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Gestão da Comunicação Empresarial

Disciplina 3 - Fundamentos Científicos da Comunicação

O Pensamento da Comunicação: da Linearidade à Complexidade

Profa. Roberta Veiga

Pensar a comunicação social é refletir sobre um processo complexo, caracterizado pela intera-
ção entre culturas, subjetividades, linguagens e técnicas, através do qual o sentido se constrói,
se prolonga e se transforma. Nessa direção, as teorias da comunicação seriam a organização a
sistematização, e, de certa forma, a legitimação desse pensamento.

Na tradição dos estudos sobre a comunicação encontramos propostas diferenciadas que pro-
curam cercar um mesmo objeto, ou por outro lado, encontramos objetos diferenciados que se
identificam por um olhar comunicacional. Isso significa dizer que o campo da comunicação é
reconhecidamente um campo movediço e plural, onde as pesquisas apontam para uma enorme
diversidade de caminhos sejam eles empíricos, metodológicos ou epistemológicos, e que, em
sua totalidade, se mostram ainda descontínuas e incipientes com relação a questões de grande
importância no que concerne a discussão a respeito da comunicação como uma ciência. Esse
diagnóstico se justifica em pelo menos três fatores, que com certeza se desdobram em vários
outros.

Um primeiro fator diz respeito a pouca idade (imaturidade) das chamadas teorias da comunica-
ção. Sabemos que a reflexão sobre os processos comunicativos no que se refere à linguagem,
aos signos e significações, é bastante antiga. Contudo, a teoria da comunicação propriamente
dita tem início em meados dos anos 30 com o uso mais efetivo dos meios de comunicação de
massa e sua explosão nos domínios da política e do mercado.

Um segundo fator se caracteriza pela natureza do objeto que é amplo e diversificado, o que
obviamente não é um problema exclusivo da comunicação social, mas das várias disciplinas
que perfazem a ciências humanas. O objeto da teoria da comunicação seria a princípio todos
os fenômenos comunicativos. Porém uma vez que a sociedade só existe “no” e “pelos” atos
comunicativos, pois é a partir deles que se cria, se estabelece e se mantém o vínculo social, a
comunicação se mostra como um “meio”, um “através de”, o que torna extremamente complexa
a tarefa de circunscrevê–la para estudá–la. Como congelar um objeto tão escorregadio, que só
existe em processo, em movimento, e só aparece num entre-lugar, na medida em que se reve-
la como aquele que une elementos? Por isso, é compreensível o fato dos pesquisadores se
debruçarem sobre os elementos que constituem o ato comunicativo.

A partir do modelo funcionalista de Lasswell (quem, diz o quê, pra quem, em que canal, com
que efeito) o estudo sobre a comunicação foi segmentado em várias instâncias: emissor, recep-
tor (audiência), meio (suporte), e efeito. Tal procedimento de análise falha por tirar da comuni-

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cação aquilo que a constitui em sua natureza e singularidade, o aspecto relacional, e produz no
campo de pesquisa uma fragmentação muitas vezes insuperável. Até mesmo, um estudioso
como J.B.Thompson que buscou uma compreensão total do processo comunicativo, através de
sua hermenêutica da profundidade, não escapou dessa visão fragmetária na medida em que,
em seu tripé metodológico, parte da divisão entre as ditas instâncias do ato comunicativo (e-
missor, mensagem e receptor) para chegar ao todo e dessa forma acaba por ter como tarefa
unir peças entendidas então isoladamente ao invés de concebê-las umas em relação às outras.
Contudo, a ênfase na relação pode escamotear as questões formais da linguagem em suas
modulações tecnológicas1. A natureza diversificada do objeto também concerne às muitas prá-
ticas através das quais a comunicação se manifesta, o que leva as pesquisas a pontuações
muito específicas, impossibilitando a construção de um campo de estudo comum.

Com relação à amplitude do objeto, a tensão se localiza na fragmentação X o todo. Se essa


fragmentação é reconhecida do ponto de vista teórico, na forma de capturação/acepção do
processo, e do ponto de vista empírico, na diversidade das práticas comunicativas manifestas,
do ponto de vista epistemológico não poderia ser diferente (ou sem efeito).

