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CONTEÚDO

❖ CONTROLE DE RAIVA por Peter Anghelides.


Tradução de: Marcela Gonçalves.

❖ OS MORTOS VIAJAM RÁPIDO por Mark Wright.


Tradução de: Mariana Gonçalves.

❖ A MISSÃO MÁGICA E MISTERIOSA DE MISSY por Jacqueline


Rayner.
Tradução de: Luisa Duarte de Medeiros Machowski.

❖ UM MESTRE DOS DISFARCES por Mike Tucker.


Tradução Mayara Oliveira.

❖ COLHEITA NOTURNA por Beverly Sanford.


Tradução de Ênio Junior.

❖ O MESTRE E MAGARITA por Matthew Sweet.


Tradução de Vinícius Rodrigues Viana.
CONTROLE DA RAIVA.
PETER ANGHELIDES

A cor da prisão é cinza.


Isso ficou evidente para ele após suas primeiras semanas preso. A parede de
concreto da cela. O metal da armação da cama. A lareira morta cheia de cinzas
frias ao lado da estante vazia. Nuvens passando pelo céu eram as únicas coisas
visível da única janela no alto daquela parede.
Até mesmo seu uniforme da prisão. Preto seria sua escolha de preferência para
uma jaqueta sem colarinho, não esse cinza desse saco de pano que dava
coceira.
O Mestre sabia que ele tinha tempo o suficiente para contemplar a sabedoria de
seu plano para enganar a dimensão Hyrrokin.
Ele parou de andar pelo espaço após os primeiros três meses. Depois de cinco
meses ele desistiu de retirar o boné estupido da prisão, porque não importava
onde ele colocasse, a coisa de algum jeito terminava de volta em sua cabeça.
Depois do primeiro ano, ele parou de tentar decifrar o que os sussurros de uma
voz distante podiam estar dizendo atrás da grossa parede daquela cela. A
superfície suja de metal revelava a intensidade em seu olhar e o branco em sua
barba.
Um dia ele sentiu uma pressão no pescoço, como se fosse o começo de uma
dor de cabeça. E então as celas da prisão desapareceram.

***

Seus olhos se ajustaram devagar a luz da sala. Do outro lado do tapete, um


biomecanoide Hyrrokin estava do lado da poltrona de reclinar perto da estante
de livros. Carvão faiscava na lareira adjacente.
“Aqui estamos novamente, Loge,” disse o Master.
Loge flexionou seus dedos longos e enrolados ao redor de um dispositivo de
controle, cinza-prateado. “E a quanto tempo foi isso? Pra mim foi dois ou três
minutos, eu não estava contando, então para você foram...”
“Três anos,” falou o Master.
“Um piscar de olhos,” ele disse. Suas pálpebras pestanejaram de um jeito
reptiliano, como se fosse para dar ênfase.
O Biomecanoide era uma presença incômoda. No escuro, poderia se passar por
um homem. Sem a camuflagem de uma luz fraca dos quartos de faculdade,
parecia um lagarto de nariz arrebitado, dois metros de altura, sua pele pálida
envolta em uma pele brilhante de escamas metálicas e chatas.
“Agora que você me libertou...” começou o Master.
Loge balançou um dedo torto para ele. “Eu não disse que tinha te libertado. Nós
temos coisas para discutir.”
O Master deu uma risada. “Não tenho nada a dizer. E certamente não tenho que
te escultar.”
“Mas você vai,” Loge levantou o controle novamente. “Porque eu posso fazer
isso.”

***

Ele estava de volta na cela cinza. As gavetas ainda estavam vazias, o fogo
continuava apagado, a inacessível janela mostrava nuvens novamente.
As vozes abafadas além da porta não ficaram mais claras nas semanas que se
passaram. Uma tigela de mingau, com sua colher de estanho, permaneceu ao
lado da cama, por quase um mês. Não havia porque tentar comer – ele nunca
morreria de fome.
Um Senhor do Tempo passava pela experiencia da Prisão Lenta assim como
qualquer um. Esse Senhor do Tempo podia passar o tempo planejando sua
eventual libertação. Não havia nada mais a aprender dessa experiencia. Não
reabilitação. Apenas a antecipação de localizar quem tinha prendido,
sentenciada e emprisionado ele. Muito tempo para pensar sobre a vingança:
planejar e literalmente executar – e ele nem precisaria voltar no tempo para ver
as coisas como são.
A dor de cabeça voltou no começo do segundo mês, até...

***
“Então...” Loge inclinou a cabeça para o lado em um gesto inesperadamente
humano de curiosidade. “Você está pronto para cooperar?”

***
Narvi saiu correndo do campo em direção aos vestiários. As tachinhas em suas
botas ecoaram na superfície de concreto do túnel dos jogadores.
Seus companheiros de equipe marchavam em sua frente, seu hálito quente se
misturando ao ar frio da noite. Ele facilmente os ultrapassou, com a mesma
facilidade com que ele havia ultrapassado a defesa adversária para chegar ao
empate antes do intervalo. A torcida da casa gritou seu protesto, apelando em
vão por uma decisão de impedimento. Tendo isso negado eles recorreram ao
abuso – particularmente vocais sobre Narvi.
Talvez o arbitro tivesse chamado para o intervalo cedo demais, Narvi não se
importava. Ele ainda conseguia escultar a torcida da casa entoando cânticos
nojentos enquanto ele seguia para o camarim do time visitante. Ele se sentou no
banco, respirou fundo e olhou ao redor da sala.
Os zagueiros Olson e Brown, estavam se servindo de água e frutas, incapazes
de olhá-lo nos olhos como de costume quando a multidão se voltou contra ele.
Alguns cortes de cabelos ruins mais abaixo no banco, o fisioterapeuta estava
falando com Bartollu, o goleiro. O mascote do time, um guaxinim absurdamente
alto com uma cabeça enorme, estava imóvel na parede oposta, como se fosse
um enorme ursinho de pelúcia.
Narvi estava esperando o discurso usual de combate do técnico para todo o time
desde o momento que ele entrou. Juan Martino esteve ausente da linha de
ataque nos últimos cinco minutos do primeiro tempo; os jogadores presumiram
que ele havia saído para se preparar para o tradicional momento das
reprovações e censura que seu treinador achava ser motivacional.
Mas Juan Martino parecia estranhamente calmo. O chefe gordo estava fumando
um cigarro enquanto falava para o arbitro, que acompanhou a equipe até a sala.
Por cima do burburinho, Narvi conseguia ouvir o que eles estavam falando.
“Se houver mais violência ou gritarias racistas no campo”, o juiz estava dizendo:
“Estou decidido a abandonar a partida.”
Martino soltou uma nuvem de fumaça. “Em uma semifinal? É pouco provável que
isso aconteça, não é?” ele olhou ao redor como se solicitasse uma resposta
similarmente incrédula de todos os outros. Seu olhar se fixou no guaxinim
gigante, que permanecia impassível como sempre.
Sem medo, o arbitro se inclinou para frente para chamar atenção de Martino e
enfatizar seu ponto. “Com todo respeito, sou eu quem decidi o que vai
acontecer.”
Martino também se inclinou. “Cancelar o jogo? Isso não vai acontecer.”
Parecia que o árbitro não estava disposto a se dobrar mesmo com o olhar intenso
de Martino. Ou não conseguia.
“Isso. Não. Vai. Acontecer.” O tom de Martino era calmo, mas enfático. “Você
entendeu?”
O arbitro franziu a testa. Piscou. “Isso...não...vai acontecer.” Martino assentiu,
aparentemente satisfeito. “Muito bom. Isso é tudo.”
O arbitro afastou-se de Martino, sem expressão, e deixou a sala sem dizer mais
nenhuma palavra.
“As pessoas mais inteligentes podem ser as mais fáceis de serem influenciadas,”
disse Martino a si mesmo enquanto olhava para o mascote. Narvi desamarrou
suas botas enlameadas e tirou sua roupa suada. Ele poderia tomar um banho
rápido. Lavar um pouco da sujeira do primeiro tempo, e com isso suas
frustrações.
O chuveiro assobiou ensurdecedoramente quando ele mergulhou sua cabeça.
Ele mudou a água de quente para terrivelmente fria nos últimos trinta segundos.
O lugar estava inesperadamente silencioso quando ele saiu do chuveiro. Ele se
enxugou antes de voltar para um vestiário vazio.
Olson, Brown, Bartolli, Walton...sumiram. Não tinha mais fisioterapeuta, nem
comissão técnica. Havia apenas Martino do outro lado da sala, com seu casaco
e seu distinto chapéu de feltro. Ao lado dele estava o absurdamente grande e
imóvel guaxinim.
Narvi olhou desesperadamente ao redor, momentaneamente em pânico, será
que de alguma forma, ele impossivelmente havia perdido a noção do tempo
enquanto tomava banho e o técnico estava prestes a dar-lhe uma bronca? Ou
pior, substitui-lo no segundo tempo?
“Desculpe, chefe, ei...”
O técnico parou seu protesto com um gesto da sua mãe enluvada. “Eu gosto de
chefe,” ele disse. “Embora eu prefira Mestre.”
Narvi riu insolentemente. “Boa, chefe.” Ele então foi pegar suas roupas, mas
Martino se colocou entre ele e o cabideiro.
O técnico tirou o chapéu e aproximou seu rosto ao de Narvi, de uma forma
desconfortavelmente intima. Narvi revirou os olhos. Ele estava familiarizado com
a técnica “secador de cabelo” quando o técnico soltava um fluxo humilhante de
insultos e abusos diretamente no rosto de um jogador. Ele costumava deixar
entrar por um ouvido e sair por outro.
Mas dessa vez Martino falou baixinho, sedutoramente. “Escute-me. Eu sou o
Mestre”. Seus olhos eram bem mais escuros do que Narvi se lembrava. “Eu sou
o Mestre e você vai me obedecer. Você vai fazer exatamente o que eu disser.”
O desconforto nervoso que Narvi sentia pareceu desaparecer, como a sujeira
desapareceu no chuveiro.
“Está na hora de você sair do esconderijo Narvi.” Os olhos escuros queimaram.
“É hora do Hyrrokin em você se revelar. Você entende?”
A sala girou em torno de Narvi, até que houvesse apenas o som dessa voz
aveludada em seus ouvidos, nas profundezas dos olhos de seu Mestre.
Pela primeira vez em trinta anos, Narvi entendeu.
O Mestre acenou para o mascote. “Se apresse. Ele está vindo à tona e
precisamos sair daqui imediatamente.”
Narvi estava olhando ao seu redor, como se estivesse vendo tudo pela primeira
vez. Ele esticou seus membros enquanto sua personalidade Hyrrokin se
reafirmava depois de tantos anos ocultos. Foi, o Mestre pensou, como ver uma
borboleta esticar suas asas. Narvi estava finalmente se libertando da sua
crisalida invisível. Ele parecia o mesmo, mas seu verdadeiro eu estava
emergindo.
O Mestre tirou o casaco pesado e o terno grosso, então começou a tirar a
máscara que usava para se disfarçar de Juan Martino. No devido tempo os
funcionários do clube encontrariam o cadáver encolhido do verdadeiro Juan
Martino enfiado no fundo de uma mochila.
“Se apresse!” ele gritou para o guaxinim.
O mascote retirou a cabeça peluda e revelou as características do reptiliano
pálido que era Loge. O biomecanoide se afastou da parede do outro lado do
vestiário e andou até onde o Mestre estava examinando o atordoado Narvi. Ele
colocou a mão pelo abdômen de seu traje e tirou um dispositivo de digitalização
Hyrrokin.
“O poder psíquico é insuficiente,” Loge declarou.
“O que?” o Mestre puxou o dispositivo do biomecanoide e olhou para as leituras
até conseguir admitir que não entendia o que significavam. Ele o empurrou de
volta para as mãos deformadas de Loge. “Aquela multidão deve estar no seu
auge – certamente o suficiente para alimentar nossa fuga.
“Esse não é o problema,” disse Loge. “A energia psíquica é insuficiente para
projetar Narvi na orbita de coleta. Não tem energia o suficiente para conduzir ele
além dos limites dessa construção”.
“Esta construção?” Ah, o estádio de futebol.” O mestre balançou a cabeça e
olhou para Narvi. Ele considerou tudo o que ele havia feito para chegar até aqui:
ele identificou os líderes dos vândalos entre os torcedores da casa, hipnotizando-
os para alimentar sua paranoia sobre os jogadores do time visitante, forneceu a
equipe armamento rudimentar, permitindo-os passar pela segurança e entrar no
estádio.
A atmosfera febril da semifinal deveria ter levado a multidão a um tumulto em
grande escala. Com dezenas de milhares de fãs de futebol em um estado de
emoção intensificada nesse espaço confinado, o dispositivo do biomecanoide
canalizaria o turbilhão de energia psíquica para levar Narvi para um local seguro,
bem longe.
Em vez disso, na ausência dos jogadores durante o intervalo a multidão parecia
estar se acalmando.
A distância o Mestre conseguia escultar a multidão começando a aplaudir
novamente enquanto as duas equipes começavam a correr pelo campo para
continuar a partida. Agora, isso parece uma ideia.
“Muito bem.” O mestre recolocou a máscara, o sobretudo e as luvas. Ele acenou
com a cabeça decisivamente para o biomecanoide. “Loge, coloque aquele
disfarce ridículo novamente.”
Ele tirou a camisa de futebol de Narvi do gancho e refletiu, não pela primeira vez,
como os aros o lembravam de seu uniforme da prisão. Ele jogou em seu
atacante.
Narvi a vestiu, gradualmente reconhecendo quem ele era e onde ele estava.
“Agora, meu jovem...” o Mestre tentou estalar seus dedos, mas era complicado
nessas luvas. Ele se contentou em estreitar os olhos escuros para Narvi.
“Amarre as botas. Você está indo para o segundo tempo.”

Quando passou um período de um confortável confinamento na Terra, o Mestre


tinha visto toda uma temporada de A Partida do Dia. Ele costumava assistir
repetições de A Casa de Hector ou Os Clangers, de qualquer forma, a seriedade
de Jimmy Hil o divertia.
As regras do jogo pareciam bem simples. O Mestre era fascinado principalmente
pela simples desonestidade perpetrada até pelos jogadores mais talentosos.
Assim como acontecia agora.
No momento em que Narvi correu de volta para o campo e caiu sobre seus
próprios cadarços desamarrados, ficou evidente que a lenta reafirmação de sua
personalidade Hyrrokin estava catastroficamente substituindo suas habilidades
anteriores como um jogador de futebol.
Enquanto Narvi hesitava em jogar a bola, Bartolli gritou da 18° jarda. Olson e
Brown rapidamente optaram em lançar a bola para Walton em vez do seu
atacante estrela. A equipe técnica do lado do campo e o Mestre balançaram a
cabeça em descrença. Ramón o guaxinim permaneceu é claro, anormalmente
sem vitalidade.
O Mestre ficou feliz em ver que a multidão de visitantes estava insatisfeita e
estava ficando inquieta enquanto perdiam a semifinal. Os fãs do time da casa
perceberam a oportunidade e o ambiente do estádio começou a se energizar.
Dois foguetes foram disparados do lado oposto, mas não atingiram o estádio. O
Mestre sorriu em aprovação; ele reconheceu o dispositivo incendiario que havia
fornecido para a equipe de vândalos.
Uma nuvem de fumaça pairou sobre a arquibancada. A polícia de choque correu
para se posicionar ao longo da linha lateral.
Era isso.
O Mestre chamou Narvi, cochichou em seu ouvido e deu instruções. Narvi
acenou e cambaleou de volta ao campo. O goleiro adversário estava preparado
para um chute ao gol. Narvi deu uma corrida desajeitada até a metade do campo.
Os outros jogadores olharam surpresos enquanto ele deu um carrinho pela lama
que levou as pernas do goleiro para baixo dele. Narvi levantou-se com
dificuldade e atirou a bola para a rede com as duas mãos e curvou-se
sarcasticamente para os espectadores incrédulos.
O apito do arbitro soou, mas se perdeu no rugido da multidão em erupção.
O goleiro protestava furiosamente com Narvi que prontamente lhe deu um soco
no queixo. O arbitro já estava mostrando um cartão vermelho para Narvi antes
mesmo do goleiro atingir a grama.
A essa altura, mais seis sinalizadores já haviam sido disparados, e uma nuvem
de fumaça marrom tomou os torcedores nas três arquibancadas. Os
bandeirinhas estavam empurrando os jogadores indignados para fora do campo
enquanto policias de choque levantavam seus escudos. Narvi se virou e voltou
tropeçando em direção ao Mestre.
Pedidos em vão e cada vez mais desesperados por calma no estádio mudaram
para instruções de evacuação de segurança, e as multidões em pânico
começaram a derrubar as barreiras e se espalhar pelo campo. Muitos deles indo
em direção a Narvi.
O mestre agarrou o braço de Narvi e o conduziu em direção ao mascote. “Agora,
Loge!” ele disse.
Loge estava com o dispositivo Hyrrokin em suas mãos. O equipamento brilhou,
um brilho feroz e sobrenatural. Loge apertou um dos controles.
Uma torrente de energia psíquica girou como fios de lã de toda as partes do
estádio, entrelaçando-se para energizar o dispositivo de Loge.
Bem ao lado do mecanoide, Narvi foi envolvido por um vórtice de energia.
Quando se dissipou, ele havia desaparecido completamente.
Segundos depois o sobretudo de Juan Martino estava jogado no banco de
reservas, com uma máscara amassada em cima dele. Os restos do traje do
mascote haviam sido jogados de lado quando o primeiro dos espectadores
correra para o campo.
O Mestre e Loge já haviam atravessado o túnel dos jogadores e estavam saindo
do estádio.
***

“Então...” Loge inclinou sua cabeça para o lado em um gesto inesperadamente


humano de curiosidade. “Você está pronto para cooperar?”
O Mestre deu três passos para a frente no tapete de pelúcia da sala, pronto para
enfrentar o biomecanoide que estava ao lado da estante. Loge ergueu seu braço
e balançou seu dispositivo de condenação acinzentado.
O Mestre cruzou os braços e olhou para Loge. “Aonde está minha TARDIS?”
“Escondida de você.”
“Eu cumpri minha sentença,” rosnou o Mestre. “Você deveria me deixar ir.
Devolva minha TARDIS. Você pode retornar para sua dimensão psíquica e eu
prometo que nunca mais vai me ver lá.”
Os olhos frios e reptilianos de Loge o encararam. “Onde está a justiça nisso?”
“Já provei o suficiente da sua justiça.”
“Você gostou da ambientação?” Loge contornou a lareira e acomodou-se
desajeitadamente na poltrona. Ele pressionou seu corpo e estudou o Mestre
pensativamente. “Eu usei as características de uma prisão terrestre do século
XX para definir seu confinamento. Você gosta desse mundo, não gosta?”
“Gostar?” O Mestre deu uma risada curta. “Minha consideração aos primitivos
desse planeta é o desprezo que eles ricamente merecem.”
“Mas é familiar então,” Loge sugeriu. “Você passou muito tempo aqui e nesse
século. Você sabe como os humanos se comportam e como controlar eles. É por
isso que você é tão útil para mim agora”.
O Mestre sentia seu temperamento crescendo cada vez mais. Ele não podia
deixar transparecer. “Eu cumpri a minha sentença,” ele repetiu friamente.
“Você não se penitenciou.” O tom de Loge era desaprovador. “Pense nisso como
justiça restaurativa. Eu preciso da sua ajuda. Sente-se.”
O Mestre se irritou.
Loge considerou o dispositivo de condenação. “Sente-se”.
O Mestre puxou uma cadeira da mesa de carvalho ao lado dele.
O biomecanoide gesticulou com a mão livre, e a superfície da mesa brilhou e
tremeu até que a granulação foi substituída por uma imagem tremula.
Três rostos reptilianos furiosos fizeram uma careta para o mestre na imagem.
“Seus amigos?”
“Dificilmente. Eles são criminoso fugitivos. E eu sou um mecanoide da justiça.”
Loge estabilizou a imagem e apontou para cada rosto. “Narvi. Siarnaq. Karta.
Três brutais senhores da guerra de Hyrrokin.
O Mestre se permitiu um leve sorriso. “Meu tipo de gente”.
“Se você quer dizer que eles também foram pegos,” disse Loge, “Então sim. Eles
foram destronados pelo seu povo. Ao contrário de você, no entanto, eles
escaparão. Contrabandeados para um local seguro da dimensão por seus
apoiadores de Hyrrokin.”
“Você está sugerindo que eu deveria tentar mais?”
“Estou sugerindo que você me ajude a recaptura-los.”
O Mestre se inclinou para frente para encarar os rostos raivosos na mesa entre
eles. “Para onde eles foram?”
“Para onde você acha?” perguntou Loge. “Aqui, na Terra. Um de seus
apoiadores transferiu suas mentes para três crianças em um orfanato na Terra,
escondidos do alcance da psique de Hyrrokin. Longe de casa, esperando o
momento que seus apoiadores assumiriam o poder novamente e os resgatariam.
Agora que eu descobri isso, estou encarregado de recaptura-los para que
possam enfrentar a justiça na dimensão Hyrrokin.”
O Mestre riu para si mesmo e se recostou na cadeira. “Diga-me Loge. Você já
sentiu que estava queimando uma casa apenas para ferver um ovo?”
Os olhos reptilianos de Loge brilharam de indignação. “Uma dimensão separada.
Uma forma física diferente. Eles fizeram o que eles podiam no pouco tempo que
tiveram.”
O Mestre se sentiu relaxado agora em face do aparente desconforto de Loge.
“Apenas colete eles, então. O quão difícil pode ser encontrar três crianças?”
“Eles não são mais crianças. O resgate demorou muito.”
“Ah, bem. Pontualidade é a virtude do entediado.” O Mestre se inclinou para
frente e olhou atentamente para Loge.
“Você me conhece Loge. E você vai me escultar. Esculte. A mim.” Seus olhos se
encontraram com os olhos de Loge, intimidade, feroz e exigente. “Eu sou o
Mestre, e você vai...”
“Eu sou um biomecanoide.” Os olhos de Loge piscaram. “Você está perdendo
seu tempo.”
O Mestre rosnou e caiu de novo em sua cadeira.
“Mas segura esse pensamento.” Loge bateu na tela, e as imagem se transformou
em três rostos humanos. “três décadas se passaram desde que os senhores da
guerra chegaram nesse planeta.”
“Vamos lá,” disse o Mestre em um tom cansado. “Você já desperdiçou muito
tempo. Certamente desperdiçou muito tempo meu. Devolva minha TARDIS, e
podemos devolver seus prisioneiros para Hyrrokin hoje.”
“As mentes dos senhores da guerra estão escondidas nas crianças, enterradas
em suas mentes enquanto eles cresciam até a idade adulta. Eles não sabem
mais quem são, se é que algum dia souberam.” O rosto reptiliano de Loge se
ergueu para estudar o rosto do Mestre, iluminado pela imagem tremeluzente na
mesa. “Sua TARDIS não pode devolve-los a Hyrrokin.”
“Porque não?”
Com um gesto abrupto, Loge espalhou a imagem no tampo da mesa que foi
resetado para mostrar um esquema do sistema solar. O ponto de vista virou e
re-focou para revelar um nave espacial, um esferoide achatado, orbitando acima
do polo norte do sol.
“Eu posso leva-lo a esse posto com uma explosão adequada de energia
psíquica. E então desse posto eu posso transferi-los para enfrentarem a justiça
na dimensão Hyrrokin. Mas apenas quando nós tivemos forçado seu verdadeiro
eu a ressurgir.”
O Mestre olhou a imagem. “Nós?”
“Você pode ser incapaz de hipnotizar um biomecanoide,” disse Loge, “mas você
tem uma habilidade única com os humanos. Libere os senhores de guerra de
seu estado de fuga para que eu possa transferi-los para o esse posto.”
“Eu não sou um policial.” O Mestre empurrou a cadeira para trás e se levantou.
Seus punhos cerrados, enrugando as palmas de suas luvas de couro preto e
esticando o material até nas costas de suas mãos. “Porque eu deveria ajudar
vocês?”
Loge girou ligeiramente a cadeira e ergueu o dispositivo de condenação. “Bem,
pra começar, talvez você não terá mais que experimentar...”

***

O murmúrio indistinto de vozes distantes. Nuvens de chuva visíveis através de


uma janela alta. O Mestre estava na cela de concreto novamente.

***
A turnê de despedida do Jovens Alienados não estava indo bem. Apenas três
shows, pensou Tania Siarnaq e a hostilidade mutua a muito nutrida do trio já era
insuportável.
Se não fosse Chanelle reclamando das comodidades do local, era Bronwen
exigindo complementos para os pilotos da sala verde. Mais cedo, Chanelle
repreendeu seu empresário, Sam Quill, sobre a ausência de mercadoria
especificas da turnê. “Onde está a minha estatueta?” ele exigiu. “Você prometeu
que poderíamos ter versões de cinco centímetros antes da turnê começar. Onde
elas estão Sam?”
“Verei o que posso conseguir,” respondeu Sam, cansado, antes de pedir licença
para fazer uma ligação. Poucos minutos depois, Bronwen estava discutindo
sobre a possibilidade de assumir o vocal principal em seu maior sucesso. “Só
uma vez querida... só uma vez, cê sabe...isso é pedir muito? Ein? Querida?”
“Bem, já que você perguntou, querida, é pedir muito,” Tania disse a ela em uma
rara falta de consideração, fatos simples: (a) Bronwen não cantava os vocais
principais nem mesmo quando o Jovens Alienados ainda era jovens, porque (b)
Bronwen não sabe cantar direito.
Talvez Bronwen parasse de chorar e saísse do banheiro a tempo para o número
de abertura. Ela poderia cantar baixinho no fundo como de costume, se
necessário.
Esse último bate-boca na sala verde não poderia ter ocorrido em um momento
pior. Chanelle chegou atrasada no seu voo de volta do fim de semana no exterior
com Waldo – ou erra Warren? – então eles entrariam atrasados no palco essa
noite. Uma multidão de fãs, com sua lealdade gravadas em formato de tatuagens
da banda, gritavam impacientes para que o show começasse. E porque Sam (o
pão-duro) se recusou a agendar mais um horário, não era como se elas
pudessem atrasar por mais tempo.
O problema com uma turnê com ingressos esgotados, pensou Tania, é que você
não podia trair o público.
Sam se esgueirou de volta para a sala verde e parou na porta que levava ao
palco. Ele disse a Tania que estava ligando para sua esposa, inventando outra
desculpa do porque não voltaria para casa essa noite. Ele tinha parado de tentar
fazer isso do quarto de hotel de Tania desde a vez em que ela saiu do chuveiro
seminua e foi incapaz de para de rir dele mandando ela parar de falar e do olhar
assustado em seus lindos olhos azuis.
Na porta agora, Sam parecia bem mais calmo e controlado do que Tania
esperava. Sua aparência tradicional era pobre casual misturado com energia
nervosa, mas essa noite não houve nenhuma contração característica nas
expressões em seu rosto. Seu senso de vestimenta era...qual era a
palavra...sombrio? Talvez as coisas fossem mais sérias do que ela pensava.
Tania ergueu a sobrancelha de maneira encorajadora para ele e piscou
extravagantemente. Mas Sam estava aparentemente perdido em uma nova
discussão que irrompeu na sala verde.
Bronwen saiu do banheiro cambaleando, com ainda mais olheiras do que era
normal em sua maquiagem de palco. Chanelle estava se queixando com
Bronwen e fingindo mostrar interesse em uma bandeja de vol-au-vents (veganos
e sem glúten, claro). Ela estava mais uma vez falando sobre sua estupida
estatueta, em um tom declamatório, o que indicava que ela estava fazendo um
anuncio público e com uma nota ascendente que sugeria que ela estava
convocando os cães de caça.
Tania tampou os ouvidos com as mãos e olhou para Sam, seus olhos apelando
para que ele fizesse alguma coisa, qualquer coisa.
Sam caminhou até o centro da sala verde, seu rosto impassível. Ele estudou as
mulheres brigando no outro canto da sala. “Calem as bocas, vocês duas.” Ele
gritou.
Então ele tirou uma arma do bolso da jaqueta e disparou contra elas. As
mulheres chocadas mal tiveram tempo de gritar ante de simplesmente
desaparecerem.
Tania piscou em descrença. Piscou novamente. Ela gritou.
Sam se virou. Seus dedos estavam em seus lábios enquanto caminhava em sua
direção.
“Não” balbuciou Tania. “Por favor.” Ela se afastou dele até que se bateu contra
a parede. “Sam, não...por favor... eu achei que te conhecia.”
Ele parou na frente dela e sorriu. “Você me conhecia naquele quarto de hotel.”
Quando ela olhou nos olhos dele, não estavam mais azuis. Eles eram escuros,
frios e perigosos.
Ele se aproximou. Como que esse poderia ser o mesmo homem que a tocou
com tanta ternura naquele dia? Ele não estava a segurando, mas ainda parecia
que ela estava sufocando.
Ela conseguiu resmungar: “Quem é você?”
“Você pode me chamar de Mestre.”

