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Revista do

Instituto Histórico e Geográfico


EM AÇÃO. GUARUJÁ - BERTIOGA

'<1

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3
Instituto Histórico e Geográfico
GUHRUJÁ - BERTIOGA
Declarado de Utilidade Pública pela Lei Estadual
N.° 5.614 de 3 de maio de 1960

é para o bem delas que


trabalhamos
O mundo em que um dia estas crianças irão viver e
trabalhar terá passado por nossas mãos. Tanto nossas
realizações, como nossas omissões, influenciarão seu
futuro. Assim, é pensando nelas que a PHILIPS cons¬
trói novas fábricas, amplia seus laboratórios, aperfei¬
çoa seus produtos, contribui para o treinamento de téc¬
nicos e cientistas; proporciona assistência educacio¬
nal. É imperioso correspçnder à confiança delas. E
é por isso que a Organização Philips Brasileira reafir¬
ma solenèmente o seu propósito de que, onde quer que
as novas gerações brasileiras encarem o futuro, en¬
contrarão aí provas de sua determinação em ajudá-las.


PHILIPS
símbolo universa!
PHILIPS B de confiança
Revista N.° 3 — Ano 2 1970
APRESENTAÇÃO

Ao findar-se o ano vigente, o ano de 1970, o Instituto


Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga quer oferecer aos
seus inúmeros associados e amigos as magnificas conferências
proferidas por ilustres e festejados intelectuais e estudiosos
de história membros todos do Instituto numa verdadeira
festa. Festa que foi realizada em 1967 nos auditórios da A
GAZETA, no decurso de uma quinzena, com uma assistência
surpreendente. 4s inscrições para essas reuniões elevaram-se
a centenas de jovens, senhoras e cavalheiros, sem distinção
de idade, numa demonstração do grande interêsse pelos estu¬
dos e pesquisas sôbre o assunto que o Instituto vem estimu¬
lando louvavelmente. Víamos na assistência uma avidez de
saber e de conhecer, prova de que marcam o impacto da
novidade tão sensível nos dias atuais. Daí o júbilo do Insti¬
tuto Geográfico Guarujá-Bertioga de proporcionar aos seus
distintos associados esta edição que vale a pena ser lida com
vagar, tão fascinante o seu editorial, desdobrando extraordi¬
nárias perspectivas para os que estudam e pesquisam.
Na alvorada de 1971, o Instituto Histórico e Geográfico
Guarujá-Bertioga saúda os seus amigos e associados com vo¬
tos sinceros para um Próspero e Feliz ANO NÔVO.
Ministro José Romeu Ferraz
Vice -Presidente do I. H. G. Guarujá-Bertioga
I

APRESENTAÇÃO

Ao findar-se o ano vigente, o ano de 1970, o Instituto


Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga quer oferecer aos
seus inúmeros associados e amigos as magníficas conferências
proferidas por ilustres e festejados intelectuais e estudiosos
de história membros todos do Instituto numa verdadeira
festa. Festa que foi realizada em 1967 nos auditórios da A
GAZETA, no decurso de uma quinzena, com uma assistência
surpreendente. As inscrições para essas reuniões elevaram-se
a centenas de jovens, senhoras e cavalheiros, sem distinção
de idade, numa demonstração do grande interêsse pelos estu¬
dos e pesquisas sobre o assunto que o Instituto vem estimu¬
lando louvavelmente. Víamos na assistência uma avidez de
saber e de conhecer, prova de que marcam o impacto da
novidade tão sensível nos dias atuais. Daí o júbilo do Insti¬
tuto Geográfico Guarujá-Bertioga de proporcionar aos seus
distintos associados esta edição que vale a pena ser lida com
vagar, tão fascinante o seu editorial, desdobrando extraordi¬
nárias perspectivas para os que estudam e pesquisam.
Na alvorada de 1971, o Instituto Histórico e Geográfico
Guarujá-Bertioga saúda os seus amigos e associados com vo¬
tos sinceros para um Próspero e Feliz ANO NÕVO.
Ministro José Romeu Ferraz
Vice-Presidente do 1. H. G. Guarujá-Bertioga
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO
GUARUJA-BERTIOGA

DIRETÓRIA

Presidente
Více-presidente
——— D.a Lucia Piza F. de Mello Falkenberg
Ministro José Romeu Ferraz

CURSO
2.° presidente
Secretário-geral
—— Sr. Herminio Lunardelli
Sr Celso Corrêa Dias

“ARTE ANTIGA NO BRASIL”


l.° secretário
2.° secretário
l.° tesoureiro
2.° tesoureiro

——
Sr. Licinio Silva Filho
Sr. Frederico G. Brotero
Sr. Armando Cambiagui
Carlos A. Roderbourg

Iniciado em 7/8/1961
Terminado em 8/11/1961 CONSELHO DELIBERATIVO

realizado no salão nobre da Faculdade de Direito, da Univer¬


DR. PEDRO DE OLIVEIRA RIBEIRO NETO
Dom Antonio de Lancastre

Dr. Egon Falkenberg
Presidente

sidade de São Paulo, Largo São Francisco. Sr. Antonio Roberto Alves Braga Sr. Fernando Edward Lee
Dr. Aureliano Leite General Francisco Oliveira Chagas

l .°
— ESQUEMA HISTÓRICO DO MÓVEL BRASILEIRO
José de Almeida Santos
— Sr. Antonio S. da Cunha Bueno Sr. Jorge da Silva Prado
Sr. Armando Simone Pereira
Sr. Alvaro do Amaral
Sr. Adam Von Bulow
Sr. José Pereira Fernandes
Sr. Lino Morganti
Prof Lucas Nogueira Garcez

2 .°
— PRATARIA NO BRASIL
Santos
— Francisco Marques dos
Sr. Augusto C. B. Trigueirinho
Sr. Eduardo A. Matarazzo
Sr. Eldino Fonseca Brancante
D.’ Rita Lebre de M. Correa Dias
Sr. Tácito Van Langendonck
Sr. W. R. Marinho Lutz

3.°
— ARTE NA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO:
ITU E SEUS ARTISTAS
CONSELHO DA MEDALHA

MIGUELZINHO, SUA VIDA E SUA OBRA


Arquimedes Dutra
— Prof.
“MARTIM AFONSO DE SOUSA”
DR. PEDRO DE OLIVEIRA RIBEIRO NETO — Chanceler

Embaixador Ernesto de M. Leme Sr Manoel Chambers de Souza


Sr. Eldino da Fonseca Brancante D.a Rita Lebre de M. Correa Dias
Ministro José Romeu Ferraz

DIRETORES DE
DEPARTAMENTOS SÓCIOS HONORÁRIOS

Sta. Haidée Nascimento Rodrigo M. Franco de Andrade


M. Luiza Camargo De Almeida Senador José Ermirio de Morais
Ten. Cel. Francisco Bianco Jr. Dr. J. Adhemar de Almeida Prado
Sr. Rubens de Moura Leite Rita L. de M. Correia Dias
Prof. Josué Callender dos Reis Celso Correia Dias
Prof. Oswald de Andrade Filho
ESQUEMA HISTÓRICO DO MOVEL
BRASILEIRO

José de Almeida Santos


10 JOSÉ DE ALMEIDA SANTOS ESQUEMA HISTÓRICO DO MÓVEL BRASILEIRO

ceito passou à prática com o pedagogo suíço João Henrique da...” (1). Começados pela improvisação, surgiram dife¬
Pestalozzi (1746-1827) e, mais tarde, com Maria Montessori renças de estrutura, sobretudo na ensamblagem (ensam-
(1870-1952), pedagogista italiana e a primeira mulher for¬ blamento, ensambladura) obtida por recursos primários co¬
mada em medicina. A. Austregésilo, em “Caracteres huma¬ mo o do cravo de ferro metido a rubro e o das cavilhas vi¬
nos”, diz: A doutrina do bem estar se origina em a sensa¬ síveis. Com tais vínculos, e os fluxos baseados nas catego¬
ção do prazer psíquico que sente o homem ante o meio em rias fundamentais absolutas: Clássica, Gótica e Barroca, não
que vive, e a harmonia da existência surge do contraste da seria de esperar para o mobiliário brasileiro formas dife¬
dor e do prazer, do bem e do mal, com o predomínio final rentes das formas em curso, cujas modificações foram de-
da alegria”. Dos objetos exteriores, os móveis, de um modo
particular, provocam nossos sentidos pela vivência ou prá¬
tica psíco-social.
Por esta rápida escala no mundo da metafísica e da ex¬
periência, percebemos o escalão do material historiográfico
disponível. Isto pôsto, tomemos a parcela cuja substância
se liga, como fragmento de um todo potencial, às principais
noções das formas em seus caracteres unívocos e relativos,
segundo a conceituação kantiana, como introdução ao co¬
nhecimento consciente do móvel brasileiro. No desenvolvi¬
mento da tarefa procuramos disciplinar a nomenclatura
dos estilos por meio das contingências dos objetos em estu¬
do, e assim lançar fundamentos para a sistematização do
currículo em suas conexões particulares e genéricas. A fal¬
ta de subsídios preliminares, salvo raras exceções, empresta
à matéria um caráter de novidade. Contudo, era realidade
sincrética nos episódios sociológicos, ou seja na Lei da cau¬
sa e do efeito. Assim veremos as referências à mão de obra
e aos artífices circunscreverem-se à subordinação imposta
pelo ambiente de colónia, com suas possibilidades de traba¬
lho e de aplicação plástica. Verificaremos, também, a atua¬
ção telúrica sôbre aqueles indivíduos. Desde logo inferi¬
mos que o estudo dos estilos brasileiros traz implícito o es¬
tudo das formas vinculadas aos interêsses religiosos e polí¬
ticos dominantes. A génese dos modêlos obedeceu a impe¬
rativos circunstanciais normativos, ou seja, com fôrça da
regra. Variações ocorridas em virtude dos índices de cul¬
tura, dos sistemas de viver e dos meios de produzir ao al¬ Mesa Império, coleção do dr. Oscar da Cunha.
cance, deram origem aos tipos diferentes dos móveis, carac-
terizados pela sobriedade ingénua, pelos fastos das madei¬ vidas a pormenores, de solução ecológica. Eis como se expli¬
ras (uma delas batizando o país), cuja beleza e resistência ca a preferência pela denominação MISSÕES para os mó¬
emprestaram longevidade às peças brasileiras. veis seiscentistas e setecentistas quadrangulares, que con-
Entre 1500 e 1627, frei Vicente do Salvador registou:
“Folgavam todos em trabalhar e exercitar cada um as habi¬ (1) 4.a edição da História do Brasil, folhas 150, Melhoramentos,
lidades que tinha . . . ainda que a não tivessem aprendí- S. Paulo.
12 JOSÉ DE ALMEIDA SANTOS
ESQUEMA HISTÓRICO DO MÓVEL BRASILEIRO 13
servam o signo do viver primitivo missionário e profano. Os
elementos estereotômicos são materiais peculiares: couros D. João V
para assentos e espaldares, para cilhar de catre e pavimen¬ D. José ou Pombalino
tação de cama de sobrecéu; madeira pródiga e nobre, em D. Maria I.a
suas zonas de extração. Sem dúvida, Missões foi região his¬ Sheraton-brasileiro
pânica, entre Brasil, Paraguai e Argentina, sob jurisdição D. João VI
dos jesuítas. Êstes não se confinaram em suas Reduções e Império, compreendendo:
partiram (como também religiosos de outras ordens), atra¬ Pé de Cachimbo
vés das Américas para levar a Fé e a civilização aos núcleos Ber anger ou Pernambuco
aborígenes. De seus esforços e hdaptação às condições de
cada região nasceu o móvel MISSÕES no Brasil e nos paí¬ Adventos
ses da costa do Pacífico. Seu desenvolvimento ocorreu, em
maior escala, sob a égide de Felipe II. O nome genérico está Pré-cabralino 1500
muito a propósito. Foram os missionários que, para satisfa¬ D. Manuel 1521
zerem indispensabilidades, incrementaram sua produção, D. João III 1557
revelando à posteridade seu espírito acomodado às con¬ Domínio Espanhol 1580
tingências, visíveis nas soluções plásticas de cada latitude. Domínio holandês 1654
Missões é móvel de reminiscências góticas, miscegenadas ao (Bandeiras, século XVIII
plateresco, de feitura rude ou bronca, mesmo quando alheio (D. João V 1750
à cuna hierática. Nesta categoria incluímos o Filipino, o (D. José I.° 1777
Holandês e o Mineiro-goiano, como matizes da cronologia, (D. Maria I.a 1792
dado o caráter irrevogável, comum, da fatura. Do mesmo (D. João VI 1816
modo se explica a preferência pela denominação de Minei¬ (Império brasileiro 1822
ro-veneziano para os móveis da época do Aleijadinho, pro¬
duzidos na Província de Minas Gerais. Veneziano porque Nota: Podia ser admitido o período D. João VI entre
Veneza foi a capital baroca do século XVIII, e foi dali ex¬ 1792, data do início da Regência, a 1825, quando D. João VI
portado o sabor peculiar por meio de artífices contratados, reconheceu a Independência do Brasil, proclamada em 1822
ou de desenhos, ou mesmo obtido de edículas adrede pre¬ por seu filho D. Pedro I. No entanto, adotamos critério ver¬
paradas. náculo, considerando o advento 1816, subida ao trono e 1822,
Segundo os dados históricos e o material remanescen¬ Proclamação da Independência como limites ortodoxos.
te, organizamos a seguinte Tábua de Datas: A maioria dos estilos brasileiros rege sua nomencla¬
tura pelos fenômenos do determinismo. São parafernais o
Estilos Manuelino, o D. João V, o D. José e o D. Maria l.a, êstes
dois pouco representativos. Sua caracterização e, portanto,
Indígena sua APERCEPÇÃO, tem por base os fatores normativos da
Manuelino génese, como vimos. Influências, modificações e deforma¬
(Missões, compreendendo:
ções devem ser estudadas tomando em consideração as re¬
lações ecológicas e as consequentes do escalão do desenvol¬
( Filipino
vimento.
Sabor Agora evoquemos as transformações, operadas através
Gótico dos séculos, das formas elementares do móvel, nascido sob
( Holandês e
induções do instinto: o leito e o assento que, com a caixa,
( Mineiro-goiano
constituíram as. matrizes de tôdas as formas subsequêntes,
( Mineiro-veneziano (Barroco) pouco-a-pouco transfiguradas pelas necessidades de expres¬
são e função religiosas e dinásticas: o arón ou ahrón, o es-
14 JOSÉ DE ALMEIDA SANTOS ESQUEMA HISTÓRICO DO MÓVEL BRASILEIRO 15

cabelo, a arca, até alcançar o sentido doméstico no medie¬ tes magníficos, de variedade assinalada. A evasão das for¬
vo. Nesse momento, as mesas cavaletes, consignadas por mas eruditas ocorreu por falta de aparelhamento ou de in¬
Homero e pela Bíblia (aqui no Livro de Esther e nos Após¬ ventiva. Maneiras diferentes de interpretar, através da ade¬
tolos) , passaram a DORMENTES, isto é, passaram a ser quação de métodos empíricos, criaram, nessa fase, mode¬
fi¬
xas, e suas TAMPAS passaram a TAMPOS. A evolução sim¬ los de membros planos e quadrangulares, a seguir casados
plificava o POR e TIRAR a mesa, literais na era homérica com motivos barrocos.
e até os Aquemênides, quando não havia salas especiais pa¬ Os móveis eram, na Europa renascentista, encomenda¬
ra os repastos. Os cavaletes, com suas TAVOLAS, eram
montados nos jardins, nos páteos internos ou em qualquer
cômodo da casa. Com Homero as pessoas sentavam-se em
mesas individuais. Dos Aquemênides até o Império romano
a postura passou a reclinada, e os cavaletes eram esteios
baixos e a mesa coletiva. O rasto dos hábitos foi perdido até
a Idade Média. Nessa ocasião os tampos fixos surgiram nos
refeitórios monásticos e, simplificando o uso das mesas,
contribuíram para sua aplicação doméstica. No Brasil as
mesas DORMENTES sobreviveram até o século XIX, con¬
forme testemunham Luccock (2) e Rugendas, como vere¬
mos adiante.
Excetuando o ambiente pré-cabralino da cultura indí¬


gena, que apenas contava com a rêde, o escabelo e o girau
a história do mobiliário brasileiro teve início já enqua¬
drada nos conceitos novos do SENTIDO DOMÉSTICO. Na
América latina tal sentido foi subsidiário do evolutir ape-
lativo (3) dos religiosos, naquele momento mais aptos ao
gôzo das amenidades que a civilização começava a popula¬
rizar. A vida, sob pressão metropolitana, era um cadinho
de ambições; a terra uma espécie de tesouro, a ser explora¬
do por beneficiário. Frei Vicente do Salvador, que viveu en¬
tre 1564 e 1636 ou 1639, regista (4): "... Os portuguêses,
grandes conquistadores de terras, não se aproveitam delas,
mas contentam-se de as andar arranhando ao longo do mar
como caranguejos”. Em ambiente negligenciado, falta de
iniciativas, os reflexos históricos correspondiam as contin¬
gências. Nem por isso houve emprêgo de madeiras inferio¬
res, como de árvores frutíferas. No Brasil abundavam fus-

