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EDITOR
DESDE 2004, JOSÉ RODRIGO RODRIGUEZ

DIREITO – PERIÓDICOS. I. São Paulo. DIREITO GV


Todos os direitos desta edição são reservados à DIREITO GV

DISTRIBUIÇÃO

CADERNOS DIREITO GV COMUNIDADE CIENTÍFICA

v.5 n.5 : setembro 2008


ASSISTENTE EDITORIAL
FABIO LUIZ LUCAS DE CARVALHO

PUBLICAÇÃO DA DIREITO GV PROJETO GRÁFICO

ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO ULTRAVIOLETA DESIGN

DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS


IMPRESSÃO E ACABAMENTO
COPIBRASA

DATA DA IMPRESSÃO SETEMBRO/2008


ISSN 1808-6780 TIRAGEM 500
PERIODICIDADE BIMESTRAL

CORRESPONDÊNCIA
PUBLICAÇÕES DIREITO GV
RUA ROCHA, 233 - 7º ANDAR
01330-000 SÃO PAULO SP
WWW.FGV.BR/DIREITOGV
PUBLICACOES.DIREITOGV@FGV.BR

OS CADERNOS DIREITO GV TÊM COMO OBJETIVO PUBLICAR RELATÓRIOS DE PESQUISA E TEXTOS DEBATIDOS NA
ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO. A SELEÇÃO DOS TEXTOS É DE RESPONSABILIDADE DA COORDENADORIA DE
CADERNOS DIREITO GV
PUBLICAÇÕES DA DIREITO GV. v.5 n.5 : setembro 2008
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APRESENTAÇÃO
O objetivo deste evento, realizado em 03 de outubro de 2006, foi
retomar o debate lançado em 2002 no evento "O que é pesqui-
sa em Direito?" (cuja transcrição foi publicada em livro pela
Editora Quartier Latin), partindo agora de um recorte temático
específico, Direito e Desenvolvimento, campo em que se concen-
tra a pesquisa de nossa Escola.
Tal campo, em nossa interpretação, pressupõe a existência de
uma via de mão dupla: de um lado, o Direito sendo demandado
por pautas de Desenvolvimento econômico, político e social e, de
outro, o Direito conformando e regulando o Desenvolvimento
conforme com sua racionalidade própria.
A proposta, portanto, é discutir, de um lado, como o Direito
pode potencializar o desenvolvimento econômico, político e
social e, de outro, como a pesquisa jurídica pode prestar a sua par-
cela de contribuição para este debate; vistos o desenvolvimento
da pesquisa em Direito e o Estado de Direito, em si mesmos, como
fatores de desenvolvimento.
Este pr imeiro seminár io sobre o tema contou com a presen-
ça de professores de dentro e fora da DIREITO GV, a quem
agradecemos a colaboração neste debate que, a partir de agora,
será contínuo.

O Editor
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ÍNDICE

PARTICIPANTES 9

ABERTURA
ARY OSWALDO MATTOS FILHO (DIREITO GV) 15

TEMA 1
PANORAMA ATUAL DA PESQUISA EM DIREITO NO BRASIL 17

MEDIAÇÃO
RAFAEL FRANCISO ALVES (DIREITO GV) 17

EXPOSIÇÃO
OSCAR VILHENA VIEIRA (DIREITO GV) 1 18

DEBATE
ROBERTO DA SILVA FRAGALE FILHO (UFF) 21
CELSO FERNANDES CAMPILONGO (USP) 32
OSCAR VILHENA VIEIRA (DIREITO GV) 42
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA (FGV/EESP) 48

PERGUNTAS
JOSÉ RODRIGO RODRIGUEZ (DIREITO GV) 51
FLAVIA PORTELLA PÜSCHEL (DIREITO GV) 51
ARY OSWALDO MATTOS FILHO (DIREITO GV) 52

RESPOSTAS
ROBERTO DA SILVA FRAGALE FILHO (UFF) 55
CELSO FERNANDES CAMPILONGO (USP) 57
OSCAR VILHENA VIEIRA (DIREITO GV) 58

TEMA 2
QUAL A IMPORTÂNCIA ATUAL DO DEBATE SOBRE 61
DIREITO E DESENVOLVIMENTO?

MEDIAÇÃO
MARIA LUCIA LABATE MANTOVANINI PADUA LIMA (DIREITO GV) 61

EXPOSIÇÃO
JOSÉ RODRIGO RODRIGUEZ (DIREITO GV) 61
MÁRIO GOMES SCHAPIRO (DIREITO GV) 67

DEBATE
MARIANO FRANCISCO LAPLANE (UNICAMP) 75
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GLAUCO ANTONIO TRUZZI ARBIX (USP) 80


LUIS CARLOS BRESSER-PEREIRA (FGV) 84

PERGUNTAS
OSCAR VILHENA VIEIRA (DIREITO GV) 93
ESDRAS BORGES DA COSTA (DIREITO GV) 93
RONALDO PORTO MACEDO JÚNIOR (DIREITO GV) 94
MICHELLE RATTON SANCHEZ (DIREITO GV) 95
GLAUCO ANTONIO TRUZZI ARBIX (USP) 95
MARIANO FRANCISCO LAPLANE (UNICAMP) 97

RESPOSTAS
JOSÉ RODRIGO RODRIGUEZ (DIREITO GV) 99
MÁRIO GOMES SCHAPIRO (DIREITO GV) 100
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA (FGV) 101

TEMA 3
MESA DE DEBATES:
PROJETOS DE PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO 2

MEDIAÇÃO
MAÍRA ROCHA MACHADO (DIREITO GV)

DEBATE
DIOGO ROSENTHAL COUTINHO (USP)
MICHELLE RATTON SANCHEZ (DIREITO GV)
RONALDO PORTO MACEDO JÚNIOR (DIREITO GV)
SAMYRA HAYDÊE DAL FARRA NASPOLINI SANCHES (UNITOLEDO)
VLADMIR OLIVEIRA DA SILVEIRA (FADISP)
WELBER OLIVEIRA BARRAL (UFSC)

APÊNDICE
PERSPECTIVAS PARA A PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO
JOSÉ RODRIGO RODRIGUEZ 105

1 Como o professor Marcos Nobre (Unicamp) não pôde estar presente no evento,
o texto “O que é pesquia em direito” foi apresentado pelo professor Oscar Vilhena
Vieira (DIREITO GV).

2 Infelizmente, por um problema na gravação, não foi possível transcrever esta parte
do evento.
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PARTICIPANTES

Ary Oswaldo Mattos Filho


Mestre em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP)
e em Direito Tr ibutár io pela Harvard University (Estados Unidos)
Doutor em Direito Tr ibutár io pela Universidade de São Paulo (USP)
Pós-doutor em Direito pela Harvard University (Estados Unidos)
Visiting Scholar na Harvard Law School (Estados Unidos)
Professor titular da Escola de Administração de Empresas da Fundação
Getúlio Vargas (FGV/EAESP)
Juiz do Tr ibunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo
Professor e diretor da DIREITO GV
Árbitro da Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA)
e da Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM)
Associado da Academia Brasileira de Direito Tr ibutár io (ABDT)
Associado efetivo do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP)
Presidente da Comissão Federal para Refor ma Fiscal
Ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliár ios (CVM)
Ex-membro do Conselho Monetár io Nacional (CMN)

Celso Fer nandes Campilongo


Mestre e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)
Pós-doutor em Direito pela Universita degli Studi di Lecce (Itália)
Livre-docente em Direito pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC/SP)

Diogo Rosenthal Coutinho


Mestre em Msc Regulation pela London School Of Economics
And Political Science (LSE) (Grã-Bretanha)
Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)
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Glauco Antonio Truzzi Arbix


Doutor em Sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP)
Pós-doutor em Sociologia pela Cor nell University (Estados Unidos),
pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) (Estados Unidos),
pela London School of Economics and Political Science (LSE)
(Grã-Bretanha), pela Columbia University (CUNYC) Estados Unidos
e pela University of Califor nia at Berkeley (UCB) (Estados Unidos)
Livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP)

José Rodr igo Rodr iguez


Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)
Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Editor da Revista DIREITO GV
Coordenador de Publicações da DIREITO GV
Pesquisador do Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro
de Análise e Planejamento (Cebrap)

Luiz Carlos Bresser-Pereira


Mestre em Master of Business Administration pela Michigan State
University (MSU) (Estados Unidos)
Doutor e livre-docente em Economia pela Universidade de São Paulo (USP)
Professor Emér ito da Escola de Economia de São Paulo da Fundação
Getulio Vargas (FGV/EESP)
Presidente e Editor da Revista de Economia Política do Centro
de Economia Política

Maíra Rocha Machado


Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)
Professora da DIREITO GV
Pesquisadora do Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro
de Análise e Planejamento (Cebrap)
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Marcos Nobre
Mestre e doutor em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP)
Pós-doutor pela Universitat Frankfurt an Main - Johann Wolfgang
Goethe (Alemanha)

Mar ia Lucia Labate Mantovanini Padua Lima


Doutora e mestra em Ciência Econômica pela Universidade de
Campinas (Unicamp)
Coordenadora de Relações Inter nacionais da DIREITO GV

Mar iano Francisco Laplane


Doutor em Ciência Econômica e Professor da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp)

Már io Gomes Schapiro


Mestre e doutorando em direito econômico pela Universidade de São
Paulo (USP)
Coordenador de Pesquisa da DIREITO GV
Pesquisador do Núcleo Direito e Desenvolvimento do Centro Brasileiro
de Análise e Planejamento (Cebrap)

Michelle Ratton Sanchez


Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)
Professora da Direito GV

Oscar Vilhena Vieira


Mestre e doutor em Ciência Política pela Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP)
Mestre em Direito pela Universidade de Columbia (Estados Unidos)
Pós-doutor pela St. Antonies College, Universidade de Oxford
(Estados Unidos)
Coordenador do Programa de Mestrado da DIREITO GV
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Rafael Francisco Alves


Mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP)
Assessor da Diretor ia da DIREITO GV
Professor do módulo de Mediação, Conciliação e Arbitragem do Curso
de Especialização em Advocacia Cível do Programa GVlaw (Direito GV)
e do DIREITO-PEC (DIREITO RIO)
Membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr)

Roberto da Silva Fragale Filho


Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC/RJ)
Doutor em Ciência Política pela Université de Montpellier (França)

Ronaldo Porto Macedo Júnior


Mestre em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP)
Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)
Pós-Doutor em Direito (Visiting Researcher) Yale Law School
(Estados Unidos)
Visiting Scholar na Harvard Law School Harvard University
(Estados Unidos)
Especializado em Direito do Consumidor pela Université Catholique
de Louvain (Bélgica)
Professor da DIREITO GV

Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches


Mestra em Direito pela Universidade Federal de Santa Catar ina (UFSC)
Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP)
Coordenadora e professora per manente do mestrado em Direito do
Centro Universitár io Toledo (Unitoledo)
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Vladmir Oliveira da Silveira


Mestre e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC/SP)
Professor da Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp)
Professor assistente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)

Welber Oliveira Barral


Especializado em Teor ia e Análise Econômica pela Universidade do Sul
de Santa Catar ina (Unisul)
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catar ina (UFSC)
Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)
Pós-doutor pela Georgetown University (GU) (Estados Unidos)
Professor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra)
Professor licenciado Universidade Federal de Santa Catar ina (UFSC)
Professor visitante da American University (AU) (Estados Unidos),
Penn State University (PEU) (Estados Unidos), Vytautasmagnus University
School of Law (VMU) (Lituânia), Universidad de Valencia (UV) (Espanha),
Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Secretár io de Comércio Exter ior do Ministér io da Indústr ia Comércio
e Desenvolvimento
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

ABERTURA

Ary Oswaldo Mattos Filho (DIREITO GV)


Bom dia a todos.
Uma das tradições que a Escola deseja quebrar é a de que o
Diretor da Escola se limite a abrir e fechar os eventos. O Diretor,
como qualquer ser humano, também gosta de aprender. Assim,
declaro abertos os trabalhos e, logo em seguida, vou me sentar
para escutar. Antes disso, gostar ia de dizer algumas palavras
sobre nossa Escola.
A DIREITO GV, desde a sua concepção, buscou criar alguns
diferenciais. O primeiro deles relaciona-se com as metodologias
para o ensino do Direito. É impressionante como os professores
primários e os professores de jardim de infância se preocupam com
metodologias de ensino em um grau bem maior do que no
Direito. Depois, no ginásio, essa preocupação ainda existe, porém,
vai diminuindo. Quando chega ao nível universitário, principal-
mente no que diz respeito ao Direito, a metodologia não só é
considerada irrelevante, como ninguém ensina um professor de
Direito a dar aulas. Eu aprendi a dar aula tentando copiar meus
bons professores. A sorte é que eu não optei por fazer Medicina.
Se eu fosse praticar Medicina aprendendo por mim mesmo, sem
ninguém para me ensinar como transmitir meu conhecimento, o
resultado poderia ser uma bela condenação penal (risos).
A pesquisa é outra atividade fundamental no campo do Direito,
mas pouco praticada. Nós realizamos, há um ano e pouco atrás,
o primeiro seminário sobre metodologia de pesquisa. O que é pes-
quisa em Direito? Como se faz pesquisa em Direito? Como
adequar a pesquisa em Direito à realidade brasileira? Por meio da
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

pesquisa livresca, baixando uma biblioteca inteira de autores


internacionais desligados do contexto nacional? A preocupação
com a pesquisa em Direito faz parte da alma desta Escola.
Dou as boas-vindas aos Professores Celso Campilongo, Roberto
Fragale Filho e Oscar Vilhena e ao nosso mediador Rafael Alves.
Bom trabalho a todos.

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TEMA 1 - PANORAMA ATUAL DA PESQUISA EM


DIREITO NO BRASIL

MEDIAÇÃO - Rafael Francisco Alves (DIREITO GV)


Bom dia a todos e ao Professor Ary Oswaldo, que acaba de
abr ir o evento.
Iniciaremos agora os debates de hoje, que conta com três pai-
néis. O primeiro trata do “Panorama atual da pesquisa em Direito
no Brasil”. Aproveito o momento para infor mar que o Professor
Marcos Nobre, infelizmente, não poderá estar presente por moti-
vos de saúde. O Professor Oscar Vilhena fará um relato sobre o
texto da exposição encaminhado pelo Professor Marcos.
Antes de passar a palavra aos demais debatedores, gostar ia
de fazer algumas breves considerações sobre a importância e o
significado deste evento.
Como o Professor Ar y Oswaldo bem disse, passaram-se já
alguns anos desde a realização do evento “O que é pesquisa em
Direito”, realizado pela DIREITO GV em 2002. Eu dir ia que,
de 2002 até o presente, tivemos muitos avanços, tanto do
ponto de vista externo quanto do ponto de vista interno da ins-
tituição. Do ponto de vista exter no, independentemente de
concordar ou não com a tese do Professor Marcos Nobre, o
texto teve uma repercussão muito g rande, o que foi uma sur-
presa, creio que para todos nós e para o autor. O texto teve
g rande repercussão na comunidade jurídica e de fato contr i-
buiu para reavivar a discussão sobre pesquisa jurídica. Do
ponto de vista inter no, aquele evento foi um marco para nossa
pesquisa institucional. Foi naquele momento que definimos
nossa linha de pesquisa, que passou a guiar nossos projetos e
publicações. Nossa aposta se deu na vinculação da pesquisa ao
contexto social em que se encontra o Direito, ou seja, pesqui-
sas empír icas e aplicadas. Nossa escolha já rendeu bons frutos,
como demonstram nossas publicações.
Agora há um novo desafio, a escolha da DIREITO GV por cen-
trar as suas pesquisas em um eixo temático específico: Direito e
Desenvolvimento. O eixo temático foi delimitado em 2005 e, após
um ano de produção e discussão a respeito, é chegado o momen-
to de abrir este debate à participação da comunidade externa.
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

Assim, o evento tem dois propósitos: retomar o debate inicia-


do em 2002 pelo texto do Professor Marcos Nobre sobre o que
é pesquisa em Direito e iniciar um debate com a comunidade
externa sobre o que seria pesquisa em Direito e Desenvolvimento,
foco de pesquisa da DIREITO GV. Passo, então, a palavra ao
Professor Oscar Vilhena.

EXPOSIÇÃO - Oscar Vilhena Vieira (DIREITO GV)


(trecho revisto pelo autor)
Gostar ia de agradecer imensamente ao Rafael Alves pelo
convite e pelo empenho da DIREITO GV na organização deste
evento, central para Escola. Como todos sabem, nosso progra-
ma de pós-graduação, que vem sendo organizado no passar dos
últimos anos, tem na pesquisa o seu eixo central. Daí a refle-
xão sobre a pesquisa no campo do Direito ser premente para
nosso programa.
O grande desafio desta Escola é superar o enciclopedismo e,
de certa for ma, romper um círculo autista que tem marcado de
maneira tão acentuada a maior o parte dos trabalhos acadêmi-
cos hoje produzidos no Brasil. Cr iar um campo propr iamente
jurídico de pesquisa, imbr icado na realidade brasileira, capaz de
responder aos grandes desafios de nossa sociedade e, mais do que
isso, voltado a contr ibuir cr iticamente com a construção do
desenvolvimento, nas suas vertentes política, econômica e social,
é o que nos propomos.
Minha missão aqui ser ia relatar o tema do Professor Marcos
Nobre, que infelizmente não pôde comparecer. Minha tarefa ini-
cial, portanto, será apresentar o seu texto “O que é pesquisa em
Direito”, escr ito quando esta Escola ainda estava em processo
de estruturação. Como tudo o que é produzido pelo Professor
Marcos Nobre, trata-se de um texto instigante e provocador.
Vindo de uma exper iência bastante sólida em pesquisa no
campo das ciências humanas, lançou um olhar exter no sobre o
que é feito no campo jurídico. A perspectiva privilegiada de quem
olha de fora é fundamental para aqueles que buscam fazer uma
reflexão crítica sobre o pensamento jurídico.
As proposições feitas pelo Professor Marcos Nobre em muito
se assemelham àquelas feitas por um outro colega, Martin Bomer,
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que coordena o programa de Direito da Universidade Santo


Andrés, em Buenos Aires. Ambos nos alertam sobre o problema
de que grande parte da reflexão jurídica é produzida por auto-
res que estão diretamente e, muitas vezes, profissionalmente liga-
dos aos problemas sobre os quais estão escrevendo. O pensamento
jurídico na América Latina desenvolve-se fundamentalmente em
torno dos seus praticantes, daqueles que atuam diretamente no
campo do Direito. Não há centros independentes de pensamen-
to jurídico que produzam uma reflexão autônoma sobre as ins-
tituições jurídicas e o próprio pensamento jurídico. Assim, grande
parte das análises jurídicas é derivada de um pensamento auto-
interessado, e não imparcial.
O Professor Marcos Nobre chamou isso de modelo do “pen-
samento jurídico do parecer”, ou seja, os jur istas são, por
excelência, parecer istas do mercado. Nor malmente, as ques-
tões jurídicas são práticas, e os juristas são pagos para resolvê-las.
Por exemplo, quando surge um problema relacionado à pr iva-
tização de um deter minado setor, alguém encomenda uma
justificativa jurídica para favorecer uma deter minada for ma de
resolver aquele problema. O jur ista, então, desenvolve a “enco-
menda”. Em um curto prazo, esse parecer vira um artigo e,
eventualmente, um livro de natureza acadêmica.
Assim, segundo o Professor Marcos Nobre, grande parte da
nossa reflexão acadêmica seria derivada dos impulsos que surgem
do mercado para a resolução de problemas concretos. Ressalto que
o professor não diz que esse seja o único modelo de reflexão aca-
dêmica, mas que representa uma parte substantiva da mesma.
Como conseqüência, a condição de verdadeiros e independentes
acadêmicos seria furtada. Os juristas estariam simplesmente a
reboque dos impulsos do mercado.
A prescr ição básica, tanto do Professor Marcos Nobre quan-
to do Professor Bomer, na Argentina, ser ia a cr iação de uma
institucionalidade distinta que permitisse ao acadêmico se dedi-
car de for ma integral à pesquisa em Direito, deslocando-o da
prática cotidiana. O Professor Marcos Nobre faz essa delicada
cisão. Ele não está dizendo que nós, acadêmicos de Direito, não
possamos ter mais contato com a prática, mas que precisamos
ter um contato desinteressado em relação a ela. Somente no
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

momento em que forem criadas as condições institucionais para


desenvolver uma reflexão independente e autônoma para a reso-
lução de demandas que provêem do mercado começaremos a fazer
uma reflexão propr iamente acadêmica no campo do Direito.
Penso que este seja o cerne da questão posta pelo Professor
Marcos Nobre. Reservo-me o direito de, posteriormente, fazer
alguns comentários críticos em torno de suas proposições.

MEDIAÇÃO - Rafael Francisco Alves (Direito GV)


Aproveitando para passar a palavra ao Professor Roberto
Fragale Filho.

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DEBATE

Roberto da Silva Fragale Filho (UFF)


(trecho revisto pelo autor)
Bom dia. Inicialmente, gostaria de agradecer o convite que a
DIREITO GV me fez por meio do Rafael. É uma oportunidade
única para conhecer uma instituição que já vem se assumindo como
referência, balizando a discussão sobre o que é pesquisa em Direito,
que tenho acompanhando pela Internet. Até então, essa era a única
forma por que eu tinha acesso às informações, além das publica-
ções, e assim se torna mais concreto o relacionamento com a
instituição. Aproveito para dar os parabéns ao Professor Oscar
Vilhena, que conseguiu fazer um resumo absolutamente fantástico
da proposta sustentada pelo Professor Marcos Nobre há alguns
anos. Essa proposta, em um determinado momento e à medida que
alguns de seus aspectos incomodavam ou suscitavam um problema
que me parecia mais complicado, deu origem a um artigo que
escrevi com o Professor Alexandre Veronese e foi publicado na
Revista Brasileira de Pós-Graduação (RBPG), editada pela Capes.
Lamento a ausência do Professor Marcos, não só pela impossibili-
dade de conhecê-lo, e demonstro meu prazer em rever o Professor
Celso Campilongo, que há muito tempo não encontrava.
Feitos esses comentár ios iniciais, apresento um roteiro de
minha fala. Primeiramente, trabalhando no texto que chamarei de
réplica ao Professor Marcos Nobre, pretendo identificar aquilo que
nos aproxima e distancia, apresentando quais são os pontos de con-
vergência e divergência. Em seguida, pretendo trabalhar um
pouco mais a proposta do Professor Marcos Nobre: quais são as
duas pistas que ele sinalizará como necessárias para que a pes-
quisa em Direito melhore e seja objeto de uma reflexão mais
consistente. Pretendo também explicitar o que entendo como pro-
blema na proposta do Professor Marcos Nobre, o que me chama
atenção como algo difícil de ser realizado e deve ser trabalhado
para que, eventualmente, a proposta dele possa se transformar em
realidade. Por fim, pretendo concluir minha fala apontando algu-
mas pistas que me parecem ser importantes e merecem ser
trabalhadas em um processo de reflexão sobre o que é ou o que
pode ser pesquisa em Direito.
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

Parece-me muito claro que o grande objeto de convergên-


cia é a preocupação com a pesquisa em Direito. O objeto de
reflexão que nos diz respeito são as for mas e como pode ser
construída a pesquisa em Direito, fazendo o que eu chamaria de
um diálogo explícito com o sistema nacional de pós-graduação.
Como trabalharemos a inserção da pesquisa nesse sistema?;
como a pesquisa será introduzida em espaços institucionaliza-
dos, em espaços educacionais, em laboratór ios?; como será
trabalhada e como posso ter, depois, a socialização do conhe-
cimento produzido? Esse me parece ser o grande ponto de
convergência entre os textos.
Por outro lado, existem algumas divergências que não pre-
tendo explorar, mas, ao contrário, pretendo me fixar naquilo que
o próprio Professor Marcos Nobre, no texto que nos enviou, sina-
liza com o que ele chama de pequena divergência entre os dois
textos. Que divergência é essa? Ele a coloca como uma espécie
de pergunta: a perspectiva da discussão epistemológica e meto-
dológica deve ser feita por meio de uma refor mulação ou não
da dogmática? Devemos fazer pr imeiro a refor mulação da dog-
mática e a discussão epistemológ ica e metodológ ica virá a
reboque dessa modificação, dessa renovação da dogmática? Em
um processo de renovação da dogmática, seremos obr igados a
discutir os métodos que vêm sendo utilizados até então?
Mas, diz ele, há uma segunda perspectiva que consistir ia em
colocar a dogmática em segundo plano em favor de uma refle-
xão inicial, epistemologica e metodologicamente mais consistente.
A ordem aqui é invertida e se faz necessár io, antes de proce-
der à renovação da dogmática, discutir a perspectiva
epistemológica e a perspectiva metodológica daquilo que se rea-
liza em ter mos de pesquisa na área do Direito. Entre essas
duas alter nativas será desenvolvido o debate entre os textos e,
em linhas gerais, esses são os pontos de convergência e diver-
gência entre eles.
Passando para o segundo momento da minha fala, ao que me
parece, o Professor Marcos Nobre sinaliza com uma perspectiva
segundo a qual a discussão epistemológica e metodológica deve
ser feita por meio de uma reformulação da dogmática. Parece pos-
sível decodificar essa resposta em dois momentos distintos.
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CADERNO 25

Primeiramente, o Professor Marcos trabalha a reformulação da


dogmática mediante o combate a um modelo de produção de pes-
quisa que ele chama de “modelo de parecer”. É fundamental, a
partir da linha de raciocínio desenvolvida por ele, combater esse
modelo na medida em que estaria atrelado à lógica da prática jurí-
dica e, por isso, sofreria um impacto ou influxo do mercado e da
demanda em relação a determinadas circunstâncias particulares
de conflito. Mas o Professor Marcos vai além e acrescenta que essa
resposta de reformulação da dogmática tem que ser feita comba-
tendo também o modelo em tor no do produtor da pesquisa.
Temos de romper com a lógica de que a pesquisa é feita apenas
pelo prático e lutar pela institucionalização, criação de institu-
tos de pesquisa e espaços dedicados à pesquisa.
Como essas duas perspectivas, esses dois modelos, esses dois
instantes se traduzem? Como vamos observar esses dois mode-
los? No primeiro texto escrito pelo Professor Marcos, “O que é
pesquisa em Direito?”, o combate ao modelo do parecer tomou
conta de sua reflexão. Já no texto que recebemos a reflexão do
professor está voltada àquilo que ele chamará de uma crítica intra-
dogmática, ou seja, uma crítica feita a partir da dogmática no
interior da dogmática e que, no limite da sua atuação, possibili-
tará uma reconfiguração da dogmática, aproximando-a da realidade
social. Na medida em que repenso a dogmática por dentro, alcan-
ço ou me aproximo de uma circunstância menos ideal e faço com
que a minha produção se abra à realidade.
Por outro lado, ele defende a profissionalização da ativida-
de da pesquisa. Claramente adentramos no terreno da sociologia
das profissões, em que uma nova profissão será criada. “Professor
de Direito” ou “Pesquisador em Direito” não mais ser iam ati-
vidades representativas do prolongamento de uma deter minada
realidade judicial. Ao contrár io, são atividades por si, e ele
sinaliza de forma muito clara como atividades full time, de dedi-
cação integral.
Não exporei os argumentos do texto que escrevi com o
Professor Alexandre Veronese: o texto está disponível na página
da Capes na Internet e tem uma quantidade enor me de tabelas
e estatísticas que não vale a pena reconstruir aqui, mas o que eu
gostaria de fazer neste momento, em que entro na terceira parte
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

do meu roteiro, é sinalizar o que identifico como um problema


na proposta do Professor Marcos Nobre.
Assim como dividi a proposta do Professor Marcos em duas
partes, trabalharei também sua crítica em dois momentos: o
primeiro chamarei de “reconfiguração da dogmática” e o segun-
do de “profissionalização docente na pesquisa”. O terceiro
momento será, portanto, também tratado em dois tempos: os pro-
blemas que identifico na reconfiguração da dogmática e os
problemas que reconheço na institucionalização ou profissiona-
lização por ele defendida.
É preciso, entretanto, ressalvar que boa parte dessas questões
não significa necessar iamente desacordo com o panorama que
o Professor Marcos Nobre está traçando. Apenas me parecem ser
problemas para alcançar aquilo que ele pôs como objetivo. Ele
sinaliza de for ma clara que deseja uma institucionalização, ou
uma nova institucionalidade da pesquisa, e, nesse aspecto, acho
que os nossos pontos de partida e de chegada são os mesmos.
O que se me afigura ser diferente são os percursos realizados nas
duas propostas ou naquilo que ofereço como alter nativa ao
problema que o Professor Marcos Nobre sinaliza. Quero deixar
claro que não pretendo apresentar uma resposta a esses proble-
mas, e sim juntar esforços para que eventualmente possamos
combatê-los juntos.
A reconfiguração da dogmática é o primeiro problema trata-
do pelo Professor Marcos Nobre. É inequívoco o que ele nos está
sinalizando: o parecer é um modelo vigente na produção de pes-
quisa em Direito. Se entrar mos em qualquer livrar ia,
encontraremos laudas e mais laudas de livros, revistas e artigos
em que temos a discussão quase inter minável construída em
torno da lógica de um parecer. Nos textos e teses e dissertações
de Direito que tenho examinado, em 99% das vezes, não é pos-
sível identificar uma hipótese de trabalho. Os trabalhos são
construídos por uma lógica argumentativa em que todo o percur-
so realizado pela demonstração é uma tentativa de convencimento
em torno de uma idéia inicial muito semelhante à resposta que
ofereço quando sou consultado para elaborar um parecer.
O que me parece problemático no argumento de Marcos
Nobre em relação à lógica do parecer é um pequeno detalhe:
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ele diz, no seu pr imeiro texto, que a lógica do parecer consis-