Um terceiro fator, que dificulta a sistematização das chamadas teorias da comunicação, apare-
ce então sobre a falsa marca da interdisciplinaridade. Falsa, pois ao contrário da pertinência
em se produzir um campo interdisciplinar da forma como esse é reconhecido por epistemólo-
gos como Edgard Morin, Boaventura Santos e Bruno Latour, na pesquisa sobre a comunicação
a interdisciplinaridade tem sinalizado para um sentido pouco profícuo. Se para esses autores,
guardadas as diferenças entre eles, a interdisciplinaridade vem permitir um diálogo entre as
disciplinas rumo a complexificação do pensamento e a evolução de uma ciência que aposta na
incerteza, que desconfia da ordem e admite o caos - e que por isso pode avançar sem se dei-
xar cristalizar em pensamentos ortodoxos e modelos totalitários dos quais o vitalismo e a subje-
tividade estão excluídos -, a forma como a interdisciplinaridade aportou nos estudos da comu-
nicação só veio a atravancar e, por que não, fazer descrer dessa generosa concepção.

É óbvio que objeto tão rico e amplo faça surgir interesses de várias disciplinas e é óbvio tam-
bém que em função dos poucos anos de configuração da comunicação como objeto de estudo
específico (nos referimos aqui principalmente ao surgimento e expansão dos meios de comuni-
cação de massa conforme já dito anteriormente) é necessário recorrer às ciências ou aos cam-
pos disciplinares já consolidados em busca de conceitos e experiências metodológicas.

Percebe-se então dois aspectos que caracterizam uma falsa interdisciplinaridade: o objeto da
comunicação está presente nas reflexões de outras áreas como sociologia, política, antropolo-
gia, psicologia, etc. e, por outro lado, as teorias desenvolvidas no interior do campo da comuni-
cação acionam essas disciplinas na tentativa de melhor compreender seu objeto. Do primeiro
aspecto, podemos depreender a natureza multidisciplinar do fenômeno comunicativo que esta-
rá na constituição dos objetos das várias ciências, mas não se caracterizará como um objeto

1
Ver crítica ao Colégio Invisível, escola de Palo Alto, feita por Miége.

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próprio que reclama por um campo de reflexão específico que o constituirá como tal. Do se-
gundo aspecto, o resultado é uma fragmentação do fenômeno comunicativo que será ora con-
cebido por uma perspectiva, por exemplo, sociológica (e aí pesa a dimensão social do proces-
so), ora por uma perspectiva política (e aí a ênfase recaí sobre as relações de poder que per-
passam a comunicação), ora o enfoque é da ordem da semiologia ou das análises do discurso
(e nesse sentido a linguagem se torna preponderante), desfocando assim outras dimensões
importantes do processo e obstruindo o entendimento da globalidade desse fenômeno.

Nesse ponto, o acionamento de outros campos do saber se dá muito mais em função da falta
de maturidade de nosso objeto, e por consequência de nossos estudos, e muito menos em
função da tentativa de se promover um diálogo com outros campos do saber que possam ilu-
minar com maior propriedade os vários aspectos sociais, culturais, econômicos, políticos e
linguísticos que a comunicação congrega. Tem–se então uma multiplicidade de enfoques que
geram necessariamente conceitos, análises e metodologias bastante diferenciadas impedindo
o avanço da área no que diz respeito a uma abstração comum – não no sentido de um modelo
explicativo único e ortodoxo, mas no sentido de um olhar ou um pensamento próprio da comu-
nicação capaz de reconstruir a realidade comunicativa em sua natureza e fundamentos, e de
conceder a ela contornos que a definam como um lugar de fala, um lugar de saber.

O que ocorre é a inviabilidade do diálogo entre as teorias da comunicação em virtude da espe-


cificidade das fundamentações e da fragmentação do olhar sobre o processo. Nesse sentido, a
interdisciplinaridade, que consistiria na tradução entre os vários campos do saber permitindo
uma interação entre eles e objetivando a construção de um olhar mais plural, condizente com a
complexidade contemporânea, não se dá.

A definição de um conceito de comunicação, ou mesmo de um modelo de comunicação, sofreu


e sofre as consequências dessa interdisciplinaridade convertida em multidisciplinaridade, isto é,
dessa fragmentação do objeto e dessa fragmentação disciplinar. No histórico das teorias da
comunicação é fácil perceber o predomínio de uma visão da comunicação por demais mecani-
cista que aposta na idéia de transporte de informação (paradigma clássico ou informacional2) e
na relação causal (causa e efeito), visão essa que muitas vezes parece negada do ponto de
vista dos princípios conceituais e teóricos, mas que pode ser flagrada nas escolhas metodoló-
gicas, ou seja, na maneira como a comunicação do ponto de vista empírico é apropriada pelo
pesquisador – o que ocorre muitas vezes com as teorias da recepção que surgiram para dar
lugar ao receptor (que na perspectiva clássica foi visto como mero receptáculo de informações)
e revitalizar a relação no fenômeno comunicativo, e acabaram por superestimar o papel do
receptor e enquadrá-lo novamente em uma série de modelos pré-estabelecidos sem conseguir
resgatar o viés relacional.