(2) John Luccock, “Notas sôbre o Rio de Janeiro”, fls. 131, Liv] Mesa de bolachas, coleção do dr. Oscar da Cunha.
Martins Ed., São Paulo, 2? ed.: “Nas casas de categoria que descre¬
vemos, a peça principal do mobiliário dos aposentos melhores é a
infalível mesa comprida e tôsca . . . feita de madeira dura para que dos pela nobreza que, segundo a formação coeva de crité¬
sirva a gerações”. rios, julgava ser “proteção” dispensada a artistas e arteza-
(3) Que convém a todos.
(4) 4.a ed., História do Brasil, fls. nos, a permuta de valores. A necessidade em que se viam
44 e 46, Melhoramentos, São
Paulo. êles de apelar para a nobreza era fruto do ambiente, bem
16 JOSÉ DE ALMEIDA SANTOS

marcado por Cellini em sua autobiografia (5), ambiente


que em 1790 começou a transformar-se num sentido realis¬
ta, ensejando a reação ao Barroco, e dando lugar à sobrie¬
dade e à formação da burguesia e do proletariado, alicer¬
çando-se a fase mecânica, matriz dos capitalismos privado
e de Estado, os quais, por sua vez,, ensejaram o FUNCIONAL.
No Brasil, em esfera ecológico-político-econômico-etno-
-gráfica completamente diversa, o processo de desenvolvi¬
mento das relações domésticas foi simultâneo ao processo
de desenvolvimento da nacionalidade, isto é, teve início
num momento em que se acentuavam as características da
ORDEM DOMÉSTICA na civilização ocidental. Num gru¬
po incipiente, um simulacro de sociedade, balbuciante ain¬
da no comêço do século XIX, grupo em acomodamento dos
elementos heterogéneos que o compunham, só poderia atuar
o truísmo de Spengler: “O solo, através do indivíduo, é o
responsável pelas suas produções”, determinando que Esti¬
lo é expressão característica e IMUTÁVEL de certa fase, em
dada região, recordando um período histórico ou um artis¬
ta. Isto esclarece a tendência do mobiliário brasileiro, e a
tradição que o envolve.
Ó estilo Manuelino, designação reivindicada por Var-
nhagen (6) é registrado como interpretação portuguêsa do
Gótico, desde 1385, quando O. João I lançou os fundamen¬
tos da Igreja da Batalha, onde fica o mausoléu de D. Ma¬
nuel (7). A designação para o mobiliário, contudo, é anti-
crônica e arbitrária. Os modelos de móveis são díspares.
Apenas contam reminiscências góticas. O Manuelino, con¬
vencional, seiscentista, de sabor holandês, Tudor, Crom¬
well, Restauração e William and Mary, mostra torneados
vultosos, bolachas, melões, bulbos, esculpidos, espirais, orna¬
tos de acanto, tremidos e aplicações de metal amarelo ou
latão, de ferro e de prata. As aplicações de metal amarelo
esclarecem a cronologia dessas peças. O objeto mais antigo
de latão, conhecido, é u’a chapa colocada na sepultura de
Shakespeare em 1616 —
embora a Bíblia o registe em duas
ou três passagens. A hermenêutica, porém, diz tratar-se do
bronze ou de falha de tradução. Os móveis manuelinos, com
aplicações de latão recortado e fenestrado, devem ser pos-

(5) Athena Ed„ São Paulo. 1939, fls. 233, vol. 1«.
(6) “História Geral, do Brasil”. Poltrona da Conceição da Praia.
(7) Leitão de Barros, “Elementos de História da Arte”, fls. 169,
sem data.
ESQUEMA HISTÓRICO DO MÓVEL BRASILEIRO 19

teriores a essa data. Tais móveis foram importados ou vie¬


ram na bagagem de funcionários, como a arca de Bastião
de Almeida, “com duas fechaduras”, chegada ao Brasil em
1549 (8). As mesas muito ricas, serviram como bufetes. Bu¬
fetes eram bancas, e também chamados: secretaria, cartei¬
ra — com suas ESCRIVANIAS ou ESCRIVANINHAS, desig¬
nação dos implementos, em geral de estanho: areeiro, sine¬
te, porta-penas, etc.; houve huchas, com raríssimos rema¬
nescentes conhecidos.
Por ter seu ponto de partida simultâneo com o da di¬
reção da ORDEM DOMÉSTICA registamos o PLATERESCO,
tangente no Brasil. Há representações na arquitetura: a
fachada da igreja da Ordem Terceira do Carmo e a portada
do Solar do Saldanha, no Salvador, e bem assim algumas
cabeceiras de camas, no mobiliário. Devem ser postos em
evidência dois fatos correlativos: a recrudescência do apêlo
aos ourives e a proibição, por Felipe II, em 1593, de serem
aplicados metais preciosos na construção de móveis. Então,
o espírito que movia o cinzel e o buril sôbre o metal foi
transcrito pelas goivas e pelas enxós na ductilidade e be¬
leza das pranchas, satisfazendo o gôsto e a tendência pela
ornamentação lavrada. Além das madeiras foram lavrados
couros, e as cerimoniosas cadeiras de espaldares altos dos
séculos XVII e XVIII eram de solas cinzeladas e fenestra-
das, fixadas por taxões, às vêzes tauxiadas a ouro, por sua
riqueza, (relativa), denominadas CADEIRAS DE CABEDAL.
Hipólito Taine, em “Viagens à Itália”, escreve: “Pela di¬
mensão reduzida de suas obras o joalheiro foi o provedor
natural do luxo privado. Cinzelou armas e vazilhas, pilares
de camas, revestimentos de chaminés, e fez incrustações de
consolos. Tôdas as jóias sairam de suas mãos, e como além
do bronze e da prata, manejava a madeira, o mármore, o
estuque e as pedras preciosas, nada havia no embeleza¬
mento doméstico que não provocasse seu talento e desen¬
volvesse sua arte”. Taine não sabia que os ourives, já em
Homero e na Bíblia, aparecem destacados em tarefas seme¬
lhantes, porque acha no desempenho magistral dos artis¬
tas, “u’a madureza precoce”. No entanto ela está sobremodo
sazonada, Vulcano, dentre os míticos, foi movelácida, cons¬
truiu trípodes com rodízios e fabricou escudos e jóias. Há
Dédalo, o construtor do Labirinto, palácio localizado recen-

(8) Doc. hist. XXXVII, 2, cit. por Pedro Calmon em “Hist. fund,
da Bahia”, fls. 166.
20 JOSÉ DE ALMEIDA SANTOS ESQUEMA HISTÓRICO DO MÓVEL BRASILEIRO 21
temente. Beseleel e Ooliab trabalharam “cheios do espírito singelas de traça portuguêsa, um todo, como estamos ven¬
de Deus, de sabedoria, de inteligência e de tôda ciência para do, de sabor gótico. As pranchas maiores eram axiais e mui¬
ocasionais do sertão, obediente menos às exigências da es- tos espaldares de camas e bancos trazem o sinete telúrico
tôda casta de obras, para inventar tudo o que se pode fabricar esculpido em ramos e animais ou frutos da região, num
de oiro, de prata e de cobre, de mármore e de pedras preciosas
ecletismo estético do espírito predominante, o da Campa¬
e de tôda diversidade de madeira”, como o “tabernáculo da nha oriental levada a efeito pelos países ibéricos, pela In¬
Aliança, a Arca do testemunho, o propiciatório que está por glaterra, pela Holanda, espírito traduzido nas versões aborí¬
cima dela, e todos os vasos do tabernáculo, e a mesa com genes pelo emprêgo de couros, pelos bilros e desenhos geo¬
seus vasos e os altares dos perfumes” (Exôdo, XXXI-2 a 8). métricos fenestrados, evocando o mucharabi ou muchara-
Brunelleschi, arquiteto e escultor; Donatello, escultor; biê; os móveis recipientes, armários, arcas e caixões, pelos
Chilberti, arquiteto e escultor; Verocchio, engenheiro, pin¬ pés de esteio, pelo traço evocador, às almofadas, cujo desdo¬
tor e escultor; Rotcelli, pintor; mais tarde Andrea del Sar¬ bramento reproduz, ampliada, a ornamentação dos conta¬
to, pintor; Della Robbia, escultor e ceramista; Cellini, gra¬ dores asiáticos, aproveitados nos repositórios embutidos das
vador e escultor (e quantos poderiam ser nomeados? eram, igrejas de Pernambuco.
também, ourives e contribuíram para o conforto doméstico. O estilo Mineiro-veneziano surgiu por ocasião do sur¬
Em verdade, a Renascença foi o fulcro do lar com seu nôvo to de riquezas proporcionado pelas explorações do solo em
significado, lar já um bem com Jó (Jó, VII-10). A influên¬
cia de tantos nomes de primeira grandeza entre os colabo¬
radores da ORDEM DOMÉSTICA, contribuiu para transfor¬
mar o ambiente e dar impulso às concepções novas de viver,
amparadas pelos conceitos de governança postos em práti¬
ca em Florença e Veneza (9). No Brasil havia fechaduras e
dobradiças de oiro maciço aplicadas em oratórios: e puxa¬
dores de prata, em quantidade, aplicados em gavetões de
arcazes e de repositórios. Em uma das capelas laterais da
Sé da Bahia, há móveis de prata. Os embutidos de madei¬
ras contrastantes são métodos de ourivesaria (como o tau-
xiado), estiveram em voga até o começo do século XIX em
caráter universal, e em particular aparecem no D. João VI
e no Sheraton-brasileiro, havendo exemplares com aplica¬
ções de marfim e de madrepérola, exemplares chamados
ENCONCHADOS.
O estilo Mineiro-goiano é expressão retardada, ocorri¬
da para atender aos bandeirantes, satisfazendo interêsses
ocasionais do sertão, obediente menos às exigências da es¬
tética e muito às relações do ambiente e de seu cortejo na¬
tural de restrições. A mesa, por exemplo, apresenta-se bron¬
ca: pernas em feitio de cavalete com sub-ensamblagem qua¬
drangular (desgastada pelos pés das pessoas), tampos mo-
nóxilos, ornatos geométricos e esculpidos em estilizações

(9) J. Burckardt, “La cultura del renacimiento en Italia”, fls.


73/4, Ibéria, Barcelona, 1951.
Tamborete de D. João V.
ESQUEMA HISTÓRICO DO MÓVEL BRASILEIRO 23
22 JOSÉ DE ALMEIDA SANTOS

Pompéia e Herculanum. Enquadram-se na ordem de idéias


Minas Gerais. É identificado com o Barroco veneziano do vigentes, as de austeridade. A ornamentação, específica,
setecentos. A analogia tem por determinante causa os pro¬ consta de leques cuneiformes e de quadrantes, aplicados;
cessos de trabalho então em voga, como sejam execuções de ovais e estrias caneladas; de perolados; de cabeças de
preliminares dos desenhos ou a imigração italiana de artí¬ cravos ou pontas de diamantes multíplices; de embutidos
fices. Conquanto careçam dados de um processo ou outro, de osso, marfim ou madrepérola; de bossagens rematando
êles contam precedentes. A lembrança do Aleijadinho vive topos de gavetas, etc..
na talha sob os golpes da enxó. Nas cidades mineiras o espí¬ O estilo Império-brasileiro enquadra móveis mais ou
rito do toreuta está presente em trabalhos, executados dra¬
maticamente, como púlpitos, balaustradas, portadas, cape¬
menos pobres, nascidos sob a Lei de Cuvier. Pugendas des¬
las, retábulos, altares, que constituem itens dedalácidas, li¬
creve u’a casa de fazendeiro do século XIX, muito seme¬
gados infimamente ao móvel por seu caráter original, e lhante à Casa do Bandeirante, reconstituída no Butantã. A
dêle separados apenas pela semântica. A articulação do mo¬ instalação “em geral consta apenas de grandes CAI¬
biliário convencional à sua Escola é evidente, mas exclui o XÕES em que se guardam roupas, e que servem, ao mesmo
de uso profano. O Baroco brasileiro é, em essência, produto tempo, como bancos e, muitas vêzes, até de estrados de ca¬
da iniciativa religiosa. Os oratórios com imagens de pedra mas, e mais algumas mesas grandes”. O excerto figura nos
sabão, de uso doméstico, exemplificam a assertiva. papéis deixados pelo pintor, comunicado por G. M. Kletke
O estilo D. João V é português. As expressões regionais (1Õ). O mesmo trecho aparece em “Viagem através do Bra¬
chamam-se Luso-brasileiras, assim classificadas também na sil” (11). Aqui, porém, o vocábulo CAIXÃO é substituído
Argentina onde, digamos de passagem, foram apreciadas e pelo vocábulo BAÚ. Êste não corresponde ao objeto caracte-
construídas por artífices portuguêses lá radicados. Forma rizado por Rugendas, incompatíveis com o feitio do baú. O
relativa barroca. 4 baú é convexo e não pode servir de mesa ou de leito. É mis¬
O estilo D. José ou Pombalino identifica-se pelo tenui- ter consignar que a palavra CAIXÃO era grafada com Y,
por influência hispânica remanescente, influência ocorri¬
foliado, pela distenção das pernas, menos arqueadas, numa
busca de austeridade estabelecida pelo Marques (após o
terremoto de Lisboa), e alcançada no Brasil pelos modelos
da sob o domínio filipino
mântica ibérica, tratar-se de
—esclarecendo, através da se¬
CAIXA COM GAVETA OU
GAVETAS, porque CAJON é caixa e é gaveta, como no
D. João VI. É matiz barroco.
O estilo D. Maria I caracteriza-se pelos ovais ou meda¬ italiano CASSONE ou CASSETONE. Enquanto a casa do
lhões de encostos coroados por guirlandas também tenui- fazendeiro é primitiva, no comêço do século XIX, nas cida¬
foliadas, com embutidos de certo sabor Sheraton. des os móveis eram menos sumários. Permaneciam lisos, com
O estilo Sheraton-brasileiro continuou o item da sim¬ recortes, revivendo o gôsto oriental dos gradis e dos fenes-
plicidade. Os dois livros de Thomás Sheraton devem ter con¬ trados, apresentando colunelos de seis faces ou bojudos, e
tribuído para inspirar os artezanos do Brasil, pois há u’a bilros, tudo em linguagem humilde. Cadeiras, tamboretes
constante através das interpretações: o espírito coevo sub¬ ou mochos e catres têm fundos empalhados ou pavimenta¬
metido às evocações renascentistas dessa fase e dominado ção de sola inteiriça ou encilhada (ou seja de tiras de cou¬
pela forma unívoca revigorada pela surpresa pompeiana. ro trançadas), a mesma sola dos baus, material oriundo de
Seus traços característicos consistem de superfícies planas um processo de viver em curso longevo, nesse momento em
evidência através dos tropeiros (12).
e de embutidos contrastantes, ramos e florinhas — e na al¬
tura deliberada, 84 centímetros, excedente dos padrões vi¬
gentes, 72 centímetros, de mesas e consolos.
O estilo D. João VI recorda o Reino Unido e o comêço
da emancipação. Ocorreu simultâneo com a expressão in-
(10) Ed. 1960 em Neus Hansbuch VI
VI.DPHAN, 13, fls. 20.
— Nôvo Livro de Casa
(11) 5? edição, 1954, fls. 141/2, Martins Ed.
glêsa de reação ao Barroco o Regency e a americana repre¬ (12) “Manuel Antônio do Sacramento fêz uns tamboretes de ma¬
sentada pelo Duncan Phyfe ou Federal. Tôdas reores^ntam deira e sola”. Doc. 252 do Arquivo da Igreja de S. José, Ouro Prêto
in Rev. SPHAN n.° 13.
transformações de classicismo, renascido das escavações de
24 JOSÉ DE ALMEIDA SANTOS