A reverberação de milhares de pés batendo fez parecer que todo o edifício


estava para colapsar. Uivos e zombarias de uma audiência de milhares de
pessoas enchiam a arena, uma cacofonia de fãs irritados já superaquecidos em
suas jaquetas de couro.
Os fãs da banda Jovens Alienados não seriam feitos prisioneiros hoje, pensou o
Mestre. Ele olhou através do palco, julgando o momento. Ele certamente não iria
para a frente do palco – especialmente não disfarçado do famoso empresário da
banda. Ele havia alimentado a irritação antes, garantindo que a performasse
atrasaria mais do que esperado quando enganou Chanelle sobre a hora do voo
de uma visita de seu mais novo amante, Warren – ou será que ele disse a ela
que se chamava Wally quando ele se disfarçou?
Para piorar as coisas, ele garantiu que algumas pessoas lá fora tivessem
ingressos com preços exorbitantes para o evento dessa noite. Somente quando
a plateia entrou no auditório que foram descobrir que pagaram muito mais por
acentos duplicados. Ele já havia visto brigas na plateia de baixo e nas
arquibancadas.
Tania Siarnaq parou ao lado dele nos bastidores. Ela ainda estava assimilando
suas memórias Hyrrokin, e simultaneamente intimidada pelo barulho e calor
emanado da enorme plateia. O Mestre empurrou a cantora, na parte inferior de
suas costas, sua mão pressionando a área nua da pele na parte de trás do seu
vestido absurdamente curto. Ele pressionou sua boca perto do ouvido dela: “Vá
em frente.” Ele pediu, “O biomecanoide está esperando por você no centro do
palco.”
Brilhando na meia luz do show de abertura, Loge estava escondido a vista de
todos, como se ele fosse um dos adereços do cenário.
Enquanto ela hesitava, ficou claro que a estrela do rock tinha desaparecido
ficando apenas o senhor de guerra – tentando entender o inesperado novo
ambiente em que se encontrava.
“Não posso cantar agora.” Protestou Siarnaq.
O Mestre estalou a língua com irritação. “Quando foi que isso te impediu?”
Ele a empurrou com um pouco menos de delicadeza. Siarnaq cambaleou para
frente com suas botas grossas, tropeçando um pouco quando atingiu a cortina.
Um cegante e distante holofote a atingiu na beira do palco. Imediatamente gritos
de alegria emergiram da plateia ao reconhecerem que um membro do bando
havia finalmente aparecido. Ela cambaleou sem jeito ao se aproximar do suporte
do microfone, bem na frente de Loge.
A plateia se acalmou quando Siarnaq assumiu sua posição, apenas sobraram
alguns gritos e assovios enquanto a tensão era montada. As luzes então se
apagaram, as luzes do palco se acenderam e a faixa de fundo para a musica de
abertura começou a tocar pelos alto falantes.
Siarnaq então pegou o microfone e começou a cantar.
O Mestre estremeceu quando ele perdeu as quatro primeiras notas. Mas ela
seguiu em frente, desesperadamente procurando pela nota certa.
Partes da plateia começaram a vaiar. Os assobios ficaram mais altos. A música
de Siarnaq parou abruptamente.
O Mestre viu a plateia se levantar de seus assentos, um tsunami pronto para
acertar a praia do palco.
“Me desculpe.” Disse Siarnaq, assim como ele a havia instruído. “Bronwen e
Chanelle não querem vir para o palco. O show está cancelado...”
“Continue, continue.” Encorajou o Mestre.
Siarnaq olhou para a plateia. “Sem reembolso,” ela disse e largou o microfone.
“A plateia explodiu de raiva e descrença, todos levantando de seus acentos.
Brigas começaram na arena, criando uma onde de raiva que atingiu todo mundo.
Copos e garrafas foram arremessados no palco. Eles nem repararam quando
um dos adereços do palco ganhou vida e deu um passo à frente em direção a
Siarnaq.
Espirais de energia psíquica se ergueram e se aglutinaram no ar ao redor da
arena, fazendo seu caminho por cima dos fãs furiosos direto para o dispositivo
que Loge segurava em sua frente.
Interessante, pensou o Mestre. Foram as energias negativas que geraram mais
poder – indignação, ressentimento, acrimonia, ódio...raiva.
Uma furação se formou ao redor de Tania Siarnaq. Quando se dissipou após
alguns segundos, ela havia desaparecido.
De volta a sala verde, o Mestre ainda podia escultar a reação furiosa na arena
principal. Ficou mais alto conforme o mecanoide abria a porta de saída do palco.
“Siarnaq foi transportada para a plataforma solar”, disse Loge. Ele assistiu o
Mestre remover o disfarce.
“Você fez uma excelente personificação de Sam Quill”.
“Bem, quando se trata de disfarces eu meio que sou um conhecedor.” Ele tirou
a máscara. “Você deveria ver meu Hughie Green.”
Loge inclinou a cabeça para o lado com curiosidade.
“Não importa,” disse o Mestre. “Ainda falta mais um senhor da guerra para
encontrar e transportar, não é mesmo?”
“Então eu posso mandá-los a Hyrrokin para enfrentar a justiça”, reconheceu
Loge, “e você estará livre.”
O Mestre jogou a jaqueta de Quill de lado. Ele tirou um par de efígies do tamanho
de uma boneca e jogou em uma mesa qualquer. Eram os dois membros da
banda que ele havia matado com seu compressor eliminador de tecido, e ele os
olhou com um sorriso. “Bom eu prometi as meninas que resolveria o problema
com as estatuetas.”
Loge o olhou impassível. “Nem pense em usar essa arma em mim ou você nunca
mais verá sua TARDIS.”
“Você pode confiar em mim.” O Mestre jogou a mascara facial em uma lata de
lixo. “Não tenho nada a esconder.”
***
Loge girou ligeiramente na cadeira e ergueu o dispositivo de condenação. “Bom,
pra começar, você nunca mais terá que experimentar...”
***
O murmúrio indistinto de vozes distantes. Nuvens visíveis através de uma janela
alta. O Mestre estava de volta a cela de concreto.
A porta de metal estava fechada com firmeza. A cama parecia tão dura quanto
ele se lembrava, a tigela de mingau pouco apetitosa.
O material grosseiro do uniforma irritava sua pele, a borracha raspava em seu
pescoço. Ele estendeu a mão para cocar sua barba, e descobriu que estava
apertando tanto sua mão em formato de um punho que ele não conseguia abri-
la. Ele tentou abri-la com os dedos da outra mão apenas para descobrir que a
outra estava do mesmo jeito.
Ele bateu o punho em vão contra a porta, na estante vazia, e finalmente a
sacudiu impotente em frente a janela.
Os dias se arrastaram. No final da primeira semana os dedos das mãos ainda
não haviam aberto. Ele sentiu um nó de pressão em seus ombros, uma forte
tensão em sua mandíbula e a fúria crescia dentro dele.
O Mestre sabia que ele não podia controlar o biomecanóide. Nem seria capaz
de destruí-lo – certamente não enquanto estava no Prisão Lenta, e não enquanto
era apenas Loge que sabia da localização de sua TARDIS.
O que ele poderia fazer, era ajudar Loge a encontrar os senhores de guerra. Mas
quando eles forem libertados do seu próprio cativeiro na terra, o Mestre não tinha
intenção de deixar Loge repatria-los. Ele se aliaria aos senhores de guerra para
vencer seu captor, e então cobraria deles o preço por fazê-lo.
Ele aperfeiçoou seu plano à medida que os dias passavam. E após uma semana
ele nem percebia mais a firmeza com que seus punhos estavam cerrados.
Logo na segunda semana, uma dor de cabeça começou...

***
“...isso de novo,” disse Loge.
O Mestre tentou se estabilizou com a sobrecarga sensorial da sala que o
envolvia. Ele olhou para o biomecanoide. Sua estrutura, alta, magra ainda
estavam posicionados de forma incongruente na cadeira ao lado da estante,
exatamente como ele lembrava.
Loge pressionou o rosto na imagem da mesa iluminada. “Narvi é um jogador de
futebol.” Vamos começar com ele?”

***
“Ok, última pergunta,“ disse O’Mahoney. Ele coloca seu casaco de camelo com
firmeza no ombro, pronto para sair.
Phoebe Karta olhou para seu gerente de campanha. “Tenho certeza que
podemos responder mais algumas perguntas.“ Ela examinou as pessoas
reunidas com um desprezo fulminante.
Os jornalistas começaram a disparar perguntas. O partido dela realmente apoiou
a politica de repatriação? Como ela poderia repudiar o financiamento da
campanha da oposição quando ela mesma não quis revelar os próprios arranjos
fiscais? Era verdade que ela não tinha lido sua própria circular? Porque ela
estava cobrando uma taxa de entrada para quem fosse comparecer a seus
comícios?
Ela escolheu uma mulher da segunda fila. Phoebe poderia ridicularizar seu
penteado, seu jeito de vestir – isso sempre ia bem com sua base, e ninguém
poderia acusar Phoebe de sexismo porque ela era uma mulher, não era? Que
se fez sozinha. Não ela não achou que estava se vangloriando, claro.
O’Mahoney parecia estar prestes a interrompê-la quando recebeu uma ligação.
Phoebe não pareceu perceber quando ele falava silenciosamente e saia da sala,
mas tempo para passar sua mensagem aos súditos da imprensa. Não importa
qual seja a pergunta, ela faria seu discurso de sempre: Deus nos deu mãos para
oferecer as pessoas um aceno amigável, não dinheiro em espécie. Todo gasto
social é comunismo. Existe apenas uma religião verdadeira, todos os outros são
ateístas. Para ter uma defesa forte você deve banir todos os alienígenas
indesejáveis.
Phoebe fez seu mantra “riqueza significa saúde” e em seguida reprisou sua
famosa e cruel representação de um ativista cego. Isso tinha caído bem na
semana passada, causando indignação por todo país: “Ele literalmente não
consegue ver qual é a verdade!” No meio da impersonificação seus olhos
desfocados avistaram alguém entrando no salão.
Não era O’Mahoney mas ela o reconheceu de qualquer maneira. A imprensa
também. Câmeras e rostos se reorientaram para ele.
“Padre Wallingford! Você está apoiando Phoebe Karta...? Você pode confirmar
que sua igreja está financiando...? Qual sua resposta as acusações dos pais
sobre...?”
Wallingford ativou seu familiar charme do sul. Seu sorriso ameaçou dividir seu
rosto gordo e corado na metade. Ele mascava um chiclete enquanto falava.
“Haverá tempo o suficiente para isso mais tarde amigos! Agora minha candidata
tem que estar pronta para seu comício.” Ele dispersou qualquer outra pergunta.
“Sejam abençoados, todos vocês! Vocês podem terminar a entrevista depois do
discurso. Podem ir agora, a sala da imprensa está pronta para vocês.”
Phoebe o fulminou com o olhar, a velha fraude. Toda a energia da sala tinha
mudado dela para ele em um instante. O momento foi perdido. Ela
relutantemente permitiu que o falso padre a conduzisse para longe da sala de
impressa.
A área de estar tinha assentos confortáveis, uma variedade de lanches e bebidas
e um espelho de maquiagem.
Phoebe puxou o cotovelo das mãos do Padre Wallingford. “Porque você me
arrastou pra cá? Eu estava arrasando lá.”
“Sim.” Wallingford puxou uma cadeira para ela. “Eu sei como isso pode ser
satisfatório.”
Phoebe se sentou, tirou seus óculos e olhou para o espelho. Ela começou a
pentear o cabelo. Wallingford estava atras dela alisando sua batina, para que ela
pudesse ver seu reflexo com um olhar raivoso. “E... você disse minha
candidata?”
Seu sorriso estupido não desapareceu. “É o que eles querem ouvir, você sabe.”
“Eu não pedi o seu endosso.”
“Você também não rejeitou. Você está contente o suficiente por eu angariar
apoio.”
Phoebe bufou. “Está mais para agitar.”
Ele ofereceu uma reverencia simulada. “Eu sou seu humilde servo.”
“Humilde!” Phoebe abaixou a escova e procurou por seu batom. “Você veio em
seu jato particular, padre?”
Ele se afastou dela. “Bom, era muito longe para viajar de burro.”
Phoebe não conseguia encontrar seu batom na cômoda de madeira. Ela olhou
em volta e também não conseguia encontrar seu manequim. A sala estava tão
vazia e quieta que ela conseguia ouvir as vozes distantes e aplausos da multidão
à espera da convenção.
“Onde está todo mundo?”
Wallingford parecia preocupado com algo no fundo da sala. Um tipo de
manequim sentado apoiado na cadeira contra a parede. “Eu mandei todos irem
embora.”
“Eu preciso da maquiadora.” Phoebe mexeu nos acessórios espalhados em sua
penteadeira.
“E preciso do meu gerente de campanha. Onde está O’Mahoney?”
“Ele não está aqui,” respondeu Wallingford. Ele colocou um boné da campanha
Vote Karta na cabeça do manequim.
Phoebe girou na cadeira e olhou fixamente para Wallingford. “Eu preciso dele.
Agora.”
“Você não precisa.” Wellingford caminhou até ela e girou sua cadeira para que
ela encarasse o espelho.
“Ele terá um papel bem menor nos eventos de hoje.”
Phoebe começou a protestar, mas parou quando percebeu que o manequim de
algum jeito estava lutando para ficar de pé.
Phoebe procurou seus óculos e tentou se virar, mas o padre Wellingford estava
segurando a cadeira.
“Termine sua maquiagem.”
“Quem é você para me dizer o que fazer?” Ela empurrou seus óculos de grife no
nariz. “Quem você pensa que é?”
“Eu sou muitas coisas,” disse o Padre Wellingford. Ele não estava mais sorrindo.
“Você pode me chamar de Mestre.”
Phoebe sufocou uma risada. “Qual é. Quem vai te chamar desse jeito?”
“Praticamente todo mundo, minha querida.”
Ela percebeu que o manequim havia atravessado a sala e agora estava do lado
de Wellingford. Abaixo do boné Vote Karta, olhos reptilianos piscaram pra ele.
Phoebe encarou desesperadamente Wellingford. O reflexo de seus olhos
escuros travou seu olhar, e ela se viu impossibilitada de desviar.
Phoebe Karta recuperou suas memorias Hyrrokin mais rápido que suas
contrapartes, o Mestre notou. Ela estava falando com Loge perto da mesa de
maquiagem enquanto o Mestre verificava o corredor para ver se não tinha
ninguém. Talvez essa extração fosse mais fácil que as outras. Ainda assim, ela
ficaria chocada quando Loge revelasse a verdadeira razão para transporta-la.
Loge vai ter sua própria surpresa, pensou ele.
Quando ele estava de volta a sala, Karta o ajudou a vestir o biomecanoide no
casaco de camelo de O’Mahoney – ele se certificou de tirar do gerente de
campanha antes de matá-lo. Os dedos enrolados de Loge ficavam pendurados
no final das magas. O Mestre ajudou com o boné da campanha na tentativa de
esconder os olhos reptilianos.
Karta não estava convencida. “Parece ridículo.”
“Quando se trata de disfarces ele é meio que um conhecedor,” afirmou Loge de
forma tranquilizadora. “Você deveria ver o Hughie Green dele.”
“Seu público aguarda.” O Mestre acenou com a cabeça em direção a saída do
auditório, onde a música da campanha tinha incitado a antecipação das pessoas.
“É hora de levá-los ao frenesi com sua retórica.”
“Não tenho certeza se eu consigo lembrar qual era as mensagens de campanha
dela.”
“Ah, veja.” O Mestre já estava com as mãos na maçaneta. “A mudança climática
é uma farsa, deportar todos os estrangeiros, os pobres não importam – não deve
ser tão difícil? Basta ler os cartazes dos idiotas.”
Ele foi atingido por um novo pensamento repentino. “Ou ainda melhor...” O
Mestre saltou para frente e colocou seu polegar na boca de Karta, manchando
seu batom na bochecha. Ele bagunçou seu cabelo. “Agora me siga.”
A fanfarra que deu as boas-vindas a Karta enquanto ela subia no pódio alertou
a enorme multidão de sua chegada. O centro de conferência lotado reverberou
de alegria. Um repetido canto de “riqueza é saúde! Riqueza é saúde!” ecoou
pelas vigas.
Outra grande ovação ecoou por todo o local enquanto uma câmera filmava a
festa da plataforma. A multidão assistia a enorme exibição e reconheceu
claramente Wallingford quando ele pegou o microfone.
Ao invés de acalma-los para que ele pudesse ouvir melhor, o Mestre criou mais
energia de seus gritos e cânticos. “Eu vim aqui apresentar Phoebe Karta a
vocês,” ele berrou no microfone com o sotaque sulista afetado do Padre
Wellingford. “Mas ela não precisa de apresentação. Vocês a conhecem melhor
que ninguém. Certamente melhor que a imprensa. Eles a atacam por qualquer
coisa que ela diga...”
Gritos de concordância e raiva ressonaram da multidão pelo lugar.
O Mestre acenou para que Karta se juntasse a ele no centro das atenções.
“Mas em sua coletiva de imprensa há apenas alguns momentos, foi assim que
eles a atacaram!”
A câmera deu um zoom no rosto de Karta para revelar seu cabelo bagunçado e
maquiagem borrada. Houve um tumulto de espanto em todo o local.
“Bem, esses criadores de notícias falsas estão aqui essa noite, meus amigos!”
O Mestre apontou para a área da imprensa na parte de trás do centro de
conferência. “E eles não são nossos amigos. Vocês sabem o que fazer.”
A plateia recuou como uma mare vazante. A massa de enlouquecidos
apoiadores transbordou para a área da imprensa. Luzes de arco caíram e
brilharam, a câmera parou de gravar.
“Agora!” ele pediu a Loge. “Faça agora!”
O Mestre se recostou, rindo do caos que havia criado. Ele arrancou a máscara
de Wellingford e jogou a de lado. Era hora de escapar com Loge, e uma vez que
a transferência de Karta estiver completa, recuperar sua TARDIS.
Ele olhou em volta para ver onde Loge estava. Não seria bom perdê-lo nesse
pandemônio. Mas algo estava diferente dessa vez. O biomecanoide não estava
se afastando de Karta; ele tinha se aproximado e estava segurando sua mão
esquerda enquanto o efeito similar do redemoinho de transferência psíquica os
envolvia.
No mesmo segundo o Mestre sabia que Loge iria abandoná-lo. Deixando-o aqui,
sem sua TARDIS, sem sua vingança.
O rugido de fúria do Mestre se perdeu no caos ao redor dele. Loge estava se
afastando, puxando Karta. O Mestre levantou a batina e deu dois grandes passos
em direção aos dois. Ele pegou a mão de Karta. Uma onda de energia o agarrou,
pressionando em um diluvio de poder como em uma tempestade tropical. E
então ele não conseguia mais ver o auditório.
O diluvio se dissolveu ao redor dele quase tão rápido como tinha começado. A
cegueira esporádica do brilho das luzes do estádio foi substituída por um outro
brilho. O Mestre soltou a mão de Karta e tropeçou para trás até uma parede.
Essa só poderia ser a plataforma solar Hyrrokin; a decoração austera e quase
nenhuma móvel, estranhamente lembrava o Mestre de sua cela.
Karta mal reconheceu sua transferência abrupta e instantânea através de
150.000 quilômetros de espaço quando se virou para Loge. “Onde estão os
outros?” Havia um novo tom de comando em sua voz. Não o de aspirante a
político, mas calma e confiança de alguém familiarizado com o comando e
autoridade.
Loge estava ocupado tentando se livrar do disfarce com certa dificuldade. Ele
indicou um caminho através de um arco de saída. “Eles estão esperando por
você na sala de preparação.” Em seguido ele viu o Master do outro lado de Karta
e teve uma reação absurdamente reptiliana de descrença.
Ele se atrapalhou para escapar do pesado casaco de camelo. Tentando
encontrar o dispositivo de condenação, talvez.
O Mestre deu um tapinha no bolso de sua batina para localizar o compressor de
eliminação de tecido. Ele estava pronto para a vingança imediata contra o
biomecanoide; e seria satisfatória depois de tudo o que ele havia passado.
Isso o estabeleceria como o salvador dos senhores de guerra quando ele
revelasse as verdadeiras intenções de Loge.
Mas Loge foi mais rápido. Seus braços dispararam e seus dedos longos se
fecharam no pulso do Mestre, como aço. O Mestre gritou quando foi forçado a
ficar de joelhos.
“Não se preocupe com ele,” disse Karta a Loge. “Traga-o para os outros e talvez
ele posse ser útil antes de partirmos.”
Antes que o Mestre pudesse intervir, ela saiu da câmara. Loge colocou o Mestre
de pé, e então seguiu atrás de Karta.
“Você está deixando seus próprios prisioneiros tratá-lo dessa maneira?” disse o
Mestre.
Loge não respondeu.
O Mestre andou atrás deles. Já ensaiando em sua mente as palavras doces e
lisonjeiras que ele iria usar para tentar persuadir os senhores de guerra a
trabalhar com ele.
A próxima câmara da nave era um espaço curvo alinhado com equipamentos.
Janelas quebradas entre as maquinas foram firmemente vedadas, para evitar o
efeito devastador do calor e da luz da estrela de sobrecarregar os ocupantes.
Metade da parede oposta exibia uma imagem de uma terra distante.
Pelo corte de cabelo absurdo o Mestre reconheceu duas figuras agachadas
sobre o painel de instrumento.
Narvi não estava mais com seu uniforme de futebol, embora seu rosto ainda
estivesse manchado de lama do campo. Siarnaq também havia trocada suas
ridículas roupas de palco e agora assim como Narvi usava macacões práticos
que devem ter retirada das entranhas de um traje espacial. Do outro lado da sala,
Karta estava vestindo roupas semelhantes.
O Mestre apontou um dedo acusador para Loge. “Esse ciborgue me enganou. E
vai enganar vocês também.”
Três senhores da guerra agora olhavam para ele.
“Loge não está libertando vocês. É um biomecanóide de julgamento e vai mandá-
los de volta para enfrentar a justiça na dimensão Hyrrokin. Se vocês valorizam
sua liberdade, force-o a revelar onde está minha nave para que eu possa ajudá-
los. Vocês podem ficar nessa dimensão sem consequências.” Ele apontou uma
mão enfaticamente para a tela de exibição. “Comigo ao seu serviço posso dar a
terra a vocês.”
Narvi se aproximou dele, com aquele sorriso insolente familiar estampado na
cara dele novamente. “Nós não precisamos dos seus serviços. É por isso que
temos Loge.”
“Quem você acha que nos trouxe ao seu planeta primitivos em primeiro lugar,
todos esses anos atras?” Siarnaq sorriu. “E quem estava pronto para nos ajudar
a voltar quando o momento era mais propicio?”
O Mestre olhou incrédulo para o biomecanoide.
“Estava na hora.” Disse Loge.
“Então vocês têm o que queriam,” vociferou o Mestre. Ele engoliu a raiva
crescendo dentro dele, tentando manter o desespero longe de sua voz. “Deixe-
me volta para a minha TARDIS e posso ir embora.”
“As pessoas mais inteligentes podem ser as mais fáceis de influenciar,” disse
Loge, “Se você tivesse prestado atenção, teria percebido que eu escondi sua
nave da sua própria percepção.”
Loge inclinou a cabeça para o lado em um movimento brusco, e foi como se uma
janela se abrisse na mente do Mestre. “A estante!” ele disse. “De volta aos
quartos da faculdade. De volta a TARDIS.”
Não temos uso para a terra”, disse Siarnaq. “Você pode ir pra lá.”
“Ou para o que vai sobra dela,” disse Narvi.
O calor foi drenado do Mestre agora e ele sentiu um pavor. “O que você quer
dizer?”
Karta se juntou aos outros dois nos controles do painel. “Chegar nessa estação
da Terra exigiu muito energia psíquica. Milhares de pessoas zangadas,
animadas, ansiosas foram o suficiente para cada uma de nós.”
“Mas para nós levar de volta a Hyrrokin,” disse Narvi “vai exigir muito mais.
Bilhões de pessoas, eu diria.”
O Mestre tentou entender. “Todo o planeta?”
Usaremos essa nave para transformar o seu Sol em uma supernova. Isso não é
o tipo de coisa que as pessoas na terra irão ignorar.” Disse Narvi ainda sorrindo.
“Loge deixará claro para eles com uma transmissão planetária assim que a
reação começar a crescer. O terror subsequente, o desespero de bilhões irá
alimentar nossa fuga e nós estaremos em casa antes que o sol se devore.”
“E tirar os humanos de sua miséria”. Adicionou Karta.
O Mestre olhou freneticamente ao seu redor. Uma tentativa inútil de observar
todos os equipamentos o cercando e identificar algo, qualquer coisa, que
pudesse ajudar.
O aperto de Loge havia relaxado seu braço. O Mestre sentiu novamente o
Compressor de eliminação de tecido. Será que ele poderia matar todos eles
antes que desencadeassem essa reação em cadeia?
Ele se afastou de Loge e se virou para enfrentar os senhores de guerra.
Desespero e raiva o tomaram. “O que vocês esperam que eu faça?”
“Você vai morrer aqui,” Loge disse a ele.
“Você não pode fazer isso!” berrou o Mestre, e sua mão agarrou a alça do
compresso de eliminação de tecido no bolso.
Loge entrou na frente, bloqueando sua visão dos senhores de guerra. “Qual é.
Você sabe que eu posso te aprisionar ou libertar com a mesma facilidade...”

***

Cinza, cinza, cinza. A cela o encarava de volta, sem lhe dar nada. A estante
vazia ao lado do fogo morto. A cama fria. A tigela de mingau.
Ele manteve sua raiva para si mesmo, maior do que qualquer coisa na sala. E
no bolso de seu uniforme de prisão ele segurou a colher de estanho. Ele sabia
que não poderia ficar sem isso, mesmo que ele quisesse. E ele não queria. Ele
poderia ficar assim para sempre se necessário.
Ele esperava que não fosse para sempre. O Mestre ficou lá, imóvel, segurando
a colher em um aperto implacável por cinco dias até ele sentir a dor de cabeça
começando a voltar.

***

“...apenas fazendo isso.” Loge ainda tinha o dispositivo de condenação em suas


mãos, com o polegar posicionado sobre o botão que acabou de ser ativado e
desativado.
O Mestre puxou o Compressor de eliminação de tecido do bolso. E com uma
risada selvagem, ele ativou.
Loge tremeu e pareceu desaparecer. Um biomecanoide de cinco centímetros
caiu imóvel no chão. A comoção chamou a atenção dos senhores de guerra. O
Mestre torceu para conseguir colocá-los em foco, mas Narvi deslizou pela
superfície e o derrubou no chão.
O Compressor de eliminação de tecido quicou e foi parar nos pés de Karta. Ela
levantou o pé e esmagou o dispositivo, que chiou, faiscou e morreu.
Narvi se levantou e chutou violentamente o diafragma do Mestre. O Mestre
tentou se proteger então Narvi acertou outro chute em sua cabeça. O senhor de
guerra não tinha nenhuma das sutilezas de suas antigas habilidades como
jogador de futebol, mas o golpe foi o suficiente para deixar o Mestre rolando de
agonia. Ela rolou até a parede oposta – atordoado, confuso e cheio de raiva. Ele
conseguia apenas escultar os senhores de guerra discutindo sobre os estágios
finais nos controles.
“A contagem regressiva está pronta,” disse Siarnaq. “Devemos ir para a cabine
de transmissão antes de ocorrer a supernova.”
Os três senhores de guerra caminharam calmamente até o arco que leva ao
espaço onde o Mestre havia chegado. Narvi acenou para ele ao sair. Uma porta
transparente deslizou da lateral da parede como uma pálpebra reptiliana e selou
a sala.
O Mestre rolou de costas, seu corpo inteiro doendo, sua mente furiosa. A cabeça
dele bateu contra algo no chão. O biomecanoide miniaturizado. A compressão
significava que seus elementos orgânicos não sobreviveriam, mas seus
componentes mecânicos seriam perfeitamente miniaturizados...e talvez ainda
funcionassem.
Ele estendeu a mão e agarrou. Obrigou-se a ficar de pé. Arrastou-se através da
sala, agarrando as mesas de instrumento, para suportar seu peso.
No painel maior, ele viu o que precisava. Mas havia alguma maneira de que ele
poderia se transmitir de volta a Terra com esse equipamento? Não, ele percebeu.
Havia energia psíquica suficiente para transmiti-lo apenas para...é claro! Logo
além dos confins dessa construção. Ele se atreveu a olhar por cima dos ombros.
Pela porta transparente, Siarnaq estava semicerrando os olhos em sua direção.
Ela cutucou Karta e apontou para o Mestre. Eles se moveram em direção a porta.
O Mestre arranco suas luvas de couro e mergulhou o bimecanóide encolhido na
caixa de junção.
Faíscas de energia estalaram ao seu redor enquanto ele jogava a cabeça para
trás e soltava um uivo de odeio e ressentimento pelas criaturas que o teriam
deixado morrer. A raiva misturada com a energia, parecia para ele como o
incontrolável poder de regeneração: uma onda de energia psíquica intensificada
de sua emoção mais crua.
Na câmara de transmissão os senhores de guerra nunca chegaram aos controles
da porta. Um redemoinho de luz agarrou-os e os transportou para longe.
O mestre arrancou as mãos do painel faiscante, cambaleando para trás. Com as
mãos vermelhas, em carne viva e tremendo.
A energia diminuiu ao redor dele e os controles enfraqueceram e deligaram. Ele
sabia que o impulso psíquico só seria suficiente para transportar os três senhores
de guerra a uma curta distância – do lado de fora da nave Hyrrokin.
Os senhores de guerra reapareceram no espaço aberto, onde o calor do sol deve
ter os incinerado instantaneamente. O Mestre riu fracamente. Era uma pena eles
não terem sofrido. Mas pelo menos ele poderia imaginar o olhar de pânico no
rosto deles, o encarando pela porta com descrença pelo que ele havia feito.
Ele examinou os controles nos painéis. Pareciam ser convencionais o suficiente.
E se ele precisasse de um impulso emocional, ele poderia usar o prazer de saber
que ele tinha superado os Hyrrokins, seria o suficiente para levá-lo para a terra
e recuperar sua TARDIS.
Essa nave não seria uma prisão por muito tempo.
OS MORTOS VIAJAM RÁPIDO
MARK WRIGHT

Diário de Bram Stoker.


