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AS MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL

As medidas de coacção e de garantia patrimonial correspondem a um conjunto


de actos processuais privativos da liberdade pessoal e/ou patrimonial do arguido, de
natureza cautelar.

1. Os critérios de aplicação medidas de coacção

Os critérios de aplicação destas medidas obedecem a: (1) princípios, a (2)


condições gerais, a (3) pressupostos gerais, e a (4) requisitos específicos1.

1.1. Princípios gerais de aplicação

As medidas de coação previstas nos art.ºs 237 e ss do CPP (extensivo às medidas


de garantia patrimonial dos art.ºs 269 e 270 do CPP) têm um regime fortemente
marcado por dois princípios: (a) o princípio da legalidade – só são aplicáveis nos casos
previstos na lei (art.º 232/1 do CPP); e (b) o princípio da proporcionalidade – as medidas
têm de ser adequadas, necessárias e proporcionais (racionais) ao crime de que se é
suspeito, por um lado, e por outro, às sanções que previsivelmente venham a ser
aplicadas (art.º 56/2 da CRM e art.º 234 do CPP).
São ainda de ter em conta, na aplicação de medidas de coacção ou de garantia
patrimonial, os seguintes princípios: (c) o princípio da judicialidade (art.º 235/1 e 2 do
CPP); (d) a subsidiariedade da obrigação de permanência na habitação e da prisão
preventiva (art.º 234/2 do CPP); e (e) o direito de audiência e defesa (art.º 235/2 do
CPP).
Problema que aqui se pode colocar em relação a este direito de audiência: o
segmento “sempre que possível e conveniente”, do art.º 235/2 do CPP. Salvo melhor
opinião, esta “impossibilidade ou inconveniência” tem sempre que ser fundamentada
(dever de fundamentação dos actos jurídico-públicos), sob pena de violar os direitos da
defesa (cfr. art.º 234/3 do CPP: “A execução das medidas de coacção e de garantia

1
PSM, pp. 165 ss.

1
patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem
incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer”).

1.2. Condições gerais de aplicação

São condições gerais de aplicação das medidas de coacção de garantia


patrimonial as seguintes: (a) a taxatividade das medidas de coacção e de garantia
patrimonial (art.º 232 do CPP): (b) a prévia constituição de arguido (art.ºs 233/1 e 66/1
al. b) do CPP)

1.3. Pressupostos gerais

Os pressupostos gerais das medidas de coacção reconduzem-se às categorias


tradicionais do fumus comissi delicti e do periculum libertatis.
O fumus comissi delicti . É necessário, por um lado, (a) que seja possível fundar
um juízo de indiciação da prática de um certo crime pelo agente. Já não, apenas, um
juízo de “indícios suficientes” (cfr. art.ºs 158, 330/1, e 354/1 do CPP)2, mas de “fortes
indícios” (art.º 241/1, 242/1 e 243/1 al. a) do CPP); e pela negativa, (b) a falta de
“fundados motivos para crer na existência” de uma qualquer “causa de isenção da
responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal” (art.º 233/2 do CPP).
Os pericula libertatis. Por outro lado, á excepção do termo de identidade e
residência (art.º 237 do CPP), é necessário ainda, que se verifique algum dos pericula
libertatis, estabelecidos nas alíneas do art.º 245.
Estas medidas só podem ser aplicadas quando, em concreto, e
fundamentadamente, se verificar: (a) a fuga ou o perigo de fuga; (b) o perigo de
perturbação do decurso da instrução ou da audiência preliminar do processo e,
nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou (c) o
perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da

2
“Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao
arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança” (art.º 158
do CPP).

2
actividade criminosa, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da
personalidade do arguido.

1.3.1. O conceito de “fortes indícios” (art.º 241/1, 242/1 e 243/1 al. a) do CPP)

Quando é que pode afirmar-se a existência de fortes indícios da prática do crime?


A questão tem sido discutida numa base comparativa: o que se procura saber é se o
conceito normativo “fortes indícios” tem um conteúdo mais ou menos exigente que o
conceito de “indícios suficientes” usado nos art.ºs 330/1 e 354/1 do CPP, como condição
para deduzir acusação e para proferir despacho de pronúncia contra um arguido.
Quer na doutrina, quer na jurisprudência portuguesas, a questão não tem obtido
uma resposta uniforme. Numa primeira fase, tendia a predominar na jurisprudência o
entendimento de que “os “fortes indícios” da prática de crime, necessários para que
possa ser decretada a prisão preventiva, se bem que não equivalham a um mero fumo
ou suspeita da ocorrência de crime e da sua imputação ao arguido, não carecem de
atingir o grau de probabilidade dos ‘indícios suficientes’, pois se assim fosse o
prosseguimento [da instrução] seria pouco menos que inútil visto estes servirem de
suporte à acusação. Bastará delinear-se com alguma clareza os contornos e
circunstâncias essenciais do crime e a sua ligação ao arguido”3.
No entanto, anos mais tarde, o mesmo tribunal 4 , veio a considerar que “ao
referir-se […] à existência de ‘fortes indícios’ e não apenas de ‘indícios suficientes’, o
legislador quis ser mais exigente (com vista à aplicação da medida de prisão preventiva),
tornando necessário que, face aos elementos de prova disponíveis, seja possível formar
a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição do
arguido”, entendimento este também expresso no acórdão da Relação de Lisboa de
08.10.2003 em que se pode ler que “a expressão ‘fortes indícios’ representa uma
exigência acrescida de probabilidade de condenação relativamente ao conceito de
‘indícios suficientes’”.
Entre estas duas posições extremas, situa-se uma outra, que tem tido igualmente
acolhimento e que considera terem as expressões “fortes indícios” e “indícios

3
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30.04.1997.
4
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12.11.1999.

3
suficientes” um conteúdo similar5, posição que é igualmente sufragada por uma parte
da doutrina, entre outros, Jorge Noronha e Silveira, para quem “ambas (as expressões)
pressupõem uma convicção, face aos elementos de prova disponíveis, da probabilidade
da futura condenação do arguido”6, e Manuel Simas Santos que entende que “fortes
indícios da prática de um crime (…) significa que a base factual que suporta essa
aplicação (da medida de prisão preventiva) deve ser de tal modo consistente que
permita seriamente inferir que o arguido virá a ser condenado pelo crime que lhe é
imputado”7,
Já Germano Marques da Silva fala em “juízo de extrema e convincente
probabilidade de responsabilidade do arguido” 8 . Por sua vez, Maria João Antunes,
embora defendendo que o pressuposto específico da prisão preventiva traduzido na
existência de fortes indícios da prática de crime doloso “dependerá sempre de um juízo
positivo no sentido de que, em face dos indícios já existentes, é de considerar altamente
provável a dedução da acusação ou que esta seja mais provável que o arquivamento [da
instrução]”, também entende que, uma vez que quando se aplica uma medida de
coacção podem ainda não ser mobilizáveis os mesmos elementos probatórios ou de
esclarecimento, “…o que seria insuficiente para a acusação ou para a pronúncia pode
ser bastante para dar como verificado o pressuposto “fortes indícios da prática de crime
doloso”, tanto mais quanto, tratando-se da fase [da instrução], a medida de coacção
pode ser decidida num momento processual ainda de aquisição da prova” 9 . Estes
autores acabam por convergir no entendimento de que com a expressão “fortes indícios

5
TRP de 06.01.1993, de 20.04.205 e de 26.09.2007
6
Jorge Noronha e Silveira: “O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português”, in Maria
Fernanda Palma (Coord.), Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina,
Coimbra, 2004, (pp. 155-181) p. 174. Em contraponto, objecta Paulo Saragoça da Matta: “A livre
apreciação da prova e o dever se fundamentação da sentença”, nas mesmas Jornadas citadas, (pp. 221-
279) p. 227, que prova em sentido próprio apenas se pode considerar existir após a sujeição da mesma
ao contraditório pleno, só possível na audiência. Antes disso, os elementos de prova têm, apenas, um
valor indiciário, indiciam os facta probanda. Por isso considera que indício é um facto que, “embora não
demonstrando a existência histórica do factum probandum, demonstra outros factos, os quais, de acordo
com as regras da lógica e da experiência, permitem tirar determinadas ilações quanto ao facto que se visa
demonstrar”.
77
Manuel Simas Santos et alii: Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, Lisboa, 2010, p. 294.
8
Germano Marques da Silva: “Sobre a liberdade no processo penal ou do culto da liberdade como
componente essencial da prática democrática”, in Liber Discipulorum para Figueiredo Dias, Coimbra
Editora, p. 1378.
9
Maria João Antunes: “O segredo de justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a medida de coacção”,
in Liber Discipulorum para Figueiredo Dias, Coimbra Editora, pp. 1251-1252.

