de um órgão judiciário
de 1ª instância.

O foro por prerrogativa de função exerce dupla função de garantia, já que, em uma primeira vertente,
"tem um caráter favorável ao acusado (outorga a ele o direito de ser julgado por órgão coletivo, que tem
menor chance de ser objeto de constrangimentos por terceiros que o juízo singular)". Em uma segunda
vertente de proteção, diz-se que o foro por prerrogativa de função "manifesta-se contra o réu (eis que
também é menor o risco de coação efetuada pelo próprio réu relativamente a um órgão judicial coletivo, que
a um órgão singular) (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 427).

Nesse sentido, considerando que, ao menos em tese, o foro por prerrogativa de função somente
deve ser instituído em razão do cargo exercido e não da pessoa que o exerce, deve-se evitar a expressão
"foro privilegiado", porquanto não se trata de um privilégio em relação à pessoa. Em verdade, o foro por
prerrogativa de função deve ser visto como uma garantia ao exercício pleno das atribuições do cargo,
porquanto o seu titular não pode estar sujeito a pressões infundadas de outras autoridades.

Assim, justamente pelo fato de não ser um privilégio pessoal do ocupante do cargo, os Tribunais
Superiores têm restringido o alcance das normas que disciplinam o foro por prerrogativa de função, somente
o mantendo nos casos em que tal instituto se mostre estritamente necessário ao imparcial exercício do cargo.
Dada a importância em provas de concurso, em tópicos separados, veja alguns regramentos firmados pelos
Tribunais Superiores nos últimos anos.

Antes, porém, é importante assentar que, no Info. 1040, o STF bateu que é "indispensável a existência
de prévia autorização judicial para instauração de inquérito policial ou outro procedimento investigatório em
face de autoridade com foro por prerrogativa de função", o que sempre foi motivo de muita discussão e deve
ser cobrado nas provas vindouras.

Nessa esteira, já no Info. 1054, disse o STF que é "constitucional a norma de Regimento Interno de
Tribunal de Justiça que condiciona a instauração de inquérito policial à autorização de desembargador-
relator nos feitos de competência originária daquele órgão".

Todavia, ainda quanto à temática, decidiu a Suprema Corte, no Info. 1057, que é "inconstitucional
norma estadual que impõe a necessidade de prévia autorização do órgão colegiado do tribunal competente
para prosseguir nas investigações que objetivam apurar suposta prática de crime cometido por magistrado".

3.5.1. Infração penal cometida durante o exercício do cargo (regra da


contemporaneidade)
A primeira regra importante em relação à restrição do alcance das normas que disciplinam o foro por
prerrogativa de função diz respeito à chamada regra da contemporaneidade, isto é, a infração penal somente
será julgada pelo Tribunal respectivo se for praticada durante o exercício do cargo (após a diplomação ou

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investidura no cargo, conforme o caso) (STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em
3/5/2018).

Logo, pela regra da contemporaneidade, que não se confunde com a regra da atualidade, se a
infração penal for cometida antes do início do exercício do cargo, não há falar em foro por prerrogativa de
função. É dizer: ainda que a diplomação/investidura se dê durante o processo criminal ainda não findado,
este não será deslocado ao foro por prerrogativa de função, porquanto o fato não foi praticado durante o
exercício do cargo.

Esse não deslocamento do processo ao foro por prerrogativa de função é justamente o que diferencia
a regra da contemporaneidade da regra da atualidade. Segundo esta última, caso a infração penal tenha "sido
perpetrada em data anterior ao início do exercício de cargo ou função com prerrogativa de foro, o processo
criminal deve ser remetido para o órgão competente para julgar o agente", sendo considerados válidos os
atos processuais já praticados, nos termos da regra do tempus regit actum (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 431).

a) Marco temporal para fins de possível prorrogação de competência do tribunal


competente
A fim de evitar que o titular do cargo, buscando, por exemplo, uma eventual prescrição,
voluntariamente se afastasse do cargo para que o processo fosse remetido à 1ª instância às vésperas de ser
julgado pelo Tribunal, o STF assentou que "após o final da instrução processual, com a publicação do
despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações
penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que
ocupava, qualquer que seja o motivo" (STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em
3/5/2018).

Assim, a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais funciona como
o último marco temporal da perpetuação da competência, isto é, após ele, o processo será julgado por aquele
Tribunal, ainda que o agente deixe o cargo, sendo desimportante o motivo pelo qual se deu seu afastamento.

b) Infração penal praticada após o exercício funcional


Como dito, pela regra da contemporaneidade, somente deverão ser julgadas pelos Tribunais
respectivos as infrações penais cometidas após a diplomação/investidura no cargo dotado de foro por
prerrogativa de função.

Obviamente, sendo o foro por prerrogativa de função um instituto voltado ao regular desempenho
das funções inerentes ao cargo, se a infração penal for praticada após a cessação de seu exercício, não há
falar em julgamento por Tribunal, já que não respeitada a regra da contemporaneidade.

É nesse sentido o teor da Súmula n.º 451 do STF, a qual aduz que "a competência especial por
prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional".

3.5.2. Infração penal relacionada com o exercício funcional


Além de estabelecer que a infração penal deve ser praticada durante o exercício do cargo, a
jurisprudência dos Tribunais Superiores passou a exigir que, para ser julgada pelo Tribunal respectivo, a

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infração penal cometida deve guardar relação com as funções inerentes ao cargo dotado de foro por
prerrogativa de função. É dizer: se a infração penal cometida não tiver relação com as funções vinculadas ao
cargo, não há falar em foro por prerrogativa de função, sendo o fato julgado pela justiça de 1ª instância,
federal ou estadual, conforme o caso (STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em
3/5/2018).

Nesse contexto, se um Deputado Federal, após a sua diplomação, cometer uma lesão corporal leve
em desfavor de sua companheira, fato este totalmente estranho ao exercício de seu mandato, será julgado
pela Justiça Comum Estadual, já que a infração penal por ele cometida não guarda relação com o exercício
funcional.

a) Mandatos sucessivos e cruzados


Privilegiando a regra de que, para ser julgada pelo Tribunal respectivo, a infração penal cometida
deve guardar relação com o exercício do cargo, o STF assentou "que o recebimento de doação ilegal
destinado à campanha de reeleição ao cargo de Deputado Federal é um crime relacionado com o mandato
parlamentar", competindo-lhe o julgamento de tal fato. Para além disso, decidiu o STF que se mostra
"desimportante a circunstância de este delito ter sido praticado durante o mandato anterior, bastando que
a atual diplomação decorra de sucessiva e ininterrupta reeleição" (STF. Plenário. Inq 4435 AgR-quarto/DF,
Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 13 e 14/3/2019).

Nesse contexto, excepcionando, de certa forma, a regra da contemporaneidade, o STF assentou que,
caso um detentor de cargo eletivo doe ilegalmente recursos destinados à sua reeleição, tal fato deverá ser
julgado pelo Tribunal respectivo, já que guarda relação com o cargo, ainda que tenha sido praticado no
mandato anterior, sendo exigido, todavia, que a nova diplomação decorra de sucessiva e ininterrupta
reeleição.

Logo, se um Deputado Federal, eleito nas eleições gerais de 2014, para os anos de 2015 - 2018,
tentando a reeleição nas eleições de 2018, doe, de forma ilegal, recursos à sua campanha, caso eleito, será
julgado pelo STF, já que o mandato de 2019 - 2022 decorre de sucessiva e ininterrupta reeleição.

Também amenizando a regra de que o crime deve ser cometido durante o exercício do mandato,
bateu o STF, no Info. 1049, que, havendo sucessiva eleição em mandatos cruzados de parlamentar federal, a
Suprema Corte se mantém competente para processar fatos cometidos no cargo anterior. Exemplifica-se:
caso um deputado federal, de forma ininterrupta, ganhe as eleições para senador, o STF será competente
para processar e julgar eventual fato criminoso por ele praticado enquanto deputado federal, já que houve,
tão somente, o cruzamento de mandatos parlamentares federais.

b) Infração penal cometida por desembargador


Nos termos do art. 105, inciso I, da CF/88, compete ao STJ processar e julgar, originariamente, nos
crimes comuns e de responsabilidade, os Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados ou do
Distrito Federal e dos Territórios.

Interpretando tal dispositivo constitucional, assentou o STJ que, ainda que a infração penal não
guarde relação com o exercício do cargo de Desembargador, compete-lhe julgar tal fato, porquanto o
instituto do foro por prerrogativa de função não visa somente o regular desempenho do cargo, mas, também,
tem por objetivo mitigar a influência do réu sobre o julgador, mantendo-se a credibilidade da justiça criminal

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(QO na APn 878/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/11/2018, DJe
19/12/2018).

Nesse sentido, caso um Desembargador cometa o crime de embriaguez ao volante, fato este que em
nada se relacionada com o cargo, competirá ao STJ processar e julgá-lo, porquanto não se mostra crível, na
visão do próprio STJ, que um juiz de 1ª instância julgue um Desembargador, porquanto não reuniria as
condições necessárias ao desempenho de suas atividades judicantes de forma imparcial.

c) Infração penal cometida por promotor de justiça


Semelhantemente ao que decidiu em relação aos desembargadores, assentou o STJ, no ano de 2021,
que "Compete aos tribunais de justiça estaduais processar e julgar os delitos comuns, não relacionados com
o cargo, em tese praticados por Promotores de Justiça" (STJ. 3ª Seção. CC 177.100-CE, Rel. Min. Joel Ilan
Paciornik, julgado em 8/9/2021; Info 708).

3.5.3. Impossibilidade de concessão de foro por prerrogativa de função


Com o viés de restringir o instituto do foro por prerrogativa de função, assentou o STF que "é
inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função, no
Tribunal de Justiça, para Procuradores do Estado, Procuradores da ALE, Defensores Públicos e Delegados de
Polícia" (STF. Plenário. ADI 2553/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes,
julgado em 15/5/2019; grifos nossos).

No mesmo sentido, assentou o STF, no ano de 2021, que: I) "É inconstitucional dispositivo da
Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para o Delegado
Geral da Polícia Civil" (STF. Plenário. ADI 5591/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 20/3/2021; Info 1010);
e II) "É inconstitucional norma de constituição estadual que estende o foro por prerrogativa de função a
autoridades não contempladas pela Constituição Federal de forma expressa ou por simetria". (STF. Plenário.
ADI 6501/PA, ADI 6508/RO, ADI 6515/AM e ADI 6516/AL, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 20/8/2021;
Info 1026).

3.5.4. Crimes dolosos contra a vida


Tema de extrema relevância para as provas de concurso diz respeito aos crimes dolosos contra a vida,
já que a competência constitucional do Tribunal do Júri, conforme o caso, poderá afastar a regra do foro por
prerrogativa de função.

Quanto ao ponto, a Súmula Vinculante nº 45 do STF, que tem redação idêntica à antiga Súmula nº
721 do próprio STF, é bastante clara ao dizer que "a competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece
sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual".

Assim, duas situações diametralmente opostas emergem da interpretação da referida súmula


vinculante, porquanto o tratamento dado ao foro por prerrogativa de função trazido pela própria
Constituição Federal não é o mesmo daquele previsto exclusivamente na Constituição Estadual.

Nesse contexto, se o foro por prerrogativa de função estiver previsto exclusivamente na Constituição
Estadual, como ocorre, por exemplo, com os Secretários de Estado, caso estes cometam crimes dolosos
contra a vida, deverão ser julgados pelo Tribunal do Júri e não pelo Tribunal indicado pela Constituição
Estadual. É dizer: estando a regra do Tribunal do Júri inserta na Constituição Federal (art. 5º, inciso XXXVIII,

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alínea d, esta não pode ser afastada por uma norma prevista apenas na Constituição Estadual, razão pela
qual tal agente não será julgado pelo Tribunal indicado na Constituição Estadual, mas, sim, pelo Tribunal do
Júri, porquanto a competência deste emana diretamente da Carta Magna.

Noutro giro, se o foro por prerrogativa de função estiver previsto na própria Constituição Federal,
mostra-se possível que a competência do Tribunal do Júri seja afastada, já que uma norma inserta na própria
Constituição Federal tem aptidão para excepcionar outra regra lá prevista. É dizer: estando o foro por
prerrogativa de função e o Tribunal do Júri previstos na Constituição Federal, deve a norma atinente ao foro
por prerrogativa de função prevalecer sobre o regramento inerente ao Tribunal do Júri, caso o crime doloso
contra a vida tenha relação com as funções do cargo e for praticado durante o seu exercício (LIMA, 2020, p.
572).

Logo, se um Deputado Federal, durante o exercício do mandato e em razão de suas funções, praticar
um crime doloso contra a vida, deverá ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102,
inciso I, alínea b, da CF/88, e não pelo Tribunal do Júri.

Assim, interpretando-se a Súmula Vinculante nº 45 do STF em conjunto com as regras da


contemporaneidade e da necessária relação da infração penal com as funções inerentes ao cargo exercido,
temos o seguinte panorama:

• Foro por prerrogativa de função previsto exclusivamente na constituição estadual e cometimento


de crime doloso contra a vida: o fato deverá ser julgado pelo Tribunal do Júri e não pelo Tribunal
indicado pela Constituição Estadual;

• Foro por prerrogativa de função previsto na constituição federal e cometimento de crime doloso
contra a vida antes ou depois do exercício funcional: o fato deverá ser julgado pelo Tribunal do
Júri e não pelo Tribunal indicado pela Constituição Federal;

• Foro por prerrogativa de função previsto na constituição federal e cometimento de crime doloso
contra a vida sem relação com as funções inerentes ao cargo, mesmo que cometido durante o
exercício funcional: o fato deverá ser julgado pelo Tribunal do Júri e não pelo Tribunal indicado
pela Constituição Federal;

• Foro por prerrogativa de função previsto na constituição federal e cometimento de crime doloso
contra a vida durante o exercício funcional e em razão das funções: o fato deverá ser julgado pelo
Tribunal indicado pela Constituição Federal e não pelo Tribunal do Júri.

Por fim, convém ressaltar que, conforme visto, no caso dos Desembargadores, o STJ dispensa o
requisito da relação da infração penal com o exercício funcional, o que nos leva a concluir que, caso um
Desembargador cometa um crime doloso contra a vida, ainda que sem relação com o cargo, deverá ser
julgado pelo STJ, nos termos do art. 105, inciso I, da CF/88.

3.5.5. Foro por prerrogativa de função e local da infração


Conforme será estudado com mais detalhes adiante, nos termos do art. 70, caput, do CPP, em regra,
a competência territorial é determinada pelo local da consumação delitiva. Se o crime não se consumou, a
regra é que a competência territorial seja determinada pelo local do último ato de execução.

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Todavia, no caso de foro por prerrogativa de função, pouco importa a regra inserta no art. 70, caput,
do CPP, mesmo que a infração penal tenha se consumado em território sujeito à competência de outro
Tribunal.

Assim, se um juiz vinculado ao Tribunal de Justiça de Pernambuco cometer um crime de furto na


cidade de Ipameri/GO, deverá o magistrado ser julgado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco e não pelo
Tribunal de Justiça de Goiás.

3.5.6. Exceção da verdade


De acordo com o art. 85 do CPP, a exceção da verdade oposta contra detentor de foro por
prerrogativa de função deverá ser julgada pelo Tribunal respectivo, porquanto, em última análise, poderá
resultar na persecução criminal daquele agente.

Imagine a seguinte situação hipotética: Desembargador João ingressa com uma queixa-crime em
desfavor de José, que não detém foro por prerrogativa de função, imputando-lhe a prática do crime de
calúnia, nos termos do artigo 138, caput, do CP. Tal queixa-crime deverá ser ajuizada perante o Juizado
Especial Criminal, já que se trata de infração penal de menor potencial ofensivo, porquanto a pena privativa
de liberdade não ultrapassa o patamar de 2 (dois) anos, ainda que haja a pena cumulativa de multa. É dizer:
o fato de o Desembargador figurar como querelante, isto é, no polo ativo da ação, não atrai, por si só, o foro
por prerrogativa de função.

Todavia, se José ingressar com a exceção da verdade, isto é, intentar provar que aquele fato definido
como crime, que ele havia imputado ao Desembargador, realmente aconteceu, ou seja, não é falso, a exceção
da verdade, nesse caso, deverá ser julgada pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo foro por prerrogativa de
função dos desembargadores, nos termos do art. 105, inciso I, da CF/88.

Percebam o raciocínio: José estava respondendo um processo criminal pelo crime de calúnia, que,
nos termos do art. 138, caput, do CP, consiste em imputar falsamente a outrem fato definido como crime.
José deseja, através da exceção da verdade, provar que sua imputação não é falsa, isto é, que o
Desembargador João cometeu aquele fato definido como crime. Em outras palavras, é como se José estivesse
"acusando" o Desembargador João de ter cometido um crime, logo, a exceção da verdade deverá ser julgada
pelo foro por prerrogativa de função, já que, caso seja julgada procedente, isto é, caso o Tribunal entenda
que o Desembargador cometeu aquele fato definido como crime, deverá ser responsabilizado
criminalmente.

Não se pode confundir, entretanto, o julgamento da exceção da verdade com o seu juízo de
admissibilidade e instrução. Como visto, o julgamento da exceção da verdade interposta em desfavor de
detentor de foro por prerrogativa de função compete ao Tribunal respectivo. Todavia, o juízo de
admissibilidade da exceção e sua instrução são de competência das instâncias ordinárias. É dizer: após
admitir a exceção da verdade e instruí-la, a instância ordinária encaminha a exceção da verdade para o
Tribunal responsável por seu julgamento (HC 311.623/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA,
julgado em 10/3/2015, DJe 17/3/2015).

3.6. Competência de foro e competência de juízo

Depois de verificada qual é a Justiça competente para o processo e julgamento da infração penal
cometida, isto é, se deverá ser julgada pela Justiça Militar, Eleitoral, Federal ou Estadual, além de perquirir
se é caso de julgamento originário por Tribunal, é necessário averiguar qual o foro e qual o juízo competentes
para o julgamento do fato, o que se faz com base nas regras estatuídas pelo próprio CPP.

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De acordo com o art. 69 do Código de Processo Penal, a competência será determinada pelos
seguintes critérios:

I - o lugar da infração;
II - o domicílio ou residência do réu;
III - a natureza da infração;
IV - a distribuição;
V - a conexão ou continência;
VI - a prevenção;
VII - a prerrogativa de função.

3.6.1. Lugar da infração


Adotando a denominada teoria do resultado, o artigo 70, caput, do CPP, aduz que a competência
territorial, que é do tipo relativa, será, em regra, determinada pelo local em que ocorrer a consumação
delitiva, sendo desimportante, a princípio, o local em que a conduta foi praticada e, muito menos, o local em
que ocorrer o exaurimento de seus efeitos.

Detalhe importante é que o critério adotado pelo artigo 70, caput, do CPP, diz respeito aos crimes
cometidos integralmente dentro do território brasileiro, não podendo tal regra ser confundida com aquela
inserta no art. 6º do CP, que disciplina os chamados crimes à distância, isto é, os crimes em que a conduta e
a consumação ocorrem em território de dois países distintos.

Nesse contexto, adotando a chamada teoria da ubiquidade, o citado art. 6º do CP, ao disciplinar o
lugar do crime, diz que se considera praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo
ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado, o que tem por objetivo
preservar a soberania brasileira para processar e julgar o fato, desde que uma parte da infração penal tenha
sido perpetrada em território nacional (LIMA, 2020, p. 601).

Assim, caso a infração penal tenha sido integralmente praticada no território nacional, o foro
competente será determinado, em regra, pelo local em que ocorrer a consumação delitiva, que se opera
quando se reúnem todos os elementos da definição legal de determinado crime, nos termos do art. 14, inciso
I, do CP.

Noutro giro, conforme a parte final do art. 70, caput, do CPP, no caso de tentativa, a competência
territorial é determinada pelo lugar em que for praticado o último ato de execução, devendo se ter bastante
atenção quanto ao ponto, já que, muitas das vezes, em provas de concurso, o examinador aduz que a
competência será determinada, no caso da tentativa, pelo local do primeiro ato de execução, o que não é
verdade.

Nesse contexto, nos termos do art. 14, inciso II, do CP, caso a execução do crime tenha sido iniciada
e, por razões alheias à vontade do agente, o delito não se consume, devemos olhar, para fins de
determinação de competência, para o local em que o agente praticou o último ato executório, já que lá será
o foro competente para processar e julgar esse crime tentado.

a) Contrabando ou descaminho
Nos termos da Súmula n.º 151 do STJ, "a competência para o processo e julgamento por crime de
contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens".

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Conforme estudado em capítulo próprio, ainda que inexistentes indícios de transnacionalidade da


conduta, compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes de contrabando e descaminho, sendo a
competência de foro determinada pelo lugar em que se der a apreensão dos bens, sendo desimportante o
local pelo qual os produtos tenham ingressado no território brasileiro.

Desse modo, ainda que os bens tenham ingressado no Brasil pela cidade de Foz do Iguaçu/PR, caso
tenham sido apreendidos na cidade de São Paulo/SP, competirá à Justiça Federal da capital paulista processar
e julgar o fato (LIMA, 2020, p. 611).

b) Crimes plurilocais

Crimes plurilocais são aqueles em que a ação ou omissão ocorre em um determinado local, e o
resultado em lugar distinto, ambos dentro do território nacional. Isto é, a conduta é perpetrada em
determinado lugar do território brasileiro e o resultado é atingido em outro local, também do território
nacional.

Como dito, pela regra geral do art. 70, caput, do CPP, o foro competente deveria ser determinado
pelo local da consumação delitiva, isto é, para fins de determinação de competência, a princípio, não deveria
ser importante o local da conduta.

Todavia, mormente no caso de crimes contra a vida, em uma verdadeira interpretação contra legem,
a jurisprudência tem adotado a chamada teoria do esboço do resultado, que tem sido alvo de recentes
questionamentos em provas concursais.

De acordo com a teoria do esboço do resultado, no caso dos crimes plurilocais, a competência não
será determinada pelo local da consumação delitiva, mas pelo lugar em que a conduta foi perpetrada, isto é,
onde se deu a ação ou omissão.

Assim, pela teoria do esboço do resultado, caso João desfira três disparos de arma de fogo em
desfavor de José, na cidade de Formosa/GO e a vítima, socorrida pelo Corpo de Bombeiros daquele Estado,
faleça em hospital de Brasília/DF, a competência para processar e julgar tal fato não será determinada pelo
local da consumação (Brasília/DF), mas, sim, pelo local em que se passou a conduta delitiva (Formosa/GO).

Para os adeptos dessa teoria, que é aceita pela jurisprudência pátria tanto para o homicídio doloso
como para o culposo, o processo e o julgamento do fato perante o foro do local da conduta melhor atende à
busca da verdade real, porquanto otimiza a produção de provas, já que as "testemunhas não são obrigadas
a se deslocar a outra comarca para que sejam ouvidas". Além do mais, melhor atende ao "caráter
intimidatório geral" da pena, já que, no local da conduta, o criminoso é punido "para sinalizar à sociedade o
mal que pode advir da prática do delito" (LIMA, 2020, p. 604).

c) Crimes à distância
Crimes à distância são "aqueles que têm a sua execução iniciada em um determinado país e a sua
consumação em outro" (AVENA, 2017, p. 457), sendo a eles aplicáveis, em um primeiro momento, as
normativas trazidas pelos §§1º e 2º, do art. 70, do CPP.

De acordo com o art. 70, §1º, do CPP, se, iniciada a execução no território nacional, a infração se
consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o
último ato de execução. Tal regramento se harmoniza com o art. 6º, primeira parte, do CP, porquanto,

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conforme este último dispositivo legal, considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou
omissão, no todo ou em parte.

Assim, tendo a execução sido iniciada no território nacional, ainda que a consumação delitiva se dê
fora dele, a competência é da justiça brasileira, devendo o fato ser processado e julgado perante o foro do
local do último ato de execução.

Conforme art. 70, §2º, do CPP, quando o último ato de execução for praticado fora do território
nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia
produzir seu resultado. Tal regramento se harmoniza com a regra estatuída pelo art. 6º, segunda parte, do
CP, porquanto, conforme este último dispositivo legal, considera-se praticado o crime no local onde se
produziu ou deveria produzir-se o resultado.

Portanto, tendo a conduta sido praticada fora do território nacional e a consumação ocorrido no
território brasileiro, a justiça brasileira será competente para julgar tal fato, devendo o processo correr
perante o foro do território brasileiro onde, embora parcialmente, tenha se produzido o resultado. De igual
forma, sendo a conduta praticada fora do território brasileiro, mas visando ser consumada em nosso
território, isto é, se a conduta deveria produzir o seu resultado aqui no Brasil, a justiça brasileira será
competente para julgar aquele fato, devendo o processo correr perante o foro do local em que, embora
parcialmente, a conduta deveria produzir seus regulares efeitos.

d) Crimes cometidos na divisa de localidades sujeitas a jurisdições distintas


De acordo com o art. 70, §3º, do CPP, quando incerto o limite territorial entre duas ou mais
jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas
ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.

Quanto ao referido dispositivo legal, note-se que não há dúvidas quanto ao local da consumação
delitiva, isto é, geograficamente, é possível se determinar onde ocorreu a consumação do crime. Assim, a
dúvida, no caso do art. 70, §3º, do CPP, não se dá em relação ao local em que se verificou a consumação
delitiva, o que o difere da situação prevista no art. 72 do CPP, porquanto lá a incerteza diz respeito ao próprio
lugar da infração.

No caso do art. 70, §3º, do CPP, mesmo sabendo o lugar da infração, não se consegue determinar a
qual comarca aquele local é vinculado, seja porque é incerto o limite territorial entre duas ou mais comarcas.
Isto é, não se sabe, ao certo, onde termina a competência de uma comarca e onde começa a outra; ou seja,
porque a infração penal se consumou ou foi tentada nas divisas entre duas ou mais comarcas, não podendo
se determinar, com exatidão, qual a comarca competente para processar e julgar o fato, o que será
determinado pela prevenção.

Assim, ocorrendo a situação narrada pelo art. 70, §3º, do CPP, a competência territorial será
determinada pela prevenção, isto é, nos termos do art. 83 do mesmo Código, será competente o juízo que
tiver se antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que
anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa.

e) Infração continuada ou permanente

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

Nos termos do art. 71 do CPP, tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em


território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.

Infração penal do tipo continuada é verificada quando o agente, mediante mais de uma ação ou
omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de
execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, nos
termos do art. 71, caput, do CP.

Por sua vez, infração penal do tipo permanente é aquela cuja consumação se protrai no tempo, como
ocorre nos clássicos exemplos dos crimes de sequestro, cárcere privado ou extorsão mediante sequestro.
Nesses casos, enquanto a vítima estiver privada de sua liberdade ou com sua liberdade restringida, o crime
estará se consumando.

Nesse contexto, se a infração penal do tipo continuada ou permanente for praticada em território de
duas ou mais comarcas, qualquer delas é competente para julgar o fato, sendo a competência determinada
pela prevenção, nos termos do art. 83 do CPP.

Exemplo bastante recorrente nas provas concursais diz respeito aos crimes de sequestro, cárcere
privado ou extorsão mediante sequestro, em que a vítima é cooptada em determinado local, permanece, por
um período, em cativeiro localizado em uma primeira cidade, depois vai para outro cativeiro, localizado em
outra cidade, até ser libertada pela polícia.

Nesse caso, qualquer dessas comarcas é competente para processar e julgar o fato, sendo a
competência determinada pela prevenção. Isto é, nos termos do art. 83 do CPP, será competente o juízo que
tiver se antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que
anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa.

3.6.2. Determinação da competência pelo domicílio ou pela residência do réu


a) Ignorância quanto ao lugar da infração

De acordo com o art. 72, caput, do CPP, não sendo conhecido o lugar da infração, a competência
regular-se-á pelo domicílio ou pela residência do réu, o que é chamado pela doutrina de foro supletivo ou
subsidiário.

Assim, não se conhecendo o lugar da infração penal, isto é, não sendo possível, geograficamente,
determinar-se onde a infração penal se consumou, estabelece o CPP que a competência será determinada,
a princípio, pelo domicílio ou pela residência do réu. Apesar de simples tal regramento, em algumas provas
concursais, o examinador traz assertivas nas quais expõe que, caso não se conheça o lugar da infração, a
competência será determinada pelo domicílio ou pela residência da vítima, o que não é correto.

Nos termos do art. 72, §1º, do CPP, se o réu tiver mais de uma residência, a competência firmar-se-
á pela prevenção. Desse modo, não se conhecendo o lugar da infração, a competência será determinada pelo
local do único domicílio ou residência do réu.

Todavia, se o réu possuir mais de um domicílio ou mais de uma residência, a competência é


determinada pela prevenção, isto é, nos termos do art. 83 do CPP, será competente o juízo que tiver se
antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior
ao oferecimento da denúncia ou da queixa.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

Conforme art. 72, §2º, do CPP, se o réu não tiver residência certa ou for ignorado o seu paradeiro,
será competente o juiz que primeiro tomar conhecimento do fato.

Interpretando a expressão "juiz que primeiro tomar conhecimento do fato", a doutrina tem
entendido que ela se equivale à prevenção, isto é, caso o réu não tenha residência certa ou for ignorado o
seu paradeiro, será competente "o juiz que primeiro decidir a respeito do fato" (MARCÃO, 2016, p. 235).

b) Ação penal de iniciativa privada


Dispõe o art. 73 do CPP que, nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá preferir o foro
de domicílio ou da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração, o que é denominado pela
doutrina de foro por eleição no processo penal.

O primeiro cuidado atinente ao art. 73 do CPP diz respeito à sua inaplicabilidade em relação à ação
penal de iniciativa privada subsidiária da pública, isto é, a expressão "nos casos de exclusiva ação privada"
deve ser interpretada no sentido de que somente há falar em foro de eleição no caso de ação penal privada
exclusiva ou personalíssima.

Outro detalhe importante está atrelado ao fato de que o foro de eleição se aplica
independentemente de ser conhecido o lugar da infração. É dizer: se o fato for processável por intermédio
de ação penal privada exclusiva ou personalíssima, ainda que seja conhecido o lugar da infração, o querelante
poderá optar pelo foro de domicílio ou de residência do réu.

Por fim, convém relembrar que o querelante (vítima) somente poderá optar pelo foro de domicílio
ou de residência do réu e não pelo foro de seu próprio domicílio ou residência, o que não é incomum de ser
questionado nas provas concursais.

3.6.3. Foro de domicílio da vítima


Incluído no artigo 70 do Estatuto Processual Penal, pelo Lei n.º 14.155/2021, que tem aplicação
imedianta, inclusive às investigações criminais em curso, aduz o §4º que: "Nos crimes previstos no art. 171
do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), quando praticados mediante depósito,
mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento
frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da
vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção".

No ponto, importante frisar que o STJ, no Info. 736, assentou que tal dispositivo legal é específico a
algumas formas de cometimento do crime de estelionato e não de aplicação irrestrita, razão pela qual "não
identificadas as hipóteses descritas no §4º do art. 70 do CPP, a competência deve ser fixada no local onde o
agente delituoso obteve, mediante fraude, em benefício próprio e de terceiros, os serviços custeados pela
vítima".

Em relação à aplicabilidade imediata do dispositivo acima colacionado, decidiu o STJ que:

Nos crimes de estelionato, quando praticados mediante depósito, por emissão de cheques
sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou
por meio da transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio
da vítima, em razão da superveniência de Lei nº 14.155/2021, ainda que os fatos tenham
sido anteriores à nova lei. (STJ. 3ª Seção. CC 180.832-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em
25/8/2021; Info 706).

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

3.6.4. Natureza da infração penal


Após ser firmada a competência em razão matéria, isto é, ratione materiae (Justiça Militar, Eleitoral
ou Comum) e depois de definido o foro competente, ou seja, o local em que a infração penal deverá ser
julgada, é necessário estabelecer, dentro daquela comarca, qual é o juízo competente para o processo e o
julgamento do feito (AVENA, 2017, p. 264-265).

Conforme art. 74, caput, do CPP, a competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de
organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.

Desse modo, serão as leis de organização judiciária de cada ente da Federação que definirão, por
exemplo, "dentre os vários juízes criminais de uma determinada Comarca, qual deles detém competência
para julgar este ou aquele delito". Tal definição poderá ser fixada com base na "espécie de pena (reclusão,
detenção, prisão simples), do tipo de infração (crime ou contravenção), da espécie delituosa (crimes contra
o patrimônio, crimes contra a dignidade sexual etc.) e qualquer outro critério" (AVENA, 2017, p. 265).

Importante relembrar que o próprio caput do art. 74 do CPP faz ressalva ao Tribunal do Júri,
porquanto sua competência se origina da própria Constituição Federal, a qual, em seu art. 5º, inciso XXXVIII,
alínea d, determina que compete ao Tribunal do Júri processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, o
que, aliás, é esmiuçado pelo art. 74, §1º, do CPP.

Ainda em relação ao Tribunal do Júri, registre-se que sua competência pode ser ampliada, isto é, o
legislador ordinário não poderá retirar do Tribunal do Júri a competência para processar e julgar os crimes
dolosos contra a vida, contudo, poderá prever que outros crimes, distintos dos dolosos contra a vida, sejam
julgados pelo Tribunal do Júri (NUCCI, 2016, p. 196).

Outro detalhe importante diz respeito ao fato de que as leis de organização judiciária locais poderão
prever que a primeira fase do rito bifásico do Tribunal do Júri seja processada perante outro juízo que não a
própria Vara do Tribunal do Júri. Isto é, afigura-se possível, por exemplo, que a primeira fase do rito bifásico
tramite perante o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Após a preclusão de eventual
decisão de pronúncia, nos termos do art. 421, caput, do CPP, o processo deverá ser encaminhado ao Juiz
Presidente do Tribunal do Júri (HC 102.150/SC, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 27/5/2014).

De acordo com o art. 74, §2º, primeira parte, do CPP, se, iniciado o processo perante um juiz, houver
desclassificação para infração da competência de outro, a este será remetido o processo. Imagine o seguinte
exemplo: João foi denunciado pelo cometimento do crime de lesão corporal de natureza grave, cuja pena é
de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos (art. 129, §1º, do CP). Após a instrução, o juiz da 1ª Vara Criminal de
Brasília/DF verifica que não há subsídio probatório para demonstrar a ocorrência de lesão corporal de
natureza grave, desclassificando o fato para o crime de lesão corporal leve, cuja pena é de detenção, de 3
(três) meses a 1 (um) ano (art. 129, caput, do CP). Nesse caso, deverá o juiz remeter o processo a um dos
Juizados Especiais Criminais da circunscrição judiciária de Brasília/DF, a fim de que lá seja verificada a
possibilidade de aplicação dos institutos despenalizadores da Lei n.º 9.099/95 e, não sendo possível, para
que o juiz do Juizado Especial Criminal sentencie o caso, condenando ou absolvendo o réu (AVENA, 2017,
465).

Conforme o art. 74, §2º, segunda parte, do CPP, que traz uma regra de prorrogação de competência,
se o juízo perante o qual o processo teve início for de jurisdição "mais graduada" que o juízo ao qual o
processo deveria ser remitido, não haverá o encaminhamento dos autos a esse segundo juízo, prorrogando-
se a competência do primeiro.

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Atualmente, tal dispositivo legal carece de aplicabilidade, já que a competência da jurisdição "mais
graduada", isto é, dos Tribunais, é fixada de acordo com as regras do foro por prerrogativa de função e não
pela natureza da infração cometida. É dizer: atualmente, a jurisdição "mais graduada" que os juízes de
primeira instância é representada pelos Tribunais e não existe a possibilidade de determinada lei de
organização judiciária estabelecer, por exemplo, que o crime de lesão corporal grave seja julgado, de forma
originária, pelo Tribunal, e o crime de lesão corporal leve seja julgado pelo juiz de primeira instância.

A regra estatuída pelo art. 74, §2º, segunda parte, do CPP, somente fazia sentido quando havia, em
nosso ordenamento jurídico, juízes hierarquicamente inferiores aos juízes de Direito. Nesses casos, se o
processo teve início perante os juízes de Direito e, durante o seu desenrolar, houve a desclassificação para
crime de competência desses juízes hierarquicamente inferiores aos juízes de Direito, os autos não seriam a
eles remetidos, mantendo-se a competência dos juízes de Direito para julgar o fato (NUCCI, 2016, p. 200).

Trazendo regra específica quanto ao rito bifásico do Tribunal do Júri, o art. 74, §3º, primeira parte,
do CPP, disciplina que, se o juiz da pronúncia desclassificar a infração para outra atribuída à competência de
juiz singular, observar-se-á o disposto no art. 410 do mesmo Código. Atualmente, o art. 410, citado pelo art.
74, §3º, deve ser lido como art. 419, caput, do CPP.

Desse modo, se o juízo perante o qual tramitou a primeira fase do rito bifásico do Tribunal do Júri,
ao final do denominado judicium accusationis, entender que não se trata de crime doloso contra a vida,
deverá remeter os autos ao juízo competente. Esta decisão é passível de impugnação por intermédio do
recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, inciso II, do CPP, porquanto se trata de decisão que
concluiu pela incompetência do juízo.

Lado outro, o art. 74, §3º, segunda parte, do CPP, normatiza que, se a desclassificação for feita pelo
próprio Tribunal do Júri, isto é, pelos próprios Jurados, caberá ao Juiz Presidente do Tribunal do Júri proferir
a sentença, nos termos do art. 492, §2º, do mesmo Código. Atualmente, o art. 492, §2º, citado pelo art. 74,
§3º, deve ser lido como art. 492, §1º, do CPP.

Assim, se os Jurados entenderem que não se trata de crime doloso contra a vida, os autos não serão
remetidos ao juízo abstratamente competente. Nessa hipótese, o próprio Juiz Presidente do Tribunal do Júri
sentenciará o feito, aplicando, se for o caso, os institutos despenalizadores da Lei n.º 9.099/95.

3.6.5. Competência por distribuição


A fixação de competência por distribuição ocorre quando, dentro de um mesmo foro, isto é, depois
de descoberta a competência territorial, houver mais de uma vara criminal igualmente competente. É dizer:
a competência por distribuição não se destina à definição do foro competente, mas, sim, do juízo perante o
qual o feito deverá tramitar, sendo este critério adotado após a descoberta da comarca na qual o processo
deverá ser julgado.

A título de exemplo, na circunscrição judiciária de Brasília/DF, há 8 (oito) varas criminais, todas com
igual competência. Assim, definido que o fato criminoso deve ser julgado em Brasília/DF, ele deverá ser
distribuído a uma dessas 8 (oito) varas, já que todas são igualmente competentes para processar e julgar
fatos criminosos ocorridos na Capital Federal.

Na forma do art. 75, caput, do CPP, que deve ser lido à luz do art. 285, caput, do CPC, a distribuição,
isto é, o sorteio dos processos para cada juízo igualmente competente, será alternada e aleatória,
obedecendo-se rigorosa igualdade.

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De acordo com o art. 75, parágrafo único, do CPP, a distribuição realizada para o efeito da concessão
de fiança ou da decretação de prisão preventiva ou de qualquer diligência anterior à denúncia ou queixa
prevenirá a da ação penal.

Desse modo, se, antes do início da ação penal, já houve a distribuição, isto é, os autos já foram
sorteados para um dos juízos, não haverá novo sorteio por ocasião do oferecimento da peça acusatória,
porquanto o juízo inicialmente sorteado estará prevento.

Em relação ao citado art. 75, parágrafo único, do CPP, tem-se que, com o estabelecimento do juiz das
garantias, dificilmente o juízo criminal comum restará prevento, já que, nos termos do art. 3º-B e seguintes
do CPP, compete ao juiz das garantias a análise de diligências que outrora eram decididas pelo juízo criminal
comum.

Nesse sentido, caso o juiz das garantias seja, de fato, implementado em nosso ordenamento64,a ele
competirá, por exemplo, decidir sobre o requerimento de prisão preventiva formulado durante a
investigação, nos termos do art. 3º-B, inciso V, do CPP. Outrora, esta diligência tornava o juízo criminal
comum prevento, o que impedia, quando do oferecimento da peça acusatória correlata, nova distribuição,
porquanto o juízo sorteado para a análise do pedido de prisão já estava prevento para a ação penal.

3.6.6. Competência por Prevenção


Nos termos do art. 83 do CPP, a competência por prevenção é verificada toda vez que, concorrendo
dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos
outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento
da denúncia ou da queixa.

Assim, em uma primeira análise, prevenção nada mais é do que uma regra de fixação de competência
na qual um juízo se torna competente para o processo e julgamento de determinada ação penal, porquanto
se antecipou aos demais na prática de ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que essa
"antecipação" tenha ocorrido em momento anterior ao oferecimento da peça acusatória.

Por juízes igualmente competentes entendem-se aqueles que possuem a mesma competência, tanto
em razão da matéria quanto em razão do lugar, como ocorre, por exemplo, no caso de juízes que oficiam na
mesma comarca, com idêntica competência, sendo a competência de cada um deles, via de regra,
determinada por distribuição (AVENA, 2017, p. 463).

Em contrapartida, juízes com jurisdição cumulativa são os que, embora aptos a julgar a mesma
matéria, oficiam em foros diferentes, como ocorre, por exemplo, no caso de juízes criminais de comarcas
vizinhas (AVENA, 2017, p. 463).

Como se depreende do citado artigo, se um dos juízos tiver se antecedido aos outros na prática de
algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da peça acusatória,
este se tornará prevento para a futura ação penal, isto é, este juízo deverá processar e julgar a eventual ação
penal que se originar daqueles fatos.

64Até o fechamento desta obra, os arts. 3º-A a 3º-F do CPP estavam com a eficácia suspensa (STF, ADI 6.299MC/DF, Rel. Min. Luiz
Fux, j. 22/2/2020).

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Nesse contexto, a fim de que essa diligência anterior ao oferecimento da exordial acusatória fixe a
competência por prevenção, duas condições devem ser verificadas no caso concreto (LIMA, 2020, p. 634-
635):

• existência de prévia distribuição: o art. 83 do CPP deve ser compreendido em conjunto com o art.
75, parágrafo único, do mesmo Código, ou seja, só se pode cogitar de prevenção da competência
quando a decisão, que a determinaria, tenha sido precedida de distribuição, por isso que não
previnem a competência decisões de juiz de plantão, nem as facultadas, em caso de urgência, a
qualquer dos juízes criminais do foro. A título exemplificativo: fora do expediente judiciário, isto
é, em período no qual não havia expediente no setor responsável pela distribuição dosfeitos, em
comarca com 4 (quatro) juízos criminais igualmente competentes, um juízo adota uma medida
urgente que lhe fora requerida. Nessa hipótese, este juízo não se torna prevento, porquanto sua
anterior decisão foi adotada em caso de urgência; e

• deve a medida ou diligência apresentar o mesmo caráter cautelar ou contra cautelar encontrado
nas hipóteses exemplificadas na regra contida no parágrafo único do art. 75 do CPP. Veja alguns
exemplos de diligências que previnem o juízo:

o concessão de fiança (arts. 321 a 350);

o conversão da prisão em flagrante em preventiva ou temporária (CPP, art. 310, II);

o decretação de prisão preventiva (arts. 311 a 316 do CPP) ou de prisão temporária


(Lei nº 7.960/89);

o pedidos de medidas assecuratórias dos arts. 125 a 144 do CPP;

o pedidos de provas, como expedição de mandado de busca e apreensão,


interceptação telefônica ou quebra de sigilo bancário; e

o manifestação do juízo acerca da regularidade da prisão em flagrante delito,


quando comunicado nos termos do art. 5º, LXII, da Carta Magna.

Nesse sentido, não tornam o juízo prevento (LIMA, 2020, p. 636):

• habeas corpus em primeiro grau (v.g., quando um habeas corpus é impetrado contra ato de um
delegado), por se tratar de matéria especificamente constitucional;

• quando o juiz remete cópia dos autos ao MP (art. 40 do CPP);

• atos do juiz de plantão não tomam o juízo prevento ― após o fim do plantão, o processo deve ser
objeto de distribuição; e

• a simples antecedência de distribuição de inquérito policial, ou mesmo de ação penal ainda não
despachada, também não gera a prevenção do juízo, por não conterem nenhuma atuação
jurisdicional.

Superada a questão do juízo que se antecedeu aos demais, tem-se que a prevenção também funciona
como critério subsidiário de fixação de competência, ora estabelecendo o foro competente, ora
determinando o próprio juízo competente. Nesse sentido, quando nenhum critérioé capaz de determinar a
competência de um órgão jurisdicional específico, a prevenção é utilizada como critério de fixação de
competência, funcionando, portanto, como norma de encerramento, evitando-se os chamados vazios de

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

competência. É dizer: se nenhuma infração penal pode ficar sem juiz competente para julgá-la, a prevenção
funciona como verdadeiro socorro em relação à fixaçãoda competência (LIMA, 2020, p. 636).

Nesse contexto, abaixo são citadas algumas situações nas quais a prevenção funciona como critério
subsidiário de fixação de competência (LIMA, 2020, p. 636-637):

• crimes ocorridos na divisa de duas ou mais jurisdições, sendo o limite entre elas incerto ou, ainda
que seja certo, não se saiba precisar exatamente o sítio do delito ou, também, quando a infração
atingiu mais de uma jurisdição (art. 70, §3º);

• crimes continuados ou permanentes, cuja execução se prolonga no tempo, podem atingir o


território de mais de uma jurisdição (art. 71). Tanto o crime continuado quanto o crime
permanente podem se desenvolver em lugares diferentes, sendo possível que o agente ultrapasse
os limites territoriais de uma comarca, atingindo a esfera de competência de outros magistrados.
Nesse caso, como a execução abrangeu o território de várias comarcas, qualquer uma delas seria,
em tese, competente para apurar a infração penal, firmando-se a competência pela regra da
prevenção;

• quando o réu não possui domicílio certo ou tiver mais de uma residência (art. 72, §1º) ou mesmo
quando não for conhecido seu paradeiro (art. 72, §2º), não tendo sido a competência firmada
pelo lugar da infração (art. 72, caput);

• havendo mais de um juiz competente, no concurso de jurisdições, sem possibilidade de aplicação


dos critérios desempatadores do art. 78, II, a e b (art. 78, II, c); e

• tendo a infração penal ocorrido a bordo de navios e aeronaves, em águas territoriais, no espaço
aéreo correspondente ao território brasileiro, em rios e lagos fronteiriços ou em alto-mar, não
sendo possível determinar o local de embarque ou chegada imediatamente anteriores ou
posteriores à ocorrência do crime (CPP, art. 91).

3.6.7. Modificação de competência (conexão e continência)


A conexão e a continência são causas modificativas da competência, isto é, em razão da conexão
e/ou da continência, reúnem-se perante um mesmo juízo processos que, de acordo com as demais regras de
fixação de competência, poderiam ser julgados separadamente. Nesse contexto, as regras atinentes à
conexão e à continência "estabelecem vínculos de atração, que permitem uma reunião processual de
elementos que seriam passíveis de processos distintos, perante órgãos jurisdicionais diversos" (TÁVORA;
ALENCAR, 2017, p. 442).

Um detalhe muito importante, o qual, muitas das vezes, passa desapercebido, diz respeito ao fato
de que a conexão e a continência somente são capazes de gerar a modificação de regras de competência
relativa, não podendo alterar regras de competência absoluta.

Nesse contexto, a conexão e a continência, que estão previstas no Código de Processo Penal, isto é,
na legislação ordinária, não têm o condão de alterar regras de competência previstas na Constituição Federal,
já que, sendo estas do tipo absoluta, não admitem modificações, tratando-se de competência
improrrogável/imodificável (LIMA, 2020, p. 639).

Portanto, ainda que haja, por exemplo, conexão entre um crime militar e um crime eleitoral, não
haverá reunião de processos, porquanto, sendo ambas as competências originadas diretamente da

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

Constituição Federal e estabelecidas em razão da matéria, as duas devem ser respeitadas, isto é, o crime
militar deverá ser apreciado pela Justiça Militar e o crime eleitoral pela Justiça Eleitoral (LIMA, 2020, p. 639).

