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Miguel Borba de Sá
Instituto PACS/ IRI-PUC-Rio
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1. Introdução
Esta prática não constitui uma novidade. O que chama atenção para este
caso, no entanto, é que o jornal criado pela empresa demonstrou-se extremamente
rápido e eficaz em cumprir suas tarefas. O ‘Alô Comunidade’ é um sucesso no
bairro. Está por todas as partes, inclusive nas mãos de pessoas com posições
críticas quanto a chegada da TKCSA no local. É claro que não se trata do único
fator, mas é nítida a coincidência entre o declínio da resistência popular e a ofensiva
de projetos de ‘responsabilidade social corporativa’ da TKCSA divulgados pelo
jornal, ele mesmo um de tais projetos, dentre os quais ocupa uma posição central: a
de produzir representações do espaço em Santa Cruz favoráveis aos grandes
interesses empresariais na região.
Diante disso, este ensaio pretende partir das proposições de Henri Lefebvre
1
(1974) sobre a “produção do espaço” para abordar o papel político crucial
1
A publicação original data de 1974 e por isso vamos seguir esta data nas referencias ao longo do
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desempenhado pelas representações do espaço urbano em Santa Cruz projetadas
pelos materiais institucionais da TKCSA, em especial, pelo jornal ‘Alô Comunidade’.
Tratando a empresa como detentora dos “códigos espaciais” (1974:48) e dos meios
materiais para conceber o espaço na região – numa assimetria insuperável por
forças sociais opositoras, como a população atingida que inicialmente resistiu –
buscaremos mostrar como a produção do “espaço abstrato” (1974: 49) em Santa
Cruz está apoiada, em parte, nas sofisticadas representações do espaço concebidas
por um paradoxal dispositivo como um jornal comunitário produzido por uma recém-
chegada empresa multinacional.
2
Todas as 36 edições publicadas até hoje e analisadas aqui podem ser encontradas em:
http://www.thyssenkrupp-csa.com.br/pt/publicacoes.html
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Conforme o próprio título de seu famoso livro de 1974 informa, para Lefebvre
a noção de espaço não pode ser tomada como um dado. Com efeito, este é
precisamente o problema que ele identifica nas tradições filosóficas modernas: o
tratamento do espaço como algo passivo, já pronto, sobre o qual as relações
humanas se desenrolam. Para Lefebvre (1974) o espaço não pode seguir sendo
tomado como apenas um cenário, ou um pano de um fundo descolado e
desimportante para as relações sociais, em especial para as relações de poder.
Assim, partindo da premissa contrária, de que o espaço não está dado, ele
sugere que todo espaço social precisa ser produzido. E quem vai produzir este
espaço? Para Lefebvre (1974) a resposta é direta: as classes sociais em conflito,
com vantagem para a classe dominante. Assim, o espaço passa a ser entendido
como um dos resultados da luta entre as classes sociais: “social space is a social
product” (1974: 26; 30), ele não se cansa de repetir. Nesta perspectiva, o espaço
torna-se parte da vida social, ao mesmo tempo em que sua conflituosa produção
expressa as dinâmicas próprias de cada sociedade.
Esta perspectiva foi de fato inovadora para a época, mas seu marxismo
deveras heterodoxo rendeu-lhe insuficiente atenção. Pois, em que pese a utilização
de noções caras à tradição marxista (‘modo de produção’, ‘luta de classes’, ‘relações
de produção’, ‘capitalismo’, ‘classe dominante’ etc.), o argumento de Lefebvre (1974)
chocar-se-ia inevitavelmente com as concepções ortodoxas defendidas pelo Partido
Comunista Francês. Mais, ele questionava diretamente se o ‘socialismo realmente
existente’, em especial a União Soviética, poderia ser de fato considerado socialista
sem ter produzido um “espaço específico”, sem que “tenha ocorrido nenhuma
inovação arquitetônica importante”; e se neste caso não seria melhor falar de uma
“transição fracassada?” (1974:55).
