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Programa

Biodiversidade
Brasil - Itália

com ênfase em comunidades rurais

Cerrados
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Embrapa Cerrados
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

com ênfase em comunidades rurais

Altair Toledo Machado


Luciano Lourenço Nass
Cynthia Torres de Toledo Machado
Editores Técnicos

Embrapa Cerrados
Planaltina, DF
2011
Exemplares desta publicação podem ser adquiridos na:

Embrapa Cerrados
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Coordenação editorial
Jussara Flores de Oliveira Arbués
Revisão Técnica
Altair Toledo Machado
Luciano Lourenço Nass
Cynthia Torres de Toledo Machado
Equipe de revisão
Francisca Elijani do Nascimento
Jussara Flores de Oliveira Arbués
Normalização bibliográfica
Marilaine Schaun Pelufê
Paloma Guimarães Corrêa de Oliveira
Shirley da Luz Soares de Araújo
Capa
Wellington Cavalcanti
Foto da capa
Cynthia Torres de Toledo Machado
Projeto gráfico e diagramação
Leila Sandra Gomes Alencar

1a edição
1a impressão (2011): 1.500 exemplares

Todos os direitos reservados.


A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo ou
em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei n° 9.610).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP


Embrapa Cerrados

M274 Manejo sustentável da agrobiodiversidade nos biomas Cerrado e Caatinga com ênfase em
comunidades rurais / editores técnicos Altair Toledo Machado, Luciano Lourenço Nass,
Cynthia Torres de Toledo Machado. – Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 2011.
376 p. : Il. color.

ISBN 978-85-7075-060-0

1. Agricultura. 2. Biodiversidade. 3. Cerrado. 4. Caatinga. I. Machado, Altair Toledo.


II. Nass, Luciano Lourenço. III. Machado, Cynthia Torres de Toledo.
333.95 - CDD 21

© Embrapa 2011
Autores

Altair Toledo Machado


Engenheiro Agrônomo, Dr.
Pesquisador da Embrapa Cerrados
altair@cpac.embrapa.br

Carlos Alberto Dayrell


Engenheiro Agrônomo, M.Sc.
Técnico do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas
carlosdayrell@gmail.com

Ciro Correa
Engenheiro Agrônomo, M.Sc.
Técnico da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil
(Concrab)
cirocorrea@terra.com.br

Cosma Damasceno
Técnica da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil
(Concrab)
cosmicasd@yahoo.com.br

Cynthia Torres de Toledo Machado


Engenheira Agrônoma, Ph.D.
Pesquisadora da Embrapa Cerrados
cynthia@cpac.embrapa.br
Eduardo Alano Vieira
Engenheiro Agrônomo, Dr.
Pesquisador da Embrapa Cerrados
vieiraea@cpac.embrapa.br

Fabio Bueno dos Reis Jr.


Engenheiro Agrônomo, Ph.D.
Pesquisador da Embrapa Cerrados
fabio@cpac.embrapa.br

Jorge Henrique Montalvan Rabanal


Engenheiro Agrônomo
Técnico da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil
(Concrab)
Rabanal80@hotmail.com

Josefino de Freitas Fialho


Engenheiro Agrônomo, M.Sc.
Pesquisador da Embrapa Cerrados
josefino@cpac.embrapa.br

Josiene Paulo dos Santos


Técnica Agropecuária
Técnica da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil
(Concrab)
josienesto@hotmail.com

Karèn Simone Verhoosel


Wageningen UR Centre for Development Innovation
karen.verhoosel@wur.nl

Luciano Lourenço Nass


Engenheiro Agrônomo, Ph.D.
Pesquisador da Secretaria de Relações Internacionais
luciano.nass@embrapa.br
Luciano Rezende Ribeiro
Engenheiro Agrônomo
Técnico do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas
lucianoribeiro@gmail.com

Mariane Carvalho Vidal


Bióloga, M.Sc.
Pesquisadora da Embrapa Hortaliças
mariane@cnph.embrapa.br

Marilia Santos Silva


Engenheira Agrônoma, Ph.D.
Pesquisadora da Embrapa Cerrados
marilia@cpac.embrapa.br

Marja Helen Thijssen


Engenheira Agrônoma, Ph.D.
Wageningen UR Centre for Development Innovation
marja.thijssen@wur.nl

Nilton Fabio Alves Lopes


Engenheiro Agrônomo
Técnico do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas
fabio@caa.org.br

Ornélio Guedes da Silva


Técnico Agrícola
Assistente A da Embrapa Cerrados
nelio@cpac.embrapa.br

Rodrigo Machado de França


Engenheiro Agrônomo
Técnico do Ministério do Desenvolvimento Agrário
rodrigo.franca@mda.gov.br
Vicente Eduardo Soares de Almeida
Engenheiro Agrônomo, M.Sc.
Pesquisador da Embrapa Hortaliças
vicente@cnph.embrapa.br

Vinicius Mello Teixeira de Freitas


Engenheiro Agrônomo
Analista da Embrapa Hortaliças
freitas@cnph.embrapa.br

Walter Simon de Boef


Engenheiro Agrônomo, Ph.D.
Consultor da Biodiversity and Institutional Development Consultancy
walterdeboef@gmail.com

Wânia Maria Gonçalves Fukuda


Engenheira Agrônoma, M.Sc.
Pesquisadora da Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical
wfukuda@cnpmf.embrapa.br
Nota dos Editores

As opiniões apresentadas nos capítulos são de


responsabilidade dos respectivos autores.
Agradecimentos

Ao Programa Biodiversidade Brasil-Itália, pelo apoio financeiro para a


realização deste livro.

Às comunidades envolvidas neste trabalho, em especial ao Assentamento


Mulungu, Assentamento Cajueiro, Assentamento Cunha e outros que participaram
em algum momento do Projeto.

Ao Centro de Agricultura Alternativa (CAA) - Norte de Minas, pelo apoio


no desenvolvimento desse trabalho junto as comunidades do Norte de Minas;

À Confederação Nacional das Cooperativas de Reforma Agrária do


Brasil (Concrab), pelo apoio constante ao trabalho junto aos assentamentos de
reforma agrária do Centro-Oeste e Nordeste.

Ao Movimento Camponês Popular (MCP), pela articulação e condução


de campos de sementes junto aos agricultores familiares de Goiás.

Às Embrapas Agroindústria Tropical, Algodão, Tabuleiro Costeiro, Arroz


e Feijão, Recursos Genéticos e Biotecnologia e Hortaliças, pela parceria e
execução das atividades no Projeto.

À Embrapa Cerrados, pelo apoio logístico e técnico na gestão e condução


do Projeto.

À Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pelo apoio às


atividades no Norte de Minas.

Ao Governo Italiano, pela cooperação e apoio financeiro ao Projeto.

Ao Sr. Glauco Amorim responsável pelas atividades administrativas


do Projeto “Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e
Caatinga”.
Prefácio

Nas últimas três décadas, o salto da nossa produção agropecuária não


teve paralelo em nenhuma outra região do mundo. A agricultura brasileira foi
capaz de responder às demandas da sociedade, garantindo a nossa segurança
alimentar, contribuindo para o alívio das desigualdades sociais, viabilizando
ainda a diversificação e intensificação das nossas exportações agrícolas, com
significativo impacto no crescimento econômico do País. No entanto, e levando
em conta a diversidade e complexidade da agricultura brasileira, os avanços até
agora alcançados, embora muito relevantes, dificilmente bastarão para garantir
a competitividade e a sustentabilidade da nossa produção de alimentos, fibras e
energia no futuro.

Estudos e análises recentes mostram que a nossa agricultura será


desafiada por transformações substanciais ao longo das próximas décadas.
O Brasil precisará continuar respondendo à necessidade de produzir volumes
crescentes de alimentos e matérias-primas, promovendo, ao mesmo tempo,
avanços em diversificação, agregação de valor, produtividade, segurança e
qualidade dos seus produtos agrícolas, com velocidade e eficiência superiores
àquelas alcançadas no passado.

O País precisará ainda realizar esforços para garantir a sustentabilidade


futura da sua agricultura frente ao aumento da frequência de eventos extremos
e intensificação de estresses bióticos e abióticos associados às mudanças
climáticas globais. Substanciais avanços em conhecimento científico e
tecnológico serão necessários para que o Brasil possa fazer frente aos riscos
de degradação ambiental, exclusão social, insegurança alimentar e nutricional,
que são antecipados pelos estudiosos dos processos de mudanças climáticas e
seus impactos.

Apesar de os paradigmas correntes de inovação tecnológica na agricultura


terem possibilitado grandes avanços, é preciso lembrar que ainda convivem no
Brasil uma agricultura moderna e dinâmica e outra carente, pouco tecnificada e
à margem do mercado. Os pequenos agricultores brasileiros precisam, mais que
nunca, ter acesso a informações, conhecimentos e inovações tecnológicas, e as
instituições de fomento, pesquisa e extensão precisam atuar de forma inteligente
e concertada para desenvolvimento de soluções que viabilizem a elevação do
desempenho e a inserção econômica dos pequenos agricultores, respeitando as
diversidades regionais e culturais que marcam o nosso país continental.

A pesquisa em manejo sustentável da agrobiodiversidade tem contribuído


sobremaneira para o desenvolvimento e a disseminação dessas inovações.
Entre as estratégias utilizadas, destaca-se a busca de alternativas de uso
mais sustentável da nossa rica base de recursos naturais e o desenvolvimento
de estratégias para a adequação da produção agrícola às necessidades
de diversificação e elevação da qualidade das dietas das populações mais
carentes, levando em conta as especificidades regionais e as experiências dos
agricultores e das comunidades tradicionais. O Brasil conta hoje com múltiplas
experiências em manejo e uso da agrobiodiversidade, que geram contribuições
efetivas para a elevação da diversidade e sustentabilidade da agricultura familiar,
com significativo impacto na segurança nutricional em muitas regiões brasileiras.

Este livro reúne um interessante conjunto de experiências em manejo


sustentável da agrobiodiversidade nos biomas Cerrado e Caatinga, com ênfase
em comunidades de agricultores familiares e assentados da reforma agrária.
Os resultados foram possibilitados pelo Programa Biodiversidade Brasil-Itália,
desenvolvido no âmbito de um amplo programa de cooperação bilateral realizado
no período 2006-2009. Participaram do Programa Biodiversidade Brasil-
Itália a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada
ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em parceria com o
Instituto Agronômico per I’Oltremare (IAO/Itália) e o Instituto Brasileiro de Meio
Ambiente (Ibama), além de uma ampla gama de parceiros, como organizações
de produtores, ONGs, universidades e outras organizações sociais diversas.

O programa buscou promover a conservação e o uso sustentável da


diversidade biológica e fortalecer iniciativas de desenvolvimento local em regiões
dos biomas Cerrado, Caatinga e Amazônia. A estratégia de ação foi centrada na
participação efetiva das comunidades tradicionais e de pequenos produtores,
buscando o desenvolvimento de informações, conhecimentos e tecnologias para
amenizar o nível de pobreza dessas comunidades e garantir a sua segurança
alimentar.

Esta publicação cobre os resultados de um dos cinco projetos vinculados


ao Programa Biodiversidade Brasil-Itália, e está centrada em três vertentes
distintas. A primeira descreve as experiências das comunidades, descrita
pelos agricultores e técnicos das organizações sociais envolvidas no projeto;
a segunda é relacionada a aspectos metodológicos, com destaque para as
metodologias participativas; e a terceira está relacionada às atividades de
pesquisa participativa per se.

A Embrapa considera que este projeto foi um marco na definição de


referências para mobilização multidisciplinar no manejo da agrobiodiversidade,
além de exemplo de estratégias baseadas em pólos de irradiação da
agrobiodiversidade, sustentadas em ações de pesquisa participativa. O projeto
contribuiu ainda para definição de políticas públicas como o estabelecimento do
Programa dos Centros Irradiadores da Agrobiodiversidade (CIMAs), promovido
pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), o estabelecimento do Programa
Nacional de Agrobiodiversidade pelo MMA, entre muitos outros.