Corroborando tal entendimento, tem-se que o art. 54 do Código de Processo Civil, aplicável ao
Processo Penal por força do art. 3º do CPP, dispõe que "a competência relativa poderá modificar-se pela
conexão ou pela continência, observado o disposto nesta Seção" (LIMA, 2020, p. 639).

a) Conexão (art. 76 do CPP)


A conexão, prevista no art. 76 do CPP, se consubstancia na "interligação entre duas ou mais infrações,
levando a que sejam apreciadas perante o mesmo órgão jurisdicional". Logo, "infrações conexas são aquelas
que estão interligadas, merecendo portanto, em prol da celeridade do feito e para evitar decisões
contraditórias, apreciação em processo único" (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 442).

Nesse contexto, "a conexão é o liame que se estabelece entre dois ou mais fatos que, desse modo,
se tornam ligados por algum motivo, oportunizando sua reunião no mesmo processo, de modo a permitir
que os fatos sejam julgados por um só juiz, com base no mesmo substrato probatório, evitando o surgimento
de decisões contraditórias. Desse modo, a conexão provoca a reunião de ações penais num mesmo processo
e é causa de modificação da competência (relativa) mediante a prorrogação de competência" (STF, HC
96.453/MS, 2ª T., rel. Min. Ellen Gracie, j. 28/10/2008, DJe de 14/11/2008).

Logo, só há pensar em conexão nos casos em que se verificar a prática de duas ou mais infrações
penais, sendo esta uma boa dica para as provas concursais. Se a questão não fizer menção à prática de mais
de uma infração penal, o candidato não poderá pensar em taxar aquela situação fática narrada de conexão,
já que esta, repita-se, exige o cometimento de duas ou mais infrações penais.

A depender de determinadas situações fáticas, 3 (três) espécies de conexão podem ser verificadas:

• conexão intersubjetiva;

• conexão objetiva, lógica, material ou teleológica; e

• conexão instrumental, probatória ou processual.

I. Conexão intersubjetiva (art. 76, inciso I, CPP)

A conexão intersubjetiva, obrigatoriamente, envolve a prática de várias infrações penais (mais de


uma) por várias pessoas. Assim, se várias pessoas cometem uma única infração, não é caso de conexão
intersubjetiva, mas, sim, de continência por cumulação subjetiva (art. 77, inciso I, do CPP). Como dito, só há
falar em conexão se houver a prática de mais de uma infração penal (LIMA, 2020, p. 640).

Com efeito, pouco importa a forma como os autores se relacionaram no cometimento dos fatos
criminosos, isto é, se vários sujeitos cometeram várias infrações penais, o caso é de conexão intersubjetiva.
O que pode variar, a depender do relacionamento travado entre os autores, é a espécie de conexão
intersubjetiva, que se subdivide em (LIMA, 2020, p. 640):

• Conexão intersubjetiva por simultaneidade (conexão subjetivo-objetiva ou conexão


intersubjetiva ocasional): nos termos do art. 76, inciso I, primeira parte, do CPP, ocorre quando
duas ou mais infrações houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas.
Assim, a conexão intersubjetiva por simultaneidade é verificada quando duas ou mais infrações

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são praticadas ao mesmo tempo, por diversas pessoas ocasionalmente reunidas, isto é, sem
intenção de reunião, as quais se aproveitam das mesmas circunstâncias de tempo e de local. Um
bom exemplo de conexão intersubjetiva por simultaneidade é o caso de um saque simultâneo a
um supermercado, praticado por várias pessoas que nem se conhecem;

• Conexão intersubjetiva por concurso (ou concursal): nos termos do art. 76, inciso I, segunda
parte, do CPP, ocorre quando duas ou mais infrações houverem sido praticadas por várias pessoas
em concurso, embora diverso o tempo e o lugar. Nesse caso, o que é importa é o vínculo existente
entre os autores dos crimes, isto é, pouco importa se as infrações foram praticadas em dias ou
locais diferentes. Assim, se três sujeitos praticam quatro roubos no intervalo de dois meses, há,
entre esses quatro crimes, uma relação de conexão intersubjetiva por concurso ou concursal,
devendo todos os fatos serem processados num único processo;

• Conexão intersubjetiva por reciprocidade: nos termos do art. 76, inciso I, parte final, do CPP,
ocorre quando duas ou mais infrações houverem sido praticadas por várias pessoas, umas contra
as outras, como se dá, por exemplo, no caso de lesões corporais recíprocas.

No que diz respeito à conexão intersubjetiva por reciprocidade, muito cuidado deve se ter com o
crime de rixa, inserto no art. 137 do Código Penal, porquanto, nesse caso, não há conexão intersubjetiva por
reciprocidade. Em verdade, não há, nem mesmo, conexão, porquanto o crime é único, desaparecendo o
primeiro requisito da conexão (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 442).

II. Conexão objetiva, lógica ou material (art. 76, II, CPP)


Nos termos do art. 76, inciso II, do CPP, ocorre a conexão objetiva "na hipótese em que um os mais
crimes são cometidos objetivando facilitar, ocultar, conseguir a impunidade ou a vantagem de outro ou
outros delitos" (AVENA, 2017, p. 467).

Nesse contexto, a conexão objetiva, lógica ou material se subdivide em duas espécies, a saber
(AVENA, 2017, p. 467):

• Conexão objetiva teleológica ou finalista (art. 76, II, 1º verbo, CPP): verifica-se quando uma
infração penal é praticada com o fim de facilitar o cometimento de outra. Exemplo: sujeito que,
visando sequestrar uma criança, pratica lesões corporais em desfavor dos pais do menor. É dizer:
o agente comete o crime visando o cometimento de outro (olhar para o futuro);

• Conexão objetiva consequencial (art. 76, II, demais verbos, CPP): verifica-se quando uma
infração penal é praticada com o fim de ocultar, conseguir a impunidade ou vantagem de infração
penal pretérita. Exemplos: ocultação de cadáver com o fim de encobrir homicídio anterior;
homicídio da única testemunha com o fim de conseguir a impunidade de crime por ela
presenciado; homicídio de comparsa de roubo com o fim de se apossar de todo o produto do
crime anterior. É dizer: o agente comete o crime visando se livrar de outro (olhar para o passado).

III. Conexão instrumental, probatória ou processual (art. 76, III, CPP)


Nos termos do art. 76, inciso III, do CPP, ocorre a conexão instrumental, probatória ou processual
quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra
infração. Logo, na conexão instrumental, não há nenhuma exigência em relação à necessidade de vínculo de

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tempo e espaço entre as duas infrações penais. É dizer: para se verificar a conexão probatória, basta que a
prova de uma infração penal tenha o condão de influir na prova de outra. Exemplo clássico: a prova do furto
anterior tem o condão de influenciar na prova do crime de receptação daquele bem subtraído, já que, caso
se descubra, por exemplo, que, em verdade, não houve crime anterior, desaparece a figura da receptação
(LIMA, 2020, 641).

b) Continência (art. 77 do CPP)

A continência, nos termos do art. 77, do CPP, "é o vínculo que une vários infratores a uma única
infração, ou a ligação de várias infrações por decorrerem de conduta única, ou seja, resultarem do concurso
formal de crimes, ocasionando a reunião de todos os elementos em processo único" (TÁVORA; ALENCAR,
2017, p. 443 – grifos no original).

Duas espécies de continência são citadas pela doutrina (LIMA, 2020, p. 641):

• Continência por cumulação subjetiva ou continência subjetiva (art. 77, I, CPP): ocorre quando
duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração. No ponto, é muito importante
destacar a diferença entre continência por cumulação subjetiva e conexão intersubjetiva.

Na continência por cumulação subjetiva ou continência subjetiva, dois ou mais sujeitos são acusados
por uma única infração. Na conexão intersubjetiva, duas ou pessoas são acusadas pelo cometimento de duas
ou mais infrações penais. É dizer: na continência, há várias pessoas e uma única infração penal. Na conexão,
há várias pessoas e várias infrações penais. Como exemplo de continência por cumulação subjetiva, cita-se o
homicídio praticado por dois agentes; e

• Continência por cumulação objetiva (art. 77, II, CPP): ocorre nas hipóteses de concurso formal
de crimes (art. 70, CP), aberratio ictus ou erro na execução (art. 73, segunda parte, CP), e aberratio
delicti ou resultado diverso do pretendido (art. 74, segunda parte, CP). Como sabido, o concurso
formal de crimes se verifica quando o agente, mediante uma única ação ou omissão, comete dois
ou mais crimes. No erro na execução, será aplicada a regra do concurso formal de crimes quando
o agente, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, além de atingir a pessoa que
pretendia ofender, atinge pessoa diversa. No resultado diverso do pretendido, também será
aplicada a regra do concurso formal de crimes quando o agente, por erro na execução, atingir não
somente o resultado inicialmente desejado. É dizer: além de atingir o resultado que desejava, o
agente também alcançou resultado diverso de sua expectativa inicial, como se dá, por exemplo,
no caso do agente que, visando atingir uma vitrine de uma loja com uma pedra, acaba por também
acertar um vendedor do estabelecimento comercial.

Por fim, muito importante rememorar que, no caso do crime continuado, a competência não é
determinada pelas regras de conexão ou continência, mas, sim, pela prevenção, conforme visto quando da
análise do art. 71 do CPP (LIMA, 2020, p. 642).

c) Consequências da conexão e/ou continência

Sendo identificada, no mundo dos fatos, uma relação de conexão e/ou continência, duas
consequências jurídicas poderão advir (LIMA, 2020, p. 642):

• Reunião de processos (processo e julgamento único ―simultaneus processus): nos termos do


art. 79, caput, do CPP, a conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento,
isto é, em regra, deverá haver um único processo para julgamento, por exemplo, de infração

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penais cometidas em conexão. Da mesma forma, em regra, duas pessoas que cometerem a
mesma infração, isto é, em continência por cumulação subjetiva, deverão ser julgadas no mesmo
processado.

No caso de conexão e/ou continência entre crimes de ação penal pública e de ação penal de iniciativa
privada, haverá a formação de um litisconsórcio ativo entre o Ministério Público, titular da ação pública, e a
vítima (ou seu representante legal), titular da ação penal de iniciativa privada (LIMA, 2020, p. 642).

• Força atrativa (forum attractionis ou vis attractiva): estabelecendo-se uma relação de conexão
e/ou continência, um dos juízos exercerá sobre o outro força atrativa, isto é, atrairá para si o
julgamento de todos os fatos, restando, nesse sentido, prorrogada a sua competência. Isto é: em
razão da conexão e/ou continência, um juízo, que era relativamente competente para julgar um
determinado fato, seja pelo critério do local do resultado delitivo, último ato de execução,
domicílio do réu ou distribuição, deixará de sê-lo. Exemplo: João mata José na cidade de
Brasília/DF. Logo após, na cidade de Novo Gama/GO, João oculta o cadáver de José.
Separadamente considerados, pelo critério do local da consumação delitiva, o homicídio deveria
ser julgado em Brasília/DF e a ocultação de cadáver em Novo Gama/GO. Todavia, em razão da
conexão objetiva consequencial da ocultação em relação ao homicídio, ambas as infrações serão
processadas e julgadas pelo Tribunal do Júri de Brasília/DF. É dizer: nesse caso, restou afastada a
regra inserta no artigo 70, caput, do Código de Processo Penal (local do resultado), prevalecendo
a regra da conexão.

I. Avocatória

Conforme a primeira parte do artigo 82 do CPP, caso seja verificada uma relação de conexão e/ou
continência entre os fatos, e, ainda assim, tenham sido instaurados processos distintos, o juízo prevalente
deverá avocar os fatos que corram em outros juízos, fazendo com que todos eles sejam reunidos em um
único processado.

Todavia, nos termos da segunda parte do artigo 82 do CPP, se já houve "sentença definitiva" em
relação a um dos fatos, não haverá a reunião de processos perante o juízo prevalente. Nesse caso, a unidade
de processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação de penas, nos termos da parte
final do citado artigo. No mesmo sentido, é o teor da Súmula nº 235 do STJ, a qual aduz que "a conexão não
determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado".

Importante assentar que o termo "sentença definitiva" não se refere à sentença com trânsito em
julgado, mas, sim, à decisão de mérito recorrível, a qual, nos termos do artigo 593, inciso I, do Código de
Processo Penal, desafia apelação (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 449).

Desse modo, ainda que haja relação de conexão e/ou continência entre os fatos, se os processos
correram em juízos distintos e um deles já foi sentenciado, ainda que não tenha havido o trânsito em julgado,
não ocorrerá a reunião de processos. Nesse caso, após o trânsito em julgado de todas as sentenças,
competirá ao juízo da execução penal somar (concurso material ou formal impróprio) ou unificar as penas
(concurso formal próprio e crime continuado), nos termos do artigo 66, inciso III, alínea a, da Lei de Execução
Penal (LIMA, 2020, p. 642-643).

d) Juízo prevalente

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Como visto, a conexão e/ou a continência, em regra, fazem com que os processos sejam reunidos
perante um único juízo, que é chamado de juízo prevalente. Nasce, pois, a necessidade dese identificar
qual é o juízo prevalente.

I. Tribunal do Júri
A primeira regra atinente ao juízo prevalente é trazida pelo art. 78, inciso I, do CPP, segundo o qual,
no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência
do júri.

Assim, havendo conexão e/ou continência entre fatos de competência do Tribunal do Júri e de
competência relativa de outro órgão da jurisdição comum, o Tribunal do Júri exercerá força atrativa, devendo
lá ocorrer o julgamento de todos os fatos.

Importante destacar que, no caso do Júri, pouco importa qual a pena mais grave, isto é, se a do crime
doloso contra a vida ou se a do crime comum. De igual forma, também não importa o número de infrações
penais cometidas, ou seja, se foram cometidos mais crimes dolosos contra a vida ou crimes comuns. É dizer:
se um dos fatos é um crime doloso contra a vida, todos os demais, que tiverem relação de conexão e/ou
continência com aquele, deverão ser julgados pelo Tribunal do Júri.

II. Concurso de jurisdições da mesma categoria

Se as jurisdições forem da mesma categoria, isto é, não houver hierarquia entre elas e não estiverem
envolvidos fatos de competência do Tribunal do Júri, a primeira regra é extraída do art. 78, inciso II, alínea a,
do CPP, segundo a qual, no concurso de jurisdições da mesma categoria, preponderará a do lugar da infração,
à qual for cominada a pena mais grave.

Desse modo, pouco importando a quantidade de infrações cometidas, se, perante um determinado
juízo, foi cometida uma infração mais grave, nele deverão correr todos os processos, porquanto este é o juízo
prevalente. Exemplo: em uma parada de ônibus de Brasília/DF, um agente rouba um celular. Em Luziânia/GO,
ocorre a receptação desse celular. Nesse caso, sendo o roubo o crime mais grave, todos os fatos, isto é, o
crime de roubo e o de receptação, deverão ser processados e julgados em algum juízo criminal de Brasília/DF.

A infração mais grave é aquela que tenha pena máxima superior às demais, não importando, em um
primeiro momento, a pena mínima. Caso as penas máximas sejam iguais, o desempate se dará por meio da
pena mínima, isto é, o juízo prevalente será aquele perante o qual foi praticado o crime com maior pena
mínima (HC 190.756/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 23/10/2012, DJe
31/10/2012).

Em relação ao art. 78, inciso II, alínea a, do CPP, muito importante se mostra o estudo da Súmula nº
122 do STJ, segundo a qual "compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos
de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal".

Conforme se nota, havendo conexão entre um crime de competência da Justiça Federal e um crime
de competência da Justiça Estadual, pouco importando qual o crime mais grave, isto é, qual o crime tem
maior pena máxima, ambas as infrações penais deverão ser julgadas pela Justiça Federal.

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Essa junção dos processos perante a Justiça Federal é justificada pelo fato de que sua competência
se origina diretamente da Constituição Federal, razão qual a Justiça Federal exercerá força atrativa em
relação à Justiça Estadual, cuja competência está disciplinada na legislação processual penal ordinária.

Aqui, importante rememorar que, no caso de conexão entre crime de competência da Justiça Federal
e contravenção penal, não haverá a reunião de processos perante o juízo federal de 1ª instância, que,
conforme visto em tópico próprio, não tem competência para o julgamento de contravenções penais.

Caso as infrações sejam de igual gravidade, isto é, não seja possível se identificar qual é a mais grave,
dispõe o art. 78, inciso II, alínea b, do CPP, que, no concurso de jurisdições da mesma categoria, prevalecerá
a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações, se as respectivas penas forem de igual
gravidade.

Portanto, se as infrações penais cometidas forem de igual gravidade, o juízo prevalente será aquele
perante o qual foi praticado o maior número de infrações. Exemplo: em Brasília/DF, um agente furta três
celulares, praticando, portanto, três crimes de furto simples. Em Águas Lindas de Goiás/GO, ocorre a
receptação dolosa de um dos celulares subtraídos. Em Santo Antônio do Descoberto/GO, há a consumação
de outros dois crimes de receptação dolosa. Nesse caso, sendo as penas do crime de furto simples e de
receptação dolosa idênticas, o foro prevalente será o de Brasília/DF, já que lá foi cometido o maior número
de infrações penais.

Na hipótese de nenhum desses critérios ser suficiente para fixar a competência, esta será
determinada, de acordo com o art. 78, inciso II, alínea c, do CPP, pela prevenção, conforme estudado em
capítulo próprio. É dizer: se as infrações penais forem de igual gravidade e tiverem sido cometidas em
idêntica quantidade, a solução para a fixação da competência é a prevenção. Exemplo: furto simples de um
celular em Brasília/DF e receptação dolosa em Planaltina/GO. Nesse caso, somente a prevenção é que poderá
fixar a competência.

III. Concurso de jurisdições de diversas categorias

Nos termos do art. 78, inciso III, do CPP, no concurso de jurisdições de diversas categorias,
predominará a de maior graduação, isto é, o órgão jurisdicional de maior hierarquia.

Nesse contexto, havendo relação de conexão e/ou continência entre os fatos e um dos autores
detenha foro por prerrogativa de função, é permitido que ambos os agentes sejam processados e julgados
pelo Tribunal respectivo, isto é, pelo foro por prerrogativa de função de um deles, desde que respeitadas as
regras atinentes ao foro por prerrogativa de função, mormente aquelas atualmente exigidas pelo STF/STJ.
Exemplo: crime de lavagem de capitais cometido por Deputado Federal e diretor de grande empreiteira;
nesse caso, é possível que os dois sejam processados e julgados pelo STF.

É nesse sentido o teor da Súmula nº 704 do STF, a qual aduz que "não viola as garantias do juiz
natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do
corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados".

Assenta-se, por oportuno, que, nesse caso, a reunião de processos não é obrigatória, podendo o
Tribunal, isto é, o foro por prerrogativa de função ― e não o juiz de primeira instância ― decidir pela
separação dos processos, ainda que haja relação de continência e/ou conexão entre os fatos, nos termos do
art. 80 do CPP, que será mais bem analisado em tópico próprio.

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Também no que diz respeito à temática em relação ao fato de um dos agentes ser detentor de foro
por prerrogativa de função, muito importante registrar que, no caso de crime doloso contra a vida, não
haverá a reunião de processos. Nessa hipótese, respeitadas as regras delineadas pelo STF/STJ e desde que o
foro por prerrogativa de função esteja previsto na CF/88, o agente que o detenha será julgado pelo Tribunal
especificado pela Carta Magna. Os demais agentes, isto é, aqueles que não detenham foro por prerrogativa
de função, serão julgados pelo Tribunal do Júri. É dizer: sendo a competência do foro por prerrogativa de
função e a do Tribunal do Júri definidas pela Constituição Federal, as duas regras devem ser respeitadas e a
única forma de concretizar isso é separar os processos, já que uma norma infralegal (art. 69, inciso V, CPP)
não pode afastar uma norma constitucional (art. 5º, XXXVIII, d, CF/88) (LIMA, 2020, p. 574).

IV. Concurso entre a jurisdição comum e a especial

Conforme art. 78, IV, do CPP, no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta,
ou seja, o foro prevalente é a justiça especial.

Nesse contexto, havendo uma relação de conexão e/ou continência entre fatos atrelados a alguma
Justiça Especial e à Justiça Comum (Federal ou Estadual), a jurisdição especial exercerá força atrativa,
competindo-lhe o julgamento de ambas as infrações penais.

Aqui, bastante importante rememorar o caso da conexão entre crime comum e crime eleitoral,
porquanto, conforme a mais recente posição do STF, a princípio, competirá à Justiça Eleitoral o julgamento
de ambas as infrações penais cometidas, pouco importando se o crime comum era de competência da Justiça
Federal ou Estadual, o que é alvo de críticas doutrinárias, conforme visto em tópico próprio.

e) Separação obrigatória de feitos


Como dito, nos termos do art. 79, caput, do CPP, havendo uma relação de conexão e/ou continência
entre os fatos, a regra é que haja a reunião de processos, isto é, que todos os fatos sejam processados e
julgados perante o juízo prevalente.

Todavia, o próprio art. 79 do CPP traz importantes exceções a esta regra, isto é, elenca casos nos
quais, embora verificada a conexão e/ou a continência, não haverá a reunião de processos. A saber:

• Concurso entre a Justiça Comum e a Justiça Militar: nos termos do art. 79, inciso I, do CPP, mesmo
havendo conexão e/ou continência entre fatos de competência da Justiça Comum e da Justiça
Militar, não haverá reunião de processos, isto é, aquilo que for atrelado à Justiça Militar deverá
ser por ela julgado. O que for de competência da Justiça Comum deverá ser processado e julgado
por ela;

• Concurso entre a Justiça Comum e a Justiça da Infância e da Juventude: conforme art. 79, inciso
II, do CPP, mesmo havendo conexão e/ou continência entre fatos de competência daJustiça
Comum e do Juízo de Menores (Justiça da Infância e da Juventude), não haverá reunião de
processos. Exemplo clássico e bastante recorrente no cotidiano forense é o roubo praticado por
indivíduos maiores de idade em comparsaria com menores. Nesse caso, os maiores de idade
deverão ser julgados pela Justiça Comum e os menores pela Justiça da Infância e da Juventude,
não havendo falar em reunião de processos;

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• Doença mental superveniente à prática delituosa: nos termos do art. 79, §1º, do CPP, cessará,
em qualquer caso, a unidade do processo, se, em relação a algum corréu, sobrevier o caso previsto
no art. 152, o qual disciplina a hipótese de doença mental superveniente à prática delitiva. Assim,
sendo constatada, durante o curso da ação penal, uma doença mental no acusado, duas situações
diversas poderão ocorrer:

• se a doença já existia à época do fato e privava o agente da capacidade de entender o caráter


ilícito de sua conduta ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, o processo
não será suspenso. Nesse caso, o agente deve ser absolvido impropriamente, nos termos do
art. 386, parágrafo único, inciso III, do CPP (aplicação de medida de segurança); e

• se a doença mental somente surgiu após o cometimento do fato, se esta diante da hipótese
prevista no art. 79, §1º, do CPP. Nesse caso, o processo deverá ficar suspenso até que o
agente se recupere. Caso haja corréu, o processo somente fica suspenso em relação àquele
que foi acometido com a doença, por isso é que haverá a separação dos feitos. É dizer: o
processo segue normalmente em relação ao corréu que não manifestou doença mental e fica
suspenso em relação àquele que adoeceu, separando-se os procedimentos;

• Citação por edital de um dos corréus e não comparecimento deste e não constituição de
defensor: havendo a citação por edital de um dos corréus e não tendo ele comparecido ao
processo e nem constituído advogado, nos termos do art. 366 do CPP, haverá, em relação a ele, a
suspensão do processo e do curso do prazo prescricional. É dizer: o processo segue normalmente
em relação ao corréu que foi citado pessoalmente e fica suspenso em relação àquele que foi
citado por edital e não compareceu e nem constituiu advogado, separando-se os procedimentos;

• Extinta hipótese de ausência de intimação da pronúncia ou de não comparecimento do acusado


à sessão de julgamento do júri, em se tratando de crime inafiançável: o art. 79, §2º, do CPP,
também disciplinava que haveria a separação de processos, quando houvesse corréu foragido que
não pudesse ser julgado à revelia. Tal dispositivo legal somente fazia sentido antes da reforma
processual de 2008, já que, naquela época, em se tratando de crime inafiançável, quando um dos
acusados não fosse intimado pessoalmente da pronúncia ou deixasse de comparecer à sessão
plenária, seu julgamento não poderia ser realizado, isto é, ele não poderia ser julgado à revelia,
separando-se os feitos, porquanto o processo do corréu continuava. Atualmente, se o réu não for
encontrado, será intimado da pronúncia por edital e, caso esteja solto, não comparecer à sessão
plenária, seu julgamento ocorrerá à revelia, pouco importando se o crime é afiançável ou
inafiançável. É dizer: se um dos corréus não for encontrado para ser intimado da pronúncia e/ou,
caso esteja solto, não comparecer à sessão plenária, não haverá a separação dos processos, sendo
todos os corréus julgados na mesma sessão plenária; e

• Recusas peremptórias no júri: o art. 79, §2º, do CPP, também disciplinava que haveria a
separação de processos no caso do antigo art. 461 do CPP, que, em resumo, normatizava que,
caso um jurado fosse recusado pela defesa de um corréu, mas aceito pela defesa de outro e pelo
Ministério Público, haveria a separação dos processos. É dizer: o jurado que foi aceito pela defesa
de um corréu e pelo Ministério Público somente poderia participar do julgamento do réu cuja
defesa lhe aceitou, o que obrigava a separação dos processos. Atualmente, tendo uma defesa
recusado imotivadamente um jurado, este estará excluído do julgamento de todos os corréus,
razão pela qual não mais se fala em separação de processos.

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f) Separação facultativa dos feitos


O art. 80 do CPP disciplina que será facultativa a separação dos processos quando as infrações
tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo
número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz
reputar conveniente a separação. Assim, ainda que haja uma relação de conexão e/ou continência entre os
fatos, nessas três hipóteses, poderá haver a separação dos processos (TÁVORA; ALENCAR, p. 451):

• Infrações praticadas em circunstâncias de tempo e/ou lugar diferentes: caso o juiz verifique que
a disparidade entre o tempo e/ou o lugar em que os fatos foram praticados atrapalhará a marcha
procedimental e/ou a colheita probatória, é possível que determine a separação dos feitos, ainda
que haja uma relação de conexão e/ou continência entre aqueles fatos. Exemplo: roubo de celular
em Brasília/DF e receptação em Nova Crixás/GO, que fica a cerca de 450km da Capital Federal.
Nesse caso, pode ser interessante que o roubo seja julgado em Brasília/DF e a receptação em
Nova Crixás/GO, dada a distância entre as cidades, o que pode dificultar/atrasar a produção
probatória em um único procedimento;

• Número excessivo de acusados: uma quantidade excessiva de acusados pode gerar o


prolongamento imoderado da instrução processual, implicando na extensão desproporcional do
tempo de prisão provisória, que, por esta razão, se tornará ilegal. Assim, considerando a
determinação constitucional de que o processo não se alongue por prazo maior que o razoável
(art. 5º, inciso LXXVIII, CF/88), principalmente quando houver réus presos e soltos, caberá ao
magistrado, de ofício ou por provocação, verificar a conveniência de manter a unidade do
processo ou de determinar a sua separação; e

• Qualquer outro motivo relevante: trata-se de cláusula aberta, a qual permite ao juiz, desde que
fundamente sua decisão, concretizar a separação de processos, ainda que haja uma relação de
conexão e/ou continência entre os fatos. Exemplo: crimes cometidos por agente detentor de foro
por prerrogativa de função em comparsaria com agentes que não detenham foro por
prerrogativa. Nesse caso, pode o Tribunal competente ― isto é, o foro por prerrogativa de função
― determinar a separação dos processos, julgando o agente detentor do foro e deixando que os
demais agentes sejam julgados pelo juiz de primeira instância.

g) Perpetuação da competência nos casos de conexão e/ou continência


O art. 81, caput, do CPP assenta que, verificada a reunião dos processos por conexão ou continência,
ainda que no processo da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória
ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará competente
em relação aos demais processos, operando-se a chamada perpetuação de sua competência.

Conforme se nota, havendo a reunião de processos pela conexão e/ou continência, a perpetuação
da competência permite que o juízo prevalente, "mesmo que venha a absolver ou desclassificar a infração
que determinou a atração, continue competente para julgar as demais" (TÁVORA; ALENCAR, 451).

Exemplo: crime de roubo cometido em Brasília/DF e receptação qualificada em Caldas Novas/GO.


Nesse caso, ambos os processos devem ser reunidos em Brasília/DF, porquanto lá foi cometido o crime mais
grave (art. 78, inciso II, alínea a, CPP). Ao final do processo, o juiz de Brasília/DF desclassifica o crime de roubo
para o crime de furto simples, cuja pena é bem menor do que a cominada ao crime de receptação qualificada.
Nesse caso, o juiz de Brasília/DF se mantém competente para o julgamento de ambas as infrações penais

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(furto simples e receptação qualificada), já que se operou a perpetuação de sua competência, nos termos do
art. 81, caput, do CPP (LIMA, 2020, p. 651).

Ainda em relação ao exemplo acima, note-se que, caso, desde o início, as infrações penais fossem
furto simples em Brasília/DF e receptação qualificada em Caldas Novas/GO, o juízo desta última cidade
exerceria força atrativa sobre o juízo da Capital Federal, nos termos do citado art. 78, I, a, do CPP. Todavia,
como o crime de furto simples adveio da desclassificação do crime de roubo, o juízo de Brasília/DF, nos
termos do art. 81, caput, do CPP, se mantém competente para o processo e o julgamento de ambas as
infrações penais.

O instituto da"perpetuação da competência atende ao princípio da economia processual e da própria


celeridade, na medida em que toda a prova já fora colhida perante este juízo". De mais a mais, deve ser
considerado que, tendo em vista a inserção do princípio da identidade física do juiz no processo penal (art.
399, §2º, CPP), "eventual remessa do processo ao outro juízo traria como consequência inevitável a
renovação da instrução processual, causando indevido retrocesso na marcha procedimental" (LIMA, 2020, p.
652).

I. Tribunal do Júri
No que diz respeito ao estudo da perpetuação (ou não) da competência no caso do Tribunal do Júri,
três situações distintas podem ser verificadas (LIMA, 2020, p. 652):

• Desclassificação na primeira fase do procedimento bifásico do júri: nos termos do art. 419, caput
e parágrafo único, do CPP, quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da
inexistência de crime doloso contra a vida e não for competente para o seu julgamento, remeterá
os autos ao juiz que o seja, ficando o acusado preso à disposição deste outro juízo. No que diz
respeito à infração penal conexa e/ou continente, disciplina o art. 81, parágrafo único, do CPP,
que, se o juiz vier a desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver o acusado, de maneira
que exclua a competência do júri, remeterá o processo ao juízo competente. Logo, excetuando a
regra da perpetuação da competência, inserta no caput do art. 81 do CPP, no caso do rito bifásico
do Júri, se o juízo sumariante impronunciar, absolver sumariamente ou desclassificar o crime
inicialmente tido por doloso contra a vida, deverá remeter as infrações penais conexas e/ou
continentes ao juízo competente. Exemplo: João é acusado de homicídio doloso em
Teresópolis/RJ e ocultação de cadáver em Petrópolis/RJ. Em razão da conexão, os fatos foram
reunidos perante o juízo de Teresópolis/RJ. Caso o juízo da Vara do Tribunal do Júri de
Teresópolis/RJ, ao final da primeira fase, impronuncie ou absolva sumariamente João em relação
ao crime de homicídio doloso, deverá remeter o crime de ocultação de cadáver ao juízo criminal
competente. Caso desclassifique o crime de homicídio doloso para culposo, ambas as infrações
deverão ser remetidas ao juízo criminal comum;

• Desclassificação na segunda fase do procedimento escalonado do júri: caso a desclassificação


seja concretizada pelo Conselho de Sentença, nos termos do art. 492, §§1º e 2º, do CPP, caberá
ao juiz-presidente o julgamento da infração penal desclassificada e das conexas e/ou continentes,
não havendo a remessa dos autos a outro juízo. No exemplo do tópico acima, ao juiz- presidente
do Tribunal do Júri de Teresópolis/RJ caberia o julgamento do homicídio culposo e da ocultação
de cadáver; e

• Absolvição pelo conselho de sentença em relação ao crime doloso contra a vida: se os jurados
absolverem o acusado em relação ao crime doloso contra a vida, também competirá ao Conselho
de Sentença o julgamento das infrações penais conexas e/ou continentes com aquele, aplicando-

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se a regra do art. 81, caput, do CPP. No exemplo acima, caso os jurados absolvam João do crime
de homicídio doloso, deverão ser quesitados em relação ao crime de ocultação de cadáver.

II. Justiça Federal

No caso da Justiça Comum Federal, quatro situações distintas podem ser verificadas, a saber:

• Desclassificação do único crime que tramitava perante o juízo federal: nesse caso, o juízo federal
deverá remeter os autos ao juízo estadual, porquanto, em última análise, está reconhecendo sua
incompetência absoluta, não se aplicando a regra do art. 81, caput, do CPP, mormente porque a
competência da Justiça Federal é do tipo absoluta. Exemplo: João é acusado de tráfico
internacional de drogas perante um juízo federal. Ao final da instrução, o juiz federal entende que
não restou provada a internacionalidade da conduta. Nesse caso, desaparecendo a competência
da Justiça Federal, os autos deverão ser remetidos ao juízo estadual competente (LIMA, 2020, p.
652- 653);

• Desclassificação do crime federal e existência de infrações penais estaduais conexas e/ou


continentes: de igual forma, o juízo federal deverá remeter os autos ao juízo estadual
competente. Exemplo: José é acusado de tráfico internacional de drogas e latrocínio em conexão.
Ambas as infrações penais, nos termos da estudada Súmula nº 122 do STJ, deverão ser reunidas
perante o juízofederal. Se o juiz federal, ao final da instrução, entender que o tráfico é interno,
deverá remeter os autos ao juízo estadual competente, porquanto desapareceu a competência
da Justiça Federal;

• Absolvição do crime federal e existência de infrações penais estaduais conexas e/ou


continentes: nesse caso, o juízo federal permanece competente para o julgamento das infrações
penais conexas e/ou continentes ao crime federal. Exemplo: João é acusado de tráfico
internacional de drogas e roubo em conexão. Ambas as infrações penais, nos termos da estudada
Súmula nº 122 do STJ, deverão ser reunidas perante o juízo federal. Caso o juiz federal, na
sentença, absolva João quanto ao crime de tráfico internacional de drogas, por insuficiência
probatória, por exemplo, permanecerá competente para o julgamento do crime de roubo, nos
termos do art. 81, caput, do CPP. É dizer: ao absolver João quanto ao crime de tráfico, o juízo
federal se disse competente em relação àquele fato, estendendo a sua competência para os
demais crimes, nos termos do citado artigo (LIMA, 2020, p. 652-653); e

• Extinção da punibilidade do crime federal e existência de infrações penais estaduais conexas


e/ou continentes: nesse caso, sobrevindo a prescrição do crime federal, "desaparece o interesse
da União, devendo haver o deslocamento da competência para a Justiça Estadual" (HC
108.350/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 4/8/2009,
DJe 24/8/2009). Exemplo: João foi acusado de desobediência a servidor público federal e crimes
ambientais. Havendo a prescrição do crime contra a Administração Pública Federal, que motivou
a reunião dos processos perante o juízo federal, este deverá remeter os autos ao juízo comum
estadual.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

III. Crime comum x Crime eleitoral


Como visto anteriormente, na visão do STF, em caso de conexão entre crime comum (de competência
federal ou estadual) e crime eleitoral, ambas as infrações penais deverão ser julgadas pela Justiça Eleitoral.

No ano de 2021, o STF, apreciando caso no qual a punibilidade da infração eleitoral foi atingida pela
prescrição, assentou que "A Justiça Eleitoral é competente para processar e julgar crime comum conexo com
crime eleitoral, ainda que haja o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do delito eleitoral".
(STF. 2ª Turma. RHC 177243/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 29/6/2021; Info 1024).

Assim, na visão do STF, ainda que a punibilidade do crime eleitoral tenha sido alcançada pela
prescrição, à Justiça ELEITORAL competirá o julgamento do crime comum que lhe era conexo.

3.6.8. Crimes cometidos fora do território brasileiro


Nos termos do art. 88 do CPP, no processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será
competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver
residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da República.

Assim, no caso da extraterritorialidade da lei penal brasileira, duas regras devem ser observadas:

• Agente que já residiu no brasil: o foro competente é o juízo da Capital do Estado onde houver
por último residido o acusado; e

• Agente que nunca residiu no brasil: o foro competente é o juízo da Capital da República.

Desse modo, nota-se que nem sempre a ação penal correrá perante o juízo da Capital da República,
já que, caso o agente tenha residido no Brasil, o processo penal deverá tramitar perante o juízo da Capital do
Estado em que o agente por último residiu.

Exemplo: na França, João, que nunca residiu no Brasil, comete um crime contra o patrimônio da
União. Nesse caso, nos termos do art. 7º, inciso I, alínea b, do CP, embora praticado no exterior, será aplicada
a lei penal brasileira. Como João nunca residiu no Brasil, o processo deverá tramitar perante uma das varas
criminais federais da Capital da República, porquanto o crime foi praticado em detrimento da União.

Muito importante é perceber que nem sempre o fato será de competência da Justiça Federal. É dizer:
o fato de o crime ser praticado fora do Brasil, por si só, não atrai a competência da Justiça Federal. No
exemplo, o crime será processado pela Justiça Federal, porquanto foi praticado em detrimento da União, nos
termos do art. 109, inciso IV, da CF/88. Exemplo: João, que, no Brasil, somente residiu em Juiz de Fora/MG,
pratica, na África do Sul, crime contra o patrimônio da cidade do Rio de Janeiro/RJ. Nesse caso, nos termos
do art. 7º, inciso I, alínea b, CP, embora praticado no exterior, será aplicada a lei penal brasileira. Como João,
no Brasil, residiu por último em Juiz de Fora/MG, o fato deverá ser processado perante uma das varas
criminais comuns da Capital de Minas Gerais, isto é, Belo Horizonte/MG.

a) Crime cometido por brasileiro no exterior e negativa de extradição

Há uma importante divergência entre o STF e o STJ no que diz respeito à Justiça competente para
processar e julgar crime cometido por brasileiro no exterior, cuja extradição tenha sido negada pelo Brasil.
Exemplo: João, brasileiro nato, na China, comete um crime de furto contra um chinês e foge para o Brasil.

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Como é brasileiro nato, João não poderá ser extraditado para a China, devendo ser processado pela justiça
brasileira.

Para o STF, a competência será da Justiça Estadual. A fim de que fosse julgado pela Justiça Federal,
seria necessário que a situação se encaixasse em uma das hipóteses do art. 109 da CF/88 (1ª Turma. RE
1.175.638 AgR/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 2/4/2019 - Info 936).

Noutro giro, de acordo com o STJ, "compete à Justiça Federal o processamento e o julgamento da
ação penal que versa sobre crime praticado no exterior que tenha sido transferida para a jurisdição brasileira,
por negativa de extradição" (3ª Seção. CC 154.656-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/4/2018 - Info
625).

4. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

4.1. Supremo Tribunal Federal

Súmula Vinculante nº 45, STF: “A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o
foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual.”

Súmula nº 498, STF: “Compete à Justiça dos Estados, em ambas as instâncias, o processo e o
julgamento dos crimes contra a economia popular.”

Súmula nº 451, STF: “A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime
cometido após a cessação definitiva do exercício funcional.”

Súmula nº 521, STF: “O foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato,
sob a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o do local onde se deu a recusa
do pagamento pelo sacado.”

Súmula nº 706, STF: “É relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por
prevenção.”

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. NULIDADE DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO


DO PACIENTE PARA RECORRER DO ÉDITO CONDENATÓRIO. ACORDÃO DE SEGUNDO GRAU
QUE MAJOROU A REPRIMENDA. ACÓRDÃO ANULADO PELO JUÍZO SENTENCIANTE.
IMPOSSIBILIDADE. QUESTÃO QUE DEVE SER APRECIADA PELA VIA PRÓPRIA E PELO
TRIBUNAL COMPETENTE. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E DENEGADO. I –
Um juízo de primeiro grau não pode rescindir um acórdão de instância superior, mesmo na
hipótese de existência de nulidade absoluta, sob pena de violação das normas processuais
penais e constitucionais relativas à divisão de competência. II – Agiu bem o Superior
Tribunal de Justiça ao afirmar que não compete ao juízo da execução reconhecer uma
nulidade, ainda que absoluta, ocorrida no curso de processo findo, ocasionando verdadeira
rescisão de decisão proferida por instância superior. III – Também não caberia ao STJ
analisar, per saltum, a alegada nulidade absoluta, pois a Corte Regional limitou-se a anular
a decisão do juízo da execução que rescindiu indevidamente o seu julgado, sem manifestar-
se, expressamente, sobre eventual nulidade decorrente da ausência de intimação do
paciente. IV – Pelos mesmos fundamentos, não pode esta Corte analisar o pedido de
anulação da ação penal, sob pena de indevida supressão de instância, com evidente
extravasamento dos limites da competência outorgada no art. 102 da Constituição Federal.
V – Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegado. [HC 110358,
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 12/6/2012,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-150 DIVULG 31/7/2012 PUBLIC 1º/8/2012]

COMPETÊNCIA – JUSTIÇA FEDERAL – HOMICÍDIO – POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL –


FUNÇÃO – VINCULAÇÃO – AUSÊNCIA. A suposta prática de homicídio, desvinculada da

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 3

condição funcional de policial rodoviário federal, não faz incidir a competência da Justiça
Federal, a qual, nos termos do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal, pressupõe o
cometimento de delito em detrimento de bens, serviços ou interesse da União. [HC 157012,
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 10/12/2019, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-040 DIVULG 26/2/2020 PUBLIC 27/2/2020]

4.2. Superior Tribunal de Justiça

Súmula nº 38, STJ: “Compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o
processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União
ou de suas entidades.”

Súmula nº 42, STJ: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é
parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.”

Súmula nº 48, STJ: “Compete ao Juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar
crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque.”

Súmula nº 53, STJ: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de
crime contra instituições militares estaduais.”

Súmula nº 73, STJ: “A utilização de papel moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o
crime de estelionato, da competência da Justiça Estadual.”

Súmula nº 122, STJ: “Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes
conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo
Penal.”

Súmula nº 140, STJ: “Compete à justiça comum estadual processar e julgar crime em que o indígena
figure como autor ou como vítima.”

Súmula nº 244, STJ: “Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato
mediante cheque sem provisão de fundos.”

Info. nº 700, STF: "Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de esbulho possessório de
imóvel vinculado ao Programa Minha Casa Minha Vida" (STJ. 3ª Seção. CC 179.467-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz,
julgado em 09/06/2021; Info 700).

QUESTÕES DE CONCURSO

1. (TRF 2ª Região 2014 – adaptada) É da competência penal da Justiça Federal processar e julgar os crimes
praticados em detrimento de bens, serviços ou interesse de fundações públicas federais.

2. TJ/PR (Cespe/UnB 2019 – adaptada) A respeito de competência jurisdicional, é correto afirmar que o juízo
de admissibilidade da exceção da verdade relacionada ao crime de calúnia em desfavor de autoridade pública
com foro por prerrogativa de função é de competência das instâncias ordinárias.

3. TJ/PR (Cespe/UnB 2019 – adaptada) A respeito de competência jurisdicional, é correto afirmar que a
competência constitucional do tribunal do júri é uma cláusula pétrea, razão pela qual é inadmitida a sua
ampliação por lei ordinária.

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4. MPDFT (MPDFT 2015 – adaptada) O crime de furto de uma carteira de um passageiro, cometido a bordo
de aeronave comercial pousada no aeroporto de Brasília, deve ser julgado na Vara Criminal da Justiça comum
local do Distrito Federal.

5. MPE/SP (MPE/SP 2005 – adaptada) Haverá conexão material quando a prova de uma infração ou de
qualquer circunstância influir na prova de outra.

6. TRF 1ª Região (Cespe/UnB 2011 – adaptada) Havendo conexão entre crimes de competência estadual e
federal, firma-se a segunda para conhecer, processar e julgar o feito, consoante preceito contido em verbete
sumular do STJ e, mesmo que sobrevenha declaração de extinção da punibilidade em relação ao crime que
atraiu a competência federal, permanece este juízo competente para julgar as demais infrações, em face do
princípio da perpetuatio jurisdictionis, nos termos expressos do CPP.

COMENTÁRIOS

1. Gabarito: CORRETO. Apesar de não constarem expressamente do art. 109, inciso IV, da CF/88, os crimes
praticados em desfavor das fundações públicas federais, sejam elas de direito público, sejam elas de direito
privado, serão processados e julgados pela Justiça Federal.

2. Gabarito: CORRETO. O julgamento da exceção da verdade interposta em desfavor de detentor de foro por
prerrogativa de função compete ao Tribunal respectivo. Todavia, o juízo de admissibilidade da exceção e sua
instrução são de competência das instâncias ordinárias. É dizer: após admitir a exceção da verdade e instruí-
la, a instância ordinária encaminha a exceção da verdade para o Tribunal responsável por seu julgamento (HC
311.623/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 10/3/2015, DJe 17/3/2015).

3. Gabarito: ERRADO. Em verdade, o legislador ordinário não poderá retirar do Tribunal do Júri a
competência para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, contudo, poderá prever que outros
crimes, distintos dos dolosos contra a vida, sejam julgados pelo Tribunal do Júri (NUCCI, 2016, p. 196).

4. Gabarito: ERRADO. No que diz respeito aos crimes cometidos a bordo de aeronaves, tem-se que,
diferentemente do que ocorre em relação aos navios, para fins de fixação da competência da Justiça Federal,
mostra-se irrelevante o fato da aeronave se encontrar em solo ou sobrevoando. É dizer: ainda que a aeronave
se encontre em terra, o crime nela cometido será de competência da Justiça Federal, ou seja, mesmo que a
aeronave não esteja em deslocamento ou em situação de potencial descolamento, o crime cometido em seu
interior deverá ser processado e julgado pela Justiça Federal (CC 143.343/MS, Rel. Ministro JOEL ILAN
PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 30/11/2016).

5. Gabarito: ERRADO. Nesse caso, considerando que a prova de uma infração influencia na prova de outra,
estamos diante da chamada conexão instrumental, probatória ou processual, nos termos do art. 76, inciso
III, do CPP.

6. Gabarito: ERRADO. Nesse caso, sobrevindo a prescrição do crime federal, "desaparece o interesse da
União, devendo haver o deslocamento da competência para a Justiça Estadual" (HC 108.350/RJ, Rel. Ministra
MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 4/8/2009, DJe 24/8/2009).

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4 DAS PROVAS (ARTS. 155 A 250, CPP)

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1. INTRODUÇÃO E TEORIA GERAL DA PROVA (ART. 155 A 157, CPP)

Em sentido estrito, prova é a informação ou conjunto de informações trazidas aos autos em que
materializada a persecução penal com a finalidade de, dentro do possível, reconstruir a dinâmica fática,
formando o convencimento do magistrado acerca dos fatos em julgamento, já que o juiz é o seu destinatário
final. Quanto ao ponto, não se pode confundir o conceito de prova com o de ato probatório, sendo este
compreendido como a atividade concretizada com o fim de produzir a prova (MARCÃO, 2016, p. 351).

1.1. Princípios aplicáveis

1.1.1. Contraditório
Nos termos do art. 155, caput, do CPP, a fim que a informação ou conjunto de informações trazidas
aos autos ganhem o status de prova, isto é, para que o juiz possa delas se valer como fundamento ao decreto
condenatório, sua produção deve se submeter ao contraditório; sendo oportunizada à parte contrária o
direito de ciência quanto àquelas informações (direito à informação) e de se contrapor ao seu conteúdo
(direito de participação), tudo em conformidade com o art. 5º, LIV, da CF/88.