te em ignorar parte do mater ial disponível, ou seja, é como se
eu fizesse uma tr iagem, um processo seletivo em tor no do meu
objeto e utilizasse apenas aquilo que homologa ou ratifica a
minha opinião inicial, o que me parece um equívoco. A lógica
do parecer não é, ou pelo menos não me parece ser, exatamen-
te essa. Na verdade, ela não consiste em fazer uma seleção das
fontes, mas, ao contrár io, realizar um mapeamento das fontes e,
em seguida, fazer prevalecer uma sobre as outras, sob o argu-
mento da autor idade.
São lógicas absolutamente distintas. Não estou fazendo uma
escolha prévia, mas recenseando. Pensem em uma peça proces-
sual ou em um texto acadêmico: 99% das vezes o que lemos, e
esse é um vício dos meus alunos, é que, para falar sobre um assun-
to X, eu cito A, B, C, D, tenho de obrigatoriamente me referir a
Pontes de Miranda e, no final, concluo sempre com uma adjeti-
vação bastante intensa: “na opinião do preclaro”, “na mais
abalizada doutrina” ou “filio-me”. Nesse caso, existe uma lógi-
ca quase partidár ia, filio-me à corrente de fulano, cicrano e
beltrano. Construo meu argumento como um argumento de auto-
ridade, em que a opinião de A prevalece sobre a opinião de B. Essa
construção é parte de um longo processo que remete aos pruden-
tes romanos. A lóg ica do parecer não está calcada em uma
demonstração; não trabalha com a formulação de uma hipótese
e sua demonstração. O que tenho é um recenseamento em que
se utiliza, de forma inequívoca, um argumento de autoridade para
dizer onde está a suposta razão.
O segundo problema que identifico na proposta do Professor
Marcos Nobre é que ele negligencia na sua análise a capacidade
de reapropriação que possui a dogmática. Como a dogmática e,
sobretudo, a lógica do parecer estão construídas sobre o argumen-
to de autoridade, argumentos novos, ainda que sejam contrários
ao que penso, podem ser reapropriados e alinhados ao meu modo
de pensar. Essa capacidade de reapropriação vai além, ou seja, ela
não é específica da dogmática, mas se faz presente quase que de
forma difusa em todas as áreas do Direito.
Tomarei um exemplo concreto para que vocês percebam o que
eu estou querendo mostrar: em 1994, há doze anos, foi editada
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a Portar ia que regulamentava os cursos jurídicos, resultante de


quase dez anos de debates. A crítica aos nossos cursos de
Direito era que eles seriam cursos homogêneos, repetitivos; que
não responder iam mais às demandas do processo de redemo-
cratização do País e à demanda de injeção de crítica em nossas
salas de aula. Passaram-se dez anos, saímos de um contexto de
300, 400 cursos de Direito para mais de 1.000 e a palavra “crí-
tica”, base do argumento de dez anos atrás, foi reapropr iada
pelo discurso anterior. Hoje, posso andar pelo País inteiro, exa-
minar os projetos pedagógicos existentes, e não haverá um que
não diga que é um projeto crítico, engajado, transfor mador da
realidade social, etc.
A dogmática tem essa capacidade de apropr iar-se do novo e
reutilizá-lo em seu favor, o que provoca outro problema na área
da pesquisa em Direito. Trata-se do que um colega nosso, o
Professor Luciano Oliveira, da Universidade Federal de
Per nambuco, chama de “sincretismo epistemológico”. Nesse
contexto, sou capaz de citar alguém que defende a pena de morte
e, ao mesmo tempo, outro que defende a abolição total da pena
como se fossem absolutamente a mesma coisa. Cita-se todo
mundo a torto e a direito sem analisar o contexto em que
aquelas afir mações estão sendo feitas e qual é a base da for mu-
lação daquela afir mação. É preciso, então, que exercitemos
enorme vigilância para romper com essa capacidade de reinven-
ção, de reapropr iação, que a dogmática tem.
Passo agora ao terceiro problema que gostar ia de sinalizar
na linha da reconfiguração da dogmática. Um dos grandes pro-
blemas do Direito, e sei que estou pisando em um ter reno
per igoso, é que ele trabalha a par tir da for ma binár ia. Da
mesma for ma que não existe meia gravidez, não existe meio
certo ou meio errado. O Direito trabalhará sempre em uma lógi-
ca binária. O que essa lógica binária ocasionou? Ela fez com que
se for masse ao longo desse processo o que eu chamar ia de uma
“dogmática de combate”. O que é uma dogmática de comba-
te? Uma dogmática que quer se opor, que quer romper com o
padrão da dogmática conservadora prevalecente até então. O
r isco que tenho nesse processo é que a crítica se transfor me na
produção de uma nova verdade, na produção de um novo sim
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em oposição ao não anter ior. E, na medida em que assumo isso


como um balizamento necessár io, absoluto, inequívoco, perco
a minha capacidade de reflexão sobre essa nova circunstância.
É o debate que vocês encontrarão, por exemplo, na trajetór ia
do Direito alter nativo.
Hoje, o que o Direito alter nativo se coloca como questão é
em que nós nos transfor mamos dentro desse processo.
Construímos uma dogmática de combate que foi apropr iada. É
genial: ano passado, um desembargador, com quase 70 anos,
disse: “nós do Direito alter nativo temos que transfor mar a opi-
nião que não pode haver união entre dois homens”. Ele proferiu
uma decisão reapropriando um discurso que, no cenário da dog-
mática de combate, ser ia inconcebível na boca daquele
desembargador de 68, 69 anos, em uma sessão solene do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Enfim, parece-me que o combate ao modelo do parecer não
pode negligenciar esses três aspectos que acabo de sinalizar: o
argumento de autor idade, a capacidade de reapropr iação da
dogmática e os r iscos da produção de uma nova verdade ou o
r isco da produção de uma nova dogmática que se instituciona-
lize e se transfor me no que não desejamos.
Chego ao segundo momento de minha fala em que preten-
do apresentar os problemas que identifico na proposta que
chamo de “institucionalização investigativa ou profissionaliza-
ção da pesquisa”.
O primeiro aspecto problemático no âmbito da sociologia das
profissões é o processo de construção de uma profissão. No
modelo brasileiro, via de regra, a profissionalização acaba sendo
construída por meio de uma normatização, ou seja, profissões
regulamentadas pelo Código Brasileiro de Profissões e Ocupações.
Aliás, uma anedota: na cer imônia de posse do pr imeiro manda-
to do Presidente Lula, em 2003, havia, no meio da Esplanada dos
Ministér ios e de um monte de bandeiras do PT, partidos coliga-
dos, bandeiras do Brasil, etc., um grupo carregando uma faixa que
me chamou atenção e que dizia o seguinte: “oceanógrafo, regu-
lamentação já”. Havia no meio daquela multidão pessoas
postulando que sua profissão fosse regulamentada, pois, dessa
for ma, ser ia possível dizer quem pode ou não praticá-la.
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

O problema que vejo na proposta do Professor Marcos


Nobre é: se trabalho por essa profissionalização da profissão,
preciso cr iar as reg ras de entrada e saída. Construirei aquilo
que chamaremos de “cor po” sem nenhuma conotação pejora-
tiva e definirei quais são as reg ras de pertencimento ao meu
cor po: quem pode nele ing ressar, quais são as exigências para
o seu ingresso e, com isso, cor remos o r isco de produzir o que
eu chamar ia de um novo cor porativismo, em que o debate é
feito, sobretudo, em tor no da idéia de quem possui a fala legí-
tima para falar sobre pesquisa em Direito. Isso quer dizer o
lugar onde reside ou residirá o critério de legitimidade das nos-
sas falas.
Esse cr itér io se traduz essencialmente por duas coisas: titu-
lação e produção científica. Quanto aos professores que
entraram na faculdade há tr inta anos, nunca escreveram uma
linha sequer, progrediram na carreira por decurso de prazo, che-
garam ao seu topo porque a cada dois anos eram promovidos
automaticamente? Nesse caso, acaba sendo cr iada uma rotina,
uma lógica em que a titulação, a produção acadêmica ou os cr i-
tér ios que leg itimam a car reira docente não são efetivamente
implementados; pelo contrário, são tratados como quimera, dile-
tantismo ou mesmo um prazer que alguns gostam, assim como
há outros que gostam de fumar um charuto, colecionar selos,
escrever, produzir, refletir, etc. Esse é um problema que pre-
cisa ser enfrentado.
O segundo aspecto que gostar ia de chamar atenção na dis-
cussão da profissionalização diz respeito ao que eu chamar ia de
“um risco de afastamento”, de uma ruptura com o mundo da prá-
tica. O que significa isso? Precisamos, na medida em que
profissionalizamos, construir o que chamo de lógica do tempo
integral, em que o profissional se afasta por completo do mundo
da prática, o que não me parece ser uma boa idéia.
O terceiro aspecto é o que eu denominar ia de “proletar iza-
ção docente”. Quer dizer, não basta apenas a institucionalização
da profissão, pois, hoje, vivenciamos uma lógica de proletar iza-
ção docente, que se manifesta essencialmente pela baixa
remuneração, o que imagino que não seja o caso da GV, e pela
precar iedade no trabalho. Nós, professores, trabalhamos em
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condições absolutamente precár ias; recebemos o aluno no cor-


redor, atendemos em nossas residências, enfim, as condições de
trabalho são muito ruins.
Esses problemas não são facilmente superáveis, e me parece
que a pergunta que temos de colocar é: como é possível seguir
meu caminho em contraposição ao caminho do Professor Marcos
Nobre? Gostar ia de apontar algumas pistas sobre o rumo que
devemos tomar. Tentarei ser breve com a esperança de que pos-
samos recuperar esse tema em um possível debate. Não tenho
uma receita de bolo para oferecer, mas há três passagens do texto
que escrevi com o Professor Veronese que me parecem ser bas-
tante interessantes para serem trabalhadas.
Pr imeiro, citarei uma passagem do texto que acho que deve
ser vista com atenção: o objetivo da pós-graduação ser ia a for-
mação de quadros docentes, e não de pesquisadores, diagnóstico
feito pelo próprio comitê de Direito da Capes. Não é a nossa opi-
nião, mas o diagnóstico feito pelo comitê da Capes. Na medida
em que a Capes considera que o objetivo da pós-graduação é a
for mação de quadros docentes, e não de pesquisadores, o que
tenho como conseqüência, e aqui fica a minha contr ibuição
para a DIREITO GV, que está em processo de elaboração de um
programa de pós-graduação, é que acabamos por ter uma pós-
graduação reprodutiva, pouco criativa, em quase nada diferenciada
do modelo de graduação e, sobretudo, atrelada ao movimento
expansionista do ensino super ior, ou seja, começamos a pensar
a pós não em função do que quero produzir, mas em função da
pressão do mercado, em que há 500.000 alunos do curso de
Direito, dos quais 50.000 se for mam por ano (essa tem sido a
média) e caminham para a pós, e isso já resultou no que chama-
mos de “canibalização” da especialização ou MBA. Como
resultado, temos uma grande pressão exercida pelos cursos de
MBA, cursos em que não há nenhum controle sobre o que está
sendo reproduzido, para que passem a integrar a pós-graduação
stricto sensu.
A segunda pista: o hábito da pesquisa jurídica ainda não
incorporou a lógica do sistema nacional de pós-graduação. Nós
do Direito continuamos nos vendo, no âmbito da pós-gradua-
ção, como a feliz exceção. É preciso romper com essa visão. A
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seguir, apresento rapidamente três referências para que vocês


observem como estamos isolados:

1. Tabela de conhecimento: o CNPq iniciou uma enorme discus-


são sobre a classificação de áreas em sua tabela de conheci-
mento. O Direito ignorou essa discussão, apesar de ser
importantíssima, pois define, entre outras coisas, onde temos
de bater para pedir dinheiro e como fazemos os pedidos com
relação aos nossos projetos. O Direito simplesmente não par-
ticipou dessa discussão. Na verdade, a única proposta recebi-
da pela Comissão Interinstitucional (Capes e CNPq, com o
concurso de vários pesquisadores da área, com destaque para
a Professora Rosali Fernandez de Souza, do IBICT), para
reordenação da tabela de áreas de conhecimento, foi enviada
pela Associação Brasileira de Ensino do Direito (ABEDi) e tem
or igem em um trabalho feito pelo Professor Alexandre
Veronese, com o meu concurso. A proposta não foi acatada por-
que o amplo “silêncio” da comunidade jurídica foi entendido
como desejo de manutenção dos padrões atuais, sem mudan-
ças. Com certeza, foi uma oportunidade de debate perdida.

2. O caso da divulgação da recente portaria da Capes que obr i-


ga dissertações e teses a serem publicadas na Inter net. Um
aluno me disse o seguinte: “Professor, isso é inconstitucio-
nal”. E logo respondi: “Como? Onde? Ao que você está se
refer indo?”. E os comentár ios que acompanho em nossa área
têm sido no sentido de que “isso é um desrespeito ao direi-
to do autor, isso tolhe a capacidade de publicação poster ior
porque o editor não vai ter interesse em uma obra que está
em domínio público”, sem perceber que, na verdade, o que
temos aqui é uma lógica de transparência e verificação de pro-
dução científica pela comunidade. Não estamos trabalhando
na produção de um livro, e sim na criação de um produto aca-
dêmico que deve ser exposto aos seus pares.

3. O terceiro caso, que me parece também sintomático, é a dis-


cussão do mestrado profissionalizante. O último edital da
Capes lançou uma chamada para mestrado profissionalizante
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em 52 áreas de conhecimento, porém, só não chamou para uma


área, a do Direito, e me parece que nosso comitê tem enorme
dificuldade até mesmo em abrir essa discussão.

Encer ro com a terceira e última passagem do meu texto que


gostar ia que ficasse talvez como um recado, como minha men-
sagem final. Para que pesquisa e ensino sejam atividades
complementares, é preciso recuperar e enfatizar preocupações
metodológicas e epistemológicas.
Com o que temos que romper aqui? O mais importante não
é o caminho da refor mulação dogmática, da reconfiguração da
dogmática. É preciso pensar, de for ma consistente e prévia, na
epistemologia e na metodologia, porque só assim conseguiremos
romper, em primeiro lugar, com uma pesquisa que vem se carac-
terizando por ser manualesca, ou seja, mera reprodução reverente
de manuais e, sobretudo – o que me incomoda profundamente
–, evolucionista. Para citar o Ministér io Público: há textos que
encontram um embr ião do Ministér io Público no Egito antigo
e fazem toda a reconstrução da trajetória de como ele se desen-
volveu ao longo da Idade Média e ter minou por ser consagrado
pela constituição de 1988. É impressionante, inacreditável, não
podemos aceitar isso.
Rompendo com esses vícios metodológicos, acho que será
possível abr ir uma discussão que tematize dois aspectos funda-
mentais. Pr imeiro, temos que romper definitivamente com uma
prática na área do Direito caracter izada pela naturalização dos
conceitos. O que significa isso? Trabalhamos na área do Direito
como se as nossas categorias, os nossos conceitos, fossem já his-
tór ica e ontolog icamente perenes. Por exemplo, estudamos
Direito de Família como se a família fosse a mesma na Roma
antiga, na Idade Média e aqui no Brasil em 2006. E mais, pre-
cisamos romper com esse deslocamento da realidade. Eu percebo
muito claramente nos alunos com os quais eu dialogo que,
antes de conhecer a realidade, eles já estão preocupados em me
dizer como deve ser a realidade. Portanto, o segundo aspecto é
o seguinte: vamos nos preocupar pr imeiro em conhecer a rea-
lidade, o resto virá a reboque.
Obr igado.
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

Celso Fer nandes Campilongo (USP)


Bom dia a todos. Gostaria de agradecer muitíssimo à Fundação
Getulio Vargas e ao Rafael Alves, de modo especial, pelo con-
vite, pela possibilidade de participar deste debate. É uma alegria
muito grande compor a mesa com meus amigos Roberto Fragale,
Oscar Vilhena Vieira, e com meu amigo Rafael Alves também.
Eu dividirei a minha exposição, mesmo porque sou o pr imei-
ro expositor a falar a partir de uma posição exter na ao debate
travado entre os professores Marcos Nobre e Roberto Fragale.
Como primeira observação externa ao debate, lembro que as
minhas referências para a análise desses problemas são, de fato,
distintas daquelas do Fragale e do Marcos. Não que sejam opos-
tas ou estejam em contradição, mas representam uma outra
maneira de olhar para o problema da pesquisa. Pretendo, por-
tanto, colocar a minha maneira de ver o problema.
Antes disso, farei uma pequena reconstrução empír ica e tra-
rei alguns dados para que possamos mensurar o tamanho do
problema que tratamos, a dificuldade que é a pesquisa em direi-
to no Brasil.
No biênio 1997/98, integrei um comitê do CNPq que cuida
da área do direito. Trata-se do comitê de economia, administra-
ção e direito. À época, o comitê era for mado da seguinte
maneira: três professores de economia, dois professores de admi-
nistração e um professor de direito. Ou seja, o único com
for mação em direito no comitê naquela oportunidade era eu.
Perguntei aos meus colegas porque essa formação e eles me res-
ponderam: “a for mação do comitê é proporcional ao volume da
demanda por pesquisa”. Isso equivale a dizer que economistas
demandavam três vezes mais recursos para pesquisa do que
jur istas e administradores, o dobro.
Em 2004, fui convidado para participar de uma reunião desse
comitê do CNPq como convidado ad hoc, pois o representante
da área do direito tinha apresentado um projeto e, evidentemen-
te, não poder ia ele mesmo participar do julgamento do seu
projeto. O comitê havia mudado sua composição do biênio
1997/98 para 2004 e, nessa ocasião, continuava sendo compos-
to por três economistas, três professores de administração e
apenas um professor de direito. Ou seja, o direito continuava na
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mesma posição e a administração tinha se equiparado à econo-


mia com relação à demanda por pesquisa.
Um detalhe que me parece estarrecedor é que, naquela opor-
tunidade, nós tínhamos no Brasil, além de pouca demanda por
pesquisa em direito, apenas quatro doutorados em direito e sete
ou oito mestrados. Tudo somado não passava de vinte cursos de
pós-graduação, número muito pequeno naquela oportunidade.
De 1997/98 para cá, esse número cresceu de for ma explosi-
va. Em 2004, apesar do aumento significante desse número,
continuávamos demandando a mesma coisa em pesquisa.
Em outras palavras: a explosão de pós-graduação em direi-
to no Brasil não foi, de for ma alguma, acompanhada por uma
explosão de demanda por recursos em pesquisa. Esse é um pr i-
meiro dado que me parece preocupante.
Segunda infor mação: naquela oportunidade, a divisão dos
recursos era feita também nesta proporção. O direito tinha a
terça parte do que a economia recebia de dinheiro por pesqui-
sa. Houve uma ocasião, por exemplo, em que, em uma das reu-
niões que ocorriam a cada quatro meses, na distribuição de verba
para pesquisa no Brasil inteiro com recursos do CNPq, a área
do direito teve a fantástica quantia de R$ 16.000,00 para tor-
rar Brasil afora. E, por maior que fosse a minha prodigalidade,
a minha generosidade, o meu espír ito de gastança, examinan-
do os pareceres que instruíam os processos, não consegui dis-
tr ibuir mais do que R$ 5.000,00. Resultado: sobrou dinheiro
para a área do direito. Apesar de o dinheiro ser diminuto, ainda
sobrou por conta da péssima qualidade dos projetos apresen-
tados. Essa avaliação não é pessoal. Os projetos já chegavam com
pareceres em minhas mãos e, com base nos mesmos, eu fazia a
ponderação quanto ao oferecimento de recursos públicos a
bons projetos ou projetos qualificados por especialistas como
sendo de péssima qualidade.
Pode parecer piada, mas houve um caso em que recebi um
parecer de um projeto de um especialista da área, que não era
a minha área de especialidade, com uma avaliação extrema-
mente cruel e dura, mas contida na linguagem, em relação à
qualidade do projeto. Assustou-me muito a contundência, ape-
sar da educação, do refinamento do parecerista. Fui ler o segundo
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

parecer (cabe ressaltar que um só negativo já era suficiente para


que eu nem perdesse tempo) e o segundo parecer ista tinha per-
dido completamente a paciência: “confiram se este sujeito realmente
é bacharel em Direito” (lembro que só pode pedir dinheiro para
pesquisa quem é doutor em direito). Mais ainda: “trata-se de um
louco completo, de um arrematado idiota, duvido que seja doutor em direi-
to”. Esse era o nível do parecer. Devo confessar que, realmente,
o segundo parecer ista, o mais agressivo e que perdeu as estr i-
beiras, foi modesto nos comentár ios que fez.
Eu falo isso com muita dor, sobra dinheiro e faltam projetos
de boa qualidade. Estamos falando de um deserto em que a téc-
nica do parecer, quando incorporada à pesquisa, a desconfigura
completamente. Evidentemente, estou de acordo, ainda que não
seja isso uma necessidade. Eu poder ia eventualmente ter pare-
ceres conferidos ou produzidos com um caráter de cientificidade
razoável, mas a técnica do parecer, sem dúvida alguma, compro-
mete muito o nosso trabalho.
Partindo desse quadro desolador e que se perpetua já há mui-
tos anos, quem eventualmente se der o trabalho de ler os
relatór ios do comitê do CNPq ver ificará que, mesmo antes de
eu estar no CNPQ, os relatór ios já eram extremamente críticos
no que se refere à pesquisa em direito. Os meus relatór ios
foram críticos e os dos meus sucessores igualmente. Todos con-
cordavam que não existe pesquisa em direito no Brasil.
Mais um dado, e esse talvez seja o mais cruel, pois diz res-
peito às duas escolas em que leciono. Naquela oportunidade, em
São Paulo, somente PUC e USP tinham doutorado, além disso,
havia um doutorado em Flor ianópolis e o doutorado da UFMG.
Eram somente esses quatro doutorados naquela oportunidade.
PUC e USP, em uma dessas rodadas de apresentação de proje-
tos, representando dois dos quatro únicos doutorados existentes
à época no Brasil, pura e simplesmente não apresentaram pro-
jeto de pesquisa algum. Não se trata de pedidos de bolsa, esses
havia aos montes, mas, sim, projeto de pesquisa. Em uma reu-
nião entre 1997 e 1998, PUC e USP não apresentaram nada. A
bem da verdade, Flor ianópolis e UFMG apresentaram, mas
pouca coisa. Este é o panorama institucional: instituições que pro-
duzem muito pouco e per mitem sobra de recursos.
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Partindo deste quadro desolador, gostar ia de dividir a minha


fala em quatro pontos. Em pr imeiro lugar, o ponto de vista teó-
r ico da pesquisa e, em segundo lugar, a relação entre pesquisa
e dogmática jurídica, pois esse foi o tema que per meou o diá-
logo entre o professor Fragale e o professor Marcos Nobre. Em
terceiro lugar, apresentar ia não uma receita de bolo, mas uma
pauta temática que me parece importante para a pesquisa em
direito no Brasil, para o adensamento da pesquisa em direito no
Brasil. Finalmente, apresentarei uma lista com alguns problemas
que me parecem relevantes para o encaminhamento da pesqui-
sa jurídica entre nós.
Passo, em pr imeiro lugar, aos espaços reservados para a pes-
quisa do ponto de vista teór ico, e não do ponto de vista
institucional. Nós podemos entender um sistema jurídico como
um sistema que funciona com base em duas metades: a metade
prática e a metade operacional, que profere as sentenças, pro-
duz os pareceres, os ar razoados jurídicos. Está é a dimensão
operacional e prática do sistema jurídico.
O sistema jurídico tem, ao mesmo tempo, uma instância que
eu chamar ia de instância reflexiva; a instância que dever ia se
debruçar sobre a produção prática dos jur istas e oferecer alter-
nativas de expansão da ação prática, rumos para a ação prática,
que é o papel da teor ia, particular mente da teor ia do direito.
A meu ver, a pesquisa e o ensino dependem do tipo de fun-
cionamento que possa ser aferido no interior do sistema jurídico.
Pesquisa e ensino dependem dessas duas dimensões: operacional
e reflexiva. Como a dimensão reflexiva, a teor ia do direito é
pouco adensada, o que acaba espairando-se para aspectos muito
importantes da produção do conhecimento jurídico, mas que são,
a meu ver, exter iores ao funcionamento do sistema jurídico.
A teoria do direito e a prática dos juristas são problemas inter-
nos ao sistema jurídico. A pesquisa em direito e o ensino do
direito são problemas exteriores, mas complementares, e, eviden-
temente, muito ligados e dependentes daquilo que é a prática
dos jur istas e daquilo que é a teor ia a respeito do direito. No
entanto, hoje, não trataremos da questão do ensino, mas da
pesquisa em direito, o tema que nos interessa. O nosso tema, por-
tanto, é pesquisa, e não ensino.
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

A pesquisa em direito poder ia ser feita tranqüilamente com


base em temas jurídicos, mas de um ponto de vista completa-
mente exterior ao direito. É possível fazer análise econômica do
direito, pesquisas sociológicas a respeito do direito ou uma lei-
tura política a respeito do direito. Tudo isso é perfeitamente
possível, uma pesquisa sobre o direito exterior do próprio direi-
to, com metodologia de teoria política, metodologia econômica,
por exemplo. Há quem esteja fazendo isso com muito sucesso,
muito êxito.
A pesquisa em direito poderia igualmente adotar – o que seria
legítimo - uma perspectiva inter ior ao própr io sistema jurídi-
co, trabalhar com os planos das operações do sistema jurídico
ou com o plano da teor ia do direito, da reflexão a respeito das
operações do sistema jurídico. Aqui, nós estaríamos em um ter-
reno mais próximo daquilo que o Roberto Fragale e o Marcos
Nobre chamaram de dogmática jurídica. A minha leitura é um
pouquinho diferente, mas estamos todos no mesmo plano. É per-
feitamente possível, a meu ver, realizar pesquisa em direito de
um ponto de vista inter no ao sistema jurídico.
Há um terceiro espaço teór ico a ser explorado por jur istas,
o espaço da interconexão, da interdisciplinar idade, da relação
entre o direito e a sociologia, da relação entre o direito e a eco-
nomia, entre o direito e a política. São três perspectivas distintas,
mas o grande problema da pesquisa quando tem por objeto, quer
seja do ponto de vista inter no, exter no ou interdisciplinar, ou
quando tem por objeto um tema jurídico ou o própr io direito,
é o de não ter clareza, qualquer que seja a perspectiva, a res-
peito do que é o própr io direito ou sobre sua função.
Nós tivemos, nos últimos anos, ou pelo menos desde a
Portar ia 18/1986, uma enor me expansão retór ica do conheci-
mento jurídico para outros conhecimentos. O conhecimento
jurídico, sempre cr iticado por ser muito em si “mesmado”,
abr iu-se e escancarou-se àquilo que vem depois do conheci-
mento jurídico: direito e cinema, direito e teatro, direito e
música, direito e literatura, direito e economia, direito e tudo.
Ocor re que, nesta abertura, tanto da perspectiva do direito,
quanto daquilo que vem depois do “e”, das duas perspectivas,
perdeu-se muito da dimensão do que é o própr io direito. É
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comum que tenhamos pesquisas muito interessantes a respei-


to das profissões jurídicas, mas que abordam a sociolog ia das
profissões, e não do direito. Uma sociolog ia jurídica parado-
xal que pesquise sem o direito e uma análise econômica do
direito que seja, pura e simplesmente, análise econômica não
identificam nenhum status teórico ou operacional relevante para
o própr io direito.
Este me parece um problema crucial da pesquisa em direito.
Talvez seja por causa dessa, digamos, fraqueza, do ponto de vista
teór ico da produção jurídica nacional, que nossa pesquisa seja
frágil. Nossa carência acaba tendo um reflexo devastador e
per igosíssimo sobre o ensino jurídico, mas é igualmente devas-
tador o reflexo disso na pesquisa em direito.
O que os dados do início da minha fala revelam é que, pura
e simplesmente, não temos pesquisa em direito no Brasil, seja
por parte dos juristas, economistas ou por cientistas políticos que
tomem por objeto o direito. Este é um problema sério e me pare-
ce ser o problema central da pesquisa em direito.
O segundo comentár io diz respeito à dogmática jurídica. De
uma forma geral, independentemente deste debate a respeito do
estatuto teór ico da dogmática jurídica (se a dogmática jurídica
é arte, se é ciência, se não é arte nem ciência, etc), o fato é que
boa parte da discussão sobre teor ia do direito atr ibui e identi-
fica um espaço importante para a dogmática jurídica. Eu poderia,
por exemplo, atrelar a idéia de dogmática jurídica à noção de
for malismo, que pode ser inter pretado de diversas maneiras.
O Bobbio diria que há um formalismo ético, uma concepção
formal a respeito da justiça e um formalismo teórico, uma teo-
ria do direito de inspiração formalista. Mas, para o autor, também
há um formalismo científico, uma concepção formal a respeito do
que seja a ciência do direito, e ele identifica o formalismo cien-
tífico exatamente com o trabalho de construção dogmática.
Uma for ma de fazer ciência identificada como relevante por
teór icos do direito é exatamente a dogmática jurídica. Apenas
para complementar o quadro clássico, a quarta dimensão do for-
malismo jurídico, além do ético, do teórico e do científico, é um
formalismo hermenêutico, em que as construções dogmáticas têm
um papel central. Ora, isto significa que a dogmática jurídica,
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

apesar de ser o dogma algo aparentemente oposto à ciência, tem


um espaço no pensamento dos jur istas.
Segunda perspectiva: nós podemos tratar a dogmática jurí-
dica com outras referências e defini-la a partir de três ou quatro
elementos. Por exemplo, dogmática jurídica significa adesão
incondicional ao direito positivo. Se, por outro lado, significa a
adesão incondicional a um ponto de partida, alguém poder ia
questionar que isto não é ciência, pois a ciência é justamente o
questionamento incessante dos pontos de partidas, e não a ade-
são sem questionamento a uma perspectiva.
Mas não podemos perder o ponto de vista de que esta ade-
são ao direito positivo está atrelada à função prática que o
direito desempenha na sociedade. O direito é um mecanismo de
resolução aos conflitos e esta adesão ao direito positivo não é
feita por conta de uma ingenuidade dos operadores jurídicos. Essa
adesão respeita uma dimensão operacional inerente ao direito.
E como fica o dogma da adesão ao direito positivo, atrelado ao
dogma da completude do ordenamento jurídico? Por que a ade-
são ao direito positivo? Porque o ordenamento é completo. E o
dogma do legislador racional? A adesão ao direito positivo se dá
também por conta da racionalidade do legislador.
Os jur istas não são ingênuos a ponto de acreditar piamente
na completude do ordenamento jurídico ou na racionalidade do
legislador. Eles sabem que nem o legislador, nem o ordenamen-
to vêm revestidos dessas características. Ainda assim, se valem
e revestem de técnica dogmática para que o direito desempenhe
sua função prática.
Portanto, a pesquisa em direito não pode ignorar essa dimen-
são prática do direito. E é isso exatamente o que complementa
a idéia de dogmática jurídica. É com base na adesão ao direito
positivo, na completude do ordenamento, na racionalidade do
legislador, que os jur istas constroem os seus pareceres, os seus
ar razoados, ou prolatam as suas sentenças. Esse contexto pos-
sui uma dimensão prática para a operacionalidade do direito que
teoricamente pode ser adensada. Podemos aumentar barbaramen-
te a capacidade de abstração das categorias jurídicas e esse é um
trabalho da dogmática jurídica. Esta é uma contr ibuição que a
pesquisa jurídica, ao identificar um espaço própr io e exclusivo
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do direito, pode oferecer para a economia, para a política e para