No Primeiro Reinado houve consolos, a maior parte sem


gavetas, de quatro colunas apoiadas em base retangular,
ligeiramente curva nas três faces anterior e laterais, base
que ensambla quatro pés modelados descansando sôbre bo¬
las, elemento isolador como as sapatas ou tamancas e os
estrados e grifos. A ornamentação é variada. Há pernas de
mesa e consolos com o feitio de pernas humanas, de botas;
pernas de cavalo e de cabra (13). O torneado é o seiscentis¬
ta, assimétrico, não ocorrendo a bolacha e o melão. Golfi¬
nhos ou delfins apareciam com frequência. Entre os cana-
pês e marquezas houve a MERIDIANA, caracterizada pelo
espaldar parcial de um têrço de voluta.
O Segundo Reinado é caracterizado pelos móveis ro¬
bustos, iniciando a fase dos CONJUNTOS: Salas de visitas;
salas de jantar; dormitórios.
Êsses móveis foram relegados aos sótãos e porões, quan¬
do o mercado sul-americano, no fim do século XIX e comê-
ço do XX, foi invadido pelas indústrias francesa e austría¬
ca. A primeira exportou grandes salas de carvalho com pseu-
do-esculpidos em portas e panos, realizados em pasta de pa¬
pel ou massilha. A segunda exportou móveis de paus roliços,
recurvados artificialmente, para salas de visitas, vindos da
Morávia e fabricados por Miguel Tomet desde 1861, e fabri¬
cados no Brasil até hoje.
Exilado Pedro II, termina o advento imperial, em cujo
lapso ocorreram o Pé de Cachimbo e o Béranger.
O Pé de Cachimbo é uma variação peculiar, cujo cará¬
ter principal é a forma dos pés (14). Os marajoaras pré-co¬
lombianos esculpiram um escabelo em feitio de jacaré, ten¬
do os esteios dianteiros no feitio Pé de cachimbo. Esta peça,
monóxila, demonstra a desenvolvida sensibilidade do au¬
tor (15). O feitio dêsses pés foi adotado nas cadeiras e pol-
(13) Por exemplo: “o mocho de jacarandá, de pés de cabra que
fêz para a irmandade em 1807”. Doc. 156 do Arquivo e da revista
anteriormente citados.
(14) Ver: “Arte indígena da Amazônia”, figura 39, de autoria
de H. Alberto Tôrres, publicação n.° 6 do Património Histórico e Ar¬
tístico Nacional.
(15) Considerando como provenientes da América o tabaco e o
hábito de fumar, é natural aceitar como vernácula a plástica Pé de
Cachimbo. O objeto cotejado era corrénte, fabricado de barro, bambu,
madeira — já tendo, por analogia, batizado a terminal vazada, para
velas, nos bobeches (o pratinho para cera fundida) das arandelas,
dos tocheiros e dos castiçais, pois os antigos implementos de ilumi¬
nação, por êsse meio, eram rematados por uma espiga, forjada ao
martelo, onde a bugia era espetada.
Velho Confessionário, São Bento.
26 JOSÉ DE ALMEIDA SANTOS ESQUEMA HISTÓRICO DO MÓVEL BRASILEIRO 27

tronas da era imperial brasileira, sendo conhecidas as pol¬ e expressado no caráter”, referendando o truísmo de Spen¬
tronas do Teatro Lírico, do Rio de Janeiro, já desaparecido. gler, e moldando o engaste do estilo Béranger na tradição
Há alguns sofás e canapés no tipo. A influência francêsa, das artes plásticas brasileiras. Os estudos efetuados, na Eu¬
acentuada na sociedade contemporânea, é verificada na mo- ropa, por Béranger Filho, devem ter marcado seu espírito,
delagem das pernas e das travessas anteriores do assento, sem lhe alterar o temperamento, impregnado pelos senti¬
de corte convexo. mentos nascidos do meio onde trabalhava.
O estilo Béranger floresceu em Pernambuco desde o O mobiliário Império, conglobando o Pé de Cachimbo
primeiro têrço do século XIX. Pereira da Costa, em 1901 re¬ e o Béranger, está ligado ao presente por impressões recen¬
gistrou o evento (16). Consta ter sido Béranger o introdutor tes, que lhe acrescem sabor e emotividade. E por falar em
do verniz de boneca no Brasil. As formas do Mestre coinci¬ sabor e emotividade, há notícias de que desde tempos remo¬
diam com o gôsto e o desenvolvimento material coevos. Já tos houve inclinação sensual-estética pelos móveis. Plutar-
no século XVIII o Recife possuia ótimos edifícios. No comê-
ço do XIX o engenheiro francês Louis Léger Vauthier cons¬
truiu o Teatro Santa Izabel e algumas residências para ne¬
gociantes abastados, sendo compreensível o acúmulo de mo¬
biliário e o sucesso dos Béranger Pai e Filho. Êste foi à têm
Eu¬
ropa aprimorar seus conhecimentos. Os móveis legados
sabor regional. Sua estrutura, desenvolvimento e solução
lhes conferem foros de estilo. Representam fase serôdia do
Barroco, com certo cunho Império, inevitável. As pernas dos
consolos e mesas de centro (jardineiras) lembram modilhões
em duas volutas com sub-ensamblagem em feitio de aranha
com girândolas convergentes para um ornato central tor¬
neado ou esculpido. Há cadeiras de pernas torneadas e mo¬
deladas. Os assentos biselados são típicos. Atributos cons¬
tam da flora e da fauna regionais. Há reminiscências eclé¬
ticas: a- lira, a folhagem (que persiste desde os ensaios da
arquitetura); a cornucopia; o pescoço de ganso alongado
das travessas superiores dos espaldares. No Salão Nobre do
Palácio do Govêrno, no Recife, há um canapé que obedece
aos princípios de construção francêsa, utilizando folhas es¬
pessas de madeira de Lei revestindo grossas travessas cur¬
vas dianteiras, modeladas em espécies de qualidade infe¬
rior. Cajus, goiabas e outras frutas brasileiras estravazam
de cornucopias canhas, lançadas no espaldar. Dominado pe¬
la própria concepção do desenho coevo, Béranger interpre¬
tou-o sob o calor evocativo do ambiente. Diz Ingenieros:
“Efetivamente, o que se move em a natureza e na sociedade,
é o homem; suas idéias e .seus sentimentos nascem e atuam
em função do meio, porém têm, por si mesmos, a virtuali¬
herança
dade congénita do temperamento impregnado pela

(16) Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernam¬


bucano. Cadeira de bordar, estilo império.
28 JOSÉ DE ALMEIDA SANTOS

co descreve o interêsse de Caio por duas mesas de prata,


cuja compra, por duzentos e cinquenta dracmas cada libra,
ocasionou censura de seu irmão. A Bíblia regista: . casa
cheia de tôda sorte de bens” (Nehemias, IX-25) ; “ . . . Havia
também, dispostos leitos de oiro e de prata sôbre o pavimento
de esmeraldas e de mármore de Paros, embutido com ad¬
mirável variedade de figuras” (Esther, 1-6). Poderemos, mo¬
vidos por aqueles sentimentos, encontrar, nos móveis do sé¬
culo passado, a poesia da época, êsse romantismo algo mór¬
bido que transcende da música, da literatura, dos costumes.
Os estilos vernáculos de mobiliário são caracterizados
pelas madeiras nêles empregadas. A tabela é a seguinte, se¬
gundo nossas observações:


centos;

Acaju (aguano, araputanga, mogno de Marabá), em¬
pregado no Mineiro-goiano e peças rudes do fim do seis¬
Cathrino.
leiro;

Caviuna ou cabiuna, empregada no Sheraton-brasi-

- Jacarandá da Bahia (preto), empregado no D. João


VI e peças Império da primeira fase;
Asrlbert.o
— Gonçalo Alves (muiracoatiara) , vinhático, pau ce¬
tim e canela, empregados no Império, compreendendo Pé
do
de Cachimbo e Béranger;
— Embuia, emprêgo atual.
coleção
V,
O cedro e o pinho foram e são usados para forros, faces
posteriores e fundos de gavetas, preferidos por sua doçura
ao roce dos ferros, maleabilidade, pêso, comportamento hi-
grométrico e preço moderado em relação a outros tipos. O
João
D.
pau marfim (guatambu, pau liso) o jacarandá paulista (de
um pardacento esverdeado), a sucupira (macanaíba) esti¬
veram em voga. Cada tipo de madeira está ligado a diferen¬
Sofá
tes processos de apêlo e conveniência, esta determinada pe¬
las especificações técnicas, sendo indicado (o tipo) confor¬
me a aplicação: móveis, painéis, bastidores, testeiras, ar¬
mações (esqueletos e travejamentos), esculturas, embuti¬
dos, pavimentação, arquitetura naval, aerodinâmica e ou¬
tras finalidades de significado industrial.
A predileção por madeira preta, no comêço XIX, foi
testemunhada, entre outras, pela “rellação das Madeiras
que faltão para a Obra das quatro portas travessas, e a Prin¬
cipal desta Igreja” de São Francisco de Assis em Ouro Pre-
30 JOSÉ DE ALMEIDA SANTOS ESQUEMA HISTÓRICO DO MÓVEL BRASILEIRO 31

to (17). Ainda acompanhando a preferência por madeiras


determinadas, assinalamos no têrmo de 10 de novembro de
te antepassado —e assim compreender, desde as avança¬
das bandeirantes até a pasmaceira do Império, o desenrolar
1775, da Capela da Ordem Terceira da Penitência de São dos costumes, vinculados ao determinismo e suas implica¬
Francisco, em São Paulo, a passagem: . e depois de tudo ções: moral, estética e material.
isto assim feito, se pintarão fingindo nogueira”, passagem Conforme dissemos, ativémo-nos a pontos fundamen¬
que vincula a orientação plástica à ordem cíclica inglesa tais. Embora figurem no contexto, evitamos citar fontes,
enunciada por Macquoid, citado por José Aronson na Enci¬ pois sobrecarregariam a dissertação com proveito duvidoso.
Entretanto, qualquer esclarecimento sôbre a matéria, que
clopédia. O uso do jacarandá rosa, na fase anterior, prende- esteja em nossa possibilidade apresentar, fá-lo-emos com
se ao fato de estar em moda o mogno tingido de vermelho, prazer.
na Inglaterra, e de certo modo na Europa. A verificação
confirma-se com a preferência, no período seguinte, confe¬
rida à. caviuna ou cabiuna, de tom avermelhado natural,
empregada no Sheraton-brasileiro. Por sua vez, o pau cetim,
do ciclo inglês 1765-1800, foi representado no Brasil pelo
próprio e pelo Gonçalo Alves. Debret (18) escreveu: “Entre
as madeiras preciosas encontra-se o famoso pau CITRIM GLOSSÁRIO
reservado aos móveis de luxo”. O pau famoso era o CETIM,
cuja pronúncia defeituosa do autor transformou-se na gra¬
fia correspondente, isto é CITRIM. A embuia representa a
época realista. Nela foram procurados fatores de simplifi¬
MONÓXILO

(APERCEPÇAO
—— Feito de uma só peça.
Conhecimento através da razão. Conhecimento
cação. A relação é completada pela indicação da Idade do consciente.
acaju. Assim como o carvalho, 1500-1660, dá início à Histó¬
ria européia do mobiliário, o acaju assinala a alvorada do
móvel brasileiro. Dessa madeira existem: arcazes de sacris¬
(PERCEPÇÃO
kantianos).
— Conhecimento originado da intuição (Conceitos

tia, arcas, mesas e armários, do século XVII, e papeleiras e


cômodas do fim do século XVII e comêço do XVIII. (Con¬
vém assinalar que os nomes das madeiras variam muito,
MEGADENTROTÓMICO —
Mega: gigante; dentro: madeira; tômico:
corte ou relação entre materiais.
conforme as zonas de extração, fato que tem dificultado a
sistematização pelo Ministério da Agricultura).
UNÍVOCO — Potencialmente capaz de se desdobrar em formas no¬
vas sem perder as características fundamentais —
as quais essas
formas novas se subordinam.
A desenvoltura e o acanhamento dos estilos, ficaram
evidenciados através das projeções. Os estágios da cultura
brasileira, nos períodos sociológicos diferentes, corresponde¬
TRANSCENDÊNCIA — Equacionamento dos problemas materiais.

ram ao sincretismo histórico. No apogeu da riqueza do sé¬ ESTEREOTOMIA — Parte da geometria descritiva que ensina a divi¬
dir cientificamente e regularmente os materiais de construção:
culo XVIII, quando a Metrópole se locupletava e dilapidava madeiras, pedras e outros.
o ouro e as pedras das Minas Gerais, algo sobrava, sobretu¬
do por iniciativa do clero, e era aplicado em edificações de
templos e em alfáias preciosas. Hoje podemos reconstituir,
MANEIRA — É o caráter imprimido a qual o curso dos acontecimen¬
tos é determinado pela Lei da causa e do efeito.
com o móvel remanescente, religioso e doméstico, o ambien- PARAFERNAIS (Só plural) —
Diz-se de objetos, usos e costumes
correntes em dado momento, provenientes do exterior.
(17) Publicação N.° 17 da Diretória do Património Histórico e BANZOS (Só plural) — São as varas para transportar rêdes, palan¬
quins, a sede gestatória (cadeira papel), andores, andas, etc.
Artístico Nacional, 1951, fls. 357, trabalho de autoria do Cónego R.
Trindade.
(18) “Viagem Pitoresca e Histórica do Brasil”, Jean Baptista
Debret, 3.a edição, Livraria Martins, Ed. folhas 282.
PRATARIA NO BRASIL

Francisco Marques dos Santos


Constituem motivo de grande êxito as exposições de
prataria realizadas em tôdas as partes do mundo.
Exposições de pratas portuguêsas já realizadas na Eu¬
ropa, especialmente em Londres, Paris e Madrid, desperta¬
ram grande interêsse.
Sem desdouro à manufatura de outros países, muitos
colecionadores apreciam a prataria holandesa, francêsa e
inglêsa. Há sempre entusiasmo pelas peças dos Jorges ou da
Rainha Ana. Nosso espírito latino faz apologia dos Luíses,
de França. Outros apreciam o estilo Império, que surgiu
após a expedição napoleônica ao Êgito.
Hoje com a raridade de objetos de épocas mais remo¬
tas, entrou em linha de aprêço dos colecionadores menos
exigentes o gôsto vitoriano, o de Luís Filipe e Napoleão III.
Êste país caboclo do Brasil não foi infenso à arte dos
ourives da prata, graças ao fastígio da Metrópole, nos tem¬
pos coloniais.
Felizmente, ainda restam objetos coevos e a contribui¬
ção de estudiosos portuguêses nos vêm proporcionando im¬
portante ajuda. Assim, o senhor Manuel Gonçalves Vidal,
marcador das contrastarias da Casa da Moeda de Lisboa, viu
aparecer, em 1958, alentado volume de 560 páginas sôbre
marcas de contrastes e ourives portuguêses, desde o século
XV a 1950, com magnífico prefácio do professor Reinaldo
dos Santos, Presidente da Academia Nacional de Belas Artes.
Êsse livro, editado pela Casa da Moeda, é inestimável aos que
gostam de identificar e estudar contrastes de pratas antigas
ou modernas (1).
(1) Manuel Gonçalves Vidal
— Marcas de contrastes e ourives
portuguêses. Desde o século XV a 1950. Casa da Moeda, Lisboa, 1958.
36 FRANCISCO MARQUES DOS SANTOS

Mestre Reinaldo dos Santos, que em fins de agosto de


1959 esteve em Petropolis, acaba também de publicar, jun¬
tamente com Dona Irene Quilhó, dois volumes sôbre a ouri¬
vesaria portuguêsa nas coleções particulares. Seus livros são
valiosos pela investigação, pelas descrições das peças, como
por suas ilustrações magníficas.
Vemos nestas duas contribuições o caminho aberto, o
encorajamento para a continuidade dos estudos de prata¬
ria luso-brasileira. É claro que das glórias de Portugal par¬
ticipamos por herança.
Não tínhamos minas de prata o que não obstou a que
produzíssemos suntuária com o material das minas ameri¬
canas. Para aqui trouxeram os pefuleiros as macuquinas.
(Fig. 1) — Macuquinas ou patacas de 9, 4 e 2 reales.
São as moedas de prata mais antigas do continente; proce¬
diam da América espanhola, vindas, principalmente do Mé¬
xico e do Peru. Posteriormente, mais monetiformes, osten¬
tavam a legenda de Hispanha et índia Rex, bem como a in¬
dicação da Ceca ou Casa da Moeda., É excusado dizer que os
peruleiros nos traziam também prata em pinha e em barras.
Vieram-nos do Reino peças de prata e outras alfaias da
Igreja e assim também nos vieram as cousas de utilidade.
É fato que viajantes estrangeiros, em todos os tempos,
observaram o uso de objetos de prata no Brasil. As peças
mais antigas, infelizmente, não aparecem contrastadas e re¬
velam sua época aproximada quando apresentam inscrições
de irmandades ou corporações.
Foi, finalmente, no fim do século XVII que houve a con¬
trastaria oficializada pelo govêrno da Metrópole. Mesmo as¬
sim, encontramos peças sem contrastes!
Foi uma Lei ou Regimento de Dom Pedro II, do Reino,
que determinou a criação dos contrastes. O Senado da Câ¬
mara da Bahia deu apôio aos artífices da prata, sendo que o
seu primeiro contraste era constituído de um S e queria di¬
zer Senado. Foi a primeira marca que, em seguida, foi muda¬
do para a letra B e as iniciais do prateiro fabricante. Esta
parte sôbre contrastes já foi suficientemente divulgada em
livros baianos, mas cumpre lembrá-la aqui.
No Brasil a marca de 10 dinheiros correspondia a 0,833
milésimos de prata empregada na manufatura do objeto. Em
Portugal, a prata era de 11, 10 e 9 dinheiros, o que correspon¬
dia a 0,916, 0,833 e 0,750, isto é, o toque das ligas emprega¬
das no fabrico das peças. C“M° e callx de prata dourada com pedras preciosas.
i