O contraditório, isto é, a ciência da parte contrária quanto à informação juntada aos autos e a
possibilidade de contraposição ao seu conteúdo, pode ser concretizado de duas formas:

• Contraditório real ou para a prova: é aquele que se verifica no momento da produção da


informação. É dizer: já em sua produção, a prova se submete ao contraditório, podendo as partes,
enquanto a prova está sendo construída, intervirem na colheita daquela informação. É o que se
verifica, por exemplo, nas provas colhidas em juízo; e

• Contraditório diferido ou postergado ou adiado ou sobre a prova: é aquele que ocorre em


momento no qual a informação já foi produzida, isto é, "a observância do contraditório é feita
posteriormente, dando-se oportunidade ao acusado e a seu defensor de, no curso do processo,
contestar a providência cautelar, ou de combater a prova pericial feita no curso do inquérito"
(LIMA, 2020, p. 58). É o que ocorre, por exemplo, com a interceptação telefônica, já que, enquanto
a diligência está em curso, nem mesmo ciência dela o investigado terá. Após o seu término, a
defesa do interceptado poderá contraditar os elementos nela colhidos.

1.1.2. Imediatidade
De acordo com o princípio da imediatidade "é necessário assegurar ao juiz o contato físico com as
provas no ato de sua obtenção, inclusive para que possa ele conservar em sua memória aspectos importantes
do momento em que tenham sido aquelas provas produzidas e, desse modo, valorá-las com maior exatidão
no ato da sentença" (AVENA, 2017, p. 317).

Nesse contexto, pelo princípio da imediatidade, também chamado de imediatismo, deve o juiz colher
diretamente todas as provas, em contato imediato com as partes, o que, todavia, não impede a produção de
provas por videoconferência, que será analisada em tópico próprio (LIMA, 2020, p. 711).

1.1.3. Concentração

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Pelo princípio da concentração, "a produção probatória deve ser concentrada em uma só audiência
ou, ao menos, no menor número possível delas. Este critério de condução do processo, já inserido em
diplomas legais, como a Lei 9.099/1995 (art. 81), foi incorporado ao Código de Processo Penal pela Lei
11.719/2008, ao estabelecer, nos arts. 400, 411 e 431 (procedimento ordinário, rito do júri e procedimento
sumário, respectivamente), a concentração das provas orais em audiência única de instrução" (AVENA, 2017,
p. 317).

Ainda de acordo com o princípio em voga, "caso não seja possível concentrar a produção da prova
em uma única audiência, deve-se designar a próxima audiência para a data mais próxima" (LIMA, 2020, p.
711).

1.1.4. Comunhão
Pelo princípio da comunhão, "uma vez trazidas aos autos, as provas não mais pertencem à parte que
as acostou, mas sim ao processo, podendo, desse modo, ser utilizadas por quaisquer dos intervenientes, seja
o juiz, sejam as demais partes" (AVENA, 2017, p. 317-318).

1.2. Sistema de valoração da prova adotado pelo CPP

De acordo com o art. 155, caput, do CPP, o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Desse modo, pela redação do citado artigo, que deve ser lido em conjunto com o art. 93, inciso IX,
da CF/88, extrai-se que o juiz é livre para fundamentar sua decisão, razão pela qual se diz que o Código de
Processo Penal adotou o sistema da persuasão racional ou do livre convencimento motivado do magistrado.
É dizer: "o magistrado tem ampla liberdade na valoração das provas constantes dos autos, as quais têm, legal
e abstratamente, o mesmo valor, porém se vê obrigado a fundamentar sua decisão" (LIMA, 2020, p. 683).

Excepcionando a regra da persuasão racional, no rito escalonado do Tribunal do Júri, os Jurados não
fundamentam sua decisão, nos termos do art. 486 do CPP, razão pela qual, em relação aos Jurados do
Tribunal do Júri, é aplicado o sistema da íntima convicção do julgador, também chamado de sistema da
certeza moral do juiz ou da livre convicção. Frise-se: mesmo no Tribunal do Júri, somente os Jurados são
regidos pelo sistema da íntima convicção. Ao juiz-presidente, continua valendo a regra da persuasão racional,
sendo dele exigida a fundamentação de suas decisões.

1.3. Elementos de informação produzidos na investigação policial

Como visto, o art. 155, caput, do CPP, aduz que, em regra, o juiz somente poderá formar seu
convencimento pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial. É dizer: a fundamentação
do magistrado deve estar embasada nas provas produzidas em juízo, isto é, sob o crivo do contraditório real
ou para a prova, não podendo, em regra, calcar-se nos elementos de informação angariados na investigação
policial.

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No ponto, é interessante assentar que, no Info. 719, o STJ mencionou que: "O art. 155 do CPP, ao
proibir que a condenação se fundamente apenas em elementos colhidos durante a fase inquisitorial, tem
aplicação também para as sentenças proferidas no Júri".

Antes da Lei n.º 13.964/19 (Pacote Anticrime), era bastante tranquilo afirmar que o juiz, para
fundamentar sua decisão, poderia se valer dos elementos de informação produzidos na investigação policial,
desde que o fizesse de forma subsidiária, isto é, a decisão poderia considerar os elementos colhidos na
investigação, contudo, em regra, não poderia ser fundada somente neles65.

Tal interpretação nascia do termo exclusivamente usado no art. 155, caput, do CPP. É dizer: de acordo
com essa corrente, que, repita-se, era amplamente aceita na doutrina e na jurisprudência, ao usar o
mencionado termo, o legislador, tão somente, impediu que a condenação estivesse baseada, de forma única
e exclusiva, nos elementos de informação produzidos na investigação preliminar. Assim, o magistrado, de
forma subsidiária, poderia buscar fundamentação junto às informações trazidas pela investigação.

Contudo, com o Pacote Anticrime, a questão deixa de ser pacífica, já que o art. 3º-C, §3º, do CPP,
disciplina que os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados
na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do
processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas
irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para
apensamento em apartado.

A partir do colacionado dispositivo do Pacote Anticrime, que, até o fechamento desta obra, está com
a eficácia suspensa, duas correntes doutrinárias debatem sobre o tema.

Uma primeira corrente, interpretando de forma restritiva o art. 3º-C, §3º, do CPP, aduz que os autos
da investigação policial continuarão acompanhando a denúncia ou queixa, sempre que servirem de base a
uma ou outra, nos termos do art. 12 do CPP, que, para eles, não foi revogado pelo Pacote Anticrime. Para
essa corrente, portanto, continua vigorando a interpretação no sentido de que o juiz pode se valer dos
elementos de informação para fundamentar sua decisão, desde que não o faça de forma exclusiva. É dizer:
o juiz continua a ter acesso a tudo o que foi produzido na investigação policial e, de forma subsidiária, pode
se valer de tais elementos (LIMA, 2020, p. 163).

Noutro giro, uma segunda corrente disciplina que "o juiz da instrução e julgamento deverá receber
apenas o sumário da primeira fase, contendo as provas irrepetíveis, antecipadas, e os meios de obtenção de
prova, autuadas de modo incidental e separadas em blocos distintos, e não os autos na totalidade, os quais
deverão permanecer acautelados na secretaria do juiz das garantias" (LIMA, 2020, p. 164). É dizer: o juiz da
instrução e julgamento não tem mais acesso amplo aos elementos de informação produzidos na investigação,
razão pela qual, por óbvio, não pode fundamentar sua decisão neles, ressalvadas as provas cautelares, não
repetíveis e antecipadas, as quais ele continuará tendo acesso.

Com efeito, em relação às provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, nada muda, porquanto,
nos termos da própria redação do art. 155, caput, do CPP, o juiz continua podendo fundamentar sua decisão,
inclusive de forma exclusiva, em tais provas. É dizer: a redação do art. 155, caput, do CPP, permite que o juiz
fundamente sua decisão exclusivamente nos elementos de informação colhidos na investigação, desde que
tais elementos sejam provas cautelares, não repetíveis ou antecipadas.

65STF, HC 105837 – RS, 1.ª T., rel. Rosa Weber, 8/5/2012; STJ, AgRg no AREsp 446385 – RJ, 6.ª T., rel. Sebastião Reis Júnior,
25/8/2015

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

Para fins didáticos, colaciona-se tabela extraída da obra do Professor Renato Brasileiro de Lima acerca
das provas cautelares, não repetíveis ou antecipadas, que, como dito, poderão sozinhas embasar a decisão
do magistrado, inclusive um decreto condenatório. Confira-se (LIMA, 2020, p. 658-659):

PROVAS PROVA NÃO PROVAS


CAUTELARES REPETÍVEL ANTECIPADAS

CONCEITO São aquelas em que há É aquela que, uma vez São aquelas produzidas
um risco de produzida, não tem com a observância do
desaparecimento do como ser novamente contraditório real, perante
objeto da prova em coletada ou produzida, a autoridade judicial, em
razão do decurso do em virtude do momento processual
tempo, em relação às desaparecimento, distinto daquele
quais o contraditório destruição ou legalmente previsto, ou até
será diferido. perecimento da fonte mesmo antes do início do
probatória. processo, em virtude de
situação de urgência e
relevância.
MOMENTO E Podem ser produzidas Podem ser produzidas Podem ser produzidas na
(DES)NECESSIDADE no curso da fase na fase investigatória e fase investigatória e em
DE AUTORIZAÇÃO investigatória ou em juízo, sendo que, em juízo, sendo indispensável
JUDICIAL durante a fase judicial, regra, não dependem de prévia autorização judicial.
sendo que, em regra, autorização judicial.
dependem de
autorização judicial.
ESPÉCIE DE Diferido ou postergado Diferido ou postergado Real ou para a prova.
CONTRADITÓRIO ou adiado ou sobre a ou adiado ou sobre a
prova. prova.
EXEMPLO Interceptação Exame de corpo de Oitiva de testemunha que
telefônica, nos termos delito em vítima de está prestes a falecer, nos
da Lei n.º 9.296/96 lesões corporais leves termos do art. 225 do CPP.

1.4. Estado civil das pessoas

Nos termos do art. 155, parágrafo único, do CPP, somente quanto ao estado das pessoas serão
observadas as restrições estabelecidas na lei civil, o que é apontado pela doutrina como resquício de prova
tarifada em nosso sistema processual penal (LIMA, 2020, p. 682).

Com efeito, para provar, por exemplo, que seu cliente está morto, não basta que o advogado produza
prova testemunhal nesse sentido, sendo necessária a apresentação da certidão de óbito, nos termos do art.
62 do CPP, já que se trata de prova atinente ao estado civil das pessoas (LIMA, 2020, p. 682).

No mesmo sentido, a Súmula nº 74 do STJ disciplina que "para efeitos penais, o reconhecimento da
menoridade do réu requer prova por documento hábil", o qual, nos termos da jurisprudência do próprio STJ,
não se restringe à certidão de nascimento ou à identidade civil, podendo a menoridade do réu ser

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

comprovada por outros documentos oficiais, como a declaração prestada perante autoridade pública (HC
363.054/MG, rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, j. 25/4/2017, p. 3/5/2017).

1.5. Ônus probatório

Ônus probatório pode ser definido como o "encargo atribuído às partes de provar, mediante meios
lícitos e legítimos, a verdade das suas alegações, visando fornecer ao juiz os elementos necessários à
formação de sua convicção" (AVENA, 2017, p. 321).

Nos termos do art. 156, caput, primeira parte, do CPP, a prova da alegação incumbirá a quem a fizer,
razão pela qual a doutrina majoritária entende haver "uma efetiva distribuição do ônus da prova entre a
acusação e a defesa no processo penal" (LIMA, 2020, p. 677).

Desse modo, para a doutrina majoritária, "à acusação caberá provar a existência do fato imputado e
sua autoria, a tipicidade da conduta, os elementos subjetivos de dolo ou culpa, a existência de circunstâncias
agravantes e qualificadoras". Noutro giro, à defesa "incumbirá a prova de eventuais causas excludentes de
ilicitude, de culpabilidade e de tipicidade, circunstâncias atenuantes, minorantes e privilegiadoras que tenha
alegado" (AVENA, 2017, p. 321).

No que diz respeito ao grau de convencimento do juiz, tem-se que a acusação, de forma indene de
dúvidas, deve provar sua alegação, já que em favor do réu milita a presunção de inocência. É dizer: a acusação
deve se desincumbir de seu ônus probatório de uma forma que não restem dúvidas quanto aos fatos por ela
alegado. A defesa, por sua vez, também considerando a regra da presunção de inocência, conseguirá se
desincumbir de seu ônus ao trazer aos autos uma dúvida razoável quanto à sua alegação, nos termos do art.
386, inciso VI, do CPP, já que, havendo fundada dúvida quanto à existência de circunstâncias que excluam o
crime ou isentem o réu de pena, deverá ser proferida sentença absolutória (LIMA, 2020, p. 678).

1.6. Iniciativa probatória do juiz

O art. 156, caput, segunda parte, do CPP, aduz que é facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas


consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida; e
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Antes do Pacote Anticrime, já havia algumas críticas doutrinárias em relação aos citados incisos do
art. 156 do CPP. Contudo, a maioria da doutrina os considerava compatível com o ordenamento jurídico
vigente, desde que a atuação do juiz, mormente no que diz respeito ao inciso II, se desse de forma subsidiária.

Todavia, com a Lei nº 13.964/19, essa discussão, certamente, dividirá a doutrina e os Tribunais
pátrios, porquanto o art. 3º-A do CPP, que, até o fechamento desta obra, está com a eficácia suspensa,
expressamente disciplina que o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase
de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.

Posicionando-se quanto ao ponto, o Professor Renato Brasileiro de Lima foi enfático ao assentar que
o art. 3º-A do CPP revogou tacitamente o art. 156, I, do mesmo Código, nos termos do art. 2º, §1º, da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, porquanto a lei posterior revoga a anterior quando

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de
que tratava a lei anterior (LIMA, 2020, p. 108-109).

De igual forma, ainda segundo o renomado Professor, também houve a revogação tácita do art. 156,
II, do CPP, e "de todos os demais dispositivos constantes do Código de Processo Penal que atribuíam ao juiz
da instrução e julgamento iniciativa probatória no curso do processo penal". Somente não estariam
revogados, de acordo com o Professor, dispositivos que autorizem a intervenção pontual do juiz, como no
caso do art. 212, parágrafo único, do CPP, o qual permite ao juiz complementar a inquirição das testemunhas
(LIMA, 2020, p. 112).

Em sua obra, o renomado Professor também cita uma posição intermediária, segundo a qual "o art.
3º-A do CPP não revogou os incisos I e II do art. 156 do mesmo diploma legal, salvo no inciso I, no que tange
à possibilidade de determinar, de ofício, a produção antecipada da prova na fase de investigação" ―
Enunciado nº 5 da Procuradoria-Geral de Justiça e Corregedoria-Geral do Ministério Público de São Paulo
(LIMA, 2020, p. 109).

1.7. Inadmissibilidade das provas ilegais

Nos termos do art. 5º, LVI, da CF/88, são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios
ilícitos, o que, no processo penal, foi regulamentado pelo art. 157 do CPP, cujo caput aduz que são
inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em
violação a normas constitucionais ou legais.

Como se vê, a CF/88 e o CPP somente fazem referência à prova ilícita, a qual, segundo o Código, é
aquela obtida em violação a normas constitucionais ou legais, pouco importando a natureza das normas
violadas, isto é, se de cunho material ou processual.

Todavia, a doutrina distingue as provas ilícitas das provas ilegítimas, o que, repita-se, não foi feito
pelo Código e nem pela Carta Magna. Para a doutrina, haveria um gênero "prova ilegal", dentro do qual,
como espécies desse gênero, estariam as provas ilícitas e as ilegítimas. As ilícitas são as obtidas "através da
violação de regra de direito material (penal ou constitucional)", por exemplo, a confissão obtida através de
tortura. Noutro giro, as ilegítimas são aquelas obtidas "mediante violação à norma de direito processual",
como ocorre, por exemplo, quando, "ao ouvir determinada testemunha, o magistrado se esqueça de
compromissá-la", incorrendo "em violação à regra do art. 203 do CPP" (LIMA, 2020, p. 685-686).

Em provas concursais, portanto, muita atenção ao ponto. O examinador pode cobrar o conceito legal
de prova ilícita: aquela obtida em violação a normas constitucionais ou legais, pouco importando a natureza
das normas violadas, isto é, se de cunho material ou processual, nos termos do art. 157, caput, do CPP.
Também pode ser questionada a diferenciação doutrinária entre provas ilícitas e ilegítimas. As primeiras
violam normas de direito material, e as segundas desobedecem a regras de direito processual.

Nos termos do art. 157, §3º, do CPP, preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada
inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. Frise-se,
porquanto importante para concursos: as partes podem acompanhar o incidente de inutilização da prova
declarada ilícita.

1.7.1. Ilicitude por derivação (teoria dos frutos da árvore envenenada)

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

Como visto, as provas ilícitas são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo. Este
regramento seria inócuo se tal ilicitude não se estendesse às provas derivadas das ilícitas. Em outras palavras:
"de nada adiante dizer que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos se essa ilicitude
também não se estender às provas que dela derivam" (LIMA, 2020, p. 689).

Nesse contexto, as "provas ilícitas por derivação são aquelas que, embora lícitas na própria essência,
decorrem exclusivamente de uma outra prova, considerada ilícita, ou de uma situação de ilegalidade,
restando, portanto, contaminadas" (AVENA, 2017, p. 330).

Em relação às provas ilícitas por derivação, adotamos, portanto, a "teoria norte- americana dos
Frutos da Árvore Envenenada (fruits of the poisonous tree), segundo a qual o defeito existente no tronco
contamina os frutos" (AVENA, 2017, p. 330), nos termos do art. 157, §1º, do CPP, o qual disciplina que
também são inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas.

Assim, pela regra dos frutos da árvore envenenada, se uma determinada prova, ainda que obtida por
meio lícito, deriva de uma prova ilícita, a ilicitude da primeira contaminará a segunda, devendo haver o
desentranhamento das duas.

a) Teoria ou exceção da fonte independente

Conforme acima estudado, a ilicitude de uma prova implica, em regra, na ilicitude das provas dela
derivadas. Contudo, não se pode afirmar que, havendo uma prova ilícita nos autos, todas as demais também
o são, já que, como regra, somente estarão contaminadas aquelas que derivam da ilícita. Esse é o teor da
teoria ou exceção da fonte independente.

No ponto, muito cuidado com a redação dos §§1º e 2º do art. 157 do CPP, porquanto o legislador fez
uma confusão bastante grande entre a teoria da fonte independente e da descoberta inevitável. Confira-se
a redação dos citados parágrafos, que, em provas objetivas, deverá ser considerada pelo candidato:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas,
assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não
evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem
ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e
de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato
objeto da prova.

Por definição, a teoria ou exceção da fonte independente é verificada quando, conforme o próprio
nome sugere, não há uma relação de dependência entre as provas. É dizer: se, em um determinado processo,
no qual existem as provas "A" e "B", que não derivam uma da outra, é declarada a ilicitude da prova "A",
somente ela deverá ser desentranhada dos autos, já que a prova "B" não guarda com ela relação de
dependência, isto é, não se originou dela. No exemplo, se a prova "B" derivasse da "A", pela regra da ilicitude
por derivação, as duas deveriam ser desentranhadas. Contudo, como não há relação de dependência, a prova
"B", caso tenha sido obtida por meio lícito, não deve ser retirada dos autos.

Em outras palavras: "de acordo com a teoria ou exceção da fonte independente, se o órgão da
persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma
fonte autônoma de prova, que não guarde qualquer relação de dependência, nem decorra da prova
originariamente ilícita, com esta não mantendo vínculo causal, tais dados probatórios são admissíveis,
porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária" (LIMA, 2020, p. 692).

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

A teoria ou exceção da fonte independente é extraída do art. 157, §1º, segunda parte, do CPP, o qual
aduz que são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras. Note-se: a teoria ou exceção da fonte independente é aplicável quando não
há relação/nexo de causalidade entre as provas dos autos, pelo que se pode concluir que, ainda que haja
uma prova ilícita no processo, não necessariamente deverá haver o desentranhamento de todas as provas
acostadas aos autos. As que não se originaram da ilícita, isto é, nasceram de outra fonte ("fonte
independente"), não serão consideradas ilícitas.

Em resumo (muito importante para fins de diferenciação das teorias da fonte independente e da
descoberta inevitável): na teoria ou exceção da fonte independente, as provas, de fato, isto é, no caso
concreto, derivaram de fontes autônomas, razão pela qual a ilicitude de uma não contamina a outra.

b) Descoberta inevitável (exceção da fonte hipotética independente)


Na teoria da descoberta inevitável, também conhecida como exceção da fonte hipotética
independente, ao contrário do que ocorre na teoria ou exceção da fonte independente, há uma relação de
causalidade/dependência entre a prova ilícita e a prova obtida por meio lícito, contudo, mesmo assim, a
derivada não será considerada ilícita, porquanto, hipoteticamente, poderia ter sido obtida por uma fonte
autônoma.

Em outras palavras: "de acordo com a teoria da descoberta inevitável, também conhecida como
exceção da fonte hipotética independente, caso se demonstre que a prova derivada da ilícita seria produzida
de qualquer modo, independentemente da prova ilícita originária, tal prova deve ser considerada válida"
(LIMA, 2020, p. 693).

Como se vê, na teoria da descoberta inevitável, como o próprio nome sugere, a prova seria produzida
de qualquer forma, isto é, a autonomia entre as fontes de prova é hipotética. Dito de outra maneira: no caso
concreto, as provas guardam relação de dependência, isto é, uma se origina da outra, todavia, a prova
derivada, por hipótese, poderia ter sido obtida por outra fonte, por isso tal teoria é também chamada de
exceção da fonte hipotética independente.

Assim, se, no caso concreto, ficar demonstrado que a prova derivada de uma prova ilícita já seria
colhida por outra fonte, isto é, que a sua descoberta era inevitável, tal elemento não haverá de ser
considerado ilícito, ainda que tenha se originado de uma prova ilícita. A teoria em análise, apesar de toda
confusão feita pelo legislador, é extraída da parte final do §1º e do §2º do art. 157 do CPP.

A parte final do §1º do art. 157 do CPP normatiza que são também inadmissíveis as provas derivadas
das ilícitas, salvo quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. Frise-
se: o legislador chamou de fonte independente o que deveria ter chamado de descoberta inevitável, já que,
na fonte independente, não há relação de derivação entre as provas. Nas provas objetivas, como dito, o
candidato deverá se atentar à redação utilizada pelo legislador ordinário.

O §2º do art. 157 do CPP diz que fonte independente é aquela que por si só, seguindo os trâmites
típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da
prova. Novamente, o legislador fez confusão, já que usou a expressão "seria", isto é, usou um termo atinente
à autonomia hipotética da prova, que é a característica marcante da teoria da descoberta inevitável e não da
fonte independente.

Em resumo: na teoria ou exceção da fonte independente, a autonomia da prova é concreta, isto é,


de fato, as provas foram obtidas de fontes diversas. Na teoria da descoberta inevitável, também chamada de

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

exceção da fonte hipotética independente, a autonomia da prova é hipotética, isto é, não se verificou no
caso concreto, já que as provas nasceram umas das outras.

c) Descontaminação do julgado

O Projeto de Lei nº 4.205, de 2001 (nº 37/07 no Senado Federal), do qual se originou a Lei nº
11.690/08, acrescentou ao art. 157 do CPP o §4º, que tinha a seguinte redação: "O juiz que conhecer do
conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão", o que era chamado
pela doutrina de descontaminação do julgado (LIMA, 2020, p. 705).

De acordo com tal dispositivo, o magistrado (em sentido amplo) que conhecer do conteúdo da prova
declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão, "pois não teria isenção de ânimo
suficiente para apreciar o caso concreto com a imparcialidade que dele se espera" (LIMA, 2020, p. 705).

Todavia, essa alteração foi vetada pelo Presidente da República, que se utilizou dos seguintes
fundamentos (Mensagem n.º 350, de 9 de junho de 2008):

O objetivo primordial da reforma processual penal consubstanciada, dentre outros, no


presente projeto de lei, é imprimir celeridade e simplicidade ao desfecho do processo e
assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. O referido dispositivo vai de
encontro a tal movimento, uma vez que pode causar transtornos razoáveis ao andamento
processual, ao obrigar que o juiz que fez toda a instrução processual deva ser,
eventualmente substituído por um outro que nem sequer conhece o caso.
Ademais, quando o processo não mais se encontra em primeira instância, a sua
redistribuição não atende necessariamente ao que propõe o dispositivo, eis que mesmo
que o magistrado conhecedor da prova inadmissível seja afastado da relatoria da matéria,
poderá ter que proferir seu voto em razão da obrigatoriedade da decisão coligada.

O Pacote Anticrime ressuscitou a descontaminação do julgado, já que o §5º do art. 157 do CPP,
trazido pela Lei n.º 13.964/19, diz que o juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não
poderá proferir a sentença ou acórdão.

Deste modo, com a entrada em vigor do Pacote Anticrime, ao tomar conhecimento de uma prova
ilícita, o magistrado, além de determinar seu desentranhamento, deveria se afastar daquele caso concreto.

Todavia, em 15 de janeiro de 2020, a eficácia do citado §5º foi suspensa por liminar do Min. Dias
Toffoli, tendo essa decisão sido mantida pelo Min. Luiz Fux no dia 22 de janeiro de 2020, devendo haver o
acompanhamento dessa discussão no STF.

2. PROVAS EM ESPÉCIE

2.1. Do exame de corpo de delito, da cadeia de custódia e das perícias em geral


(arts.158 a 184, CPP)

2.1.1. Introdução, conceito, infrações que o exigem, espécies e local/horário


de realização
Conforme art. 158, caput, do CPP, quando a infração penal deixar vestígios, será indispensável o
exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Frise-se: a
confissão do acusado não pode suprir a falta do exame de corpo de delito.

As infrações penais que deixam vestígios, referidas pelo citado artigo, são chamadas de infrações não
transeuntes ou de fato permanente (delicta facti permanentis), isto é, os vestígios não transitam. As infrações

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

penais que não deixam vestígios são chamadas de transeuntes ou de fato transeunte (delicta facti
transeuntis), porquanto os vestígios transitam. Como visto, no caso das primeiras ― infrações penais não
transeuntes ― é obrigatória a realização do exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-
lo a confissão do acusado.

Nesse contexto, exame de corpo de delito é a perícia destinada à comprovação da materialidade das
infrações que deixam vestígios (v.g., homicídio, lesões corporais, furto qualificado pelo arrombamento, dano
etc.). A própria nomenclatura utilizada – “corpo de delito” – sugere o objetivo dessa perícia: corporificar o
resultado da infração penal, de forma a documentar o vestígio, perpetuando-o como parte do processo
criminal [AVENA, 2017, p. 360]

Não se pode confundir os conceitos de exame de corpo delito, corpo de delito e laudo de exame de
corpo de delito. Confiram-se:

• Exame de corpo de delito: como dito, o exame de corpo de delito "é uma análise feita por pessoas
com conhecimentos técnicos ou científicos sobre os vestígios materiais deixados pela infração
penal para comprovação da materialidade e autoria do delito" (LIMA, 2020, p. 727). De acordo
com o STF, "o exame de corpo de delito tem por objeto, segundo o art. 158 C. Pr. Penal, os
vestígios deixados pela infração tal como concretamente praticado” (STF, HC 78.749/MS, 1ª T.,
rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 25/5/1999, DJe de 25/6/1999).

• Corpo de delito: "é o conjunto de vestígios materiais ou sensíveis deixados pelainfração penal. A
palavra corpo não significa necessariamente o corpo de uma pessoa. Significa sim o conjunto de
vestígios sensíveis que o delito deixa para trás, estando seu conceito ligado à própria
materialidade do crime" (LIMA, 2020, p. 727). Inclusive, com o Pacote Anticrime, atualmente, há
um conceito legal de vestígio, nos termos do art. 158-A, §3º, CPP: Vestígio é todo objeto ou
material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal;

• Laudo de exame de corpo de delito: é a peça técnica elaborada pelos peritos quando da
realização do exame pericial. Subdivide-se em 4 (quatro) partes: a) preâmbulo: qualificação do
perito oficial ou dos peritos não-oficiais e do objeto da perícia; b) exposição: narrativa de tudo
que é observado pelos experts; c) fundamentação: motivos que levaram os experts à conclusão
final; d) conclusão técnica: resposta aos quesitos [LIMA, 2020, p. 729]

Nos termos do art. 160, parágrafo único, do CPP, o laudo pericial será elaborado no prazo máximo
de 10 dias, podendo este prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento dos peritos. Frise-se:
o laudo de exame de corpo de delito deve ser entregue em, no máximo, 10 dias prorrogáveis.

Ainda de acordo com a redação do art. 158, caput, do CPP, o exame de corpo de delito poderá ser
direto ou indireto. Em relação ao primeiro ― exame de corpo de delito direto ―, nenhuma discussão, sendo
esse conceituado como o exame "feito por perito oficial (ou dois peritos não oficiais) sobre o próprio corpo
de delito", como ocorre, por exemplo, no caso de exame sobre o próprio cadáver localizado (LIMA, 2020, p.
731). Todavia, em relação ao chamado exame de corpo de delito indireto, não há consenso na doutrina.

Uma primeira corrente diz que o exame de corpo de delito indireto "é aquele realizado com base em
informações verossímeis fornecidas aos peritos quando não dispuserem estes do vestígio deixado pelo
delito" (AVENA, 2017, p. 360), como ocorre, por exemplo, no caso do exame realizado por meio de
"fotografias dos vestígios sensíveis ou o prontuário médico do atendimento da vítima no posto de saúde"
(LIMA, 2020, p. 731).

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Noutro giro, uma segunda corrente diz que o exame de corpo de delito indireto é o "suprimento da
perícia pela prova testemunhal em razão do desaparecimento do vestígio" (AVENA, 2020, p. 360).

De acordo com o art. 161 do CPP, o exame de corpo de delito poderá ser feito em qualquer dia e a
qualquer hora, não necessitando de ordem judicial para ser realizado, nos termos do art. 6º, inciso VII, CPP.

2.1.2. Prioridade na realização do exame de corpo de delito


Conforme art. 158, parágrafo único, do CPP, dar-se-á prioridade à realização do exame de corpo de
delito quando se tratar de crime que envolva: I - violência doméstica e familiar contra mulher; e II - violência
contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.

Em relação ao inciso II, é importante assentar que nem todo crime contra criança, adolescente, idoso
ou pessoa com deficiência terá prioridade na realização do exame de corpo de delito. Para que haja
prioridade, o crime deve ser cometido com violência, o que é se mostra bastante importante nas provas
concursais de primeira fase.

2.1.3. Número de peritos


Nos termos do art. 159, caput, do CPP, o exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados
por perito oficial, portador de diploma de curso superior. Logo, após a Lei n.º 11.690/08, o exame de corpo
de delito é realizado por 1 (um) perito oficial somente. Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de
uma área de conhecimento especializado, poderá haver a designação de mais de 1 (um) perito oficial (art.
159, §7º, CPP).

Caso não haja perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de
diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica
relacionada com a natureza do exame. Isto é: não havendo perito oficial, o exame deverá ser realizado por 2
(dois) peritos não oficiais, os quais obrigatoriamente devem ter diploma de curso superior, de preferência
em área relacionada com a natureza do exame. Frise-se: o curso superior é obrigatório, mas a área de
formação não necessariamente estará ligada ao exame (art. 159, §1º, CPP).

Na Lei de Drogas, no que diz respeito ao chamado laudo de constatação da natureza e quantidade
da droga ("exame preliminar"), a falta de perito oficial é suprida por 1 (uma) pessoa idônea, isto é, por 1 (um)
perito não oficial, nos termos do art. 50, §1º, da Lei n.º 11.343/06, o que é uma exceção à necessidade de
designação de 2 (dois) peritos não oficiais.

Os peritos não oficiais, todas as vezes que forem designados, prestarão o compromisso de bem e
fielmente desempenhar o encargo, conforme art. 159, §2º, do CPP, o que não ocorre com o perito oficial, já
que este último presta o compromisso somente no momento de sua posse no cargo público. É dizer: os
peritos não oficiais prestam o compromisso todas as vezes que forem designados;e o perito oficial, não. Caso
não seja tomado o compromisso dos peritos não oficiais, ter-se-á configurada mera irregularidade, não
havendo nulidade do laudo (LIMA, 2020, p. 737).

2.1.4. Ausência do exame de corpo de delito

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

Como dito, se a infração penal deixar vestígios, é obrigatória a realização do exame de corpo de
delito, direto ou indireto. A confissão do acusado não pode suprir o exame, nos termos do art. 158, caput,
do CPP.

Todavia, conforme art. 167 do CPP, não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem
desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta. É dizer: a confissão do acusado não
pode suprir a falta do exame de corpo de delito. Todavia, a prova testemunhal poderá supri-lo.

Nesse sentido, nos termos do art. 564, inciso III, alínea b, do CPP, se a infração penal for do tipo não
transeunte (ou de fato permanente), caso não seja realizado o exame de corpo de delito (art. 158, caput,
CPP), haverá nulidade do tipo absoluta, salvo se o exame não tiver sido realizado em razão do
desaparecimento dos vestígios, situação na qual a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta (art. 167, CPP).

Logo, se era possível fazer o exame de corpo de delito, isto é, os vestígios não desapareceram, e,
mesmo assim, o exame não foi feito, deverá ser reconhecida a nulidade absoluta do processo. Por outro lado,
se não era possível fazer o exame de corpo de delito, já que os vestígios desapareceram, a ausência do exame
poderá ser suprida pela prova testemunhal (e não pela confissão), caso em que não haverá nulidade.

2.1.5. Divergência entre os peritos


Como dito, caso a perícia seja complexa, poderá ser designado mais de 1 (um) perito oficial. Ademais,
na falta de perito oficial, o exame deverá ser realizado por 2 (dois) peritos não oficiais.

Nessas hipóteses, se houver divergência entre os peritos, serão consignadas no auto do exame as
declarações e respostas de um e de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade
nomeará um terceiro; se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar proceder a novo exame por
outros peritos, nos termos do art. 180 do CPP. Frise-se: os peritos não precisam chegar a um consenso acerca
do exame.

2.1.6. Não adstrição ao laudo


Confirmando o sistema da persuasão racional ou do livre convencimento motivado do Julgador, o
art. 182 do CPP diz que o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em
parte. Assim, havendo outras provas nos autos, o juiz pode decidir de forma contrária ao resultado do laudo
de exame de corpo de delito, desde que fundamente sua decisão.

Na doutrina, essa não adstrição ao laudo é chamada de sistema liberatório. Em contraposição ao


sistema liberatório, existe o sistema vinculatório, segundo o qual "o magistrado fica vinculado ao laudo
pericial, não podendo decidir de modo a contrariá-lo" (LIMA, 2020, p. 730).

2.1.7. Possibilidade de recusa à realização de perícia


Conforme art. 184 do CPP, salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial
negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.

Desse modo, à exceção do exame de corpo de delito, que é obrigatório nas infrações penais de fato
permanente (não transeuntes), o juiz e/ou o delegado de polícia poderão negar qualquer outra perícia

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

requerida pelas partes. Exemplo: crime de embriaguez ao volante e requerimento de perícia no bafômetro.
Se não houver nada que indique alguma irregularidade no aparelho, a perícia pode ser negada.

2.1.8. Exame pericial por carta precatória


Conforme art. 177, caput, do CPP, no exame por precatória, a nomeação dos peritos far- se-á no juízo
deprecado. Havendo, porém, no caso de ação privada, acordo das partes, essa nomeação poderá ser feita
pelo juízo deprecante. Em todo caso, os quesitos do juiz e das partes serão transcritos na precatória (art. 177,
parágrafo único, CPP).

Desse modo, se o objeto ou o material a ser analisado se encontrar em comarca diversa, o exame
pericial deverá ser realizado por intermédio de carta precatória, na qual serão transcritos os quesitos do juiz
e das partes.

Em regra, é o juízo deprecado, ou seja, do local da diligência, que nomeia o perito. No entanto, se a
ação penal for de iniciativa privada, havendo acordo entre as partes, a nomeação pode ser feita pelo juízo
deprecante. É dizer: sempre será o juízo que nomeia o perito e não as partes. No caso da ação penal privada,
o acordo é no sentido de que a nomeação se dê no juízo deprecante, mas, mesmo nesse caso, não serão as
partes que nomearão os peritos.

2.1.9. Assistente técnico


A figura do assistente técnico pode ser conceituada como "o perito de confiança das partes, que irá
atuar com o fito de ratificar ou infirmar o laudo oficial" (TÁVORA; ALENCAR, p. 664).

Desse modo, o assistente técnico é o "perito das partes", sendo dotado de conhecimentos técnicos,
científicos ou artísticos e responsável por trazer aos autos informações especializadas atinentes ao objeto da
perícia (LIMA, 2020, p. 143).

Até o advento do Pacote Anticrime, era bem tranquilo afirmar que a figura do assistente técnico era
exclusiva da fase processual da persecução penal. É dizer: nos termos do art. 159, §2º e §5º, inciso II, do CPP,
o assistente técnico somente poderia existir "durante o curso do processo judicial".

Todavia, o art. 3º-B, inciso XVI, do CPP, acrescentado ao Código pelo Pacote Anticrime, aduz que
compete ao juiz das garantias deferir o pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a
produção da perícia. Assim sendo, considerando que o juiz das garantias somente atua na investigação, nos
termos do art. 3º-B, caput, do CPP, "forçoso é concluir que, doravante, a admissão do assistente técnico
indicado pelas partes poderá se dar desde então, e não mais apenas na fase processual, como ocorria até a
entrada em vigor do Pacote Anticrime" (LIMA, 2020, p. 143).

Com a suspensão da eficácia de todos os dispositivos atinentes ao juiz das garantias, a possibilidade
de indicação de assistente técnico, durante a investigação, também está suspensa, devendo o leitor
acompanhar o tramitar das ações diretas de inconstitucionalidade junto ao STF.

No que diz respeito à sua atuação, importante ressaltar que o assistente técnico não atua em
conjunto com o perito oficial ou com os peritos não oficiais. Em verdade, o "perito das partes" atuará a partir
de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelo perito ou peritos
designados para o caso, sendo as partes intimadas desta decisão, nos termos do art. 159, §4º, do CPP. Frise-

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se: é necessária decisão judicial autorizando o ingresso do assistente técnico, que somente atuará após a
conclusão do laudo.

Contra a decisão judicial que admite ou inadmite o assistente técnico não cabe recurso, "o que não
afasta a possibilidade do mandado de segurança (ou habeas corpus) manejado como sucedâneo recursal, e
a discussão da negativa em preliminar de apelação, alegando-se eventual nulidade por cerceamento do
direito de defesa ou de acusação" (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 665).

Inclusive, havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será
disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial,
para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação, conforme art. 159, §6º, do CPP.

Ademais, assim como ocorre com os peritos oficiais, caso a perícia seja complexa, a parte poderá
indicar mais de um assistente técnico (art. 159, §7º, CPP).

2.1.10. Esclarecimentos periciais e formulação de quesitos


Nos termos do art. 159, §3º, do CPP, serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de
acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos ao perito oficial ou aos peritos
não oficiais, que, em síntese, são perguntas dirigidas aos experts.

Também é facultado às partes, no curso do processo judicial, requerer a oitiva dos peritos para
esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou
questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 dias, podendo
apresentar as respostas em laudo complementar, conforme art. 159, §5º, II, do CPP. Frise-se: para que o
perito seja ouvido em juízo, é preciso que seja intimado com antecedência mínima de 10 dias.

2.1.11. Cadeia de custódia


Nos termos do art. 158-A, caput, do CPP, considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os
procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou
em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

Nesse contexto, por meio da cadeia de custódia, assegura-se

a preservação dos vestígios desde o contato primário até o descarte dos elementos
coletados, garantindo-se a sua qualidade através da documentação cronológica dos atos
executados em observância às normas técnicas previstas nas etapas da chamada cadeiade
custódia [SANCHES, 2020, p. 174-175].

Percebe-se, portanto, que o grande objetivo da preservação da chamada cadeia de custódia é


garantir a "autenticidade das evidências coletadas e examinadas, assegurando que correspondem ao caso
investigado, sem que haja lugar para qualquer tipo de adulteração" (LIMA, 2020, p. 718).

Nos termos do art. 158-B do CPP, a cadeia de custódia é composta de uma série de atos, variando
desde o reconhecimento de um vestígio até o descarte do material coletado. Nesse momento inicial, cremos
que os conceitos insertos no art. 158-B do CPP serão cobrados de forma literal, razão pela qual devem ser
lidos à inteireza.

Conforme a doutrina, as fases da cadeia de custódia, nos termos do citado art. 158-B do CPP, são
divididas em duas:

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

• Fase externa:

estão elencadas as etapas relacionadas aos passos entre a preservação do local do crime ou
apreensões dos elementos de prova e a chegada do vestígio ao órgão pericial encarregado
de processá-lo. Compreende, portanto, a preservação do local do crime, a busca, o
reconhecimento (I), o isolamento (II), a fixação (III), a coleta (IV), o acondicionamento (V), o
transporte (VI) e o recebimento do vestígio (VII) [SANCHES, 2020, p. 187]

• Fase interna:

compreende todas as etapas entre o ingresso do vestígio no órgão pericial até a conclusão
do laudo e remessa ao órgão requisitante. Envolve as etapas de recepção, conferência,
classificação, guarda e/ou distribuição do vestígio, análise pericial propriamente dita (VIII),
guarda e devolução do vestígio (IX), guarda de vestígios para contra perícia (X) e o registro
da cadeia de custódia (XI) [SANCHES, 2020, p. 188]

O art. 158-C do CPP normatiza que a coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por
perito oficial, que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for
necessária a realização de exames complementares. Ademais, ficaproibida a entrada em locais isolados bem
como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável,
sendo tipificada como fraude processual a sua realização (art. 158-C, §2º, CPP).

No que diz respeito ao crime de fraude processual (art. 347, CP), alerta a doutrina que não haverá
tipicidade na

simples entrada em local isolado, nem mesmo pela mera retirada de vestígios. O crime
pressupõe que o agente atue não apenas com dolo de inovar no processo, mas também
com a especial finalidade de induzir em erro o juiz ou o perito. Caso não estejam bem
identificados o dolo e o elemento subjetivo específico, o fato será um indiferente penal.
[SANCHES, 2020, p. 193-194]

Outro detalhe importante, que demandará uma reestruturação bastante drástica, é que o legislador
exigiu que todos os Institutos de Criminalística possuam uma central de custódia, que será destinada à guarda
e controle dos vestígios, sendo a sua gestão vinculada diretamente ao órgão central de perícia oficial de
natureza criminal (art. 158-E, CPP).

Na central de custódia, deverá haver os serviços de protocolo, com local para conferência, recepção,
devolução de materiais e documentos, possibilitando a seleção, a classificação e a distribuição de materiais,
devendo ser um espaço seguro e apresentar condições ambientais que não interfiram nas características do
vestígio (art. 158-E, §1º, do CPP).

Caso haja a movimentação do vestígio, tudo deve ser registrado, isto é, o grande objetivo da cadeia
de custódia é conseguir rastrear o que aconteceu com o vestígio desde a sua localização até o seu descarte,
garantindo-se que não houve indevida manipulação daquele elemento (art. 158-E, §§2º, 3º e 4º, CPP). Como
dito, nesse momento inicial, é de suma importância a leitura dos arts. 158-A a 158-F do CPP.

Nos termos do que foi visto acima, o grande objetivo da preservação da chamada cadeia de custódia
é garantir a "autenticidade das evidências coletadas e examinadas, assegurando que correspondem ao caso
investigado, sem que haja lugar para qualquer tipo de adulteração" (LIMA, 2020, p. 718), o que conduz à
conclusão no sentido de que é importante seguir o rigor procedimental acima estudado. Todavia, na prática,
há casos em que a "cadeia de custódia é quebrada". Qual a consequência dessa "quebra"?

Analisando o ponto, no Info. 720, assentou o STJ que "as irregularidades constantes da cadeia de
custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de
aferir se a prova é confiável".

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2.2. Interrogatório do réu (arts. 185 a 196, CPP)

2.2.1. Introdução
Interrogatório judicial é o ato processual por meio do qual o juiz ouve o acusado sobre sua
pessoa e sobre a imputação que lhe é feita. É a oportunidade que o acusado tem de se dirigir
diretamente ao magistrado, quer para apresentar a versão da defesa acerca da imputação
que recai sobre a sua pessoa, podendo, inclusive, indicar meios de prova, quer para
confessar, ou até mesmo para permanecer em silêncio, fornecendo apenas elementos
relativos a sua qualificação. [LIMA, 2020, p. 742]

2.2.2. Necessidade de acompanhamento por advogado


Nos termos do art. 185, caput, do CPP, o acusado que comparecer perante a autoridade judiciária,
no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou
nomeado.

Desse modo, o acusado, ao ser interrogado pelo juiz, necessariamente, deverá estar acompanhado
de defensor, seja ele constituído ou nomeado, sob pena de nulidade absoluta do ato (LIMA, 2020, p. 748).

Ademais, conforme art. 185, §5º, do CPP, em qualquer modalidade de interrogatório, inclusive por
videoconferência, ao interrogando deve ser garantido "o direito de se entrevistar prévia e reservadamente
com seu defensor" (LIMA, 2020, p. 747).

2.2.3. Fases do interrogatório


Conforme visto no conceito inicial, nos termos do art. 187, caput, do CPP, o interrogatório é
composto de duas fases (uma sobre a pessoa do acusado e outra sobre os fatos):

• Pregressamento: na primeira parte, o interrogando será perguntado sobre a residência, meios de


vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa,
notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do
processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e
outros dados familiares e sociais (art. 187, §1º, CPP). Nessa primeira parte, não há o direito de
permanecer calado ou de falsear a verdade, podendo o interrogando responder criminalmente
por tais atos.

Ademais, do interrogatório deverá constar a informação sobre a existência de filhos, respectivas


idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos
filhos, indicado pela pessoa presa (art. 185, §10, CPP).

• Imputação: na segunda parte, será perguntado sobre: I - ser verdadeira a acusação que lhe é feita;
II - não sendo verdadeira a acusação, se tem algum motivo particular a que atribuí-la, se conhece
a pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada a prática do crime, e quais sejam, e se com elas
esteve antes da prática da infração ou depois dela; III - onde estava ao tempo em que foi cometida
a infração e se teve notícia desta; IV - as provas já apuradas; V - se conhece as vítimas e
testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem o que alegar contra elas; VI -
se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qualquer objeto que com esta se
relacione e tenha sido apreendido; VII - todos os demais fatos e pormenores que conduzam à
elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração; VIII - se tem algo mais a alegar em sua
defesa (art. 187, §2º, CPP).

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

Na segunda fase, isto é, em relação aos fatos, o interrogando tem o direito de permanecer em silêncio
e de não responder a nenhuma das perguntas que lhe forem feitas. Ademais, não será responsabilizado
criminalmente por falsear a verdade.

Quanto ao ponto, muito cuidado deve se ter com as chamadas mentiras agressivas, que poderão
implicar em responsabilização criminal do interrogando. Como visto, o réu, em regra, não será
responsabilizado criminalmente por mentir em seu interrogatório, isto é, poderá se valer das chamadas
mentiras defensivas: o réu, em seu interrogatório, pode inventar qualquer história, por mais fantasiosa que
seja, contudo, não pode incriminar terceira pessoa ou falsamente assumir a autoria delitiva.