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discurso, a quem acusava de postular inconscientemente a existência de um espaço
lógico-filosófico já dado, supostamente transparente e livre de ideologias, assumindo
sua transponibilidade não-problemática para o espaço social. Para Lefebvre (1974),
a linguagem não deve ter precedência ontológica sobre o espaço. Ignorar que a
relação de poder-saber se dá num espaço, ao mesmo tempo em que produz esse
espaço, é prestar um enorme favor à ideologia da classe dominante, um “salto
mortal” (1974:6) para teóricos tão preocupados com relações de poder. Após citar
nominalmente Foucault, Derrida e Barthes, ele declara:
6
este modo de produção se apresenta. Em outras palavras, o conflito social em Santa
Cruz pode ser encarado como parte da luta pela imposição do que Lefebvre (1974)
chama de “espaço abstrato” no local, o espaço tipicamente capitalista.
Em Santa Cruz, esse processo tem se intensificado nos últimos anos, pois
até então existia apenas a presença do grande capital nacional, tanto estatal (Casa
da Moeda) como privado (Gerdau S.A.), na região. Com a chegada de uma
corporação multinacional do porte da ThyssenKrupp, o processo de produção do
espaço abstrato se acelera, assim como aguçam-se os respectivos conflitos sociais
constitutivos dessa passagem. A população vizinha à fábrica (cerca de 30 mil
pessoas) surpreendeu-se com o repentino aumento de doenças respiratórias,
dermatológicas e oftalmológicas após a instalação da grande planta siderúrgica à
poucos metros de suas casas. Pescadores tiveram que abandonar seu modo de
vida tradicional, pois a dragagem da baía para chegada de navios de alto calado e a
delimitação de zonas de exclusão de pesca tornaram sua subsistência
3
progressivamente mais difícil . Diante da reação da população local, a empresa
primeiramente empregou métodos coercitivos, contratando uma firma de serviços
privados de segurança para amedrontar a nascente resistência popular. Em
seguida, apostou na cooptação e construção de consenso sobre sua presença no
local a partir de um impressionante leque de projetos de “responsabilidade social
corporativa” (RAMIRO, 2009; ZUBIZARRETA, 2009)4.
3
Instituto PACS (2012).
4
Para uma análise detalhada dos projetos de responsabilidade social corporativa da TKCSA, ver:
Instituto PACS (2015).
7
país no século XIX, e hoje possui cerca de 160 mil empregados ao redor do mundo,
estando presente quase 80 países5. Trata-se, portanto, de um capital do tipo
monopolista (o mercado de aço é dos mais restritos, dados os altos custos de
entrada), cuja capacidade de ampliação dos investimentos em solo nacional alemão
esgotou-se há mais de um século. Nos anos 2000, a necessidade de expansão
exterior deu origem a Steel Américas, um projeto de construção de duas fábricas
siderúrgicas integradas, uma no Alabama, Estados Unidos, a outra no Rio de
Janeiro (Santa Cruz), no Brasil6. Foi o maior investimento industrial privado alemão
fora da Alemanha até então, totalizando 13 bilhões de euros7. Assim construiu-se a
siderúrgica mais cara e moderna da América Latina, a TKCSA. E assim alterou-se
dramaticamente o ritmo de conflitos pela (e resultantes da) produção do espaço em
Santa Cruz.
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para em seguida uni-las novamente via projetos de transporte de massa e
tecnologias da informação. Em Santa Cruz, certas práticas espaciais são notáveis,
como aquela relacionada à lógica espacial centro-periferia (Brenner & Theodore,
2002), incontornável para boa parte da população que deve deslocar-se
cotidianamente por mais de 50km para chegar ao local de trabalho, estudo ou
serviços públicos no centro da cidade. Para os moradores de Santa Cruz envoltos
nesta prática espacial, o seu espaço cotidiano é percebido, mesmo estando em
casa, como um lugar distante.