O Programa Biodiversidade Brasil-Itália e seu projeto componente


representado nesta obra contribuíram ainda para o processo de discussão
das legislações relacionadas ao acesso e uso da agrobiodiversidade no Brasil,
incluindo a Lei de Sementes, a aplicação das normas de acesso a variedades
locais e a legislação sobre acesso e utilização da agrobiodiversidade, em
discussão no País.

Aqui estão registradas experiências de sucesso em tema de grande


impacto para o futuro do manejo e uso da agrobiodiversidade no Brasil,
além de referências para o estabelecimento de plataformas de pesquisa em
agrobiodiversidade e agroecologia a partir de metodologias participativas. A
informação aqui contida poderá auxiliar pesquisadores e instituições dedicados
ao tema a responder aos anseios por uma agricultura mais sustentável, com
redução da erosão genética e cultural, com promoção da segurança alimentar e
nutricional e resposta à intensificação de estresses relacionados às mudanças
climáticas globais.

Maurício Antônio Lopes


Diretor-Executivo de Pesquisa e Desenvolvimento
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Sumário

Capítulo 1
Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga...19

Capítulo 2
Base Conceitual para Uso de Metodologias Participativas em Manejo de
Agrobiodiversidade.............................................................................................29

Capítulo 3
Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na
Agrobiodiversidade e em Práticas Agroecológicas............................................51

Capítulo 4
Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária
a partir do Manejo da Agrobiodiversidade..........................................................99

Capítulo 5
Redes Sociotécnicas e Modos de Vida Tradicionais: estratégias de
fortalecimento da agrobiodiversidade pelo CAA-NM no norte de Minas
Gerais...............................................................................................................145
Capítulo 6
Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas Utilizando Indicadores
de Sustentabilidade: instrumento para capacitação em agroecologia e
promoção da agrobiodiversidade no Assentamento Cunha ............................169

Capítulo 7
Manejo da Diversidade Genética e Melhoramento Participativo de Milho e sua
Interação com a Agrobiodiversidade ...............................................................221

Capítulo 8
Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa em
Milho ...............................................................................................................241

Capítulo 9
Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de
caso .................................................................................................................281

Capítulo 10
Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais e
Assentamentos da Região Centro-Oeste com Ênfase nas Plantas de Cobertura:
conceituação, síntese metodológica e experiências locais .............................315

Capítulo 11
Produção Agroecológica de Hortaliças: a experiência do Assentamento
Cunha ..............................................................................................................353
Capítulo 1

Manejo Sustentável da
Agrobiodiversidade
nos Biomas Cerrado e Caatinga

Altair Toledo Machado


Luciano Lourenço Nass
Ciro Correa
Carlos Alberto Dayrell
Manejo Sustentável da
Agrobiodiversidade nos Biomas
Cerrado e Caatinga

Introdução
Este livro refere-se a uma descrição sintetizada da experiência de um
Projeto intitulado Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade dos Biomas Cerrado
e Caatinga, desenvolvido no período de 2005 a 2009, com o objetivo principal de
realizar ações de pesquisa e desenvolvimento na conservação, valoração e uso
dos recursos genéticos locais, procurando-se amenizar o nível de pobreza das
comunidades e garantir sua segurança alimentar. Para realizar esse projeto, foram
estabelecidas parcerias com organizações sociais que trabalham com pequenos
produtores, tais como: Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do
Brasil (Concrab), Associação Estadual dos Pequenos Agricultores de Goiás
(Aepago) e Centro de Agricultura Alternativa (CAA). O projeto desenvolveu-se em
Goiás, Distrito Federal, Norte de Minas, Ceará e Sergipe.

Esse projeto fez parte do Programa Biodiversidade Brasil-Itália (PBBI),


fruto de uma iniciativa de cooperação bilateral Brasil-Itália, materializada por
ações de conservação e valorização dos recursos fitogenéticos das espécies de
interesse agroalimentar e industrial para o Brasil. O programa foi operacionalizado
por meio da ação conjunta do Instituto Agronômico per l´Oltremare-IAO, pelo
lado italiano, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), pelo lado brasileiro, em conformidade com os termos de cooperação
estabelecidos entre os órgãos de cooperação da Itália e do Brasil.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 21


No projeto, procurou-se destacar elementos importantes dos sistemas
agrícolas desenvolvidos por pequenos agricultores e do manejo da diversidade
genética por essas comunidades. Foram tratadas questões referentes à
segurança alimentar, à biodiversidade, à agrobiodiversidade, à agroecologia e ao
desenvolvimento de metodologias participativas com ênfase no fitomelhoramento
participativo. O fortalecimento de políticas públicas voltadas para a conservação
e o uso sustentável da agrobiodiversidade e o estímulo às pesquisas dirigidas à
agricultura familiar foram considerados fundamentais à adoção de um modelo de
agricultura sustentável, essencial à segurança alimentar das populações. Dessa
forma, três pontos foram considerados essenciais para o desenvolvimento desse
projeto: agrobiodiversidade, agroecologia e desenvolvimento sustentável.

Pode-se afirmar que a agrobiodiversidade relaciona os valores de


uso dos cultivos em agricultura com os valores de conhecimento associados
à diversidade desses cultivos. Especialmente em agricultura tradicional, o uso
está intimamente ligado aos sistemas de conhecimento locais, relacionando
diversidade cultural, costumes e práticas. A revalidação desses conhecimentos
mostra que a biodiversidade não é somente fundamental para a produção de
alimentos, mas também desempenha um importante papel no estabelecimento
da sustentabilidade dos sistemas de produção agrícola.

A diversidade genética das espécies é crucial para manter a capacidade


natural de responder às mudanças climáticas e a todos os tipos de estresses
bióticos e abióticos. Entretanto, o que se observa é uma perda contínua e
acentuada da diversidade genética. Portanto, os processos agrícolas devem
examinar com cuidado a perda das variedades locais, devendo-se ter sempre
em mente que qualquer variedade moderna é oriunda de uma variedade local.
A perda irreversível de genes é, sem dúvida, o maior problema. Variedades de
plantas podem desaparecer sem uma correspondente perda da diversidade
genética, pois os genes da variedade perdida podem continuar em outras
variedades cultivadas. Com a perda de variedades locais, combinações únicas
de genes de um valor particular ou de utilidade imediata podem desaparecer.

22 Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga


Em adição à perda de genes, deve-se considerar a perda de conhecimentos
indígenas e de comunidades agrícolas, provocando o que chamamos de erosão
do conhecimento (MACHADO, 2007).

A agrobiodiversidade pode ser entendida como um processo de


relações e interações do manejo da diversidade entre e dentro de espécies,
com conhecimentos tradicionais e com o manejo de múltiplos agroecossistemas,
sendo um recorte da biodiversidade. Por sua vez, a agroecologia pode ser
interpretada como o estudo das funções e das interações do saber local, da
biodiversidade funcional, dos recursos naturais e dos agroecossistemas
(MACHADO; MACHADO, 2008).

Os sistemas agroecológicos, por sua vez, promovem a agrobiodiversidade


e se relacionam com ela dentro de um processo de relações e interações entre
aspectos socioculturais, manejo ecológico dos recursos naturais e manejo
holístico e integrado dos agroecossistemas (MACHADO; MACHADO, 2008).

O projeto buscou o desenvolvimento dos agricultores familiares em


bases sustentáveis, a partir do manejo da diversidade genética de milho,
feijão, mandioca, hortaliças, plantas nativas e medicinais e de plantas de
cobertura utilizadas como adubos verdes com enfoque na agroecologia e na
agrobiodiversidade, considerando critérios de sustentabilidade ambiental. O
manejo da diversidade genética de diferentes espécies teve como objetivo o
desenvolvimento de variedades adaptadas a esses ambientes, que possuem
lógica própria, no estabelecimento de espécies vinculadas a um agroecossistema
funcional e que não se repete em um centro de pesquisa.

Na concepção metodológica e estratégica, procurou-se, no primeiro


momento, realizar um diagnóstico participativo com o intuito de caracterizar
ambiental, social e economicamente os locais de ação do Projeto, os quais
foram definidos pelas organizações sociais parceiras. Foram definidos quatro
locais de ação, sendo três de responsabilidade da Concrab (Assentamento
Cunha, em Cidade Ocidental, GO; Assentamento Mulungu, em Itapipoca, CE; e
Assentamento Cajueiro, em Poço Redondo, SE), e um local representado pela

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 23


área experimental do CAA em Montes Claros, MG. Nesses locais de ação, foram
estabelecidos pólos de irradiação da agrobiodiversidade, sendo esse um local
comunitário onde as diferentes ações de P&D foram desenvolvidas. Nesses
locais, foram construídas unidades multifuncionais e bancos comunitários de
sementes. Na unidade multifuncional, foram proporcionadas as condições para
a realização de cursos de formação e capacitação, além de outras atividades
comunitárias, tais como processamento de hortaliças, artesanatos, entre outras.
A irradiação ocorreu em diferentes regiões do norte de Minas com apoio do CAA
e em diferentes regiões de Goiás com apoio da Aepago e do Movimento dos
Camponeses Populares (MCP). Convém destacar que as ações de pesquisa
foram realizadas em conjunto com as comunidades a partir das metodologias de
pesquisa participativa descentralizadas.

Esse projeto, além das ações de P&D, teve um forte componente de


capacitação de agricultores, técnicos, pesquisadores, professores e estudantes
em metodologias participativas, nas temáticas de promoção de melhoramento
participativo, desenvolvimento sustentável, agrobiodiversidade, agroecologia
e inserção aos mercados locais. Foram realizados ainda intercâmbios de
experiências entre comunidades de agricultores e entre centros de pesquisa;
seminários para promover a divulgação dos resultados, estimulando-se o debate
em ciência e tecnologia com a participação de agricultores e técnicos; e a
promoção de ações participativas junto a outros representantes da sociedade
civil, incluindo os consumidores, na avaliação de produtos orgânicos e na
discussão crítica dos alimentos produzidos de forma saudável e com agregação
social. As ações desse projeto serviram de exemplo de como a pesquisa pode
colaborar de forma efetiva nas questões de segurança alimentar – tema bastante
debatido nos diferentes fóruns nacionais e internacionais e que está na pauta
das políticas públicas.

A problematização da segurança alimentar nas comunidades de


pequenos agricultores é um fato alarmante e que vem crescendo nas últimas
décadas. Associa-se a esse fato a perda constante dos valores sociais, culturais e
da agrobiodiversidade local, provocando um forte e contínuo processo de erosão

24 Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga


que, em muitas situações, prejudica o meio ambiente e provoca uma constante
saída dos agricultores familiares do meio rural. Além desses aspectos, devemos
considerar ainda a falta de sementes selecionadas e adaptadas à realidade dos
pequenos agricultores, que sofrem constantemente por problemas de estresses
ambientais bióticos e abióticos e, também, para aqueles que cultivam em sistemas
agroecológicos, para os quais não se encontram variedades adaptadas.

O conceito de segurança alimentar orientado para políticas públicas


apareceu pela primeira vez em 1974, na Conferência Mundial de Alimentação da
FAO. Essa mesma instituição viria a ampliar o conceito, que passaria a ser entendido
no sentido de “assegurar o acesso aos alimentos para todos e a todo o momento,
em quantidade e qualidade suficientes para garantir uma vida saudável e ativa”.
Esse conceito colocou em evidência a importância da agricultura para a produção
de alimentos com qualidade e quantidade suficientes para alimentar as pessoas
e não somente com a intenção de produzir commodities. Valorizou também uma
agricultura sustentável, que respeita o meio ambiente, capaz de manter a base dos
recursos naturais por muito tempo (CAPORAL; COSTABERBER, 2003).

No entanto, durante os anos 1990, o debate mundial em torno da


segurança alimentar colocou em evidência outras questões, tais como, a renda
e o poder aquisitivo como determinantes do acesso alimentar. A partir desse
marco, os governantes brasileiros começaram a se preocupar com as camadas
da população em situação de fome, miséria e insegurança alimentar. Essas
preocupações tomaram espaço na estrutura do governo, sendo transformadas
em políticas públicas. No entanto, as soluções encontradas para reverter a
situação social degradante das populações implicadas em carências alimentares
aparecem na forma de ações fragmentadas e imediatas, sendo conduzidas
por meio de programas assistenciais pontuais e específicos e uma abordagem
que não considerava o ser humano como o centro das atenções (GAZOLLA;
SCHNEIDER, 2004).