Portanto, não é direito do interrogando incriminar terceira pessoa ou de falsamente assumir a


autoria delitiva, o que é chamado pela doutrina de mentiras agressivas, isto é, o réu, em seu interrogatório,
incrimina terceira pessoa ou assume a autoria de crime que não cometeu, podendo ser responsabilizado
pelos crimes insertos nos arts. 339 (denunciação caluniosa) e 341 (autoacusação falsa), ambos do Código
Penal.

2.2.4. Advertência quanto ao direito ao silêncio


Nos termos do art. 186, caput, do CPP, depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro
teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de
permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.

Assim sendo, após a fase do pregressamento, o juiz deve alertar ao interrogando sobre seu direito
de permanecer em silêncio, o qual não importará em confissão e nem poderá ser interpretado em seu
prejuízo (art. 186, parágrafo único, CPP).

Caso o juiz não advirta o réu quanto ao direito ao silêncio, ter-se-á configurada, tão somente,
nulidade relativa, cuja declaração depende da comprovação do prejuízo66.

Em virtude da inexistência da advertência ao direito ao silêncio, é nula a “entrevista” realizada pela


autoridade policial com o investigado, durante a busca e apreensão em sua residência, sem que tenha sido
assegurado ao investigado o direito à prévia consulta a seu advogado e sem que ele tenha sido comunicado
sobre seu direito ao silêncio e de não produzir provas contra si mesmo. Na visão da jurisprudência, tal ato se
trata, em verdade, de um “interrogatório travestido de entrevista”, havendo violação do direito ao silêncio e
à não autoincriminação67.

De mais a mais, se o réu tem o direito de permanecer em silêncio, por óbvio, o exercício desse direito
não pode lhe prejudicar, porquanto, caso o exercício de um direito acarrete prejuízo, em verdade, não se
trata de um direito. Por essa razão, a parte final do art. 198 do CPP ("O silêncio do acusado não importará
confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz") não foi
recepcionada pela CF/88.

2.2.5. Momento para a realização do interrogatório

66 RHC 96.396/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 7/6/2018, DJe 15/6/2018.
67 STF. 2ª Turma. Rcl 33711/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/6/2019 (Info. 944).

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Como forma de garantir a ampla defesa, isto é, para que o réu somente seja ouvido após todas as
demais provas terem sido carreadas aos autos, a jurisprudência entende que o interrogatório deve ser o
último da instrução processual penal, nos termos do art. 400 do CPP, inclusive em relação a procedimentos
especiais previstos em legislações esparsas, como ocorre, por exemplo, com a Lei de Drogas (STJ, Info. 609).

De toda forma, o interrogatório é um ato não preclusivo, isto é, a todo tempo o juiz poderá proceder
a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das partes, nos termos do art. 196 do
CPP. Inclusive, em grau recursal, no julgamento das apelações, poderá o tribunal, câmara ou turma proceder
a novo interrogatório do acusado (art. 616, CPP).

Em relação à possibilidade de o juiz, de ofício, determinar novo interrogatório judicial, nos moldes
do art. 196 do CPP, assim como dissemos em relação aos incisos do art. 156 do mesmo Código, a doutrina se
debaterá acerca do tema, devendo a discussão ser acompanhada pelo leitor.

Como estudado em tópico acima, o Professor Renato Brasileiro de Lima advoga pela revogação tácita
dos incisos do art. 156 do CPP, razão pela qual, em sua visão, qualquer iniciativa probatória de ofício pelo juiz
estaria vedada. Logo, para ele, não há mais a possibilidade de o juiz determinar novo interrogatório de ofício,
nos termos do art. 3º-A do mesmo Código.

Em contrapartida, conforme visto, há uma posição doutrinária no sentido de que a vedação à


iniciativa probatória do juiz somente se aplica à fase de investigação. Assim, para essa corrente, remanesce
a possibilidade de o juiz determinar novo interrogatório de ofício.

2.2.6. Faculdade de perguntas pela acusação e defesa


Nos termos do art. 188 do CPP, após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou
algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e
relevante.

Desse modo, no procedimento comum, o interrogatório, que é um ato personalíssimo, isto é, envolve
o juiz e a pessoa do acusado, é regido pelo sistema presidencialista ou presidencial. É dizer: após fazer suas
perguntas ao réu, o juiz questiona às partes se não restou esclarecido algum fato. Com base nas respostas
das partes, o juiz, se entender pertinente e relevante, fará novas perguntas ao réu. Frise-se: no procedimento
comum:

as intervenções realizadas ao interrogado pelas partes deverão ser feitas por intermédio
do juiz, o qual poderá indeferir determinadas perguntas se as entender impertinentes (sem
nenhuma relação com o fato investigado) ou irrelevantes (relativas ao fato apurado, mas
sem nenhuma importância no respectivo esclarecimento) (AVENA, 2017, p. 378).

Noutro giro, na Sessão Plenária do Tribunal do Júri, em relação às partes, a situação muda. Conforme
art. 474, §1º, do CPP, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem, poderão
formular, diretamente, perguntas ao acusado. No que diz respeito aos Jurados, o sistema presidencialista ou
presidencial é mantido, já que, nos termos do art. 474, §2º, do CPP, estes formularão perguntas por
intermédio do juiz presidente.

2.2.7. Interrogatório de corréus


Conforme art. 191 do CPP, havendo mais de um acusado, serão interrogados separadamente, sendo
o interrogatório, portanto, gravado pela característica da individualidade, "não sendo possível sequer que
um assista ao interrogatório do outro, mesmo que já tenha sido interrogado" (AVENA, 2017, p. 378).

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2.2.8. Interrogatório do réu preso


De acordo com o art. 185, §1º, do CPP, o interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria,
no estabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro
do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato. Frise-se: a
regra é que o interrogatório do réu preso se dê no próprio estabelecimento prisional em que o interrogando
estiver recolhido. Como será visto, a condução do preso ao Fórum, pela lei, é a última opção. Tendo em vista
que, na prática, isso não se verifica; muita atenção nas provas de concurso, já que o examinador perguntará
as regras legais.

Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá
realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de
transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das
seguintes finalidades (art. 185, §2º, CPP):

I- prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre
organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;
II- viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante
dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância
pessoal;
III- impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja
possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste
Código (o art. 217, caput, do CPP será analisado no tópico referente à prova testemunhal);
IV - responder à gravíssima questão de ordem pública.

Desse modo, como medida excepcional, o juiz, de ofício ou a requerimento, poderá determinar o
interrogatório por videoconferência, desde que tal medida seja necessária, devendo as partes serem
intimadas da decisão que determinar a realização do interrogatório por videoconferência com 10 dias de
antecedência (art. 185, §3º, CPP).

Nos termos do art. 185, §8º, do CPP, a videoconferência poderá ser usada para a realização de outros
atos processuais diversos do interrogatório, tais como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas,
inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido, o que tem sido questionado em provas de
primeira fase.

Por fim, não sendo possível a realização do interrogatório no próprio estabelecimento prisional e não
estando preenchidos os requisitos da videoconferência, será requisitada a apresentação do réu preso em
juízo (art. 185, §7º, CPP).

2.2.9. Oralidade do interrogatório


O interrogatório é gravado pela característica da oralidade, isto é, as perguntas e as respostas são
emanadas de forma oral. Contudo, diante de suas peculiaridades, aos surdos, mudos e surdos-mudos,
aplicam-se as regras do art. 192 do CPP. Confiram-se:

Art. 192. O interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito pela forma
seguinte:
I - ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele responderá oralmente;
II - ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por escrito;
III - ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do mesmo modo dará as
respostas.
Parágrafo único. Caso o interrogando não saiba ler ou escrever, intervirá no ato, como
intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo.

Portanto,

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no caso de surdez, serão as perguntas submetidas ao acusado por escrito, que as


responderá oralmente; na hipótese de mudez, serão as perguntas realizadas oralmente, e
respondidas por escrito pelo interrogando; se, por fim, surdo-mudo o réu, as perguntas e
respostas serão realizadas por escrito. [AVENA, 2017, p. 382]

2.2.10. Designação de intérprete


Nos termos do art. 193, do CPP, se o interrogando não falar a língua nacional, o interrogatório será
feito por meio de intérprete, ainda que o juiz e os demais presentes na audiência falem o idioma estrangeiro.

2.3. Confissão (arts. 197 a 200, CPP)

2.3.1. Introdução
A confissão é o "reconhecimento pelo réu da imputação que lhe foi feita por meio da denúncia ou da
queixa-crime" (AVENA, 2017, p. 386). Nos termos do art. 190 do CPP, caso o réu confesse a prática delitiva,
será perguntado sobre os motivos e circunstâncias do fato e se outras pessoas concorreram para a infração,
e quais sejam.

Em consonância com o sistema da persuasão racional ou do livre convencimento motivado do


Julgador, o valor da confissão é relativo, isto é, se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos
de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando
se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância (art. 197 do CPP). É dizer: se a confissão não for
corroborada por outros elementos de prova, o caso é de absolvição, já que, no sistema acusatório, a confissão
não é a "rainha das provas" e não há hierarquia de provas.

Como dito, o silêncio do réu não importa em confissão e não poderá, de nenhuma forma, nem
mesmo na dosagem de pena, prejudicar o acusado, não sendo recepcionada a parte final do art. 198 do CPP
(O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do
convencimento do juiz).

No processo penal, a revelia do acusado não importa em reconhecimento dos fatos (confissão ficta),
sendo seu único efeito, nos termos do art. 367 do CPP, o prosseguimento do feito sem a presença do acusado,
que não será mais intimado dos atos processuais, à exceção da sentença, conforme art. 392 do CPP. É dizer:
o réu revel, que tem capacidade recursal autônoma, deverá ser intimado da sentença, o que não ocorre em
relação aos demais atos processuais.

2.3.2. Características da confissão


A confissão, que é um personalíssimo, isto é, deve "ser realizada pelo próprio réu, não se admitindo
seja feita por interposta pessoa, como o defensor e o mandatário", é também um ato divisível e retratável,
nos termos do art. 200 do CPP (AVENA, 2017, p. 386).

Pela característica da divisibilidade, "o juiz pode considerar verdadeira uma parte da confissão e
inverídica outra parte, não sendo obrigado a valorar a confissão como um todo" (AVENA, 2017, p. 387).

Noutro giro, pela característica da retratabilidade, "é perfeitamente possível que o acusado, após
confessar o fato delituoso, resolva se retratar", isto é, afirmar que, em verdade, não cometeu o fato a ele
imputado (LIMA, 2020, p. 761).

2.3.3. Espécies de confissão


A par de diversas outras espécies trazidas pela doutrina, quatro classificações se mostram relevantes
para as provas de concursos:

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• Confissão ficta: "ocorre quando o acusado não contesta os fatos que lhe são imputados. No
âmbito do processo penal, em virtude da regra probatória que deriva do princípio da presunção
de inocência, não há falar em confissão ficta" (LIMA, 2020, p. 760);

• Confissão delatória: "também conhecida como chamamento de corréu ou delação premiada,


ocorre quando o acusado confessa a prática do fato delituoso e delata coautores e partícipes"
(LIMA, 2020, p. 760-761);

• Confissão simples: "ocorre quando o acusado confessa a prática do fato delituoso, porém não
invoca qualquer excludente da ilicitude ou da culpabilidade em seu beneficio" (LIMA, 2020, p.
760); e

• Confissão qualificada: "ocorre quando o acusado confessa a prática do fato delituoso, mas alega
que o praticou acobertado por uma excludente da ilicitude ou da culpabilidade" (LIMA, 2020, p.
760).

No que diz respeito à confissão qualificada, é importante assentar o teor da Súmula nº 545 do STJ,
segundo a qual "quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará
jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal". É dizer: ainda que o acusado alegue que praticou
o fato acobertado por uma excludente da ilicitude ou da culpabilidade, caso sua confissão qualificada tenha
sido utilizada na formação do convencimento do magistrado, será o réu merecedor da atenuante inserta no
artigo 65, inciso III, alínea d, do CP, que deverá incidir na segunda fase da dosimetria de pena.

Em relação ao crime de tráfico de drogas, a Súmula nº 630 do STJ aduz que “a incidência da atenuante
da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecentes exige o reconhecimento da traficância
pelo acusado, não bastando a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio”. É dizer: o acusado,
no crime de tráfico, somente se beneficiará da atenuante da confissão espontânea se confessar que a droga
era destinada à difusão ilícita. Caso somente assuma a propriedade ou posse da substância, não haverá a
incidência da referida circunstância atenuante.

2.4. Declarações do ofendido (art. 201, CPP)

Nos termos do art. 201, caput, do CPP, sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado
sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar,
tomando-se por termo as suas declarações.

O ofendido é "o sujeito passivo da infração penal, aquele que sofreu diretamente a violação da norma
penal", tendo suas declarações a finalidade de "trazer para dentro do processo a versão prestada pela vítima
da infração penal" (AVENA, 2017, p. 391).

A vítima, como se vê, não se confunde com a figura das testemunhas, razão pela qual não é
computada no número máximo de testemunhas que cada parte pode arrolar, não presta o compromisso
legal de dizer a verdade e não está sujeita ao cometimento do crime de falso testemunho (art. 342, CP).

Embora não preste o compromisso legal de dizer a verdade, a palavra da vítima reveste- se de
importante valor probatório, mormente em crimes cometidos às escondidas, isto é, sem testemunhas, como
ocorre, no mais das vezes, no caso de crimes sexuais68.

68AgRg no AREsp 652.144/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 11/6/2015, Dje
17/6/2015.

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Conforme art. 201, §1º, do CPP, se o ofendido, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem
motivo justo, poderá ser conduzido à presença da autoridade. Frise-se: o STF, no julgamento das ADPF de nº
395/DF e 444/DF, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, somente proibiu a condução coercitiva do investigado
ou do réu para o ato de interrogatório, conforme será visto, com mais detalhes, no capítulo atinente aos
sujeitos do processo. Em relação ao ofendido, ainda se mostra possível a sua condução coercitiva.

Conforme art. 201, §2º, do CPP, o ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao
ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos
acórdãos que a mantenham ou modifiquem, o que, por opção da vítima, poderá ocorrer por meio eletrônico
(art. 201, §3º, do CPP).

Objetivando que o ofendido não tenha contato físico/visual com o acusado, antes do início da
audiência e durante a sua realização, será reservado espaço separado para o ofendido. Em relação ao art.
217, caput, do CPP, este será analisado no tópico referente à prova testemunhal.

No mesmo sentir, o juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida


privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos
dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos
meios de comunicação (art. 201, §6º, CPP).

Por fim, tendo em vista os nefastos efeitos que a infração penal pode causar à vítima, se o juiz
entender necessário, poderá encaminhá-la para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas
psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado (art. 201, §5º, CPP).

2.5. Testemunhas (arts. 202 a 225, CPP)

2.5.1. Introdução e capacidade para ser testemunha


Testemunha "é a pessoa que declara ter tomado conhecimento de algo, podendo, pois, confirmar a
veracidade do ocorrido, agindo sob o compromisso de ser imparcial e dizer a verdade", sendo, no processo
penal, mais um meio de prova, assim como ocorre com a confissão, a prova documental, pericial, dentre
outros (NUCCI, 2016, p. 276).

Tema bastante recorrente em provas concursais diz respeito à capacidade para ser testemunha. No
âmbito do processo penal, nos termos do art. 202 do CPP, toda pessoa poderá ser testemunha. Frise-se: no
processo penal, toda pessoa poderá ser testemunha, pouco importando a sua capacidade civil, podendo ser
arrolados como testemunhas os menores de 18 (dezoito) anos, doentes e deficientes mentais (LIMA, 2020,
p. 763-764).

2.5.2. Características da prova testemunhal


a) Oralidade
A regra geral, nos termos do art. 204, caput, do CPP, é que o depoimento será prestado oralmente,
não sendo permitido à testemunha trazê-lo por escrito. Isto é, a testemunha deve prestar o seu relato de
forma oral, sendo lhe permitido, contudo, breve consultas a apontamentos, conforme art. 204, parágrafo
único, do CPP.

Todavia, excetuando a regra geral da oralidade, o art. 221, §1º, do CPP, permite que as mais altas
autoridades da República prestem seu testemunho por escrito. É dizer: conforme o citado dispositivo legal,
o Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados
e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as

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perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, lhes serão transmitidas por ofício. Frise-se: algumas
autoridades, isto é, o Chefe e Subchefe do Poder Executivo Federal, os Chefes do Poder Legislativo Federal e
do Poder Judiciário poderão optar por, caso sejam testemunhas, prestar seu depoimento por escrito.

Importante frisar que o dispositivo acima mencionado não se confunde com o inserto no art. 221,
caput, do CPP, o qual permite que várias autoridades (rol muito mais amplo) possam ajustar previamente
com juiz o local, dia e hora em que serão ouvidas.

É dizer: nos termos do art. 221, caput, do CPP, o Presidente e o Vice-Presidente da República, os
senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os
secretários de Estado, os prefeitos dos Municípios, os deputados às Assembleias Legislativas Estaduais, os
membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito
Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados
entre eles e o juiz.

Note-se, nesse sentido, que o rol é muito maior do que o referente às autoridades que podem
testemunhar por escrito, o qual, como visto, está restrito à cúpula da República.

As autoridades arroladas no art. 221, caput, do CPP, à exceção daquelas que também estão no §1º,
somente têm a prerrogativa de ajustar o local, dia e hora em que serão ouvidas. É dizer: o seu testemunho
será oral.

De mais a mais, também excepcionando a regra da oralidade, nos termos do art. 223, parágrafo
único, do CPP, tratando-se de mudo, surdo ou surdo-mudo, proceder-se-á na conformidade do estudado art.
192 do mesmo Código. Isto é: no caso de surdez, serão as perguntas submetidas à testemunha por escrito,
que as responderá oralmente; na hipótese de mudez, serão as perguntas realizadas oralmente, e respondidas
por escrito pela testemunha; se, por fim, surda-muda a testemunha, as perguntas e respostas serão
realizadas por escrito.

b) Objetividade
Nos termos do art. 213 do CPP, o juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas apreciações
pessoais, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato. Isto é: quando não for possível separar as
apreciações pessoais da narrativa do fato, a testemunha poderá externá-las, como ocorre, por exemplo, "em
um crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, quando atestemunha relata a suposta
velocidade em que se encontrava o veículo dirigido pelo acusado. Nesse caso, não há como afastar sua
apreciação subjetiva" (LIMA, 202, p. 764).

c) Retrospectividade
Por óbvio, "a testemunha prestará depoimento sobre fatos passados, jamais sobre fatos futuros,
sendo vedados, por exemplo, depoimentos de videntes, cartomantes etc.". Como exceção, isto é, podendo
a testemunha projetar o futuro, a doutrina aponta o depoimento que tenha por objetivo fornecer ao Julgador
informações técnicas. Por exemplo: "acusado de lesão corporal grave, buscando a desclassificação de seu
delito, arrola, como testemunha especialista em ortopedia, o qual, exibidas radiografias do corpo da vítima,
afirma, perante o juiz, que, com tratamento adequado, poderá ela recuperar a plenitude do movimento de
membro em determinado período" (AVENA, 2017, p. 400).

d) Individualidade e incomunicabilidade
Nos termos do art. 210, caput, primeira parte, do CPP, as testemunhas serão inquiridas cada uma de
per si, de modo que umas não saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo ser reservados, antes

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do início da audiência e durante a sua realização, espaços separados para a garantia da incomunicabilidade
das testemunhas (art. 210, parágrafo único, do CPP).

2.5.3. Deveres das testemunhas


a) Dever de depor
Como dito, nos termos do art. 202 do CPP, toda pessoa poderá ser testemunha. Conforme art. 206,
primeira parte, do CPP, a testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. É dizer: no processo
penal, a regra geral é que toda e qualquer pessoa poderá ser arrolada como testemunha e não poderá se
afastar da obrigação de depor.

Excepcionando a regra da obrigatoriedade de prestar depoimento, a segunda parte do art. 202 do


CPP diz que, via de regra, poderão se recusar a depor o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o
cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado. Note-se: devido à
proximidade com o réu (e não com a vítima), o CPP autoriza que determinadas pessoas se abstenham de
depor.

Todavia, o próprio Código "excepciona a exceção". Isto é, nos termos da parte final do art. 202 do
CPP, quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas
circunstâncias, as pessoas acima arroladas voltam a ter a obrigação de depor, sem, contudo, prestarem o
compromisso legal de dizer a verdade (art. 208 do CPP ― é o que a doutrina chama de informantes).

Em resumo:

• toda pessoa pode ser testemunha; é obrigada a depor e presta o compromisso legal de dizer a
verdade;

• algumas pessoas, devido à proximidade com o réu, podem se recusar a depor; e

• caso haja a necessidade dessas pessoas serem ouvidas, estarão elas obrigadas a depor, contudo,
não prestarão o compromisso legal de dizer a verdade.

Por exemplo: o pai do réu pode ser arrolado como testemunha, já que toda pessoa pode ser
testemunha. Em regra, ele poderá se recusar a depor. Contudo, se o pai do réu é a única testemunha do fato,
terá ele a obrigação de depor, mas não prestará o compromisso legal de dizer a verdade.

Noutro giro, há pessoas que são proibidas de depor, isto é, não poderão ser arroladas como
testemunhas, nos termos do art. 207 do CPP, o qual dispõe que são proibidas de depor as pessoas que, em
razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte
interessada, quiserem dar o seu testemunho. Frise-se: se isso ocorrer, tais pessoas prestarão o compromisso
legal de dizer a verdade, já que não estão excetuadas pelo art. 208 do CPP (AVENA, 2017, p. 401).

Nesse contexto, somente se a parte interessada autorizar e a pessoa quiser dar o seu testemunho, é
que as pessoas inicialmente proibidas de depor poderão prestar o seu testemunho. Exemplo: João confessa
ao padre que matou José. Se João autorizar e o padre quiser, poderá o religioso prestar o seu testemunho.

b) Dever de comparecimento
Nos termos do arts. 218 e 219 do CPP, tendo sido "regularmente notificada para depor, a testemunha
tem obrigação de comparecer a juízo sob pena de condução coercitiva, pagamento das despesas da
condução, multa e, até mesmo, processo criminal por desobediência" (AVENA, 2017, p. 400).

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Por oportuno, deve ser rememorado que, nos termos do art. 221, caput, do CPP, várias autoridades
têm a prerrogativa de ajustar previamente com o juiz o local, data e hora em que serão ouvidas, logo, para
elas, não há essa obrigação de comparecimento ao juízo.

De mais a mais, conforme foi dito em relação ao ofendido, ainda se mostra possível a condução
coercitiva da testemunha. Repita-se: o que o STF afastou foi a condução coercitiva do investigado/acusado
para o ato de interrogatório.

Logicamente, não estarão obrigadas a comparecerem e nem se sujeitarão à condução coercitiva, as


pessoas que, por enfermidade ou por velhice, não puderem fazê-lo, devendo haver a inquirição dessas
pessoas no local onde se encontrarem (art. 220, CPP).

I. Carta precatória
Nos termos do art. 222, caput, do CPP, a testemunha que morar fora da jurisdição do juiz, no
território nacional, será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta
precatória, com prazo razoável, intimadas as partes.

Conforme assenta a Súmula nº 273 do STJ, muito cobrada em concursos, "intimada a defesa da
expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado".
Frise-se: o juízo deprecante, isto é, que expediu a carta precatória, somente tem a obrigação de intimar as
partes quanto à expedição da carta precatória. Não compete ao juízo deprecante intimar as partes quanto à
data da audiência designada no juízo deprecado.

Ademais, nos termos da Súmula nº 155 do STF, que também é bastante recorrente em provas
concursais, "é relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para
inquirição de testemunha". É dizer: o juízo deprecante tem a obrigação de intimar as partes quanto à
expedição de carta precatória. Contudo, se não o fizer, verificar-se-á, tão somente, nulidade do tipo relativa,
devendo a parte argui-la no momento oportuno e provar o prejuízo.

Em relação à presença do réu no juízo deprecado, duas situações devem ser analisadas. Caso ele
esteja solto, tem a opção de comparecer ou não ao ato. Se o acusado estiver preso e solicitar sua presença
no ato, de acordo com o STF, a ele deve ser garantido o direito de presença. Todavia, se o réu preso,
devidamente intimado da expedição da carta precatória, não requereu o comparecimento, não há falar em
nulidade do ato (LIMA, 2020, p. 768).

Conforme art. 222, §1º, do CPP, a expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal. Isto
é: expedida a carta precatória, caso esta não retorne no prazo razoável fixado pelo juízo deprecante, este
poderá proferir a sentença, ainda que a diligência não tenha sido cumprida. A todo tempo, uma vez
devolvida, a precatória será juntada aos autos (art. 222, §2º, CPP).

Nos termos do art. 222, §3º, do CPP, caso a testemunha resida fora da jurisdição do juiz, sua oitiva
poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e
imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a
realização da audiência de instrução e julgamento.

II. Carta rogatória

Caso a testemunha resida em outro país, sua oitiva se dará por intermédio de carta rogatória, que
somente será expedida se demonstrada previamente a sua imprescindibilidade, arcando a parte requerente
com os custos de envio, nos termos do art. 222-A, caput, do CPP.

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De acordo com o art. 222-A, parágrafo único, do CPP, assim como ocorre em relação às cartas
precatórias, a expedição da carta rogatória não suspenderá a instrução criminal. A todo tempo, uma vez
devolvida, a rogatória será juntada aos autos.

c) Dever de dizer a verdade

Nos termos do art. 203 do CPP, em regra, a pessoa arrolada como testemunha fará, sob palavra de
honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for perguntado. Isto é: "deve dizer o que sabe,
não pode se calar sobre o que sabe, nem pode negar a verdade ou declarar fato inverídico" (LIMA, 2020, p.
769).

Todavia, há pessoas que, mesmo arroladas como testemunhas, não prestarão o compromisso legal
de dizer a verdade, nos termos do art. 208 do CPP, o qual dispõe que não se deferirá o compromisso a que
alude o art. 203 aos doentes e deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a
que se refere o art. 206. Para fins didáticos, destrincha-se tal dispositivo. É dizer: não serão compromissados:

• doentes mentais;

• deficientes mentais;

• menores de 14 (quatorze) anos. Frise-se: os menores de 14 (quatorze) anos podem ser


testemunhas, já que toda pessoa pode. Contudo, serão ouvidos sem o compromisso legal de dizer
a verdade; e

• ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o
pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, quando forem obrigados a depor, isto é, quando não
for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

I. Falso testemunho
Nos termos do art. 342, caput, do Código Penal, cometerá o crime de falso testemunho ou falsa
perícia o agente que fizer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador,
tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral. A pena
abstratamente cominada é de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Muito se discute se a ausência da tomada do compromisso legal de dizer a verdade tem o condão ou
não de afastar a tipicidade do crime de falso testemunho. Embora haja forte corrente doutrinária em sentido
contrário, os Tribunais Superiores têm se posicionado no sentido de que a tomada do compromisso é mera
formalidade, havendo a tipicidade do crime de falso testemunho, ainda que não seja concretizado tal ato
(LIMA, 2020, p. 769).

Caso o crime de falso testemunho tenha ocorrido na Sessão Plenária do Tribunal do Júri, é imperioso
que o Conselho de Sentença se pronuncie expressamente sobre a questão por meio de quesito especial, já
que a resposta positiva dos Jurados ao referido quesito constitui verdadeira condição de procedibilidade da
ação penal do crime de falso testemunho ocorrido no âmbito do Tribunal do Júri69.

II. Não exigência de autoincriminação

69 RHC 102.791/MG,Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 11/6/2019, DJe 27/6/2019.

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Como dito, a testemunha tem o dever legal de dizer a verdade e de responder a todas as perguntas
que lhe forem formuladas. Todavia, não é obrigada a produzir provas contra si mesma. É dizer: ainda que
arrolada como testemunha, se a pessoa perceber que sua resposta poderá lhe autoincriminar, terá ela o
direito a não responder àquele questionamento.

Assim, não importa o rótulo que se dê àquela pessoa, testemunha ou acusado, se a perguntar puder
lhe autoincriminar, ela poderá se calar e não responder àquela pergunta em específico70.

2.5.4. Presença do réu gerando constrangimento à vítima ou à testemunha


Nos termos do art. 217, caput, do CPP, se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar
humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a
verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma,
determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Qualquer
medida adotada pelo juiz deverá constar do termo de audiência, assim como os motivos que a determinaram
(art. 217, parágrafo único, CPP).

Desse modo, caso o juiz verifique que a presença do réu na sala de audiência poderá causar
humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a
verdade do depoimento, sua primeira opção é a oitiva da vítima ou testemunha por intermédio de
videoconferência. É dizer: a retirada do réu da sala de audiência não é a primeira opção, o que
recorrentemente é cobrado em provas de primeira fase.

Caso não seja possível a realização da oitiva da vítima ou da testemunha por videoconferência, o juiz
determinará a retirada do réu da sala de audiência, prosseguindo na inquirição, com a presença de seu
defensor.

2.5.5. Forma de inquirição das testemunhas


Nos termos do art. 212, caput, do CPP, as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à
testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa
ou importarem na repetição de outra já respondida. Caso algum ponto não tenha sido esclarecido, o juiz
poderá complementar a inquirição (art. 212, parágrafo único, CPP). Nota-se, nesse sentido, que as partes
poderão formular perguntas diretamente à testemunha, ficando afastado o sistema presidencialista ou
presidencial, já que as partes não fazem as perguntas por intermédio do juiz. Em outras palavras: as partes
perguntam à testemunha, sendo dado ao juiz, tão somente, indeferir aquelas que puderem induzir a
resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Se o
magistrado entender que determinado ponto não foi esclarecido, poderá fazer novas perguntas à
testemunha.

A testemunha, primeiramente, responderá às perguntas de quem a arrolou (direct- examination ―


se a testemunha, por exemplo, é somente da Defesa, o defensor deverá perguntar primeiro). Em seguida,
será questionada pela parte contrária, isto é, pela parte que não a arrolou (cross-examination), cabendo ao
magistrado, quando das perguntas das partes, apenas decidir sobre a admissibilidade dos questionamentos.
Caso queira, o juiz poderá complementar a inquirição daquela testemunha (LIMA, 2020, p. 779).

Caso haja inversão da ordem, isto é, o juiz pergunte primeiro ou a parte que não arrolou a
testemunha pergunte primeiro, de acordo com o STJ, ter-se-á configurada nulidade do tipo relativa, devendo
a parte alegá-la em momento oportuno e provar o prejuízo, sob pena de preclusão (AVENA, 2017, p. 406).

70 HC 83.703, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 18/12/2003, Plenário, DJ de 23/4/2004.

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Sendo mais incisivo, o STF, dando ares de nulidade absoluta a tal violação, tem assentado que: "Não cabe ao
juiz, na audiência de instrução e julgamento de processo penal, iniciar a inquirição de testemunha, cabendo-
lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos" (STF. 1ª Turma. HC 161658/SP,
Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 2/6/2020 - Info 980; STF. 1ª Turma. HC 187035/SP, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgado em 6/4/2021; Info 1012).

Na Sessão Plenária do Tribunal do Júri, as partes também perguntam diretamente à testemunha (art.
473, caput, do CPP). Contudo, os Jurados fazem suas perguntas por intermédio do juiz presidente, nos termos
do art. 473, §2º, do CPP (sistema presidencialista ou presidencial).

2.5.6. Momento adequado para indicação do rol de testemunhas


Sob pena de preclusão, isto é, de perder o direito de arrolar testemunhas, a acusação (Ministério
Público ou querelante) deverá fazê-lo na peça acusatória (denúncia ou queixa-crime), nos termos do art. 41
do CPP. A Defesa, por sua vez, deverá indicar suas testemunhas na resposta à acusação, conforme art. 396-
A, caput, do mesmo Código71.

2.5.7. Espécies de testemunhas


A doutrina traz uma série de classificações das testemunhas, destacando-se as seguintes:

I. Testemunha referida:

é aquela que, embora não tenha sido arrolada nos momentos ordinários (denúncia ou
queixa, para acusação; resposta à acusação, para o réu), poderá ser inquirida pelo juiz ex
officio ou a requerimento das partes em razão de ter sido citada por uma outra testemunha,
chamada de referente (art. 209, §1.º, do CPP). De acordo com o art. 401, §1.º, do CPP, esta
categoria não é considerada para efeito de contagem do número máximo de testemunhas
admitido em cada procedimento penal [AVENA, 2017, p. 395]

II. Testemunha judicial:

considera-se aquela inquirida pelo juiz independentemente de ter sido arrolada por
qualquer das partes ou de ter sido requerida a sua oitiva. Neste caso, a inquirição ex
officio fundamenta-se no poder-dever que assiste ao magistrado de, buscando a verdade
real, determinar as providências necessárias para esclarecer as dúvidas que porventura
tiver. Tratando desta espécie de prova testemunhal, estabelece o art. 209 do CPP que 'o
juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas
partes' [AVENA, 2017, p. 395]

Apesar dessas duas primeiras classificações doutrinárias, à luz do Pacote Anticrime, é preciso
acompanhar a evolução da doutrina/jurisprudência quanto à iniciativa probatória do juiz. Como já dissemos,
há corrente no sentido de que toda e qualquer iniciativa probatória do juiz restou obstada pelo art. 3º-A do
CPP, razão pela qual o juiz não poderia, de ofício, determinar a oitiva da chamada testemunha referida e/ou
judicial. Por outro lado, na ótica de uma segunda corrente, considerando que a iniciativa probatória do juiz
somente restou vedada na fase de investigação, o juiz, na ação penal, de ofício, poderia determinar tais
diligências.

III. Testemunha própria: "é a testemunha chamada para ser ouvida sobre o fato objetodo litígio,
seja porque os tenha presenciado, seja porque deles ouviu dizer" (AVENA, 2017, p. 395);

71 AgRg no HC 270.814/DF, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13/12/2018, DJe 4/2/2019.

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IV. Testemunha imprópria, instrumentária, instrumental ou fedatária:

é a que prestará depoimento sobre fatos que não se referem diretamente ao mérito da
ação penal. Neste caso, a testemunha não estará depondo sobre algo que presenciou ou
soube ter ocorrido, e sim sobre um ato da persecução criminal que tenha assistido ou
participado. É o caso, por exemplo, da testemunha que presenciou a apresentação de um
preso em flagrante (art. 304, §2.º, do CPP); a testemunha que esteve presente na audiência
em que o interrogado confessou o crime espontaneamente, sem nenhuma coação; a
testemunha que presenciou a apreensão de objeto realizada pela autoridade policial em
diligência de busca (art. 245, §7.º, do CPP) etc. [AVENA, 2017, p. 395]

V. Testemunha numerária: "são aquelas que são computadas para efeito de aferição do número
máximo de testemunhas legalmente permitido, ou seja, as arroladas pelas partes e que prestam
compromisso legal" (LIMA, 2020, p. 770).

As testemunhas compromissadas também são chamadas de depoentes;

VI. Testemunhas extranumerárias:

não são computadas para efeito de aferição do número máximo de testemunhas


legalmente permitido, podendo, portanto, ser ouvidas em número ilimitado. São
testemunhas extranumerárias: as ouvidas por iniciativa do juiz (art. 209, caput, CPP), as que
não prestam o compromisso legal e foram arroladas pelas partes, e as que nada sabem que
interesse à decisão da causa (CPP, art. 209, §2º) [LIMA, 2020, p. 770-771]

Em relação às testemunhas ouvidas por iniciativa do juiz, devem ser rememorados os comentários
que fizemos acima. De mais a mais, as testemunhas não compromissadas também são chamadas de
informantes ou declarantes. As que nada sabem são também chamadas de inócuas;

VII. Testemunha direta: "também conhecida como testemunha visual, é aquela quedepõe sobre
fatos que presenciou ou visualizou" (LIMA, 2020, p. 771);

VIII. Testemunha indireta, auricular ou por ouvir dizer: "é aquela que declara aomagistrado sobre
o que não presenciou, mas soube ou ouviu dizer" (AVENA, 2017, p. 395);

IX. Testemunha remota: "é aquela que presta seu depoimento por videoconferência"(LIMA, 2020,
p. 771).

2.6. Reconhecimento de pessoas e coisas (arts. 226 a 228, CPP)

2.6.1. Introdução
O reconhecimento de pessoas e coisas "é o ato formal por meio do qual uma pessoa tenta identificar
outra pessoa ou coisa que tenha visto anteriormente e que possa ter relação com o objeto de determinada
persecução penal" (MARCÃO, 2016, p. 483), podendo ser realizado na investigação policial ou na instrução
processual penal em juízo.

Não se pode confundir reconhecimento de pessoas com o chamado retratado falado, que "é formado
a partir de informações prestadas ao perito por pessoa que tenha visto o autor do delito, sendo considerado
não um meio de prova, mas sim um meio de investigação" (LIMA, 2020, p. 787). Frise-se: o reconhecimento
de pessoas e de coisas é meio de prova. O retrato falado é um meio de investigação, isto é, por si só, não
poderá conduzir à condenação de alguém.

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2.6.2. Procedimento,existência de nulidade e situação divergente


O procedimento do reconhecimento de pessoas é disciplinado pelo art. 226, caput, do CPP, o qual
traz as seguintes fases do meio de prova ora analisado:

I. a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser
reconhecida;

II. a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que
com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a
apontá-la;

No que diz respeito ao inciso II, é importante frisar que o legislador, ao usar a expressão "se possível",
foi bastante claro: não se reconhece ilegalidade no posicionamento do réu sozinho para o reconhecimento,
pois o art. 226, II, do CPP, determina que o agente será colocado ao lado de outras pessoas que com ele
tiverem qualquer semelhança "se possível", sendo tal determinação, portanto, recomendável mas não
essencial72.
III. se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de
intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida,
a autoridade providenciará para que esta não veja aquela; e

IV. do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela
pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

Nos termos do art. 227 do CPP, no reconhecimento de objeto (instrumentos utilizados na prática do
crime, armas, objetos furtados etc.), no que for aplicável, será adotado o mesmo procedimento em relação
ao reconhecimento de pessoas.

Caso várias pessoas sejam chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou de objeto, cada uma
fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas, conforme art. 228 do CPP, sendo o
procedimento gravado pela característica da individualidade.

Em relação ao descumprimento do rito formal para o reconhecimento de pessoas e coisas, a


jurisprudência vinha entendendo que as disposições do art. 226, caput, do CPP, funcionam como meras
recomendações legais, razão pela qual eventuais irregularidades no procedimento não ensejam nulidade do
ato (LIMA, 2020, p. 787).

Todavia, em importante precedente do final do ano de 2020, a 6ª Turma do STJ assentou que "O
reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal,
cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática
de um crime"73..

Na edição passada (2021), falou-se que deveríamos acompanhar os julgados, a fim de verificarmos
se este julgado da 6ª Turma do STJ se consolidaria ou se a jurisprudência continuaria no sentido de que as
disposições do artigo 226 seriam "meras recomendações". A primeira opção prevaleceu!

72 HC 7.802/RJ, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 20/5/1999, DJ 21/6/1999, p. 172.
73 STJ. 6ª Turma. HC 598.886-SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 27/10/2020 (Info 684).

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Nesse sentido, o STF, no Info. 1045, bateu que "o descumprimento das formalidades exigidas para o
reconhecimento de pessoas (art. 226 do CPP) gera a nulidade do ato; o réu condenado será absolvido, salvo
se houver provas da autoria que sejam independentes".

Destarte, a regra jurisprudencial que, atualmente, prevalece é no sentido de que o reconhecimento


(pessoal ou fotográfico, como veremos a seguir) deve obedecer aos ditames do art. 226 do CPP.

Contudo, há uma situação, também trabalhada pela jurisprudência (STJ, Info. 732 e 739), que merece
atenção: a existência de "vínculo" entre o reconhecedor e a pessoa a ser reconhecida.

No ponto, bateu o STJ, nos informativos acima mencionados, que, havendo um vínculo entre o
reconhecedor e a pessoa a ser reconhecida, não é necessário seguir o rito procedimental do art. 226 do CPP.
Exemplo: o autor do roubo mora no mesmo bairro da vítima e é neto de pessoa conhecida na região. Nesse
caso, podemos colocar 100 pessoas na sala de reconhecimento ou mostrarmos 1000 fotos para a vítima; o
resultado sempre será o mesmo: a vítima vai apontar o conhecido. Logo, não é necessário seguir o rigor
procedimental do art. 226 do CPP.

a) Procedimento em juízo e proteção ao reconhecedor


Como visto, o art. 226, III, do CPP, diz que, se houver razão para recear que a pessoa chamada para
o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que
deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela, o que visa garantir, não só
a livre produção da prova, mas também a segurança do reconhecedor.

Todavia, o parágrafo único do art. 226 do CPP diz que o disposto no citado inciso III não terá aplicação
na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento. É dizer: de acordo com o Código, essa proteção
ao reconhecedor somente vale na fase de investigação. Na instrução criminal ou em plenário do Júri, o
reconhecedor não teria esse direito, ou seja, a pessoa que foi reconhecida saberia quem o reconheceu.

Por óbvio, essa disposição resta inaplicável. Atualmente, "a jurisprudência e a doutrina majoritária
optam pela não aplicação do indigitado preceito inscrito no art. 226, parágrafo único, do CPP, existindo nos
fóruns mais modernos, salas especiais para o reconhecimento onde o reconhecedor não é visto pelo
reconhecendo" (AVENA, 2017, p. 410).

2.6.3. Reconhecimento fotográfico


Embora não encontre previsão legal, seja em virtude do princípio da busca da verdade real, seja por
força do princípio da liberdade na produção das provas, a doutrina e a jurisprudência, inclusive do Supremo
Tribunal Federal, têm admitido a utilização do reconhecimento fotográfico como meio de prova inominado,
(LIMA, 2020, p. 788).

Assentando a exigência de que o reconhcimento fotógrafico respeite o rigor procedimental do art.


226 do CPP, no Info. 730, o STJ bateu que "É inválido o reconhecimento pessoal (fotográfico - no caso julgado)
realizado em desacordo com o modelo do art. 226 do CPP, o que implica a impossibilidade de seu uso para
lastrear juízo de certeza da autoria do crime, mesmo que de forma suplementar".

No mesmo sentido e assentando que o reconhecimento fotográfico, por si só, não é suficiente ao
decreto condenatório, bateu o STJ, no Info. 684, que:

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O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par


de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como
etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como
prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.

2.6.4. Reconhecimento fonográfico ou clichê fônico


De igual forma, também tem sido admitida a utilização de reconhecimento fonográfico, no qual uma
pessoa é reconhecida através de sua voz, devendo ser adotado, no que for possível, o mesmo procedimento
para o reconhecimento de pessoas. Devido ao seu valor probatório relativo, não é possível que um decreto
condenatório esteja baseado única e exclusivamente em um reconhecimento fonográfico (LIMA, 2020, p.
788).

Esclarece-se, por oportuno, que:

esse reconhecimento fonográfico não se confundecom o exame pericial de verificação


de locutor (ou de autenticidade de voz), tido como exame pericial feito por perito oficial
(ou por dois peritos não oficiais) para verificar se a voz gravada em interceptações
telefônicas judicialmente autorizadas provém (ou não) do aparelho fonador de
determinada pessoa (LIMA, 2020, p. 788).

2.6.5. Reconhecimento por videoconferência


Estando o reconhecedor ou a pessoa que deva ser reconhecida presa, preenchidos os demais
requisitos, o ato poderá ser concretizado por meio de videoconferência, nos termos do art. 185, §8º, do
Código de Processo Penal.

2.7. Acareação (arts. 229 e 230, CPP)

A acareação é o "ato processual em que pessoas que já foram ouvidas a respeito de determinado
fato são colocadas frente a frente e reperguntadas sobre as divergências existentes entre as respectivas
versões" (MARCÃO, 2017, p. 491).

Nos termos do art. 229, caput, do CPP, a acareação será admitida entre acusados, entre acusado e
testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas
ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes, sendo os
acareados, nos termos do parágrafo único, questionados para que expliquem os pontos de divergências,
reduzindo-se a termo o ato de acareação.

Pelo citado dispositivo legal, percebe-se que são bastante variadas as possibilidades de acareação,
que poderá ocorrer: a) entre acusados ou investigados; b) entre acusado ou investigado e testemunha; c)
entre testemunhas; d) entre acusado ou investigado e vítima; e) entre testemunha e vítima; e f) entre vítimas.

Considerando o conceito de acareação, a doutrina cita dois pressupostos à realização do


procedimento em análise:

1) As pessoas a serem acareadas (acusados, testemunhas e ofendidos) já devem ter


prestado suas declarações, perante o mesmo juízo e sobre os mesmos fatos e
circunstâncias; 2) Deve haver divergência sobre ponto relevante no relato dessas pessoas,

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ou seja, é necessário que existam contradições ou versões discrepantes sobre fatos que
realmente interessem ao deslinde do processo (LIMA, 2020, p. 789).

Importante assentar que a acareação poderá ocorrer durante a investigação policial (art. 6º, inciso
VI, do CPP) ou no curso da instrução processual penal em juízo, não havendo óbice que as próprias partes
requeiram a realização do procedimento (LIMA, 2020, p. 789).

Nos termos do art. 230 do CPP, se ausente alguma testemunha, cujas declarações divirjam das de
outra, que esteja presente, a esta se darão a conhecer os pontos da divergência, consignando-se no auto o
que explicar ou observar. Se subsistir a discordância, expedir-se-á precatória à autoridade do lugar onde
resida a testemunha ausente, transcrevendo-se as declarações desta e as da testemunha presente, nos
pontos em que divergirem, bem como o texto do referido auto, a fim de que se complete a diligência,
ouvindo-se a testemunha ausente, pela mesma forma estabelecida para a testemunha presente. Essa
diligência só se realizará quando não importe demora prejudicial ao processo e o juiz a entenda conveniente.

Com o advento da Lei n.º 11.900/09, nos termos do art. 222, §3º, do CPP, ao invés de determinar a
expedição de carta precatória para a oitiva da testemunha perante o juízo deprecado, poderá o juiz realizar
a acareação por intermédio de videoconferência (LIMA, 2020, p. 789).

2.8. Documentos (arts. 231 a 238, CPP)

2.8.1. Introdução e espécies


Nos termos do art. 232, caput, do CPP, consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos
ou papéis, públicos ou particulares.

Atualmente, a doutrina subdivide o gênero documento lato sensu em instrumentos e documentos


stricto sensu. O gênero documento lato sensu se refere a:

tudo aquilo capaz de retratar determinada situação fática, sejam papéis, sejam arquivos
digitalizados na forma da Lei 12.682/2012 (que disciplina a digitalização, ao armazenamento
em meio eletrônico, óptico ou equivalente e a reprodução de documentos públicos e
privados), seja por meio de áudio ou vídeo, v.g., um DVD com imagens relativas ao fato
imputado. Qualquer coisa, enfim, capaz de representar um ato ou um fato. Tal amplitude é
importante, já que, em se considerando tais elementos como documentos, sua juntada aos
autos deve seguir as mesmas regras atinentes à da prova documental (AVENA, 2017, p. 411-
412).

Por sua vez, instrumento, que é uma das espécies de documento em sentido lato, "consiste no
documento confeccionado com o objetivo específico de servir de prova do ato nele materializado. Sua
elaboração depende de forma especial prevista em lei" (AVENA, 2017, p. 412). Frise-se: instrumento já nasce
com a finalidade de servir como prova.

O instrumento se divide em duas subespécies:

I. instrumento público:

é aquele constituído perante a autoridade pública, no exercício de suas funções e que


possua capacidade para lhe atribuir a presunção de verdade (fé pública). Tal presunção,
evidentemente, não é absoluta, cedendo em face de prova em contrário. Exemplos:
Instrumento público de procuração e a escritura de compra e venda de imóvel;

II. instrumento particular:

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é aquele para cuja constituição não houve a contribuição de qualquer agente público no
exercício de função pública. Exemplo: letra de câmbio. Cabe ressaltar que, assinado que
venha a ser perante um tabelião que reconheça a firma do signatário, o documento
particular terá presunção de autenticidade (AVENA, 2017, p. 413).