a análise da sociedade como um todo.
Eu ter ia um pouco de cautela ou tolerância com a dogmáti-
ca jurídica. Longe de mim ser um dogmata, mais ainda um
dogmata de combate, mas eu teria um pouco de tolerância a res-
peito da possibilidade de a pesquisa se relacionar com a
dogmática jurídica.
Terceiro ponto da minha construção: eu apresentar ia uma
pauta temática, mas como nossa discussão será curta para apro-
fundar essa pauta, partiremos para uma pauta temática capaz de
resgatar um status teórico à dogmática jurídica de um lado e capaz
também de resgatar um lugar próprio e específico ao direito, quer
para a pesquisa interna do direito, quer para a pesquisa interdis-
ciplinar, quer para uma leitura exter ior que economistas ou
sociólogos, por exemplo, possam fazer a respeito do direito.
Esta pauta, a meu ver, retoma alguns problemas clássicos de
teor ia do direito mal trabalhados pela teor ia jurídica nacional,
em minha opinião.
Em pr imeiríssimo lugar, ser ia muito bom que sociólogos ou
economistas soubessem, assim como os juristas (ainda que, mui-
tas vezes, nem os própr ios parecem saber), em que consiste a
nor matividade especificamente jurídica. Este me parece ser um
tema central e relevante, a base ou o ponto de partida para a pes-
quisa em direito.
O direito inevitavelmente lida com nor mas. Qual é a nor ma-
tividade especificamente jurídica? Para que não incor ramos em
confusões e atr ibuamos à nor ma jurídica coisas que ela efetiva-
mente não pode nos oferecer, que escapam completamente às
capacidades do direito. Essas demandas vêm, muitas vezes, de uma
perspectiva exter na ao direito e de uma perspectiva inter ior ao
sistema jurídico devido à falta de capacidade teór ica dos jur is-
tas de identificarem os seus própr ios limites.
Em segundo lugar, em uma sociedade dinâmica, em uma
sociedade complexa, o direito está exposto à constante muta-
ção, a uma elevadíssima var iabilidade; o direito positivo é
var iável por excelência.
Um outro tema que me parece relevante é compreender
como a nor matividade especificamente jurídica se expõe à sua
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elevada var iação e quais são os mecanismos necessár ios para


manter um sistema em constante mutação unido; em que con-
siste a unidade do sistema jurídico exposto à var iabilidade. Esse
é um pressuposto para que o trabalho interdisciplinar seja pos-
sível. É preciso compreender a nor matividade especificamente
jurídica, o tipo de var iabilidade a que se expõe o sistema jurí-
dico e em que consiste a sua unidade.
Ou eu parto desses pressupostos para, por exemplo, estabe-
lecer uma relação entre direito e economia, ou essa relação se
tor na impossível. Para que haja trabalho interdisciplinar, o
ponto de partida lógico é que eu tenha disciplinas. Todo este
esforço para a abertura da pesquisa jurídica para outros cam-
pos tem desfigurado a capacidade de pensar teor icamente o
própr io direito.
Finalmente, um terceiro tema que considero importante, em
particular para o debate que se segue a essa nossa mesa e para
o debate do seminário de hoje como um todo, um debate da rela-
ção entre direito e desenvolvimento, é a discussão sobre a
função do direito. Qual é a função que o direito pode desem-
penhar, por exemplo, para a promoção do desenvolvimento
econômico? Será que, com os limites que a nor matividade jurí-
dica impõe ao direito e pensando no sistema jurídico como um
sistema unitár io, o direito tem capacidade por si só de promo-
ver desenvolvimento econômico? É está a sua função? Se não
tiver esta capacidade, ele pode contribuir para o desenvolvimen-
to econômico com a nor matividade especificamente jurídica?
Pensando na var iedade do sistema jurídico, ele pode contr ibuir
para o desenvolvimento econômico com que fer ramentas?
Existem coisas que, seguramente, a política ou a economia
podem fazer de modo muito mais adequado que o própr io
direito. Será que não se estar ia, em algumas circunstâncias,
transfer indo para o direito um ônus, um papel, uma função que
não tem condições de desempenhar e, por outro lado, será que
não se estar ia atr ibuindo à economia ou à política papeis que
ser iam muito mais adequadamente desempenhados pelo siste-
ma jurídico? Tudo isso devido à falta de teor ização sobre tais
temas, por falta de capacidade reflexiva do direito a respeito das
suas própr ias operações.
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Finalmente, a quarta e última etapa do que eu pretendo comen-


tar é um conjunto de problemas para a pesquisa em direito. Eu
apenas alinhavarei problemas sem nenhuma pretensão de res-
pondê-los, mas apenas lançá-los à reflexão de todos e ao debate.
Nós vivemos um momento de elevadíssima fragmentação do
conhecimento como um todo, o que não é distinto do que ocor-
re com o conhecimento jurídico e, por conseqüência, com a
pesquisa em direito. Há uma fragmentação grande nas relações
sociais, uma fragmentação muito grande na produção do conhe-
cimento, de modo que, por exemplo, muitas vezes, a fragmentação
do conhecimento no campo do direito gera a sensação, a perple-
xidade de que não estamos falando de direito, mas de cinema,
teatro, economia etc. Esse é um problema da pesquisa em direi-
to, um problema que se estende a outras áreas também. A
fragmentação do mundo contemporâneo e do conhecimento
jurídico contribui para a percepção, digamos, de esvaziamento e
incapacidade do direito.
Minha segunda observação é muito próxima ao que o Fragale
falou agora há pouco a respeito de projetos ou propostas de pes-
quisa que não têm sequer uma hipótese de trabalho. Eu repetirei
o que o Fragale disse: a construção de uma tese pressupõe uma
idéia. Não é preciso quinhentas idéias pra construir uma tese. É
preciso somente uma e que esta seja trabalhada no sentido da
demonstração de uma tese. Na esmagadora maior ia dos casos, o
que falta à pesquisa brasileira, pelo menos quando a gente tra-
duz esta pesquisa na leitura das teses, é justamente isso, uma idéia,
que ele chamou de hipótese. Empiricamente, praticamente como
uma recomendação geral à pesquisa em direito, eu diria o seguin-
te aos pesquisadores: procurem ter uma idéia, basta uma. É isso
que falta às nossas teses, às nossas pesquisas.
Em terceiro e último lugar, um alerta em relação ao conteú-
do retór ico que muitas vezes têm as teses, independentemente
de serem ou não pareceres de advogados ou jur istas. O parecer
tem conteúdo retór ico, a tese livresca tem também, mas muito
pior que isso é a tese que procura se livrar do ver niz do pare-
cer; procura se livrar do verniz daquela reconstituição histór ica
e manualesca, a que se refer ia Fragale, mas que incide em uma
retór ica absolutamente vazia do recurso a chavões.
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

Fragale fez menção a uma dessas retór icas, a retór ica crítica.
Toda pós-graduação no Brasil de hoje é crítica, e a prática é esta
que nós conhecemos, de uma pesquisa jurídica sem pesquisa
jurídica. Mas, ao lado da crítica, nós temos outros chavões, por
exemplo, a ética. Todo mundo é a favor da pesquisa crítica e da
pesquisa ética. Todo mundo é a favor da pesquisa que se balize
em referências democráticas, que contr ibua com o desenvolvi-
mento econômico nacional, por exemplo. É com este conjunto
de chavões, que não levam em consideração, quando se trata de
pesquisa jurídica, as especificidades ao que me referi agora, e, ao
invés de discutir a normatividade jurídica, a unidade do ordena-
mento, a var iabilidade das nor mas, a função do direito, adotam,
no lugar da reflexão teórica, o discurso teórico (a ética, a demo-
cracia, o desenvolvimento, a participação, a crítica), sem que levem
minimamente em consideração aquilo que está ao alcance do
direito e aquilo que dever ia ser função da teor ia do direito e da
pesquisa em direito.
Enfim, foi o que me ocor reu comentar para os senhores.
Muito obr igado.

Oscar Vilhena Vieira (DIREITO GV)


O Professor Marcos foi extremamente generoso com a comu-
nidade jurídica ao estabelecer que o nosso modelo de produção
acadêmica está calcado no “modelo de parecer” e que isso ser ia
um problema, pois o pensamento jurídico não ter ia a necessá-
r ia imparcialidade ou autonomia. Quanto a isso estou de pleno
acordo. No entanto, em face da sua generosidade, ele cometeu
um er ro. Grande parte do que se produz academicamente não
der iva do modelo do parecer, mas da revisão de uma bibliogra-
fia manualesca, baseada em argumentos de autor idade e uma
erudição autista.
O modelo do parecer é apenas uma das formas de produção de
pensamento jurídico e, embora possa ter problemas relativos à falta
de imparcialidade, tem o benefício de não ser autista, pois deri-
va de um problema concreto, que busca uma resposta prática.
O parecer parte de uma pergunta prática: posso ou não pas-
sar a fiação pr ivada por baixo da ter ra, que é espaço público?
Essa é uma pergunta que uma pesquisa acadêmica também
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poder ia fazer. Trata-se de uma questão acadêmica legítima. O


ordenamento jurídico brasileiro per mite ou não que eu passe a
fiação por baixo da ter ra? Ambas as perspectivas partem da
mesma pergunta. Segundo: um parecer ista, para sobreviver no
mercado, tem de ter capacidade de responder com uma certa
racionalidade a essa pergunta que lhe é feita por ele. Neste sen-
tido, o parecer ista que muda de opinião apenas para atender
aquele que o paga perde prestígio em face da comunidade jurí-
dica. Logo, há muitos parecer istas que produzem pareceres
apenas quando a resposta a seus clientes está de acordo com suas
própr ias opiniões sobre aquele tema específico, recusando-se a
vender sua autor idade apenas para atender os interesses dos
clientes. Esses são os parecer istas que se notabilizam e que suas
opiniões passam a ter mais valor.
Tenho a impressão de que o “modelo do parecer” pode,
assim, ser um modelo mais sofisticado do que aquele que nós
encontramos em bancas de mestrado ou doutorado em Direito
em todo o País. O problema do parecer, como já foi dito, é que
ele é orientado para uma demanda do mercado. No entanto, com
as ressalvas acima feitas, pode gerar bons produtos, academica-
mente falando, pela metodologia que se lhe impõe, ou seja, uma
pergunta complexa que demanda uma resposta objetiva e fun-
damentada, o que não é um modo ilegítimo de produção de
conhecimento acadêmico. Este quesito não está necessar iamen-
te presente em muitas das dissertações, que não conseguem
for mular pergunta alguma e muito menos uma resposta objeti-
va e racionalmente fundamentada.
Eu diria que o Professor Marcos Nobre acerta ao afirmar que
há pouca pesquisa jurídica de qualidade no Brasil, mas grande
parte do que se faz não tem nenhuma relação com a lógica do
parecer. Assim como Roberto e Celso falaram, e não serei aqui
mais car icatural do que eles, gostar ia de também anotar algu-
mas das características do tipo de produção acadêmica que hoje
se faz no Brasil.
Em pr imeiro lugar, trata-se de uma produção acadêmica – e
eu me sinto sempre politicamente incor reto ao fazer essa afir-
mação – autista, em dois sentidos. Pr imeiro, ela sequer
compreende quem é, e essa talvez seja a questão fundamental
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

que o Celso tenha trazido. As pessoas não sabem o que é o


Direito, não for mulam para si mesmas uma questão fundamen-
tal: Que tipo de ciência pratico? Qual é o objeto da minha
discussão? O autismo chega a esse ponto: não há auto-reflexão
sobre a atividade de pesquisa.
Em segundo lugar, há uma profunda falta de compromisso
com a realidade na qual estamos inser idos. O pesquisador não
sabe quem é e muito menos em que realidade se encontra, por
isso não é capaz de for mular as perguntas relevantes.
Essas são as características principais do trabalho acadêmico
atualmente. O parecer não tem nada a ver com isso. O parecer não
é autista, o parecer é ligadíssimo à realidade. Ele é realista, pois
parte de uma pergunta real, concreta, que, para ser respondida,
demanda argumentação. Grande parte das dissertações não tem
nada a ver com esse modelo.
Roberto tem razão quando afirma que o método no Brasil não
é um verdadeiro método, pois é marcado por um sincretismo da
pior qualidade. Não se consegue estabelecer uma categor ização
das fontes; usam-se as fontes que estão à mão sem estabelecer uma
hierarquia entre elas. Eu me lembro de ter participado de uma
banca de doutorado na USP, na área de Filosofia do Direito. O
candidato citava Kant, Gandhi e Mar io Carvalho de Jesus, que
os mais velhos aqui talvez lembrem de ter sido um grande advo-
gado trabalhista em São Paulo, autor de um bonito livr inho
sobre a paz, o fim do conflito de classes, etc., confer indo a
todos o mesmo status. Não se tratava de esgr imir idéias, mas de
uma apresentação de frases lapidares como argumento de auto-
r idade. Isso sem falar na fonte prevalente em nosso meio, os
manuais, que se transfor mam em verdadeiras bíblias.
Confusões desse tipo são muito comuns. Esse estado de coi-
sas se produz, em pr imeiro lugar, porque nós não temos boas
bibliotecas e, em segundo lugar, não temos or ientação. Qual é
o material com que irá trabalhar um aluno de pós-graduação? Sua
fonte será aquilo que ele conseguir comprar na livrar ia ao lado
ou bibliotecas particulares. O recurso é o xerox ou a livrar ia ao
lado. Alguém diz que saiu um livro novo, você vai lá, faz a com-
pra e incorpora o livro em sua tese. O autor é um professor
estrangeiro de que você nunca ouviu falar; o mundo não ouviu
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falar, mas o seu livreiro comprou. Isso gera uma anarquia abso-
luta na forma como as pessoas coletam as fontes para responderem
as suas “não perguntas”. As pesquisas não têm perguntas e não
há uma sistematização do conhecimento para or ientar o modo
como se deve responder a uma pergunta. O que teremos são teses
fundadas em manuais; as teses os reproduzem e se transfor mam
em grandes enciclopédias desconectadas da realidade.
Finalmente, é importante dizer que a produção acadêmica em
Direito no Brasil é fragmentada: cada um por si, cada um
fazendo a sua “grande” pesquisa. Não há uma relação intelec-
tual entre or ientador e or ientandos: estabelece-se um elo em
que não há comunidade de reflexão, o que contribui para a frag-
mentação do conhecimento. A fragmentação não se dá somente
em razão da falta de interdisciplinar idade, mas pela produção
absolutamente isolada de um cor po de saber que lhe dê respal-
do e credibilidade.
Na última década, percebemos que um grupo de alunos, ao
olhar para a confusão que eram os programas de mestrado e dou-
torado em Direito, fugiu para disciplinas correlatas, como Ciência
Política, Sociologia e Economia. Foram acolhidos nesses depar-
tamentos, surpreendidos por verem não-advogados refletindo
sobre o Direito. Assim, temos hoje, por exemplo, cientistas polí-
ticos olhando para o Supremo Tr ibunal Federal e “advogados”
pesquisando o Cade sob uma perspectiva econômica.
Esses pesquisadores trazem o rigor dessas outras ciências para
o Direito e isso gera um refluxo, uma colisão com o tipo de pro-
dução acadêmica que se fazia tradicionalmente nas faculdades
de Direito. O aluno que vai para um departamento de Filosofia
estudar Filosofia Analítica, ao voltar a ter aulas de Filosofia na
faculdade de Direito, pode colocar seu professor em uma situa-
ção difícil, pois, muito provavelmente, ele nunca estudou Filosofia
Analítica a sér io.
Esse mal-estar está hoje criado e é muito positivo. Existe por-
que alguém percebeu qual era a profundidade do pântano, mas
isso não resolve o problema: parte da pós-graduação das facul-
dades de Direito começou, então, a ser dominada por gente que
tinha dupla for mação. Tais pesquisadores começaram a imple-
mentar metodologias das outras áreas das Ciências Sociais e aí
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

aconteceu o que o Celso falou: a perda da identidade do


Direito. Assim, começou a se fazer Economia olhando para o
Direito, Sociologia sobre o Direito, Política sobre o Direito e
a discussão sobre a nor matividade, que é da natureza do pró-
pr io Direito, se perdeu. O Direito continua uma ter ra de
ninguém. Confor me Celso falou, vê-se o sucesso de gente que
está fazendo sociolog ia das profissões jurídicas, muito bem
feita, mas isso nada agrega à Ciência do Direito.
Para que a pesquisa em Direito avance e, portanto, possamos
alcançar um pensamento jurídico sólido e autônomo, é preciso
pensar em alguns pontos. Em primeiro lugar, no que concerne à
discussão do Marcos e do Roberto, eu não acredito que o pro-
blema seja só a institucionalização. Ela é uma condição necessária,
mas não uma condição suficiente. Temos que refletir seriamente
sobre, afinal, o que é pensar juridicamente ou, se quisermos pôr
o guarda-pó, o que é fazer Ciência de Direito. Isso precisa ser reto-
mado. Nós não podemos ficar na terceira margem do rio, para
parafrasear Guimarães Rosa. É necessário retomar a margem do
Direito, mas agora com uma nova postura. A meu ver, é preciso
retomar uma questão metodológica básica: primeiro, os profes-
sores de Direito devem ser capazes de levar seus alunos a elaborar
perguntas jurídicas relevantes. Se o aluno é incapaz de formular
uma pergunta, não há como fazer Ciência do Direito. Segundo,
é preciso ensinar o aluno a buscar as respostas para suas pergun-
tas, a partir de métodos racionais, com apoio em outros campos
do saber, mas, fundamentalmente, sustentáveis a partir do próprio
Direito como ciência normativa, e não apenas descritiva. O maior
problema da Ciência do Direito, hoje, é a sua dificuldade em com-
preender a própria natureza, daí a sua submissão cada vez maior
à Economia, à Filosofia Política e à Sociologia.
Nós, na DIREITO GV, temos buscado enfrentar esse proble-
ma, a partir do desafio de pensar o Direito no contexto do
desenvolvimento. O grupo de pesquisadores que se agregou a esta
Escola tem feito perguntas direcionadas a compreender a rela-
ção entre a nor ma e a realidade. A pergunta de base segue o
seguinte padrão: “a Lei que regula falências vai ter que tipo de
impacto sobre a realidade”? Não se trata de uma pergunta pura-
mente analítica como: “qual é o conceito de empresa inerente a
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essa nova legislação?”, mas: “dado esse novo conceito de empre-


sa, qual é o impacto que essa nor matividade terá sobre a
realidade?” ou “a normatividade atual que regula os cartórios tem
qual impacto sobre sua eficiência?”.
Nossa escola está sempre se perguntando sobre o impacto do
Direito sobre a realidade. Essa pergunta nem sempre é or ienta-
da à mensuração da eficácia, da eficiência. Às vezes a pergunta
é: “qual é a justiça que se está constituindo? Qual é o grau de
segurança jurídica que se está instituindo?”. Quer dizer, há uma
absoluta flexibilidade, que var ia de pesquisador para pesquisa-
dor, em relação ao que se deve perguntar. O que me parece uma
questão comum é a relação entre instituição-nor ma e a realida-
de à qual ela se direciona. Além disso, o que está se colocando
aqui é: onde devemos focar para responder essas perguntas? O
que devemos olhar?
Nesse sentido, eu ar r iscar ia dizer que estamos realizando
uma “virada realista”, como a que ocor reu nos Estados Unidos
nos decênios de 1920/30. Oliveira Viana já propunha que
seguíssemos este caminho. O Direito é muito menos aquilo que
pretendem os manuais e muito mais aquilo que decide o Tribunal
de Justiça.
Nossa viragem pedagógica está nos levando a ver outras
possibilidades, uma outra visão sobre o que é o Direito, o que
está sendo incorporado à nossa pesquisa. Há muitas pessoas tra-
balhando com jur isprudência, com decisões administrativas,
como as produzidas pelas agências; trabalhando com os resul-
tados da atuação das instituições jurídicas e incor porando
elementos interdisciplinares em suas pesquisas, sejam dados
econômicos, sociológicos ou políticos.
Em suma, essas são as duas mudanças que nos desafiam hoje:
perguntar sobre a relação entre a nor ma, as instituições e a rea-
lidade e buscar respostas em outros campos. Para concluir, isso
está, sem dúvida nenhuma, inscr ito em uma nova instituciona-
lização da pesquisa, que nos garante três condições que, talvez,
venham a elevar o cr itér io de validação acadêmica sobre o que
está sendo produzido.
Em pr imeiro lugar, a dedicação. O pesquisador deixa de ser
um diletante e passa a ter um compromisso muito maior com a
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

pesquisa que está fazendo. Essa atividade deixa de ser algo que
se faz depois das nove da noite ou no fim de semana e passa a
ocupar o tempo de for ma mais consistente.
Em segundo lugar, a atividade de pesquisa é desenvolvida den-
tro de um g rupo em que há controle de racionalidade.
Nor malmente, o pesquisador de Direito se per mitia ser um
gênio isolado, não sujeito a um controle da comunidade acadê-
mica. Quando são cr iados grupos de trabalho acadêmico, esse
isolamento desaparece. Seu colega poderá ler seu trabalho e
dizer: “isso é uma besteira”, cr iando-se um ambiente que, pelas
suas características, reduz a impunidade intelectual. Isso é um
avanço da institucionalização de que falava o Marcos.
Essa nova institucionalidade está cr iando uma novidade, os
campos de conhecimento. A pesquisa jurídica, diferentemente
da Biologia e de outras áreas, não tinha campo. Não havia uma
pessoa interessada em construir um campo de pesquisa de
Direito Penal tentando entender como funcionam as institui-
ções e as diversas relações entre elas, por exemplo. Pelo
contrár io, havia uma pessoa que falava em Direito Penal e
ponto. A construção de campos, além de avançar a compreen-
são de vár ios temas, antes tratados de for ma enciclopédica, é
também um mecanismo de controle sobre a racionalidade da
reflexão que está sendo produzida.
Muito obr igado.

Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV/EESP)


Falarei duas palavras, embora gostar ia de falar bem mais. Vi
aqui três ou quatro posições, a posição do Marcos, que não está
presente, da lógica do parecer; a posição de uma pesquisa em
tempo integral em Direito; a lógica do Roberto Fragale e, final-
mente, a posição do Celso e do Oscar. Eu ficarei do lado deles.
Eu acho um risco muito grande para o Direito enveredar pelo
tipo de pesquisa científica que fazem economistas, cientistas polí-
ticos e sociólogos. Se vocês olharem para essas áreas que, a meu
ver, têm um objetivo claro e um campo delimitado, as coisas mais
importantes não são feitas com base em pesquisa. Os grandes
ensaios que foram feitos sobre o Brasil são todos “ensaios”.
Nenhum foi baseado em uma pesquisa.
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CADERNO 25

A escola de Sociologia de São Paulo fez uma defesa sistemá-


tica desse tipo de pesquisa e usou isso para se afir mar no campo
e suplantar o Gilberto Freire ou o Guer reiro Ramos, cujos dois
trabalhos mais importantes eram ensaios.
Em minha opinião, o fundamental para o Direito é a grande
Ciência Política ou a Teoria do Estado. Todo problema do Direito
é um problema muito mais teór ico, ainda que você tenha per-
guntas muito relevantes e empír icas, como, especialmente, qual
é a legitimidade da norma. Por que a norma no Brasil não é legí-
tima? Qual é o problema, qual é a relação entre a falta de
legitimidade da norma e a estrutura profundamente heterogênea
da nossa sociedade?
Claro que quanto a isso podemos e devemos fazer pesquisa,
mas esse não é o centro. Eu acho que, se esta Escola quer ser uma
grande Escola de Direito, há um per igo enor me de se fazer uma
ciência de segunda ou de pequenas pesquisas ou, então, fazer coi-
sas como fez o Fernando Henr ique ou a Argelina e o Limonge,
que fazem uma pesquisa sobre um determinado assunto e depois
fazem inferências absurdas.

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PERGUNTAS

José Rodr igo Rodr iguez (DIREITO GV)


A minha questão é para o Professor Fragale. O que Marcos
Nobre propõe no texto que discutiu em nossa escola em 2002 é
uma mudança no modo de pensar e fazer dogmática no Brasil. Neste
texto, há uma profunda reflexão metodológica e epistemológica
sobre o que é o Direito, que parte da obra de Tércio Sampaio Ferraz
Jr. No seu texto e em sua fala, Professor Fragale, o senhor afirma
que é preciso fazer uma discussão epistemológica, mas não passa
disso. Fica apenas a menção. O texto do Marcos vai adiante, redis-
cutindo a dogmática. O que eu gostaria de entender é como sepa-
rar reflexão epistemológica sobre o Direito da discussão sobre a
dogmática. Que caminho é esse que o senhor aponta?
Outra coisa: o Oscar fez uma observação que também se apli-
ca à minha geração, mais jovem que a dele: muita gente fugiu
do Direito para a Filosofia, Sociologia, etc., justamente para fugir
da dogmática tradicional, não da dogmática como o Professor
Campilongo descreveu, mas da dogmática feita no Brasil, aves-
sa à realidade e dada a naturalizar suas noções e conceitos.
A dogmática feita fora do Brasil dialoga com Luhmann, com
Teuber; mantém um diálogo teórico extremamente sofisticado, o
que não acontece aqui. Pergunto: a conseqüência de ignorar a dog-
mática ou relegá-la a um segundo plano não seria fazer uma
reflexão epistemológica sem qualquer efeito sobre o Direito? Desta
forma, a reflexão epistemológica ficaria sem impacto por não dia-
logar com seu objeto.
Outra questão, na verdade, uma curiosidade. O senhor disse
que a institucionalização ou profissionalização da atividade de pes-
quisa cria um “dentro” e um “fora” e que isso pode ser perigoso.
Mas toda institucionalização não tem esse efeito? O senhor é con-
tra toda institucionalização? Ou devemos, como disse o Oscar,
criar padrões de acesso, padrões de qualidade mais elevados para
a entrada na atividade acadêmica?

Flavia Portella Püschel (DIREITO GV)


A minha pergunta é, na verdade, um pedido de esclarecimen-
to e se dir ige mais diretamente ao Professor Roberto. Eu achei
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interessante você chamar atenção sobre o argumento e a auto-


r idade como um elemento fundamental do parecer. O Professor
Oscar nos lembrou que não é só Pontes de Miranda nem Damásio
de Jesus que são citados como autor idade: Kant também entra
como argumento de autor idade. Eu acho que o recurso à auto-
ridade que há no parecer está ligado à vinculação do parecer com
o exercício de uma profissão jurídica. Em última análise, e ape-
sar dessa compilação das fontes que o parecer se propõe a fazer,
ele é uma peça ligada à atividade do advogado no processo, tem
um papel de convencimento do juiz, e isso faz a diferença. Se
o juiz se deixa convencer por um argumento de autor idade, ele
é um bom argumento para este fim. Não é cr iticável, dentro da
lógica do parecer.
O pedido de esclarecimento diz respeito à sua posição. Quero
saber se você vê esses problemas que levantou como problemas
inerentes à dogmática ou algo que possa ser superado em outra
for ma de trabalhar dogmaticamente. Em outras palavras, gosta-
r ia de saber se o problema é a dogmática ou se o problema é
ter mos uma dogmática ruim.
Tenho mais uma pergunta sobre a institucionalização da
profissão.Você diz que existe um risco na institucionalização do
pesquisador ou professor em tempo integral, a perda do conta-
to com a prática, que eu acho um r isco sér io, mas questiono se
a nossa realidade hoje não mostra o contrár io. Hoje, temos
professores e pesquisadores que são práticos e me parece que o
resultado dos trabalhos tem sido completamente desvinculado
do Direito Positivo brasileiro, da sociedade brasileira. Não vale-
r ia a pena ar r iscar uma alter nativa ao que temos hoje, uma vez
que o que temos não está superando essa dificuldade de rela-
ção com a prática?

Ary Oswaldo Mattos Filho (DIREITO GV)


Gostar ia de concordar com a fala do Professor Celso: se
ficarmos olhando o Direito sem rigor, pelo lado bom, estaremos
correndo o risco de, ao analisarmos Direito e Desenvolvimento,
e aquilo que o Direito pode fazer para o Desenvolvimento, nos
deixar mos dominar por uma tarefa que cabe à Economia, à
Política, etc. Mas também se olhar mos pelo lado mau, ou seja,
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se começar mos a refletir sobre como o Direito impede o desen-


volvimento, o campo do Direito assume um papel extremamente
relevante. Fazer isso significa assumir a culpa pela maneira
como o Direito é produzido e aplicado, inclusive na sua parte
mutável. É preciso pensar sobre qual é o papel da mudança, da
jur isprudência: isso é bom, isso é mau, qual é a constância, etc.
Se olhar mos pelo lado negativo do Direito, se olhar mos como
ele atrapalha o desenvolvimento, encontraremos um campo bas-
tante fértil para a pesquisa, além de também nos preocupar mos
com seu lado bonito.

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RESPOSTAS

Roberto da Silva Fragale Filho (UFF)


Tentarei ser breve e tocar em todas as questões que foram
for muladas.
A pr imeira intervenção parece par tir de uma lóg ica equi-
vocada que compar timentaliza posições como se elas fossem
distintas e antagônicas. Na verdade, eu não acho que esteja-
m o s d i a n t e d e u m a c i rc u n s t â n c i a e m q u e o a rg u m e n t o
desenvolvido pelo Celso esteja afastado do argumento que eu
desenvolvi e, por sua vez, seja contraditór io ao argumento que
desenvolveu o Professor Marcos Nobre. Acho que há conver-
gências entre esses diferentes argumentos que devem ser
pensados em função de deter minadas circunstâncias específi-
cas. Aí eu sou obr igado a não concordar com a fala de que o
Direito não deve se sociologizar, não deve se economizar, não
deve se antropologizar, etc., porque eu desejo que um dia pos-
samos sair da situação que descreveu o Celso. Eu tenho que
produzir como par te de uma comunidade acadêmica em que
não seja visto como um extrater restre. Eu tenho que fazer parte
de uma comunidade acadêmica, o que de cer ta for ma me
remete a um argumento desenvolvido na fala do Oscar : ter a
preocupação de fazer a pergunta cor reta. O traficante que vem
da Ciência Política não traz um método diferente. O que ele
traz é a capacidade de for mular perguntas cor retas.

