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GUARUJÁ - BERTIOGA
ANO I 19 6 9 N.° 1
APRESENTAÇÃO
———
realizado no salão nobre da Faculdade de Direito, da Univer¬ 2.o presidente Sr. Herminio Lunardelli
Secretário-geral Sr. Celso Corrêa Dias
sidade de São Paulo, Largo São Francisco. l.o secretário Sr. Licinio Silva Filho
CONSELHO DA MEDALHA
Embaixador Ernesto de M. Leme Sr. Manoel Chambers de Souza
Sr. Eldino da Fonseca Brancante Dr. Pedro de Oliveira R. Neto'
Ministro Jose Romeu Ferraz D.a Rita Lebre de M. Corrêa Dias
desta terra produziu: Alcantara Machado, quando teve a bri¬ arquitetura e sem escultura que os portuguêses encontraram,
lhante audácia de declarar num momento amargo da vida favorecia a importação da arte metropolitana sem compro¬
de São Paulo, que paulista era de quatrocentos anos. misso com o meio regional. Não tivemos, como o Peru e o
Também sou baiano da mesma idade e talvez esta cir¬ México, como a América Central, com aquela misteriosa e
cunstância, que não é vanglória mas respossabilidade, me florida civilização dos maias, uma cultura aborigena sôbre a
tenha dado, no início da minha carreira, o gôsto dos estudos qual o espirito experiente, e inventivo da Europa construísse
históricos e, no meio dêles, da nossa velha arte. os seus projetos estéticos. O Brasil, quando foi revelado e
Aqui falo com a escassa autoridade de quem desde os investido pelos portuguêses, carecia de manifestações artís¬
primeiros tempos de sua vida estudiosa, analisa com amor as ticas que fossem por êles aproveitadas. Tudo vem da Euro¬
relíquias nacionais. Trago, portanto, a esta tribuna ilustre é
que Mestre Ernesto Leme inclementemente lembrava que foi pa. A arte no Brasil, antes portanto de ser arte brasileira,
a arte portuguêsa, instalando-se com a suavidade cautelosa
a tribuna a que uma vez subiu Castro Alves, a mensagem de
um grupo de espíritos, os que neste pais propugnamos pela do missionário ou com o ímpeto rompante do bandeirante
preservação do nosso partimônio histórico e artístico de pro¬ nestas verdes terras, onde as tribos esquivas dos seus donos
testo e de esperança. Esperança de que a educação do povo verdadeiros não tinham modificado em cidades que fôssem
vá salvando ao longo do território da pátria quanto lembra limitadas como aquelas admiráveis cidades de grossa pedra
o passado e deve ser preservado do impiedoso camartelo do dos incas do Peru, ou culturas invejáveis como as culturas
progresso. Responsável por muita demolição injustificável, astecas do México pré-colombiano.
por muita criminosa omissão das autênticas glórias do senti¬ Tudo começa, portanto, em português, de portuguêses
mento artístico do Brasil. para portuguêses. A arte no Brasil no século XVI é um ca¬
pítulo de história modesta da arte peninsular. Com esta,
E protesto, por tudo isto que nos faz prantear Jeremias portanto, metodicamente, é que devemos começar uma in¬
tardio sôbre os muros abatidos de uma Jerusalém ideal, a
cursão pesquisadora nos domínios da nossa arte — tradicio¬
devastação que passou sôbre a nossa paisagem histórica e em
virtude da qual debalde procuramos no horizonte das nossas
cidades que se transformam, o perfil amável daqueles san¬
nal. Arte portuguêsa — também é preciso que se acrescente
prefácio cronológico da arte brasileira. Tem de ser aprecia¬
da na decomposição regional das suas expressões próprias,
tuários remotos que abençoaram as gerações primitivas, à ou seja, temos de deixar de lado a que florescia ao tempo
sombra civil, religiosa, militar daquelas construções formi¬ Del Rei D. Manuel, “O Venturoso”. Aquele gótico retarda¬
dáveis que foram uma vez o antemural defendendo a inte¬ do e rebarbativo que um, brasileiro, paulista, Francisco Adol¬
gridade do Brasil. fo de Varnhagen batizou, criando a palavra de estilo ma
Êste curso com isto se reveste de um civismo desenga¬
nado, porque se insere num programa cultural e educativo
noelino. Um gótico manoelino que deriva numa sucessão
que estava tardando nesta terra. Aqui estou, portanto, antes imediato do gótico inglês, do Mosteiro da Batalha, que é uma
superposição de estéticas, indicando aliança da Casa de Aviz
de mais nada, para agradecer. Agradeço o convite e também com a Casa de Lencaster, à roda da Batalha de Aljubarrota,
a campanha; agradeço a bondade da acolhida e também o
esse gótico ficou à margem do espírito artístico português
estímulo da iniciativa: agradeço a lição que recebo antes de como uma floração episódica, meramente alegérica, um' es¬
dar; a lição de patriotismo otimista e reivindicante que cons¬ tilo monumental que nada tinha com a índole estética, com
titui a revisão da história da arte brasileira. E entro no as¬ os sentimentos próprios do povo português, cuja expressão
sunto . artística, predominante em linha reta, que liga as primeiras
As origens da nossa arte : pergunta que poderia transfor¬ manifestações artísticas do Norte de Portugal ao barroco.
mar numa consulta. De quando data, afinal, uma arte brasi¬ Aquêle humilde estilo românico das capelas do Norte do País
leira? Circunstância negativa e peculiar ao nosso caso, não ti¬ estilo com o qual começa a História do Brasil, foi o estilo ro¬
vemos uma pré-história artística predetermiante de estilos que mânico que, já no século XII produzia pequenos templos,
fossem, depois, estilos brasileiros. Ao contrário de outras
culturas latino-americanas, a do índio nómade, pobre, sem
aconchegados de familiares, cujos frontãos
que profecia à nossa igreja colonial.
— singelam, como
8 PROFESSOR PEDRO CALM ON A arte no brasil e suas origens 9
Mas, o descobrimento do Brasil coincide com uma épo¬ adjetivo que é excessivo, porque brasileiro realmente não era,
ca de crise em que, por tôda a Europa, o estilo gótico, ga¬ mas o primeiro construtor que traz ao Brasil uma forma ar¬
nhando então êste nome que é um depreciativo, cede lugar quitetônica destinada a fixar-se como exemplo, foi um Ir¬
ao neo-clássico, ou seja, à Renascença: mão leigo da Companhia de Jesus, chamado “O irmão Fran¬
cisco Dias”. Construiu êle a capela do Colégio de Olinda,
O Brasil abre os olhos para a cultura universal, em ple¬ em Pernambuco, que ainda hoje existe a figura numa tela
no período da redescoberta e revalorização do antigo, do
grego-rom(ano, do arco inteiro, da abóbada, das colunas clás¬ admiràvelmente descritiva de FRANZ POST, capela esta que
história, é a primeira do seu gênero no país. Caracterizada pela fa¬
sicas e das quatro ordens . 0 Brasil madruga para a
num período em que as construções obedeciam ao novo gôsto chada em empena, faceada por colunas embutidas que, por
artístico de Francisco da Holanda, em nome Del Rei D . João sua humildade, carecem de capital e se encrustam na alve¬
disciplinado logo naria daquela fachada singela, uma larga porta dando no¬
III que fôra estudar em Roma, estilo êste damos, im¬ breza ao conspecto da construção, e a tôrre do campanário
em seguida pelo Concílio de Trento e que aqui
estilo barroco jesuítico. isolada, uma grossa tôrre recordando as mensagens dos cas¬
perfeitamente, o nome de telos medievais tinham igualmente o objetivo defensivo, e
Não há, por isto, no Brasil, nenhuma manifestação artís¬ um interior desafogado, de acordo com cânon do Concí¬
tica que lembre aquele manoelino ocasional do Mosteiro da lio de Trento. Adotado pelos jesuítas e que Vignola tam-
Batalha, da Tôrre de Belém e do Convento dos Jerônimos ou
da Misericórdia Velha de Lisboa. É singular isto, se a colo¬ bém interpretou na planta da igreja de Jesus de Roma, ou
seja, de maneira que tivesse o público o maior espaço dispo¬
nização brasileira se tivesse antecipado a Martim Afonso de nível em tôrno do púlpito, pois a voz de Cristo era pela
Sousa- inevitàvelmente haveria, neste país e, quem sabe, aos contra-reforma convocada pela oratória dos padres para
cuidados do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Ber- marcar a nova ênfase da religião militante, o altar-mor era
tióga, restos góticos de uma arquitetura de transição, trans¬ separado da nave pelo arco do transepto, um grande arco ro¬
portada para o nosso país pelos mesmos artífices daqueles mano e o altar sem profundidade, não lembrando, portanto,
monumentos manoelinos . aqueles altares das basílicas e das catedrais rodeados por
A tôrre de Belém é de 1502. Quando morreu D. Manoel um anel de pequenas capelas, que na planta cabalística das
em 1521, ainda estava em construção a igreja de Santa Maria catedrais góticas lembrava ou recordava os espinhos da co¬
de Belém dos Jerônimos. A Misericórdia Velha é da época
de D. João II, quer dizer, o estilo cortesão e oficial da côrte roa de martírios de Nosso Senhor.
do Rei, em cujo reinado Pedro Alvares Cabral descobriu o O padre Cristovão de Gouveia, Superior dos jesuítas,
Brasil, era o estilo gótico manoelino. determinou em carta aos vários colégios (descoberta pelo
Em 1634, constrói-se em Portugal o primeiro monumen¬ padre Serafim Leite, incluída na sua monumental História
to autêntico e revolucionàriamente renascente, ou seja, cal¬ da Companhia de Jesus, no Brasil) que fôsse o desenho do
cado nos modelos miguelangelescos, raf aelescos, de São Pedro Irmão Francisco Dias respeitado na construção das demais
de Roma. É o pátio do Convento da Ordem de Cristo de capelas, tendo em vista e, abro um parêntese para lembrar
Thomar, por onde se inicia a propagação do neo-clásslico a
que os jesuítas dão uma interpretação austera, pobre, triste,
apostólica ou missionária, criando a arte místico-civil dos
seus colégas e das suas capelas.
de arte no Brasil
—
que ai porventura nasce um conceito regional e autónomo
tendo em vista a desejada uniformidade
das construções jesuíticas. Vem daí, dêsse sentido de ana¬
logia, dessa limitação canónica, daquela simplicidade mis¬
Em 1531, quando aporta Martim Afonso a S. Vicente, sionária que era a primeira interpretação da arquitetura re¬
não traz êle, evidentemente, arquitetos capazes de construir ligiosa, segundo as austeras normas do Concílio de Trento,
monumentos. Os que vêm fazer os primeiros edifícios, que o jeito que toma no Brasil essa arquitetura eclesiástica e por
iniciam a armação de estrutura urbana dêste Brasil nascente, isso se parecem, no primeiro século, tôdas as igrejas; que
já se ressentem da influência do Concílio de Trento, que é tôdas têm o mesmo frontão em empena, a mesma grande
de 1547. Já trazem a mensagem da religião e da contra-refor- porta central, a pequena janela substituindo a rosácea góti¬
ma. O primeiro arquiteto brasileiro, pedindo excusas pelo ca e a grossa tôrre sineira, que vale também como tôrre de
8 PROFESSOR PEDRO CALMON A arte no brasil e suas origens 9
Mas, o descobrimento do Brasil coincide com uma épo¬ adjetivo que é excessivo, porque brasileiro realmente não era,
ca de crise em que, por tôda a Europa, o estilo gótico, ga¬ mas o primeiro construtor que traz ao Brasil uma forma ar¬
nhando então êste nome que é um depreciativo, cede lugar quitetônica destinada a fixar-se como exemplo, foi um Ir¬
ao neo-clàssico, ou seja, à Renascença: mão leigo da Companhia de Jesus, chamado “O irmão Fran¬
cisco Dias”. Construiu êle a capela do Colégio de Olinda,
O Brasil abre os olhos para a cultura universal, em ple¬ em Pernambuco, que ainda hoje existe a figura numa tela
no período da redescoberta e revalorização do antigo, do
grego-rom(ano, do arco inteiro, da abóbada, das colunas clás¬ admiràvelmente descritiva de FRANZ POST, capela esta que
história, é a primeira do seu gênero no país. Caracterizada pela fa¬
sicas e das quatro ordens. 0 Brasil madruga para a
num período em que as construções obedeciam ao novo gôsto chada em empena, faceada por colunas embutidas que, por
artístico de Francisco da Holanda, em nome Del Rei D . João sua humildade, carecem de capital e se encrustam na alve¬
disciplinado logo naria daquela fachada singela, uma larga porta dando no¬
III que fôra estudar em Roma, estilo êste damos, im¬ breza ao conspecto da construção, e a tôrre do campanário
em seguida pelo Concílio de Trento e que aqui
estilo barroco jesuítico. isolada, uma grossa tôrre recordando as mensagens dos cas¬
perfeitamente, o nome de telos medievais tinham igualmente o objetivo defensivo, e
Não há, por isto, no Brasil, nenhuma manifestação artís¬
tica que lembre aquele manoelino ocasional do Mosteiro da
um interior desafogado, de acordo com cânon do Concí¬
lio de Trento. Adotado pelos jesuítas e que Vignola tam¬
Batalha, da Tôrre de Belém e do Convento dos Jerônimos ou
da Misericórdia Velha de Lisboa. É singular isto, se a colo¬
bém interpretou na planta da igreja de Jesus de Roma, ou
seja, de maneira que tivesse o público o maior espaço dispo¬
nização brasileira se tivesse antecipado a Martim Afonso de nível em tôrno do púlpito, pois a voz de Cristo era pela
Sousa, inevitavelmente haveria, neste país e, quem sabe, aos
cuidados do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Ber- contra-reforma convocada pela oratória dos padres para
tióga, restos góticos de uma arquitetura de transição, trans¬ marcar a nova ênfase da religião militante, o altar-mor era
’separado da nave pelo arco do transepto, um grande arco ro¬
portada para o nosso país pelos mesmos artífices daqueles mano e o altar sem profundidade, não lembrando, portanto,
monumentos manoelinos . aqueles altares das basílicas e das catedrais rodeados por
A tôrre de Belém é de 1502. Quando morreu D. Manoel um anel de pequenas capelas, que na planta cabalística das
em 1521, ainda estava em construção a igreja de Santa Maria catedrais góticas lembrava ou recordava os espinhos da co¬
de Belém dos Jerônimos. A Misericórdia Velha é da época
de D. João II, quer dizer, o estilo cortesão e oficial da côrte roa de martírios de Nosso Senhor.
