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MATERIAL DE APOIO

DIREITO PENAL I
Prof. Me. Rafael de Andrade Soto
rafael.soto@cesuca.edu.br

2022
CENTRO UNIVERSITÁRIO CESUCA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO - DISCIPLINA DE DIREITO PENAL I
PROF. ME. RAFAEL SOTO (RAFAEL_SOTO@CESUCA.EDU.BR)

SUMÁRIO

FUNDAMENTOS CRIMINOLÓGICOS ................................................................ 5

1. ESCOLA CLÁSSICA DA CRIMINOLOGIA ....................................................... 5

2. ESCOLA POSITIVA ................................................................................. 7

3. ESCOLA DE CHICAGO - TEORIA ECOLÓGICA ............................................... 8

4. TEORIAS DA ANOMIA ........................................................................... 10

5. TEORIA DAS SUBCULTURAS CRIMINAIS .................................................... 12

6. CRIMES DE 'COLARINHO BRANCO' E A TEORIA DA ASSOCIAÇÃO DIFERENCIAL . 13

7. TEORIA DO LABELING APPROACH (ETIQUETAMENTO) E DESVIO.................... 14

8. ABOLICIONISMO PENAL ........................................................................ 15

9. MINIMALISMO PENAL E GARANTISMO ..................................................... 16

FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL .............................................................. 18

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ..................................................................... 18

1.1. CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DO DIREITO PENAL ................................ 18

1.2. FUNÇÕES ....................................................................................... 19

2. CIÊNCIAS CRIMINAIS ............................................................................ 20

3. DO DELITO ......................................................................................... 21

4. FONTES DO DIREITO PENAL ................................................................... 22

5. INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI PENAL ......................................... 25

6. APLICAÇÃO DA LEI PENAL ..................................................................... 26

6.1. ANTERIORIDADE DA LEI PENAL - Art. 1º, CP ........................................... 26

6.2. LEI PENAL EM BRANCO .................................................................... 27

6.3. LEI PENAL NO TEMPO ...................................................................... 27

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6.4. TEMPO DO CRIME ........................................................................... 29

6.5. CONCURSO APARENTE DE NORMAS .................................................... 30

6.6. LEI EXCEPCIONAL E LEI TEMPORÁRIA ................................................. 31

7. LEI PENAL NO ESPAÇO E TERRITORIALIADE PENAL ..................................... 32

7.1. LUGAR DO CRIME ............................................................................ 33

7.2. EXTRATERRITORIALIDADE ............................................................... 34

8. CONTAGEM DE PRAZO PENAL - Art. 10, CP ................................................. 35

9. LEI PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS ........................................................ 35

10. EFICÁCIA DE SENTENÇA ESTRANGEIRA .................................................... 37

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 38

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PLANO DE ENSINO

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FUNDAMENTOS CRIMINOLÓGICOS

1. ESCOLA CLÁSSICA DA CRIMINOLOGIA

Não existe condições exatas de fornecer algo sistematicamente pronto antes do


início da escola clássica, pois o que em realidade havia eram trabalhos esparsos
(NASCIMENTO, p. 17). A expressão “Criminologia” teria sido utilizada pela primeira vez
pelo antropólogo francês Topinard, em 1883. Em 1885, Rafael Garófalo, apresenta uma
obra científica “A Criminologia” (NASCIMENTO, idem).
A base fundamental do pensamento iluminista foi a partir do reconhecimento do
estado social. No estado natural, os homens gozam de igual liberdade e se perdem pelo
contrato social, que fazem ganhar sua liberdade civil e a propriedade de tudo que
possuem. O delinquente que se coloca contra o contrato social é um traidor e, portanto,
é expungido do mesmo. (NASCIMENTO, p. 18).
Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, é quem melhor coloca o problema do delito
e da pena. Adotam os iluministas posição crítica acerca das coisas existentes e também
respeito ao Estado e sua estrutura. Pode-se dizer que neste período do desenvolvimento
do pensamento penal, assistimos a um processo que vai da filosofia do direito penal a uma
fundamentação filosófica da ciência do direito penal; ou seja, de uma concepção filosófica
para uma concepção jurídica, mas filosoficamente fundada, dos conceitos de delito,
responsabilidade penal e de pena (BARATTA, p 33).
A Escola Clássica considera a pena um mal que deve eliminar outro mal. Todos os
homens são iguais, livres e racionais. Por tal fato, a pena é eminentemente
retribucionista, e seu fundamento está em ter o homem conspurcado do social
(NASCIMENTO, p. 18). A pena serviria para a reparação do dano causado pela violação
do contrato social de Rousseau. A pena é certa e necessária para a reparação do dano
(SCHECAIRA, p. 93).
Para esta escola, a responsabilidade penal do criminoso baseia-se em sua
responsabilidade moral, e se sustenta pelo livre arbítrio, que é inerente ao ser humano. O
livre arbítrio, para os clássicos, existe em todos os homens psiquicamente desenvolvidos
e sãos. Possuindo tal faculdade, podem escolher entre os motivos diversos e contraditórios
e são moralmente responsáveis por terem a vontade livre e imperadora. O criminoso é
totalmente responsável porque tem a responsabilidade moral, e é moralmente
responsável porque possui o livre arbítrio (NASCIMENTO, p. 37).
Para os clássicos, o crime é resultado da vontade livre do homem, não sendo imposto
por outro motivo, baseando-se que o homem por possuir livre arbítrio, pratica a ação de
forma livre de quaisquer motivos - pressupostos liberais. Não se ocupam os clássicos dos
problemas sociais.
Segundo Baratta, a escola liberal clássica não considerava o delinquente como um
ser diferente do "indivíduo normal", não partia da hipótese de um rígido determinismo e

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se detinha principalmente sobre o delito, entendido como um ente jurídico, isto é, como
violação do direito e, também, daquele pacto social que estava, segundo a filosofia política
do liberalismo clássico, na base do Estado e do direito. Como comportamento, o delito
surgia da livre vontade do sujeito, não de causas patológicas (BARATTA, pp. 30-31).
O direito penal, em consequência, e a pena, eram considerados não tanto como meio
para intervir sobre o sujeito delinquente, modificando-o, mas sobretudo como
instrumento para defender a sociedade do crime, criando um dissuasivo, ou seja, uma
contramotivação em face do crime. Os limites da cominação e da aplicação da sanção
penal, assim como as modalidades de exercício do poder punitivo do Estado, eram
assinalados pela necessidade ou utilidade da pena e pelo princípio da legalidade
(BARATTA, p. 31).
Neste último aspecto, objetivavam substituir as práticas penais e penitenciárias do
ancien régime por uma política criminal inspirada em princípios radicalmente diferentes,
como princípio da humanidade, legalidade, utilidade, etc.
Em 1764, Beccaria apresenta a obra “Dos delitos e das penas”, destacando-se entre
seus postulados:

a) Somente leis podem fixar as penas para os crimes;


b) Somente os magistrados poderão julgar os delinquentes;
c) A atrocidade se opõe ao bem público;
d) Os juízes não podem interpretar as leis penais ou aplicar sanções
arbitrariamente;
e) Deverá existir proporção entre os delitos e as penas;
f) A finalidade das penas não é atormentar o culpado, mas impedir que agrida de
novo a sociedade e, por consequência, destruir a todos;
g) As acusações não devem ser secretas;
h) A tortura do acusado durante o processo é uma vergonha;
i) O réu não deve ser considerado culpado antes da sentença condenatória;
j) Não se deve exigir do réu o juramento;
k) A prisão preventiva não é sanção, mas apenas o meio de assegurar à pessoa do
presumível culpado e, portanto, deve ser a mais leve possível;
l) As penas devem ser iguais para todas as pessoas;
m) O roubo é filho da miséria e do desespero;
n) As penas devem ser moderadas;
o) A sociedade não tem direito de aplicar a pena de morte;
p) As penas não serão justas se a sociedade não houver empregado meios de
prevenir os delitos;
q) A prevenção dos delitos é muito mais útil que a repressão penal.

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2. ESCOLA POSITIVA

O principal método da escola bioantropológica da criminologia é o tipológico. Esta


escola adquiriu sua força em grande parte pelo apoio que lhe foi dado através da muito
difundida crença popular de que, em primeiro lugar, os delinquentes já nascem – e não se
tornam – delinquentes e, em segundo lugar, que os seus traços correspondem a
determinadas características físicas, o que os faz parecer diferentes, bem como facilmente
diferenciáveis dos seres humanos comuns (MANNHEIM, p. 315).
Os pensadores mais conhecidos da escola positiva, ditos precursores, são Cesare
Lombroso, Raffaelle Garófalo e Enrico Ferri.
A obra de Lombroso, intitulada “O Homem Delinquente” inaugura um novo período
da criminologia, denominado “científico”. Lombroso apresentou seu próprio retrato do
delinquente, examinando profundamente as características fisionômicas com dados
estatísticos que verificava desde a estrutura do tórax até o tamanho das mãos e das pernas.
A quantidade de cabelo, estatura, peso, incidência maior ou menor de barba, enfim, tudo
era circunstanciadamente analisado (SCHECAIRA, p. 95).
Adotou dezenas de parâmetros frenológicos para examinar as cabeças, pesando-as,
medindo-as e conferindo grande sentido científicos nos estudos do criminoso nato. Suas
pesquisas envolviam tópicos como capacidade craniana, capacidade cerebral,
circunferência, formato, diâmetro, feição, índices nasais, detalhes da mandíbula, fossa
occipital, dados esses que eram distribuídos conforme a região da Itália (SCHECAIRA, pp.
95-96).
Dos antropólogos que lhe precederam extraiu o conceito de atavismo e de espécie
não evolucionada, além de utilizar o conceito de criminoso nato. Quanto ao atavismo, por
exemplo, seus estudos compreendiam até mesmo um cotejo das tatuagens existentes nos
criminosos com os desenhos encontrados em cavernas pré-históricas (SCHECAIRA, p.
96).
Lombroso afirmava ser o crime um fenômeno biológico e não um ente jurídico
(como sustentava os clássicos), razão pela qual o método que deve ser utilizado para o seu
estudo havia de ser o experimental (indutivo). Suas pesquisas foram feitas em grande
parte em hospitais, manicômios e penitenciárias. Lombroso afirmava ser o criminoso um
ser atávico que representa a regressão do homem ao primitivismo. É um selvagem que já
nasce delinquente (SCHECAIRA, pp. 96-97).
Lombroso também afirmava que o mundo circundante era motivo desencadeador
de uma predisposição inata, própria do sujeito em referência. Ele não nega os fatores
exógenos, apenas afirma que estes só servem como desencadeadores dos fatores clínicos
(endógenos). Para Lombroso, o criminoso sempre nascia criminoso.
Enrico Ferri, sucessor do pensamento de Lombroso, foi um dos importantes
pensadores de seu tempo. Diferentemente de Lombroso, sua perspectiva de análise
voltava-se para as ciências sociais, com uma compreensão mais larga da criminalidade,