9
espaços vividos dentro daqueles que foram concebidos pelos grupos sociais
hegemônicos. São espaços “vivos”, “fluidos”, “dinâmicos”, essencialmente
“qualitativos” (1974:42), que não precisam obedecer a nenhuma regra de coesão ou
coerência. Mas seus únicos produtos são “trabalhos simbólicos” e “tendências
estéticas” que perdem-se no tempo após provocarem algumas incursões no
imaginário social. É a dimensão dos usuários, não dos produtores do espaço. Os
artistas, escritores e filósofos, neste “momento” espacial, somente podem aspirar,
segundo Lefebvre, a “descrever” o espaço (1974:39).
9
Lefebvre fornece os seguintes exemplos de espaços representacionais: “Ego, bed, bedroom, dwelling,
house; or square, church, graveyard” (1974: 42). Desta lista inferimos os possíveis análogos existentes
em Santa Cruz.
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Ainda que esta distinção não seja absoluta, nem tenha valor se pensada em
abstrato (LEFEBVRE, 1974:40), ela ajuda a compreender as dinâmicas político-
espaciais em Santa Cruz nos últimos anos. A revolta popular inicial e a persistência
de um obstinado grupo de moradores e pescadores que resistem à empresa,
promovendo campanhas, ações de denúncia e reparação, não mudaram o fato
aparentemente consumado de que a grande maioria da população “experimenta
passivamente o que lhe foi imposto”, permitindo que a empresa siga seu impactante
funcionamento, com a conivência do Estado, mesmo sem possuir as licenças
necessárias10 e constantemente aparecendo na mídia como causadora de danos
sócio-ambientais. A concepção de espaço que favorece as classes dominantes e
grupos que as representam prevaleceu e segue adiante no local, pois a produção do
espaço, ao mesmo tempo em que é um “projeto”, também é um “processo”,
conforme relembra Lefebvre (1974:42).
11
“Alô Comunidade”, da TKCSA, que além de rapidamente ter-se transformado em
parte relevante da prática espacial cotidiana em Santa Cruz, conseguiu adquirir uma
posição de autoridade de fala e emanação do senso-comum na região, sobre o qual
imprime os moldes e conteúdos da representação do espaço que o grande capital
precisa afirmar, reativa e preventivamente, contra qualquer resistência ou foco de
contra-hegemonia: o senso-comum que informa que aquele local “mudou para
melhor” – e que os problemas reais que ‘ainda’ existem tem outra causa, outros
culpados e outras formas de resolução que não passam pelo desafio à
representação do espaço em vigor.
12
operários na construção14. Mas foi a partir de 18 de Junho de 2010, quando a
TKCSA acendeu seus alto-fornos pela primeira vez que a população local de Santa
Cruz teve sua grande frustração com o mega empreendimento que havia chegado a
seu bairro.
14
http://www.corecon-rj.org.br/entrev_det.asp?Id_ent=47
15
O GLOBO, 19/08/10; O DIA, 07/08/10. Disponíveis em:
http://paretkcsa.blogspot.com.br/2014/03/documentos-materias-e-arquivos.html
16
O GLOBO, 05/01/11. Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/csa-tera-que-gastar-168-
milhoes-para-compensar-incidente-ambiental-2841595
17
Conferir denúncia de deputados alemães disponível em: http://global.org.br/programas/deputada-
apresentara-denuncias-contra-empresa-alema-instalada-no-brasil-ao-parlamento-alemao/
18
Para mais informações sobre ações da campanha, ver: http://paretkcsa.blogspot.com.br/
13
só os empregos [gerados] bastariam”19. Agora, segundo ele, o empenho deveria ser
em “mudar a imagem” da siderúrgica junto à comunidade local. E a mudança não
demorou para se fazer sentir.