do Rei, em cujo reinado Pedro Álvares Cabral descobriu o O padre Cristovão de Gouveia, Superior dos jesuítas,
Brasil, era o estilo gótico manoelino. determinou em carta aos vários colégios (descoberta pelo
Em 1634, constrói-se em Portugal o primeiro monumen¬ padre Serafim Leite, incluída na sua monumental História
to autêntico e revolucionàriamente renascente, ou seja, cal¬ da Companhia de Jesus, no Brasil) que fôsse o desenho do
cado nos modelos miguelangelescos, rafaelescos, de São Pedro Irmão Francisco Dias respeitado na construção das demais
de Roma. É o pátio do Convento da Ordem de Cristo de capelas, tendo em vista e, abro um parêntese para lembrar
Thomar, por onde se inicia a propagação do neo-clásslico a
que. os jesuítas dão uma interpretação austera, pobre, triste,
apostólica ou missionária, criando a arte místico-civil dos
seus colégas e das suas capelas .
de arte no Brasil
—
que aí porventura nasce um conceito regional e autónomo
tendo em vista a desejada uniformidade
das construções jesuíticas. Vem daí, dêsse sentido de ana¬
logia, dessa limitação canónica, daquela simplicidade mis¬
Em 1531, quando aporta Martim Afonso a S. Vicente, sionária que era a primeira interpretação da arquitetura re¬
não traz êle, evidentemente, arquitetos capazes de construir ligiosa, segundo as austeras normas do Concílio de Trento,
monumentos. Os que vêm fazer os primeiros edifícios, que o jeito que toma no Brasil essa arquitetura eclesiástica e por
iniciam a armação de estrutura urbana dêste Brasil nascente, isso se parecem, no primeiro século, tôdas as igrejas; que
já se ressentem da influência do Concílio de Trento, que é tôdas têm o mesmo frontão em empena, a mesma grande
de 1547. Já trazem a mensagem da religião e da contra-refor- porta central, a pequena janela substituindo a rosácea góti¬
ma. O primeiro arquiteto brasileiro, pedindo excusas pelo ca e a grossa tôrre sineira, que vale também como tôrre de
10 PROFESSOR PEDRO CALMON A ARTE NO BRASIL E SUAS ORIGENS 11
menágio, de refúgio em caso de ataque, como tantas vêzes mundo, tanto pelo seu exterior como pela sua arrumação in¬
sucedeu em São Paulo. Aí temos, portanto, surgindo, o es¬ terna.
tilo jesuítico pré-barrôco. Observe-se que estamos no século Fui a Cuzco, no Peru e, antes que me dissessem, apontei
XVI e pouco mais se conhece da arte nesta época, até que um templo admirável que lá existe, dizendo: ali está a Igreja
três correntes estéticas se inserem nesses primórdios de uma da Companhia. Perguntaram-me, “mas como sabia o Senhor
estética endereçada ao Brasil. A corrente que o chamaria que era a igreja dos jesuítas, se há outras igrejas monumentais
beneditina, a corrente que pode classificar-se de franciscana que podiam também ser tidas por tais?” Respondi: “é muito
e a corrente civil-militar patrocinada por engenheiros, sobre¬ simples, ela imita de uma maneira impressionante o traço de
tudo engenheiros militares portuguêses e que vêm ao Brasil Felipe Tersi, o grande arquiteto italiano, discípulo de Vignola,
edificar as fortalezas, as igrejas-catedrais e os solares ou autor do projeto de São Vicente de Fora, em Lisboa, e cujo
paços onde se hospeda a autoridade. Refiro-me a essas três risco serviu para a igreja dos jesuítas de Santarém, que se
correntes, para fugir ao equívoco em que incidem de ordi¬ repete, de uma maneira impressionante, na igreja dos jesuí¬
nário os historiadores da nossa arte: o equívoco da simplifi¬ tas da Bahia, hoje Sé Catedral.” Mas, êsse tipo> monumental
cação. Acham êles que, um perfeito estilo jesuítico jesuítico já pertence ao século seguinte. No primeiro, o tipo
barroco congloba tôdas as manifestações da arte pri¬ perfeito- exemplar e que serve de norma para imitação em
mitiva >e não vêm que paralelamente aos mestres cons¬ série foi a igreja dos jesuítas de São Sebastião, do Rio de Ja¬
trutores da Companhia de Jesus (cujo grande modêlo foi a neiro. Tive ocasião de confrontar-lhe a fotografia, pois essa
igreja do Espírito Santo de Évora e não como se julgava até igreja foi arrasada quando se demonstrou a colina onde ela
há pouco, a Igreja de S. Roque de Lisboa) se elaboraram
outras correntes ou outros movimentos artísticos cuja auto¬
ponteava
— com a capela do Irmão Francisco em Olinda.
São parentes próximos. Percebe-se o ar de família que as
nomia podemos observar, comparando-os, como por exemplo, aproxima. Pertencem ao mesmo sentido construtivo e voca¬
em relação aos franciscanos, êsses pequenos conventos rurais cional. As igrejas jesuíticas do século XVI têm uma delicio¬
espalhados pelo Brasil inteiro, em relação aos beneditinos, as sa pobreza exterior, pobreza esta que talvez, repito, derive
suas formidáveis abadias, e em relação à arquitetura civil e intuição da felicidade bucólica da tranquilidade rural das
militar, os palácios de govêrno, os baluartes e fortins e as nos¬ populações minhotas contemporâneas daquelas pequena^
sas maiores igrejas do tipo da Igreja da Cruz dos Militares, capelas românicas do século XII, do século XIV, do tempo
da Igreja da Candelária, do Rio de Janeiro. em que a Ordem do Cluny de São Bernardo missionava por
Com efeito, a arte jesuítica tinha o compromisso do en¬ Portugal, exatamente como depois os jesuítas pelo Brasil.
sino; levava consigo um programa de expansão e de conquista No interior, porém, já o estilo transige com as exigências
tanto espiritual como territorial. Os colégios dos padres não do gôsto italiano que invade a arte peninsular. Portugal no
se assemelham aos conventos das ordens contemplativas ou século XVII deixa-se avassalar pelo neo-clássico . Êste neo¬
predicantes. O colégio da Companhia distingue-se por aquilo clássico encontra um campo maravilhoso de fertilidade cria¬
que poderíamos chamar o seu funcionalismo. Realmente, o dora que é o barroco, e êste barroco, transportado para o
colégio — e já no século XVI tem esta forma, o da Bahia
era um vasto quadrilátero sem preocupação de beleza externa,
— Brasil, inspira a primeira manifestação nativa de gênio ar¬
tístico, que é o florido da nossa escultura religiosa, escultura
que, em comunhão com a arquitetura jesuítica, compõe o
virtuosamente limpo de qualquer adorno, em que sobressai
a sinceridade do material utilizado. Prêsa àquela construção primeiro quadro nitidamente brasileiro da nossa arte, isto,
acachapada e ampla, há uma igreja que ali ficara ao lado, à porém, no século XVII.
semelhança do Colégio de São Paulo, que é um tipo ortodoxo No século XVII amanhece, por outro lado, o gôsto ou
dêsse estilo, igreja esta externamente parecida com tôdas as a forma beneditina que tem como monumento máximo, ao
igrejas jesuíticas.
É uma regra em história da arte que as corporações con¬
seu tempo, um convento da Bahia. Obra
provado — — já isto está hoje
de um português, Frei Bernardo de Brito, que
seguem identificar-se através da mesma gramática estilística. escreveu — saibam os estudantes de arquitetura o primeiro
Conhece-se uma igreja jesuítica do século XVII em todo o compêndio desta arte no Brasil, segundo as lições de Sércio
A ARTE NO BRASIL E SUAS ORIGENS 13
12 PROFESSOR PEDRO CALMON
ridica e duradoura. Devo evocar o contraste das formas na campo religioso, numa época em —
que a igreja era tudo.
evolução cronológica dos estilos. Primeiro, no século XVI, a Era o batistério, era o altar dos casamentos e era a sepultura
miuda igreja do Colégio de Olinda, do Irmão Francisco Dias, dos defuntos, tornando-se, com isto, um núcleo social por
casa santuário, cuja família artística pertence a saudosa excelência daquelas localidades em tôrno do templo. De¬
igreja do Colégio de São Paulo onde o sino bandeirante senvolvia a sua vida incipiente e modesta até que, em pleno
convocou tantas vêzes o povo desta bravia terra para século XVII, uma fidalguia pretensiosa que se forma no re¬
as reuniões conciliais em que eram debatidos os interês- côncavo açucareiro, ou então, a primeira prata trazida pelos
ses e os problemas da terra pequena que se tornou, bandeirantes que vão até as possesões espanholas dêste he¬
depois, a grande terra paulista. As abadias e os con¬ misfério, transportam para as cidades que se desenvolvem,
ventos beneditinos e franciscanos, conventos formidáveis, ece- elementos artísticos que as configuram de acôrdo com mo¬
nóbios modestos, com a sua suntuosidade específica, o con¬ delos mais pretensiosos e ilustres. Oxalá não percamos de
vento de freiras, que tem de ser apreciado na “História da vista êste passado e possamos, através desta revisão da nossa
Arte Brasileira”, como um valor à parte: o de Santa Clara arte, reencontrar um Brasil que por aí anda, pulverizado,
do Destêrro, da Bahia. E os solares, tanto os palácios de depreciado e esquecido . O Brasil que, evidentemente, é mui¬
govêrno, já na época em que a repulsa ao invasor dera o es¬ to diferente do nosso; que era humilde e vago Brasil portu¬
tímulo próprio à construção portuguesa no Brasil, os sobrados guês do tempo daquelas igrejas, daqueles solares, daquelas
as casas grandes dos engenhos e das fazendas. Nos quais se vai fortalezas, mas sem o qual não podemos conceber a nossa
perdendo de vista a influência no modêlo mjetropoliatno e se civilização de hoje. Deus permita —
e é a conclusão des¬
vão criando formas e se vão estabelecendo soluções e se vão tas palavras de fé e de confiança —
que tais monumentos
indicativos da evolução nacional, continuem preservados pe¬
construindo modelos que têm a essência do meio em que per¬
—
tencem e do tempo em que se situam. Aquelas casas tristes lo carinho previdente das orações, porque, apagando-se da
de rótulas como ainda as há nas ladeiras vetustas de Olin¬ superfície da pátria êsses vestígios da nossa evolução, tería¬
da, em Pernambuco — essa ameaçada Olinda onde amanhe¬
ceu a civilização, e os grandes solares como o solar
mos como que abalado as raizes materiais da nacionalidade,
que estão naquele Forte que guarda, com as suas guaritas
do Saldanha, na Bahia. — de D. Antonio de Saldanha, an¬
tepassado dos condes da Ponte, um dos, poucos solares he-
desertas, o nosso vasto litoral. Naqueles solares que lem¬
bram a altivez das gerações agressivas que ajudaram a de¬
ràldicamente brasonados do Brasil seiscentita — de janelas
gradeadas. Alto portal do tipo daquelas portas altas a que
fender o pátrio torrão e as igrejas em cujos — altares cheios
de ouro e floridos e refloridos pela arte imaginosa daqueles
aludiu num dos seus sermões, o Padre Antonio Vieira, de¬ maravilhosos escultores, os nossos antepassados pediam, com
monstrando que a sociedade enriquecia, que artistas euro¬ a virtude das almas puras de outrora, felicidade e paz para
peus traziam para o Brasil a sua técnica e aqui formavam os a nossa gente e a nossa terra.
seus discípulos. Que, todavia fracos no desenho daqueles
edifícios clássicos, eram admiráveis no tratamento da ma¬
deira, na escultura dos interiores barrocos, naquela enge¬
nhosa valorização de uma arte que mobilizava tôdas as ener¬
gias inesperadas e fecundas do talento criador. Até que a
nmis velha dessas artes surge tardia; entretanto, surge expe¬
rimentando o seu campo de atividade ainda sem traço de
brasileirismo ; a pintura. A pintura que só se desenvolve
com tectos aposi o atiepulum no principio do século XVIII,
que tudo isto forma a escala evolutiva de uma arte, em
cujos traços podemos observar o desenvolvimento dos cos¬
tumes, a emancipação da sociedade que se vai despojando
—
da timidez inicial. A riqueza que se distribui sobretudo no
I MAGENS PAULISTAS NO SÉCULO XVII 25
Não foram só as ricas coleções de prataria e de jóias sar de nada constar a respeito, diz-nos o instinto que essa é
pertencentes ao Museu da Cúria Metropolitana de São Paulo, a mais antiga das três imagens, pelo menos a mais primitiva
oriundos das igrejas coloniais do nosso Estado, que testemu¬ e ingénua na forma, revelando certa inexperiência do ima¬
nharam o alto nível de arte em Piratininga na era colonial. ginário no emprêgo da argila paulista. A cabeça do Santo
Sem nos referirmos à prata das custódias, das pixides, dos está bem modelada, assim como as mãos, mas o Menino Je¬
relicários, das bandejas e bacias, das banquetas de altar ou sus que estas carregam é diminuto e o hábito esculpido na
das inúmeras e enormes lâmpadas de ólio, ou às coroas e imagem, feito com simplicidade, recobre um corpo de anato¬
jóias de ouro, esculpidas em São Paulo desde o Século XVI, mia algo estranha. Supomos que na prisão João Gonçalo
para as suas igrejas e capelas particulares, a arte paulista da Fernandes esculpiu o Santo Antonio e à vista dessa imagem
escultura sobressaia naquela imponente exposição, não ape¬ é que lhe foram encomendadas as duas Virgens.
nas pela quantidade como principalmente pela qualidade e Na Sacristia da mesma Matriz de São Vicente há um São
pela antiguidade da imaginária exposta, provando que a Braz, de barro cozido e policromado, com' cêrca de 79 cms.