Grande parte da insegurança alimentar no Brasil provém da inviabilização


da agricultura familiar (SOARES, 2000; SOARES, 2001). A histórica falta

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 25


de apoio a esse setor vem redundando na expulsão do agricultor familiar do
campo em direção a periferia dos centros urbanos, engrossando a fileira dos
desempregados e miseráveis com acesso restrito aos alimentos.

Outros fatores concorrem para inviabilizar a agricultura familiar. A erosão


genética (redução da variabilidade genética), além de diminuir a produção
agrícola, aumenta a suscetibilidade das plantas a pragas e doenças. Segundo
a FAO, a diminuição da diversidade genética das plantas e animais torna mais
vulnerável e insustentável o abastecimento alimentar (MACHADO et al., 2008).

A recuperação de locais que sofreram um forte processo de erosão


genética foi bastante abordada dentro desse projeto. Foi realizado um diagnóstico
da erosão no qual consideraram-se os aspectos ambientais, sociais, culturais,
econômicos, bem como os relativos à agrobiodiversidade, aos sistemas
agroecológicos e à capacidade organizacional. E, em um segundo momento,
foram determinados os indicadores de sustentabilidade para os mesmos níveis
acima citados.

A execução de um projeto de pesquisa dessa natureza buscou


o desenvolvimento territorial sustentável, a partir de dois componentes
fundamentais: o manejo da agrobiodiversidade e o manejo ecológico dos
agroecossistemas, que promovem o desenvolvimento das relações sociais,
culturais, econômicas e ambientais, além dos mecanismos de agregação
de valores. Assim, esse projeto, dentro de suas limitações, promoveu o
desenvolvimento dos agricultores familiares e dos assentados da reforma
agrária, em bases sustentáveis, a partir da promoção de processos de pesquisas
participativas, descentralizadas e com enfoque na agrobiodiversiade e
agroecologia, levando em conta critérios de sustentabilidade ambiental e, assim,
colaborou efetivamente para a questão da segurança alimentar das comunidades
de pequenos agricultores, bem como, em médio prazo, pode levar a conquista
da soberania alimentar. A descrição metodológica desse projeto bem como as
suas ações de pesquisa participativa serão descritas nos próximos capítulos.

26 Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga


Referências
CAPORAL, F. R.; COSTABERBER, J. A. Segurança alimentar e agricultura sustentável:
uma perspectiva agroecológica. Ciência e Ambiente, v. 1, n. 27, 2003. p. 153-165.

GAZOLLA, M.; SCHNEIDER, S. O papel da agricultura familiar para a segurança


alimentar: uma análise a partir do Programa Fome Zero no município de
Constantina/RS, 2003. Disponível em: <http://www.inagrodf.com.br/revista/index.php/
SDR/article/viewFile/11/12>. Acesso em: 03 ago. 2008.

MACHADO, A. T. Manejo dos recursos vegetais em comunidades agrícolas: enfoque


sobre segurança alimentar e agrobiodiversidade. In: NASS, L. L. (Ed.). Recursos
genéticos vegetais. Brasília, DF: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, 2007.
p. 717-744.

MACHADO, A. T.; SANTILLI, J.; MAGALHÃES, R. A agrobiodiversidade com enfoque


agroecológico: implicações conceituais e jurídicas. Brasília, DF: Embrapa Informação
Tecnológica: Embrapa-Secretaria de Gestão e Estratégia, 2008. 98 p. (Embrapa-
Secretaria de Gestão e Estratégia. Texto para discussão, 34).

MACHADO, C. T. T.; MACHADO, A. T. Agroecologia e agrobiodiversidade como


instrumentos para o desenvolvimento sustentável do Cerrado brasileiro. In: PARRON,
L. M.; AGUIAR, L. M. de S.; DUBOC, E.; OLIVEIRA-FILHO, E. C.; CAMARGO, A. J. A.
de; AQUINO, F. de G. (Ed.). Cerrado: desafios e oportunidades para o desenvolvimento
sustentável. Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 2008. p. 263-304.

SOARES, A. C. A Multifuncionalidade da agricultura familiar. Proposta, n. 87,


p. 40-49, dez/fev 2000/2001.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 27


Capítulo 2

Base Conceitual para Uso de


Metodologias Participativas em
Manejo de Agrobiodiversidade

Walter Simon de Boef


Marja Helen Thijssen
Karèn Simone Verhoosel
Base Conceitual para Uso de
Metodologias Participativas em
Manejo de Agrobiodiversidade

Introdução
Na área de manejo de agrobiodiversidade, existem desafios que
não podem ser enfrentados pelos tipos mais formais de pesquisa, nos quais
os profissionais desenvolvem a agenda e são os responsáveis primários
pela pesquisa. Quando se trata de problemas complexos que não podem ser
enfrentados apenas com a pesquisa formal, e para os quais diferentes atores
sociais — governo, ONGs, setor comercial, sociedade civil – têm que contribuir
para encontrar soluções, abordagens mais orientadas à participação e à
aprendizagem devem ser aplicadas. Este é o foco deste capítulo: estratégias
orientadas à participação e à aprendizagem, fortalecendo o manejo comunitário
da agrobiodiversidade e do melhoramento participativo de cultivos. Isso implica
numa abordagem mais ampla e participativa no desenho e implementação
da estratégia de pesquisa. Estimular a participação dos atores sociais mais
importantes nos diferentes estágios da pesquisa resultará num impacto mais
relevante, mais efetivo e mais sustentável aos desafios que serão tratados. A
participação deve ocorrer desde o início, na definição dos problemas durante
o diagnóstico, na implementação e no monitoramento e avaliação contínuos
dos processos participativos. Esse último aspecto é a chave para facilitar o
aprendizado da comunidade e dos atores sociais.

Neste capítulo, apresenta-se, resumidamente, uma base sobre


abordagens orientadas à participação e à aprendizagem no diagnóstico e
pesquisa, bem como um embasamento para a implementação de projetos na área
de manejo comunitário da agrobiodiversidade e de melhoramento participativo

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 31


de cultivos. Mostra-se ainda um marco no qual as ferramentas participativas
utilizadas nos diagnósticos participativos podem ser aplicadas (DE BOEF;
THIJSSEN, 2007). Por meio dessa contextualização, queremos enfatizar que
“participação não se trata somente de aplicar ferramentas participativas, mas
está associada a uma mudança na atitude que é verdadeiramente participativa”.
Com isso, processos participativos não redundarão somente em soluções
técnicas; o fator de aprendizado social – capacidades dos agricultores, das
comunidades e (ou) dos atores sociais em resolver problemas comuns – torna-
se o resultado principal. Sem esse foco no aprendizado social, a aplicação de
ferramentas participativas pode ter efeitos adversos, difíceis de serem ajustados.

Discutimos também o que entendemos por participação, baseados em


nossas próprias experiências como instrutores e facilitadores, complementado
com o que inovadores ou ‘gurus’ nesse campo de conhecimento compartilharam
e publicaram. Esses inovadores nos inspiraram, e a muitos outros, na criação
de ambientes participativos de aprendizado e de ação que facilitarão uma
abordagem de impacto orientado ao empoderamento e ao desenvolvimento.
Elaboramos alguns conceitos sobre participação e delineamos alguns princípios
de participação. Também apresentamos algumas diretrizes de como os processos
participativos de aprendizado e de mudança podem ser facilitados.

Sistemas de Conhecimento
A abordagem participativa distingue dois tipos de sistemas de
conhecimento: os sistemas tradicionais (ou locais) e os científicos. O ponto de
contato convencional entre os dois sistemas é a transferência da tecnologia, usando
fluxo linear de informação, como, por exemplo, tecnologias de melhoramento
genético como variedades melhoradas. Por sua vez, o melhoramento genético
participativo objetiva conectar o sistema local com o científico. Na Tabela 1,
mostra-se uma caracterização dos dois sistemas, acrescida de uma abordagem
participativa. Essa abordagem une ambos os sistemas.

32 Base Conceitual para Uso de Metodologias Participativas...


Tabela 1. Principais características das três abordagens de desenvolvimento de tecnologia.

Critérios Tradicional ou local Transferência ou científica Participativa


Agricultores com manejo próprio da
Objetivos Vida segura, redução de riscos Maximizar rendimento
agricultura
Agricultores complementados por
Fonte de inovação Agricultores Instituições de pesquisa
organizações de pesquisa
Conflito entre criatividade holística e
Natureza do conhecimento Holístico Particular
particular
Os métodos dos agricultores são
Abordagem experimental Em grande parte, desconhecida Procedimentos científicos complementados por procedimentos
científicos simples
Sistemas múltiplos: agricultores, ONGs,
Canais de comunicação Agricultor a agricultor Serviço de extensão rural
extensionistas
Formal (vertical), de cima
Processo de comunicação Informal (horizontal) Semiformal
para baixo
Gerador do conhecimento, Gerador, comunicador, avaliador de
Papel dos agricultores Receptor, que adota
comunicador, usuário ideias exteriores, usuário
Papel das equipes de Professor, controle, conformi- Múltiplo: moderador, pessoa-recurso,
Nenhum
profissionais de campo dade com regulamentos co-pesquisador, professor

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga...


Fonte: adaptado de Van Veldhuizen et al. (1997).

33
Por meio de abordagens participativas, o sistema científico incrementa o
sistema de conhecimento local. É crítico considerar que o conhecimento local é
dinâmico e não isolado. De fato, a presença de pesquisadores ou de técnicos de
campo pode contribuir com processos que “crioulisam” o conhecimento científico,
o desenvolvimento de tecnologias e a experimentação. Na prática, no processo
de adaptar às circunstâncias locais às variedades modernas introduzidas, os
agricultores continuamente “crioulisam” as tecnologias (CANCI, 2006). Quem será
o “profissional” – se um pesquisador, um técnico da extensão ou de ONG, ou um
outro agricultor –, vai depender, e muito, do objetivo que se quer desse encontro.

Participação
Participação diz respeito a empoderamento (CHAMBERS, 2006;
BARLETT, 2008). No final dos anos 1970 e 1980, organizações de
desenvolvimento começaram a se dar conta dos problemas de não adoção ou de
impacto limitado causados pelas abordagens de desenvolvimento de cima para
baixo e linear. Desde o início dos anos 1990, as agências de desenvolvimento
doadoras colocaram seu peso na promoção do desenvolvimento participativo.
“Participação inclui o envolvimento da população nos processos de tomada
de decisão, na implementação de programas, seu compartilhamento nos
benefícios dos programas de desenvolvimento e seu envolvimento nos
esforços de avaliação de tais programas” (COHEN; UPHOFF, 1977).

A participação pode servir a dois amplos propósitos. Primeiro, a


participação pode ser considerada um instrumento, isto é, um processo pelo qual
iniciativas de desenvolvimento podem ser mais eficazmente implementadas.
Os métodos participativos podem ser utilizados para incorporar as ideias das
pessoas nos planos de desenvolvimento e atividades de desenvolvimento ou
de pesquisa. Segundo, a participação pode ser considerada um objetivo, isto
é, empoderar as pessoas auxiliando-as a adquirir habilidades, conhecimento
e experiência para assumir maior responsabilidade (ter o domínio) no seu
desenvolvimento.

34 Base Conceitual para Uso de Metodologias Participativas...


Existem muitas discussões que apoiam o uso de abordagens
orientadas à participação e à aprendizagem, enquanto outras destacam suas
debilidades (CLAYTON et al., 1997). As discussões a favor chamam a atenção
para resultados como o empoderamento dos desfavorecidos. Quando se
aceita o conhecimento local para enfrentar problemas locais, os processos
de intervenções de desenvolvimento e de pesquisa podem se tornar mais
efetivos. As comunidades e os atores sociais tornam-se o foco nos processos
de desenvolvimento e de pesquisa; esse foco no investimento em capacidades
locais, no manejo de recursos, frequentemente incluirá a distribuição ou
delegação de responsabilidades. Isso pode aumentar o domínio do grupo-
alvo sobre os processos de pesquisa e desenvolvimento, contribuindo para a
sustentabilidade das atividades e resultando em impacto maior. Enfatizar ações
estratificadas, portanto, visando grupos específicos, pode melhorar o status dos
grupos desfavorecidos, como populações indígenas, mulheres e idosos.