30 de julho de 1890. Whitby.
Devo começar com os fatos. Rígidos, fatos sem enrolação, que na luz fria do dia
poderia ser confundido com delírios de um lunático. As observações neste diário
são uma lembrança firme de minha experiência infernal tal qual minha coragem
é capaz de evocar. Você pode pensar que o que virá a seguir não passa de
produto da uma imaginação febril, mas eu garanto, isso não é o trabalho de
nenhuma ficção sinistra.
Cheguei em Whitby no começo do verão sob recomendação de meu
empregador. Henry Irving pode ser conhecido como o melhor empresário de
atores na história da arte dramática, mas em um determinado momento de sua
ilustre carreira, ele afirmou ter supervisionado um espetáculo de circo na cidade
de Yorkshire. Isso não foi nenhuma surpresa. Nos anos em que trabalhei para
Irving como secretário e ajudante no Teatro Lyceum, eu nunca deixei de me
impressionar com suas muitas e variadas conquistas.
No verão de 1890, percebi que não estava tão animado com a excursão teatral
da Escócia que supervisionaria para o Irving. Talvez, tendo percebido minha falta
de ânimo, Irving sugeriu uma folga restauradora na costa de Yorkshire, onde
minha esposa e meu filho poderiam se juntar a mim no tempo certo. Me despedi
do meu empregador com sua devida benção e me encontrei na pensão da Sra.
Emma Veazey em Whitby, situada no número 6 da Royal Crescent.
A Sra. Veazey mantinha a casa arrumada; fiquei contente que poderia prover
uma excelente estadia a Florrie e Noel quando chegassem daqui a uma semana.
Por enquanto eu estava feliz em manter uma rotina tranquila junto aos outros
hóspedes. Eu descobri especial prazer nas conversas durante as refeições em
um grupo de três adoráveis Senhoras: Isabel, Marjorie Smith e sua amiga, a Sra.
Stokes de Hertfordshire. Eu esperava que elas não achassem minha companhia
ocasional, um tanto quanto incomoda enquanto estavam hospedadas em
Whitby.
31 de julho.
Após o café da manhã, fiquei feliz em deixar a casa enquanto a senhoria limpava
o meu quarto. Embora exausto com a intensidade de minhas últimas viagens,
encontrei ânimo em todas as coisas que poderiam ser vistas em Royal Crescent.
Era ao mesmo tempo imponente e reconfortante; a cidade pitoresca com seus
telhados de tijolo vermelho aninhados as ondas cinzentas agitadas do Mar do
Norte e os imponentes restos do esqueleto da Abadia de Whitby. Era para essa
estrutura no topo do penhasco do lado oposto que meu olhar era frequentemente
atraído: Uma relíquia decadente da história, ainda agarrada à margem da
civilização. Abaixo, ficava a Igreja de Santa Maria.
Foi com o coração mais leve que comecei a vagar diariamente pela cidade baixa.
Talvez, os poderes restauradores do ar marinho não tenha sido um exagero,
como havia assumido anteriormente. Achei a agitação e a atividade dos
pescadores, habitantes da cidade e dos turistas com toda aquela caminhada,
uma mudança revigorante.
Livre do peso do trabalho, mesmo que apenas por um breve período, minha
mente foi capaz de considerar outros assuntos. Juntamente ao meu
compromisso com Irving, eu tive um pouco de sucesso escrevendo ficção. A
ideia de uma nova empreitada estava começando a surgir, e eu esperava poder
dar forma a ela durante esse tempo longe dos confins sufocantes do Liceu.
Eu estava decidido a subir os 199 degraus de pedra até a Abadia e então para
Santa Maria, para investigar mais a fundo essas magníficas ruínas. Mas por mais
que eu tenha vagado por aquelas ruas estreitas em minhas caminhadas diárias,
de alguma forma eu nunca planejava fazer tal subida. Mesmo assim, havia muito
tempo para essa investigação, com a sombra da Abadia sempre presente, como
uma sentinela.
1 de agosto. À tarde.
Comemos bem esta noite. A Sra. Veaney providenciou um bom jantar com
caranguejos de Whitby, e houve muita alegria e conversas entre os hóspedes
aqui no Royal Crescente. Eu me retirei cedo, sentindo toda a paz que não sentia
há meses.
Eu dormi intermitentemente. Se alguma preocupação subconsciente se enraizou
ou se foi apenas o peso do jantar da noite passada, eu não sei, mas acordei de
repente na escuridão fria. As cortinas ondulavam com a brisa do mar que entrava
pela janela. Eu me levantei par fechá-la. Senti mais do que ouvi, o barulho das
ondas na praia abaixo: uma força primordial. A lua estava cheia e brilhante, mas
estava escondida por nuvens negras. Mesmo naquela escuridão o esqueleto da
Abadia pairava sobre o porto, seus restos se mantinham firme em algo ainda
mais escuro que a própria noite.
Sentindo-me tão inquieto quanto as ondas que quebravam abaixo, eu sabia que
não dormiria novamente aquela noite. Eu me vesti rapidamente e rastejei para
fora da casa. Arrisquei despertar a ira da minha senhoria, mas o ar da noite era
preferível à jornada torturante que seria esperar amanhecer preso em meu
quarto.
A noite estava fria enquanto eu entrava na luz e na sombra da lua e das nuvens.
Não vi uma só alma enquanto descia da Royal Crescent até a cidade. Eu meio
que esperava ser abordado por um pescador que acordava cedo. Como eu
explicaria estar fora de casa em uma hora tão ímpia?
Um cheiro forte de sal tocou minhas narinas, levando-me em direção à praia, por
onde caminhei todos os dias desde minha chegada. Que contraste gritante é
caminhar na praia à noite, sem os turistas, crianças e banhistas.
Agora havia apenas uma grande extensão do escuro se estendendo à frente, a
areia cedendo sob meus sapatos, as ondas quebrando à direita; o quão perto?
Eu não sabia dizer.
Bem acima de mim, um som estranho foi trazido pelo mar; fraco, mas distinto,
um estrondo oco.
Sem avisos, as ondas quebraram, perto e barulhenta. O ar ficou repentinamente
carregado. Um relâmpago acendeu o céu, destacando nuvens em uma miríade
de cores; roxo, verde esmeralda, amarelo. A chuva caiu como um dilúvio em meu
rosto, juntando-se a toda essa loucura de elementos. O relâmpago se acendeu
mais uma vez, a sombra da abadia contrastando com o clarão de magnésio, o
céu agora estava uma chama ardente de um vermelho furioso.
Naquela luz sobrenatural, as ondas se ergueram como montanhas, respondendo
a qualquer força que estivesse se aproximando. Lá! Uma sombra se ergueu das
ondas, um anjo negro suspenso sobre a água agitada, com os braços bem
abertos. Eu quase entrei em pânico com o terror, mas a razão me impediu. O
que eu havia interpretado como uma aparição espectral era apenas um homem
à mercê do oceano.
“Ajudem!”. Gritei em desespero, alertando qualquer um que pudesse estar
passando sobre o desastre que se desenrolava. Se um navio estivesse com
problemas, seria necessária mais ajuda.
Eu mergulhei de cabeça no mar, ignorando o frio cortante, desesperado para
alcançar esse pobre infeliz. Temi tê-lo perdido, até que aquela forma escura
irrompeu das águas negras com os braços erguidos para o céu, como se
implorasse aos deuses que intervissem.
Eu não era nada celestial, mas não veria um homem morrer essa noite. Não de
novo.
Eu avancei, batendo os braços na água gelada que ameaçava me puxar para
baixo. Mas eu estava forte e seguro. Uma parede de água gelada bateu no meu
peito, mas aí eu já estava com ele.
“Te peguei!”. Gritei, puxando-o para perto de mim, chocado com o quão frágil
seu corpo estava sob uma capa pesada e encharcada. Ele pesava pouco mais
que meu próprio filho. Me virei para a costa, o balanço das ondas estava nos
empurrando.
Meus pés tocaram a areia, permitindo-me puxar este infeliz do oceano que quase
o reivindicou.
Já longe das ondas, caí de joelhos, colocando o homem na areia. Fiquei aliviado
ao ver uma respiração ofegante e me inclinei para afrouxar a capa que estava
em volta de seu pescoço. Retirando seu capuz, recuei ao ver o rosto que estava
ali.
Pobre desgraçado. Que tipo de acidente havia o acometido?
A carne estava enegrecida e queimada; o que restou estava rachada, levemente
esticada em torno de um crânio. Olhos arregalados e fixos se voltaram para mim,
fixados sem nem ao menos piscar. Olhei para trás, fascinado, incapaz de me
afastar enquanto dedos como garras queimadas tocavam o meu rosto.
A boca mal se moveu, um fedor de carne pobre surgiu enquanto ele tentava falar.
“Minha embarcação...”. Ele resmungou.
“Embarcação?” eu disse. “Outras pessoas estão na água?”
Dedos ossudos me agarraram, arranhando dolorosamente meu peito. “Minha
embarcação.... você deve recuperá-la... minha embarcação!”
“Vou buscar o capitão do porto!” eu disse eu desespero. “Devemos lançar botes
salva-vidas!”. Temi que talvez fosse tarde demais para resgatar qualquer outra
pessoa, mas sabia que deveríamos tentar.
“Não!” rosnou o homem, antes que sua voz fosse perdida por um ataque de
asfixia. “Você vai recuperar minha embarcação... ou estarei perdido.”
Grandes olhos amarelos se fixaram aos meus. O mundo então recuou; eu me
virei e mergulhei de volta no oceano.
Fui tomado por uma determinação raivosa. Cego pela névoa salina, sem fôlego,
mas avancei. Meus braços se agitaram no nado frio, mas eu não iria decepcioná-
lo. O tempo já não significava nada. Deveria continuar procurando!
Minha mão atingiu uma madeira dura e afiada. Uma caixa! Uma carga do
naufrágio que de repente estava lá? Eu tomei o máximo de fôlego e força que
pude e puxei de volta para a costa. Apesar de todos os meus músculos
protestarem, descobri que a caixa se movia facilmente. E chegou flutuando na
superfície quando cheguei à praia. Arrastei a caixa pelos últimos metros e
desabei na areia molhada. O céu agora estava livre de nuvens, a tempestade
diminuindo tão rápido quanto havia se formado.
“Muito bem...”
Eu fiquei imóvel com o medo. O desgraçado encapuzado que eu puxei do
oceano caiu ao lado da caixa, seus dedos magrelos acariciando as bordas da
madeira. Só então pensei em examinar a carga mais de perto.
Fiquei perplexo ao ver um relógio de pêndulo alto e esguio sob a areia molhada.
Neste momento considerei que a minha razão havia me abandonado, ou que
tudo aquilo que havia experimentado não teria passado de um pesadelo febril
causado pela má digestão do caranguejo.
“Muito bem,” disse o homem. “Muito bem.” Ele pareceu tirar algum conforto
daquele relógio deslocado.
Uma preocupação prática se impôs, independentemente da circunstância bizarra
em que agora me encontrava. “Precisamos acordar o médico, você precisa de
atenção médica.”
A cabeça encapuzada estremeceu. Não pude ver o rosto sob a sombra escura,
mas senti sua angústia. “Não!” ele desabou sobre o relógio, tossindo e chiando.
Eu me aproximei, mas mal consegui toca-lo, fosse por nojo ou por medo.
Aquele momento se foi. “...a regeneração falhou...” engasgou o homem. “...
deficiência de Artron...” As palavras não tinham significado para mim, seria tudo
delírio provocado pelo trauma? Eu era conhecido como um homem prático e
capaz, mas isso estava fora da minha experiência. O que devia fazer?
O homem parecia farejar o ar, sondando, sua cabeça se contorcendo em todas
as direções como um animal em busca de uma presa. Ele exalou uma respiração
crepitante e consumptiva. “Ali...”
Ele se levantou com pés instáveis, puxando a capa enegrecida sobre sua forma
frágil. Uma mão trêmula apontou para a noite. “Sim.” A palavra saiu como um
assobio. “Ali...”
Eu segui a linha de seu gesto, bem acima de Whitby até o East Cliff. Ele apontou
diretamente para as ruínas da Abadia.
O homem cambaleou para trás. Instintivamente, dei um passo à frente,
impedindo sua queda. Senti seus dedos beliscando minha carne. Ele se agarrou
a mim.
"Você deve me ajudar..." disse ele. Seu rosto se virou para mim, mas aquelas
feições infernais estavam envoltas em sombra e escuridão. "E você irá me
chamar de... Mestre."

2 de agosto. 04:00 da manhã.


Perdoe a pausa nessa narrativa. À medida que vou colocando esses eventos
nas páginas do meu diário, eles se tornam imutáveis e inevitáveis. Não uma
ficção ou um evento para uma audiência, mas totalmente real. Coloca-los no
papel requer uma junção de espírito, e coloca-los no papel eu devo, ou eles para
sempre permaneceriam um nó em meu subconsciente febril.
O resto daquela noite passou como uma espécie de névoa, memórias sumindo
com outros momentos onde a clareza me arrebatava, contrastando com o que
eu só posso chamar de perda de razão. De que outra forma explicar os atos
cometidos por mim, pelos quais me envergonharei para sempre?
Eu estava vagamente ciente da aproximação do amanhecer, já no limite de
minha percepção, com uma mera sugestão de luz no céu claro. A lua ainda
brilhava enquanto eu arrastava o relógio de pêndulo pela areia, sem nem ao
menos parar para considerar a incongruência de tal ação, nem a leveza do objeto
com o qual trabalhava.
"Depressa..." pediu meu Mestre - Eu só sabia que ele era isso - uma presença
fantasmagórica mergulhada nas sombras apesar da luz do luar.
Eu temia que o raspar da madeira nas ruas sinuosas da cidade acabassem por
acordar as pessoas nas casas que se erguiam de ambos os lados, mas por sorte
- se é que posso chamar assim - chegamos à base dos degraus da abadia sem
nenhum obstáculo.
Por um breve momento pensei que meu novo cadavérico conhecido havia me
abandonado ou que talvez tivesse sido dominado por aquilo que o afligia.
"Suba, seu idiota..." Ele aglutinou das sombras dos degraus. "Há... pouco
tempo... suba!"
Fiz o que me foi pedido, do mesmo jeito que eu faria nos próximos dias. Ainda
não consigo explicar o porquê de maneira adequada.
Lembro-me de cada um desses 199 passos. O relógio raspou em cada um deles,
adicionando um ritmo estranho a subida. Se alguém acabasse olhando da cidade
abaixo, imagino que pensariam o que estavam testemunhando; um cortejo
macabro passando pela cidade adormecida.
Em intervalos, meu Mestre desmaiava em ataques ofegantes. O próprio ar em
torno dele, brilhava em tom âmbar, com uma opacidade doentia que rapidamente
tremeluzia e morria como quando uma lâmpada se apaga.
"Minha degeneração está aumentando..." ele resmungou durante outro acesso
de tosse. "Mais rápido..."
Apesar da aparência poderosa, meus esforços essa noite estavam cobrando o
preço do meu corpo, mas continuei labutando, fazendo com que o relógio desses
seus últimos passos. A estrutura decadente da abadia ergueu-se na escuridão,
elevando-se sobre o cemitério da igreja de Santa Maria, mas não tive nenhuma
pausa para que pudesse contemplá-lo. Meu Mestre cambaleou para a frente
entre as lápides espalhadas pelo cemitério; um anjo da morte entre os mortos.
Ele parou.
"Aqui..." ele comandou. "Traga-me minha embarcação."
Eu fiz o que ele pediu. Depositei o relógio na grama com uma reverência que
não consigo explicar. Ele se jogou sobre ele, como se estivesse faminto,
arranhando as bordas, procurando. Aquele brilho etéreo se espalhou por sua
forma, fazendo-o gritar de agonia.
"Estou morrendo..." sussurrou ele. "... devo metabolizar... você irá me prover
sustento."
Fiquei parado, mudo, olhando para aquele pobre desgraçado patético que ainda
me comandava.
"Vá!" disse ele ofegante.
Não tenho palavras o suficiente para descrever as coisas que fiz naquele
cemitério naquela noite, rastejando por entre as lápides como um cachorro em
busca de comida. Meu Mestre havia dito poucas palavras, mas eu entendi
implicitamente o que ele queria. Depois de alguns minutos senti um movimento
perto do canto da igreja, uma pequena sombra correndo atrás de mim com medo.
Caí sobre ele com uma determinação raivosa, mal sentindo o calor da pele ou o
grito do roedor que protestou.
Na verdade, não consigo descrever esse momento com mais detalhes; temo que
a verdade nua e crua o impeça de continuar lendo.
Voltei para onde havia deixado meu Mestre. Com um crescente alívio - e nem
um pouco de medo - eu vi o relógio, e com ele, meu Mestre havia sumido. Em
seu lugar havia uma lápide que eu sabia que não estava ali antes. Ele caiu em
um ângulo assustador no terreno irregular, e embora marcado pela idade, seu
rosto estava misteriosamente em branco, nada que marcasse a vida que ali
habitava. A própria pedra vibrou com alguma energia misteriosa, meus dedos
formigaram com o toque.
Eu contornei a lápide perplexo com o feixe de luz saindo de trás dela. Não se
tratava de um truque do luar que ainda brilhava intensamente na face da aurora
que se aproximava. Eu não sabia como, mas veio de dentro da própria lápide,
jorrando de alguma abertura.
Olhando mais de perto, a lápide parecia pairar sobre mim, obscurecendo o
cemitério, a igreja e a abadia ao redor. Eu estava envolto em uma escuridão que
me consumia, o ar fervilhando e zumbindo ao meu redor e aquela vibração que
ameaçava apagar todo o meu ser.
Meus pés tocaram o chão sólido, a desorientação estava diminuindo enquanto
eu era acertado por um fedor horrível de cemitério. Engasgando, tentei piscar e
percebi que meus olhos estavam fechados.
"Bem-Vindo... ao meu domínio..."
Eu estava em pé em um santuário escuro. As lajes de pedra sob meus pés
estavam rachadas e quebradas, as paredes estavam desmoronando e
enegrecidas como se estivessem estado em uma grande guerra ou em uma
grande conflagração.
Isso me lembrou dos marcadores de sepultamento ornamentados que eu tinha
visto no cemitério de Highgate, os cumes reduzidos das colunas marcando uma
vida interrompida.
Este lugar de ruína e decadência estava tão podre e quebrado quanto a criatura
que esperava minha chegada. Meu Mestre estava no coração desse lugar, bem
ao centro com sua forma murcha caída fracamente sobre um estrado central
elevado. Teclas e interruptores adornavam essa construção enferrujada, como
algo saído das obras de Verne. Em seu centro havia uma válvula de vidro alta,
sua superfície enegrecida e com bolhas, sugerindo novamente a aplicação de
algum grande calor.
Meu Mestre mal se moveu quando inclinou sua cabeça pra mim. "Traga a criatura
até mim." Ele comandou de forma quase inaudível.
No começo eu não sabia o que ele queria dizer, até que olhei para minhas mãos.
Bile subiu pela minha garganta.
Eu estava segurando um rato vivo, se contorcendo e gritando em minhas mãos.
Meu mestre estendeu a mão com uma ansiedade que beirava o desespero.
"Traga-me."
Com nojo, segurei a criatura, que foi arrebatada de mim. Minha repulsa me
incitou a me virar, mas não consegui.
O rato mordiscava aqueles dedos cinzentos e mortos, mas meu Mestre parecia
não notar, balbuciando enquanto girava os botões na superfície carbonizada do
estrado com a mão livre. Um zumbido baixo e raivoso, não muito diferente
daquele ouvido nas demonstrações de luz elétrica que eu tinha testemunhado,
encheu a câmara. A respiração do meu Mestre veio rápida e rouca, como se o
ato de puxar o ar para seus pulmões fosse doloroso. O zumbido elétrico
aumentou de intensidade, o ar ficando quente com um cheiro forte de ozônio.
Uma luz amarela suja iluminava uma alcova alta perto da base de um dos pilares
quebrados. Meu Mestre cambaleou até lá, colocando o rato que ainda se
contorcia em uma prateleira instalada naquele espaço. Apanhada pela luz, a
criatura nociva ficou paralisada, as articulações congelando. Uma segunda
alcova no pilar oposto se iluminou. Me Mestre olhou rapidamente, mas a ação
pareceu deixá-lo exausto e seu corpo ainda estava caído no chão rachado.
Sem pensar claramente, corri até ele, levantando uma forma quebrada que
parecia se tornar mais leve a cada movimento. Instintivamente, eu o guiei até a
segunda alcova. Seus olhos estavam vidrados nos meus e naquele momento
percebi que ele não conseguia fecha-los. Qualquer que tenha sido o acidente no
qual esse pobre desgraçado se envolveu, o deixou sem pálpebras com as quais
bloquear esse mundo.
"A alavanca," sussurrou ele. Olhei para o lado da alcova e vi uma alavanca de
cobre com cabo de madeira. Sem hesitar agarrei e puxei. Ele resistiu, a ação
daqueles movimentos o enferrujou e envelheceu, mas aos poucos foi mudando.
Um redemoinho vermelho engoliu o rato paralisado, o único sinal de que ainda
estava vivo, foi o guincho no final apavorado. As teclas e válvulas no painel
brilharam e chiaram, e por um breve momento depois, o mesmo vórtice giratório
se espalhou pelo corpo do meu Mestre. Seu rosto cadavérico caiu para frente, o
corpo arfou antes que sua respiração se acalmasse. A luz escarlate do
redemoinho desvaneceu-se no éter. Ele exalou, um momento de êxtase.
Na alcova oposta, a forma agora desidratada do rato rachou e se desfez em pó
fino.
A cabeça do meu Mestre se ergueu. Ele respirou fundo e saiu da alcova com
uma força que não tinha antes. A vida do rato restaurou seu espírito daquela
maneira? Apesar de tudo, não consegui me afastar quando ele parou perto de
mim e colocou a mão em forma de garra em meu ombro.
"Você me serviu bem essa noite," disse ele. "Mas essa trégua será breve. Minhas
reservas de Artron estão esgotadas além da capacidade de regeneração deste
corpo frágil. É apenas por uma sorte amaldiçoada que minha TARDIS veio para
na Terra. Vou morrer se não receber mais transfusões. Me entende, humano?"
Eu engoli em seco, procurando palavras para resistir, negar essa criatura
nojenta. Mas não consegui.
"Entendo, Mestre." Respondi.
"Bom. Você trará mais criaturas... para que possa me alimentar."
"Sim Mestre."
Afastei-me dele e do aparelho imundo que o restaurara, sabendo exatamente o
que deveria fazer, por mais que isso me enojasse.
"Espere."
Parei no quadrado escuro que sabia que levava de volta ao cemitério e me virei
para encarar aquele rosto decadente. "Mestre?"
"Vocês, humanos, valorizam muito os nomes. Diga-me, por qual nome você
atende?
"Stoker. Bram Stoker."
As feições tensas e queimadas mal se moviam, mas eu podia sentir a diversão
passando por elas. Um sorriso emanou da boca dele. Ele estava rindo. Que
possível diversão meu nome poderia trazer para ele?
"Então vá, Bram Stoker. Vá e traga vida ao seu Mestre!"
Eu pisei na escuridão, deixando aquele lugar infernal, aqueles gritos e
gargalhadas ecoaram atrás de mim.

Mesmo dia. Mais tarde.


Posso apenas ser julgado pelas ações que ainda estavam por vir, e não pela
sequência de eventos hediondos e desprezíveis que se desenrolou logo após
aquela noite.
Vejo tais atos chocantes como se houvessem sido cometidos por outra pessoa.
Essa é a melhor explicação que tenho para a perda da razão que me atingiu e
me levou a caminhar sob aquela sombra envolvente.
Estava claro quando voltei para a casa da Sra. Veazey. Suponho que tenha
demorado mais no cemitério enquanto o amanhecer prateado destacava as
bordas das nuvens, voltando ao meu mestre com os vermes que consegui pegar
nas sombras.
Entrei na pensão, encontrando-a quieta. Cheguei aos limites do meu quarto com
abençoado alívio e imediatamente caí em um sono profundo; minha mente
estava apavorada com medo de deslizar de volta a escuridão e do que eu podia
encontrar lá, meu corpo exausto me empurrando de volta. Os sons iam e vinham,
o cheiro do café da manhã se contraindo em minhas narinas servindo apenas
para fazer meu estômago revirar de náusea.
Eu ouvi uma batida suave na porta. "Senhor Stoker?" Perguntou a Sra. Veazey
suavemente. "Você perdeu o café da manhã!" Eu não respondi, relutante e
incapaz de enfrentar qualquer companhia. Eu mergulhei exausto no
esquecimento.
Com o que sonhei, não consigo dizer, mas devo ter sonhado. Acordei puxando
com força os lençóis enrolados, úmidos do suor frio. Quanto tempo eu dormi?
Com o corpo pesado da fadiga, tropecei até a janela e olhei para o Royal
Crescent. Ainda estava claro, talvez fosse começo de noite. O mar do norte
ficaria cinza rápido, mas o sol poente ainda pairava num claro céu azul.
Eu exalei. Talvez tudo tenha sido um pesadelo terrível. Meus olhos foram então
atraídos para o penhasco do outro lado do porto de Whitby, para cima e para as
ruínas da abadia e da igreja. Mesmo à distância, eu podia ver as manchas
pontilhadas marcando as lápides, e soube então com toda certeza que não tinha
sido um pesadelo.
Mas eu estava livre daquele pesadelo agora, não estava?
Tomei banho, lavando todos os pensamentos sobre relógios antigos e lápides
com minhas esfregadas. Adequadamente revigorado, me vesti e resolvi me
juntar aos outros convidados para o jantar que nossa senhoria sem dúvida
providenciaria para nós.
Descendo, ouvi o ritmo agradável da conversa feminina. Muito animado com
isso, entrei na sala de jantar, anunciando minha presença.
"Boa noite, senhoras," eu disse, encontrando a Senhora, Senhorita Smith, e a
Srta. Stokes já sentadas. A conversa delas cessou quando me sentei à mesa.
Um olhar passou entre a Srta. Smith e a Srta. Stokes.
"Senhor Stoker," disse a Sra. Smith. "Estávamos preocupadas, você passou o
dia todo em seu quarto. Você está doente?"
Eu sorri. "Estou muito bem, Sra. Smith, obrigado."
"Você está pálido, Sr. Stoker," arriscou a Srta. Stokes. "Tem certeza de que não
deve voltar para a cama?"
"Perdoe-me," eu disse. "Os esforços da minha recente turnê com o Sr. Irving me
surpreenderam. Nada que um pouco de sono e um dos bons jantares da Sra.
Veazey não possam curar."
As três mulheres trocaram mais olhares, mas a conversa foi interrompida pela
chegada da Sra. Veazey, carregando uma grande bandeja. Ela parou quando
me viu, quase deixando cair o prato em estado de choque.
"Senhor Stoker!" Ela exclamou, colocando o prato pesadamente sobre a mesa.
Mas não disse mais nada. Visivelmente nervosa com minha aparência, a Sra.
Veazey saiu de sua sala de jantar.
Tentei quebrar o silêncio. A Sra. Smith, sua filha e a Srta. Stokes ficaram olhando
quando me levantei e tirei a tampa de prata da bandeja. " Deveria me servir?" Eu
disse levemente.
Peguei a faca de trinchar, preparando-me para amolar, mas parei ao ver o
pedaço de carne gordurosa, sangue escorrendo de sua carcaça mal passada.
Meu estômago embrulhou e sufoquei em uma tosse engasgada.
"Perdoe-me," eu gaguejei e cambaleei para fora da sala de jantar.

Mesmo dia. 21:00.


A próxima coisa de que me lembro é de um rosto olhando pra mim. Percebi com
certa surpresa que era meu próprio rosto refletindo no espelho de meu quarto.
Meus dedos tocaram as manchas escuras que circundavam meus olhos. Eu
tinha um rosto cheio, redondo e barbudo, mas a pele estava acinzentada, as
bochechas encovadas e esqueléticas. Não se admira que as senhoras tenham
reagido dessa maneira à minha aparência.
O que aconteceu comigo?
Eu olhei de volta para o espelho. A escuridão me invadiu de todos os lados,
minhas feições borradas, desbotando, convalescendo, se transformando em um
crânio decadente.
"Stoker," a voz do meu mestre ecoou. "Venha até mim."

3 de agosto.
E assim minha provação continuou.
Passei meus dias trancado em meu quarto na pensão, me escondendo da luz,
entrando e saindo no esquecimento. Não importava; o pesadelo permanecia
quer eu acordasse ou dormisse.
A luz que vazava pelas cortinas dava lugar à escuridão, e com ela viria a
convocação. Todos os dias eu esperava mais que tudo que a compulsão não
voltasse, mas todas as noites depois que a casa caía em silêncio, eu me via
caminhando pelas ruas estreitas e vazias de Whitby.
Procurando, caçando mais presas para levar ao meu Mestre.

3 de agosto. Mais tarde.


O cheiro forte de ozônio queimando se dissipou junto com o zumbido elétrico. A
névoa vermelha rodopiante desapareceu da forma do meu mestre e ele saiu da
alcova.
Mesmo segundos depois, eu não conseguia me lembrar que tipo de animal eu
havia trazido para a lápide, mas a cada transfusão de força vital, meu mestre
melhorava em sua forma.
Ele respirou fundo, inclinando-se momentaneamente contra o painel de teclas e
interruptores. Envolvido na escuridão de seu santuário, ele virou um rosto
escondido nas sombras para onde eu estava.
"Eu te enojo, Stoker?"
Essa pergunta direta me pegou de surpresa.
"Responda-me idiota."
Eu fiz como ordenado. "Eu sei como é se sentir assim, Mestre."
Ele riu melancolicamente. "Você? O que você sabe sobre fraqueza?"
"Eu não fui sempre capaz fisicamente, como sou hoje," eu disse. "Eu perdi minha
infância toda para uma doença. Não era esperado que eu me recuperasse."
Meu mestre ajeitou sua capa, arrastando-se ao redor do estrado, olhando em
minha direção. "Você acredita que estou doente como uma criança tuberculosa?
Você acredita que um humano pode se quer compreender o trauma que
suportei?
"Eu não seria pretencioso ao ponto de presumir quanto sofrimento o fez chegar
a esse ponto, Mestre. Eu entendo que todos percorremos um caminho tortuoso
entre a vida e a morte. Minha própria esposa e filho quase foram tirados de mim
nos últimos tempos."
"A filosofia da humanidade é uma praga neste universo", disse meu Mestre,
antes de ser consumido por um acesso de tosse. Ele olhou para a escuridão
acima de nós. "É por isso que você gosta tanto deles, Doutor?" A última palavra
foi cuspida com tamanha veemência. Sua tosse se tornou uma risada amarga
enquanto ele se afastava do estrado para se aproximar de mim.
"Eu queimei para permanecer vivo, Stoker. Você consegue compreender isso?
Mesmo enquanto eu morro, enquanto meu corpo apodrece e cai aos pedaços,
eu me agarro ao limite da existência, desesperado por um dia poder me vingar
daquele que fez isso comigo. Você entende isso?"
Meu Mestre me encarou, sem piscar, emergindo uma energia e ódio que eu não
tinha testemunhado dentro dele antes. O fedor de seu hálito fétido atingiu minhas
narinas, mas eu não vacilei. Seus dedos se estenderam para mim.
"Você sabe o que é encarar a morte de frente? Já fiz isso tantas vezes." A boca
se moveu imperceptivelmente. Ele estava sorrindo? "Aqui." Os dedos queimados
de ambas as mãos acariciaram meu rosto. "Deixe-me compartilhar esse
presente com você."
Eu gritei, mas não havia dor. O santuário se reduziu a nada. Eu estava em uma
sala, a luz do sol brilhante caindo em feixes estreitos através de uma janela
fechada. Havia calma aqui, uma calma que eu nunca tinha experimentado. Uma
cama foi colocada contra a parede, uma figura deitada de bruços sob lençóis
brancos. Dei passos cautelosos no chão de madeira, me aproximando da cama.
Eu olhei para a forma adormecida. Olhos abertos, olhando para mim com um
rosto pálido e magro. O peito se ergueu em uma respiração superficial. Os olhos
fecharam. Uma respiração final.
Eu soube naquele momento que estava olhando para mim mesmo.
Eu engasguei tentando respirar fundo. Meu Mestre foi para longe de mim,
caminhando para o estrado e as alcovas além. "Chega desses truques." Ele
correu os dedos mirrados pelo revestimento de uma alcova. "Estou morrendo,
Stoker. Essa tecnologia é falha. Assim que destilamos as energias vitais da
carniça que você traz, a aceleração da decomposição de Artron aumenta."
"O que eu posso fazer, Mestre?"
Ele fez uma pausa, considerou, então rastejou para frente. "Está na hora." Ele
me encarou com aqueles olhos que não podiam piscar. "Se devo sustentar este
corpo, você deve me trazer vida humana."
As palavras penetraram minha mente como uma flecha no coração. Vida
humana... Eu balancei minha cabeça, como se estivesse acordando. "Mestre.
Não posso."
O Mestre veio em minha direção com raiva, a respiração estalando em seus
pulmões. "Você vai fazer como ordenado!"
"Repito, eu não posso!"
"Você deve obedecer."
O Mestre estendeu a mão tentando me agarrar e eu recuei, caindo no chão, me
arranhando na pedra rachada. "Eu não cometerei assassinato!"
O Mestre caiu sobre mim como um anjo da morte, a capa esfarrapada ondulando
sobre ele. Eu me levantei e ele caiu no chão onde eu estava. Outro acesso de
tosse o atingiu, e eu vi o quão enfraquecido seu corpo realmente estava. Ele
estendeu a mão suplicante. "Stoker, por favor...!"
Virei-me e fui em direção à parede negra que marcava o portal para o santuário,
mergulhando de cabeça na escuridão.
"Stoker!"
Eu não olhei para trás.

