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o AIMAGEM

ARQUETÍPICA
DOMÉDICO
FERIDO*
es ns C.JessGroesbeck
(Sacramento).
.sci

Introdução A cura tib a É interessante notar, que existem,


entre outros, dois princípios básicos
Todo procedimento médico, inclusi- de tratamento sobre os quais se ba-
ve o psiquiátrico eo analítico, tem co- seia a maior parte das terapias moder-
mo preocupação central a cura, de vez nas. O primeiro deles é a "alopatia, de-
que este é o seu objetivo pelo menos finida como um sistema detratamento
implícito. Isto pode fazer o reexame médico que se utiliza de medicamen-
do conceito de cura parecer de início tos capazes de causar no organismo
uma tarefa ampla demais, complexa efeitos diferentes daqueles
produzidos
demais e até desaconselhável. Não obs- peladoença".Osegundo é ahomeo-
tante, num momento em que a medi- patia, ramo da medicina que trata da
cina moderna padece cada vez mais investigação e da aplicação dofenôme
com a crescente especialização, parece no do simile ou lei dossimilares,Qu
valer a pena sair em busca de novo seja um conjunto de sintomas e sinais
das raízes e das origens do processo que uma droga produz, ou por outra:
de cura. similia similibus curantur osemelhan-
te é curado pelo semelhante". "O con-
Essa busca pode nos ajudar, a nós junto de sintomas e sinais que uma dro-
todos envolvidos com a psicoterapia e ga produz em pessoas sadias, quando
com a análise, no sentido de compor- presente na vigência de uma efermida-
mos um quadro mais nítido de nosso de, pode ser revertido ao estado nor-
próprio trabalho, pois o processo de mal pelo uso da mesma droga (rea-
cura sempre foi enfocado de maneira ções inversas das drogas)." Ou um
muito difusa e, às vezes, abstrata. Mes. sistema de tratamento médico basea-
do na teoria de que certas doenças po-
mo porque sempre que um paciente ou
dem ser curadas pela administração de
um analisando nos procura, sua ur-
doses ínfimas de drogas que, em gran-
gência maior é obter ajuda para a cura
des doses, poderiam causar em pessoas
daquilo que o faz sofrer. Lembro-me sadias sintomas semelhantes àqueles
de um professor da Faculdade de Me- da doença" (BLAKISTON, 2). A con-
dicina que sempre repetia que um dos duta alopática tem gozado de uma con
motivos da crise atual da Medicina re fiabilidade cada vez maior em relação
sidia no fato dos médicos muito fre- à homeopática, se bem que, aparente-
qüentemente se descuidarem da quei mente, as terapias médicas e psiquiá
xa principal do paciente e ficarem, en- tricas modernas lançam mão de ambos
quanto isso, fazendo toda espécie de os princípios, ou conjuntos de opostos,
outros milagres". quando, por exemplo, preconizam a

* Reproduzido comn permissão do Journal of Analytical Psychology, Londres, do original


"The archetype of the wounded-healer", J. A. P., vol. 20 n. 2,1975.

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quimioterapia do câncer (alopatia) e a alopáticos de tratamento na medicina
aplicação da vacina antivariólica na geral.
prevenção e controle de uma doença
infecciosa (homeopatia). Um outro aspecto pouc0 compreen-
dido da homeopatia é a insistência no
As formas alopáticas de tratamen- tratamento não de um sinal.ou sinto-
to são também as que se sobressaem ma isolado e, sim, de uma "totalidade
na Psiquiatria e na Psicoterapia, de de sinais ou sintomasque umpacien-
modo especialmente notável na Psico- te apresenta, ou seja, o princípio da
farmacologia, onde o que se pretende totalidade dos sintomas" (BLAKIS-
é produzir efeitos opostos à doença, TON, 2). Assim, a perspectivahomeo-
pática possivelmente leva mais em co1-
por exemplo "suprimir os sintomas dą ta a totalidade da vida do paciente do
psicose". Por outro lado, a psicologia que o faz o ponto de vista alopático.
profunda, começando com Freud e a Um dos aspectos mais destrutivos do
psicanálise, desenvolveu-se principal- ponto de vista psicológico nas "condu-
mente a partir de postulados que su- tas médicas miraculosas de hoje em
punham uma aceitação da abordagem dia" é a especialização e a abordagem
homeopática; por exemplo:a integra- em compartimentos estanques do pa-
ção psíquica, ou cura, poderia ter lu- ciente, com perda de qualquer consi-
gar e "bloqueios do desenvolvimento" deração por uma totalidade.
poderiam ser removidos, ao se reviver Um dos objetivos do presente traba-
ou re-experimentar certas experiências Iho será, pois, a investigação dos as:
traumáticas, em pequenas doses de pectoshomeopáticos do tratamento psi-
emocionalidade. Uma revisão geral da coterápico. Mais especificamente, será
abordagem de Iung ao processo de feita uma tentativa de re-exame dos as-
cura revela uma marcada ênfase so- pectos intra-psíquicos do processo de
bre o ponto de vistahomeopático,isto cura, -especialmente no contexto da
é, a cura procede do encontro de um transferência entre o médico (analista)
significado para a doença" ou quando eo paciente. Será dada especial ên-
"os sintomas se integram em uma to- fase aos componentes arquetípicos desse
talidade significativạ" (MEIER, 19, processo. Velhas questões serão reto-
pág. 128). madas: Como se dá a cura? Quem e
o que a promovem? Quais as qualida-
i O princípiohomeopáticopodeser desmaisdesejadas
naquelesque se
notado em um sonho de uma jovem
iniciam nas profissões que tem por ob-
contemporânea: "Sonhei que a mãe de
jetivo o tratamento de pessoas, especial-
um amigo tinha voltado à vida e mor- mente a psicoterapia? Embora admitin-
ria de novo. Alguém dizia que tinha do que a cura é, em última análise,
sido devido a uma dose excessiva de
um mistério, a revisão criteriosa daqui-
drogas na. corrente sanguínea. Ao que
lo que transparece do processo pode
meu amigó acrescentava: aquilo que
nos ajudar a nos tornarmos mais com-
deveria curá-la, matou-a; agora é tar-
petentes em nossa assistência e parti-
: de, já está morta". As contribuições
-da psicologia profunda, com uma maior cipação
noritual. lbio ils a
ênfase homeopática aparentemente, en- Começaremos a revisão pelo mito de
tão, poderiam ser consideradas como Esculápio, o paradigma do médico fe-
uma compensaçāo necessária para a rido. Em seguida examinaremos ques-
restauração do equilíbrio rompido pela tões teóricas a propósito da transferên-
excessiva preponderância dos métodos cia, com destaque para os aspectos ar-

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quetípicos. Daí passaremos à elabora- unia-se a Corónis, vindo esta dar a luz
ção de uma aplicação específica da ima- a um filho que logo em seguida ela
gem arquetípica do médico ferido a um abandona no Monte Títion, famoso pe-
aspecto particular da transferência. las virtudes medicinais de suas plantas.
Ali, cabras o amamentam e um cão o
protege. Quando o pastor das cabras
ESCULAPIO, IMAGEM obskd sra o encontra, ouve-se uma voz proclamar
ARQUETÍPICA
DO o bieheb sobre a terra e sobre o mar que aque-
MÉDICO FERIDO le recém-nascido viria a encontrar cura
para todas as doenças e ressuscitaria os
Numa revisão dos relatos de antigas
mortos. Num certo sentido, Esculápio
curas tal como praticadas nos templos
seria o aspecto procriativo de Apolo
de Esculápio, Meier notou que, na an-
desabrochando das entranhas da mãe,
tigüidade, quando alguém se encontrava
ao mesmo tempo luminoso e sombrio.
doente a solução era recorrer a um
Representaria entăão o lado da luz e
"médico divino e não a um médico hu-
mano" (MEIER, 19, pág. 4), A razão
do conhecimento, isto 6, o lado racío-
nal da medicina e do processo de cura.
para tal procedimento era que ho- Noutra versão, Corônis engravidada
mem da era clássica via a doença como
por Apolo tem, no entanto, umn caso
o resultado de uma ação divina, que
Só poderia obter cura através de uma amoroso com Isquis; quardo Apolo
toma conhecimento disto, mata-a. Um
outra ação divina. Nas clínicas da an-
pouco antes porém da morte de
tigüidade praticava-se, pois, uma for-
Corônis, já na pira funerária, Apo-
ma definida de homeopatia, em que um
lo se enche de remorsos e resgata,
remédio divino vencia uma doença di-
vina. Conferir 1uma tal dignidade à através de uma incisão cesariana, seu
filho ainda não nascido. Este mitologe-
doença acarretaa vantagem inestimá-
ma reflete mais uma vez o princípio:
vel deconferir-Ihetambém um poder
curativo. A divina afflictio contém, Aquele que envia morte, dá também a
dessa maneira, seu próprio diagnósti- vida". Depois disso, Esculápio é entre-
co, terapia e prognóstico, desde que. ue aChíron,ocentauro,paraseredu-
é claro, a atitude correta em relação cado. Chíron já é conhecido e versado
a ela tenha sido adotada. O que pOs- na arte de curar, e habita uma caver-
sibilitava a atitudeadequadaera o cul- na no cimo do Monte Pelion. Kerényi
to, que consistia simplesmente em dei- afirma: "Tudo em Chíron, o médico
xar a cargo do médico divino toda a divino e ferido... o faz parecer a mais
contraditória figura de toda a mitolo-
arte daCura. Ele próprio era adoença
eo remédio também. Estes dois concei- gla grega. Apesar de ser um deus gre-
tos eram idênticos. Por ser a doença, go, sofre de uma ferida incurável.
ele próprio tambem era afetado fe- Além disSo, a sua figura combina o as-
rido ou perseguido,como Esculánio ou pccto animal com o apolíneo, pois ape-
Trofônio) e,sendoum pacientedivi- sar do seucorpo decavalo - configu-
n0 eletambémconheciaocaminhoda ração pela qual são conhecidos os cen-
-cura, E a um deus nessas condições que tauros, criaturas da natureza, fecundos
se aplica o oráculo de Apolo: "Aquele e destrutivos é ele quem instrui os
que fere também cura" (Tbid., pág. 5). heróis nas artes da medicina e da mú-
sica". (KERÉNYI, 17, págs. 96-7). De
Graves (7, págs. 173-7), Meier (19, modo que, num certo sentido, as carac-
págs. 24-8) e Kerényi (17) descrevem terísticas que entram na composição da
as origens de Esculápio como médico figura de Esculápio são as do seu pai
ferido. Na lenda de Epidauro, Apolo Apolo, o lado racional luminoso da me-