As debilidades frequentemente mencionadas nos processos participativos


de pesquisa e desenvolvimento incluem o fato de que esses processos tomam
muito tempo, tanto dos profissionais como da população rural, e exigem grandes
investimentos em recursos financeiros. Em situações de pobreza, a participação
pode ser vista como um luxo e só aparece após os meios de vida da população
pobre estarem assegurados. Processos participativos, se não adequadamente
embasados, podem desestabilizar relações sociopolíticas e culturais existentes
dentro das comunidades ou entre os atores sociais. São percebidos como
orientados por “entusiasmo ideológico” e menos preocupados em assegurar
benefícios diretos aos pobres. Por último, alguns consideram que eles deslocam
a responsabilidade de orientar o processo de desenvolvimento para os pobres
ou desavantajados e para governos locais. Em se refletindo sobre esses prós
e contras, é fundamental colocar os processos participativos dentro de um
contexto socioeconômico e político mais amplo. Da mesma forma, perspectivas
sociopolíticas distintas certamente irão resultar em diferentes análises dos
objetivos e dos resultados dos processos participativos.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 35


A aproximação entre pesquisadores e agricultores pode ser analisada por
meio das várias formas de participação nas relações entre pessoas, a exemplo
dos sete apresentados na Tabela 2. Essa tipologia é útil para compreender as
interações entre agricultores e técnicos, no melhoramento participativo dos
cultivos. Para fortalecer a comunidade, as habilidades dos profissionais de
ciências e tecnologias necessitam se combinar de maneira eficaz com as forças
dos agricultores, que estão embasadas no conhecimento e na experimentação
local. Isso significa modificações nas atividades e nos papéis convencionais. As
interações entre técnicos e comunidades rurais evoluem do controle coercivo e
de sistemas de ensino convencionais para o papel de facilitador e de sistemas de
aprendizagem participativa. Consequentemente, os tipos das interações podem
se estabelecer entre os extremos, num gradiente que vai desde a “participação
passiva” até a “automobilização”. Nos sete tipos de participação, uma perspectiva
crítica que perpassa as várias possibilidades de interações relaciona-se ao nível
de empoderamento dos agricultores e outros participantes.

Tabela 2. Tipologia da participação.

Tipologia Componentes de cada tipo


A A comunidade participa recebendo informação do que irá acontecer ou
Participação do que já aconteceu. As respostas das pessoas não são levadas em
passiva conta. A informação compartilhada pertence aos profissionais externos
A comunidade participa respondendo às perguntas feitas por
B pesquisadores-conservadores, que utilizam questionário ou abordagem
Participação tendo similar, por exemplo, para identificar critérios de seleção para o
como resultado a melhoramento de plantas. A comunidade não tem a oportunidade
transferência de de continuadamente influenciar os resultados encontrados durante
informação o projeto de pesquisa, que nem mesmo é compartilhado e (ou) tem
verificada a exatidão dos dados
A comunidade participa, sendo consultada, e os agentes externos
escutam exemplos para identificar os objetivos do melhoramento
C e a recomendações de variedades. Os agentes externos definem
Participação por problemas e soluções, e podem modificá-los de acordo com as
consulta respostas das pessoas. Um processo de consulta não concede o
direito de tomada de decisões. Os profissionais estão obrigados a fazer
levantamento de opinião com cada pessoa
Continua...

36 Base Conceitual para Uso de Metodologias Participativas...


Tabela 2. Continuação.

Tipologia Componentes de cada tipo


A comunidade participa fornecendo recursos, por exemplo, trabalho
D ou terra, e, em contrapartida, recebe alimento, dinheiro ou outros
Participação por incentivos materiais (sementes, fertilizantes). Muitos testes a campo
incentivos materiais de variedades caem nesta categoria, em que as comunidades rurais
fornecem os recursos mas não são envolvidas na experimentação
A comunidade participa formando grupos que vão ao encontro de
objetivos predeterminados relacionados ao projeto, que podem
E
englobar o desenvolvimento ou a promoção de iniciativas de
Participação
organizações externas. Essas instituições geralmente dependem
funcional
de iniciadores e facilitadores externos, mas podem se tornar
autossuficientes
A comunidade participa da análise em comum, que orienta os planos
de ação, a montagem de grupos locais ou os ajustes nos existentes.
Pesquisadores utilizam metodologias interdisciplinares que procuram
F
perspectivas múltiplas e fazem uso sistemático de processos de
Participação
aprendizagem. O controle de aprendizagem dos grupos influencia
interativa
na tomada de decisões e, nesse sentido, as pessoas têm um papel
importante na manutenção e na evolução das estruturas e práticas
criadas
A comunidade participa tomando iniciativas independentes das
G instituições externas para o sistema de troca. Tais mobilizações
Automobilização de autoiniciativas e ações coletivas podem ou não pôr em risco a
distribuição igualitária da riqueza e do poder
Fonte: adaptado de De Boef (2000), Pimbert e Pretty (1997) e Pretty (1995).

Aprendizagem e Ação Participativas


São muitos os métodos participativos existentes; eles foram desenvolvidos
em contextos distintos e para uma diversidade de propósitos. O Diagnóstico
Rural Participativo (DRP) foi o primeiro a ser usado. Desde os anos 1990, as
metodologias participativas se expandiram e se difundiram. O foco mudou de
“avaliação e análise” para “planejamento, ação e monitoramento e avaliação” e,
de forma crescente, começaram a ser aplicadas em ambiente urbano, em adição
ao enfoque rural original. O enfoque mudou de aplicações a campo, avaliando

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 37


aspectos técnicos institucionais. Sua aplicação estendeu-se de poucos setores no
domínio rural e da agricultura para muitos outros, tais como manejo da natureza,
cuidados com saúde e educação. Os tópicos tratados mudaram de problemas
tecnológicos seguros para temas socioambientais e políticos sensíveis, difíceis e
perigosos. Os primeiros a utilizarem-nas foram as ONGs; agora são empregadas
dentro de departamentos governamentais, agências doadoras internacionais e na
pesquisa acadêmica desenvolvida por instituições de pesquisa e universidades.
Essa mudança também contribuiu para a formação de um corpo crítico da teoria,
enquanto sua origem era fundamentada na prática. De sua região de origem
no sul da Ásia, métodos participativos disseminaram-se no Sul e são cada vez
mais usados no Norte. De métodos, eles se tornaram processos facilitadores
de desenvolvimento profissional, institucional e de políticas. Em seu reflexo
profissional, a atenção parou de enfatizar comportamentos e atitudes para
enfatizar mudanças pessoais e relações.

As mudanças descritas, graduais e de aprendizagem na sua aplicação


e teoria, e, sobretudo, a compreensão de que uma boa prática empodera – o
que não pode ser conseguido apenas pela avaliação, mas sim por ações
participativas – tornaram urgente a reformulação do nome comum referente
ao método. O termo Pesquisa Participativa de Aprendizagem e Ação (PPAA)
é agora amplamente usado, e nós vamos usá-lo ainda mais, avançando neste
capítulo. Como termo, ele é frequentemente usado alternadamente com outros
métodos, que incluem o DRP. A PPAA significa
“uma crescente família de abordagens, métodos, atitudes, comportamentos
e relações que visam capacitar e empoderar pessoas para compartilhar,
analisar e intensificar seu conhecimento da vida e das condições, e para
planejar, agir, monitorar, avaliar e refletir” (COHEN; UPHOFF, 1977).

Uma boa PPAA como processo significa empoderamento de comunidades.

Princípios de Participação
Distinguimos determinados princípios que sustentam métodos e
processos participativos. O primeiro é autoconsciência e responsabilidade
críticas, isto é, julgamento e responsabilidade individuais exercidos pelos

38 Base Conceitual para Uso de Metodologias Participativas...


facilitadores. Ou seja, os facilitadores estando conscientes sobre atitudes,
comportamentos e relações, englobando e aprendendo com erros e dúvidas,
continuamente buscando fazer melhor, construindo suas próprias capacidades
em aprender e melhorando os métodos aplicados em cada experiência e
assumindo responsabilidade pessoal. Fundamental para esse princípio é mudar
o comportamento e a atitude de dominador para facilitador, ganhar confiança,
solicitar às pessoas, frequentemente desavantajadas, para nos ensinar,
respeitando-as, tendo confiança de que elas conseguem fazer, passando
o bastão, empoderando e dando condições para que elas conduzam suas
próprias análises. O segundo princípio é estabelecido em torno de equidade
e empoderamento, isto é, um compromisso com a equidade, empoderando
os que são marginalizados, excluídos e privados, frequentemente mulheres e
crianças, ou os que são mais pobres. O terceiro princípio reconhece e celebra a
diversidade, derrubando tendências (espacial, projeto, pessoas – gênero, elite,
sazonal, profissional, deferências, etc.) e facilitando a cultura de compartilhar
informações, métodos, experiências de campo e aprendizado entre ONGs,
governos e pessoas locais. O quarto e último princípio está relacionado à
facilitação e aumento das capacidades de aprendizado em conjunto ou sociais.

Os métodos necessitam ser flexíveis, exploratórios, interativos e


inventivos, facilitando, portanto, uma aprendizagem progressiva rápida. Eles
necessitam incluir inversão de sentido, ou seja, aprender de, com e pela
população local, trazendo à tona e utilizando seus critérios e categorias. Precisam
inserir triangulação apropriada por meio do uso de métodos, fontes e disciplinas
dissimilares, e de uma gama de informantes em uma diversidade de lugares,
e fazer checagem cruzada para se chegar mais perto da verdade através de
aproximações sucessivas. Entretanto, buscando sempre pela ignorância ótima e
pela imprecisão apropriada. Isso significa não descobrir mais do que o necessário,
não medir mais acuradamente do que o necessário, e não tentar medir o que não
precisa ser medido. Somos treinados para medir coisas, mas, frequentemente,
tendências, marcas ou classificação é tudo o que se precisa. Técnicas de
visualização são usadas para facilitar, por meio de dinâmicas de grupo, a

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 39


comunicação entre profissionais e participantes rurais e, também, para estimular
o diálogo entre todos. Isso inclui vários formatos como tabelas ou matrizes,
mapas, quadros de fluxo e diagramas. O facilitador orienta os participantes em um
encontro por intermédio de uma série de etapas metodológicas. Uma dinâmica
de grupo dá resultados de melhor qualidade do que quando os resultados são
obtidos por de entrevistas individuais (PRETTY, 1994).

Uma mescla desses componentes metodológicos de aprendizagem


define um processo sistemático de aprendizado no qual a aprendizagem social
e conjunta – o quarto princípio – pelos atores sociais, através de um sistema
de análise conjunta e interações, é central. É importante refletir sobre as
várias interpretações da realidade e soluções para os problemas apoiando o
aparecimento de múltiplas perspectivas. Isso contribui para os processos de
aprendizagem de grupo nos quais análises e interações de grupo são estratégias
para lidar com a complexidade. Métodos e abordagens devem ser, dentro do
possível, desenhados ou adaptados à situação local, preferencialmente pelos
atores envolvidos, aumentando seu domínio. O processo de análise conjunta e o
diálogo auxiliam a definir mudanças, as quais podem resultar em melhoramento,
bem como buscam motivar as pessoas a agirem para implementar as mudanças
definidas que, inevitavelmente, conduzirão à mudança e à melhoria da situação.

Os princípios apoiam e orientam quando se trabalha com uma família


agricultora, com famílias numa comunidade e com outros atores sociais em um
processo participativo de aprendizagem e ação. Em processos que envolvem
mais participantes, o que na realidade é sempre o caso, é importante considerar
esses princípios em razão da diversidade dos participantes envolvidos. Isso
também significa diversidade em pensar sobre a importância da participação,
o sentido da participação e as formas de alcançar empoderamento. Trabalhar
com base nesses princípios, os quais necessitam de investimento de tempo, vai
aumentar o impacto do processo e de seus resultados.