5 de agosto.
Dormi 24 horas inteiras após minha fuga aterrorizada do cemitério. Não parei
para respirar até chegar ao Royal Crescent e até estar em segurança na pensão
da Sra. Veazey. Em cada canto, eu temia o apertar de garras daqueles dedos
atrofiados agarrando-me nas sombras para me trazer de volta à compulsão do
Mestre.
No entanto, não havia perseguição; eu fui em segurança pelas ruas e estava no
meu quarto quando o sol nasceu.
Acordei e, para minha grande surpresa, me senti mais revigorado do que estive
em todos os outros dias. Um olhar calmo me encarou de volta no espelho e uma
certa cor voltou ao meu rosto.
Eu estava realmente livre de minha servidão abominável? Havia tudo aquilo sido
apenas um grande pesadelo, uma invenção de uma imaginação inquieta?
Tomei banho e me vesti, desci cautelosamente para o café da manhã, temendo
ser recebido por meus colegas convidados após o constrangimento do episódio
do jantar. Não havia necessidade para tal preocupação. Todos as três pareciam
animadas com a minha presença, dizendo o quanto eu parecia mais em forma.
Até a Sra. Veazey me pareceu bem-disposta, especialmente depois que indiquei
que estaria ausente do meu quarto se ela quisesse limpar.
"Ficou sabendo, Sr. Stoker, sobre o falatório na cidade?" Perguntou a Srta.
Smith.
Admiti que não, devido à minha doença prolongada. Foi como eu resolvi lidar
com tudo isso na minha cabeça.
"A coisa certa a se fazer." disse a Sra. Veazey, trazendo um bule de chá fresco.
"Pobre Sr. Swale."
O medo tomou conta de meu coração quando as Senhores começaram a contar
sobre a morte de um mendigo chamado, Sr. Swale, que fora encontrado sem
vida em um banco nas proximidades do cemitério. Swale era conhecido na
cidade por ser inofensivo, e todos concordaram que era uma tragédia que ele
tivesse perdido a vida de tal forma.
Tomei um gole do meu chá, para que pudesse organizar meus pensamentos
confusos e para lavar a secura de minha garganta. “Disseram como ele morreu?”
Perguntei.
“Exposição ao tempo devido a estar passando a noite na rua,” disse a Sra.
Veazey com a naturalidade que apenas alguém nascido em Yorkshire poderia
expressar.
Eu respirei um alívio repentino. Se esse fosse um ato perpetrado por aquele
demônio, o corpo teria se desfeito em pó, como os animais que eu levei para que
ele se alimentasse. Talvez, enquanto escrevo, o Mestre esteja morrendo no chão
do santuário, faminto da força vital que precisava para sobreviver.
“Isso é muito triste,” eu disse, tomando outro gole de chá, sentindo o líquido
aquecer meu corpo.
5 de agosto. Mais tarde.
Passei a maior parte daquele dia na cidade. A brisa do mar estava mais doce do
que imaginei que poderia ser, e meu ânimo se recuperou ainda mais. Eu
caminhei ao longo da parede do porto, saboreando o sol que aquecia a cidade,
decididoo a aproveitar ao máximo o tempo que me restava aqui. Eu tinha alguns
dias até que Florrie e Noel chegassem e ainda havia muito o que ver. Nos
próximos dias, pretendia visitar a biblioteca pública do Coffe House no cais, com
meus pensamentos claros o suficiente sem toda aquela obra de ficção que fez
raiz na minha mente.
Voltei ao número 6 da Royal Crescent no final do dia, um homem em paz.
Essa paz duraria pouco.
Escolhi jantar longe de meu alojamento e desfrutei uma boa refeição em um dos
albergues locais. Achei a companhia dos pecadores locais restauradora e
bastante esclarecedora com sua hospitalidade a um recém-chegado sendo
incomparável. Ouvi todas suas histórias e já estava escuro quando voltei a
pousada.
Ao voltar para a pousada com a intenção de logo ir me deitar, encontrei a Sra.
Smith e a Sra. Stokes esperando ansiosamente pelo meu retorno na sala de
jantar. Eu perguntei o que as afligia.
“Oh, Sr. Stoker, é minha filha,” disse a Sra. Smith visivelmente abalada.
A Senhora Stokes tentou acalmar a mulher mais velha, dirigindo-a até o sofá
para que pudesse se sentar. “Marjorie não voltou para o jantar,” disse a Sra.
Stokes, com o rosto pálido. “Ela saiu no final da tarde para tomar um pouco de
ar.”
“Tenho certeza de que não existe motivos para preocupação.” Eu disse,
colocando o máximo de convicção que consegui em minhas palavras. “Ela disse
onde pretendia ir?”
“Para a abadia e então para o cemitério,” disse a Sra. Smith.
A sala girou naquele momento, um pavor obscuro caiu sob minha cabeça
embrulhando meu estômago. Eu me segurei na mesa.
“Senhor Stoker?” Disse a Sra. Stoker, com uma das mãos segurando meu braço.
Abri meus olhos e olhei para seu rosto preocupado.
Eu corri para fora do quarto, abri a porta da frente e fui em direção à noite.
5 de agosto. 11:00.
Eu esperava com toda a esperança, encontrar a Senhorita Smith vagando pelas
ruas, tendo de alguma forma se perdido durante sua caminhada.
Entretanto, eu sabia que não encontraria.
Cheguei ao fim da escadaria da Abadia. Esperei por várias horas, olhando pra
cima enquanto se curvavam para longe de mim. Eu sabia que precisava escalar,
como fizera tantas vezes nos últimos quatros dias.
Toda a liberdade que senti, durou pouco. Uma determinação raivosa me tomou.
Como um grunhido de raiva, coloquei meu pé no primeiro degrau, indo em frente.
A cada passo dado, minha raiva crescia.
Respirando com dificuldade, eu entrei no cemitério da igreja. Nuvens escondiam
a lua, mas eu sabia o caminho certo a seguir, andando com passos firmes entre
as lápides na escuridão. Com um pavor terrível, vi meu destino, a lápide cheia
de buracos, naquele ângulo doentio. Eu agarrei a ponta da pedra, como se
quisesse ganhar as forças vindas daquele núcleo. Respirei fundo, me arrastei
para frente e permiti que a lápide me consumisse.
Tremendo e desorientado por ter passado por aquele portal escuro, avancei até
o santuário. Estava como eu havia deixado, tão quebrado e podre quanto o
habitante que ocupava as sombras.
Eu vi o Mestre do outro lado da câmara, de costas para mim com a cabeça
encapuzada abaixada olhando em direção à alcova esquerda. Ele acomodou
uma figura inconsciente naquela luz amarela gordurosa. Senhorita Smith! Eu
quase me desesperei com o horror.
Meu pé raspou na pedra quebrada. O Mestre se virou para me encarar, os olhos
brilhando na escuridão. “Stoker,” ele respirou. “Você não deveria ter voltado
aqui!”
“Demônio!” Gritei, mergulhando de cabeça no santuário. Ele foi até o painel de
controle com velocidade inesperada, aparentado alegria em seu rosto enquanto
alcançava a segunda alcova e o controle de ativação. Sua mão agarrou a
maçaneta de madeira. Senhorita Smith gemeu, alheia a toda a situação.
Rugindo, me joguei contra ele, arrancando-o fisicamente daquele aparelho
infernal, jogando-o no chão. Senhorita Smith gemeu, sua cabeça pendia para
trás. Corri até ela, tentei puxa-la para fora da alcova. Mas então, mãos como
garras se fecharam em volta do meu rosto, me puxando para trás com uma força
brutal. Eu gritei, o Mestre sibilou em meus ouvidos, suas garras sondando meus
olhos. “Humano inútil.” Ele murmurou.
Eu o mordi com força, encontrando carne magra e podre. O Mestre gritou em
agonia, puxando sua mão de volta e então se afastando de mim. Eu me virei,
mirando um soco no seu rosto exposto. Ele se esquivou com a habilidade de um
lutador premiado, voltando com um golpe certeiro na cabeça que me fez
cambalear. Eu agarrei a borda da plataforma de controle para me equilibrar,
virando-me para enfrentar seu próximo ataque. Ele puxou o capuz para revelar
toda a extensão de suas feições horríveis, saltando em minha direção com uma
intenção cruel. Tamanha foi a ferocidade de seu ataque que acabei recuando.
Ele estava imediatamente em cima de mim, dedos na minha garganta.
Seus olhos brilharam, me encarando com uma intensidade aterrorizante. Eu
tinha experimentado aquele olhar imortal antes, mas agora aqueles olhos
apagaram toda a realidade, cavando em minha alma. Eu vi raiva e depravação,
uma fome de domínio sobre toda a vida.
“O que você é?” Eu gritei.
“Eu sou o Mestre!” Ele rosnou, como um animal abafando todos os outros sons.
“E você vai me obedecer!”
Puro poder fluiu em mim, me consumindo. Eu estava preparado para me
entregar à sua promessa sedutora.
“Você vai me obedecer! “O Mestre falou mais uma vez.
Imagens dançaram em meus olhos, uma lanterna mágica de momentos
arrebatados de minha vida. O rosto de Florrie e Noel. Tão queridos para mim, e
quase perdidos. Eu estiquei minha cabeça, vendo a Srta. Smith sentada dentro
da alcova, tão pacífica, uma inocente em tudo isso.
“Eu não vou obedecer!” Gritei, levantando minhas mãos, colocando-as contra a
carne esfolada de seu rosto, forçando-o a recuar. Imediatamente senti seu poder
diminuir, o corpo fraco e magro sob sua capa, como se a energia estivesse
sugando sua alma. Com um urro desafiador de raiva, eu o empurrei para trás. O
Mestre se chocou contra um pilar com um grito de dor, fragmentos de pedra
caíram sobre ele. Imediatamente ele avançou, a capa ondulando, vindo em
minha direção novamente.
Eu lutei, e todo essa luta fez com que as forças do Mestre se esgotassem. Eu o
lancei como um pano contra o painel de controle. Ele gritou quando faíscas
irromperam do estrado, formando um halo em torno como brilho do fogo de Santo
Antônio. A câmara inteira estremeceu, o chão tremendo sob meus pés. Um grito
estridente ecoava.
“Seu imbecil!” Sibilou o Mestre, as mãos mexendo nos botões e interruptores.
“Você ativou os circuitos de desmaterialização!”
Eu não sabia o que essas palavras significavam. A atenção do Mestre foi atraída
pelo aparelho que faiscava e crepitava, corri para a Srta. Smith. Eu a peguei
enquanto ela desmaiava na alcova, a luz amarela desaparecendo no nada. Eu
levantei sua forma esguia com ambos os braços, o chão se movendo sob meus
pés quando me virei. O ar estava denso com som e luz, o lamento aumentando
em tom como um grito angustiado das profundezas do inferno.
O Mestre correu ao redor do estrado, golpeando os interruptores, aquele rosto
horrível parecia uma máscara de desespero. “Ainda não é hora! Stoker, me
ajude!” Ele implorou, mas seu domínio sobre meu espírito havia terminado. Eu
ergui a Srta. Smith e corri.
Poeira choveu de cima, pedaços de pedra quebrando das paredes e se
espatifando no chão esburacado. Me forcei a manter o equilíbrio. Então virei e
olhei para trás.
“Não!” Lamentou o Mestre enquanto uma luz brilhante filtrava-se pela superfície
suja e queimada da válvula de vidro no centro da plataforma. Ele se firmou em
um movimento, sacudindo-se para cima.
Do outro lado da plataforma, as feições encapuzadas do Mestre saltaram, olhos
fixos nos meus.
Foi a última vez que olhei para aquela máscara de terror. Eu me virei e avancei
para o retângulo de escuridão.
O ar frio correu pelo meu rosto, meus pés tocaram a grama brilhante sob a luz
do amanhecer. Coloquei a Srta. Smith suavemente no chão. De repente, pesado
e cansado, caí de joelhos ao lado dela, puxando uma lufada de ar doce.
Diante de mim, a lápide pulsou com a luz. Eu temia que a qualquer segundo o
habitante que espreitava lá dentro se levantasse para obter uma amostra da
vingança que eu sabia que ficaria para sempre em sua alma. Mas momentos
depois, a pedra começou a desbotar, o ar se encheu com o mesmo grito
lamentoso. Pode ter sido um truque do amanhecer, mas em algum lugar dentro
daquela cacofonia eu jurei que podia discernir um grito de raiva selvagem. Um
segundo depois, a lápide desapareceu no nada.
Um gemido suave me puxou de volta para o aqui e agora. Abaixei-me para
examinar a Srta. Smith, que parecia dormir pacificamente. Com sorte, ela não se
lembraria de sua provação, ou a descartaria como um sonho febril.
Eu, é claro, não tive tanta sorte.
7 de agosto.
Minha alma estava inquieta. No dia seguinte, levantei-me muito antes do
amanhecer, incapaz de encontrar qualquer sensação de esquecimento durante
o sono. Eu caminhei com os eventos da semana passada ainda passando em
minha mente.
Eu havia voltado para a pensão com a Srta. Smith, que não parecia que havia
passado por qualquer provação, embora felizmente com pouca memória do que
tinha acontecido. Inventei uma história de como ela desmaiou durante a
caminhada e foi abrigada pelo proprietário de uma hospedaria local enquanto se
recuperava. Isso pareceu satisfazer seus preocupados companheiros, e não
senti necessidade de incomodá-los ainda mais com qualquer indício da terrível
verdade.
Quem acreditaria em mim, de qualquer forma? Histórias como essa eram
destinadas às fantasias da ficção, entretendo as massas.
Enquanto caminhava, ponderei sobre que compulsão havia me levado a cumprir
as ordens daquele monstro: simplesmente um desejo de ajudar uma criatura em
extrema necessidade, ou algo mais traiçoeiro?
Eu caminhei ao longo do West Cliff. Uma brisa suave fluiu do mar, seu toque frio
me refrescando a cada passo. Fiquei surpreso ao chegar até Sandsend, onde
me virei e refiz meus passos de volta em direção a Whitby. Eu me sentia leve e
livre e agora podia esperar a chegada de minha querida Florrie e Noel mais tarde
naquele dia.
Quando me aproximei de Whitby e do Royal Crescent, o sol estava começando
a nascer, a luz do amanhecer trazendo calor para a cidade baixa. Fiz uma pausa
no West Cliff, olhando para o mar, que hoje brilhava calmo e parado.
Meus olhos foram atraídos para o penhasco ao leste e as ruínas da abadia,
orgulhosos e altos. Abaixo dela, fica a igreja de Santa Maria e seu cemitério,
onde os mortos viajam rapidamente.
Uma sombra passou por mim enquanto eu olhava para este quadro, onde minha
provação acontecera poucos dias atrás. Um rosto se ergueu diante de mim, com
cicatrizes e decadência, olhos fixos em mim.
Pisquei, dissipando a visão
Eu sabia com toda certeza que quando olhei nos olhos dessa criatura chamada
Mestre - olhos preenchidos com ódio e depravação - eu havia encarado o
verdadeiro coração das trevas. A quintessência de tudo o que é mau. Ainda nas
noites escuras, ouço o rugido mortal de seu estranho motor e vislumbro a sombra
de sua capa em meio às nuvens que assombram a lua. E eu me pergunto se ele
voltaria por mim de novo.
A MISSÃO MÁGICA E MISTERIOSA DE MISSY
Jaqueline Reyner

Daphne Nollis via o lado bom de todos. Ela mesma já ouviu com frequência que
tinha um coração de ouro, ela acredita com carinho que todas as pessoas tinham
corações igualmente metálicos, apenas precisando de polimento às vezes. E
fazer isso era seu trabalho, literal e figurativamente. Ela trabalhava como
limpadora para Tivone de Enfis, quem a maioria da população acreditava ter
coração nenhum - mas Daphne sabia que estava lá, mesmo que atualmente
estivesse quase completamente manchado. Ela não acreditava em abandonar
pessoas só porque faziam coisas que ela não aprovava, como assassinato
judicial implacável. Abandono apenas lhes empurraria mais para dentro do
escuro, ela pensou, enquanto uma palavra gentil e um bolinho tinha potencial de
lhes trazer de volta do limite.
Então Daphne (‘Senhora N’ para seus clientes, mesmo que não fosse casada),
esfregava o banheiro de Tivone de Enfis, vaporizava a sua masmorra e tirava as
migalhas de sua torradeira, esperando que enquanto isso sua conversa
animada, biscoitos de aveia e passas caseiros e menções ocasionais de como
todas as pessoas eram merecedoras de direitos e respeito fizessem seu coração
brilhar, só um pouquinho. Em troca, Tivone de Enfis deu para Senhora N um
bônus em ocasião do Festival da Nevasca e um cartão holográfico
personalizado, lhe incluiu em suas viagens do Time Tivone, e se controlou para
não mandar matar nenhum de seus parentes (ela teria que admitir que não tinha
muitos deles e se mostrassem algum sinal de comportamento sedicioso teria
sido para corte, no entanto sua irmã / tia / prima de terceiro grau poliu seus
ornamentos).
Motivo pelo qual Daphne não achou nada muito peculiar quando caminhou para
dentro de uma nuvem de brilhos na ante sala do escritório de Tivone de Enfis,
logo entre a Mesa da Ruína do ajudante e o bebedouro, e encontrou a si mesma
recebendo uma mensagem mental no nome de alguém chamado Iarbus, lhe
convidando para um evento misterioso em um planeta não especificado.
Iarbus, Daphne pensou, soava um tanto familiar. O marido da sua prima de
terceiro grau, talvez? Ou era o gerente do departamento de Marketing e Caos, o
que tem a barba pontuda? Não, era aquele homenzinho dos Recursos
Enfisianos; ela tinha quase certeza. Então, não era uma festa de aniversário
(infelizmente) ou uma consulta. Seria um daqueles dias de treinamento. Mas, ela
não ia reclamar, era sempre bom conhecer gente nova e explorar um pouquinho
de um planeta diferente.
O convite telepático vinha com uma confirmação de presença automática, então
Daphne cuidadosamente transmitiu sua aceitação.
Cinco segundos depois, ela era um redemoinho de átomos.
Dez segundos depois disso, ela estava no topo de um penhasco.
Centenas de metros abaixo, ondas roxas se quebravam contra pedras negras
como o ébano, cada uma mais pontuda que os dentes de uma víbora com dentes
de agulha. Mesmo assim, não era bom criticar nada que estava remotamente
sob a supervisão de Tivone de Enfis, então ela se contentou com um minúsculo
dar de ombros mental que teria sido legal se tivessem lhe deixado tirar seu
avental primeiro, ou talvez especificado que vestimentas apropriadas ao ar livre
seriam desejáveis. Até o holograma parado para recepcionar os que chegavam
tinha uma sombrinha holográfica. Talvez fosse a falta de uma capa de chuva e
galochas que fazia o holograma recepcionista lhe encarar com olhos tão
arregalados; olhos que tinham maquiagem demais na opinião de Daphne. Não
eram apenas esfumaçados, eram infernos completos.
Daphne e o holograma não estavam sozinhos no penhasco. Quatro homens
também estavam lá.
O primeiro pensamento de Daphne foi que eles, como ela, não tinham recebido
informação adequada na vestimenta apropriada. Três deles vestiam capas
(muito como Tivone de Enfis frequentemente fazia) e, enquanto o material
parecia maravilhosamente dramático voando no vento uivante, não eram
práticas - muito ocupadas voando para aquecerem. Pior, o quarto homem estava
usando (ou tentava usar) um diadema alto e fino; não apenas era inútil como
proteção contra os elementos, ele havia precisado recolocar o objeto em sua
cabeça três vezes, apenas nos poucos momentos desde que Daphne havia se
materializado.
O holograma feminino com todo aquele rímel (honestamente - um pouquinho de
hidratante labial era o suficiente a não ser que estivesse indo para uma festa ou
algo do tipo) parecia relutante em tirar seus olhos de Daphne, mas
eventualmente balançou a cabeça como se para limpá-la e incluiu a todos em
um sorriso quase predatório. ‘Boas-vindas a todos vocês, convidados de honra.
Talvez pudessem se apresentar?’
Um dos homens com capas riu. ‘Dificilmente eu precisaria de alguma
apresentação.'
‘Oh, querido,’ disse o holograma. 'Você tem que brincar junto. Faça o que a moça
legal diz.’ Ela se inclinou para frente e sussurrou em confidência. 'Quero dizer
eu. Eu sou a moça legal. A moça adorável e holográfica que é apenas um
holograma.’
‘Sim.’ Daphne concordou com a cabeça. 'Não fique nervoso. Alguém tem uma
almofada?’
Os quatro homens levemente sinistros tinham a aparência de que uma pequena
lesma tinha tentado falar com eles. Ah, eles são aquele tipo de pessoa, pensou
Daphne. Provavelmente era esse o motivo pelo qual tinham sido mandados para
um dia longe, uma tentativa de lhes fazer trabalhar melhor uns com os outros.
Que pena que ela não teve uma chance de trazer uma caixa de barrinhas de
aveia consigo, isso sempre quebrava o gelo. Na verdade, olhando para esse
grupo, ela talvez tivesse precisado trazer armamento pesado: brownies de
chocolate.
‘Almofada,’ Daphne repetiu. ‘Qual é, vocês sabem do que eu estou falando.
Conhecendo você! Você joga a almofada e quem pegar tem que contar um fato
sobre si mesmo.’
‘Oh, eu gostei disso!’ O holograma franziu o nariz, e uma almofadinha verde
apareceu no ar e caiu aos pés de Daphne.
Ela pegou do chão. Os quatro homens ainda lhe encaravam. Ela suspirou.
Parecia que ela teria que tomar a iniciativa por si mesma, lhes mostrar como era
feito. ‘Meu nome é Daphne Nollis e eu não sou casada, apesar de que meus
cavalheiros me chamam de Senhora N como cortesia. Eu tenho um turtpup de
estimação e faço um cookie de aveia e passas bom pra caramba, modéstia à
parte.’ Ela jogou a almofada para o homem que tinha dado risada.
Ele pegou, parecendo surpreso com o reflexo. Seus olhos encararam a almofada
por um momento, então levemente incerto falou, ‘Eu, eu, sou o Incorporamento
Rouge. Eu destruí muitos impérios. Homens feitos tremem ao som do meu
nome.’ Ele hesitou, então jogou o objeto para o próximo homem, um ser baixinho
com pele azul pálida e orelhas demais.
‘Eu sou Xnardo, filho de Wnardo, filho de Vnardo.’ A voz de Xnardo aumentou
em volume. ‘O sangue dos reis corre em minhas veias!’
O vento atingiu a almofada enquanto era jogada de novo e ela ficou presa em
uma ponta cheia de joias do diadema fino usado pelo quarto homem (que
também era alto e fino). ‘Eu sou, é claro, Dib o Magnífico. Não preciso dizer mais
nada,’ ele disse enquanto desprendia a almofada
‘Oh, continue, diga um pouco mais.’ disse o holograma. ‘Por favorzinho.’
Dib o Magnífico negou geralmente com a cabeça.
‘Por favorzinho com cerejas no topo? Adoráveis, adoráveis cerejas?’
Dib de repente ficou preocupado. ‘Isso é parte do teste?’
'Você acha que é parte do teste?’ disse o holograma. ‘Ooooh! Talvez seja um
teste para ver o que você vai dizer. Talvez seja um teste para ver se você vai
ficar firme! Ou…’ Ela se inclinou para a frente e sibilou, de maneira que Daphne
mal a escutou sobre o vento. ‘Talvez isso não seja um teste de forma nenhuma.’
A face de Dib se contorceu momentaneamente antes de ficar suave novamente.
‘Eu escolho ficar firme. Não vou dizer mais nada.’
O holograma balançou a cabeça com tristeza. ‘Bem, se você tem certeza,
querido…’
'Não!' Dib gritou repentinamente. ‘Eu direi outra coisa. Ah! Eu sei.’ Ele sorriu. ‘Eu
tenho setenta e nove concubinas.
Daphne bufou em desaprovação.
‘Sim, uma desgraça,' o holograma concordou. ‘Por que não arredondar para
oitenta?’ Ela virou para o último homem, que havia acabado de pegar a
almofadinha da jogada deplorável feita por Dib. ‘Vamos lá, então. Sua vez,
gracinha.’
Esse homem era, aos olhos de Daphne, ‘normal’, tirando um nariz bastante
comprido que parecia a tromba de um elefante - e, como ela descobriria, uma
boca redonda e pequena que se abria como algum tipo de planta carnívora ou
anêmona marinha quando ele falava, soltando sílabas pequenas em stacatto.
‘Eu. Sou. Ⅎ.’
O holograma cutucou Daphne nas costelas (no entanto Daphne obviamente não
sentiu nada). ‘Eu estava imaginando como pronunciar isso,’ ela disse. Ⅎ jogou a
almofadinha para longe, seu longo nariz se enrugando como se o objeto fosse
algo fedido, como o colete que pertencia a Tvone de Enfis após um dia pesado
na conquista de mundos. Passou através do holograma - que segurou seu
estômago e cambaleou por alguns segundos, antes de fingir que descobria, em
seu espanto, que não havia um buraco em seu torso - e caiu no chão de pedras.
Daphne, arqueadora automática, pegou a almofadinha e colocou no bolso de
seu avental.
‘É isso, então,’ Daphne disse, vendo que nenhum dos homens ia falar mais
alguma coisa. ‘Eu assumo que você seja a assistente desse tal de Iarbus?’ ela
adicionou, virando para o holograma. 'Você mandou os convites, não?'
O holograma sorriu largo e balançou a cabeça de um lado para o outro. ‘Eu sou
MISSY!’
‘MISSY?’
‘Misterioso Simulacro.’
Daphne piscou.
'Você acha que eu não sou misteriosa?’ disse o holograma, aparentando ofensa.
‘Eu não disse uma palavra,’ Daphne apontou a verdade.
‘Oh, então tudo bem,’ o holograma respondeu. ‘Isso nem funcionava mesmo.
Que tal isso? Você é a Senhora N - eu sou a senhorita E, Miss E!’
‘O que o E quer dizer?’ Daphne perguntou.
‘Tudo! Energética, excelente, excitante - eficiente, especial, e extremamente
encantadora!’
Enquanto os outros ficaram por perto com expressões perplexas e não
impressionadas, Daphne acenou educadamente com a cabeça.
‘Parece que Iarbus é um homem de sorte por ter você, então,' ela disse. Ela não
estava acostumada com hologramas tão cheios de… personalidade.
Geralmente eles simplesmente exerciam uma função, uma simulação de
computador com uma face por cima para facilitar a relação. E eles raramente
eram programados para piscar assim para você, como se vocês duas estivessem
compartilhando um segredo emocionante. Era até legal, na verdade. Daphne
não tinha mais tantos amigos quanto costumava ter; eles simplesmente não
entendiam porque ela continuava trabalhando para Tivone de Enfis. Por que não
podiam entender? Não era como se ela também não quisesse um mundo cheio
de paz e compreensão, de sorrisos e alegria, de pudim de caramelo e festas de
aniversário, um mundo onde você pudesse dizer ‘Aquele Tivone é um pouco
idiota’ sem condenar você e sua família a serem estrangulados pela Guarda
Enfisiana. É claro que ela queria! Ela estava apenas trabalhando para derrubar
ele de dentro. Bem, de certa forma pelo menos.
E ir bem nesse dia de excursão patrocinado por Tivone de Enfis seria outro
minucioso passo em direção a esse alvo. Ele ficaria satisfeito com ela, o que
significaria que ela talvez ousasse em mencionar de passagem algo do tipo ‘Ooh,
eu sempre achei que o direito a um julgamento justo fosse uma coisa bem legal,
você não concorda, Senhor Tivone?’ Então ela teria que dar o seu absoluto
melhor em quaisquer eventos que tivessem sido planejados.
Daphne sorriu para o holograma. ‘Eu aposto que você tem umas atividades boas
preparadas para nós, não?'
‘Ah, simplesmente super,’ disse o holograma. ‘Cem por cento super duper. Por
que você não adivinha o que vamos fazer primeiro?’
Daphne deu de ombros. ‘Alguma coisa para construir um espírito de equipe, não
é? Exercícios de confiança? Você sabe, onde você tem que cair pra trás e confiar
em alguém para te pegar. Eu já fiz isso antes.’ Ela olhou para os quatro homens
com certa hesitação. Ela provavelmente esmagaria o magricelo Dib o Magnífico
em uma panqueca se caísse em cima dele. E enquanto ela sempre se orgulhou
de si mesma por não ter preconceito contra ninguém, não importando sua cor,
forma ou tamanho, ela não estava exatamente animada com a ideia de aterrissar
na tromba preênsil de Ⅎ; quem seria capaz de dizer onde poderia encostar? ‘Ou,
talvez você estivesse pensando em uma caça ao tesouro? Não que tenha gente
o suficiente para dividir em times iguais. E tinha algo para coletar aqui além de
pedras?’
Xnardo grunhiu. ‘Pare com essa tolice! Eu fui convocado para este lugar pelo
próprio Iarbus! Ele considerou a mim, e apenas a mim, digno de herdar seu
grande poder!’
‘Ooh, agora você talvez possa me ajudar,’ Disse Daphne. ‘Esse tal de Iarbus -
ele não é o marido da minha prima Euphemia, é? Careca, risada suja, comeu
biscoitos demais ao longo do caminho, se você entende o que eu quero dizer…’
Os olhos de Xnardo se arregalaram até que houvessem grandes círculos de
prata ao redor de suas írises. Iarbus é o maior feiticeiro que esse universo já
conheceu! Portador de poder infinito! Destruidor da oitava galáxia! Mago mental
extraordinário!'
‘Oh, não é o marido da Euphemia, então,' Disse Daphne. ‘Ele é um caixa verde.
Mas isso também não soa muito como o homem dos Recursos Enfisianos.’
O Incorporamento Rouge levantou uma sobrancelha. ‘Enfisianos? Você por
acaso conhece Tivone de Enfis, sua reles fêmea?'
Daphne cruzou os braços e contou até dez, para que ela não acabasse dizendo
nada rude. De canto de olho ela viu que Miss E também tinha cruzado os braços
e estava encarando o Incorporamento Rouge com força. Mas Miss E não parecia
irritada com o comentário sexista, ela parecia - o que era mesmo? Triunfante.
Era isso. Que estranho. Mesmo assim, ela era apenas um holograma. Talvez ela
não entendesse insultos baseados em gênero.
Tendo controlado sua irritação, Daphne disse, ‘Bem, é claro que eu conheço
Tivone de Enfis. Eu assumi que todos aqui conhecem, foi ele que arrumou esse
dia de treinamento, não? Quer dizer, não conheço ele pessoalmente, ele é muito
importante, mas é por causa dele.’
'Já chega disso.’ Esse era Xnardo, soando bravo de novo. ‘Comece com os
testes! Estou faminto pelo poder que me foi prometido!’
Miss E afundou em uma profunda reverência a ele. ‘Como quiser.’ Então ela se
endireitou e balançou um dedo para todos os homens. ‘Pequeno lembrete - só
pode haver um vencedor. Mas vai haver um vencedor. Uma pessoa vai levar o
prêmio.'
Xnardo bateu em seu próprio peito. ‘E será eu!’
‘Se você diz que sim, querido,’ disse o holograma. ‘Agora, apenas bem, bem
rapidamente, vamos passar pelos termos e condições.' Ela de repente gritou um
fio de frases, rápido demais para que Daphne pudesse entender completamente,
mas soava como algo do tipo ‘Eu me referi `aqui conforme o participante
reconhece que o participante entra na Provação de Iarbus referida aqui como o
processo através de sua própria vontade e uma vez iniciados no processo não
podem sair do processo e devem continuar até a morte ou vitória qualquer que
vier antes e o participante concorda em aceitar todos os riscos inerentes deste
processo e reconhece que Iarbus não é responsabilizável pela quase certa morte
do participante e dito participante concede dito a Iarbus permissão para usar
fotovidios e/ou holo gravações de seu inevitável corpo para propósitos
promocionais assinatura de voz aqui -’ Miss E balançou uma mão na direção dos
quatro homens, que em rápida sucessão anunciaram seus nomes, estão na
direção de Daphne, que seguiu o exemplo deles, estando bem acostumada a
assinar coisas que não tinha entendido completamente, pois quem tinha tempo
para internalizar todas essas coisas e você só tinha que confiar que as pessoas
no comando tinham os seus melhores interesses em mente, assim como ela
tinha bastante certeza que Tivone de Enfis tinha, de verdade, ele apenas
expressava isso de maneiras um tanto controversas.
'Atenção!' clamou o holograma. ‘Primeiro, caros valentes aventureiros, vocês
devem cruzar em direção ao campo de combate, onde enfrentaram o primeiro
teste!’ Ela fez uma careta. 'Não deveria ter usado ‘primeiro’ duas vezes. Teste
inicial? Teste de abertura? Teste que vem antes do segundo teste?’
‘Anda logo com isso!’ Xnardo exclamou. ‘Devemos mesmo escutar a tagarelice
inútil de uma mulher?
'Fútil? Você não quer dizer, muito lo-o-o-o-uca?’ Miss E revirou seus olhos de
uma maneira que Daphne considerou um tanto ofensiva, mas ela já estava
acostumada a não chamar a atenção das pessoas por comportamento esquisito
(ninguém nunca levava a sério e era frequentemente seguido por uma execução)
então ela apenas desaprovou internamente enquanto isso. De qualquer forma,
enquanto ela não aprovava os insultos de Xnardo, ela até concordava com ele
quanto as coisas estarem demorando tempo demais para começar. Se eles não
começaram logo, ela não conseguia ver nenhuma maneira onde acabariam a
tempo para que ela estivesse de volta para repor os slimepods noturnos usados
por Tivone de Enfis.