Noutro giro, documento stricto sensu é definido como "todo escrito que não foi elaborado com o
propósito direcionado de ser utilizado como prova, embora, eventualmente, possa vir a ter essa finalidade.
Sua utilização como prova é casual", também havendo duas espécies: I) documento público; e II) documento
particular (AVENA, 2017, p. 413).

Para fins didáticos, colaciona-se esquema gráfico extraído da obra do Professor Norberto Avena
(2017, p. 413):

DOCUMENTO
"LATO SENSU"

DOCUMENTO "STRICTO
INSTRUMENTO
SENSU"

PÚBLICO PÚBLICO

PRIVADO PRIVADO

Nos termos do art. 232, parágrafo único, do CPP, à fotografia do documento (fotocópia),
devidamente autenticada, se dará o mesmo valor do original. Frise-se: a reprodução do documento original,
desde que autenticada, tem o mesmo valor do documento original.

2.8.2. Momento para a produção da prova documental (em sentido lato)


Conforme art. 231 do CPP, salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos
em qualquer fase do processo.

Nesse sentido, conforme a redação do artigo acima colacionado, a qualquer momento, se não houver
proibição legal, as partes poderão juntar documentos aos autos, desde que, por óbvio, o documento juntado
seja submetido ao contraditório.

Quanto ao ponto, no Info. 711, bateu o STJ que: "É possível a juntada de documentos novos, quando
destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram
produzidos nos autos".

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Atualmente, a exceção legal fica por conta do art. 479, caput, do CPP, segundo o qual, durante a
Sessão Plenária do Júri, não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido
juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Nos termos do
parágrafo único, compreende-se na proibição referida pelo caput a leitura de jornais ou qualquer outro
escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro
meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos
jurados.

Importante frisar que o prazo de 3 dias úteis a que se refere o art. 479 do Código de Processo Penal
deve ser respeitado não apenas para a juntada de documento ou objeto, mas também para a ciência da parte
contrária a respeito de sua utilização no Tribunal do Júri74.

2.8.3. Cartas particulares


Como não podia deixar de ser, dada a vedação à prova ilícita, dispõe o art. 233, caput, do CPP, que
as cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não serão admitidas em juízo.

Em contrapartida, se alguém é o legítimo destinatário da carta, isto é, a recebeu por meios lícitos,
poderá exibi-la em juízo, ainda que não haja consentimento do signatário, nos termos do parágrafo único do
art. 233 do CPP. É dizer: "não teria sentido proibir que alguém possa usar em juízo, como prova de sua
inocência, documento de que é portador e legítimo destinatário" (MARCÃO, 2017, p. 502).

2.8.4. Requisição de documento pelo juiz


Nos termos do art. 234 do CPP, se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto
relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das
partes, para sua juntada aos autos, se possível.

Conforme se nota, pela redação do citado artigo, o juiz, se tiver notícia da existência de documento
relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, de ofício, isto é, sem requerimento das partes, poderá
providenciar a sua juntada aos autos.

Mais uma vez, o estudado dispositivo legal esbarra na possibilidade ou não de iniciativa probatória
pelo juiz. Para a corrente que defende que, com o Pacote Anticrime, restou vedada qualquer iniciativa
probatória do juiz, tal dispositivo legal somente é aplicável a pedido das partes. Noutro giro, para a corrente
que advoga no sentido de que somente restou vedada a iniciativa do juiz durante a investigação policial, o
magistrado, desde que no curso da ação penal, poderá providenciar a juntada de documento cuja existência
tenha notícia.

2.8.5. Documentos em língua estrangeira


Conforme art. 236 do CPP, os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua juntada
imediata, serão, se necessário, traduzidos por tradutor público, ou, na falta, por pessoa idônea nomeada pela

74REsp 1.637.288-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, por unanimidade, julgado em
8/8/2017, DJe 1/9/2017 - Info. 610.

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autoridade. Nesse contexto, pela redação do citado artigo, a juntada é sempre imediata, podendo haver ou
não a tradução do documento estrangeiro trazido aos autos.

Apesar da literalidade do dispositivo legal, a doutrina sustenta que:

mesmo que as partes tenham conhecimento da língua estrangeira, impõe-se a tradução do


documento para o Português, haja vista o princípio da publicidade dos atos processuais, do
qual deriva a necessária acessibilidade de todos ao conteúdo do documento. A dispensa
de tradução só deverá ocorrer quando o conteúdo do documento não interessar ao
acertamento do fato delituoso (LIMA, 2020, p. 792-793).

2.8.6. Restituição de documentos


Nos termos do art. 238 do CPP, os documentos originais, juntos a processo findo, quando não exista
motivo relevante que justifique a sua conservação nos autos, poderão, mediante requerimento, e ouvido o
Ministério Público, ser entregues à parte que os produziu, ficando traslado nos autos. Frise-se: a restituição
de que trata o art. 238 do CPP se refere aos documentos produzidos pelas partes e a processos findos.

Se os documentos foram apreendidos, aplicar-se-ão as regras trazidas pelos arts. 118 a 124 do CPP,
que foram estudadas em tópico específico.

2.9. Indícios (art. 239, CPP)

O vocábulo "indício", no Código de Processo Penal, é usado em dois sentidos: no art. 239, como prova
indireta, e, em várias outras passagens, como prova semiplena (LIMA, 2020, p. 664).

2.9.1. Indícios como prova indireta


De acordo com o art. 239 do CPP, considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que,
tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

Nesse contexto, "no sentido de prova indireta, a palavra indício deve ser compreendida como uma
das espécies do gênero prova, ao lado da prova direta, funcionando como um dado objetivo que serve para
confirmar ou negar uma asserção a respeito de um fato que interessa à decisão judicial". É dizer: "partindo-
se de um fato base comprovado, chega-se, por meio de um raciocínio dedutivo, a um fato consequência que
se quer provar" (LIMA, 2020, p. 664).

Exemplo: uma testemunha, em juízo, diz que viu o acusado com uma faca suja de sangue e a vítima
esfaqueada aos seus pés. Prova direta: o acusado portava uma faca suja de sangue e a vítima estava
esfaqueada aos pés do acusado. Indício (prova indireta): o acusado esfaqueou a vítima com a faca que
portava (LIMA, 2020, p. 664).

Ainda que haja bastante controvérsia, caso os indícios se revistam de natureza jurídica de prova
indireta, o STJ tem precedentes no sentido de que a condenação poderá se calcar neles. Confira-se: “Vigora
no processo penal brasileiro o princípio do livre-convencimento, segundo o qual o magistrado, desde que
fundamentadamente, pode decidir pela condenação, ainda que calcada em indícios veementes de prática
delituosa” (STJ, HC 15.736/MG, 6ª T., rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 3-4-2001, DJ de 23/4/2001, p. 189). No
mesmo sentido, STF: “Os indícios, dado ao livre- convencimento do Juiz, são equivalentes a qualquer outro

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meio de prova, pois a certeza pode provir deles. Entretanto, seu uso requer cautela e exige que o nexo com
o fato a ser provado seja lógico e próximo” (STF, HC 70.344/RJ, 2ª T., rel. Min. Paulo Brossard, j. 14/9/1993,
DJ de 22/10/1993, p. 22.253).

2.9.2. Indício como prova semiplena


Ao longo do Código de Processo Penal, a palavra "indício" também é usada como "uma prova
semiplena, ou seja, no sentido de um elemento de prova mais tênue, com menor valor persuasivo" (LIMA,
2020, p. 665).

Nesses casos, "a expressão 'indício' refere-se a uma cognição vertical (quanto à profundidade) não
exauriente, ou seja, uma cognição sumária, não profunda, em sentido oposto à necessária completude da
cognição, no plano vertical, para a prolação de uma sentença condenatória". É o que se verifica, por exemplo,
nos arts. 126, 312 e 413, caput, todos do Código de Processo Penal (LIMA, 2020, p. 665).

Quando significam prova semiplena, dúvidas não há: os indícios, por si sós, não podem conduzir a
um decreto condenatório.

2.9.3. Contraindícios
A doutrina chama de contraindícios as "circunstâncias que invalidam, em determinadas condições e
circunstâncias, os indícios colhidos contra alguém" (AVENA, 2017, p. 416).

2.10. Busca e apreensão (arts. 240 A 250, CPP)

2.10.1. Conceitos e natureza jurídica


Embora tenham sido colocados juntos na titulação do Capítulo XI do Título VII do Código de Processo
Penal, busca e apreensão são termos que não se confundem. A busca é "o movimento desencadeado pelos
agentes do Estado para a investigação, descoberta e pesquisa de algo interessante para o processo penal,
realizando-se em pessoas ou lugares". Por sua vez, a apreensão significa a "medida assecuratória que toma
algo de alguém ou de algum lugar, com a finalidade de produzir prova ou preservar direitos" (NUCCI, 2016,
p. 473).

De mais a mais, assenta-se que poderá ocorrer apreensão sem busca, como se verificará, por
exemplo, quando alguém ― vítima, testemunha ou o próprio autor ― se dirige à delegacia de polícia e
entrega à autoridade policial a arma do crime ou outro objeto qualquer sobre o qual recaia interesse para a
apuração dos fatos (MARCÃO, 2016, p. 513).

Apesar de estarem topograficamente situadas no capítulo atinente às provas, a busca e a apreensão


"são medidas de natureza mista", isto é, "tanto a busca, quanto a apreensão, podem ser vistos,
individualmente, como meios assecuratórios ou como meios de prova, ou ambos" (NUCCI, 2016, p. 473).

2.10.2. Momento para a realização


Tanto a busca como a apreensão ― domiciliar ou pessoal ― podem ser concretizadas antes da formal
instauração do procedimento investigatório (inquérito policial, termo circunstanciado de ocorrência ou outro
meio de investigação), no curso deste ou na fase judicial da persecução criminal (MARCÃO, 2016, p. 517).

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A título de exemplo, ocorrerá busca, antes mesmo da formal instauração do procedimento


investigatório, quando policiais militares, suspeitando que alguém porte droga consigo, procedam à busca e
encontre a substância entorpecente, devendo o sujeito que sofreu a medida ser encaminhado à delegacia de
polícia, onde a substância será apreendida (MARCÃO, 2016, p. 517).

2.10.3. Iniciativa da medida


Conforme art. 242 do CPP, a busca poderá ser determinada de ofício ou a requerimento de qualquer
das partes.

Nos termos do art. 5º, inciso XI, da CF/88, a busca e apreensão domiciliar depende de determinação
judicial, que será materializada por meio de um mandado judicial de busca e apreensão domiciliar.

Por sua vez, conforme será estudado, com mais detalhes, mais à frente, há dois tipos de busca
pessoal: por razões de segurança e de natureza processual penal. A primeira ― por razões de segurança ―
não está regulamentada pelo Código de Processo Penal e, como o nome sugere, é executada em prol da
segurança da coletividade, como ocorre, por exemplo, em shows ou jogos de futebol. A segunda ― de
natureza processual penal ― está disciplinada no capítulo ora em análise e tem objetivos atrelados à
persecução criminal.

De acordo com o art. 244 do CPP, que será estudado, com maior profundidade, mais à frente, a busca
pessoal de natureza processual penal, em regra, também dependerá de mandado, sendo este dispensado
em algumas situações elencadas no citado artigo. Frise-se: a regra é que a busca pessoal de natureza
processual penal também depende de mandado, o qual, apesar de ser pouco tratado na doutrina, é chamado
de mandado de busca e apreensão pessoal.

Diferentemente do que ocorre em relação ao mandado de busca e apreensão domiciliar, que


somente pode ser expedido por ordem judicial, o mandado de busca e apreensão pessoal pode ser expedido
por ordem do juiz ou da autoridade policial, nos termos do art. 6º, inciso II, do CPP (AVENA, 2017, p. 423).

Fixadas essas premissas, no que diz respeito à busca e apreensão (domiciliar ou pessoal) determinada
de ofício pelo magistrado, mais uma vez, a discussão esbarra na possibilidade ou não de iniciativa probatória
pelo juiz. Além dessa discussão, deve ser levado em consideração, ademais, que, tendo a busca e apreensão
natureza mista, isto é, meio de prova e medida assecuratória, a determinação da medida de ofício pelo juiz
também restaria obstada pela impossibilidade de o magistrado, mesmo na ação penal, determinar medidas
cautelares de ofício, nos termos dos arts. 3º- A, 282, §§2º e 4º, e 311, todos do CPP.

Destarte, considerando a natureza mista da busca e apreensão e toda a discussão por trás da
iniciativa probatória do juiz e da impossibilidade de o magistrado, mesmo na ação penal, determinar medidas
cautelares de ofício, cremos que se operou a derrogação tácita do art. 242 do CPP, somente podendo haver
a expedição de mandado judicial de busca e apreensão domiciliar ou pessoal por requerimento das partes.

Noutro giro, nada obsta que a autoridade policial expeça, de ofício, mandado de busca e apreensão
pessoal. Ademais, nos casos em que se dispensa o mandado de busca pessoal, esta poderá ser executada de
ofício pela autoridade policial, por seus agentes ou pelos membros das polícias ostensivas.

2.10.4. Formalidades do mandado


Nos termos do art. 243 do CPP, tanto o mandado judicial de busca e apreensão (domiciliar ou pessoal)
como o mandado de busca e apreensão pessoal expedido pela autoridade policial, deverão preencher os
seguintes requisitos:

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I. Indicação precisa da casa ou pessoa que será submetida à medida: nos termos do inciso I do
citado artigo, no caso de busca domiciliar, o mandado judicial deverá indicar, o mais precisamente
possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou
morador. Se a busca for do tipo pessoal, o mandado deverá indicar o nome da pessoa que terá
de sofrê-la ouos sinais que a identifiquem;

Assim, pela redação do art. 243, inciso I, do CPP, são proibidos os chamados mandados de busca e
apreensão genéricos, isto é, mandados que autorizam a medida de busca e apreensão coletiva, genérica e
indiscriminada para a entrada da polícia em qualquer residência75.

II. Motivo e fins da diligência: nos termos do inciso II, o mandado de busca e apreensão deverá
mencionar o motivo e os fins da diligência; e

III. Subscrição pelo escrivão e assinatura da autoridade que o fizer expedir: nos termos do inciso III,
o mandado de busca e apreensão deverá ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade
que o fizer expedir.

Caso também haja ordem de prisão, esta constará do próprio texto do mandado de busca, conforme
§1º do estudado artigo. Tendo em vista que a busca pessoal, quando da prisão do agente, independerá de
mandado (art. 244, CPP), tal dispositivo somente é aplicável à busca domiciliar. É dizer:

• se somente foi expedido mandado de prisão em desfavor do agente, a ordem poderá ser
cumprida, inclusive, em sua residência, desde que obedecidos os demais regramentos
constitucionais. Contudo, não poderá haver busca na residência do agente;

• se somente foi expedido mandado de busca domiciliar, a prisão só poderá ocorrer se houver
situação de flagrante; e

• fora a situação de flagrante, para que haja prisão do agente e busca domiciliar, é preciso que o
mandado contemple as duas ordens.

De acordo com o §2º, não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do
acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito. É dizer: a regra geral é que não pode haver a
apreensão de documento em poder do defensor do investigado ou acusado. Contudo, se esse documento
fizer parte do corpo de delito do crime apurado, poderá ser determinada a sua apreensão.

2.10.5. Espécies de busca


Nos termos do art. 240, caput, do Código de Processo Penal, a busca será domiciliar ou pessoal.
Vejamos cada uma delas em separado.

a) Busca pessoal

I. Conceito e espécies

A busca pessoal é diligência que recai sobre o corpo da pessoa, suas roupas ou objetos que tenha
consigo (AVENA, 2017, p. 423). De acordo com a doutrina, há duas espécies de busca pessoal, a saber:

75 AgRg no HC 435.934/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 5/11/2019, DJe 20/11/2019.

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I. Busca pessoal por razões de segurança:

é aquela realizada em festas, boates, aeroportos, rodoviárias, etc. Essa espécie de busca
pessoal não está regulamentada pelo Código de Processo Penal, devendo ser executada de
maneira razoável e sem expor as pessoas a constrangimento ou à humilhação. Sua execução
tem natureza contratual, ou seja, caso a pessoa não se submeta à medida, não poderá se
valer do serviço ofertado nem tampouco frequentar o estabelecimento [LIMA, 2020, p. 806]

II. Busca pessoal de natureza processual penal: conforme art. 240, §2º, do CPP, proceder- se-á à
busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida,
coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, instrumentos de falsificação ou de contrafação,
objetos falsificados ou contrafeitos, armas, munições, instrumentos utilizados na prática de crime
ou destinados a fim delituoso, objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu, cartas,
abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o
conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato ou qualquer elemento de
convicção.

II. (Des)necessidade de mandado


Nos termos do art. 244 do CPP, a busca pessoal de natureza processual penal independerá de
mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma
proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no
curso de busca domiciliar.

Conforme já introduzimos, a regra é que a busca pessoal de natureza processual penal também
dependerá de mandado, que poderá ser expedido tanto pela autoridade judiciária, por provocação das
partes, como pelo delegado de polícia, de ofício ou a requerimento.

Desse modo, de acordo com a própria redação do art. 244 do CPP, em apenas três situações, a busca
pessoal de natureza processual penal independerá de mandado, razão pela qual pode ser afirmado que, nem
sempre, esta espécie de busca pessoal independerá de mandado. Somente haverá a dispensa do mandado
quando:

I. Prisão do sujeito: a detenção do agente faz cessar a sua inviolabilidade pessoal,


independentemente de ordem judicial, porquanto será ele recolhido ao cárcere e necessita estar
livre de armas ou objetos perigosos à segurança do estabelecimento prisional. Além do mais, os
objetos ou instrumentos, que possua consigo, poderão servir para a formação do conjunto
probatório. É dizer: "se o bem maior – liberdade – está sendo violado legalmente, não teria
sentido exigir-se mandado de busca pessoal, que protege a intimidade" (NUCCI, 2016, p. 488).
Frise-se que qualquer espécie de prisão, isto é, provisória ou penal, autoriza a dispensa do
mandado de busca pessoal (AVENA, 2017, p. 423);

II. Fundada suspeita de estar carregando arma proibida, objetos ou papéis que formem a
materialidade do delito: se há fundada suspeita, isto é, se há elementos concretos que indiquem
a necessidade da medida, por exemplo, uma saliência sob a blusa de um sujeito ou a notícia levada
ao policial de que o agente traz consigo algo de ilícito, independentemente de mandado, está
autorizada a realização da busca pessoal (NUCCI, 2016, p. 484);

Como visto, na hipótese ora analisada, dispensa-se autorização judicial para realização da busca
pessoal.

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Justamente por ser norma de exceção, vislumbra-se, atualmente, forte movimento jurisprudencial
no sentido da exigência de inquívocas razões ("justa causa") para a realização da busca pessoal, não sendo
suficientes, para tanto, o "tirocínio policial", demonstração de nervosismo perante a viatura policial, etc. É
dizer: a busca pessoal deve ser baseada em elementos concretos e não meras conjecturas da respeitável
equipe policial.

No Info. 732, assentou o STJ que "Policiais não podem fazer a revista pessoal unicamente pelo fato
de acharem que o suspeito demonstrou nervosismo ao avistá-los".

De forma semelhante, no Info. 735, declinou o STJ que "a mera alegação genérica de “atitude
suspeita” é insuficiente para a licitude da busca pessoal".

III. Existência de mandado de busca domiciliar:

se a medida mais grave, que é a violação do domicílio, conta com a ordem judicial, seria
ilógico não poder o exequente revistar as pessoas encontradas no local, mormente porque
as provas buscadas poderiam ser colocadas nos bolsos ou pertences pessoais, inviabilizando
o sucesso da diligência [NUCCI, 2016, p. 488]

III. Busca pessoal em mulher


Nos termos do art. 249 do CPP, a busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar
retardamento ou prejuízo da diligência.

Portanto, a regra é que a busca pessoal em mulher seja feita por outra mulher. Contudo, se isto não
for possível, isto é, se importar retardamento ou prejuízo da diligência, a busca poderá ser feita por um
homem, o que, com bastante frequência, é perguntado em provas de primeira fase.

b) Busca domiciliar

I. Introdução e fundamentos

Por afastar a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar (art. 5º, XI, da CF/88), a busca
domiciliar exige fundadas razões e, nos termos do art. 240, §1º, terá as seguintes finalidades:

• Prender criminosos;

• Apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

No que diz respeito à alínea b, conforme estudado no capítulo atinente às medidas assecuratórias,
deve ser rememorado que os bens móveis adquiridos com os proventos da infração penal (produto indireto,
também chamado de proventos ou proveito da infração ou, ainda, frutos da infração ―fructus sceleris) estão
sujeitos ao sequestro, nos termos do art. 126 do CPP (e não à busca e apreensão). O que está sujeito à busca
e apreensão, nos termos do dispositivo legal ora em estudo, é o produto direto da infração (producta
sceleris). Em resumo: o produto direto da infração é objeto de busca e apreensão. O proveito da infração é
objeto de sequestro.

• Apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou


contrafeitos;

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• Apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime oudestinados a fim


delituoso;

• Descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

• Apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja
suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

• Apreender pessoas vítimas de crimes;

• Colher qualquer elemento de convicção.

De acordo com o citado art. 5º, inciso XI, da CF/88, a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém
nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou
para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

Por sua vez, o art. 245, caput, primeira parte, do CPP, dispõe que as buscas domiciliares serão
executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite.

Nesse contexto, interpretando os dois dispositivos de forma sistemática, tem-se que, as buscas
domiciliares, para fins processuais penais, poderão ser feitas nas seguintes hipóteses:

• havendo consentimento do morador, durante o dia ou à noite, a busca poderá ser realizada sem
mandado judicial. É dizer: sendo a necessidade de autorização judicial uma garantia ao morador,
caso este abra mão de seu direito, a busca poderá ser realizada nessas condições;

• não havendo consentimento do morador, a busca domiciliar exigirá mandado judicial e deverá ser
realizada durante o dia; e

• em caso de flagrante delito, com ou sem o consentimento do morador, a busca domiciliar poderá
ser realizada, pouco importando se é dia ou noite.

II. Necessidade de mandado judicial


Como dito, nos termos do art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, a busca domiciliar, quando não
consentida, exige autorização judicial, a qual será materializada por um mandado judicial.

Em relação ao consentimento para ingresso na residência alheia, no ano de 2021, assentou o STJ que:
"A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito
incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou
o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve
ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo" (STJ. 6ª Turma. HC
598.051/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 2/3/2021; Info 687).

Ainda no que diz à autorização de morador para ingresso de Policiais em sua residência, no Info. 725,
o STJ, em julgado relevante para as provas concursais, assentou que "A indução do morador a erro na
autorização do ingresso em domicílio macula a validade da manifestação de vontade e, por consequência,
contamina toda a busca e apreensão".

Como visto em tópico antecedente, os Tribunais Superiores, mesmo para a busca pessoal, têm
exigido a demonstração, em concreto, de motivação para a busca pessoal, não bastando a impressão
subjetiva dos valorosos Policiais. Por óbvio, esse grau de exigência aumenta quando falamos em busca

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domiciliar sem mandado judicial e sem consentimento do morador, que é situação excepcionalíssima em
nosso sistema.

Ao invés de tentar memorizar todo e qualquer julgado veiculado pelos Tribunais Superiores, o amigo
leitor, no ponto aqui trabalhado, deve pensar o seguinte: após a entrada em domicílio alheio (sem mandado
judicial e sem consentimento do morador), o Policial conseguirá "colocar no papel" que, antes da entrada,
havia probabilidade concreta de ter encontrado o que encontrou na residência? Se a resposta for sim, havia
justa causa e a entrada foi lícita. Se a resposta for não, não havia justa causa e a entrada foi ilícita.

Embora não haja necessidade de memorizar cada julgado, é interessante assentar que, no Info. 734,
assentou que "a denúncia anônima acerca da ocorrência de tráfico de drogas acompanhada das diligências
para a constatação da veracidade das informações prévias podem caracterizar as fundadas razões para o
ingresso dos policiais na residência do investigado".

No mesmo sentido, no Info. 738, o STJ declinou que "a investigação policial originada de informações
obtidas por inteligência policial e mediante diligências prévias que redunda em acesso à residência do
acusado configura exercício regular da atividade investigativa promovida pelas autoridades policiais".

De forma semelhante, no Info. 715, o STJ, em relação a quarto ocupado de hotel, mencionou que "é
lícita a entrada de policiais, sem autorização judicial e sem o consentimento do hóspede, em quarto de hotel,
desde que presentes fundadas razões da ocorrência de flagrante delito".

Em continuidade, tem-se que o art. 241 do CPP dispõe que, quando a própria autoridade policial ou
judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado.

Em relação à primeira parte do art. 241 do CPP ― busca realizada pela autoridade policial ― não há
discussão: tal dispositivo não foi recepcionado pela Constituição Federal. É dizer: o delegado de polícia, sem
autorização judicial e sem o consentimento do morador, não poderá concretizar a busca domiciliar.

No que diz respeito à segunda parte do art. 241 do CPP ― busca realizada pelo próprio juiz ― a
doutrina se debate.

Uma primeira corrente diz que "se a diligência de busca for realizada pela autoridade judiciária –
coisa rara de se ver na prática, mas juridicamente possível –, não será necessária a expedição de mandado
prévio, pois não tem sentido imaginar que o juiz deva despachar e fazer expedir documento autorizando ele
mesmo" (MARCÃO, 2016, p. 518). No mesmo sentido, Nucci assenta que "o juiz, obviamente, quando
acompanha a diligência, faz prescindir do mandado, pois não teria cabimento ele autorizar a si mesmo ao
procedimento da busca" (NUCCI, 2016, p. 485).

Em contrapartida, uma segunda corrente aduz que "a possibilidade de o magistrado executar
pessoalmente uma busca domiciliar representa clara e evidente afronta ao sistema acusatório adotado pela
Carta Magna (CF, art. 129, I), além de violar a garantia da imparcialidade do magistrado, ressuscitando a
famigerada figura do juiz inquisidor" (LIMA, 2017, p. 686).

Essa última corrente, caso não declarada a inconstitucionalidade do art. 3º-A do CPP, trazido pelo
Pacote Anticrime, ganha muita força, porquanto, nos termos do citado dispositivo legal, o processo penal
terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação
probatória do órgão de acusação. Assim, não podendo o magistrado substituir a atuação probatória da
acusação, será difícil defender a aplicabilidade do art. 241 do CPP, também em relação à execução da busca
domiciliar pelo juiz.

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Por fim, ressalta-se que, por ser diligência gravada pela cláusula de reserva de jurisdição, a Comissão
Parlamentar de Inquérito não tem autoridade para, por força própria, isto é, sem autorização judicial,
determinar a busca domiciliar.

III. Juiz competente


Considerando o postulado constitucional do juiz natural (art. 5º, inciso LIII, da CF/88), somente o juiz
competente para o julgamento de futura e eventual ação penal poderá deferir a medida de busca e
apreensão domiciliar, sob pena de nulidade da diligência.

Em caso emblemático, que envolvia busca em imóvel funcional ocupado por uma Senadora da
República, entendeu o STF que, embora o investigado fosse o marido da Senadora, tendo em vista que a
ordem judicial não individualizou os bens que seriam de titularidade da Parlamentar e de seu marido,
somente o próprio Supremo poderia ter ordenado a medida76.

IV. Conceito de casa

Para fins processuais penais, o conceito de casa é extraído do art. 150, §4º, do CP, segundo o qual a
expressão "casa" compreende: I - qualquer compartimento habitado; II - aposento ocupado de habitação
coletiva; e III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. De acordo
com o §5º do mesmo artigo, não se compreendem na expressão "casa": I - hospedaria, estalagem ou
qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do nº II do parágrafo anterior ("quarto"
ocupado, ainda que a ocupação se dê por pouco tempo); e II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo
gênero.

Em complementação, dispõe o art. 246 do CPP que serão aplicadas as regras da busca domiciliar à
busca em compartimento habitado ou em aposento ocupado de habitação coletiva ou em compartimento
não aberto ao público, onde alguém exercer profissão ou atividade.

Assim, inserem-se no conceito de casa, portanto, não só a casa ou habitação, mas também o
escritório de advocacia, o consultório médico, o gabinete do delegado de polícia, o quarto ocupado de hotel
ou motel, o quarto de hospital, empresas e lojas (do balcão para dentro), pátios, jardins, quintal, garagens,
depósitos etc. (LIMA, 2020, p. 799).

No que diz respeito à busca em veículos ou embarcações, a análise deve ser um pouco mais detida:

I. Primeira hipótese: "não se exige, para a definição de 'casa', que ela esteja fixada ao solo, pois o
conceito constitucional abrange as residências sobre rodas (trailers residenciais), barcos-
residência, a parte traseira do interior da boleia do caminhão, etc.". Assim, se o sujeito, de fato,
faz do veículo ou embarcação a sua residência e, no momento da diligência, o móvel esteja sendo
usado como residência, este local estará acobertado pela inviolabilidade domiciliar, sendo a
busca, nesse caso, regida pelas regras concernentes à busca domiciliar;

II. Segunda hipótese: o sujeito faz do móvel sua residência, contudo, no momento da diligência, o
veículo ou embarcação está sendo utilizado como meio de transporte. Nesse caso, o móvel não

76 STF. 2ª Turma. Rcl 24473/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 26/6/2018.

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estará acobertado pela inviolabilidade domiciliar. A busca, nessa situação, será regida pelas regras
atinentes à busca pessoal; e

III. Terceira hipótese: se o veículo ou embarcação for utilizado somente como meio de transporte,
isto é, se o agente não residir neles, não há falar em inviolabilidade domiciliar, sendo a busca,
nessa situação, regida pelas regras atinentes à busca pessoal.

V. Conceito de dia
A Lei n.º 13.869/19, a qual dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade, em seu art. 22, §2º, inciso
III, prevê que cometerá o crime de abuso de autoridade o agente que cumprir mandado de busca e apreensão
domiciliar após as 21h ou antes das 5h.

A par das discussões doutrinárias acerca da constitucionalidade ou não do referido dispositivo legal,
as quais devem ser acompanhadas pelo leitor, o fato é que, atualmente, há um conceito legal de dia e de
noite: I) o dia se inicia às 5h e termina às 21h; e II) a noite começa às 21h e se encerra às 5h.

Nesse sentir, não havendo consentimento do morador, a busca e apreensão domiciliar dependerão
de mandado judicial e a entrada na residência somente poderá ocorrer entre as 5h da manhã e 9h da noite.

VI. Execução da busca domiciliar

Nos termos do art. 245, caput, do CPP, as buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o
morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão
o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.

Nesse contexto, já analisada a questão sobre o horário da diligência, o primeiro ato dos executores,
após, por óbvio, se identificarem como agentes do Estado, é ler o mandado ao morador, ou a quem o
represente e intimá-lo a abrir a porta.

De acordo com o §1º, se a própria autoridade der a busca, declarará previamente sua qualidade e o
objeto da diligência. Conforme estudamos em relação ao art. 241 do CPP, diante das premissas atinentes ao
sistema acusatório e das alterações trazidas pelo Pacote Anticrime, é difícil defender a possibilidade de o juiz
executar a busca domiciliar. Por esta razão, a autoridade a que se refere o §1º é a autoridade policial. Logo,
se o delegado de polícia se fizer presente, deverá declarar ao morador, ou a quem o represente, esta
qualidade e o objeto da diligência.

Nos termos do §2º, caso o morador, ou quem o represente, não atenda à intimação de abrir a porta,
esta será arrombada. Segundo o §3º, recalcitrando o morador, será permitido o emprego de força contra
coisas existentes no interior da casa, para o descobrimento do que se procura. Frise-se: o emprego de força,
para o descobrimento do que se procura, em um primeiro momento, somente é autorizado contra coisas e
não contra pessoas. Caso as pessoas tentem impedir a busca, aí sim é que estará permitido o emprego da
força contra esses sujeitos.

Segundo o art. 248 do CPP, em casa habitada, a busca será feita de modo que não moleste os
moradores mais do que o indispensável para o êxito da diligência.

Na hipótese de não haver moradores no momento do cumprimento da diligência, será permitido o


arrombamento da porta e o emprego de força contra coisas existentes no interior da casa, nos termos do

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§3º. Nesse caso, se houver e estiver presente, deverá ser intimado a assistir à diligência qualquer vizinho.
Frise-se: não é obrigatório que um vizinho assista à diligência, o que somente deve ocorrer se existir vizinho
e este estiver presente no momento da diligência. Preenchidos tais requisitos e, ainda assim, não tenha sido
intimado um vizinho, ter-se-á configurada mera irregularidade (LIMA, 2020, p. 805).

Nos termos do §5º, caso seja determinada a pessoa ou coisa que se vai procurar, o morador será
intimado a mostrá-la. Havendo a descoberta da pessoa ou coisa que se procurava, esta será imediatamente
apreendida e posta sob custódia da autoridade policial ou de seus agentes (art. 245, §6º, do CPP).

Terminada a diligência, nos termos do §7º, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-
o com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no §4º. Isto é: se a busca se deu em casa sem
moradores, se houve a intimação de um vizinho para assisti-la, este também assinará o auto circunstanciado
a que se refere o §7º.

Conforme já dissemos, todas essas formalidades deverão ser observadas quando se tiver de proceder
a busca em compartimento habitado ou em aposento ocupado de habitação coletiva ou em compartimento
não aberto ao público, onde alguém exercer profissão ou atividade, nos termos do art. 246 do CPP.

2.10.6. Busca em território de jurisdição alheia


De acordo com o art. 250, caput, do CPP, a autoridade ou seus agentes poderão penetrar no território
de jurisdição alheia, ainda que de outro Estado, quando, para o fim de apreensão, forem no seguimento de
pessoa ou coisa, devendo apresentar-se à competente autoridade local, antes da diligência ou após,
conforme a urgência desta.

Nos termos do §1º, entender-se-á que a autoridade ou seus agentes vão em seguimento da pessoa
ou coisa, quando: a) tendo conhecimento direto de sua remoção ou transporte, a seguirem sem interrupção,
embora depois a percam de vista; e b) ainda que não a tenham avistado, mas sabendo, por informações
fidedignas ou circunstâncias indiciárias, que está sendo removida ou transportada em determinada direção,
forem ao seu encalço.

Caso as autoridades locais tenham fundadas razões para duvidar da legitimidade das pessoas que,
nas referidas diligências, entrarem pelos seus distritos, ou da legalidade dos mandados que apresentarem,
poderão exigir as provas dessa legitimidade, mas de modo que não se frustre a diligência, nos termos do §2º.

2.10.7. Busca infrutífera


Caso a diligência reste infrutífera, isto é, não seja encontrada a pessoa ou coisa procurada, nos
termos do art. 247 do CPP, os motivos da diligência serão comunicados a quem tiver sofrido a busca, se o
requerer. Frise-se: somente haverá a comunicação dos motivos da diligência a quem tiver sofrido a busca, se
esta pessoa requerer. Caso não requeira, não estão os executores obrigados a declinar os motivos da
diligência.

2.10.8. Acesso a mensagens de aplicativos telemáticos


Em relação ao acesso dos órgãos da persecução criminal a mensagens de aplicativos telemáticos,
como o WhatsApp, por exemplo, três situações devem ser analisadas em separado:

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

I. Prisão em flagrante: na prisão em flagrante, a apreensão do aparelho celular independe de


autorização judicial. É dizer: o próprio delegado de polícia, nos termos do art. 6º, II e III, do CPP,
poderá apreender o aparelho celular. Contudo, para se ter acesso às mensagens telemáticas
contidas no aparelho, será necessária autorização do juiz competente77;

II. Ordem de busca e apreensão domiciliar prévia: caso o celular tenha sido apreendido em
cumprimento a mandado de busca e apreensão domiciliar anteriormente expedido, ainda que
não haja autorização expressa, poderá haver o acesso às mensagens registradas no aparelho. É
dizer: a ordem de busca e apreensão determinada já é suficiente para permitir o acesso aos dados
dos aparelhos celulares apreendidos78; e

III. Morte da vítima: caso a vítima tenha morrido e o celular tenha sido entregue à polícia pela pessoa
que ficou viúva, a autoridade policial, independentemente de ordem judicial, pode acessar às
mensagens contidas no aparelho que lhe fora entregue79.

3. INFORMATIVOS DE JURISPRUDÊNCIA

3.1. Supremo Tribunal Federal

Súmula nº 155, STF: “É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição
de precatória para inquirição de testemunha.”

MEDIDA CAUTELAR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO ESTADO DO RIODE


JANEIRO N. 8.008/2018 (ART. 1º, §3º). VÍTIMAS DE ESTUPRO. MENORES DE IDADE DO
SEXO FEMININO. PERITO LEGISTA MULHER. OBRIGATORIEDADE. ALEGA OFENSA À
COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO (ART. 22, I, DA CFRB) E NORMAS GERAIS SOBRE
PROCEDIMENTOS EM MATÉRIA PROCESSUAL (ART, 24, XI, DA CFRB). INEXISTÊNCIA.
COMPETÊNCIA PREVISTA NO ART. 24, XV, DA CFRB. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
POR OFENSA AO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE ACESSO À JUSTIÇA E AOS
PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO INTEGRAL E DA PRIORIDADE ABSOLUTA (arts. 5º, XXXV, e 227,
caput, da CRFB). SUSPENSÃO DA NORMA DEFERIDA. INTERPRETAÇÃO CONFORME À
CONSTITUIÇÃO. DESDE QUE NÃO IMPORTE RETARDAMENTO OU PREJUÍZO DA DILIGÊNCIA.
EFEITOS EX TUNC. 1. A Lei Estadual nº 8.008/2018 do Rio de Janeiro, que impõe a
obrigatoriedade de que as crianças e adolescentes do sexo feminino vítimas de estupro
sejam examinadas por perito legista mulher, não padece do vício de inconstitucionalidade
formal, porque a regra concerne à competência concorrente prevista no art. 24, inciso XV,
da CFRB, “proteção à infância e à juventude”. 2. Trata-se de regra que reforça o princípio
federativo, protegendo a autonomia de seus membros e conferindo máxima efetividade
aos direitos fundamentais, no caso, o direito da criança e da adolescente à absoluta
prioridade na proteção dos seus direitos (CFRB, art. 227). Compreensão menos
centralizadora e mais cooperativa da repartição de competências no federalismo brasileiro.
A lei federal n. 13.431/2017 (Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do
adolescente vítima ou testemunha de violência) reservou espaço à conformação dos
Estados. Inconstitucionalidade formal afastada. 3. Lei impugnada em sintonia com o direito
fundamental à igualdade material (art. 5º, I, da CRFB), que impõe especial proteção à
mulher e o atendimento empático entre iguais, evitando-se a revitimização da criança ou
adolescente, mulher, vítima de violência. 4. Risco evidenciado pela negativa de realização
de atos periciais às vítimas menores de idade do sexo feminino por legistas homens, o que

77 STJ. 5ª Turma. RHC 67.379-RN, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/10/2016 (Info. 593).
78 STJ. 5ª Turma. RHC 77.232/SC, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 03/10/2017.
79 STJ. 6ª Turma. RHC 86.076-MT, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 19/10/2017 (Info.

617).

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

compromete, concretamente e de modo mais urgente, o direito de crianças e adolescente


de acesso à justiça (art. 39 da Convenção sobre os Direitos das Crianças) e os princípios da
proteção integral e da prioridade absoluta (arts. 5º, XXXV, e 227 da CRFB).
Inconstitucionalidade material concreta. Necessidade de interpretação conforme à
Constituição. Desde que não importe retardamento ou prejuízo da diligência. 5. Medida
cautelar deferida. Suspensão da norma impugnada. Efeitos excepcionais efeitos ex tunc, a
fim de resguardar as perícias que porventura tenham sido feitas por profissionais do sexo
masculino. [ADI 6039 MC, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em
13/3/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 31/7/2019 PUBLIC 1º/8/2019]

RECLAMAÇÃO. 2. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ENTENDIMENTO FIRMADO NAS ARGUIÇÕES


DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITOS FUNDAMENTAIS 395 E 444. CABIMENTO. A
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal deu sinais de grande evolução no que se refere
à utilização do instituto da reclamação em sede de controle concentrado de normas. No
julgamento da questão de ordem em agravo regimental na Rcl 1.880, em23 de maio de
2002, o Tribunal assentou o cabimento da reclamação para todos aqueles que
comprovarem prejuízos resultantes de decisões contrárias às teses do STF, em
reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das decisões de mérito proferidas em
sede de controle concentrado 3. Reclamante submetido a “entrevista” durante o
cumprimento de mandado de busca e apreensão. Direito ao silêncio e à não
autoincriminação. Há a violação do direito ao silêncio e à não autoincriminação,
estabelecidos nas decisões proferidas nas ADPFs 395 e 444, com a realização de
interrogatório forçado, travestido de “entrevista”, formalmente documentado durante o
cumprimento de mandado de busca e apreensão, no qual não se oportunizou ao sujeito
da diligência o direito à prévia consulta a seu advogado e nem se certificou, no referido
auto, o direito ao silêncio e a não produzir provas contra si mesmo, nos termos dalegislação
e dos precedentes transcritos 4. A realização de interrogatório em ambiente intimidatório
representa uma diminuição da garantia contra a autoincriminação. O fato de o interrogado
responder a determinadas perguntas não significa que ele abriu mão do seu direito. As
provas obtidas através de busca e apreensão realizada com violação à Constituição não
devem ser admitidas. Precedentes dos casos Miranda v. Arizona e Mapp v. Ohio, julgados
pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Necessidade de consolidação de uma
jurisprudência brasileira em favor das pessoas investigadas. 5. Reclamação julgada
procedente para declarar a nulidade da “entrevista” realizada e das provas derivadas, nos
termos do art. 5º, LVI, da CF/88 e do art. 157, §1º, do CPP, determinando ao juízo de origem
que proceda ao desentranhamento das peças. [Rcl 33711, Relator(a): Min. GILMAR
MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/6/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe- 184 DIVULG
22/8/2019 PUBLIC 23/8/2019]

Info. 1016, STF: Não se admite condenação baseada exclusivamente em declarações informais
prestadas a policiais no momento da prisão em flagrante. A CF/88 determina que as autoridades estatais
informem os presos que eles possuem o direito de permanecer em silêncio (art. 5º, LXIII). Esse alerta sobre
o direito ao silêncio deve ser feito não apenas pelo Delegado, durante o interrogatório formal, mas também
pelos policiais responsáveis pela voz de prisão em flagrante. Isso porque a todos os órgãos estatais impõe-se
o dever de zelar pelos direitos fundamentais. A falta da advertência quanto ao direito ao silêncio torna ilícita
a prova obtida a partir dessa confissão. (STF. 2ª Turma. RHC 170843 AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado
em 4/5/2021; Info 1016).

3.2. Superior Tribunal de Justiça

Súmula nº 74, STJ: “Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por
documento hábil.”

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

Súmula nº 273, STJ: “Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária
intimação da data da audiência no juízo deprecado.”

Súmula nº 545, STJ: “Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador,
o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal.”

Súmula nº 630, STJ: “A incidência da atenuante da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de
entorpecentes exige o reconhecimento da traficância pelo acusado, não bastando a mera admissão da posse
ou propriedade para uso próprio.”

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DESVIO DE VERBAS


PÚBLICAS DO SUS. INCOMPETÊNCIA. RECONHECIMENTO. TEORIA DO JUÍZO APARENTE.
AVALIAÇÃO DA VALIDADE DA PROVA. ATRIBUIÇÃO DO JUIZ FEDERAL. AGRAVO PROVIDO.
1. Conforme se percebe em pesquisa, na jurisprudência desta Corte, tem-se entendido, de
maneira ampla, que os desvios de verbas do Sistema Único de Saúde - SUS - atrai a
competência da Justiça Federal, tendo em vista o dever de fiscalização e supervisão do
governo federal.
2. Não obstante o reconhecimento da incompetência do Juízo estadual, os atos processuais
devem ser avaliados pelo Juízo competente, para que decida se valida ou não aqueles atos
até então praticados.
Aplicação da Teoria do Juízo Aparente.
3. Agravo regimental provido, para reconhecer a incompetência absoluta da Justiça Estadual
e determinar a remessa do feito à Justiça Federal.
(AgRg no RHC n. 156.413/GO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em
5/4/2022, DJe de 8/4/2022.)