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evitando-se o reducionismo antropológico do iniciador da escola positivista italiana. Dizia


ele que o fenômeno complexo da criminalidade decorria de fatores antropológicos, físicos
e sociais. Em sua classificação de criminosos preponderam os fatores sociais.
Ferri critica o livre-arbítrio, sendo este uma mera ficção. A razão e o fundamento da
reação punitiva é a defesa social, que se promove mais eficazmente pela prevenção do que
pela repressão aos fatos criminosos.
Ferri identifica cinco espécies de criminosos: nato, louco, habitual, ocasional e
passional. Nato era o criminoso conforme a classificação original de Lombroso,
caracterizando-se pela impulsividade, que fazia com que o agente passasse à ação por
motivos absolutamente desproporcionados à gravidade do delito. Eram precoces e
incorrigíveis, com grande tenência à recidiva.
Louco é levado ao crime não somente pela enfermidade mental, mas também pela
atrofia do senso moral, que é sempre a condição decisiva na gênese da delinquência. O
habitual preenche um perfil urbano. É a descrição daquele que nascido e crescido num
ambiente de miséria moral e material começa com leves faltas até uma escalada obstinada
no crime. Ocasional está condicionado por uma forte influência de circunstâncias
ambientais: injusta provocação, necessidades familiares ou pessoais, facilidade de
execução, comoção pública, etc. sem tais circunstâncias não haveria atividade delituosa
que impelisse o agente no crime.
Rafaele Garofalo foi o terceiro grande nome do positivismo italiano. Garofalo afirma
que o crime sempre está no indivíduo, e que é a revelação de uma natureza degenerada,
quaisquer que sejam as causas dessas degenerações, antigas ou recentes. Introduz o
conceito de temibilidade que sustenta ser a perversidade constante e ativa do delinquente
e a quantidade do mal previsto que se deve temer por parte do mesmo delinquente. Sua
grande contribuição criminológica foi a tentativa de conceber um conceito delito natural,
buscando saber se entre "os delitos previstos pelas nossas leis atuais, há alguns que, em
todos os tempos e lugares, fossem considerados puníveis." O conceito de delito natural
passa a ser apresentado como a violação daquela parte do sentido moral que consiste nos
sentimentos altruístas fundamentais de piedade e probidade, segundo o padrão médio em
que se encontram as raças humanas superiores, cuja medida é necessária para a adaptação
do indivíduo à sociedade (SHECAIRA, p. 101).

3. ESCOLA DE CHICAGO - TEORIA ECOLÓGICA

Um trabalho importante no estudo do delito foi o elaborado pela chamada "Escola


Ecológica" da Sociologia Urbana ou Escola de Chicago, pois desenvolvido na Universidade
de Chicago nos anos 1920, focalizando o delito como uma parte de um amplo campo de
pesquisa, no qual os padrões dos indivíduos eram relacionados com as estruturas
ecológicas (meio ambiente), onde os referidos padrões eram encontrados (COSTA, p. 291).
A ideia central é que a cidade não é somente um amontoado de homens individuais
e de convenções sociais decorrentes do agrupamento humano. Não são só as ruas,
parques, metrô, redes de esgotos, etc. Ao contrário, a cidade é um estado de espírito, um

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corpo de costumes e tradições e dos sentimentos e atitudes organizados, inerentes a esses


costumes e transmitidos por essa tradição (SHECAIRA, p. 151).
A Escola de Chicago se dedicou a analisar a criminalidade urbana e sua distribuição
social (ELBERT, p. 158), pois a vida humana é o resultado de uma complexa adaptação à
essência do urbano, essência que não está definida nem pelo fato da alta densidade, nem
pela heterogeneidade de seus habitantes. As diferentes formas de adaptação das pessoas
à cidade têm uma mesma consequência e resultado: a implicação moral e social das
pessoas em um permanente processo interativo com a cidade. Nas grandes cidades cria-
se um permanente anonimato, que proporciona uma maior liberdade pessoal, ao mesmo
tempo em que pode vir a criar alienação e isolamento (Idem, p. 153).
Com o crescimento das cidades os hábitos dos homens passam a guardar certas
características por áreas. Os quarteirões assumem algo do caráter e qualidades de seus
habitantes. Cada parte da cidade, tomada em separado, inevitavelmente se cobre com os
sentimentos peculiares à sua população. Os homens passam a se conhecer, a se relacionar,
a se visitar mutuamente, o que acarreta muitas vezes em uma vigilância mútua,
mecanismo denominado de controle social informal, espécie de polícia natural que
coíbe certas atividades dos indivíduos.
Quanto maior é a mobilidade (constante processo de mudança) de uma organização
ecológica, menor é o controle social informal exercido pelo cidadão em face das relações
de vizinhança. Estas áreas de mobilidade são exatamente aquelas onde se desenvolvem
áreas de promiscuidade, vício, onde há maior delinquência juvenil, maior número de
menores abandonados, etc. A ruptura dos vínculos locais e a debilitação das restrições e
inibições do grupo primário, sob a influência do ambiente urbano, é em grande medida a
responsável pelo aumento das condutas delituosas nas cidades grandes.
A hipótese central dos sociólogos da escola ecológica era que os habitantes de áreas
conflitivas tinham mais possibilidades de delinquir que os residentes em áreas
"ordenadas", como as localizadas na periferia urbana. Sua atenção se dirigiu, então, aos
habitantes de setores pobres ou com pouca integração social; daí que se tenham
concentrado, no estudo de gangues juvenis, grupos recém-assentados, grupos ligados à
prostituição ou ao jogo, guetos raciais, famílias pobres, imigrantes de diversas
procedências e cultura, delinquentes adultos pobres, etc (ELBERT, p. 159).
Diante da situação, dois conceitos são básicos para a compreensão da teoria
ecológica aplicável ao seu efeito criminógeno: a definição de "desorganização social" e
a identificação de distintas "áreas de delinquência", que obedecem graus de tendência
(SCHECAIRA, p. 160). A desorganização social é uma experiência pela qual passa o recém-
chegado à cidade com uma rejeição de hábitos e concepções morais, acompanhados do
conflito interior e do seu sentimento de perda pessoal. Chicago oferecia um expressivo
exemplo do processo de desorganização social, em face de um grande número de
imigrantes estrangeiros e de migrantes do Sul dos EUA, em nada diferente do que
vivenciou o Brasil em algumas de suas capitais, como Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.
Estes fenômenos de abrupta expansão geravam indícios de desorganização social com
aumento excessivo de doenças, crimes, prostituição, desordens, insanidade, suicídios.

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O segundo conceito relevante é a existência de áreas de delinquência. Uma cidade


desenvolve-se, conforme a teoria ecológica, por meio de um conjunto de zonas ou anéis a
partir de uma área central. Divide-se a cidade por zonas, como zona comercial, zona
residencial, industrial, zona de transição. A partir daí, é possível visualizar as zonas de
conflitos, de guetos, de moradias de trabalhadores, de classe média, etc. Essa divisão
natural dos agrupamentos socioeconômicos dá forma e caráter à cidade; porque a
segregação oferece ao grupo e, portanto, aos indivíduos que o compõem, um lugar e papel
na organização total da vida da cidade.
Foram verificadas, pois, as áreas de delinquência, trechos da cidade que
apresentavam índices de criminalidade mais pronunciados e que estavam ligados à
degradação física, à segregação econômica, étnica, racial, às doenças, etc. Os estudos
estatísticos de milhares de casos lograram demonstrar que a criminalidade
correlacionava-se com a localização da residência daquelas pessoas nas cincos zonas
concêntricas (SHECAIRA, pp. 163-164).

4. TEORIAS DA ANOMIA

Na concepção de Durkheim, a anomia constitui situações de desregulação que


deixam os movimentos sociais sem um freio para discipliná-las. É uma ausência ou
desintegração das normas sociais. É a chamada crise de valores, causadora das grandes
mudanças comportamentais de nosso tempo. O foco é a ausência de normas sociais de
referência que acarreta uma ruptura dos padrões sociais de conduta, produzindo uma
situação de pouca coesão social (SHECAIRA, p. 215).
A teoria da anomia afirma que as (a) causas do desvio não devem ser pesquisadas
nem em fatores bioantropológicos e naturais (clima, raça), nem em uma situação
patológica da estrutura social; (b) o desvio é um fenômeno normal de toda estrutura social
e (c) somente quando são ultrapassados determinados limites, o fenômeno do desvio é
negativo para a existência e o desenvolvimento da estrutura social, seguindo-se um estado
de desorganização, no qual todo o sistema de regras de conduta perde valor, enquanto
um novo sistema ainda não se afirmou (esta é a situação de "anomia"). Ao contrário,
dentro de seus limites funcionais, o comportamento desviante é um fator necessário e útil
para o equilíbrio e o desenvolvimento sócio-cultural (BARATTA, pp. 59-60).
Durkheim não via o delinquente como "ser radicalmente antissocial", mas
principalmente, como "um agente regulador da vida social". Esta visão funcionalista do
delito é acompanhada por uma teoria dos fatores sociais da anomia. Nas regras do método
sociológico, contra as concepções naturalistas e positivistas que identificavam as causas
da criminalidade nas forças naturais, nas condições econômicas, na densidade da
população de certas regiões, etc., ele tinha colocado o acento sobre fatores intrínsecos ao
sistema sócio-econômico do capitalismo, baseado sobre uma divisão social do trabalho
muito mais diferenciada e coercitiva, com o nivelamento dos indivíduos e as crises
econômicas e sociais que isso traz consigo (BARATTA, p. 61).
Robert Merton refere o conceito de anomia não à conduta individual, mas sim à
sociedade, estendendo o âmbito explicativo mais além de uma única conduta anômala e

