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1 – Introdução

Ultimamente tem se ouvido falar muito no âmbito eclesiástico sobre os “desigrejados”, que segundo definições
teológicas, são pessoas que por descontentamento com a liderança local de sua congregação e com a estrutura
rígida das igrejas onde frequentavam, resolveram rejeitar a prática litúrgica do culto, abandonar o templo e
consequentemente a comunhão com os irmãos da fé, tornam-se em evangélicos nominais, isto é, sem vínculo
eclesiástico. Idauro Campos, em seu livro Desigrejados – teorias, história e contradições do niilismo eclesiástico,
descreve os principais motivos que levaram evangélicos a saírem de suas igrejas e muitas vezes largar a própria fé.
Dr. Augusto Nicodemus Lopes prefaciou o livro, onde constatou:

As razões básicas para as críticas passam pela decepção com promessas feitas em nome de Deus e que nunca se
cumpriram, além das práticas e ensinos questionáveis ministrados em ambientes eclesiásticos e a repulsa com os
maus exemplos das lideranças (pastores, bispos e apóstolos), resultando na deserção de milhões de cristãos
protestantes que engrossam a fileira dos descontentes com a igreja. Nicodemus (2005 apud ROMEIRO 2005)

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2010 foi feito uma pesquisa para avaliar a
performance da Religiosidade no Brasil. Segundo a publicação, o grupo que mais cresceu foi os que se declararam
“sem religião”. Sendo assim, dos 40 milhões de evangélicos do Brasil, 10%, ou seja, 4 milhões, se auto intitulam
como desigrejados. Percebe-se aqui algo inédito, pois se antes só ouvíamos falar de cristãos católicos não
praticantes, hoje, também estamos ouvindo: sou evangélico não praticante! Realmente é novidade para o mundo
gospel.

Segundo CAMPOS (2014), os desigrejados não aceitam qualquer forma de igreja organizada e institucionalizada, uma
vez que, segundo seus conceitos, Jesus também não organizou e nem construiu templos. Para eles a igreja
verdadeira não tem templos, cultos regulares aos domingos, tesouraria, hierarquia, ofícios, ofertas, dízimos, clero
oficial, confissões de fé, rol de membros, propriedades, escolas, seminários. Em seus relatos descrevem que um dos
piores erros é a ineficiência da liderança eclesiástica, haja vista que a organização humana tem falhado e caído em
muitos erros, pecados e escândalos, e prestado um desserviço ao Evangelho, chegando ao ponto de afirmarem:
“Precisamos sair dela para podermos encontrar a Deus”. Paulo Romeiro, em seu livro Decepcionados com a Graça,
inclusive, propõe uma sequência: primeiro “ocorrem o deslumbramento, a expectativa e a entrega pessoal pela
causa e a confiança despreocupada na proposta do grupo”, mas, conforme declara, “com o tempo, porém, vêm os
questionamentos relativos à linha de pregação, à administração financeira ou às questões éticas, provocando o
rompimento”. (ROMEIRO, 2005, p. 42).

Quando analisamos os verdadeiros motivos pelos quais os desigrejados se privam da comunhão fraternal com o
Corpo de Cristo, algumas reflexões necessitam serem feitas dentro de nós enquanto líderes, enquanto pastores,
enquanto discipuladores, enfim, precisamos rever os nossos conceitos de Sal e Luz deste mundo (Mt 5:13-16), o
conceito de embaixadores de Cristo em uma terra que não é nossa (2 Co 5:20), precisamos realizar uma práxis da
nossa conduta cristã e ética, pois percebemos claramente, que ao invés de convergir os corações das pessoas à
Deus, estamos expelindo-as e as privando da convivência com o verdadeiro Corpo de Cristo.

Não pretendo aqui tomar toda a responsabilidade da desgraça alheia, apenas assumir a nossa parcela de culpa. Não
tem como não trazer para si, resguardada as devidas proporções, a responsabilidade deste niilismo religioso. A
práxis é necessária neste contexto. O que temos feito de errado, ou no mínimo deixado de fazer para que 4 milhões
de brasileiros tenham se desiludido com a caminhada cristã. A incoerência na conduta é exatamente esta: não são 4
milhões de pessoas que ainda não foram alcançadas. São 4 milhões de pessoas que foram alcançadas mas que
escaparam, escorregaram entre os dedos da imensa mão institucional. São alguns membros do Corpo de Cristo que
estão por aí espalhados, desmembrados, solitários, tentando se reerguer sozinhos, tentando sobreviver sem o resto
do corpo. Não obstante, segundo as Escrituras, sabemos que isso é impossível, logo esta classe de pessoas irá
perecer, morrer espiritualmente, apodrecerão numa sociedade que se diz cristã.