4
da prática de crime” se exige que os indícios sejam sólidos, consistentes, inequívocos,
mas o conceito não é, essencialmente, diferente nem mais exigente do que o de
“indícios suficientes”, antes sendo idêntico o respectivo conteúdo.
Bem vistas as coisas, ambos os conceitos pressupõem uma convicção, face aos
elementos de prova disponíveis, e um juízo de prognose da probabilidade da futura
condenação do arguido. Até aqui, de acordo!
Mas, atendendo à forma como o legislador se expressou, e distinguiu, mas
sobretudo à gravidade das medidas em causa, que antecipam os efeitos negativos da
condenação10, parece-me curial distinguir onde o legislador distinguiu, e defender que
a avaliação de “fortes indícios” tem um significado mais exigente, que traduz uma
possibilidade particularmente qualificada de futura condenação, ou, noutros termos,
quando estes indícios “permitem adquirir a convicção segura, inequívoca de que no
momento em que é proferida uma decisão, o facto se verifica e por conseguinte,
mantendo-se os elementos de prova já recolhidos nesse momento, levarão, com maior
probabilidade, à condenação do que à absolvição do agente”11.

1.3.2. Análise crítica dos pericula libertatis do art.º 245

Além da ocorrência de um dos requisitos específicos previstos para cada uma das
medidas…, a aplicação de uma medida de coacção (à excepção do TIR) depende da
verificação, em alternativa, de qualquer dos requisitos gerais (os chamados pericula
libertatis) enunciados nas três alíneas do art.º 245: fuga ou perigo de fuga; perigo de
perturbação da instrução ou da audiência preliminar (nomeadamente, perigo para a
aquisição, conservação ou veracidade da prova); perigo de perturbação da ordem e da
tranquilidade públicas (nomeadamente, de reacções informais por parte de terceiros,

10
Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque: Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição
actualizada, UCP, p. 332, para quem a aplicação de medidas de coacção como a prisão preventiva ou a
obrigação de permanência na habitação “implicam uma limitação de tal maneira intensa da liberdade que
constituem, no plano fáctico uma antecipação dos efeitos negativos da condenação pelos factos”.
11
Neste sentido, Pedro Teixeira de Sá: Fortes Indícios de Ilegalidade da Prisão Preventiva, Scientia Ivridica,
Tomo XLVIII (1999), n.º 280/282 (Julho/Dezembro), p. 400, nota 36.

5
vulgo, linchamentos) ou perigo de continuação da actividade criminosa 12 , devido à
natureza e às circunstâncias do crime ou à personalidade do arguido.
O problema coloca-se com maior acuidade, naturalmente, nas medidas de
coacção privativas da liberdade.
Qualquer destas condições deve configurar-se como um perigo real e não
meramente hipotético ou virtual e resultar de todos os elementos factuais disponíveis
no processo, analisados e ponderados de acordo com as regras da experiência comum,
ou seja, nas palavras de Germano Marques da Silva13, o despacho de aplicação da prisão
preventiva não pode “basear-se sobre o perigo para a aquisição, conservação ou
veracidade de provas de modo genérico […] Não pode reportar-se a um genérico perigo
de fuga do arguido, mas deve referir-se a um concreto perigo de fuga ou à fuga, como
de modo análogo não pode referir um perigo abstracto de perturbação da ordem e da
tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa, devendo ser
especificados os factos em que assenta o juízo de perigosidade”.

a. A fuga ou o perigo de fuga

Aceitando que a temida fuga poderia ocorrer, uma vez admitida a sua
apresentação coerciva perante o juiz de instrução, somente após a instrução, é fácil
perceber neste caso também a circularidade da argumentação.
“O juges! Voulez-vous que l'innocent accusé ne s'enfuie pas, facilitez-lui les
moyens de se défendre”, escrevia Voltaire na apresentação da edição francesa Dos
Delitos e Das Penas, de Cesare Beccaria 14 . O perigo de fuga, na verdade, é causado
predominantemente, pelo medo da prisão preventiva, e não propriamente pelo medo
da punição 15 . Se o arguido não fosse confrontado com esta perspectiva, teria, pelo

12
Por vezes, uma falácia! Tome-se o exemplo do tráfico, no contexto de uma organização criminosa
organizada. Diz-se, por exemplo, como diz PSM…
13
“Sobre a liberdade no processo penal ou do culto da liberdade como componente essencial da prática
democrática”, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias”, Coimbra Editora, 2003, p. 1378.
14
Oh juízes! Quereis vós que o inocente acusado não fuja, facilitai-lhe os meios para se defender,
VOLTAIRE : Commentaire sur le livre Des Délits et des Peines, 1766.
15
Luigi Ferrajoli, Derecho y razón, p. 558.

6
contrário, pelo menos até à véspera da condenação, o máximo interesse em não fugir e
defender-se16.
Mas vejamos o que, normalmente, está em causa.
A justificação da aplicação de uma medida de coacção quando se verificou a fuga
(que implica o perigo de a mesma se repetir), ou se verifica o perigo de fuga não oferece
dificuldade, já que, entre as finalidades das medidas de coacção conta-se a de assegurar
a sujeição do arguido ao procedimento e ao cumprimento das eventuais reacções
criminais que lhe venham a ser impostas.
A jurisprudência, por influência da legislação anterior (cfr. art.º 291 do CPP/29),
tem sido pouco exigente na fundamentação fáctica do perigo de fuga, geralmente
deduzido da gravidade do(s) crime(s) e das sanções penais que, previsivelmente,
venham a ser aplicadas ao agente.
No entanto, há que ter presente que “a lei não presume o perigo de fuga, exige
que esse perigo seja concreto, o que significa que não basta a mera probabilidade de
fuga deduzida de abstractas e genéricas presunções, v.g., da gravidade do crime, mas
que se deve fundamentar sobre elementos de facto que indiciem concretamente aquele
perigo, nomeadamente porque revelam preparação para a fuga”17.
É com base num “juízo global de todas as circunstâncias do caso” que se pode
fundamentar uma conclusão sobre a verificação de perigo de fuga e como elementos
indiciadores desse perigo, nomeadamente:
(i) a verificação de uma fuga anterior; (ii) ter estado o arguido em situação de
contumácia (no próprio processo em que se coloca a questão do perigo de fuga ou
noutro); (iii) a gravidade da pena que poderá vir a ser cominada, face à gravidade do(s)
crime(s) imputado(s); (iv) a personalidade do arguido, revelada nos factos

16
Mas ainda que não se leve em conta essa circularidade, por que bastaria o risco de fuga de um réu já
interrogado para justificar uma violação, tão grave e perturbadora de todas as garantias penais e
processuais, como a punição antecipada sem julgamento? A verdade é que tal perigo não é um grande
perigo. Acima de tudo, é muito difícil, numa sociedade informatizada e internacionalmente integrada
como a actual, uma fuga definitiva; e talvez mais vigilância do arguido seja suficiente como um
impedimento, especialmente nos dias imediatamente anteriores à sentença. Em segundo lugar, a fuga
decidida pelo arguido, ao obrigá-lo a esconder-se e a um estado de insegurança permanente, já é em si,
normalmente, uma pena muito grave, semelhante à antiga aquae et ignis interdictio (interdição da água
e do fogo, ficar privado da água e do fogo, i.e., forma de desterro, de exílio), imaginada pelos romanos
como pena capital. Em terceiro lugar, quando a fuga fez com que se perca o rasto do arguido, na maioria
dos casos o efeito de neutralização teria sido alcançado, cumprindo assim os fins preventivos do Direito
Penal.
17
Germano Marques da Silva: “Curso de Processo penal”, Vol. II, Verbo, 5.ª edição, p. 356

7
indiciariamente praticados; (v) a atitude do arguido perante os factos praticados e suas
consequências; (vi) a situação financeira, familiar, profissional e social do arguido; (vii) a
incerteza relativamente ao modo de vida e paradeiro do arguido (ou se estava
ocasionalmente no país no momento da detenção); (viii) as suas ligações em países
estrangeiros; (ix) haver sinais de que o arguido prepara a sua fuga (v.g., ter passagem de
avião para viajar para o estrangeiro daí a dias).