38 FRANCISCO MARQUES DOS SANTOS

OS OBJETOS DE PRATA DO SÉCULO XVIII


FEITOS NO BRASIL

Vindo os artífices da Metrópole, tendo, sem dúvida,


aprendido sua arte em Lisboa e no Pôrto, poderemos obser¬
var em suas obras, muitas vêzes, certas características que
se transportam de um ambiente para outro. Mas, não raro a
deturpação, ou mesmo o modo de sentir, diferencia-se do
mestre para discípulo, embora nos tempos antigos os mes¬
tres não fôssem propensos a deixar o aprendiz passar a ofi¬
cial sem elaborar obra da maior exatidão. Tudo, porém, de¬
corria do desenho fornecido ao ourives ou ao entalhador, no
caso de ser móvel.
Em Ouro Prêto observamos nas obras de prata e no mo¬
biliário a semelhança entre um tocheiro de prata e outro to-
cheiro esculturado em cedro, nas banquetas de vários tem¬
plos, notadamente na Matriz do Pilar (de cima) . Isso decor¬
re, a nosso ver, de pessoas que forneciam desenhos a pratei-
ros ou do marceneiro.
Os prateiros, não raro, no século XVIII faziam suas lâm¬
padas por molde de desenho ou risco de um modelador. Nos¬
so maior pesar é de não ter guardado um bojo de Lâmpada,
feito em cedro maciço e que, evidentemente, teria sido mol¬
de de um ourives que com êle fabricava lâmpadas de prata.
As peças da época de D. João V são mais raras entre nós.
Colecionâmo-las, indistintamente, com as portuguêsas, e por
esta razão nunca se pretende descobrir o modus faciendi de
Portugal e do Brasil.
Em Minas Gerais, muitas igrejas têm suas peças sem
contrastes, o que, seguramente, evidenciam que lá foram fei¬
tas. De outro lado, há ainda os arquivos das irmandades, on¬
de muitas vêzes notamos que elas mandavam fazer pratas no
Rio de Janeiro. Será que também as recebiam do Reino? Mui¬
ta? Pouca?
No nosso entender, achamos que a peça padrão, D. João
V, feita no Brasil é a escrivaninha (tinteiro) que ourives fa¬
bricaram em 1752 (?) para a Câmara de Vila-Rica. (Fig.
n. 7).
Outras peças existirão: é preciso identificá-las e divul¬
gá-las de per si.
As Corporações dos Ofícios tiveram também preponde¬
rância entre nós, e isto ainda não se estudou. Poderemos co¬
meçar por Minas Gerais, Rio e Bahia (sôbre Minas Gerais, Cibório de prata
há documentação naD.P.H.A.N.).
40 FRANCISCO MARQUES DOS SANTOS

O pior de tudo é quando as peças das irmandades foram


alienadas ou destruídas, pois os documentos arquivais dificil¬
mente poderão prestar serviço, pelo cotejo do objeto com a
formação da compra.
Mestre Reinaldo dos Santos nos adverte que é ao tercei¬
ro quartel do século XVIII que pertencem a maior parte dos
especimens de ourivesaria barroca, e que “se até hoje se pen¬
sava diferentemente, é porque se tomava muitas vêzes como
joanina a prata de D. José”. Mestre Wasth Rodrigues, se vivo
fôsse, não concordaria com a proposição!
Sem dúvida, da época de D. João V ainda poderão ser
encontradas peças de procedência e com contrastes da Bahia.
Felizmente, hoje temos colecionadores que juntam essas pe¬
ças. Será preciso a maior cautela, para não as confundirmos
com as da Metrópole. Esta confusão poderá ser agravada se
os estudos não forem absolutamente criteriosos. Sugerimos
êstes estudos para serem realizados nos colóquios luso-brasi¬
leiros.
Com referência ao estilo Dom José, êle se torna mais
fácil de estudar porque os exemplos são mais abundantes e
a rocalha chega ao seu grande desenvolvimento, “e até pare¬
ce começar no fim do reinado anterior”, conforme o Sr. Rei¬
naldo dos Santos.
O estilo de Dom José pode ser assinalado com o advento
da baixela de François Tomás Germain em Lisboa, depois do
terremoto em 1760.
É também o tempo dos chinoiseries que tão bem se in¬
tegram na beleza dos cinzelados e repuxados. Aliás, o gôsto
pelo Oriente — China, Japão e índia
ria portuguêsa, que também não
— aparecem na prata¬
esqueceu os motivos da
África e da América (Brasil), até o século XIX.
A chinoiserie iniciou seu fastígio no século XVIII, pom-
peando também na porcelana e no mobiliário. As tapisseries
des Indes, por essa época, nos recordaram através dos teares
francêses, o que Franz Post flagranteou no Nordeste Brasi¬
leiro (2).
Desejamos realçar que Portugal além de ter participado
da chinoiserie, recordou em peças de prata, sobretudo pali¬
teiros, as regiões ou colónias da Ásia, da África e da América.
Com referência ao estilo de Dona Maria I, que começa
no fim do século XVIII e abrange o comêço do século seguin-

(2) Ver o artigo do nosso Anuário do Museu Imperial, vol. V,


p. 67; vol. XVI, p. 29.
42 FRANCISCO MARQUES DOS SANTOS

te, observa o professor Reinaldo dos Santos que “Como re¬


gra, aos períodos de dinasmismo e exuberância seguem-se as
concepções estáticas e sóbrias e, por isso ao rocaille como rea¬
ção às formas contorcionadas e assimétricas, contrapôs-se o
gôsto das formas greco-romanas, simetrias inspiradas em ur¬
nas, no cilindro e na elipse; nas retas das colunas e pilastras
clássicas. A própria decoração simplifica-se para valorizar su¬
perfícies e perfis, e os ornatos gravados dominam os repuxa¬
dos, aligeirando-as. Em parte, esta evolução inspirou-se na
arte antiga revelada pelas escavações de Pompéia, iniciadas
em 1755”.
“Em Portugal, a sua introdução não foi tardia, mas qua¬
se contemporânea do neo-classicismo da França e Ingla¬ Goes
Armando
terra”.
Fala o mestre luso na influência inglêsa dorminando a
francesa no fim do período de Dona Maria, o que trouxe co¬
mo consequência o reforço do gôsto inglês em Portugal.
“Como a técnica dos nossos ourives era em geral exce¬ dr.
lente, há peças desta época que se confundem com as inglê- do
sas”. E tal era essa técnica que podemos mostrar um bule de
prata existente no Museu Imperial e que no original era de
porcelana de Wedgwood. Foi interpretado com ligeiras alte¬
rações por prateiro do Pôrto, em 18Í4. Evidenciamos — e isto
coleção
é importante — que o material luso existente no Brasil não
é cousa despicienda como documentação aos estudos da pra¬ prat ,
taria portuguêsa.
A decoração da prata de Dona Maria I é “essencialmen¬
de
te gravada e constituída por elementos clássicos bem conhe¬
cidos, panejamentos, sanefas, grinaldas, medalhões ou es¬
jar o
e
cudos, às vêzes rematados por laços, frisos de louros e bagos,
gregas, acantos, fitas, campânulas, madressilvas, etc.” “E na
decoração abundam os canelados e frisos de pérolas, muito
característico da época. Nas salvas, tinteiros, galhereiros,
Bacl
costas, etc., surgem as gradinhas que ajudam a dar encanto
e fragilidade à ourivesaria neo-clássica”.
Não podemos adiantar muito sôbre a atuação do neo¬
clássico no Brasil, mas êle existiu. Iremos estudá-lo mais,
pois êste belo estilo, na prata, só agora é apreciado no Brasil.
De 30 anos para trás os exemplares só eram comprados nos
antiquários por ingleses e americanos.
O estilo Império, no reinado de D. João VI evolucionou
o neo-clássico e nem sempre foi feliz, pela bastardia.
O mais belo conjunto feito em Portugal, da época do Im¬
pério, foi a baixela oferecida por D. João Príncipe Regente
44 FRANCISCO MARQUES DOS SANTOS

ao Duque de Vitória, ou de Wellington, desenhada pelo pin¬


tor Domingos Antônio de Siqueira.
O Arquivo Nacional, do Rio de Janeiro, possui documen¬
tação sôbre essa baixela composta de mais de mil peças de
prata dourada. Pessoalmente, não temos entusiasmo pelo es¬
tilo Império, como não tiveram os portuguêses, que dêle apro¬
veitaram a figura principal (Napoleão) para pôr em pedes¬
tal servindo de paliteiro.
Concordamos inteiramente com o mestre anunciando
que os temas mais frequentes do estilo Império são as gre¬
gas, folhas d’água, acantos, volutas de folhagem, louros, ca¬
nelados, feixes de litores, medalhões, figuras alegóricas, etc.
“Os espécimens do ciclo do Império são em geral mais pesa¬
dos que os do período anterior”.
À influência francêsa foi preponderante na nossa cul¬
tura. O comércio francês foi esplêndido veículo, no Rio de
Janeiro, difundindo a suntuária daquele país, nas modas,
na joalheria e o estilo Império surgia nos mobiliários das
peças imperiais e assim as baixelas de prata para Dom Pe¬
dro I, encomendadas às famosas casas francêsas. Essas pe¬
ças de prata emigraram definitivamente, mas não podemos
dizer que elas não voltarão (3) . (Fotos) .
“Em. Portuga], como na maior parte da Eurona, a ouri¬
vesaria decaiu após o primeiro terço do século XIX, viven¬
do mais de formas híbridas, bastardas ou limitadas, que
dum verdadeiro espírito de renovação e originalidade”. Es¬
tamos de perfeito acordo, não deixando contudo de apre¬
ciar alguma cousa que ainda surgiu depois dêsse tempo.
De qualquer forma, evidenciamos que o século XVIII
nos foi maravilhoso, com o contingente dos artífices da
Bahia e que o século XIX, que nos trouxe a Independência,
propiciou ao Rio de Janeiro —
à Côrte —
um grande desen¬
volvimento de joalheria, e às Províncias um surto que, infe¬
lizmente, não estamos habilitados a considerar, por falta de
estudos maiores.
Em resumo, durante o reinado do Imperador Dom Pe¬
dro II evidenciamos episódios de influência francêsa, e de
influência do período vitoriano. Êles tiveram ainda a sobre¬
carga da própria influência dos elementos brasileiros, isto

(3) Joaquim de Souza Leão, “Baixela famosa de origem histó¬


rica brasileira”, in Ilustração Brasileira, junho-julho, 1940”;
— Alcindo Sodré, “Objetos históricos brasileiros na Côrte da Sué¬
cia”, in Anuário do Museu Imperial, vol. V, 1944.
46 FRANCISCO MARQUES DOS SANTOS

é a pluralidade de interpretações do Norte, no Centro e no


Sul de um país imenso.
Precisamos, sem dúvida, reunir ainda muito material
e documentação para fixarmos em dados bem exatos os Es¬
tudos Brasileiros. É êsse um trabalho que as gerações anti¬
gas vislumbraram, mas que a moderna deverá realizar!
ARTE NA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO
ITU E SEUS ARTISTAS

MIGUELZINHO SUA VIDA SUA OBRA

Prof. Arquimed.es Dutra


Extremamente honrado pelo convite com que me dis¬
tinguiu o Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga,
apresso-me em dar desempenho ao tema que me foi impos¬
to: — “Arte na Província de São Paulo; Itú e seus artistas;
vida e obra de Miguelzinho”.
Real a afirmativa de Vicente Licinio Cardoso quando
disse, na sua “Filosofia da Arte”: “A massa social é um cor¬
po; o artista é a mão ou a voz dêsse organismo”.
A Arte é a expressão ideal do que existe (A. Comte).
Todo o artista observa, idealiza e exprime (P. Lafitte).
Ela exige, como veículo de sua manifestação, uma sen¬
sibilidade perfeitamente ajustada ao ambiente, gerada e
plasmada segundo as condições do meio, e, estimulada por
agentes emocionais, capazes de produzir uma sua reação in-
terpretativa.
As manifestações responsáveis por uma forma de ex¬
pressão, traduzindo linguagem de grupos isolados, não en¬
dossada pelo conselho geral, são esporádicas e marginais.
Dependente de um entrosamento de fatores materiais,
culturais, geográficos e económicos, e, processando-se nor¬
malmente no círculo fechado desta quadrúpula exigência,


assim ela se manifestará com seu caráter próprio, definido
no tempo e no espaço.
Durante tôdas as épocas da História existe entre os cos¬
tumes, os hábitos, as leis, a religião dos povos e as artes uma
relação íntima.
54 PROF. ARQUIMEDES DUTRA MIGUELZINHO, SUA VIDA, SUA OBRA 55

Difícil definirem-se as transformações sucessivas da ar¬ geiras é totalmente alcançada por José Ferraz de Almeida
te sem a apresentação, ao mesmo tempo, de um apanhado Júnior, na pintura, conseguindo o genial artista ítuano es¬
geral da civilização da qual esta arte é como que um envol¬ truturar as bases de uma arte nacional, cujo sentido é mui¬
tório, pela mesma razão de nós não podermos admitir o to bem expresso na frase que encima o seu mausoléu, na ci¬
estudo das vestes independentemente do estudo do homem dade de Piracicaba: “Paulista na sensibilidade, Brasileiro
que as trás no corpo, afirmava Viollet Le Due. nà arte, Universal no gênio”.
Meio-ambiente criado entre nós — Colónia e Império A arte na Província de São Paulo
Resultando da catequese e evangelização dos nativos, a
nossa primitiva arte colonial e do I.° Império traduz, mar¬
A arte paulista, partindo do seu nascedouro —
São Vi¬
cente, caminhou serra acima até atingir o planalto de Pi-
cante e decisiva, ação jesuítica e franciscana, na formula¬ ratininga.
ção do seu conteúdo, a par das obras de mérito dos mestres Manoel da Nóbrega (1553), dando expansão à conquis¬
seiscentistas, peninsulares, para aqui trazidas. ta do nosso território pela civilização, funda em diversos
O sentido evolutivo das artes nos séculos XVII, XVIII pontos do planalto, núcleos destinados à catequese e evan¬
e grande parte do século XIX esteve quase que, exclusiva¬ gelização, aparecendo nada menos de 16 aldêias distribuí¬
mente, a serviço da religião. das por São Vicente, Piratininga e as frustradas Missões de
Entretanto, a situação geográfica das zonas de pene¬ Maniçoba, na região de Itú e Jeribatiba, nas vizinhanças
tração catequista; os recursos materiais dessas zonas, e, a de Santo André.
índole e cultura das raças dominadoras, estabelecidas nas A fé e decisão missionárias conduziram os trabalhos de
diferentes regiões do Brasil, completavam a unidade de am¬ tal maneira e de tal monta foi a sua envergadura que, des¬
biente, unidade essa necessária para os reflexos indispen¬ de logo, o êxito das ações se tornava patente e insofismá¬
sáveis tanto na formação de um espírito estético nacional, vel: vilas floresciam no planalto de Piratininga, enchendo
como na sistematização de cânones fundamentais capazes os seus obreiros de orgulho e de crença nos destinos gran¬
de se constituírem em coluna mestra na ação expansiva e diosos da terra, em cujo céu esplendia a Cruz de Cristo,
evolutiva da arte brasileira. Pernambuco, Bahia, Rio de Ja¬ constituída de estrelas! E, entre aquelas que mais se desta¬
neiro, São Paulo e Minas Gerais são centros típicos dêsses cavam, ao lado de São Paulo, cresciam surpreendentemen¬
meios colonizadores expancionistas. te as hoje tricentenárias cidades de Mogí das Cruzes e Itú.
Êsse determinismo religioso, cultural, geográfico e eco- Itú, boca do sertão, célula viva do organismo paulista
cômico obrigou a sistematização de um processo evolutivo em 1610 e, em 1644, o arraial que se apresentava como a
das nossas artes, cronologicamente, constante de: l.°) a mais avançada das sentinelas da civilização nas terras do
obra dos mestres responsáveis pela dilatação das zonas ci¬ Brasil: mais longe do mar do que Parnaíba, Jundiaí, Mogi
vilizadas, de penetração (missionários ou não) ; 2.°) a con¬ das Cruzes, Taubaté e, distante cem quilómetros da Vila de
tribuição dos discípulos, sorvendo a lição dos mestres e se¬ São Paulo do Campo de Piratininga, tinha o seu destino
guindo-lhes as pegadas, dentro das possibilidades materiais traçado dentro da nossa História, já como estêio robusto
do meio e da sua situação geográfica; 3.°) a expressão nu¬ das tradições das artes de São Paulo, desde o anónimo da
mérica de obras artísticas “importadas e de mestres aqui do¬ Capela Velha (séc. XVIII) até José Ferraz de Almeida Jú¬
miciliados ou a serviço, insuficiente” para fazer frente a tão nior (século XIX), já como defensora intransigente das li¬
dilatada zona de expansão colonizadora, ocasionando: 4.°) berdades democráticas da nação brasileira, desde Diogo An¬
as obras oriundas da pura inspiração patrícia, dando asas tônio Feijó, Paula Souza e Campos Vergueiro, no Império,
à sua imaginação e aos seus sentimentos de regionalismo, (séc. XIX) até Prudente José de Morais Barros, o primei¬
e, caminhando consequentemente, para a definição de um ro Presidente civil da nossa República (séc. XX) .
perfil sentimental-artístico, de cunho pronunciadamente Bêrço de Bandeirantes, na conquista da pátria; ninho
brasileiro, no século XIX. Esta libertação das pêias estran- de artistas, na espiritualidade das artes; celeiro de vultos
56 PROF. ARQUIMEDES DUTRA