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aplicando-o a toda classe de condutas anômalas. Tratou, em suma, de elaborar uma teoria
geral do comportamento desviado, confrontando valores e normas com os "meios
institucionalizados" de que dispõem os indivíduos para alcançar suas metas sociais
(ELBERT, p. 160).
Merton também se opõe, como Durkheim, à concepção patológica do desvio.
Merton interpreta o desvio como um produto da estrutura social, absolutamente normal
como o comportamento conforme às regras. Isto significa que a estrutura social não tem
somente um efeito repressivo, mas também, e sobretudo, um efeito estimulante sobre o
comportamento individual. A estrutura social produz novas motivações, que não se
deixam reconduzir a tendências inatas (BARATTA, p. 62).
Observando a situação em que se encontram os indivíduos no contexto da estrutura
social, se verifica que seus comportamentos singulares são tanto conformistas como
desviantes. O modelo de explicação proposto por Merton consiste em reportar o desvio a
uma possível contradição entre estrutura social e cultura: a cultura, em determinado
momento de uma sociedade, propõe ao indivíduo determinadas metas, as quais
constituem motivações fundamentais do seu comportamento (por exemplo, um certo
nível de bem-estar e de sucesso econômico). Proporciona, também, modelos de
comportamentos institucionalizados, que resguardam as modalidades e os meio legítimos
para alcançar aquelas metas. (BARATTA, p. 62).
A desproporção que pode existir entre os fins culturalmente reconhecidos como
válidos e os meios legítimos, à disposição do indivíduo para alcançá-los, está na origem
dos comportamentos desviantes. A anomia é aquela crise da estrutura cultural, que se
verifica especialmente quando ocorre uma forte discrepância entre normas e fins
culturais, por um lado, e as possibilidades socialmente estruturadas de agir em
conformidade com aquelas, por outro lado (Idem, p. 62).
A estrutura social não permite, não mesma medida, a todos os membros da
sociedade, um comportamento ao mesmo tempo conforme aos valores e às normas. Esta
possibilidade varia, de fato, de um mínimo a um máximo, segundo a posição que os
indivíduos ocupam na sociedade. Isto cria uma tensão entre a estrutura social e os valores
culturais e, consequentemente, diversos tipos fundamentais de respostas individuais -
conformistas ou desviantes - às solicitações resultantes do concurso combinado dos
valores e das normas sociais, ou seja, dos "fins culturais" e dos "meios institucionais". Daí
derivam cinco modelos de adequação individual (BARATTA, pp. 63-64):
O conformista é o tipo mais comum e mais difundido, pois é nele que garante a
estabilidade da própria sociedade. Neste tipo de adaptação individual, há conformidade
tanto com os objetivos culturais como com os meios institucionalizados (SHECAIRA, p
226).
O ritualista atua renunciando aos objetivos valorados por ser incapaz de realizá-
los. Há, aqui, um abandono ou redução dos elevados alvos culturais do grande sucesso
pecuniário e da rápida mobilidade social, até o ponto que possam ser satisfeitas as
aspirações de cada um. No entanto, embora não valorize a obrigação cultural de ascensão
social, as normas institucionais são compulsivamente seguidas. É uma espécie de fuga

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particular dos perigos e frustrações, que é inerente à competição. O estereótipo, na


cultura brasileira, encontra-se no temido funcionário público, que mantém seu ritual
diário e burocrático de vinculação às normas e que não pretende dar grandes vôos além
de seus tímidos horizontes (SHECAIRA, p. 226).
A forma da apatia, sugerida por Merton, renuncia-se aos objetivos sociais e às
normas. Pertencem a esta categoria os párias, mendigos, bêbados crônicos e viciados em
drogas. Eles renunciaram a quaisquer objetivos, não se ajustando às normas
institucionais. Este tipo é improdutivo (idem, p. 227).
A grande ênfase cultural sobre a meta de êxito estimula a forma adaptativa da
inovação mediante meios legalmente proibidos, mas frequentemente eficientes de
atingir, pelo menos, o simulacro do sucesso: a riqueza e o poder. Trata-se da delinquência
propriamente dita. Criminoso, aqui, corta caminho para atingir rapidamente a ascensão
social. (Idem, ibidem).
Por fim, encontra-se a categoria da rebelião. Tal conduta é caracterizada pelo
inconformismo e pela revolta. O indivíduo refuta os padrões vigentes da sociedade,
propondo o estabelecimento de novas metas e institucionalização de novos meios para
atingi-las. Exemplos são as posturas individuais dos "rebeldes sem causa" e nas coletivas
de movimentos de revolução social.

5. TEORIA DAS SUBCULTURAS CRIMINAIS

A teoria das subculturas criminais está baseada na diversidade estrutural das


chances de que dispõem os indivíduos de servir-se de meios legítimos para alcançar fins
culturais. Segundo Richard Cloward e Lloyd Ohlin, a distribuição das chances de acesso
aos meios legítimos, com base na estratificação social, está na origem das subculturas
criminais na sociedade industrializada, especialmente daquelas que assumem a forma de
bandos juvenis (BARATTA, p. 70).
No âmbito destas se desenvolvem normas e modelos de comportamentos desviantes
daqueles característicos dos estratos médios. A constituição de subculturas criminais
representa, portanto, a reação de minorias desfavorecidas e a tentativa, por parte delas,
de se orientarem dentro da sociedade, não obstante as reduzidas possibilidades legítimas
de agir, de que dispõem (Idem, ibidem).
Entende-se que subcultura é um sistema social com valores próprios, que se expressa
com normas e símbolos originais. Albert Cohen é o representante mais notório dessa
explicação. Cohen estudou diversas gangues de delinquentes juvenis e concluiu que seus
integrantes se mantinham coesos por valores e crenças próprios, que se geravam com o
trato entre jovens situados em circunstâncias similares. O autor expôs sua teoria no livro
Delinquent Boys - The culture os the Gang, em 1955 (ELBERT, p. 167).
Isso significava que tais grupos geravam seus próprios valores, apartando-se dos
hegemônicos, outorgando-se um status próprio e concebendo seu desvio como meritório,
ainda que estivesse contrário aos valores dominantes que, para Cohen, eram sempre os
da classe média. Dessa forma, os jovens das classes baixas, sentindo-se rechaçados e

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inferiores em relação aos das classes médias e altas, reacionavam apartando-se dos
padrões de comportamento social dessas classes para adaptar-se de outra maneira à vida
em comum (ELBERT, pp. 167-168).
Em outras palavras, a subcultura pode ser descrita como um sistema de crenças e de
valores, cuja origem é extraída de um processo de interação entre rapazes que, no interior
da estrutura social, ocupam posições semelhantes. Esta subcultura representa a solução
de problemas de adaptação, para os quais a cultura dominante não oferece soluções
satisfatórias (BARATTA, p. 73).

6. CRIMES DE 'COLARINHO BRANCO' E A TEORIA DA ASSOCIAÇÃO


DIFERENCIAL

As estatísticas criminais demonstram, de forma inequívoca, que o delito possui alta


incidência na classe socioeconômica baixa e menor incidência na classe socioeconômica
alta. As pessoas acusadas ou condenadas pelos crimes comuns (homicídios, agressões,
roubos, furtos, violações de domicílio, delitos sexuais e intoxicações) devem lidar com a
polícia, os tribunais penais ou de menores, os departamentos de condicional e os
estabelecimentos de correção (SUTHERLAND, p. 03).
Para Sutherland, as teorias sobre a conduta delitiva puseram grande ênfase na
pobreza como causa do delito ou em outras condições sociais e perfis pessoais que estão
associados a ela. Em tais teorias, se supõe que a conduta delituosa somente pode ser
explicada por fatores patológicos, sejam sociais ou pessoais. As patologias sociais que se
destacam são a pobreza e, relacionados com ela, a vivencia precária, a falta de local
organizado, a carência de educação e as desavenças familiares (SUTHERLAND, p. 06).
A tese da obra de Sutherland (White Collar Crime) é que as patologias sociais e
pessoais não brindam uma explicação adequada à conduta delitiva. As teorias gerais sobre
o comportamento criminal que inferem seus dados de pobreza e das condições
relacionadas com ela são inadequadas e inválidas; primeiro, porque não se ajustam de
maneira sólida à informação sobre a conduta delitiva e, segundo, porque os casos em que
se baseiam essas teorias são uma amostra torcida do total os atos delitivos (Idem, ibidem).
O autor apresenta a tese de que as pessoas da classe socioeconômica alta participam
de muitas condutas delitivas; que este comportamento criminal difere do comportamento
da classe socioeconômica baixa, principalmente nos procedimentos administrativos
utilizados no tratamento dos delinquentes; e que as variações dos procedimentos
administrativos não são significativas desde o ponto de vista das causas do delito
(SUTHERLAND, p. 09).
Estas violações da lei por parte de integrantes da classe alta são chamadas, por
conveniência, “delitos de colarinho branco”. Este conceito não pretende ser definitivo,
senão que apenas chamar a atenção sobre os delitos que não se incluem comumente
dentre do campo da criminologia. O delito de colarinho branco pode definir-se,
aproximadamente, como um delito cometido por uma pessoa de respeitabilidade e status
social alto durante sua ocupação. Consequentemente, exclui muitos delitos da classe alta,

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tais como a maioria dos casos de assassinato, intoxicação ou adultério, já que estes não
são parte dos procedimentos próprios do ofício. Exclui, também, as fraudes dos membros
ricos do baixo mundo, já que não se trata de pessoas de respeitabilidade e status social
alto (Idem, p. 09).
A hipótese da associação diferencial consiste em que a conduta delitiva se aprende
em associação com aqueles que definem tal comportamento favoravelmente, afastando-
se dos que os definem desfavoravelmente e que uma pessoa em uma situação apropriada
participa dessa conduta delitiva somente quando o peso das definições favoráveis supera
ao das desfavoráveis (SUTHERLAND, p. 349).

7. TEORIA DO LABELING APPROACH (ETIQUETAMENTO) E DESVIO

Por debaixo do problema da legitimidade do sistema de valores recebido pelo


sistema penal como critério de orientação para o comportamento socialmente adequado
e, portanto, de discriminação entre conformidade e desvio, aparece como determinante o
problema da definição do delito, com as implicações político-sociais que revela, quando
este problema não seja tomado por dado, mas venha tematizado como centro de uma
teoria da criminalidade. Foi isto o que aconteceu com as teorias da "reação social" ou
labeling approach (BARATTA, p. 86).
Howard Becker sustentou que quem conta com poder suficiente para configurar as
normas criminaliza outros que não possuem tal poder. A partir de tais ideias ficaria
estabelecido o interesse sociológico no estudo daqueles que fazem e aplicam as normas e
no modo em que isso incide no comportamento dos afetados. Essa corrente sustentará
que a criminalidade é criada pela sociedade, mediante a imposição de "etiquetas
criminais" a certos indivíduos. Tal processo teria lugar mediante uma criminalização
primária (estabelecimento de normas) e uma criminalização secundária (imposição
dessas normas ao sujeito responsável, etiquetando-o) (ELBERT, p 171).
Esta direção de pesquisa parte da consideração de que não se pode compreender a
criminalidade se não se estuda a ação do sistema penal, que a define e reage contra ela,
começando pelas normas abstratas até a ação das instâncias oficiais (polícia, juízes,
instituições penitenciárias que as aplicam) e que, por isso, o status social de delinquente
pressupõe, necessariamente, o efeito das atividades das instâncias oficiais de controle
social da delinquência, enquanto não se adquire esse status aquele que, apesar de ter
realizado o mesmo comportamento punível, não é considerado e tratado pela sociedade
como "delinquente". Neste sentido, o labeling approach tem se ocupado principalmente
com as reações das instâncias oficiais de controle social, consideradas na sua função
constitutiva em face da criminalidade. Sob este ponto de vista tem estudado o efeito
estigmatizante da atividade da polícia, dos órgãos de acusação pública e dos juízes
(BARATTA, idem).
Os criminólogos tradicionais examinam problemas do tipo "quem é criminoso?",
"como se torna desviante?", "em quais condições um condenado se torna reincidente?",
"com que meios se pode exercer controle sobre o criminoso?". Ao contrário, os
interacionistas, como em geral os autores que se inspiram no labeling approach, se

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perguntam: "quem é definido como desviante?", "em que condições este indivíduo pode
ser tornar objeto de uma definição?" e, enfim, "quem define quem?" (BARATTA, p. 88).
A pergunta relativa à natureza do sujeito e do objeto, na definição do
comportamento desviante, orientou a pesquisa dos teóricos do labeling em duas direções:
uma direção conduziu ao estudo da formação da "identidade" desviante, e do que se
define como "desvio secundário", ou seja, o efeito da aplicação da etiqueta de "criminoso"
sobre a pessoa em quem se aplica a etiqueta; a outra direção conduz ao problema da
definição, da constituição do desvio como qualidade atribuída a comportamentos e a
indivíduos, no curso da interação e, por isto, conduz também para o problema da
distribuição do poder de definição, para o estudo dos que detêm, em maior medida, na
sociedade, o poder de definição, ou seja, para o estudo das agências de controle social
(Idem, p. 89).