A tática não era exatamente nova, pois já havia sido empregada com êxito
durante o processo de licenciamento prévio (“licença de instalação”22), com ênfase
no município vizinho de Itaguaí, onde a TKCSA pagara R$1,5 milhão para a
construção de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de saúde, R$ 6,5 milhões
para erguer uma escola técnica, havia doado dois barcos para Capitania dos Portos,
investido R$ 7 milhões para obras de asfaltamento do município, além do apoio
dado a associações de pescadores. Nestes locais, os atingidos pela TKCSA nunca
haviam revoltado-se como estava acontecendo agora com a população de Santa
Cruz. Assim, houve uma guinada em direção a intensificação de projetos de
“responsabilidade social corporativa” e a partir desse momento a TKCSA tornar-se-
ia uma das empresas com maior quantidade de projetos voltados para uma
população específica: o bairro de Santa Cruz. E as representações do espaço não
tardariam em se fazer presentes.
19
O Globo, 22/04/2011 – disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/presidente-da-csa-admite-
erros-achamos-que-so-os-empregos-bastariam-2792767
20
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), órgão do Ministério da Saúde que, desde o começo, aliou-se à
resistência dos moradores contra a TKCSA, oferecendo laudos técnicos, estudos e acompanhamento
médico de parte da população atingida. Para mais informações, ver:
http://www.agencia.fiocruz.br/relat%C3%B3rio-reafirma-correla%C3%A7%C3%A3o-entre-material-
expelido-pela-tkcsa-e-impactos-na-sa%C3%BAde
21
Ver tabela I em anexo com as medidas do termo de cooperação ambiental de 17 de agosto de 2011.
Sobre as unidades sentinelas de saúde, ver:
http://www.saude.rs.gov.br/upload/1358364990_Manual%20de%20Instrucoes_2013_Unidades%20Sen
tinelas.pdf
22
Somente nas ações “sócio-ambientais” realizadas neste licenciamento (um dos mais rápidos das
história do Estado do Rio de Janeiro) a TKCSA desembolsou R$ 24 milhões para equipar ou contribuir
na execução de projetos públicos.
14
Foi assim que nasceu, em Janeiro de 2012, o jornal “Alô Comunidade”.
Novamente atuando em associação com o grande capital privado (desta vez
multinacional), as autoridades estatais do Rio de Janeiro exercitaram o mesmo
poder soberano de produção do espaço que havia transformado Santa Cruz em
Distrito Industrial nos anos 1960, mediante decisões executivas. Agora, a
hegemonia na produção do espaço tornava-se outra vez palpável em face da
inclusão nos acordos entre poder público e empresa de uma prática, conveniente
para ambos, de publicizar ações de ‘responsabilidade social corporativa’ afim de
transmitir imagens positivas da empresa no local. Dois meses depois seria assinado
o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre a TKCSA e a Secretaria de
Ambiente, ao qual o jornal “Alô Comunidade” seria incorporado como uma das
“medidas compensatórias” aos danos causados pela poluição. A rubrica do TAC
informava um valor inicial de R$ 683 mil reais para,
15
de existência já é o mais lido na Reta João XXIII e o segundo em Santa Cruz”23,
orgulhava-se o periódico. De acordo com a pesquisa, nada menos que 70% da
população que vive no entorno da TKCSA já tinha, em pouco tempo, as
representações do espaço emanadas do grande capital industrial como as
dominantes em suas vidas diárias. A mesma edição comemora o fato de que além
das pessoas contratadas para distribuição, havia uma “rede de parceiros” que
estava ajudando a ampliar o alcance do “Alô Comunidade”, redistribuindo-o
voluntariamente. O jornal rapidamente entranhou-se nas práticas espaciais de Santa
Cruz, tornando-se parte do cotidiano percebido pela população local:
O “Alô Comunidade” está em sua 36ª edição. A primeira delas apresenta dois
moradores sorridentes na capa, segurando computadores portáteis que ganharam
(da empresa) ao vencer o “concurso cultural” para decidir o nome do jornal. Este
método seria seguido em todas as edições seguintes: envolver os moradores de
modo que o jornal aparente ser deles também, da comunidade, do bairro. Apesar de
ser editado, financiado e publicado por uma empresa multinacional em virtude de
uma demanda estatal, o “Alô Comunidade” pretende ser um jornal comunitário - o
que ele consegue, com grande grau de sucesso.