40 Base Conceitual para Uso de Metodologias Participativas...


Facilitando Processos Participativos de
Aprendizagem e de Transformação
A facilitação é crítica na abordagem participativa. O papel do profissional
é guiar o processo; em todas as questões, as decisões devem ser deixadas
para o grupo envolvido. Frequentemente, isso é difícil, pois os profissionais,
assim como os pesquisadores e trabalhadores em extensão, são treinados para
transferir tecnologia, dizendo aos agricultores como fazer as coisas, fazendo os
agricultores escutar ao invés de falar. No diagnóstico e pesquisa participativos,
o fluxo da informação é invertido. É necessário se dar conta que isso não exige
uma mudança de atitude somente do profissional. Os agricultores e a população
rural também podem estar acostumados a escutar o que fazer e, portanto, podem
relutar em mudar para outro modo de comunicação.

Transparência e explicação dos objetivos do encontro auxiliarão a ambos


a entrarem em uma forma diferente de comunicação. Especialistas facilitadores
e atores sociais podem ter uma posição de “serem de fora”, são pesquisadores
e (ou) práticos que não são membros da comunidade ou do grupo com os quais
eles interagem. Para as pessoas locais, eles podem atuar como catalisadores
para decidir o que fazer com a informação e a análise geradas. Os “de fora”
também podem optar por analisar mais a fundo as descobertas geradas pela
aprendizagem e ação participativas ou pelos processos de multiatores, para
influenciar processos de decisões políticas. Se a população local sentir que esse
apoio é necessário, a organização facilitadora necessita comprometer-se em
assistir e monitorar essas ações decididas pela população. Portanto, o papel
do profissional mudou de ser um “especialista” para ser um “facilitador”. As
“qualidades de um facilitador” necessitam ser tanto dinâmicas como também
receptivas; dessa forma, a facilitação torna-se uma atividade de ponderação.
A habilidade de ouvir é uma qualidade importante. A atitude do facilitador é
crucial para o sucesso, e muito mais importante do que sua habilidade de aplicar
ferramentas participativas. Em resumo, Robert Chambers (2003) dá uma série
de dicas práticas para facilitadores, as quais são apresentadas a seguir.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 41


Dicas para ser um facilitador bem sucedido (CHAMBERS, 2003).

• Ver, ouvir e aprender. Facilitar. Não dominar. Não interromper.


Quando as pessoas estão mapeando, modelando ou diagramando,
deixe-as fazer isso. Quando as pessoas estão pensando ou trocando
ideias antes de responder, dê tempo a elas para pensar e discutir.
(Isso parece fácil. Mas não é. Temos tendência de ser interruptores
habituais. Não são precisamente aqueles mais espertos, importantes
e articulados entre nós que também são os mais inabilitados, achando
difícil manter nossas bocas fechadas?). Então Ouça, Aprenda,
Facilite. Não Domine! Não Interrompa!

• Passe noites nas comunidades e favelas. Esteja por lá à tardinha, de


noite e cedo pela manhã.

• Abrace os erros. Todos nós cometemos enganos e, algumas vezes,


fazemos as coisas mal feitas. Não se preocupe. Não as esconda.
Compartilhe o erro. Quando as coisas vão mal, é uma chance para
aprender. Diga “Ah! Aquilo foi uma trapalhada. Bom. Agora, o que
podemos aprender dela?”

• Pergunte a si mesmo – quem está sendo encontrado e ouvido, e


o que está sendo visto, e onde e por quê; e quem não está sendo
encontrado e ouvido, e o que não está sendo visto, e onde e por quê?

• Relaxe. Não atropele. Deixe tempo livre para caminhar e perambular.

• Encontre as pessoas quando for bom para elas, e quando elas podem
estar disponíveis, não quando for conveniente para nós. Isso se aplica
ainda mais fortemente às mulheres do que aos homens. Métodos
participativos frequentemente tomam tempo, e as mulheres tendem
a ter muitas obrigações que exigem sua atenção. Algumas vezes
o melhor momento para elas é o pior para nós – um par de horas
depois de escurecer, ou algumas vezes cedo pela manhã. Pergunte
a elas! Frequentemente são necessários acordos, mas é uma boa
disciplina; tentar encontros nos melhores momentos deles, ao invés
dos nossos, é bom para estabelecer uma conexão adequada; e

42 Base Conceitual para Uso de Metodologias Participativas...


não force discussões que se estendam demais. Pare antes que as
pessoas estejam muito cansadas.

• Explore. Entreviste o mapa ou o diagrama.

• Pergunte a respeito do que você vê. Perceba, se aposse e investigue


a diversidade, tudo o que é diferente, o inesperado.

• Utilize os seis auxiliares – quem, o que, onde, quando, por que e


como?

• Faça perguntas abertas.

• Mostre interesse e entusiasmo em aprender com as pessoas.

• Deixe mais tempo do que o esperado para a interação da equipe


(ainda nunca consegui isso direito) e para alterar a agenda.

• Desfrute! Frequentemente é interessante, e frequentemente é


divertido!

Facilitando o Aprendizado em Processos


Participativos
Na PPAA, a aprendizagem é considerada como “uma reflexão sobre a
experiência, para identificar como uma situação, ou ações futuras, podem ser
melhoradas e, então, utilizar o conhecimento para realmente fazer melhorias”.
Isso pode ser em base individual ou grupal, dentro de um projeto ou programa, em
nível organizacional ou dentro de um contexto social mais amplo. O importante
é assegurar que cada indivíduo compartilhe seus pensamentos e que os outros
possam aprender com isso. Em conjunto, cria-se um quadro abrangente.

No início dos anos 1970, David. A. Kolb, com seu colega Ronald Fry, na
Weatherhead School of Management, desenvolveu o Modelo de Aprendizagem
Experiencial “The Experiential Learning Model”. Esse modelo é composto de
quatro elementos: (a) experiência concreta; (b) observação e reflexão sobre essa
experiência; (c) formação de conceitos abstratos baseados na reflexão; e (d)
teste dos novos conceitos. O próximo passo nesse modelo é repetir os quatro

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 43


elementos. Kolb e Fry (1975) indicaram que um aprendizado (mais aprofundado)
passa por um ciclo de experiências concretas, de observação reflexiva, de
conceitualização abstrata e de experimentação ativa (Figura 1). Aplicar lições
aprendidas em ações futuras fornece a base para um novo ciclo de aprendizagem.
Como quando se realiza uma pesquisa, primeiro se deve analisar e refletir sobre
quais são os assuntos em jogo (observação reflexiva), por exemplo, o contexto
e problemas encontrados na produção de sementes de determinado cultivo
em uma comunidade específica. Uma vez que toda a informação relevante é
coletada, pode-se começar conceitualizando o que isso significa, por exemplo,
como os métodos utilizados pelos agricultores para processar e estocar sementes
desse cultivo particular pode ser melhorado sob essas condições específicas
(conceitualização abstrata). Isso então pode ser testado (experimentação ativa)
para ver se realmente funciona, por exemplo, vários experimentos para buscar
soluções aos problemas encontrados no processamento e na estocagem de
sementes. Enquanto se faz isso, pode-se descobrir informação nova, ou tentar
novas formas de trabalho (experiência concreta) que conduzam a resultados
melhores, por exemplo, se o processamento e estocagem necessitam ser
diferenciados para sementes de variedades locais ou modernas do cultivo. Sobre
isso precisa ser feita reflexão, conceitualização, etc.

Experiência
concreta
(1)

Testando
em novas Observação e
situações reflexão
(4)
(2)

Formando
conceitos
abstratos
(3)

Figura 1. O ciclo de aprendizagem de Kolb (1975).

44 Base Conceitual para Uso de Metodologias Participativas...


Basicamente, aprendizado é um processo contínuo de passar pelo ciclo
de aprendizagem de Kolb. Isso pode ser estimulado pelo uso de diferentes
ferramentas/métodos em distintas situações, por exemplo, a análise de árvore
problema pode ser usada antes ou após um determinado projeto com o
propósito de avaliação e, então, refletir sobre as mudanças no tempo e decidir
o que deve ser feito no futuro. Ou uma matriz pode ser usada para decidir sobre
quais variedades de um cultivo podem ser mais adequadamente introduzidas
em uma comunidade; e um diagrama de Venn pode ser usado para decidir quais
organizações locais podem facilitar a aprendizagem e quais outras organizações
(de fora) podem apoiar o processo de aprendizagem participativa (DE BOEF;
THIJSSEN, 2007).

Participação e Profissionalismo
É importante, nos processos participativos a serem aplicados no manejo
comunitário da agrobiodiversidade, ou na realização de estratégia de conservação
in situ, concentrar esforços na formação de equipes de pesquisadores e de
extensionistas (e de outros participantes) para a facilitação desses processos. A
experiência mostra que essa não é uma tarefa fácil, pois, entre os profissionais
de conservação e melhoristas, estabeleceu-se um paradigma que faz o processo
tornar-se mais difícil para trabalhar de maneira participativa. Basicamente, podem
ser observados dois paradigmas que descrevem bem a relação entre técnicos e
agricultores: a primeira abordagem poderia ser descrita como orientada pelo que
o Robert Chambers (2003) define como profissionalismo normal, e a segunda,
pelo profissionalismo novo (Tabela 3).

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 45


Tabela 3. Profissionalismo: paradigmas e sua relação com processos de aprendizagem.

Característica Profissionalismo normal Profissionalismo novo


Diversidade natural e seus Diversidade da comunidade e
Ponto de partida
potenciais valores comerciais valores da natureza
Coleta de dados e
Primeiras etapas do Consciência e ação de evoluir
planejamento estático por
projeto das comunidades envolvidas
especialistas
Fundos centralizados e Comunidade local e seus
Principais recursos
técnicos recursos
Padronizado, pacote universal Diversos pacotes, com vários
Métodos, regras
fixo processos locais.
Reducionismo (polarização
Suposições analíticas Sistêmico, holístico
natural da ciência)
Orçamentos de despesas; os
Sustentabilidade e melhoria de
Foco de gerência projetos são concluídos em
desempenho
tempo
Lateral: experiência
Vertical: ordens de cima para
Comunicação de aprendizagem e
baixo, relatórios
compartilhamento mútuo
Avaliação Externa, intermitente Interna, contínua
Erro Não é aceito É aceito
Controlar, policiar, induzir,
Relacionamento entre Permitir, apoiar, fortalecer; a
motivar, criar dependência;
técnicos e comunidade comunidade é vista como uma
a comunidade é vista como
local parte interessada
‘beneficiária’
Visão do relacionamen-
As comunidades ‘dominam’ ou As comunidades são ‘parceiras’
to entre comunidade e
são ‘guardiãs’ da natureza ou ‘sócias’ da natureza
natureza
Diversidade na conservação
Diversidade como um princípio
Diversidade de saída e uniformidade na produção
da produção e da conservação
(agricultura, florestal, etc...)
Programas integrados de
Reservas naturais ou parques;
Estratégia associada de conservação e desenvolvimento;
conservação ex situ (banco de
conservação conservação in situ e manejo na
germoplasma)
unidade produtiva pelo agricultor
Emponderamento dos Emponderamento das
Emponderamento final
profissionais comunidades
Fonte: Adaptado de De Boef (2000), Pimbert e Pretty (1997) e Pretty (1995).

46 Base Conceitual para Uso de Metodologias Participativas...


É um desafio quebrar esses paradigmas. Devido ao treinamento que
recebem, os técnicos agrícolas e agrônomos foram “formatados” por meio de
uma abordagem de “receitas”. Quando envolvidos com pesquisa participativa,
inicia-se um desaprendizado ou reaprendizado no processo de pensar e de
trabalhar. Entretanto, o ambiente institucional ao redor mantém, até hoje, aquele
tipo de processo, gerando muitos conflitos nos profissionais.

Na Tabela 3, mostra-se que a tomada de decisão sobre biodiversidade


e recursos naturais em um processo participativo, em geral, está voltada para
a aprendizagem das comunidades. O paradigma orientador na conservação da
biodiversidade e do desenvolvimento rural tem grandes implicações na maneira
como os profissionais operam associados às comunidades e biodiversidade.
Basicamente, eles revelam perspectivas contrastantes com relação à
conservação e ao desenvolvimento. Além disso, o novo profissionalismo unifica
conservação e desenvolvimento, que inicialmente foram percebidos por muitos
conservacionistas, biólogos e agrônomos como contrários. Basicamente, ‘um
novo profissional’ na conservação e desenvolvimento unifica valores relacionados
à diversidade. Essa abordagem de desenvolvimento alternativo é difícil de ser
realizada, em virtude das estruturas institucionais existentes que continuam a
ser embasadas no profissionalismo normal.