8. ABOLICIONISMO PENAL

Apesar da palavra abolição parecer transmitir uma abordagem negativa de poder,


significa, na verdade, a abolição da linguagem predominante sobre a justiça penal e sua
substituição por uma outra linguagem que permita submetê-la a hipóteses críticas, ou
seja, uma linguagem que possibilite testar a hipótese de que a justiça criminal não é
natural e que sua construção pode não ser legítima. O abolicionismo pretende apresentar
uma nova forma de olhar a justiça penal, capaz de afastar os discursos dominantes que
apoiam a ideia de naturalidade e necessidade da justiça penal (HULSMAN, p. 157).
O abolicionismo penal é uma prática libertária interessada na ruína da cultura
punitiva da vingança, do ressentimento, do julgamento e da prisão. Problematiza e
contesta a lógica e a seletividade sócio-política do sistema penal moderno, os efeitos da
naturalização do castigo, a universalidade do direito penal, e a ineficiência das prisões
(PASSETTI, p. 83). O movimento abolicionista, tendência atual dos movimentos de
política criminal alternativa, segundo Salo de Carvalho, fornece importantes elementos à
discussão sobre a contração do sistema penal/carcerário, apresentando propostas
concretas que visualizam desde a sua eliminação à construção de alternativas aos regimes
punitivos de apartação (CARVALHO, pp. 125-126).
Na lição de Zaffaroni, o abolicionismo nega a legitimidade do sistema penal tal como
atua na realidade social contemporânea e, como princípio geral, nega a legitimação de
qualquer outro sistema penal que se possa imaginar no futuro como alternativa a modelos
formais e abstratos de solução de conflitos, postulando a abolição radical dos sistemas
penais e a solução de conflitos por instâncias ou mecanismos informais (ZAFFARONI, p.
89).
Na verdade, conforme diz Zaffaroni, existem diferentes abolicionismos e, dentre as
variantes do abolicionismo, pode-se citar Hulsman, Mathiesen, Christie e Foucault
(ZAFFARONI, p. 97). Louk Hulsman, um dos principais pensadores desta teoria, entende
ser originário o problema do sistema criminal, havendo necessidade, portanto, de radical
câmbio nas estruturas do controle social formal com o seu integral abandono, para
otimização de formas societárias de resolução de conflitos (CARVALHO, p. 130). Entre

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outras razões, Hulsman afirma que há três motivos fundamentais para a abolição do
sistema penal: é um sistema que causa sofrimentos desnecessários que são distribuídos
de modo injusto; não apresenta efeito positivo sobre as pessoas envolvidas nos conflitos;
e é sumamente difícil de ser mantido sob controle.
Hulsman afirma que o sistema penal opera na irracionalidade, porque só se vale de
sua própria lógica. As sociedade constroem sistemas abstratos para sentirem-se seguras,
e logo depois se trabalha para aperfeiçoá-los, esquecendo-se da sociedade. Com o tempo,
os sistemas não correspondem a nada humano. Hulsman se pergunta se as regras e os
princípios protegem verdadeiramente as pessoas de toda opressão arbitrária, e se são
válidos para a sociedade contemporânea e, obviamente, a resposta é negativa. Sustenta
que a máquina de controle deve ocupar-se de 10% do total dos delinquentes, que sejam
realmente perigosos ou tenham cometidos atos muito danosos. Quanto ao resto do
sistema, deve ser abolido, passado para a jurisdição civil (ELBERT, pp. 137-138).
Thomas Mathiesen é considerado o estrategista do abolicionismo, conforme leciona
Zaffaroni. Mathiesen vincula a existência do sistema penal à estrutura produtiva
capitalista, sua proposta aspira não apenas à abolição do sistema penal, como também à
abolição de todas as estruturas repressivas da sociedade. No entanto, admitindo algumas
possibilidades de encarceramento, ele sustenta duas teses que reduziriam drasticamente
a necessidade do sistema penal: o direcionamento de políticas sociais aos sujeitos
vulneráveis e a descriminalização das drogas (CARVALHO, p. 128).
O abolicionismo de Nils Christie parte da ideia de que o sistema penal, em especial
a pena, é encarregado exclusivamente de produzir sofrimento e impor dor. Para ele,
deveriam construí-lo de maneira que se reduzissem ao mínimo a necessidade percebida
de impor dor para lograr êxito no controle social (CARVALHO, p. 129).

9. MINIMALISMO PENAL E GARANTISMO

O minimalismo penal também é conhecido como "intervenção penal mínima" e


baseia-se na maximização do sistema de garantias legais, colocando os direitos humanos
como objeto e limite da intervenção penal. O propósito é diminuir a quantidade de
condutas típicas, procurando penalizar somente as mais danosas, prescindindo das
bagatelas, e fazer cumprir rigorosamente as garantias legais, evitando todos os caminhos
de justiça extrajudicial pelas próprias mãos.
Adota-se o princípio da subsidiariedade, ou seja, o sistema penal intervém somente
em casos que não possam ser solucionados por outras vias jurídicas ou sociais. A
intervenção mínima significa que o Estado deve interferir unicamente nos casos mais
graves, protegendo os bens jurídicos mais importantes, sendo o Direito Penal a última ou
extrema ratio quando já fracassaram as restantes alternativas do Direito.
Garantismo penal é a interpretação que Luigi Ferrajoli elabora de um Direito Penal
legitimado pela sua capacidade de tutelar valores ou direitos fundamentais, "cuja
satisfação, inclusive contra os interesses da maioria, é o fim justificador do Direito Penal:
a imunidade dos cidadãos contra a arbitrariedade das proibições e dos castigos, a defesa

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dos fracos mediante regras de jogo iguais para todos, a dignidades da pessoa do imputado
e, portanto, a garantia de sua liberdade mediante o respeito também de sua verdade. É
precisamente a garantia desses direitos fundamentais que a faz aceitável para todos,
incluída a minoria dos réus e imputados, ao Direito Penal e ao mesmo princípio
majoritário".
Para Ferrajoli, essa construção supera as limitações morais e naturalistas do
retribucionismo penal e da prevenção geral positiva (reforçar a fidelidade à ordem
estabelecida), dando ao Direito Penal o único fim da prevenção geral negativa (função
dissuasiva). As penas passam a ter, conforme o garantismo, duas finalidades: o máximo
bem-estar possível dos não-desviados e o mínimo mal-estar dos desviados. Sendo a pena
um mal, é justificável que fique reduzida a um mal menor frente à vingança.

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FUNDAMENTOS DE DIREITO PENAL

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

O Direito Penal constitui, por excelência, um ramo ou uma parte integrante do


direito público (DIAS, p. 13) e é o setor ou parcela do ordenamento jurídico público que
estabelece as ações ou omissões delitivas, cominando-lhes determinadas consequências
jurídicas - penas ou medidas de segurança (PRADO, p. 62).
Para Figueiredo Dias, “chama-se direito penal ao conjunto das normas jurídicas que
ligam a certos comportamentos humanos, os crimes, determinadas consequências
jurídicas privativas deste ramo de direito, sendo a mais importante destas consequências,
a pena, a qual só pode ser aplicada ao agente do crime que tenha atuado com culpa” (DIAS,
p. 03).
Enquanto sistema normativo é integrado por
normas jurídicas (mandamentos, proibições e
permissões) que criam o injusto penal, suas
respectivas consequências e formas de exclusão.
Refere-se, também, a comportamentos
considerados altamente reprováveis ou danosos
ao organismo social, que afetam gravemente
bens jurídicos indispensáveis à sua própria
conservação e progresso (conceito material).
Do ponto de vista objetivo o DP significa
não mais do que um conjunto de normas que definem os delitos e as sanções, orientando,
também, sua aplicação. Já em sentido subjetivo, diz respeito ao direito de punir do
Estado, correspondente à sua exclusiva faculdade de impor sanção criminal diante da
prática do delito ou, nas palavras de Figueiredo Dias, “distingue-se o sentido subjetivo,
como poder punitivo do Estado resultante de sua soberana competência para considerar
como crimes certos comportamentos humanos e ligar-lhes sanções específicas" (DIAS, p.
06).
O direito penal em sentido estrito – e, assim também, o próprio Código Penal,
compõe-se de uma parte geral, na qual se definem os pressupostos de aplicação da lei
penal, os elementos constitutivos do conceito de crime e as consequências gerais que da
realização de um crime, total ou parcial, derivam; e de uma parte especial, na qual
estabelecem os crimes singulares e as consequências jurídicas que a prática de cada um
deles concretamente se ligam (DIAS, p. 08).