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. APURAÇÃO DE CRIMES PRATICADOS EM


COMUNIDADES DE FAVELAS. BUSCA E APREENSÃO EM RESIDÊNCIAS. DECLARAÇÃO DE
NULIDADE DA DECISÃO QUE DECRETOU A MEDIDA DE BUSCA E APREENSÃO COLETIVA,
GENÉRICA E INDISCRIMINADA CONTRA OS CIDADÃOS E CIDADÃS DOMICILIADOS NAS
COMUNIDADES ATINGIDAS PELO ATO COATOR. 1. Configurada a ausência de
individualização das medidas de apreensão a serem cumpridas, o que contraria diversos
dispositivos legais, dentre eles os arts. 240, 242, 244, 245, 248 e 249 do Código de Processo
Penal, além do art. 5º, XI, da Constituição Federal: a casa é asilo inviolável do indivíduo,
ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de
flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial. Caracterizada a possibilidade concreta e iminente de ofensa ao direito fundamental
à inviolabilidade do domicílio. 2. Indispensável que o mandado de busca e apreensão tenha
objetivo certo e pessoa determinada, não se admitindo ordem judicial genérica e
indiscriminada de busca e apreensão para a entrada da polícia em qualquer residência.
Constrangimento ilegal evidenciado. 3. Agravo regimental provido. Ordem concedida para
reformar o acórdão impugnado e declarar nula a decisão que decretou a medida de busca
e apreensão coletiva, genérica e indiscriminada contra os cidadãos e cidadãs domiciliados
nas comunidades atingidas pelo ato coator (Processo n. 0208558-76.2017.8.19.0001).
[AgRg no HC 435.934/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em
05/11/2019, DJe 20/11/2019]

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE


DROGAS E ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL DE ESPELHAMENTO, VIA
WHATSAPP WEB, DAS CONVERSAS REALIZADAS PELO INVESTIGADO COM TERCEIROS.
ANALOGIA COM O INSTITUTO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IMPOSSIBILIDADE.
PRESENÇA DE DISPARIDADES RELEVANTES. ILEGALIDADE DA MEDIDA. RECONHECIMENTO
DA NULIDADE DA DECISÃO JUDICIAL E DOS ATOS E PROVAS DEPENDENTES. PRESENÇA DE
OUTRAS ILEGALIDADES. LIMITAÇÃO AO DIREITO DE PRIVACIDADE DETERMINADA SEM
INDÍCIOS RAZOÁVEIS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. DETERMINAÇÃO ANTERIOR DE
ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. FIXAÇÃO DIRETA DE PRAZO DE 60 (SESSENTA)
DIAS, COM PRORROGAÇÃO POR IGUAL PERÍODO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO. 1. Hipótese em que, após coleta de dados do

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

aplicativo WhatsApp, realizada pela Autoridade Policial mediante apreensão judicialmente


autorizada de celular e subsequente espelhamento das mensagens recebidas e enviadas,
os Recorrentes tiveram decretadas contra si prisão preventiva, em razão da suposta prática
dos crimes previstos nos arts. 33 e 35 da Lei nº 11.343/2006. 2. O espelhamento das
mensagens do WhatsApp ocorre em sítio eletrônico disponibilizado pela própria empresa,
denominado WhatsApp Web. Na referida plataforma, é gerado um tipo específico de código
de barras, conhecido como Código QR (Quick Response), o qual só pode ser lido pelo celular
do usuário que pretende usufruir do serviço. Daí a necessidade de apreensão, ainda que por
breve período de tempo, do aparelho telefônico que se pretende monitorar. 3. Para além
de permitir o acesso ilimitado a todas as conversas passadas, presentes e futuras, a
ferramenta WhatsApp Web foi desenvolvida com o objetivo de possibilitar ao usuário a
realização de todos os atos de comunicação a que teria acesso no próprio celular. O
emparelhamento entre celular e computador autoriza o usuário, se por algum motivo assim
desejar, a conversar dentro do aplicativo do celular e, simultaneamente, no navegador da
internet, ocasião em que as conversas são automaticamente atualizadas na plataforma que
não esteja sendo utilizada. 2.Tanto no aplicativo, quanto no navegador, é possível, com total
liberdade, o envio de novas mensagens e a exclusão de mensagens antigas (registradas
antes do emparelhamento) ou recentes (registradas após), tenham elas sido enviadas pelo
usuário, tenham elas sido recebidas de algum contato. Eventual exclusão de mensagem
enviada (na opção "Apagar somente para Mim") ou de mensagem recebida (em qualquer
caso) não deixa absolutamente nenhum vestígio, seja no aplicativo, seja no computador
emparelhado, e, por conseguinte, não pode jamais ser recuperada para efeitos de prova em
processo penal, tendo em vista que a própria empresa disponibilizadora do serviço, em
razão da tecnologia de encriptação ponta-a-ponta, não armazena em nenhum servidor o
conteúdo das conversas dos usuários. 5. Cumpre assinalar, portanto, que o caso dos autos
difere da situação, com legalidade amplamente reconhecida pelo Superior Tribunal de
Justiça, em que, a exemplo de conversas mantidas por e-mail, ocorre autorização judicial
para a obtenção, sem espelhamento, de conversas já registradas no aplicativo WhatsApp,
com o propósito de periciar seu conteúdo. 6. É impossível, tal como sugerido no acórdão
impugnado, proceder a uma analogia entre o instituto da interceptação telefônica (art. 1.º,
da Lei nº 9.296/1996) e a medida que foi tomada no presente caso. 7. Primeiro: ao contrário
da interceptação telefônica, no âmbito da qual o investigador de polícia atua como mero
observador de conversas empreendidas por terceiros, no espelhamento via WhatsApp Web
o investigador de polícia tem a concreta possibilidadede atuar como participante tanto das
conversas que vêm a ser realizadas quanto das conversas que já estão registradas no
aparelho celular, haja vista ter o poder, conferido pela própria plataforma online, de
interagir nos diálogos mediante envio de novas mensagens a qualquer contato presente no
celular e exclusão, com total liberdade, e sem deixar vestígios, de qualquer mensagem
passada, presente ou, se for o caso, futura. 8. O fato de eventual exclusão de mensagens
enviadas (na modalidade "Apagar para mim") ou recebidas (em qualquer caso) não deixar
absolutamente nenhum vestígio nem para o usuário nem para o destinatário, e o fato de
tais mensagens excluídas, em razão da criptografia end-to-end, não ficarem armazenadas
em nenhum servidor, constituem fundamentos suficientes para a conclusão de que a
admissão de tal meio de obtenção de prova implicaria indevida presunção absoluta da
legitimidade dos atos dos investigadores, dado que exigir contraposição idônea por parte
do investigado seria equivalente a demandar-lhe produção de prova diabólica. 9. Segundo:
ao contrário da interceptação telefônica, que tem como objeto a escuta de conversas
realizadas apenas depois daautorização judicial (ex nunc), o espelhamento via Código QR
viabiliza ao investigador de polícia acesso amplo e irrestrito a toda e qualquer
comunicação realizada antes da mencionada autorização, operando efeitos retroativos
(ex tunc). 10. Terceiro: ao contrárioda interceptação telefônica, que é operacionalizada sem
a necessidade simultânea de busca pessoal ou domiciliar para apreensão de aparelho
telefônico, o espelhamento via Código QR depende da abordagem do indivíduo ou do
vasculhamento de sua residência, com apreensão de seu aparelho telefônico por breve
período de tempo e posterior devolução desacompanhada de qualquer menção, por parte
da Autoridade Policial, à realização da medida constritiva, ou mesmo, porventura ― embora
não haja nos autos notícia de que isso tenha ocorrido no caso concreto ―, acompanhada
de afirmação falsa de que nada foi feito. 11. Hipótese concreta dos autos que revela, ainda,
outras três ilegalidades: (a) sem que se apontasse nenhum fato novo na decisão, a medida

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

foi autorizada quatro meses após ter sido determinado o arquivamento dos autos; (b)
ausência de indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal a respaldar a
limitação do direito de privacidade; e (c) ilegalidade na fixação direta do prazo de 60
(sessenta) dias, com prorrogação por igual período. 12. Recurso provido, a fim de declarar
a nulidade da decisão judicial que autorizou o espelhamento do WhatsApp via Código QR,
bem como das provas e dos atos que dela diretamente dependam ou sejam consequência,
ressalvadas eventuais fontes independentes, revogando, por conseguinte, a prisão
preventiva dos Recorrentes, se por outro motivo não estiverem presos. [RHC 99.735/SC,
Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 12/12/2018]

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.


INADEQUAÇÃO. RECEPTAÇÃO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. IMPROPRIEDADE NA VIA DO WRIT.
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NÃO EVIDENCIADO. ART. 156 DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL. MANDAMUS NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal
pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso
legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo
quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. O
habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a absolvição do
paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático- probatório, o que
é inviável na via eleita. 3. Se as instâncias ordinárias, mediante valoração do acervo
probatório produzido nos autos, entenderam, de forma fundamentada, ser o réu autor do
delito descrito na exordial acusatória, a análise das alegações concernentes ao pleito de
absolvição demandaria exame detido de provas, inviável em sede de writ. 4. A conclusão
das instâncias ordinárias está em sintonia com a jurisprudência consolidada desta Corte,
segundo a qual, no crime de receptação, se o bemhouver sido apreendido em poder do
paciente, caberia à defesa apresentar prova da origem lícita do bem ou de sua conduta
culposa, nos termos do disposto no art. 156 do Código de Processo Penal, sem que se
possa falar em inversão do ônus da prova. Precedentes. 5. Habeas corpus não conhecido.
[HC 433.679/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 6/3/2018,
REPDJe 17/4/2018, DJe 12/3/2018]

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO E PORTE ILEGAL DE


ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ART. 41, DO CPP.
INOBSERVÂNCIA. DADOS E DE CONVERSAS REGISTRADAS NO WHATSAPP. EXTRAÇÃO SEM
PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A denúncia não descreve a conduta do recorrente
quanto à imputação de porte ilegal de arma de fogo, não sendo possível identificar como
teria ele contribuído para a consecução desse delito. 2. Não há ilegalidade na perícia de
aparelho de telefonia celular pela polícia na hipótese em que seu proprietário ― a vítima
— foi morto, tendo o referido telefone sido entregue à autoridade policial por sua esposa,
interessada no esclarecimento dos fatos que o detinha, pois não havia mais sigilo algum a
proteger do titular daquele direito. 3. Recurso parcialmente provido, apenas para trancar
a ação penal em relação ao recorrente, quanto à imputação concernente ao crime previsto
no art. 14 da Lei n. 10.826/2003, por inépcia formal da denúncia, sem prejuízo de que outra
seja oferecida. [RHC 86.076/MT, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 12/12/2017]

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E


ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. DADOS ARMAZENADOS NO APARELHO CELULAR.
INAPLICABILIDADE DO ART. 5°, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA LEI N. 9.296/96.
PROTEÇÃO DAS COMUNICAÇÕES EM FLUXO. DADOS ARMAZENADOS. INFORMAÇÕES
RELACIONADAS À VIDA PRIVADA E À INTIMIDADE. INVIOLABILIDADE. ART. 5°, X, DA CARTA
MAGNA. ACESSO E UTILIZAÇÃO. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. INTELIGÊNCIA
DO ART. 3° DA LEI N. 9.472/97 E DO ART. 7° DA LEI N. 12.965/14. TELEFONE CELULAR
APREENDIDO EM CUMPRIMENTO A ORDEM JUDICIAL DE BUSCA E APREENSÃO.
DESNECESSIDADE DE NOVA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA ANÁLISE E UTILIZAÇÃO DOS
DADOS NELES ARMAZENADOS. RECURSO NÃO PROVIDO. I - O sigilo a que se refere o art.
5º, XII, da Constituição da República é em relação à interceptação telefônica ou telemática
propriamente dita, ou seja, é da comunicação de dados, e não dos dados em si mesmos.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

Desta forma, a obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em


aparelho de telefone celular ou smartphones não se subordina aos ditames da Lei n.
9.296/96. II - Contudo, os dados armazenados nos aparelhos celulares decorrentes de envio
ou recebimento de dados via mensagens SMS, programas ou aplicativos de troca de
mensagens (dentre eles o "WhatsApp"), ou mesmo por correio eletrônico, dizem respeito à
intimidade e à vida privada do indivíduo, sendo, portanto, invioláveis, no termos do art. 5°,
X, da Constituição Federal. Assim, somente podem ser acessados e utilizados mediante
prévia autorização judicial, nos termos do art. 3° da Lei n. 9.472/97 e do art. 7° da Lei n.
12.965/14. III - A jurisprudência das duas Turmasda Terceira Seção deste Tribunal Superior
firmou-se no sentido de ser ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de
aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS, conversas por meio de
programa ou aplicativos ("WhatsApp"), mensagens enviadas ou recebidas por meio de
correio eletrônico, obtidos diretamente pela polícia no momento do flagrante, sem prévia
autorização judicial para análise dos dados armazenados no telefone móvel. IV - No
presente caso, contudo, o aparelho celular foi preendido em cumprimento a ordem judicial
que autorizou a busca e apreensão nos endereços ligados aos corréus, tendo a recorrente
sido presa em flagrante na ocasião, na posse de uma mochila contendo tabletes de
maconha. V - Se ocorreu a busca e apreensão dos aparelhos de telefone celular, não há
óbice para se adentrar ao seu conteúdo já armazenado, porquanto necessário ao deslinde
do feito, sendo prescindível nova autorização judicial para análise e utilização dos dados
neles armazenados. Recurso ordinário não provido. [RHC 77.232/SC, Rel. Ministro FELIX
FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 3/10/2017, DJe 16/10/2017]

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. 1. MOMENTO


DO INTERROGATÓRIO. ÚLTIMO ATO DA INSTRUÇÃO. NOVO ENTENDIMENTO FIRMADO
PELO PRETÓRIO EXCELSO NO BOJO DO HC 127.900/AM. MODULAÇÃO DE EFEITOS.
PUBLICAÇÃO DA ATA DE JULGAMENTO. ACUSADO INTERROGADO NO INÍCIO DA
INSTRUÇÃO. SENTENÇA PRETÉRITA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. 2. CAUSA ESPECIAL DE
DIMINUIÇÃO. QUANTUM DE INCIDÊNCIA. QUANTIDADE E NATUREZA DA SUBSTÂNCIA
ENTORPECENTE APREENDIDA. ILEGALIDADE MANIFESTA. INEXISTÊNCIA. 3. CAUSAESPECIAL
DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 40, III, DA LEI Nº 11.343/06. MANIFESTA
ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. DELITO COMETIDO NAS IMEDIAÇÕES DE LOCAL SEDE DE
ATIVIDADES RECREATIVAS E ESPORTIVAS. COMPROVAÇÃO DE MERCANCIA NO REFERIDO
LOCAL. DESNECESSIDADE. PROXIMIDADE. SUFICIÊNCIA. 4. SUBSTITUIÇÃO DA PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. PENA
SUPERIOR A 4 ANOS. 5. REGIME FECHADO FIXADO COM BASE NA HEDIONDEZ E GRAVIDADE
ABSTRATA DO DELITO. TRÁFICO PRIVILEGIADO. DELITO NÃO HEDIONDO. NOVO
ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC Nº 118.533/MS. MUDANÇA DE
POSICIONAMENTO DA QUINTA E SEXTA TURMAS. REVISÃO DO ENTENDIMENTO
ANTERIORMENTE CONSOLIDADO PELA TERCEIRA SEÇÃO. CANCELAMENTO DO ENUNCIADO
SUMULAR Nº 512/STJ. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. 6. PARCIAL
CONCESSÃO DA ORDEM. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n.
127.900/AM, deu nova conformidade à norma contida no art. 400 do CPP (com redação
dada pela Lei n. 11.719/08), à luz do sistema constitucional acusatório e dos princípios do
contraditório e da ampla defesa. O interrogatório passa a ser sempre o último ato da
instrução, mesmo nos procedimentos regidos por lei especial, caindo por terra a solução de
antinomias com arrimo no princípio da especialidade. Ressalvou-se, contudo, a incidência
da nova compreensão aos processos nos quais a instrução não tenha se encerrado até a
publicação da ata daquele julgamento (10.03.2016). In casu, o pacientefoi sentenciado em
3.8.2015, afastando-se, pois, qualquer pretensão anulatória. 2. O estabelecimento do
redutor na fração de 1/6 não se mostrou, de modo flagrante, desarrazoado, diante da
quantidade e natureza da substância entorpecente apreendida em poder do paciente ― 91
porções de cocaína ―, a atrair a incidência do art. 42 da Lei nº 11.343/2006. Motivada de
maneira concreta a fixação do quantum de aplicação do referido benefício, não há falar em
ilegalidade. 3. Para a incidência da majorante prevista no art. 40, inciso III, da Lei nº
11.343/2006 é desnecessária a efetiva comprovação de mercancia nos referidos locais,
sendo suficiente que a prática ilícita tenha ocorrido em locais próximos, ou seja, nas
imediações de tais estabelecimentos, diante da exposição de pessoas ao risco inerente à
atividade criminosa da narcotraficância. Na espécie, o paciente foi flagrado praticando

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

condutas descritas no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06 nas imediações de local sede de
atividades recreativas e esportivas, restando plenamente justificada a aplicação da causa
de aumento de pena prevista no art. 40, III, da Lei de Drogas. 4. A substituição da pena
privativa de liberdade por restritivas de direitos submete-se à regência do art. 44 do Código
Penal, segundo o qual só faz jus ao benefício legal o condenado a pena inferior a 4 anos. Na
espécie, tendo a reprimenda final alcançado 4 anos, 10 meses e 10 dias de reclusão, não é
possível a pretendida substituição. 5. Esta Corte, na esteira do posicionamento do Supremo
Tribunal Federal, entende ser possível nas condenações por tráfico de drogas, em tese, a
fixação de regime menos gravoso e a substituição da pena privativa de liberdade por
restritivas de direitos, sempre tendo em conta as particularidades do caso concreto.
Outrossim, de acordo com o entendimento recentemente firmado pelo Plenário do
Supremo Tribunal Federal (HC nº 118.533/MS, julgado em 23.6.2016), "o crime de tráfico
privilegiado de drogas não tem natureza hedionda". Mudança de posicionamento quanto
ao tema por parte da Quinta e Sexta Turmas desta Corte Superior, que culminou na revisão
do entendimento anteriormente consolidado, pela Terceira Seção, e no cancelamento do
enunciado nº 512 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça. Fixada a pena-base no
mínimo legal, bem como aplicada a causa especial de diminuição de pena prevista no art.
33, §4º, da Lei nº 11.343/06, sendo a reprimenda final de 4 anos, 10 meses e 10 dias de
reclusão, é possível o estabelecimento do regime inicial semiaberto, a teor do disposto no
art. 33, §2º, alínea b, do Código Penal. 6. Habeas corpus parcialmente concedido a fim
de fixar o regimeinicial semiaberto. [HC 403.550/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE
ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/8/2017, DJe 28/8/2017]

PROCESSO PENAL, RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DAS


PROVAS PRODUZIDAS NA FASE INQUISITORIAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. CRIME
PERMANENTE. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. PROVAS
EXTRAÍDAS DO APARELHO DE TELEFONIA MÓVEL. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.
VIOLAÇÃO DO SIGILO TELEFÔNICO. INÉPCIA DA DENÚNCIA E CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA
PARA PERSECUÇÃO PENAL NÃO EVIDENCIADAS. NECESSIDADE DEREVOLVIMENTO FÁTICO-
COMPROBATÓRIO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
NÃO APLICÁVEL. LEI PENAL EM BRANCO HETERÓLOGA. SUBSTÂNCIA PSICOTRÓPICA
ELENCADA NA PORTARIA 344/98 DA ANVISA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O
entendimento perfilhado pela Corte a quo está em harmonia com a jurisprudência pacífica
deste Tribunal, segundo a qual, sendo o crime de tráfico de drogas, nas modalidades
guardar e ter em depósito, de natureza permanente, assim compreendido aquele cuja a
consumação se protrai no tempo, não se exige a apresentação de mandado de busca e
apreensão para o ingresso dos policiais na residência do acusado, quando se tem por
objetivo fazer cessar a atividade criminosa, dada a situação de flagrância, conforme
ressalva o art. 5º, XI, da Constituição Federal. Ainda, a prisão em flagrante é possível
enquanto não cessar a permanência, independentemente de prévia autorização
judicial. Precedentes. 2. Embora seja despicienda ordem judicial para a apreensão dos
celulares, pois os réus encontravam-se em situação de flagrância, as mensagens
armazenadas no aparelho estão protegidas pelo sigilo telefônico, que deve abranger
igualmente a transmissão, recepção ou emissão de símbolos, caracteres, sinais, escritos,
imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio de telefonia fixa ou móvel
ou, ainda, através de sistemas de informática e telemática. Em verdade, deveria a
autoridade policial, após a apreensão do telefone, ter requerido judicialmente a quebra do
sigilo dos dados nele armazenados, de modo a proteger tanto o direito individual à
intimidade quanto o direito difuso à segurança pública. Precedente. 3. O art. 5º da
Constituição Federal garante a inviolabilidade do sigilo telefônico, da correspondência, das
comunicações telegráficas e telemáticas e de dados bancários e fiscais, devendo a mitigação
de tal preceito, para fins de investigação ou instrução criminal, ser precedida de autorização
judicial, em decisão motivada e emanada por juízo competente (Teoria do Juízo Aparente),
sob pena de nulidade. Além disso,somente é admitida a quebra do sigilo quando houve
indício razoável da autoria ou participação em infração penal; se a prova não puder ser
obtida por outro meio disponível, em atendimento ao princípio da proibição de excesso; e
se o fato investigado constituir infração penal punida com pena de reclusão. 4. A alegação
de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts.
41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a


individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas
a viabilizar a persecução penal e o exercício da ampla defesa e do contraditório pelo réu
(Precedentes). 2. Para o oferecimento da denúncia, exige-se apenas a descrição da conduta
delitiva e a existência de elementos probatórios mínimos que corroborem a acusação.
Mister se faz consignar que provas conclusivas acerca da materialidade e da autoria do
crime sãonecessárias apenas para a formação de um eventual juízo condenatório. Embora
não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer
sustentáculo probatório, nessa fase processual, deve ser privilegiado o princípio do in dubio
pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o Julgador, em juízo de
admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se
manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal. 6.
O reconhecimento da inexistência de justa causa para o exercício da ação penal, dada a
suposta ausência de elementos de informação a demonstrarem a materialidade e a autoria
delitivas, exige profundo exame do contexto probatórios dos autos, o que é inviável na via
estreita do writ. Precedentes. 7. Esta Corte Superior de Justiça há muito consolidou seu
entendimento no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância ao delito de
tráfico ilícito de drogas, uma vez que o bem jurídico protegido é a saúde pública, sendo o
delito de perigo abstrato, afigurando-se irrelevante a quantidade dedroga apreendida"
(AgRg no REsp 1578209/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA,
julgado em 07/06/2016, DJe 27/06/2016). 8. O cloreto de etila está elencado como
substância psicotrópica na Portaria n. 344/98 da ANVISA, cuja comercialização é defesa em
todo o território nacional, tratando-se de droga para fins do art. 33 da Lei n. 11.343/2006,
norma penal em branco heteróloga. 9. Recursoparcialmente provido, tão somente para
reconhecer a ilegalidade das provas obtidas no celular do recorrente e determinar o seu
desentranhamento dos autos. [RHC 67.379/RN, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA
TURMA, julgado em 20/10/2016, DJe 9/11/2016]

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE


VULNERÁVEL. ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE
DE REEXAME FÁTICO E PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. PALAVRA DA VÍTIMA. EXTREMA
RELEVÂNCIA. APLICAÇÃO DA PENA. TESE DE AFRONTA AO ART. 59DO CÓDIGO PENAL.
FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. INCIDÊNCIA DA SÚMULA
231/STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Lastreada a condenação nos elementos probatórios
colhidos na fase inquisitorial e judicial, não é possível revê-los em sede de recurso especial
no desiderato de obter conclusão diversa, não sendo o caso, aqui, de revaloração da
prova, como pretende fazer crer o recorrente. Incidência daSúmula 7/STJ. 2. Nos crimes
contra os costumes, a palavra da vítima é de suma importância para o esclarecimento
dos fatos, considerando a maneira como tais delitos são cometidos, ou seja, de forma
obscura e na clandestinidade. Precedentes do STJ. 3. No tocante à pretensão de redução da
pena imposta e indicação de ofensa ao art. 59 do Código Penal, o recorrente não demonstra
de que forma o referido dispositivo teria sido violado, o que impede a exata compreensão
da controvérsia, atraindo a aplicação da Súmula 284/STF. Além disso, a incidência de
circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena para aquém do mínimo legal,
conforme dispõe a Súmula 231/STJ. 4. Agravo regimental improvido. [AgRg no AREsp
652.144/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em
11/6/2015, DJe 17/6/2015]

Info. 684, STJ: Não é possível aplicar multa contra o WhatsApp pelo fato de a empresa não conseguir
interceptar as mensagens trocadas pelo aplicativo e que são protegidas por criptografia de ponta a ponta
(STJ. 3ª Seção. RMS 60.531-RO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 9/12/2020;
Info 684);

Info. 690, STJ: BUSCA E APREENSÃO. É válida a autorização expressa para busca e apreensão em sede
de empresa investigada dada por pessoa que age como sua representante. É válida, com base na teoria da
aparência, a autorização expressa para que os policiais fizessem a busca e apreensão na sede de empresa
investigada, autorização essa dada por pessoa que, embora tenha deixado de ser sócia formal, continuou

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

assinando documentos como representante da empresa. (STJ. 5ª Turma. RMS 57.740-PE, Rel. Min. Reynaldo
Soares da Fonseca, julgado em 23/3/2021; Info 690);

Info. 692, STJ: BUSCA E APREENSÃO. O MP pode escolher quais elementos obtidos na busca e
apreensão serão utilizados pela acusação; no entanto, o material restante deve permanecer à livre consulta
do acusado, para o exercício de suas faculdades defensivas. Realizada a busca e apreensão, apesar de o
relatório sobre o resultado da diligência ficar adstrito aos elementos relacionados com os fatos sob apuração,
deve ser assegurado à defesa acesso à integra dos dados obtidos no cumprimento do mandado judicial. (STJ.
6ª Turma. RHC 114.683/RJ, Rel. Rogério Schietti Cruz, julgado em 13/4/2021; Info 692);

Info. 694, STJ: BUSCA E APREENSÃO. Não existe exigência legal de que o mandado de busca e
apreensão detalhe o tipo de documento a ser apreendido, ainda que de natureza sigilosa. (STJ. 6ª Turma.
RHC 141.737/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, julgado em 27/4/2021; Info 694);

Info. 695, STJ. É lícito o compartilhamento de dados bancários feito por órgão de investigação do país
estrangeiro para a polícia brasileira, mesmo que, no Estado de origem, essas informações não tenham sido
obtidas com autorização judicial, já que isso não é exigido naquele país. (STJ. 5ª Turma. AREsp 701.833/SP,
Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 4/5/2021; Info 695);

Info. 696, STJ. É ilegal a quebra do sigilo telefônico mediante a habilitação de chip da autoridade
policial em substituição ao do investigado titular da linha. A Lei n.º 9.296/96 não autoriza a suspensão do
serviço telefônico ou do fluxo da comunicação telemática mantida pelo usuário, tampouco a substituição do
investigado e titular da linha por agente indicado pela autoridade policial. (STJ. 6ª Turma. REsp 1.806.792-SP,
Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 11/05/2021; Info 696);

Info. 711, STJ: A busca e apreensão de bens em interior de veículo é legal e inerente ao dever de
fiscalização regular da PRF, em se tratando do flagrante de transporte de vultosa quantia em dinheiro e não
tendo o investigado logrado justificar o motivo de tal conduta (STJ. 6ª Turma. RHC 142.250-RS, Rel. Min.
Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/9/2021; Info 711);

Info. 720, STJ: Não configura cerceamento de defesa o fato de não se permitir que o réu que está
preso preventivamente tenha acesso a um notebook na unidade prisional a fim de examinar as provas que
estão nos autos. (STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 631.960-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
23/11/2021; Info 720);

Info. 731, STJ: Se a polícia entra na residência especificamente para efetuar uma prisão, ela não
pode vasculhar indistintamente o interior da casa porque isso seria “pescaria probatória”, com desvio de
finalidade. Admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder
um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria
probatória (fishing expedition), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade. (STJ. 6ª
Turma. HC 663.055-MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 22/3/2022; Info 731).

QUESTÕES DE CONCURSO

1. (PGR 2005 – adaptada) Em relação à prova no processo penal, considera-se acertado dizer que o ônus
probante é, via de regra, da acusação, que desencadeia a persecução, mas o réu assume tal encargo quando
aduz, em seu favor, alguma excludente de ilicitude, dirimente de culpabilidade, ou, ainda, quando apresenta
um álibi.

2. (TJ/SP – VUNESP 2011 – adaptada) As provas cautelares antecipadas podem ser consideradas pelo juiz
na formação da sua convicção, ainda que não reproduzidas perante o contraditório.

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3. (TJ/DFT 2008 – adaptada) No processo penal, todas as pessoas poderão ser testemunhas, inclusive os
menores de quatorze anos, os doentes mentais e familiares do acusado.

4. (DPE/RS – FCC 2018 – adaptada) No crime de receptação, efetivada a prisão do agente com a posse do
objeto de origem criminosa, opera-se a chamada inversão do ônus da prova no processo penal.

5. (MPE/SP 2019 – adaptada) Considerando a inidoneidade jurídica da prova ilicitamente obtida, eventual
prova produzida de modo válido em momento subsequente, mas derivada de prova comprometida da
ilicitude originária, deve ser declarada ilícita por derivação (a doutrina dos frutos da árvore envenenada).

6. (TJ/RO – VUNESP 2019 – adaptada) O Juiz pode rejeitar a perícia requerida pelas partes, quando se
mostrar irrelevante para o deslinde da causa.

7. (MPE/MT – FCC 2019 – adaptada) Seguindo a tendência da legislação brasileira de estabelecer


prioridades de atendimento, o Código de Processo Penal estabelece que se dará prioridade à realização do
exame de corpode delito quando se tratar de crime que envolva violência doméstica e familiar contra mulher,
bem como em qualquer crime contra a pessoa ou o patrimônio de criança, adolescente, idoso ou pessoa com
deficiência.

8. (MP/DFT 2015 – adaptada) No rito ordinário, o interrogatório é realizado pelo sistema presidencial, não
havendo previsão de perguntas diretas das partes ao réu.

9. (TJ/RO – VUNESP 2019 – adaptada) O interrogatório por videoconferência de réu preso não pode ser
determinado de ofício pelo Juiz, mas somente após pedido da autoridade administrativa responsável pela
unidade prisional.

10. (DPE/SP – FCC 2009 – adaptada) De acordo com a lei processual, o interrogatório do réu preso será
realizado, em regra, pessoalmente, devendo o interrogando ser requisitado e escoltado ao juízo.

11. (MP/DFT 2013 – adaptada) Não se estabelece restrição quanto à idade para poder testemunhar em
processo penal.

12. (MP/DFT 2013 – adaptada) Em julgamento de Repercussão Geral, o STF entendeu, por maioria, que não
é nula a audiência de oitiva de testemunha, por carta precatória, de réu preso que não manifestou
expressamente intenção de participar da audiência.

13. (FUNDEP 2014 – adaptada) A expedição de carta precatória para oitiva de testemunha não suspenderá
a instrução criminal e, de acordo com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, a ausência
de intimação da expedição da referida precatória é causa de nulidade relativa do processo criminal.

14. (TRF 2ª Região 2014 – adaptada) A defesa deve ser intimada da expedição de carta precatória e da data
da audiência no Juízo deprecado, sob pena de nulidade.

15. (DPE/RO – VUNESP 2017 – adaptada) Sobre os meios de prova, é correto afirmar que o juiz permitirá
que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais se estas forem inseparáveis da narrativa do fato.

16. (MPE/RR – Cespe/UnB 2008 – adaptada) Alex, ao ser interrogado em processo penal, não foi
comunicado pelo juiz acerca de seu direito constitucional de se manter em silêncio. Durante seu
interrogatório, confessou as infrações penais que lhe foram imputadas. Nessa situação, mesmo sendo
considerado o interrogatório como meio de prova e de defesa, configura-se causa de nulidade relativa, em
razão da aplicação do princípio nemo tenetur se detegere.

17. (MPE/AM – FMP Concursos 2015 – adaptada) Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar
humilhação, temor ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a

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verdade do depoimento, determinará a pronta retirada do réu da sala de audiência, prosseguindo na


inquirição, com a presença do seu defensor.

18. (MPE/GO 2019 – adaptada) O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à
saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a
mantenham ou modifiquem. Por opção dele, as comunicações poderão ser feitas por meio eletrônico.

19. (MPE/SC 2019) Prescreve o Código de Processo Penal, quanto ao reconhecimento de pessoa, que não
terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento a disposição de que se houver
razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra
influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para
que esta não veja aquela.

20. (DPE/ES – Cespe/UnB 2009) Quando for necessário fazer o reconhecimento judicial do acusado, não é
obrigatório que ele seja colocado ao lado de outras pessoas que com ele guardem semelhança.

21. (TRF 2ª Região 2014 – adaptada) Os documentos em língua estrangeira só serão juntados ao processo
depois de traduzidos.

22. (MPE/GO 2019 – adaptada) As cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não
serão admitidas em juízo. Entretanto, as cartas poderão ser exibidas em juízo pelo respectivo destinatário,
para a defesa de seu direito, devendo constar o consentimento expresso do signatário, evitando-se a violação
da privacidade e a ilicitude da prova.

23. (VUNESP 2017 – adaptada) Sobre os meios de prova, é correto afirmar que não é permitida à parte a
juntada de documentos em razões de apelação ou em suas contrarrazões.

24. (MPE/MA 2014 – adaptada) A busca pessoal dependerá de mandado judicial, ainda que houver fundada
suspeita de que a pessoa esteja na posse de objetos ou papéis que constituam corpo de delito.

25. (MPE/SP 2019 – adaptada) Com base na orientação jurisprudencial assentada no STJ quanto à ilicitude
da prova, é considerada ilícita a prova obtida através de busca pessoal em mulher realizada por policial
masculino, por violar o direito à intimidade, quando comprovado que a presença de uma policial feminina
para a realização do ato importará retardamento da diligência.

26. (MPE/MA 2014 – adaptada) Caso haja determinação judicial explícita e fundamentada, pode ser feita
pessoalmente pelo delegado a busca domiciliar à noite, pouco importando o dissenso do morador.

27. (MPE/PI – Cespe/UnB 2019 – adaptada) Em se tratando de celular de propriedade de vítima morta, é
ilegal a realização de perícia sem prévia autorização judicial se o aparelho tiver sido entregue a autoridade
policial pelo cônjuge da vítima.

28. (MPE/PI – Cespe/UnB 2019 – adaptada) É lícito o acesso aos dados armazenados em celular apreendido
após determinação judicial de busca e apreensão, mesmo que a decisão não tenha expressamente previsto
tal medida.

29. (MPE/PR 2017 – adaptada) Ao definir regras sobre a medida de busca e apreensão, o Código de Processo
Penal estabelece que não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo
quando constituir elemento do corpo de delito.

30. (TJ/DFT – Cespe/UnB 2015 – adaptada) A busca domiciliar pode ocorrer durante o dia ou durante a
noite. Nesta, será necessária a autorização do morador. Naquela, se o morador demonstrar resistência, será
permitido o uso da força contra coisas existentes no local.

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COMENTÁRIOS

1. CORRETO. Para a doutrina majoritária, "à acusação caberá provar a existência do fato imputado e sua
autoria, a tipicidade da conduta, os elementos subjetivos de dolo ou culpa, a existência de circunstâncias
agravantes e qualificadoras". Noutro giro, à defesa "incumbirá a prova de eventuais causas excludentes de
ilicitude, de culpabilidade e de tipicidade, circunstâncias atenuantes, minorantes e privilegiadoras que tenha
alegado" (AVENA, 2017, p. 321).

2. CORRETO. A redação do art. 155, caput, do CPP, permite que o juiz fundamente sua decisão
exclusivamente nos elementos de informação colhidos na investigação, desde que tais elementos sejam
provas cautelares, não repetíveis ou antecipadas.

3. CORRETO. No âmbito do processo penal, nos termos do art. 202 do CPP, toda pessoa poderá ser
testemunha. Frise-se: no processo penal, toda pessoa poderá ser testemunha, pouco importando a sua
capacidade civil, podendo ser arrolados como testemunhas os menores de 18 (dezoito) anos, doentes e
deficientes mentais (LIMA, 2020, p. 763-764).

4. ERRADO. No crime de receptação, se o bem houver sido apreendido em poder do paciente, caberia à
defesa apresentar prova da origem lícita do bem ou de sua conduta culposa, nos termos do disposto no art.
156 do Código de Processo Penal, sem que se possa falar em inversão do ônus da prova (HC 433.679/RS, Rel.
Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 6/3/2018, REPDJe 17/4/2018, DJe 12/3/2018).

5. CORRETO. Pela regra dos frutos da árvore envenenada, se uma determinada prova, ainda que obtida por
meio lícito, deriva de uma prova ilícita, a ilicitude da primeira contaminará a segunda, devendo haver o
desentranhamento das duas.

6. CORRETO. Conforme art. 184 do CPP, salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade
policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.

7. ERRADO. Conforme art. 158, parágrafo único, inciso II, do CPP, nem todo crime contra criança,
adolescente, idoso ou pessoa com deficiência terá prioridade na realização do exame de corpo de delito. Para
que haja prioridade, o crime deve ser cometido com violência.

8. CORRETO. No procedimento comum, o interrogatório, que é um ato personalíssimo, isto é, envolve o juiz
e a pessoa do acusado, é regido pelo sistema presidencialista ou presidencial. É dizer: após fazer suas
perguntas ao réu, o juiz questiona às partes se não restou esclarecido algum fato. Com base nas respostas
das partes, o juiz, se entender pertinente e relevante, fará novas perguntas ao réu (art. 188 do CPP).

9. ERRADO. Nos termos do art. 185, §2º, CPP, o interrogatório por videoconferência poderá ser determinado
pelo juiz de ofício ou a requerimento das partes.

10. ERRADO. A regra é que o interrogatório do réu preso se dê no próprio estabelecimento prisional em que
o interrogando estiver recolhido (art. 185, §1º, CPP). Não sendo possível a realização do interrogatório no
próprio estabelecimento prisional e não estando preenchidos os requisitos da videoconferência, aí sim é que
será requisitada a apresentação do réu preso em juízo (art. 185, §7º, CPP).

11. CORRETO. No âmbito do processo penal, nos termos do art. 202 do CPP, toda pessoa poderá ser
testemunha. Frise-se: no processo penal, toda pessoa poderá ser testemunha, pouco importando a sua
capacidade civil, podendo ser arrolados como testemunhas os menores de 18 (dezoito) anos, doentes e
deficientes mentais (LIMA, 2020, p. 763-764).

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12. CORRETO. Se o acusado estiver preso e solicitar sua presença no ato, de acordo com o STF, a ele deve ser
garantido o direito de presença. Contudo, se o réu preso, devidamente intimado da expedição da carta
precatória, não requereu o comparecimento, não há falar em nulidade do ato (LIMA, 2020, p. 768).

13. CORRETO. Conforme art. 222, §1º, do CPP, a expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal.
Ademais, nos termos da Súmula nº 155 do STF, que também é bastante recorrente em provas concursais, "é
relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para inquirição de
testemunha".

14. ERRADO. Conforme assenta a Súmula nº 273 do STJ, "intimada a defesa da expedição da carta precatória,
torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado". Frise-se: o juízo deprecante, isto
é,que expediu a carta precatória, somente tem a obrigação de intimar as partes quanto à expedição da carta
precatória. Não compete ao juízo deprecante intimar as partes quanto à data da audiência designada no juízo
deprecado.

15. CORRETO. Nos termos do art. 213 do CPP, o juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas
apreciações pessoais, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato. Isto é: quando não for possível separar
asapreciações pessoais da narrativa do fato, a testemunha poderá externá-las.

16. CORRETO. Caso o juiz não advirta o réu quanto ao direito ao silêncio, ter-se-á configurada, tão somente,
nulidade relativa, cuja declaração depende da comprovação do prejuízo (RHC 96.396/MG, Rel. Ministro
RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 7/6/2018, DJe 15/6/2018).

17. ERRADO. Caso o juiz verifique que a presença do réu na sala de audiência poderá causar humilhação,
temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do
depoimento, sua primeira opção é a oitiva da vítima ou testemunha por intermédio de videoconferência. É
dizer: a retirada do réu da sala de audiência não é a primeira opção, o que recorrentemente é cobrado em
provas de primeira fase. Caso não seja possível a realização da oitiva da vítima ou da testemunha por
videoconferência, aí sim é que o juiz determinará a retirada do réu da sala de audiência, prosseguindo na
inquirição, com a presença de seu defensor.

18. CORRETO. Conforme art. 201, §2º, do CPP, o ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao
ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos
acórdãos que a mantenham ou modifiquem, o que, por opção da vítima, poderá ocorrer por meio eletrônico
(art. 201, §3º, do CPP).

19. CORRETO. O art. 226, inciso III, do CPP, diz que, se houver razão para recear que a pessoa chamada para
o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que
deveser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela, o que visa garantir, não só
a livre produção da prova, mas também a segurança do reconhecedor. Todavia, o parágrafo único do art. 226
do CPP diz que o disposto no citado inciso III não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário
de julgamento. É dizer: de acordo com o Código, essa proteção ao reconhecedor somente vale na fase de
investigação. Na instrução criminal ou em plenário do Júri, o reconhecedor não teria esse direito, ou seja, a
pessoa que foi reconhecida saberia quem o reconheceu.

20. CORRETO. Não se reconhece ilegalidade no posicionamento do réu sozinho para o reconhecimento, pois
o art. 226, inciso II, do CPP, determina que o agente será colocado ao lado de outras pessoas que com ele
tiverem qualquer semelhança "se possível", sendo tal determinação, portanto, recomendável mas não
essencial (HC 7.802/RJ, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 20/5/1999, DJ 21/6/1999, p.
172).

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 4

21. ERRADO. Conforme art. 236 do CPP, os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua juntada
imediata, serão, se necessário, traduzidos por tradutor público, ou, na falta, por pessoa idônea nomeada pela
autoridade. Nesse contexto, pela redação do citado artigo, a juntada é sempre imediata, podendo haver ou
não a tradução do documento trazido as autos.

22. ERRADO. Se alguém é o legítimo destinatário da carta, isto é, a recebeu por meios lícitos, poderá exibi-la
em juízo, ainda que não haja consentimento do signatário, nos termos do parágrafo único do art. 233 do CPP.

23. ERRADO. Conforme art. 231 do CPP, salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar
documentos em qualquer fase do processo. Isto é: a qualquer momento, se não houver proibição legal, as
partes poderão juntar documentos aos autos. Atualmente, a exceção legal fica por conta do art. 479, caput,
do CPP.

24. ERRADO. Nos termos do art. 244 do CPP, a busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou
quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis
que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

25. ERRADO. A regra é que a busca pessoal em mulher seja feita por outra mulher. Contudo, se isto não for
possível, isto é, se importar retardamento ou prejuízo da diligência, a busca poderá ser feita por um homem,
nos termos do art. 249 do CPP.

26. ERRADO. De acordo com o art. 5º, inciso XI, da CF/88, c/c art. 245, caput, primeira parte, do CPP, não
havendo consentimento do morador, a busca domiciliar exigirá mandado judicial e deverá ser realizada
durante o dia.

27. ERRADO. Caso a vítima tenha morrido e o celular tenha sido entregue à polícia pela pessoa que ficou
viúva, a autoridade policial, independentemente de ordem judicial, pode acessar às mensagens contidas no
aparelho que lhe fora entregue (STJ. 6ª Turma. RHC 86.076-MT, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min.
Rogerio Schietti Cruz, julgado em 19/10/2017 - Info. 617).

28. CORRETO. Caso o celular tenha sido apreendido em cumprimento a mandado de busca e apreensão
domiciliar anteriormente expedido, ainda que não haja autorização expressa, poderá haver o acesso às
mensagens registras no aparelho. É dizer: a ordem de busca e apreensão determinada já é suficiente para
permitir o acesso aos dados dos aparelhos celulares apreendidos (STJ. 5ª Turma. RHC 77.232/SC, Rel. Min.
Felix Fischer, julgado em 3/10/2017).

29. CORRETO. Nos termos do §2º do art. 243 do CPP, não será permitida a apreensão de documento em
poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito. É dizer: a regra geral é
que não pode haver a apreensão de documento em poder do defensor do investigado ou acusado. Contudo,
se esse documento fizer parte do corpo de delito do crime apurado, poderá ser determinada a sua apreensão.

30. CORRETO. De acordo com o art. 5º, inciso XI, da CF/88, c/c art. 245, caput, primeira parte, do CPP, para
que a busca domiciliar ocorra durante a noite, é necessário consentimento do morador. Ademais, nos termos
do art. 245, §3º, do CPP, recalcitrando o morador, será permitido o emprego de força contra coisas existentes
no interior da casa, para o descobrimento do que se procura.

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5 SENTENÇA

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1. ATOS JURISDICIONAIS

Existem quatro espécies de atos jurisdicionais praticados pelo juiz ao longo do processo penal:

• Despachos: são atos desprovidos de qualquer carga decisória cujo objetivo é impulsionar o
processo, na forma do princípio do impulso oficial. Ex.: designação de audiência, determinação de
intimações, etc. Por não possuírem conteúdo decisório, são irrecorríveis.

• Decisões interlocutórias: são decisões que resolvem uma questão controversa, podendo ou não
acarretar a extinção do processo. São de três espécies:

• Decisões interlocutórias simples: resolvem uma controvérsia sem pôr fim ao processo. Ex.:
decretação de prisão preventiva, de quebra de sigilo telefônico, determinação de busca e
apreensão, etc. Em regra, são irrecorríveis, salvo se se enquadrarem nas hipóteses de recurso em
sentido estrito do art. 581 do CPP.

• Decisões interlocutórias mistas terminativas ou com força de definitiva: resolvem uma


controvérsia, colocando fim ao processo, mas sem apreciar o mérito da pretensão punitiva do
Estado. Ex.: decisão de impronúncia, acolhimento da exceção de coisa julgada, rejeição da peça
acusatória, etc.

• Decisões interlocutórias mistas não terminativas: colocam fim a uma etapa do procedimento,
não causando a extinção do processo. Ex.: decisão de pronúncia.

• Decisões definitivas: são aquelas que põem fim ao processo, julgando o mérito, mas sem avaliar
aprocedência ou improcedência da imputação. Elas afastam a pretensão punitiva estatal porque
reconhecem a existência de alguma causa extintiva de punibilidade. Ex.: decisão que reconhece a
prescrição da pretensão punitiva.

• Sentença: é a decisão terminativa do processo e definitiva quanto ao mérito, julgando a pretensão


punitiva do Estado como procedente, quando é condenatória, ou improcedente, quando é
absolutória.

A sentença absolutória pode ser ainda própria, quando declara a simples absolvição do réu, ou
imprópria, quando reconhece a inimputabilidade do réu e impõe a ele uma medida de segurança.

2. CLASSIFICAÇÃO DAS SENTENÇAS

As sentenças podem ser classificadas quanto aos efeitos, quanto à aptidão para produzir efeitos
imediatos e, por fim, quanto ao órgão jurisdicional prolator da decisão. Portanto, nota-se a seguir.

2.1. Quanto aos efeitos

• Declaratórias: limitam-se a declarar uma situação jurídica preexistente. Abrangem as sentenças


absolutórias, que apenas declaram a inocência do réu, e as que julgam extinta a punibilidade do
acusado. Para o STJ, inclui-se a decisão que concede o perdão judicial:

Súmula 18-STJ: A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção


da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 5

Ressalta-se que todas as sentenças têm um certo cunho declaratório, mas, para os fins dessa
classificação, importa o elemento que predomina.

• Condenatórias: são aquelas que julgam procedente a pretensão punitiva do Estado e aplicam
pena.

• Constitutivas: são raras no processo penal. Consistem em sentenças que constituem a


modificação de situação jurídica. Podem ser positivas, quando fazem surgir nova situação, ou
negativas, quando desconstituem um ato jurídico anterior. Ex.: sentença de habeas corpus que
determina o trancamento do inquérito policial, decisão concessiva de reabilitação criminal.

• Mandamentais: sentenças que contém uma ordem judicial a ser imediatamente cumprida. Ex.:
sentença de habeas corpus que determina a expedição de alvará de soltura ou de salvo-conduto
e mandado de segurança em matéria criminal.

• Executivas: sentenças que possuem uma eficácia executiva. Ex.: a que determina medida
assecuratória de sequestro.

2.2. Quanto à aptidão para produzir efeitos imediatos

• Executáveis: podem ser executadas imediatamente. Ex.: sentença absolutória, que acarreta a
imediata soltura do acusado.

• Não executáveis: não admitem execução imediata por estar pendente recurso com efeito
suspensivo.

• Condicionais: estão sob condição, necessitam de um acontecimento futuro e incerto. Ex.:


extinção de punibilidade pela suspensão condicional do processo, livramento condicional.

2.3. Quanto ao órgão jurisdicional prolator da decisão

• Decisões subjetivamente simples: proferidas por apenas uma pessoa, no juízo monocrático ou
singular.

• Decisões subjetivamente plúrimas: proferidas por órgão colegiado homogêneo. Ex.: câmaras e
turmas de tribunais.

• Decisões subjetivamente complexas: proferidas por órgão colegiado heterogêneo. Ex.: tribunal
do júri, em que o Conselho de Sentença decide sobre o crime doloso contra a vida e o juiz
presidente fixa a pena.

Classificação da doutrina italiana:


A classificação da doutrina italiana por vezes é cobrada em prova:

• Sentença suicida: o dispositivo está em contradição com sua fundamentação, sendo nula, mas
sanável por embargos de declaração.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 5

• Sentença vazia: passível de anulação por falta de fundamentação. É absolutamente nula, por
violação do art. 93, IX, da CF/88.

• Sentença autofágica: é aquela que reconhece a imputação, mas declara extinta a punibilidade.
Ex.: sentença que reconhece o perdão judicial.

3. ESTRUTURA E REQUISITOS DA SENTENÇA

O art. 381 do CPP traz os requisitos da sentença:

Art. 381. A sentença conterá:


I - os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações necessárias para identificá-
las;
II - a exposição sucinta da acusação e da defesa;
III - a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;
IV - a indicação dos artigos de lei aplicados;
V - o dispositivo;
VI - a data e a assinatura do juiz.

Esses requisitos são divididos em intrínsecos, que correspondem ao relatório, fundamentação e


dispositivo, e extrínsecos, relacionados à autenticação da decisão.

O relatório consiste no resumo dos acontecimentos relevantes do processo, na descrição sucinta do


que foi alegado por autor e réu. A ausência de relatório é causa de nulidade absoluta da sentença, nos termos
do art. 564, IV, do CPP. Porém, é importante lembrar que ele é legalmente dispensado no procedimento
sumaríssimo (art. 81, §3º, da Lei n.º 9.099/95).

Todas as decisões do Poder Judiciário devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade absoluta (art.
93, IX, da CF/88). A fundamentação abrange os fundamentos de fato e de direito da decisão judicial. Ela
possui duas funções.