(pergunta inaudível)

Roberto da Silva Fragale Filho (UFF)


Eu acho que não. Acho que temos de começar a abr ir esses
espaços em que se desenvolvem a dogmática e a pesquisa, ou seja,
visar a construção de uma agenda científica nesses campos.
Acho que, ao ter a iniciativa de trabalhar com Direito e
Desenvolvimento, a DIREITO GV está construindo uma agen-
da científica, e nela os três balizamentos que você colocou são
perguntas de base, são o ponto de partida. Eventualmente, quan-
do comecei a minha reflexão no Direito do Trabalho, tinha uma
preocupação, uma agenda científica. Eu quer ia entender o que
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

é uma zona cinzenta do Direito do Trabalho: “o que faz a regu-


lamentação?”, “o que produz a norma?”. Para tal, tive de discutir
temas como jogo do bicho, segurança, o trabalho do policial mili-
tar; tive de construir uma agenda científica.
O que me per mite, na medida em que eu junte esses dois
argumentos, responder às duas perguntas que me foram feitas,
ou parte delas, pelo José Rodr igo e pela Flávia, que dizem res-
peito à institucionalização. Não é que eu seja contra a
institucionalização. Eu só acho que temos que fazer a institu-
cionalização não a reboque de uma deter minada circunstância.
O que temos que fazer é pensar a institucionalização e isso sig-
nifica dizer o que queremos enquanto cor po, que modelo
desejamos. É fundamental, é necessár io pensar na instituciona-
lização. Eu acredito em pesquisa coletiva, eu acredito em grupo
de trabalho. Então, para construir uma lógica, uma dinâmica de
grupo, temos de pensar em como fazer essa articulação, como
fazer essa institucionalização.
Eu disse também que um r isco ou um problema possível era
o descolamento da realidade. O que eu quis dizer com isso? O
risco maior é a contaminação absoluta de um espaço pelo outro.
Eu tenho uma fala legítima na medida em que estou também no
mundo da prática. O que eu temo e acho que temos que evitar
é uma inversão de contaminação, ou seja, a minha fala acadê-
mica só vai ser legítima se eu não estiver no mundo da prática
ou se eu não tiver diálogo com ele.
Então, a minha maior preocupação é como fazer esse conta-
to com essas esferas de modo que não haja uma colonização de
um espaço pelo outro, não haja uma contaminação absoluta de um
espaço pelo outro. Eu não posso me dissociar por completo do
outro espaço. A imagem que eu quis construir é que não pode-
mos ter pura e simplesmente esse rompimento, passando de um
espaço para outro.
Por fim, também parte da pergunta do José Rodr igo e da
Flavia, discutindo o aspecto da dogmática que mencionei como
uma reflexão epistemológica. É verdade que no texto que escre-
vi como resposta ao Nobre esse é um aspecto pouco desenvolvido,
mas existe ali uma pista colocada claramente do que me parece
ser o caminho para se pensar a dogmática, a moldura em torno
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da qual eu tenho que construir ou dever ia tentar construir essa


reflexão. Essa moldura é a idéia de tecnologia jurídica. Assim, a
dogmática é um instrumento para fazer mos a renovação da tec-
nologia jurídica e, com isso, pensarmos novas institucionalidades,
novas formas de resolução, novas normatividades, ou seja, um ins-
trumento para poder mos construir dentro dessa moldura aquilo
que nos oferecerá as soluções práticas que o Celso mencionava.
Temos de fazer essa reflexão em vez de discutirmos se a peça,
como se fosse um tabuleiro de xadrez, deve ser movida para o
lado direito ou para o lado esquerdo. Eu acho que temos de ir
além desse processo, pensar e reconstruir essa moldura. Essa pers-
pectiva em si não é ruim, mas a dogmática feita hoje é precár ia.
Todo dia temos o lançamento de 5, 15, 20 livros! Fico impres-
sionado, pois quem quer publicar algo um pouco diferente tem
uma dificuldade fenomenal e quem segue a lógica da tradição
tem enor me receptividade por parte dos editores. A última vez
em que me procuraram para publicar alguma coisa me foi feito
o convite para escrever um Manual de Direito do Trabalho!

Celso Fer nandes Campilongo (USP)


Respondendo à pergunta do Professor Ary Oswaldo, concor-
do com a premissa que está por trás da observação. Talvez o
Direito tenha aquilo que o Professor Ary Oswaldo chamou de
lado bom, lado positivo da relação com o desenvolvimento. E é
possível que a Economia desempenhe melhor esse papel do que
o Direito, mas a recíproca, acho, também é verdadeira olhando
pelo lado mau, pois um estrago causado pelo Direito decorre exa-
tamente do fato de que não se identificam seus limites. E quando
se pretende substituir a Economia ou a Política, o resultado cos-
tuma ser desastroso e não dar certo. O Direito tem uma relação
com o ambiente econômico e político que o circunda.
Para usar uma figura de retórica usual nesses temas, o Direito
tem à sua disposição um instrumento como um bastão que o cego
utiliza para se orientar em um ambiente que lhe é hostil. O cego
precisa interagir com o ambiente, assim como o sistema jurídi-
co precisa interagir com o sistema econômico. Se ele imagina
que tem na mão esse bastão, e mesmo sem per mitir ao sistema
jurídico uma visão completa das operações da economia ou do
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

sistema político, esse bastão, ao or ientar o sistema jurídico


nesse relacionamento, nessa interação, consegue, de alguma
maneira, reagir de for ma satisfatór ia ao ambiente econômico.
Quando, ao contrário, o sistema jurídico imagina que tem na mão
não o bastão do cego, mas uma var inha de condão, e basta o
toque de mágica para resolver os problemas do sistema econô-
mico ou do sistema político, fatalmente ele se dá mal. Bastão de
cego existe; var inha de condão só em conto de fada.

Oscar Vilhena Vieira (DIREITO GV)


Gostar ia de comentar o convite recebido pelo Professor
Fragale. Ora, por que não aceitá-lo e fazer um bom Manual de
Direito do Trabalho? A minha questão é: por que nós não assu-
mimos o papel de fazer mos o bom Direito, de fazer mos a boa
dogmática? Os manuais podem ser autistas hoje, mas estão
influindo sobre a realidade.
O grande problema da dogmática talvez seja a retórica e o
recurso à autoridade. Acho que o Roberto definiu isso magnifi-
camente, elege-se alguém do seu contento e, portanto, a opinião
deste é verdadeira. Proponho isso como verdade porque eu tenho
uma varinha mágica e escolho quem me é mais simpático.
O grande desafio de quem está produzindo Direito no Brasil
hoje talvez seja produzir boa dogmática, produzir bom mater ial
didático e fazer a “virada” metodológica necessár ia desse enci-
clopedismo histér ico para uma relação com o Direito que seja
mais realista e seja capaz de estabelecer nexos de causalidade
entre as suas opiniões. Agora, em relação à nossa divergência,
Fragale, o que me parece é o seguinte: quando falamos em tra-
ficante, eu sou traficante, nós somos traficantes. O r isco
fundamental não é que não estejamos fazendo boa Ciência
Política a respeito do Direito, pelo contrár io, acho que tem
muita gente fazendo boa Ciência Política a respeito do Direito.
O problema é que não se está fazendo, no meu caso, o bom
Direito Constitucional, porque se perdeu o vínculo com as per-
guntas fundamentais e que têm que ser feitas.
Não tenho nada contra a pesquisa interdisciplinar. Quando
se fala que “nós não podemos mais ser extrater restres”, eu vejo
duas opções. Uma: transmudar e, portanto, comungar com eles,
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passando a falar “economês”, “politiquês”, etc., o que evitará que


eu seja hostilizado pelas outras ciências. A outra opção é rea-
fir mar a minha disciplina. Hoje, sou um extrater restre por não
ter disciplina. Eu acho que o nosso esforço é o esforço de
reconstrução da dignidade do pensamento jurídico, dignidade não
no sentido moral, mas da dignidade no que se refere à defini-
ção de seu objeto. Esse é o esforço que evitará que deixemos de
ser extrater restres.

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TEMA 2 - QUAL A IMPORTÂNCIA ATUAL DO DEBATE


SOBRE DIREITO E DESENVOLVIMENTO?

MEDIAÇÃO - Mar ia Lucia Labate Mantovanini Padua Lima


(DIREITO GV)
Bom dia. Agradeço a presença de todos. Darei início agora
à segunda discussão de hoje. O tema é a importância atual do
debate sobre Direito e Desenvolvimento. Para discuti-lo, con-
taremos com a exposição de dois representantes da DIREITO
GV, José Rodr igo Rodr iguez e Mar io Shapiro.
Após a exposição, teremos os comentários de nossos debate-
dores, Professor Mariano Laplane (Unicamp), Professor Glauco
Arbix (USP) e Professor Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV/EESP).
Passo a palavra ao Professor José Rodr igo.

EXPOSIÇÃO - José Rodr igo Rodr iguez (DIREITO GV)


(trecho revisto pelo autor)
Bom dia a todos. Agradeço o convite de minha Escola para
fazer esta primeira exposição e estou muito honrado de estar ao
lado dos Professores Lapane, Arbix e Bresser, conhecidos e
admirados por todos nós, e do colega Már io.
Para os fins desta fala, reduzirei meu argumento ao essencial.
Por falta de tempo, deixo de reconstruir a argumentação que
consta do texto enviado aos organizadores deste evento e aos par-
ticipantes desta mesa. Durante os debates, talvez possamos
retomar em detalhe algumas das questões de que trato nele.
Antes de começar, gostar ia de contar, muito rapidamente, a
histór ia deste escr ito. Trata-se de uma espécie de memorando
que preparei, por minha conta e r isco, em função de uma sér ie
de discussões ocorridas em nossa Escola. Nele, procuro sistema-
tizar alguns pontos importantes para nossa discussão a partir de
uma questão central: qual deve ser o lugar do Direito no estu-
do do Direito e Desenvolvimento, uma área definida
internacionalmente como interdisciplinar? Decorre desta ques-
tão outra, mais específica: como estudar dogmática jurídica
nesse contexto de pesquisa?
O debate sobre Direito e Desenvolvimento na tradição jurídi-
ca tem or igem norte-amer icana. Os textos fundamentais desse
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

campo de estudos foram reunidos em duas coletâneas: CARTY,


Anthony (Org.). Law and Development. New York: New York
University Press, 1992, e a mais recente: TRUBEK, David; SAN-
TOS, Alvaro. The New Law and Economic Development. Cambridge:
Cambr idge University Press, 2006.
Ao estudar e debater essa tradição, minhas preocupações cen-
trais têm sido as seguintes: qual é a contribuição do Direito para
este debate? Além disso, como praticá-lo no Brasil sem descon-
siderar as características locais, ou seja, levando em conta as
peculiar idades do nosso ordenamento jurídico e de nosso
padrão de reprodução institucional, que tem na dogmática jurí-
dica um de seus aspectos centrais?
Se conseguir mos chegar a uma boa resposta a essas pergun-
tas, poderemos ir um pouco além para tentar compreender como
o Direito e o estudo da dogmática podem se relacionar com outras
áreas do saber, especificamente Economia e Ciências Sociais, para
além de um discurso vazio que reivindique a interdisciplinar i-
dade sem situar com cuidado o lugar e a contr ibuição das
diversas disciplinas.
Decor re do que acabo de dizer a necessidade de enfrentar
outra questão, que não posso discutir aqui por falta de tempo:
por que os estudiosos de Ciências Sociais e de Economia evi-
tam abordar a racionalidade jurídica por dentro, lidando apenas
com seus efeitos, resultados e pressupostos? A reflexão sobre este
problema é crucial para pensar a relação entre o Direito e as
demais disciplinas das ciências humanas.
Retomemos meu argumento central. Minha tentativa aqui será
situar o Direito no debate sobre Direito e Desenvolvimento e,
em seguida, falar desse debate no Brasil. Para fazê-lo, tomarei
como central a dogmática jurídica e pensarei a partir dela. Faço
isso tendo o pr ivilégio de poder me servir da exposição do
Professor Celso Campilongo, que precedeu esta mesa.
Como explicou o Professor Campilongo, após esclarecer o que
devemos entender por dogmática, o Direito não atinge a socie-
dade inteira, ou seja, há conflitos e problemas resolvidos sem a
mediação das normas e das instituições jurídicas, ou seja, há fatos
relevantes e ir relevantes para o Direito. Para o que me interes-
sa pensar, acrescentarei o seguinte: é verdade que o Direito não
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atinge toda a sociedade e, além disso, que apenas uma parte das
instituições funciona sob a lógica da dogmática jurídica.
Tradicionalmente, a dogmática tem sido tomada como sinô-
nimo da racionalidade jurídica. Parto desse senso comum para
facilitar a comunicação e organizar os problemas que desejo pen-
sar. Assim, tentando articular as idéias mencionadas até agora,
eu poderia dizer que pesquisar em Direito significa abordar pro-
blemas dogmáticos, pensando, o tempo todo, em seus limites e
em alternativas institucionais para essa forma de reprodução ins-
titucional, pois, como eu mesmo já disse, algumas instituições
reproduzem-se sob o padrão dogmático e outras não.
Nesse ponto, é importante lembrar o diagnóstico do Professor
Tércio Sampaio Ferraz Jr. em seu livro Função social da dogmática
jurídica. O livro mostra, com base nos escritos de Niklas Luhmann,
como a dogmática jurídica, ou seja, como um determinado padrão
de reprodução institucional, tem limites e enfrenta problemas para
funcionar em determinadas situações, quando é necessário regu-
lar determinados “objetos” ou problemas sociais.
Posto isso, afirmo: a pesquisa jurídica deve refletir sobre a dog-
mática e sobre seus limites, pois o que está em jogo é a
especificidade da racionalidade jurídica e as mudanças que ela
enfrenta ao longo da História. Como a racionalidade jurídica e,
portanto, o Direito não são imutáveis nem a-históricos, qualquer
instituição de pesquisa que se proponha a compreender tal obje-
to precisa tratar do Direito, seus limites e suas transformações.
Uma escola de Direito que cumpra tal tarefa está em condi-
ções de dialogar com todos os pesquisadores que se preocupam
com o papel das instituições, pois o que está em jogo em todo
o tempo é o padrão de reprodução institucional que se consi-
dera mais adequado, eficiente, legítimo, etc. (a depender do
ponto de vista em que se situe a pesquisa) em relação aos diver-
sos objetos regulados.
Quando, no texto, trato deste ponto, trago para o centro da
análise o debate sobre desenho institucional. Faço isso para
esclarecer como é possível construir uma ligação entre o Direito
e as demais disciplinas que estudam as instituições. A idéia,
como vimos, é muito simples: existe um padrão de reprodução
do Direito que passa pela dogmática e tem limites que devem
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

ser discutidos em função de cada objeto regulado, levando-se em


conta possíveis alternativas institucionais, jurídicas ou não. Tais
alternativas podem ser debatidas com qualquer estudioso de ins-
tituições, sempre relacionadas aos inúmeros objetos regulados
pelo Direito. Insisto, o diálogo deve se dar em função dos obje-
tos regulados, ou seja, deve discutir como as instituições lidam
com os problemas e quais ser iam as eventuais alter nativas.
É claro, haverá disputa sobre a melhor maneira de construir
os objetos regulados, mas isso não impede o diálogo. Tais dis-
putas ocor rem, inclusive, entre estudiosos de uma mesma
disciplina: pode-se debater, sem problemas, qual a melhor manei-
ra de identificar e caracter izar os objetos passíveis de regulação
pelo Direito, bem como os objetivos que se pretende alcançar
com esta ação. Diga-se en passant que, utilizando a ter minolo-
gia internacional, vivemos na era do pós-for malismo. O Direito
não funciona mais sob o padrão de racionalidade de uma
Dogmática, cuja referência é a construção de um sistema de con-
ceitos lógico e fechado.
Neste ponto de minha exposição, é importante dizer: nós
somos uma faculdade de Direito e, portanto, temos a preocupa-
ção de zelar pelo Estado de Direito, de valor izar a reprodução
racional do Direito por meio de padrões, previsíveis e calculá-
veis, construídos e reconstruídos por procedimentos democráticos,
que per mitam à sociedade disputar a cr iação e a interpretação
das nor mas jurídicas.
Uma escola de Direito deve defender a for malização da
tomada de decisões, e não o for malismo vazio que ignora a
importância das demais esferas sociais. Um Direito completamen-
te instrumentalizado deixa de ser Direito, pois as decisões dos
órgãos de poder, completamente defor malizadas, podem var iar
em função de interesses meramente subjetivos e circunstanciais,
definidos por padrões exter nos ao Direito.
Uma situação como essa é profundamente autoritária. É claro,
o grau de formalização depende de uma discussão teórica e polí-
tica sobre as características de cada objeto regulado, em função
dos objetivos sociais que se deseja alcançar. Em certos casos, o
excesso de formalismo pode prejudicar a regulação e a solução
dos problemas, mas a ausência completa de formalização é o reino
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da arbitrariedade, a volta do governo dos homens em detrimen-


to do governo das leis. Abandonar completamente o formalismo,
a pretensão de criar critérios para a tomada de decisões que se
julgam relevantes para o interesse público, significa abrir mão, tam-
bém completamente, do Direito como o compreendemos.
Uma escola ou faculdade de Direito deve firmar um compro-
misso com o Estado de Direito e com a Democracia, com a
necessidade de formalizar a ação do poder com a criação de ins-
tituições, mas não deve se comprometer com um único padrão de
reprodução institucional, com um único padrão de formalização.
Trata-se de criticar as instituições continuamente; questionar
qual é a melhor forma de regular cada objeto, tanto do ponto de
vista da sua eficiência (econômica, social, política) quanto do
ponto de vista de sua legitimidade democrática.
Insisto: em certos casos, pode não ser interessante manter um
padrão de formalização acentuado para regular certos objetos, e
sim para outros. Discussões como essas são relativamente inde-
pendentes da defesa da Democracia e do Estado de Direito. Sem
a presença do Estado de Direito e da Democracia, ou seja, sem a
institucionalização da possibilidade de debater o desenho das ins-
tituições, ou melhor, os padrões de formalização do poder, o objeto
de estudos de uma escola de Direito se perde. O Direito perde
sua racionalidade própria e torna-se mero instrumento de outras
esferas, dissolvendo-se nelas.
Não há problemas em fixar objetivos a serem atingidos com
o auxílio do Direito, desde que tal conseqüencialismo pense a
si mesmo sob a for ma de alter nativas institucionais. Aqui, uma
sutileza: o Direito pode e deve ser pensado como instrumen-
to, mas não como mero instrumento. Pensar instrumentalmente
é pensar em alter nativas institucionais; reduzir o Direito a
mero instrumento, ignorando o padrão de reprodução institu-
cional em vigor, pode significar a defesa de sua destruição
arbitrár ia em nome de argumentos tecnocráticos que se recu-
sam a operá-las e, se necessár io, refor má-las, confor me os
procedimentos fixados democraticamente.
Gostar ia de chamar a atenção para um terceiro ponto: trata-
se de uma sugestão que faço a meus colegas do Direito. Não há,
no Brasil, uma tradição jurídica que pense a relação entre
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

Direito e Desenvolvimento. Há alguns esforços isolados, como


um livro quase desconhecido de Orlando Gomes, trabalhos
recentes de um grupo liderado por Welber Bar ral, mas não há
uma tradição. Nossa tarefa é iniciá-la, mas a partir de onde?
Minha sugestão é tentar ligar o que estamos começando a
fazer na DIREITO GV com a reflexão já existente em nosso país
sobre o problema do Desenvolvimento, mais especificamente,
com o livro seminal de Fer nando Henr ique Cardoso e Enzo
Faletto: Dependência e desenvolvimento na América Latina.
O livro pode dizer muito aos jur istas. Cardoso e Faletto
afirmam, retomando, evidentemente, análises de outros teóricos,
que é preciso pensar o desenvolvimento econômico como um
processo social, ou seja, em função dos grupos e dos interesses
sociais. O livro propõe uma análise plural do problema que pro-
cura abarcar vários pontos de vista, pois pressupõe que o próprio
conceito de desenvolvimento seja objeto de disputa.
Se leio bem o livro, decor re do que acabo de afir mar o
seguinte: cada projeto de desenvolvimento, articulado por deter-
minados agentes sociais, se utilizará de um certo conceito de
desenvolvimento que implicará a defesa de um deter minado
desenho institucional, ou seja, de um certo modelo de institu-
cional, que pode passar ou não pela dogmática jurídica, conforme
as características de cada objeto regulado. Estudar a relação entre
Direito e Desenvolvimento é tematizar tudo isso, tanto do
ponto de vista da eficiência quanto do ponto de vista da legi-
timidade democrática das instituições.
No livro de Cardoso e Faletto, a mediação que per mitir ia
falar em Direito parece estar no conceito de estruturas de
dominação. Não há tempo para reconstruir a análise deles
aqui, mas meu ponto é: as estruturas de dominação estrutu-
ram-se via Direito e, olhadas em concreto, irão reproduzir-se
de for ma mais ou menos dogmatizada, a depender das carac-
terísticas de cada país ou objeto regulado. A partir do conceito
de “estrutura de dominação”, podemos ligar nossos esforços
no estudo do Direito e Desenvolvimento à tradição do pen-
samento brasileiro.
Meu tempo acabou e, por isso, encer ro aqui a minha fala.
Agradeço a todos pela atenção.
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Mar ia Lucia Labate Mantovanini Padua Lima


(DIREITO GV)
Muito obr igada, José Rodr igo Rodr iguez. Passo a palavra
agora ao colega Mar io Shapiro.

Már io Gomes Schapiro (DIREITO GV)


(trecho revisto pelo autor)
Obr igado, Mar ia Lucia. Ag radeço ao Rafael Alves que me
fez este convite. É uma honra estar aqui, sobretudo por estar
ao lado de uma boa par te da bibliog rafia da minha disser ta-
ção de mestrado, o que é não só uma honra, mas também uma
g rande responsabilidade.
A pergunta que organiza minha exposição é: o Direito é
uma var iável de análises dos processos de desenvolvimento
econômico?
Ao assistir às apresentações anter iores, pr incipalmente a
d o P ro f e s s o r C e l s o C a m p i l o n g o e a d o P ro f e s s o r Jo s é
Rodr igo Rodr iguez, localizo minha leitura sobre o Direito
naquilo que o Professor Campilongo denominou de perspec-
tiva exter na. Isto é, ao procurar compreender o papel do
D i re i t o n o s p ro c e s s o s d e d e s e nvo l v i m e n t o e c o n ô m i c o, a
a n á l i s e n ã o s e vo l t a à s c a t ego r i a s i n t e r n a s d a t e o r i a d o
Direito, menos ainda à sua composição dogmática. Não pre-
tendo, por tanto, debater as eng renagens do sistema jurídico,
mas, sim, a função que este desempenha no processo social
de desenvolvimento. Trata-se, por tanto, de uma concepção
instr umental, que obser va o Direito como uma fer ramenta
da organização econômica e social.
Voltando à pergunta diretora, não oferecerei uma resposta ao
problema, seria muita pretensão. Essa é uma pergunta com a qual
eu estou me debatendo agora, no meu doutorado. Sem nenhu-
ma ambição, apresentarei, então, algumas das pistas que tenho
seguido no encaminhamento dessa pergunta e que se encontram
em uma curva, ou em uma esquina, for mada pelo encontro da
sociologia econômica com a sociologia jurídica. Particularmente,
em um suposto diálogo entre as análises institucionalistas de Karl
Polanyi e a leitura do direito apresentada por Rober to
Mangabeira Unger.
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

1 - O que diz a sociologia econômica de Karl Polanyi?


Por sociologia econômica, entendo a disciplina que trata os fatos
econômicos não como atributos dos indivíduos, como pressupõem
os economistas neoclássicos. No campo sociológico, fatos econô-
micos, como as trocas ou o mercado, são, antes de mais nada, fatos
sociais, já que derivam da organização social.
Uma referência basilar neste debate é a de Karl Polanyi, um
dos nomes mais relevantes da sociolog ia econômica. Polanyi,
que tem sido recentemente redescober to, associa o padrão de
compor tamento econômico dos agentes ao padrão institucio-
nal das sociedades, indicando assim que a ordem econômica
não é espontânea nem produto exclusivo de agentes racionais
e maximizadores.
Os membros de cada organização social apresentar iam, para
Polanyi, um dado pr incípio de comportamento econômico que
tem por alicerce, por sua vez, as bases institucionais (regras
sociais, cultura, direito) destas mesmas sociedades.
Indo além, Polanyi trabalha com três pares de conceitos nos
seus estudos sobre organização social e institucional. Em um de
seus artigos mais importantes, “A economia como atividade ins-
titucionalizada”, o autor identifica as seguintes três correlações:
• o comportamento de reciprocidade econômica e o correspon-
dente padrão institucional de simetr ia;
• o comportamento social de redistr ibuição econômica e o
padrão institucional de centralidade; e
• o pr incípio comportamental da troca lucrativa, sustentado
pelo Estado como padrão institucional.
Apenas para exemplificar o argumento: em algumas organi-
zações sociais, a vida econômica baseia-se na idéia de
reciprocidade entre seus agentes – leia-se na idéia de troca sem
lucro ou cooperação. Essa reciprocidade econômica, já identi-
ficada nos trabalhos de antropologia econômica de Malinovski,
é garantida, argumenta Polanyi, por um padrão institucional de
simetr ia. Essas sociedades contam, portanto, com a pressuposi-
ção de regras e instituições que coordenam a ação dos indivíduos
de modo a propiciar uma relação de reciprocidade.
Da mesma for ma, ocorre com sociedades em que se ver ifica
o pr incípio econômico de redistr ibuição dos bens. Trata-se das
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sociedades em que os bens produzidos ou coletados pelos agen-


tes são entregues para uma autoridade central, responsável por sua
posterior distribuição para toda a coletividade. Esse comportamen-
to dos atores não é um resultado espontâneo, mas uma ação
coordenada por um lastro institucional de centralidade. Tais
sociedades contam com um arcabouço institucional, que investe
uma autoridade central no poder de desempenhar o papel de orga-
nizador das arrecadações e distribuições de materiais.
Por fim, há as sociedades de mercado, em que o comporta-
mento econômico dos agentes funda-se nas trocas comerciais e
na busca de lucro. Assim como os demais tipos de comportamen-
to econômico, também o de mercado é, antes de mais nada, um
produto social, um fenômeno assentado em um conjunto de nor-
mas, leis e hábitos que organizam os seus ter mos e estabilizam
o seu funcionamento. Notadamente, o padrão institucional da
economia de mercado conta com um Estado centralizado e um
direito autônomo das demais ordens normativas, como a religião
ou a moral. Trata-se daquilo que Mangabeira Unger denomina
por sistema legal.
Portanto, o que a sociologia de Polanyi agrega ao debate sobre
o desenvolvimento e, pr incipalmente, às análises de Direito e
Desenvolvimento é a noção de que o ambiente institucional pres-
supõe o econômico. Os comportamentos dos agentes, seja nas
trocas cooperativas, seja nas distr ibuições e redistr ibuições de
produtos nas sociedades centralizadas, ou mesmo no capitalis-
mo de mercado, são orientados pelas instituições que organizam
a vida social. No limite, essa leitura é descrente do papel do agen-
te racional, maximizador e a-socializado para a realização das
atividades econômicas. O processo econômico é, portanto, um
produto institucional.
Com essa leitura institucionalista, a sociologia econômica de
Karl Polanyi per mite um diálogo entre Direito e Economia em
outras bases, que não as oferecidas pela “análise econômica do
direito”. O Direito pode ser entendido não como um elemen-
to meramente encar regado da tarefa nor mativa de prover
eficiência às trocas. Como se pretende argumentar adiante, o
Direito é entendido como um dos elementos constitutivos da
organização institucional da Economia.
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

2 - O que diz a sociologia jurídica?


As análises de Polanyi encontram bastante simetria na forma
com que Roberto Mangabeira Unger trabalha com o Direito.
Assim como Polanyi mostra que, desde as sociedades mais primi-
tivas, a organização econômica contava com um amparo
institucional, Mangabeira Unger salienta que o Direito, com
graus diferentes de autonomia e especialização, sempre esteve pre-
sente na organização institucional das sociedades. Assim como
Polanyi faz com os padrões institucionais, Mangabeira também traz
uma tipologia dos sistemas jurídicos correspondentes aos forma-
tos de organização das sociedades. Em O direito na sociedade
moderna, o autor trabalha com três tipos de sistema jurídico: o
Direito costumeiro, o Direito administrativo e o sistema legal.
O Direito costumeiro é um direito de interação, que não é con-
trafático, ou seja, não se impõe à realidade, mas é produto do
costume, da verificação do costume e das tradições. Em alguma
medida, parece ser o tipo de conjunto normativo presente nas
sociedades baseadas nas relações de interação e que nos faz lem-
brar do padrão de simetria de que falava Polanyi.
O segundo tipo, que Mangabeira denomina por Lei
Administrativa, representa um sistema fundado na lei centraliza-
da de um Estado, que se impõe a uma sociedade. Pode-se lembrar
aqui do padrão de centralidade mencionado por Polanyi.
O terceiro padrão de Direito, o sistema legal, pode ser chama-
do mais propr iamente de Direito, tal como moder namente o
conhecemos. Trata-se de um padrão institucional de regulação,
autônomo em relação aos demais meios de organização institucio-
nal. O Direito no Estado de Direito se impõe independentemen-
te das ordens religiosas, costumeiras ou morais, e, assim, exerce um
papel destacado na organização da sociedade e da economia.
Toda essa exposição, essa forma de pensar os sistemas econô-
micos como sistemas sociais, organizados por padrões
institucionais, que contam com alguma forma de Direito como
seu veículo de ação, tem como resultado a seguinte constatação:
a atividade econômica é uma atividade protegida e organizada por
um arranjo institucional e, no limite, por um arranjo jurídico.
Particular mente no sistema capitalista e, portanto, nos pro-
cessos de desenvolvimento econômico, a organização econômica
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tem como correspondente institucional um sistema legal – for-


mal, racional e autônomo das demais ordens institucionais. Isso
significa dizer, por exemplo, que um judeu pode não respei-
tar a reg ra cr istã de não comer car ne na sexta-feira santa e
que um cr istão pode não obedecer a nor ma judaica do jejum
no dia do perdão. Ambos, no entanto, independentemente das
convicções relig iosas, estão sujeitos ao impér io do Direito e
não podem refugar a obediência às nor mas jurídicas. No
limite, as escusas relig iosas não obstaculizam o enforcement do
Direito, o que traz ao final segurança e previsibilidade para
a organização da ordem econômica.
A conseqüência dessa especialização institucional é
q u e, n o mu n d o c a p i t a l i s t a , o n d e s e ve r i f i c a m o s p ro c e s s o s
d e d e s e nvo l v i m e n t o c a p i t a l i s t a , o p a p e l d o D i re i t o c o m o
reg u l a d o r s o c i a l é m a i s ev i d e n t e. N a m e d i d a e m q u e h á
u m a s e p a r a ç ã o d o a m b i e n t e j u r í d i c o d a s d e m a i s o rd e n s
n o r m a t ivas da o rd em s o cial (o proc esso de ra c iona liza ç ã o,
c o m o j á i n d i c o u M a x Web e r ) , o D i re i t o p o d e s e r v i s t o
c o m o u m a i n s t â n c i a m á x i m a d e o rg a n i z a ç ã o d o p ro c e s s o
s o c i a l e e c o n ô m i c o.
Indo além neste argumento, pode-se tentar a seguinte
conexão: se a vida social e, por tanto, a vida econômica são
organizadas pelas instituições e se na moder nidade há uma
especialização deste ambiente institucional, de modo que o
Direito se especializa, o Direito se torna o instrumento nuclear
da organização social e econômica.
Qual a conseqüência de todo esse argumento? Ora, se
assumir mos que a atividade econômica é uma atividade ins-
titucionalizada e que o Direito na moder nidade compõe o
ambiente institucional com especialidade e autonomia, pode-
mos alcançar a seguinte conclusão parcial: o Direito impor ta
para os sistemas econômicos. É o Direito, enfim, quem disci-
plinará as reg ras de propr iedade, os atr ibutos do contrato, os
elementos do negócio jurídico válido, entre tantos outros
atr ibutos constitutivos da ordem econômica.