O Programa Biodiversidade Brasil-Itália, em todos os seus esforços e


discussões, mostrou como é difícil fortalecer uma relação entre conservação
e desenvolvimento e apoiar o novo profissionalismo como elaborado neste
capítulo. Por meio do apoio a essas abordagens inovadoras dentro das
organizações públicas, como ICMBio e Embrapa, e junto a ONGs e movimentos
sociais, o programa tem contribuído com alguns passos na utilização de
abordagens participativas na conservação da biodiversidade e na promoção do
profissionalismo novo que contribui para o empoderamento das comunidades
rurais e tradicionais na conservação e uso de biodiversidade.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 47


Referências
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development programmes. Development in Practice, v. 18, n. 4-5, p. 524-548, 2008.

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Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 49


Capítulo 3

Diagnóstico Participativo de
Agroecossistemas com Enfoque na
Agrobiodiversidade e em Práticas
Agroecológicas

Cynthia Torres de Toledo Machado


Altair Toledo Machado
Diagnóstico Participativo de
Agroecossistemas com Enfoque na
Agrobiodiversidade e em Práticas
Agroecológicas

Introdução
As atividades neste projeto, conduzidas em assentamentos de reforma
agrária e comunidades de pequenos produtores, partiram do pressuposto de
serem integradas, estruturantes e participativas. Nesse sentido, o diagnóstico
foi utilizado com a finalidade de conhecer os ambientes, as pessoas, suas
necessidades e demandas, por meio da reunião de informações complementares,
para que as ações fossem mais efetivas e embasadas em demandas e aptidões
reais dos agricultores e suas áreas.

Foi elaborado um roteiro de diagnóstico participativo de manejo de


agroecossistemas, aplicado no decorrer do projeto no Assentamento Cunha,
pólo irradiador das atividades, e no Assentamento Colônia II, que constituiu em
determinada etapa, área irradiada. As informações obtidas foram sistematizadas
em duas publicações (MACHADO et al., 2007a; MACHADO et al., 2007b),
que indicaram as peculiaridades de dois assentamentos de reforma agrária
estabelecidos em diferentes situações, com agricultores de diferentes origens
que têm seus sistemas de produção organizados de forma peculiar – área
de produção coletiva no Assentamento Cunha e propriedades individuais no
Assentamento Colônia II.

Trata-se de um agrupamento de diagnósticos, surgido da necessidade


da adaptação de vários referenciais metodológicos, de modo a abranger as
diferentes áreas de interesse em projetos cuja natureza reside em promoção

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 53


da agrobiodiversidade dentro de uma abordagem agroecológica. Assim,
considerando a abrangência desses dois focos, o objetivo principal dessa
avaliação foi a identificação do contexto local de execução das atividades
do projeto, considerando os seguintes pontos: (1) aspectos ambientais; (2)
aspectos relacionados à agrobiodiversidade; (3) aspectos relacionados às
práticas agroecológicas; (4) aspectos socioculturais; (5) aspectos econômicos; e
(6) aspectos organizacionais.

Os vários diagnósticos complementares entre si e realizados de forma


conjunta possuem, como premissa metodológica, o enfoque participativo,
ecossistêmico e temporal. Com o enfoque participativo, pretendeu-se empregar
dinâmicas e procedimentos que favorecessem a expressão do ponto de vista
dos grupos envolvidos e estimulassem reflexões coletivas para a priorização das
demandas. Com o enfoque ecossistêmico, o objetivo foi lançar o olhar sobre a
agrobiodiversidade local e sua relação com as práticas agroecológicas, não se
restringindo a qualquer espécie vegetal. Com o enfoque temporal, pretendeu-se
fazer referências ao passado, presente e perspectivas futuras, de modo a ter
uma ideia da dimensão da erosão ambiental, cultural; da agrobiodiversidade;
do relacionamento entre as perdas ocorridas; e das expectativas quanto à
recuperação de conhecimentos, práticas agrícolas e espécies cultivadas.

As atividades consistiram de visitas a campo, aplicação de entrevistas


informais semiestruturadas, individuais e (ou) grupais. A coleta de informações se
deu por meio de anotações, gravações e fotografias, que foram posteriormente
transcritas. As informações obtidas foram analisadas e sistematizadas e os
resultados retornados às comunidades para conferência e possíveis correções
e adequações.

Embora o presente roteiro tenha sido utilizado em assentamentos,


ele pode ser adaptado e empregado em outras situações e locais. Assim,
as denominações foram generalizadas, não tendo se prendido a conceitos e
denominações. Referiram-se aos agricultores, comunidades e propriedades de
maneira geral.

54 Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


Metodologia do Trabalho
O trabalho foi dividido em quatro fases:

a) Preparação e planejamento do diagnóstico: nessa primeira fase, foi proferida


uma palestra para os agricultores com a finalidade de introduzir conceitos,
explicar a finalidade do diagnóstico, os objetivos, a metodologia, os meios
de obtenção das informações e o tipo de informação a ser coletado.
Nessa oportunidade, um espaço é reservado aos agricultores para que
discorram sobre o histórico e atividades de suas respectivas propriedades
e (ou) comunidades, perspectivas, dificuldades e expectativas, o que
possibilita a reunião de informações preliminares sobre as comunidades. É
nesse momento, conduzido como uma conversa informal, que se inicia o
estabelecimento da relação de confiança entre as partes.

b) Aplicação das ferramentas para obtenção das informações: nessa fase, foram
realizadas visitas aos assentamentos. Durante essas visitas, foram realizadas
caminhadas, percorrendo-se áreas coletivas e propriedades individuais. Nessas
caminhadas, realizadas junto com os agricultores, foram reunidas informações
sobre a paisagem e observadas as plantas cultivadas, bem como as espécies
nativas, elaborando uma primeira lista de plantas, conforme sugerem Lima
e Sidersky (2000). Tabelas, seguindo os modelos apresentados a seguir no
diagnóstico da agrobiodiversidade, tiveram seu preenchimento iniciado nessa
caminhada. Na etapa seguinte, as entrevistas informais semiestruturadas
foram aplicadas, individualmente ou em grupo, anotando-se as informações e
atentando para a sua fonte ou origem, considerando os membros da família
(se fornecido pelo homem, mulher ou crianças). Foram feitas fotografias e foi
solicitado aos agricultores que, junto das famílias, fizessem um croqui das
respectivas propriedades e da área coletiva, indicando os espaços ocupados
pelas atividades específicas (roçado, horta, quintal, pomar, criação animal,
área de reserva), detalhando-as (o que é plantado e onde).

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 55


c) Análise e sistematização das informações: após a coleta das informações,
elas são analisadas, num trabalho de escritório em que um relatório preliminar
ilustrado foi elaborado.

d) Devolução dos resultados à comunidade: a partir do relatório, uma


apresentação dos resultados foi feita para as comunidades. Nesse momento,
eventuais distorções nas informações coletadas foram corrigidas para
elaboração do relatório definitivo. A restituição dos resultados à comunidade
e a sistematização das informações e experiências são etapas de inestimável
valor e, como as demais, devem ser conduzidas com a máxima atenção
e fidelidade. A checagem das informações e sua documentação são muito
importantes para a análise, aperfeiçoamento e divulgação. Chavez-Tafur
(2007) chamou a atenção para os objetivos da sistematização, que constitui
um processo de reflexão e compreensão sobre o trabalho, além de ser uma
forma de torná-lo conhecido, difundido e documentado.

A estratégia apresentada no manual Aprender com a Prática


(CHAVEZ-TAFUR, 2007) busca organizar as informações disponíveis, analisar
minuciosamente a informação para entender o que ocorreu, tirar conclusões que
ajudem a produzir um novo conhecimento e apresentar os resultados de forma
desejada. Esse autor apresenta um método de sistematização de experiências
que, dentro das possibilidades, deve ser seguido na reunião e apresentação dos
resultados deste diagnóstico.

56 Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


Roteiro do Diagnóstico
Assentamentos, comunidades e agricultores
envolvidos

Informações gerais sobre os membros das comunidades,


localização e área

Um quadro, como o do exemplo abaixo (Tabela 1), foi preenchido


com o nome dos agricultores, incluindo todos os membros das famílias das
comunidades-pólo ou propriedades. Essas são as pessoas com as quais foram
coletadas as informações do diagnóstico. Procurou-se valorizar o depoimento de
todos os membros, estimulando a participação de mulheres e jovens e anotando,
por ocasião da entrevista, a idade e o tempo de residência no local.

Tabela 1. Agricultores envolvidos no diagnóstico. Data da coleta da informação.

Município/UF Nome do assentamento e (ou) comunidade Agricultores

Informações preliminares sobre histórico das áreas,


atividades, perspectivas, expectativas e dificuldades dos
grupos

As informações preliminares sobre histórico, atividades das propriedades


e comunidades, perspectivas, dificuldades e expectativas coletadas a partir
dos depoimentos fornecidos por ocasião da palestra e conversa inicial foram
descritas neste ponto.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 57


Diagnóstico Ambiental
Para o diagnóstico ambiental, foram coletadas informações sobre as
características de clima (temperatura e precipitação); relevo; solos (unidades
pedológicas, atributos físicos, químicos e biológicos); recursos hídricos (presença
de cursos d’água, rios, lagos ou açudes). Devem-se anotar observações relativas
a alterações sofridas por essas características no decorrer do tempo.

Os espaços da unidade produtiva familiar (roças, quintais, pastos) são


descritos também, caracterizando-os quanto às atividades desempenhadas
nas áreas específicas (por exemplo: nos quintais, encontram-se as hortas) e
destacando onde se encontram as atividades geradoras de renda.

Localização e características climáticas

As informações a respeito da localização geográfica dos assentamentos


foram levantadas e, havendo possibilidade, um mapa da região (estado) deve
ser reproduzido, localizando-os espacialmente. Foi preenchida uma tabela,
conforme a Tabela 2, e comentários sobre as possíveis alterações climáticas
ocorridas no decorrer do tempo foram anotados.

Tabela 2. Características climáticas da região de localização dos assentamentos e/ou


comunidades. Data da coleta da informação.

Nome do assentamento Observações


ou comunidade (alterações climáticas)
Localização
Acesso
Altitude
Bioma
Temperatura máxima (oC)
Temperatura mínima (oC)
Temperatura média (oC)

Continua...

58 Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


Tabela 2. Continuação.

Nome do assentamento Observações


ou comunidade (alterações climáticas)
Classificação
Clima
Características
Meses
Período das
Precipitação média
chuvas
Umidade relativa
Meses
Período da Precipitação média
seca
Umidade relativa
*Classificação de Koppen.

Relevo

As formas de relevo predominantes na área das comunidades de uma


forma geral (Tabela 3), bem como nas áreas individuais e coletivas, foram
indicadas, apresentando aos agricultores as ilustrações da Figura 1, adaptadas
de Resende (1996). Foram adotadas as possíveis denominações locais para as
formas de relevo, e, dessa forma, a percepção que os agricultores têm da paisagem
foi determinada, devendo-se atentar para possíveis atributos e usos do solo que
porventura venham a ser comentados pelos mesmos durante essa avaliação.

Tabela 3. Ocorrência e (ou) predominância de formas de relevo nos assentamentos e


(ou) comunidades – área total, propriedades individuais e áreas coletivas. Data da coleta
da informação.

Formas de relevo/ Suave- Forte-


Plano Ondulado Montanhoso Observações
Local de ocorrência ondulado ondulado
Área total do
assentamento ou
comunidade
Área coletiva

Continua...

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 59


Tabela 3. Continuação.

Formas de relevo/ Suave- Forte-


Plano Ondulado Montanhoso Observações
Local de ocorrência ondulado ondulado
Área de reserva
Propriedade 1
Propriedade 2

Propriedade n

Relevo plano Relevo suave-ondulado Relevo ondulado

Relevo forte-ondulado
Relevo montanhoso

Figura 1. Formas de relevo predominantes nas áreas.