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dicina,e as do seu mestre e pai adoti- antigos como umn símbolo da renovação
vo Chíron, o lado escuro e irracional. da vida" (Ibid., pág. 77). Daí serem
associadas intimamente à água da vida.
Kerényi continua: "Naquela metade pa
Parece que água e fonte estavam as-
do mundo pertencente à Chíron situa- sociadas às curas de Esculápio tal co-
se o lago Boibeis, ao pé do Monte Pé.
mo eram praticadas em seus templos.
lio, e, abaixo de sua caverna, o vale
O bastão de Esculápio, associado à ár-
de Peletronion famoso pela profusão
vore, posteriormente passou a ser re-
de ervas medicinais. Nesse vale, Esculá-
presentado com uma cobra enrolada. De
pio familiarizou-se, sob a tutela de Chí-
acordo com a observação de Hender-
ron, como as plantas e seuspoderes son, o bastāo de Esculápiopossıuiape-
mágicos e com aserpente.Aí tam- nas uma cohra enrolada em tormno de
bém, crescia a planta chamada ken- si. simbolizando transcendência e re
taureion'" ou "chironion", sobre a qual nascimento. Já o caduceu, erroneamen-
se afirmava ser capaz de curar qualquer
te referido à profissão médica como se
mordida de cobra e até mesmo o feri-
fosse o bastão de Esculápio, era um
mento causado por uma flecha enve- bastão com duas expansões laterais, no
nenada, do qualo próprio Chíron so- qual enrolavam-se duas serpentes uni-
fria. O detalhe trágico, no entanto, é das sexualmente e simbolizava o deus
que a ferida de Chíron era incurável. Hermes (HENDERSON, 10). O cão,
De modo que o mundo de Chíron,com o cavalo, a górgona (serpente com a-
Suas inesgotáveis possibilidades de cura, beça de cachorro), bem como um me-
era também1ummundo de doença eter- nino, eram todos auxiliares significati-
na. Além de que, à parte todo esse so- vos de Esculápio quando este realizava
frimento, a sua caverna, local em que suas curas. Também sua esposa e sua
se realizava um culto ctônico subter- filha o acompanhavam. A isto acres-
râneo, era uma das entradas do inferno.
centava-se também como muito impor-
O quadro que se forma a partir de tante otoquena parteferida docorpo.
todos esses elementos é singular. O deus Meier afirma: "Apolo, como um deus
metade homem, metade animal, sofre curador, também utiliza o gesto de es-
eternamente de sua ferida; carrega-a tender a mão sobre a pessoa doente'"
consigo para o inferno, como se a ciên- (MEIER, 19, pág. 40). Também no no-
cia primordial, personificada para os me de Chíron há implicações relacio-
homens de um remoto passado por este nadas com a cura pelo toque da mão.
médico mitológico, precursor do lumi- A palavra Chíron é a raiz etmológica
noso médico divino, consistisse apenas de cirurgia e significa “com a mão"
do conhecimento de uma ferida eterna- (do grego chirurgia "trabalho com as
mente aberta naquele que cura" (Ibid., mãos").. .bi
págs. 98-9). Como então se davam as curas? De
E a serpente passou a ser associada acordo com Meier e Kerényi, acontecia
a Esculápio em seus poderes curadores, o seguinte: o paciente que buscava uma
devido principalmenteą seu "olhar pe- cura era levado, através do processo
apndevido
netrante e à sua capacidade de reju- de incubação, até a parte mais interna
venescera si própria" (MEIER, 19, do templo, o ábaton, e ficava aguardan-
pág.27).Isto , atrocaperiódicada do umsonhodecura. Nosonho,o pró:
pele simbolizaria libertar-se da doença. prio deus deveria tocar a parte doen-
Livrar-se da doença equivaleria a dar te e assim efetuar a cura. Muitas ve-
lugar ao novo homem. Segundo Meier, zes, no entanto,o deus aparecia sob a
"As serpentes eram consideradas pelos forma de um animal, ou seja, a ser-

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pente. Kerényi (17, págs. 32-3) des- coxo se vê curado depois quc num so-
creve um cas0: nho Esculápio numa charrete puxada
por um cavalo dá três voltas cm torno
Um homem teve um artelho do doente e em seguida faz o cavalo
curado por uma cobra. Era um pisotear-1he os membros paralizados"
. homem que estava seriamente (MEIER, 19, pág. 28). Outro exem-
h s doentecom umabscessono arte- plo significativo e precursor da idéia
Iho. Durante o dia os assistentes de transferência, umn exemplo vindo de
o levaram para fora e fizeram-no Epidauro, sobre a transferência para
sentar-se numa cadeira. Quando as ataduras, pode ser encontrado em Mi-
0 ele adormeceu, uma cobra saiu da lagre VI:
câmara mais recôndita do santuá-
rio, curou seu artelho com a lín- "Pandarus, um tessálio, tinha
gua e, tendo feito isto, retirou-se. pcicatrizes na testa. Em seu sonho
o3 Ao acordar, curado, relatou ter de cura teve uma visão. Sonhou
tido uma visão; havia sonhado que o deus colocava uma atadura
Ot, que um mnenino se aproximava e sobre suas cicatrizes e ordenava-
iru aplicava uma salva em seu arte- Ihe que, ao deixar o recinto sagra-
t1Sb Iho. onte do, retirasse a bandagem e a de-
dicasse ao templo. Quando ama-
Como diz Kerényi, "A visão daquele nheceu, ao levantar-se e arrancar
belo jovem que cura surgindo ao mes- a bandagem, viu que seu rosto ha-
mo tempo em que o artelho do pa- via ficado livre das cicatrizes, ten-
ciente é curado, é uma espécie de so-
orn do estas passado para as ataduras,
nho dentro de um sonho, uma amplifi-
d as quais dedicou votivamente ao
cação que demanda um sentido ainda
mais profundo: a experiência imediata
templo" h
do divino no milagre natural do ato As ataduras eram também pendura-
de curar" (Ibid., pág. 34). Nos tem- das em árvores existentes nos templos
plos de Esculápio, de fato, as serpen-
de modo a propiciar que as doenças se.
tes estavam presentes e compunham
transferissem para as árvores (Ibid.,
o cenário adequado para a cura. Um
págs. 81-2). Meier acredita que o sig-
outro exemplo, uma reprodução de um nificado do termo "transferência" ori-
relevo votivo de Archinos, mostra co-
girou-se, aparentemente, desta idéia
mo "o inválido sonha que o proprio ((bid., pág. 82).
deus o está operando, enquanto que, ao
fundo,vêseque é umaserpenteque soo sbiuot ru boolo
o está lambendo" (Ibid., pág. 36). Ou
DINÂMICADO np lede
ainda: uma mulher estéril que ve10 a PROCESSO DE CURA
Epidauro para ser fertilizada pelo deus,
"dormiu no santuário a fim de se tor- De gue modo a descrição do pro-
nar mãe de numerosa prole e en- cesso de cura nos tratamentos de Es-
quanto isso teve um sonho. Sonhou que culápio poderia nos ajudar a compreen-
o deus vinha ao seu encontro seguido der o que transparece do mesmo pro-
de uma serpente com a qual ela copula- cesso nos dias de hoje? Quais os ele-
va. E antes de um ano ela veio dar a mentos da relação médico-paciente que
luz a dois meninos (Ibid., pág. 41). Es- constelam a cura? Certos aspectos do
tas crianças eram consideradas filhos mito de Esculápio mostram-se parti-
de Esculápio. Em outro exemplo: “Um cularmente importantes.