3 - A esquina entre a sociologia jurídica e a sociologia econômica:


Caminhando para uma conclusão, podemos afir mar que estudar
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

o Direito é também estudar a for ma institucional de organiza-


ção da vida econômica: quem organiza a vida econômica na
economia de mercado é o Direito. Não à toa, um estudioso do
Direito Econômico, como Natalino Irti, argumentará que o
mercado é uma instituição jurídica.

Para ter minar, gostar ia de deixar um debate no ar. Iniciei


minha apresentação perguntando o seguinte: por que o Direito
é uma variável de análise dos processos de desenvolvimento eco-
nômico? Tentei dizer que ele é uma var iável de análise porque
o processo de desenvolvimento econômico capitalista é um
processo social e, por isso, é um processo institucionalizado e a
for ma de institucionalização pr ior itár ia desde o Estado moder-
no é o Direito, a propalada pr imazia da legalidade.
O problema é que esse modo de pensar não responde a
situações em que o desenvolvimento econômico não acontece
naturalmente, situações em que o crescimento e a distr ibuição
da renda são bloqueados. A base com que Weber e os demais
autores que mencionei trabalham é a de uma economia em
equilíbr io que, por assim dizer, desenvolve-se por suas própr ias
pernas. Uma vez provido o lastro institucional, os resultados eco-
nômicos tendem a ser ver ificados.
Não se trata, portanto, de uma economia marcada por falhas
histór ico-estruturais, ou seja, economias que tenham dificulda-
de de se desenvolver por conta própr ia. Este é o caso explícito
dos países subdesenvolvidos.
Qual o papel do Direito nesse caso? Se o Direito é var iável
dos processos de desenvolvimento econômico na nor malidade
capitalista, qual tipo de Direito pode ser instrumental para a
superação do subdesenvolvimento?
O padrão de racionalidade for mal e de generalidade do
Direito – o padrão de previsibilidade e calculabilidade de um
Direito tipicamente weber iano – apresenta limitações nesse
contexto, pois a tarefa para os países retardatár ios é superar os
seus bloqueios políticos, econômicos e culturais e procurar
construir saídas para o desenvolvimento. Como lembra Peter
Evans, a superação do subdesenvolvimento depende de algo a
mais que apenas um ambiente institucional seguro e previsível.
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CADERNO 25

Nos processos de catch-up, o Estado é um elemento decisivo,


que entra no jogo não apenas para garantir o cumpr imento das
regras, mas para alavancar o crescimento com uma intervenção
pró-ativa e seletiva.
Diante disso, ficam aqui alguns temas, algumas questões a
serem respondidas sobre a relação entre o Direito e a superação
do subdesenvolvimento: como lidar com a contingência, com a
variabilidade e com as normas jurídicas que têm a difícil função
de não serem meras referências de organização – guias para o
agente econômico –, mas também construtores de um espaço eco-
nômico que ainda não foi efetivamente realizado. É de se pergun-
tar: será que um Direito formalizado e racionalizado, que garan-
ta as regras do jogo, é uma condição, além de necessária, suficien-
te para a garantia do desenvolvimento em países mais atrasados?
Minha hipótese é a de que essa atuação não basta. Concordo
com Peter Evans, que assume os estudos sobre burocracia de Max
Weber para defender que a burocracia pública dos Estados peri-
fér icos necessita ser igualmente insular izada (nos ter mos
weberianos) para evitar o patrimonialismo, mas deve também dar
um passo adiante, conectando-se com os segmentos econômi-
cos carentes de um empur rão público. É possível que o mesmo
se passe com o Direito.
Talvez o modelo da segurança e da previsibilidade que estru-
tura a economia de mercado, sendo o seu lastro institucional,
requeira uma convivência com comandos normativos setorizados,
direcionados à construção de resultados econômicos específicos,
como são as regras criadoras dos subsídios, das isenções tributá-
rias e de todas as demais medidas de fomento do crescimento
econômico. Possivelmente, caiba ao Direito ser também um veí-
culo para a construção dos espaços econômicos que não foram
construídos pelos agentes individuais em uma sociedade com
problemas histórico-estruturais.

Mar ia Lucia Labate Mantovanini Padua Lima


(DIREITO GV)
Muito obr igada tanto ao Rodr igo quanto ao Mar io. Passo
agora a palavra para o Professor Mar iano Laplane (Unicamp),
para seus comentár ios de quinze minutos.
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DEBATE

Mar iano Francisco Laplane (Unicamp)


(trecho revisto pelo autor)
Começo agradecendo o convite para participar deste painel.
Fiquei muito entusiasmado em participar de um debate sobre
este tema, mas, ao mesmo tempo, preocupado. Não é fácil fazer
uma intervenção que traga alguma contr ibuição da Economia
para a questão da relação entre Direito e Desenvolvimento. Por
que não é fácil? A Economia, como todos vocês sabem, é um
campo de tensões, um campo de batalha. As clivagens teór icas,
ideológicas e políticas são muito evidentes. Diante desse fato,
decidi trazer para esta discussão algumas reflexões, e não con-
clusões, com a intenção de explicitar melhor certas questões,
e não fechá-las.
O ter mo desenvolvimento, para os economistas, não tem
sentido unívoco. Para as discussões sobre o surgimento das
sociedades modernas, as economias modernas, na segunda meta-
de do século XIX, início do século XX, esse era um tema muito
novo. Tratava-se do problema a partir da famosa distinção entre
crescimento e desenvolvimento elaborada por Schumpeter.
O foco dos economistas e da ciência econômica no ter mo
desenvolvimento vai desaparecendo à medida que as sociedades
moder nas se consolidam. Cur iosamente, o tema ressurge no
pós-guer ra, mas de for ma negativa. O problema não é mais o
desenvolvimento, mas o subdesenvolvimento.
E o tema surge não no centro do capitalismo mundial, mas,
sim, na periferia, concretamente, aqui na América Latina. Algum
tempo depois, o tema desaparece novamente. Se vocês procu-
rarem na bibliografia econômica das décadas de 1970 e 1980,
mais marcadamente ainda, no início da década de 1990, o pro-
blema do desenvolvimento havia praticamente desaparecido da
teor ia econômica. Ficou reduzido a um capítulo dos livros que
tratavam de crescimento econômico. Assim como a macroeco-
nomia para muitos, toda a reflexão sobre o desenvolvimento e
o subdesenvolvimento era considerada um equívoco teór ico
que, finalmente, a boa teoria tinha conseguido resolver. Tratava-
se do problema do crescimento que se colocava mais ou menos
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

nos mesmos ter mos para países do centro, da per ifer ia, grandes,
pequenos, com ou sem recursos naturais.
Vocês podem perceber como é difícil para um economista se
posicionar em relação a este tema. Continuando a histór ia, na
década de 1990, de alguma for ma, ressurge o interesse dos eco-
nomistas sobre o tema do desenvolvimento. A explicação para
este fato relaciona-se com o seguinte: produz-se no campo da
teor ia econômica uma síntese que per mite, depois de décadas
e décadas, complementar a abordagem atomista do indivíduo
econômico isolado. Uma abordagem que coloca os indivíduos
em interação, não necessar iamente cooperativa, e eventualmen-
te também em conflito. Trata-se do desenvolvimento da teor ia
dos jogos, fronteira da teor ia econômica ortodoxa nos últimos
20, 25 anos.
O estudo de indivíduos em interação, em conflito ou em coo-
peração remete imediatamente ao tema das instituições, das
regras que marcam o processo de interação. É assim que os eco-
nomistas redescobrem o desenvolvimento, a interação e as
instituições. Talvez por isso eu esteja aqui hoje, convidado a falar
sobre este tema.
Como eu já disse no início, visões únicas em Economia,
nor malmente, são miragens. Por isso, eu dir ia, na mesma linha
que o Mario e o José Rodrigo sugeriram antes, vista com o olhar
de um economista, a relação entre Direito e Desenvolvimento
pode ser abordada a partir de duas perspectivas.
Uma, mais próxima da teor ia ortodoxa, herdeira da tradição
dominante do pensamento econômico, eu descrever ia sucinta-
mente da seguinte maneira: quando os economistas percebem a
relevância das instituições para que os mercados funcionem, per-
cebem também que o comportamento dos indivíduos econômicos
depende de sua interação, sua capacidade de administrar con-
flitos ou de cooperar. Depende, crucialmente, de que o ambiente
econômico se tor ne, de alguma for ma, previsível; que a incer-
teza em relação aos resultados das próprias ações e das respostas
dos outros se tor ne, pelo menos, tolerável. Assim, a manuten-
ção das condições iniciais, a estabilidade das regras do jogo e a
incontestabilidade dos direitos passam a ser aspectos cruciais para
que os mercados possam funcionar eficientemente.
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Vejam só: por trás dessa aproximação de Direito e Economia,


particularmente na academia americana nos últimos 15 anos, está
o nobre interesse dos economistas em identificar os mecanismos
que façam com que os mercados funcionem de maneira mais efi-
ciente, mas nessas nobres intenções há uma ar madilha para os
colegas do Direito. De alguma for ma, fica relativizado o papel
que o Direito tem nesta parcer ia entre Economia e Direito. Por
quê? Porque, implicitamente, há uma absolutização do econô-
mico e o Direito, as nor mas e as leis passam a ser funcionais em
relação ao funcionamento do mercado.
Essa é a única perspectiva possível? Não. Nos poucos minu-
tos que ainda tenho, tentarei apresentar outra perspectiva mais
próxima a uma das vár ias for mas de heterodoxia existentes no
pensamento econômico. De alguma for ma, essa outra perspec-
tiva é contraditór ia àquela que eu acabei de descrever.
Seja-me per mitido partir de Schumpeter, pois se trata de um
ator conhecido por todos. Falo da perspectiva shumpeter iana e,
agora sim, retomando aquela distinção entre desenvolvimento
e crescimento, que ele tor nou muito conhecida. O desenvolvi-
mento é um processo de transfor mação, é um processo de
rupturas, um processo de cr iação de novos mercados. A preocu-
pação de Schumpeter não é exatamente com o grau de eficiência
com que funcionam os mercados existentes, mas, sim, com a
capacidade que uma economia de mercado tem de se renovar
per manentemente, cr iando novos mercados. Como Schumpeter
descreve em sua Teoria do Desenvolvimento Econômico, a cr iação
de novos mercados é, em muitos casos, a destruição do que já
existe. Na linguagem dos economistas, trata-se da mobilização
de recursos, reavaliação de r iquezas, patr imônios, rendimentos
e redistr ibuição de patr imônios e rendas. Esse processo é evi-
dentemente conflitivo e associado a tensões e rupturas.
Nesse processo de desenvolvimento, as regras do jogo e os
direitos, que pareciam nor mas estáveis, são inevitavelmente
questionados. Schumpeter diz que esse processo é essencial
para que os mercados desempenhem suas funções, não para que
eles funcionem com eficiência, mas para que possam ser per io-
dicamente substituídos, renovados por outros mercados quando
os existentes se esgotarem.
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

Nessa perspectiva, a relação entre Direito e Economia é um


pouco mais fluida e conflitiva, pois não se trata apenas de estu-
dar de que maneira as nor mas e as instituições existentes
fazem com que os mercados funcionem de maneira melhor ou
pior, mas de discutir de que maneira elas obstaculizam ou
estimulam, fomentam o processo de for mação dos mercados.
No fundo, trata-se de entender de que maneira as instituições,
e agora recorrendo a uma metáfora mais keynesiana do que
shumpeteriana, privilegiam os direitos sobre a riqueza já acumu-
lada, sobre os patr imônios já acumulados ou sobre as
possibilidades de materializar a riqueza potencial, aquela ainda
não apropriada.
Schumpeter per mitir ia estabelecer um diálogo entre Direito
e Economia em condições menos assimétr icas. O Direito estu-
da as nor mas, as Leis, as instituições; não assume, necessar ia-
mente, uma função subordinada e funcional em relação à
Economia. Por quê? Porque o resultado positivo desse proces-
so de transfor mação depende, em grande parte, não apenas dos
resultados estr itamente econômicos, como Schumpeter escre-
ve em suas obras de matur idade, como Capitalismo, socialismo
e democracia.
O processo de transfor mação é um processo de desenvolvi-
mento capitalista que será bem-sucedido, disse Schumpeter; o
seu sucesso deverá ser avaliado, não apenas na dimensão econô-
mica. É preciso que esse processo todo gere também certo grau
de legitimação, de coesão social. A ordem econômica deve ser
acompanhada pela construção da ordem social. Nessa perspec-
tiva, a relação entre Direito e Economia não é de subordinação,
mas de interdependência mútua, porque as nor mas e as institui-
ções precisam ser legitimadas, precisam ser aceitas.
Seja-me per mitido acrescentar mais uma qualificação, indo
um pouco além de Schumpeter, para mostrar como a relação,
o diálogo entre Direito e Economia na discussão do tema do
desenvolvimento, é absolutamente essencial e não deve partir
de uma postura dominante de um lado ou de outro.
Quando Schumpeter descreve o processo de desenvolvimen-
to e analisa a dinâmica pela qual os mercados velhos vão sendo
substituídos por mercados novos, no fundo, ele está dizendo que,
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como em qualquer sociedade mercantil, o valor das riquezas, das


rendas, é sujeito a uma avaliação social. Em uma economia
capitalista, só vale aquilo que é reconhecido como valor pelo
conjunto da sociedade, aquilo pelo que as pessoas estejam dis-
postas a pagar.
Assim, a dinâmica de transformação, de desenvolvimento a que
ele se refere, é movimentada, basicamente, pelos interesses econô-
micos. São os empreendedores, os inovadores os atores principais
dessa dinâmica. Na prática, sabemos que não é apenas assim. Por
quê? Porque, se há alguma virtude que não pode ser atribuída, a
priori, às economias de mercado, é sua capacidade de distribuir
eqüitativamente a riqueza gerada e, portanto, as iniciativas para
transformar a maneira pela qual a riqueza foi acumulada e é dis-
tribuída não parte apenas de empreendedores anônimos. Grupos
e atores sociais se mobilizam, se organizam, se estruturam para
provocar essas transformações. As motivações, então, não são ape-
nas econômicas; são também sociais, políticas, ideológicas, de todos
os tipos. Tudo isso faz parte do processo de desenvolvimento. É
parte do combustível que alimenta todas as tensões.
Avançando um pouco além de Schumpeter, direi como vejo
o papel do Direito, pensando no tema da legitimação, da coesão.
Nesse papel, o Direito é absolutamente insubstituível para a
compreensão dos dilemas do desenvolvimento contemporâneo.
É preciso estabelecer de alguma for ma quais são os limites
do conflito social no contexto da democracia. O que é social-
mente aceitável, socialmente legítimo. Essa tarefa extrapola, em
muito, o que, mesmo os mais bem treinados economistas de
qualquer escola, ortodoxa ou heterodoxa, ser iam capazes de
fazer. Neste campo, precisaremos, certamente, da contr ibuição
dos colegas especialistas em Direito como os que aqui me
precederam.
Obr igado.

Mar ia Lucia Labate Mantovanini Padua Lima


(DIREITO GV)
Muito obr igada, Professor Mar iano Laplane, pelos seus
comentár ios tão pertinentes. Passo agora a palavra ao Professor
Glauco Arbix (USP).
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

Glauco Antonio Truzzi Arbix (USP)


(trecho revisto pelo autor)
Obr igado, Professora Mar ia Lúcia, Ministro Bresser, meu
amigo Mar iano Laplane, José Rodr igo e Már io Shapiro. É um
prazer estar aqui com vocês.
É muito difícil debater o tema desta mesa, principalmente para
alguém como eu, que conhece amplamente a literatura sobre
Direito e Economia. Tenho presente essa debilidade, pois, nas
minhas pesquisas sobre desenvolvimento, sou sempre levado a
buscar uma interlocução mais profunda com o Direito. Tenho cer-
teza que os pesquisadores que estão sendo for mados por esta
Casa irão ajudar-nos bastante a interagir e cr iar malhas de
sinergia e intercâmbio. Como vocês bem sabem, a interdiscipli-
nar idade e o choque de visões são peças-chave para emular o
debate sobre desenvolvimento.
Apesar do meu pequeno trânsito na área, ouso desconfiar que
o debate sobre Direito e Desenvolvimento, no campo de
Economia, tenha começado nos Estados Unidos. Tampouco,
acredito que os economistas recentemente perceberam a impor-
tância das instituições.
Esse debate, na verdade, assumiu for mas diferentes ao longo
da histór ia. Ele é sistematicamente retraduzido, reinter pretado
e redimensionado. Karl Polanyi discutiu as instituições e suas
relações com a Economia muito antes de Douglas North, que
recentemente ganhou o prêmio Nobel da Economia. North are-
jou as pesquisas na área econômica e desenhou novas avenidas
para os pesquisadores que tendem a identificar algumas institui-
ções com pontos nevrálgicos do funcionamento das sociedades.
A relação das instituições com a economia, a política e a cul-
tura atualiza a necessidade de olhar para os fundamentos da
sociabilidade. A gênese dos compromissos, dos acordos e desa-
cordos, das regras e nor mas, das punições e incentivos assume
importância enor me a partir de sua perspectiva. A histór ia das
sociedades, o modo como suas raízes penetram e consolidam rela-
ções entre os homens e mulheres, é essencial, mas nem sempre
as contr ibuições de North são suficientes, pr incipalmente por-
que nossos dilemas, acredito, não se resumem apenas a ampliar
nossas abordagens. Por isso, vejo com bons olhos iniciativas
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como esta de hoje, que procuram exercer a multidisciplinar ida-


de. Ser ia enganoso colocar nas mãos dos economistas a tarefa
de traduzir esses processos para toda a sociedade. Ser ia uma
pequena injustiça também, já que o peso sobre os ombros deles
ser ia excessivo.
Concordo plenamente com as relações traçadas pelo
Professor Laplane entre Economia e Direito. Mais do que isso,
gostar ia que essas relações fossem estabelecidas desde o pr in-
cípio com a Sociolog ia, a Ciência Política, a Psicolog ia, a
Antropologia, a Geografia e, pr incipalmente, a Histór ia. Muitos
economistas – muitos de uma safra mais recente – procuram atri-
buir um caráter secundár io e funcional às demais disciplinas da
área de Humanas, como se a Economia estivesse em um domí-
nio diferente, mais afeita às matemáticas e às searas das exatas.
Mais uma vez, não falo de qualquer economista e de qualquer
Economia, mas de uma visão predominante hoje nas pesquisas
econômicas. Muitas vezes, o público é dominado por essas visões
mais restr itas, que difundem uma espécie de tirania da mode-
lagem e da for malização.
Muitos avanços houve, sem dúvida. Não se trata de negar as
contr ibuições – muitas vezes insubstituíveis – da estatística, da
modelagem, para a compreensão do funcionamento das econo-
mias contemporâneas. Muitos pesquisadores de extração
neoclássica foram responsáveis por avanços enor mes na com-
preensão dos mecanismos sutis das nossas sociedades.
O que destaco, e tomo distância, são as visões mais estreitas,
que procuram afir mar uma pretensa ciência econômica sobre as
demais disciplinas, baseadas na idéia de que a Economia é capaz
de compreender, absorver e traduzir todos os processos sociais.
Essa arrogância disciplinar não fez nem faz bem para ninguém.
Esse comportamento nem sempre é evidente, mas, se olhar mos
para os artigos, para a notor iedade e, muitas vezes, para a faci-
lidade com que os economistas transitam nos altos escalões dos
governos, ficamos com a sensação de que as nossas vidas, assim
como uma sér ie de processos sociais, foram pouco a pouco
sendo colonizados por essa restr ita visão da Economia.
Quando elas prevalecem, as recomendações para a Economia
tendem a perder seu rol de altos valores, como a geração de
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emprego, o aumento da renda, a melhoria do bem-estar. Na maior


parte das vezes, a Economia é apresentada, estudada e molda-
da como se fosse um ente com vida própr ia, à parte da socie-
dade. Não são freqüentes os processos em que as economias se
orientam para a geração de benefícios sociais. Preocupações ele-
vadas como essas, obr igatór ias nas obras de Adam Smith, não
raramente são vistas hoje como antipáticas e disfuncionais; pas-
saram de alvos a obstáculos, pois atrapalham o bom desempe-
nho da Economia.
O problema é que, sem esses valores, a Economia cor re o
r isco de se transfor mar em uma técnica e, dessa maneira, ar r is-
ca perder seu élan. Nas sociedades contemporâneas, a imensa
maior ia dos processos econômicos que se desenvolvem na vida
social está fora das regras. Falo da agiotagem, de gr ilagem, de
lobby, mas também de centenas de outros processos e relações
que per meiam a implementação das nor mas, que ocupam as
interfaces entre as pessoas no emprego, em suas casas e na rua.
Essa malha imensa que às vezes dá for ma a nossa sociedade se
encontra para além – ou aquém – da rede institucional.
O Direito, em sua versão mais sisuda, dialoga e interage com
uma dimensão muito pequena das relações sociais. Talvez com a
ajuda da Sociologia ou da Economia consiga tocar na dinâmica
real das nossas sociedades.
O Professor Laplane refer iu-se a Schumpeter e sou grato a
ele pela lembrança. Schumpeter, apesar de economista, passou
quase a metade de sua vida nos Estados Unidos dizendo-se um
sociólogo. Ele teve fricções com a Universidade de Harvard, que
teimava em classificar seus cursos como de Economia.
Schumpeter sempre resistiu, pois percebeu que a Economia da
sua época era absolutamente incapaz de compreender a malha
de fenômenos que se desenvolvia diante de seus olhos. A críti-
ca de Schumpeter aos neoclássicos acentua a maneira como a
sociedade de sua época se desenvolvia à margem das relações
tidas como motores do desenvolvimento social.
Tendo a pensar as relações entre Direito e desenvolvimento
a partir de três cr itér ios básicos. Pr imeiro: é chave a distinção
entre instituições e processos democráticos e não-democráticos.
O pesquisador, aqui, é levado a operar sua primeira escolha, uma
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escolha de valores, que, certamente, definirá as características


do seu pensamento sobre o Direito.
O segundo elemento-chave, relacionado ao pr imeiro, é a
necessidade de acompanhar os conflitos sociais e trabalhar
intensamente pelo aperfeiçoamento da sua regulamentação.
O terceiro cr itér io diz respeito às instituições que a socie-
dade cria para satisfazer as necessidades de gerar e sustentar uma
sociabilidade baseada na democracia, capaz de incor porar a
noção e o própr io conflito social nos seus fundamentos.
A ar ticulação desses três elementos, creio, nos per mite
identificar diferentes dimensões e dinâmicas da vida social e,
assim, captar a sociedade em seu movimento, e não de uma
for ma estática.
Esse tr ipé, concebido para consumo doméstico, me ajuda a
pensar as relações entre Direito e desenvolvimento. Nas três
abordagens, as instituições ocupam lugar especial nesse tr ipé.
Incor poram as regras do jogo, implementam-o, constrangem o
jogo e os jogadores. Tendo a achar que as fraquezas e os limi-
tes de cada uma das nossas disciplinas pedem que uma nova
geração de pesquisadores caminhe por ter renos que, até agora,
foram delineados e limitados pelas grandes disciplinas. Creio que
as portas inter postas à pesquisa precisam ser ar rombadas e os
limites, superados.
Eu conheço bem o trabalho do Professor Laplane. Sua gran-
de virtude é a recusa da visão pequena que muitas vezes assola
a universidade, características da produção do professor Bresser.
As pessoas que têm algo de relevante a dizer são exatamente aque-
las que desrespeitam essas fronteiras.
Falar em interdisciplinaridade, para além da moda, significa se
referir a um esforço para desenvolver efetivamente uma análise
e uma interpretação a partir da multiplicidade de visões. Não se
trata de chamar disciplinas para serem subsidiárias das nossas. É
preciso construir um olhar a partir do confronto entre diferen-
tes arcabouços de análise. Não basta, por tanto, colocar a
diversidade em torno de uma mesa. É preciso fazer essa diversi-
dade se expressar, o que nem sempre é fácil.
A Escola de Direito da GV está nascendo e eu acredito que
ela tem tudo para nascer seguindo um caminho absolutamente
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

inovador. Permitam-me uma breve comparação com a Engenharia.


Os engenheiros e as escolas de Engenhar ia no Brasil têm de ser
reinventadas. Apesar de saber mos que não teremos desenvolvi-
mento sem uma engenhar ia ativa, as escolas atuais estão a
anos-luz da realidade social, têm dificuldade de entrar em sin-
tonia com a sociedade e for mam pesquisadores e práticos para
outra época. Em um certo sentido, nossas escolas de Direito tam-
bém vivem esse dilema.
Por essas razões, o debate de hoje é muito bem-vindo.
Agradeço a oportunidade de estar aqui. Eu dever ia, na verda-
de, estar sentado na platéia, para aprender com a discussão. O
debate é importante para a escola, pr incipalmente se for capaz
de formular proposições concretas para construir uma grade cur-
ricular dinâmica, integradora, arejada. Espero que o curso tenha
a generosidade de abr igar a diversidade de pensamento. Só
assim teremos uma Escola geradora de bons advogados, promo-
tores, procuradores, juízes e pesquisadores que fazem muita
falta ao nosso país, uma geração sintonizada com o pensamen-
to renovador.
Obr igado.

Mar ia Lucia Labate Mantovanini Padua Lima


(DIREITO GV)
Muito obr igada, Professor Arbix. Passo agora a palavra ao
Professor Luiz Carlos Bresser-Pereira.

Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV/EESP)


(trecho revisto pelo autor)
Quando soube que a DIREITO GV escolheu o desenvolvimen-
to como seu principal tema de pesquisa, eu me senti completando
uma volta redonda. Eu fiz a Faculdade de Direito do Largo São
Francisco e me formei em 1957, mas, já em 1955, eu resolvera
abandonar a carreira do Direito e a idéia de me tornar juiz de
Direito, para ser sociólogo ou economista do desenvolvimento.
Tomei essa decisão aos 20 anos de idade porque não via preocu-
pação, na Faculdade de Direito, pelo tema do desenvolvimento ou
da industrialização. Depois desse “rompimento” com o Direito,
fui fazendo as pazes aos poucos, na medida em que me dava conta
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da sua enorme importância, e, hoje, sei bem quão grande é seu


papel na sociedade. Agora, ao tomar conhecimento que a Escola
de Direito da FGV escolheu o desenvolvimento como seu tema
principal, ao mesmo tempo em que eu mesmo passo a me inte-
ressar de forma crescente pela teoria política, fico com a impressão
agradável de uma volta redonda.
O Direito é fundamental para o desenvolvimento econômi-
co, mas tem sido pouco útil nessa tarefa. Desenvolvimento é um
processo de acumulação de capital e incor poração de progres-
so técnico à produção, associado às transformações econômicas,
sociais e políticas, ou seja, está associado a transfor mações na
estrutura técnica e produtiva; a mudanças na estrutura social e
na cultura política; e a mudanças no sistema institucional ou na
ordem jurídica que resultem na elevação dos padrões de vida
da população. Nesse processo de desenvolvimento econômico,
o Direito é o sistema nor mativo da sociedade com poder coer-
citivo; é o Estado enquanto sistema constitucional-legal ou
ordem jurídica. O Estado, portanto, é o própr io Direito, mas é
mais amplo que a ordem jurídica porque compreende também
a organização ou o aparelho que o estabelece e o garante.
Estado e Direito são mais que ir mãos gêmeos – são ir mãos sia-
meses. A única diferença entre um e outro é que o Estado é
maior do que o Direito porque é dotado de uma organização,
enquanto o Direito é só a nor ma.
O Estado é o instrumento de ação coletiva fundamental da
sociedade. A mesma afir mação se aplica ao Direito, que pode
ser pensado como tendo duas relações com o desenvolvimen-
to. A pr imeira relação é de obstáculo. O Direito tende a se
constituir obstáculo ao desenvolvimento econômico na medi-
da em que as mudanças econômicas e tecnológicas, ou seja,
mudanças nas forças produtivas, tendem a atropelar o sistema
nor mativo. Foi o que ensinou um velho barbudo, Marx, cujas
idéias devemos ter sempre presentes. O sistema constitucional-
legal estabelece a ordem – que é também per manência –, mas
há na sociedade elementos em mudança, em transfor mação.
Quando surge o desenvolvimento econômico, com a Revolução
Capitalista, quando o progresso técnico e a acumulação de
capital começam a transfor mar profundamente a sociedade, a
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ordem jurídica tende a impedir as mudanças. Ou impedia. Foi


isso que Marx percebeu há 150 anos. De acordo com ele, o
Estado era o instrumento de ação coletiva da alta burguesia, o
que ocor r ia no Estado Liberal e já representava um avanço em
relação ao que ocorria no Estado Absoluto, em que o Estado era
mero instrumento da oligarquia ar istocrática e patr imonial.
Quando, com a Revolução Capitalista, a burguesia se tor nou
dominante, o Direito passou a ser o defensor das liberdades civis
ou do Estado de Direito. No século XX, quando os países mais
desenvolvidos transitam para o Estado Democrático, não é mais
apenas a burguesia, mas também a classe média profissional e
os trabalhadores que também passam a participar, de alguma
for ma, do poder do Estado.
Na Faculdade de Direito, estávamos ainda no tempo do Estado
Liberal. Eu tive alguns professores maravilhosos, mas o que eu
ouvia era a defesa do Estado de Direito. Era um grande progres-
so, mas não era suficiente. A liberdade é apenas um dos grandes
objetivos políticos das sociedades modernas. No meu entender,
os objetivos políticos que a sociedade persegue por meio de seu
Estado e da ordem jurídica são a segurança, a liberdade, a justi-
ça social, o desenvolvimento econômico e a proteção do meio
ambiente. Tais objetivos foram surgindo ao longo da histór ia e
sendo for malizados e incluídos na Constituição e nas leis. Cabe
ao Direito interpretar a lei, tendo como referência esses gran-
des objetivos, entre os quais está o desenvolvimento.
Podemos pensar em uma segunda relação entre Direito e
desenvolvimento, uma relação não mais de obstáculo, mas uma
relação positiva. Essa perspectiva está relacionada com o pro-
cesso de recuperação da impor tância das instituições nas
ciências sociais contemporâneas. As instituições sempre foram
muito importantes, mas, depois que a economia neoclássica tor-
nou-se dominante e, por meio da adoção de um método
hipotético-dedutivo, matematizou-se, elas foram abolidas da
Economia. A Sociologia e a Ciência Política, por sua vez, estu-
davam as instituições, mas pr incipalmente de acordo com a
perspectiva do obstáculo. Apenas os jur istas e os políticos
viam as instituições como um instrumento de mudança na
busca dos objetivos sociais.
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Enquanto isso ocorr ia no plano das Ciências Sociais e do


Direito, duas mudanças fundamentais ocorreram na sociedade e
no Estado. A primeira, já no século XX, foi a transição do Estado
Liberal para o Estado Democrático nos países desenvolvidos. No
Brasil, essa transição é mais recente. Quando isso acontece, o
Estado torna-se não inteiramente, mas razoavelmente, o instru-
mento de ação coletiva da sociedade ou da nação e tudo começa
a mudar. Por outro lado, no final do século XX, a esperança socia-
lista na revolução perdeu força. O colapso da União Soviética e
a transição da China para o capitalismo demonstraram na práti-
ca a inviabilidade do socialismo enquanto forma de organização
da produção – de sua tendência em se transfor mar em estatis-
mo ineficiente. Com isso, perdeu força também a grande atração
que o socialismo exercia em nós, jovens das décadas de 1950 ou
1960. Perdeu-se a crença na possibilidade de transfor mações
mais fundamentais na estrutura da sociedade, mas, em compen-
sação, o socialismo enquanto ideologia da justiça social ou da
igualdade de oportunidades fez enor mes avanços durante o
século XX. Por meio da pressão política dos pobres, que, com a
democracia, passaram a ter direito de voto, o Estado Democrático
Liberal transformou-se, principalmente na Europa Oeste e Norte,
no Estado Democrático Social.
Dessa forma, o Estado Social transformou-se em instrumen-
to coletivo por excelência de toda nação, o que não significa que
os pobres tenham logrado poder comparável ao dos ricos. Os
membros da sociedade civil, da sociedade politicamente organi-
zada que determina o caráter e a ação do Estado e da ordem
jurídica, continuam a ter seu poder ponderado pelo capital, pelo
conhecimento e pela capacidade de organização de que dispõem
individualmente, mas nesse processo houve um substancial aumen-
to de poder relativo dos trabalhadores e das classes médias.
A perda de esperança em uma revolução socialista foi um dos
fatores que levou as Ciências Sociais a colocar as instituições
no centro de suas preocupações. Isto, que sempre foi verdade
para o Direito, ocor reu com a Economia, a Sociolog ia e a
Ciência Política. Já que não era possível contr ibuir para a revo-
lução, era necessár io voltar-se para a refor ma das instituições.
No caso do Direito, entretanto, também houve uma mudança.
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

Em vez de se preocupar com os objetivos de segurança, próprios


do Estado Liberal, passou-se também a buscar os outros três
objetivos: o desenvolvimento econômico, a justiça social e a pro-
teção da natureza.
C o m o p o d e o D i re i t o e s t i mu l a r o d e s e nvo l v i m e n t o ?
Fundamentalmente, for mulando e interpretando as instituições
jurídicas de for ma que elas estimulem a acumulação de capi-
tal e a incor poração de prog resso técnico. Como se cr iam
opor tunidades de investimento? Os neoliberais, os liberais
radicais, que, no último quar tel do século XX, se tor naram
dominantes nos Estados Unidos e, depois, no mundo, têm
uma receita ortodoxa convencional. Para eles, é muito simples:
as instituições devem garantir a propr iedade e os contratos;
ponto final. A par tir daí, o mercado se encar regará de tudo.
É a tese central de Douglass Nor th, mas é uma tese inaceitá-
vel, pois é impor tante proteger a propr iedade e os contratos.
Como os investidores investirão se não tiverem as garantias?
Mas há uma instituição muito mais impor tante do que a mera
proteção da propr iedade – uma instituição ampla e inclusiva:
as estratég ias nacionais de desenvolvimento que existem nos
países que atravessam períodos de forte desenvolvimento eco-
n ô m i c o. E s t r a t é g i a n a c i o n a l d e d e s e nvo l v i m e n t o é u m a
instituição? Sim. Uma estratég ia nacional de desenvolvimen-
to é um conjunto de instituições, leis, políticas, diagnósticos,
crenças, valores e objetivos que orientam o comportamento das
pessoas – dos empresár ios, dos trabalhadores, dos técnicos, dos
políticos e burocratas no Gover no. Todos eles têm na estraté-
g ia nacional de desenvolvimento um referencial.
Quando o país tem uma estratégia nacional de desenvolvimen-
to, a ordem jurídica faz parte dela, embora, naturalmente, seja
mais ampla; a ordem jurídica é um referencial não apenas do com-
portamento aceitável, mas do comportamento economicamente
desejável. A China, por exemplo, tem, desde o início da década
de 1980, uma estratégia nacional de desenvolvimento; os chine-
ses têm um referencial. Nós tínhamos uma estratégia nacional de
desenvolvimento no Brasil nas décadas de 1930, 1940, 1950;
depois da crise da década de 1960, voltamos a tê-la com os mili-
tares, embora dessa estratégia fossem excluídos os trabalhadores
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e, mais amplamente, os democratas. Desde 1980, não temos nada


que possa ser identificado com uma estratégia nacional de desen-
volvimento. A estratégia que adotamos desde o início da década
de 1990 é importada – é a ortodoxia convencional ou Consenso
de Washington, que provoca a quase-estagnação dos países que
a adotam, como o Brasil e o México.
O Direito pode colaborar para uma estratég ia nacional de
desenvolvimento? Sem dúvida, mas, para isso, é preciso que
essa estratég ia, sempre um g rande acordo infor mal, esteja em
for mação. No quadro de uma estratég ia nacional, a estrutu-
ra jurídica não precisa ser refor mulada, mas refor mada e
inter pretada. Não pode ter como objetivo apenas o desenvol-
vimento econômico. É necessár io pensar no desenvolvimento
combinado com justiça social, porque o problema fundamen-
tal do Brasil é a desigualdade social, e no meio ambiente,
porque hoje não faz sentido falar em desenvolvimento se não
for sustentável.
Quais são os obstáculos fundamentais para ter mos uma estra-
tég ia nacional de desenvolvimento? Pr imeiro, temos os
obstáculos de ordem ideológica, que são dois. Um é a hegemo-
nia ideológica do Norte, da universidade, do cinema, da música
dos países r icos. É a hegemonia cultural dos nossos competido-
res, que não estão interessados no nosso desenvolvimento
econômico. Segundo, é a perda do conceito de nação que acon-
teceu no Brasil a partir de 1964. Com a teor ia da dependência
associada que surgiu logo em seguida, as idéias equivocadas de
que o desenvolvimento estava assegurado e que as multinacio-
nais e a poupança externa garantiriam o nosso desenvolvimento
tor naram-se dominantes no pensamento do Brasil, inclusive
das esquerdas, do PMDB, do PSDB e do PT. Um desastre. Estes
são os dois obstáculos ideológicos.
Há também os obstáculos de ordem social. Refiro-me, pr in-
cipalmente, à relativa falta estrutural de legitimidade do sistema
legal brasileiro, que ocorre por dois motivos: pr imeiro, pelo
caráter mimético da nossa cultura. Lembremos da Constituição
de 1891 – uma tentativa de transfor mar o Brasil nos Estados
Unidos por meio da lei. Quando importamos sem críticas ins-
tituições estrangeiras, os resultados são sempre negativos. Pior
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

do que essa importação só a exportação de instituições com o


uso da força, como faziam as potências imper iais no passado e
hoje fazem o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional
com suas “condicionalidades”. Instituições podem e devem ser
importadas, mas cr iticamente. Na década de 1990, importamos
sem crítica o modelo de pr ivatização do setor elétr ico amer ica-
no – um modelo baseado no mercado, o que não fazia sentido
em um país como o Brasil, cuja geração de energia estava con-
centrada em grandes hidrelétr icas com custos muito baixos,
que, naquele momento, estava mudando sua matr iz energética
com a adição de usinas termoelétricas com custo duas a três vezes
mais alto. Em um quadro como esse, em que o custo marginal da
energia subia vertiginosamente, era impensável pretender ter um
simples sistema de mercado. Isso per mitir ia a realização de ren-
das r icardianas enor mes, ao mesmo tempo em que o preço da
energia subia para viabilizar as termoelétricas. Sabemos qual foi
o resultado dessa importação de instituições estrangeiras sem crí-
tica: um “apagão”.
A outra causa da relativa falta de legitimidade do sistema
constitucional-legal brasileiro é a heterogeneidade radical da
sociedade. Um sistema jurídico é, por definição, legítimo do
ponto de vista formal, mas, quando a sociedade é profundamen-
te desigual e injusta como a nossa, a lei tor na-se enviesada em
favor dos poderosos. O MST, uma das poucas organizações
comprometidas com os interesses dos pobres no Brasil, está
sempre em conflito com a lei. Para os pobres, com freqüência,
não há alternativa senão enfrentar a lei. Uma situação muito dife-
rente, por exemplo, da existente em países como a Suíça ou a
Suécia. Lá a legitimidade da Lei é indiscutível e a lei é obede-
cida, porque são sociedades muito mais homogêneas.
Que contr ibuição podem a teor ia e a pesquisa em Direito
fazer nesse quadro? O mais importante é realizar esforços sis-
temáticos no sentido de tor nar o sistema ou a ordem legal
brasileira mais efetiva, com mais legitimidade. Não é fácil. O
Direito não é todo poderoso. Quais as pesquisas seriam mais rele-
vantes? Provavelmente aquelas que medissem a legitimidade
das leis por meio de sua efetividade. Essas pesquisas ajudarão a
pensar como fazer melhor as leis e as políticas. Por outro lado,
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é preciso, per manentemente, relacionar o sistema legal com os


objetivos maiores da sociedade.
Naturalmente, isso não depende apenas do Direito, depende
de toda a sociedade, de uma decisão política da sociedade brasi-
leira de voltar a ser nação, porque nós deixamos de ser nação, nós
voltamos à condição de semicolônia. Se nós voltarmos a ter uma
estratégia nacional de desenvolvimento, vocês verão como o
Direito, a Economia, a Sociologia e a Ciência Política passam a
ter muito a dizer. Hoje, na falta de objetivos compartilhados, não
temos muita coisa a dizer ou, quando temos, falamos no vazio.
Nossos intelectuais, nossos partidos políticos, nossos políticos estão
desorientados. Por isso, é necessário que uma escola como esta,
uma nova escola de Direito, esteja voltada ao debate dos gran-
des temas nacionais.

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PERGUNTAS

Oscar Vilhena Vieira (DIREITO GV)


Faço com muita ignorância a pergunta sobre o seguinte: evi-
dentemente, quando vemos o Direito como uma disciplina
funcional à Economia e aceitamos um pouco dessa lógica per-
versa da colonização de todas as outras disciplinas, inclusive do
Direito, pela Economia, também nor malmente segue a isso o
receituár io de como deve ser o Direito. Então, muito do que se
está fazendo é de que maneira eu aplico esse receituário na eco-
nomia ortodoxa ao Direito e aí tudo se resolverá, os contratos
serão garantidos dessa maneira. Se eu tivesse a propr iedade
sendo garantida dessa maneira, nós teríamos as condições para
o desenvolvimento.
A minha pergunta é: nos países que deram saltos desenvolvi-
mentistas nas últimas décadas, pr incipalmente China, Coréia,
aparentemente do ponto de vista jurídico, não seguiram esse recei-
tuário. Eu queria saber como o Direito desses países permitiu isso,
pois, ao que tudo indica, pelo padrão ortodoxo, ser iam sistemas
jurídicos disfuncionais. Mesmo assim, esses países conseguiram
dar saltos desenvolvimentistas bastante grandes.

Esdras Borges da Costa (DIREITO GV)


Eu só quer ia lembrar que realmente este seminár io dá um
passo muito grande em relação ao seminár io anter ior sobre
pesquisa em Direito, pois a discussão está se aprofundando e se
tor nando mais prática. A coisa avançou, há vár ias pesquisas em
andamento. Por exemplo, o objeto de uma pesquisa em Direito
é caminhar para a recuperação de institutos, de pensar em novos
institutos de Direito.
Ao se falar da pesquisa em Direito, a palavra “instituição” apa-
rece sempre. Eu tenho dúvidas sobre seu significado. Às vezes,
as instituições são um bem que temos que recuperar e, às vezes,
são a própr ia estrutura do Direito. As instituições são somente
legais, são somente jurídicas? Há outras instituições?
Mais uma coisa, quando define o objeto da pesquisa em
Direito, o pesquisador terá que resolver como define os fatos.
Algo que tem me impressionado bastante, eu tenho aprendido
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

muito de Direito aqui na DIREITO GV, é que, no pensamento


jurídico, os fatos são construídos não apenas para serem expli-
cados. Como podemos abranger isso no campo da pesquisa em
Direito e ainda mais quando o objeto de pesquisa em Direito diz
respeito ao desenvolvimento?

Ronaldo Porto Macedo Júnior (DIREITO GV)


Eu solidar izo com o comentár io do Esdras. Eu acho que
agora nós começamos, mapeadas algumas premissas teór icas,
a tentar ver que essas premissas se engatam em um problema,
o problema da GV agora, porque evidentemente esse é o foco
de pesquisa.
Uma pergunta que eu vejo muito relacionada ao que fala-
ram o Laplane e o Bresser, muito embora difusamente também
relacionado ao que todos os demais falaram, diz respeito a algo
que, a meu ver, tomou um sentido diverso neste painel em rela-
ção ao pr imeiro. Qual é o papel, digamos assim, se é que
existe, substantivamente nor mativo do Direito?
É importante ter uma certa interdisciplinaridade ou, como foi
dito pelo Arbix, que, de alguma forma, também os economistas se
ressintam de uma falta de interdisciplinaridade, portanto, esse traba-
lho cooperativo entre disciplinas é importante, gerará dividendos
para todos os que nele se envolverem. No entanto, é preciso pergun-
tar em que medida o Direito tem uma agenda normativa própria.
Foi dito aqui que, de alguma forma, uma tendência forte é a
idéia de colonização: os economistas dizem o que deve ou não ser
feito; os neoclássicos ou não dizem qual é a agenda, qual é o dese-
nho das políticas e, depois, o jurista dará formato, redação às Leis.
A minha pergunta é: em que medida o papel se restr inge a
apenas isso ou haver ia, digamos, um campo inter no de refle-
xão especificamente jurídica?
Uma segunda questão na verdade diz respeito a uma outra
agenda, um pouco exter na à questão da pesquisa em Direito
e Desenvolvimento, mas relacionada à preocupação da Fundação
Getulio Vargas, a questão da pesquisa e ensino. Eu retomo
com isso uma preocupação e um dilema que teve a USP na
década de 1950 em diversos de seus departamentos: a oposi-
ção entre izebianos e uspianos.
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Tal oposição pode ser car icaturalmente caracter izada como,


de um lado, a preocupação dos izebianos de participar, propor,
nor matizar, intervir no debate, ou seja, de nor matizar o Brasil
e, de outro, uma postura mais olímpica, mais descr itiva, mais
comprometida com uma auto-representação marcada pelo r igor
intelectual, mas caracter izada pelo isolamento, pelo alheamen-
to à realidade.
A opção uspiana não era sem sentido. Ganhou-se em ter mos
de compromisso com trabalhos acadêmicos, o aperfeiçoamento
institucional que houve é inegável. Por outro lado, o alheamen-
to do debate também é inegável. Posto isso, como ver tal
conexão? Essa é uma provocação para o Professor Bresser, que
sempre se auto-intitulou izebiano.

Michelle Ratton Sanchez (DIREITO GV)


Obr igada, Mar ia Lúcia. Eu tenho basicamente duas inqui-
etações e elas caem sobre as falas do José Rodr igo e do Mar io.
Uma delas eu compartilho com o Professor Esdras e é justamente
a respeito do conceito de instituições que está sendo aplicado e
foi retomado por vários integrantes da mesa, mas, sobretudo, nos
textos. Eu fiquei com a impressão de que se trata apenas da reg-
ulamentação estatal e da estrutura do arcabouço do Estado.
A minha segunda inquietação – um pouco repetitiva talvez
para vocês, em virtude dos debates em workshops de pesquisa aqui
na Escola, mas justamente tendo em conta a perspectiva global
com que se compromete a Escola de Direito da GV, como ela
está relacionada a essas análises de desenvolvimento nas falas de
vocês. Como eu senti tal análise muito atrelada ao conceito de
Estado de Direito, que aponta para uma pesquisa eminentemen-
te ter r itor ial do Direito, eu gostar ia de perguntar sobre como
retrabalhar o desenvolvimento sob uma perspectiva funcional.
É isso. Obr igada.

Glauco Antonio Truzzi Arbix (USP)


Eu acho que, se vocês tentarem definir a perspectiva do
Direito pela definição do objeto, ficarão batendo a cabeça no
muro, como dezenas de outras disciplinas já fizeram, inclusive
o Direito. O que eu reivindico como interdisciplinaridade e acho
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

que todas as disciplinas precisam não é a reunião das pessoas que


pensam diferente, isso geralmente é pouco produtivo. O que nós
precisamos é que vocês que mexem com Direito pensem em
desenvolvimento. Pensar junto é secundár io. O que nós estamos
precisando é de uma qualidade de pensamento diferente da que
está sendo feita hoje.
Por tanto, eu acho que ser ia ruim definir domínios para
cada uma das disciplinas. Não acho que o Direito tenha um
domínio e a Sociolog ia tenha outro. Eu me dou o direito de
pensar as questões do Direito e gostar ia muito e sinto neces-
sidade que vocês pensem as questões da Sociolog ia. Que há
especificidades em toda e qualquer disciplina, há. Há tradições,
acumulação de conhecimentos, mas isso não dá o poder a
nenhuma disciplina de definir domínios.
A segunda questão: pensar o desenvolvimento significa
entrar em áreas que teor icamente não caber iam a vocês. Farei
uma pergunta bem simples para poder chegar na terceira, a ques-
tão da China. No começo do século XX, a Inglater ra avançava
fortemente sua revolução industr ial, o que havia de mais avan-
çado tecnologicamente estava lá; os engenheiros, os técnicos,
os físicos e os matemáticos eram os melhores. Naquele momen-
to, um movimento empreendido por jur istas e pela sociedade
civil defendia que o automóvel era um objeto nefasto à socie-
dade, porque ele apresentava per igo, era inseguro; não tinha
condições de trazer civilização para a humanidade. Uma lei
inglesa de 1906 declarou que nenhum automóvel produzido na
Inglaterra poderia andar a mais do que 20 quilômetros por hora,
porque era a velocidade que um homem cor rendo alcançava.
Mais do que isso, o referencial humano definiu o uso da máqui-
na, no caso, o automóvel.
Como resultado, ocorreu um aprofundamento brutal do
declínio da Inglaterra; uma fuga enorme de engenheiros quími-
cos e engenheiros mecânicos para a França, Alemanha e Estados
Unidos, movimento que esteve na origem das grandes constru-
toras de automóveis fora da Europa e da Inglaterra. Todas as
grandes marcas criadas nesse período têm a mão de algum enge-
nheiro inglês que fugiu da Inglaterra porque não podia
desenvolver o seu potencial.
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CADERNO 25

Eu sei que vocês têm uma casoteca aqui, por isso seria inte-
ressante vocês contatarem historiadores que lidam com isso,
porque são exemplos de como o pensamento ligado com a visão
de Direito mais a visão de sociedade tem tudo embutido aqui.
É supercomplicada a discussão sobre civilização, como ela aca-
bou se transformando, não digo que era o maior obstáculo, mas
um grande obstáculo ao desenvolvimento em uma área que era
absolutamente sensível, a indústria automobilística, que fez o
império americano na seqüência. Enquanto Ford começa a cami-
nhar para dar linha de montagem e fazer o Ford dele, o Ford T,
a Inglaterra refreava e segurou aquilo que seria uma tecnologia
portadora de futuro. Ela arrebentou essa possibilidade com um
dispositivo, um aparato legal jurídico fundado no Direito liga-
do à idéia de cidadania e civilização.
Bom, para terminar, eu não vou falar sobre a China, não tenho
tempo, mas talvez valesse a pena fazer um debate sobre esse
assunto, porque há quem ache que a China é um grande exem-
plo para o Brasil. Eu não acho. A China cresce mais de 9% como
média, mas a desigualdade cresce de forma cavalar na China, em
todo lugar, eles não sabem o que fazer. Quando eu estava na pre-
sidência do IPEA, fiz convênio com a China exatamente para
discutir a questão da desigualdade. Há setores do governo da
China desesperados com a questão da invasão das cidades; gente
nas metrópoles que chega a algo em torno de 300 milhões de
pessoas que não têm a mínima condição de civilização. A China
cresce, e os problemas também.
Então, Direito lá é o Direito que está colocado nas mãos do
partido comunista. É bom que vocês saibam, quem não sabe (eu
visitei), acima da suprema corte chinesa está o partido comunis-
ta. É uma noção de Direito que acho que não deve ajudar a
formar a nossa Escola.

Mar iano Francisco Laplane (Unicamp)


Gostar ia de fazer uma observação pontual na questão da
China. Acho que não só a China, como outros países, têm dei-
xado, no momento, de lado a observação sobre a questão da
democracia. Se alguma diferença podemos tirar, é que a idéia do
caminho único para o desenvolvimento do modelo único que
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

envolve uma deter minada estrutura econômica, política-econô-


mica e o sistema jurídico institucional é excessivamente ingênua
para ser levada a sér io. Os caminhos são muito mais var iáveis e
r icos. E nós não precisamos seguir o da China, basta encontrar
o nosso, mas estamos demorando um pouco.

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RESPOSTAS

José Rodr igo Rodr iguez (DIREITO GV)


Darei a mesma resposta ao Professor Esdras e à Professora
Michelle. Peço desculpa aos dois porque acho que terminarei ape-
nas repetindo falas que já proferi em debates internos à Escola.
Dentro da escola, institucionalmente falando, a especificida-
de do objeto do Direito, neste momento, deve ser uma
preocupação secundár ia. Estamos em um momento cr iativo,
um momento em que as pessoas estão se ar r iscando, o que se
pode observar pela qualidade de nossas publicações. Há jur is-
tas fazendo pesquisas empír icas, testando novas metodologias e
adotando pontos de vista diferentes do tradicional.
O problema da especificidade do Direito permanece vivo, mas
não podemos sufocar esse movimento com uma camisa-de-
força metodológica. Talvez alguma síntese teórica venha depois,
porém, é mais importante discutir com o barco andando, sem
adiar as pesquisas em nome de uma definição teórica precisa, que,
sejamos claros, nunca virá. O debate teór ico é inter minável.
Minha resposta é a mesma no que diz respeito ao conceito de
instituição. Trabalhei com um conceito frouxo para abrir o deba-
te para outros campos e perspectivas. Para o senso comum da
pesquisa em Direito, o conceito de instituição é bem claro: tudo
é dogmática. Se ficar mos por aqui, nada avançará. Minha esco-
lha foi abandonar a precisão para abr ir o debate, colocando o
conceito em disputa. Defini-lo muito estr itamente parece pre-
judicar a cr iatividade que tem marcado nossas atividades.
Eu venho de uma experiência institucional, anterior à GV, em
que a pesquisa em Direito tinha limites muito claros: eu sabia exa-
tamente o que devia fazer para produzir um bom trabalho de
Direito. Tudo estava muito claro e definido. Minha reação foi
desobedecer, o que me custou muito em ter mos pessoais e pro-
fissionais. Eu fiz exatamente o contrár io do que me foi exigido,
porque achava que dever ia haver espaço para novos modelos de
pesquisa em Direito. Não me arrependo disso.
Quanto à questão da globalização, eu concordo com você,
Michelle: está faltando no texto. No entanto, eu falo do proble-
ma da governança. O tema não está muito desenvolvido, mas não
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

acho que minha perspectiva seja ter r itor ial e exclusivamente


estatal. Entretanto, temos que partir do acúmulo científico que
temos no Brasil para construir algo novo. Por isso, o tema da dog-
mática torna-se central e o debate deve partir da visão estatista
do Estado com o fim de mudá-la.

Már io Gomes Schapiro (DIREITO GV)


No tocante ao conceito de instituição, essa é uma questão que
tem me incomodado muito. Tenho me utilizado da chave webe-
r iana: o que eu apresentei aqui foi a idéia de que o Direito tem
um dado padrão de organização social, o padrão da dominação
racional legal. O Direito dirá quem é sujeito de direito, quem
pode ser empresár io, o que é uma empresa, quais são as cate-
gor ias do contrato, o que é propr iedade, etc. Todos esses são
ter mos jurídicos. A regulação social é pr ior itar iamente regula-
ção jurídica.
Quando tratamos de instituições e quando o Douglas North
fala de instituições for mais, eu tendo a achar que ele se refere
às instituições jurídicas. O mercado é uma instituição jurídica
em um padrão de organização social em que o foco de legiti-
midade é o Direito. Eu trabalho com as instituições da perspectiva
do Direito.
Isso resulta em que tipo de habilidade para o jur ista? Ele é
capaz de fazer desenhos institucionais; é capaz de pensar estra-
tégias para a organização dos processos sociais. Um exemplo
disso, eu não resisto em comentar a questão posta pelo Professor
Oscar, o Brasil e a Coréia, em 1980, tinham a mesma taxa de
crescimento anual, salvo engano, 6,5%. De 1980 em diante, a
Coréia deslanchou e o Brasil estancou. Se olhar mos o desenho
institucional coreano no que diz respeito à política industr ial e
ao Direito concor rencial, veremos que o Direito concor rencial
coreano é muito mais poroso à política industr ial que o nosso.
Ele tem regras de isenção para concentrações empresar iais, pre-
vistas em sua Lei de desenvolvimento industr ial. Esse é um
assunto típico de desenho institucional que está fora dos manuais
da OCDE. Quer dizer, os coreanos não fizeram a lição neolibe-
ral quanto a esse ponto e apostaram em um desenho institucional
diferenciado. Organizaram seus processos sociais de maneira
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CADERNO 25

específica, pensaram com a própria cabeça sobre a melhor forma


de organizar o setor empresar ial.
Por fim, a última questão da Michele, a pesquisa empír ica
versus o arcabouço do Estado. Descrever o arcabouço do Estado
no processo de desenvolvimento é tão empír ico quanto seguir
a linha do pluralismo jurídico e entender as diversas fontes de
normatividade. Eu não estou afirmando que o Direito posto seja
absoluto ou único. Pode haver vár ias ordens vivendo em uma
mesma sociedade. Por exemplo, boa parte da economia brasi-
leira é infor mal, mas isso não me impede de fazer um reg istro
inclusive empír ico de como a ordem oficial funciona.
Quanto à questão sobre a dimensão internacional, um comen-
tár io. Dizem que as perguntas feitas para nós nas bancas de
mestrado ou doutorado nos perseguem a vida inteira. O Professor
Luiz Gonzaga Belluzo disse o seguinte na minha defesa: “o seu
trabalho não tem uma abertura para as questões internacionais”.
Eu não sabia responder e continuo sem saber responder.

Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV/EESP)


Responderei principalmente ao Professor Ronaldo, mas darei
duas palavras sobre o comentár io do Oscar. A pr imeira pergun-
ta: eu não conheço nenhum país que tenha seguido a receita do
bolo, que eu chamo de “ortodoxia convencional”, e que tenha
crescido. Nem o Chile seguiu. A receita fundamental é não ter
controle sobre a taxa de câmbio: o país crescer ia com poupan-
ça externa e abertura da conta capital. O Chile defendeu feroz-
mente a sua taxa de câmbio na década de 1990; aliás, foi o único
país na Amér ica Latina que fez isso.
Leiam o livro do Chang, uma maravilha de livro, chamado
Chutando a escada. Um reparo: ele está pensando em uma for ma
de chutar a escada ligada ao comércio inter nacional. O que eu
venho discutindo nesses anos é que a melhor for ma de chutar
a escada é por meio de políticas macroeconômicas, especifica-
mente por meio de políticas de câmbio e juros.
Uma palavra sobre a colonização das demais ciências sociais
pela Economia. Na verdade, eu não sei muito bem onde colo-
car o Direito no contexto dessas ciências. Ele fica um pouco
à parte.
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

A ciência social mais abrangente é a Sociolog ia. Por quê?