São Paulo pertence a primazia, no Brasil, do sucesso nêsse de altura, da primitiva igreja, contemporâneo das imagens
elevado ramo de cultura humana . De fato, do litoral paulis¬ acima descritas de Nossa Senhora e Santo Antonio, que dá
ta, de Itanhaem e São Vicente, eram as duas mais antigas o que pensar. De postura hierática e gôsto românico, com
imagens dessa exposição. Nossa Senhora da Conceição e com certo mediavalismo, apesar de ser autor desconhecido,
Nossa Senhora do Rosário, ambas de 1560, de barro cozido e essa imagem, tem o rosto e as mãos muito parecidas com. os
policromado, feitas pelo ceramista João Gonçalo Fernandes que fazia Mestre João Gonçalo Fernandes, podendo-se-lhe
(Fotos 2 e 3 Departamento de Documentação da Univer¬ atribuir, ou a um seu discípulo, a autoria dessa peça.
sidade de São Paulo) . Fato curioso é que os nomes dessas Cabe aqui uma anotação que talvez possa vir a esclare¬
duas imagens de Nossa Senhora permanecem trocados desde cer a origem dêsse Mestre que deve ter aprendido em) Portu¬
o Século XVI, quando, por engano, foi remetida a imagem da gal a fôrça de sua arte. Pela forma das figuras de pouca
Virgem do Rosário para Itanhaem e a da Virgem da Con¬ estatura, pela posição dos braços e das mãos pouco salientes,
ceição para a Igreja de São Vicente, sendo certo que a pa¬ pelo tratamento dos cabelos, da bôca pequena e expressiva,
droeira de Itanhaem, decantada nos doces versos de Anchie¬ dos olhos de pálpebras pesadas, pelo movimento incerto das
ta, é Nossa Senhora da Conceição. Por dificuldade de trans¬ pregas dos mantos das suas imagens, poderia João Gonçalo
porte não se desfez na época a atrapalhação; por questão de Fernandes ser filiado à Escola salaico-Biscainha do Norte de
rivalidade entre as vilas não se acertaram os oragos depois. Portugal, de influência gótica importada por biscainhos e
E até hoje as imagens, perfeitamente reconhecíveis em seus galegos, que deixou a sua marca em princípios do Século
tributos, têm a denominação errada. Artisticamente as duas XVI, em Caminha, em Vila do Conde, em Viana do Castelo,
estátuas se equivalem, bem, como em tamanho, em fôrça e em Braga. Teria sido aluno de João de Ruão, de cujas Vir¬
em tradição milagrosa. A que está em São Vicente tem 108 gens e Santas tirou a expressão das imagens que nos deixou
cms. de altura, a de Itanhaem 110 cms. Ambas estavam de herança? Teria visto o Santo Antonio de Covões, dêsse
muito repintadas quando foram expostas no Rio de Janeiro, mestre, de 1558, que tem a mesma posição e as mesmas des¬
e fotografadas, mas hoje aparecem nas suas Igrejas com a proporções do seu Santo Antonio de São Vicente? Sendo
sua bela policromia primitiva, livres das sucessivas e inha- certo que nessa região portuguêsa, na época, não se esculpia
beis camadas, de tinta que as desfiguraram. em barro, mas sim em madeira e principalmente em pedra,
Dé João Gonçalo Fernandes só se sabe que veio da Bahia teria João Gonçalo Fernandes encontrado certa dificuldade
em meados do Século XVI, constando que estava prêso por no trato do barro para esculpir em São Vicente, conseguindo
motivos políticos na Cadeia de Itanhaem, quando lhe foram afinal dominar a matéria nas últimas imagens que fez. São
encomendadas as imagens. De sua autoria conhecida é a ima¬ hipóteses plausíveis, que aqui consignamos como contribui¬
gem de Santo Antonio,também de barro cozido, quase em ção modesta em homenagem ao primeiro mestre da cerâmi¬
tamanho natural, que está na Matriz de São Vicente, no Es¬ ca religiosa no Brasil, gloriosamente florescida na Capitania
tado de São Paulo, logo à entrada da porta da direita. Ape¬ de Martim Afonso.
28 PEDRO DE OLIVEIRA RIBEIRO NETO IMAGENS PAULISTAS NO SÉCULO XVII 29
Da mesma época dessas imagens, contemporânea da Roberto, Maria José Botelho Egas, Darci Penteado, Reinaldo
fundação da cidade de Santos, é a escultura de Santa Cata¬ Bairão, Octales Marcondes, Eldino de Fonseca Brancante,
rina da Alexandria, que se encontra guardada na Catedral Paulo Mendes de Almeida, Stanislaw Herstal e na minha
santista, e qne foi identificada por Don Paulo de Tarso, anti¬
muito modesta coleção.
go Bispo de Santos, como sendo a imagem principal da igre¬
ja jesuítica do Outeiro de Santa Catarina. Essa imagem, com
Logo da primeira década do Século XVII ou talvez
cêrca de um metro de altura, de barro paulista, é muito se¬ mesmo de fins do século anterior é a notável imagem de
Nossa Senhora do Destêrro, de barro cozido e policromado,
melhante, na escultura, às das Virgens de João Gonçalo com 125 cms. de altura, de uma dessas coleções que figurou
Fernandes, e precisa ser limpa das inúmeras camadas de
tinta que a desfiguram, estando até com uma das mãos pin¬
em inventário de 1608, o que prova que já naquela época era
considerada objeto precioso (Foto III) . O chapéu de pere¬
tada de purpurina prateada. grina, de cerâmica, que tem pendurado às costas por um
Se as obras de arte do primeiro1 século de nossa coloni¬ cordão esculpido, é quinhentista e quinhentistas o feitio e o
zação podem ser contados a dedo, o mesmo não acontece em pregueamento do vestido. O barro de que foi feito é claro
São Paulo, no século seguinte, quando os mamelucos já to¬ e limpo, parecendo-nos dos arredores de São Paulo, mas a
rnavam conhecimento da nacionalidade e começavam a fi¬ forma do cozimento da peça dividida em secções horizontais
xar-se em fazendas, arraiais e vilas pelo interior da capita¬ que eram soldadas depois de cozidas, e a forma do trabalho
nia. escultorial denotam artistas provàvelmente português ou es¬
Na exposição promovida pelo Instituto Histórico e Geo¬ panhol. Da mesma procedência e coleção, talvez do mesmo
gráfico de São Paulo, em 1954, havia seis imagens primitivas mestre é o fragmento de Cristo da Cana Verde, de barro
paulistas, classificadas como do Século XVII, distinguindo-se cozido, com 38 cms. de altura.
a cabeça de Cristo, de barro cozido e policromado, de 1600, Em Taubaté, logo depois da fundação da vila, floriu
de Embú, da coleção Paulo Mendes de Almeida, (fotografada
também a cerâmica religiosa. Entretanto, os seus artistas
no belo livro Imagens Religiosas no Brasil, de Stanislaw
Herstal) e a Nossa Senhora da Conceição, madeira dos fins
em geral não coziam as imagens, detalhe que até hoje é tra¬
do Século XVII, de Jundiaí, coleção Francisco Roberto. Na
dicional entre os ceramistas taubateanos, e a fragilidade dis¬
so resultante é a explicação de existirem atualmente poucas
exposição do — Rio de Janeiro cresceu múito o número de
imagens seiscentistas de São Paulo, umas esculpidas em ma¬
peças seiscentistas conhecidas, da região Taubateana. Seis¬
deira, outras em barro, tôdas fortes em beleza e técnica. centistas e muito primitivas são as duas figuras de presépio,
com o Menino Deus, o Cristo de Cana e o Padre Eterno, to¬
Dessa época, feitas em madeira lá estavam o Senhor da
Pedra Fria, da Matriz de Itanhaem, Nossa Senhora do Pilar
— dos com policromia da época. A imagem do Padre Eterno,
com 25 cms. de altura, é raríssima de representação, com
e Santa Gertrudes, do Mosteiro de São Bento, em São Paulo, seus longos cabelos brancos circundando a calva, o Espirito
Nossa Senhora dos Prazeres da Matriz de Itapecerica; a Santo de asas abertas sôbre o peito, a mão direita em gesto
imagem' e a porta do Sacrário representando Sant’Ana
Mestra, em talha de madeira com belíssima policromia e in¬
— de bênção, vestido curiosamente de batina e sobrepeliz, como
genuidade, da Matriz de Sant’Ana do Parnaíba. Um grande
concepção popular da indumentária de um padre, mesmo
número de imagens paulistas da mesma época lá não figu¬ sendo o Eterno.
rou. Deixemos de lado, entretanto, as imagens de madeira Da mesma zona chamada norte do Estado de São Paulo,
de Mogi das Cruzes, Bom Sucesso e Jacarei, são as pequenas
e voltemos ao campo da cerâmica onde há tanto que inves¬
imagens de Sant’Ana Mestre, Senhor dos Passos e Santo
tigar . Agostinho, de barro cozido e policromado, da primeira me¬
Digamos desde logo, para não repetirmos vêzes sem tade do século XVII. Duma capela da vila de Santo André
conta os nomes do atuais possuidores das imagens que vamos da Borda do Campo, mas da mesma época é a Nossa Senho¬
enumerar, que além das igrejas e conventos que citamos
essas imagens estão em importantes coleções particulares, ra da Piedade, de barro cozido e policromado, com 25 cms.
hoje em coleção particular.
em São Paulo, dos Srs. Celso e Rita Corrêa Dias, Francisco
Belíssima é a imagem seiscentista de barro, provinda
30 PEDRO DE OLIVEIRA RIBEIRO NETO IMAGENS PAULISTAS NO SÉCULO XVII 31
de uma capela particular em Araçariguama, nos arredores são as obras do maior ceramista brasileiro do Século XVII,
de São Paulo, representando Sant’Ana Mestra. Essa ima¬ Frei Agostinho da Piedade, de origem portuguêsa que pro¬
gem, com cêrca de 45 cms. de altura, tem a cintura esparti¬ fessou no Mosteiro de São Bento, da cidade de Salvador em
lhada e a sáia de balão oval para os lados, bem com o pen¬ 1610. A sua grande atividade, segundo ensina Don Clemente
teado típico das nobres espanholas da época, representadas na Silva Nigra O.S.B., desenvolveu-se entre 1630 e 1642; co¬
por Velasquez, notando-se a perfeição e o bom gôsto da mo provam as inscrições em algumas das sua sobras. Fale¬
pintura de flores sôbre o fundo cinza das vestes .
Da mesma coleção, mas vinda de Mogi das Cruzes, tam¬
—
ceu na Bahia em 1661 . Dêsse mestre, São Paulo possue uma
obra preciosa já identificada, no seu Mosteiro de São Bento.
bém de barro paulista e de 1600, uma Nossa Senhora do É a imagem de Nossa Senhora do Monte Serrat, de barro
Leite, sentada, com a sáia amplamente pregueada, dando de cozido, com 81 cms . de altura, feita na Bahia, em 1635 . Essa
mamar ao Menino Jesus, no seio direito, enquanto com o imagem, que está com pintura e douração da época, possue
braço esquerdo segura o menino São João que os observa. importante base, tôda esculpida com cabeças de anjo, e a
O Museu Paulista possue uma imagem, de Santa Mada¬ própria túnica da Virgem é semeada de pequenos serafins
lena na Gruta, de barro cozido, do século XVII, primitiva entre meiados de flores em relêvo, muito típicas na obra
e forte, provàvelmente base de um crucifixo muito semelhan¬
te a outra imagem da mesma santa e época, da coleção Sta¬
nislaw Herstal.
Embora o fato seja desconhecido da maior parte das
dêsse Mestre imaginário.
Apesar de, ao que consta, Frei Agostinho da Piedade
—
nunca ter saido da Bahia depois que se fez frade, parece-nos
que há, no nosso Estado, outras obras que lhe podem ser
pessoas, mesmo das que se dedicam profundamente ao es¬ atribuídas, dependendo ainda de maior exame por parte de
tudo das coisas de arte, existe em São Paulo na seiscentista Mestres como Dom Clemente. Encontramos por exemplo,
Igreja das Chagas do Seráfico São Francisco, da Ordem Ter¬ numa capela particular em Barueri, um busto relicário de
ceira da Penitência, bem no centro da cidade de cimento ar¬ Santa Úrsula, (?) muito semelhante pela escultura e dimen¬
mado, um verdadeiro tesouro em obras de barro da primeira sões, aos bustos relicários de vários santos pertencentes ao
metade de 1600, milagrosamente, conservado em tôda a for¬ Mosteiro de São Bento, da Bahia. Êsse é certo, poderia ter
ça de sua extraordinária escultura, da sua policromia e de ido de Salvador, levado pelos monges beneditinos ou por
sua douração riquíssima, que lembram o que há de melhor algum particular. O que nos excita a curiosidade são várias
na Renascença da Europa. Refiro-me aos seis bustos reli¬ outras imagens, com as mesmas características de escultura,
cários que se encontram guardados na cláusura da benemé¬ de expressão fisionómica, de tratamento das vestes e cabelos,
rita Ordem, e que são os de São Gregório Magno e São Pio V, usadas por — Frei Agostinho da Piedade. Obras de algum, dis¬
cípulo seu, como por exemplo, Frei Agostinho de Jesus, tam¬
com 53 cms. de altura, São Renevenute, São Luiz Bispo,
Santo Apolônia e Santa Inês, êstes com 65 cms. de altura, to¬ bém grande mestre ceramista, que em São Paulo deixou farto
dos de barro claro como o paulista, cozido. Notam-se nestes repositório de primorosas imagens? Não cremos, Frei Agos¬
sólidos trabalhos, detalhes de grande ceramista, conhecedor tinho de Jesus é muito típico também e muito menos renas¬
das modas da Europa, que enfeitou os cabelos soltos das duas
Santas com magníficos diademas e flores de pedras, sôbre a
centista
— — que o outro artista monge. Talvez outro aluno?!