b. O perigo de perturbação do decurso da instrução ou da audiência preliminar do

processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade


da prova

O perigo de perturbação da instrução, ou da audiência preliminar,


nomeadamente, de alteração de provas é o mais plausível. A exigência instrutória de o
arguido não estar, antes ou durante a instrução, em posição de alterar o estado das
provas, ou de procurar meios falsos de defesa, pode ser justificável, no caso de crimes
particularmente graves e complexos. Contudo, depois da instrução – e mesmo antes,
quando os crimes indiciados não revestirem esse grau de particular gravidade e
complexidade – não faz qualquer sentido.
Em todo o caso, como já se disse, esse perigo para a aquisição, conservação ou
veracidade de provas tem necessariamente que se configurar como um perigo real e
não meramente hipotético ou virtual, e resultar de todos os elementos factuais
disponíveis no processo, analisados e ponderados de acordo com as regras da
experiência comum, e devidamente fundamentados.
Excluída a função de conservação da prova, o prolongamento da detenção não
pode ter outro efeito (para não dizer outro fim), que o de situar o arguido numa
condição de sujeição, obstaculizando-se a sua defesa, obrigando-o, eventualmente, a
confessar; mas também a permitir que outros sujeitos processuais – a acusação, as
partes civis ou outros interessados – possam manipular livremente a prova.

8
c. O perigo continuação da actividade criminosa

A perspectiva de se evitar a continuidade da actividade criminosa é,


normalmente, uma verdadeira e própria presunção de perigosidade.
Em todo o caso…
As medidas de coacção privativas da liberdade, mormente, a prisão preventiva
é, unanimemente, referida como uma providência cautelar 18 , que se justifica pela
necessidade de garantir determinados fins 19 , sendo o perigo de continuação da
actividade criminosa um desses fins ou funções.
No entanto, como expressa Germano Marques da Silva, “a aplicação da prisão
preventiva não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas
tão só a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está indiciado”20, sob
pena de se estar a assacar à prisão preventiva a função de prevenção geral de
intimidação, de medida de segurança alheia ao processo em que é aplicada.

d. O perigo das reacções informais

Já o receio das reacções informais tem justamente a ver, em grande medida, com
o não cumprimento dos prazos. A paz social assenta em grande parte na certeza de que
os criminosos são condenados e os inocentes absolvidos, mas se o processo se arrasta
por tempo demasiado, gera-se frequentemente a ideia da impunidade e o descrédito na
Justiça 21 . É isto que, salvo melhor opinião, em grande medida, fomenta as reacções
informais.

18
Os meios cautelares são instrumentos processuais sem os quais o processo penal correria o risco de se
“auto-inutilizar”, pois que estaria na livre disposição do arguido fugir, destruir ou adulterar provas ou
prosseguir a actividade criminosa. Neste sentido, Pedro Jorge Teixeira de Sá: “Fortes indícios de
ilegalidade da prisão preventiva”, pp. 393 e ss.
19
A prisão preventiva (tal como com as outras medidas de coacção) tem finalidades intra-processuais
(como sejam as dirigidas a garantir a possibilidade de recolha pronta, completa e correcta da prova e a
execução de uma eventual decisão condenatória, podendo falar-se aqui num interesse,
constitucionalmente protegido, na boa administração da justiça) e extra-processuais (em que o objecto
de protecção é a comunidade e o próprio arguido, prevenindo-se a perturbação da ordem a tranquilidade
públicas e a continuação da actividade criminosa).
20
“Sobre a Liberdade…”, pp. 1365 e ss
21
Depois, se o processo se arrasta, sobrevém muitas vezes as amnistias, dificuldades de prova, prescrições
até…, o que tudo contribui para a ineficácia preventiva dos julgamentos e das sanções aplicadas aos
condenados.

9
1.4. Critérios de escolha

Em termos gerais, são critérios de escolha das medidas de coação, no caso


concreto, a adequação, a necessidade e a racionalidade (art.º 234/1), e no caso concreto
das medidas privativas da liberdade ambulatória (obrigação de permanência na
habitação e prisão preventiva); a subsidiariedade – só podem ser aplicadas “quando se
revelarem manifesta e fundadamente inadequadas ou insuficientes as outras medidas
de coacção” (art.º 234/2).
Independentemente disso, podemos depois identificar um conjunto de critérios
qualitativos e quantitativos específicos.
Os critérios qualitativos, que têm a ver: (a) com a possibilidade de ao arguido
poderem ser aplicadas as penas acessórias previstas no art.º 80 do CP; e (b) com a
estrutura do comportamento do tipo de crime indiciado:
Nestes termos,
a. A suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos (art.º
240), só pode ser aplicada se houver forte probabilidade de ao arguido poderem
ser aplicadas as penas acessórias previstas no art.º 80 do CP22;
b. A proibição de permanência, de ausência e de contacto (art.º 241), a
obrigação de permanência na habitação (art.º 242), e a prisão preventiva (art.º
243), só são aplicáveis quando o tipo de crime indiciado é doloso.
Este critério, cumula com o critério quantitativo: a pena máxima aplicável ao
crime indiciado.
Assim,
a. A suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos (art.º
240), a proibição de permanência, de ausência e de contacto (art.º 241), a prisão
domiciliária (art.º 242), e a prisão preventiva (art.º 243), só são aplicáveis, se ao
crime indiciado for aplicável uma pena máxima > 2 anos;
b. Por sua vez, a caução (art.º 238), só é aplicável se ao crime indiciado for
aplicável uma pena máxima > 1 ano;

22
As penas acessórias são: a) a regra de conduta; b) a perda de mandato ou proibição temporária do
exercício de funções públicas; c) a suspensão do exercício de funções públicas; d) a proibição de condução;
e e) a inibição do exercício de poder parental, tutela ou curatela.

10
c. A obrigação de apresentação periódica (art.º 239), só é aplicável se ao
crime indiciado for aplicável uma pena máxima > 6 meses.

Medidas:
Obrigação de apresentação periódica (art.º 239) > 6 meses
Caução (de justiça, art.º 238) > 1 ano
Suspensão do exercício de funções… (art.º 240) 80 ss CP > 2 anos
Proibição de permanência/ausência/contactos Dolo > 2 anos
(art.º 241); Prisão domiciliária (art.º 242); Prisão
preventiva (art.º 243)

2. As medidas de coacção em particular


2.1. O termo de identidade e residência (art.º 237)

A medida menos grave é o termo de identidade e residência (TIR) que consiste


na declaração feita ao processo para efeitos de contactos processuais. É uma medida de
coacção atípica, uma vez que é sempre aplicável: sempre que alguém é constituído
arguido, é sujeito a TIR (cfr. art.º 235/1 do CPP).
Esta medida pode ser aplicada por qualquer entidade processual ou órgão de
polícia criminal; e é sempre cumulável com qualquer outra das previstas no CPP (art.º
237/4 do CPP).
Será o TIR um mero acto de identificação do arguido, a fim de garantir que este
possa sempre vir a ser encontrado e avisado das suas obrigações processuais? Não me
parece que seja só isso23. Desde logo, o art.º 237/3 b) representa já um conjunto de
restrições à liberdade ambulatória, por outro lado, os art.ºs 378 e 379 garantem a
validade do julgamento na ausência do arguido.
As outras medidas são a caução (carcerária, ou de justiça); a obrigação de
apresentação periódica; a suspensão do exercício de profissão, função ou actividades; a
imposição de condutas; a obrigação de permanência na habitação; e a prisão preventiva.

23
Nos mesmos termos PSM, 167

11
Todas estas medidas nunca podem ser aplicada pelo Ministério Público, mas só
por despacho do juiz de instrução, embora na fase da instrução a sua aplicação tenha
de ser requerida ao juiz de instrução pelo Ministério Público, nos termos dos art.ºs 235/1
(cfr. art.º 313/1 al. c)), o que se compreende, aliás, por ser esta última entidade o
dominus do processo na fase em causa e, por isso mesmo, ser quem está em condições
de antecipar as necessidades cautelares correspondentes ao caso concreto.