Porque a Sociolog ia é a ciência da sociedade, ou seja, abarca
tudo. Depois, temos a Ciência Política, ou a teor ia política,
ciência das instituições e da pr incipal instituição, o Estado. O
Direito anda junto com a Ciência Política, são ir mãos gêmeos,
deviam estar per manentemente de mãos dadas. Finalmente, a
Economia, que estuda uma das instituições reguladas pelo
Estado, o mercado.
Dedicamos grande parte do nosso tempo ao trabalho e, por-
tanto, às atividades econômicas. Sem dúvida, a atividade
econômica tem um papel fundamental nas nossas vidas e nos con-
diciona fortemente de vár ias maneiras. Tudo isso nós sabemos,
mas quem nos ensina não é a Ciência Econômica, é a Sociologia.
A economia neoclássica é, de um lado, um método matemá-
tico e, de outro, ideolog ia, mais nada. Fujam cor rendo de
Douglas North! Há institucionalistas muito melhores do que ele.
Por favor, não se deixem colonizar!
Finalmente, a pergunta sobre o caráter substantivo do Direito.
Ele tem uma substância própria? Eu acho que sim. O Direito é
uma ciência no sentido amplo da palavra, não só uma ciência empí-
rica, mas uma ciência que organiza e estrutura o pensamento.
Os dois objetivos específicos do Direito podem ser expres-
sos pelas seguintes perguntas: como se constrói uma ordem
jurídica compatível com os direitos civis, sociais, políticos e repu-
blicanos ou de acordo com os objetivos políticos da sociedade?
Como se constrói uma ordem jurídica? As outras ciências sociais
também se preocupam com isso, mas indiretamente. O segun-
do objetivo é: como tor nar essa ordem jurídica legítima e,
portanto, efetiva? De nada adianta construir uma bela arquite-
tura que seja vazia. Como fundar o Direito? Onde
fundamentá-lo? Há a velha alter nativa do Direito natural; a
alter nativa do Direito positivo; e uma terceira alter nativa, que
eu chamar ia de dialética entre o Direito embebido na socieda-
de e o Direito da sociedade ideal.
Precisamos de um Direito que, ao mesmo tempo, reflita a
sociedade em que vivemos e seja capaz de mudá-la. A legitimi-
dade, a meu ver, é essa terceira via, a mais cor reta. O Direito
legítimo é o Direito baseado na sociedade, sempre dinâmica.
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Meu último comentár io refere-se à velha br iga entre o ISEB


e a USP, a Escola de Sociologia da USP de Florestan Fernandes,
Fernando Henrique, Octávio Ianni, etc. O ISEB abrigou o gran-
de Guer reiro Ramos, Inácio Rangel e Helio Jaguar ibe, que
ainda está vivo e forte, graças a Deus. É um grupo de grandes
intelectuais que pensou o Brasil, na década de 1950, em ter mos
nacionalistas, utilizando-se da mais alta Sociologia e Ciência
Política, sediado no Rio de Janeiro. Pensava o Brasil globalmen-
te, sem a necessidade de “pesquisinhas”. A Sociologia de São
Paulo foi instituída e desqualificou esse grupo dizendo que era
preciso fazer pesquisa; a única ciência legítima é a ciência
baseada na pesquisa. Fizeram vár ias pesquisas, algumas bastan-
te úteis, outras, nem tanto. Por exemplo, Fer nando Henr ique
Cardoso fez uma pesquisa sobre os empresários, perguntando se
eles eram nacionalistas. Como eles não disseram que eram
nacionalistas e ele já esperava que eles dissessem isso, Fernando
Henr ique decretou que era impossível haver uma burguesia
nacional no Brasil, o que se tor nou uma regra geral e final para
o Brasil e para a Amér ica Latina.
O problema é fazer essa inferência louca a partir de uma pes-
quisinha localizada em um contexto deter minado: em 1964,
empresár ios e militares, os dois grupos mais claramente nacio-
nalistas existentes no Brasil, associaram-se aos amer icanos para
promover o golpe militar. Todos estavam com medo do comu-
nismo, uma ameaça relativamente real. Enfim, essa associação
“provou” que não havia burguesia nacional.
Com isso, a Escola de Sociologia de São Paulo, com essa “pes-
quisinha”, essa inferência e essa br iga pelo monopólio do saber
legítimo, jogou fora o bebê com a água do banho, ou seja,
jogou a nação brasileira fora. Ficamos sem nação e todo mundo
era de esquerda, mas uma esquerda vazia, tanto que, mais tarde,
virou-se à direita em muitos aspectos.
Esses comentários não invalidam em absoluto a pesquisa empí-
r ica. Acho apenas que, nas Ciências Sociais, sua importância
difere da Biologia, da Física, etc. Na Física ou na Biologia, não
há nem liberdade nem história. Nós temos que lidar com ambas,
portanto, a capacidade de prever o comportamento é muito rela-
tiva. Se a previsão do comportamento é muito relativa, devemos
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

fazê-la com muita modéstia e, ao mesmo tempo, sem deixar de


pensar o geral. Não há nada melhor para o dominante que o domi-
nado não pense em termos gerais. O Direito sempre foi capaz de
fazer isso e tem que continuar sendo. Eu espero que esta Escola
continue a fazê-lo.
As escolas de Economia não pensam mais no geral, fazem
“pesquisinhas” empír icas r idículas, usando econometr ia, às
vezes, de boa qualidade. Muitas vezes, elaboram modelos mate-
máticos absolutamente irrelevantes. O resultado é que a demanda
por cursos de Economia está caindo substancialmente. A
Economia pode estar colonizando as outras ciências, mas trata-
se de uma colonização meramente ideológica.

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APÊNDICE

PERSPECTIVAS PARA A PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO


José Rodr igo Rodr iguez

Introdução 106

1. A pesquisa na DIREITO GV 106

2. Direito e Desenvolvimento 107

2.1. Pesquisa, desenvolvimento e democracia 107

2.2. Pesquisar o direito: 108


dogmática jurídica e alternativas institucionais
2.3. Dogmática jurídica, instituições não-dogmatizadas 112
e mecanismos de governança
2.4. Teoria do direito, história do direito 114

2.5. Direito e Desenvolvimento: 115


breve reconstrução histórica
2.6. Contexto brasileiro: 119
uma observação a partir de Dependência
e Desenvolvimento na América Latina
2.7. Direito e Desenvolvimento, Economia e Democracia 123

2.8. O ponto de vista de uma escola de direito: 127


mecanismos de tomada de decisão

Referências bibliográficas 129

Nota 130

105
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Introdução
Este texto propõe uma síntese de três discussões coletivas sobre
o foco de pesquisa da DIREITO GV – Direito e Desenvolvimento.
Trata-se de propor uma moldura para a organização da pesqui-
sa da DIREITO GV que seja fiel à sua curta, mas ativa histór ia
e vislumbrar um caminho para o andamento dos trabalhos futu-
ros. Esta síntese pretende apenas organizar alguns argumentos
para fins de debate.
O texto está dividido em duas partes. Na pr imeira, procu-
ro identificar, muito sucintamente, algumas características dos
trabalhos de pesquisa já realizados pela DIREITO GV. A par-
tir dessas características, passo a organizar as pautas de pesquisa
que estão em andamento em função do foco de pesquisa Direito
e Desenvolvimento. Nesta segunda parte do texto, trata-se de
mostrar: a) que as questões que preocupam a escola podem ser
organizadas em função deste foco; b) que os trabalhos que
realizamos podem abr ir novas possibilidades para pensar a rela-
ção entre Direito e Desenvolvimento; e c) que estas novas
possibilidades podem abr ir espaço para que o Direito seja con-
siderado elemento deter minante na compreensão da dinâmica
do desenvolvimento.

1. A pesquisa na DIREITO GV
As atividades de pesquisa desenvolvidas na DIREITO GV têm
como característica central a preocupação com o funcionamen-
to real das instituições. As pesquisas têm abordado, em primeiro
lugar, problemas jurídicos, dogmáticos ou não, deixando de
lado perspectivas excessivamente preocupadas com a coerên-
cia do ordenamento jurídico. Além disso, a escola tem se
preocupado em desenvolver descr ições e análises do funciona-
mento do poder judiciár io, órgãos da administração direta e
indireta e órgãos inter nacionais.
Os trabalhos de pesquisa realizados, ao centrarem seu foco em
problemas reais, mostram a preocupação de discutir a relação entre
direito e sociedade. Daí uma forte preocupação com a pesquisa empíri-
ca, mesmo por parte de pesquisadores que lidam com problemas
tradicionalmente tratados por disciplinas como direito societá-
rio, direito penal e direito civil. Esta aproximação da pesquisa em
106
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CADERNO 25

direito da pesquisa empírica tem resultado em trabalhos que não


se preocupam com seu enquadramento nas disciplinas jurídicas tradicio-
nais. Ao ressaltar os problemas de regulação com os quais o
direito tem que lidar, abre-se espaço para pensar abordagens mul-
tidisciplinares que envolvam vár ios ramos do direito e
instrumentos regulatór ios. Além disso, abre-se um diálogo com
as ciências sociais e com a economia.
Essas cinco características: 1) pesquisa centrada em proble-
mas; 2) preocupação com o funcionamento real das instituições;
3) valor ização da pesquisa empír ica 4); questionamento das
divisões disciplinares tradicionais; e 5) diálogo com a economia
e ciências sociais; estão presentes, muitas vezes em conjunto, em
todos os trabalhos de pesquisa realizados na DIREITO GV.
Não há espaço aqui para demonstrar adequadamente esta afir-
mação. Remeto o leitor aos Cadernos DIREITO GV, que publicam
os relatórios de pesquisas, especialmente os de número, 2, 4, 9,
10; e aos mais de quinze livros publicados pela DIREITO GV. Uma
análise detalhada de toda a produção acadêmica da escola ocu-
paria muito espaço e fugiria dos objetivos deste texto.

2. Direito e Desenvolvimento

2.1. Pesquisa, desenvolvimento e democracia


Estas cinco características podem ser expressas em uma única idéia:
a DIREITO GV pretende tratar de problemas jurídicos reais. Para
realizar esta tarefa é necessário descrever o funcionamento das ins-
tituições e analisar os dados obtidos (com o fim de construir as
teorias que lhes dão sentido), além de avaliar o tratamento do pro-
blema para, eventualmente, poder pensar em alternativas.
Este impulso para tratar de problemas reais, situados histo-
ricamente, tendo em vista alternativas para sua regulação coloca
uma sér ie de questões importantes para a pesquisa em direito
em nosso país. A preocupação com a descr ição do ordenamen-
to jurídico em funcionamento, em si mesma, serve à democracia
e ao desenvolvimento econômico e político da sociedade. É
essencial comparar o discurso das instituições, ou seja, aquilo
que elas dizem que fazem e o que elas efetivamente fazem. Está
em jogo aqui a transparência do poder, pressuposto para o
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

estabelecimento de mecanismos de controle democrático sobre


o processo de tomada de decisões.
É essencial investigar os efeitos das instituições sobre a eco-
nomia e suas tensões com a política, para incrementar sua
eficiência sem comprometer a legitimidade. Sem o apoio políti-
co da sociedade é impossível estabelecer marcos de regulação
eficazes que promovam o desenvolvimento econômico. Além
disso, sabemos que o desenvolvimento econômico em si mesmo
não é capaz de produzir instituições democráticas. Há desenvol-
vimento econômico tanto em sociedades autoritárias quanto em
sociedades profundamente injustas. A dinâmica do direito tem uma
velocidade e uma racionalidade própria, que não se confunde com
a velocidade e a racionalidade da economia.

2.2. Pesquisar o direito:


dogmática jurídica e alternativas institucionais
Pensar a realidade das instituições é descrevê-las e analisá-las
para avaliar seu impacto e seu sentido e pensar alter nativas. As
instituições não são eter nas e imutáveis:

[...] o ponto de partida para a prática de reformas no mundo


atual costuma ser o esforço para ampliar, por extensão
analógica ou por recombinação dos elementos disponíveis, o
repertório institucional existente. O estudo das variações
institucionais existentes leva, naturalmente, à investigação das
alternativas institucionais. Em vez de serem concebidas como
sistemas prontos e indivisíveis, as alternativas passam a ser
vistas como construções com os materiais existentes, como
“bricolage”. O que transforma a “bricolage” em projeto, como
sentido exemplar para a humanidade, é seu casamento com
uma visão transformadora. (UNGER, 2005:39)

Nos últimos anos, a preocupação com as instituições tem


ganhado terreno em disciplinas como histór ia, sociologia, ciên-
cia política, teor ia social e economia (GOODIN, 1998). Esta
preocupação está relacionada a razões diferentes, mas a aborda-
gem de todas estas disciplinas é complementar (GOODIN,
1998:19) ao constatar que:
108
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CADERNO 25

1. Individual agents and groups pursue their respective projects in a


context that is collectively restrained. […]
2. Those constraints take the form of institutions – organized patterns
of socially constructed norms and role, and socially prescribed behaviors
expected of occupants of those roles, which are created and re-created
over time […]
3. Constraining though they are, those constraints nonetheless are in
various other aspects advantageous to individuals and groups in the
pursuit of their own more particular projects. […]
4. The same contextual factors that constrain individual and group
actions also shape the desires, preferences and motives of those individual
group agents. […]
5. Those constraints characteristically have historical roots, as artifactual
residuals of past actions and choices. […]
6. Those constraints embody, preserve and impart differential power
resources with respect to different individuals and groups. […]
7. Individual and group action, contextually constrained and socially
shaped though it may be, is the engine that drives social life.
(GOODIN, 1998, 19-20)

O estudo das instituições tem sido valor izado, pois se con-


statou que não é possível explicar o funcionamento da sociedade
reduzindo a lógica institucional a elementos que lhe sejam
exteriores. As instituições têm uma dinâmica própria que deter-
mina a ação de indivíduos e grupos. Da mesma maneira, planejar
ações que pretendam produzir efeitos econômicos, sociais ou
políticos demanda a compreensão da dinâmica de funciona-
mento das instituições para que seja possível avaliá-las e propor
eventuais refor mas. Um exemplo:

Institutions affect the performance of the economy by their effect on the


costs of exchange and production.Together with technology employed they
determine the transactional and transformation (production) costs that
make up total costs. (NORTH, 1990: 5-6)

Como relacionar o estudo do Direito com o estudo das ins-


tituições? Quando falamos em Direito os estudiosos desta área
pensam, imediatamente, no estudo da dogmática jurídica.
109
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

Veremos que, hoje, não é possível restringir a pesquisa em direi-


to a este campo de investigação. As instituições que funcionam
sob o padrão dogmático estão ao lado de outras instituições e
é preciso estudar todas elas para dar conta da realidade do
ordenamento jurídico. Para deixar isso mais claro, gastemos
algum tempo com a discussão do sentido e dos limites da dog-
mática jurídica.
A dogmática é o padrão de funcionamento institucional refe-
r ido ao poder judiciár io. 1 O pensamento dogmático liga-se
estreitamente ao direito for mal na descr ição weber iana, cuja
racionalidade é a solução de casos concretos pela subsunção a
normas gerais e abstratas. Tais normas são pontos de partida ine-
gáveis, que deter minam o discurso dogmático constrangido,
ainda, pelo dever da autor idade em oferecer uma resposta para
qualquer caso que lhe for apresentado (proibição do non liquet)
(FERRAZ JR, 1980: 97).
A dogmática surge, historicamente, no momento em que o
direito torna-se contingente em dois níveis: (a) as normas jurí-
dicas podem mudar a qualquer momento, aumentando a incerteza
da sociedade quanto às regras que determinam seu comportamen-
to, e (b) os atos de aplicação podem variar a partir do mesmo
material, ou seja, no contexto de um mesmo ordenamento jurí-
dico (FERRAZ JR, 1980: 98 e ss). Ela reduz a incerteza do
direito ao cobrar congruência das decisões da autoridade em fun-
ções relação a decisões passadas, emprestando à série temporal
alguma consistência e delimitando um campo de modelos de
aplicação das normas jurídicas. Examinando as doutrinas sobre os
diversos assuntos, é possível descobrir aquilo que é juridicamen-
te possível para os operadores do direito (FERRAZ JR, 1980: 99).
A dogmática reduz a complexidade social ao tor ná-la mani-
pulável por meio de conceitos abstratos e um modo de pensar
que serve à decisão dos conflitos e delimita um campo de sig-
nificados que se expande ou se retrai em função dos diversos atos
de aplicação. Este padrão de funcionamento institucional, no
entanto, tem limites.

Sendo um modo de pensar onde o horizonte do passado


predomina sobre o do futuro, já pela orientação conforme o
110
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CADERNO 25

princípio da inegabilidade dos pontos de partida, a introdução, no


rol de seus problemas, de questões aonde o horizonte do futuro
venha a predominar, cria uma certa instabilidade de difícil
solução dentro dos quadros tradicionais. Por exemplo: a pressão
para que se considere dentro da noção de responsabilidade penal
os dados advindos da Psiquiatria, da Psicanálise e da Sociologia
Criminal, lança sobre aquela noção uma série de objeções futuras
de alta incerteza, o que se pode perceber numa certa dificuldade
encontrada pelos penalistas em absorver o conceito de
periculosidade, que se refere não ao que o indivíduo fez, mas às
suas virtualidades. Pois punir alguém pelas suas virtualidades é
algo que parece ferir os princípios dogmáticos tradicionais como
o de que não há culpa sem crime (FERRAZ JR, 1980: 198).

Fer raz Jr afir ma que o aumento da complexidade social


pode levar o pensamento dogmático a perder sua funcionalida-
de em prol de instrumentos de atuação mais rápidos e efetivos
(FERRAZ JR, 1980: 199). Para abarcar esta complexidade, a dog-
mática tem ampliado a abertura e a abstração de seus conceitos.
Mas esta não é uma boa solução, segundo Ferraz Jr, pois os con-
ceitos deixam de reduzir a incerteza ao deixar aberto um espaço
de indeterminação grande demais. Resultado: a dogmática deixa
de for necer os parâmetros de controle da ação das autor idades
(FERRAZ JR, 1980:201-202).
Como dissemos acima, alguns órgãos de poder funcionam no
registro do pensamento dogmático. São marcados pelo mais ele-
vado grau de for malização do processo de tomada de decisões.
A estruturação de campos dogmáticos cr ia constrangimentos
para as partes em conflito a para as autoridades competentes pela
decisão. Todos devem recorrer ao mesmo repertór io de concei-
tos e institutos, bem como a um mesmo modelo de raciocínio para
justificar seus interesses e decisões. A referência necessária da dog-
mática é o direito positivo marcado pela presença de nor mas
gerais e abstratas (de comportamento e de organização).
Outros órgãos têm funcionado sem a for malização dogmá-
tica. No limite, há órgãos que decidem sempre em função do caso
concreto e da conjuntura, tor nando difícil o desenvolvimento
de padrões que se cr istalizem em nor mas gerais. A disciplina da
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

atuação deste tipo de órgão é caracter izada pela presença pre-


ponderante de nor mas jurídicas mater ializadas, cujo controle,
em casos extremos como o do Banco Central, só é possível a pos-
teriori. Também há mecanismos não for malizados de tomada de
decisão, compreendidos aqui como aqueles que fogem ao con-
trole das estruturas do estado de direito e dos organismos
inter nacionais. Para fins deste texto, eles serão refer idos como
mecanismos de gover nança. Desenvolveremos um pouco mais
esta análise logo abaixo.
Diante do exposto, pode-se dizer, tentativamente, que pes-
quisar em direito é:
a) descrever, analisar e avaliar as instituições que funcionam
sob o padrão dogmático tendo em vista seus efeitos sociais, polí-
ticos e econômicos e, eventualmente, pensar em alter nativas
institucionais à dogmática;
b) descrever, analisar e avaliar as instituições que funcionam
sob outros padrões tendo em vista seus efeitos sociais, políticos
e econômicos e, eventualmente, pensar em alter nativas institu-
cionais a elas; inclusive defendendo sua dogmatização; e
c) descrever, analisar e avaliar os mecanismos de governança
tendo em vista seus efeitos sociais, políticos e econômicos e, even-
tualmente, pensar em alternativas a eles; inclusive defendendo sua
institucionalização sob o padrão dogmático ou outros padrões.

2.3. Dogmática jurídica, instituições não-dogmatizadas,


mecanismos de governança
A dogmática jurídica desenvolvida na DIREITO GV tem a
jurisprudência como centro de suas preocupações. O pensamen-
to dogmático não faz sentido apartado do funcionamento real
do poder judiciár io, órgão decisivo do processo de positivação
do direito nos limites do estado nacional.
É necessár io compreender o modo como os tr ibunais efe-
tivamente decidem e funcionam para que seja possível construir
uma doutr ina adequada à realidade do funcionamento das ins-
tituições, propor soluções dogmáticas novas, bem como pensar
a adequação do pensamento dogmático a deter minados proble-
mas reais. Pode haver casos em que o modo de decidir
dogmático não é nem eficiente nem legítimo e, por tanto,
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CADERNO 25

pode-se defender a adoção de outra for ma institucional para


lidar com o problema.
Além disso, é necessário ter claro como se configuram os pro-
blemas dogmáticos brasileiros para incorporar a experiência dogmá-
tica estrangeira ao nosso solo sem correr o risco de anacronismo.
Por tudo isso, é importante realizar pesquisas empíricas sobre
o comportamento dos juízes, sobre a for mação e o desenvolvi-
mento da jurisprudência, bem sobre as estruturas e funcionamento
dos tribunais. Um aspecto relevante do problema é a introdução
de estruturas mais informais no interior do poder judiciário – os
juizados especiais – que têm impacto sobre o modo de agir de
partes, juízes e advogados e pode vir a ter impacto sobre a for-
malização dogmática.
Além disso, é importante estudar os efeitos de deter minados
institutos jurídicos sobre economia, política e sociedade para pen-
sar soluções dogmáticas novas, bem como para pensar os limites
desta for ma de regular. Desta maneira, é possível pensar realis-
ticamente possíveis refor mas institucionais que coloquem em
questão a adequação desta for ma de regulação.
O estudo dos mecanismos não-dogmatizados de tomada de
decisão (ex: Banco Central, Cade etc) segue na mesma linha. A
reconstrução de sua estrutura, bem como a investigação de seu
funcionamento real por meio de pesquisas empíricas é essencial
para informar a ação dos agentes que participam de seus proce-
dimentos, bem como das autoridades responsáveis por operá-los.
A pesquisa empírica deve andar junto com a reflexão teórica que
procura dar conta da racionalidade própria a estes órgãos e sua
relação com outros organismos do estado e da sociedade civil. Esta
reflexão informará eventuais propostas de reforma institucional.
Além disso, é essencial investigar os efeitos das decisões des-
tes órgãos sobre a economia e a política, bem como seu impac-
to social em vista de eventuais refor mas institucionais. É
preciso investigar estes mecanismos quanto ao eventual suces-
so em realizar seus objetivos, à for ma de participação da socie-
dade no processo de tomada de decisões e aos instrumentos de
controle democrático de sua atuação. Trata-se de pensar tais
fenômenos institucionais tanto do ponto de sua eficiência
quanto de sua leg itimidade.
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

O Banco Mundial define gover nança como o exercício da


autor idade política e recursos institucionais para lidar com os
problemas e interesses da sociedade. Nesta definição, inclui a ação
do estado e todos os seus instrumentos de ação. Não vamos tra-
balhar com ela. Gover nança será entendida aqui como algo
diferente de gover no, ou seja, em apartado dos mecanismos do
estado de direito e organismos inter nacionais. Assim, interessa
à Escola DIREITO GV estudar os mecanismos de tomada de
decisão que atuam sem a supervisão do estado ou de organiza-
ções inter nacionais. Trata-se da organização de redes que
eventualmente envolvam parcerias público-privadas e/ou a arti-
culação de grupos de organizações da sociedade civil.
Estudar estes mecanismos é pensar os limites do poder dos
Estados nacionais, bem como a concepção do direito centrado
na soberania. Importa identificar e descrever o funcionamento
destes mecanismos, relacionando sua ação com os gover nos e
com a sociedade civil e avaliar seu impacto sobre os ordenamen-
tos jurídicos nacionais; sobre a economia, a política e a sociedade.
Muitas vezes, tais mecanismos podem entrar em contradição
com os interesses do estado nacional e dos cidadãos. Estão em
jogo aqui os limites do direito bem como suas possíveis confi-
gurações futuras.

2.4. Teoria do direito, história do direito


A pesquisa em direito não prescinde de trabalhos em teor ia do
direito e histór ica do direito, sempre tendo em vista as institu-
cionais presentes na sociedade nacional e internacional. A teoria
do direito pensa estes mecanismos institucionais tanto do ponto
de vista da racionalidade específica do direito e suas tensões com
as demais esferas sociais (política, economia etc), quanto de um
ponto de vista menos abstrato, reconstruindo a racionalidade de
institutos ou setores do ordenamento jurídico (teor ia da regu-
lação, teoria da responsabilidade civil, teoria do contrato, função
e estrutura dos cr imes e das penas etc). A busca de um ponto de
vista totalizante, que dê conta da racionalidade do direito, ali-
menta-se do debate com as teor ias de menor grau de abstração.
Apenas assim é possível buscar compreender o sentido do fun-
cionamento das instituições tendo em vista eventuais propostas
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de refor ma e levando em conta os problemas reais do ordena-


mento jurídico. A histór ia do direito abraça este mesmo grau de
complexidade. Trata da formação das instituições e do pensamen-
to jurídico, bem como o desenvolvimento de institutos dogmáticos
específicos e modelos de regulação, tratando de suas permanên-
cias e mudanças, sempre tendo em vista dos problemas reais aos
quais eles se referem.

2.5. Direito e Desenvolvimento: breve reconstrução histórica


A DIREITO GV tem desenvolvido projetos de pesquisa sobre
dogmática jurídica, sobre órgãos não-dogmatizados, sobre teo-
ria e sobre história do direito seguindo o padrão que delineamos
na pr imeira parte deste texto. Estes projetos se preocupam em
dialogar com outras áreas e disciplinas a partir do Direito. Este
diálogo, por ser incipiente no Brasil (FRAGALE FILHO &
VERONESE, 2004; NOBRE, 2004), ainda carece de maior ela-
boração teór ica. No entanto, o projeto da DIREITO GV, ao
direcionar suas ambições para a questão do desenvolvimento,
tor na urgente um debate sobre o papel de uma escola de
direito na pesquisa sobre o tema, ao lado de estudiosos de ciên-
cias sociais, economia e outras ciências.
Há uma tradição inter nacional de pesquisa em Direito e
Desenvolvimento (CLARK, 1992, TRUBEK & SANTOS, 2006)
que é preciso levar em conta. Não há espaço aqui para uma
reconstrução detalhada do desenvolvimento destas pesqui-
sas, que remontam à década de 1960. Apenas para fins de
ilustração, vamos tomar a reconstrução do percurso feita por
Trubek & Santos e, sem seguida, discutir positivamente um
marco para pensar o lugar do direito no pensamento sobre o
desenvolvimento.
Trubek & Santos resumem o percurso da pesquisa em Direito
e Desenvolvimento em três momentos. O pr imeiro, chamado
de “Direito e Desenvolvimento do Estado”, centrou-se na idéia
de que o direito dever ia remover bar reias que entravavam o
desenvolvimento. Partia-se do pressuposto de que o desenvol-
vimento viria com a substituição de importações, direcionamento
da poupança inter na para áreas chave, ação de um estado inter-
ventor num contexto em que o setor pr ivado era fraco para
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

sustentar o desenvolvimento e que os grupos tradicionais resis-


tir iam às mudanças (TRUBEK & SANTOS, 2006: 5).
O direito dever ia cr iar estruturas para o controle macro-
econômico:

A legislação é capaz de traduzir objetivos de políticas públicas em


ações pelo direcionamento do comportamento econômico
conforme planos nacionais. O direito é necessário para criar a
moldura para a operação de uma burocracia governamental
eficiente e para a governança das corporações do setor público.
Leis são necessárias para lidar com operações de troca complexas
e para regular as importações. (TRUBEK & SANTOS, 2006: 5).

Seguindo estes pressupostos, a pesquisa desta época dava


ênfase na moder nização das leis e das profissões jurídicas con-
forme o padrão dos estados centrais. Dava-se muita importância
ao direito público confor me o modelo dos estados centrais e
advogava-se a modernização das profissões jurídicas (e do ensi-
no jurídico, por conseguinte) pela adoção de uma advocacia
pragmática e or ientada pelos objetivos das políticas públicas
(TRUBEK & SANTOS, 2006: 5).
O segundo momento, chamado de “Direito e mercado neoli-
beral” via o direito também como instrumento para realizar
objetivos econômicos, mas, agora, conforme outra agenda. Via-
se o desenvolvimento como resultado do controle de preços,
promoção de disciplina fiscal, remoção de distorções cr iadas
pelo investimento estatal, promoção do livre-mercado e busca de
investimentos externos. O direito é um instrumento para incen-
tivar e facilitar transações privadas, portanto, enfatiza-se o direito
privado, ou seja, a proteção da propriedade e a garantia dos con-
tratos. Além disso, o direito deve limitar a intervenção do estado
e garantir tratamento igual para o capital externo. O poder judi-
ciário tem o papel central de limitar a ação do estado e facilitar
o funcionamento dos mercados por procedimentos formalistas
(TRUBEK & SANTOS, 2006: 5).
Trubek & Santos afir mam o terceiro momento da pesquisa
em Direito e Desenvolvimento nasce da crítica ao neoliberalis-
mo que se desenvolve em dois focos. O pr imeiro afir ma que a
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liberalização dos mercados por si mesma não foi capaz de pro-


duzir desenvolvimento, como atestam os exemplos da Rússia e da
América-Latina.Tem sido necessária a intervenção estatal para cor-
rigir falhas de mercado como custos de transação e assimetrias
de informação. A crítica segue, afirmando que as reformas deve-
r iam ter prestado mais atenção nas instituições locais e na
dinâmica de cada país: a mera transferência de leis e procedimen-
tos de países centrais para países periféricos não produz os efeitos
esperados (TRUBEK & SANTOS, 2006: 6). Outras críticas ques-
tionam a importância excessiva emprestada ao desenvolvimento
econômico. O crescimento econômico não promove, necessaria-
mente, a diminuição da pobreza. Mais do que isso, a própria
idéia de desenvolvimento deve ser ampliada para abarcar aspec-
tos que transcendem o crescimento econômico.
Estes dois grupos de críticas levam os pesquisadores atuais a
pensarem nos limites dos mercados e na própr ia definição do
desenvolvimento. Mesmo admitindo-se a importância dos mer-
cados, trata-se de pensar como e quando o estado deve intervir.
Ao invés da defesa de “desregulação”, fala-se em uma “regula-
ção adequada”, bem como na necessidade de controle sobre o
r itmo da liberalização das fronteiras para o livre fluxo de capi-
tais (TRUBEK & SANTOS, 2006: 7). De outro lado, a idéia de
desenvolvimento tem mudado de foco, deixando de lado ape-
nas o desenvolvimento econômico. Fala-se em desenvolvimento
humano (do qual a renda é apenas um aspecto), emprestando-
se a mesma importância do desenvolvimento político, social e
jurídico. O objetivo central é aumentar a capacidade das pessoas
a escolherem a vida que escolherem viver (TRUBEK & SAN-
TOS, 2006: 7). Nesse sentido:

Ter mais liberdade para fazer as coisas que são justamente


valorizadas é (1) importante por si mesmo para a liberdade global
da pessoa e (2) importante porque favorece a oportunidade de a
pessoa ter resultados valiosos. Ambas as coisas são relevantes para
a avaliação da liberdade dos membros da sociedade. [...]
A segunda razão para considerar tão crucial a liberdade substantiva
é que a liberdade é não apenas a base de avaliação de êxito e
fracasso, mas também um determinante principal da iniciativa
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

individual da eficácia social.Ter mais liberdade melhora o potencial


das pessoas para cuidar de si e para influenciar o mundo, questões
centrais para o processo de desenvolvimento (SEN, 2000:33).