imortais, nas lutas de liberdade e da emancipação política


do Brasil: eis, o seu perfil inconfundível, na História das
cidades brasileiras!
Mas, se a arte de Mogí das Cruzes esplende pela origi¬
nalidade e nacionalismo das suas obras, patentes na sua de¬
coração religiosa e na arquitetura dos seus templos, a itua-
na, não menos nacionalista, se avulta aos nossos olhos pelo
brilho de expressão da sua enorme bagagem, esplêndida
mensagem de profundo sentido religioso, social e iconográ-
fico, assegurando-lhe um pôsto de indiscutível projeção, ao
lado dos mais importantes centros de arte, do país.
Itú nos surpreende, pela sublime inspiração dos seus
artistas, conhecedores profundos dos segredos da arte; pelo
arrojo das composições registradas na Capela Velha e nos
tetos da Matriz e da Igreja do Carmo, onde se percebe a
mão do mestre e não a do aprendiz desa visado; pela corre-:
ção do desenho e beleza da côr, verificados nos painés “Se¬
nhora do Bom Conselho”, “Ressurreição de Lázaro”, “Mor¬
te de São José” e “Adorando o Salvador do Mundo”; pela
magnificência dos seus forros eclesiásticos, prodígios de mo¬
vimento e de sensibilidade cromática; pelos baixos regis¬
tros de tom e respeitabilidade dos assuntos, lançados nos
painéis expostos na Capela-Mór da Matriz; pelo tocante
misticismo dos seus templos, cobertos interiormente de ver¬
Tropei s
de
dadeiras jóias de lavor artístico; pelo incomum da sua es¬
cultura de imagens, de alto senso plástico e expressional,
como é o caso do São Jorge, de Eliseu do Monte Carmello
que, no dizer abalizado de Mário de Andrade, “é mais belo
Pouso
que o do Aleijadinho”; pela linha equilibrada e harmónica
da sua arquitetura, em momentos mais agradável e mais
bela, por artes de novos engenhos funcionais, como ocorre
na Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio; pelo pioneirís-
mo nos domínios da expressão iconográfica — gênero de
arte não praticado, até então, por artistas brasileiros, ca¬
bendo ao ituano Miguel Arcanjo Benício da Assunção Du¬
tra, o popular “Miguelzinho”, as honras dêste triunfo!
Em razão da esplêndida bagagem produzida pelos ar¬
tistas ituanos; diante do ponderável e do indestrutível re¬
gistrados no conteúdo de suas obras compreende-se o “por¬
que” da perpetuação dos seus nomes na História das nos¬
sas artes. Norteou-os uma aguda percepção das ocorrências
ambientes, apontando-lhes à sensibilidade, o rumo certo de
sua trajetória, de alta expressão artístico-sentimental, cuja
58 PROF. ARQUIMEDES DUTRA MIGUELZINHO, SUA VIDA, SUA OBRA 59

essência poder-se-ia resumir no seguinte: Deus, pátria e obras admiráveis, que é a cidade de Itú, estamos certos de
que muitos elementos novos serão revelados para novas pes¬
tradição.
Bem expressivo número de artistas compunha a equi¬ quisas como também, pontos obscuros e controvertidos da
pe da cidade de Itú, louvando-se nas notas deixadas por história da arte ituana serão devidamente esclarecidos e pos¬
Miguelzinho que, ao recenceá-los numa fôlha de suas “Me¬ tos nos seus lugares exatos.
mórias”, conseguiu organizar, em lista, para mais de quin¬ Para isto, recorramos a documentos originais, registra¬
ze nomes. dos há quase 115 anos, por Benício Dutra, em suas “Memó¬
Homens de saber, em não raros e sugestivos
momentos rias”, nada mais se fazendo do que uma pura e simples lei¬
surpreendentemente, no cenário das tura de tais peças Estejamos atentos para a citação
puderam se avantajar,
artes nacionais: eis, que, mercê de sua cultura não se deti¬ mes e de obras, e para o destaque dado a várias delas.de no¬
veram, por vêzes, nas funções especializadas de uma arte Comecemos pelo Salto:
apenas, mas, exerceram várias delas com mestria, a exem¬ do
plo de certos mestres renascentistas europeus. Jesuino “O Salto é o mais magnífico passeio de Itú. Medonha
Assunção Du¬ é a sua queda, que vai precipitada até o seu final remate.
Monte Carmello e Miguel Arcanjo Benício da
tra, são exemplos dessa admirável extensão de conhecimen¬ Magníficos penedos formam as duas margens do rio. Um
tos artísticos. continuado nevoeiro saido da queda das águas, a certa ho¬
Ademais, não se restringia ao meio ituano a ação cons¬ ra, reproduz à vista do observador a visão do arco-iris. Mi¬
trutiva dos seus artistas. Como Bandeirantes, em seus mis¬
tiam para outras localidades, no cumprimento de
arte, par¬ lhares de pássaros
— tapéras, se abrigam e moram em uma
grande fenda junto ao mesmo Salto. Parasitas e uma
pró¬
teres, desde a Capital de São Paulo, até aos mais longínquos pria vegetação de musgos e flores próprias ou naturais
dos
centros populosos. Comprovam-no, os Conventos do Carmo penedos enlevam a vista do observador. No tempo do
Penha, na ci¬ há concorrência de gente para os banhos e distrações.
verão
e de Santa Tereza, as Igrejas de Belém e da
e Jundiaí;
os templos e edifícios vários
ra, decoração, escultura
vação e ouriversaria,
de
em

dade de São Paulo; os Conventos de Santos
imagens,
outras cidades
de
com serviços de arquitetu¬
obras de entalha, gra¬
interioranas, a
Acha-se o Salto, já, com muitas bonitas casas e a Ca¬
pela, que é de Nossa Senhora do Monte Serrate,
pelo Padre João Leite, de Itú, é linda, com três
edificada
altares. No
altar-mór está a Senhora do mesmo nome, muito linda ima¬
exemplo de: Pôrto Feliz, Piracicaba, Limeira, Brotas, Casa gem feita em Itú mesmo, pelo escultor Antônio Joaquim.
Branca, Araras, Mogi das Cruzes, Taubaté, Guaratinguetá, O altar é formado de 8 colunas compostas rematando a ma¬
Lorena, etc. chegando, mesmo, a atingir o ponto extremo neira de uma corôa imperial. Tem sôbre cada capitel um
de Itapura, como é o caso de Miguelzinho. anjo sentado, pegando em festões. O altar da direita, lado
Em Piracicaba, na linha do picadão para as terras de do evangelho, é de São Francisco do Deserto e o da esquer¬
Cuiabá, Itú plantou uma tradição de arte, no ano de 1844. da é de Santa Clara, ambas lindas imagens. No tempo da
E, a semente lançada em solo ubérrimo, pelas mãos de
Mi¬ festa da Senhora, que é a 8 de setembro, há aí uma afluên¬
guelzinho — dando início à pintura de cavalete
cia de São Paulo, esplendidamente germinou e frutificou
na Provín¬ cia extraordinária de povo. Passam por êste lugar as estra¬
das de Campinas, Capivarí e outras localidades. Dista de
no ambiente familiar, primeiramente, e, depois, nosmodo têrmos
a
Itú uma légua e, acima do Salto há uma lavra de ouro no
da comunidade piracicabana. Consolidou-se de tal rio, da qual já retiraram muito, em outros tempos; meu pai
expressão das artes em Piracicaba, consequência lógica do trabalhou no metal dessa lavra. Junto a ela faz, o Tietê,
corpo adquirido pelo progresso técnico e espiritual dos seus uma grande cachoeira, intransponível e é daí que se ouve
artistas que, não temos dúvida em afirmar ser, êste, o cen¬ a bulha ou sussurro, em Itú. A ponte é uma das mais segu¬
tro de maior projeção das artes plásticas do interior dereais, São ras do Tietê e, no tempo da sêca, passa todo o rio só pelo
Paulo, com os seus quase quarenta artistas de méritos seu centro, em um canal de 10 palmos, com muita fúria, e,
alguns dos quais de renome nacional e internacional. por isso se chama “o Funil”. Desde aí até o Salto, que dista
No exame a ser procedido neste celeiro de artistas e de mais de 10 braças, é um contínuo precipício ...”
60 PROF. ARQUIMEDES DUTRA
MIGUELZINHO, SUA VIDA, SUA OBRA 61
ja tôda pintada, as paredes e teto e, sobretudo, a Capela-
Matriz ãe Itú: Mór, que é o teto mais bem desenhado, a meu ver.
Unido à Igreja, à direita, está o Convento que é bem
... “O principal edifício desta cidade é a Matriz, aca¬ asseado. À esquerda acha-se a Capela do Jazigo, para enter¬
bada em 1780. É uma das melhores obras da Província. Sua ramento de Terceiros. É de bom gôsto, tendo carneiras to¬
sólida construção, ainda que de taipa, é para se notar: é das construídas de tijolos, pelo Pedro Parada; um altar com
de uma arquitetura excelente. O entalhador e pintor foram o painel da Ressurreição de Lázaro, pintado por mim e idéia
homens de saber; a obra de talha é de um célebre Bartolomeu minha, e tem, também, um depósito para ossos, com um
e, a pintura foi do Patrício (Patrício José da Silva) po¬ soneto da morte e o último ramo de uma poesia ou “Can¬
rém, só existe o teto dêste autor. O mais acha-se retocado. ção da Morte”, feita pelo Doutor José Bonifácio de Andrade
Tem 7 altares. O principal é da padroeira, que é Nossa Se¬ e Silva, o grande Patriarca da nossa Independência” . . .
nhora da Purificação ou da Candelária; ao lado direito es¬
tá São Pedro e, ao esquerdo, está São Paulo (isto, no altar- Convento de São Francisco:
-mór). No colateral, à direita, está Nossa Senhora do Rosá¬
rio, e no da esquerda São Miguel, lindíssima imagem. Tem
o altar do Coração de Jesus, Maria e José, outro de São José,
. . . “São Francisco— Convento de Franciscanos, uma
das mais antigas igrejas de Itú é, ainda, do gôsto jesuítico.
outro de Santa Gerturdes e outro da Senhora das Dores, Sua construção é baixa e forte, muito singela e com talha-
onde estão o Senhor Crucificado, São João e Santa Maria mento antigo. O Padroeiro é São Luiz, Bispo de Tolosa, lin¬
Madalena. da imagem tendo ao lado direito Santo Antônio e, à esquer¬
No ano de 18 . . . foi reedificada e posta no estado em da, Santa Bárbara. No altar lateral direito está a belíssima
que está pelo Padre Elias do Monte Carmello, à custa de imagem da Santa da Conceição, e abaixo, São Benedicto.
muitos e muitos sacrifícios, não só para reedificar como No altar da esquerda estão São Francisco e Nossa Senhora
munir das alfáias, utensílios, etc. de que está provida. Tem das Dores, e uma urna, dentro da qual está a venerável ima¬
êste templo, um adro com escadaria de lages à roda e, uma gem de Nosso Senhor Morto, que veio de São Paulo para
torre no centro, de altura de mais ou menos 100 palmos, e, êste Convento quando se apoderou, o Govêrno, do Conven¬
um relógio que foi feito em Itú mesmo, pelo alemão Pedro to de São Paulo, para Universidade ou Academia. O Con¬
Kiehl, residente nesta cidade. As pinturas, retoques dos pai¬ vento velho está estragado e o nôvo é grande, espaçoso e
néis e novas talhas desta Igreja, foi tudo feito na reedifica- de bom gôsto, tendo linda vista para os contornos de Itú.
ção pelos filhos da terra. Somente o teto do Patrício foi con¬ Nêste Convento foi que aprendi a tocar órgão com o Padre
servado” . . .
— A Matriz primitiva foi obra do Padre João Leite Fer¬
Mestre — Frei José de Santa Delfina, a quem devo muito
por ter-me aplicado a isto, pintura, etc. e isso pelo ano de
raz, o edificador da Capela de Nossa Senhora do Monte Ser¬ 1827. Foi, êste religioso, um dos que muitos serviços pres¬
rate, de Salto. taram a Itú. A Ordem Terceira é unida ao Convento. É um
Igreja do Hospício do Carmo, Convento do Carmo e Ca¬ templo grande e bem construído. Esteve muito tempo sem
pela do Jazigo: que os Terceiros cuidassem dêle, com gôsto. Hoje, vai em
“A Igreja do Hospício do Carmo é boa, tendo o al- progresso: tem as imagens que saem pela procissão de Cin¬
tar-mór com Nossa Senhora do Carmo, em frente; ao lado zas que são as melhores que nêste gênero tenho visto. Seu
direito, Santo Elias, e, ao esquerdo, Santa Tereza, rica ima¬ autor foi insigne. Jaz nesta Ordem o grande e estimado Dr.
gem. No altar lateral, à direita, está o Passo do Calvário, Carlos Engler, médico alemão. Esta igreja está na Rua da
com imagens pequenas, porém ótimas; no da esquerda está Palma” . . .
a Sagrada Família e, também, Nossa Senhora da Boa Mor¬
te, que tem neste Hospício a sua Irmandade. O corpo da Igreja do Senhor Bom Jesus:
Igreja tem 6 altares dos Sagrados Passos, com Imagens Di¬ ... “A Igreja do Senhor Bom Jesus, da Rua Direita, é
vinas, de uma escultura notável. Èste Hospício tem a Igre¬ um bom templo. A imagem do Senhor é respeitável, tendo
62 PROF. ARQUIMEDES DUTRA M1GUELZINHO, SUA VIDA, SUA OBRA 63

ao lado direito Nossa Senhora e, ao esquerdo, São Fran¬ diferentes Ordens, pintura de pintores ituanos, como um
cisco de Paula. O altar da direita é de Nossa Senhora da painel de Santo Ambrósio, ainda, pintura do falecido Pa¬
Conceição e o da esquerda, de Nossa Senhora do Rosário. dre Jesuino, fundador desta Igreja; os outros são de Eliseu
Tem a sua Irmandade de pretos. Desta igreja, foi Diretor e de Joaquim José de Quadros, todos falecidos.
o falecido Padre Jerônimo Pinto Rodrigues e, hoje, dirige-a Tem, esta Igreja, muitos ricos paramentos e tôdas as
o Padre Francisco Paixão, homem de virtudes, que tomou
Ordem depois de 60 anos, após ter dado tôda a sua riqueza
alfaias precisas e uma custódia doirada — a maior que há
em Itú, com os raios todos cravejados de preciosas pedras
aos pobres. Esta igreja tem uma boa sacristia, com muitos brancas. Estão sepultados nesta Igreja, somente: o seu ve¬
ricos e antigos painéis, assim como em São Francisco exis¬ nerável fundador, Padre Jesuino do Monte Carmello e os
tem: a “Morte de São José” e “Morte de Santo Antônio”, seus dois filhos, Padre Elias e Padre Simão. Em 1842, quan¬
que são pintadas por mestres antigos e insignes” . . . do foi prêso o Padre Diogo Feijó, êste veio, despedir-se dos
seus amigos falecidos e entreteve-se silencioso junto à cam¬
pa dêstes heróis da religião, e não dizendo palavra retirou-
Capela de Santa Rita: se e. . . para sempre! O Imperador Pedro II visitou esta ca¬
pela no dia 25 de março, aniversário da Constituição” (25
. . . “Está situada à esquerda da mesma rua, subindo- de março de 1846) . . .
se. É uma Capela térrea, somente à maneira de uma sala,
onde está o altar da Santa. Ao lado tem u«ia Sacristia com Santa Casa de Misericórdia:
todos os paramentos necessários para o culto e até os tem,
supérfluos. Ê muito frequentada por romeiros que vêm ... “A Misericórdia, principiada ainda em vida do Pa¬
cumprir suas promessas à Santa dos impossíveis. É Capela dre Elias do Monte Carmello, e por seus esforços, contando
de 1600 e tantos e já serviu por algum tempo de Matriz. É apenas com uma pequena deixa do falecido Caetano José
pena não ter-se aumentado, crescendo mais para trás, para Portella, de 3 ou 4 contos, penso eu. Acha-se quase pronta
acomodar o povo. A sua frente está reedificada com fron¬ ou, para bem dizer, pronta. Sua frente é respeitável: 21 jo-
tispício firme, de tijolos” . . . nelas fazem sua perspectiva, ornada com ordem e em cujo
— Esta reforma foi procedida no ano de 1728. centro ou frontão está a legenda — “Santa Casa de Mise¬
ricórdia”. Está situada no fim da Rua da Palma, olhando
para o nascente. Os cômodos da Casa são bem ordenados e
Igreja de Nossa Senhora do Patrocinio: muito asseados, tendo no centro uma Capela, tôda de talha,
obra do Marcelino, rapaz curioso que, tendo trabalhado no
... “A Igreja da Nossa Senhora do Patrocínio é no fim edifício, depois encarregou-se da feitura do altar. E, está
da rua dêste nome. Sua frente é linda, tendo duas torres e bem ordenado. O Padroeiro é São João de Deus, imagem
muito bons sinos. Sua arquitetura é nova tendo, também, feita na Itália, obra a mais perfeita que tenho visto: tem-se
o altar-mór com a Santa, muito linda. É formada de zim¬ a impressão de um ser vivo! Tem uma linda e espaçosa Sa¬
bórios e com colunatas desde a entrada, formando arcos cristia e um quintal bem plantado” . . .
até fechar o trôno que é, de Itú, o mais esbelto. Entre cada
coluna forma-se uma tribuna e de muito bom gôsto. No
tempo das festividades cada pedestal é ornado com uma es¬ Seminário do Padre Campos:
tátua de Santo ou Santa. Tôda a talha e imagens é obra do
falecido Eliseu do Monte Carmello, irmão do falecido Padre ... “O Seminário do Padre Campos, assim chamado
Elias e Simão. Tem ao lado direito, no fim do corredor, por ter êste Padre sido o seu fundador, depois que veio de
uma Capela do Santíssimo e outra do Senhor dos Aflitos e Roma, é situado no fim da Rua do Pirai, perto do córrego.
ao lado esquerdo, a Capela do Carmo e a sacristia. Nos cor¬ É edifício de taipa, assobradado, tendo unida a sí uma boa
redores inferiores e superiores há 40 painéis de Santos de Capela à moda de Roma, com naves ao lado. Não está aca-
g4 PROF. ARQUIMEDES DUTRA MIGVELZimiO, SUA VIDA, SUA OBRA 65
bado, porém, bem adiantada a sua construção. Em outros Padre Elias do Monte Carmello (Dados biográficos)
tempos serviu de Seminário” . . .
—- Oliveira Cesar recenceou, neste Seminário, duas
grandes obras da pintura ituana: a “Senhora do Bom Con¬
“Filho do falecido Padre Jesuino, imitou suas virtudes.
Desde a infância, contaram-me os seus colegas, que êste
selho”, de notável mestre italiano, seiscentista e, “Adoran¬ Padre foi muito bem morigerado, irrepreensível e de uma
do o Salvador do Mundo”, de Joaquim José de Quadros, fi¬ vida pura. Depois de Padre foi sempre muito devoto do
lho da cidade de Itú. Santíssimo Sacramento, cuja solenidade fazia com majes¬
tosa pompa no oitavário do Corpo de Deus. Seu principal
ofício foi sempre fazer congraçarem-se aqueles que anda¬
Dados biográficos do Padre Jesuino do Monte Carmello: vam com desavênças. Foi fundador do Seminário de Edu-
candas da Senhora das Mercês; foi quem reedificou a Ma¬
Jesuino Francisco de Paula Gusmão, no século, (Nas¬ triz em tempo tão difícil de recursos, no tempo do trôco do
cido em Santos em 1772 e falecido em Itú em 1819). cobre e deixou-a no estado em que se acha, munida de to¬
. . . “Êste grande sacerdote, depois de ter sido casado, das as alfaias e utensílios que existem. Foi o fundador, tam¬
de cujo matrimónio resultaram quatro filhos: Elias, Eliseu, bém, da Santa Casa de Misericórdia, com o princípio em
Simão e Maria Tereza, falecendo sua esposa, tomou a deli¬ que a deixou”.
beração de ordenar-se, o que conseguiu. Sua vida tão exem¬ Em face do depoimento que nos é dado por essa pre¬
plar, suas ocupações foram tôdas tendentes ao culto e à ciosa documentação concluímos, de modo categórico:
glória de Deus. Homem dotado das maiores habilidades. Na
pintura foi insigne: suas obras se vêm em Santos, São Paulo