Permaneçam em mim, e eu permanecerei em vocês. Nenhum ramo pode dar fruto por si mesmo se não permanecer
na videira. Vocês também não podem dar fruto se não permanecerem em mim. Eu sou a videira; vocês são os
ramos. Se alguém permanecer em mim e eu nele, esse dará muito fruto; pois sem mim vocês não podem fazer coisa
alguma. Se alguém não permanecer em mim, será como o ramo que é jogado fora e seca. Tais ramos são apanhados,
lançados ao fogo e queimados. (Jo 15:4-6)

Elas precisam voltar, precisam novamente serem impactadas pelo grande amor de Cristo, e também pelo grande
amor da igreja para com o próximo. Nós precisamos buscá-las. Sobre seu retorno, a jornalista Marília de Camargo
Cézar, citou em seu livro Feridos em Nome de Deus, um livro que ao mesmo tempo, denuncia, alerta e apela:

Como poderiam, então, retornar para um ambiente que, ao invés de ser uma comunidade terapêutica por
excelência, foi, na prática, causadora de dor, frustração e mágoa? Não seria, destarte, necessária uma prática
pastoral carregada de amor, perdão, paciência e graça para com os que se encontram em tal situação? (CÉZAR 2009)

Marília, quis através do seu livro, denunciar o que realmente acontece nos bastidores de muitas igrejas. Como que
lideres usam as pessoas como massa de manobra, com o único intuito de se promoverem e enriquecerem, não
dando a devida importância para as necessidades espirituais, emocionais e físicas dos seus rebanhos. Também foi
intuito seu alertar para que outras pessoas não caiam no mesmo emaranhado de mentiras gospel. Mas o intuito
mais sublime desta riquíssima obra era levar os pastores a refletirem sobre suas práticas pastorais, os quais percebe-
se que ao iniciarem suas carreiras de fé, tem em mente as melhores aspirações de serviço e vocação, ansiosos para
honrarem e glorificarem à Deus com seus talentos e dons; mas com o passar do tempo, deixam de corresponderem
aos seus chamados, e passam a agir mais visando o financeiro eclesiástico e agindo como empresários da fé. O outro
objetivo tão superior quanto o anterior, é um apelo para aqueles que estão nas igrejas a olharem com misericórdia e
amor para muitos daqueles que desertaram e que estão longe de serem apenas pessoas “complicadas” ou
“esquisitas”.

A partir da reflexão das causas e das consequências da incoerência na prática da conduta ética-cristã nas lideranças
eclesiásticas, cabe a nós pensarmos quais atitudes teremos de ter para que se evite o desigrejamento.

2 – Atitudes pautadas na coerência da conduta ética-cristã:

2.1 – Dá a devida atenção e respeito aos membros de forma individual

Muitas vezes o ativismo faz com que as necessidades, carências emocionais e espirituais dos membros não sejam
observados e valorizados a ponto de terem prioridade no tratamento e atenção. Sabe-se que o objetivo primário da
igreja, é a glorificação de Deus, mas a igreja também deve ministrar aos seus membros, em suas carências de
relacionamento, emocionais e espirituais. Um outro aspecto muito importante diz respeito a oportunidade que os
membros, deveriam ter na igreja, afim de desenvolver suas habilidades e dons dados pelo Senhor, e que muitas
vezes não ocorre. Muitos membros estão perecendo espiritualmente por falta de oportunidade para servirem à
Deus com seus talentos.

Aqui, dois erros extremos podem ocorrer, um de falta e outro de excesso. Existem membros que se frustram porque
raramente têm espaço para fazer alguma coisa, para dar a sua contribuição. (…) Todavia, também existe o perigo
oposto, que é sobrecarregar as pessoas com atividades, deixando-as exaustas e sem tempo para outros interesses,
sejam eles familiares ou comunitários.” (MATOS, 2014, p.30)

Segundo Matos, os dirigentes precisam ser sensíveis e receptivos em relação às reivindicações e solicitações
legítimas de seus fiéis, evitando assim uma evasão desnecessária. Para isso, é preciso ouvi-los com frequência,
exercer o diálogo constante e, assim, realizar as correções nas normas e práticas que se façam necessárias, tendo em
vista o bem-estar e a continuidade da participação dos membros.

2.2 Preparar os novos convertidos através do Discipulado

Na maioria das igrejas se verifica um grande paradoxo. Essas igrejas fazem investimento na área da evangelização,
de trazer novas famílias e pessoas para Cristo. A liderança ensina e prega a respeito deste assunto, oferecendo
cursos, utilizando publicações e estimulantes sobre o assunto, incentivando a levar as boas novas com estratégia
pessoal e em grupos. Enfim, faz-se um esforço para alcançar as pessoas. Assim, logo que essas pessoas se convertem
e estão na igreja, elas são quase que esquecidas e caem na rotina da vida da igreja.
Como já estão dentro, se entende que não precisam de tanta atenção assim. É assim que muitos novos convertidos
passado algum tempo se decepcionam, perdendo o entusiasmo e abandonando a eclesia. Isso mostra a necessidade
de complementar a estratégia de evangelismo, que é o discipulado dos novos convertidos.