16
características típicas dos processos de produção do espaço abstrato que parecem
estar ocorrendo por lá.
Antes eu pensava que a CSA tinha chegado para trazer problemas, mas
depois da visita [à fábrica], minha opinião mudou. Achava que a falta de
luz no bairro era por culpa da empresa, mas descobri que a CSA produz
sua própria energia e ainda vende a que sobra (Rayane Santos, 17 anos,
moradora, edição 14, p. 2);
17
Já reclamei da CSA mas hoje mudou. Além de gerar trabalho, ajuda na
formação dos mais novos. Minha filha participa de alguns projetos
desenvolvidos pela empresa (Márcia Ferreira, moradora, Edição 34, p.2);
A representante [da comunidade] Aparecida Maria da Silva, a Dona Tita,
elogiou a transparência da siderúrgica e destacou que uma rede de
boataria foi criada, gerando desconfiança por parte da população (Dona
Tita, moradora e “representante” da comunidade, edição 11, p.4).
18
representação é apenas o que há de bom surgindo neste espaço, formando uma
topografia ao estilo de ilhas ou oásis de recentes melhorias privadas envoltos em um
espaço abstrato de pobreza e precariedade nos serviços públicos básicos.
19
Preciso da certidão para dar entrada na minha aposentadoria
(Lucidalva do Nascimento, viúva, moradora, edição 05, p.3);
Mudou quase tudo em Santa Cruz nos últimos anos, mas nós, que
somos mais ‘antigos’, sentimos que a comunidade está mais segura. A
29
A voz do Estado, no entanto, sim aparece de forma razoavelmente ‘transparente’ no jornal, pois é
conveniente à representação do espaço que se busca ilustrar. Nas edições 4 e 5 (Abril e Maio de
2012), por exemplo, os secretários de Saúde e Meio Ambiente dão entrevistas para o Alô Comunidade.
A relação entre a TKCSA e os poderes executivos municipal, estadual e federal sempre foi das
melhores: a empresa recebeu seu terreno como doação, não paga ISS nem ICMS, além de ter
recebido dois generosos empréstimos do BNDES, totalizando R$ 2,3 bilhões. No entanto, os fortes
impactos à população e ao meio ambiente obrigam as autoridades públicas a posicionar-se
verbalmente contra a empresa (sem jamais retirar-lhe os benefícios), pois a insatisfação popular pode
traduzir-se em perda de votos em um local eleitoralmente importante, como Santa Cruz e adjacências.
20
partir do início dos projetos da CSA começamos a notar uma redução
na violência (Dona Tita, edição 8, p.2);
Há 70 anos Santa Cruz só tinha uma rua e hoje cresceu, junto com o
Brasil. Mudou para melhor, mas ainda é preciso dar mais estudo aos
jovens daqui (Vitorino Andrade, edição 11, p.3);
Figura1: industrialização
30
O GLOBO, 31/10/13, disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/policia-militar-atribui-aumento-de-
crimes-deslocamento-de-tropas-para-atuacao-em-protestos-10611428
21
A disjuntiva entre dados concretos e as representações do espaço contidas
no “Alô Comunidade” não pode ser atribuída a uma falha editorial ou falta de acesso
a informações por parte da TKCSA, pois trata-se de uma empresa que realiza
inúmeras pesquisas sobre os territórios e História de Santa Cruz e adjacências.
Trata-se, isto sim, da imposição de uma representação do espaço (“menos
violência”), mesmo que às custas de respaldo empírico.
31
Tabela INEA, nº.1 (anexo).
22
analysis of spaces, as of those societies which have given rise to them
and recognized themselves in them (1974:45 – ênfase no original).