2.2. A caução (carcerária, ou de justiça, art.º 238)

“Se o crime imputado for punível com pena de prisão superior a um ano, o juiz
pode impor ao arguido a obrigação de prestar caução” (art.º 238/1).
“Na fixação do montante da caução tomam-se em conta os fins de natureza
cautelar a que se destina, a gravidade do crime imputado, o dano por este causado e a
condição socio-económica do arguido” (art.º 238/3).
Ainda assim, “Se o arguido estiver impossibilitado de prestar caução ou tiver
graves dificuldades ou inconvenientes em prestá-la, pode o juiz, oficiosamente ou a
requerimento, substituí-la por qualquer ou quaisquer outras medidas de coacção, à
excepção da prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação,
legalmente cabidas ao caso, as quais acrescerão a outras que já tenham sido impostas”
(art.º 238/2).
A caução é cumulável com qualquer uma das outras medidas de coacção, à
excepção da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação (art.º 246).
Forma de prestação (art.º 247); reforço (art.º 248); e quebra de caução (art.º
249).
Ao arguido que não preste caução pode ser aplicável o arresto preventivo (art.º
270 ex vi art.º 247/4).

2.3. A obrigação de apresentação periódica (art.º 239).

A obrigação de apresentação periódica, nos termos do art.º 239, constitui uma


mais intensa restrição de direitos fundamentais, que também só pode ser aplicada por

12
decisão judicial. Só pode ser decretada se ao crime corresponder uma pena de prisão
superior a 6 meses.
Consiste em “impor ao arguido a obrigação de se apresentar a uma entidade
judiciária ou a um certo órgão dos serviços de investigação criminal em dias e horas
preestabelecidos”. Na aplicação desta medida deverão ser tidas em conta “as exigências
profissionais do arguido e o local em que habita” (art.º 239).

2.4. A suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos (art.º 240).

Nalgumas circunstância, a continuação do exercício da profissão, função, ativi-


dade ou direitos pode contender com a investigação do crime em causa, razão pela qual
o legislador criou a medida prevista no art.º 240/1: a suspensão do exercício: (a) da
função pública; (b) de profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título
público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública; ou (c) do poder
parental, da tutela, da curatela, da administração de bens ou da emissão de títulos de
crédito24.
Desde que o crime imputado for punível com pena de prisão superior a 2 anos
e, salvo melhor opinião, e houver a forte probabilidade de ao arguido poderem ser
aplicadas as penas acessórias previstas no art.º 80 do CP 25 . Caso contrário, faltaria
adequação e necessidade.

2.5. A proibição e imposição de condutas (art.º 241).

É a partir desta medida que o legislador exige, como requisito específico, a


prática de um crime doloso (punível com pena de prisão superior a 2 anos). Esta medida
é cumulavel com a obrigação de apresentação periódica do art.º 239 (art.º 241/4).
O que está em causa de permanência, de ausência e de contactos: (a) não
permanecer, ou não permanecer sem autorização, na área de uma determinada

24
“A suspensão é comunicada à autoridade administrativa, civil ou judiciária normalmente competente
para decretar a suspensão ou a interdição respectivas” (n.º 2).
25
As penas acessórias são: a) a regra de conduta; b) a perda de mandato ou proibição temporária do
exercício de funções públicas; c) a suspensão do exercício de funções públicas; d) a proibição de condução;
e e) a inibição do exercício de poder parental, tutela ou curatela.

13
localidade ou na residência onde o crime tenha sido cometido ou onde habitem os
ofendidos, seus familiares ou outras pessoas sobre as quais possam ser cometidos novos
crimes; (b) não se ausentar para o estrangeiro, ou não se ausentar sem autorização (o
que “implica a entrega à guarda do tribunal do passaporte que possuir e a comunicação
às autoridades competentes, com vista à não concessão ou não renovação de
passaporte e ao controlo das fronteiras” art.º 241/3); (c) não se ausentar da povoação,
localidade ou bairro do seu domicílio, ou não se ausentar sem autorização, salvo para
lugares predeterminados, nomeadamente para o lugar do trabalho; (d) não contactar
com determinadas pessoas ou não frequentar certos lugares ou certos meios.

2.6. A obrigação de permanência da habitação (art.º 242).

A obrigação de permanência na habitação constitui uma alternativa à prisão


preventiva (fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão
superior a 2 anos).
Em bom rigor, a obrigação de permanência na habitação não deve ser vista como
uma "prisão domiciliária'' (“a obrigação de se não ausentar, ou de se não ausentar sem
autorização”), pois o arguido fica no seu ambiente natural/familiar, podendo ser-lhe
conferidas autorizações de saída para cumprimento de obrigações de vária ordem (v.g.,
laborais, religiosas e outras).
A obrigação de permanência na habitação pode ser aplicada com recurse aos
“meios técnicos de controlo à distância” (vulgo, a "pulseira electrónica"), no termos do
art.º 242/2. Questão que aqui se pode colocar é a de saber, se esta vigilância electrónica
do domicílio não deverá exigir a autorização, ou concordância, dos demais elementos
do agregado familiar.
Nem sempre a obrigação de permanência na habitação pode ser aplicada em vez da
prisão preventiva, pois há situações em que, por exemplo, a sua aplicação não impede
a continuação da atividade criminosa (v.g., o tráfico de estupefacientes a partir do
próprio domicílio).

14
2.7. A prisão preventiva (art.º 243).

A prisão preventiva constitui a medida de coação mais grave do sistema, só po-


dendo ser aplicada subsidiariamente, nos termos do art.º 234/2.
A pena criminal não é a única limitação constitucionalmente expressa do direito
à liberdade. A Constituição prevê neste artigo, duas outras formas de intervenção
restritiva sobre a liberdade (ambulatória): a detenção e a prisão preventiva, a que o
Código de Processo Penal acrescenta a proibição de permanência, de ausência ou de
contactos, e a obrigação de permanência na habitação (art.ºs 242 e 242 do Código de
Processo Penal).
A privação total ou parcial da liberdade, enquanto restrição de um direito
fundamental, só encontra plena justificação com a pena. Fora desse contexto, poder-se-
á justificar ainda, em última análise, pela impossibilidade de um juízo imediato sobre a
imputabilidade dos factos ao arguido. Ou seja, não tem, em si mesma, uma justificação
que não seja o seu carácter meramente instrumental, e processual de realização da
justiça, e que se consubstancia em dois aspectos fundamentais: a segurança das provas,
e a exequibilidade da sentença26.

2.7.1. Pressupostos

Verificados os pressupostos gerais das medidas de coacção do fumus comissi


delicti e do periculum libertatis, estabelecidos nas alíneas do art.º 245, se o juiz de
instrução (na fase da instrução)27, considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as
restantes medidas previstas no CPP, a requerimento do Ministério Público (cfr. 235/1),
pode impor ao arguido a prisão preventiva quando: (a) houver fortes indícios de prática
de crime doloso punível com pena de prisão superior a 2 anos; ou b) se tratar de pessoa

26
A garantia de uma eficiente elaboração do próprio processo – aquisição, conservação ou veracidade
das provas, cfr. art.º 245 al. b) Código de Processo Penal; a garantia de execução da decisão final desse
mesmo processo. V. JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS: Prisão Preventiva e seu Regime Legal, Rei dos Livros,
Lisboa, p. 9.
27
Depois da instrução “mesmo oficiosamente, ouvido o Ministério Público”, art.º 235/1

15
que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a
qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão. (art.º 243/1)28.
(…)
2.7.2. O reexame periódico dos pressupostos da prisão preventiva (art.º 254)