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Esculápio aprendeu de Chíron, co- nia, muito embora a pneumonia seja
mo já foi mencionado anteriormente, a uma doença "curấvel".) É freqüente
conhecer os poderes medicinais das er- ouvirmos explicações do tipo: "sua re-
vas existentes no vale em que habitava, sistência interna cedeu" ou cle não es-
especialmente as virtudes da erva cha- tava querendo melhorar". De um pon-
mada "chirônio", que curava mordi- to de vista arquetípico, era o médico
das de cobras (KERENYI, 17, págs. interior que não estava funcionando.
98-9). Dizia-se que era capaz de curar Guggenbühl coloca a questão nos se-
até o ferimento provocado pela flecha- guintes termos: "Isto significa psicolo-
da envenenada que Chíron recebera de gicamente que não somente o paciente
Hércules. O detalhe trágico é que a
tem um médico dentro de si mesmo,
ferida de Chíron era incurável. Não de-
mas também que existe um paciente no
veria nunca fechar. O paradoxo de que interior do médico" (Ibid., pág. 91).
aquele que está sempre curando perma-
neceeternamente doente ou ferido, pa- O paciente busca externamente a-
receestar no centro do mistério dacura. guém que o cure, um médico. O médi-
Na verdade, o princípio subjacente des- co sai ao encontro dos pacientes, como
te mistério é "simplesmente o conheci- é sua vocação. Apresenta-se com todas|
mento de uma ferida também experi- as prerrogativas da sua profissão, trei-|
mentada, e de modo permanente, por namento específico, técnicas, reputaçāo,
aquele que cura" (Ibid., pág. 99). autorização, etc. No paciente, mobili-
zado por sua doença, ativa-se "aquele
Dois pontos surgem daí: em primei- que cura, ou médico interior". Este, no
ro lugar, por que o médicotem de ter entanto, não se integra à consciência,
o conhecimento (consciência) de sua sendo projetado e constelado pela per
piópria feridą? Por que necessita ex- sona do médico. Da mesma forma, nd
perimentá-la cada vez de novo a fim médico ativa-se o seu lado interior fe-
de efetuar a cura? Isto teria alguma re- rido, sua própria doença psíquica,
lação com o conhecimento e a partici- somática, ou ambas ainda não re-|
pação nas feridas do paciente (diag-
solvida - ao entraremcontatocoma
nóstico e terapia) ? pessoa enferma. Este outro pólo da ima-
O segundo ponto trata do mito de gem arquetípica é mais projetado sobrel
Esculápio refletido nos dias de hoje na o paciente do que vivido no plano in-
relação médico-paciente como um as- terior. 00p1loe
pecto arquetípico da transferência. Se o relacionamentose dá nesse ní-
Guggenbühl-Craig sugere que existe vel, mesmo com o emprego de remé-
um arquétipo "médico/ paciente" que dios físicos ou psICológicoS,O movimen-
to em direçao a uma cura de tato não
é ativado todas as vezes que uma pessoa
fica doente. O doente procura um mé: chega a ocorrer. A verdadeira cura só
dico ou doutor externo,mas o fator in- pode acontecer quando o paciente en-
tra-psíquico, ou "fator Curador", ou tra em contato com o seu "médico in-
ainda o "médico interior" também terior" e dele recebe ajuda. E isto só
mobilizado.Mesmo o médico externg pode se dar caso sejam retiradas as
sendo muito competente, as feridas e projeções feitas sobre a persona do mé-
doenças não poderão set curadas se não dico. Para tanto, é necessário que o
kouver a ação do médico interior" médico entre em contato com o seu pró-
(GUGGENBÜHL-CRAIG, 8, págs. 89- prio lado ferido. Na hipótese das pro-
91). (Basta lembrar o grande número jeções serem mantidas, o que tanto o
de pessoas que ainda morre de pneumo- médico como o paciente vão tentar fa-

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zer é, conforme esclarece Guggenbühl, jogo com suas esperanças de uma "cura
"curar adissociaçãopormeio de p- miraculOsa". É impressionante notar co-
der" (bid., págs. 94-95). Cada um ma- mo a agenda de certos médicos se en-
nipulando o outro na tentativa de mol- che de casos de um único tipo, ou so-
dá-lo a um papel estereotipado. Existe, mente de casos gravíssimos. Nestes ca-
no entanto, um movimento espontâneo sos o médico tenta “manipular a cura"
no sentido da restauração do equilíbrio desempenhando um papcl inflado, mas
(homeostase) interno da polaridade das no fundo buscando curar a si mesmo;
imagens arquetípicas. Se isto de alguma e tudo isso a uma distância segura.
forma não ocorrer, os problemas da
Quando a cura demora a surgir, au-
sombra do médico podem ser ativados
mentam-se os esforços terapêuticos em
(Ibid., págs. 125-6).
termos de tempo e de freqüência, mui-
O médico fica bem somente na medi- tas vezes de forma inconsciente. O que
da em que o paciente fica mal. Resta não deixa de ser contraditório em rela-
um bloqueio na integração de seus con- ção às ansiedades inconscientes de que
teúdos inconscientes, tanto no médico o tratamento fracasse. Mas a esperança
como no paciente. Esta condição pode, ilegítima do médico é conseguir man-
em muitos casos, explicar a ocorrência ter a doença nos limites do paciente, de
de níveis de tensão cada vez mais eleva- modo que não venha a tocar a sua pes-
dos nas relações médico-paciente da soa. "As manípulações" e "orientações"
prática médica moderna. E comum em asseguram mais uma vez um sentimen-
processos por abusos no exercício pro- to de se estar de algum modo domi-
fissional a acusação de promessas de nando a situação, se bem que de uma
"serviços'" e "curas'" jamais terem sido forma vicariante. Trata-se de uma de-
cumpridas. É a imagem do médico co- fesa anti-főbica: "posso me aproximar
mo "milagroso" que tende a levar a do perigo da doença sem que ela me
esta situação. A expectativa de que a toque'". Quando as coisas nãco đão cer-
pessoa do médico, agindo externamente, to ouve-se a exclamação: “este pacien-
mesmo com a ajuda de toda tecnologia te é incurável; fiz tudo que Deus pode-
possa ser capaz de efetuar a cura, tan- ria fazer e continua doente!". Um exem-
to quanto, ou no lugar, do "médico plo disso, cada vez mais comum, é a
interior", é um grande erro de cálculo. administração de toda sorte de drogas
Em um nível mais profundo, o médico e medicamentos em doses cada vez
pode estar sustentando o estado de pro- maiores, num esquema que se nega a
jeções mútuas em cumprimento a uma perceber o fato que se vai evidencian-
primitiva lei de Talião vigente em seu do, de que não houve cura ou mudan-
inconsciente. Isto é, a fim de negar suas ça real. Por exemplo, uma jovem se-
próprias feridas, sua doença e vulne- nhora recebera de certo médico ajuda
rabilidade, afirma para si mesmo que efetiva no tratamento de diversos males.
"se a doença ficar no paciente, eu per- Por fim surgiram enxaquecas, para as
manecerei sadio, a doença não me to- quais foi tentado um tratamento medi-
cará". Caplan dá um exemplo disso camentoso. Como isto não funcionasse,
(CAPLAN, 3), O médico então procura ela passou a lhe pedir mais e mais
"superar a dissociação da imagem ar- narcóticos, no que era sempre atendi-
quetípica dentro de si mesmo pelo ca- da pelo médico. Quando propôs uma
minho da projeção sobre o paciente, ma- abordagem psicológica a sugestão dela
nipulando abertamente ou sob disfarces. foi rejeitada. Finalmente o pacto incons-
O paciente por seu turno, participa do ciente dos dois conduziu a um proble-

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ma de dependência e adição a drogas Como acontece para médicoe pacien-
de tal ordem que a questão das enxa- te entrarem em contato com seus pa-
quecas passou a ser uma preocupação péis complementares inconscientes de
menor. A paciente afirmava: "Na me- modo a abandonarem as projeções e
dida em que eu jamais o questionava, permitirem a ativação do "médico inte-
ele ia dando as prescrições de narcóti- rior" do paciente? Um bom médico teṁ
cos tanto quanto eu desejasse". Um pelo menos um certo número de senti-
pesquisador chegou à conclusão de que mentos não-ansiosos em relação à doen-
certosmédicos têm mais medo de mor- ça que trata. Recebeu treinamento ge-
te e de doenças_do que seria conside- nérico e trabalha no sentido de "des-
radonormalestatisticamente (FEIFEL, potencializar" sua ansiedade em rela
4). Entrar na medicinaseria uma forma ção à doença, tendo-se familiarizado
intelectual de negar, mas ao mesmo com o seu curso natural. Além disso,
tempo de também tentar controlar essas sua persona profissional é capaz de mo
realidades; daí serem tão enormessuas bilizar a esperança do paciente. Tais
necessidades de cura. Essa atitude co- atribuições capacitam-no a propiciar
labora para que jamais se enxergue o que o médico interior faça seu trabalho
lado sombrio, ferido, de si mesmo, ou É nisso principalmente que se basei
a periferia das próprias limitações de a confiança reiterada num bom tratał
cada um. mento médico-psiquiátrico de curta du
ração.
No entanto, alguma coisa tem que
ser elaborada a fim de que se retirem São outros os parâmetros que pare-
as projeções mútuas. cem operar em uma psicoterapia analí-