Uma Reta tão especial quanto a nossa merecia que alguém contasse
a sua história. Porque nem sempre ela está apenas nos livros, mas
dentro das pessoas que dão vida às suas ruas e lotes cheios de letras
e números e à sua gente batalhadora e feliz. Com o apoio da
ThyssenKrupp CSA, o Cinemão percorreu cada esquina e reuniu
pessoas tão diferentes, mas com algo em comum: o amor por
fazer parte de Santa Cruz (AC, edição 34, p.3 – grifo nosso);
Trocamos cartas durante dois anos até que decidimos nos casar e eu
me mudei para Santa Cruz, onde ele já morava (...) Desde que vim
para cá sou bem mais feliz (Delcia Boier, moradora, edição 26, Março
de 2014, p.4);
23
populares; em ambas, as representações do espaço características desse processo
transmitiam um sentimento de afeição pelo espaço (perdido), numa compensação
abstrata daquilo que se lhes estava sendo usurpado concretamente.
24
juntar-se à resistência. É salutar que tais entidades consigam ajudar os moradores
em mobilizações de denúncia e protesto, mas jamais foram capazes de estimulá-los
a pensar alternativas para aquele espaço. Quem trabalha com os moradores que lá
resistem relata que esse é o momento mais difícil de suas ‘oficinas’. É como se não
fosse possível conceber o espaço, hoje dominado pela TKCSA, de outra maneira.
Não há até o momento condições para uma prática contra hegemônica de conceber
o espaço, de construir representações do espaço alternativas em Santa Cruz.
Lefebvre (1974) e o “Alô Comunidade” ajudam na compreensão desta derrota
popular. Pois não existirá concepção diferencial do espaço enquanto as atuais
representações estiverem tão presentes. Hoje, são nitidamente hegemônicas, além
de amparadas pelo poder material do Estado e do grande capital.
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institucionais, que lhes apresentava uma imagem desenhada de Santa Cruz sem as
casas, ruas e pessoas. Com a revolta popular inicial, a empresa teve que sofisticar-
se, culminando no advento do “Alô Comunidade”, onde aquela mesma sociedade,
antes literalmente apagada, passou a ocupar o primeiro plano nas representações:
passaram da inexistência para o centro das representações e preocupações dos
poderes dominantes. Isso não resolve o problema, mas assim como Edward Said
(2003) insistia sobre a causa palestina, a primeira tarefa era conquistar o
reconhecimento da existência da própria luta – e isso já foi conquistado em Santa
Cruz, pela própria razão de ser do “Alô Comunidade” e pelas vozes diferenciais
(“redes de boataria32”) que insistem em penetrar pelas margens de sua
representação do espaço hegemônica. Assim, nada impede que a construção
contra-hegemônica dos espaços mundiais de Lefebvre (1974) possam, ou devam,
partir justamente de lá também.
5. Referências bibliográficas
32
AC, edição 14, p.3
26
PACS – INSTITUTO POLITICAS ALTERNATIVAS PARA O CONE SUL. Companhia
Siderúrgica do Atlântico – TKCSA: Impactos e irregularidades na Zona Oeste do Rio de
Janeiro. 3ª edição, atualizada. Rio de Janeiro: Fundação Rosa Luxemburgo, 2012.
________ . Responsabilidade social pra quê e pra quem? Análise crítica dos projetos de
responsabilidade social corporativa da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico –
TKCSA em Santa Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. 1ª edição. Rio de Janeiro, 2015.
SPIVAK, G. “Can the subaltern speak?” In: Nelson, C.; Grossberg, L. Marxism and the
interpretation of culture. Basingstoke: Macmillan Education, 1988.
WALKER, R. After the globe, before the world. London/New York: Routledge, 2010.
Anexos:
27
Tabelas do INEA – Instituto Estadual do Ambiente. Divulgadas pelas Secrataria de Estado de Ambiente
do Rio de Janeiro durante Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em agosto de 2013.
28
29