De acordo com a função endoprocessual, a motivação das decisões possibilita que as partes delas
recorram, ao mesmo tempo que possibilita que o órgão revisor examine a legalidade e a coerência das
decisões.

A função extraprocessual, por sua vez, relaciona-se com a sociedade, permitindo à coletividade aferir
se o magistrado decidiu com imparcialidade, passando a ser uma garantia da própria jurisdição.

Sobre o assunto, cabe destacar a fundamentação per relationem ou aliunde, também chamada de
motivação referenciada, por referência ou por remissão. Trata-se da encampação pelo juiz das alegações
das partes em sua fundamentação, reproduzindo-as.

Para o STJ, a reprodução dos fundamentos declinados pelas partes ou pelo órgão do Ministério
Público ou mesmo de outras decisões proferidas nos autos da demanda (ex: sentença de 1ª instância) atende
ao art. 93, IX, da CF/88. Entretanto, é importante atentar ao seguinte julgado:

É nulo o acórdão que se limita a ratificar a sentença e a adotar o parecer ministerial, sem
sequer transcrevê-los, deixando de afastar as teses defensivas ou de apresentar
fundamento próprio. Isso porque, nessa hipótese, está caracterizada a nulidade absoluta
do acórdão por falta de fundamentação.
A jurisprudência admite a chamada fundamentação per relationem, mas desde que o
julgado faça referência concreta às peças que pretende encampar, transcrevendo delas
partes que julgar interessantes para legitimar o raciocínio lógico que embasa a conclusão

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 5

a que se quer chegar. [STJ. 6ª Turma. HC 214.049-SP, Rel. originário Min. Nefi Cordeiro, Rel.
para acórdão Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 5/2/2015 (Info 557)]

A Lei n.º 13.964/19 (Pacote Anticrime) acrescentou o §2º ao art. 315 do CPP, o qual se trata de
reprodução do art. 489, §1º, do CPC, trazendo um rol exemplificativo de hipóteses em que as decisões não
serão consideradas fundamentadas:

Art. 315 (...)


§2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória,
sentença ou acórdão, que:
I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua
relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua
incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese,
infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus
fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles
fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela
parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação
do entendimento.

Junto com esse dispositivo, veio também a previsão de nulidade em decorrência de decisão carente
de fundamentação (art. 564, V).

A exceção à fundamentação está presente no Tribunal do Júri, tendo em vista que as decisões dos
jurados não precisam ser motivadas, tendo em vista que uma das garantias do júri é o sigilo das votações,
nos termos do art. 5º, XXXVIII, da CF/88.

Porém, essa dispensa aplica-se apenas aos jurados, pois há a necessidade de o juiz presidente
fundamentar a pena a ser aplicada, conforme o sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão
racional.

Por sua vez, o dispositivo constitui a conclusão da decisão do magistrado, onde consta a absolvição
ou a pena a ser aplicada. A ausência de dispositivo é hipótese de inexistência jurídica do provimento judicial,
tendo em vista que decisão sem dispositivo não é decisão.

Por fim, a autenticação da decisão, requisito extrínseco da sentença, consiste na aposição de data e
assinatura e na rubrica do juiz em todas as suas páginas caso seja digitada (art. 388). A doutrina majoritária
entende que a ausência de assinatura torna a sentença inexistente, havendo entendimento no sentido de
que consiste em mera irregularidade, desde que ainda seja possível que o juiz aponha validamente sua
assinatura.

4. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA

A sentença absolutória subdivide-se em:

• Sentença absolutória própria: é aquela que julga improcedente a pretensão punitiva do Estado,
reconhecendo o estado de inocência do acusado.

• Sentença absolutória imprópria: reconhece a prática de um ato típico e ilícito por um


inimputável, nos termos do art. 26 do Código Penal, impondo-lhe uma medida de segurança.

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• Sentença absolutória sumária: quando o juiz reconhece a presença de uma das circunstâncias
dos art. 397 ou 415 do CPP, julgando antecipadamente o mérito e absolvendo sumariamente o
acusado:

Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz
deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:
I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;
II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo
inimputabilidade;
III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou
IV - extinta a punibilidade do agente.

Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:


I - provada a inexistência do fato;
II - provado não ser ele autor ou partícipe do fato;
III - o fato não constituir infração penal;
IV - demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

• Sentença absolutória sumária imprópria: há o julgamento antecipado da demanda, absolvendo


sumariamente o acusado inimputável nos termos do art. 26 do Código Penal, mas impondo
medida de segurança.

Como estudado anteriormente, o art. 397, II, do CPP (acima transcrito) veda a possibilidade de
absolvição sumária imprópria no procedimento comum, mas o art. 415, parágrafo único, o permite no
procedimento do júri, desde que seja a única tese defensiva.

• Sentença absolutória anômala: terminologia usada por poucos doutrinadores para se referir à
sentença que concede o perdão judicial. É chamada anômala porque não consiste numa
absolvição de fato.

Há intensa controvérsia na doutrina quanto à natureza jurídica da decisão que concede o perdão
judicial. Há quem entenda que, na realidade, trata-se de sentença condenatória, tendo em vista que o juiz
somente perdoa o acusado nas hipóteses permitidas em lei e após a apreciação da prova. Porém, prevalece
o entendimento sumulado no Enunciado n.º 18 do STJ:

Súmula 18-STJ: A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da


punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.

O art. 386 traz um rol taxativo de casos de absolvição:

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que
reconheça:
I - estar provada a inexistência do fato;
II - não haver prova da existência do fato;
III - não constituir o fato infração penal;
IV - estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
V - não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
VI - existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21,
22, 23, 26 e §1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida
sobre sua existência;
VII - não existir prova suficiente para a condenação.

Os incisos II, V e VII são baseados no princípio in dubio pro reo. Os casos elencados nos incisos I e IV
afastam a responsabilidade civil do acusado. Já quanto ao inciso VI, o art. 65 do CPP afirma que faz coisa

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julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em
legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Porém, a legítima defesa putativa e o erro na execução do crime (aberratio ictus) permitem a
indenização cível, bem como se, em havendo estado de necessidade, a pessoa lesada ou o dono da coisa
atingida não for o causador do perigo, terá direito à indenização. Nesse caso, cabe ação regressiva do acusado
absolvido contra o causador do perigo.

Ressalta-se que o erro de direito, as excludentes de culpabilidade do art. 22 do Código Penal e a


embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior não afastam a possibilidade de ação civil
indenizatória.

Os efeitos da absolvição são previstos no parágrafo único:

Art. 386 (...)


Parágrafo único. Na sentença absolutória, o juiz:
I - mandará, se for o caso, pôr o réu em liberdade;
II - ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas;
III - aplicará medida de segurança, se cabível.

A doutrina menciona outros efeitos da sentença absolutória: restituição da fiança (art. 337),
impossibilidade de novo processo em face da mesma imputação, levantamento do sequestro (art. 131, III),
do arresto ou cancelamento da hipoteca (art. 141) e retirada da identificação fotográfica dos autos do
processo.

5. SENTENÇA CONDENATÓRIA

Inicialmente, cabe pontuar que, nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença
condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer
agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada (art. 385).

Há posição doutrinária minoritária que defende que as circunstâncias agravantes não podem ser
reconhecidas de ofício pelo juiz, sob pena de violação do sistema acusatório, do contraditório, da ampla
defesa e do devido processo legal. Entretanto, os tribunais superiores consideram que o dispositivo foi
recepcionado pela Constituição (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1612551/RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, julgado em 2/2/2017. STJ. 6ª Turma. HC 381.590/SC, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado
em 6/6/2017).

Por outro lado, na ação penal privada, caso o querelante requeira a absolvição do acusado, o
juiz deverá julgar extinta a punibilidade por perempção, nos termos do art. 60, III, do CPP.

A sentença condenatória é tratada no art. 387:

Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:


I - mencionará as circunstâncias agravantes ou atenuantes definidas no Código Penal, e cuja
existência reconhecer;
II - mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva ser levado em
conta na aplicação da pena, de acordo com o disposto nos arts. 59 e 60 do Decreto-Lei
nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
III - aplicará as penas de acordo com essas conclusões;
IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os
prejuízos sofridos pelo ofendido;

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 5

V - atenderá, quanto à aplicação provisória de interdições de direitos e medidas de


segurança, ao disposto no Título XI deste Livro;
VI - determinará se a sentença deverá ser publicada na íntegra ou em resumo e designará
o jornal em que será feita a publicação (art. 73, §1º, do Código Penal).
§1º O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição
de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de
apelação que vier a ser interposta.
§2º O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou
no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena
privativa de liberdade.

Merece especial atenção o inciso IV, que fala sobre a fixação do valor mínimo para reparação dos
danos causados pela infração.

Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado
nos termos do inciso IV do art. 387 sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido
(art. 63, parágrafo único). Ou seja, a vítima poderá executar desde logo este valor mínimo e pleitear um valor
maior que o fixado na sentença, bastando, para isso, que prove que os danos que sofreu foram maiores que
a quantia estabelecida na sentença. Essa prova é feita em fase de liquidação pelo procedimento comum,
regulado pelos arts. 509, I, e 511 do CPC.

A natureza jurídica dessa fixação do valor mínimo de reparação consiste em efeito extrapenal
genérico da condenação. Entretanto, para que seja possível, é necessária a presença de alguns requisitos:

• pedido expresso e formal, feito pelo Ministério Público ou pelo ofendido, a fim de que seja
oportunizado ao réu o contraditório e sob pena de violação ao princípio da ampla defesa (STJ. 5ª
Turma. HC 321279/PE, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Des. Conv. do TJ/PE), julgado em
23/6/2015);

• existirem provas nos autos que demonstrem os prejuízos sofridos pela vítima em decorrência do
crime (STJ. 5ª Turma. REsp 1236070/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/3/2012);

• requerimento formulado na peça acusatória, não sendo possível que ele seja feito em momentos
posteriores.

A maior parte da doutrina defende que a fixação de ofício pelo magistrado configuraria julgamento
extra petita. Há entendimento doutrinário no sentido de que esse julgamento extra petita é autorizado, pois
seria um pedido implícito.

Importa ressaltar que a legitimidade para requerer a fixação do valor mínimo somente recai sobre o
Ministério Público quando a ação penal é pública. Nesta, para a vítima ter legitimidade, deverá ter se
habilitado como assistente da acusação. Na ação penal privada, a legitimidade é apenas do querelante.

É possível que a fixação desse valor mínimo abranja os danos morais sofridos pela vítima, assim
como danos morais coletivos:

O juiz, ao proferir sentença penal condenatória, no momento de fixar o valor mínimo para
a reparação dos danos causados pela infração (art. 387, IV, do CPP), pode, sentindo-se apto
diante de um caso concreto, quantificar, ao menos o mínimo, o valor do dano moral sofrido
pela vítima, desde que fundamente essa opção. Isso porque o art. 387, IV, não limita a
indenização apenas aos danos materiais e a legislação penal deve sempre priorizar o
ressarcimento da vítima em relação a todos os prejuízos sofridos. [STJ. 6ª Turma. REsp
1585684-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 9/8/2016 (Info 588)]

O réu que praticou corrupção passiva pode ser condenado, no âmbito do próprio processo
penal, a pagar danos morais coletivos.

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O ordenamento jurídico tutela, no âmbito da responsabilidade, o dano moral não apenas


na esfera individual como também na coletiva, conforme previsto no inciso X do art. 5º da
Constituição Federal e no art. 186 do Código Civil. Destaque-se ainda a previsão do inciso
VIII do art. 1º da Lei nº 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública). [STF. 2ª Turma. AP 1002/DF, Rel.
Min. Edson Fachin, julgado em 9/6/2020 (Info 981)]

Caso não haja pedido expresso ou, ainda, sendo a causa cível complexa, o magistrado deverá remeter
as partes ao juízo cível.

O julgamento da fixação do valor mínimo é impugnável por meio de apelação, com fundamento no
art. 593, I, do CPP. Caso o juiz não reconheça o valor mínimo, a legitimidade para recorrer é tanto do
Ministério Público quanto da vítima. Porém, se o juiz fixa valor abaixo do esperado, a legitimidade é apenas
da vítima, na qualidade de assistente da acusação. O que não cabe é o habeas corpus:

A via processual do habeas corpus não é adequada para impugnar a reparação civil fixada
na sentença penal condenatória, com base no art. 387, IV do CPP, tendo em vista que a sua
imposição não acarreta ameaça, sequer indireta ou reflexa, à liberdade de locomoção.[STJ.
6ª Turma. AgRg no AgRg no REsp 1519523/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
julgado em 1/10/2015]

Ressalta-se que o inciso IV do art. 387 teve sua redação alterada pela Lei n.º 11.719, de 2008. O STJ
e o STF decidiram que essa é uma é norma híbrida, de direito processual e material, razão pela qual não se
aplica a delitos praticados antes da sua entrada em vigor (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1.206.643/RS, Rel.
Min. Nefi Cordeiro, julgado em 12/2/2015. STJ. 5ª Turma. REsp 1.193.083-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado
em 20/8/2013. STF. Plenário. RvC 5437/RO, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/12/2014) (Info 772).

Importa ressaltar que, extinta a condenação pela prescrição, extingue-se também a condenação
pecuniária fixada como reparação dos danos causados à vítima, nos termos do art. 387, IV do CPP, pois dela
decorrente, ficando ressalvada a utilização de ação cível, caso a vítima entenda que haja prejuízos a serem
reparados (STJ. 6ª Turma. EDcl no AgRg no REsp 1260305/ES, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
12/3/2013).

Por fim, importa ressaltar que, extinta a condenação pela prescrição, extingue-se também a
condenação pecuniária fixada como reparação dos danos causados à vítima, nos termos do art. 387, IV, do
CPP, pois dela decorrente, ficando ressalvada a utilização de ação cível, caso a vítima entenda que haja
prejuízos a serem reparados (STJ. 6ª Turma. EDcl no AgRg no REsp 1260305/ES, Rel. Min. Sebastião Reis
Júnior, julgado em 12/3/2013).

Enunciado 27 da I Jornada de Direito e Processo Penal STJ/CJF: As obrigações pecuniárias


(pena de multa, custas processuais e obrigação de reparar os danos), advindas da sentença
penal condenatória recorrível, não podem ser executadas antes do trânsito em julgado.

6. PUBLICAÇÃO E INTIMAÇÃO DA SENTENÇA

A publicação da sentença criminal não ocorre com a sua divulgação por meio da imprensa oficial,
mas sim com sua entrega em mãos ao escrivão:

Art. 389. A sentença será publicada em mão do escrivão, que lavrará nos autos o respectivo
termo, registrando-a em livro especialmente destinado a esse fim.

Ressalta-se que o STJ não considera o mero lançamento da movimentação dos autos na internet
como publicação se não cumprida a formalidade do dispositivo acima:

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 5

Havendo dúvida resultante da omissão cartorária em certificar a data de recebimento da


sentença conforme o art. 389 do CPP, não se pode presumir a data de publicação com o
mero lançamento de movimentação dos autos na internet, a fim de se verificar a ocorrência
de prescrição da pretensão punitiva. [STJ. 6ª Turma. HC 408.736-ES, Rel. Min. Maria Thereza
de Assis Moura, julgado em 6/2/2018 (Info 619)]

Porém, se prolatada oralmente em audiência ou lida no júri, dispensa-se a certidão nos autos, pois a
ata de audiência ou o termo de julgamento do júri a substitui.

Uma vez publicada, a sentença somente poderá ser alterada por meio de acolhimento de embargos
de declaração ou para correção de erros materiais, sem qualquer alteração do mérito:

Art. 382. Qualquer das partes poderá, no prazo de 2 (dois) dias, pedir ao juiz que declare a
sentença, sempre que nela houver obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão.

O escrivão, dentro de três dias após a publicação, e sob pena de suspensão de cinco dias, dará
conhecimento da sentença ao órgão do Ministério Público (art. 390).

As intimações ocorrem das seguintes maneiras:

Art. 391. O querelante ou o assistente será intimado da sentença, pessoalmente ou na


pessoa de seu advogado. Se nenhum deles for encontrado no lugar da sede do juízo, a
intimação será feita mediante edital com o prazo de 10 dias, afixado no lugar de costume.

Art. 392. A intimação da sentença será feita:


I - ao réu, pessoalmente, se estiver preso;
II - ao réu, pessoalmente, ou ao defensor por ele constituído, quando se livrar solto, ou,
sendo afiançável a infração, tiver prestado fiança;
III - ao defensor constituído pelo réu, se este, afiançável, ou não, a infração, expedido o
mandado de prisão, não tiver sido encontrado, e assim o certificar o oficial de justiça;
IV - mediante edital, nos casos do nº II, se o réu e o defensor que houver constituído não
forem encontrados, e assim o certificar o oficial de justiça;
V - mediante edital, nos casos do n º III, se o defensor que o réu houver constituído
também não for encontrado, e assim o certificar o oficial de justiça;
VI - mediante edital, se o réu, não tendo constituído defensor, não for encontrado, e assim
o certificar o oficial de justiça.
§1º O prazo do edital será de 90 dias, se tiver sido imposta pena privativa de liberdade
por tempo igual ou superior a um ano, e de 60 dias, nos outros casos.
§2º O prazo para apelação correrá após o término do fixado no edital, salvo se, no curso
deste, for feita a intimação por qualquer das outras formas estabelecidas neste artigo.

O art. 388 do CPP afirma que a sentença poderá ser datilografada e neste caso o juiz a rubricará em
todas as folhas. É necessário fazer uma interpretação progressiva desse dispositivo, entendendo-se que a
sentença poderá ser digitada, ainda mais considerando-se a atual realidade dos processos eletrônicos.

Em 2019, a 3ª Seção do STJ decidiu que a sentença registrada por meio audiovisual e sem transcrição
é válida, por ser medida que garante maior segurança e celeridade, não sendo possível negar validade ao
registro da imagem e voz do juiz:

É válida a sentença proferida de forma oral na audiência e registrada em meio audiovisual,


ainda que não haja a sua transcrição.
O §2º do art. 405 do CPP, que autoriza o registro audiovisual dos depoimentos, sem
necessidade de transcrição, deve ser aplicado também para os demais atos da audiência,
dentre eles os debates orais e a sentença.
O registro audiovisual da sentença prolatada oralmente em audiência é uma medida que
garante mais segurança e celeridade.
Não há sentido lógico em se exigir a degravação da sentença registrada em meio
audiovisual, sendo um desserviço à celeridade.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 5

A ausência de degravação completa da sentença não prejudica o contraditório nem a


segurança do registro nos autos, do mesmo modo que igualmente ocorre com a prova oral.
[STJ. 3ª Seção. HC 462.253/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 28/11/2018, DJe
4/2/2019]

7. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE ACUSAÇÃO E SENTENÇA OU PRINCÍPIO


DA CONGRUÊNCIA

Segundo o referido princípio, a sentença deve guardar relação com o fato delituoso descrito na
denúncia ou queixa, sendo vedado ao juiz realizar julgamento extra petita, reconhecendo outro crime que
não foi descrito na peça acusatória, ou ultra petita, reconhecendo uma qualificadora não imputada ao
acusado, sob pena de violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

Diferentemente da esfera processual civil, no processo penal, a correlação entre a peça acusatória e
a sentença não se limita ao pedido, pois este é sempre genérico, requerendo a condenação do acusado. O
que deve ser analisado é a causa petendi, ou seja, os fatos descritos na peça acusatória. É nesse sentido a
aplicação do referido princípio pelos tribunais superiores, explicado pelo Dizer o Direito:

O princípio da congruência preconiza que o acusado defende-se dos fatos descritos na


denúncia e não da capitulação jurídica nela estabelecida.
Assim, para que esse princípio seja respeitado é necessário apenas que haja a correlação
entre o fato descrito na peça acusatória e o fato pelo qual o réu foi condenado, sendo
irrelevante a menção expressa na denúncia de eventuais causas de aumento ou
diminuição de pena.
Ex: o MP ajuizou ação penal contra o réu por sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90).
Na denúncia, o MP não pediu expressamente que fosse reconhecida a majorante do art. 12,
I. Pediu-se apenas a condenação do acusado pelo crime do art. 1º, I. No entanto, apesar
disso, na exordial o membro do MP narrou que o réu sonegou tributos em montante
superior a R$ 4 milhões. O juiz, na sentença, ao condenar o réu, poderá reconhecer a
incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 12, I, porque o fato que ela
representa (vultosa quantia sonegada que gera dano à coletividade) foi narrado, apesar
de não haver menção expressa ao dispositivo legal.
[STF. 2ª Turma. HC 129284/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 17/10/2017 (Info
882)]
[STF. 2ª Turma. HC 123733/AL, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/9/2014 (Info 759)]

Dessa forma, o fato delituoso a ser reconhecido pelo juiz deverá encontrar perfeita correspondência
ao fato imputado ao acusado na peça acusatória. O magistrado está adstrito aos exatos termos do que
foi narrado na denúncia ou queixa. Se na peça acusatória estiver narrada a circunstância que configura a
causa de aumento de pena, não é indispensável que o MP (ou o querelante) requeira a condenação com base
no dispositivo legal no qual está prevista a causa de aumento.

A inobservância do referido princípio provoca a nulidade absoluta do feito. Dois institutos


intimamente ligados a ele são a emendatio libelli e a mutatio libelli, estudados a seguir.

7.1. Emendatio libelli

A emendatio libelli consiste na modificação da definição jurídica do fato, mera adequação dos fatos
narrados na peça acusatória à correta tipificação legal, feita de ofício pelo juiz. Ou seja, o juiz altera a
definição jurídica (a capitulação do tipo penal) do fato narrado na peça acusatória, sem, no entanto,

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 5

acrescentar qualquer circunstância ou elementar que já não esteja descrita na denúncia ou queixa, não
havendo necessidade de aditamento da inicial e de oitiva da defesa.

O instituto é regulado pelo art. 383 do CPP:

Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá
atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena
mais grave.
§1º Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de
suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.
§2º Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os
autos.

Esse procedimento é possível e não configura cerceamento de defesa nem violação ao princípio da
congruência sob a justificativa de que o acusado se defende dos fatos narrados na peça acusatória e não da
tipificação legal que lhe é dada.

Existem três formas de emendatio libelli segundo a doutrina:

• Emendatio libelli por defeito de capitulação: o juiz profere a sentença em conformidade exata
com o fato narrado na inicial acusatória, porém reconhecendo a subsunção do fato delituoso à
classificação distinta daquela constante na inicial. Ex.: quando o magistrado reconhece causa de
aumento de pena descrita na inicial.

• Emendatio libelli por interpretação diferente: a imputação fática não é alterada, mas o juiz faz
interpretação diversa da feita pelo Ministério Público ou querelante quanto à tipificação do fato.
Ex.: quando o acusado é denunciado por roubo consumado, mas a narrativa é referente a roubo
tentado.

• Emendatio libelli por supressão de elementar e/ou circunstância: o magistrado atribui nova
capitulação ao fato imputado em razão de a instrução probatória revelar a ausência de elementar
ou circunstância descrita na inicial. Não será mutatio libelli, pois não se trata de acrescentar, mas
sim subtrair elementares ou circunstâncias. Ex.: o acusado é denunciado por furto qualificado
pelo emprego de chave falsa, mas essa circunstância não resta comprovada.

E qual o momento processual em que deve ocorrer a emendatio libelli?

O órgão jurisdicional (juiz ou Tribunal) não tem competência para substituir-se ao Ministério Público,
titular da ação penal pública, e retificar (consertar) a classificação jurídica proposta na denúncia.

Por esse motivo, o entendimento dominante é o de que, em regra, o momento adequado


para a emendatio libelli é na prolação da sentença e não no recebimento da denúncia. Isso se justifica,
ainda, pela posição topográfica do art. 383 no CPP (que está no título que trata sobre sentença) e pelo fato
de que o acusado se defende dos fatos imputados, e não da classificação que lhes atribuem.

De forma excepcional, jurisprudência e doutrina afirmam que é possível antecipar o momento


da emendatio libelli nas hipóteses em que a inadequada subsunção típica (tipificação):

• macular a competência absoluta;

• macular o adequado procedimento; ou

• restringir benefícios penais por excesso de acusação.

STJ. 6ª Turma. HC 241206-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/11/2014 (Info 553).

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 5

STJ. 5ª Turma. HC 258581/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 18/2/2016.

Ao contrário da mutatio libelli, a emendatio libelli pode ser aplicada em segunda instância, como
corolário da devolutividade recursal vertical ampla, desde que, sendo recurso exclusivo da defesa, não
implique em reformatio in pejus:

É possível a realização de emendatio libelli em segunda instância no julgamento de recurso


exclusivo da defesa, desde que não gere reformatio in pejus, nos termos do art. 617 do CPP.
[STF. 2ª Turma.HC 134.872/PR, Rel. Min. Dias Tóffoli, julgado em 27/3/2018 (Info 895)]

É possível que o Tribunal, no julgamento de um recurso contra a sentença, faça emendatio


libelli. No entanto, se o recurso era exclusivo da defesa, o Tribunal não pode causar uma
piora na situação do réu, já que isso significa reformatio in pejus.
No caso concreto, a pena imposta permaneceu a mesma. No entanto, mesmo assimhouve
um agravamento na situação do réu. Isso porque uma condenação por crime contra a
Administração Pública (peculato) é mais grave e traz maiores efeitos deletérios do que uma
condenação por crime contra o patrimônio (furto). Segundo o art. 33, §4º, do CP, os
condenados pela prática de crime contra a Administração Pública somente podem obter a
progressão de regime se efetuarem previamente a reparação do dano causado ou a
devolução do produto do ilícito praticado.
Na espécie, apesar de ter sido aplicado o regime inicial aberto ao condenado, não se pode
descartar que, durante a execução da reprimenda, ele poderá eventualmente sofrer a
regressão de regime e, nesse caso, seria prejudicado.
Desse modo, a análise da ocorrência ou não de reformatio in pejus não pode ficar restrita
ao quantum da pena aplicada, devendo ser analisados os outros efeitos da condenação.
[STF. 2ª Turma. HC 121089/AP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/12/2014 (Info
770)]

7.2. Mutatio libelli

A mutatio libelli ocorre quando, no curso da instrução processual, surge prova de alguma elementar
ou circunstância que não havia sido narrada expressamente na denúncia ou queixa. Ou seja, ao contrário da
emendatio libelli, há uma alteração nos fatos, sendo necessário o aditamento da inicial acusatória pelo
Ministério Público, a oitiva da defesa e a renovação da instrução processual, sob pena de violação dos
princípios do contraditório, da ampla defesa e da congruência.

No presente caso, é necessário fazer uma distinção entre fato novo e fato diverso. Fato novo consiste
num acontecimento criminoso totalmente diferente daqueles do núcleo essencial da imputação, não
guardando qualquer relação com o fato inicialmente imputado. Fato diverso é configurado quando os
elementos de seu núcleo essencial correspondem parcialmente aos fatos da imputação, com acréscimo de
algum elemento que a modifique.

A mutatio libelli somente se aplica aos fatos diversos. O fato novo substitui integralmente a
imputação originária, sendo possível o oferecimento de uma inicial acusatória autônoma.

O instituto é regulado pelo art. 384 do CPP:

Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do
fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da
infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou
queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo
em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.
§1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste
Código.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 5

§2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o


juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da
audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de
debates e julgamento.
§3º Aplicam-se as disposições dos §§1º e 2º do art. 383 ao caput deste artigo.
§4º Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo
de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento.
§5º Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá.

Importa ressaltar que a realização de aditamento da inicial acusatória pelo Ministério Público é
obrigatória, independentemente se o novo crime a ser imputado tenha pena superior ou inferior àquele
descrito na inicial acusatória, podendo ser espontâneo ou provocado.

Ressalta-se que o §1º do dispositivo acima faz referência ao art. 28 do CPP com redação anterior à
dada pela Lei n.º 13.964/19 (Pacote Anticrime), a qual, inclusive, encontra-se suspensa por tempo
indeterminado em razão de decisão do STF. No entanto, não se vislumbra impossibilidade de remessa ao
órgão revisor do Ministério Público pelo juiz.

Considerando-se essa possibilidade, portanto, independentemente de se aplicar a antiga ou a nova


redação do art. 28, poderá haver três caminhos:

• o órgão superior do Ministério Público oferece o aditamento;

• o órgão superior do Ministério Público designa outro membro para promover o aditamento,
atuando em nome daquele;

• o órgão superior do Ministério Público discorda que seja caso de mutatio libellie não oferece o
aditamento: o juiz nada poderá fazer, devendo julgar o feito de acordo com a inicial acusatória.

Há ainda a possibilidade de oferecimento do aditamento pelo ofendido, aplicando-se por analogia o


art. 29 do CPP, que trata sobre a ação penal privada subsidiária da pública.

Existem duas modalidades de aditamento:

• Aditamento próprio: ocorre quando há o acréscimo de determinados elementos à inicial


acusatória que eram desconhecidos no momento de seu oferecimento. Esse aditamento é
subdividido da seguinte maneira:

• Aditamento real ou objetivo: acrescenta fatos à peça acusatória até então desconhecidos.

• Aditamento pessoal ou subjetivo: acrescenta acusados à peça acusatória até então


desconhecidos.

• Aditamento impróprio: não se acrescenta fato ou acusado novo, mas corrige-se uma falha na
denúncia relativa ao fato.

Segundo Aury Lopes Jr., a ação penal privada somente admite o aditamento impróprio, desde que
até o momento da sentença, nos termos do art. 569 do CPP, e durante o prazo decadencial de seis meses:

Art. 569. As omissões da denúncia ou da queixa, da representação, ou, nos processos das
contravenções penais, da portaria ou do auto de prisão em flagrante, poderão ser supridas
a todo o tempo, antes da sentença final.

O autor afirma que o aditamento próprio real viola os princípios da oportunidade e da conveniência
da ação penal, bem como o aditamento próprio pessoal viola o princípio da indivisibilidade, devendo haver
o ajuizamento de nova queixa-crime em ambos os casos, exceto na hipótese de o querelante já ter

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 5

conhecimento da presença de coautores ou partícipes, quando deverá haver extinção de punibilidade para
todos, configurando-se renúncia tácita, nos termos do art. 49 do CPP.

Nesse sentido, é majoritário o entendimento de que a mutatio libelli somente pode ser realizada na
ação penal pública e na ação penal privada subsidiária da pública, uma vez que o caput do art. 384 aduz
que o Ministério Público adita a denúncia ou queixa.

Nos termos do §4º acima transcrito, o juiz está adstrito aos termos do aditamento, o que significa
que ele não pode condenar o acusado com base na imputação da inicial acusatória, não havendo imputação
alternativa objetiva superveniente restrita, ou seja, o aditamento substitui a imputação originária.

Entretanto, em situação excepcional, se o aditamento apenas acrescenta uma circunstância


qualificadora, é possível que o juiz condene o acusado no tipo penal simples. O mesmo é em relação ao crime
tentado e consumado, desde que haja descrição:

O réu denunciado por crime na forma consumada pode ser condenado em sua forma
tentada, mesmo que não tenha havido aditamento à denúncia. A tentativa não é uma figura
autônoma, pois a vontade contrária ao direito existente na tentativa é igual à do delito
consumado. O delito pleno (consumado) e a tentativa não são duas diferentes modalidades
de crime, mas somente uma diferente manifestação de um único delito. [STJ. 6ª Turma. HC
297551-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/3/2015 (Info 557)]

Quando na denúncia não houver descrição sequer implícita de circunstância elementar da


modalidade culposa do tipo penal, o magistrado, ao proferir a sentença, não pode
desclassificar a conduta dolosa do agente (assim descrita na denúncia) para a forma
culposa do crime, sem a observância do regramento previsto no art. 384, caput, do CPP.
A prova a ser produzida pela defesa, no decorrer da instrução criminal, para comprovar a
ausência do elemento subjetivo do injusto culposo ou doloso, é diversa. Em outras palavras,
a prova que o réu tem que produzir para provar que não agiu com negligência, imprudência
ou imperícia é diferente da prova que deverá produzir para demonstrar que não agiu com
dolo (vontade livre e consciente). Assim, se a denúncia não descreve sequer implicitamente
o tipo culposo, a desclassificação da conduta dolosa para a culposa, ainda que represente
aparente benefício à defesa, em razão de imposição de pena mais branda, deve observar a
regra inserta no art. 384, caput, do CPP a fim de possibilitar a ampla defesa. [STJ. 6ª Turma.
REsp 1388440-ES, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 5/3/2015 (Info 557)]

Assim como no recebimento da denúncia, da decisão que acolhe o aditamento não cabe recurso,
mas é possível a impetração de habeas corpus, enquanto que a rejeição do aditamento desafia recurso em
sentido estrito, por interpretação extensiva do art. 581, I, do CPP. Se a rejeição ocorrer na sentença, será
cabível apelação.

Em relação à prescrição, Aury Lopes Jr. defende que o recebimento do aditamento próprio real ou
pessoal implica em interrupção da prescrição, tendo em vista que ele tem efeito de nova denúncia, enquanto
o recebimento de aditamento impróprio não interrompe a prescrição, sendo considerada a data do
recebimento da denúncia.

Os tribunais superiores entendem que o recebimento de aditamento que acrescenta novo fato é
causa interruptiva da prescrição somente em relação àquele novo fato. O STJ já decidiu que o recebimento
do aditamento da denúncia que inclua corréu também interrompe a prescrição.

A mutatio libelli não pode ser aplicada na fase recursal, pois se um tribunal aprecia um fato não
valorado pelo juiz de primeiro grau, configura-se supressão de instância e violação do princípio do duplo grau
de jurisdição:

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 5

Súmula 453, STF: “Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único80 do
Códigode Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em
virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou
queixa”.

Assim como na emendatio libelli, se, após o aditamento, for cabível a suspensão condicional do
processo, deve ser aberta vista ao Ministério Público para que ofereça a proposta. Da mesma forma, havendo
desclassificação para crime de competência de outro juízo, a ele devem ser remetidos os autos.

Para finalizar, observe o quadro comparativo abaixo:

EMENDATIO LIBELLI MUTATIO LIBELLI


O autor narra os fatos e os tipifica corretamente, mas,
O autor narra corretamente os fatos, mas dá na instrução criminal, surgem provas novas a respeito
tipificação legal errônea a eles. de elemento ou circunstância da infração penal não
narrados na inicial acusatória.
O juiz pode realizar de ofício, sem necessidade de O juiz não pode realizar de ofício, devendo
aditamento da denúncia ou oitiva da defesa oportunizar o aditamento da denúncia pela acusação
Pode ser aplicada em segunda instância. Não pode ser aplicada em segunda instância.

Havendo duas sentenças criminais transitadas em julgado envolvendo fatos idênticos, qual deverá
prevalecer?

Em 2018, o STJ determinou o seguinte, que também consta em precedente do STF:

Diante do trânsito em julgado de duas sentenças condenatórias contra o mesmo


condenado, por fatos idênticos, deve prevalecer a condenação que transitou em primeiro
lugar. [STJ. 6ª Turma. RHC 69586-PA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Rogerio
Schietti Cruz, julgado em 27/11/2018 (Info 642)]

Você deve se atentar mais ainda, pois, no final de 2019, o STJ entendeu de forma diferente para as
sentenças cíveis:

Havendo conflito entre sentenças transitadas em julgado deve valer a coisa julgada
formada por último, enquanto não invalidada por ação rescisória. [STJ. Corte Especial.
EAREsp 600811/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 4/12/2019]

Dessa forma, tem-se:

SENTENÇA CÍVEL SENTENÇA PENAL


Prevalece a coisa julgada formada por último, Prevalece a condenação que transitou em primeiro
enquanto não invalidada por ação rescisória. lugar.

8. DISPOSITIVOS LEGAIS RELACIONADOS AO CAPÍTULO

Destaca-se os arts. 381 a 392 do CPP.

QUESTÕES DE CONCURSO

80 À época da edição da súmula, o art. 384 do CPP possuía apenas um parágrafo. Os outros foram incluídos pela Lei nº 11.719/08.
Isso não prejudica o entendimento e a validade do enunciado.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 5

1. (2021 / Banca: FCC / Órgão: DPE-GO / Prova: Defensor Público) Sobre a coisa julgada no processo penal
brasileiro:

a) Dá-se o nome de função positiva da coisa julgada ao fato de o mesmo objeto do processo não poder
voltar a ser discutido em outro processo envolvendo as mesmas partes.

b) As sentenças absolutórias relacionadas a crimes imprescritíveis não estão sujeitas a coisa julgada formal.

c) Havendo continuidade delitiva entre dois fatos delituosos, a condenação de um deles estende a coisa
julgada para o outro, ainda que não objeto do mesmo processo.

d) Havendo condenação por crime permanente, a coisa julgada não impedirá novo processo por fatos que
já integravam a permanência.

e) Havendo mais de uma condenação pelo mesmo fato, prevalecerá, segundo o Supremo Tribunal Federal,
a primeira condenação que transitou em julgado, ainda que a posterior seja mais favorável ao réu.

2. (2021 / Banca: CESPE / CEBRASPE / Órgão: MPE-AP / Prova: Promotor de Justiça Substituto) Um servidor
público foi denunciado pelo crime de peculato doloso, todavia, no decorrer do processo, ficou comprovado
que o agente havia dado causa ao resultado em decorrência de conduta manifestamente culposa.
Considerando essa situação hipotética, bem como a posição doutrinária e jurisprudencial a respeito da
matéria em questão, assinale a opção correta.

a) O juiz poderá prolatar sentença condenatória com capitulação jurídica diversa da denúncia, sem
necessidade de aditamento.

b) É incabível, em grau de recurso, a retificação da definição jurídica oferecida pela acusação, sob pena de
supressão da instância.

c) O juiz, antes de prolatar a sentença, deverá abrir vista às partes, para que elas se manifestem sobre a
nova classificação do fato delituoso.

d) A retificação da denúncia, em regra, deverá ser feita após o oferecimento da defesa preliminar e antes
do encerramento da instrução probatória.

e) O Ministério Público, caso discorde da nova classificação jurídica do fato, poderá encaminhar os autos à
apreciação do procurador-geral; caso este também discorde, o juiz estará vinculado à imputação que
constar da denúncia.

3. (2020 / Banca: FCC / Órgão: TJ-MS / Prova: Juiz Substituto) Quanto à sentença, correto afirmar que o juiz

a) poderá declarar a sentença, sempre que nela houver obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão,
se qualquer das partes o requerer no prazo de 5 (cinco) dias.

b) poderá, sem modificar a descrição contida na denúncia ou queixa, atribuir ao fato definição jurídica
diversa e, havendo possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, procederá de
acordo com o disposto na lei, ainda que, por força do crime continuado, a soma da pena mínima da
infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano.

c) poderá proferir sentença condenatória, ainda que requerida a absolvição pela acusação,
independentemente da natureza da ação.

d) não fica adstrito aos termos do aditamento, se procedido após encerrada a instrução probatória em
consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida
na acusação.

494
LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 5

e) poderá reconhecer circunstância agravante não alegada pela acusação, segundo previsto na legislação
processual penal.

4. (2020 / Banca: CESPE / CEBRASPE / Órgão: MPE-CE / Prova: Promotor de Justiça de Entrância Inicial) Na
hipótese de haver duplo julgamento do mesmo fato, deve prevalecer o processo em que

a) a sentença transitar em julgado primeiro.

b) a sentença for prolatada primeiro.

c) o inquérito tiver sido instaurado primeiro.

d) a denúncia tiver sido ofertada primeiro.

e) a sentença for mais favorável ao acusado.

5. (2019 / Banca: MPE-SP / Órgão: MPE-SP / Prova: Promotor de Justiça Substituto) Sobre a correlação
entre acusação e sentença, é correto afirmar que

a) não se aplica a regra da emendatio libelli em grau de recurso, sob pena de supressão de um grau de
jurisdição e surpresa para a defesa.

b) ao aplicar a regra da emendatio libelli, o juiz poderá condenar o acusado, sem manifestação das partes,
aplicando-lhe, se for o caso, pena mais grave.

c) ao aplicar a regra da mutatio libelli, o juiz deve apenas colher a manifestação das partes, ouvir eventuais
testemunhas indicadas e sentenciar.

d) ao aplicar a regra da mutatio libelli, o juiz deve provocar o aditamento da denúncia, colher a manifestação
das partes, ouvir eventuais testemunhas indicadas e, após debates, sentenciar.

e) ao aplicar a regra da emendatio libelli, o juiz deve colher a manifestação das partes antes de sentenciar,
podendo, se for o caso, aplicar pena mais grave.

6. (2019 / Banca: CESPE / CEBRASPE / Órgão: DPE-DF / Prova: Defensor Público) Os irmãos José e Luís foram
denunciados pela prática de contravenção penal de vias de fato, em situação de violência doméstica, com
pena de prisão simples de quinze dias a três meses ou multa, em concurso de agentes, por terem puxado os
cabelos da irmã Marieta. Após o recebimento da denúncia e várias tentativas, sem sucesso, de citação
pessoal dos réus, o juiz competente os citou por edital, seguindo, assim, as regras do Código de Processo
Penal. Diante dessa situação hipotética, julgue o item que se segue.

Caso Luís tenha comparecido pessoalmente, ainda que o órgão acusador tenha pleiteado a sua
absolvição, segundo disposição legal, o juiz poderá condená-lo e reconhecer a existência de circunstância
agravante pelo fato de a vítima ser sua irmã.

7. (2019 / Banca: CESPE / CEBRASPE / Órgão: DPE-DF / Prova: Defensor Público) Sentença penal concessiva
de perdão judicial é classificada como suicida, em razão dos seus efeitos autofágicos.

8. (2022 / Banca: CESPE / CEBRASPE / Órgão: MPE-AC / Prova: Promotor de Justiça Substituto)
Considerando o princípio da congruência no processo penal, assinale a opção correta.

a) As regras de emendatio libelli e mutatio libelli não se aplicam às qualificadoras, devendo tais normas ser
adotadas apenas no que se refere às circunstâncias elementares do tipo penal base.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 5

b) O juízo competente deve ser definido de acordo com o pedido feito pelo dominus litis.

c) O oferecimento da ação penal que implique tipo penal diverso do correto resulta, por si só, na possibilidade
de rejeição da denúncia.

d) O tribunal de justiça pode realizar eventual mutatio libelli, caso verifique a necessidade de uma nova
definição jurídica ao fato delituoso, em razão de circunstância elementar não narrada na denúncia.

e) Caso o juiz julgue necessária uma nova definição jurídica do fato, sendo aplicada, assim, pena mais grave,
sem que haja, entretanto, modificação da descrição do fato narrado na denúncia, poderá ele proferir decisão
sem precisar abrir vista para manifestação da defesa.

COMENTÁRIOS

1. GABARITO: Alternativa E.

Trata-se de entendimento pacífico do STF e do STJ (RHC 69.586-PA, Info 642).

A alternativa A está equivocada, pois, no processo penal, a coisa julgada impede o rejulgamento do acusado
pelo mesmo fato.

A alternativa B está incorreta, porque faz sim coisa julgada formal.

A alternativa C está errada, porque não existe essa extensão da coisa julgada sobre fatos, no máximo entre
acusados.

Por fim, a incorreção da alternativa E é que, se isso acontecesse, haveria bin in idem, vedado por nosso
ordenamento.

2. GABARITO: Alternativa A.

O caso da questão consiste em emendatio libelli, que permite ao juiz modificar a capitulação jurídica do fato
sem aditamento da denúncia, nos termos do art. 383 do CPP.

A alternativa B está equivocada, pois essa proibição é da mutatio libelli, nos termos do art. 384 do CPP.

A alternativa C está incorreta, pois a emendatio libelli não necessita de manifestação prévia das partes.

A alternativa D está errada, porque o art. 569 afirma que as omissões da denúncia podem ser supridas até a
sentença.

A alternativa E erra ao falar do procedimento, não aplicável à emendatio libelli.

3. GABARITO: Alternativa E.

É o que dispõe o art. 385 do CPP.

A alternativa A traz o prazo errado, que é de 2 dias, de acordo com o art. 382.

A alternativa B está em desacordo com a Súmula 723 do STF.

A alternativa C está errada, porque fala em “independemente da natureza da ação”, enquanto que, se for
ação privada, haverá perempção.

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LAÍS MESQUITA GONDIM • FREITAS JR DIREITO PROCESSUAL PENAL • 5

A alternativa D está errada porque o juiz fica sim adstrito aos termos do aditamento, como dispõe o art. 384,
§4º.

4. GABARITO: Alternativa A.

Trata-se de entendimento pacífico do STF e do STJ (RHC 69.586-PA, Info 642).

5. GABARITO: Alternativa B.

Está de acordo com o art. 383 do CPP.

A alternativa A está errada, pois é a mutatio libelli que não pode ser aplicada em grau de recurso.

As alternativas C e D estão incorretas, pois o juiz deve intimar a acusação para realizar o aditamento da
denúncia e realizar novo interrogatório, nos termos do art. 384.

A alternativa E está incorreta porque o art. 383 não exige manifestação das partes para o juiz reconhecer a
emendatio libelli.

6. GABARITO: CERTO.

Segundo art. 385 do CPP, nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda
que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora
nenhuma tenha sido alegada.

7. GABARITO: ERRADO.

A questão confundiu as classificações das sentenças. A sentença suicida é aquela que contém fundamentação
contrária ao seu dispositivo, enquanto que a sentença autofágica é aquela que econhece a imputação, mas
declara extinta a punibilidade, a exemplo do que ocorre com o perdão judicial.

8. GABARITO: Alternativa E.

Consiste na previsão do art. 383 do CPP. A alternativa A está incorreta porque não existe tal previsão na lei.
A alternativa B está errada, pois o autor não determina a competência da ação, mas sim as regras dispostas
no art. 69 e ss. do CPP. A alternativa C está equivocada, pois pode ocorrer emendatio libelli ou mutatio libelli,
de acordo com o caso. A alternativa D está contrária ao que dispõe a Súmula 453 do STF, estando, pois,
incorreta.

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ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS

LEIS PENAIS
ESPECIAIS

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ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 1

1 LEI N.º 11.343/2006 — ENTORPECENTES

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ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 1

1. Posse de substância entorpecente para uso pessoal

O primeiro artigo relevante a ser tratado nesta Lei é o artigo 28 da Lei n.º 11.343/2006:

Art. 28, Lei n.º 11.343/06. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou
trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - Advertência sobre os efeitos das drogas;
II - Prestação de serviços à comunidade;
III - Medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Conforme decidiu o STF, não houve a descriminalização, mas somente a despenalização (no sentido
de descarcerização) do tipo descrito no art. 28 acima.

Trata-se de crime de perigo abstrato ou presumido, que prescinde da comprovação da existência de


situação que tenha colocado em risco o bem jurídico tutelado. O simples fato de trazer consigo o
entorpecente já tipifica a conduta, porque o comportamento daquele que consome a droga, ainda que não
tenha intuito de difundi-la ilicitamente, automaticamente alimenta o tráfico, o que não é desejado pelo
legislador.

Prevalece que não se aplica o princípio da insignificância ao usuário, ainda que a quantidade da
droga seja ínfima. O STJ possui o entendimento de que, em razão da política criminal adotada pela Lei n.º
11.343/2006, há de se reconhecer a tipicidade material do porte de substância entorpecente para consumo
próprio, ainda que ínfima a quantidade de droga apreendida.

A prova da materialidade do crime é feita por meio de exame toxicológico, que analisará a
quantidade e a natureza da substância, a fim de aferir se se trata ou não de droga ilícita, de acordo com o rol
da Anvisa. Segundo o STJ, a atribuição de falta grave ao apenado pela posse de drogas para consumo próprio,
conforme previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006, demanda a elaboração do laudo toxicológico definitivo da
natureza e da quantidade do entorpecente, sem o qual não há falar em materialidade delitiva.

1. 1. Prescrição
Art. 30, Lei 11.343/06. Prescrevem em 2 (dois) anos a imposição e a execução das penas,
observado, no tocante à interrupção do prazo, o disposto nos arts. 107 e seguintes do
Código Penal.