Algumas imagens provadamente de meados de 1600, que
poderiam ter sido feitas por Frei Agostinho da Piedade, ou
testa, como as mulheres nobres da Renascença florentina. Na
mesma igreja o São Francisco das Chagas, com cêrca de um por um dos seus alunos: Santa Bárbara, barro cozido e po-
metro é da segunda metade do século XVII, não importando licromado, largura 64 cms., da Matriz de Sant’Ana do Par-
para o tornar mais novo as volutas da base, muito diferentes naiba. Além da forma peculiar do rosto, da cebeça e das
idas usadas no Século seguinte. mãos, os enfeites em relêvo das vestes da santa sugerem a
Também dos arredores de São Paulo, da Capela de San¬ autoria de Frei Agostinho da Piedade .
ta Cruz do Corisco é a imagem de presénio da foto XXIV, Recent.emente identificamos, na bela capela seiscentista
com 40 cms. de altura, em coleção particular. da Fazenda Pirai, nos arredores de Itú, uma Santa Bárbara,
Contemporâneas dos bustos relicários, acima referidos,
32 PEDRO DE OLIVEIRA RIBEIRO NETO
gens aproximadamente dêsse feitio, da mesma época, mas escondida nas matas locais. 0 povo que batizou a imagem
feitas em barro escuro, de tom vermelho, muito mais grosso de São Bento com o nome de Pedro Belchior de Pontes, ao
e pesado. Em tôdas as localidades antigas, vizinhas à capi¬ que pensamos só pode ser contemporâneo do milagre pois
tal paulista, essas imagens são encontradas, e só sabemos de êsse só consta na tradição local que rodeia essa imagem.
duas ou três imagens recolhidas em outros Estados brasi¬ Essas imagens são rigorosamente da mesma linha técnica,
leiros mas cuja procedência longínqua, por desconhecida, artística e tradicional que vimos estudando, feitas com as
pode muito bem ser paulista. mesmas caracteristicas de forma e de matéria.
A principio, quando encontramos as primeiras imagens Não tivemos, nesse trabalho, qualquer intenção de exal¬
desse tipo, tivemos certa dúvida sôbre a. sua confecção, real- tar a cerâmica religiosa paulista em relação à das outras
mente ingénua, mas que pela simplicidade e lisura poderiam regiões brasileiras. Queremos apenas fixar, porque não é
ser moldadas em fôrma e assim feitas em série. Entretanto, assunto muito palmilhado, o papel de São Paulo na cerâmi¬
à medida que as várias representações dos santos, dessa fase ca religiosa do Brasil nos dois primeiros séculos de nossa
eeultórica, foram sendo por nós examinadas, chegamos à colonização .
conclusão de que cada exemplar foi feito isoladamente, por
certo com a mesma técnica e iguais caracteristicas de escola,
de conformação e de base, mas tôdas, até as que representam
o mesmo santo, absolutamente diferentes entre si pelo tama¬
nho,, geralmente entre dez e quarenta centímetros de altura,
pela variada posição e pela policromia, notando-se quanto a
esta certa predominância de ingénuo desenho florido e miú¬
do, feito com pequenos pontos .
Um fato curioso veio provar melhor a certeza das nossas
convicções a respeito da época e da origem dessas importan¬
tes obras de arte popular colonial brasileira. Quando a Co¬
missão do 4.° Centenário da cidade de São Paulo, começou a
fazer planos para os festejos que. tão feèricamente organizou,
e se resolveu a procurar uma casa paulista de sítio, da época
bandeirista, para dela fazer padrão da Casa do Bandeirante,
foi encontrada e escolhida nos terrenos outrora pertencentes
a Afonso Sardinha, perto do Butantã, uma antiga morada
colonial. Nessa casa antiquíssima morava um ancião, des¬
cendente de seus antigos proprietários, que ali nascera e vi¬
vera sempre, conhecendo as tradições locais e que guardava
ainda, no fundo do bauzinho pobre, alguns velhos trastes de
seus avoengos. Entre êsses objetos uma pequena imagem de
São Bento, com uma cobra na batina, logo chamou a atenção
do organizadores da Casa do Bandeirante, que ficaram sa¬
bendo tratar-se da última lembrança da capela daquele solar
seiscentista. Pois bem, essa imagem que é a pedra de toque da
nossa opinião acima exposta, era conhecida com a denomi¬
nação de Padre Belchior de Pontes, figura tradicional do
bandeirismo paulista de fins do século XVII e também mo¬
rador daquela zona, do qual um dos milagres celebrados era
o de ter vencido com a sua santidade uma cobra venenosa
CARACTERÍSTICAS DO BARROCO NO BRASIL 45
um Weisbach, por exemplo, sempre estará, disposto a dizer- porque com êles a arte atingira os auges do ideal. Que de-
nos que o barroco é a arte da contra-reforma, exato título pois de um Leonardo, depois de um Michel Ângelo, depois
do seu livro, isto é, que o barroco foi criação do jesuitismo de um Raphael, seria inócuo tentar fazer arte diferente ou
na necessidade de redecorar as igrejas, de reambientar o maior. Chegamos ao cúme dizia Vasari e realmente fôra
sagrado no artístico de forma que voltasse a ser comunica¬ atingido um máximo, porém adstrito às proposições do Re¬
tivo a ponto tal, que a paixão estética já fôsse um começo do nascimento, cuja arte do renascimento fôra essencialmente a
fervor da fé. Imediatamente ao lado de um Weisbach, va¬ tomada de posse visual do homem sôbre os fenômenos da
mos, porém, encontrar um Leo Ballet para dizer-nos que natureza que os cercava. Uma vez atingida a culminância,
não, que efetivamente o barroco não correspondeu à contra- houve efetivamente a dificuldade revelada pelos maneiristas
reforma, mas sim ao absolutismo dos reis, pois foram os que se seguiram aos renascentes; que não sabiam pintar
grandes monarcas, que precisaram de um estilo que se identi¬ senão “à maneira” de Raphael ou Michel Angelo ou Leonar¬
ficasse com os caracteres do seu próprio e ilimitado poder. do ou outro de tal porte; que não ousavam pintar à sua pró¬
E vale a pena lembrar que essa teoria traaç paralelos entre pria maneira. Mas, porque a arte é sempre mais forte do
o mundo ilimitado dos déspotas e o movimento sem fim das que os artistas, pouco a pouco e sempre julgando simples¬
formas barrocas: entre, por exemplo, a expansão incontida mente continuar o caminho dos grandes e velhos mestres,
do poder dos reis, qua queriam mandar em territórios cada foram os maneiristas abrindo perspectivas novas, dentro
vez maiores, e a beleza imposifiva do barroco, que não1 se con¬ •las quais, subitamente, surge um Caravaggio fragmentando,
tenta, por exemplo, num ornato, em vibrar e em comunicar- pela sombra e luz, o fenômeno ótico que orientava a sua
se apenas em seu campo, mas tende a invadir e dominar todo visão plástica e, portanto, propondo uma nova arte que, nes¬
o espaço monumental. E afinal, a espécie de irrefreável te caso e no campo da pintura, já é, plenamente, o barrôco.
contradição da natureza que se incarna nos monarcas abso¬ Um Borromine, um Bernini, na arquitetura e na escultura,
lutos, incapazes de respeitar a liberdade natural dos indi¬ encontrariam caminhos simétricos aos que encontrou, na
víduos, e no barroco a competir com a natureza, a fazer ima¬ pintura, Caravaggio .
gem do natural, tão próximas da natureza que, ao olhá-las, Mas então, como vemos, tôdas as teorias são argutas e
temos a impressão de ver um homem de um santo, artistica¬ belas porém nenhuma parece recobrir a inteira realidade do
mente feitos, isto é, perfeitos, tal-e qual a natureza raramen¬ barrôco. Tôdas, a meu ver, padecem de alguma defeito,
te é capaz de produzir. mas também gozam de uma virtude muito rara nas teorias,
porquanto, opondo-se não se destroem, antes se completam,
Como vêm as senhoras e os senhores, estamos agora porque tôdas afinal, acabam por mostrar-se apenas como
bem longe das teorias que queriam fazer do barroco uma teorias parciais que somadas, se não recobrem tôda a rea¬
constante do espírito humano, pois o segundo grupo de teó¬ lidade do barrôco, ao menos indicam-nos um caminho para
ricos procura explicar o barrôco como algo entrosado direta¬ compreendê-la melhor e mais amplamente. Assim, não cus¬
mente na vida social a que veio dar expressão artística. Vi¬ ta abrir os olhos, sem preconceitos teóricos e verificar que,
uma vez surgido o barrôco na Europa, a Europa inteira se
da social que uns procuram no político, outros no religioso b'arroquizou e, no reconhecê-lo, já não cabem, mais linhas
e, então, caberá lembrar que há os mais modestos, e os discriminatórias, já não cabe mais dizer, por exemplo, que a
mais modestos são sempre intelectualmente os mais verda¬ Itália é “a terra do barrôco”, pois também o Norte da Euro¬
deiros e efetivos quando, à maneira de um Dvorak, por pa está recoberto pelo melhor barrôco. Já não cabe recla¬
exemplo, nos contam como o barrôco surge enquanto forma mar, como origem de um dos ramos do barroquismo, o Con¬
da arte dentro da história da arte. Dvorak nos mostra que, cílio de Trento, porque não só os países católicos, mas tam¬
bém os protestantes, se barroquizam plenamente. Já não
de uma certa maneira, o velho Vasari, que convivera com os cabe sequer insistir em que o barrôco convinha aos monar¬
gigantes do Renascimento, tinha razão quando dizia que, cas absolutos, porque não são apenas as grandes monarquias,
depois dos renascentes não poderia mais haver arte “nova”, senão igualmente as repúblicas burguêsas, a exemplo dos Paí-
48 LOURIEAL GOMES MACHADO
—
Nestes quadros teremos de examinar o problema do
barroco no Rrasil. Se, efetivamente, conhecendo a nossa histó¬
ria, não podemos supor aqui os mesmos quadros que deram
forma e estrutura ao barroco da Europa, ao mesmo tempo não
podemos ignorar que aqui o barroco está presente e a sua
56 LOU RIVAL GOMES MACHADO CARACTERÍSTICAS DO BARROCO NO BRASIL 57
presença mais do que uma insistência de fato, mais do que nomes de artistas, do que segundo três grandes momentos
uma evidencia histórica é afirémação criadora do belo. vivenciais. No primeiro momento, clara é a impossibilidade
0 barroco ocorre e recorre no Brasil, às vêzes até onde material de realizar-se o padrão europeu, embora se apre¬
julgaríamos impossível sua emergência. Parece, porisso sente viva e exigente, a necessidade espiritual; o segundo
adequado tentar interpretar o fenômeno barroco no Brasil, momento será aquêle em que a possibilidade, material já se
a partir daquele meio passo daquele período intermediário instalou e o necessário espiritual como tal permanece; no
entre a “forma mentis” e a “forma creata” da passagem terceiro momento, continuando a não haver entraves mate¬
entre a aspiração intelectual e a arte já criada, daquele es¬ riais, já não mais, como necessidade, a estrutura espiritual
tágio de tensão em que os homens sentem latejar o desejo trazida da Europa e, contudo, permanecemos, consciente e
de criar (mas, áinda, não chegaram a fazêlo) . e poderíamos voluntariamente na mesma trilha. Por isso mesmo, não me
chamar sem exagêro literário, de momento de aspiração. satisfaz o examinar o problema do barroco no Brasil apenas
como o caso de um estilo com tal fôrça de radicação que
Aspiração —- entendamo-nos bem — no mais amplo
svntido da palavra, na acepção que abrange desde o físico
aqui sobreviveu à matriz europeia, pois e também um estilo
que teve tal fôrça de aspiração que aqui já se revelava como
até o intelectivo . A física elementar de nosso tempo de ginᬠdesígnios antes de ser inteiramente possível a sua efetiva
sio (quando tínhamos de estudar as bombas aspirantes para realização. Isto acontece, é notável, não apenas com o bar¬
não sermos reprovados) define mecânicamente a aspiração roco brasileiro visto na sua totalidade, mas com o barroco
como aquele movimento de um corpo ao apoderar-se de um do Brasil considerado, individualmente, em cada lugar onde,
fluido exterior para com êle preencher um vácuo interno. por via dos ciclo de colonização ou de produção, venha a
Fisiològicamente, o fenômeno mecânico se repete mas, ago¬ aparecer, a qualquer tempo, a intenção artística.
ra, o fluido exterior ainda serve para alimentação vital do Assim, vão-se revelando, fixando, reiterando, desdobran¬
corpo. Se, mecânicamente, aspirar é um simples incorporar, do aquelas espécies concretizadas no seio de barroco que nos
fisiològicamente o fenômeno se desdobra e aspirar já obe¬ nabituamos a ver e prezar. Explicando-se porque, por exem¬
dece a um ritmo próprio em que inspirar e expirar comple¬ plo, de comum falemos em peças barroca® primitivas, isto é,
tam-se no respirar, sendo que a completa respiração é a pró¬ em peças barrocas que não trazem marca de erudição. Se
pria evidência da vida. Também intelectualmente repetimos, não nos precipitarmos ao recorrer à palavra “primitivo”, lo¬
ppr assim dizer, êsses dois movimentos, pois tanto podemos as¬ go percebemos que o primitivismo da expressão nem sem¬
pirar apenas para mitigar a nossa vaziez interna, e neste é o pre resulta da não-erudição ou da não-informação do artis¬
caso das que aspiram a conhecer para preencher o vácuo de ta porquanto, por vêzes e entre outras causas, pode decorrer
sua ignorância, quanto podemos aspirar para integrar, em de limitações materiais, da impossibilidade concreta de le¬
exaltação expectante, algo que poderá vir a viver em nós ou var a aspiração até sua plena satisfação. Como é claramen¬
por nós, e êste é o caso dos que, pela aspiração, tendem à te visível na construção (para não falar já em arquitetura)
criação . do Brasil recém-colonizado que, como indicam as poucas
Ora, êste País nasceu europeu. Os homens que vieram amostras restantes, devem confinar-se aos mínimos da fun¬
para cá, pertenciam, ao menos no pôrto de embarque, à Eu¬ cionalidade. Então, a construção para as primeiras igrejas
do Brasil reduziu-se às quatro paredes com duas abas por
ropa, e consigo traziam, portanto, a “forma mentis” da Eu¬ cima para firmar-se na forma mínima mais próxima da
ropa. Aqui chegados, deveriam tentar a realização dessa idéia mínima de casa, que até as crianças encontram em seus
“forma mentis”, valendo notar a fôrça, o vigor de que pode desenhos. Ora, nesses mínimos materiais não se poderia es¬
dispor uma estrutura mental, porque continua lutando por perar por ondulação de paredes, por bombeamentos na cons¬
realizar-se mesmo quando impossíveis parecem as condições trução, por tetos decorados simulando o infinito, simples¬
de fato. Eis porque prefiro dividir a história do barroco no mente porque não havia como fazê-los, com que fazê-los.