Solos

Amostras de solos para análises químicas, físicas e biológicas foram


coletadas nas diferentes glebas dos assentamentos, nas áreas de trabalho
coletivo e nas propriedades individuais, considerando lavouras ou destinações
específicas. Os resultados foram retornados aos agricultores em linguagem mais
simplificada possível. Os agricultores participaram da etapa de amostragem,
quando se aproveitou para capacitá-los na técnica e sobre a importância
dessa tecnologia de custo relativamente baixo em face aos seus benefícios.
As unidades pedológicas existentes na área devem ser citadas, anotando as
possíveis denominações locais para a classificação dos tipos de solo.

60 Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


A percepção dos agricultores acerca das características dos próprios
solos foi anotada e inquiriu-se também sobre práticas de correção e adubação
dos solos, quais as fontes e formas empregadas, as quantidades e a frequência
de aplicação, bem como os critérios para uso (recomendação técnica, demanda
das culturas, costume local) e respostas dos cultivos a eventuais fertilizações e
correções dos solos (MACHADO et al., 2003).

Outros atributos de qualidade dos solos foram avaliados considerando-


se a percepção dos agricultores, utilizando a metodologia denominada Sistema
de avaliação rápida de qualidade do solo e da sanidade dos cultivos, proposta
por Altieri e Nicholls (2002) e Nicholls et al. (2004). Essa metodologia, descrita
no Capítulo 11 deste livro, já com adaptações, foi inicialmente descrita e
aplicada em ambientes e situações específicas, como cafezais na Costa Rica
(ALTIERI; NICHOLLS, 2002) e vinhedos na Califórnia (NICHOLLS et al., 2004),
porém, mediante algumas modificações, é perfeitamente aplicável a vários
agroecossistemas em diferentes regiões.

Recursos hídricos

Dada a importância da disponibilidade de água para qualquer atividade


produtiva, essa avaliação é de extrema importância, e a solução desse problema,
às vezes, é a primeira intervenção necessária, independente dos objetivos dos
projetos. Portanto, para avaliação da disponibilidade e utilização dos recursos
hídricos locais, utilizou-se o roteiro proposto por Mattos (1996), adaptando-o
para as condições locais.

Com esse esquema, estimam-se a relação entre a oferta, mediadores


e demanda por água, considerando que existem, basicamente, duas formas
de recursos hídricos: as águas superficiais e as subterrâneas (MATTOS,
1996), conforme mostra-se na Tabela 4, a qual deve ser preenchida durante as
entrevistas e visitas aos produtores. Amostras de água deverão ser coletadas
para análise, sempre que for necessário.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 61


Tabela 4. Diagnóstico da oferta e demanda de recursos hídricos. Nome da comunidade/
assentamento. Nome da propriedade. Data da coleta da informação.

Mediadores
Oferta(1) Demanda(4)
Acumuladores e captadores(2) Distribuidores(3)

(1)
Chuvas, rios, lagos, riachos, aquíferos freáticos, aquíferos confinados.
(2)
Barreiros, açudes, barragens subterrâneas, poços e cisternas.
(3)
Canais, sifões, vertedouros, calhas, sistemas elevatórios, sistemas de irrigação, latas e baldes
(transporte manual).
(4)
Piscicultura, roçados, hortas, consumo animal (pequenos e/ou grandes; confinados ou não),
consumo humano, consumo doméstico (banho, roupas).

Segundo a conceituação de Mattos (1996), elementos como origem ou


oferta das águas, mediadores e demandas devem ser considerados. As águas
podem ser originadas de: (a) chuvas, que são precipitações diretas; (b) ofertas
de superfície, constituídas pelos rios, lagos, riachos, que são precipitações
indiretas; (c) aquíferos freáticos, tidos como precipitações indiretas; e
(d) aquíferos confinados, que são as águas subterrâneas não freáticas, sob
pressão ou não.

Os mediadores referem-se às estruturas intermediárias entre a oferta


e a demanda dos recursos hídricos que fazem a “mediação” do processo de
abastecimento. Os principais mediadores são: (a) acumuladores de água
como os barreiros, açudes, barragens subterrâneas, poços e cisternas; e
(b) distribuidores de água como os canais, sifões, vertedouros, calhas, sistemas
elevatórios, sistemas de irrigação, latas e baldes (transporte manual).

Já a demanda refere-se ao uso, ao destino dado à água – piscicultura,


roçados, hortas, consumo animal (pequenos e/ou grandes; confinados ou não),
consumo humano, consumo doméstico (banho, roupas).

62 Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


Diagnóstico da Agrobiodiversidade
A agrobiodiversidade engloba a diversidade de cultivos, de animais e de
outras espécies, considerando a diversidade genética e varietal e a diversidade
de agroecossistemas. Dessa forma, com o diagnóstico da agrobiodiversidade,
pretendeu-se avaliar, em cada propriedade individual e nas áreas coletivas, a
situação atual, a situação no passado (situando no tempo: “há quantos anos”) e
as perspectivas futuras quanto à:

• Diversidade entre animais (interespecífica): quantas e quais as


criações animais existentes, bem como o destino dado a esses
animais e a seus produtos.

• Diversidade dentro de animais (intraespecífica): quantas e quais as


raças dos animais existentes.

• Diversidade entre plantas: quantas e quais as plantas cultivadas, a


sua localização e o seu destino, os sistemas de cultivo e manejo.

• Diversidade dentro de plantas: quantas e quais as variedades


cultivadas das espécies plantadas, seu destino, razão da escolha de
determinada variedade.

• Diversidade de insetos (abelhas, etc.).

• Diversidade de organismos no solo, sobretudo da macrofauna


(cupins, minhocas, etc).

O diagnóstico da agrobiodiversidade baseou-se nos trabalhos de Lima


e Sidersky (2000) e Sevilha et al. (2005), adaptando-os, uma vez que ambos se
destinaram principalmente a levantamentos de vegetação nativa.

Para esse diagnóstico, foram preenchidas matrizes relacionando as


espécies e seus usos e os locais na unidade produtiva onde são cultivadas. Essas
matrizes foram específicas para animais, para grandes culturas ou culturas de
subsistência, para hortaliças, plantas medicinais, aromáticas e condimentares,

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 63


para culturas perenes, incluindo as espécies frutíferas, e para as espécies
nativas arbóreas e arbustivas e demais arbóreas e arbustivas exóticas ou
introduzidas. As matrizes foram elaboradas a partir dos exemplos das Tabelas 5
a 15 e serviram como esquemas para serem preenchidos durante as entrevistas
e foram adaptadas conforme as características locais, considerando as espécies
cultivadas, as nativas e os animais. Foram preenchidas para cada propriedade
individual e para a área de produção coletiva. A lista das hortaliças, no presente
caso, foi baseada em tabelas da Associação de Agricultura Ecológica (AGE) do
Distrito Federal, que as produz e comercializa, em feiras ou entregas em domicílio.
Outros quadros devem abordar as práticas de manejo dadas a cada cultura ou
criação, servindo de base para o diagnóstico das práticas agroecológicas.

Além do preenchimento das matrizes, a percepção dos agricultores acerca


de aspectos ou atributos relacionados à agrobiodiversidade foi avaliada a partir
da segunda parte da metodologia Sistema de avaliação rápida de qualidade do
solo e da sanidade dos cultivos, proposta por Altieri e Nicholls (2002) e Nicholls
et al. (2004), também descrita no Capítulo 11. Essa avaliação complementou o
diagnóstico das práticas agroecológicas, apresentado a seguir.

64 Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


Tabela 5. Matriz da diversidade de animais (inter e intraespecífica) e seus usos. Nome da comunidade/assentamento. Nome da
propriedade. Data da coleta da informação.

Composição
Raça, tipo ou Mel e Consumo O que Quero
Animais/Uso do rebanho Ovos Carne Leite Laticínios(3) Venda(4)
espécie(1) derivados próprio tinha ter
ou plantel (2)
Galinha e frango
Pato
Marreco
Ganso
Gado leite
Gado corte
Porco
Peixe
Caprinos
Equinos
Abelha
Caça
Outros
(1)
Anotar denominações locais e quem as escolheu.
(2)
Número de fêmeas, machos, crias.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga...


(3)
Iogurte, queijos (minas, coalho, frescal, requeijão, ricota), manteiga, doce de leite.
(4)
Mercado local ou externo, tipo (feiras, cestas).

65
Tabela 6. Práticas de manejo e locais da unidade produtiva destinados aos animais. Nome da comunidade/assentamento. Nome da

66
propriedade. Data da coleta da informação.

Animais Manejo(1) Local


Galinha e frango
Pato
Marreco
Ganso
Gado leite
Gado corte
Porco
Peixe
Cabras (ovinos)
Caça
Outros
1
Considerar como práticas de manejo: criação a pasto, semiconfinada, confinada, pastejo rotacionado, alimentação (rações e suplementações),
controle de doenças e parasitas.

Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


Tabela 7. Matriz da diversidade inter e intraespecífica de plantas anuais, grandes culturas ou culturas de subsistência e seus usos.
Nome da comunidade/assentamento. Nome da propriedade. Data da coleta da informação.

Forma Remédio
Espécie ou Alimentação
Alimentação especial (chás, Uso Função Consumo O que Quero
Planta/Uso variedade ou animal (ração e/ Venda(3)
humana de preparo infusões, místico ambiental(2) próprio tinha ter
tipo(1) ou forragem)
(quitandas) pomadas)
Arroz
Feijão preto
Feijão verde
Feijão
carioca
Feijão
branco
Feijão
guandu
Feijão de
corda
Milho
Mandioca
Sorgo
Soja
Trigo
Cevada
Outras

(1)
Anotar denominações locais e quem as escolheu.
(2)

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga...


Função ou serviço ambiental: recuperação e conservação da fertilidade dos solos sobretudo por meio de pousio; proteção do solo e da água pelo
sombreamento, pela resistência ao escorrimento superficial e o favorecimento à infiltração e pela formação de quebra ventos; relação com a fauna
(alimento e abrigo).
(3)
Mercado local ou externo, tipo (feiras, cestas).

67
Tabela 8. Práticas de manejo e locais da unidade produtiva destinados plantas anuais, grandes culturas ou culturas de subsistência.

68
Nome da comunidade/assentamento. Nome da propriedade. Data da coleta da informação.

Planta Manejo(1) Local


Arroz
Feijão preto
Feijão verde
Feijão carioca
Feijão branco
Feijão guandu
Feijão de corda
Milho
Mandioca
Sorgo
Soja
Trigo
Cevada
Outras
(1)
Considerar como práticas de manejo: sistemas de cultivo (agroecológico, orgânico, SAT), rotações e consórcios (quais espécies, frequência da
rotação), plantio direto, práticas de adubação (estercos, compostos, etc), controle de pragas e doenças (controle biológico, caldas, etc), tratos
culturais (capina manual, roçadeira, queima), irrigação.

Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


Tabela 9. Matriz da diversidade inter e intraespecífica de hortaliças – legumes, verduras, condimentos e ervas – e seus usos. Nome
da comunidade/assentamento. Nome da propriedade. Data da coleta da informação.

Remédio
Espécie ou Alimentação O
Alimentação Agregação Forma Finalidade Uso Consumo Quero
Planta/Uso variedade animal (ração Venda(3) que
humana de valor(2) (chá, (qual místico próprio ter
ou tipo(1) e/ou forragem) tinha
pomada) doença)
Abóbora
Abobrinha
Acelga
Agrião
Alface lisa
Alface crespa
Alface
americana
Alface roxa
Alho porro
Alho comum
Almeirão
Bardana
Batata Baroa
Batata doce
Batatinha
Batata Yakon
Berinjela

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga...


Bertalha
Beterraba
Brócolis
Continua...

69
Tabela 9. Continuação.

70
Remédio
Espécie ou Alimentação O
Alimentação Agregação Forma Finalidade Uso Consumo Quero
Planta/Uso variedade animal (ração Venda(3) que
humana de valor(2) (chá, (qual místico próprio ter
ou tipo(1) e/ou forragem) tinha
pomada) doença)
Cará moela
Cebola
Cebolinha
Cenoura
Chicória
Chuchu
Coentro
Couve
Couve flor
Couve rábano
Ervilha
Espinafre
Hortelã
Inhame
Jiló
Manjericão
Maxixe
Milho verde
Mostarda
Nabo branco
Nabo roxo

Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


Pepino

Continua...
Tabela 9. Continuação.