Atendendo à gravidade da medida, logico será que o Código imponha


particulares cuidados de reexame periódico da medida.
Tendo em vista o efectivo controlo da necessidade da prisão preventiva, na
consideração das exigências decorrentes do princípio da presunção de inocência e do
carácter excepcional da medida, o art.º 254 impõe ao juiz o dever de proceder
oficiosamente ao reexame dos pressupostos que justificaram a sua aplicação, decidindo
se deve ser substituída por outra medida de coacção ou revogada, em qualquer
momento, e, em todo o caso, no prazo máximo de 3 meses a contar da data da sua
aplicação ou do último reexame e ainda, nomeadamente, quando for proferido
despacho de acusação ou de pronúncia, sem prejuízo do direito que ao arguido sempre
assiste de suscitar tal reexame.
Assim, “Durante a execução da prisão preventiva o juiz procede oficiosamente,
de 3 em 3 meses, ao reexame da subsistência dos pressupostos daquela, decidindo se
ela é de manter ou deve ser substituída ou revogada” (art.º 254/1); sempre verificando
“os fundamentos da elevação dos prazos de prisão preventiva, nos termos e para os
efeitos do disposto nos números 2, 3 e 4 do artigo 256” (art.º 254/2).
As decisões sobre a substituição, revogação ou manutenção da prisão preventiva
são sempre precedidas de audição do “Ministério Público e do arguido (art.º 254/3), e
devidamente fundamentadas. Este dever de fundamentação retira-se do n.º 4 deste
artigo: “A fim de fundamentar as decisões sobre a substituição, revogação ou
manutenção da prisão preventiva, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério
Público ou do arguido, pode solicitar a elaboração de relatório social ou de informação

28
“Mostrando-se que o arguido a sujeitar a prisão preventiva sofre de anomalia psíquica, o juiz pode
impor, ouvido o defensor e, sempre que possível, um familiar, que, enquanto a anomalia persistir, em vez
da prisão tenha lugar internamento preventivo em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento
análogo adequado, adoptando as cautelas necessárias para prevenir os perigos de fuga e de cometimento
de novos crimes” (art.º 243/2).

16
dos serviços de reinserção social, desde que o arguido consinta na sua realização” (art.º
254/4).
As decisões relativas à aplicação e reexame da prisão preventiva podem ser
impugnadas por via de recurso (ordinário), nos termos gerais (art.ºs 262 e 451 e segs),
nomeadamente quanto aos pressupostos e às questões processuais que lhes digam
respeito, sem prejuízo de recurso à providência de habeas corpus por virtude de prisão
ilegal com abuso de poder (art.ºs. 66, da CRM e 265 a 268 do CPP), com os fundamentos
taxativamente enumerados no n.º 2 do art.º 265/2: (a) efectuada ou ordenada por
entidade incompetente; (b) motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou (c)
mantida para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.
O regime processual de duração e subsistência da medida de prisão preventiva
permite identificar dois planos distintos de análise. Por um lado, o da disciplina dos
prazos de duração máxima cujo esgotamento determina a extinção da medida e a
imediata libertação do arguido (art.ºs 256 a 259). Por outro, o do reexame dos
pressupostos da sua aplicação, cuja actualidade se visa garantir pelo tempo
estritamente necessário à realização das suas concretas finalidades, respeitando,
sempre, aqueles limites temporais máximos (art.º 254).
Desta distinção resultam consequências quanto ao modo de impugnação – no
primeiro caso, a prisão, a manter-se, sem lei que a permita, configura uma situação a
que pode ser posto termo por via da providência de habeas corpus (art.º 265/2, al. c));
no segundo, a lei oferece a via do recurso ordinário. O que significa que, como tem sido
repetido na jurisprudência do STJ, não sendo os prazos máximos de reexame prazos
máximos de duração da prisão, a sua não observância não constitui fundamento
de habeas corpus.

3. Os prazos máximos das diversas medidas (art.º 256 e 260)


3.1. Das medidas em geral
À obrigação de apresentação periódica (art.º 239) e a suspensão do exercício de
funções, de profissão e de direitos (art.º 240), extinguem-se quando, desde o início da
sua execução, tiver decorrido o dobro dos prazos referidos no art.º 256/1 (com a
redacção da Lei n.º 18/2020), ou seja: (a) 8 meses desde o seu início, sem que tenha sido

17
deduzida acusação; (b) 8 meses depois da notificação da acusação, sem que, havendo
lugar à audiência preliminar, tenha sido proferido despacho de pronúncia (art.º 260/1).
À proibição e imposição de condutas (art.º 241), é aplicável, igualmente, art.º
256/1, com as possibilidades de elevação do prazo, previstas nos n.ºs 2 e 3 do mesmo
artigo. Casos de suspensão… alínea a) do número 1 e no número 2 ambos do 258”.
A obrigação de permanência na habitação. “À medida de coacção prevista no
artigo 242 é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 256, 258 e 259”.
Atendendo a esta indexação que é feita ao art.º 256, e ás alterações entretanto
introduzidas a esse artigo, deixou de haver prazos até que tenha havido condenação em
1.ª instância; e até que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
Vejamos o problema.

3.2. Os prazos máximos da prisão preventiva, em especial (art.º 256)

Como não poderia deixar de ser, em homenagem ao princípio da presunção de


inocência, que é reconhecido tanto pela Constituição da República (cfr. art.º 59/2 da
CRM), como em vários instrumentos internacionais de que Moçambique é parte (alguns
com valor supraconstitucional, cfr. art.º 43 da CRM), a prisão preventiva está – nos
termos do art.º 64/1 da CRM –, sujeita a prazos29, salvo opinião mais esclarecida, em
todas as fases processuais. Por maioria de razão, sobretudo a partir do momento em
que a aquisição e segurança das provas está já adquirida.
A delimitação da regra aqui contida na parte final do n.º 1 em análise, apela ao
manejo de instrumentos metódicos de interpretação (sobretudo de interpretação
sistemática ou teleológica), o que implica que o intérprete deverá investigar
o significado da norma em coerência com o conjunto normativo da Constituição e não
de forma isolada30. O que implica, desde logo, a conjugação desta norma com o art.º

2929
V. JOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS: “Critérios da prisão preventiva”, in Revista Portuguesa de Ciência
Criminal, Ano 10, Fasc. 3.º, Jul/Set 2000, pp. 431 ss.
30
Cfr. CLAUS-WILHEM CANARIS: Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito,
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1995, passim; KARL LARENZ: Metodologia da ciência do
direito (2 ed.), Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1989, pp. 531-532.

18
61/1 da CRM, donde resulta que esses prazos terão de ser fixados de forma que a
duração da prisão preventiva não seja indefinida31.
Foi com base nesta linha argumentativa que, na vigência do anterior Código de
Processo Penal, de 1929, o Conselho Constitucional declarou inconstitucional a norma
constante do § 3º do seu artigo 308º “por violação do comando normativo que resulta
da interpretação conjugada do disposto no nº 1 do artigo 64, in fine, e no nº 1 do artigo
61, ambos da Constituição, nos termos do qual a lei não deve fixar prazos de prisão
preventiva de duração indefinida”32.
Curiosamente… inconstitucionalidade por omissão…
Mas disse mais, com relevância para o problema em análise: disse que “a
omissão da definição legal do prazo do julgamento […] não se conforma com o princípio
do direito de acesso à justiça, na vertente em que esse princípio reconhece o direito de
o cidadão obter uma decisão judicial dentro de um prazo razoável, conforme previsto
na alínea d) do artigo 7 da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos ratificada
pela Assembleia da República através da Resolução nº 9/98, de 25 de Agosto,
instrumento de harmonia com o qual devem ser interpretados e integrados os preceitos
constitucionais relativos aos direitos fundamentais, por força do disposto no artigo 43
da Constituição” 33 . A que acresce agora, o consagrado no art.º 2/1 do Código de
Processo Penal, “Todo o arguido tem o direito de ser julgado no mais curto prazo,
compatível com as garantias de defesa”34.
Com a aprovação do novo Código de Processo Penal, pela Lei n.º 25/2019, de 26
de Dezembro, a prisão preventiva passou a estar submetida a prazos, em todas as fases

31
Isto mesmo se escreveu no Acórdão nº 04 /CC/2013, de 17 de Setembro, no Processo nº 03/CC/2013,
pp. 29-30: “da interpretação do disposto na parte final do nº 1 do artigo 64, segundo a qual a lei deve fixar
os prazos de prisão preventiva, conjugada com o nº 1 do artigo 61 da Constituição [medidas de duração
indefinida], resulta que o legislador tem de fixar esses prazos de tal forma que a duração da prisão
preventiva esteja definida”.
32
Acórdão nº 04 /CC/2013, p. 32.
33
Acórdão nº 04 /CC/2013, p. 30.
34
Resultava já das alíneas c) e d) do art.º 7.º/1 da CADHP, ex-vi art.º 43 da CRM, mas que agora aqui se
reconhece neste art.º 2/1 do Código de Processo Penal. A lei estabelece como regra um prazo de duração
de cada fase processual, mas não sanciona a violação desses prazos, considerando-os por isso como mera-
mente ordenadores, nomeadamente, os prazos da instrução (art.º 323 do Código de Processo Penal, e da
audiência preliminar, art.º 352 do Código de Processo Penal). Parece-me que seria conveniente a
obrigatoriedade de decisão expressa sobre a prorrogação dos prazos, i.e., em vez de se aguardar pelo
incidente de aceleração processual, exigir que a autoridade responsável pela fase respectiva tivesse de
promover junto de outra a prorrogação do prazo, justificando a necessidade da sua prorrogação, como
sucede no domínio do segredo de justiça (art.º 99/6 do Código de Processo Penal).