A - Na pintura

— nos Conventos do Carmo e Santa Tereza e Ordem Ter¬


ceira do Carmo, e em muitos outros lugares. Em Itú existe
o Convento do Carmo, todo pintado por sua mão, cujo teto
1°) que, desfazendo as dúvidas de Mário de Andrade,
podemos afirmar que andaram certo Oliveira Cesar e Fran¬
cisco Nardy quando positivaram ser o Miguelzinho, autor
do painel “Ressurreição de Lázaro”, do altar da Capela do
da Capela-Mór é sobremaneira apreciável pelo gôsto e idéia Jazigo do Carmo, pois é o próprio artista quem declara, em
que sua imaginação produziu na variedade do grupo de an¬ suas “Memórias”, ter concebido e executado a notável obra,
jos que em derredor da Virgem do Carmello alegres brin¬ quando diz: “A Capela tem um altar com o painel da Res¬
cam. Foi insigne compositor: suas produções, daquele tem¬ surreição de Lázaro, pintado por mim e idéia minha”; 2.°)
po, rivalizam-se com as mais sublimes obras, dêste nosso que, os painéis expostos na Matriz não são, mesmo, do Pa¬
tempo. Foi sublime na educação que deu a seus filhos, dos dre Jesuino do Monte Carmello, como diz Mário de Andra¬
quais falarei, no decurso desta memória. Foi, êste sacerdo¬ de, em oposição a alguns autores, dada a disparidade fla¬
te, muito devotado de Feijó e, com êle é que se confessava, grante do desenho, composição e côr existente entre o ma¬
indo de Itú a Campinas, a pé muitas vêzes, levando ao ravilhoso teto da Capela-Mór do Carmo e os referidos pai¬
ombro um papagaio que estimava. Êste grande Padre, o néis da Matriz. Ao tempo da conclusão da primitiva Matriz,
mais devoto da Senhora do Patrocínio, fez, por muitos anos, 1780, o Padre Jesuino contava, apenas, 8 anos de idade; “a
riquíssimas festas à Santa Virgem, na Matriz. Depois deu, pintura foi do Patrício, porém, só existe o teto dêste autor;
a muito custo, princípio à Igreja da Santa referida, não o mais acha-se retocado e, as pinturas, retoques dos pai¬
permitindo Deus que a visse concluída. Foi sepultado no néis e novas talhas desta Igreja foi tudo feito na reedifica-
Convento do Carmo e, depois de terminada a Igreja do Pa¬ çao pelos filhos da terra”, dizem os documentos. Numa hi¬
trocínio, foram para lá trasladados os seus restos, visitados pótese, muito remota, de Jesuino ter sido o autor dos pai¬
por Feijó, quando prêso e levado para a Côrte, pelo feroz néis da Matriz, a sua pintura foi totalmente destruída pe¬
Govêrno desta data, por causa da Revolução desta Provín¬ los retoques da reforma pois, bem se vê, a mão que andou
cia” . . . desenhando e pintando o teto da igreja do Carmo não foi
— Jesuino do Monte Carmelo foi o arquiteto da Igreja
de Nossa Senhora do Patrocínio.
a responsável pelos painéis da Matriz, tamanha é a diferen¬
ça do sentido pitónico-emocional existente entre ambas;
66 PROF. ARQUIMEDES DUTRA MIGUELZINHO, sua vida, sua obra 67

3.°) que, embora contestado por alguns autores, o Padre Ouro Preto, Congonhas do Campo, etc. Tão cheia de méri¬
Eliseu do Monte Carmello, entalhador e escultor de profis¬ tos e valorosa é esta quanto aquela o é.
são, “autor de tôda a obra de talha e de tôdas as imagens Além disso, o valioso acervo de imagens que povoam
da Igreja da Senhora do Patrocínio foi, também, pintor. O os interiores dos templos ituanos dignificaria qualquer
certo é que: “nos corredores inferiores e superiores dadeIgre¬ di¬
grande meio artístico da época, dadas as suas reais virtu¬
ja da Senhora do Patrocínio há 40 painéis de Santos des, e, é parte importante e positiva da bagagem artística
ferentes Ordens, pintura de pintores ituanos, como um pai¬ do nosso Estado.
nel de Santo Ambrósio, ainda pintura do falecido Padre Je- Também, digno de atenção é o notável trabalho de en¬
suino, fundador desta Igreja; outros são de Eliseu e de Joa¬ talha que reveste, internamente, as paredes de suas igrejas
quim José de Quadros”, afirmam os documentos da época; e conventos, expressão decorativa de indiscutível interêsse
4.°) que, as afirmativas de Oliveira Cesar e Francisco Nar- e do mais alto quilate artesanal.
dy de que Eliseu do Monte Carmello tem painéis pintados Tudo o que compõe o cerne da arte religiosa, da cidade
na Matriz são, provavelmente, certas. Êsse pintor poderia de Itú, merece ser catalogado para que se inicie, de modo
para essa Igreja, ou, alguns de surpreendente, o “Museu de Arte Religiosa de Itú” criado,
tê-los feito especialmente ter sido re¬ recentemente, pelo atual Govêrno de São Paulo.
seus painéis da Igreja do Patrocínio poderiam
movidos para a Matriz, como não raro se praticava, na épo¬ Dizíamos que a iconografia paulista bem como a pin¬
ca; 5.°) que, realmente, o Padre Elias do Monte Carmello tura de cavalete, na Província de São Paulo, nasceram pe¬
nunca foi pintor, concordando com Mário denão Andrade e dis¬ las mãos de Miguel Arcanjo Benício da Assunção Dutra, o
cordando de outros autores. O Padre Elias poderia ter popular Miguelzinho.
feito pinturas na Matriz, de vêz que não era pintor. Os seus Pois bem.
méritos foram bastante grandes como reedificador da Ma¬ Vamos à sua história:
triz, como fundador do Seminário de Educandas e como De sua terra natal, Lorena, mudava-se para Itú, em
fundador e edificador da Santa Casa de Misericórdia, de começo do século XIX, um artista, gravador e ourives, cujos
Itú; 6.°) que, além de “Adorando o Salvador do Mundo”, de méritos eram sobremaneira notáveis pela correção e preci¬
Francisco José de Quadros e, “Senhora do Bom Conselho”,
de autor anónimo italiano, recenceados por Oliveira Cesar,
são de sua técnica — Tomaz da Silva Dutra, o popular “To-
maz Ourives”, das terras ituanas.
ainda,
no Seminário do Padre Campos, há que se incluir, “A
Dentre os seus descendentes aparecia um, aos 15 de
na arte colonial e do Io Império, como grandes obras: agosto de 1810 que nascera para engrandecer o nome da
Morte de São José” e “Morte de Santo Antônio”, pintados sua cidade e da sua pátria, como costuma acontecer aos
por mestres antigos e insignes — do Convento de São Fran¬
cisco, e, “os ricos e antigos painéis”, da
Igreja do Senhor
eleitos e predestinados — Miguel Arcanjo Benício da As¬
sunção Dutra, o “Miguelzinho”, da arte bem lançada e de¬
Bom Jesus, apontados por Miguelzinho. finida nos seus têrmos, da Imperial Província de São Paulo.
B
— Na escultura e nas obras de entalha
Urge fazer-se um levantamento da obra que constitui
cidade
O pai da iconografia paulista e precursor da pintura
de cavalete na Província de São Paulo, esplende em nossa
História das Artes pelos seus méritos reais, nada mais tra¬
todo êsse conjunto admirável da escultura sacra, da zendo que o pudesse impôr aos olhos dos seus concidadãos
de Itú. do que um espírito notável, posto a serviço de uma brilhan¬
Sôbre ser a escultura uma das grandes artes, a par da te inteligência e de uma desmedida capacidade de trabalho,
e da perso¬ atributos que Deus lhe dera, naturalmente, para suavizar
excelente plasticidade das obras apresentadas
nalidade marcante dos escultores ituanos, a madeira
mento empregado na concepção dos trabalhos,

atesta
ele¬
as
a pobreza material da sua vida.
Afonso de Escragnolle Taunay, nome que pronuncio
possibilidades materiais da região paulista, tão diferente com respeito, amizade e profunda admiração, diz: “Ainda
da zona de Minas, onde a mesma arte escultórica se desen¬ não se escreveu convenientemente sôbre Benício Dutra,
volveu na pedra, em grande parte, como se constata em cuja vida se escoou no interior paulista, e a cuja arte tanto
68 PROF. ARQUIMEDES DUTRA

louvou o Barão de Tschudi, o sábio naturalista suiço que


visitou a Província de São Paulo, em 1860.
Miguel Arcanjo Benício Dutra, autodidata, homem de
modesta origem, obediente a irresistível vocação viveu para
a sua arte e sua fé. Desenhou, pintou e construiu igrejas
por mais de meio século”.
Quando da inauguração dos “medalhões com as efígies
de ituanos de prol do cenário nacional, regional e munici¬
pal”, continua, Taunay: “Elementar sentimento de justiça
levou-nos a colocar a efígie de Miguel Benício Dutra nessa
galeria de ituanos eminentes, antigos”.
E, adiante: É geralmente tão pobre a iconografia
brasileira anterior à fotografia que, os documentos de há
um século se tornam verdadeiras preciosidades.
Indepêcia
a

Sobretudo se se trata de aspectos de lugares do inte¬


rior do país.
Poucas cidades do nosso “hinterland” podem, quanto
Itú, apresentar iconografia tão abundante datando do se¬
gundo quartel do século XIX.
proclamd
foi
Deve-se isto ao fato de haver o velho núcleo bandeiran¬
te seiscentista ter sido berço dêsse modesto pintor cheio de
méritos, dotado de elevados atributos artísticos que a ru¬
onde
deza do meio comprimiu — Miguel Arcanjo Benício da As¬
sunção Dutra, cujas aquarelas, servatis servandis, nos evo¬ local
cam a lembrança daquelas coisas deliciosamente ingénuas
do famoso Douanier Rousseau, o singelo pintor francês
no
cujas obras se vendem hoje a pêso de ouro”.
Augusto Emílio Zaluar, o curioso viajante europeu, que
perlustrou terras paulistas em 1860, no seu livro “Peregri¬
Ipirang
nação pela Província de São Paulo” concedendo honraria do
pouco comum nessa sua obra, qual fôsse a de traçar bio¬
grafias de destacadas personalidades da Província disse, à
certa altura, a respeito de Miguelzinho: “... é um dêsses
homens raros que a Providência quase sempre escolhe en¬
“Vista
tre o povo para lhe confiar a santa realização dos seus de¬
sígnios.”
Mário de Andrade equivocou-se a respeito de Miguelzi¬
nho, em estudos feitos sôbre a arte religiosa de Itú, como
êle próprio confessara, levado pela tradição oral e “infor¬
mações puramente de diz-que-diz-que”, no seu inconfundí¬
vel linguajar. Contudo, ao ter conhecimento de documen¬
tos e elementos originais das várias artes a que se dedica¬
va o artista, esclarecedores da sua personalidade, não teve
70 PROF. ARQUIMEDES DUTRA MIGUELZINHO, SUA VIDA, SUA OBRA 71

duvidas em declarar ser complexa a sua obra e digna de sua querida igreja da Boa Morte, hoje abandonada pela
um acurado estudo técnico. descrença dos homens, atestando o olvido do repúdio!”
Não pôde, no entanto, levar avante o seu intento, pois,
logo a seguir, sofríamos a perda irreparável de seu grande
— Conheçamos esta obra, à luz irrefutável de documen¬
tos, da época:
espírito, apesar de ter à sua disposição os testemunhos ci¬ “A construção desta igreja teve início em 1853 e foi
tados, de minha propriedade e compostos de um álbum de idéia de um homem muito original, ituano e morador em
músicas contendo inúmeras composições, inclusive duas Piracicaba desde 1844, onde fundou a Irmandade da Boa
missas; peças de escultura em madeira; desenhos de arqui¬ Morte. Era êle Miguel Arcanjo Benício Dutra que, com as
tetura e de figura; vários planos de arquitetura interna de suas próprias mãos trabalhava na igreja como arquiteto,
igrejas e conventos de São Paulo, Itú, Piracicaba e outras entalhador, escultor e pintor. . . . Êste homem modesto, in¬
cidades, com detalhes de construção, por êle desenhados e fatigávelmente laborioso e imensamente talentoso teria,
executados entre 1836 e 1867, e, um album de memórias, com certeza, se houvesse recebido educação européia, an¬
datado de 1847. gariado celebridade”.
Mas, os conhecimentos de Miguelzinho atingiam raios “Em dezembro de 1850, Miguelzinho fundou a Irman¬
mais amplos do que se possa imaginar. Porisso dizíamos, de dade de Nossa Senhora da Boa Morte e, a 5 de abril de 1853,
início, ser êle portador de um espírito notável, pôsto a ser¬ iniciou a edificação do templo, cuja Capela concluiu-se em
viço de uma brilhante inteligência e de uma desmedida ca¬ 26 de junho de 1855, sendo solenemente benta no dia I.° de
pacidade de trabalho. A sua obra não poderia enquadrar-se setembro dêsse mesmo ano com o traslado da imagem de
no simples decurso de uma palestra porque, para tão larga Nossa Senhora da Boa Morte, da Matriz, para a sua igreja
soma de realizações, todo um volume seria necessário. com a maior pompa de que se teve memória na cidade de
O campeão da eloquência e conterrâneo emérito, Dr. Piracicaba.
Brasílio Machado, nome que é uma bandeira nas tradições A Capela é tôda construída de arcadas o que junta à
destas Arcadas de São Francisco, contemporâneo e conhe¬ comodidade a elegância da obra. Além da Capela-Mór tem
cedor pessoal das virtudes do artista escrevia, pela passa¬ à direita, a de Nossa Senhora da Assunção e, a esquerda, a
gem do IIo aniversário da morte de Miguelzinho, ocorrida a de Santa Rita.
22 de setembro de 1875 em Piracicaba: “Está ainda na me¬
mória de todos o que foi Miguelzinho, e os relevantes ser¬ O corpo da igreja é rematado por uma cúpula, ao cen¬
viços que durante trinta anos prestou a esta terra. Ativo,
tro, oferecendo êste detalhe, e outros mais introduzidos no
inteligente, trabalhador, era versado em quase tudo; bom conjunto, uma arquitetura nova, de grande efeito e de bela
ourives, zbom músico, excelente organista, escultor, pintor e e impressionante perspectiva”.
arquiteto; bom latinísta, versado em teologia, reunindo a
todos êstes dotes, a mais fina educação., O seu culto, porém,
— Partindo de Piracicaba, viagens penosas e longín¬
quas realizou Miguelzinho, por todo o interior, angariando
mais fervoroso, o seu fanatismo, era a caridade. fundos para a construção da sua igreja, a cujos óbulos re¬
Que o digam os pobres cujas lágrimas vivia a afogar! tribuía com pequenas lembranças de sua autoria, como: ni¬
Como político, era liberal extremado, e a imagem ve¬ chos, pequenas imagens, desenhos, etc. dos quais tenho
neranda da virtude cívica! Ninguém, como êle, provou exemplares, chegando mesmo a atingir, na sua peregrina¬
maior isenção, maior hombridade de princípios, maior ele¬ ção, Itapura e Rio de Janeiro, a cavalo.
vação de caráter. Por isso, sem ódios e sem ambições, aus¬ Sua formação religiosa, aliada à capacidade e sensibi¬
tero, mas magnânimo, logrou o grandioso intento: de pas¬ lidade artística permitiram-lhe conceber e realizar esplen-
sar, como passou, íntegro e ilêso, e o que é mais, adorado e didamente esta obra, desde os planos arquitetônicos, deco¬
respeitado por entre os corrilhos dos podres partidos desta ração das paredes e fôrro, execução de painéis, até os deta¬
nação! lhes de revestimento interno, como: trabalhos de entalha,
A morte prostrou-o, quando êle ia talvez a meio da sua escultura de imagens e demais serviços complementares, in¬
gigantesca obra de sacrifícios e sagrado entusiasmo a— clusive duas portas de crivo — que honrariam qualquer
72 PROF. ARQUIMEDES DUTRA MIGUELZINHO, SUA VIDA, SUA OBRA 73