O holograma talvez tivesse sido programado para entender deixas sociais, pois
ela parou de revirar seus olhos e ordenou com força, ‘Oh, muito bem. Cruzem a
ponte para o campo de combate. Andem logo.’
E de repente havia uma ponte. Não, sempre havia existido uma ponte. Não
tinha? Uma coisa sólida, robusta levando para longe da beira do penhasco para
dentro do nevoeiro girando no ar.
'Você espera que andemos naquilo?’ disse Xnardo.
‘Sim.’ Disse Miss E. Ela grunhiu, apontando um dedo para ele como se fosse um
phaser, e adotou um sotaque engraçado. 'Cê tem um problema com isso,
cowboy?’
‘Claro que não.' Não foi Xnardo mas Dib o Magnífico, que praticamente desfilou
para frente na ponte e logo se perdeu de vista. O Incorporamento Rouge e Ⅎ
rapidamente seguiram. Apenas Xnardo, Daphne e o holograma ficaram - e aí o
holograma piscou, dando um tchauzinho enquanto desaparecia.
O vento estava uivando e eles estavam muito alto, mas mesmo que Tivone de
Enfis fosse um mestre de tarefas rígido, ele dificilmente teria arranjado um dia
de treinamento em algum lugar inseguro. Daphne sentia ser sua obrigação
reconfortar esse homem, mesmo que ele tivesse sido um tanto rude.
‘Seria a altura?’ ela perguntou para Xnardo. ‘Eu tive um amigo uma vez, há
muitos anos atrás, que ficava todo tonto se subíamos em onibalão. Mas você
não precisa se preocupar. A ponte parece muito forte, e se aquele Dib magricelo
pode passar por ela sem ser soprado para longe um cavalheiro mais …
encorpado como você não terá problema nenhum. Vamos, você pode segurar
minha mão se quiser.’
Xnardo se afastou da mão oferecida com um rosnado. ‘Xnardo, filho de Wnardo,
filho de Vnardo tem medo de nada!’ Ele deu um passo - um passo ridiculamente
tímido, considerando quão estável a ponte parecia - e então mais um. E - Depois
de uma longa pausa - outro. Ele estava quase na ponta dos pés, balançando,
um pé na frente do outro como se estivesse em uma corda bamba ao invés de
um caminho largo e sólido. E então … Daphne pensou que seus olhos lhe
pregavam peças, mas não, estava realmente acontecendo - ele balançou de
novo, e de alguma forma caiu através da ponte. Ela correu até ele, sem ter
esperança de chegar lá a tempo, e certamente não conseguiu. Ela tentou ver
onde ele tinha ido parar, mas não havia nenhum traço de Xnardo a não ser um
leve traço de grito no ar, e a ponte permaneceu substancial debaixo de seus pés.
Tudo que ela podia fazer era se apressar até o outro lado, e esperar que um dos
outros pudesse ajudar.
‘Foi o Xnardo!’ Ela gritou, quando finalmente alcançou o fim da ponte. ‘Ele caiu!
O que tem lá embaixo?'
Miss E piscou de volta a existência e franziu o nariz. ‘Oh, apenas a escuridão
sem fim,’ ela disse. ‘Bem, tanto faz.’
‘Mas não podemos fazer alguma coisa?’ Daphne perguntou. ‘Quer dizer, isso
não é justo de verdade. Não tínhamos nem chego ao primeiro teste!’
‘Ah,’ disse Miss E. ‘Pequeno micro mini detalhe. Aquele era o primeiro teste. A
ponte se manifestou como uma representação da sua confiança. Qualquer um
que na verdade duvidasse de sua capacidade de completar as tarefas à frente
iria encontrar ela tão frágil quanto a sua crença. Whoops!’ ela adicionou, com a
aparência de que achava a ideia toda muito engraçada.
Daphne particularmente achava que as coisas não eram exatamente assim. O
holograma podia pelo menos ter avisado eles. Mas ela também invejava Xnardo
um pouquinho. Presumivelmente todos que falassem um teste seriam
teleportados direto de volta pra casa, e estava terrivelmente frio e ela poderia
definitivamente beber uma xícara de chá. Xnardo sortudo poderia estar tomando
um banho quente e comendo um pão em pouco tempo. Ela estava quase tentada
a falhar no próximo teste de propósito, nem que apenas para sair daqui. Mas
Tivone de Enfis com certeza não aprovaria esse tipo de comportamento, e ela
tinha a sensação de que ele saberia, de alguma forma. Ele sempre sabia. Ela
teria que ver isso até o final.
Ⅎ, O Incorporamento Rouge e Dib o Magnífico foram logo juntados no campo de
combate. Miss E gesticulou para que Daphne se juntasse a eles. O nome -
campo de combate - preocupava Daphne um pouco. Ela podia empunhar um
espanador como ninguém, mas qualquer coisa com mais cara de arma do que
isso lhe assusta um pouquinho. Dificilmente uma semana passava no domínio
de Tivone de Enfis sem que alguém acidentalmente desse um tiro de phaser ou
atravessasse seu próprio coração com uma sharpblade, ou até mesmo cortasse
a própria cabeça fora com uma laseraxe. Armas eram perigosas.
Miss E fez uma dancinha. ‘Tchau, tchau, Xnardo!’ ela cantou. ‘Um já era, faltam
quatro!'
O Incorporamento Rouge riu. ‘Eu acho que você vai encontrar apenas três
concorrentes sérios aqui,’ ele disse.
Ⅎ empinou seu longo nariz. ‘Três? Apenas. Um. Eu!’
‘Agora, agora, crianças,' disse Miss E. ‘Se vocês não forem legais uns com os
outros, eu simplesmente terei que cortar fora todas as suas cabeças e tentar de
novo, e isso seria tão entediante. Por favor, sejam bons menininhos e tentem
realizar o próximo teste, andem amores.’
Daphne esperava que o próximo teste fosse um pouco mais interessante. O
lance com a ponte pode ter sido esperto, mas não era o que ela chamaria de
divertido. Talvez eles pudessem fazer aquela coisa onde você tinha uma vulper,
um pintinho e uma sacola de brotos de grama e tivesse que descobrir como levar
todos em segurança para o outro lado de um rio. Ou onde você coloca uma
venda e sente algo com as mãos e outra pessoa tinha que desenhar o que você
estava descrevendo, e os resultados eram sempre hilários. Mas claro, esse tipo
de coisa tendia a ser realizado do lado de dentro, e não havia nenhum sinal de
um lado de dentro aqui - nem mesmo um pequeno casebre, muito menos um
centro de conferência. O que era particularmente decepcionante, já que
começava a chover.
Deus do céu, esses homens estavam fazendo um alarde por causa de umas
gotinhas. Ⅎ estava enroscado no chão, gritando enquanto tentava puxar a capa
para cobrir a cabeça. Dib o Magnífico estava correndo em círculos, balançando
os braços no ar. 'Está queimando! Está queimando!’ - esse era o Incorporamento
Rouge.
‘Ah é. Eu deveria ter mencionado,’ Disse Miss E, abrindo sua sombrinha com um
floreio. 'Está chovendo as lágrimas dos seus inimigos.’
‘Nossos o que?’ Exigiu Daphne. Inimigos? Desde quando ela tinha inimigos?
Esta, okay, Mirabelle Quarante tinha ficado um pouco irritada quando Daphne
não quis compartilhar a receita para sua torta de bipnoz, mas o segredo tinha
sido passado por gerações de Nollises e ela não sentia que fosse seu para
revelar. Mas inimigos? Pessoas que lhe odiavam? Pessoas que ela havia
machucado? Pessoas que lhe culpavam por algo desagradável? Certamente ela
não tinha nenhum desses?
De repente o chão sumiu debaixo dos pés de Daphne - debaixo dos pés de todos
eles. Quatro guinchos soaram conforme eles tropeçaram para dentro de quatro
buracos separados. ‘Oh, minha cabeça,' disse o holograma de Miss E, olhando
dentro de um de cada vez. ‘Parece que vocês vão se afogar nas lágrimas de
seus inimigos - se o ácido nelas não lhes dissolver antes, yum um. Mas não se
preocupem, não é um ácido muito forte - não queremos que vocês morram rápido
demais, queremos? Onde estaria a diversão nisso? Só vai dar uma leve dor
aguda conforme vocês derretem beeeeeeeeem devagaaaaaaaaaar.’
Uma gota caiu na mão de Daphne, mas por sorte ela ainda vestia suas confiáveis
luvas de borracha. A borracha borbulhou onde a chuva tinha caído, no entanto.
Isso era irritante. Ela imaginou se Tivone de Enfis aceitaria seu pedido de um par
novo.
Uma nova face apareceu acima dela. Uma face bastante surpreendente.
‘Mirabelle!’ Daphne exclamou. ‘Eu estava justamente pensando em você! O que
você está fazendo aqui?’ Mas Mirabelle não respondeu. Ela olhou para Daphne
de sua posição superior com uma expressão quase um pouco de saco cheio em
sua face.
Então Miss E apareceu de novo. ‘Uma pequena pista, porque eu sou a gatinha
mais adorável, fofinha e prestativa de toda a gatolândia,' ela disse, usando uma
voz falsamente fofa de uma criança pequena. ‘O único jeito de sair do buraco
antes de se afogar ou dissolver no nosso desagradável amigo ácido é persuadir
seu inimigo mais mortal a te tirar dele, o que é ridiculamente embaraçoso se eles
forem, por exemplo, algum tipo de babaca religioso com um tufo de cabelo
branco e uma face nem velha nem jovem - nem anotem não, vale para mais de
uma pessoa - mas você vai ter que morder a língua e fazer isso.’
Bem, isso não parecia tão difícil, mesmo que fosse vergonhoso - sim, o
holograma estava certo nisso, pronto! - descobrir quanta animosidade aquela
torta tinha causado. 'Você se importaria de me dar uma mãozinha?' Daphne falou
para Mirabelle. A mulher deu de ombros e estendeu uma mão para dentro do
buraco. Segundos depois, Daphne estava de volta em terra firme. ‘Obrigada,’ ela
disse. ‘Eu sinto muito por não compartilhar a receita de torta da minha mãe. Eu
acho que estava sendo um pouco egoísta. No final das contas, qual é o problema
com mais pessoas sendo capazes de fazer coisas legais? Quanto mais torta,
melhor. Eu vou te dar a receita assim que eu voltar para casa.’
‘Ela não é real,’ disse Miss E, revirando os olhos (ela fazia isso muito).
'Não importa,’ disse Daphne. ‘A lição ainda vale. Compartilhar é bom.'
Justamente naquela hora, um barulho do buraco de Ⅎ lhe fez girar no lugar, mas
de canto de olho ela acho que tinha visto Miss E enfiar um dedo na garganta e
fingir ânsia de vomito.
Ⅎ estava tendo dificuldades, e o ser em pé no topo do fosso onde ele estava
preso - parecia muito com uma árvore do Festival da Neve, mas com olhos
vermelhos incandescentes - não estava fazendo nada para ajudar. Ela precisava
reconhecer que ele não tinha braços, mas certamente poderia ter feito algo.
Daphne tentou cruzar o campo na direção do buraco para tentar puxar Ⅎ para
fora, mas havia uma barreira invisível naquela direção - assim como havia entre
ela e todos os outros buracos também. Não havia nada que pudesse fazer além
de assistir. Eventualmente, com a maior parte de suas roupas queimadas
(Daphne tentou não olhar) e uma quantidade considerável de perfurações na
pele também, o Incorporamento Rouge e Dib o Magnífico ganharam a segurança
da terra firme novamente, a chuva acima deles parou e seus ‘inimigos’
desapareceram. Mas não Ⅎ.
'Não queremos perder o show, não é mesmo?’ disse Miss E, e Daphne descobriu
que podia (de alguma forma) ver bem dentro do buraco, mesmo que não
parecesse ter se aproximado. Ela desejou não poder. A chuva estava caindo
sobre o pobre homem. sua boca em formato de anêmona pulsava para dentro e
para fora, emitindo pequenos gemidos de dor. 'Cincão que o nariz dele cai antes
dos joelhos se dissolverem,’ Miss E disse, balançando um pequeno retângulo
azul-esverdeado de papel na cara de Daphne.
Daphne não aceitou a aposta, mas teria perdido em todo caso.
A chuva ácida - uma torrente acima da prisão de Ⅎ - não dava uma trégua, e o
nível da água estava subindo. A pior coisa era como tudo acontecia devagar. O
terror de Ⅎ cresceu, sem esperança de uma liberação rápida. Obviamente ele
não se afogaria de verdade, e sua pele, depois carne, então os ossos não
estavam realmente derretendo, mas seria a dor de verdade? Parecia que sim.
Infelizmente ela não era capaz de ignorar a capacidade do Tivone de Enfis de
pensar que um pouco de dor constrói caráter. Foi um alivio quando os últimos
ossos de Ⅎ foram liquefeitos, seu inimigo-árvore desapareceu e não havia mais
gritos.
'Não é engraçado como o lado de dentro das pessoas é tão mais bonito que o
lado de fora?’ Mais uma vez Miss E tinha sumido por alguns minutos, mas agora
ela estava de volta. ‘Teria sido totalmente incrível decorar aquela árvore de natal
com guirlandas de intestinos e dançar ao redor dela. E globos oculares como
bolinhas deveriam total ser uma coisa. Não deveriam?’
Daphne se apressou em mudar o assunto. ‘Pelo menos não houveram brigas,’
ela disse. ‘Quando você disse que esse era o campo de combate…’
‘Ah sim,’ disse Miss E. ‘Tem isso. Ooh, olhem! Aqui estão todos os seus
ancestrais mortos para atacar vocês.'
E de repente havia milhares de pessoas ao seu redor. Pessoas? Seria essa a
palavra certa? Era ir um pouco longe demais, na opinião de Daphne. Pior que as
fantasias que crianças usavam para Pedir-Piada na Véspera do Nascidomaga.
Quem quer que tivesse pensado nisso precisava de uma boa bronca; ela sentia
um certo desconforto no estômago olhando para as hordas em decomposição.
Havia carne podre pendurada em ossos podres. Algumas das figuras eram
apenas ossos, antigos e alvejados. Uns poucos estavam inteiros, mas com pele
cinza e olhos embaçados. A maior parte usava capas. E as armas! Miss E estava
andando entre eles, comentando com alegria - ‘Canhão laser de Raio-X, mmm!
Oh meu Deus, não me diga que isso é uma espada de lâmina larga mais-três?
Okay, tipo, eliminador de compressão de tecido, isso é, tipo, super legal, mas
você sabe que vai ser processado, né?'
O Incorporamento Rouge e Dib o Magnífico ambos sacaram armas próprias.
Daphne estava um pouco preocupada. O convite não dizia nada sobre trazer sua
própria arma - porque enquanto ela odiava armas, ela talvez odiasse ser atacada
por hordas com fantasias demoníacas um pouco mais, e a única coisa que ela
tinha para se defender era a almofadinha que ainda estava no bolso do seu
avental. Isso não adiantaria de muito contra um canhão laser de Raio-X. Ela não
podia correr - não havia uma abertura nas fileiras que os cercavam. Santo Deus,
Tivone de Enfis deve ter gasto uma fortuna com esse evento - contratar esse
tanto de mortos-vivos teria custado um braço e uma perna (sem piada nenhuma,
ela adicionou internamente). Agora mesmo, ela desejou ter sido um pouco
menos perfeccionista.
Mas estranhamente, mesmo que o exército estivesse atacando os dois homens,
estava deixando Daphne sozinha. Uma ou duas vezes uma criatura se
aproximou dela quando a mesma acenou um paninho de limpeza em sua
direção, mas atacando de verdade? Não. ‘Muito bem,’ disse Miss E, segurando
a parte de trás da mão verticalmente para esconder a boca como se fosse dizer
um segredo. 'Você descobriu. Quanto mais você luta, mais eles vão atacar. O
único jeito de ganhar é parar de lutar.’
Dib o Magnífico, em combate corpo a corpo com um zumbi particularmente
grande, congelou. ‘Mulher tola! Eu escutei isso!’
‘Ah, merda,’ disse Misse E, mas ela não parecia abalada por isso.
Em contraste, o Incorporamento Rouge parecia abalado. Tinha uma flecha
enfiada em seu ombro e uma queimadura de laser atravessando seu rosto que
tinha tirado um olho de comissão. ‘Parem de brigar!’ Daphne gritou pra ele.
'Então eles vão parar!’
'Ridículo!'
'Não, é verdade!' ela exclamou.
‘Somente um fraco, covarde, iria parar de lutar!’ gritou Dib o Magnífico.
‘O que você está fazendo?’ disse Daphne. ‘Isso vai fazê-lo continuar!’
E fez mesmo. Confrontado com tamanho ataque violento, o Incorporamento
Rouge não teve chance. Um último raio de próton lhe acertou no peito. O exército
de zumbis desapareceu antes que seu corpo sequer tivesse atingido o chão.
Então seu corpo sumiu também.
Por um momento, os sobreviventes apenas encararam. Então o que tinha
sobrado uivou em triunfo. ‘Aha! Ahaha! Ahahaha! Eu sou vitorioso! Não mais
serei Dib o Magnífico. De agora em diante serei conhecido como Dib o Incrível!'
'Incrível,' Miss E murmurou por baixo de sua respiração, apenas alto o suficiente
para Daphne escutar.
Daphne não era uma que acreditava em se colocar em evidência - ‘Eu não sou
uma para me colocar no holofote,’ ela tinha dito muitas, muitas vezes - mas o
comportamento de Dib era, ela pensou, um tanto desrespeitoso, sem contar que
é impreciso.
Ela deu uma leve tossida. Dib lhe ignorou. Ela tossiu de novo. Dib apenas
continuou ‘Ahahahahaha!’
‘Eu não sou uma pra me colocar em evidência,' Daphne disse, ‘mas eu acho que
você está esquecendo algo. Eu ainda estou aqui.’
Dib fez uma careta, e finalmente parou de fazer ‘Ahahaha!’ ‘Como se você
pudesse possivelmente ser uma candidata para o poder de Iarbus! Sua presença
aqui é um erro - uma piada!’
‘Eu recebi um convite exatamente como você,' Daphne disse para ele. ‘Senhor
Tivone é muito bom para me incluir em coisas.’
‘Sua mulher ridícula! Olhe ao seu redor! Xnardo. O Incorporamento Rouge. Até
mesmo Ⅎ. Nenhum deles se compara a mim, Dib o Mag- o Incrível - é a verdade.
Mas você? Você está tão abaixo de nós! Nós seguramos mundos inteiros em
nossas mãos! O poder que Iarbus controla - como seria crível que ele te
considerasse uma herdeira digna?’
Daphne estava prestes a responder, prestes a dizer para Dib exatamente o que
pensava dele e de sua grosseria, quando ela parou de repente, um pensamento
se enfiando em sua cabeça. Estaria ele … certo? Ela rebobinou o cenário na
própria cabeça. Ela estava lá, cuidando das próprias coisas, tirando um pouco
de pó, e então o convite apareceu em sua mente … Tivone de Enfis tinha enviado
mensagens mentais para ela antes, ela não tinha razão para duvidar que era
para ela, mas …
Poderia ter sido? Poderia um bobinho ter enviado uma mensagem mental sem
segurança nenhuma, uma mensagem mental que ela acidentalmente
interceptou? Será que era para Tivone de Enfis estar aqui? Deveria ser Tivone
a competir pelo poder de Iarbus? Poderia tudo isso ser … real?
Daphne sentou no chão com pesar, sem se importar que eram desconfortáveis
e frias, ou que ela estava enchendo sua saia de lama. ‘Ah, senhor.’ ela respirou.
‘Eu não deveria estar aqui.’
Miss E revirou os olhos. ‘Desculpa, mana. Você está bem certa, claro. Mas não
foi muito divertido?’
‘E na verdade, a sua presença é bem-vinda,’ adicionou Dib o Magnifico/Incrível.
‘Eu vou adorar ter uma testemunha para o meu triunfo final.’ Ele deu um
poderoso passo para a frente e clamou em voz alta: ‘Eu tomo posse do poder!’
As pedras tremeram. Daphne se levantou com pressa e caiu novamente. O chão
se partiu. Subindo da terra fervorosa surgiu um homem. Em suas mãos estava
uma forma - uma esfera, um cubo, um icosaedro? Era todas e nenhuma delas,
brilhando com escuridão. Daphne encarou. Era sua imaginação ou seriam essas
coisas olhos encarando da louca geometria da forma? Milhares de olhos em
milhares de faces … milhares de bocas gritando incessantemente,
silenciosamente, desesperadamente…
‘Bem vindo,’ ressoou a voz do homem como se fosse uma música horrível. ‘Eu…
sou… Iarbus!’ Havia tamanha força em suas palavras que Daphne começou a
aplaudir, sem nem perceber o que fazia.
Iarbus lhe ignorou. ‘Por muitos anos eu esperei,’ ele disse. ‘Eu fiquei fatigado,
me curvando debaixo do peso desse poder que eu seguro, poder tão grande que
um mero soprar dele poderia comprimir um planeta inteiro em um minúsculo
diamante. Mas eu não podia deixá-lo ir. Eu tinha que passá-lo para um homem
como eu, um homem capaz, um homem digno, um homem pronto para
empunhar tamanha força. Então eu criei testes, testes que apenas tal homem
seria capaz de completar. Eu esperei por anos. Décadas. Séculos! Tantos
tentaram. Tantos falharam. Ao falhar, adicionaram sua essência ao poder, lhe
tornando ainda maior, e também lhe deixando mais pesado sobre meus ombros.
E finalmente - finalmente! - um homem triunfou! O primeiro! Eu encontrei meu
herdeiro. Posso passar meu poder adiante.’
Totalmente arrebatado, Dib o antigo Magnificente andou para frente, seus dedos
esqueléticos se fechando ao redor de forma brilhante. Forças giravam a partir
dela, lhe envolvendo, ele e Iarbus envoltos em uma galáxia de energias.
‘Ahem,’ disse Miss E, com uma pequena tossida.
Os dois homens se viraram para ela.
'História legal,’ disse Miss E. Mas você esqueceu de um pedacinho, não foi? Um
detalhe minúsculo. O detalhe de que Dib-Dab aqui não é o primeiro a passar nos
seus testezinhos nesses séculos todos, é? A primeira pessoa foi na verdade
essa mina aqui!’
'Você!' arqueou Iarbus.
‘Foi o que eu disse. Eu!’
'Não, eu quis dizer - você!'
Miss E suspirou. ‘Sim, eu quis dizer - sou eu! A vadia está de volta, vadias.’
‘Mas você foi… ‘
'Destruída? Que bobagem. Você não faz ideia de quantas vezes já fui destruída.
Na verdade, eu considero um pouco de desperdício se eu chegar no fim de um
plano maquiavélico sem ser destruída. Ser destruída nunca destruiu a mim! Eu
sempre volto! Ter a minha essência vital sugada para uma fonte de poder antiga
foi apenas um tropeço.' Miss E deu uma balançada para enfatizar seu ponto.
‘Calma aí,’ Daphne interrompeu, ‘Eu achei que você era assistente dele?’
'Não,' o holograma respondeu. ‘Eu sou a vítima de uma grande injustiça. Eu não
sou assistente de ninguém. Eu sou Missy!’
‘Sim, você disse isso antes,’ Daphne replicou.
‘Não, não, é soletrado diferente,’ Missy falou. 'Será que vocês podem calar a
boca por um segundo e me deixar contar sobre o lance da grande injustiça? Eu,
Missy, fui a primeira pessoa na história a completar os extenuantes testes do
Iarbus. Provei a mim mesma digna de empunhar o poder! Mas ele me rejeitou!’
‘Bem, você é apenas uma mulher,’ Iarbus interrompeu. 'Você obviamente apenas
conseguiu por um erro.’
Dib balançou a cabeça em concordância. ‘Nenhuma mulher poderia passar por
tais testes. E mesmo que conseguisse - de alguma forma - ela claramente não
seria digna de tal poder.’
Missy levantou os braços em exaspero. 'Será que vocês se escutam? Você foi o
erro, Dibzinho. Eu te convidei para vir aqui. Não Iarbus. Eu. Sim, minha força
vital foi sugada na fonte de poder quando Iarbus me rejeitou, mas eu era mais
forte que qualquer um que tinha vindo antes - porque eu tinha vencido. Eu fui
capaz de manter minha identidade. Eu encontrei maneiras de manipular o poder
de dentro. Eu escolhi cinco dos homens mais crédulos, mas mesmo assim
poderosos e malvados na galáxia, usei o poder no qual eu estava presa para
lhes enviar mensagens -’
‘Que você nem mente-segurou,’ adicionou Daphne.

Miss pareceu um tanto desconfortável por um momento. ‘Bem, eu não estava


trabalhando em circunstâncias ideais, estava?’ Ela disse. ‘Mas tanto faz isso.
Quatro homens vieram. E desabilitei tantos testes quanto pude e lhes guiei pelos
que sobraram - como se tivessem capacidade para conseguirem sozinhos! Não
lhes deu nenhuma dúvida o quão fácil esses jogos finais de morte certa que
ninguém completou em séculos foram? Claro, eu só precisava de um que
chegasse até o final. A força vital dos outros, como a de tantos fracassos antes
deles, foi drenada para dentro do poder. Exceto que… bem, eu sou um moleca
esperta - eu mexi uns pauzinhos bem de leve para que a força vital fosse direto
para minha versão incorpórea. Para que eu pudesse ser eu de novo. Para que
eu pudesse me manifestar.’
Daphne encarou horrorizada. 'Cê quer dizer que Ⅎ, Xnardo e o Incorporamento
Rouge - eles não foram teleportados para cas?’
Os outros três lhe olharam, balançando as cabeças em descrença.
‘Claro que não,' disse Iarbus.
‘Era um jogo até a morte!’ exclamou Dib.
‘Ah, querida.’ Missy lamentou.
Daphne se sentiu envergonhada e insultada. Não era como se fosse uma
conclusão ilógica. Qual seria o propósito de um dia de treinamento que matava
pessoas? E tinha parecido muito com um dos dias de treinamento normais
organizados por Tivone de Enfis, nunca eram exatamente divertidos. Dificilmente
seria a conclusão imediata de alguém que um holograma feminino estava
atraindo maldosos, mas crédulos ditadores para um planeta letal para se vingar
de um qualquer misógino que não tinha deixado que ela ficasse com sua grande
coisa poderosa sem formato definido.
‘De qualquer forma, voltando para mim,’ Missy continuou. ‘Como eu dizia. Para
que eu pudesse ser eu de novo, bla bela bla. Para que eu pudesse me
manifestar!’ Na frente de seus olhos, o holograma ficou sólido. Bem… mais ou
menos. Ainda havia um pouco de falha. Missy fungou. Apenas três porções de
força vital. Mais uma teria sido bom demais, mas - ’ela olhou para Daphne
novamente, e lhe soprou um beijo. ‘- você era tão super gostosinha que eu não
pude me forçar a te dar um fim horrível. Bem, não naquele momento. Eu
provavelmente farei isso em um minuto ou dois. Mentira, eu definitivamente vou.
Mas primeiro -’ E agora ela se virou para Dib e Iarbus - ‘Eu vou drenar vocês dois
menininhos miseráveis, porque esse poder pertence a mim e ele sabe. Temos
sido bastante íntimos um com o outro por um tempo agora, eu e esse doce,
inebriante poder. Isso vai lhe ensinar a nunca subestimar uma mulher!’
Missy gesticulou, e a forma mutante de poder não estava mais entre os dois
homens, estava flutuando logo acima de suas mãos. Parecia ter três lados agora,
e através de cada um Daphne podia ver uma face diferente gritando - um lado
mostrava Xnardo, o outro mostrava o Incorporamento Rouge e o terceiro
mostrava Ⅎ. Então Missy gesticulou novamente - e Iarbus e Dib começaram a
dissolver.
‘Nãoooooo!’ Ambos gritaram.
'Vocês sempre podem tentar dizer algo legal,’ Missy ofereceu. ‘Eu sou uma dama
adorável, no final das contas. Eu posso até trocar de ideia se vocês fizerem isso,’
'Você - você não é inferior só porque é uma mulher!’ Iarbus arqueou.
‘Eu realmente gosto do seu chapéu!' Dib engasgou nas palavras enquanto
pingava da existência.
‘Aw, valeu amor!’ Missy respondeu. ‘Mas me deixa dizer uma coisa? Eu ainda
vou, tipo, matar vocês e usar essa grande coisa cheia de poder para transformar
seus planetinhas em um adorável par de brincos de diamante, okay?
Tchauzinho, Iarbus o idiota! Tchauzinho, Dib o Morto!’
Enquanto Daphne assistia, a forma ganhou mais duas facetas e mais duas faces.
Dib e Iarbus haviam sido adicionados ao grito eterno.
Missy fingiu fazer cócegas na face gritante de Iarbus embaixo do queixo. Então
ela começou a rir. Ela riu e riu e riu. ‘Minha! sua voz gritou. ‘Minha, minha, minha!’
Ela começou a dançar uma quadrilha ao redor da fonte de poder, cantando: ‘Eu
vou esmagar o seu plane-ta, esmagar o seu plane-ta… Poder total é me-eu,
poder total é me-eu-’
E então uma almofadinha verde voou pelo ar e tirou a - naquele ponto esférica -
fonte de poder das mãos dela.
Na verdade, foram necessários alguns momentos para que Missy percebesse o
que tinha acabado de acontecer - o que foi mais do que o suficiente para Daphne
correr e pegar a esfera.
Missy se virou para ela. ‘Menina malvada.’ ela disse. ‘Isso pertence a mim, ano?’
Daphne discordou com a cabeça. 'Você roubou. Não é sua. Isso não deveria
pertencer a ninguém como você.'
‘Claro que sim!’ Missy exclamou. ‘Qual é, Daffers, eu sim! Passa pra mim. Girl
power! Mulheres pra cima!’
Daphne estava acostumada com gente lhe dizendo o que fazer. Ela nunca tinha
sido quem ficava no comando. Mesmo antes de trabalhar para Tivone de Enfis,
sempre tinha ficado à disposição dos outros. E agora algo lhe dizia que isso não
precisava jamais acontecer de novo.
Ela estava no comando agora. Laços de poder estavam se enroscando ao seu
redor, como se ela fosse um mastro feito de magia. ‘Mulheres para cima!’ ela
ecoou. ‘Exceto que você acabou de fazer o que Iarbus fez. O que todos os
homens fazem. Você subestimou uma mulher.’
'Não.' disse Missy, como se fosse extremamente óbvio. ‘Eu não fiz. Quer dizer,
eu não poderia! Eu sou uma mulher! Olhe para mim! Estou usando um vestido!
Tenho uma sombrinha! Um adorável chapéu com cerejas de verdade no topo!’
‘Mulheres podem subestimar outras mulheres.’ Daphne declarou com certeza.
'Não tem nada a ver com chapéus.'
Missy suspirou. ‘Oh, tanto faz. Soh me entrega o poder, anjo, porque você não
faz a mínima ideia do que está fazendo.’
Mas Daphne sabia sim. O poder lhe contava como usá-lo. Ela mandou um
pensamento para ele - e biscoitos de aveia e passas começaram a cair como
chuva do céu. Daphne deu risada, um riso de puro deleite. Porque ela percebeu
de repente que o céu não precisava ser tempestuoso! Um aceno de sua mente
e ele estava ensolarado, azul, cheio de arco íris. As rochas debaixo de seus pés
derreteram e deram lugar para daffolips e tuladils.
Então ela olhou para Missy. E Missy levantou um objeto estranho com círculos
vermelhos que brilhavam em um dos lados. Uma arma. Daphne sabia sem
sombra de dúvida que Missy iria lhe matar.
Ou ela teria feito isso se o objeto não tivesse virado um coelhinho.
Missy grunhiu e jogou o animal para longe. ‘Me - dá - o - poder - ou - eu - vou -
te - abraçar!' ela rosnou. E fez cara de surpresa. ‘Ou - eu vou - te - beijar,’ ela
tentou de novo. ‘Eu. Vou. Gatar! Você!' Ela estava segurando um gatinho agora.
Muitos gatinhos. Missy estava abraçando os gatinhos. Ela estava abraçando os
gatinhos e mordiscando um biscoito de aveia e passas e agora ela estava
sorrindo, ela estava cantarolando uma pequena melodia feliz e abraçando
gatinhos e sorrindo e -
‘Sai de perto de mim!’ Missy gritou desesperadamente. ‘Eu estou ficando legal!’
‘Tudo bem,’ Daphne disse. ‘Eu vou. Porque eu acho que vou tentar impedir
Tivone de Enfis de fazer coisas ruins agora. Afinal, eu lhe dei várias chances de
virar a página, e estou começando a imaginar se ele vai fazer isso um dia. Eu
provavelmente vou dar uma passada nos planetas da onde esses homens
vieram também, e ver se eles precisam de uma ajuda. E então você sabe o que
eu vou fazer?’
Missy balançou a cabeça. 'Você vai transformar esse planeta em um pingente?’
‘Eu vou fazer uma boa xícara de chá para todos na galáxia.'
Daphne sorriu, pensando em todas as coisas boas que podia fazer. O coelho
pulou para cima de seu pé, e ela se abaixou para fazer carinho nele. Quando ela
olhou para cima novamente, Missy tinha desaparecido, e uma árvore próxima
estava desbotando com um som chiado que quase soava como um grunhido.
Mesmo assim, não importava. Daphne se certificaria que ninguém subestimaria
uma mulher de novo. Porque Daphne tinha o poder agora.
Mastigando um biscoito de aveia e passas, Daphne partiu para mudar o universo.
UM MESTRE DOS DISFARCES
Mike Tucker.