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79
tica quando se visa, presumivelmen- um "Terceiro Ser Personificado" ou
te, a mudanças mais profundas e de "Terceiro Elemento" deu entrada na rc-
maior alcance. Na análise, o analista- lação, e passa a ser crucial na mudan-
curador deve manter sempre contato ça e n0, desenvolvimento dos parti-
com seu Jado inconsciente, podendo, cipantes. Jung vai mais além e afir-
assim,tornar-se atémesmnoo guia do ma que o lápis ou filius philosopho-
médico interior do paciente. Mas como rum é o Homem Primordial cosmo-
é que ocorre este processo? As comuni- gênico...É o Uroborus, a serpen-
cações inconscientes entre analista e pa- te que se fecunda e se dá à luz"
ciente desempenhariam, aparentemente, (Ibid., pág. 309). A seguir diz que o
um papel crucial. sion símbolo era um paradoxo, "melhor des-
crito em termos de opostos". O que é
Jung, em Psicologia da Transferēn- significativo para os nossos propósitos
cia, descreveu detalhadamente como neste trabalho é que Jung descreve um
isso pode ocorrer (JUNG, 13, págs. 133- processo dinâmico, fluido, dentro da
338). nts 0pludista transferência, em que as mudanças po-
dem acontecer. Uma "Terceira Pessoa"
Tungenfatizaqúe oprocessode mt-
ou Imagem Arquetípica, com sua pola-
dança e transtormação ocorre prima-
ridade de opostos, surge entre os parti-
riamente no inconsciente. Sua ênfase cipantes. O diagrama 2 ilustra isso.
recai sobre o relacionamentoincons-
cienteentreanalistaepacienteque de 0 sistemaagora fica sendoprima-
terminaria os resultados (Ibid., pág. riamente "de três" em vez "de qua-
261). Sublinha também os aspectos ar- tro". O "três" representa o sistema em
queticos das figuras envolvidas (Ani- movimento, com polarização e gradien-
ma e Animus), e o fato de ser erradoe. te, enquanto que "o quatro é de esta-
perigoso assumir uma identificação por bilização e totalidade" (JUNG,12).
demais personalistica. Também Meier, Meier desenvolveu (MEIER, 18) com
em sua recente discussão sobre os ti- mais detalhes o ponto de vista de Jung
pos psicológicos e individuação, faz a respeito da transferência envolvendo
alusão a isto (MEIER, 20). E acrescenta a imagem arquetípica como um tercei-
que é a esse mesmo nível de profun- ro fator". Depois de discutir as pro-
didade que ocorrem os fenômenos pa- jeções mútuas de sujeito e objeto, isto é,
rapsicológicos. analista e paciente, concentra-se sobre a
Jung então prossegue acompanhando questão da interpretação dessas proje-
o desenvolvimento dessas imagens a- ções. "O analista força cada vez mais
quetípicas através das dez gravuras da para um nível mais profundo dentro
obra alquímica. Como já havia afir- do objeto, de modo que o 'corte' entre
mado anteriormente, existe uma "união o sujeito e objeto (analista e paciente)
trans-subjetiva" dessas duas figuras ar- vai-se situando cada vez mais no inte-
quetípicas. Esta união, via morte, dá rior deste último. A percepção inter-
origem à figura alada do filius philoso- na do analista passa a ser de tal grau de
phorum, também chamado de "símbo- intimidade que ele já não pode afirmar
lo de Cristo" (JUNG, 13, págs. 308). se está lidando com o objeto ou se em
Em linguagem psicológica, trata-se de parte já não é consigo mesmo" (Ibi.,
uma manifestação do Self.
pág. 29). Finalmente, este processo p
Em sua essência, o processo analítico de avançar a ponto de se tornar impos-
atingiu, a essa altura, um ponto em que sível determinar a fonte de onde se ori.

80
ginam as, imagens (Ibid., pág. 30). A -nÉ muito variável a forma que esta
hipótese de que uma imagem personi- Terceira Quantidade" ou imagem ar-
ficada, arquetípica, está presente entre quetípica adotará. O número de formas
as duas partes, desenvolve-se a partir sob as quais o Self pode constelar-se é
disso. Daí deriva também empiricamen- infinito. Em seu trabalho sobre a re-
te a hipótese do inconsciente coletivo solução da transferência Henderson
ou psique objetiva (Ibid., pág. 30). (HENDERSON, 9) discute algumas ma-
Continua Meier: "Caracteristicamen- nifestações importantes mais comuns.
Comenta as manifestações do Self sob
te, no entanto, estamos operando, o tem-
forma de pedra preciosa, imagem de
po todo, dentro de um sistema que
Deus, ou uma “amizade simbólica". O
constela uma terceira quantidade (para
que é significativo para a presente dis-
o analista e para o paciente), um obje-
cussão é que "uma terceira quantidade
to que age para os dois". Esta imagem
ou
arquetípica "tem dois efeitos: a) Au- quantidade
superior"
constela-se
a
partir da transferência, adquirindo po-
menta a consciệncia do paciente em
sição central no processo de cura.
particular e desperta-Ihe o poder de
curar-se; b) Tem um efeito reativo so- Jung, Meier e Henderson, todos eles,
bre o inconsciente coletivo, com alte- concentram-se no sistema triádico da
rações na imagem original ou com o transferência como veiculador da indi-
surgimento de outras imagens"... viduação. De que modo esse aspecto
Isto deflagra umn movimento... pois da transferência pode nos esclarecer so-
segue um padrão inato, que Jung cha- bre o processo de cura, particularmen-
mou processo de individuação" (Tbid., te. no que diz respeito a imagem arque-
págs. 30-1). típica do médico ferido? Meier afirma

DIAGRAMA 2 MA9AIO

TU3I3A4 ANALISTAS SPACIEN TE


203ARU0
E 6O E0

431917 A IMAEM AROUETIPICA DO


MËDIC0 FERIDO
81
(acima) que a interação reativa do pa- ensão mais profunda e mais clara da
ciente e imagem arquetípica "desperta necessidade do próprio médico analis-
nele (paciente) o poder de curar-se" ta "ter conhecimento e participação
(MEIER, 18, pág. 30). Como é que isto em suas próprias feridas incurávcis",
ocorre, mais especificamente? E tam- de modo semelhante ao que ocorria no
bém o que acontece no interior do ana- mistério primordial da cura que che-
lista? Podemos agora postular o que gou até nós através do mito de Es-
Ocorre quando um tratamento analíti- culápio (KERÉNYI, 17, págs. 98-9).
co profundo e completo tem lugar. Não Pois para que o paciente tenha a cx-
deve ocorrerapenas a retirada das pro periência integral dessa imagem arque-
jeções entre os dois participantes para
típica dentro de um processodinâmico,
queaconteçaa cura,mas éimprescin- cabe ao analistamostrar-Ilhe o cami-
dível que opaciente entre em contato, nho. E isto só podeacontecerse o ana-
a nívelprofundo, com o arquétipodo lista tiver tidoantesacoragemde i-
médico ferido. Poderia ser o que Jung venciar estes poderosos conteúdos ar-
afirmou a respeito do "Animus e Ani- quetipic0s. O processo poderia ocorrer
ma" (JUNG, 13, pág. 261) na coniunc- da seguinte maneira (Ver diagrama 3):
tio alquímica, que o principal processo analista e paciente encontram-se em
no tratamento, a nivel profundo, é a um nível consciente 1 e 2-. Cada
"união trans-objetiva" e q experiência um deles identifica-se com apenas um
dos pólos opostos, da imagem arquett- dos aspectos da imagem do médico-
pica do médico ferido? Se é assim, en- ferido; o médico com o lado que cura
tão agora poderemos ter uma compre- eo paciente com o lado que está feri-

DIAGRAMA 3
S AMAAOAI

CONSCIENTE MEDICO

CURADOR
1
AT21JAMA
2

3/
PACIENTE
FERIDO

INCONSCIENTE

6 4
A IMĄ 6EM AROUETÍP|CA Do
MÉDICO FERIDO

82
do. Em um nível inconsciente poder- ção comnpleta só ocorre em casos iso-
se-ia também dizer que a imagem ar- lados, se é que alguma vez ocorre'". V.
quetípica encontra-se em repouso, es- Weizacker formulou o peso da solici-
tando cada participante aí também tação da seguinte maneira: "Só quan-
identificado apenas com um dos pólos do omédicotiver sidotocadoprofun-
da imagem. damentepela doença,infectado por ela,
mobilizado, amedrontado, comovido: só.
Não obstante, desenvolve-se um re-
lacionamento dinâmico dentro do pro- quando ela tiver se transferidopara ele,
cesso analítico. continuadonele e obtido um referen-
cial em sua própria consciência só
O analista "toma para si" a doença então e sỐnessa medida poderá lidar
e as feridas do paciente e começa a ex- com ela eficazmente" (JASPERS, 11).
perimentar, de maneira mais plena, o (Ver Diagrama 4 na páginaseguinte.)
lado ferido da imagem arquetípica. Is-
Posteriormente afirma de maneira
to, por sua vez, ativa as suas próprias
feridas, sua vulnerabilidade à doença clara que "Psiquiatras responsáveis
em um nível pessoal e/ou em conexão transformarão sua própria psicologia, a
com a imagem arquetípica do médico- psicologia do médico, em objeto de
ferido. (Essas conexões, 5, 6, 7, 8, 9,
sua própria reflexão consciente" (Ibid.).
10, freqüentemente não podem ser dis- E então que o analista está pronto para
tinguidas no início, como afirma Meier.) re-experenciar dinamicamente o as-
(MEIER, 18, pág. 29.) pecto curador do arquétipo–5– e
A desta forma o fenômeno da totalidade
Meier exxplica porque o analista deve ou cura pode tornar-se efetivo. Se o
lidar intensivamente com oselementos analista evita este processo doloroso,
arquetípicos da transferência (Ibid., não pode realmente ser, chamado de
pág. 32). Descreve também um caso fa- um "médico-ferido". Existem, no en-
moso, publicado por Robert Lindner, tanto, autênticos "médicos-feridos" en
um analista que havia tratado um físi- tre os analistas; são terapeutas enm quem
co atômico que tinha um grave delírio. oarquétijpo não se encontra dividido.
O tratamnento mostrou-se ineficaz até o O tempo todo estão sendo, por assim
momento em que, finalmente, Lindner dizer, analisados e iluminados por seus
dispôs-se a "entrar" no sistema deliran- pacientes. Um analista desse tipo reco-
te do paciente. O próprio Lindner pas- nhece sempre .de novo como as, difi-
SOu a apresentar sintomas alarmantes, culdades do paciente constelam seus
o que, oportunamente, liberou o pacien- próprios problemas e vice-versa, o que
te, que se mostrou capaz de se distan- o, levam a trabalhar abertamente não
ciar de seu sistema e a doença acabou apenas a problemática do paciente mas
por desaparecer (Ibid., pág. 32). Meier também a sua própria. Nunca deixa de
descreve a conduta de Lindner como ser tanto um médico quanto um pa-
tendo captado os conteúdos do incons- ciente" (GUGGENBÜHL-CRAIG, 8,)
ciente coletivo, desviando os efeitos do págs. 129-130).
paciente para si próprio" (Ibid., pág. Não será fácil porém determinar até
32).
que ponto o analista deve se envolver
Não é nada baixo o nível de solici- ao assumir a doença do paciente. Ao
tação num processo como esse. Jaspers mesmo tempo em que precisa estar su-
afirma: "A solicitação de envolvimen- ficientemente próximo para poder en-
to pessoal do médico durante a psico- volver-se, ficar mobilizado e atento às
terapia é tão pesada que uma gratifica- suas próprias feridas a fim de catalizar