Isso significa que, no caso do art. 28 da Lei 11.343/2006, tem-se um prazo prescricional menor do
que o previsto no Código Penal; sabendo-se que no Código Penal o menor prazo prescricional, para penas
privativas de liberdade, é de três anos. Quanto aos prazos interruptivos, cabe a observância do que
estabelece o Código Penal.

1.2. Reincidência
Para o STJ, é desproporcional o reconhecimento da agravante da reincidência decorrente de
condenação anterior pelo delito do art. 28 da Lei de Drogas, uma vez que a infringência da referida norma
legal não acarreta a aplicação de pena privativa de liberdade e sua constitucionalidade está sendo debatida
no STF.

Art. 63, CP. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de
transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por
crime anterior.

500
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 1

Art. 7º, LCP. Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois
de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por
qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção.

Lidos conjuntamente esses dispositivos, tem-se que o indivíduo que comete contravenção no Brasil
ou no exterior, e, posteriormente, comete crime no Brasil não incorre em reincidência:

Contravenção (no Brasil ou no exterior) + crime (no Brasil) = não há reincidência (só maus
antecedentes).

Da mesma forma, o indivíduo que pratica contravenção, no exterior, e crime ou contravenção, no


Brasil, não incorre em reincidência:

Contravenção (no exterior) + crime ou contravenção (no Brasil) = não há reincidência.

Apenas será reincidente o indivíduo que praticar uma contravenção seguida de outra contravenção:

Contravenção + contravenção = reincidência

Alguns doutrinadores dizem que isso é uma evidente falha legislativa.

Assim, conclui o STJ que, sendo as contravenções puníveis com pena de prisão simples, mostra-se
desproporcional utilizar o art. 28 da Lei n.º 11.343/2006, para fins de reincidência, considerando que esse
delito é punido apenas com "advertência", "prestação de serviços à comunidade" e "medida educativa", ou
seja, sanções despenalizantes, nas quais não há qualquer possibilidade de conversão em pena privativa de
liberdade pelo descumprimento.

A constitucionalidade do art. 28 está sendo fortemente questionada (STF: RE 635.659). Alguns


Ministros do STF já se manifestaram no sentido de que o tipo penal seria inconstitucional por violar a
intimidade e a vida privada. Segundo o Ministro Gilmar Mendes, "a criminalização da posse de drogas para
uso pessoal é inconstitucional, por atingir, em grau máximo e desnecessariamente, o direito ao livre
desenvolvimento da personalidade em suas várias manifestações, de forma, portanto, claramente
desproporcional."

Por outro lado, o § 4º do artigo 28 da Lei n.º 11.343/2006, refere: “Em caso de reincidência, as penas
previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses”. De
acordo com o STJ, ainda que não conste expressamente do aludido dispositivo, é forçoso concluir que a
reincidência de que trata o § 4º do art. 28 é a específica. Assim, aquele que reincide no contato típico com
drogas para consumo pessoal fica sujeito a resposta penal mais severa: prazo máximo de 10 meses.

2. Tráfico ilícito de drogas

Art. 33, Lei 11.343/06. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,
vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente,
sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500
(mil e quinhentos) dias-multa.

É o tipo mais importante, com 18 verbos que poderão caracterizar a traficância. Trata-se de delito
plurinuclear, tipo misto alternativo, de conteúdo múltiplo ou variado, o que significa que a prática de mais
de um desses verbos, no mesmo contexto fático, enseja a prática de crime único. Ex.: importou maconha
para depois fornecer.

Observe que não é necessário o intuito de lucro (“ainda que gratuitamente”).

501
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 1

Trata-se, ainda, de norma penal em branco, sendo necessário o complemento do conteúdo do


preceito primário pela legislação infraconstitucional, neste caso, um ato administrativo que é o regulamento
da Anvisa, o qual traz o rol das substâncias ilícitas aptas a provocar dependência e, portanto, caracterizar o
tipo penal (Portaria SVS/MS 344/98).

O sujeito ativo é qualquer pessoa, sendo crime comum. Há exceção nos verbos “prescrever” (autor
é médico ou dentista) e “ministrar” (autor é médico, dentista, farmacêutico ou enfermeiro).

O sujeito passivo é a coletividade (crime vago).

Causas de aumento:

Art. 40, Lei 11.343/06. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um
sexto a dois terços, se:
I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias
do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;
II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de
missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;
III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos
prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais,
recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se
realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de
dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em
transportes públicos;
IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou
qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;
V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por
qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;
VII - o agente financiar ou custear a prática do crime.

ATENÇÃO!

Importante atentar-se para as seguintes súmulas do STJ:

Súmula 587: “Para a incidência da majorante prevista no art. 40, V, da Lei n. 11.343/2006, é
desnecessária a efetiva transposição de fronteiras entre estados da Federação, sendo suficiente a
demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual”.

Súmula 607: “A majorante do tráfico transnacional de drogas (art. 40, I, da Lei n. 11.343/2006)
configura-se com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição
de fronteiras”.

O objeto material são as drogas, estando dispostas na Portaria 344/98 da Anvisa, sendo, portanto,
uma norma penal em branco em sentido estrito.

Segundo o art. 1º, parágrafo único, da Lei n.º 11.343/2006, consideram-se como drogas as
substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em
listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. Essa tarefa é realizada pelo Ministério da
Saúde, normalmente por meio de Portaria da Anvisa.

Art. 1º, Lei 11.343/06 Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
- Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de

502
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 1

usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não


autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os
produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em
listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.

A prova da materialidade delitiva no tráfico se dá por meio de laudos periciais (laudo de constatação
da natureza e quantidade de droga).

O laudo toxicológico preliminar ou provisório (logo após a prisão ou apreensão da droga) tem
menos requisitos legais, podendo ser feito por perito oficial ou pessoa idônea, baseado em observações
sensoriais e comparação. Utiliza-se, também, de testes químicos pré-fabricados (o rápido contato com o
princípio ativo da droga já revela o resultado). Esse laudo é suficiente para a denúncia.

Já o laudo toxicológico definitivo tem maiores rigores, pois fundamenta eventual condenação, para
a qual é imprescindível.

Art. 50, Lei n.º 11.343/2006 [...]


§ 1º Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da
materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da
droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea.
§ 2º O perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1º deste artigo não ficará impedido
de participar da elaboração do laudo definitivo.

STJ: para a lavratura do flagrante e oferecimento da denúncia, basta o laudo toxicológico


provisório; para a sentença condenatória, em regra, é imprescindível o laudo toxicológico definitivo como
prova da materialidade (não se trata de nulidade). Em situações excepcionais, a comprovação da
materialidade pode se dar pelo laudo provisório, desde que permita grau de certeza idêntico ao laudo
definitivo, isto é, elaborado por perito oficial, em procedimento equivalente. Ex.: drogas identificadas
facilmente (maconha, cocaína). Irregularidades no laudo preliminar (peça informativa) restam superadas
com a juntada do laudo definitivo. A falta de assinatura do perito no laudo, por si só, não conduz à nulidade
do exame pericial, constituindo mera irregularidade.

Segundo o STJ, classifica-se como droga, para fins da Lei n.º 11.343/2006, a substância apreendida
que possua canabinóides característicos da espécie vegetal Cannabis sativa, ainda que nela não haja
tetrahidrocanabinol (THC). Dessa forma, é irrelevante, para a comprovação da materialidade de delito, o fato
de o laudo pericial não haver revelado a presença de tetrahidrocanabinol (THC) — um dos componentes
ativos da Cannabis sativa — na substância se constatada a presença de canabinóides, característicos da
espécie vegetal Cannabis sativa, que integram a Lista E da Portaria n. 344/1998 e causam dependência.

O crime de tráfico de drogas consuma-se quando o indivíduo realiza um dos núcleos do tipo. Algumas
modalidades caracterizam crime instantâneo (ex.: adquirir). Já outras são consideradas crimes permanentes
(ex.: trazer consigo e ter em depósito).

O STJ já se manifestou no sentido de que, para que se configure a conduta de "adquirir", prevista no
art. 33 da Lei n.º 11.343/2006, não é necessária a tradição do entorpecente e o pagamento do preço,
bastando que tenha havido o prévio ajuste. Assim, não é indispensável que a droga tenha sido entregue ao
comprador e o dinheiro pago ao vendedor, bastando que tenha havido a combinação da venda.

Na hipótese analisada pelo STJ, por meio de interceptação telefônica, chegou-se à informação de que
seria realizado o comércio de entorpecentes, combinado o preço, forma de transporte etc. Assim, a polícia,
por meio de ação controlada, a fim de evitar que a situação fugisse do controle, fez a intervenção antes de
ter havido a efetiva tradição e o pagamento do preço. A defesa, então, cogitou que o crime teria sido tentado

503
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 1

e não consumado, o que foi afastado pelo STJ, sob a fundamentação de que basta a prévia negociação, não
sendo exigível o pagamento do preço e a tradição.

Dessa forma, a conduta consistente em negociar por telefone a aquisição de droga e disponibilizar o
veículo que seria utilizado para o transporte do entorpecente configura o crime de tráfico de drogas em sua
forma consumada (e não tentada), ainda que a polícia, com base em indícios obtidos por interceptações
telefônicas, tenha efetivado a apreensão do material entorpecente antes que o investigado efetivamente o
recebesse (Informativo 569).

Aquele que semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas, incorre
nas mesmas penas do crime de tráfico (art. 33, § 1º, inc. II, da Lei n.º 11.343/2006).

Art. 33, Lei 11.343/06. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,
vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente,
sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena — reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500
(mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
[...]
II - Semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação
de drogas;

QUESTÕES DE CONCURSO

1. (Cespe) Com o intuito de vender maconha em bairro nobre da cidade onde mora, Mário utilizou o
transporte público para transportar 3 kg dessa droga. Antes de chegar ao destino, Mário foi abordado por
policiais militares, que o prenderam em flagrante. Assertiva: Nessa situação, Mário responderá por tentativa
de tráfico, já que não chegou a comercializar a droga.

2. (Cespe) Segundo o entendimento do STJ, em eventual condenação, o juiz sentenciante não poderá aplicar
ao réu a causa de aumento de pena relativa ao tráfico de entorpecentes em transporte público, se o acusado
tiver feito uso desse transporte apenas para conduzir, de forma oculta, droga para comercialização em outro
ambiente, diverso do transporte público.

GABARITO

1. Resposta: Errado. Crime permanente: ter consigo e transportar.

2. Resposta: Certo. A majorante do inciso III do artigo 40 da Lei de Drogas somente deve ser aplicada nos
casos em que ficar demonstrada a comercialização efetiva da droga no interior do transporte público. É a
posição majoritária no STF e STJ.

Art. 40, Lei 11.343/06. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um
sexto a dois terços, se:
[...]

504
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 1

III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos


prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais,
recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se
realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de
dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em
transportes públicos;

E se Mário tivesse sido pego dentro de ônibus interestadual e a polícia encontrasse provas de que o
destino da droga era um cliente no outro estado da Federação? Sim. Se Mário estivesse no interior do
transporte coletivo interestadual, ainda que não tivesse cruzado a fronteira, incidiria o aumento de pena
previsto no inciso V.

Art. 40, Lei 11.343/06. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um
sexto a dois terços, se:
[...]
V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;

Súmula 587 do STJ: “Para a incidência da majorante prevista no art. 40, V, da Lei n.º 11.343/06, é
desnecessária a efetiva transposição de fronteiras entre estados da Federação, sendo suficiente a
demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual.”

O mesmo entendimento vale para o tráfico internacional ou transnacional, de competência da


Justiça Federal.

Art. 40, Lei 11.343/06. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um
sexto a dois terços, se:
I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do
fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;

Súmula 607 do STJ: “A majorante do tráfico transnacional de drogas (art. 40, I, da Lei n.º11.343/06)
se configura com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição
de fronteiras.”

STJ: utilização de criança ou adolescente no tráfico.

Art. 40, Lei 11.343/06. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um
sexto a dois terços, se:
[...]
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por
qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;

Sabe-se que o crime de corrupção de menor (art. 244-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente —
ECA) figura em concurso formal com outro crime toda vez que o coautor ou partícipe pratique o crime junto
a um menor de idade, independentemente de este menor ter tido envolvimento em fatos criminosos
anteriores.

Art. 244-B, ECA (Lei 8.069/90). Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito)
anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la:
Pena — reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

No caso do crime de tráfico, há uma causa de aumento específica caso haja envolvimento de
criança ou adolescente, então não haverá concurso com corrupção de menores, sob pena de bis in idem,
diferentemente do que ocorre em demais crimes que não há causa específica de aumento para o concurso
com adolescente ou criança (ex.: roubo, homicídio etc.).

O Informativo 828 do STF assentou entendimento quanto à possibilidade de o juiz fixar o regime
inicial fechado e afastar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos com base na

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ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 1

quantidade e na natureza do entorpecente apreendido. Obs.: o regime inicial fechado previsto na Lei dos
Crimes Hediondos é inconstitucional (§ 1º do artigo 2º da Lei n.º 8.072/1990).

O art. 43 da Lei de Drogas estabelece que, na fixação da multa, o valor do dia-multa não poderá ser
inferior a 1/30 avos e nem superior a 5 vezes o maior salário-mínimo. Para tanto, o juiz levará em conta as
condições econômicas dos acusados.

Art. 43, Lei 11.343/06. Na fixação da multa a que se referem os arts. 33 a 39 desta Lei, o
juiz, atendendo ao que dispõe o art. 42 desta Lei, determinará o número de dias-multa,
atribuindo a cada um, segundo as condições econômicas dos acusados, valor não inferior a
um trinta avos nem superior a 5 (cinco) vezes o maior salário-mínimo.
Parágrafo único. As multas, que em caso de concurso de crimes serão impostas sempre
cumulativamente, podem ser aumentadas até o décuplo se, em virtude da situação
econômica do acusado, considerá-las o juiz ineficazes, ainda que aplicadas no máximo.

Se o juiz fixar em 5 vezes o maior salário-mínimo para cada dia-multa, e considerar ineficaz, levando
em consideração a situação econômica do acusado, poderá aumentar o valor do dia-multa em até 10 vezes
(décuplo).

2.1. Fixação da pena


Segundo o STF, o grau de pureza da droga é irrelevante para fins de dosimetria da pena. De acordo
com a Lei n.º 11.343/2006, preponderam apenas a natureza e a quantidade da droga apreendida para o
cálculo da dosimetria da pena (Informativo 818).

Ainda segundo a Suprema Corte, se o réu — não reincidente — for condenado por tráfico de drogas
à pena de até 4 anos, e se as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP forem positivas (favoráveis), o juiz
deverá fixar o regime aberto e conceder a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos, preenchidos os requisitos do art. 44 do CP. A gravidade em abstrato do crime não constitui
motivação idônea para justificar a fixação do regime mais gravoso (Informativo 821).

2.2. Progressão de regime


Deve-se atentar para o disposto no art. 112 da Lei de Execução Penal (LEP), com as alterações
promovidas pelo Pacote Anticrime (Lei n.º 13.964/2019). Recorde-se que o tráfico de drogas é crime
equiparado a hediondo.

Art. 112, LEP. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a
transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver
cumprido ao menos: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido
cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem
violência à pessoa ou grave ameaça;
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido
cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com
violência à pessoa ou grave ameaça;
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime
hediondo ou equiparado, se for primário;
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for
primário, vedado o livramento condicional;
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa
estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;

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ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 1

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime
hediondo ou equiparado;
VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou
equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.
§ 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa
conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas
que vedam a progressão.
§ 2º A decisão do juiz que determinar a progressão de regime será sempre motivada e
precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor, procedimento que também
será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas,
respeitados os prazos previstos nas normas vigentes.
§ 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas
com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente: (Incluído
pela Lei nº 13.769, de 2018)
I - Não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - Não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III - Ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;
IV - Ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do
estabelecimento;
V - Não ter integrado organização criminosa.
§ 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício
previsto no § 3º deste artigo.
§ 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico
de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. (Incluído
pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 6º O cometimento de falta grave durante a execução da pena privativa de liberdade
interrompe o prazo para a obtenção da progressão no regime de cumprimento da pena,
caso em que o reinício da contagem do requisito objetivo terá como base a pena
remanescente.

2.3. Tráfico privilegiado ou minorado


Também chamada de traficância menor ou eventual:

Art. 33, Lei 11.343/06.


[...]
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas
de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que
o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem
integre organização criminosa.

O trecho tachado já foi declarado inconstitucional pelo STF. A aplicação da causa especial de
diminuição exige o preenchimento dos quatro requisitos cumulativos. O tráfico minorado não é crime
equiparado a hediondo (Plenário do STF), razão pela qual a Súmula 512 do STJ foi cancelada (“A aplicação
da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º da Lei 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime
de tráfico de drogas”). Nesse sentido, também é o § 5º do artigo 112 da LEP. Assim, em tese, é cabível a
concessão de indulto natalino no caso do tráfico privilegiado.

STF: a condenação por integrar associação criminosa para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei de
Drogas) é, por si só, fator mais do que suficiente para afastar a aplicação da causa especial de diminuição de
pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/2006.

Art. 35, Lei 11.343/06. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar,
reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta
Lei:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e
duzentos) dias-multa.

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ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 1

Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a
prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

STJ, Informativo 582: o fato de o réu ter atuação lícita não atrai automaticamente o privilégio do §
4º do art. 33. A razão de ser dessa minorante é punir com menor rigor o pequeno traficante, ou seja, aquele
indivíduo que não faz do tráfico de drogas o seu meio de vida. Nesse contexto, o aludido § 4º do art. 33, ao
prever que o acusado não deve se dedicar a atividades criminosas, não exige, em nenhum momento, que
essa dedicação seja exercida com exclusividade. Portanto, a aplicação da minorante é obstada ainda que o
agente exerça, concomitantemente, atividade profissional lícita.

STF: Configura bis in idem a utilização da circunstância atinente à quantidade da droga tanto para
fins de fixação da pena-base acima do mínimo legal, quanto para definição da fração relativa à causa de
diminuição de pena, prevista no art. 33, § 4º da Lei n.º 11.343/2006.

STJ: Não há que falar em bis in idem em razão da utilização da reincidência como agravante genérica
e com o objetivo de afastar o reconhecimento da causa especial de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da
Lei 11.343/06, porquanto é possível que um mesmo instituto jurídico seja apreciado em fases distintas na
dosimetria da pena, gerando efeitos diversos, conforme previsão legal específica. Precedentes.

STJ: A reincidência, específica ou não, não se compatibiliza com a causa especial de diminuição de
pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/2006, dado que necessário, dentre outros requisitos, seja
o agente primário. Precedentes.

É necessária condenação transitada em julgado ou bastam inquéritos e ações penais em curso para
afastar o privilégio? É possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação
da convicção de que o réu se dedica a atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto
no art. 33, § 4º da Lei n.º 11.343/2006, STJ 3ª seção — EREsp 1.431.091-SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado
em 14/12/2016 (Informativo 596).

STJ, 3ª seção, EREsp n.º 1.544.057/RJ: pacificou-se o entendimento no sentido de que o laudo
toxicológico definitivo é imprescindível para a condenação pelo crime de tráfico ilícito de entorpecentes,
sob pena de se ter por incerta a materialidade do delito e, por conseguinte, ensejar a absolvição do acusado.
Ainda: "Possibilidade de que, em situação excepcional, a comprovação da materialidade do crime de drogas
possa ser efetuada pelo próprio laudo de constatação provisório, quando ele permita grau de certeza
idêntico ao do laudo definitivo, pois elaborado por perito oficial, em procedimento e com conclusões
equivalentes".

2.4. Associação para o tráfico


Ante o princípio da especialidade da lei, a associação para o tráfico afasta o artigo 288, do Código
Penal, o qual dispõe acerca de organização criminosa.

Art. 288, CP. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer
crimes.
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Art. 35, Lei 11.343/06. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar,
reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta
Lei:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e
duzentos) dias-multa.

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Para a associação para o tráfico, o requisito é de duas ou mais pessoas, ao passo que o delito de
associação criminosa, previsto no Código Penal, requer três ou mais pessoas. Na Lei das Organizações
Criminosas (Lei n.º 12.850/2013) o requisito é de quatro ou mais pessoas.

A expressão "reiteradamente ou não” significa que tal associação deve ser marcada pela
estabilidade, permanência, isto é, pelo animus de prevalecer no tempo.

O STJ pacificou o entendimento no sentido de que o delito de associação para o tráfico de drogas
não possui natureza hedionda, por não estar expressamente previsto nos arts. 1º e 2º da Lei n.º 8.072/1990.

O crime de associação para o tráfico é formal e tutela a paz pública. Logo, torna-se desnecessário
apreender a droga ou examiná-la. A materialidade pode dar-se por qualquer outro meio lícito. Ademais, é
delito autônomo, não havendo que falar em relação de interdependência com o tráfico, sendo indispensável,
tão somente, a demonstração dos requisitos da associação estável e permanente, de duas ou mais pessoas,
para a prática da narcotraficância, na linha de reiterados julgados do STJ.

JURISPRUDÊNCIA — STJ

Para a caracterização do crime de associação para o tráfico, é dispensável tanto a apreensão da


droga como o respectivo laudo. É exigível, porém, o concurso necessário de, ao menos, dois agentes e o
elemento subjetivo do tipo específico, consistente no ânimo de associação, de caráter duradouro e estável.

Não obstante a materialidade do crime de tráfico pressuponha apreensão da droga, o mesmo não
ocorre em relação ao delito de associação para o tráfico, que, por ser de natureza formal, sua materialidade
pode advir de outros elementos de provas, como interceptações telefônicas.

Para a configuração do delito de associação para o tráfico de drogas é necessário o dolo de se


associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião de duas ou mais pessoas sem o animus
associativo não se subsome ao tipo do art. 35 da Lei n.º 11.343/06. Trata-se, portanto, de delito de concurso
necessário.

A configuração do crime de associação para o tráfico exige a prática, reiterada ou não, de condutas
que visem a facilitar a consumação dos crimes descritos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei n.º 11.343/2006,
sendo necessário que fique demonstrado o ânimo associativo, um ajuste prévio referente à formação de
vínculo permanente e estável.

2.5. Previsão de tipo culposo


Art. 38, Lei 11.343/06. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas
necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar.

2.6. Livramento condicional


O livramento condicional é possível, desde que cumpridos 2/3 da pena e que o condenado não seja
reincidente específico.

Código Penal
Art. 83. O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de
liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que:
I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso
e tiver bons antecedentes;
II - cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso;
III - comprovado: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

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a) bom comportamento durante a execução da pena;


b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses;
c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e
d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto;
IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração;
V - cumpridos mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo,
prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e
terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza. (Incluído
pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

Lei n.º 11.343/2006


Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 10, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis
e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão
de suas penas em restritivas de direitos.
Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento
condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao
reincidente específico.

3. Expropriação de glebas

Art. 243, CF/88. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem
localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na
forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação
popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções
previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 81, de 2014)
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será
confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.

Não se trata de desapropriação, mas efetiva sanção penal de fundo constitucional, ou seja,
penalidade imposta ao proprietário que cultiva plantas psicotrópicas, sem autorização prévia do órgão
sanitário do Ministério da Saúde. A expropriação é uma espécie de confisco constitucional e tem caráter
sancionatório.

A expropriação de glebas a que se refere o art. 243 da CF/88 há de abranger toda a propriedade e
não apenas a área efetivamente cultivada.

A expropriação prevista no referido artigo pode ser afastada, desde que o proprietário comprove que
não incorreu em culpa, ainda que in vigilando ou in elegendo.

É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do


tráfico de drogas, sem a necessidade de se perquirir a habitualidade, reiteração do uso do bem para tal
finalidade, a sua modificação para dificultar a descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer
outro requisito além daqueles previstos expressamente no artigo 243, parágrafo único, da Constituição
Federal.

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ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 2

2 LEI N.º 10.826/2003 — ESTATUTO DO


DESARMAMENTO

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1. Questões pontuais que aparecem com frequência nas provas de concurso.

O porte de arma de fogo desmuniciada configura delito previsto no Estatuto do Desarmamento?


Sim. Pacífico no STJ e STF. Isso ocorre, porque — uma vez que consiste em delito de perigo abstrato — é
irrelevante o fato de a arma apreendida estar desacompanhada de munição, já que o bem jurídico tutelado
é a segurança pública e a paz social.

1.1. Princípio da insignificância


Incide na posse de pouca quantidade de munição, quando esta estiver desacompanhada da
respectiva arma.

1.2. Apreensão e perícia


Não são necessárias apreensão e perícia. Os crimes são de mera conduta e de perigo abstrato, sendo
irrelevante a demonstração de seu efetivo caráter ofensivo. No entanto, se o laudo pericial for produzido e
ficar constatado que a arma não tem nenhuma condição de efetuar disparos, incidirá a tese do crime
impossível (art. 17 do CP), sendo atípica a conduta.

1.3. Abolitio criminis indireta ou temporária


“A abolitio criminis temporária prevista na Lei n. 10.826/03 aplica-se ao crime de posse de arma de
fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido
ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005” (Súmula 513 do STJ).

2. Posse irregular de arma de fogo de uso permitido

Art. 12, Lei 10.826/03. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou
munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no
interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde
que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Objeto material: arma de fogo, acessório e munição.

Uso permitido: art. 3º, parágrafo único, I, Anexo I, Decreto nº 10.030/2019.

Art. 3º, Decreto 10.030/19 [...] (Incluído pelo Decreto nº 10.627, de 2021)
Parágrafo único. Para fins do disposto neste Regulamento, considera-se:
I - arma de fogo de uso permitido - as armas de fogo semiautomáticas ou de repetição que
sejam:
a) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, não atinja, na saída
do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e
vinte joules;
b) portáteis de alma lisa; ou
c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, não
atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil
seiscentos e vinte joules;

2.1. Crime de médio potencial ofensivo


Admite sursis processual.

2.2. Elemento espacial do tipo


O crime deve ocorrer no interior da residência ou nas dependências dela (quintal, garagem etc.) ou
no local de trabalho, desde que o agente seja o titular ou responsável legal pela empresa.

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ATENÇÃO

Para o STJ, não se considera como local de trabalho, para tal fim, o táxi para o taxista, o caminhão
para o caminhoneiro etc. Esses, se flagrados com arma de fogo sem autorização legal, responderão por porte.

3. Omissão de cautela

Art. 13, Lei 10.826/03. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor
de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo
que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade:
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor responsável de
empresa de segurança e transporte de valores que deixarem de registrar ocorrência policial
e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma
de fogo, acessório ou munição que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte quatro)
horas depois de ocorrido o fato.

Trata-se de crime omissivo próprio de perigo abstrato. O caput é uma modalidade de crime culposo,
praticado por negligência. Consiste em delito de menor potencial ofensivo, podendo o indivíduo ser
beneficiado com os institutos despenalizantes da Lei n.º 9.099/1995.

A consumação exige somente apoderamento da arma pelo inimputável ou pelo semi-imputável. Não
é necessária a produção de resultado naturalístico.

4. Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido

Art. 14, Lei 10.826/03. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob
guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização
e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo
estiver registrada em nome do agente. (Vide Adin 3.112-1)

Uso permitido: art. 3º, parágrafo único, I, Anexo I, Decreto n.º 10.030/2019 (colacionado acima).

4.1. Tipo misto alternativo


Trata-se de delito de ação múltipla/de conteúdo variado/plurinuclear, já que diversos verbos
caracterizam o crime. A prática de dois ou mais destes verbos, no mesmo contexto fático, ensejará crime
único.

4.2. Inconstitucionalidade
O STF declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único (Vide Adin 3.112-1).

5. Disparo de arma de fogo ou acionamento de munição

Art. 15, Lei 10.826/03. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em
suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha
como finalidade a prática de outro crime:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável. (Vide Adin 3.112-1)

5.1. Elemento espacial

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ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 2

Consiste em um disparo em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a


ela. Se o disparo ocorrer em um lugar absolutamente ermo e/ou não for direcionado à via pública, não se
poderá falar na prática do art. 15 da Lei n.º 10.826/2003.

5.2. Subsidiariedade
Há de se verificar se não houve a prática de crime mais grave; em caso afirmativo, deve-se sair do
âmbito do art. 15 da Lei n.º 10.826/2003 e tipificar a conduta em outro dispositivo, por exemplo, uma
tentativa de homicídio.

5.3. Inconstitucionalidade
O STF declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único.

QUESTÕES DE CONCURSO

1. (MPDFT 2015) Aponte a alternativa CORRETA. O proprietário de um bar mantinha, sob sua guarda, há
semanas, no referido estabelecimento comercial, arma de fogo de uso permitido, municiada e funcionando
perfeitamente, em desacordo com autorização legal e regulamentar. Para fazer uma demonstração do
funcionamento da arma a seus clientes, o proprietário do bar a disparou em direção à via pública, situada do
lado de fora do bar, praticando, assim:

a. Crimes de posse irregular de arma de fogo de uso permitido e disparo de arma de fogo, em concurso.

b. Crime de disparo de arma de fogo, sendo a manutenção da arma de fogo considerada fato anterior
impunível.

c. Crimes de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e disparo de arma de fogo, em concurso.

d. Crime de posse irregular de arma de fogo, sendo o disparo de arma de fogo considerado fato posterior
impunível.

e. Crime de porte ilegal de arma de fogo, sendo o disparo de arma de fogo considerado fato posterior
impunível.

GABARITO

1. Resposta: Letra “a” Crimes de posse irregular de arma de fogo de uso permitido e disparo de arma de fogo,
em concurso.

Tem-se, neste caso, contextos fáticos distintos: a posse da arma de fogo já vinha ocorrendo há
semanas, portanto, consumando-se ao longo desse tempo (art. 12). Em dado dia, com desígnio autônomo, o
autor do fato resolveu disparar em direção à via pública, praticando o delito do art. 15 da Lei 10.826/2003.
Se não houvesse a informação de que a posse se estendia há semanas, deveria ser aplicado o princípio da
consunção ou absorção, respondendo o agente somente por disparo.

6. Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito

Art. 16, Lei 10.826/03. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob

514
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 2

sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização
e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: (Redação dada pela Lei nº
13.964, de 2019)
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo
ou artefato;
II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de
fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a
erro autoridade policial, perito ou juiz;
III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;
IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca
ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;
V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório,
munição ou explosivo a criança ou adolescente; e
VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma,
munição ou explosivo.
§ 2º Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste artigo envolverem arma de fogo de
uso proibido, a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019)

Uso restrito: art. 3º, parágrafo único, II, Anexo I, Decreto n.º 10.030/2019.

Uso proibido: art. 3º, parágrafo único, III, Anexo I, Decreto n.º 10.030/2019.

Art. 3º, Decreto 10.030/19. As definições dos termos empregados neste Regulamento são
aquelas constantes deste artigo e do Anexo III.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste Regulamento, considera-se:
I - arma de fogo de uso permitido - as armas de fogo semiautomáticas ou de repetição que
sejam:
a) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, não atinja, na saída
do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e
vinte joules;
b) portáteis de alma lisa; ou
c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, não
atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil
seiscentos e vinte joules;
II - arma de fogo de uso restrito - as armas de fogo automáticas, de qualquer tipo ou calibre,
semiautomáticas ou de repetição que sejam:
a) não portáteis;
b) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do
cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte
joules; ou
c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum,
atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil
seiscentos e vinte joules;
III - arma de fogo de uso proibido:
a) as armas de fogo classificadas como de uso proibido em acordos ou tratados
internacionais dos quais a República Federativa do Brasil seja signatária; e
b) as armas de fogo dissimuladas, com aparência de objetos inofensivos.

6.1. Figuras equiparadas


Art. 16, § 1º, da Lei n.º 10.826/2003.

6.2. Hediondez

515
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 2

Antes do Pacote Anticrime (Lei n.º 13.964/2019), era considerado hediondo o delito de posse ou
porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. Com a alteração, a hediondez não está mais no armamento de
uso restrito, e, sim, no de uso proibido.

7. Comércio ilegal de arma de fogo

Art. 17, Lei 10.826/03. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em
depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer
forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou
industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de
2019)
§ 1º Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo, qualquer
forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive
o exercido em residência. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 2º Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição,
sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente
policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal
preexistente. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

7.1. Habitualidade
Há posição minoritária no sentido de que o crime do art. 17 da Lei n.º 10.826/2003 é habitual,
exigindo reiteração no comportamento do agente referente ao exercício de atividade comercial ou industrial.

7.2. Pacote Anticrime


A Lei n.º 13.964/2019 tornou o ato disposto no art.17 da Lei n.º 10.826/2003 crime hediondo, além
de ter aumentado a pena e incluído o § 2º.

8. Tráfico internacional de arma de fogo

Art. 18, Lei 10.826/03. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território
nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da
autoridade competente:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 13.964,
de 2019)
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório
ou munição, em operação de importação, sem autorização da autoridade competente, a
agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta
criminal preexistente. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

8.1. Pacote Anticrime


A Lei n.º 13.964/2019 tornou o delito disposto no art. 18 da Lei n.º 10.826/2003 crime hediondo,
além de ter aumentado a pena e incluído o parágrafo único.

8.2. Competência
Justiça Federal.

9. Majorantes ou causas de aumento

Art. 19, Lei 10.826/03. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da
metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito.

516
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 2

Art. 20, Lei 10.826/03. Nos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, a pena é
aumentada da metade se: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
I - forem praticados por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º, 7º e 8º
desta Lei; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
II - o agente for reincidente específico em crimes dessa natureza. (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019)

10. Liberdade provisória

Art. 21, Lei 10.826/03. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de
liberdade provisória. (Vide Adin 3.112-1)

10.1. Inconstitucionalidade
O STF declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei n.º 10.826/2003 (Ação Direta de
Inconstitucionalidade — ADIn 3.112-1).

517
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 3

LEI N.º 8.078/1990: CRIMES CONTRA O CONSUMIDOR


3

518
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 3

Segundo a Constituição Federal de 1988, o Estado deve promover, na forma da lei, a defesa do
consumidor (art. 5º, inc. XXXII); a ordem econômica está sujeita à observância de diversos princípios, entre
os quais se encontra a defesa do consumidor (art. 170, inc. V).

Art. 5º
[...]
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre


iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios:
[...]
V - defesa do consumidor;

Ao se considerar a hipossuficiência dos consumidores diante do poderio econômico dos


fornecedores, tem-se necessidade de um microssistema capaz de equilibrar essas relações. A proteção nos
âmbitos civil e administrativo revela-se insuficiente. Intervenção do Direito Penal, ainda que como ultima
ratio (subsidiariamente).

1. Conceitos de consumidor, fornecedor e relação de consumo

• Relação de consumo: é a relação que se estabelece entre fornecedor e consumidor.


• Consumidor: é qualquer pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza um produto ou
um serviço como destinatário final. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas,
ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
• Fornecedor: é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira,
bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços.

2. Objetividade jurídica

O bem jurídico tutelado são as relações de consumo.

3. Crimes em espécie

Omissão de dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos


ou serviços
Art. 63. Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de
produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa.
§ 1º Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante recomendações escritas
ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado.
§ 2º Se o crime é culposo:
Pena - detenção de um a seis meses ou multa.

É infração de menor potencial ofensivo. O consumidor tem direito à informação, motivo pelo qual,
em não havendo respeito à informação, poderá caracterizar infração penal.

O § 1º estabelece que incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante recomendações
escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado.

O § 2º estabelece que, se o crime é culposo, a pena é de detenção de 1 a 6 meses ou multa.

519
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 3

Trata-se de crime próprio, pois praticado por fornecedor. O sujeito passivo é a coletividade e, de
forma mediata, os consumidores. O delito é omissivo próprio ou puro. A ação penal é pública incondicionada.

Art. 64. Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou


periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa.
Parágrafo único. Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de retirar do mercado,
imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou
perigosos, na forma deste artigo.

Considere-se a situação hipotética em que o sujeito colocou o produto e descobriu depois que ele
era nocivo ou perigoso, motivo pelo qual deverá comunicar à autoridade e aos consumidores. Trata-se de
crime próprio, tendo como autor o fornecedor. O sujeito passivo é a coletividade e, de forma mediata, os
consumidores.

O delito é omissivo puro.

A consumação ocorre quando decorre tempo suficiente para o sujeito informar o mercado e as
autoridades competentes a respeito da nocividade ou da periculosidade; na forma do parágrafo único,
quando transcorre tempo suficiente para retirar o produto do mercado.

A expressão “imediatamente” (parágrafo único) é elemento normativo do tipo, cabendo


interpretação; no entanto, tão logo haja a intimação para cumprimento da notificação da autoridade
competente, a retirada dos produtos deve ser imediata.

A ação penal é pública incondicionada.

A conduta do art. 64 é complementada pelo art. 10, § 1º.

Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que
sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou
segurança.
§ 1º O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado
de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o
fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios
publicitários.

Art. 65. Executar serviço de alto grau de periculosidade, contrariando determinação de


autoridade competente:
Pena: detenção de seis meses a dois anos e multa.
§ 1º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à lesão corporal
e à morte. (Redação dada pela Lei no 13.425, de 2017)
§ 2º A prática do disposto no inciso XIV do art. 39 desta Lei também caracteriza o crime
previsto no caput deste artigo. (Incluído pela Lei no 13.425, de 2017)

Exemplo do crime disposto no art. 65: inserir número excessivo de consumidores em determinado
local. Caso haja lesão corporal ou morte, além de responder por este crime do art. 65, o agente também será
responsabilizado pelo crime material praticado (lesão ou homicídio).

Trata-se de norma penal em branco, complementada pelo inciso XIV do artigo 39.

Art. 39. E vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
[...]
XIV - permitir o ingresso em estabelecimentos comerciais ou de serviços de um número
maior de consumidores que o fixado pela autoridade administrativa como máximo.

A Lei n.º 13.425/2017 estabelece medidas de prevenção e combate a incêndio e a desastres em


estabelecimentos, edificações e áreas de reunião de público. Ex.: serviços prestados em brinquedos de

520
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 3

parques de diversões; o sujeito presta o serviço sem a segurança e os procedimentos exigidos pelas
autoridades competentes. Caso aconteça um desastre no parque, o autor responderá por lesão ou homicídio
que der causa, sem prejuízo de responder por este crime.

O sujeito ativo é o prestador de serviço, e o sujeito passivo é o consumidor e, eventualmente, a


pessoa exposta a perigo ou lesionada.

O crime é de perigo abstrato: basta que tenha procedido ao serviço perigoso sem prestar a
determinação da autoridade competente para fins de consumação. A ação penal é pública incondicionada.

Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a
natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade,
preço ou garantia de produtos ou serviços:
Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
§ 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.
§ 2º Se o crime é culposo;
Pena - Detenção de um a seis meses ou multa.

Crime de menor potencial ofensivo, cabíveis os institutos da transação penal e da suspensão


condicional do processo.

No caso de crime culposo, a pena será de detenção de 1 a 6 meses ou multa.

O crime pode ser cometido por ação ou por omissão, quando o sujeito omite informações relevantes
do produto que deveriam constar.

O sujeito ativo é o fornecedor e o patrocinador do produto ou serviço. E o sujeito passivo é a


coletividade e os consumidores que tenham adquirido o produto.

O crime é formal, uma vez que se consuma quando a informação falsa é emitida, ainda que o
consumidor não tenha adquirido o produto ou serviço.

Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva:
Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
Parágrafo único. (Vetado).

O crime é de menor potencial ofensivo, sendo cabíveis os institutos da transação penal e da


suspensão condicional do processo.

É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou


parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o
consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e
quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência,
explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança,
desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma
prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.


§ 1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter
publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por
omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características,
qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre
produtos e serviços.
§ 2º É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que
incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de

521
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 3

julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de


induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou
segurança.

Vale ressaltar que a publicidade abusiva em geral tipifica o crime do art. 67. Por outro lado, a
publicidade abusiva que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial à sua saúde,
ou à sua segurança, é um crime específico do art. 68 (abaixo).

O sujeito ativo é o responsável pela empresa, ou ainda o fornecedor que trabalha no departamento
de marketing. Sujeito passivo é a coletividade, bem como os consumidores que tenham adquirido o produto.

O crime é formal, uma vez que se consuma quando a publicidade é veiculada, independentemente
de qualquer outro resultado. A ação penal é pública incondicionada.

Publicidade capaz de provocar comportamento perigoso


Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o
consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa:
Parágrafo único. (Vetado).

Exemplo: publicidade que tenha a sugestão de veículo em excesso de velocidade, visto que incita o
consumidor a se comportar de forma perigosa à sua segurança.

Sujeito ativo é o profissional responsável pela elaboração da publicidade. Sujeitos passivos são a
coletividade e os consumidores que tenham adquirido o produto.

Trata-se de crime de perigo abstrato ou presumido. O delito é formal, pois se consuma quando a
publicidade é veiculada, independentemente de qualquer outro resultado.

Ação penal é pública incondicionada.

Omissão de organização de dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à


publicidade
Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade:
Pena — Detenção de um a seis meses ou multa.

Há uma publicação em publicidade que envolve dados técnicos, dados fáticos ou dados científicos.
Ex.: sabonete antibacteriano que mata 99,99% dos germes; esta informação certamente foi obtida por meio
de uma pesquisa científica, por um dado técnico, e esses dados devem ser organizados, não se podendo
veicular tal informação se não há um embasamento científico.

O sujeito ativo é o profissional responsável pela elaboração da publicidade. Sujeitos passivos são a
coletividade e os consumidores que tenham adquirido o produto.

O crime é formal, pois se consuma quando a publicidade é veiculada, independentemente de


qualquer outro resultado. A ação penal é pública incondicionada.

Emprego de peças ou componentes de reposição usados sem consentimento do


consumidor
Art. 70. Empregar na reparação de produtos, peça ou componentes de reposição usados,
sem autorização do consumidor:
Pena — Detenção de três meses a um ano e multa.

São as famosas peças recondicionadas. Se o consumidor procura uma empresa de assistência


técnica, mas o indivíduo utiliza peças de segunda mão, sem autorização do consumidor, o crime estará
caracterizado.

522
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 3

Por outro lado, se trocar a peça sem a autorização do consumidor, e ainda cobrar dele o valor da
peça nova, o crime será de fraude no comércio, previsto no art. 175 do Código Penal, pois se trata de delito
mais grave.

Art. 175. Enganar, no exercício de atividade comercial, o adquirente ou consumidor:


I - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;
II - entregando uma mercadoria por outra:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Se o fornecedor cobra do consumidor, mas não troca a peça, então o crime será de estelionato,
previsto no art. 171 do Código Penal.

Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou
mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
O sujeito ativo é o fornecedor. Sujeito passivo é o consumidor.

A ação penal é pública incondicionada.

Cobrança abusiva ou vexatória


Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou
moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que
exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho,
descanso ou lazer:
Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.

Exemplo: carro de som na frente da casa do consumidor para cobrar dívida.

O delito pressupõe que o agente exponha o consumidor ao ridículo para fins de efetuar a cobrança
da dívida. Isso porque, se alguém ofende o consumidor, taxando-o como inadimplente, quando não há, em
verdade, dívida a ser cobrada, ou não se está cobrando dívida alguma, estará o agente dando uma qualidade
negativa ao consumidor.

Ademais, dizer que outra pessoa é inadimplente, quando a pessoa não o é, poderá tipificar a
difamação (art. 139 do CP).

O sujeito ativo é o fornecedor. Sujeito passivo é o consumidor.

Trata-se de crime de mera conduta. A ação penal é pública incondicionada.

Criação de óbice ao consumidor acerca de suas informações cadastrais


Art. 72. Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem
em cadastros, banco de dados, fichas e registros:
Pena — Detenção de seis meses a um ano ou multa.

O sujeito ativo é o fornecedor do banco de dados. O sujeito passivo é o consumidor.

Trata-se de crime de mera conduta, processado por ação pública incondicionada.

Omissão de correção sobre informações cadastrais do consumidor


Art. 73. Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de
cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata:
Pena — Detenção de um a seis meses ou multa.

O sujeito ativo é o fornecedor do banco de dados. Sujeito passivo é o consumidor.

Trata-se de crime de mera conduta, não se exigindo, para a consumação, que o consumidor seja
prejudicado. A ação penal é pública incondicionada.

523
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 3

Omissão de fornecimento de termo de garantia ao consumidor


Art. 74. Deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente preenchido
e com especificação clara de seu conteúdo;
Pena — Detenção de um a seis meses ou multa.

O sujeito ativo é o fornecedor. Sujeito passivo é o consumidor.

A ação penal é pública incondicionada.

4. Teoria monista ou unitária quanto ao concurso de pessoas

Art. 75. Quem, de qualquer forma, concorrer para os crimes referidos neste código, incide
as penas a esses cominadas na medida de sua culpabilidade, bem como o diretor,
administrador ou gerente da pessoa jurídica que promover, permitir ou por qualquer modo
aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção em depósito de
produtos ou a oferta e prestação de serviços nas condições por ele proibidas.

5. Circunstâncias agravantes

As agravantes do artigo 76 não afastam a incidência das agravantes genéricas do CP (arts. 61 e 62),
sendo possível a coincidência entre elas.

Art. 76. São circunstâncias agravantes dos crimes tipificados neste código:
I - serem cometidos em época de grave crise econômica ou por ocasião de calamidade;
II - ocasionarem grave dano individual ou coletivo;
III - dissimular-se a natureza ilícita do procedimento;
IV - quando cometidos:
a) por servidor público, ou por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente
superior à da vítima;
b) em detrimento de operário ou rurícola; de menor de dezoito ou maior de sessenta anos
ou de pessoas portadoras de deficiência mental interditadas ou não;
V - serem praticados em operações que envolvam alimentos, medicamentos ou quaisquer
outros produtos ou serviços essenciais.

6. Penas de multa e restritiva de direitos

Art. 77. A pena pecuniária prevista nesta Seção será fixada em dias-multa, correspondente
ao mínimo e ao máximo de dias de duração da pena privativa da liberdade cominada ao
crime. Na individualização desta multa, o juiz observará o disposto no art. 60, §1° do Código
Penal.

Art. 78. Além das penas privativas de liberdade e de multa, podem ser impostas, cumulativa
ou alternadamente, observado o disposto nos arts. 44 a 47, do Código Penal:
I - a interdição temporária de direitos;
II - a publicação em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às expensas
do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação;
III - a prestação de serviços à comunidade.

Embora o dispositivo refira-se à imposição cumulativa ou alternativa das penas restritivas de direitos,
não poderá haver a aplicação cumulativa com a pena privativa de liberdade. Isso em face do disposto nos
arts. 44 e 54 do CP:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de


liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for
cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada,
se o crime for culposo;

524
ALEXANDRE SALIM LEIS PENAIS ESPECIAIS • 3

II – o réu não for reincidente em crime doloso;


III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado,
bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
§ 1º (VETADO)
§ 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou
por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade
pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de
direitos.
§ 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em
face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não
se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.
§ 4º A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o
descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de
liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos,
respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.
§ 5º Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da
execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao
condenado cumprir a pena substitutiva anterior.

Art. 54. As penas restritivas de direitos são aplicáveis, independentemente de cominação


na parte especial, em substituição à pena privativa de liberdade, fixada em quantidade
inferior a 1 (um) ano, ou nos crimes culposos.

Dessa forma, o magistrado poderá fixar cumulativamente a interdição temporária de direitos,


publicação em órgão de comunicação e prestação de serviços à comunidade, mas não poderá cumular com
pena privativa de liberdade.

Existe crítica em face da possibilidade de fixação da publicação em órgãos de comunicação de grande


circulação ou audiência às expensas do condenado, da notícia sobre o fato e sobre a condenação. Isso porque
seria obrigá-lo a prejudicar a sua imagem, violando a dignidade da pessoa.

525
RODRIGO PARDAL REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS •

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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