A tempestade em Djinn rugia por séculos, e provavelmente continuaria pelos


séculos seguintes. Ela devastou a superfície do planeta, os ventos de furacão e
a chuva a varrer o leito rochoso, tornando impossível que tudo, exceto o mais
tenaz dos musgos, crescesse. Não havia árvores, nenhum pássaro, nenhuma
forma de vida animal de qualquer tipo. O planeta estava deserto.
Quase.
Moses observava a tempestade pelas janelas da fortaleza que ele vinha
chamando de lar havia mais de uma década. “Bem” ele murmurou com um
sorriso. “Talvez ‘lar’ seja um pouco generoso.”
A verdade era que essa era sua prisão, e embora não houvessem barras,
nenhum guarda ou portas trancadas, ele estava tão preso ali quanto estaria se
fosse jogado na instalação mais segura de Stormcage.
A fortaleza se projetava para a lateral de um dos topos de montanha mais altos
de Djinn, suas grossas paredes escavadas da própria montanha. Quem
construíra a fortaleza ali e o porquê era um mistério perdido no tempo e nos
ventos uivantes. Moses frequentemente imaginava que, em um passado
distante, o planeta havia sido belo, calmo e verde. Desse jeito a localização do
castelo fazia sentido para ele, com vistas espetaculares que iam através dos
picos majestosos e descendo para o vale do rio lá embaixo.
Ou talvez as coisas sempre foram desse jeito, refletiu Moses, e a fortaleza havia
sido construída simplesmente para que alguém pudesse ser trancado em
completo isolamento em um planeta onde deixar seu abrigo resultaria em uma
rápida morte pela exposição.
No início não era tão solitário. Durante as primeiras semanas de seu
encarceramento, haviam dezenas de outros prisioneiros, trabalhando dia e noite
para construir os sistemas de energia que o providenciava calor e luz. Todos
desapareceram em questão de horas após o trabalho ser concluído e, sabendo
a natureza do homem que os trouxe ali, Moses não imaginava que eles haviam
tido um destino gentil.
Nos raros momentos em que os ventos diminuíam, Moses sempre parava para
ouvir o pulsar do grande gerador que devia estar enterrado profundamente nos
subterrâneos da fortaleza, e para oferecer uma pequena oração em memória
daqueles que o construíram.
Calor, luz e energia eram as únicas concessões de conforto que Moses era
provido. Os móveis que foram deixados com ele eram duros e rudimentares, e a
comida e bebida que ele tinha acesso era suficiente para mantê-lo com vida, mas
havia pouco que lhe proporcionasse prazer ou variedade.
E então ele se contentou com seu trabalho - afinal de contas, foi sua habilidade
nesse dito trabalho que acabou levando ele até ali para começo de conversa.
Moses era um escultor; um dos melhores escultores que sua raça já produziu. A
fortaleza era repleta de exemplares de seu trabalho. Em cada canto e alcova,
em cada soleira ou prateleira se encontravam esculturas magníficas de criaturas
de todos os tipos. Pássaros, animais, peixes, insetos; parecia não haver nada
que Moses não pudesse esculpir com suas mãos, cada escama e pena
modelada em precisos e exatos detalhes.
Mesmo sendo criaturas impressionantes elas não eram a razão pela qual Moses
havia sido levado até ali. Eram apenas projetos pessoais, distrações para
manter-se entretido nas longas noites quando o vento gritava do lado de fora das
paredes, símbolos para lembra-lo de seu próprio mundo, um mundo cheio de
vida, cor e calor.
Não, as máscaras eram o motivo pelo qual ele era mantido ali, e o talento que
Moses demonstrava nas esculturas de animais que decoravam as paredes de
sua prisão não se comparava a habilidade que ele demonstrava nas cabeças de
barro que enchiam sua oficina.
Embora cada cabeça fosse interrompida na altura do pescoço e colocada em um
pedestal simples de pedra, era fácil imaginar que elas estavam vivas. Moses
frequentemente imaginava. Cada dobra de pele, cada poro, cada nuance do
rosto eram capturados nas esculturas que ele criava.
Ele sempre possuiu essa habilidade. Mesmo ainda um jovem filhote, ele parecia
ser capaz de influenciar sua argila de brincar em uma coleção exótica de
diferentes criaturas, para o espanto dos mais velhos e a inveja de seus colegas
de classe, mas esse talento nunca foi encorajado. Ele, como muitos de sua raça,
foi trabalhar nas Colmeias, produzindo modelos apenas para passar as horas
solitárias em seu ninho.
Mas os boatos de suas obras realistas se espalharam. Vizinhos o convenceram
a exibi-las. Moses sorriu, lembrando do dia em que vendeu pela primeira vez
uma de suas peças. Aquilo levou a venda de outra, e de outra e de outra. A
notícia se espalhou para a elitista comunidade artística e as vendas dispararam
ao ponto onde ele deixou as Colmeias para se tornar um artista de tempo integral
em um estúdio nas florestas do Norte. Mesmo tarde na vida, parecia que ele
havia encontrado a carreira perfeita, transformando sua paixão de infância em
uma forma de ganhar a vida.
“Nada dura”, relembrou-se Moses suavemente, observando a desolação varrida
pela chuva.
Os tempos e os gostos mudam, e com o passar dos anos Moses descobriu seu
trabalho saindo das graças. As pessoas pararam de comprar sua arte,
expositores seguiram em frente para a próxima novidade. Conforme os meses
passavam, o futuro de Moses parecia cada vez mais sombrio. Mas então, a
salvação se apresentou para ele do lugar mais inesperado.
Ele saiu de sua colmeia um dia e encontrou um humanoide esperando na rua
logo em frente a sua porta.
“Ah, Moses...” O homem deu um passo a frente. “Eu percorri um longo caminho
para encontrar você.”
“Para me encontrar?” Moses o analisou com desconfiança. O homem era magro,
com uma barba bem cuidada, usando uma túnica preta com uma gola alta. No
momento em que o homem começou a elogiar a qualidade de suas obras, Moses
só podia imaginar que alguém estava lhe fazendo uma brincadeira cruel.
“É muito gentil da sua parte” murmurou Moses enquanto tentava ultrapassar o
homem. “Mas eu não estou mais nesse ramo de trabalho.”
“Besteira” O homem bloqueou seu caminho. “Um artista como você não deveria
ficar ocioso.” O homem deu a ele um sorriso charmoso. “Eu tenho um trabalho
para oferecer que você simplesmente não pode recusar.”
“Obrigado, mas não estou interessado.”
“Oh, mas eu insisto.” Apenas quando uma pequena e esquisita arma apareceu
nas mãos do homem, Moses percebeu que o ‘trabalho que ele não poderia
recusar’ era exatamente isso.
Em pânico, Moses se virou para correr, mas o homem o agarrou pelo braço,
cravando os dedos dolorosamente em sua carne.
“Eu garanto a você que resistir é inútil. Você pode gritar por ajuda, tentar
convocar as autoridades, mas eu lhe asseguro que é uma decisão da qual vai
se arrepender.”
Nesse momento uma das vizinhas de Moses surgiu de sua casa. Enquanto ela
se virava e franzia a testa, o homem apontou a pequena e estranha arma para
ela. Houve então um gemido agudo e penetrante e um clarão de luz. Quando a
luz se dissipou, Moses olhou incrédulo para a figura pequena e enrugada deitada
no chão.
O homem virou-se para ele com um encolher de ombros. “Veja, Moses, eu
também sou um artista a minha própria maneira. Eu posso transformar as
criações mais belas em miniatura.”
Moses encarou o homem horrorizado. “Quem é você?”
“Eu sou o Mestre... e você irá me obedecer!”
Inicialmente, Moses protestava sobre seu sequestro, recusava-se a colaborar
com seu sequestrador e exigia que fosse levado de volta para seu mundo. Ele
rapidamente percebeu o quão dolorosa poderia ser sua recusa, e o quão fútil era
acreditar que ele poderia exigir alguma coisa do homem que agora o possuía.
Relutante, ele permitiu que seu talento fosse usado, esculpindo os rostos que
lhe eram instruídos, transformando-os em máscaras, sem nunca saber a
finalidade para qual seriam utilizadas.
Com o passar dos anos, ele aperfeiçoou seu ofício, o trabalho constante fazendo
dele um melhor escultor que nunca. Aos poucos, o ressentimento que ele sentia
a respeito de seu encarceramento começou a se dissipar e ele passou a
considerar o homem que havia o colocado ali não como seu captor, mas como
um tipo de mecenas. Quem liga para que utilidade suas máscaras estavam
sendo usadas? Pelo menos seu trabalho estava sendo apreciado, e ele não
precisava negociar constantemente custos e prazos. Seu objetivo principal era
trabalhar com a maior qualidade possível, independentemente do tempo ou
custos que pudesse haver, e ele era fornecido com uma vasta biblioteca de
referência. O que mais um artista poderia desejar?
Só que nos últimos meses ele começou a diminuir de velocidade.
Moses virou-se e caminhou lentamente ao longo do comprido corredor cinza que
formava a coluna central do prédio, de volta para sua oficina. Ele não havia visto
nenhum sinal de seu mecenas em o que pareciam anos e na ausência de
instruções específicas ele passou a se satisfazer esculpindo qualquer rosto que
lhe agradasse: Hath, Jagaroth, Astingir... Porém cada escultura levava mais e
mais tempo para ser concluída, e seus dedos começaram a endurecer após
apenas algumas horas de trabalho. O busto em que ele trabalhava no momento,
um feiticeiro da mitologia oriental de um planeta chamado Terra, não deveria ter
levado mais do que alguns dias para idealizar, porém ele ainda tinha dificuldades
em achar o personagem certo para o rosto.
Ele olhou para o espelho pendurado ao lado de sua bancada, examinando o
rosto fundo e enrugado que olhou de volta para ele. Ele levantou uma mão,
correndo seus dedos sobre os contornos de seu rosto. Estava quase na hora...
Com um suspiro profundo, Moses estava prestes a retornar ao trabalho, quando
um novo som se juntou aos uivos constantes do vento, um ruído áspero,
ascendendo e descendendo. Era um som que ele não ouvia há anos.
Ele levantou os olhos surpreso. “Mestre?”
Moses limpou o barro seco das mãos, enrolou um pano úmido ao redor da
escultura inacabada e dirigiu-se na direção do barulho, o laboratório no lado mais
distante da fortaleza.
Enquanto ele se aproximava do laboratório, uma voz estrondosa soou, ecoando
na pedra fria: “Moses? Onde você está, criatura inútil? Isso são modos de
cumprimentar seu Mestre?”
Moses parou, espantado não pelo tom da voz, mas pela própria voz. Momentos
depois as portas do laboratório foram abertas e um homem saiu para o corredor.
“Ah, aí está você.”
Moses deu um passo involuntário para trás enquanto olhos ardentes o
consideravam com uma mistura de diversão e desprezo. Superficialmente este
poderia ser o Mestre que ele se lembrava, o mesmo cabelo preto penteado para
trás a partir da testa alta, a mesma barba bem cuidada e o terno preto, o mesmo
porte arrogante, mas o rosto... O rosto era completamente diferente, o nariz mais
largo, a sobrancelha mais longa, a boca mais cheia. Enquanto Moses estudava
o rosto a frente dele, a boca em questão se curvou em um sorriso desagradável.
“Então? Nenhum comentário sobre minha nova aparência?”
Moses sentiu um nó se formar em seu estômago. Teria ele sido considerado
supérfluo mais uma vez? Teria seu mecenas finalmente decidido que ele estava
‘ultrapassado’ – depois de todos esses anos sendo mantido ali? Ele lutou para
encontrar algum elogio para dizer. “As características são muito realistas. É uma
bela obra, quem você empregou...?”
“Isto não é uma máscara, seu idiota! Esta é minha nova fisionomia. Meu
verdadeiro eu!”
Emoções tomaram conta de Moses: confusão a respeito do que o Mestre estava
lhe dizendo, uma estranha euforia pois seu trabalho seria necessário outra vez
e um desgaste já que sua servidão ainda não havia terminado. “Então você
retornou porque precisa das minhas máscaras mais uma vez?”
“Sim” O Mestre passou por ele, fazendo seu caminho de volta ao longo do
corredor para o estúdio de Moses. “Eu esperava que a computação de
transferências em blocos fosse o caminho avançado – disfarces digitais criados
por pura matemática – mas experiências recentes me convenceram do contrário.
Gostaria de retornar a soluções mais simples.”
Moses suspirou. Nos anos em que ficara sozinho ele havia esquecido o tom que
seu mecenas dirigia a ele. A absoluta anulação dele como qualquer outra coisa
que não uma ferramenta a ser utilizada. Enquanto Moses mancava atrás dele,
memórias de todos os maus tratos que ele sofrera ao longo dos anos vieram à
tona.
O Mestre virou-se bruscamente. “Por que você está se esquivando aí atrás? Qual
o problema?”
“Nada, Mestre. Nada.” Moses fez o melhor que pôde para andar mais rápido
enquanto seu mecenas desaparecia para dentro do estúdio. “Eu venho
trabalhado constantemente durante os anos que esteve fora...”
“Estou vendo.”
Para o seu desânimo, Moses adentrou o estúdio e viu que o Mestre havia
levantado o pano que cobria a escultura incompleta do feiticeiro e estava
levantando uma sobrancelha questionadora. “Um pouco mais fantasioso que seu
trabalho usual?”
Envergonhado pela natureza rudimentar da cabeça, Moses pegou o pano úmido
dele e cobriu a obra mais uma vez. “Um trabalho incompleto em progresso, nada
mais. Aqui, estas são as peças em que estive trabalhando enquanto você estava
fora.”
Ele gesticula na direção da fila de pedestais, cada um apoiando uma cabeça
diferente. O Mestre caminhou ao longo da fila, acenando satisfeito enquanto
examinava cada busto.
“Excelente, Moses. Excelente. Você realmente é um artesão” Ele virou-se para
seu prisioneiro, uma careta passando pelo seu semblante duro enquanto olhava
para ele propriamente pela primeira vez. “Existe sim algo de errado, não existe?
O que é?”
Moses estremeceu.
“Me diga!”
Com um suspiro cansado, olhando para o chão, Moses disse: “Eu temo que...
Estou morrendo, Mestre.”
“Morrendo?” Um olhar de choque passou brevemente pelo rosto do Mestre.
“Não. Eu não posso permitir isto.”
“Você tem pouca escolha sobre isso.” Moses deu um sorriso irônico. “Morrer é
a única coisa que eu posso fazer que você não pode controlar.”
“Mas por que? Você está doente? Se puder ser tratado...”
“Meu povo possui um ritual que deve ser performado quando atingimos um
determinado ponto de nosso ciclo de vida, um líquido que deve ser consumido
para prolongar a vida.” Moses sacudiu a cabeça. “Quando você me levou do meu
mundo, você me privou deste líquido.”
“Mas você nunca disse nada antes!”
Moses deu uma meia risada. “Já se passaram muitos anos desde a primeira
vez em que você me colocou aqui para trabalhar, e muitos mais desde a última
vez que nos vimos. Por mais que eu tente fingir que não, a solidão cobrou seu
preço.”
Exausto pela primeira conversa de qualquer duração que ele tinha com
alguém além dele mesmo em uma era, Moses baixou-se em uma das cadeiras
duras de madeira e soltou mais um suspiro profundo. “Morrer agora não vai ser
tão ruim. A verdade é que ninguém precisa mais dessas habilidades. Você
mesmo disse, até mesmo você procurou uma alternativa...”
“Fique quieto", retrucou o Mestre, suas feições ficando sombrias e raivosas.
“Ainda necessito de você, Moses. Esse líquido que você precisa. O que é e como
eu consigo?”
Moses olhou para ele com uma diversão silenciosa. “É um fluido revitalizante
do corpo da própria Colmeia Mãe, dado em um ritual antigo que meu povo pratica
a séculos. Você não pode pensar que você, um homem apenas, poderia com
sucesso forçar a Colmeia Mãe e seus zangões assistentes a concordar em
deixar você saber o segredo? Além disso, o momento em que deve ser
consumido é primordial e eu já passei desse momento a muito tempo.”
O Mestre rangeu os dentes. “Então deve haver algum jeito de sintetizar essa
substância, de alterar esse período.”
“Muitos tentaram, nenhum teve sucesso.” Moses fez uma pausa, um olhar
distante tomando conta de seus olhos. “Mas talvez...”
“Talvez?” O Mestre inclinou-se para perto dele. “Talvez o que?”
“Antes de você me capturar, antes de me trazer aqui, eu ouvi boatos de que um
homem, um cientista, estava testando um novo composto artificialmente criado.
Um composto chamado Carenophil.”
O Mestre ficou tenso.
“Você já ouviu falar?”
“Sim.” O Mestre concordou lentamente. “Carenophil é de fato um ingrediente raro
e perigoso.”
O Mestre refletiu durante um tempo e o único som na oficina era a própria
respiração difícil de Moses. Finalmente, o Mestre se abaixou, agarrou Moses
pelo braço e o ergueu da cadeira. “Mesmo assim,” ele disse, sorrindo. “Onde
existe uma vontade....”

Tovin, líder do Conselho Planetário de Restovan, caminhou através das portas


do prédio do Parlamento e se apressou para cumprimentar o homem que
esperava por ele.
O Doutor estava exatamente do jeito que ele se lembrava, alto e desajeitado,
com cabelos encaracolados apertados sob um chapéu de feltro de abas largas,
roupas boêmias e envolto em um cachecol extraordinariamente longo. Ele sorriu
amplamente conforme Tovin se aproximava, seus dentes praticamente brilhando
na escuridão da câmara do conselho.
“Doutor.” Tovin sacudiu sua mão calorosamente. “É bom vê-lo novamente. Eu
vim assim que recebi sua mensagem. Por favor, venha para o meu escritório.
Poderemos falar em particular.”
Os dois homens se apressaram através dos pisos encerados de mármore e um
lance de escadas, surgindo em uma ampla galeria curva com vista para a câmara
do conselho. Destrancando uma das portas de madeiras ornamentadas que
complementavam as paredes da galeria, Tovin conduziu o Doutor para dentro.
“Agora, Doutor,” disse Tovin, se sentando à sua mesa. “Você disse que estamos
em perigo?”
“Vocês estão de fato, Tovin, estão mesmo.” O Doutor se esparramou na cadeira
de frente para ele, balançando as pernas sobre o braço de madeira. “Você já
ouviu falar do Mestre?”
Tovin franziu a testa. “Sim... Um tipo de criminoso, eu acredito?”
“Um gênio do crime!” reforçou o Doutor. “Um companheiro Senhor do Tempo,
totalmente implacável. Um astrofísico e químico magnífico. Um hipnotista
formidável, possui habilidades altamente avançadas em percepção extra-
sensorial, exímio atirador, provavelmente um talentoso cozinheiro, e meu mais
velho amigo.” Ele sorriu. “E eu acredito que ele está atrás do seu Carenophil.”
“O que?” Tovin tensionou-se alarmado.
“Sim.” O Doutor retirou seus pés do braço da cadeira e inclinou-se sobre a mesa
em tom conspiratório. “Depois do Mestre quase ter destruído Gallifrey, os
Senhores do Tempo procuraram por ele no tempo e espaço. As projeções da
matriz sugeriram que ele pretende roubar uma quantidade do líquido Carenophil
do seu cofre farmacêutico. Agora, corrija-me se eu estiver errado, Tovin, mas
devido a natureza extremamente perigosa do Carenophil, deveríamos estar
preocupados a respeito do que o Mestre pretende fazer com ele, certo?”
“Mais do que preocupados, Doutor.” Tovin estava sombrio. “Somente pensar em
alguém como o Mestre tomando posse disso...”
“Bom, então, vamos nos certificar de que ele não consiga.” disse o Doutor dando
tapinhas no braço de Tovin. “Você pode providenciar o transporte para outra
instalação mais segura, sim?”
“Nossa instalação é segura, Doutor.” Tovin protestou. “O Mestre não achará o
trabalho tão simples.”
“Eu realmente não subestimaria o Mestre.” O Doutor quebrou sua solenidade
com um sorriso repentino. “Que seguranças você possui no lugar?”
Tovin esticou-se para um controle no lado da mesa e a parte de cima se acendeu,
tornando-se um projetor holográfico. “Central de Registros, aqui é o conselheiro
Tovin, identificação 21281/61289. Solicitando acesso aos planos de construção
do cofre farmacêutico.”
Imediatamente uma rede de linhas brilhantes surgiu sobre a mesa, tornando-se
uma imagem esquemática em 3D de uma larga estação espacial cuboide, seu
interior entrecruzado por corredores e camadas de câmaras.
“Aí está, Doutor. As plantas originais da Clínica Mills.”
“Claro. Mills sempre foi um homem de mente brilhante.” O Doutor se inclinou
ansioso, os olhos dando voltas pela imagem. “Sim. A segurança é bastante...
magistral.” Ele saltou e enfiou o chapéu nos cachos rebeldes, virando-se para
Tovin com urgência. “O quão rápido você consegue me colocar lá?”
“Você quer ir até o cofre?” Tovin perguntou surpreso. “Por que?”
O Doutor se afastou-se do holograma, seu rosto sério. “Porque mesmo com seus
bons sistemas de segurança, nós precisamos assumir que o Mestre sabe como
neutraliza-los.”
“Mas isto não é possível...”
“Eu sugiro que você me permita montar alguns amortecedores de materialização
no cofre para impedi-lo de aterrissar a TARDIS dele lá. Se ele não conseguir
entrar, ele não vai conseguir tirar o Carenophil de lá.”
Tovin considerou o plano do Doutor por um momento e então concordou. “Muito
bem, Doutor. Vou arranjar uma escolta armada até o cofre.”
“Seus melhores soldados, Tovin.” disse o Doutor solenemente. “Pegue seus
melhores soldados.”

O Robô Suporte de Serviços Médicos 2B observou quando os três passageiros


subiram a rampa do transporte de baixa órbita. Dois deles identificados pelos
seus bio-chips como membros da equipe de segurança do Parlamento e o
terceiro designado em seus arquivos como um visitante de outro mundo
chamado ‘O Doutor’. Mudando para outro modo de escanear, 2B notou que o
visitante possuía um sistema circulatório duplo e ajustou os cálculos para a
aceleração em órbita adequadamente.
As ordens de 2B eram objetivas. Transportar os três passageiros para o cofre
farmacêutico, transferir uma série de protocolos de segurança para os robôs de
serviço a bordo e esperar.
O cofre estava atualmente não tripulado. Os sistemas de navegação mantinham
a órbita geoestacionária e os sistemas de segurança que controlavam o radar de
defesa eram totalmente automatizados. Esse não era sempre o caso. De meses
em meses haviam diversas equipes de pesquisa indo e voltando, conduzindo
experimentos em novas drogas e materiais, junto de equipes de manutenção
instalando e reforçando equipamentos e corrigindo pequenas falhas. O trabalho
de 2B era simplesmente atravessar com essas equipes entre Restovan e o cofre.
Satisfeito que seus três passageiros estavam afivelados com segurança em seus
assentos, 2B virou-se para os controles e começou a transmitir os códigos de
autorização de voo para o controle de espaço aéreo de Restovan. Momentos
depois, a nave estava se lançando em uma curva parabólica rasa sobre as torres
do prédio do Parlamento e acelerando até a órbita.
A jornada até o cofre não levou mais de quinze minutos. Durante esse tempo,
2B monitorava os controles de ambiente do compartimento de passageiros da
nave, enviava dados de telemetria e diagnóstico de volta para o controle no
planeta abaixo e ajustava o curso para alinhar a nave ao cofre. Satisfeito em
estarem na rota de voo correta, 2B transmitiu uma permissão de segurança para
o computador central do cofre.
A comunicação entre o robô e o computador levou menos de um nanossegundo
e, quando a grade de segurança abaixou para permitir o acesso, 2B guiou a nave
para a baía de desembarque.
Assim que os motores da nave desligaram, 2B se tornou ciente de uma comoção
no compartimento de passageiros atrás de seu assento. Ele se virou e encontrou
o Doutor lutando com um dos membros da equipe de segurança. Não havia sinal
do segundo guarda.
Confuso pelo aparente sumiço de um dos passageiros, 2B escaneou o
compartimento, imediatamente notando que os sinais de vida do segundo
guarda estavam zerados e que havia uma grande discrepância que não fazia
sentido. Antes que seus processadores pudessem decidir como reagir, o Doutor
emitiu um rosnado zangado e empurrou o guarda com quem estava lutando, que
desequilibrou e caiu no chão. Cambaleando para trás, o Doutor abaixou-se para
pegar um aparelho tubular e atarracado que aparentemente havia caído no
convés durante a luta.
Enquanto 2B assistia, o Doutor apontou o aparelho para o guarda caído e houve
uma explosão de energia que sobrecarregou temporariamente seus circuitos
visuais. Quando suas funções visuais foram restauradas, os sinais de vida vindos
do bio-chip do guarda estavam zerados e o corpo havia sumido. Não, não
sumido.... 2B conseguia ver uma forma minúscula e retorcida deitada nas placas
do convés.
O Doutor se virou, guardando a arma tubular em seu bolso do casaco.
“Infelizmente a compressão de tecido não vai ter nenhum efeito em você. Eu vou
ter que recorrer a soluções mais tradicionais.”
Em um borrão de movimento, o Doutor puxou um segundo aparelho do outro
bolso. 2B teve tempo apenas de identificá-lo como uma pistola laser compacta
antes de um brilhante flash de luz, e então seus sistemas desligaram.

O Mestre observou os restos fumegantes do robô com satisfação. Às vezes, os


velhos métodos eram os melhores. Ele enfiou o laser de volta em seu bolso do
casaco e levou a mão ao queixo, pegando a borda da máscara e a removendo
de seu rosto.
Moses havia feito um trabalho excelente. Mesmo frouxa em suas mãos, a
máscara possuía uma inquietante semelhança com o Doutor. Havia sido fácil
enganar aquele idiota do Tovin.
“Colapsar”, ele sibilou, e a máscara dobrou-se, se tornando um rolo tenso de
carne e cabelo. Havia sido sua ideia construir o item final vestível de plástico
Nestene. A máscara não estava exatamente viva, mas respondia a fortes
instruções mentais, e sua mente era mais do que forte para isso.
Enfiando a máscara em seu bolso junto do laser, o Mestre abaixou a rampa da
nave e apressou-se ao longo da baía de pouso para a escotilha de entrada. Com
os protocolos de segurança desativados, ele precisava somente de alguns
segundos para acessar o código de tranca. Com um zumbido dos motores, a
porta deslizou aberta.
O Mestre adentrou a fria e estéril atmosfera do cofre, mentalmente revisando a
configuração do interior que havia memorizado do holograma que Tovin lhe
mostrara. Não demoraria muito para as autoridades notarem algo de errado e
enviarem uma segunda nave. Ele tinha talvez quinze minutos para encontrar o
banco do computador principal. Assim que tivesse a habilidade de ligar e desligar
a tela de defesa, ele teria toda a liberdade para encontrar e drenar todo o
Carenophil que ele precisasse.
O Mestre caminhou pelos corredores desertos até chegar ao banco do
computador principal em uma câmara no centro da estação. Ele nem mesmo se
incomodou em tentar decifrar a fechadura complexa. Com o laser, ele cortou um
buraco na porta de segurança e entrou por ele.
Apesar de tudo, ele estava impressionado. Os sistemas automáticos do cofre
eram muito mais sofisticados do que ele esperava. Ele havia subestimado Tovin
e seu povo, com a exceção da confiança que ele eles possuíam em um viajante
bem feitor como o Doutor.
O Mestre caminhou até os controles principais e apertou uma série de comandos
complexos que impediriam alguém de Restovan de reestabelecer o controle.
Satisfeito, ele fez seu caminho de volta pelo buraco do laser e seguiu pelo
corredor, até o elevador.
O Carenophil era armazenado no topo da estação, em uma cápsula isolada que
poderia ser ejetada da estação em caso de emergência. Enquanto o elevador
subia, um pensamento de dúvida cruzou a mente do Mestre. Carenophil era uma
substância volátil, imprevisível e extremamente perigosa e no momento ele não
via como poderia ajudar na condição de Moses. Porém... Moses insistira que
alguém havia feito progresso no uso para esses casos, e se um ser inferior era
capaz...
As portas do elevador se abriram e o Mestre entrou na sala-forte farmacêutica.
A larga câmara de metal estava banhada em um luz verde suave, cada parede
forrada de ir urnas retangulares com portas hermeticamente fechadas. Robôs de
serviço de diversas formas e tamanhos marchavam e deslizavam pelo chão, mas
nenhum dava a ele qualquer atenção, sua interferência nos protocolos de
segurança havia cuidado disso.
Ele fez um rápido circuito pela sala, checando as leituras de cada porta. Cada
urna continha um diferente composto químico raro ou perigoso, Spectrox,
Loyhargil, geleia Chimeron, XYP... Finalmente ele encontrou a urna que continha
o Carenophil e ativou o mecanismo de abertura.
Imediatamente a iluminação na câmara mudou de verde para um vermelho
profundo e raivoso e as portas do elevador se fecharam com o que parecia um
objetivo perturbador. “Isolado”, o Mestre murmurou enquanto, com um barulho
hidráulico, a urna se abriu e uma pequena nuvem de gás congelante ondulou
para fora.
O Mestre espiou o interior da urna. Para uma substância tão perigosa, o
Carenophil parecia bastante inofensivo, um líquido âmbar, ligeiramente turvo e
viscoso que enchia metade de um cilindro transparente largo não muito maior
que um tambor de óleo. De um lado do tambor havia um painel controlando
temperatura e pressão, na base havia um sistema através do qual pequenas
quantidades do líquido poderiam ser extraídos para pequenos frascos, cada um
do tamanho de um porta-charuto.
Rapidamente se familiarizando com os controles, o Mestre ativou o sifão e
observou com satisfação um dos frascos se encher lentamente de Carenophil.
O mecanismo emitiu um bipe suave quando o processo estava concluído e uma
pequena luz de aviso começou a piscar no topo do frasco.
Cuidadosamente, o Mestre colocou a mão dentro da urna e extraiu o frasco,
espiando o líquido dourado e pálido dentro. Carenophil era uma substância que
havia sido criada um pouco antes de seu período de hibernação como um Melkur
em Traken. Mesmo naquela época ocorreu a ele que a substância poderia ser
uma adição muito útil ao seu arsenal. Agora ele teria a chance de estudá-la
propriamente.
Colocando o frasco no chão com cuidado, ele se dirigiu ao painel de controle
mais uma vez. A amostra que ele tinha seria suficiente para o que Moses
precisava. Agora ele precisava de um pouco para seus próprios experimentos.
Ele digitou a mesma sequência de comandos que antes, mas dessa vez, ao
invés de um bipe suave, o mecanismo emitiu um zumbido severo de
desaprovação. Franzindo a testa, o Mestre tentou a sequência mais uma vez,
recebendo o mesmo resultado. Ele estava prestes a fazer uma terceira tentativa
quando uma áspera voz eletrônica ecoou no cofre.
“Aviso. A substância que você selecionou é restrita. A quantidade que você
drenou do reservatório é a máxima que pode ser dispensada em qualquer
período de tempo. Quaisquer outras tentativas de acessar esse reservatório irá
resultar em um bloqueio de segurança.”
O Mestre praguejou em voz baixa. Ele deveria ter antecipado que talvez
houvesse uma restrição de acesso ao Carenophil. Se ele tentasse anular o
sistema automático ele arriscaria ficar preso ali, ou pior, ser ejetado no espaço e
já deveria ser muito tarde para voltar a sala do computador e tentar anular de
lá...
Aceitando que ele teria de se virar com a pequena quantidade do Carenophil
contido no frasco a seus pés, o Mestre recuou. Ele reativou a tranca e observou
a tampa de metal voltar a se fechar com um suspiro. Para seu alívio, a iluminação
da câmara voltou para seu tom verde original e, quando as portas do elevador
se abriram novamente, ele pegou o frasco e saiu da sala-forte.