83
DIAGRAMA 4

CONSCIENTE MẾDICO - -PACIENTE


GURADOR 2 FERIDO
nbne h 7 8
ioteegeit
INCONSCIENTE (PESSOAL) 5 3 4
9

Shrlileo A IMAGEM AROUETİPICA DO ME-


DICO FERID0
o processo (de acordo com o que foi ma exaltação e " disponibilidade para
descrito), não pode também perder de experimentar tudo". Viu então o seu
vista nem os perigOS da intilaçao,nenm médico, Dr. H. personificado também
suas próprias limitações, até mesmo ạ numa “forma primal" como um "basi-
possibilidade da sua morte. E exata- leus (rei) de Kos, Quer dizer, estava
mente nessas condições que a imagem personificado como uma figura curado-
arquetípica do médico-ferido pode me- ra associada ao templo de Esculápio em
lhor ajudálo. Ele estará em melhores Kos (o médico ferido). Trazia da terra
condições se a cura for entregue a a mensagem de que ainda não era o
Deus". Na verdade foi Deus quem trou- momento de Jung morrer. Jung ficou
xe a doença, conseqüentemente Ble é zangado, sentindo que já estava pron-
quem sabe a cura, Daí que, apesar de to para partir.
ser imprescindível um envolvimento
profundo, paradoxalmente o excesso de Depois de muita luta, finalmente
zelo em curar deve ser evitado. O mé- Jung foi trazido de volta e começou a
dico pessoal de Jung, que o tratou de se recobrar da doença. Passou então
um ataque do coração, passou por uma a temer pela vida do Dr. H., como se
grande dificuldade por causa disso. este devesse morrer em seu lugar, uma
Jung tinha tido um ataque cardíaco; vez que na visão aparecera também sob
permaneceu inconsciente durante o tra- uma “forma primal", estado de comple-
tamento e tėve uma série de visões. Sen- ta preparação para a morte. No dia em
tia com toda certeza que estava pres- que Jung deixou o leito, o Dr. H.
tes a morrer; isso porque atingira a caiu enfermo e nunca mais se re-
"forma primal", um estado de extre- cuperou! Jung tentara advertir o Dr.

84
H., mas parece que este não admi- gos, conforme conta o Dr. Henderson,
tiu discussão nenhuma a respeito. No e sem dúvida a profunda identificação
caso, o médico-ferido arquetípico tinha do Dr. H. com o "médico final" deve
estado pronto para interceder por Jung ter-se estendido a Jung quando este fi-
e salvar-lhe a vida, Poderia o Dr. H. cou doente. Seja como for, a morte
ter-se identificado tão profundamente sincronística do Dr. H. em seguida à
com a necessidade de curar Jung e tra- recuperação de Jung deixa muitas ques-
zê-lo de volta a vida? Na visão, o Dr. tões em aberto.
H. é literalmenteo médico Esculápio,
rei de Kos. Está de tal forma identifi- Jung afirma em outro ponto:
cado com esta "Terceira Figura, a ar-
quetípica", que não se pode diferen-
ob
g
"É um típico risc0 de insalu-
bridade profissional para o tera-
ciar entre as figuras pessoal e transpes-
soal (JUNG, 15). neup ois) ierPouta SeTiniectadofisicamente e
envenenado pelas projeções às,
Ou teria ocorrido que o Dr. H., es- quais se expõe. O terapeuta tem de
tando ele próprio pronto para morrer, ficar continuamente em guarda
identificou-se com o "médico final"? contra a inflação. Mas o veneno
Kerényi afirma: "De acordo com os não o afeta apenas psicologica-
poemas e lendas que nos falam de Eu- mente; pode mesmo atacar o siste-
ripilo, filho de Telephos, foi Macaon ma simpático.Observeium bom
que, dentre os filhos de Esculápio, de número dos mais extraordinários
certa forma sucedeu o pai em seu as- scasos dedoencasfísicas entre psi-
pecto mais sombrio, sua ligação com a coterapeutas,doençasque não cor-
morte. Ele representa a contraparte ter- respondiam aos sintomas médicos
rena do divino Paieon. O médico dos conhecidose que eu atribuí a0
deuses no Olimpo é exclusivamente efeito de um contínuoataque de
curador, não tem nada a yer com a mor-
projecões,em relaçãoàs quais o
te. Mas o melhor médico da terra é um analista não conseque discriminar
herói que fere, cura e é irremediavel- Sua própria psicologia, A condi-
mente ferido" (itálico meu) (KERÉ- ção emocional peculiar do pa-
NYI, 17, pág. 84). Igualmente deve-se ciente tem um efeito contagioso.
recordar que Esculápio foi morto por Quase que se poderia dizer que
Zeus por estar trazendo muitas pessoas
desperta vibrações idênticas no
de voltaà vida (GRAVES,7,pág.175). sistema nervoso do analista e, por
Tornou-seum deusexatamente por ser
isso, da mesma forma que os psi-
um "médico final", ouseja,por terdado
quiatras, os psicoterapeutas ten-
aprópria vida pela vida do paciente!
dem a tornar-se um pouco esqui-
De acordo com o Dr. Joseph Hen- sitos. É um problema para se ter
derson (comunicação pessoal), o Dr. H. sempre em mente. Está relaciona-
era um clínico geral, epítome do médi- do de maneira definida ao proble-
co-curador. O próprio Dr. Henderson ma da transferência" (itálico
recorreu à sua ajuda médica em dada meu) (JUNG, 16, págs. 172-173).
ocasião, tendo afirmado depois ter ex-
perimentado "a comunicação ` de um Jung descreve mais amplamente as
enorme sentimento de atenção pessoal "infecções psíquicas" que acometem o
e interesse". Era como se o paciente médico (JUNG, 13, págs. 176-7). A fas-
fosse a pessoa mais importante do mun- cinação inconsciente do médico pelo pa-
do". Jung e o Dr. H. eram muito ami- ciente ativa conteúdos perigosos, "de

85
nada adiantando para salvá-lo, esconder- ticular deveria ter uma compreensão
se por trás da 'persona medici' ". Ế exa- clara de que infecçõespsíquicas (...)
tamente por trás dessa cegucira, afir- são os concomitantespredestinados do
ma, "que a doença vai-se transferir pa- seu trabalho, e por iss9mesmo total-
ra o médico". Adverte então, com so- mentecoerentes com a disposição ins-
briedade, que cada médico que se ini- tintiva de sua própria vida" (Ibid.,
cia nesse campo deva trazer à consciên- pág. 177).
cia sua própria disposição instintiva em Também Freud afirmava: "Não 6 de
relação à sua motivação na escolha muita vantagem para os pacientes que
dese campo como primeira opção. Sa- o interesse terapêutico de seus médi-
be-se que entre os médicos a taxa de cos tenha uma ênfase emocional mui-
suicídio é maior que a da população to grande. Ajuda muito mais quando a
em geral,. e que entre os médicos são tarefa é desempenhada sobriamente e
os psiquiatras que detêm os índices mais tanto quanto possível em estrito cum-
elevados. Será que isto significa que primento das normas" (FREUD, 6).
os psiquiatras simplesmente não estão
Passando agora para a perspectiva do
psicologicamente preparados com o seu
auto-conhecimento para lidar adequa- paciente o que acontece parece ser o
damente com o que irão se deparar em seguinte: (Ver diagrama 5)
em seu caminho? Jung diz: "0 médico -10 paciente "toma para si" as forças
sabe ou pelo menos deveria saber curadorasdoanalista 2 e come
- quenão foi poracasoqueescolheu ça também a ter a experiência dos con-
essacarreira; e opsicoterapeutaem par- teúdos do aspecto “curador" da im-