1.1. CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DO DIREITO PENAL

(a) Ciência normativa - O objeto de estudo do direito penal é a norma e suas


consequências jurídicas. Trata-se da ciência do "dever-ser". Não se preocupa,

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portanto, com a gênese do crime, dos fatos que levam à criminalidade ou dos
aspectos sociais que podem determinar a prática do ilícito, preocupações próprias
das ciências causais explicativas, como a Criminologia e a Sociologia (MIRABETE,
p. 04).
(b) Valorativo - O DP estabelece sua própria escala de valores, que varia de acordo
com o fato que lhe dá conteúdo. Nesse sentido, o DP valoriza suas próprias
normas. (BITENCOURT, p. 05). Quanto mais grave o crime, o desvalor da ação,
mais severa será a sanção aplicável a seu autor.
(c) Função criadora ou constitutiva - Protege bens não regulados por outras
esferas do Direito, como a omissão de socorro, maus-tratos a animais, tentativas
brancas, uso de drogas (BITENCOURT, p. 06). Significa que possui um ilícito
próprio, oriundo da tipicidade.
(d) Sancionador - comina sanções para manter a ordem jurídica. O DP não cria
bens jurídicos, mas acrescenta a sua tutela a bens específicos.
(e) Fragmentário - protege apenas os bens considerados mais importantes na vida
social.
(f) Subsidiário - deve ser utilizado apenas quando outro mecanismo jurídico
mostrar-se insuficiente. Por conta da violência empregada, o DP deve ser
utilizado como "ultima ratio".

1.2. FUNÇÕES

(a) Proteção de bens jurídicos - A função primordial do Direito Penal é a proteção de


bens jurídico-penais essenciais ao indivíduo e à comunidade. A noção de bem jurídico
implica a realização de um juízo positivo de valor acerca de determinado objeto ou
situação social e de sua relevância para o desenvolvimento do ser humano (PRADO).
Claus Roxin define bem jurídico "como todos os dados que são pressupostos de um
convívio pacífico entre os homens, fundado na liberdade e na igualdade". Para Günther
Jakobs, o "bem jurídico" do DP é a norma penal. O que se tenta garantir, na verdade, é a
vigência da norma, por meio da asseguração de expectativas normativas. Nesse sentido, a
norma reage com a pena, diante de um comportamento incompatível imposto por ela.
(b) Controle social - serve também como instrumento de controle social ou para
preservar a paz pública.
(c) Garantia / Redução da violência estatal - Tem a função de garantir direitos ao
acusado e, consequentemente, limitar a violência estatal, que deve utilizar o instrumento
punitivo nos limites da norma. Só há crime, se prevista uma lei criminalizadora.
(d) Simbólica - O DP produz efeito no intelecto social, acarretando sensação de
ordem e proteção da paz pública. Manifesta-se muitas vezes pelo direito penal do terror,
inflação legislativa (DP de emergência), criando-se tipos penais desnecessários e não
utilizados, acarretando a hipertrofia penal.

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(e) Motivadora - Motiva os indivíduos a não violarem suas normas.

2. CIÊNCIAS CRIMINAIS

O direito penal é um dos pilares de sustentação das denominadas ciências criminais,


que envolve o direito penal, processo penal, política criminal e criminologia.
A política criminal corresponde à
que deve ser implementada no combate à
criminalidade. O penalista deve construir
um sistema penal orientado para a
consecução da finalidade do Direito
Penal. De nada adiante produzir um belo
e didático sistema penal, uma teoria do
crime harmonicamente orientada, se as
soluções nem sempre forem justas e
condizentes com a função do DP.
Os postulados da política criminal
servem como critérios de decisão a respeito dos sistema dogmáticos para aplicação do
direito penal. Política criminal e dogmática penal integram-se de modo indissolúvel na
ciência penal (ESTEFAM, p. 45).
A política criminal, na verdade, não pode ser considerada uma ciência igual à
criminologia e ao direito penal. É uma disciplina que não tem um método próprio e que
está disseminada pelos diversos poderes da União, bem como pelas diferentes esferas de
atuação do próprio Estado. Assim, quando uma Prefeitura, diante da ocorrência de
inúmeros crimes de estupro, em um lugar mal iluminado da cidade, resolve prevenir a
ocorrência de novos delitos, com a instalação de novos postes de luz, está fazendo uma
política criminal preventiva (SCHECAIRA, p. 41).
Na lição de Zaffaroni-Pierangeli, pode-se entender por política criminal a política
relativa ao fenômeno criminal, o que não seria mais que um capítulo da política geral.
Política criminal seria a arte ou a ciências de governo, com respeito ao fenômeno criminal
(ZAFFARONI, PIERANGELI, p. 118).
A criminologia é a ciência do "ser", empírica e interdisciplinar. Ocupa-se a
criminologia do estudo do delito, do delinquente, da vítima, do controle social do delito,
das penas, pretendendo conhecer a realidade para explicá-la (SCHECAIRA, p. 38). Na lição
de Israel Senderey, "a criminologia é um conjunto de conhecimento que estudam os
fenômenos e as causas da criminalidade, a personalidade do delinquente e sua conduta
delituosa a maneira de ressocializá-lo" (MIRABETE, p. 12).
Nesse sentido, há a distinção entre Direito Penal e Criminologia. Enquanto naquele
a preocupação básica é a dogmática, ou seja, o estudo das normas enquanto normas, a da
criminologia se exige um conhecimento profundo do conjunto de estudos que compõem
a enciclopédia das ciências penais. O delito e o delinquente, na Criminologia, não são

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encarados do ponto de vista jurídico, mas examinados, por meio de observação e


experimentação, sob enfoques diversos (MIRABETE, p. 12).

3. DO DELITO
O conceito de delito varia do Direito Penal para a Criminologia. Para o direito penal,
o crime é considerado fato típico, ilícito e culpável (conceito analítico sob a ótica
tripartida), analisando-se o fenômeno de forma analítica/estrutural, com uma estrutura
complexa, analisada na disciplina de Teoria do Delito. A visão de crime para o DP é
centrada no comportamento do sujeito, adequando-se sua ação ao tipo penal.
Para o direito penal, o delito também
pode ser observado pelos conceitos formal
e material.
Para a criminologia o crime deve ser
encarado como um fenômeno comunitário
e como um problema social. Encarando o
problema como sendo social e tendo como
referência os atos humanos pré-penais, a
criminologia elenca alguns critérios para
que sejam reconhecidas condutas lesivas
como crimes, como incidência massiva na
população, incidência aflitiva e persistência
espaço-temporal (SCHECAIRA, pp. 43-47).

Existe um outro conceito de delito que não foi mencionado?

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4. FONTES DO DIREITO PENAL

Fontes do Direito são todas as formas pelas quais são criadas, modificadas ou
extintas as normas de determinado ordenamento jurídico (espécies de produção
normativa). Formas, categorias ou modalidades representativas no âmbito da ordem
jurídica. Com elas se manifestam a integração ou incorporação das normas ao
ordenamento jurídico.1
A classificação mais comum a respeito das fontes centra-se na oposição fontes
materiais-fontes formais, identificando-se as primeiras com a origem do Direito e as
últimas com os diferentes modos de manifestação das normas jurídicas.2
A fonte material (de produção ou substancial), refere-se ao órgão incumbido de sua
elaboração. A União é a fonte de produção do Direito Penal, conforme art. 22, I, da CF.
A fonte formal (de cognição ou de conhecimento) refere-se ao modo pelo qual o
Direito Penal se exterioriza. São suas espécies: fonte formal imediata (lei) e fonte formal
mediata (costumes e princípios gerais do direito).

Material (de produção)


Fonte

Formal (conhecimento) : Imediata(direta) Lei


Mediata (indireta)
Costumes

Princípios gerais

A lei penal é fonte formal imediata do DP, uma vez que, por expressa determinação
constitucional, tem a si reservado, exclusivamente, o papel de criar as infrações penais e
cominar-lhes as penas respectivas.3 Sua estrutura apresenta dois preceitos, um primário
(conduta típica) e outro secundário (pena em abstrato). No crime de homicídio simples,
por exemplo, tipificado no art. 121, do CP, o preceito primário é matar alguém e o preceito
secundário é pena - reclusão, de 6 a 20 anos.

1
PRADO, p. 206.
2
PRADO, p. 206.
3
MASSON, p. 105.

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A lei penal não é proibitiva, mas descritiva. A proibição do tipo penal é, portanto,
indireta. A norma cria o ilícito, enquanto a lei cria o delito. A conduta criminosa viola a
norma, mas não a lei, pois o agente realiza exatamente a ação que esta descreve.
A norma, portanto, é o mandamento de um comportamento normal, retirado do
senso de justiça coletivo. É uma regra proibitiva não escrita, que se extrai do "espírito" dos
membros da sociedade. A lei é a regra escrita feita pelo legislador com a finalidade de
tornar expresso o comportamento considerado indesejável e perigoso pela coletividade. É
o imperativo do princípio da reserva legal.4
Sobre suas classificações, a lei penal apresenta diversas divisões, dentre as principais:

Incriminadoras
Leis Penais

Não Incriminadoras

Completas (Perfeitas)

Incompletas
(Imperfeitas)

a) incriminadoras: são as que criam crimes e cominam penas.


b) não incriminadoras: são as que não criam crimes nem cominam as penas.
Subdividem-se em:
b.1) ______________________: autorizam a prática de condutas típicas.
Excluem a ilicitude. ex.: art. 23, CP; art. 128, CP.
b.2) ______________________: estabelecem a não culpabilidade do agente,
isentando o sujeito de pena. Ex.: doença mental, menoridade e perdão
judicial.
c) completas ou perfeitas: apresentam todos os elementos da conduta criminosa.

4
CAPEZ, pp. 47-48.

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d) incompletas ou imperfeitas: Se incompleto o preceito primário, não denominadas


normas penais em branco propriamente ditas. Se incompleto o preceito secundário, são
denominadas incompletas ou imperfeitas; ou lei penal em branco às avessas.

Os costumes como fonte formal indireta são o conjunto de normas de


comportamento a que pessoas obedecem de maneira uniforme e constante pela convicção
de sua obrigatoriedade. Em razão do princípio da legalidade, não se permite que o
costume puna ou crie "crimes" não previstos em lei e, ainda, agrave penas. O costume
permitirá a (re)discussão legislativa a fim de punir novos comportamentos ou
descriminalizar os existentes. Podem ser praeter legem, secundum legem ou contra legem.
Os princípios são normas vinculantes que orientam a compreensão do sistema
jurídico, em sua aplicação e integração. É o mandamento nuclear de um sistema, seu
alicerce, servindo como critério para sua exata compreensão e inteligência lógica. Como
princípios fundamentais de direito penal, tem-se a legalidade, dignidade(humanidade),
personalidade da pena, culpabilidade, individualização da pena, intervenção mínima,
ofensividade (insignificância).

• Os costumes podem criar crimes?

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• É correto afirmar que os costumes contra legem revogam a Lei Penal?