A igreja precisa criar mecanismos pelos quais aqueles que ingressaram na comunidade possam receber um
acompanhamento adequado nos primeiros meses e anos de sua vida cristã

Vale lembrar que o intuito do verdadeiro discipulado, é fazer discípulos de Jesus, pessoas que se espelham em Cristo
e ao mesmo tempo refletem a Sua glória. Sendo assim, o discipulado tem que ser transmitido por ministro autêntico
e firmado na Palavra de Deus, o qual honra o Senhorio e a Soberania de Cristo em sua vida.

Além disso, a pedagogia do discipulado tem que trazer disciplinas que realmente frisam e evidenciam a importância
do “nascer de novo”, do arrependimento, do fruto do Espírito, da mordomia cristã, dentre outros, e ainda precisa
descortinar para o novo convertido o plano geral de salvação providenciado por Deus através de Seu Filho Jesus
Cristo para ele como para toda a humanidade, levando-o a aspirar por missões e vidas perdidas.

2.3 Viver o verdadeiro pastoreio

Precisamos lembrar que não somente os novos convertidos, mas também os que já caminham com a igreja há um
tempo, precisam de cuidado, zelo e pastoreio com amor. Paulo exorta aos líderes da igreja de Éfeso a respeito:

Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constitui bispos, para pastoreardes a igreja
de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.28).

Parece que os administradores da igreja em Éfeso tinham dificuldades no pastoreio, embora muito preocupados
com a doutrina, pois Paulo, que os advertira sobre a necessidade dos cuidados pastorais em Atos 20, também os
advertira sobre a necessidade de pastorear com amor, conforme o capítulo 4, verso 15 “seguindo a verdade em
amor”. Provavelmente, tal como parece acontecer em nossos dias, os bispos de Éfeso não deram muita importância
à exortação Paulina, pois ao final do I séc., em outra carta enviada ao anjo da igreja em Éfeso, agora escrita pelo
apóstolo do amor, João, conforme Apocalipse 2, o Senhor ressalta o trabalho incansável desses pastores, seu zelo
pela Escritura e assim desmascarando os falsos apóstolos. Porém o principal ficou esquecido, aquilo que a tornaria
uma comunidade aprovada por excelência, deixaram de lado e não aprenderam a lição mais importante ensinada
pelo apóstolo Paulo: “o amor”: “Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro amor”. Apocalipse 2:4.

A repentina ausência de pessoas e famílias nos cultos é um caso clássico. Muitas vezes indica um sinal de alguma
dificuldade enfrentada por aquela família e deve haver uma intervenção rápida por Pastores e líderes. As não é
preciso acontecer algo para que a pessoa seja atendida, ou simplesmente ouvida e visitada. O verdadeiro pastoreio,
antecede aos problemas vividos pela suas ovelhas.

Conforme o livro O Protestantismo Brasileiro, da autora Émile Leonard, é conhecido o exemplo do notável pastor
puritano Richard Baxter (1615-1691). No fiel desempenho do seu encargo, esse ministro procurava se encontrar uma
vez por ano com cada uma das 800 famílias que compunham a sua congregação na cidade de Kidderminster, a fim
de instruí-las e aconselhá-las. Em seu famoso clássico The Reformed Pastor, ele insistiu que os pastores precisam se
dedicar à instrução pessoal e particular do rebanho. Segundo ele: “É dever inquestionável dos ministros em geral
que se disponham à tarefa de instruir e orientar individualmente a todos aqueles que são entregues ao seu
cuidado.” (BAXTER, 2008, p. 27).

A igreja institucional tem como um de seus propósitos atender às necessidades dos seus membros, para que vivam
vidas plenas em Cristo, sem se afastar da comunidade da fé, mas estando integrados nela.

Não podemos esquecer, que o pastoreio não deve acontecer somente no âmbito espiritual, mas de forma completa
e complexa. O ser humano é composto por espírito, alma e corpo, por isso, não somete seu espírito precisa de
cuidado, mas também seu corpo através de atendimento em suas necessidades básicas, tais como alimentação,
roupas, sapatos. A alma ou o psique do homem também precisa de zelo, através de curas interiores, auxílio na
liberação de perdão, atendimento psicológicos, dentre outras coisas.
Desta forma, concluo, não criticando ou simplesmente “apontando o dedo” para as lideranças eclesiásticas, mas
exortando e apelando para uma verdadeira e transparente práxis do seu ministério cristão, deixando prevalecer
sempre através da atenção e respeito, do discipulado e do pastoreio, o dom mais sublime que existe: o amor. “(…)
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor”. (1Co 13:1-13).

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