Ademais, os críticos enfatizam a impor tância das institui-


ções locais, afastando-se abordagem padronizadas e centradas
no modelo dos estados centrais. Advoga-se a par ticipação
local no desenho e implementação das reformas econômicas, bem
como a necessidade de criação de redes de segurança sociais locais
e combate do à pobreza. (TRUBEK & SANTOS, 2006: 7).
Trubek & Santos mostram que estas mudanças no modo de
pensar a relação entre direito e desenvolvimento correspondem
a três momentos na evolução do pensamento jurídico. O pr i-
meiro momento é marcado por um pensamento jurídico que vê
a autonomia individual como central e o direito como instru-
mento de proteção de propr iedade e de transações livre. Além
disso, é um pensamento for malista que deduz resultados jurí-
dicos de uma ordem legal coerente e autônoma.
O segundo momento vê o direito como meio para ating ir
certos fins: as leis devem ser conscientemente desenhadas para
atingir determinados objetivos sociais e, assim, o direito expan-
de sua influência para áreas antes deixadas para a regulação dos
mercados e para a vontade das partes. Além disso, conforme este
modo de pensar, o direito deve ser avaliado de for ma conse-
quencialista (TRUBEK & SANTOS, 2006: 10).
Um terceiro modo de pensar o direito está em for mação,
misturando elementos dos outros dois. Trata-se de combinar
a análise de políticas a um neofor malismo no direito público, con-
for me a for mulação de Duncan Kennedy, ou seja, de pensar
em soluções de problemas jurídicos de for ma consequencia-
lista, tendo em vista vár ias considerações em conflito, por
meio da suposta dedução de soluções jurídicas de direitos e
pr incípios contidos em textos fundadores (TRUBEK & SAN-
TOS, 2006: 10). Nem o for malismo da subsunção, nem o
consequencialismo do direito do estado social; mas o proce-
dimento de pensar soluções para problemas que envolvem
vár ios interesses sociais, a par tir de um pensamento jurídico
que lida com reg ras e pr incípios.
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Os elementos que marcam o momento atual da pesquisa em


direito e desenvolvimento confor me TRUBEK & SANTOS, ou
seja, a consideração e discussão dos limites do mercado, a amplia-
ção do sentido de desenvolvimento e a mudança no padrão do
pensamento jurídico são centrais para a for mulação de um pro-
jeto que pretende contribuir para esta área de estudos. Seguindo
esta for mulação e os elementos que reunimos ao longo de todo
o presente texto, pensar na relação entre direito e desenvolvi-
mento é pesquisar o funcionamento das instituições, ou seja, dos
mecanismos de tomada de decisão dogmatizados ou não, além dos
mecanismos de governança, com base no contexto econômico,
político e social em que estão inser idos.
Além disso, trata-se de pensar como as instituições podem con-
tribuir para o desenvolvimento, compreendido em seus aspectos
econômicos, políticos, sociais e jurídicos (aumento da renda, for-
talecimento do regime democrático, diminuição da pobreza e
melhora na distr ibuição de renda, fortalecimento do estado de
direito). Trata-se sempre de, num esforço articulado, descrever,
analisar e avaliar as instituições comparando seus objetivos com
seu desempenho e, eventualmente, pensando em alter nativas
que favoreçam o desenvolvimento.
No que diz respeito à teoria e à história do direito, trata-se de
pensar o padrão de racionalidade capaz de dar conta da ordem
jurídica contemporânea, apontando suas permanências e ruptu-
ras com padrões anteriores. Além disso, trata-se de pensar teorias
de médio alcance que dêem conta de aspectos parciais do orde-
namento e sirvam à reconstrução teórica em nível mais abstrato
e totalizante.

2.6. Contexto brasileiro: uma observação a partir


de Dependência e Desenvolvimento na América Latina
O Brasil não tem uma tradição jurídica voltada para pensar a rela-
ção entre direito e desenvolvimento. O problema não aparece em
primeiro plano na tradição do pensamento brasileiro. No entan-
to, ao retomar as análises clássicas de Fernando Henrique Cardoso
e Enzo Falleto em Dependência e Desenvolvimento na América Latina,
podemos identificar um lugar para ligar nossas preocupações
com o direito com a tradição do pensamento brasileiro.
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

O direito não aparece em primeiro plano no livro mas, como


demonstraremos adiante, há ali espaço para ligar as considera-
ções de Fer nando Henr ique Cardoso e Enzo Falleto com o
estado atual das pesquisas em Direito e Desenvolvimento do
ponto de vista das preocupações específicas de uma escola de
direito. É importante ressaltar que não nos interessa aqui a dis-
cussão sobre os modelos de desenvolvimento de cada país
estudado pelos autores, tampouco o conceito de economia de
enclave e seus desdobramentos. Vamos nos centrar na ar mação
teór ica do problema, pois é ela que per mite iluminar o campo
de pesquisa que a obra abre e explora ao longo de suas páginas.
Cardoso & Faletto afirmam que o desenvolvimento não pode
ser explicado em função de mecanismos exclusivamente econô-
micos (2004:22). Segundo Dependência e Desenvolvimento..., a
dinâmica da economia tout court não é capaz de explicar o pro-
cesso de desenvolvimento: é preciso investigar a relação entre os
grupos sociais no plano nacional para compreender como os
fatores econômicos são interpretados e transformados em proje-
tos e ações. A economia não funciona independentemente de
agentes socais:

[...] considera-se o desenvolvimento como resultado da interação


de grupos e classes sociais que têm um modo de que lhes é
próprio e, portanto, interesses materiais e valores distintos, cuja
oposição, conciliação ou superação dá vida ao sistema
socioeconômico. A estrutura social e política vai se modificando a
medida que diferentes classes e grupos sociais conseguem impor
seus interesses, sua força, sua dominação ao conjunto da
sociedade. (CARDOSO & FALETTO, 2004:34)

Cardoso & Faletto pretendem explicar os processos econô-


micos como processos sociais (1998:36), ou seja, levando em
conta a mediação dos grupos sociais e não pensando a econo-
mia como mecanismo automático, que funciona sobre as cabeças
dos agentes sociais. Por esta razão, o controle social da produção
e do consumo é o eixo de explicação escolhido. É preciso iden-
tificar quais são as estruturas de domínio desenvolvidas para
controlar as decisões relacionadas a este eixo e à sua dinâmica.
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Esta dinâmica é dependente da relação entre os grupos sociais.


Apenas assim, segundo os autores, é possível captar o processo
de transfor mação da ordem política institucional que deter mi-
na o processo de desenvolvimento.
O estudo dos mecanismos de decisão, dizem Cardoso & Faletto,
não resolve, por si só, o problema do desenvolvimento. É preci-
so levar em conta as estruturas de dominação e as formas de
estratificação social que condicionam estes mecanismos; além dos
tipos de controle e decisão do sistema econômico em cada situa-
ção particular. Trata-se de levar em conta os comportamentos
políticos “que incidem na relação entre as classes e grupos sociais
que mantêm um padrão dado de controle e as que se lhes opõem
real ou virtualmente”. Além disso, devem-se considerar as “orien-
tações valorativas que outorgam à ação seus marcos de referência”.
(CARDOSO & FALLETO, 1998: 37)
Esta ar mação teór ica presente em Dependência e
Desenvolvimento... abr iu novas perspectivas para a análise do
desenvolvimento. Tradicionalmente, a economia fora pensada
como mecanismo que, naturalmente, provocava mudanças no
padrão de dominação e nas instituições. Em suas Lições de
Jurisprudência, Adam Smith afirma que a humanidade passa por
quatro estados: a era dos caçadores, a era dos pastores, a era da
agricultura e a era do comércio, cada um com suas leis e regula-
mentos relativos à propriedade (SMITH, 1978: 14,16). A cada
forma de atividade econômica corresponderia, naturalmente, um
certo desenho das instituições legais e políticas. Este modo de pen-
sar, que der iva da dinâmica econômica, automaticamente, os
mecanismos institucionais necessários para regular a sociedade,
ainda não foi completamente superado.
Ao afir mar a centralidade da dinâmica dos grupos sociais e
classes no controle sobre os meios de produção e consumo
Cardoso & Faletto mostram a parcialidade de uma explicação
exclusivamente econômica da dinâmica social, ou melhor, de
uma abordagem que passe por cima da dinâmica dos agentes
sociais. A economia atua sobre a sociedade pela mediação dos
grupos sociais, ou seja, precisa estar encar nada em agentes que
concebam projetos políticos que motivem ações pr ivadas e
políticas públicas.
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

Ora, diante do exposto, podemos afir mar que os projetos


dos g rupos sociais que se dir igem às estruturas de domina-
ç ã o c o m o f i m d e t r a n s f o r m á - l a s t ê m s e m p re u m a f a c e
jurídica. Além disso, as estruturas de dominação são construí-
das jur idicamente e desenvolvem dinâmicas mais ou menos
dogmatizadas, confor me o caso. A ação dos grupos sociais refe-
re-se e estão condicionadas por instituições que funcionam ou
não sob o padrão dogmático.
Uma análise fina das estruturas de dominação precisa descre-
ver estas instituições - os mecanismos de tomada de decisão a que
nos refer imos acima (mecanismos dogmatizados, não dogmati-
zados e de governança) - e pensar como cada grupo se relaciona
com ele, ainda, se cada um desses grupos tem projetos de refor-
ma institucional. Afinal, a interação entre os grupos sociais e as
classes que explica o desenvolvimento do país, traduzindo em ter-
mos políticos diversos projetos econômicos, também tem uma face
jurídica. A interação entre estes grupos e classes se faz no marco
de instituições; dogmatizadas ou não, além de mecanismos de
governança. Ademais, cada grupo social busca introduzir mudan-
ças no padrão de dominação, ou seja, pretende refor mar as
estruturas de dominação para legitimar seu modelo de hegemo-
nia o que significa modificar o modo de regular os fatos sociais.
É possível contar a histór ia do Brasil deste ponto de vista,
pensando as estruturas de dominação como estruturas regula-
tórias e a dinâmica pela qual seus limites foram sendo alcançados
em virtude da pressão dos diversos grupos e classes sociais que
foram conquistando a hegemonia e cr istalizando seus projetos
de desenvolvimento nas leis e regulamentos. Além disso, é pos-
sível mostrar que projetos de dominação de deter minados
grupos buscaram destruir as instituições existentes ou foram ine-
ficazes por não levarem sua dinâmica em conta. Afinal, uma
instituição em funcionamento, seja ela dogmatizada ou não,
tem uma temporalidade e uma racionalidade própria, um padrão
de funcionamento que condiciona a ação dos agentes e deter-
mina a eficácia de qualquer ação.
Com efeito, para pensar o desenvolvimento é preciso levar
em conta a dinâmica institucional e os projetos de institucio-
nalização que as diversas classes e grupos desenvolvem nos
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diversos campos e órgãos do ordenamento jurídico.


Eventualmente, é preciso pensar o significado da ausência de
projetos de refor ma institucional na platafor ma dos grupos
sociais ou, simplesmente, a negação da via institucional como
meio de luta por seus interesses.

2.7. Direito e Desenvolvimento, Economia e Democracia


A compreensão da dinâmica das instituições e dos projetos de
institucionalização, ou seja, a descr ição, análise e avaliação dos
mecanismos de tomada de decisão que funcionam ou não sob
o padrão da dogmática e os mecanismos de governança, é essen-
cial para compreender a dinâmica social em geral, inclusive o
processo de desenvolvimento dos diversos países. É claro, cada
grupo social pode conceber e lutar por um deter minado proje-
to de desenvolvimento que será defendido perante as instituições
postas e, eventualmente, demandará refor mas institucionais que
alterem seu padrão de funcionamento com o fim de instaurar
nova dinâmica econômica, social e política.
É importante ressaltar que, seja qual for o sentido que se
emprestar à palavra “desenvolvimento”, é possível pensar nos ter-
mos que estamos propondo: levar em conta a dinâmica das
forças sociais e seus projetos para as estruturas de dominação
via refor mas institucionais. O sentido do que se deva conside-
rar “desenvolvimento” está em disputa, seja na teor ia, seja no
nível da luta social. Cabe ao jur ista atentar para o aspecto jurí-
dico-institucional que integ ra cada conceito e projeto de
desenvolvimento, ou seja, os padrões institucionais defendidos
e o comportamento diante das instituições existentes dos diver-
sos g rupos sociais, além das diversas teor ias que procuram
relacionar direito e desenvolvimento.
Mas não apenas. O debate atual sobre esses temas inclui uma
discussão acirrada sobre o lugar da democracia e sua relação com
a economia. O que está pressuposto nesse debate é, como já vimos
acima, o conceito de desenvolvimento com o qual se trabalha.
Se admitir mos que o desenvolvimento econômico, ao contrár io
da lição clássica de Adam Smith, não produz naturalmente novas
instituições e, além disso, que se pode encontrar países desenvol-
vidos e subdesenvolvidos democráticos e autoritários; identificar
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

desenvolvimento a desenvolvimento econômico significará excluir


a democracia como elemento essencial para o desenvolvimento
dos povos.Vejamos como esta discussão pode ser pensada hoje a
partir de uma breve reconstituição dos principais movimentos da
dinâmica modernização da periferia.
A posição per ifér ica de um país no sistema capitalista impli-
ca, antes de tudo, que sua capacidade de ação política e econômica
é estruturalmente limitada. É possível, em ter mos muito gené-
r icos, dizer que os países per ifér icos foram submetidos a duas
ondas de modernização na segunda metade do século XX. Até
aproximadamente o início da década de 1980, as ondas de moder-
nização se apresentaram essencialmente sob a for ma de
modernização econômica, um modelo ao qual a for ma política
da moder nização dever ia simplesmente se adequar. Dito de
outro modo, a forma política da modernização era subalterna rela-
tivamente aos objetivos econômicos a serem alcançados. Podia
dar-se tanto sob um regime político ditator ial (por um longo
período, no caso) quanto sob um regime democrático com ele-
mentos do estado de direito minimamente assegurados (como foi
o caso da Venezuela). Nesse sentido, o importante a ressaltar aqui
é que a configuração do regime político adequado à moderni-
zação econômica em países periféricos dependia essencialmente
tanto das inflexões da política externa amer icana quanto da
constituição de blocos hegemônicos nacionais capazes de levar
adiante uma modernização econômica forçada.
Essa situação modifica-se a partir de meados da década de
1980, projetando-se até o momento presente. Pode-se enxergar
aqui uma segunda onda moder nizadora que, desta feita, tor na
indissociáveis modernização econômica e modernização políti-
ca, sendo mais bem descr ita, por tanto, como um padrão
político-econômico de moder nização. Mais precisamente, a
moder nização econômica pressupõe e exige a for ma do Estado
Democrático de Direito para ser levada a cabo. O projeto de ins-
titucionalização dos grupos sociais hegemônicos passou a ver na
democracia elemento necessár io do desenvolvimento.
Essa nova configuração se mostra, entretanto, tão unilateral
quanto sua predecessora, muito embora seja de capital impor-
tância registrar o avanço nor mativo da nova versão do processo
124
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CADERNO 25

de moder nização. É igualmente importante assinalar que esse


avanço nor mativo encer ra também um aparente paradoxo: ele
se dá sob a égide do chamado “neoliberalismo”, cuja versão vul-
gar é justamente a da primazia da economia sobre a política, sob
quaisquer circunstâncias. O que expomos aqui a respeito da nova
onda de moder nização nos países per ifér icos talvez seja o mais
eloqüente desmentido dessa vulgata neoliberal. E, simultanea-
mente – quem sabe –, um bom ponto de partida para explicar
a crescente importância da problemática do direito na autocom-
preensão da sociedade atual.
Não obstante as diferenças entre as duas ondas de moder ni-
zação mencionadas, há elementos que lhes são comuns,
exatamente aqueles que fundam a sua unilateralidade. Antes de
tudo, trata-se sempre de pressupor que, seja na versão meramen-
te econômica, seja na versão político-econômica, o impulso
moder nizador será capaz de produzir instituições e for mas de
vida que cor respondam aos modelos or iginais dos países cen-
trais. No caso da moder nização político-econômica, trata-se
de importar instituições capazes de gerar moder nização social
e econômica, simultaneamente. Se se pode falar em um avanço
nor mativo relativamente à onda meramente econômica de
moder nização – já que não está apenas nas mãos da moder ni-
zação econômica engendrar a sociedade como um todo – também
não se pode passar por alto o fato de que a moder nização polí-
tico-econômica traz consigo uma concepção empobrecida da
cultura e da política.
Em segundo lugar, a unilateralidade dos padrões de moderni-
zação gera modelos teór icos autocompreensivos fundados na
idéia de que só é possível entender as realidades sociais perifé-
ricas pela falta, ou seja, por aquilo que elas não são e, ao mesmo
tempo, deveriam ser. Nesse sentido, não são capazes de entender
o que efetivamente são as sociedades periféricas, tampouco de
desentranhar os reais pressupostos normativos presentes nas ins-
tituições efetivamente operantes e que poderiam apontar para
potenciais avanços emancipatórios.
Por fim, há que ressaltar que essa mais recente onda de
moder nização não é apenas unilateral, mas também ambígua. E
isso em pelo menos dois sentidos, estreitamente conectados.
125
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

Antes de tudo, é fundamental lembrar que países periféricos são


justamente aqueles em que avanços institucionais democráticos
são per manentemente ameaçados e minados pela desigualdade
mater ial, expressa de maneira crua nos abismos de distr ibuição
de renda existentes.
Exatamente por isso, a ligação entre modernização econômi-
ca e política é frágil, sendo que, à luz da história da segunda
metade do século XX, cabe dizer que a ponta mais quebradiça é
sempre a das instituições democráticas. Trata-se de um frágil
equilíbrio, em que as instituições democráticas são ameaçadas pela
modernização econômica de resultados concentradores de renda,
ao mesmo tempo em que a manutenção da modernização econô-
mica requer instituições democráticas que possam legitimá-la.
Dito de outro modo, não há elo seguro entre moder nização
econômica e democracia. Nesse contexto, pesquisar Direito da
perspectiva do desenvolvimento exige uma dupla perspectiva,
que poderíamos descrever como “interna” e “externa”, ainda que
esses ter mos sejam equívocos. De um ponto de vista “inter no”,
cabe analisar quais os objetivos o Brasil pretende alcançar e quais
são as limitações objetivas para alcançá-los. De outro lado, cabe
pensar qual o papel desempenhado pelos países centrais – seja
diretamente, seja por meio das políticas dos organismos multi-
laterais – na imposição de padrões e de limites à atuação
soberana dos países per ifér icos, uma perspectiva que chamaría-
mos de “exter na”.
É evidente que os dois aspectos do problema estão intima-
mente conectados e que é difícil demarcar fronteiras claras. Pois
os constrangimentos “exter nos” tor nam-se tanto obstáculos
objetivos às metas auto-impostas pelos países integrantes do
Mercosul como são também no mais das vezes “internalizadas”,
como elementos de autocompreensão, sob a for ma da falta, da
carência em relação ao padrão imposto pelos países centrais.
Ocorre que, aqui também, torna-se clara a inadequação de uma
adoção imediata e acrítica das instituições e formas de vida pres-
supostas pelo padrão exter no pelos países do mercado do sul.
O projeto da DIREITO GV pretende retomar a relação entre
Direito e Desenvolvimento do ponto de vista da periferia. As ins-
tituições não podem ser concebidas, exclusivamente, nem como
126
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CADERNO 25

instrumento para a produção de formas de vida nem como meio


de obtenção de resultados econômicos positivos para o país. O
direito não é mero instrumento, mas fator constitutivo da cons-
trução de um equilíbrio entre eficiência e legitimidade, ambos
elementos constitutivos do processo de desenvolvimento.

2.8. O ponto de vista de uma escola de direito:


mecanismos de tomada de decisão.
Uma escola de direito preocupada com o desenvolvimento deve
se concentrar no estudo de objetos específicos, visíveis a partir
de um ponto de vista especificamente jurídico do problema do
desenvolvimento. Acima de tudo, trata-se de estudar os meca-
nismos for malizados de tomada de decisão e seu eventual
impacto sobre o desenvolvimento do país, compreendido de
for ma ampliada, para abarcar o desenvolvimento político, jurí-
dico, social e econômico. Nossa tarefa é compreender o
funcionamento real das instituições e dar conta de sua racio-
nalidade específica, bem como indagar de seus efeitos var iados
sobre a economia, a política e a sociedade. Como dissemos
acima, desta mesma perspectiva, é tarefa da DIREITO GV estu-
dar os mecanismos estatais não for malizados de tomada de
decisão e os mecanismos de gover nança.
Antes de tudo, trata-se de descrever os mecanismos de toma-
da de decisão, ou seja, reconstruir racionalmente seu funciona-
mento. Isto se faz por meio de pesquisas empír icas e pelo
desenvolvimento de teor ias de médio alcance infor madas pelas
pr imeiras. No campo dogmático, a doutr ina - sempre ligada ao
estudo da jurisprudência – é a teor ia de médio alcance que pre-
tende dar conta do funcionamento dos órgãos que atuam no
registro dogmático, bem como de propor soluções novas para
os problemas que surgem cotidianamente. Quanto aos órgãos
não-dogmatizados e mecanismos de gover nança, também há
construções teór icas de médio alcance – por exemplo, as cha-
madas teorias da regulação – que buscam dar conta de seu modo
de funcionamento.
De qualquer maneira, é essencial para a Escola DIREITO GV
que doutr inas e teor ias sejam adequadas à realidade das insti-
tuições. A mera descr ição das instituições está a serviço do
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PESQUISA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO

desenvolvimento ao permitir comparar o que as instituições pre-


tendem fazer com aquilo que elas fazem, abr indo espaço para
que se questione seus efeitos políticos, econômicos e sociais e
análises de direito comparado. Seja qual for o projeto de desen-
volvimento em questão, seja qual for o conceito de
desenvolvimento com que se trabalhe (estr itamente econômi-
co ou mais amplo, incluindo a for ma política democrática), é
preciso investigar o funcionamento real das instituições e vigiar,
per manentemente, seu desempenho, comparando-as com insti-
tuições semelhantes de outros países.
Descrever também é investigar os efeitos das decisões; ou
seja, seu impacto sobre economia e política etc, tanto do ponto
de vista de sua eficiência quanto de sua legitimidade. Propostas
de reforma institucional dependem de uma boa descrição das ins-
tituições e da reflexão sobre sua eficiência e leg itimidade.
Novas soluções dogmáticas devem ser propostas em função do
funcionamento real do ordenamento. Do mesmo modo, pensar
em novos modelos de regulação e novos desenhos institucionais
implica na compreensão da estrutura dos órgãos existentes e de
seus efeitos, ou seja de sua avaliação conforme determinados cri-
tér ios, que var iarão confor me o ponto de vista adotado pela
análise. Pouco importa o conceito de desenvolvimento que se
adote, a contraparte jurídica de sua dinâmica é objeto de uma
escola de direito.

128
CADERNO 25_7 11/7/08 3:04 PM Page 129

Referências bibliográficas
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TRUBEK, David; SANTOS, Alvaro, The New Law and Economic
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University Press, 2006.

129
CADERNO 25_7 11/7/08 3:05 PM Page 130

NOTA

1
Como diz Fer raz Jr., a dogmática jurídica “compõe, delineia e
circunscreve procedimentos que conduzem a autoridade à tomada de deci-
são. Foi essa delimitação que conduziu a Dogmática Jurídica à idéia de
subsunção e à idéia de classificação como cr itér ios máximos da sua ela-
boração teór ica.” (FERRAZ JR, 1980: 82).

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Cadernos_PUBLICADOS (Caderno25) 9/22/08 2:04 AM Page 3

CADERNOS DIREITO GV

APONTAMENTOS SOBRE A PESQUISA EM DIREITO NO BRASIL .1


Marcos Nobre

IMPACT OF THE WTO AGREEMENT ON TEXTILES & CLOTHING ON BRAZILIAN EXPORTS .2


OF TEXTILES AND CLOTHING TO THE UNITED STATES
Guido Fernando S. Soares,
Maria Lúcia Pádua Lima,
Maria Carolina M. de Barros,
Michelle Ratton Sanchez,
Sérgio Goldbaum,
Elaini C. Silva

REFORMA DO PODER JUDICIÁRIO, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DEMOCRACIA .3


Direito GV
e Valor Econômico

O SISTEMA DE JUSTIÇA BRASILEIRO, A PRODUÇÃO DE INFORMAÇÕES E SUA UTILIZAÇÃO .4


Luciana Gross Cunha,
Alexandre dos Santos Cunha,
Flávia Scabin,
Mariana Macário,
Marcelo Issa

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DO DIREITO .5


Flávia Portella Püschel,
José Rodrigo Rodriguez

I SIMPÓSIO OAB-SP E FGV-EDESP SOBRE DIREITO EMPRESARIAL E NOVO CÓDIGO CIVIL .6


OAB-SP e Direito GV

PREMISSAS DO PROJETO DA DIREITO GV PARA DESENVOLVIMENTO DO MATERIAL DIDÁTICO .7


PARA O CURSO DE DIREITO; DISCIPLINA: ORGANIZAÇÃO DAS RELAÇÕES PRIVADAS
Mauricio P. Ribeiro

MODELOS DE ADJUDICAÇÃO/ MODELS OF ADJUDICATION .8


Owen Fiss

RELATÓRIO DA PESQUISA DE JURISPRUDÊNCIA SOBRE DIREITO SOCIETÁRIO .9


E MERCADO DE CAPITAIS NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Viviane Muller Prado,
Vinícius C. Buranelli

PODER CONCEDENTE E MARCO REGULATÓRIO NO SANEAMENTO BÁSICO .10


Alexandre dos Santos Cunha,
André V. Nahoum,
Conrado H. Mendes,
Diogo R. Coutinho,
Fernanda M. Ferreira,
Frederico de A. Turolla
Cadernos_PUBLICADOS (Caderno25) 9/22/08 2:04 AM Page 4

CONTANDO A JUSTIÇA: A PRODUÇÃO DE INFORMAÇÃO NO SISTEMA DE JUSTIÇA BRASILEIRO .11


Luciana Gross Cunha (org)

FOCOS – CONTEXTO INTERNACIONAL E SOCIEDADE CIVIL .12


Michelle Ratton Sanchez (org),
Cassio Luiz de França (org),
Elaini C. G. da Silva (org)

PROGRAMAS DE CLÍNICAS NAS ESCOLAS DE DIREITO DE UNIVERSIDADES NORTE-AMERICANAS .13


Ana Mara F. Machado,
Rafael Francisco Alves

FOCOS – FÓRUM CONTEXTO INTERNACIONAL E SOCIEDADE CIVIL .14


Cassio Luiz de França (org),
Michelle Ratton Sanchez (org)

A COOPERAÇÃO PENAL INTERNACIONAL NO BRASIL .15


Maíra Rocha Machado,
Marco Aurélio C. Braga

O MÉTODO DE LEITURA ESTRUTURAL .16


Ronaldo Porto Macedo Júnior

PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL: COMÉRCIO, SAÚDE E MEIO AMBIENTE NA OMC .17


– COMUNIDADES EUROPÉIAS VS. BRASIL: O CASO DOS PNEUS
Juana Kweitel (org),
Michelle Ratton Sanchez (org)

EXPERIÊNCIAS E MATERIAIS SOBRE OS MÉTODOS DE ENSINO-APRENDIZADO DA DIREITO GV .18


Rafael Domingos F. Vanzella (org)

O NOVO DIREITO E DESENVOLVIMENTO: ENTREVISTA COM DAVID TRUBEK .19


José Rodrigo Rodriguez (coord),
Ana Mara Machado,
Luisa Ferreira,
Gisela Mation,
Rafael Andrade,
Bruno Pereira

A FORMAÇÃO DO DIREITO COMERCIAL BRASILEIRO .20


A CRIAÇÃO DOS TRIBUNAIS DE COMÉRCIO DO IMPÉRIO
José Reinaldo de Lima Lopes

TRIBUTAÇÃO, RESPONSABILIDADE FISCAL E DESENVOLVIMENTO: .21


DIREITO À TRANSPARÊNCIA ESTUDO SOBRE A DESTINAÇÃO DA CPMF E DA CIDE-COMBUSTÍVEIS
Eurico Marcos Diniz de Santi (coord)
Tathiane dos Santos Piscitelli,
Andréa Mascitto

O QUE É PESQUISA EM DIREITO E ECONOMIA .22


Bruno Meyerhof Salama
Cadernos_PUBLICADOS (Caderno25) 9/22/08 2:04 AM Page 5

LIMITES DO DIREITO PENAL .23


PRINCÍPIOS E DESAFIOS DO NOVO PROGRAMA DE PESQUISA EM DIREITO PENAL NO INSTITUTO MAX-
PLANCK DE DIREITO PENAL ESTRANGEIRO E INTERNACIONAL
Prof. Dr. Dr. h.c. Ulrich Sieber, Freiburg i. Br.

UMA ETNOGRAFIA DE CARTÓRIOS JUDICIAIS .24


EFEITOS DA ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE CARTÓRIOS JUDICIAIS SOBRE
A MOROSIDADE PROCESSUAL: ESTUDO DE CASOS EM CARTÓRIOS JUDICIAIS
DO ESTADO DE SÃO PAULO - LEVANTAMENTO ETNOGRÁFICO
Paulo Eduardo Alves da Silva (coord.)
Cadernos_PUBLICADOS (Caderno25) 9/22/08 2:04 AM Page 6
Cadernos_PUBLICADOS (Caderno25) 9/22/08 2:04 AM Page 7

ANOTAÇÕES
Cadernos_PUBLICADOS (Caderno25) 9/22/08 2:04 AM Page 10

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