Com o frasco de Carenophil seguro em um dos seus bolsos do casaco, o Mestre


se apressou pelos corredores frios de metal na direção da baía de pouso. Tudo
havia acontecido exatamente como planejado. Tudo o que ele precisava fazer
agora era pilotar a nave de volta para onde sua TARDIS estava escondida fora
da cidade de Restovan e retornar para Djinn.
Ele já havia decidido que, uma vez que Moses estivesse recuperado, ele
procuraria melhorar o nível dos aposentos da fortaleza. O velho escultor havia
provado ser um aliado mais leal do que o Mestre antecipara e, com a
manipulação certa, poderia ser encorajado a fazer ainda mais. Ele tinha planos,
e Moses seria uma parte essencial desses planos.
Mas quando o Mestre chegou a baía, ele encontrou as portas de metal fechadas.
Ele franziu a testa, certo de que havia deixado as portas abertas para garantir
uma fuga rápida. Ele digitou o código de abertura no teclado e as portas se
abriram.
Ao se abrirem, o Mestre viu, enfileirados através do convés de metal da baía de
pouso, o Conselheiro Tovin com um grupo de guardas.
“Ah, meu querido Conselheiro Tovin.” O Mestre sorriu, inclinando a cabeça em
uma falsa demonstração de respeito. “Que agradável, e devo dizer, inesperado
prazer.”
“Eu gostaria de poder dizer o mesmo”, disse Tovin. “Mas só de pensar em uma
criatura como você se passando por alguém como o Doutor me deixa com um
gosto amargo na boca.”
O sorriso do Mestre desapareceu. “Como você soube? Meu disfarce estava
perfeito.”
“Oh, a máscara era boa, sim, muito boa. Porém, quando você estava estudando
as plantas da Clínica Mills, você disse que Mills sempre foi um homem de mente
brilhante. Agora, levando em conta que o Doutor e Claire Mills trabalharam juntos
por semanas no cofre...”
“Ah...” O Mestre encolheu os ombros em resignação. “Um simples equívoco.”
“Você pode ser um Senhor do Tempo, mas não é nada como aquele Senhor do
Tempo....”
“E você permitiu meu acesso sabendo que eu era um impostor?”
“Eu precisava de tempo para preparar meus guardas. Mandando você para cá,
eu esperava evitar mortes desnecessárias...”
O sorriso arrogante do Mestre retornou. “Você deveria dizer isso para os dois
guardas que você mandou para cá comigo como cordeiros para o sacrifício.”
“Você acha que eu seria tão insensível para mandar dois homens para a morte?
Aqueles eram Slabs. Construções artificiais programadas para reagir de acordo
tanto para disparos de laser quanto para compressão de tecido.” Ele estendeu a
mão. “Me dê suas armas.”
“Me escuta, Tovin. Isto não é um simples assalto. Eu preciso do Carenophil. Não
para mim, mas para um homem moribundo.”
“Este é o melhor que pode fazer?” zombou Tovin. “Tentar me convencer de que
está em uma missão de misericórdia?” O Conselheiro deu uma risada de
desprezo. “O Carenophil será retornado ao cofre e você será posto em
julgamento pelas autoridades de Restovan. Agora, suas armas!”
O Mestre suspirou profundamente e lentamente colocou as mãos no bolso do
casaco. Ao fazer isso, uma dúzia de armas apontaram em sua direção.
“Eu imagino que você também vá querer ficar com isto.”
Devagar, o Mestre retirou o pacote comprimido de pele e cabelo que havia sido
seu disfarce. Tovin observou com uma mistura de aversão e fascínio enquanto
a máscara se desdobrava na mão do Mestre, até que parecesse novamente com
o rosto do Doutor.
“Uma substância impressionante, o plástico Nestene.” ronronou o Mestre. “E
uma que eu venho utilizado com grande eficiência ao longo dos anos. No
entanto, eu devo admitir que nunca imaginei utilizar desta maneira.”
Com um giro no pulso, ele lançou a máscara na direção do Conselheiro Tovin.
Enquanto a máscara se arqueava pelo ar, ela parecia inchar e se distorcer, os
buracos dos olhos e da boca se abrindo e distendendo, a carne das bochechas
esticando. Com um grito de horror, Tovin tentou se abaixar, mas a máscara
aterrissou em seu rosto, engolindo sua cabeça.
Com os gritos abafados pela máscara, Tovin caiu no chão de metal do convés,
os dedos rasgando a coisa que estava lhe sufocando. Pegos de surpresa, os
guardas mais próximos de Tovin correram para ajudar. Nesse momento de
confusão, o Mestre entrou em ação.
Ele se lançou para um lado, retirando as armas dos bolsos. Com seu compressor
de tecido em uma mão e sua pistola laser na outra, o Mestre abriu fogo contra
os guardas. Corpos, tanto em tamanho normal quanto em miniatura, tombaram
no chão de metal, e após alguns curtos e brutais segundos estava terminado.
O Mestre caminhou pela carnificina até o corpo imóvel do Conselheiro Tovin.
Não era o rosto de Tovin olhando para cima com os olhos sem vida, mas o do
Doutor, sorrindo abertamente. O Mestre estendeu a mão e a máscara trêmula
deixou o rosto do Conselheiro em direção da sua palma.
“Você estava certo, Tovin", murmurou o Mestre enquanto a máscara se dobrava
de volta em um pacote de pele. “Eu não sou nada como o Doutor. Eu nunca vou
ser.”
Com isso, o Mestre virou-se e fez seu caminho de volta para a nave que o
aguardava.

Enquanto os últimos ecos dos motores da TARDIS sumiam, o Mestre entrou no


estúdio de Moses em Djinn. Mas o quarto estava escuro e deserto, os olhos sem
vida de dúzias de cabeças sem corpo o encarando como se o desaprovassem.
Depois de todos os seus esforços, será que ele teria chegado tarde demais?
“Moses?” o Mestre chamou. “Você morreu em cima de mim, seu vira lata ingrato,
depois de tudo que eu passei por você?”
Para sua satisfação, houve um som de movimento do corredor, e após alguns
momentos, o velho escultor apareceu na porta.
“Minhas desculpas, Mestre. Eu estava dormindo e não ouvi sua chegada.” O
escultor olhou para ele com expectativa. “Você obteve sucesso?”
“Você pensou mesmo que eu não conseguiria?” Com um sorriso presunçoso, o
Mestre levantou o frasco de metal.
Com cautela, Moses pegou o frasco. “Não, Mestre. Eu nunca duvidei de você.”
Ele observou o pálido líquido âmbar rodopiando ali dentro.
“Agora, você precisa me dizer tudo o que sabe sobre essa pessoa que você diz
ter tido sucesso com o Carenophil em seus experimentos. Eu só pude adquirir
esta única amostra e não desejo gastar mais do que o absolutamente necessário
para salvar sua vida miserável. Eu tenho planos para o resto.”
Moses acena com a cabeça lentamente. “É claro que tem...”
Antes que o Mestre pudesse impedi-lo, Moses torceu a tampa do frasco e
engoliu o Carenophil em rápidos goles.
“O que você está fazendo...?”
O Mestre se lançou para a frente quando Moses caiu de joelhos, o frasco caindo
de seus dedos e batendo no chão de pedra. Agarrando-o pelos ombros, ele
observou com horror e descrença o velho escultor começar a empalidecer e
murchar na frente de seus olhos.
“Eu nunca pensei que você seria tão fácil de enganar...” ofegou Moses.
“Você mentiu para mim?”
Moses fez que sim fracamente. “Se nós passamos do ponto onde devemos
tomar o néctar da Rainha sem tomá-lo, não resta nada além de uma longa,
dolorosa e indigna morte. O Carenophil vai garantir um fim mais rápido.”
“Mas porquê? Por que uma coisa tão rara e perigosa como o Carenophil?”
“Se eu dissesse que minha condição poderia ser curada por algo que você
soubesse ser um veneno, você teria suspeitado. Pior, você talvez passasse anos
tentando me manter vivo com suas próprias soluções. Eu não suportaria a dor
que isso causaria.”
Um acesso de tosse assolou o corpo do velho. Abaixo das mãos enluvadas do
Mestre, ele estava se tornando mais insubstancial a cada segundo. “A minha
história criou dúvida suficiente na sua mente para você acreditar ser verdade. E,
ao dizer que outro homem havia tido sucesso nesse esforço, seu próprio ego
não lhe deixaria acreditar que você não poderia.” Moses se esforçou para olhar
para ele. “Veja, esse é o meu modo de escapar. Mas meu trabalho vai viver, nas
máscaras e no que fizer com elas...”
Se Moses tinha mais a dizer, era tarde demais. O que restou dele deslizou dos
dedos do Mestre, consumido pelo Carenophil.
O Mestre se levantou, olhando para o que havia sobrado de seu artista. A raiva
que sentia era dirigida mais para ele mesmo do que para o velho artesão. Talvez
ele havia subestimado o homem desde o começo.
Lentamente ele observou o cômodo, dezenas de cabeças olhando cegamente
de seus pedestais. Nos anos em que ficara sozinho, o velho havia criado
disfarces suficientes para durarem anos. Moses estava certo, seu trabalho iria
viver. Porém, seu corpo...
Bem, pensou o Mestre. Não havia nenhuma necessidade de passar mais tempo
em Djinn. Uma vez que as esculturas e os equipamentos para fazer as máscaras
estivessem guardados em segurança na TARDIS, ele desligaria os geradores e
deixaria os elementos fazerem seu trabalho. A fortaleza havia sido a prisão de
Moses, agora seria sua tumba. As semelhanças das criaturas de todos os cantos
do universo que adornavam as paredes seriam seus guardiões enquanto sua
alma entrava em quaisquer pós vida que aguardava por ele. E ninguém que se
arrisque nesse lugar vai adivinhar sua história ou saber o destino de seu único
ocupante.
O Mestre riu suavemente. Seria um monumento apropriado para o Mestre dos
Disfarces.
A COLHEITA NOTURNA
BEVERLY SANFORD

- Pelos deuses, você está louco? Tala sussurrou enquanto corria pela fileira de
plantas. — Não é seguro. Ela verificou a máscara firmemente tecida sobre o
rosto, rezando para que fosse o suficiente. Aqui no campo, nas profundezas das
plantações altas e espinhosas, não havia mais nada para protegê-la.
O pulso de Tala disparou enquanto ela se aproximava de seu alvo. Sair
sorrateiramente após o toque de recolher e observar o céu todas as noites
finalmente foi recompensado. Ela tinha visto luzes atrás dos campos antes, mas
ela nunca foi capaz de vê-las de perto antes que elas desaparecessem. Ela sabia
que devia haver outras terras lá fora, outras criaturas, não importa o que os
Anciões dissessem. E agora, pela primeira vez em toda a vida de Tala, um
estranho apareceu.
- Eu sabia que você viria - sussurrou ela. - Não sei de onde você veio, mas
finalmente você está aqui!
Um estranho. Alguém novo. Alguém que parecia não ter ideia do perigo que
ambos corriam. Vestida com um casaco escuro com capuz, a figura avançou em
direção a uma grande planta, que olhou para baixo, sua flor roxa suave dançando
ao vento noturno.
A figura sacou uma faca brilhante e cortou a cabeça de flor.
— Ah, não.... Tala parou. Ela colocou as mãos na máscara. Ela sabia o que
estava por vir.
A planta decapitada se debateu violentamente enquanto ao redor do estranho
as plantas começaram a ondular como uma só. Fazendo barulho com raiva, elas
lançaram sua arma silenciosa. O ar brilhou quando o luar atingiu as minúsculas
partículas. O estranho riu. A risada de um homem.
Tala sabia que ele cairia em um sono para sempre se ela não o ajudasse, mas
sua consciência a alertou furiosamente. Ele havia prejudicado as plantas - todos
sabiam que elas só deveriam ser cortadas durante a Colheita Noturna. estranho
merecia ser punido!
Mas e se o estranho não soubesse o que tinha feito? E se ele fosse um
estrangeiro? E se os deuses finalmente tivessem respondido suas orações? Tala
abaixou a cabeça, em conflito.
Um farfalhar a fez erguer os olhos. O estranho havia partido. Espiando nas
sombras, Tala o viu afastando-se por entre as plantas que se debatiam. —
Espere! ela clamou. Ela correu atrás dele. 'Por favor, você pode esperar?' ela
clamou novamente.
As plantas cresceram sobre ela e Tala rezou novamente para que os vapores
não passassem por sua máscara. As plantas a reconheciam, ela sentia.
Raramente se voltavam contra seus cuidadores, os moradores aprenderam a
lidar com elas ao longo dos anos, mas eram mortais para qualquer um que as
cruzasse. Ela tinha visto por si mesma. Quando crianças pequenas, ela e seus
primos haviam se esgueirado para o campo. O pequeno Kalat estava ansioso
para provar a si mesmo e então, desafiado por seu irmão, ele escalou um caule
espinhoso e colheu uma flor para tia Syla. Porém, ele escorregou e bateu no
chão, arrancando a máscara de seu rosto. As crianças assistiram, impotentes,
enquanto as plantas liberavam seu veneno e Kalat adormecia para sempre. Ele
ainda estava segurando a flor em sua mão quando os Anciões o levaram para o
Santuário. Tala nunca tinha ido para o campo sem sua máscara
O estranho estava se aproximando da clareira no fundo do campo, onde uma
floresta marrom emaranhada de arbustos e espinhos bloqueava sua saída.
'Agora você vai ter que falar comigo!' pensou Tala.
Ela correu atrás dele, mas então, bem diante de seus olhos, ele bateu em uma
árvore e desapareceu. — Isso é impossível! Tala engasgou. Ela olhou ao redor
do tronco, bateu nele e olhou para os
galhos secos, mas ele não estava mais lá. 'Uma pessoa não pode simplesmente
cair em uma árvore!' disse ela. A menos que ... ele não fosse uma pessoa? Ele
andou ileso entre as plantas, não foi? E se ele não fosse um estrangeiro?
E se fosse uma visitação dos deuses?
Tala caiu de joelhos e começou a cantar uma canção de oração, com os olhos
fechados. — Olá? OLÁ? Tem como você parar? Estou com a cabeça estourando
de dor.
Os olhos de Tala se abriram e ela viu a cabeça de um homem saindo do tronco
da árvore. Seu cabelo loiro curto e desgrenhado parecia a luz da lua e seu rosto
redondo estava enrugado de irritação.
— Sim, você. Chega de cantoria. O fedor dessas plantas já é o bastante para
dar uma baita enxaqueca. Tala ficou boquiaberta. - Sinto muito - ela disse. 'Oh
Bal'kalu, você é-'
'Bal'kalu? "Quem é ele?" O homem levantou uma sobrancelha.
'Bal'kalu, Deus dos Campos, Portador da Colheita e Nossa Espécie e Mestre
Benevolente. Não acredito que você escolheu aparecer para mim! '
- Gentil e benevolente? O homem sorriu maliciosamente. - Você errou por um
bocado. Tchau! Sua cabeça desapareceu novamente. Tala deu um pulo. —
Espere! Você andou ileso pelas plantas, eu te vi! Só os deuses podem fazer isso!
' A cabeça do homem reapareceu, desta vez com o que parecia uma máscara
sobre ela, mas feita de um estranho,
material espesso. - A primeira coisa que você deve saber: sou melhor do que
qualquer deus. Então ele desapareceu novamente.
'Como você está dentro da árvore?' Tala pegou uma grande pedra e bateu no
tronco. Seria magia? Você é um demônio? '
Tala de repente caiu direto na madeira e em uma sala espaçosa e bem
iluminada. O homem estava diante dela, carrancudo. Entendeu? E antes de
começar a ter um chilique, não tenha." - rebateu ele. - Eu mencionei que minha
cabeça está estourando, não foi? Ele voltou sua atenção para uma mesa branca,
onde estava cutucando a flor cortada com algum tipo de ferramenta.

- Pelos deuses ... - disse Tala, seus olhos vagando pelas estranhas paisagens
ao seu redor. - Todas as árvores são assim por dentro?
Há. Todas as pessoas aqui são tão ignorantes quanto você? Espero que sim. O
homem espirrou e assoou o nariz em um pano. “Essas plantas realmente são
incrivelmente fedidas. Como você aguenta? Você não odeia feder o cheiro de
plantas fedorentas o dia todo?
Essa arvore é a sua casa? Ela caiu do espaço? ' Tala persistiu. 'Ouça, fedida ...'
'Tala.'
'… Qualquer que seja o seu nome. Quer que te conte um segredo?
"Sim."
O homem se abaixou perto de seu ouvido e sussurrou. 'Não é uma árvore.'
'Eu sabia!' Tala respirou fundo. 'É mágica, não é? Você realmente é melhor do
que os deuses! '
'Muito melhor. Muito, muito melhor. Quer saber outro segredo? ' Ele não esperou
por uma resposta. - Quaisquer deuses seus deveriam ter muito medo de mim!

- Mas como é realmente o espaço? Tala perguntou pela terceira vez.


O homem se afastou de suas ferramentas estranhas e esfregou os olhos. -
Talvez eu deixe você ver por si mesmo quando terminarmos aqui. Sem um traje
espacial. '
Tala olhou para o estranho fascinante. - Você realmente promete que vai me
levar com você?
- Se você fizer como prometido e me ajudar. Agora, sem falar de espaço por dois
minutos, conte-me mais sobre as plantas. De onde elas vieram?" O homem se
levantou, braços cruzados e cabeça inclinada.
- Já te disse ... Bal'kalu os plantou para que as primeiras pessoas não morressem
de fome. "Essas primeiras pessoas", ponderou o homem. - De onde eles
surgiram?
“Eles vieram do espaço”, disse Tala. "Eles foram as primeiras pessoas aqui."
'Eles tinham todo o universo para escolher e eles vieram aqui? Se eu estivesse
procurando um lugar novo, escolheria um lugar com um pouco mais de
entretenimento. '
'Eles estavam fugindo de seu mundo natal em chamas. A nave deles caiu e eles
ficaram presos aqui. Por favor, você pode me dizer seu nome? '
'Por que ninguém veio buscá-los? Eles não tinham companheiros espaciais? As
naves espaciais têm maneiras de falar com outras pessoas no espaço, você
sabe.
'A sua consegue fazer isso?' Tala foi até a mesa com os botões e alavancas.
'Posso falar com outras pessoas no espaço com isso?'
''Não'', disse o homem. 'Agora pense. Tem certeza de que nunca conheceu
ninguém do espaço? Alguém além de mim? '
Ninguém! O tio disse que não há ninguém lá fora. Ele disse que estamos
sozinhos. O homem estendeu os braços. - Porem, aqui estou eu!
Esse é o ponto! disse Tala. - Já vi luzes estranhas atrás do campo antes. Eu
sabia que não estava imaginando isso, e então você ...
'Que luzes?' o homem interrompeu.
— Eu não sei. Elas vão embora antes que eu possa pegá-las.
- Então, talvez seu tio esteja errado. O homem ergueu uma sobrancelha. Tala
mordeu o lábio. - Ele é o Alto Ancião. Ele nunca está errado. '
'Alto Ancião? Isso parece muito importante ', disse o homem.
— E é mesmo. Os deuses o escolheram para nos liderar. Ele é muito inteligente.
'
O homem sorriu como o sol saindo de trás das nuvens. "Eu também sou muito
importante e inteligente." 'Você é um Alto Ancião de onde você vem?' Tala
perguntou, com os olhos arregalados.
Melhor. Que. Um. Deus,' o homem a lembrou. - O que seu tio disse sobre as
luzes?
Ainda não falei para ele." Eu seria punida por sair após o toque de recolher. Você
vai me dizer por que está aqui?
O homem suspirou, então olhou atentamente. - Estou aqui para um trabalho
muito importante, Tala. Não posso permitir que o resto do espaço descubra. E
se você contar a alguém sobre mim? '
— Não vou. Prometo!
“Um dos meus muitos talentos consideráveis é a ciência. Eu não espero que
você saiba o que é. Mas estou particularmente interessado em botânica. ' Ele
pausou. Plantas.
"Nossas plantas?" Tala disse, franzindo a testa. Ele a confundiu, como tentar
sentir o sol durante uma tempestade. Suas palavras caíram como chuva, como
se sua mente colocasse pensamentos em sua boca antes mesmo que ele os
conhecesse, e o tempo todo seu rosto e mãos dançavam como se ele não
soubesse como ficar parado. Mas seus olhos ... não eram olhos velhos e maus
como os do Ancião Yaba ou olhos doces e devotos como os de Asha. Eles
queimavam como fogo.
'Uma estrelinha dourada para Tala!' o homem disse. - Estou tentando descobrir
por que suas plantas são tão inteligentes. É um trabalho muito importante.
“É porque os deuses as fizeram assim. O Ancião Zara diz ... '
O homem suspirou alto. - Você ainda quer ver o espaço, não é, Tala? Sim...
'Então vamos começar de novo, desde o início. Conte-me tudo sobre a colheita
e não deixe nada de fora. '

Tala correu pelos campos quando o sino tocou. Ela não sabia como se sentaria
para orar com toda a excitação borbulhando sob sua pele. Ela prometeu ao
homem - ou, como ele disse a ela para chamá-lo, Xanos - que não contaria a
ninguém que ele estava lá, não que ele precisasse pedir. Se os anciãos

descobrissem que ele tinha prejudicado as plantas, eles iriam matá-lo, e ela não
estava disposta a deixar sua passagem para o espaço desaparecer quando ela
esperou sua vida inteira por isso.
Ela tocou o pequeno dispositivo enfiado dentro de seu capuz. Como ele chamou?
Um 'transmissor', era isso. Ele disse que podia ver através dela, que a janela em
movimento em sua nave mostraria tudo o que ela visse. Tantas coisas novas
para aprender! O coração de Tala bateu forte, a emoção de seu encontro
pulsando por ela.
Uma adolescente com cabelos da cor do pôr do sol correu até Tala. 'Olhe para
você,' Ela sorriu. 'Alguém está feliz esta manhã! É por causa do Cabu? '
— O quê? Tala disse, surpresa. 'Oh! Não. Eu não o vi.' Ai deuses, Cabu! Ele
tinha caído fora de sua mente no segundo que ela conheceu o estranho. '- Só
estou de bom humor.'
"Aposto que Cabu se voluntaria quando o fizermos", disse Asha. 'Todos nós
podemos viver juntos no novo assentamento. Talvez isso o faça sorrir pela
primeira vez! Eu estou muito ansiosa, e você? '
Tala forçou um sorriso, mas seu coração afundou. Ela odiava mentir para sua
melhor amiga sobre Xanos, mas sabia que Asha não entenderia. Ela ficaria
horrorizada por ele ter ferido as plantas e iria direto contar para os Anciões.
Enquanto Tala passava as noites observando as estrelas, Asha estudava textos
sagrados, absorvendo o conhecimento que ela esperava que um dia a tornasse
uma Anciã. Ela nunca conseguia entender por que Tala iria querer mais do que
este lugar, onde todos os dias eram iguais.
A dupla fez seu caminho para o Santuário dos Anciãos, onde o resto dos aldeões
estavam reunidos do lado de fora no círculo de oração. Cabu ficou na beirada,
observando-as se aproximar. Asha deu uma cotovelada em Tala enquanto o
jovem alto e sério olhava fixamente para ela. Tala sorriu educadamente em
saudação e sentou-se em seu lugar de costume, tentando acalmar o coração
batendo. Como ela desejou que sua tia e seu tio não o tivessem escolhido como
seu futuro companheiro! A ideia de passar as noites lavando suas túnicas e
ouvindo-o falar sobre seu sonho de ser feitor - honestamente, ele era muito mais
adequado para Asha do que para ela. Esses dois seriam uma combinação
perfeita. Se eles se casassem, certamente não sentiriam falta dela se ela fugisse
para o espaço com Xanos ...
'- E onde você estava no café da manhã?' uma voz aguda a advertiu quando
uma mulher se sentou ao lado dela, grunhindo com o esforço. Os círculos
escuros sob seus olhos evidenciavam muitos anos de árduo trabalho físico.
'- Acordei cedo, tia, e fui fazer uma prece perto do campo' - mentiu Tala. '- Sabe,
já está quase na hora da colheita.'
'- Bem' - disse sua tia. - E lá estava eu pensando que você estava com a cabeça
nas nuvens de novo. Seu tio ficará feliz com você.
Naquele momento, o tio de Tala saiu do santuário. As tatuagens de folhas roxas
em seu rosto o marcavam como o Alto Ancião, um homem sagrado escolhido
pelos deuses. Atrás dele estavam os outros Anciões, cada um usando uma
túnica roxa.
O Alto Ancião Masa não morava com Tala e sua família. Os Anciões viviam na
Cabana, um edifício sagrado atrás do santuário, onde contemplavam e recebiam
instruções dos deuses. Quando menina, Tala puxou as vestes do tio e implorou
que ele a deixasse espiar dentro dos edifícios sagrados, mas a tia Syla deu um
tapa na mão dela. "Mostre algum respeito", ela avisou. 'Os lugares sagrados são
apenas para os escolhidos e os mortos!'
O sino anunciou o início das orações. Tala tentou não pensar em Xanos, mas
sua mente divagou. Ela sorriu secretamente, pensando no que ele chamava de
'TARDIS' - sua espaçonave que parecia uma árvore. Ele disse a ela que poderia
assumir qualquer forma. 'Até a sua casa!' ele sorriu. Ele tinha um grande sorriso,
Tala notou, mas torto, como se estivesse quebrado.
O Alto Ancião bateu três vezes com seu cajado de madeira entalhada no chão.
'Bom dia, meu povo dedicado e zeloso. Hoje, trago notícias - boas notícias! Os
deuses falaram. Recebemos uma mensagem muito aguardada sobre o acordo.
'
As orelhas de Tala se ergueram. Esta era uma notícia que todos estavam
esperando.
O Alto Ancião sorriu com benevolência para seu povo. “Os deuses estão
satisfeitos com nosso progresso. As plantas nos novos campos são saudáveis e
fortes. Eu sei que vocês sentem falta de seus entes queridos, mas devemos
confiar nas decisões dos deuses. Os novos campos beneficiam a todos nós. '
Ele estava certo, Tala sabia. Cada geração de aldeões era maior que a anterior
e os campos não eram mais suficientes. Eles dependiam das plantas, nenhuma
parte era desperdiçada - eram alimentos, roupas, tudo. Às vezes, as árvores
davam frutos azuis e laranjas, mas isso não enchia barrigas famintas. No
entanto, as pessoas temiam sair da aldeia. Dizia-se que alguns haviam ido em
busca do que havia além, mas nunca mais voltaram.
Mas, alguns ciclos atrás, os deuses se ofereceram para ajudar o povo mais uma
vez. Em uma visão compartilhada, os Anciões viram um lugar abundante com
solo rico, onde novas safras poderiam prosperar. Os deuses prometeram
proteger os voluntários altruístas que foram para o norte para fazer este
importante trabalho, mas ainda não havia notícias deles até agora.
'O Ancião Dasu acabou de voltar e nos garante que tudo está bem por lá. Seus
entes queridos estão dedicados à tarefa; não tema por eles, mas alegre-se por
eles prosperarem. Alguns talvez queiram se juntar a eles, pois prosperar exige
muito trabalho e precisamos de mais mãos. Quem entre vocês vai se voluntariar?
' O Alto Ancião ergueu os olhos com expectativa, observando a multidão.
Tala sentiu o dedo de Asha cutucá-la nas costas, mas ela o ignorou. Ela não
podia ir para os novos campos, não agora que conhecera Xanos.
Tala virou a cabeça e viu Asha de pé orgulhosamente, junto com outras pessoas,
incluindo Cabu. - Levante-se, Tala! Asha murmurou.
O Alto Ancião Masa chamou os voluntários para a frente. “Agora, se vierem
comigo, começaremos os preparativos”, disse ele. - Vocês estão fazendo um
nobre sacrifício hoje.
- Achei que íamos ser voluntárias juntos. Asha disse no ouvido de Tala.
Tala não conseguia olhar nos olhos dela. - Vou com o próximo grupo - mentiu
ela. 'Tia Syla precisa de mim agora, é muita coisa para ela cuidar sozinha.'
- Nós concordamos - começou Asha, mas então o olhar do Alto Ancião pousou
nela. Com o rosto carregado de decepção, ela murmurou algo baixinho e foi
embora sem se despedir.