Não obstante, já nesse primeiro momento os mínimos mate¬
Brasil, menos por zonas, por regiões, por “ateliers” ou por riais disponíveis, desde que existam, vão-se barroquizar . Na
58 LOURIVAL GOMES MACHADO CARACTERÍSTICAS DO BARROCO NO. BRASIL 59
arquitetura e, sobretudo, nas outras artes. A mesa de comu¬ çoso nesta altura, mas que era toda a ciência de que dispu¬
nhão da Capela de São Miguel mostrando um querubim que nha para compor.
aos turistas se insinua, sem muita certeza, ser de mão índia, Depois, vamos andando para o barroco íntegro e realiza¬
como os altares da Capela de Votoruma e do Sítio Santo do, o barroco concretizado dentro do possível material já em
Antônio, são peças do momento inicial que não podemos cha¬ plena fartura e do necessário espiritual já em plena cons¬
mar, segundo o padrão europeu, de barrocos, mas nos quais ciência. Há um monumento-registro desta evolução na Ca¬
é indisfarsável a aspiração daqueles mesmos padrões barrocos tedral da Bahia. Não me refiro à arquitetura, nem a um ou
que só se realizam dentro do possível. Em particular os dois outro dos seus altares, mas a tôda e admirável série de al¬
altares, que não são muito provàvelmente obras do mesmo tares que parte de uma concepção post-clássica e chega à
artificie, como não dispusessem das possibilidades da talha plena estrutura construtiva e visual barroca, isto é, na qual
farta suposta pelo barroco ortodoxo, resolveram-se por uma o barroco se realiza concretamente sob os nossos olhos, co¬
espécie de plateresco que ignora o verdadeiro plateresco, mo se fôra um esquema didático para demonstrar a perti¬
num inesperado paralelo daquele barroquismo sem relêvo nácia dessa aspiração e o seu avanço constante até esca-
que, no mesmo momento, a Espanha produzia na Europa
irrecusável sintoma de que também aqui, a aspiração barroca
— choar-se, incontida, nos dois imensos altares do transcepto.
E depois, é o barroco transformado, já não transformado
está presente e opera. Será ainda mera inspiração, pura ne- pela limitação material ou mental, mas, pelo contrário, gra¬
ssidade de preencher um vácuo interno . Ainda não é a expira¬ ças a aspirações novas e aqui nascidas, êste barroco trans¬
ção posterior à plena assimilação, ainda não chega, propria¬ formado, êste barroco re-criado que vai esplender em Minas
mente, a criar. Mas está presente, viva, ativa. Há uma segunda Gerais, exatamente no momento em que a estrutura econó¬
maneira dêsse primeiro momento e, nesta, a impossibilidade mica e social do Brasil, da fase colonial, sofre a sua maior
de plena barroquização deixa de ser impossibilidade instru¬ alteração, ou seja, a sucção dos recursos humanos do Norte
mental ou material e se estabelece como impossibilidade de¬ e Nordeste para o Centro-Sul, a inversão das zonas ricas e
rivada do equipamento mental anteriormente adquirido. Em pobres. Nêsse momento, efetivamente, já não há mais uma
outras e mais simples palavras: comumente encontramos, “forma mentis” a exigir o barroco na Europa. 0 europeu
sobretudo na pintura, a inspiração evidente de modêlos gó¬ fizera-se rococó e apenas rococó: abrira mão da expressão
ticos ou de maneiras-de-fazer clássicas. Assim, há pinturas barroca. Pois nêsse mesmo momento a “forma mentis” que
no Recife ou em Olinda (aliás, Pernambuco dispõe de um no Brasil entrara em plena respiração, em pleno exercício
acêrvo de pinturas barrocas que, a meu ver, constituirá o \ital, é tão autêntica que exigirá dos artistas mineiros a rea¬
grande campo de investigação dos próximos anos) em que,
freqíientemente, vamos encontrar uma composição sôbre
bsorção da novidade temática do rococó — que lhes chegava
—-
pelos modelos, pelas gravuras, pelos mestres europeus que
duas diagonais com uma bem forçada perspectiva segundo vinham trabalhar aqui — como temas mas apenas simples
um só ponto de fuga, enfim, uma composição calcada na temas de invenção plástica — nos quadros da velha, da boa,
linguagem clássica. As figuras, a figuração, também nada da sólida estrutura barroca. Acontece, então, um barroco
têm de barroquizante. À medida, porém, que vamos olhan¬ inteiramente diferente. Diferente, não por ser singular, nem,
do e analisando encontramos uma série de ritmos produzidos tampouco, por ser original embora o sendo muito, mas di¬
pelas formas repetitivas. E então os elementos vão formando ferente por ser uma criação nova dentro dos padrões barro¬
um ritmo que não é clássico, um ritmo que náo é maneírista, cos. Acostumamo-nos a ver êsse barroco num Athayde,
um ritmo que já é, sem dúvida, uma barroquisação dentro do sobretudo num Aleijadinho, e nada mais justo, porque são
que se tornou possível. Aquêle artista não aprendera, como os dois pontos máximos e geniais, da pintura e da escultura
barroquizar o conjunto da composição, mas, como a barro¬ e arquitetura. Precisamos, porém, lembrar-nos de que todo
quização constituía o cerne (talvez inconsciente) da sua inten¬ complexo de arte das Gerais no tempo do ouro, está integra¬
ção criadora, ela aparece, apesar de todos os ditames, de todas do nesse mesmo espírito e, que cada um do muitos artistas
as normas anti-barrôcas do seu clasissismo, já um pouco ran¬ que cada dia vamos conhecendo melhor e identificando, te¬
mos de atribuir, de justiça, êste mesmo título de tentar a
60 LOURIVAL GOMES MACHADO
—
sa. O poder que foi criando e exercendo sôbre a terra e sô¬
bre a família, sôbre a escravaria e sôbre a clientela. Poder do
patriarcalismo agrário, numa palavra. Que nunca foi en¬
comendado por Portugal, nem de lá assim trazido, mas que
devesse crescer aqui para dar base nas células de um tecido
vital, a uma estrutura social nova. 0 poder do Patriarca era
absoluto; também êle pulsava no ritmo da dinâmica expan¬
siva que caracterizava o mando do monarca europeu. E, no
expandir-se, sem contraste, sôbre a terra, sôbre a lavoura,
sôbre os escravos, sôbre os filhos, também êle se definia
como um poder sem limites. Enquanto isso, novos grupos se
firmavam e se estruturavam e, através dos desencontros e
encontros de sua história, a cada passo vemos a possibilidade
de novo poder criar-se e recriar-se. Assim, o poder das câ¬
maras municipais, que em Portugal fôra especificamente
marcado para o burgo interjacente aos feudos poder auto-
reger-se e que aqui se transforma numa célula representa¬
tiva do novo poder feudal, com uma arrogância por vêzes
incómoda à metrópole. Ou então, quando a metrópole inibe
o poder religioso, proibindo ordens e monastérios nas Minas
Gerais para que os frandes Vagamundos não levassem ouro
por sob a sotaina, a estrutura social pôde imediatamente
criar uma forma inédita de poder leigo para reger a vida
religiosa; e cresceram, e modificaram-se as ordens terceiras,
com o total laicato de suas mesas diretoras, as mesmas or¬
dens terceiras que deram contratos de trabalho e liberdade
de criação ao Athaide, ao Aleijadinho, ao Noronha, ao Bar¬
ros Barriga, ao Servas, a todos os grande criadores de Minas.
Dessa liberdade criadora, insòlidamente nascida duma
cultura dominada pelo poder sem limites, sairia o novo
barroco, inédito barroco que é só nosso, pois já não é soli¬
citado pela “forma mentis” européa, respondendo apenas às
solicitações de uma nova cultura, a nossa. Assim, parece
que, se a Europa procurou identificar o seu barroco com os
monarcas absolutos, com a contra-reforma jesuítica, ou com
envolver da sua própria visão estilística, maneirista e post-
-maneirita, nós também temos o direito de correlacionar
essa expressão artística com a nossa própria vivência histó¬
rica e nela reconhecer, não a repetição do figurino europeu,
nem tampouco a integração de mais um país na moda geral
que já arrastara outros países, mas, sim, a forma de arte
que corresponde a uma estrutura mental, que embora ini¬
cialmente importada, acabou por apoiar-se em nossa estru¬
tura social. Forma que, porisso mesmo, pode traduzir a fi-
64 LOURIFAE GOMES MACHADO
Oscar Campiglia
Diretor da Divisão de Documenta¬
ção da Universidade de São Paulo.
maram o ecletismo, os efeitos dramáticos e a partir de Cara¬ isso, dá à arquitetura e aos espaços arquitetônicos renascen¬
vaggio, na pintura, o realismo, a procura da representação tistas um sentido de equilíbrio perfeito, de pêso, de auto-
real da luz que, em Rembrandt, em um Salvador Rosa e ou¬ -suficiência, de solução, de estática, de quietude.
tros artistas do período barroco podemos traçar uma trajetó¬ No interior, contudo, nas igrejas, o espaço arquitetônico
ria de evolução até Manet. De resto, o exame, ou por outra, a adota um partido destinado a atender os problemas da Con-
utilização dos valores eternos das expressões e ordens artísti¬ tra-Reforma. A doutrinação, os púlpitos, a locação dos fiéis,
cas de todos os tempo, utilizadas pelos artistas dos séculos a posição do altar mor, a forma da nave central, a posição
XVII.0 e XVIII.0, constituem uma soma genial de valores, de das capelas laterais tem uma destinação específica e, a pin¬
conhecimjentos reelaborados na formulação de um estilo em tura dos forros, também, como veremos nas projeções.
o qual não estaria ausente a intuição, o pensamento científico 0 confronto da datas citadas evidencia o fato de que,
contemporâneo. 0 Barroco é, pois, a nossa ver, na Europa, a em Portugal, no período da Renascença italiana, desenvol¬
cúpula de uma cultura acumulada por séculos de civilizações, vem-se as formas do manuelino e, ao tempo do Barroco na
nos quadrantes do mundo. Itália, Portugal adota o “maneirismo” que Reinaido dos
Em 1549, com a fundação da cidade do Salvador na situa¬ Santos diz: ... “não ter encontrado nenhum eco de convic¬
ção urbanística medieval que a caracteriza no alto do pe¬ ção. A arte da Renascença foi somente uma arte de assimi¬
nhasco, inicia-se o ciclo das construções dêsse período sob a lação por parte de Castilho e dos escultores franceses (cita¬
égide de arte “maneirística” do B.enascença transferido de dos)”.
Portugal. Felipe Terzi, italiano, introduz em Portugal o pla¬ Descoberto o Brasil na época dessas transições estilísti¬
no Jesuítico da Igreja do Gesú que é uma “renovação”, sem cas, fundada a cidade de Salvador em 1549, é precisamente
embargo do espírito clacissista de Vignola que o projetou o espírito clacissista que irá transubstanciar-se na arquitetu¬
e de Felipe Terzi que o adota. A influência de Terzi em Por¬ ra e outras formas de arte no nosso século XV.0, em base do
tugal foi considerável deixando inúmeras obras que realizou qual, evoluem a igrejas ditas “barrocas” da região do Leste
no período de suas atividade em Portugal, particularmente Setentrional. 0 Nordeste Oriental sofreria inicialmente, ou¬
a Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa. Terzi atuou em tra ordem de influência, também de origem, clássica.
Portugal a partir de 1576 até quando faleceu em 1597. Fun¬ Na Bahia é a Companhia de Jesus que predomina e in¬
dou em Lisboa uma escola de arquitetura e podemos imagi¬ fluência e, assim as formas de arte se revestem dos caracteres
nar, pois, a influência inclusive de seus alunos. Estamos, específicos das manifestações artísticas adotadas pelos jesuí¬
pois, no último quartel do século XVI, primeiro da nossa his¬ tas com tôdas as implicações que êsse fato histórico deter¬
tória e formação. minou.