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5. INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI PENAL

A interpretação é uma atividade que busca atribuir significado ao texto normativo


(compreensão da linguagem ou norma), apresentando-se ao mesmo tempo como ato
cognoscitivo e de criação (PRADO, p. 238). Por intermédio da interpretação, portanto,
busca-se a essência da lei penal (conteúdo e significado) para poder aplicá-la.
O processo interpretativo há de exprimir, da forma mais clara e precisa possível, o
real sentido e objetivo da norma legal, tendo em conta suas relações e conexões lógicas
contextualizadas no sistema jurídico (PRADO, p. 239) Pode-se dar por três principais
vertentes: quanto ao sujeito, quanto aos meios e quanto ao resultado.
A interpretação quanto ao sujeito pode ser legislativa, jurisprudencial ou
doutrinária.
A interpretação quanto aos meios empregados pode ser gramatical, lógica ou
teleológica (ou axiológica).
No tocante aos resultados, pode ser restritiva, extensiva ou analógica.
a) Quanto ao sujeito, a interpretação autêntica é fornecida pelo próprio Poder
Legislativo, sendo que o conteúdo da norma encontra-se presente na Lei, com força
vinculante (obrigatória). Ex.: art. 150, §§4º e 5º, CP; art. 327, CP.
A interpretação judicial (ou jurisprudencial) é produzida pelos tribunais por maio da
reiteração de suas decisões (BITENCOURT, p. 125). É a orientação firmada pelos tribunais
relativamente a determinada norma, sem conter força vinculante. Deve ser, portanto,
realizada intra autos, no "corpo" da decisão.
A interpretação doutrinária (ou dogmática) é produzida pelos doutrinadores,
juristas, que interpretam a lei à luz de seus conhecimentos técnicos, com autoridade de
cultores da ciência jurídica (BITENCOURT, p. 127).
b) Quanto aos meios, a interpretação gramatical (ou literal) é aquela que busca o
significado das palavras contidas no texto legal, a sua etimologia. Busca o significado
literal das palavras.
Na lógica (ou sistemática), também conhecida como lógico-sistemática, busca-se o
processo interpretativo como um todo, como um elemento sistemático, investigando o
sentido global do direito e não parcial.
Na interpretação axiológica busca-se o real sentido/valor da norma, no tocante à sua
finalidade no ordenamento normativo.
c) Quanto aos resultados, na declaratória (declarativa) o texto não é ampliado nem
restringido, correspondendo seu real significado. Na restritiva procura-se reduzir ou
limitar o alcance do texto interpretado na tentativa de encontrar seu verdadeiro sentido,
porque se trata de uma exigência jurídica. Na extensiva as palavras do texto legal dizem
menos do que sua vontade, isto é, o sentido da norma fica aquém de sua expressão literal.
Esta última pode gerar, especificamente, a espécie de interpretação analógica, que difere
da analogia.

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A analogia não é forma de interpretação da lei penal, pois não há lei tratando sobre
o caso, havendo uma lacuna legislativa. Na existência de lacuna, apanha-se uma norma
utilizada para um caso semelhante como forma de integração do ordenamento jurídico.
É conhecida também como integração analógica.
A analogia apenas pode ser utilizada in bonam partem, eis que não é permitido
prejudicar a situação do sujeito sem observar a estrita legalidade. A analogia in bonam
partem é aquela que se aplica ao caso omisso uma lei favorável ao réu, reguladora de caso
semelhante.
Na analogia in malam partem, aplica-se ao caso omisso uma lei maléfica ao réu,
disciplinadora de caso semelhante.

Interpretação extensiva Interpretação analógica Analogia (integração


analógica)

▪ Possui norma sobre o ▪ Possui norma sobre o ▪ Não possui norma para o
caso específico!
caso específico caso específico
▪ Estende-se o conteúdo da ▪ Há casuísmo específico, ▪ Apanha emprestado lei
lei seguido de casuísmo de outro caso semelhante
genérico ▪ Apenas in bonam partem
Ex.: Art. 121, §2º, I, CP
Ex. Roubo com aumento de
pena pela arma Ex.: Homicídio culposo no
trânsito e perdão judicial

6. APLICAÇÃO DA LEI PENAL

6.1. ANTERIORIDADE DA LEI PENAL - Art. 1º, CP

A anterioridade da lei penal é um subprincípio oriundo do princípio da reserva legal.


O princípio da legalidade deve manifestar-se de maneira legítima, englobando uma
legalidade formal e legalidade material, onde a primeira é o revestimento das formalidades
no tocante à forma (lei ordinária ou lei complementar) e a segunda trata do
reconhecimento no tocante à proteção da matéria.
A Constituição Federal possui mandados de criminalização? Sim, como por
exemplo, o art. 5º, XLII (racismo), XLIII (tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, terrorismo e crimes hediondos) e XLIV (ação de grupos armados, civis ou militares,
contra a ordem constitucional e o Estado democrático); art. 7º, X (retenção dolosa do
trabalho de trabalhadores); art. 227, §4º, (abuso, violência e exploração sexual da criança
e do adolescente) e art. 225 (condutas lesivas ao meio ambiente)..
Versa a anterioridade que uma lei que proíbe comportamentos deve estar vigendo
antes do cometimento da conduta. Dessa maneira, como garantia ao cidadão, a lei possui

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(em regra), efeito para o futuro. É proibida, portanto, a aplicação da lei penal aos fatos
praticados durante seu período de vacância.
A referida lei incriminadora, ainda, deve observar o princípio da taxatividade,
também subprincípio da reserva legal (ou legalidade), que versa que a descrição da
conduta deve ser clara, determinada, minimamente precisa, expondo o conteúdo do tipo
penal para pode ser aplicado. Não é possível, portanto, uma tipificação imprecisa que
disponha, por exemplo: Praticar qualquer ato que ofenda o interesse geral.

6.2. LEI PENAL EM BRANCO

Leis penais em branco são as de conteúdo incompleto, que necessitam ser


complementadas por outras normas jurídicas, geralmente de natureza extrapenal
(BITENCOURT, p. 152). Em outras palavras, a lei ou norma penal em branco pode ser
conceituada como aquela em que a descrição da conduta punível se mostra lacunosa ou
incompleta, necessitando de outro dispositivo legal para a sua integração ou
complementação (PRADO, p. 235).
Essa afirmação significa dizer que o preceito, a hipótese legal (preceito) é formulada
de maneira genérica ou indeterminada, devendo ser preenchida, colmatada ou
determinada por ato outro normativo (legislativo ou administrativo), em regra, de cunho
extrapenal, que fica pertencendo, para todos os efeitos, à lei penal (PRADO, p. 236).
De acordo com o órgão de origem (fonte legislativa) da norma complementar, a
norma penal em branco pode ser classificada como homogênea ou heterogênea.

6.3. LEI PENAL NO TEMPO

O nascimento, a vida e a morte de uma lei penal constituem tema de elevada


importância, eis que o direito de punir em abstrato do Estado surge com o advento da lei
penal. Vale dizer, a partir do momento em que uma lei penal entra em vigor, o Estado
passa a ter o direito de exigir de todas as pessoas que se abstenham de praticar o
comportamento definido como criminoso. Cuida-se de um direito baseado no preceito
primário da norma penal incriminadora (ESTEFAM, p. 141).
Daí por que definir o exato momento em que uma lei penal começa a vigorar se
confunde com estabelecer o instante em que nasce o direito de punir em abstrato. Uma
lei, seja ela ou não lei penal, somente entra em vigor depois de regularmente aprovada
mediante o processo legislativo definido na Constituição, o qual se completa com a sanção
do Presidente da República, com sua publicação no diário oficial e, finalmente, quando se
esvai seu período de vacatio legis (intervalo de tempo que separa a publicação e a entrada
em vigor de uma lei) (Idem, ibidem).

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 Sucessão de leis penais no tempo


O conflito de leis penais no tempo dá-se quando duas ou mais leis penais, que tratam
do mesmo assunto de modo distinto, se sucedem. Isto acarreta diversas questões,
denominadas direito intertemporal. O fenômeno pelo qual uma lei se aplica a fatos
ocorrido durante sua vigência denomina-se atividade. Quando uma lei aplicar-se fora do
seu período de vigência, ter-se-á extra-atividade, que se divide em retroatividade, ou
seja, aplicação da lei a fatos ocorridos antes de sua vigência e ultra-atividade, que
significa a aplicação da lei depois de sua revogação (Idem. pp. 142-143).
O conflito temporal de normas pressupõe uma sequência de leis penais e rege-se
pelo princípio constitucional da irretroatividade (art. 5º, XL, CF), com a aplicação da lei
vigente no momento da prática do fato punível - tempus regit actum -, afirmando-se a
anterioridade da lei penal e a exigência de segurança jurídica (PRADO, p. 254).
De regra, a lei penal somente se aplica a fatos ocorridos durante sua vigência, de
modo que a extra-atividade somente se verifica em situações excepcionais. De acordo com
a CF/88, a extra-atividade somente ocorrerá se benéfica ao agente (p.ex. lei que diminui a
pena, lei de descriminaliza, lei que diminui tempo de prisão, lei que extingue espécie de
pena, etc).
A lei penal mais benéfica não é apenas retroativa, mas também ultrativa. A eficácia
ultrativa na norma penal benéfica, sob o império da qual foi praticado o fato delituoso,
deve prevalecer sempre que, havendo sucessão de leis penais no tempo, constatar-se que
o diploma legal anterior era mais benéfico ao agente. Esses efeitos retroativo e ultrativo,
que configurarem lei penal mais benigna, aplicam-se às normas de Direito Penal material,
tais como nas hipóteses de reconhecimento de causas extintivas da punibilidade,
tipificação de novas condutas, cominação de penas, alteração de regimes de cumprimento
de penas, ou a qualquer norma penal que, de qualquer modo, agrave a situação jurídico-
penal do indiciado, réu ou condenado (BITENCOURT, p. 143).
Será considerada lei mais benigna toda lei penal que, de alguma forma, amplie as
garantias de liberdade do indivíduo, reduza as proibições e, por extensão, as
consequências negativas do crime, seja ampliando o campo da licitude penal, seja
abolindo tipos penais, seja refletindo nas excludentes de criminalidade ou mesmo
dirimentes de culpabilidade (BITENCOURT, p. 143).
em suma:
 Lei penal, de regra, somente se aplica a fatos praticados sob sua vigência
(atividade)
 a lei posterior mais benéfica (lex mitior) retroagirá, atingindo fatos anteriores á
sua vigência ("retroatividade da lei posterior mais benéfica"; novatio legis in mellius;
abolitio criminis)
 a lei penal revogada deverá aplicar-se depois de sua revogação, quando o fato for
praticado sob sua égide e for sucedida por lei mais gravosa (lex gravior)
("irretroatividade da lei posterior mais grave"; novatio legis in pejus; novatio legis
incriminadora)

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▪ Em caso de dúvida a respeito da lei penal mais benéfica, o que fazer? Ex.: o
que é mais benéfico, uma lei que permite o cumprimento da pena em regime aberto ou
outra que autoriza o livramento condicional, ante negado? O melhor a ser feito é indagar
ao réu.
▪ É possível a combinação de leis penais para favorecer o réu? A combinação de
leis penais dá-se quando é verificado que a nova lei favorece o agente num aspecto e
prejudica-o em outro, aplicando-se a nova no aspecto benéfico e mantendo, no mais, a
regra branda oriunda da lei anterior (ESTEFAM, p. 145).
O entendimento majoritário na doutrina é que o magistrado pode aplicar a lei mais
benéfica de modo parcial. Outra corrente versa sobre a impossibilidade de aplicação
parcial da lei, eis que o magistrado estaria agindo como legislador. O atual entendimento
do STF é de que não é possível a combinação.
▪ É possível que uma lei tenha efeito retroativo e ultra-ativo? Sim, no caso de
diversas sucessões de leis penais, a lei penal intermediária poderá possuir efeito retroativo
e ultrativo, ou seja, dupla extra-atividade.