2
Essa definição de paradigma clássico ou informacional é muito importante, pois marca a idéia do processo comu-
nicativo como linear e unilateral que perdurou fortemente e, de certa maneira ainda perdura nas teorias da comuni-
cação. Está no livro: aparece no livro: FRANÇA, Vera. Jornalismo e Vida Social: a história amena de um jornal
mineiro. Belo Horizonte. Ed UFMG, 1998.

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Em oposição à perspectiva funcional ou a visão instrumental que o funcionalismo e a cibernéti-
ca (teoria matemática da comunicação) emprestaram às teorias da comunicação, estariam os
modelos de análise provenientes dos estudos da linguagem que buscaram identificar a dimen-
são da significação num processo que é de troca de mensagens. Esses modelos em sua maio-
ria resvalaram de questões importantes como o contexto do ato comunicativo, o meio técnico, e
a participação dos interlocutores, e concederam aos aspectos significantes - aqueles que esta-
riam inscritos no interior mesmo das mensagens - um lugar definidor do processo semiótico
constituinte da comunicação, como é o caso muitas vezes das análises do discurso. Não saí-
mos então da fragmentação do objeto.

Já dentro de uma tradição de pesquisa onde pesa a preocupação política e ideológica no mun-
do social, a teoria marxista vem conceder uma dimensão crítica aos estudos da comunicação e
aparece como alternativa epistemológica à visão funcional dos modelos americanos (perspecti-
va funcionalista) e a visão descontextualizada, por demais abstraída, dos modelos linguísticos.
Contudo a teoria crítica não salva a comunicação de uma perspectiva instrumentalizada.

O tratamento das formas simbólicas como bem de consumo - que aparece de forma mais aca-
bada em 1947, quando Adorno e Horkheimer, ambos filósofos pertencentes à Escola de Frank-
furt, apresentam o termo indústria cultural e o definem como o processo, realizado através dos
meios técnicos, de produção e difusão de informações adaptadas ao consumo das massas -,
sobredetermina o papel da economia, do marketing e obviamente do capitalismo, e não con-
templa essa nova dimensão cultural típica da experiência mediática.

A informação é, na perspectiva da Escola de Frankfurt, orientada pelo princípio de sua comer-


cialização uma vez que a indústria cultural, que tem no lucro sua medida e finalidade, massifica
a cultura transformando-a em mercadoria. Para a teoria crítica, de forte inspiração marxista, os
meios técnicos de difusão participam de uma dinâmica social regida pela lógica econômica.
Essa visão macro estrutural impede uma abordagem da informação em sua dimensão simbóli-
ca, uma vez que a análise do sentido do que é produzido pela indústria cultural é atropelada
pela análise do mecanismo de intervenção dos aparatos técnicos na reprodução cultural e sua
inserção mercadológica. Independente do conteúdo, a informação estará sempre subjugada
pela ideologia da indústria cultural: o lucro. Dessa forma, ela sempre reproduzirá a visão de que
os modos de produção cultural estão concentrados nas mãos dos detentores de poder, que
calculam seus efeitos motivados e insuflados pelas possibilidades de acúmulo de capital.

Uma questão relevante de ser apontada é que as visões por demais críticas, tanto do ponto de
vista ideológico quanto estético, parecem ter criado entre os pesquisadores da comunicação e,
principalmente, de outras áreas uma má vontade com relação aos fenômenos da cultura de
massa, ou seja, aquilo que outrora definiu e marcou um primeiro lugar das teorias da comuni-
cação, a comunicação de massa. Segundo o filósofo da comunicação, Jesus Martin Barbero,
os intelectuais deixam de falar sobre ou de estudar a televisão, e os programas massivos com
medo de serem identificados com o fenômeno ou de assumirem que eles não estão fazendo
parte desse universo.