Em 1549, Nóbrega, desembarca na Bahia e funda o pri¬ Em Pernambuco, em 1585, membros da família do pri¬
meiro Colégio Jesuítico no Brasil, e com êle, situa no Leste meiro donatario da Capitania, Duarte Coelho, trouxeram
Setentrional, (Bahia Sergipe) especificamente, na cidade do para assistir, “os povos”, religiosos franciscanos cuja in¬
Salvador, as primeiras manifestações da cultura lusa. Logo fluência foi extraordinária e considerável na região do nor¬
depois, chega ao Brasil o arquiteto ignaciano, — Francisco
Dias que trabalhara com Terzi, na Igreja de São Roque, em
deste oriental, d'esenvolvendo-se depois, em direção ao Sul,
com a fundação de um colar de Conventos magnificientes
Lisboa, onde primeiro se aplicou o sistema espacial do plano cujas datas e locais de fundação, são os seguintes, segundo
da Igreja do Gesú. Conseqúentemente, Francisco Dias, trans¬ Jaboatan o Cronista da Ordem.
fere para o Brasil, quase que simultâneamente, o espírito
clacissista implícito nas obras de Felipe Terzi, e com êle o N.S. das Neves da Cidade de Olinda 1585
Renascença, mas suas manifestações “maneirísticas”, cujas S. Francisco da Cidade de Bahia 1587
formas arquitetônicas estão vinculadas ao emprêgo baseados St.0 Antonio da Vila de Igaruçú 1588
na geometria definida das formas triangulares, retangulares, St.0 Antonio da Cidade de Paraíba 1590
retilineares e o arco romano de pleno centro, formas que, São Francisco da Vila de Victoria 1591
por sua própria definição visual não oferece problemas e por St.0 Antonio da Cidade do Rio de Janeiro 1606
74 OSCAR CAMPIGLIA
mente no instante crucial em que a humanidade passa da hoje propriedade da Universidade de São Paulo, aguardan¬
época da técnica, da ciência tradicional, do capitalismo, do do pacientemente uma iniciativa governamental que os usi-
colonialismo e do imperialismo para o mundo da técnologia, neiros municiariam financeiramente de bom grado e com
ultrapassando os limites da lógica clássica, o que permite à
ciência a pesquisa de novos horizontes, se assiste o declínio
evidentes
— perspectivas psicológicas. O que mais resta
dêste período heroico da instalação europeia no litoral pau-
definitivo do colonialismo, se aceita, uma revisão substan¬ lista são nomes que a história registrou mas que o homem
cial do problema da divisão internacional do trabalho e se não transformou com marca duradoura: Pôrto das Náus,
luta pelo fim próximo do imperialismo, exalamente nesse Cananéia, Bertioga, etc.
momento parece legítimo reconhecer que o abandono dos Como tese ancilar, a penetração territorial, segundo a
esquemas, critérios e padrões já absoletos e ultrapassados, técnica européia de guerra e de conquista, também, foi nega¬
constituem uma preliminar para a análise daqueles: fatos ou da: a expedição de Pero Lobo, promovido também por Mar¬
coisas de que dispomos como património histórico e artísti¬ tin Afonso de Souza, desapareceu nos sertões e não deixou de
co. si senão aquela negativa surda e definitiva com que a his¬
Dos dois caminhos disponíveis para intentar esta pes¬ tória marcou as tentativas malogradas de operações ortodo¬
quisa, preferimos, estabelecer, como hipótese de trabalho, xas em território paulista. Êste tipo de negativa inaugura
uma procura das teses — que caracterizaram a formação
paulista, para o que procuramos determinar os sucessivos
uma espécie de comportamento regional cada dia confirma¬
da tódas as vêzes que se intentar realizar a repetição exdrú-
períodos da colonização na sua expressão regional. Tais di¬ xula de formulações teóricas estranhas ao ambiente regio¬
visões dizem respeito exclusivamente a acontecimentos que nal, enquanto é raro se regatêie endosso às iniciativas que
se verificaram na área do atual estado de São Paulo. Ape¬ acolhem um conteúdo interpretative extraído legítima e di¬
sar deste estreito ponto de partida, tal pesquisa pode, even¬ retamente das específicas condições regionais.
tualmente, alcançar âmbitos mais generosos, nacionais, ou Outra tese ancilar dêste período foi a da sediação sim¬
mesmo abordar ou refletir fenômenos de caráter universal. bólica dé São Paulo no planalto, num local de há muito pre¬
Num primeiro período, até 1554, tôda a ação se realiza ferido pelos indígenas como fulcro fixo de suas andanças.
como um fenômeno de impacto entre a coisa europeia e o Dois fatos desta escolha parecem realmente significativos.
ambiente americano. É, na verdade, um fato quase inteira¬ Em primeiro lugar, o guia que trouxe o colonizador ao futu¬
mente europeu, embora já as suas barbas a experiência de ro sítio urbano de São Paulo foi um mestiço, filho primogé¬
mestiçagem de João Ramalho e a escolha (também mestiça) nito de João Ramalho; em segundo lugar, a preferência por
do futuro sítio urbano de São Paulo, pronunciaram os acon¬ um ponto que é o centro virtual de um compartimento geo¬
tecimentos posteriores. A tese principal dêste período é a lógico bem definido, é um tipo de preferência largamente
tese de uma exploração mercantilista . Sua expressão mais repetido ao longo da formação paulista.
clara foi a tentativa de instalar no litoral paulista a produção A tese principal do segundo período, que vai de 1554 até
de açúcar em moldes industriais e coloniais. Essa tentativa, 1611, ano do estabelecimento de Parnaiba e Mogi das Cruzes,
promoção oficial, a cuja testa estava o próprio Martin Afonso é a tese da mestiçagem. Mestiçagem de tudo, de gente, de
de Souza, continha em germem uma forma de capitalização técnica militar, de dieta alimentar, de linguagem, de estilo
que depois fêz carreira no mundo capitalista. A Cia. dos de vida. A experiência positiva da família de João Ramalho,
Almadores do Trato, fundada por aquele donatário, prenun¬ a indispensável, e cada vez mais acentuada, participação do
ciava a formação das sociedades anónimas, como aquela indígena na vida do colonizador, o alheiamento da metrópo¬
que os holandêses armaram para arrecadar compulsoria- le desinteressada de uma região falta de substância econó¬
mente o financiamento da sua aventura nordestina.
Essa tese de exploração mercantilista desta parte da
mica — que alimentasse suas intenções mercantilistas, o su¬
cesso das tentativas de montagem de poder com base na
colónia portuguêsa foi negada pelas condições topográficas conveniência com os nativos, são êsses os fatores que contri¬
e pedológicas do litoral santista. Dela nos resta apenas um buem para instalar em Piratininga uma problemática com
testemunho nas ruinas dos engenho São Jorge dos Erasmos, um mínimo de caráter europeu. Sem ouro, sem pau-brasil,
MONUMENTOS HISTÓRICOS E ARTÍSTICOS DE S. PAULO 85
ARQ. LUIS SAIA
84
a tentativa de impostação da técnica ortodoxa que animava
de açúcar, a colonização oficial, foram menosprezados, arrebentados e
fracassada a experiência de produção volumosa própria sorte e jamais consertados, como freqúentemente se queixavam os
a sociedade paulista se vê abandonada à
disposta a construir seu próprio destino. camaristas. Êsses muros simbolisavam a instalação teórica
de Martini Afonso de Souza e as pretensões dos jesuítas, e
Essa mestiçagem representa um contraste com o que
técnica de foram negados pela solução colona, sem muros, sem baluartes,
acontecia então na América espanhola, onde a maiores do sem cidades, mas com uma produção volumosa de mestiços
destruição do indígena atingiu níveis porventura
que os conseguidos pelo europeu na— África. E contrasta
América
também com o que acontecia nas demais partes da desde,
que ràpidamente permitem surjam soluções peculiares e po¬
sitivas para os problemas regionais de colonização. A teoria
no Nordeste, por exemplo, onde lo¬ do baluarte cercado, destinado a explicitar o sentido apossea-
Portuguesa, como africa¬ dor da colonização portuguêsa, se opôs a solução biológica
go o escravo indígena foi substituído pelo elemento
prática e o retorno às formas já obsolecentes do feudalismo
no. um su- e de organização primitivista da sociedade.
Esta solução de mestiçagem intensiva constituiu sua im¬
,
Dêste período da formação paulista nada restou senão a
porte fundamental para os sucessos posteriores, e a
portância no comportamento dos habitantes de Piratininga lembrança dos locais dos estabelecimentos então fundados,
ser avaliada pela dessiminação do sangue indígena nos provàvelmente em têrmos tão precários e tão próximos da
pode pela influên¬ técnica indígena que o tempo tudo demoliu e arrasou, menos
principais troncos das antigas famílias paulistas,
e pela permanência pertinaz aquele entranhado espírito ambulatório que bem mais tarde
cia na nomenclatura geográfica espantaria, e muito, ao conde de Assumar. Carapicuiba, uma
de traços de temperatura indígena nos paulistas dos séculos
. aldeia de índios fundada nesta fase da vida paulista, tanto
posteriores andou de cá pra lá, antes de encontrar um pouso definitivo,
Um comportamento despreconceituado e destemeroso que muitos historiadores se confundem quanto ao local da sua
da ação ultramarina é, sem dúvida, uma componente
funda¬
mental da tese ancilar de dessacralisação da formação re¬ instalação . Santo André da Borda do Campo, provàvelmente
em local hoje imerso no reservatório do Rio Grande, já em
gional. De fato, ao sentido carismático da ação
tas na América do Sul e dos franciscanos no México,
em São Paulo, uma ação colona de sentido
—
religiosa,
alcançava expressões tão explícitas no esforço • dos. jesuí¬
que
se opôs,
dessacralisante,
lins do século passado desafiava a faina pesquisadora de
Teodoro Sampaio, que tentou inutilmente localizá-la. No li-
!oral, sempre mais vinculado às coisas da Metrópole e, por
isso, tão descasado da civilização paulista, sobram algumas
fundada na montagem de uma estrutura social de caráter imagens e talvez umas colunas de talha . Coisa mais de portu¬
feudal-militar. Aos aspetos utópico e idealista cuja que norteavam
jesuítas, e para explicação guês no Brasil do que de paulista. A primitiva São Vicente
a ação dos franciscanos e dos foi tragada pelo mar, o antigo bastião de Hans Staden subs-
não é possível esquecer as ligações dessas Ordens com os
saltavam a cada canto do pensamento erudito lituido, as primitivas capelas desaparecidas.
utopistas que
europeu, se opõe um quadro social carregado de rcminicên- O terceiro período (1611-1727) se inicia quando surgem
e facili¬ os resultados das dissenções entre colonos e que alguns dêstes
cias feudais, insuflado pelo ímedíatísmo biológico cõin se estabelecem de modo a criar novos pontos focais da gente
regionais de conquista do poder
tado peias perspectívas de li¬ paulista. Mogi das Cruzes e principalmente Parnaíba são os
base na posse de escravos e nas possibilidades locais
derança. 0 fator posse da terra, ao contrário do que aconte- pontos preferidos. O “território” no qual se disseminavam os
paulistas já está então perfeitamente definido, bem assim a
cia nas demais partes da América, é um fator negligenciado. que forma deles se distribuírem. Esta escolha de novos pontos
Uma dessacralisação, como se vê, sem o fundo averroista Europa, em focais da vida regional liquida as tentativas de concentrar a
marcava as tendências dominantes no Norte da
luta contra Florença e Roma; mas também sem a coloração vida paulista num estabelecimento urbano (Piratininga) e
f’bonacciana e mercantilista que anunciava o nascimento do marca o início da atuação dessa sociedade que se montara
capitalismo moderno . segundo moldes estranhos e mesmo contrapostos às teses ofi¬
cer¬
Nesse quadro fundamental, os muros de taipa quemodo, ciais de colonização . Essas teses repartim a influência ibé-
cavam a antiga Piratininga e representavam, de certo
86 ARQ. LUÍS SAIA MONUMENTOS HISTÓRICOS E ARTÍSTICOS DE S. PAULO 87
rica entre a saída carismática dos jesuítas e a solução mer- A idéia de concentrar os índios numa “aldeia grande”,
cantilita do govêrno metropolitano. Esta fôra posta à margem sob o controle dos padres da Companhia, e onde a mestiça¬
com o malogro da indústria de açúcar; aquela fôra extirpada gem encontraria impecilhos de vulto, como ficou evidencia¬
pela adoção de uma fórmula espacial de sediação de subs¬ do no exemplo das Missões, matrisava a tese jesuítica para
tância dessacralisada e pela mestiçagem intensiva. 0 paulista São Paulo.
como que englobou tais teses num único polo e lhe antepôs Os colonos, entretanto, caminhavam noutra direção, pre¬
um tipo de estrutura demográfica e uma família de soluções ferindo se distribuir sôbre um território relativamente vasto,
político-económicas que constituíam mais frontal negação ao com um raio de aproximadamente 50 quilómetros a partir
binário urbano-rural. daquele ponto já endossado como sede oficial. Os índios e
O binário urbano-rural constituía, nessa época, em pleno mestiços acompanhavam nessa distribuição, quer como pe¬
século XVII, a tese mais cara ao mundo que orbitava em têr- ças de serviço” na escravaria das fazendas, quer como “almas
mos europeus, inclusive e principalmente no que dizia res¬ administradas” das inúmeras aldeias que repetiam o estilo
peito às instalações de conquista. A ocupação das “vacareis”, dos estabelecimentos colonos. Mais tarde, êsse raio foi ex-
o remanejamento dos núcleos existentes e o desenvolvimento lendido para mais de 100 quilómetros, porém já numa época
geral da população urbana, inclusive por motivo das fran¬ em que a decadência marcava, com seus sinais ineludíveis, o
quias e da relativa liberdade que aí conquistavam os “servos esfacelamento próximo dêste estilo da formação regional.
da gleba”, o comércio e os novos têrmos do mercado e da Os “restos” de habitações das classes dirigentes paulis¬
produção, transformaram a temática urbana em tônica da tas do século XVII e comêço do século XVIII o testemunho
Europa post-Renascença. De qualquer modo, porém, as pre¬ cabal dêsse estilo da sociedade paulista. Mesmo as habita-
liminares de divisão da terra estavam de antemão estabele¬ ções daqueles homens que exerciam importantes cargos de
cidas e estabelecimento do binário urbano-rural é apenas direção na governança da terra estavam localizadas em pon¬
uma nova forma de gregarismo da população européia. Na tos afastados da “cidade”. Para esta, os homens somente
América, o fenômeno é totalmente novo, desde as suas raí¬ ocorriam nas ocasiõe de reuniões ou festas religiosas. Por
zes abstratas de divisão da terra, até as formas adotadas pa¬ outro lado, a precariedade das instalações urbanas é atesta¬
ra instalar as cidades. Se na Europa o quadro geral de da pelas inegligíveis referências exaradas nas atas da Câ¬
ocupação de terra já estava esboçado e comprometido, na mara e nos demais documentos que compõem a documenta¬
América está sujeito de um lado às imposituras de ordem ção escrita da época. A Casa da Câmara não existia como
erudita, como é o caso da aplicação das Leyes de lo Reyno edifício próprio; abicava aqui ou ali, em moradas particula¬
de las índias na América Espanhola, enquanto que as condi¬ res, ao sabor dos acontecimentos. O reticulado urbano, que
ções empíricas da colonização podiam, cm alguns casos, de¬ tanta expressão alcançava na América espanhola, e mesmo
monstrar o predomínio de fatores regionais e locais, como é em certas partes da Colonia Portuguêsa, era recusada pelos
o caso da solução paulista. colonos mestiços de São Paulo.