 Conflito de leis penais no tempo em crime permanente e crime continuado


Crime permanente é aquele cujo momento consumativo se prolonga no tempo, por
exemplo, o crime previsto no art. 159, do Código Penal (extorsão mediante sequestro).
Crime continuado ocorre quando vários crimes são praticados em continuidade delitiva
(art. 71, CP).
Se durante a permanência ou continuidade delitiva entrar em vigor uma nova lei,
ainda que mais gravosa, ela se aplica a todo o evento criminoso. Nesse sentido é a Súmula
711 do STF: A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente,
se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

6.4. TEMPO DO CRIME

O problema da determinação do momento da prática delitiva (tempus delicti) é


solucionado por três orientações principais: (a) teoria da atividade ou da ação, que
considera o delito realizado com a ação ou omissão do agente; (b) teoria do resultado ou
do evento, onde o momento da prática do crime é aquele em que ocorreu o efeito; (c)
teoria mista ou unitária, o tempo do delito é considerado tanto o da ação como o do
resultado (PRADO, p.157).
No Brasil, a aplicação da lei penal no tempo, nos termos do art. 4º, do CP, dá-se no
momento em que o sujeito pratica a conduta (ação ou omissão), ainda que outro seja o
momento do resultado (teoria da atividade).
Em 1994, o homicídio qualificado tornou-se crime hediondo; a inclusão deste fato
na lista contida na Lei 8072/90 ocorreu no dia 07 de setembro de 94. Suponha que o

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agente, visando à morte de seu inimigo, tenha desferido contra ele diversos disparos de
arma de fogo, por motivo fútil, no dia 05 de setembro de 94. Imagine, ainda, que o atirador
se evada do local e a vítima seja socorrida por terceiros, ficando hospitalizada por uma
semana, até que vem a óbito pela gravidade dos ferimentos. No exemplo, a conduta
praticada antes da entrada em vigor da lex gravior, embora o resultado se tenha produzido
depois desta data. Tendo em vista que o tempo do crime é o da conduta, e não o da
consumação, o homicídio qualificado cometido pelo agente não será considerado
hediondo (ESTEFAM, p. 151).

6.5. CONCURSO APARENTE DE NORMAS

Hipótese em que há uma situação com, aparentemente, duas ou mais normas para
aplicação. Deve ser aplicada apenas uma delas. Para solucionar as questões de
incompatibilidade normativa, recorre-se a determinados critérios interpretativos.
O concurso aparente de leis penais (para alguns, concurso ideal próprio ou concurso
aparente de tipos) diz respeito à interpretação e aplicação da lei penal. Verifica-se na
situação em que várias leis são aparentemente aplicáveis a um mesmo fato, mas, na
realidade, apenas uma tem incidência. Sendo assim, não há verdadeiro conflito ou
concurso, mas tão somente aparência de concurso, visto que existe transgressão real de
apenas uma lei penal, o que dá lugar também a um único delito (PRADO, p. 308).
São critérios para a resolução do concurso aparente de leis:
a) critério da especialidade (ou princípio da especialidade) - Versa que a lei
especial derroga a lei geral. Entre a norma geral (gênero) e a especial (espécie) há uma
relação hierárquica de subordinação que estabelece a prevalência da última, visto que
contém todos os elementos daquela e mais alguns denominados especializantes (PRADO,
p. 310).
O tipo especial possui o mesmo verbo do tipo genérico, mas circunstâncias extras
que o tornam específico.

b) critério da subsidiariedade (ou princípio da subsidiariedade) - Emerge


como efeito de uma múltipla tutela realizada por tipos diversos e relação a determinado
bem jurídico. Opera de forma auxiliar, subsidiária ou residual para as hipóteses que não
são objeto de proteção de outro dispositivo, chamado principal. Isso significa: aplica-se
uma lei quando outra não puder ser aplicada, quer por disposição explícita
(subsidiariedade expressa ou formal), quer por força de interpretação lógica
(subsidiariedade tácita, implícita ou material). Verifica-se a subsidiariedade expressa
quando o próprio texto legal condiciona sua aplicação à inaplicabilidade de outro
(PRADO, p. 311).
Já a subsidiariedade implícita constata-se quando o tipo subsidiário, de menor
gravidade, não subordina sua aplicação à subsistência do principal. Aplica-se um tipo
penal na medida em que outro não possa ser utilizado, como resultado do sentido e do
fim das normas em concorrência (PRADO, p. 311). Em outras palavras, ocorre quando um

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tipo penal entra na composição de outro, mas tão somente como elemento constitutivo
ou circunstância agravante e não como parte do núcleo do tipo (STEVENSON, p. 39).
O tipo subsidiário integra o principal como circunstância e não como verbo, sendo
indispensável sua realização para alcançar o principal.

c) critério da consunção (ou princípio da consunção) - por este princípio,


determinado crime (norma consumida) é fase de realização de outro (norma consuntiva)
ou é uma regular forma de transição para o último. Isso significa que o conteúdo do tipo
penal mais amplo absorve o de menor abrangência, que constitui etapa daquele,
vigorando o princípio de que "o maior absorve o menor" (idem, p. 312).
Desse modo, os fatos não se acham em relação de espécie e gênero, mas de parte a
todo, de meio a fim. Assim, o delito-meio, punido menos severamente (= delito
antecedente ou anterior) é absorvido pelo delito-fim (PRADO, p. 312).
Crime-fim absorve o seu meio necessário (ante factum impunível) ou eventual
consequência (post factum impunível)
** Gize-se que os critérios de subsidiariedade e de consunção são de aplicação
secundária ou complementar ao de especialidade **

6.6. LEI EXCEPCIONAL E LEI TEMPORÁRIA

As leis excepcionais e temporárias são leis que vigem por período predeterminado,
pois nascem com a finalidade de regular circunstâncias transitórias especiais que, em
situação normal, seriam desnecessárias (BITENCOURT, p. 150).
O artigo 3º do Código Penal dispõe que a lei excepcional ou temporária, embora
decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram,
aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.
Excepcional é a lei elaborada para incidir sobre fatos havidos somente durante
determinadas circunstâncias excepcionais, como situações de crise social, econômica,
guerra, calamidades, etc.
Temporária é aquela elaborada com o escopo de incidir sobre fatos ocorridos
apenas durante certo período de tempo (ESTEFAM, p. 148).
Em outras palavras, a lei excepcional é aquela que visa a atender situações
excepcionais, de anormalidade social ou de emergência, não fixando prazo de sua
vigência, quer dizer, tem eficácia enquanto perdurar o fato que a motivou (PRADO, p.
256).
A lei temporária, por sua vez, prevê formalmente o período de tempo de sua
vigência, ou seja, delimita de antemão o lapso temporal em que estará em vigor. Exige
duas condicionantes: situação transitória de emergência e termo de vigência (Idem,
ibidem). Ex.: art. 36 da Lei 12.663/2012 (Lei da Copa).

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O que ambas têm em comum é o regime específico da ultratividade gravosa, em


razão da finalidade perseguida: aplicam-se ao fato realizado durante sua vigência, embora
decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que as determinaram.
Dessa maneira, a lei posterior que beneficiar o sujeito não possui o condão de revogar as
disposições anteriores da lei excepcional ou temporária.

7. LEI PENAL NO ESPAÇO E TERRITORIALIADE PENAL

A lei penal, em decorrência do princípio de soberania, vige em todo o território de


um Estado politicamente organizado. No entanto, pode ocorrer, em certos casos, para um
combate eficaz à criminalidade, a necessidade de que os efeitos da lei penal ultrapassem
os limites territoriais para regular fatos ocorridos além de sua soberania, ou, então, a
ocorrência de determinada infração penal pode afetar a ordem jurídica de dois ou mais
Estados soberanos. Surge, dessa forma, a necessidade de limitar a eficácia espacial da lei
penal, disciplinando qual lei deve ser aplicada em tais hipóteses (BITENCOURT, p. 158).
De acordo com o artigo 5º, caput, CP, aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de
convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território
nacional. Com a referida disposição, o Código Penal brasileiro acolheu o princípio da
territorialidade, ou seja, a lei penal brasileira aplica-se a todos os fatos ocorridos dentro
do nosso território, independentemente da nacionalidade do sujeito, da vítima ou do bem
jurídico lesado. Utiliza-se tal princípio de forma temperada ou atenuada, pois o referido
artigo ressalva a validade de convenções, tratados e regras internacionais.
É dizer, o Código criou um temperamento à impenetrabilidade do direito interno ou
à exclusividade da ordem jurídica do Estado sobre o seu território, permitindo e
reconhecendo, em determinados casos, a validez da lei de outro Estado. É o obséquio à
boa convivência internacional, e quase sempre sob a condição de reciprocidade, que o
território do Estado se torna penetrável pelo exercício de alheia soberania (HUNGRIA,
apud GRECO, p. 21).
O parágrafo primeiro do referido dispositivo legal dispõe que para os efeitos penais,
consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves
brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se
encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de
propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em
alto-mar.
O território nacional compreende, em sentido estrito, a superfície terrestre, as águas
territoriais, mar (12 milhas - aprox 22km - após, zona contígua) e o espaço aéreo
correspondente. Entende-se, ainda, como sendo território nacional, por extensão ou
flutuante, as embarcações e as aeronaves, por força de ficção jurídica (BITENCOURT, p.
160).
Observe, então, o esquema ilustrativo:

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- Superfície terrestre;
- Águas territoriais;
Território - Espaço aéreo correspondente
Nacional

Navios BR e Aviões BR Públicos ou a Sv do


Governo (em
qualquer lugar)

Mercantes ou Privados, desde que em


espaço aéreo correspondente ou alto-mar

A segunda parte do §1º, do art. 5º, do CP, significa que onde não houver soberania
de qualquer país, como é o caso do alto-mar e o espaço aéreo a ele correspondente, se
houver uma infração penal a bordo de uma aeronave ou embarcação mercante ou de
propriedade privada, de bandeira nacional, será aplicada a legislação brasileira (GRECO,
p. 21).
Perceba que, em se tratando de embarcação ou aeronave pública ou em missão
oficial do Governo Brasileiro, não importa onde estão, sendo consideradas sempre como
extensão do território. De outra monta, as embarcações e aeronaves privadas ou
mercantes, devem estar ou no território ou em alto-mar, o que será considerado o
território da bandeira (princípio do pavilhão ou princípio da bandeira).
O §2º, por sua vez, determinou, também, a aplicação da lei brasileira aos crimes
praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada,
achando-se as aeronaves em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo
correspondente e as embarcações, em porto ou mar territorial do Brasil. Ou seja, apenas
aplica-se a lei brasileira caso estejam em território nacional.
No tocante às embarcações e aeronaves estrangeiras públicas, jamais aplica-se a lei
brasileira, eis que não foi praticado o crime em território brasileiro.