Rooibon vmolnie LOB firiOgest

PIASRAMA 5 oe

S10A)(05 oli ) o

CONSGIENTE MEDICO
PACIENTE
CURADORJbsbo2 FERIDO

Mlo,(lo 11

6
INGONSOIENTEDE 5 0 3/ CURADOR
(PEŠSOAL)

| 13/

A ĮMA6EM ARQUETÍPICA DO
MEDIC0 FERIDO
86
gem arquetípica 4. Isso por sua sas. Compreendo que sou um
vez ativa a própria energia e potên- - pouco intrusa; outraspessoasna
cia curativa do paciente 1í, 12. vida dele são mais significativas,
(Se bem que mais uma vez, como des- chegando a estarem presentes'
creve Meier, seja muito difícil sepa- em nossas sessões!"
rar desde o início as imagens e recor-
dações pessoais dos conteúdos arque- As associações foram as seguintes:
típicos* 13, 14. O paciente ago- ele, o médico, é um homem alto, for-
ra começa a tomar parte ativamente no te, cabelos grisalhos, de aparência e
processo terapêutico. Consegue "distan- feições duras e robustas como um le-
ciar-se" e ganha uma nova perspectiva. nhador. Mas também atraente, gentil,
Começa ele próprio a participar da cura. sensível, meio sem idade definida, cheio
Fica carregado energeticamente em re- de sabedoria, e me desperta interesse.
lação a conteúdos do aspecto "ferido" Refletindo sobre o sonho, reconheceu
da imagem arquetípica do, mais uma certas diferenças existentes entre o
vez, "médico interior" 3- e a "médico-ferido" do seu interior e o
experiência de totalidade se constela. seu "analista exterior". A mais notável
dessas diferenças era que o "médico
Uma jovem cliente, com pouco tem- interior" era ao mesmo tempo um le-
po de análise, fornece-nos um exemplo nhador forte, capaz de realizar traba-
disso. Eis o seu sonho: Ihos duros, físicos, terrenos e também
parecia estar muito à vontade no "rei-
obsnoa "Vejo o analista em minha no espiritual interior", sensível, sem
casa; está deitado na cama (sofá) idade e sábio. Continha a imagem da to-
e eu numa cadeira de balanço ao talidade, ainda que estando doente e
seu lado. Sinto-me doente e ele necessitando de cura.
interpreta os meus sonhos. De re-
pente acordo, assustada de ver Seu analista externo, mesmo tendo
que são dezoito horas e não de- em comum com o médico interior as
zessete horas, que é o horário em qualidades espirituais, não possuía p0-
rém as mesmas características terrenas.
que devo ver meu analista. Vejo-
Parecia bem mais ascético. No sonho
o então na cama, sorrindo com-
ela começa a tratar o médico ferido co-
preensivamente e, percebo que caí
mo se fosse enfermeira, o que de fato
num sono irresistível enquanto cle
era. Isso mostra sua própria potência
falava comigo durante a sessão.
curadora se constelando. Daí por dian-
Decidimos tentar de novo, mas
te sua participação consciente no pro-
então me dou conta de que ele
cesso terapêutico passou a ser maior.
está doente, vomitando ao lado da
Este exemplo ilustra a presença da "ter-
cama e me apresso em socorrêlo.
ceira parte" da imagem arquetípica do
Depois de acalmnálo, começo a
médico ferido, e sua nítica diferencia-
limpar e ele se opõe. Respondo ção do analista-médico pessoal, exte-
que está tudo bem assim, que sou
rior.
uma enfermeira e tenho prática
nessas coisas. De repente estamos Voltando ao exemplo anterior, de
rodeados de assistentes que pare- quando Jung sofreu um ataque cardía-
cem ansiosos por atende-lo; uma .co e aparentemente foi salvo por seu
garota bonita, de cabelos casta- médico, Dr. H., percebe-se uma dimen-
nhos curtos e cútis delicada, e são similar à da jovem enfermeira do
uma senhora idosa, uma secretá- sonho acima, ou seja, Jung voltou, pela
ria, são especialmente prestimo- visão que teve, ao papel de analista-

87
curador espiritual do seu próprio mé- ra ela, como para a Eva de antigamen-
dico, ao ter uma revelação precogniti- te, tornar-se mais consciente por meio
.va de que å vida do Dr. H. estava em da mordida da serpente. Neste caso a
perigo (comunicação pessoal de Hen- serpente representaria o lado que fere
derson). Com isso Jung deslocou sua da imagem arquetípica. Não poderia
atenção de si mesmo e passou a preo- ocorrer cura senão após tornar-se mais
cupar-se com o que poderia ocorrer ao consciente através do ferimento. Co-
Dr. H., que agora era, de certa forma, mo disse Adler: Ser ferido significa
paciente de Jung". Aparentemente também ter a capacidade de curar ati-
Jung procurou falar disso ao Dr. H., vada em nós; ou talvezpıudéssemosdi-
mas não conseguiu (JUNG, 15). Sem zer que sem ser ferido ninguém pode
dívida isso mobilizou o poder de cura nunca aspirar possuir essacapacidade?
dentro do próprio Jung, mais ou menos Poderíamoschegar até a dizer que_o
da mesma forma que na jovem enfer- próprío objetivo da ferida é nostornar
meira acima citada. Claro que no caso Çonscientes da capacidade de curar que
de Jung surge também o difícil proble- existe dentro de nós" (ADLER, I,
ma de médico tratar de médico. É bem 18).IO3S2 0
sabido que médicos são os pacientes
mais difíceis de tratar.
101obbin CASON. 2 tn
CASO N° 1 oiun s2 Üma moça de vinte e oito anos com
sintomas psicológicos sérios e portado
Uma senhora de quarenta e quatro ra de uma verdadeira dissociação de
anos de idade, com uma história de sin- personalidade decidiu, um tanto impul-
tomas psico-fisiológicos intensos em as- sivamente, mudar-se para outra cidade
sociação com o seu quarto divórcio, so- e com isso terminar a terapia.O traba-
nhou que: Iho analítico tinha apenas começado e
estava a caminho do hospital, mas nesses poucos meses tinha havido já
antes de, chegar ao mesmo, viu uma um bom começo. Foi quando teve o
grandeserpente
aproximar-seemorder- seguintesonho: 1 0 o
lhe o seio direito. Seu então marido estava numa cova e cercada de ser-
acorria com um alicate para extrair a pentes monstruosas por todos os lados.
serpente. Não conseguia. 2 Muitas dessas cobras tinham nomes de
Refletiu sobre o sonho e sentiu medo. homens que haviam influído destrutiva-
Associou com a história de Adão e Eva mente em seu desenvolvimento, sexual-
que também foram atormentados pela mente ou de outras maneiras. Havia
cobras cm seu pescoço e em suas ore-
serpente. Sentiu-a como uma imagem
Ihas, sufocando-a. Acima da cova das
do mal. Em seguida porém voltou co-
mo antes a achar que seus sintomas f- serpentes postava-se uma outra parte
sicos "deveriam ser tratados basica- sua, uma figura sombria que estava
mente com remédios ou cirurgia" Três indo. Acima tanmbém, sentado, estava
o seu médico. Este nada fazia para aju-
meses depois desenvolveu-se em seu
seio um nódulo definido e doloroso.
dála, apenas falando: "Hum, hum, sei
o que está acontecendo".
Imediatamente associou ao seu sonho.
A avaliação médica não sugeria pro- Interpretou esse sonho como uma ad-
cesso mórbido alarmante. A interpre- vertência a respeito do que Ihe acon-
tação encaminhou-se no sentido de aju- teceria se interrompesse o trabalho ana-
-dá-la a perceber que era necessário pa- lítico. Nesse caso poderíamos dizer que

88
a imagem arquetípica do médico feri- precoce, privação emocional. O sonho
do, sob forma das serpentes, estava ou- parecia apontar para uma época de
tra vez, como no caso anterior, provo- sua vida em que poderia ter sofrido
cando um sintoma, a sufocação, a fim algum trauma emocional grave, isto é,
de prevení-la sobre o que ocorreria se entre seis semanas e seis meses de ida-
não desse continuidade ao processo de. O médico-ferido neste caso apare-
analítico. Enquanto isso seu médico (as- ceu inflingindo-lhe um ferimento físi-
pecto curador) a aguardava. co com a finalidade de pô-la em con-
tato com as "feridas emocionais" que
sofrera quando criança. Além disso, o
CASON°3 e O ferimento provoca o aparecimento de
uma situação por meio da qual um
Uma senhora de quarenta e um anos agente curador desconhecido" irá ope-
estava em análise há já um ano e meio, rar. Até suceder isto a paciente havia
arrastando uma grave depressão, sobre- perdido quase que totalmente a espe-
carregada pela responsabilidade da rança de melhorar. Foi também signi-
criação de seis filhos após um sofrido
ficativo que pela primeira vez a pa-
divórcio de seu marido alcóolatra. De- ciente recordava ter a sua mãe uma
pois de muitos altos e baixos começou mão deformada pela poliomielite, e
finalmente a ter alguns sonhos que in-
que a mesma havia passado por prova-
dicavam novas possibilidades de mu- Ções semelhantes às que a paciente te
dança. Teve o seguinte sonho: ve de suportar em sua vida adulta.

it
ela, sua filha de dezenove anos e
uma amiga de idade igual à sua, tinham
todas tido bebês. Tinham até mudado CASO N.° 4
para uma casa nova situada em uma
colina. No entanto a polícia veio atrás Uma mnoça solteira de vinte e um
e tirou o bebê da paciente. Este bebê anos veio para análise por sofrer de
tinha seis meses de idade. Ao tomálo asma crônica e múltiplos conflitos emo-
o policial falou:"Este bebê Ihe será cionais. Seu relacionamento com o mé-
tirado por um período de quatro me- dico na situação terapêutica era tumul-
ses". Tal fato no sonho deixou-a pro- tuado e difícil. Achava perturbador re-
fundamente entristecida. Achava que velar-se e examinar seus sonhos e as
era um momento muito importante no recordações do seu passado. Um dia,
desenvolvimento da criança. Deixou en- logo no início da terapia, teve um so-
tão a casa e começou a descer acom- nho:
panhando um comprido curso d'água. estava no consultório do analista,
Aproximou-se de alguma maneira da
mas era tudo muito diferente; de re-
água e serpentes de uma espécie desco-
pente o médico se transformou em uma
nhecida começaram a surgir, vindo em figura ameaçadora toda distorcida. Fi-
sua direção. Uma delas mordeu-lhe a
cou bastante assustada com uma série
mão, na face lateral da palma. Ao se-
de imagens complexas que lhe surgiram
gurar a mão atingida, um estranho des-
e finalmente viu-se num quarto adja-
conhecido, de aparência sombria, apro-
cente ao consultório, onde havia uma
ximou-se afirmando: "Agora vou aju- cadeira de dentista. A secretária do
dá-la
analista estava ali tentando colocar um
Suas únicas associações com esse so- tubo em uma veia do seu pescoço, o
nho foi que odiava cobras e que po- que lhe provocou um imenso terror.
deria ter sofrido, numa idade muito Foi-lhe dito que isso era "necessário