Pelo menos duas ações de ordem erudita inspiraram a O próprio Jesuíta, tão insistente e jeitoso nas táticas de
colonização ibero-americana: a associação das ordens reli¬ luta, foi afinal envolvido pela tese que era contrária aos
giosas com as utopias e os preceitos hipodâmicos revelados interêsses da Companhia; as aldeias, que representavam
pelos Dez Livros de Vitruvio. Os jesuítas e os franciscanos uma tese ancilar da instalação paulista no século XVII, se
íoram os portadores das idéias respectivamente de Campa- aninharam na forma preferida pelos colonos, em círculos
nela e Tomaz Morns e o reticulado hipodâmico, que sempre concêntricos e sucessivamente afastados de Piratininga. Na
estivera aliado, desde a sua criação por Hipodamus de Mile- base dêste envolvimento, estavam as doações de terras feitas
to, ao imperialismo colonizador, assumiu um caráter domi¬ pelos colonos mais afeiçoados à Companhia e nas quais os
nante na legislação que pretendia disciplinar a instalação soldados de Jesus se instalavam bem ou mal. Geralmente
espanhola na América. As Leys de lo Reyno de Ias índias mal, e longe de lembrar aqueles estabelecimientos carismá¬
traduzem e acolhem, literalmente, o capítulo poli ano refe¬ ticos da República Guarani. Carapicuiba, Embú, São Miguel,
rente à instalação de cidades. Escada, Barueri, Itaquaquecetuba, etc., são aldeias que tive-
88 ARQ. LUÍS SAIA
las são fundadas, abrindo novas terras ao cultivo e à ocupa¬ com o criatório extensivo, com a política predatória que foi
ção. No Norte são estabelecidas as vilas de Cunha, São Luiz acolhida pela agricultura. Todos êsses fatos significam na
do Paraitinga e Lorena; no arqueano, na direção das Minas, verdade uma preliminar para o esquema resolutamente co¬
são fundadas Atibaia e Bragança, e, nos limites do arqueano lonial que envolveria o país na fase seguinte. Todas a ini¬
com a primeira faixa do sedimentário, adentrando pelo ser¬ ciativas partem do govêrno ou significam uma ação paterna¬
tão, Campinas e Porto Feliz põe a diposição dos novos habi¬ lista governamental. Em têrmos de tese coletiva, todo êsse
tantes as terras férteis de conformação favorável ao cultivo período não conseguiu levantar uma linha de desenvolvi¬
extensivo; Apiaí, Itapetininga e Faxina cobrem a região do mento capaz de formas explícitas independentes e definidas;
Sul, intensificando o comércio de gado pelo Caminho do a ação oficial acusava uma dependência frente à atuação
Viamão, centralizando na Vila de Sorocaba; no litoral Norte pertinaz do capitalismo.
a fundação de Vila Bela da Princesa oficializa a ocupação As construções e instalações que cobrem o desenvolvi¬
realizada no período anterior, em busca de estabilização. O mento regional desde 1765 até 1834 não explicitam partidos
govêrno promove censos e determina a reabertura de estra¬ capazes de representar uma preferência coletiva; ou repre¬
das e fundação de novos núcleos de abastecimentos destinados sentam a repercussão de soluções abstratas impostas ao sa¬
a proteger o transporte da produção que ràpidamente cresce, bor das circunstâncias, como é o caso de algumas residências
principalmente nas balidas do sedimentário que se cobre de urbanas e das construções religiosas, ou estão irremediàvel-
canaviais e de engenhos. O marques do Lavradio manda vir da mente marcadas pela insubstância que procede da pobreza
Bahia especialistas no preparo do fumo. Tudo se faz para in¬ e da dependência. No primeiro caso estão os exemplos da
centivar o cultivo do anil e do algodão. Montam,-se fábricas capela votiva do Pilar, de Taubaté, da reforma da igreja
de tecido grôsso e de cerâmica, e a fábrica de ferro do Ipane¬ seiscentista de São Miguel, executada por Frei Mariano da
ma é posta a funcionar sob a direção do ituano João Manso. Conceição Veloso, que trouxe de Minas Gerais o apêgo, pelo
Embora de modo precário, e com uma. técnica insustentável, adobe, técnica geralmente discrepante na área paulista, e nos
intensifica-se a navegação pelo Tietê e a de cabotagem, no inúmeros exemplos de construções religiosas executadas em
litoral Norte. Procura-se instalar um serviço postal com ga¬ São Paulo, em Mogi das Cruzes, Jacareí, Itú, Sorocaba, Tau¬
rantia de sigilo de correspondência e as mulheres são proibi¬ baté, Santos, etc., e cuja inconsistência estilística apenas faz
das de andarem “rebuçadas”. Criam-se “escolas menores” e éco à própria inconsistência económica que persegue êste
introduz-se o ensino no plano do saber epecializado, inclusi¬ período da vida paulista. Isto explica a ausência do explen-
ve com aulas de “cirurgia”. Constroe-se finalmente a Casa »,or plástico, tão caracteristico do século XVIII, e tão exube¬
de Câmara e Cadeia da cidade de São Paulo e inicia-se a pa¬ rante em Minas, na Bahia, no Rio de Janeiro e Pernambuco.
vimentação da ruas da capital, assim como os trabalhos de Um confronto mais detido entre a arquitetura religiosa
saneamento do Tamanduateí. de Minas e São Paulo do século XVIII revela que abundava
É claro que se tudo isso reflete de um lado a relativa naquela o que faltava às construções paulistas: aquela ri¬
vitalidade surgida com a restauração da Capitania e como queza proveniente da fartura do ouro e da nitidez das teses
decorrência das pretenções militaristas do Morgado de Ma¬ coletivas de instalação . Às matrizes mineiras do século XVIII
teus, de outro lado representa um ralo sôpro longínguo das ricas como as de Sabará e Antônio Dias, se opõem às matri¬
idéias que varriam o pensamento europeu, desobstruindo-o zes paulistas, mais pobres do que propriamente severas, como
das formas estruturais medievais e preparando-o para o as de Porto Feliz e Taubaté; às igrejas das Ordens religio¬
amadurecimento do capitalismo e advento do imperalismo. sas mineiras, vigorosas e decididas na sua formulação e na
Aqueles emperramentos que provocaram a proibição das sua definição plástica, como as franciscanas de Ouro Preto
indústrias (1785) e forjaram Iguatemi, que liquidaram a ou São João.Del Rey, e opõem as igrejas paulistas apoucadas
franquia da cabotagem (1802), embora aparentemente supe¬ e pobres, sem pretenção de representar coisa alguma que
rados pela vinda da família real para o Brasil, na verdade não fôsse uma proteção governamental interessada mas pí¬
representavam a preparação do país para o regime da explo¬ fia, e o natural fervor religioso da população da época. En¬
ração colonial que veio afinal com a monocultura do café, quanto nessa época; em Minas, as construções religiosas têm
100 ARQ. LUÍS SAIA
MONUMENTOS HISTÓRICOS E ARTÍSTICOS DE S. PAULO 101
uma retaguarda armada numa forma gregaria bem definida,
carregada de intenções e com grande vivacidade no piano já liquidada a exploração do ouro de lavagem, iniciaram um
da emulação, em São Paulo representam um empenho do movimento para São Paulo, trazendo consigo as caracteristi¬
govêrno e do clero, ambos tentando aparentar vitalidade, e cas das construções montanhesas. Já foi mencionado o caso
sobretudo um desesperado esforço da população em luta da reforma da igreja de São Miguel pelo frei Mariano da
contra a pobreza e a insolubilidade da vida coletiva falta de Conceição Veloso, em fins do século XVIII. Nas construções
substância económica. rurais foram identificadas duas residências que documentam
Dentre a construções civis, a Casa de Câmara e Cadeia êste torna viagem; uma, no município de São Luis do Pa-
(1784/88), o Hospital Militar (1797). o Quartel dos Volun¬ raitinga (Fazenda Alves), e outra, nas proximidades de Al-
tários (1776/90), o Mercado Público (Casinhas, 1773), o Cha¬ tinópolis (Fazenda Jaborandi), ambas do' inicio do século
fariz da Misericórdia (1792) e especialmente a estrada São XIX.
Paulo-Santos (1827), chamada Caminho do Mar, constituem Nada entretanto, que pudesse indicar uma base sólida
coisas de iniciativa governamental. É verdade que esta ação do para a organização da coletividade paulista em têrmos de
govêrno era acompanhada por um esfôrço da população, es¬ determinadas preferências por esta ou aquela solução coleti¬
forço êste que é expresso principalmente pelo número de en¬ va, por êste ou aquele partido construtivo resultante de es¬
genhos arrolados pelo Ensaio do Quadro Estatístico de 1834, pecíficas condições regionais. E nada, portanto’ equiparável
e espalhados na faixa sedimentária que se dispõe em seguida ao que ocorrera no período bandeirista (1611-1727), nem do
ao arqueano, na zona de Campinas, Itú e Sorocaba. Vale que ocorreria em seguida, com uma coletividade perfeita¬
anotar também que alguns núcleos de população, que não mente alinhada segundo os têrmos de uma tese principal e
estavam enquadrados na visão oficial, foram instituídos à de teses ancilares definidas e claras.
revelia da inspiração governamental. O período que vai do Ato Adicional (1834) responsável
Um tipo de construção característica desta época, rela¬ pela organização interna do país já politicamente indepen¬
cionada com a relativa vitalidade que alcançava a popula¬ dente até 1929, ano em que uma crise internacional estourou
ção, é a de edifícios destinados a albergar as tropas e via¬ a estrutura agrária colonial, tem como tese principal a da
jantes, localizados especialmente nas saídas das cidades. instituição do binário urbano-rural, sob o qual se efetuou a
“Restos” ou apenas lembranças destas construções foram ocupação territorial, demográfica e económica da maior par¬
identificadas em Sorocaba e Atibaia. te do Estado de São Paulo . A população, que em 1834 era da
As edificações mais caracteristicas dêste período pau¬ ordem de 330.000 habitantes, ganha uma firme curva de
lista estão situadas no litoral, principalmente em Ubatuba crescimento, atingindo 837.354 em 1872, 1.384.753 em 1890,
e São Sebastião. A mais notável de tódas, pela excelência 2.282.279 na passagem do século, pràticamente dobrando
da sua impostação arquitetônica é, sem dúvida, uma peça nos 20 anos seguintes pois em 1920 acusava 4.592.188 habi¬
encontrada em São Sebastião (Casa Esperança), mixta de tantes. Quando estourou a crise de 1929 a população rondava a
residência e comércio, e cujos tetos, decorados no início do casa de 6.000.000, com uma contribuição da ordem de...
século XIX, época que fixa também nesta residência e comér¬ 1.000.000 de estrangeiros naturalizados e imigrantes. Dêsse
cio, e cujos tetos, decorados no início do século XIX, época montante,, quase a metade vivia nas lides rurais e, desta
que fixa também nesta residência, a substituição das portas metade, pelo menos 1/3 está vinculada à cultura do café. Até
cegas dos janelões do sobrado por peças envidraçadas e os 1834 existiam 29 sedes municipais, repartidas da seguinte
gradis do balcão por trabalho de ferro com encaixe, para maneira: 7 na zona da capital, e 7 também no litoral; ao norte,
luminárias . na direção da Corte, 6; na direção de Sorocaba e Sul, 5; na
Do ponto de vista das construções rurais, além dos edi¬ zona de Campinas, 2; na zona de Piracicaba, 1 e na zona de
fícios que serviam à indústria do açúcar e cuja procedência Franca, 1. Por outro lado,a produção de café na época do
da arquitetura residencial seiscentista é patente em alguns Ato Adicional é da ordem de 600.000 arrobas. Em 1930, dos
exemplares já identificados em Sorocaba e Itú, vale anotar 243 municípios existentes no Estado, 214 haviam sido funda¬
a arquitetura dos mineiros que, no comêço do século XIX, dos sob o regime da economia do café, entre os anos de 1834
e 1929. Desde 1855, quando já contava com uma produção de
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4.338.756 arrobas, produzidas em mais de 2.500 fazendas, a
cultura do café tendia “a reduzir consideràvelmente, e não a ar frio provenintes da Frente Polar Continental. Há quem
i bsorver tôdas as demais indústrias agrícolas”.
pense que a malária teria afastado a cultura do café das bai¬
Atras dêsses dados estão os fatos que contribuiram decisi¬ xadas. É possível que êste motivo tenha agido psicologica¬
vamente para definir o quadro de ocupação territorial de¬ mente de algum tanto, porém jamais constituiu razão rele¬
mográfica e económica e cultural da maior parte do território vante, posto que alguns terrenos ribeirinhos, especialmente
paulista e que, além disso, influíram substancialmente no re- ricos, foram largamente aproveitados, como é o caso das
manejamento daquela parte que fôra anteriormente ocupada . margens do rio Mogi Guassú, na região de Água Vermelha,
F. um fato da maior relevância se configura, dede logo, como de cuja riqueza saiu uma equipe de políticos e dirigentes do
responsável pelo desenvolvimento regional: é o elevado nú¬ fim do Império e comêço da República.
