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Pensar a comunicação social é refletir sobre um processo complexo, caracterizado pela intera-
ção entre culturas, subjetividades, linguagens e técnicas, através do qual o sentido se constrói,
se prolonga e se transforma. Nessa direção, as teorias da comunicação seriam a organização a
sistematização, e, de certa forma, a legitimação desse pensamento.
Na tradição dos estudos sobre a comunicação encontramos propostas diferenciadas que pro-
curam cercar um mesmo objeto, ou por outro lado, encontramos objetos diferenciados que se
identificam por um olhar comunicacional. Isso significa dizer que o campo da comunicação é
reconhecidamente um campo movediço e plural, onde as pesquisas apontam para uma enorme
diversidade de caminhos sejam eles empíricos, metodológicos ou epistemológicos, e que, em
sua totalidade, se mostram ainda descontínuas e incipientes com relação a questões de grande
importância no que concerne a discussão a respeito da comunicação como uma ciência. Esse
diagnóstico se justifica em pelo menos três fatores, que com certeza se desdobram em vários
outros.
Um primeiro fator diz respeito a pouca idade (imaturidade) das chamadas teorias da comunica-
ção. Sabemos que a reflexão sobre os processos comunicativos no que se refere à linguagem,
aos signos e significações, é bastante antiga. Contudo, a teoria da comunicação propriamente
dita tem início em meados dos anos 30 com o uso mais efetivo dos meios de comunicação de
massa e sua explosão nos domínios da política e do mercado.
Um segundo fator se caracteriza pela natureza do objeto que é amplo e diversificado, o que
obviamente não é um problema exclusivo da comunicação social, mas das várias disciplinas
que perfazem a ciências humanas. O objeto da teoria da comunicação seria a princípio todos
os fenômenos comunicativos. Porém uma vez que a sociedade só existe “no” e “pelos” atos
comunicativos, pois é a partir deles que se cria, se estabelece e se mantém o vínculo social, a
comunicação se mostra como um “meio”, um “através de”, o que torna extremamente complexa
a tarefa de circunscrevê–la para estudá–la. Como congelar um objeto tão escorregadio, que só
existe em processo, em movimento, e só aparece num entre-lugar, na medida em que se reve-
la como aquele que une elementos? Por isso, é compreensível o fato dos pesquisadores se
debruçarem sobre os elementos que constituem o ato comunicativo.
A partir do modelo funcionalista de Lasswell (quem, diz o quê, pra quem, em que canal, com
que efeito) o estudo sobre a comunicação foi segmentado em várias instâncias: emissor, recep-
tor (audiência), meio (suporte), e efeito. Tal procedimento de análise falha por tirar da comuni-
Um terceiro fator, que dificulta a sistematização das chamadas teorias da comunicação, apare-
ce então sobre a falsa marca da interdisciplinaridade. Falsa, pois ao contrário da pertinência
em se produzir um campo interdisciplinar da forma como esse é reconhecido por epistemólo-
gos como Edgard Morin, Boaventura Santos e Bruno Latour, na pesquisa sobre a comunicação
a interdisciplinaridade tem sinalizado para um sentido pouco profícuo. Se para esses autores,
guardadas as diferenças entre eles, a interdisciplinaridade vem permitir um diálogo entre as
disciplinas rumo a complexificação do pensamento e a evolução de uma ciência que aposta na
incerteza, que desconfia da ordem e admite o caos - e que por isso pode avançar sem se dei-
xar cristalizar em pensamentos ortodoxos e modelos totalitários dos quais o vitalismo e a subje-
tividade estão excluídos -, a forma como a interdisciplinaridade aportou nos estudos da comu-
nicação só veio a atravancar e, por que não, fazer descrer dessa generosa concepção.
É óbvio que objeto tão rico e amplo faça surgir interesses de várias disciplinas e é óbvio tam-
bém que em função dos poucos anos de configuração da comunicação como objeto de estudo
específico (nos referimos aqui principalmente ao surgimento e expansão dos meios de comuni-
cação de massa conforme já dito anteriormente) é necessário recorrer às ciências ou aos cam-
pos disciplinares já consolidados em busca de conceitos e experiências metodológicas.
Percebe-se então dois aspectos que caracterizam uma falsa interdisciplinaridade: o objeto da
comunicação está presente nas reflexões de outras áreas como sociologia, política, antropolo-
gia, psicologia, etc. e, por outro lado, as teorias desenvolvidas no interior do campo da comuni-
cação acionam essas disciplinas na tentativa de melhor compreender seu objeto. Do primeiro
aspecto, podemos depreender a natureza multidisciplinar do fenômeno comunicativo que esta-
rá na constituição dos objetos das várias ciências, mas não se caracterizará como um objeto
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Ver crítica ao Colégio Invisível, escola de Palo Alto, feita por Miége.