19
processuais, nos termos da redacção originária do seu art.º 256. Contudo, ainda no
período de vacatio legis, este art.º 256 foi alvo de uma alteração, dada pela Lei n.º
18/2020, de 23 de Dezembro, que suprimiu os prazos de prisão preventiva até ao
julgamento, e até ao trânsito em julgado da sentença. Passando, doravante, a prever
apenas prazos de duração máxima da prisão preventiva até à dedução da acusação
(alínea a) do n.º 1), e até à prolação do despacho de pronúncia (alínea b) do n.º 1), nos
casos em que tenha sido requerida a audiência preliminar.
Por conseguinte, no espaço que medeia entre o despacho de acusação e/ou de
pronúncia e o julgamento, i.e., sem que tenha havido condenação em primeira instância
(cfr. alínea c) do art.º 256 do Código de Processo Penal, na versão originária), deixa de
haver, na lei processual penal moçambicana, um prazo máximo de prisão preventiva.
Depois, estando o processo em recurso, no caso de o arguido ter sido condenado
à pena de prisão, a prisão preventiva extinguir-se-á ao atingir a duração da pena fixada
em primeira instância (n.º 5 do actual art.º 256 do Código de Processo Penal), podendo,
eventualmente, ser extinta por decisão do juiz relator do processo em recurso, quando
a prisão preventiva tiver durado por tempo correspondente à metade da pena fixada,
desde que verificados os pressupostos da liberdade condicional (cfr. art.º 153 do Código
Penal).
Perante este novo regime, e contrariando toda a linha argumentativa expendida
no citado Acórdão nº 04/CC/2013, qual “Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde”, no
Acórdão n.º 03/CC/2022, de 17 de Junho, no Processo n.º 02/CC/2021, o Conselho
Constitucional veio a alterar, radicalmente, sem qualquer fundamentação minimamente
plausível, o seu entendimento, chegando mesmo a afirmar que não se descortina no
presente artigo que venho comentando, “alguma imposição visando a fixação de prazos
para todas as fases até à decisão judicial final”35, decidindo não declarar inconstitucional
a nova redacção do art.º 256, que suprimiu os prazos de duração máxima da prisão
preventiva até ao julgamento em primeira instância, e até ao transito em julgado do
processo. O que, salvo o devido respeito, viola ostensivamente a norma aqui em análise,
sobretudo quando devidamente conjugada com o art.º 61/1 da CRM, no sentido que
proíbe qua a prisão preventiva tenha uma diração indefinida, e com a alínea d) do artigo

35
Acórdão nº 03/CC/2022, de 17 de Junho, Processo n.º 02/CC/202, p. 19.

20
7 da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, com valor supraconstitucional,
por força do art.º 43 da CRM, no sentido em que essa norma reconhece o direito a ser
julgado dentro de um prazo razoável36.

Redacção originária. Artigo 256 (Prazos de duração máxima da prisão preventiva)


1. A prisão preventiva extinguir-se-á quando, desde o seu início, tiverem decorrido: a) 4
meses, sem que tenha sido deduzida acusação; b) 8 meses, sem que, havendo lugar
audiência preliminar, tenha sido proferido despacho de pronúncia; c) 14 meses, sem que
tenha havido condenação em 1.ª instância; d) 18 meses, sem que tenha havido
condenação com trânsito em julgado.

Lei n.º 18/2020, de 23 de Dezembro: Altera os artigos 159, 256, o Capítulo III, do Título
I do Livro X, os artigos 485, 486, 487, 488, do Código de Processo Penal, aprovado pela
Lei n.º 25/2019, de 26 de Dezembro
Artigo 256
(Prazos de duração máxima da prisão preventiva)
1. A prisão preventiva extinguir-se-á quando tiverem decorrido:
a) 4 meses desde o seu início, sem que tenha sido deduzida acusação;
b) 4 meses depois da notificação da acusação, sem que, havendo lugar à
audiência preliminar, tenha sido proferido despacho de pronúncia.
2. Os prazos referidos no número 1 do presente artigo são elevados,
respectivamente, até 6 e 10 meses, em caso de terrorismo, criminalidade violenta ou
altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de
máximo superior a 8 anos.
3. Os prazos referidos no número 1 do presente artigo são elevados,
respectivamente, para 12 e 16 meses quando o procedimento for pelas infracções
descritas no número 2 do presente artigo e se revelar de excepcional complexidade,
relativamente à qualidade dos ofendidos ou pelo carácter altamente organizado do
crime.

36
Sufragando este entendimento, veja-se com particular interesse neste Acórdão, os votos de vencido do
Juiz Conselheiro Ozias Pondja (pp. 34-37), sufragada e acrescentada pelo Juiz Conselheiro Albano Macie
(pp. 37-43), ambos no citado Acórdão n.º 03/CC/2022.

21
4. A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser
declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a
requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.
5. No caso de o arguido ter sido condenado à pena de prisão, estando o processo
em recurso, a prisão preventiva extinguir-se-á se ela tiver a duração da pena fixada em
primeira instância.
6. A prisão preventiva pode ser extinta, por decisão do juiz relator, quando,
estando o processo em recurso, a prisão preventiva tiver durado por tempo
correspondente à metade da pena fixada, desde que verificados os pressupostos da
liberdade condicional (cfr. art.º 153 do CP)37.
7. A existência de vários processos contra o arguido por crimes praticados antes
de lhe ter sido aplicada a prisão preventiva não permite exceder os prazos previstos nos
números anteriores do presente artigo.
8. Na contagem dos prazos de duração máxima da prisão preventiva, são
incluídos os períodos em que o arguido tiver estado sujeito a obrigação de permanência
na habitação.

37
ARTIGO 153 (Liberdade condicional) 1. Os condenados a penas privativas de liberdade de duração
superior a seis meses podem ser postos em liberdade condicional pelo tempo que restar para o
cumprimento da pena, quando tiverem cumprido metade desta e mostrarem capacidade e vontade de se
adaptar à vida honesta. 2. Excluem-se do disposto no número anterior os condenados por um dos crimes
previstos no artigo 69, que só podem ser colocados em liberdade condicional se tiverem cumprido, pelo
menos, três quartos da pena, além de se mostrarem arrependidos e aptos para seguir vida honesta.
ARTIGO 69 (Proibição de aplicação) […]: a) crime contra a humanidade e identidade cultural; b) homicídio
doloso; c) violação de menor; d) rapto ou tráfico de pessoas; e) tráfico de estupefaciente ou de substâncias
psicotrópicas; f) terrorismo ou outro tipo de criminalidade organizada ou associação criminosa; g)
cometidos com o uso de armas de fogo ou com violência ou cometidos com ameaça graves contra as
pessoas; h) cometido contra criança, incapaz, idoso ou mulher grávida; i) branqueamento de capitais,
corrupção e crime conexo; j) violência física grave cometida contra cônjuge, pessoa com quem viva como
tal, ex-cônjuge, parceiro ou ex-parceiro, namorado ou ex-namorado e familiar; k) de acidente de viação
de que resulte morte, praticado em estado de embriaguez igual ou superior a 1,2 mg/l ou sob efeito de
substância psicotrópica ou estupefaciente; e l) caça, abate ou pesca de espécies de flora e de fauna
protegidos ou proíbidos.

22
4. O regime da revogação, alteração e extinção das medidas de coação (art.º 253).

As medidas de coacção são imediatamente revogadas, por despacho do juiz,


sempre que se verificar: (a) terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições
previstas na lei; ou (b) terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a
sua aplicação (art.º 253/1), podendo de novo ser aplicadas (salvaguardada a unidade
dos prazos que a lei estabelecer), se sobrevierem motivos que legalmente justifiquem a
sua aplicação (art.º 253/2).
“Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que
determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos
grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução” (art.º 253/3).
“A revogação e a substituição previstas neste artigo têm lugar oficiosamente ou
a requerimento do Ministério Público ou do arguido, devendo estes, sempre que
necessário, ser ouvidos (art.º 253/4. 1.ª parte)38.