7.1. LUGAR DO CRIME

De acordo com o artigo 6º, do Código Penal, considera-se praticado o crime no lugar
em que ocorreu a ação ou a omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou
deveria produzir-se o resultado. Dessa maneira, adotou-se a teoria da ubiquidade ou
teoria mista.
Com esta teoria, evita-se o inconveniente dos conflitos negativos de jurisdição e
soluciona-se a questão do crime a distância, em que a ação e o resultado realizam-se em

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lugares diversos. A eventual duplicidade de julgamento é superada pela regra constante


do art. 8º do CP, que estabelece a compensação de penas, uma modalidade especial de
detração penal (BITENCOURT, p. 163).
Suponha que um sujeito residente na Argentina enviasse uma carta-bomba tendo
como destinatário uma vítima que residisse no Brasil. A carta-bomba chega a seu destino
e, ao abri-la, a vítima detona o seu mecanismo de funcionamento, fazendo-a explodir,
causando-lhe a morte. Se adotada no Brasil a teoria da atividade e na Argentina a teoria
do resultado, o agente, autor do homicídio, ficaria impune. A adoção da teoria da
ubiquidade resolve esses problemas (GRECO, p. 22).
A teoria não se destina à definição de competência processual interna, mas sim, à
determinação da competência da justiça brasileira.

7.2. EXTRATERRITORIALIDADE

Na extraterritorialidade há, excepcionalmente, possibilidade de aplicação da lei


brasileira aos crimes praticados em território estrangeiro. Divide-se em
extraterritorialidade incondicionada (art. 7º, I, CP) e condicionada (art. 7º, II, CP).
De acordo com o art. 7º, I, independe de qualquer condição o processamento dos
crimes praticado contra (a) a vida ou a liberdade do Presidente da República, (b) contra
o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de
Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação
instituída pelo Poder Público, (c) contra a administração pública, por quem está a seu
serviço, e (d) genocídio, quando o agente for brasileiro ou estrangeiro domiciliado no
Brasil.
As alíneas a, b e c são fundamentadas no princípio da defesa ou proteção real,
que pontua-se no bem jurídico lesado. Não importa o local ou a pessoa que comete a
conduta criminosa, mas sim, a origem nacional do bem protegido.
O princípio da justiça universal fundamenta a alínea d, eis que a punição do crime
de genocídio é de interesse da humanidade. Este princípio não se prende a um interesse
circunscrito à soberania nacional, mas adota como parâmetro a necessidade de
cooperação internacional (VANZOLINI, p 109). Este princípio também fundamenta o art.
7º, II, a, do CP.
São hipóteses legais de extraterritorialidade condicionada, de acordo com o art. 7º,
II, do CP, onde, devem-se respeitar de forma cumulativa todas as disposições do §2º
(condições objetivas de punibilidade), os crimes (a) que por tratado ou convenção, o Brasil
se obrigou a reprimir, (b) praticados por brasileiro, (c) praticados em aeronaves ou
embarcações brasileiras, mercantes ou privadas, quando em território estrangeiro e aí não
sejam julgados.
O princípio da personalidade ou nacionalidade, fundamenta a alínea b, pois a lei
penal acompanha a nacionalidade do indivíduo, seja ele autor (personalidade ativa) ou
vítima (personalidade passiva) da conduta criminosa.

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O princípio da justiça supletiva ou subsidiária ampara a alínea c, onde


propugna-se a aplicação da lei e jurisdição nacional aos crimes cometidos no estrangeiro,
por estrangeiros e contra estrangeiros, com o propósito de evitar sua escandalosa
impunidade. Não podem ter sido julgados no exterior. (VANZOLINI, p. 112).

8. CONTAGEM DE PRAZO PENAL - Art. 10, CP

O prazo penal conta-se de maneira diversa do prazo processual penal. Enquanto


neste não se inclui o dia do começo, naquele é incluído o primeiro dia, desprezando-se o
último (NUCCI, Código penal comentado. 7. ed. p. 104).
Exemplos: se uma pessoa é recolhida ao cárcere para cumprir dois meses de pena
privativa de liberdade, tendo início o cumprimento no dia 20 de março, que é incluído no
cômputo, a pena findará no dia 19 de maio. Se alguém for preso às 22h de um dia, este dia
é integralmente computado, ainda que faltem somente duas horas para findar (NUCCI, p.
104).

9. LEI PENAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS

Como visto, o princípio da territorialidade não é absoluto, eis que, conforme o art.
5º, do CP, aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito
internacional, ao crime cometido no território nacional. Autoriza-se, assim, a criação de
imunidades diplomáticas e de chefes de governos estrangeiros. Outrossim, as regras
constitucionais instituem as imunidades parlamentares.

9.a) Imunidades diplomáticas e de chefes de governos estrangeiros

As imunidades se fundam no princípio da reciprocidade, ou seja, o Brasil concede


imunidade aos agentes dos países que também conferem iguais privilégios aos nossos
representantes. Constitui causa pessoal de exclusão da pena.
Não há violação ao princípio da isonomia, eis que a imunidade não é pessoal, mas
funcional. Leva-se em conta a relevância da função pública exercida pela representante
estrangeiro (teoria do interesse da função).
A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, incorporada ao Direito pátrio
pelo Decreto 56.435/1965, assegura ao diplomata imunidade de jurisdição penal,
sujeitando-o à jurisdição do Estado que representa. Abrange todo o tipo de delito.
A garantia estende-se aos agentes diplomáticos e funcionários das organizações
internacionais, quando em serviço, incluindo seus familiares. Os funcionários particulares
dos agentes não recebem o privilégio. A essas pessoas é assegurada a inviolabilidade
pessoal, já que não podem ser presas nem submetidas a qualquer procedimento sem
autorização de seu país.

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A imunidade é renunciável?
Não, ela é irrenunciável por parte do destinatário. Nada impede, no entanto, a
renúncia por meio do Estado acreditante, com fundamento no art. 32 da Convenção de
Viena sobre assuntos diplomáticos e art. 45 da Convenção de Viena sobre Relações
Consulares.
Os cônsules, por seu turno, são funcionários públicos indicados para a realização de
determinadas funções em outros países, com imunidades e privilégios inferiores aos dos
diplomatas. A imunidade penal é limitada aos atos de ofício, podendo ser processados
e condenados por outros crimes.
De acordo com a Convenção de Viena, as sedes diplomáticas não admitem busca e
apreensão ou qualquer tipo de medida de execução de natureza penal.
As sedes das embaixadas não são extensões de territórios estrangeiros no Brasil.
Localizam-se em território nacional, e, se alguém não goza de imunidade praticar algum
crime em seu âmbito, será processado nos termos da legislação penal brasileira.

9.b) Imunidades parlamentares

As imunidades parlamentares são prerrogativas ou garantias inerentes ao exercício


do mandato parlamentar. A imunidade, por não ser direito do parlamentar, mas do
próprio Parlamento, é irrenunciável.

A CF prevê duas espécies:

a) imunidade absoluta, material, real ou inviolabilidade : art. 53, caput, CF


(senador, deputado federal, estadual, vereador)
b) imunidade processual, formal ou relativa: art. 53, §§ 1º a 5º, CF (

IMUNIDADE MATERIAL

De acordo com a CF, os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente,


por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
A imunidade material protege o parlamentar em suas opiniões, palavras e votos,
desde que relacionadas às suas funções, não abrangendo manifestações desarrazoadas
e desprovidas de conexão com os seus deveres constitucionais.
O STF tem considerado a manifestação imune como causa de atipicidade.
O termo inicial ocorre com a diplomação do parlamentar e encerra-se com o término
do mandato.

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IMUNIDADE FORMAL

Envolve a disciplina da prisão e do processo contra Deputados Federais e


Senadores e tem previsão no art. 53, §§ 1º a 5º, da CF.
Dispõe o art. 53, §2º, CF, que desde a expedição do diploma, os membros do Congresso
Nacional não poderão ser presos, salvo em prisão em flagrante de crime inafiançável. Esta
é a regra geral. A única exceção, portanto, é a hipótese de prisão em flagrante pela prática
de crime inafiançável.

As imunidades abrangem os Deputados Federais e Senadores, não sendo extensíveis


aos suplentes. Ademais, é assegurada a imunidade material e formal aos deputados
estaduais (art. 27, §1º, CF).
A CF não consagra a imunidade formal ou processual para vereadores, ou de foro
por prerrogativa de função, não podendo a legislação local prever tais garantias. Sua
inviolabilidade se dá na circunscrição do Município.
Em resumo, a imunidade material exclui da incidência penal determinadas pessoas,
retirando-lhes a qualidade de destinatários da lei criminal. Já a imunidade formal reguarda
o Legislativo, impondo, como condição de procedibilidade, prévia licença da Casa
Legislativa para o parlamentar ser processado. Por fim, a inviolabilidade acarreta a
atipicidade da conduta e a imunidade impede o desenvolvimento do processo e suspende
a prescrição.

10. EFICÁCIA DE SENTENÇA ESTRANGEIRA

A sentença judicial, emanada de Poder Constituído do Estado, é ato representativo


de sua soberania. Para uma eficaz valoração de sua autoridade, contudo, deve ser
executada. E essa execução deveria ser feita sempre no país em que foi proferida.
Excepcionalmente, o Estado se vale de atos de soberania de outras nações, aos quais
atribui efeitos certos e determinados. Para atingir essa finalidade, homologa a sentença
penal estrangeira, mediante o procedimento constitucionalmente previsto, a fim de
constituí-la em título executivo com validade em território nacional.
De acordo com a Súmula 420 do STF, não se homologa sentença proferida no
estrangeiro sem prova do trânsito em julgado.
Ademais, faz-se necessário que ocorram as hipóteses do art. 9º, parágrafo único, do
CP.
Nos termos do art. 105, I, alínea i, da CF, compete ao Superior Tribunal de Justiça
a homologação de sentenças estrangeiras e a execução das cartas rogatórias.

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