Se o domínio da comunicação de massa abarca por definição e de fato os produtos da cultura


de massa e considerando a enorme ressonância que esses têm nos dias de hoje não há como

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desconsiderar essa vertente de pesquisa como fundamental na compreensão do fenômeno
comunicativo em relação à sociedade contemporânea. Ainda que as pesquisas sobre tais pro-
dutos culturais existam, elas são na maioria das vezes vista com certo descrédito, por tratar de
um objeto menor, principalmente em outras áreas do saber. Isso é quase que se dar por satis-
feito com os modelos críticos já existentes, e assumir que não há nada mais a se pensar, a se
revelar ou a se dizer sobre os fenômenos da cultura de massa. O que parece uma contradição
do ponto de vista da experiência dos sujeitos em relação aos meios de comunicação que mar-
cam a história das sociedades, uma vez que os produtos da indústria da cultura são os mais
consumidos e o mais debatidos no cenário da vida cotidiana. Parece também um contra-senso
do ponto de vista de uma ciência contemporânea (chamada de pós-moderna por Boaventura
Santos e considerada a ciência da consciência por Edgard Morin) que se entende incompleta e
por isso aborta a imobilidade dos paradigmas – que são construtos marcados pelas limitações
espaço-temporais - e busca se superar numa dinâmica contínua. Essa ciência procura se des-
fazer da idéia de verdade e incorporar as incertezas, busca a evolução não no sentido teleoló-
gico mas no sentido de estar sempre em movimento, em mutação uma vez que a vida é mutan-
te e se transforma e o impulso científico também se quer transformador.

Se não são relegadas ao segundo plano, as reflexões sobre as produções de massa repetem
em seu esquema analítico a lógica maior do processo de produção industrial, e raramente se
libertam de uma visão já pré-concebida e bastante ortodoxa, ou seja, não avançam muito na
singularidade dos objetos e em sua construção cultural. Quando são capazes de se livrar do
jugo e do peso das ‘teorias críticas‘, revelam uma grande dificuldade paradigmática e esbarram
em um dos maiores entraves da área: a metodologia.

Realmente a tarefa de constituição de um lugar de fala para a comunicação é bastante árida,


pois exige a superação de vários impasses que atravancam o avanço das pesquisas, mas ao
mesmo tempo bastante instigante na medida em que nos indica a necessidade de aceitação de
tensões que são constituintes desse campo e por tanto não devem ser superadas e sim devem
iluminar melhor as escolhas, os recortes e as conceituações, pois os fatores aqui mencionados
espelham o terreno movediço no qual nos situamos, mas que na verdade revela justamente a
riqueza da realidade que não pode ser abafada e nem homogeinizada. Não é só aonde as teo-
rias avançam ou doam, mas também aonde tolhem e retiram, que a ciência se faz. Não a ciên-
cia da ordem, ou da verdade, mas aquela que se compromete com a experiência dos sujeitos
no mundo, a única capaz de deixar flagrar um fenômeno tão híbrido como a comunicação.

Tendo em vista esse panorama, motivados pelo desejo de caminhar numa perspectiva da co-
municação que tenda a superar visões totalitárias ou fragmentadas, modelos por demais fe-
chados, preconceitos de qualquer ordem, e instigados a buscar um olhar aberto à natureza
plural de nosso empírico; encontramos a necessidade de entender nosso objeto de estudo em
sua dimensão, a primeira vista quase invisível, de entre-lugar. É claro que esse entre-lugar é
um construto simbólico que não existe no empírico. Ele é justamente um locus imaginário, di-
nâmico e indefinido que a imbricação da mídia, dos meios e formas de comunicação com a
realidade vivida produz através dos atos comunicativos cotidianos. Essa dimensão não existe
como um dado que está lá cravado no concreto da realidade para ser identificado, coletado e
explicado, mas pode ser construído a partir de uma investigação que nela crê. O processo co-

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municativo não pode ser capturado pelo pesquisador, tamanha sua fluidez e dinamicidade, isso
é muito claro se o imaginarmos como parte constituinte da realidade vivida.

O entre-lugar talvez não possa ser mostrado ou apontado, mas poderá se revelar a partir de
narrativa teórica, reflexiva, que pretenda tecer a relação entre mídia e sociedade, relação essa
que se dá através das significações que circulam em ambos os domínios – e que marcam a
não separação entre eles. A imbricação mídia-sociedade está justamente nas múltiplas repre-
sentações simbólicas - atos, estórias, personagens, mitos - impregnadas de valores, sentimen-
tos, subjetividades, percepções que perfazem o imaginário e que se objetivam na práxis huma-
na. Nesse sentido, o caminho que nos parece mais interessante para as teorias da comunica-
ção é de reconstruir o processo comunicativo através de suas várias interações (paradigma
interacional ou relacional3) – interlocutores, contexto, linguagem, materialidade simbólica, for-
mas, e técnica -, ligando os fios que tecem seu movimento.

3
Essa definição de paradigma interacional ou relacional se contrapõe a idéia de transmissividade do paradigma
clássico é trabalhada por Vera França no livro: FRANÇA, Vera. Jornalismo e Vida Social: a história amena de um
jornal mineiro. Belo Horizonte. Ed UFMG, 1998.

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