grande artista, e um órgão para as cerimónias religiosas, cas, pintando alegorias em arcos de triunfos, erguendo co¬
cujos acordes levariam até Deus a pureza da sua fé. lunatas em côres simbólicas, prestando o concurso da sua
No entanto, a obra iniciada por Miguelzinho, com cin¬ inspiração ao realce das festividades cívicas e religiosas.
co patacas e cem mil réis, que recebera das mãos da Impe¬ Reproduziu numerosos aspectos de paisagens, edifícios,
ratriz, quando lhe entregara uma imagem de Santa Tereza costumes; e, entre o muito que produziu e perdeu-se, ou
que esculpira em jaspe, não teve o destino que se impunha que pertence a particulares, existe ainda vultosa coleção
lhe fôsse reservado pois que, o incêndio do Colégio da As¬ valiosa, incorporada ao acervo do “Museu Paulista” e “Mu¬
sunção e o total desinterêsse das Irmãs religiosas pelas coi¬ seu da Convenção de Itú”.
sas de arte, causaram-lhe a ruina. Jamais o velho artista poderia calcular a importância
Na noite de 25 de janeiro de 1891, o edifício do Colégio do seu trabalho ao fixar, em hora precisa, tudo quanto se
da Assunção, que funcionava anexo à Igreja da Boa Morte, passava no seu meio ambiente, com olhos de brasileiro ver¬
foi destruído por um pavoroso incêndio. dadeiramente amante das coisas de sua terra. Não se im¬
pressionou com os estranhos motivos, de grande efeito co-
Na reedificação dêste Colégio, aconteceu aquilo que lorístico e compositivo, daqueles que tanto exaltaram os
ninguém poderia imaginar, tal o absurdo dos seus propósi¬
tos: sob pretexto de concepção de um nôvo conjunto arqui¬ sentidos dos artistas europeus, que aportaram terras brasi¬
leiras, atraídos pela curiosidade dos têmas, não. Tudo lhe
tetônico, um peninsular italiano, de sobrenome Borelli, in¬
interessou, na multiplicidade dos assuntos: desde o histó¬
cluiu nos seus planos a demolição da igreja, e, com plena rico, folclórico, paisagístico e religioso até as singelas figu¬
autorização das Irmãs religiosas, sem o menor índice de es¬
ras dos tipos populares e de rua. A expressão da vida, toma¬
crúpulo e sensatez, procedeu-se a destruição da Boa Morte, da nos seus têrmos reais, foi registrada pelo pincel fecundo
reduzindo-se a frangalhos tôda aquela robusta expressão de de Miguelzinho, no momento em que a única possibilidade
arte que, na plenitude de sua beleza vinha abaixo, por mãos de fazê-lo surgia pela vida de acesso da pintura, dada a
impiedosas e, talvez, se consumindo a seguir, como simples inexistência, ainda, da fotografia. E, com isto, o “hoje” do
material combustível! Império pôde chegar até nós, dando asas à inspiração de
Assim, se destruía um templo de alto padrão artístico, um artista, na consecução de resultados plenamente satis¬
histórico e religioso. fatórios.
Em substituição ao conjunto primitivo, dentro dos mes¬
mos antigos limites de construção levantam-se, hoje, nos São Paulo:
altos da Paulista, os edifícios posteriormente construídos,
sob as invocações primeiras, conservadas, — de pobre ex¬
pressão arquitetônica e atestando o vandalismo praticado,
Uma visita ao “Museu Paulista” esclarecerá a impor¬
tância da contribuição dêste artista, no estudo de vários
nos tempos que se foram.
— O meu irmão, pintor Alípio Dutra, guarda consigo o
“Diário de Construção da Boa Morte”, onde o, velho artista
do passado relata, com detalhes, o seu sacrifício, as mil e
elementos pertencentes ao conjunto da nossa história, dos
nossos costumes e das nossas organizações urbanas.
Para não nos alongarmos na citação e exame dos tra¬
balhos expostos, uma vêz que todos êles aí estão para um
uma preocupações que tivera e fatos diretamente ligados à estudo analítico e conhecimento de têmas, de cunho pura¬
construção dêsse templo. mente nacional, voltemos a nossa atenção para dois dêles,
Miguelzinho se apresenta com uma bagagem enorme, apenas, tidos como dos mais importantes do conjunto e, re¬
distribuída por diferentes pontos, do Estado. presentando: l.°) local onde se deu a proclamação da nos¬
Azevedo Marques coadjuvado por Afonso de Taunay sa Independência; 2.°) um rancho de tropeiros, ao tempo
manifestam-se sôbre a sua fertilidade artística, dizendo. da Província.
“Pintor de raça, foi talvez o homem que mais pintou no Es¬ l.°) Desenhou Benício justamente, o pavilhão do Ipi-
tado de São Paulo. Percorrendo grande número de cidades ranga, por ocasião da visita de D. Pedro II à Capital da Pro¬
nessas aparecia em todos os momentos de festas patrióti- víncia. È o mais velho documento iconográfico existente
74 PROF. ARQUIMEDES DUTRA MIGUELZINHO, SUA VIDA, SUA OBRA
75
sôbre o local onde se deu a proclamação da nossa Indepen¬
dência. Como se vê, a colina está completamente deserta. O Piracicaba:
mangrulho armado em frente ao grande coreto assinala o
do Em 1844, Miguelzinho transferiu-se com sua família
lugar exato onde se verificou o histórico fato, o fundo para Piracicaba.
quadro só se vêm as montanhas da Cantareira, linda mol¬
base do mor¬ Nesta cidade sua obra se avulta!
dura de tão dilatado e pitoresco panorama. Na E, como não deveria ser assim, se os mais importantes
ro destaca-se a casa de campo de Visconde de Castro. No
mais, a solidão do caminho do Cambucí, o trilho a que se empreendimentos da cidade lhe estavam afetos? Quem tem
do mar. aos ombros a responsabilidade de responder, numa comu¬
reduzia o caminho nidade, pela construção e funcionamento de um teatro, de
2.°) “No rancho coberto de sapé e por tôda a parte aber¬ uma santa casa de misericórdia e dos seus três templos re¬
to aos ventos, nota-se uma cama armada ondeespalhadoshá um casal
acham-se em ligiosos, além de comprovada capacidade profissional
sentado; canastras, bacias, surrões monstra, por outro lado, ser merecedor da confiança dos de¬
desordem. No primeiro plano uma mulher examina o fogo di¬
rigentes da terra e de sua população.
que está aquecendo um caldeirão dependurado em tropas
tripeça.
pro¬ O projetista e edificador da Matriz de Santo Antônio,
Que estradas, que caminhos venceriam
as
planalto?” Eis, como, a de elegante porte e original arquitetura, esplendidamente
curando trazer ao litoral o café do apanhou o sentido arejada e iluminada pela inovação das “tribunas” rasgadas
agudeza de observação de um espírito
em tôda a extensão da igreja, desde o altar-mór até o côro,
descritivo do quadro e a sua função informativa. indicações desaparecida há pouco, com a criação da Diocese de Piraci¬
São de tal modo precisas e minuciosas asnão falseia, caba; o idealizador e construtor da Igreja de São Benedicto,

contidas nessas aquarelas que a verdade nas quais êstes ainda existente em minha cidade, e cujos planos originais
como já foi constatado em várias pesquisas, de construção pertencem a S. Exma. Revma. D.
documentos serviram de guia para as desejadas verifica¬ Paulo de
Tarso, Bispo de Campinas; o criador absoluto da Igreja
ções. Boa Morte, da qual já tratamos, não se deteve e, indo além, da
Da cidade de São Paulo existe, ainda, uma série1835 e
enor¬
executada entre planejou e construiu a primeira Santa Casa de
me de vistas e edifícios públicos, dia da cidade, em 1865, da qual tenho a planta e o Misericór¬
1860, pertencente ao “Museu Paulista”. frontispí¬
— Em mãos de particulares, encontra-se uma larga
soma de trabalhos seus, relativos à obra de entalha e deco¬
imagens; deta¬
cio, ao tempo que punha em funcionamento
Boa Morte”, cuja chapa de impressão das suas
curiosa feitura, guardo com respeito e carinho.
o “Teatro da
entradas, de
ração dos templos paulistanos; escultura
lhes importantes e interessantes
desenhos e aquarelas fixando
como é o caso da “Cabeça de Libero
de
vultos
de
elementos
da
Badaró”,
nossa
feito
urbanos e
História,
em 1830,
Alguns dos “Sagrado Passos”, da época
— as pequeni¬
nas construções feitas especialmente para servirem nas
cissões de Domingo de Ramos são-lhe, também, devidos e,
pro¬
constituindo, êste desenho, uma peça importante e inédi¬ dêstes, um ainda existe, desafiando o espírito de destruição
que anima os homens. Singelo na sua fachada, que
ta. Pertencente ao meu irmão, o pintor João Dutra. gue no próprio alinhamento da rua, é, no entanto, deseinte¬ er¬
Sôbre templos religiosos de São Paulo, existem os ori¬
ginais de tôda a obra de entalha executada nos altares do
Convento de Santa Tereza e das igrejas do Belém e Penha,
ressante estrutura interna
— com porta trabalhada a for¬
mão, bons entalhamentos no seu bem proporcionado altar
e, com uma bela imagem de roca, representando Cristo
da lavra de Miguelzinho, esclarecendo pesquisas até agora Horto.
no
feitas e que não lograram identificar o autor dêsses conjun¬
tos. Tais documentos são de minha propriedade, estando à De São Benedicto, desapareceram todos os expressivos
disposição de todos quantos queiram examiná-los. Êstes de¬ elementos internos, inclusive um painel de Nossa Senhora
senhos, assinados, datados de 1847, 1849 e 1867, aquarela- das Dores, de Jesuino do Monte Carmello, restando-lhe ape¬
dos e envernizados a coronha trazem, além das possibilida¬ nas a massa arquitetônica.
des de variações no estilo, a escala empregada e o custo da Da Matriz de Santo Antônio, além dos desenhos de to¬
obra. dos os altares construídos por suas mãos, datados de 1847,
rjQ PROF. ARQUIMEDES DUTRA

1849 e 1867, que felizmente me pertencem; de algumas pe¬


ças exparsas, distribuídas por particulares da cidade; de
uma pequena imagem de Nossa Senhora das Dores e de um
Divino, pertencente ao púlpito mais belo que eu já vi, pela
harmonia das suas linhas e beleza da forma, totalmente re¬
curvada, nada mais resta do que a saudosa lembrança da
nossa velha e sempre bela Matriz, juntamente com umas
poucas fotografias do seu interior e da sua elegante facha¬
da colonial.
Súmamente empenhado na educação popular manti¬
nha, em Piracicaba um museu, cuja estrutura nos dá Za-
luar, com côres vivas e interessantes no ano de 1860: “Na
casa de morada dêste ilustre cidadão há uma sala onde seu
dono tem reunido, em espécie de museu, grande cópia de
objetos raros e curiosos. Ao lado de magnifícias cristaliza¬
ções e grande número de amostras mineralógicas encon¬
tram-se pinturas, desenhos, gravuras, miniaturas, peças ra¬
ras de fundição, armas e utensílios dos indígenas, preciosi¬
dades numismáticas, peles de serpentes, ossadas de animais,
e finalmente os elementos desordenados de um mundo em
miniatura!” Posteriormente, êste museu foi organizado em
amplo salão, destinado à finalidade, e, aberto à visitação
pública. Com a sua morte, parte se destinou ao “Museu do
Ipiranga”, parte conservou-se em Piracicaba, no chamado
“Museu do Valencio”, e o restante passou para mãos de par¬
ticulares.

Itú e outras cidades:


Nenhuma cidade do interior brasileiro pode ostentar
tamanha produção de documentos iconográficos, como
aquela que nos apresenta Itú, já pelo avultado de sua ba¬
gagem, já pela importância do seu conteúdo. E, isso se deve
a Miguel Benício Dutra, ituano, que, na sua inegável capa¬
cidade de trabalho andou fixando, por mais de meio século,
fatos e coisas da sua terra natal e de outras cidades da Pro¬
víncia.
Como conhecedor de várias artes, e estribado em sólida
cultura, teve méritos para poder prestar o seu concurso aos
empreendimentos de arte das terras que perlustrou, nelas
desenhando, pintando, fazendo decoração, entalhando, es¬
culpindo, projetando edifícios e templos ou fazendo música
Desde a infância encarou, com seriedade, o problema
da instrução e da cultura. Aos quinze anos aplicava-se aos
i

7$ PROF. ARQUIMEDES DUTRA

conhecimentos da pintura e da música e, aos dezessete, to¬


cava órgão e exercitava as suas primeiras composições, no
Convento de São Francisco, com Frei José de Santa Delfina,
de quem recebeu também, orientação sôbre pintura. Dizem,
as suas notas: “Nêste Convento foi que aprendi a tocar ór¬
gão com o Padre Mestre, Frei José de Santa Delfina, a quem
devo muito por ter-me aplicado nesta arte, na pintura, etc.
e, isto, pelo ano de 1827”. E, mais adiante: “Frei José de
Santa Delfina foi meu mestre de órgão e deu-me muitas ins¬
truções na pintura”.
— Êste Frei José de Santa Delfina, nasceu no Rio de
Janeiro, de onde veio para Itú à serviço da Ordem, sendo
portador de uma cultura vasta, segundo a biografia.
A trajetória ascencional de Miguelzinho, nas artes, foi
rápida e impressionante, porque dominava várias delas
com tão pouca idade.
Vivo, inteligente e capaz soube impôr-se, desde logo, ao
respeito e admiração dos seus conterrâneos e, mercê de seu
talento, teve ingresso na luzida equipe dos artistas ituanos,
na qual soube se conservar como um destacado elemento.
Organista de altos méritos, também se ocupou da cons¬
trução dêsse instrumento, fabricando vários dêles, em com¬
panhia do popular “Venerando de Itú”.
Segundo as notas tocava, ainda, piano e alguns instru¬
mentos de sôpro.
Conhecedor de harmonia, fuga, contraponto e transpo¬
sição deu largas à sua inspiração, produzindo magníficas
composições que espelham, fièlmente, os seus altos conheci¬
mentos, ligados a uma fina sensibilidade musical.
Poucos conhecem Miguelzinho, o músico e compositor.
Pois bem.
Deixou um album com musicografia própria, datado de
1847 e, aberto com o título — “Depósito de trabalhos”, no
qual apresenta inúmeras composições suas, inclusive duas
missas, peças de cantochão e músicas para as cerimónias
litúrgicas de Semana Santa. Consta, dêsse album, um hino
composto para a visita de D. Pedro II à cidade de Itú, a 25
de março de 1846, arranjado para grande orquestra! Trago
a campo êste elemento, simplesmente, para atentar-se ao
conceito em que era tido, como músico e compositor, nos
tempos da Província.
A sua primeira composição, datando de 1828, também
se registra nesse album.
Esta veia artística de Miguelzinho transmitiu-se a vá-
1