mero de pessoas exigido pela técnica tradicional de cultura, 2) Paralelamente a essa primeira tese ancilar, e natural-
beneficiamento, transporte e comercialização do café. De mente em consonância com ela, duas outras teses recebem
fato, o grupo de tese ancilares através das quais a tese prin¬ uma definição bastante clara. A primeira diz respeito à dis¬
cipal (binário urbano-rural) acolhe as mais diferentes in¬ tribuição das cidades em rosários estendidos ao longo dos es¬
fluências que travaram o desenvolvimento regional, cada pigões; a segunda está no estabelecimento de uma rêde fer¬
uma delas têm sempre na sua estrutura e refarto manancial roviária de forma dendritica, também preferindo as diretri¬
demográfico, na sua condição numérica em primeiro lugar, e zes dos espigões que demandam a calha do rio Paraná, e
depois nas demais condições, económicas, culturais, políti¬ convergindo para o fulcro São Paulo-Santos.
cas, etc. Dentre as numerosas teses ancilares que formam A tese das cidades em rosário se afigura simplesmente
êsse grupo, seis parecem constituir a família dominante, res¬ uma decorrência do gôsto do café pelos solos mais altos,
ponsável pelo que há de mais característico na formação mas traz no seu bojo os elementos fundamentais do processo
paulista dêste período. Sua simples enumeração é bastante evolutivo que sofreram 90% das cidades fundadas durante
para denunciar a maneira pela qual se enquadram no con¬ êste período, nascido nas imediações de pequenos córregos, e
texto geral da evolução paulista e qual a importância de ca¬ cujo crescimento lhes impos uma fuga dêsses mananciais,
da uma nos resultados finais dêste ciclo económico. inicialmente fontes de abastecimento e depois transformadas
1) A Conquista territorial por faixas sucessivas e a cul¬ em fator negativo, pela poluição e pelas enchentes. Daí uma
tura extensiva constituem uma primeira tese ancilar do ciclo incoercível tendência das cidades paulistas de instalarem
do café. Esta dinâmica geográfica, o estabelecimento de fai¬ seu centros principais, ou na linha de cumiada, ou tendendo
xas pioneiras sucessivas e contínuas e a cobertura, relativa¬ para ela. Note-se ainda, neste sentido, que algumas cidades
mente rápida, de larga extensão territorial, constituem ca- de certa importância, situadas nas margens de rios volumo¬
racterísticas peculiares da cultura do café em São Paulo, e sos, ou foram criadas antes do período do café, ou represen¬
ainda hoje se prolongam pelo Norte do Paraná e Sul de Ma¬ tam casos excepcionais de solos férteis ribeirinhos, como é
io Grosso. O aproveitamento do humus e do cimento calcá- o caso, já mencionado, na zona do rio Mogi Guassú. Esta
reo disponíveis em determinados tipos de solos paulistas, condição do regime urbano no estado de São Paulo é um
juntamente com uma política agrágria de tipo predatório, fator inegligível na tradição negativa da navegação fluvial
estiveram na base desta decisão tipo. Os espigões, onde o ci¬ regional .
mento calcáreo se conservara melhor, e por isso também 3) a rêde viária de forma dendritica, em que pesa re¬
melhor aquinhoados de florestas e, consequentemente, de presentar uma repercussão direta da preferência do café
humus, apontaram as direções preferenciais para os cami¬ pelos solos de espigão, constitue, significativa e especialmen¬
nhos do café em demanda do interior do Estado. 0's terre¬ te no caso paulista, um fiel retrato da condição colonial da
nos de baixada, nos quais o calcáreo fôra carreado pela li¬ economia do café, cujo esquema básico reside na exportação
xiviação, foram postos de lado, quer por motivo da sua aci¬ da produção primária e importação dos produtos industria-
dez, quer porque os vales dos rios que demandam a calha do ’Eados, Atras dêste esquema está a divisão internacional do
Paraná, formam canais favoráveis ao percurso de ondas de trabalho, está a estrutura filosófica que sustentou a formação
das profissões sob o regime capitalista, está a tradição prefe-
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rencial da engenharia (o Gabinete Topográfico foi fundado em de Mato Grosso e Norte do Paraná, nas áreas submetidas ao
São Paulo em 1835 e a Escola Politécnica tinha, na época da mesmo impulso de colonização, é perfeitamente possível pre¬
sua fundação, o período de aulas coincidente com o entre- ver o que acontecerá com os estabelecimentos urbanos exis¬
safra do café) e está, principalmente, aquêle processo de tentes, e quais aqueles que terão a responsabilidade de centros
involução da técnica para níveis artesanais, que explicam a das sucessivas zonas e, portanto, quais os equemas mais ren¬
escala em que as iniciativas de conteúdo explícito progressista dosos para as vias de transporte.
poderiam tantas vêzes trabalhar no sentido de entravar o Esta compartimentação das diferentes zonas do Estado,
progresso e amarrar o esforço coletivo a reboque de interêsse conseqíiência direta de uma colonização subordinada à eco¬
contrários ao desenvolvimento regional. nomia do café, oferece as condições preliminares para a
Uma rêde viária regional armada especificamente como regionalização da produção e para remanejamento da rede
um dispositivo de transporte destinado a atender, com exclu¬ viária existente.
sivismo, ao esquema colonial de economia, certamente se Se no âmbito da tecitura económica e demográfica re¬
afastou de outras soluções porventura mais inteligentes e gionais essas teses ancilares marcam a tônica do ciclo do café,
equilibradas. Mas a sua subordinação completa a um esque¬ no ambiente estrito das áreas urbanas, pelo menos duas teses
ma particularita, não só a afastou de uma análise isenta devem ser enunciadas: hipodamisação do traçado urbano e
do problema, como a colocou numa posição chave, capaz tratamento artesanal dos problemas técnicos.
inclusive de levar o esquema da economia colonial à contra¬ 5) Hipodamisação do Traçado urbano. Ao contrário do
dição fundamental dêste. ciclo económico, isto é, à metropoli- que aconteceu na América Espanhola, onde o reticulado hi-
sação da Cidade de São Paulo, primeiro passo para a liber¬ podâmico foi uma imposição abstrata comendada, desde os
tação dêsse esquema. Como arranjo montado para servir à primórdios da colonização, pela Leyes de lo Reyno de las ín¬
essa economia, essa rêde representa, melhor do que qual¬ dias, nas cidades paulistas, o reticulado foi imposto por par¬
quer outro aspecto do desenvolvimento paulista, o retrato de celas sucessivas e tomando como pontos de partida as divisas
uma dependência económica e cultural. das glebas. Em consequência, as nossas cidades resultaram
4) A simbiose café-ferrovia, aliada às condições parti¬ numa soma de reticulados parciais, cuja implantação depen¬
culares da geologia e da pedologia, facultou o surgimento de deu dos limites naturais (córregos e espigões) que constituíam
uma nova tese regional: a formação de zonas centralizadas os marcos menos sujeitos a controvérsias e pendências judi¬
em cidades chaves. A bitola das mesopotamias caracterís- ciais. Esta desracionalização do reticulado hipodâmico, que
ticas, e o percurso entre cidades categorizadas como centros correspondia, em certo sentido, ao próprio reticulado dos
nas diferentes zonas do Estado, são os parâmetros que defi¬ talhões de café, representa também uma forma de tratamen¬
nem tais compartimentos. Na região oeste do Estado isto to artesanal dos problemas de implantação urbana.
se verifica com particular clareza, ao longo das linhas da 6) Tratamento artesanal dos problema técnicos. Três
Araraquarense, do Noroeste do Brasil, da Alto Paulista, da aspectos desta tese ancilar parecem de particular relevância:
Sorocabana, Araraquara, Rio Preto, Votuporanga; Baurú, o condicionamento das soluções de equipamento às formas
Lins, Araçatuba e uma previsão para Andradina: Marilia e de implantação urbana adotadas, o monopólio dos serviços
alternativas para Tupã e Lucélia; Ourinhos e Presidente Pru¬ públicos fundamentais e a importação dos estilos.
dente. A probalidade para Lucelia é demonstrada pelo espa¬ A dinâmica do desenvolvimento das cidades e seus com¬
çamento maior entre Ourinhos e Presidente Prudente. Êste promissos iniciais de implantação, juntamente com o aspecto
espaçamento maior explicita a interveniência de um novo financeiro que desde logo esmaga as administrações munici¬
fator: o transporte rodoviário, colocado pela política oficial pais, restringindo seu fôlego independente de ação a um mí¬
em posição de preferência. nimo definido pela sua capacidade de reter, no âmbito mu¬
Fora da área do sedimentário do Oeste do Estado, Ri¬ nicipal, uma parcela minima da arrecadação tributária, colo¬
beirão Preto, Barretos, Franca, Casa Branca, Botucatú, So¬ cam o problema dos equipamentos urbanos numa dependên¬
rocaba, Itapetininga, Taubaté, etc., repetem o fenômeno. cia total e num estado carencial crónico. Quando um proble¬
Nos extremos ainda não completamente ocupados, como Sul ma de equipamento é resolvido, geralmente já entrou num
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regime de desespêro, e isto facilita a aceitação de qualquer seguiram se salvar, pelo menos parcialmente, e alcançar
solução, mesmo as que se afiguram mais contrárias aos inte- maior legitimidade como expressão de cultura regional.
rêsses locais. Esta circunstância situa as administrações mu¬ É claro, por tudo o que foi dito, que o documentário
nicipais na mais completa dependência dos órgãos estaduais, mais decisivo desta época é constituído pelo conjunto das ins¬
de técnica ou de crédito, obrigando-as a aceitar, não só talações que resultara desta fase da formação paulista. Difi¬
aquelas soluções involuidas configuradas pelo conhecimento cilmente se conseguiria destacar uma cidade que, em seu con¬
incompleto dos problemas locais, mas especialmente aquelas junto, pudesse representar, como monumento característico,.
lormas de realização que conduzem os serviços públicos a ti¬ o ciclo do café com tôdas as suas implicações e com um mí¬
pos de monopólios inteiramente contrários aos interêsses do nimo de unidade. Inclusive e principalmente porque os re¬
povo. Nas cidades do interior, tal problema fica muitas vê- sultados dêste ciclo económico levaram a região a novas-
zes no plano simples do mal feito e da solução menor, pois proposições, .atualmente ainda em curso . Caso totalmente
que os volumes financeiros em jôgo nunca foram de molde diversos, por exemplo, do que aconteceu com as instalações
a despertar o interêsse dos grupos de cúpola que estava em do ciclo do ouro, cujas cidades, uma vez estancada a fonte de
posição de aproveitar estas disponibilidades proporcionadas produção principal, estacionaram numa determinada fisiono¬
pelo esquema capitalista. Na capital, entretanto, e de uma mia urbana característica. Neste sentido, nem mesmo aque¬
fornia mais geral, na implantação dos equipamentos que gi¬ las cidades paulistas cujo desenvolvimento principal se rea¬
ravam na órbita estadual, a concessão de serviços públicos lizou num tempo limitado e que, por isso, oferecem um nú¬
fundamentais representou sempre uma forma negativa de mero maior de monumentos dêsse tempo, nem mesmo essas
dependência de grupos estrangeiros, perfeitamente capazes cidades apresentam um conjunto cuja unidade justifique sua
de absorver o quinhão principal. Em troca, além de uma caracterização global.
prestação de serviços geralmente abaixo da critica, impunham Uma ou outra peça merece entretanto uma atenção es¬
compromissos negativos, no aproveitamento das disponibili¬ pecial, quer pela singularidade do seu valor arquitetônico,
dades especiais, e técnicas. quer pelo significado histórico eventualmente expresso por'
A importação de técnicos, que aqui sofriam um processo essas construções. Ê o caso por exemplo, das Casas de Câ¬
involutivo no sentido de perder inteiramente a inteligência mara e Cadeia de Santos e Atibaia e da Chácara do Viscon¬
dos problemas, correpondeu a importação dos estilos, que de, em Taubaté. A Casa de Câmara e Cadeia de Santos,.,
aqui também perdiam a substâncias que, nos países de ori¬ sôbre constituir uma peça de arquitetura oficial perfeita-
gem, os explicavam e justificavam. mente característica da época (1836), soma à essa condição,
Tal quadro expressava um regime de dependência eco¬ já de si bastante, aquela de ser o primeiro edifício onde se
nómica e cultural, e representava a etapa preliminar para a expressa a instituição do poder civil do país independente,
desfiguração da maioria dos monumentos dêste período, re¬ logo em seguida ao Ato Adicional. A sede da Chácara do
duzindo-os a um tipo de amostragem de significado conside¬ Visconde, em Taubaté, padrão das tradicionais chácaras que
ravelmente restrito. O “art nouveaux” em São Paulo, que envolviam as cidades do café, e que os loteamentos sucessi¬
ofereceu peças individualmente de primeira qualidade, é um vos foram abocanhando impiedosamente, foi também a re¬
exemplo da aplicação vasia de substância. Enquanto na Eu¬ sidência que viu nascer Monteiro Lobato, o qual associou a sua(
ropa êste estilo equivale a um grito de libertação da madena- imagem à sua obra de literatura infantil, que tamanha pene¬
tura clássica, que emperrava as manifestações artísticas, em tração e endosso vem alcançando da infância brasileira.
São Paulo foi apenas e simplesmente um dos muitos estilos Das sedes das antigas fazendas de café do Estado de São.
importados por uma classe dirigente submetida, de alto a bai¬ Paulo vale indicar desde logo a da fazenda Pau Dalbo, no
xo, ao esquema colonial de economia e de cultura. município de São José do Barreiros, a qual, pela circunstân¬
Enquanto a arquitetura oficial e religiosa sofreram mais cias de ser das mais antigas, das que expressam uma organi¬
com tal situação, posto que estavam numa dependência mais zação especial inteiramente determinada pela monocultura,,
direta da mentalidade dos grupos de cúpola, a arquitetura e ainda, pela experiência do enunciado plástico, merece um
de residência, tanto rural como urbana, de certo modo con¬ destaque. Para cada região e para cada época do longo ci—
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