89
para ver se ela estaria trapaceando ou quanto ela descansava das criancinhas
não". de quem tomava conta.
Neste caso a paciente parece estar Nesses dois sonhos aparece o motivo
sendo esmagada até pelas perspectivas da incubação conforme era praticada
de cura. O médico-ferido e sua assis- nos antigos templos de Esculápio. A
tente aparecem apenas em seus aspec- imagem do médico-ferido surge tambćm
tos terríveis e ameaçadores, com a preo- numa forma menos amedrontadora do
cupação única de inflingir o ferimento. que anteriormente. Também o seu re-
Pouco tempo depois houve outro so- lacionamento concreto, com o seu mé-
nho: dico concreto, passou a ser mnais cal-
mo e permitiu-Ihe começar a trabalhar
uma cobra saía do meio das árvores
mais efetivamente no processo analítico.
de uma floresta onde havia uma garo-
ta sentada e mordia-lhe o pescoço. No A seguir teve outro sonho em que se
sonho a paciente tentava extrairo ve- achava massageando com toda a for-
neno do próprio pescoço, o que se re- ça o pescoço do analista. Este lhe dị-
velava uma tarefa extremamente diff- zia no sonho que estava um pouco de-
cil. Sentia-se isolada e sozinha, e seus mais, quer dizer, com pressão demais.
esforços no sentido de encontrar uma De repente a sonhadora percebe que o
saída eram muito débeis. É interessante segundo dedo de sua mão esquerda Ihe
notar que o seu pescoço era precisamen- havia sido cortado e admira-se de que
te o ponto em que mais sofria durante isso tenha acontecido sem que notasse.
seus ataques de asma, quando sufoca-
Nesse momento da sua terapia co-
va e era hospitalizada por não conse-
guir respirar. Não demorou muito e meçava a sentir que seu analista real-
ocorreu outro sonho: Estava correndo mente Ihe dava atenção, coisa que nun-
para um hospital na tentativa de en- ca havia sentido antes. Interessante
contrar um médico que lhe desse uma também é a associação que fez entre
máquina que lhe possibilitasse respirar. seu dedo cortadoe o dedo médio de-
Desta vez também a experiência era cepado da mão direita do analista, que
horrível e amedrontadora. estava machucadọ. Aqui neste sonho
Não muito tempo depois teve outro começa uma identificação maior com
o médico e, a nível arquetípico, uma
sonho: outra vez estava no consultório,
tentativa forte demais de massagear ou
Só que desta vez deitada no divã. Co-
"manipular" os aspectos de sua doença
meçava a levantar-se quando ele gri- que gostaria de ver curados, ou seja, o
tava: "Não! Fique af!" Mas a pacien- pescoço de onde partiam a tosse e a
te retrucava "Sim!" e ficava sentada.O sufocação. Isto é: o médico-ferido está
analista então começou a falar a res- sc queixando de que seus esforços estão
peito de seu filho e a idade dele. Neste sendo por demais energéticos e mal co-
ponto a imagem do médico-ferido pare-
ce estar se transformando em algo mais
acolhedor e menos assustador.
locados.
lsb .
Pouco tempo depois veio outro sonho
em que. um médico desconhecido, de
Algum tempo depois sonhou que es- cabelos pretos, de quem realmente gos-
tava de novo como seu médico, só que tava, usava um instrumento para olhar
desta vez era ele quem a visitava em em seus olhos. Após um longo interva-
sua casa. Estava para adornmecer no divã lo de tempo aquilo começou a machu-
e o médico ia para a cabeceira do divã car. O médico dizia por fim: "Quando
sentar-se numa cadeira de balanço, en- a pele é fina tenho de agir assim". E

90
a paciente: "Fico contente em saber dela precisava, e seu médico, que a
que você é diferente. A maioria dos mé. aceitava. O bebê seria ela própria. Daf,
dicos dá só uma olhada no paciente e no sonho, os três homens sacavam pis-
diz: está tudo bem' ". Estava tendo al- tolas e atiravam nos pescoços de três
gum problema com a vista esquerda e outros homens, matando-os. O pesco-
aquele exame cuidadoso tinha por fim ço sempre fora sua área mais vulnerá-
tratá-la. vel. Os três mortos eram figuras som-
brias, escuras, que tinhamo intuito de
Nesse ponto começa a sua verdadei- fazer-lhe mal.
ra cooperação com o processo de cura.
O médico-ferido está tendo de lhe in- Por fim, algumas semanas mais tar-
flingir um sofrimento, porếm com o de, coincidindo com um momento em
intuito mais elevado de promover a que se tornara possível diminuir-1he a
cura. Foi possível detectar, através das dose de um dos medicamentos usados
suas associações, a necessidade de me- no tratamento da asma, e em que o nú-
Ihorar sua capacidade de se perceber mero de ataques havia diminuído, so-
interiormente (visão deficiente, no so- nkou:
nho).
dois médicos desconhecidos a
No sonho seguinte, encontrava-se visitavam, sendo um jovem e ne-
com o seu médico que, para sua surpre- gro, e o outro, um branco sexage-
sa, explicava que tinha tido sempre de nário. Os dois queriam que ela
sentar-se na cadeira mais desconfortá- viesse para a clínica naquela noi-
vel, enquanto lhe deixava a melhor du- te. O médico idoso falava a res-
rante as sessões de análise. Dizia tam- peito da asma e mostrava como
bém que sempre tinha dores de cabeça havia sido terrível ela não ter fa-
após as sessões. Isso a fez sentir-se mui- lado disso durante tanto tempo.
to mal. Queria ajudá-lo de alguma ma- Ficou imaginando se os dois mé-
neira. De repente o médico começou dicos conheceriam o Dr. G., seu
a tossir e isso a assustou ainda mais. analista; e se deveria mencionar
o nome dele. Disse àquele doutor
Neste sonho a paciente começa a per- que não iria para a clínica médi-
ceber o lado ferido do próprio médico. ca porque um certo Dr. B. (seu
É interessante notar que exatamente médico clínico pessoal) havia gri-
por essa época alguns dos seus sinto- tado com ela e porque um tal Dr.
mas de asma começaram a perder in- M. "também não era bom". Am-
tensidade, permitindo-Ihe começar a bos "não queriam tê-la como pa-
sentir, pela primeira vez, que poderia ciente", explicou. Os dois médi.
vir a melhorar da asma. É importante cos desconhecidos retiram-se. Fi-
também assinalar que o analista come- cou imaginando se conseguiria
çou a vivenciar subjetivamente mais manter a consulta com os mes-
sintomas de tosse. mos.
Alguns meses mais tarde sonhou que Vemos que dois médicos desconhe-
voltava a sentir (como em numerosos cidos, imagens arquetípicas do médi-
sonhos anteriores) terríveis dores de co-ferido, assistem-na amigavelmente
dente. Sentia que havia um abscesso e em sua enfermidade. Coincidentemente
apanhou uma faca para rasgá-lo. Sur- (ou sincronisticamente), setu analista, o
giram três homens e um bebê. Os três Dr. G., sonhou, na mesma noite do so-
homens eram (em suas associações) seu nho mencionado, que um dos seus den-
pai, que a amava, seu namorado, que tes estava caindo, com muito sangue

91
coagulado. As associações do Dr. G. cedo porque a psicoterapia analítica
referiram-se à paciente. Aparentemente transcorre melhor quando seu contrato
as feridas desta estavam-se transferin- é feito dentro da clínica particular.
do para ele, conforme ela ia começan- Quando uma clínica ou uma institui-
do a melhorar. Esse caso ilustra bem, ção fornece as condições para que ana-
em muitos aspectos diferentes, como a lista e paciente se encontrem, o "ter-
imagem arquetípica do médico-ferido ceiro fator" arquetípico, ou o "médi-
pode funcionar na transferência entre co-ferido", é projetado sobre uma ins-
médico e paciente. tituição externa e, como conseqüência,
O que ocorre na fase final do pro- nem médico, nem paciente realmente
cesso analítico pode sero seguinte: se engajam no processo de cura. Será

PIA GRA MA

MÉDICO PAGIENTE
oo eon ss CURADOR FERIDO- FERIDA CURADA

oiile o
A | MA GEM AROUETİPICA DO
MEDICO FERIDO
Este diagrama pretende mostrar a por isso que a análise é praticada da
evolução final do processo de cura., O maneira que conhecemos? Será por isso
médico fica sendo um curador que é que ocorrem tão poucas curas" ras
ferido"; a imagemarquetípicado mé- clínicas?
dico-feridopermanecea mesma,eo pa- Outra importante conclusão a ser
ciente tem a sua "ferida curada, Aa
tirada do estudo do arquétipo do mé.
final, analistae pacienteseparam-sele- dico-ferido é que o analista-curador
vando cada um dentro de si uma par- deve passar por uma análise didática
cela dadivindade. completa. Cada vez mais se afirma, em
Uma implicação interessante deste círculos psiquiátricos, que a análise di-
processo tão intenso é que fica expli- dática do terapeuta não é absolutamen:

92
te necessária. Jung, é claro, de há mui- der curativo e este "poder é o proces-
to tempo já a recomendava a Freud, co- so criativo". Por esta razão "só um họ-
mo um aspecto essencial do treinamento mem ferido pode curar, pode ser um
e da preparação para uma área onde as médico"(NEUMANN, 21). Já que è
solicitações são tão grandes. Os dados o analista quem tem de achar suas
acima parecem reforçar sua necessida- próprias fontes de renovação interior
de absoluta, não apenas para terapeu- permanente, a análise didática, e sua
tas mas até mesmo para aqueles que periódica reciclagem, podem ser meios
lidam em campos relacionados com o para se atingir tal objetivo.
processo de cura, ou seja, as vocações
para as profissões de ajuda.
SUMÁRIO E CONCLUSSÔES
Fordhamn relembra, com o mấximo
cuidado, que é na análise didática que Gostaria de terminar relatando uma
o futuro analista tem a oportunidade experiência de minha própria vida e
de tocar em “suas próprias feridas", que foi o estímulo do interesse pelo
algumas das quais jamais vem a ser presente tema. Há alguns anos atrás,
Curadas. Chega a sugerir que podem ser ao longo de uma crise com mudanças
essas partes irredutíveis ou permanen- e transições, vieram-me diversos sonhos
temente danificadas, que constituem "a e impressões importantes como instru-
verdadeira base da motivação para a mentos que me auxiliavam no longo
prática da psicoterapia'". Acrescenta caminho da análise didática. Muitos
ainda que é na análise didática que sonhos importantes pareciam dar dire-
doença e saúde surgirão para o analis- ção e apoio ao trabalho de treinamen-
ta em treinamento como um par de to e desenvolvimento interior necessá-
opostos" que, após análise, "transcen- rio para o crescimento. Um destes so-
derão um ao outro" (FORDHAM, 5). nhos ficou quase esquecido. Mas um
Nessas afirmações de Fordham está ano depois, em retrospecto, pode ser
implícita a postulação de uma raiz pa- visto em sua verdadeira importância.
ra a criatividade, que pode funcionar No sonho eu estava sozinho quando
como uma fonte perene de auxílio para subitamente via minhas mãos sendo
o analista que terá de sobreviver aos
decepadas. Dizia então para mim mes-
rigores de anos de exposição ao sofri-
mo: "sou igual à Sra. W. que leciona
mento intenso experimentado em si
para minhas duas filhas". Começava
próprio e nos outros. A semelhança de de repente a chorar e a experimentar
Chíron, o centauro da mitologia, ain- um sentimento de verdadeira perda.
da que certas feridas permaneçam in-
Acordei com lágrimas nos olhos e as
curáveis a fim de serem revividas sem-
associações se produziram em relação
pre de novo, estas mesmas feridas po- a antigas recordações de minha primei-
dem ser transcendidas e/ou contraba- ra infância, quando o dedo médio de
lançadas por fontes de força e saúde
minha mão direita foi violentamente
sempre renovadas. Também Neumann cortado.
devia ter isso em mente quando assi-
nalou que o homem criativo estásem- Na época em que tive o sonho esta-
pre muito próximo do abismo da doen- va vivendo separado de minha família
ça'", onde suas "feridas permanecem na vigência de um momento de tran-
abertas", não se fechando por meio da sição. Minhas filhas freqüentavam uma
mera adaptação coletiva. No fundo, o escolinha de interior onde tinham co-
próprio sofrimento é a fonte de um po- mo professora uma senhora cujas duas

93
mãos eram deformadas. Tinha-me en. dongo que tinha uma mão direita es-
contrado uma vez com essa professora. quisita, semelhante à minha, No en-
Parece que nos anos imediatamente an- tanto eu percebia que a mão direita
teriores a essa época, esta senhora ti- estava crescendo ali diante dos meus
nha carregado o grande peso de uma olhos. Mas quando olhei para o maca-
vida familiar extremamente difícil, de co vi que ele estava com a mão direita
muitas tragédias pessoais e com dificul- numa cesta contendo fezes de onde a
dade até para sustentar-se. Não era uma retirava e tornava a enfiar. O sonho
pessoa agradável de se olhar e sempre parecia estar me dizendo que o traba-
criou problemas na escola, e mais tar- Iho de ser um curador requer também
de como professora, por ser "uma pes- que às vezes o lado ferido, as tais áreas
te para os outros". Por fim, com o en- vulneráveis, deva ser constantemente
corajamento de minha sogra, voltou à submetido à exposição do lado som-
escola e diplomou-se professora. Sua brio da vida real, para se ficar com
popularidade com as crianças era inco- as mãos sujas e se conseguir manter
mum e possuía uma enorme habilida- em contato com o que quer que seja
de para lecionar. Mesmo tendo as que os pacientes tragam, numa relação
mãos deformadas conseguia lidar efe- bem terra-à-terra. Entre os analistas há
tivamente com seu defeito físico e es- uma antiga frase segundo a qual mui
tabelecia contato com as crianças de tas vezes a pessoa se sente como um
uma forma muito especial. Minhas fi- coletor de lixo. De modo que este so-
Ihas a descreviam como uma pessoa nho parecia dizer-me que para eu ser
bonita. um verdadeiro médico-ferido deveria
lembrar-me constantemente de imanter
O significado do sonho tornou-se
"a mão, na massa" e somente isto po-
claro para mim como uma resposta às
deria promovero processo de cresci-
necesidades de minha psicologia. Até
mento.
então acreditara,, como me havia sido
ensinado no curso de medicina e nả Por fim devemos voltar à questão
residência em psiquiatria, que a pes- a respeito da essência do mistério da
soa deve sempre demonstrar sua for- cura. Segundo a descrição antiquíssi-
ça e esconder sua debilidade a fim de ma no mito de Esculápio sendo edu-
se tornar um bom médico. No traba- cado por Chíron "a ciência primordial
lho analítico porém, como se revelou do médico ferido é apenas o conheci-
mento de uma ferida incurável expe-
a partir de muitas experiências, sonhos
e contatos com pacientes, não se pode
rimentada para sempre pelo próprio
củrador. Na tentativa de responder a
esconder feridas ou fraquezas; deve-se
essa questão perguntamos: por que é
na verdade confrontá-las e trazê-las à
que, para que aconteça a cura, o mé-
consciência, quando se tem a esperan-
dico deve conhecer suas próprias fe-
ça de um dia tornar-se um genuíno mé-
ridas e realmente vivenciá-las cada vez
dico-ferido. Como se viu antes, tenta-
de novo? Como procuramos demons-
tivas de esconder ou renegar as pró-
trar através de um exame detalhado
prias fraquezas podem resultar em de-
da transferência que ocorre no proces-
sastre e fracasSo.
so analítico e em outros relacionamen-
Bem mais recentemente tive um ou- tos terapêuticos, só quandoo próprio
tro sonho em que me via perto de ca- médico é capaz de se ligar e experi-
sa, procurando animais. De repente mentar suas próprias feridas e doen-
avistava um macaco com um camun- ças, e confrontar as poderosas imagerns

94
de natureza arquetípica do inconscien raízes e fontes de totalidade num ní-
te, é que o paciente, por sua vez, pode vel que Ihe proporcionasse um certo
passar pelo mesmo processo. Pois se tipo de equilíbrio.
de fato ocorre alguma cura verdadeira,
Se bem que, apesar de tudo o que
parece que é o próprio médico-ferido
foi dito, a cura permaneça sendo um
quem, pelo menos de alguma for-
mistério, a tentativa de compreendê-la
ma, deve efetuála; mas, o analista de-
é uma aventura interminavelmente
lye estar presente. Jung disse-o de uma
outra maneira (JUNG, 14, pág. 116): atraente, porque ao longo dessa bus-
"Não há análise capaz de banir todo ca podenmos ficar conhecendo um pou-
o inconsciente para sempre. O analis- co mais a respeito de nós mesmos.
ta deve continuar sempre aprendendo
e nunca esquecer que cada caso novo
REFERÉNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
traz à luz, problemas novos e isso dá
lugar a suposições inconscientes que 1. Adler G. (1956). "Observações sobre a
antes nunca haviam se constelado. Po- dinâmica do Self" em Dinamic aspects
of the psyche. New York, Analytical
demos dizer, sem muito exagero, que Psychology Club.
uma metade de todo tratamento real-
2. Haere, N. L. e Osol, A. (Editores) (1956).
mente profundo consiste no exame que "Blakiston's New Gould Medical Dictio-
o médico faz de si mesmo, pois só l nary". New York,Toronto,Londres,
aquilo que pode consertar em si mes- i Mac-Graw-Hill2*edição.
mo pode ele esperar poder consertar 3. Caplan, G. (1970)."The theory and
no paciente. Nem isso é menos verda- practice of mental health Consultation".
New York, Basic Books, págs. 146-7.
de quando percebe o paciente recusan-
4. Feifel, H. (1965). "Funções de atitudes
do-o ou agredindo-o: é sua própria fe- relacionadas à morte" em Death and
rida que dá a medida da sua capaci- dying attitudes of patients and doctors.
dade de curar. É este o sentido, e ne New York, Group for the Advancement
of Psychiatry, págs. 632-4.
nhum outro além deste, do mito grego
do curador ferido". 5. Fordham, M. (1968). "Reflexões sobre
a análise didática" em The Analytic
Adler afirma também que a finali- process: aims, analysis, training. Edi-
dade do confronto de nossas feridas tor: J. B. Wheelwright, New York,
Putman Sons.
pode ser a busca de um caminho para
6. Freud, S. (1927). Pós-escrito" à "The
se chegar aos poderes de cura existen-
Question of lay analysis" (1926) em
tes dentro de nós (ADLER, 1). É pos- Std. Edn. 20, pág. 254.
sivelmente este o motivo porque tanta 7. Graves, R. (1955). "The Greek myths",
gente se vê atraída pelas profissões de volume 1, Pelican Books.
cura. Como os loucos do provérbio,
8. Guggenbühl-Craig, A. (1971). "Power in
eles se aventuram por regiőes em que the helping profession". New York,
os próprios anjos temem entrar. Há Spring Publications.
pouco um analista me disse que jamais 9. Henderson, J. (1954). "Resolução da
abandonaria a prática analítica pois se transferência à luz da psicologia de C.
deixasse de ver pacientes cairia doen- G. Jung", em International Congress of
Psychotherapy. Zurique, 1954.
te outra vez. Em essência o que ele
estava me dizendo era que só pela ex- 10 (1964). "Mitos antigos e o ho-
mem moderno" em Man and his sym-
posição de si mesmo no trabalho com bols. Editor: C. G. Jung. New York,
os pacientes é que podia manter-se em Garden City, Londres, Aldus and W. H.
contato consigo mesmo e encontrar as Allen.

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