PROF. ARQUIMEDES DUTRA MIGUELZINHO, SUA VIDA, SUA OBRA


80 81
de família, podendo- ma artístico de Itú, de vez que foi o único a produzir peças
rios dos seus descendentes, pela linha Angelo Dutra, vio¬ referentes à história e ambiente de sua cidade
se citar, dentre êles: o seu filho Miguel e da Pro¬
Miguel Du¬ víncia.
linista; o seu neto e meu saudoso pai Joaquim Du¬ Como artista nacional, foi um desbravador ao
tra, oficleidista e compositor, e o seu bisneto
Benedito introdu¬
zir, nas artes da Província, o gênero realista de
tra, violinista e maestro. fixar pano¬

de Miguelzinho, cederei fotocópias
me pertence
facêta de arte,
Aos estudiosos e interessados por essapáginas, de vêz
dessas
e de cuja relíquia de
ramas de cidades, fachadas de edifícios, recantos urbanos,
paisagens, aspectos de fazendas, cênas de
costumes, tipos
populares, ambientes históricos, etc. E, o fazia
com a pre¬
que êste precioso
Na pintura:
album
família muito me orgulho.
cisão indispensável a êste tipo de pintura

talhes, observando minúcias essenciais do motivo,
o caso de “Venda Grande”, da Revolução de
indicando
como
de¬
é
Sorocaba, de
Autor de vários painéis religiosos. 1842, na qual se vêm as perfurações produzidas
pelas balas
de Itú, enquadra-
Na obra máxima da pintura religiosa época, notabili¬ das tropas imperiais, na parede do prédio, e
“Sítio
se entre os mais destacados mestres dessa clamação da Independência”, de segura indicação da Pro¬
seu quadro “Ressurreição de Lázaro”, exposto histórico, nada se perdendo de vista em tais do local
zando-se pelo cujas virtudes documentos
no altar da Capela do Jazigo do abalizadadedos grandes au¬
Carmo, para que, realmente, pudessem se
constituir em fontes de
muito fala a palavra insuspeita e seguras informações.
tores, críticos. No “Museu Paulista” e no “Museu da
Pintou retratos excelentes, a aquarela eexemplo a óleo, muitos Itú” existe mais de uma centena de desenhosConvençãoe
de
aquarelas,
grande. Alguns, a dos re¬ produzidas por sua mão.
dos quais em tamanho Taques Góes e
tratos do “Capitão-Mór Vicente da Costa e “Antônio José
Com referência a São Paulo diz, Taunay: “São os mais
Aranha”, “Padre Elias do Monte Carmello” antigos documentos pitóricos até hoje divulgados (depois
Veloso”, pertencem ao “Museu da Convenção de Itú”; ou¬ dos de Ender) sôbre os edifícios de São Paulo, numa série
tros, espalham-se, em mãos de particulares de Itú e de ci¬ de vistas assaz numerosas de igrejas e conventos, do paço
o meu prezado ami¬
dades circunvizinhas. Ainda, há pouco, localizou e recuperou pa¬
municipal, do quartel de linha, etc.”
go Prof. Vinício Stein de Campos, Em Itú, dos expostos, relacionados entre panoramas,
retrato a óleo, do Pa¬
ra o património do Estado, um ótimo de Capivarí.
paisagens, retratos, cênas de costumes, tipos populares,
ale¬
dre Fabiano José de Camargo, na cidade gorias e vistas de fazendas, os seguintes:
plas¬
As suas figuras são portadoras de uma excelente como no a) Retratos: Capitão-Mór Vicente da
ticidade, tanto na indicação dos planos de desenho Costa Taques
são elas, Góes e Aranha, Padre Elias do Monte Carmello
modelado das massas, assim como, bem definidas José Veloso; e Antônio
naquilo que diz respeito à fixação do seu caráter
pessoal,
b) Edifícios importantes: Convento
de São
dominante.
de igrejas Seminário de Educandas, Convento do Carmo, Francisco,
Executou decorações em vários interiores compôs e executou Bom Jesus, Santa Casa de Misericórdia, Igreja Igreja do
(Pôrto Feliz, por exemplo) assim como, de Nossa Se¬
cívicas, populares e religiosas, nhora do Patrocínio, Asilo do Padre Pacheco, Colégio e Igre¬
alegorias para cerimónias como bem ja do Bom Conselho, Porta da Capela do Jazigo,
dando a tôdas elas o cunho de sua personalidade,pública, por Capela do Jazigo; Interior da
o atestam: “Arco de Triunfo”, erguido em praça
Para c) Vistas urbanas e paisagens:
ocasião da visita de D. Pedro II a Itú e, “Catafalco de culto à
Panorama de Itú, Lar¬
go da Matriz em 1870, Lavadouro Público,
Missa de 30.° Dia”, montado para as solenidades Pique-Nique da
Antônio Feijó, levadas a efeito a Pedreira, Salto de Itú, Fazenda Venda Grande,
memória do Padre Diogo destas alego¬ Monte Alegre, Salto de Votorantim, Sítio em Fazenda
11 de dezembro de 1843. Estudos aquarelados Pôrto
em museus. Pôrto do Góes, Vista Tomada do Quartel General (da Feliz,
rias, acham-se no panora- lução de 42); Revo¬
Na iconografia, a sua personalidade se isola
PROF. ARQUIMEDES DUTRA MIGUELZ1RHO, SUA VIDA, SUA OBRA 83
82
te deve existir, ainda, como lembrança do passado, uma
d) Costumes e tipos populares: Bandeira do Divino, Santa Rita e uma Nossa Senhora da Assunção, lindas ima¬
Préstito dos Carros de Lenha, Tropeiros, Figuras Populares, gens que ladeavam a Padroeira, no altar-mór, possivelmen¬
Tipos de Rua. te com assinatura do seu autor, na peanha. Os seus bisne¬
Êstes elementos apresentam datas variando entre 1839 tos, pintores Alípio e João Dutra são portadores de uma óti¬
e 1870. ma imagem de Nossa Senhora da Conceição e de um busto
Além dêsses trabalhos de Itú e São Paulo, contam-se de São Paulo (inacabado), enquanto que, em minha casa,
muitos outros em mãos de particulares, reproduzindo vistas conservo cinco bons trabalhos seus: uma Nossa Senhora das
panorâmicas ou recantos de: Mogí das Cruzes, Taubaté, Dores, de roca; um São José, uma Nossa Senhora dos Anjos
Guaratinguetá, Lorena, Arêias, Piracicaba, Limeira, Ara¬ e um Senhor Menino, régio presente que recebi das mãos do
ras, Casa Branca, Pôrto Feliz, Jundiaí, Campinas. À família seu afilhado João Miguel de Siqueira, testemunha ocular
do Dr. Jorge Pacheco e Chaves, em Piracicaba, e a sua da execução dessas obras e, ainda, o Divino Espírito Santo,
Exma. viúva, residente em São Paulo, pertence uma parte do teto do espetacular púlpito da velha Matriz de Santo An¬
dêles.
— De suas aquarelas, muitas foram levadas para Por¬
tugal, destinando-se ao tradicional e mundialmente conhe¬
tônio.
Entalhamento:
cido “Arquivo Pitoresco de Lisboa”. Em sua secção “Belezas Entalhando, Miguelzinho tomou parte na reedificação
de Nossa Terra”, a Gazeta de São Paulo estampou, por vol¬ da Matriz, de Itú, integrando a equipe de artistas respon¬
ta de 1932, vários dêsses documentos, cujas reproduções pre- sáveis pela reabertura do templo. Desenvolvendo um enor¬
vieram daquele Instituto Português. me trabalho, de grande importância no plano da reestrutu-
’■’•s-m’: ração interna da Matriz, projetou e executou os altares la¬
Escultura:
Embora pesquisando, não obtivemos dados reais que terais do corpo da igreja, os púlpitos, as tribunas da nave
pudessem comprovar a atuação de Miguelzinho na obra da principal, as tribunas da Capela-Mór, peças do Altar-Mór,
escultura de imagens da cidade de Itú. como: medalhão do tope, banqueta e urna, peanhas, casti¬
A sua produção, nesta modalidade de arte, se
desenvol¬ çais, floreiras, elementos decorativos, etc. E, o fez de modo
veu em outras cidades do interior paulista, principalmente a não desmerecer as altas qualidades da obra do “celebre
em Piracicaba, onde residia, e de onde partiam as encomen¬ Bartolomeu”, da primitiva Matriz, de 1780. Os desenhos ori¬
Capivarí, Brotas, Araras, Itapira, ginais, de minha propriedade, feitos a bico de pena e a
das recebidas de Limeira, qual guardo nan¬
no seu “Diário de Vida” do quim aguado, todos numerados e de sua exclusiva
etc. tudo registrado 1870 a 1873. Em cepção, são comprovantes dêsse magnífico trabalho, desen¬ con¬
uma parte, contendo o período que vai de
Itapira esteve a serviço profissional na Matriz; em Brotas, volvido no interior daquela Matriz.
esculpiu imagens e realizou obras de entalha, por encomen¬ Recebendo encomendas, planejou e executou trabalhos
da do Padre Francisco de Paula Camargo; em Capivarí exe¬ de entalha, de diferentes tipos e feituras, nas cidades de Pi¬
cutou trabalhos, entre os quais um São Benedicto, de pro¬ racicaba, Limeira, Araras, Itapira, Brotas, Casa Branca,
priedade da família do Padre Fabiano; em Limeira, fez a Pôrto Feliz, além de tudo quanto realizou em São Paulo,
entrega de uma imagem do Senhor Crucificado, etc. nas igrejas do Belém e Penha e no Convento de Santa Te¬
Contudo, é certo que em Itú produziu umas tantas pe¬ reza.
ças de escultura, de pequeno porte, retratando vultos ilus¬ Nas horas de repouso distraia-se, Miguelzinho, fazendo
tres ituanos. Conseguimos localizar uma delas, a que trata miniaturas, modelando coroas, resplendores, espadas, bá¬
do Padre Diogo Antônio Feijó, esculpida em cedro, de bela culos, estrelas e demais complementos para as suas ima¬
plasticidade e bom espírito interpretativo, pertencente à gens ou montando peças de ourivesaria. Destas, algumas
senhora viúva do Dr. Jorge Pacheco e Chaves, domiciliada se distribuem pelas pessoas da família, e, quanto às minia¬
nesta Capital. turas, raras são aquelas que conseguiram chegar até nós,
Em Piracicaba produziu muito boas peças, tôdas traba¬ dada a fragilidade de sua estrutura. A revista “Casa e Jar-
lhadas em cedro e de pequeno porte. Na Igreja da Boa Mor-
84 PROF. ARQUIMEDES DUTRA MIGUELZINHO, SUA VIDA, SUA OBRA 85

dim”, no seu número 63, reproduz uma miniatura de Mi¬ Reverenciando a memória dêsse artista, tronco de uma
guelzinho: “Regente Feijó”, sôbre marfim, pertencente à família de pintores que têm lutado pela arte, seguindo a
coleção do Sr. Dr. Godofredo Wilken, desta Capital, assim tradição, faço minhas as palavras sentimentais de um gran¬
como tenho, também, um minúsculo livro de sua confecção, de amigo e culto conterrâneo, o Dr. Osório de Souza, ende¬
contendo a “Regola e Testamento del Seráfico Padre S. Fran¬ reçadas a êsse mesmo artista, quando fichado o seu nome
cesco”, nele aplicando uma miniatura do Santo de Assis, da no livro dos ciprestes:
qual encontrei apenas uma parte, rompida que foi, a cha¬
pa, pela insignificante espessura do marfim, de base.
Augusto Emilio Zaluar disse, em 1860, depois de exta¬ “Viver sonhando foi a tua sorte,
siar-se ante a obra de Miguelzinho: “Miguel Arcanjo Bení- morrer sorrindo foi a tua morte!
cio da Assunção Dutra é filho de Itú e só veio estabelecer- Si morte pode haver a quem na vida
se em Piracicaba em 1844. Pobre, mas honesto e honrado,
vê-lo-eis na sua infatigável atividade, percorrer as ruas da primaveras semeou de Lúz e de Arte,
cidade no modesto trajo de um homem popular, sem outro estas eternamente irão levar-te
distintivo que o recomende aos seus concidadãos mais do a palheta de auroras guarnecida.”
que a sua fisionomia franca e olhar desassombrado.
As honras e as condecorações, reparte-as o Govêrno pe¬
los que prestam serviços eleitorais e são já bem aquinhoa¬
dos pelos cofres públicos: êste há de morrer obscuro”.
O indiferentísmo que notara nos meios oficiais pelas
coisas do espírito fez com que Zaluar vaticinasse para Be-
nício Dutra o perecimento do seu nome. Felizmente enga¬
nou-se, neste ponto, o ilustre e curioso visitante.
A arte de Miguelzinho e as suas nobres qualidades mo¬ PROJETOS
rais e intelectuais atravessaram os tempos, chegando até
nós com o mesmo brilho, quando se ouve a voz sincera e CONSTRUÇÕES CIVIS
erudita dêsse grande paulista, expoente das nossas tradi¬ CONSTRUÇÕES INDUSTRIAIS
ções e da nossa cultura, que é Afonso de Escragnolle Tau-
nay, dizendo ao velho artista do passado, como que com êle INCORPORAÇÕES
conversando: “ — Benemérito Miguel Dutra, Miguelzinho
como lhe chamavam! Quanto lhe deve a nossa tradição!”
É que, no templo universal do tempo não há favoritis¬
mo, nele se agasalhando por méritos reais, longe das sim¬
patias e do protecionismo de grupos, espíritos conquistado¬
res dos mais altos planos de luz, consequência lógica da sua
destacada atuação no cumprimento dos seus desígnios, jus¬
to prémio conferido àqueles que, fugindo ao castigo das po¬
A I CONSTRUTORA
sições inferiores, souberam se libertar das trevas e da me¬
diocridade espiritual.
<-/\L ADOLPHO LINDENBERG S.A.
R. GENERAL JARDIM, 703 - 6.° E 7.° ANDARES - TEL: 256-0411 (PABX)
O Corpo de Miguelzinho está sepultado no ângulo di¬
reito da nave principal da Igreja da Boa Morte, junto da
Capela-Mór, sem que haja nesse ponto uma lápide sequer,
fazendo lembrar a presença do seu benemérito idealizador.
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GUARUJÁ-BERTIOGA E A LIGHT

Entre o douto Instituto Histórico e Geográfico Guaru-


já-Bertioga e a Light existe afinidade geográfica quanto a
campos de ação. Com efeito, ambas as entidades têm uma
das suas realizações principais localizadas na Baixada San-
tista: o IHGGB a restauração do Forte S. João — primitiva¬

mente de S. Tiago , na Bertioga, e a Light, a usina Hen¬
ry Borden, em Cubatão. Quatro séculos medeiam entre a
origem do Forte que o Instituto repôs em sua feição de pe¬
ríodo de significação máxima e a entrada em operação das
unidades pioneiras da grande hidrelétrica que se constituiu
na matriz energética principal do empolgante progresso da
região paulista servida pela concessionária. O Forte, na opi-:
nião de Mestre Afonso de P. Taunay, constitue o único ves¬
tígio subsistente da era quinhentista em S. Paulo; a Cen¬
tral de Cubatão é marco relevante do desenvolvimento da
dinâmica província bandeirante no século XX. Cada um
representou, a seu tempo, elemento essencial para um mes¬
PROCURE CONHECER O NOSSO
mo fim: a constituição de uma grande Nação — hoje com
tôdas as condições para aspirar, em curto prazo, o “status”
CRÉDITO DIRETO AO CONSUMIDOR de Potência de Primeiro Plano. E em campos diversos, mas
voltados para um mesmo fim, evolveram as duas entidades.
No terreno cultural, o Instituto, após restaurar o forte que
teve como artilheiro ao famoso Hans Staden, nêle criou o
e faça suas compras no museu João Ramalho, e, a seguir, o museu Bartolomeu Bue¬
no da Silva, em Santana de Parnaíba, e, ainda, agora, tra¬
melhor plano de financiamento: balha na adaptação do prédio da Cadeia Velha de Santos,
prazo maior e taxas menores. para nêle instalar o Museu dos Andradas. Organizou, na
Capital, ciclos memoráveis de conferências sôbre História
Vá a qualquer uma das nossas agências e de Arte e Museus Brasileiros, além de um rol inumerável
de outras louváveis iniciativas culturais.
comprove. Há sempre uma agência do Banespa No campo de produção de energia, a Light construiu
próxima da sua casa ou do seu trabalho.
na região de atuação que é
coincidente com a do IHGGB
—— reitero— geográficamente
a parte maior de seu vul¬
toso sistema gerador e distribuidor de energia que, hoje,
atende, entregando mais de 1100 kWh/ano por habitante,
a uma população de mais de 15 milhões de habitantes de
BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO 93 municípios paulistas (incluindo a Capital), fluminenses
e mineiros e do Estado da Guanabara, dando, assim, a êsse
imenso contingente demográfico, no atinente a energia elé-
Fique na sua.
88 GUARVJÁ-BERTIOGA E A LIGHT

trica, condições equivalentes às das regiões de vanguarda no


progresso do Mundo.
E a gente infatigável que nas realizações do Instituto
Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga vai, como estímu¬
lo cívico, colher ensinamentos em seu nobre passado, vem,
ao ritmo estugado da tarefa de pleno desenvolvimento, es¬
crevendo uma nova e empolgante história, tendo como com¬
ponente dinamizadora a energia elétrica (sempre mais pre¬
Guaraná ANTARCTICA
sente pelo vertiginoso evolver da tecnologia moderna) e
obrigando a Light a multiplicar suas atividades para man-
ter-se fiel a uma tradição de bem servir que remonta aos
primeiros dias dêste século, que viu S. Paulo, de uma tran¬
quila cidade de 250.000 habitantes, transmudar-se na Me¬
trópole estuante que, com mais de 6.000.000 de indivíduos,
se inscreveu entre as cinco maiores concentrações urbanas
do Orbe, e, além disso, se tornou o centro da constelação de
municípios que insere o maior complexo industrial do He¬
misfério Sul.

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