Tala lutou para se concentrar o dia todo. Sua cabeça estava muito cheia de
novas ideias e possibilidades para pensar em coisas enfadonhas como varrer a
terra ou mexer a sopa. Ela havia sido repreendida pelo Supervisor Jakul várias
vezes e o Ancião Yaba fixou seus olhos redondos nela durante as orações do
pôr do sol, quando ela esquecia as palavras.
O humor dos Anciões piorou naquela tarde. Eles andaram de um lado para o
outro nos campos repetidamente, verificando se todos estavam trabalhando
duro. Tala tentou manter a cabeça baixa.
'Este é um trabalho importante!' ela sussurrou no transmissor enquanto cortava
as trepadeiras que cresciam ao redor dos caules das plantas. “Temos que fazer
isso, Xanos, ou elas estrangulam as plantas. Os Anciões dizem que as vinhas
são um mal imortal, nós as matamos, mas elas sempre voltam a crescer. '

Naquela noite, Tala guardou seu jantar e correu para o quarto, alegando
cansaço. Ela fez suas orações e, como sempre, pediu aos deuses que
abençoassem a mãe que ela nunca conheceu. - Ela morreu lhe dando vida - tia
Syla lembrava Tala sempre que reclamava que sua existência era entediante.
Tala se perguntou o que sua mãe pensaria se pudesse vê-la agora, preparando-
se para visitar as estrelas.
Quando teve certeza de que a família estava dormindo, Tala escapuliu para a
escuridão. Ao passar furtivamente pelo círculo de orações, sua pele formigou.
Puxando a máscara firmemente sobre o rosto e olhando ao redor, ela não viu
nada desagradável, mas o sentimento persistiu enquanto ela cruzava o campo
e caminhava por entre as plantas.
O instinto disse a ela que alguém a estava seguindo, mas sempre que ela olhava
ao redor, ela não via nada, exceto as plantas brilhando suavemente.
Ela estava quase alcançando a árvore de Xanos quando uma mão se fechou
sobre sua boca e a ponta de uma lâmina cravou-se em suas costas. Uma voz
baixa sibilou: 'Não se mexa!'
Tala conhecia aquela voz. Supervisor Jakul! Ela o odiava; ele trabalhava com
todos até a exaustão e tinha grande prazer em correr para os Anciões sempre
que alguém fazia algo que não gostava.
- Por que você está se esgueirando por aqui? o Supervisor perguntou em tom de
exigência.
Tala lutou contra ele, então o chutou com tanta força na perna que ele gritou,
jogando-a no chão. Enfurecido, ele deu um tapa na cabeça dela. O transmissor
caiu de seu capuz.
—O que é isso? ele grunhiu, agarrando-o. Ele examinou o dispositivo à luz da
lua e o sacudiu, disparando um zumbido. Herege! ele sibilou, os olhos
arregalados de medo. Bruxa! Seu tio ficará sabendo disso! ' Ele agarrou seu
pulso e começou a arrastá-la pelo campo.
Me larga! Tala gritou, tentando se desvencilhar. 'Xanos! Me ajude, Xanos! '
Houve um flash de luz, um som estranho e o Supervisor caiu no chão. Xanos
estava atrás dele, franzindo a testa através da máscara. Em uma das mãos, ele
segurava uma ferramenta estranha que apontou para Tala. Disse para você ter
cuidado!
'Eu não sabia que ele estava me seguindo!' Disse Tala. - Ele simplesmente saltou
da escuridão. Você o matou? ' “Bom, duh! O homem fez uma careta. - Estou
desapontado com você, Tala. Meu trabalho aqui é muito importante. Eu não
posso permitir
que ninguém me sabote. ' Ele chutou o corpo sem vida do Supervisor. 'Eu não
deveria ter confiado em você. "Você está demitida!" 'Por favor, Xanos! "Me
desculpe, por favor." Farei qualquer coisa por você. Qualquer coisa. Tala
implorou. Ela não poderia suportar
ver seu sonho escapando de seu alcance. - Vou conseguir informações, vou
descobrir o que você quiser com meu tio. Ele é o Alto Ancião, lembra?
Xanos apontou o dispositivo para a cabeça de Tala. - Ele sabe que você está
aqui?
É claro que não! Eu te disse, se ele descobrir que você machuca as plantas, ele
vai te matar. Nunca machucamos as plantas. ' - Mas você não se importa em
machucar as vinhas, não é? Cortando seus pobres caules e queimando-os até
a
morte.

Os ombros de Tala caíram. “Elas estrangulam as plantas. Os Anciões dizem que


os deuses permitem que as vinhas sejam sacrificadas para ajudar as plantas a
crescer. '
- Eles falam muito, seus anciãos. Você acredita em tudo o que eles dizem? '
Xanos franziu os lábios. — É claro! disse Tala.
O homem resmungou. Oh, querida. E eu estava começando a gostar de você. '
Ele deu uma risada. 'Como uma videira!'
— O quê? disse Tala, confusa.
- Vamos lá, então - acenou Xanos com impaciência. - Vou lhe mostrar
exatamente o que seus preciosos Anciões têm feito. Arrastando o Supervisor
morto com ele, ele entrou na árvore.
Tala o seguiu, e as luzes da casa do estranho brilharam mais uma vez sobre ela.
Xanos parou na frente dela, bloqueando sua visão.
'Quer saber o que realmente acontece com os voluntários aqui?' Ele disse
suavemente. Ele deu um passo para o lado.
Tala gritou. Deitada em uma mesa, com videiras de prata e formas estranhas
aparecendo dentro e fora dela, estava Asha.
Tala começou a avançar, mas Xanos agarrou seus ombros e a manteve imóvel.
O que aconteceu com ela? Por que ela não pode me ouvir? '
"Não toque nela", disse ele. 'Ela está muito doente. Ainda bem que a encontrei
ou ela já estaria morta.
— Eu não entendo. Ela estava indo para o assentamento, como ela pode estar
aqui assim? ' Tala limpou as lágrimas de suas bochechas. 'Ela estava tão
chateada comigo. Devíamos ter ido juntas, mas eu não queria mais.
- Sorte que você não fez isso ou talvez seria você quem estaria deitada naquela
mesa - bufou Xanos. Ele ajustou algumas das formas endurecidas cutucando a
pele de Asha.

'Você a está curando? Perguntou Tala.


O homem acariciou sua barba por fazer. - 'Estou tentando melhorar as coisas.'
'O que aconteceu com ela?'
'Seu tio e os amigos dele são mentirosos. Grandes, grandes mentirosos. Os
campos distantes, o assentamento ao norte - é besteira. Os voluntários nem
mesmo deixaram esta aldeia.'
'Mas há um assentamento, as pessoas já estão lá. O tio disse que as plantas
estão crescendo e ...'
'O tio disse, o tio disse - zombou Xanos. - Eu disse que sou melhor do que um
deus. No entanto, você ainda acredita que seu tio me superou?' Ele saltou para
a sua tela e apertou um botão, revelando uma imagem de uma terra vazia e
marrom. 'Eu esquadrinhei este pequeno planeta repetidamente e não há outros
campos, nenhuma outra planta e nenhuma outra pessoa.'
'Tudo bem, tudo bem! Apenas me diga o que aconteceu com Asha! ' suplicou
Tala.
'O transmissor que eu dei a você tem um alcance excelente. Muito útil quando
você deseja bisbilhotar. Enquanto você estava assistindo sua melhor amiga e
seu namorado irem com seu tio, eu estava ouvindo os outros Anciões. Você sabe
o que eles estavam sussurrando?' Ele se inclinou para frente e falou em um
sussurro alto, uma expressão de rancor em seu rosto. 'Esses são mais jovens e
mais fortes. As plantas vão prosperar com seu sangue. '
Tala congelou. — 'O que isso significa?'
“Eu vi Asha na minha tela”, disse Xanos. - Ela estava tentando rastejar para fora
do santuário. A reestruturação metabólica não tinha se firmado totalmente, ela
ainda podia funcionar ... mais ou menos ... ' Ele sorriu. - Então vim em seu
socorro.
— Como? Disse Tala. 'Você não poderia ter chegado perto sem ser pego ...' O
sorriso do homem se transformou em um sorriso malicioso. 'A menos que eu
tivesse uma árvore bem espertinha.'
E então Tala percebeu. 'Esta nave não viaja apenas pelo espaço ... você pode
levá-la para qualquer lugar?'
'Uma estrelinha dourada para Tala!' Xanos sorriu. - Adivinha o que mais? Ele
apertou alguns botões, então a tela mostrou algo que Tala reconheceu. 'O
santuário não é realmente um santuário.'
Ele passou pela garota que a essa altura já se sentia enojada. Ah! Mais uma
coisa: Ela trouxe uma amiga. ' Ele arrastou algo volumoso das sombras além da
mesa para a luz. Tala gemeu de medo. As videiras prateadas saíam do corpo de
sua amiga para uma das plantas. Elas se contorciam suavemente,
hipnoticamente, feliz.
Tala agarrou sua máscara, mas Xanos balançou a cabeça. 'Campo de proteção.
Não pode fazer nada daquelas coisas fedorentas nojentas agora, pode, Sra.
Plantinha Cara-de-Planta? Ele balançou os dedos para a flor e continuou. - O
problema é que, quando tentei removê-la, ela começou a morrer horrivelmente.
Muita agitação. Acontece que ela a está alimentando, tornando-a mais forte,
mais potente. Primitivo, mas muito eficaz. '
Tala agarrou a mesa até que seus nós dos dedos empalidecessem. - Meu tio fez
isso com ela?
Xanos bateu palmas. 'Ooh, você está com raiva! Muito bem. Sim, parece que
seu tio, o estimado Alto Ancião, adora plantas.
'Por quê?' Disse Tala. - Por que ele faria isso com ela?
Não foi apenas com ela! Aposto que todos os seus amigos estão fortalecendo
plantas em algum lugar daquele santuário. Lágrimas brotaram dos olhos de Tala.
'Eu tenho que fazer alguma coisa.'
Ela correu para a porta, mas Xanos bloqueou seu caminho. — Como o quê?
Eu… Vou contar para minha tia. '
Use a cabeça. Ela provavelmente faz parte disso.'
- Você realmente acha que ela sabe ...? Tala tocou o talismã em volta do
pescoço, o símbolo do Deus dos Campos.
Xanos encostou-se à porta, os braços cruzados. - Isso não é obra de deuses,
Tala. Este é o trabalho de monstros. Deixe-me ajudá-la a acabar com eles.'
Tala olhou para Asha, sua força vital alimentando a planta, e engoliu em seco.
'O que nós fazemos?' Xanos sorriu.

Tala se agachou atrás do santuário, seu corpo zumbindo de adrenalina, sua


cabeça cheia de raiva. A terrível imagem de Asha deitada na mesa não parava
de dançar diante de seus olhos.
Xanos deu a volta pela lateral do santuário e se jogou ao lado dela. - Apenas
dois guardas dentro da porta. Não vamos ter que lutar muito, mas mesmo assim.'
"O santuário não tem guardas", disse Tala.
'Um prisioneiro desaparecido deve ter abalado seus Anciões. Eles
provavelmente estão tendo um conflito de Anciãos agora sobre como procurar
Asha sem se denunciar.
Tala franziu a testa. - Você ainda não me contou o plano.
'Relaxa. Confia em mim. Você? Você vai distrair aqueles guardas. ' 'Por que eu?
É você que sabe usar magia! '
- Você os distrai enquanto eu cuido deles. Ele ergueu um dispositivo. 'Com a
magia.'
Tala podia ver as sombras dos guardas dentro da porta. Respirando fundo, ela
rastejou para frente, mas seu cotovelo pegou um dos feitiços pendurados e bateu
contra a parede. Instantaneamente, os homens se viraram com as facas em
punho. — O que faz aqui? rosnou um deles. - Você não tem permissão para
entrar aqui!
'Cabu!' Tala exclamou quando a luz da lua iluminou seu rosto. - Sou eu, Tala.
"A nova penalidade por ficar fora do local após o toque de recolher é a morte",
disse Cabu friamente. Ele agarrou o braço dela e ela gritou.
'SILÊNCIO!' O outro guarda avançou com sua faca.
Houve um som agudo e os dois guardas encolheram até ficarem do tamanho de
folhas diante dos olhos de Tala. Eles caíram suavemente no chão. Tala
engasgou.
Xanos ensaiou uma risada. - Olha só para eles, os idiotinhas.' Ele pegou os
homens e os colocou no bolso, enquanto Tala assistia de boca aberta. 'Oh, onde
está a minha educação?' disse ele. Ele puxou o cadáver minúsculo de Cabu

e ofereceu a Tala. - Algo para lembrar dele. Tala recuou assustada. "Eles estão
mortos?"
- Bem, o casamento foi cancelado!
'Como você fez isso?' Tala olhou para Xanos com nova admiração, novo medo.
- Você disse que não era deus! 'Eu disse que sou melhor do que um deus. Preste
atenção.'
Tala, ainda cambaleando, mal o ouviu. Primeiro Asha, depois o tio Masa e agora
Cabu tinha partido para sempre. Ela se sentia entorpecida, mais sozinha do que
nunca. As lágrimas surgiram novamente.
"Isso não é necessário" Xanos ergueu o queixo. - Tá bom, tá bom, você venceu.
Nenhum mal vai acontecer com você de novo, não importa se é seu namorado,
seu tio ou seu deus.
Tala deu um pequeno aceno de cabeça.
— Agora. Enquanto você estava distraindo os Smurfs ... - Os quem?
'Eles são meus amigos. Viva em uma casa ao pé de uma árvore. Eles são bem
pequenininhos. Enfim! Enquanto você estava ocupado distraindo-os, percebi
algo muito interessante. Xanos a conduziu pelo santuário e apontou para uma
escotilha discreta no chão. - Vamos ver o que os pequeninos estavam
guardando, certo?

Usando a luz de Xanos, eles desceram uma escada íngreme e rudemente


talhada e chegaram a um túnel estreito. O ar estava mais denso aqui. Tala fez
uma pausa para recuperar o fôlego enquanto Xanos examinava as paredes. 'A-
ha,' ele disse de repente. Ele lambeu a parede, para desgosto de Tala, e então
seu rosto se iluminou. 'Fascinante.' disse ele. Ele acenou com seu dispositivo de
prata na frente dele, o que fez um som de zumbido.
"Não entendo essa ferramenta", disse Tala. “Ela faz coisas boas, ilumina e dá
sentido às coisas, mas também faz coisas más. Você matou o supervisor Jakul
com isso.'
'Chave de fenda laser!' Xanos disse com orgulho. 'Não me entenda mal, eu adoro
uma compressão de tecido como nos velhos tempos. Mas com as funções nessa
Chave de Fenda - é boa demais para deixar em casa. E suas leituras me dizem
que o que queremos está por perto ... ' Ele saiu correndo e alguns momentos
depois sua voz exclamou do escuro: 'Bingo!'
- Não acredito que tudo isso está aqui. Nós poderíamos estar comendo isso! '
Tala ergueu a fruta roxa brilhante, pasma. 'Eu me pergunto onde ela cresce.'
"Em nenhum lugar deste planeta." Xanos passou a ponta do dedo pela superfície
da fruta. “É uma iguaria muito rara do Mar Ardassian. É muito longe daqui.'
A coisa toda foi como um sonho para Tala. Depois de passar pela porta, eles
viajaram por um túnel branco e entraram em um labirinto de quartos. Xanos
ficava apontando coisas para ela - comida, bebidas, pergaminhos que ele
chamava de 'livros', assentos confortáveis, cortinas roxas macias. Tudo parecia
familiar, mas desconhecido, como se alguém tivesse espalhado poeira estelar
em sua casa e enchido com as cores do arco-íris.
'Como tudo isso foi parar abaixo do santuário?' perguntou-se ela. “Talvez seja
realmente um portal para seus deuses”, sorriu Xanos.
Tala ficou quieta. Ela sabia que ele estava zombando dela novamente. Ele fazia
muito isso. Ela acariciou uma das cortinas e ela deslizou para o lado, revelando
algo na parede. 'Tem uma pintura!' disse ela.
Xanos a encarou e, de repente, riu, fazendo-a pular. "Claro que há", disse ele.
Claro que há.
Ele examinou as paredes e as seguiu até chegar a uma cortina pesada. Ele
puxou para baixo, revelando uma porta estreita de prata.
"Há muitas portas nesta casa", disse Tala.
Xanos sorriu maliciosamente. 'Adivinha só?' Ele bateu em um painel na porta e
ela se abriu. "Não é uma casa."
- Então é uma nave espacial, mas não é como a sua? Tala disse, olhando ao
redor do corredor que havia sido revelado.
"Nem de longe tão legal quanto minha nave", disse Xanos. - Embora eu admita
que tenha um certo charme retrô. “É a nave em que as pessoas chegaram
primeiro, não é? Elas construíram o santuário sobre a nave! '
- Está esquentando, mas não. Acho que a mesma coisa que tirou seu povo do
espaço tirou esta nave do espaço também. Pode até ser de onde vieram as
sementes da sua planta. Essa pintura? É o emblema do Gathari. Isso já foi uma
nave de carga de Gathari Menor e provavelmente tinha uma pessoa a bordo, o
piloto - vamos chamá-lo de Capitão Ossos.
'Sua pobre família. Eles devem ter se perguntado o que aconteceu com ele ',
disse Tala.
'Não por muito tempo. Gathari Menor foi despedaçada quando Gathari Maior
testou seu novo devorador de planetas para se divertir. '
'Então é isso que está lá fora? Pessoas que comem planetas para se divertir? '
- Você já esteve em Gathari Menor? É quase tão monótono quanto aqui ', disse
Xanos com desdém. Ele passou por outra porta, deixando Tala se perguntando
se ela queria ir mesmo para o espaço, afinal.
Um grito triunfante veio pela porta. Tala seguiu o som, mas então congelou. Os
aldeões desaparecidos estavam em uma sala grande e iluminada, cada um
preso a uma cama enquanto longos tubos saíam deles para o fundo da sala...
“Adoro dizer 'Eu te disse!'”, disse Xanos, que já subia ao topo de um grande
tanque contendo uma fila de enormes plantas trêmulas.
Um gemido veio da cama mais próxima, sobre a qual jazia Yamet, um menino
que havia trabalhado no campo de Tala. Ele tinha uma palidez doentia e seus
olhos estavam tingidos de roxo. Tala suspirou.
"Você não pode ajudá-lo", disse Xanos, examinando o topo do tanque. E você?”
Você deve ser capaz de fazer alguma coisa! '
'Já é tarde demais, eles vão morrer se os desengancharmos. Eles estão em
perfeita sinergia com as plantas. ' 'Mas, por quê?'

'É realmente muito bonito ...'


Tala balançou a cabeça. Ela não conseguia entender nada disso. Ela caminhou
ao longo da fileira de corpos e, enquanto seus olhos vagavam, ela viu algumas
garrafas em um banco, cada uma cheia de um líquido roxo brilhante. Ela pegou
uma e girou a tampa.
“Eu não faria isso se fosse você”, disse Xanos. 'Vai te fazer dormir para sempre
e não posso te salvar disso.'
Um arrepio percorreu os ossos de Tala. - Eles estão usando as plantas para
fazer uma arma?
Xanos caiu com um baque. - Eles estão usando para fazer uma droga. Uma
droga muito potente e muito lucrativa. E seus amigos aqui estão tornando essa
droga em uma forma mais pura e mais poderosa. Eles nutrem as plantas com
seus corpos e isso realimenta seus próprios neurotransmissores, receptores,
transportadores, metabolizando a droga em suas correntes sanguíneas ... ' Ele
bateu na cabeça com a chave de fenda. - Ele é inteligente, seu tio. Mas não
inteligente o suficiente. A simbiose não está totalmente equilibrada. Ele vai ficar
sem espécimes desse jeito.'
'Elas são pessoas, não espécimes!' Disse Tala.
'Dá na mesma.' Xanos sorriu de repente. - Aposto que seu tio tem tentado
aumentar a taxa de natalidade em sua pequena comunidade, não é, substitutos
para este bando quando eles se forem.
Tala corou desconfortavelmente. 'Todo mundo com mais de 16 ciclos deve
escolher um “companheiro noturno” agora. O Ancião Zara diz que surgiram mais
bebês porque o Deus da Fertilidade nos abençoou '.
Xanos agarrou Tala pelos ombros. - Você realmente ainda acredita que os
deuses têm algo a ver com isso? Olhe para o seu povo. Olhe para eles!' Ele a
virou para ficar de frente para as camas. - Achei que tinha escolhido bem quando
disse que levaria você comigo, mas ...'
- E para onde, posso perguntar, você planeja levar minha sobrinha?' o Alto
Ancião rosnou da porta. O Ancião Yaba e o Ancião Zara o flanquearam. Tala
podia ver os outros dois Anciões atrás deles.
'O que são essas coisas?' Tala engasgou, observando as ferramentas de prata
brilhantes que os Anciões apontavam para eles. "Armas", disse Xanos. '-
Brilhantes. Agora, onde vocês conseguiram armas como essas?' 'Se identifique!'
o Alto Ancião grunhiu, aproximando-se com sua arma apontada para Xanos.
- Oh, faça as honras - disse Xanos com um sorriso.
'Eu sou o Alto Ancião Masa. Eu sou o Escolhido. Agora identifique-se. '
'Já ouvi muito sobre você. Essas tatuagens são reais?' perguntou Xanos. -
Importa-se se eu ..?' Ele estendeu a mão para tocar o rosto do homem, mas o
Alto Ancião bloqueou a mão com sua arma.
'Este é um eliminador de partículas, estranho. Não hesitarei em usá-lo. '
'Ah, eu sei o que é. Quer ver o meu?' Xanos sorriu maliciosamente. Ele ergueu
a outra mão e atingiu o Ancião Yaba. O homem caiu no chão como um cadáver
minúsculo. 'Eliminador de compressão de tecido. Divertido, não é?'
'Você é o próximo a morrer!' O Alto Ancião Masa sibilou.
Xanos fez um beicinho. - Oh, seu grande valentão! Ele apontou a chave de fenda
para trás e apertou. 'Olá, plantinhas!' As plantas se debateram repentinamente
e as pessoas nas camas gemeram de dor.
'Você vai matar os espécimes!' gritou o Ancião Zara. 'Pare com isso, Xanos!'
implorou Tala. - Você está machucando eles!
'Armas na mesa! Agora!' berrou Xanos. Os Anciões obedeceram. Xanos apontou
para um tanque vazio. 'Entrem lá.' Os Anciões entraram em fila. Xanos ox
trancou, puxou um banquinho e sentou-se diante do vidro. 'Agora, nós
conversamos.'
“Os Anciões sempre protegeram as plantas”, lamentou o Alto Ancião. - Você
deve nos deixar sair para continuar nosso trabalho. As primeiras pessoas
souberam que eram um presente dos deuses, as plantas salvaram suas vidas -
elas ainda salvam nossas vidas. '
"Não salvarão a sua!" Tala cuspiu nele. - Vocês têm todo esse luxo aqui enquanto
passamos fome!
'Como você passou de ter seu pessoal trabalhando nos campos para literalmente
alimentando as plantas?' Perguntou Xanos. - Você não é inteligente o suficiente
para resolver isso sozinho.
"A Criadora", disse o Alto Ancião. “Ela veio do espaço. Ela nos mostrou como
fazer as plantas crescerem fortes. — Fizemos um acordo.'
'As luzes no céu!' disse Tala. 'Eu sabia que as tinha visto. Aquela era a nave da
Criadora?' 'É proibido olhar os céus', disse o Alto Ancião, automaticamente
'Um acordo para um fornecimento regular da droga. Quem é exatamente esta
Criadora?' exigiu Xanos. - Como ela sabia que as plantas estavam aqui?
"Não sei", lamentou o homem.
- Mas, com a palavra de um estranho, você concordou em aumentar a produção
da droga usando seu próprio pessoal para metabolizar a droga junto com a
colheita regular? Só para conseguir um pouco mais de fruta?'
O Ancião olhou para ele. 'Você sabe o que é não ter nada? Para subsistir com a
mesma sujeira maçante todos os dias? '
- Acho que você esqueceu. Talvez você deva chamar sua sobrinha aqui. ' Xanos
se inclinou direto. - Sabe, você deve ter cuidado para não falar muito alto. Você
nunca sabe se o universo está ouvindo. '
Tala não aguentou mais. Ela bateu no vidro do tanque. 'Então, toda a minha vida
é uma mentira? Somos todos apenas escravos trabalhando até a morte para que
você possa se alimentar de luxos?
- Acho que ela vai contar a todos sobre isso, Anciãos. O inferno não tem fúria ...
' Xanos deu uma risadinha. - Então, última chance. Diga-me o nome verdadeiro
da Criadora.'
O som de vidro quebrando ricocheteou pela sala. Tala parou na frente do tanque,
uma arma na mão. Elder Zara caiu contra o vidro, um buraco fumegante rasgado
direto em seu peito.
- Ela tinha uma arma embaixo do manto - disse Tala simplesmente. - Ela ia matar
você.
'Sempre as mulheres!' disse Xanos aos Anciões restantes. Ele estendeu a mão
na direção de Tala. Me dá a arma. Ela balançou a cabeça. - Não - ela tentou
dizer, mas o som não saiu.

"Dê-me", disse Xanos.


Ela o deixou cair barulhenta e fugiu, correndo pela nave como fogo enquanto
tentava fugir do terror crescente dentro dela.

'Sabat - eu preciso te contar a verdade sobre as plantas ... É a Hana, ela não
está no assentamento, ela está morrendo! Não há assentamento ... Ouça-me -
os Anciões estão vendendo nossa colheita para um visitante das estrelas e
mantendo o lucro enquanto passamos fome! '
Desconfortáveis, os aldeões recuaram enquanto Tala ia de pessoa em pessoa.
Ela implorou que ouvissem, mas eles a desprezaram, a ridicularizaram. "Ela está
doente", murmuraram. 'Ela sempre foi estranha. Ela não tem mãe, você sabe.'
'Por que ninguém me escuta?' Tala implorou. 'Eu estou tentando salva-los!'
Uma mão agarrou seu pulso. 'Tala!' sibilou sua tia. — O que está fazendo? Você
está doente?
Tala quase chorou de alívio. - Tia Syla, por favor, você precisa me ouvir. O tio é
um mentiroso. Ele é um assassino.'
Tia Syla deu um tapa no rosto de Tala. 'Como você ousa falar comigo dessa
maneira! Ele é o Alto Ancião! Faça suas orações imediatamente antes que os
deuses o derrubem.' Ela gesticulou se desculpando para as pessoas ao redor
deles.
Tala desabou no chão quando o sino de oração tocou. O zumbido da conversa
desapareceu, mas então um coro de sussurros surgiu. Tala estava triste demais
para olhar para cima.
Ao lado dela, tia Syla gritou alto e uma voz familiar ecoou. 'Meus seguidores
leais. Meu povo dedicado. Eu finalmente vim. Eu sou Bal'kalu, o Deus dos
Campos, e peço seu perdão. '
Tala ergueu os olhos. Xanos estava fora do santuário, sorrindo
benevolentemente para os aldeões. Ele usava uma túnica preta simples com
mangas compridas e largas. Uma tatuagem de folha roxa profunda se arrastava
de sua bochecha até o pescoço.
Ao lado dele, flanqueado por dois outros Anciões, estava o Alto Ancião Masa,
com as mãos amarradas e o nariz sangrando, com um rasgo irregular no rosto.
Xanos falou novamente. 'Vocês devem ouvir a verdade: eu falhei com vocês.
Este homem não é um escolhido, ele é um charlatão que enganou a todos nós.
Em meu nome, ele tem criado um cordial profano com as plantas sagradas. Um
cordial profano que ele vende para lucrar, para que possa viver no luxo enquanto
vocês trabalham até a morte. Meu devoto povo, escolhi mal este homem e por
isso caminho entre vocês da minha forma mais simples para lhes mostrar que
sinto muito. '
Tala olhou em volta. Os aldeões ficaram de boca aberta, nenhum deles corajoso
o suficiente para falar. Sua tia quebrou o silêncio. 'Ele é meu companheiro!' ela
baliu.
Xanos sorriu gentilmente e puxou sua arma preta e atarracada. 'E agora você
vai ver o que acontece com aqueles que abusam do sagrado privilégio que eu
lhes dei.'
Ele apontou para o Alto Ancião Masa, que pareceu desaparecer. Os aldeões
caíram de joelhos em reverência diante de seu minúsculo cadáver. Tia Syla
agarrou a mulher ao lado dela, chorando.
'Deixe este momento anunciar um novo caminho. Uma forma honesta. Vou
começar identificando o novo Alto Ancião. Alguém que se mostrou digno neste
dia. Sem saber minha verdadeira identidade, ela veio em meu auxílio quando o
charlatão tentou me matar.' Ele jogou a cabeça para trás e riu. 'Não tenham
medo, meus devotos. Eu sou imortal. ' Ele estendeu a mão para Tala. - Venha,
minha filha. Eu escolhi você para ser minha nova Alta Anciã. Entre no santuário
e receba sua bênção. '
Hipnotizada, Tala pegou sua mão e o seguiu para dentro.

'Obaaaaaa! Foi divertido.' exclamou Xanos, dançando no local. Ele piscou. 'Você
gosta das minhas tatuagens? Suco de fruta!'
A névoa estava se dissipando da mente de Tala. Em um minuto ela estava do
lado de fora, assistindo Xanos fazer seu discurso, e no minuto seguinte ela
estava dentro do laboratório no santuário. Ela não tinha certeza de como ela
havia chegado lá.
“Seu tio estava tão ocupado enchendo a barriga que nem pensou nas limitações
dessa operação”, disse Xanos. - Mas agora estou no comando. É hora de
aumentar a rotatividade. ' Ele mudou a configuração de um dos tanques e a
enorme planta dentro dele se debateu violentamente.
Tala observou enquanto os Anciões sobreviventes se moviam ao redor das
camas, ajustando tubos e verificando os hospedeiros. Ela cruzou os braços. -
Então você ainda não vai ajudar essas pessoas?
'Estou ajudando-os a serem mais eficientes', disse Xanos. - Eles estão
cumprindo um propósito muito melhor agora. E o resto da aldeia também.'
'Eles têm vidas, famílias ...!'
Xanos riu. 'Mas sem futuro! Você mal podia esperar para sair daqui quando eu
te conheci. Não finja que mudou de ideia. Eu te conheço Tala, você é como eu.
Você quer mais.'
Tala olhou para ele. 'O que você ganha com isso?'
'A. Droga.' Ele falou devagar, como se ela fosse uma criança pequena. 'Vou fazer
um novo negócio com esta Criadora, ou talvez abrir um pouco o mercado para o
lance mais alto. Mas antes disso, um pouco de solução de problemas. ' Ele sorriu.
'Há um bando de Malviids realmente irritantes no Kereval-5 e eu preciso de uma
grande quantidade de suco roxo para colocá-los naquele sono eterno.'
'Por que faria isso?' disse Tala.
'Bem, porque eles não responderam gentilmente à minha carta sobre me darem
algumas armas muito brilhantes e mortais que eles estavam guardando.' disse
Xanos. Ele ergueu o dedo indicador e sorriu: 'Oh - e porque eu posso!'
Assobiando, ele começou a empilhar as garrafas em uma caixa. - Você foi leal a
mim, Tala - disse ele. - Então, vou lhe dar uma escolha. 'Seja grata por isso, é
mais do que ofereci à maioria.'
Ela esperou.
- Prometi que levaria você comigo, não prometi? O que acontece é que preciso
de alguém em quem possa confiar. Portanto, você pode trabalhar como minha
enviada e comandar esta operação ou pode ser o jantar da Sra. Plantinha Cara-
De-Planta e suas amigas.'
Ele selou a caixa e se virou. 'Só mais uma coisa. Seja qual for sua escolha, é
hora de usar meu nome verdadeiro. Eu sou seu Mestre.'

Tala sentou-se na cabine e bebeu uma cerveja amarga enquanto esperava o


contato aparecer. Um bruto de pele verde no bar deu-lhe um olhar de aprovação
até que ela abriu a jaqueta, sorrindo docemente, para revelar sua arma. - Não
enche - ela murmurou. Relaxando em sua cadeira, ela pegou um punhado de
nozes de uma tigela e as mastigou enquanto refletia. Se ao menos sua tia
pudesse vê-la agora! Ela não aprovaria, é claro. A expressão no rosto da mulher
quando Tala disse que estava indo embora foi magnífica. Claro, tia Syla já havia
começado a metabolizar a droga, então sua carranca logo deslizou por seu rosto.
- Pelo menos você finalmente vai descansar um pouco agora, querida tia. - Tala
sorriu antes de deixar o laboratório da fábrica.
Sim, se todos eles pudessem vê-la agora. Quem diria que o trabalho real pode
ser tão divertido? Ela e o Mestre formavam uma boa equipe. Ela já o persuadiu
a não eliminar aqueles Malviids em favor de expandir sua base de operações.
Na verdade, ele insinuou que, se ela conseguisse essa reunião, estaria na fila
para uma promoção. Afinal, ele precisava de alguém para administrar o lugar.
Ela gostou do som disso.
Uma morena de aparência imperiosa sentou-se em frente a Tala e bateu uma
carteira na mesa. Só poderia ser a Criadora.
"Eu estava esperando outra pessoa", disse ela.
— Pois é... Tala se recostou e sorriu. - Ele disse que você diria isso.

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