Artigo 255 (Extinção das medidas)


1. As medidas de coacção extinguem-se de imediato: a) com o arquivamento dos
autos de instrução, se não for requerida audiência preliminar; b) com o trânsito em
julgado do despacho de não pronúncia; c) com o trânsito em julgado do despacho que
rejeitar a acusação, nos termos do número 2, do artigo 357. d) com a sentença
absolutória, mesmo que dela tenha sido interposto recurso; ou e) com o trânsito em
julgado da sentença condenatória.
2. A medida de prisão preventiva extingue-se igualmente de imediato quando
tiver lugar sentença condenatória, ainda que dela tenha sido interposto recurso, se a
pena aplicada não for superior à prisão já sofrida.
3. Se, no caso da alínea d) do número 1, o arguido vier a ser posteriormente
condenado no mesmo processo, pode, enquanto a sentença condenatória não transitar
em julgado, ser sujeito a medidas de coacção previstas neste Código e admissíveis no
caso.

38
“Se, porém, o juiz julgar o requerimento do arguido manifestamente infundado, condena-o ao
pagamento de uma multa entre 1 a 5 salários mínimos” (art.º 253/4, 2.ª parte). Litigância de má-fé em
Direito Penal?

23
4. Se a medida de coacção for a de caução e o arguido vier a ser condenado em
prisão, aquela só se extingue com o início da execução da pena.

Artigo 261 (Efeitos da extinção das medidas de coacção) A extinção das medidas
de coacção não prejudica os termos ulteriores da marcha processual.

Os modos de impugnação das diversas medidas (art.º 262)


1.1. O recurso

Artigo 262 (Impugnação) 1. Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, da


decisão que aplicar ou mantiver medidas previstas no presente título cabe recurso, a
julgar no prazo máximo de 30 dias a partir do momento em que os autos forem
recebidos. 2. A impugnação por meio de habeas corpus obedece ao regime fixado nos
artigos seguintes, contanto que não se reproduza nele os fundamentos invocados no
recurso.

1.2. O habeas corpus

Artigo 263 (Habeas corpus em virtude de detenção ilegal) 1. Os detidos à ordem de


qualquer autoridade podem requerer ao juiz de instrução da área onde se encontrarem
que ordene a sua imediata apresentação judicial, com algum dos seguintes
fundamentos: a) estar excedido o prazo para entrega ao poder judicial; b) manter-se a
detenção fora dos locais legalmente permitidos; c) ter sido a detenção efectuada ou
ordenada por entidade incompetente; d) ser a detenção motivada por facto pelo qual a
lei a não permite.

Artigo 264 (Procedimento) 1. Recebido o requerimento, o juiz de instrução, se o não


considerar manifestamente infundado, ordena, por via telefónica, se necessário, a
apresentação imediata do detido, sob pena de desobediência qualificada. 2.
Conjuntamente com a ordem referida no número 1, o juiz manda notificar a entidade
que tiver o detido à sua guarda, ou quem puder representá-la, para se apresentar no
mesmo acto munida das informações e esclarecimentos necessários à decisão sobre o

24
requerimento. 3. O juiz decide, ouvidos o Ministério Público e o defensor constituído ou
nomeado para o efeito, em prazo nunca excedente a 48 horas. 4. Se o juiz recusar o
requerimento por manifestamente infundado, condena o requerente ao pagamento de
uma soma entre um a 5 salários mínimos.

Artigo 265 (Habeas corpus em virtude de prisão ilegal) 1. A qualquer pessoa que
se encontrar ilegalmente presa, o Tribunal Superior de Recurso concede, sob petição, a
providência de habeas corpus. 2. A petição é formulada pelo preso ou por qualquer
cidadão no gozo dos seus direitos políticos e é dirigida, em duplicado, ao Presidente do
Tribunal Superior de Recurso, apresentada a autoridade à ordem da qual aquele se
mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão: a) efectuada ou ordenada
por entidade incompetente; b) motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c)
mantida para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

Artigo 266 (Tramitação) 1. Recebida a petição com a informação sobre as


condições que fundam a providência, ela é imediatamente submetida à distribuição. 2.
O Presidente do Tribunal Superior de Recurso remete logo o duplicado à entidade
responsável pela prisão, a qual responde dentro do mais breve prazo possível, em
atenção ao disposto no número 3 do artigo 264. 3. Se da informação constar que a prisão
se mantém, o Presidente do Tribunal Superior de Recurso convoca a secção criminal,
que delibera nos 8 dias subsequentes, notificando o Ministério Público e o defensor,
nomeando este, se não estiver já constituído. 4. O relator faz uma exposição da petição
e da resposta, após o que é concedida a palavra, por 15 minutos, ao Ministério Público
e ao defensor; seguidamente, a secção reúne para deliberação, a qual é imediatamente
tornada pública. 5. A deliberação pode ser tomada no sentido de: a) indeferir o pedido
por falta de fundamento bastante; b) mandar colocar imediatamente o preso à ordem
do tribunal requerente e no local por este indicado, nomeando um juiz para proceder a
averiguações, dentro do prazo que lhe for fixado, sobre as condições de legalidade da
prisão; c) mandar apresentar o preso no tribunal competente e no prazo de 24 horas;
ou d) Declarar ilegal a prisão e, se for caso disso, ordenar a libertação imediata. 6. Tendo
sido ordenadas averiguações, nos termos da alínea b) do número 5 do presente artigo,
é o relatório apresentado à secção criminal, a fim de ser tomada a decisão que ao caso

25
couber dentro de 8 dias. 7. Caso o tribunal julgue que a petição de habeas corpus é
manifestamente infundada, condena o peticionante no pagamento de uma multa fixada
entre um a 10 salários mínimos.

Artigo 267 (Comunicação da decisão e execução) 1. Sendo procedente o pedido,


a decisão é ainda comunicada aos serviços de identificação civil através do boletim do
registo criminal. 2. Compete aos oficiais de justiça acompanhar a execução da decisão
e, designadamente, fazer cumprir a ordem judicial.

Artigo 268 (Incumprimento da decisão) É punível com as penas correspondentes


ao crime de desobediência qualificada quem se recusar a cumprir a decisão do tribunal
requerido, sobre a petição de habeas corpus, quanto ao destino a dar à pessoa presa.

Prisão preventiva ilegal ou injustificada: o regime da indemnização

Nos casos de prisão preventiva ilegal ou injustificada, pode o cidadão demandar


o Estado em sede de responsabilidade civil do Estado (cfr. art.º 58 da CRM). Em princípio
não se colocam dúvidas naqueles casos em que a ilegalidade é logo decidida em sede de
habeas corpus em virtude de detenção ilegal (art.º 263 e ss do Código de Processo
Penal), ou de prisão preventiva ilegal (art.º 265 e ss do Código de Processo Penal), ou
naqueles casos – despacho de abstenção, ou de não pronúncia, ou absolvição
inequívoca – em que a inocência é claramente reconhecida. Agora, e se a decisão de não
condenação, ou não pronúncia, for tomada, por falta de elementos suficientes de prova,
aplicando-se neste caso o princípio do in dúbio pro reo (art.º 3/3 do Código de Processo
Penal)? Ou ainda, que posição adoptar, por exemplo, sobre um reconhecido criminoso,
por uma vez erradamente preso preventivamente? Não parece sequer questionável que
a privação total, ou parcial, da liberdade, contra o disposto na Constituição ou na lei,
constitui, em princípio, o Estado no dever de indemnizar o lesado.
Mas há um outro tipo de situações que aqui se podem discutir – e têm sido discutidas –
são aquelas em que, diz-se, uma prisão preventiva tenha sido “legal”, mas que posteriormente
se tenha revelado injustificada por “erro” na apreciação dos respectivos pressupostos de facto;

26
ou àquelas a que, simplesmente, se seguiu a absolvição, ou a não pronúncia. Este tipo de casos,
a chamada prisão preventiva “legal”, que posteriormente se vem a revelar injustificada por
“erro” na apreciação dos respectivos pressupostos de facto; ou à qual se seguiu a absolvição, ou
a não pronúncia do arguido, são em bom rigor, salvo o devido respeito, uma verdadeira
contraditio in termini. Se o erro, tout court, é normalmente entendido como um
desconhecimento ou uma falsa representação da realidade, fáctica ou normativa39, traduz-se
numa inadequação por defeito ou por excesso. Ora, se isto é assim, não se vislumbra como é
que uma prisão pode ser “legal” e ao mesmo tempo inadequada por defeito ou por excesso.
Uma prisão preventiva, ou qualquer outra medida de coacção, decretada em erro, e que não
necessita de ser “grosseiro”, ou “manifesto” é, desde logo ilegal, porque contrária ao princípio
da proporcionalidade, tanto na sua vertente de adequação, como de necessidade 40 , e, por
maioria de razão, de racionalidade, a que o juiz está sujeito na aplicação de medidas de coacção,
por força art.º 56/2 da CRM. E do art.º 234 do Código de Processo Penal.