Nesse ponto, o acionamento de outros campos do saber se dá muito mais em função da falta
de maturidade de nosso objeto, e por consequência de nossos estudos, e muito menos em
função da tentativa de se promover um diálogo com outros campos do saber que possam ilu-
minar com maior propriedade os vários aspectos sociais, culturais, econômicos, políticos e
linguísticos que a comunicação congrega. Tem–se então uma multiplicidade de enfoques que
geram necessariamente conceitos, análises e metodologias bastante diferenciadas impedindo
o avanço da área no que diz respeito a uma abstração comum – não no sentido de um modelo
explicativo único e ortodoxo, mas no sentido de um olhar ou um pensamento próprio da comu-
nicação capaz de reconstruir a realidade comunicativa em sua natureza e fundamentos, e de
conceder a ela contornos que a definam como um lugar de fala, um lugar de saber.
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Essa definição de paradigma clássico ou informacional é muito importante, pois marca a idéia do processo comu-
nicativo como linear e unilateral que perdurou fortemente e, de certa maneira ainda perdura nas teorias da comuni-
cação. Está no livro: aparece no livro: FRANÇA, Vera. Jornalismo e Vida Social: a história amena de um jornal
mineiro. Belo Horizonte. Ed UFMG, 1998.
Já dentro de uma tradição de pesquisa onde pesa a preocupação política e ideológica no mun-
do social, a teoria marxista vem conceder uma dimensão crítica aos estudos da comunicação e
aparece como alternativa epistemológica à visão funcional dos modelos americanos (perspecti-
va funcionalista) e a visão descontextualizada, por demais abstraída, dos modelos linguísticos.
Contudo a teoria crítica não salva a comunicação de uma perspectiva instrumentalizada.
O tratamento das formas simbólicas como bem de consumo - que aparece de forma mais aca-
bada em 1947, quando Adorno e Horkheimer, ambos filósofos pertencentes à Escola de Frank-
furt, apresentam o termo indústria cultural e o definem como o processo, realizado através dos
meios técnicos, de produção e difusão de informações adaptadas ao consumo das massas -,
sobredetermina o papel da economia, do marketing e obviamente do capitalismo, e não con-
templa essa nova dimensão cultural típica da experiência mediática.
Uma questão relevante de ser apontada é que as visões por demais críticas, tanto do ponto de
vista ideológico quanto estético, parecem ter criado entre os pesquisadores da comunicação e,
principalmente, de outras áreas uma má vontade com relação aos fenômenos da cultura de
massa, ou seja, aquilo que outrora definiu e marcou um primeiro lugar das teorias da comuni-
cação, a comunicação de massa. Segundo o filósofo da comunicação, Jesus Martin Barbero,
os intelectuais deixam de falar sobre ou de estudar a televisão, e os programas massivos com
medo de serem identificados com o fenômeno ou de assumirem que eles não estão fazendo
parte desse universo.
Se não são relegadas ao segundo plano, as reflexões sobre as produções de massa repetem
em seu esquema analítico a lógica maior do processo de produção industrial, e raramente se
libertam de uma visão já pré-concebida e bastante ortodoxa, ou seja, não avançam muito na
singularidade dos objetos e em sua construção cultural. Quando são capazes de se livrar do
jugo e do peso das ‘teorias críticas‘, revelam uma grande dificuldade paradigmática e esbarram
em um dos maiores entraves da área: a metodologia.
Tendo em vista esse panorama, motivados pelo desejo de caminhar numa perspectiva da co-
municação que tenda a superar visões totalitárias ou fragmentadas, modelos por demais fe-
chados, preconceitos de qualquer ordem, e instigados a buscar um olhar aberto à natureza
plural de nosso empírico; encontramos a necessidade de entender nosso objeto de estudo em
sua dimensão, a primeira vista quase invisível, de entre-lugar. É claro que esse entre-lugar é
um construto simbólico que não existe no empírico. Ele é justamente um locus imaginário, di-
nâmico e indefinido que a imbricação da mídia, dos meios e formas de comunicação com a
realidade vivida produz através dos atos comunicativos cotidianos. Essa dimensão não existe
como um dado que está lá cravado no concreto da realidade para ser identificado, coletado e
explicado, mas pode ser construído a partir de uma investigação que nela crê. O processo co-
O entre-lugar talvez não possa ser mostrado ou apontado, mas poderá se revelar a partir de
narrativa teórica, reflexiva, que pretenda tecer a relação entre mídia e sociedade, relação essa
que se dá através das significações que circulam em ambos os domínios – e que marcam a
não separação entre eles. A imbricação mídia-sociedade está justamente nas múltiplas repre-
sentações simbólicas - atos, estórias, personagens, mitos - impregnadas de valores, sentimen-
tos, subjetividades, percepções que perfazem o imaginário e que se objetivam na práxis huma-
na. Nesse sentido, o caminho que nos parece mais interessante para as teorias da comunica-
ção é de reconstruir o processo comunicativo através de suas várias interações (paradigma
interacional ou relacional3) – interlocutores, contexto, linguagem, materialidade simbólica, for-
mas, e técnica -, ligando os fios que tecem seu movimento.
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Essa definição de paradigma interacional ou relacional se contrapõe a idéia de transmissividade do paradigma
clássico é trabalhada por Vera França no livro: FRANÇA, Vera. Jornalismo e Vida Social: a história amena de um
jornal mineiro. Belo Horizonte. Ed UFMG, 1998.