É um problema de responsabilidade do Estado por privação de liberdade ilegal,


ou injustificada (excessiva)
O que está em causa são os casos de detenção (art.ºs 297 e ss do CPP), prisão
preventiva (art.º 243 e 245 do CPP) ou domiciliária (art.º 242 e 245 do CPP) de carácter
ilegal ou injustificada.
E aqui, desde logo, um conjunto de questões se pode colocar: sob que
fundamento repousa a responsabilidade do Estado neste tipo de casos? Uma “falta” do
serviço público de justiça? Uma responsabilidade sem “falta”? E o que se vai

39
V. JOÃO AVEIRO PEREIRA: A Responsabilidade Civil por Actos Jurisdicionais, Coimbra Editora, Coimbra, 2001,
p. 215. Já o erro grosseiro é o erro indesculpável, crasso, em que só se cai por falta de conhecimento ou
diligência. Na definição de Manuel de Andrade, “é de facto o erro que verse sobre qualquer outra
circunstância que não a existência ou conteúdo de uma norma jurídica”; e será grosseiro “qualquer erro
indesculpável no sentido de escandaloso, crasso ou supino, que procede de culpa grave do errante”,
MANUEL A. DOMINGOS DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, Coimbra, 1974, V. II, pp. 234
e 239. JOÃO AVEIRO PEREIRA, A Responsabilidade, p. 215, dá como exemplos: o caso em que o juiz aplica a
medida de prisão preventiva com fundamento na prática de um crime a que corresponde pena de prisão
de máximo inferior a três anos; ou de um juiz de instrução criminal que no final do debate instrutório
profere uma decisão de não pronúncia quanto a um dos arguidos preventivamente preso e, apesar disso,
ordena a continuação de todos os arguidos nessa situação, incluindo o não pronunciado.
40
Neste sentido, e relativamente a uma figura próxima, a do erro manifesto, escreve Freitas do Amaral
que “as hipóteses de erro manifesto de apreciação correspondem, dogmaticamente, a situações de
desrespeito do princípio da proporcionalidade, na sua vertente de adequação”. DIOGO FREITAS DO AMARAL,
Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2001, p. 84; LAURENT HABIB, “La notion d’erreur
manifeste d’apreciation dans la jurisprudence du Conseil constitutionnel”, in Revue de Droit Public, n.º 3,
1986, pp 694-730.

27
indemnizar? Em princípio não se colocam dúvidas naqueles casos em que a ilegalidade
é logo decidida em sede de habeas corpus em virtude de detenção ilegal (art.º 263 e ss
do CPP), ou de prisão preventiva ilegal (art.º 265 e ss do CPP), ou naqueles casos –
despacho de abstenção, ou de não pronúncia, ou absolvição inequívoca – em que a
inocência é claramente reconhecida. Agora, e se a decisão de não condenação, ou não
pronúncia, for tomada, por falta de elementos suficientes de prova, aplicando-se neste
caso o princípio do in dúbio pro reo. Ou ainda, que posição adoptar, por exemplo, sobre
um reconhecido criminoso, por uma vez erradamente preso preventivamente? Em
relação a este tipo de casos, coloca-se, necessariamente uma questão, aliás, já
formulada por Gomes Canotilho num outro contexto jurídico, e que é a de saber se “O
cumprimento de uma pena [ou de uma medida de coacção] a que seguiu a absolvição
[ou a não 14 pronúncia] será um simples “dever de cidadania” ou se, diferentemente,
constituirá “uma lesão de um direito, liberdade e garantia?”37 . Qual seria então a
justiça do “sistema, pronto a reconhecer o direito à indemnização por danos causados
à sua propriedade imobiliária, ao seu comércio e indústria, ao seu automóvel, mas
reticente em aceitar o dever ressarcitório por danos emergentes da violação da
liberdade individual. A ser ‘justa’ esta ‘justiça’, justificar-se-ia a ilação caricatural de
Gomes Canotilho, de que os amortecedores, a chapa e as jantes de um automóvel que
‘tropeçaram’ num buraco traiçoeiro da estrada “valeriam mais do que a liberdade
individual!”38 . E, portanto, não parece sequer questionável que a privação total, ou
parcial, da liberdade, contra o disposto na Constituição ou na lei, constitui, em princípio,
o Estado no dever de indemnizar o lesado. Mas há um outro tipo de situações que aqui
se podem discutir – e têm sido discutidas – são aquelas em que, diz-se, uma prisão
preventiva tenha sido legal, mas que posteriormente se tenha revelado injustificada por
“erro” na apreciação dos respectivos pressupostos de facto; ou àquelas a que,
simplesmente, se seguiu a absolvição, ou a não pronúncia. Este tipo de casos, a chamada
prisão preventiva “legal”, que posteriormente se vem a revelar injustificada por “erro”
na apreciação dos respectivos pressupostos de fato; ou à qual se seguiu a absolvição, ou
a não pronúncia do arguido, são em bom rigor, salvo o devido respeito, uma verdadeira
contraditio in termini. Mas vejamos o que está em causa. Se o erro, tout court, é
normalmente entendido como um desconhecimento ou uma falsa representação da
realidade, fáctica ou normativa39, traduz-se numa inadequação por defeito ou por

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excesso. Ora, se isto é assim, não se vislumbra como é que uma prisão pode ser “legal”
e ao mesmo tempo inadequada por defeito ou por excesso. Uma prisão preventiva, ou
qualquer outra medida de coacção, decretada em erro, e que não necessita de ser
“grosseiro”, ou “manifesto” é, desde logo ilegal, porque contrária ao princípio da
proporcionalidade, tanto na sua vertente de adequação, como de necessidade 40, e, por
maioria de razão, de racionalidade, a que o juiz está sujeito na aplicação de medidas de
coacção, por força art.º 56/2 da CRM.

As medidas de garantia patrimonial (art.º 269)


Artigo 269
(Caução económica)
1. Havendo fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as
garantias de pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer
outra dívida para com o Estado relacionada com o crime, o Ministério Público requer
que o arguido preste caução económica. O requerimento indica os termos e
modalidades em que deve ser prestada.
2. Havendo fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as
garantias de pagamento da indemnização ou de outras obrigações civis derivadas do
crime, o lesado pode requerer que o arguido ou o civilmente responsável prestem
caução económica, nos termos do número 1.
3. A caução económica prestada a requerimento do Ministério Público aproveita
também ao lesado. Mas…
4. A caução económica mantém-se distinta e autónoma relativamente à caução
referida no artigo 238 e subsiste até à decisão final absolutória ou até à extinção das
obrigações. Em caso de condenação são pagas pelo seu valor, sucessivamente, a multa,
o imposto de justiça, as custas do processo e a indemnização e outras obrigações civis.
Artigo 270 (Arresto preventivo) 1. Se o arguido ou o civilmente responsável não
prestarem a caução económica que lhes tiver sido imposta, pode o juiz, a requerimento
do Ministério Público ou do lesado, decretar o arresto, nos termos da lei do processo
civil. 2. O arresto referido no número 1 pode ser decretado mesmo em relação a
comerciante. 3. A oposição ao despacho que tiver decretado arresto não possui efeito
suspensivo. 4. Em caso de controvérsia sobre a propriedade dos bens arrestados, pode

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o juiz remeter a decisão para tribunal civil, mantendo-se, entretanto, o arresto
decretado. 6. O arresto é revogado a todo o tempo em que o arguido ou o civilmente
responsável prestem a caução económica imposta.

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