Remédio
Espécie ou Alimentação O
Alimentação Agregação Forma Finalidade Uso Consumo Quero
Planta/Uso variedade animal (ração Venda(3) que
humana de valor(2) (chá, (qual místico próprio ter
ou tipo(1) e/ou forragem) tinha
pomada) doença)
Pimentão
Quiabo
Rabanete
Repolho
Rúcula
Salsa
Salsão
Serralha
Taioba
Tomate
Tomatinho
Vagem
Pimenta de
cheiro
Pimenta cumari
Pimenta mala-
gueta
Alecrim
Capim santo
Carqueja

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga...


Erva cidreira
Funcho
Manjerona
Continua...

71
Tabela 9. Continuação.

72
Remédio
Espécie ou Alimentação O
Alimentação Agregação Forma Finalidade Uso Consumo Quero
Planta/Uso variedade animal (ração Venda(3) que
humana de valor(2) (chá, (qual místico próprio ter
ou tipo(1) e/ou forragem) tinha
pomada) doença)
Mastruz
Orégano
Sálvia
Tomilho
Jurubeba
Outras
(1)
Anotar denominações locais e quem as escolheu.
(2)
Agregação de valor inclui qualquer forma especial de preparo ou processamento agroindustrial, como a preparação de conservas, polpas, geleias,
etc. Função ou serviço ambiental: recuperação e conservação da fertilidade dos solos sobretudo por meio de pousio; proteção do solo e da água
pelo sombreamento, pela resistência ao escorrimento superficial e o favorecimento à infiltração e pela formação de quebra ventos; relação com a
fauna (alimento e abrigo).
(3)
Mercado local ou externo, tipo (feiras, cestas).

Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


Tabela 10. Práticas de manejo e locais da unidade produtiva destinados às hortaliças. Nome da comunidade/assentamento. Nome
da propriedade. Data da coleta da informação.

Planta Manejo(1) Local Planta Manejo Local


Abóbora Jiló
Abobrinha Manjericão
Acelga Maxixe
Agrião Milho verde
Alface lisa Mostarda
Alface crespa Nabo branco
Alface americana Nabo roxo
Alface roxa Pepino
Alho porro Pimentão
Alho comum Quiabo
Almeirão Rabanete
Bardana Repolho
Batata Baroa Rúcula
Batata doce Salsa
Batatinha Salsão
Batata Yakon Serralha
Berinjela Taioba
Bertalha Tomate
Beterraba Tomatinho
Brócolis Vagem
Cará moela Pimenta de cheiro

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga...


Cebola Pimenta cumari
Cebolinha Pimenta malagueta

Continua...

73
Tabela 10. Continuação.

74
Planta Manejo(1) Local Planta Manejo Local
Cenoura Alecrim
Chicória Capim santo
Chuchu Carqueja
Coentro Erva cidreira
Couve Funcho
Couve flor Manjerona
Couve rábano Mastruz
Ervilha Orégano
Espinafre Sálvia
Hortelã Tomilho
Inhame Jurubeba
(1)
Considerar como práticas de manejo: sistemas de cultivo (agroecológico, orgânico, SAT), rotações e consórcios (quais espécies, frequência da
rotação), plantio direto, práticas de adubação (estercos, compostos, etc), controle de pragas e doenças (controle biológico, caldas, etc), tratos
culturais (capina manual, roçadeira, queima), irrigação.

Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


Tabela 11. Matriz da diversidade inter e intraespecífica de culturas perenes, incluindo fruteiras e seus usos. Nome da comunidade/
assentamento. Nome da propriedade. Data da coleta da informação.

Alimentação Remédio
Espécie ou O
Alimentação Agregação animal Forma Finalidade Uso Função Consumo Quero
Planta/ Uso variedade (2) (3) Venda(4) que
(1) humana de valor (ração e/ou (chá, (qual místico ambiental próprio ter
ou tipo tinha
forragem) pomada) doença)
Abacate
Abacaxi
Acerola
Ameixa
Amora
Banana
nanica
Banana prata
Banana ouro
Banana
marmelo
Banana
maçã
Cajá manga
Caqui
Framboesa
Goiaba
Graviola
Laranja
selecta
Laranja pera
Laranja
bahia

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga...


Laranja lima
Limão tahiti
Limão china
Lima da
pérsia

75
Continua...
Tabela 11. Continuação.

76
Alimentação Remédio
Espécie ou O
Alimentação Agregação animal Forma Finalidade Uso Função Consumo (4) Quero
Planta/ Uso variedade Venda que
(1) humana de valor(2) (ração e/ou (chá, (qual místico ambiental(3) próprio ter
ou tipo tinha
forragem) pomada) doença)
Mamão
comum
Mamão
papaia
Manga
Maracujá
Morango
Pitanga
Romã
Siriguela
Tamarindo
Tangerina
Tangerina
pokán
Café
Cana
Capins
Outras
(1)
Anotar denominações locais e quem as escolheu.
(2)
Agregação de valor inclui qualquer forma especial de preparo ou processamento agroindustrial, como apreparação de conservas, polpas, geleias, etc.
(3)
Função ou serviço ambiental: recuperação e conservação da fertilidade dos solos, sobretudo por meio de pousio; proteção do solo e da água pelo
sombreamento, pela resistência ao escorrimento superficial e o favorecimento à infiltração e pela formação de quebra ventos; relação com a fauna
(alimento e abrigo).
(4)

Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


Mercado local ou externo, tipo (feiras, cestas).
Tabela 12. Práticas de manejo e locais da unidade produtiva destinados às culturas perenes, incluindo fruteiras. Nome da comunidade/
assentamento. Nome da propriedade. Data da coleta da informação.

Planta Manejo(1) Local Planta Manejo Local


Abacate Limão tahiti
Abacaxi Limão china
Acerola Lima da pérsia
Ameixa Mamão comum
Amora Mamão papaia
Banana nanica Manga
Banana prata Maracujá
Banana ouro Morango
Banana marmelo Pitanga
Banana maçã Romã
Cajá manga Siriguela
Caqui Tamarindo
Framboesa Tangerina
Goiaba Tangerina pokán
Graviola Café
Laranja selecta Cana
Laranja pera Capins
Laranja Bahia Outras

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga...


Laranja lima
(1)
Considerar como práticas de manejo: sistemas de cultivo (agroecológico, orgânico, SAT), rotações e consórcios (quais espécies, frequência da
rotação), plantio direto, práticas de adubação (estercos, compostos, etc), controle de pragas e doenças (controle biológico, caldas, etc), tratos

77
culturais (capina manual, roçadeira, queima), irrigação.
Tabela 13. Matriz da diversidade inter e intraespecífica de espécies nativas arbóreas e arbustivas e demais arbóreas ou arbustivas

78
introduzidas e seus usos. Nome da comunidade/assentamento. Nome da propriedade. Data da coleta da informação.

Espécie Alimentação Remédio


Planta/ ou Alimentação Agregação animal Uso Cobustí- Material infra- Função Consumo O que Quero
Fibras Vendas(6)
Uso variedade humana de valor(2) (ração e/ou Forma Finalidade místico vel(3) estrutura(4) ambietal(5) próprio tinha ter
ou tipo(1) forragem)

(1)
Anotar denominações locais e quem as escolheu.
(2)
Agregação de valor inclui qualquer forma especial de preparo ou processamento agroindustrial, como apreparação de conservas, polpas, geleias,
etc.
(3)
Combustível: lenha e carvão vegetal; material para infraestrutura: montagem de estruturas básicas, tais como casa, estábulos, cercas e cercados,
cabos para ferramentas.
(4)
Função ou serviço ambiental: recuperação e conservação da fertilidade dos solos, sobretudo por meio de pousio; proteção do solo e da água pelo

Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


sombreamento, pela resistência ao escorrimento superficial e o favorecimento à infiltração e pela formação de quebra ventos; relação com a fauna
(alimento e abrigo).
(5)
Mercado local ou externo, tipo (feiras, cestas).
Tabela 14. Práticas de manejo e locais da unidade produtiva destinados às espécies nativas arbóreas e arbustivas e demais arbóreas
ou arbustivas introduzidas. Nome da comunidade/assentamento. Nome da propriedade. Data da coleta da informação.

Planta Manejo(1) Local

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga...


(1)
Considerar como práticas de manejo: sistemas de cultivo (agroecológico, orgânico, SAT), rotações e consórcios (quais espécies, frequência da
rotação), plantio direto, práticas de adubação (estercos, compostos, etc), controle de pragas e doenças (controle biológico, caldas, etc), tratos
culturais (capina manual, roçadeira, queima), irrigação.

79
Tabela 15. Matriz da diversidade de insetos e organismos do solo. Nome da comunidade/assentamento. Nome da propriedade. Data

80
da coleta da informação.

Insetos e organismos Espécie ou Local de Planta hospedeira/lavoura


Manejo Observações
do solo tipo ocorrência atacada

Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


Elementos considerados e explorados nas
entrevistas

1. Raça, tipo, espécie, variedade: serve para estimar o grau de diversidade


intraespecífica das plantas e animais e o grau de entendimento dos
produtores a respeito dessa diversidade, além da importância dada
ao cultivo de diferentes variedades e a razão para isso. Anotou-se,
sempre que possível, quem escolhe qual variedade/tipo que se vai
plantar ou qual a raça que se vai criar. Existem evidências de que,
nas áreas de lavoura, as variedades são escolhidas pelos homens,
geralmente gestores desse setor, basicamente pelas características
de produtividade, aceitação no mercado e resistência às doenças.
Já nas áreas de produção para consumo, é possível encontrar um
maior número de variedades que são escolhidas e mantidas pelas
mulheres, em função de critérios distintos daqueles que norteiam
as lavouras comerciais, tais como facilidade para cozinhar, sabor,
uso para determinados pratos e até mesmo a beleza dos grãos
(CORDEIRO, 1994).

2. Com relação aos animais, no tocante às raças, deve-se verificar a


criação de raças exóticas e (ou) melhoradas, bem como a existência de
raças locais das diferentes espécies animais comuns às propriedades
familiares.

3. Funções das plantas e animais e o uso de seus produtos: serviu para


dar uma ideia de aspectos culturais tradicionais a partir da culinária e
aspectos religiosos dos agricultores, além de destacar o destino dado
ao que é produzido. Atentar para formas especiais de preparo, comidas
típicas, quitandas (bolos, biscoitos) preparados a partir de diferentes
variedades de uma determinada espécie e a razão disso (ex.: pães
ou bolos feitos a partir de uma variedade de milho de grãos brancos).
Para ervas e plantas medicinais, foram anotadas a forma em que

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 81


são empregadas (chás, emplastros, tinturas) e a finalidade a que se
destinam (para quais doenças ou moléstias servem). Para as frutas,
alguns legumes e laticínios, anotaram-se as formas de preparo, tais
como geleias, polpas, doces, compotas, picles ou queijos. Atentou-se
também para usos místicos ou em rituais religiosos. Para as espécies
utilizadas na alimentação animal, buscou-se especificar a forma em
que são fornecidas, se são utilizadas na formulação de rações ou se
constituem forragens de corte (fornecidas aos animais no cocho) ou
pastagens.

4. Funções ambientais: são funções de extrema importância para o


ambiente, entre as quais se destacam a recuperação e conservação
da fertilidade dos solos, sobretudo por meio de pousio; a proteção do
solo e da água pelo sombreamento, pela resistência ao escorrimento
superficial, pelo favorecimento à infiltração e pela formação de quebra
ventos; a manutenção da biodiversidade vegetal e a relação com a
fauna (alimento e abrigo) (LIMA; SIDERSKY, 2000).

5. Agregação de valor: processamento industrial e (ou) caseiro ou forma


especial de preparo (conservas, polpas, geleias). Observou-se a
infraestrutura existente para esse processamento (se caseiro, se em
pequena agroindústria familiar).

6. Práticas de manejo: o manejo dos agroecossistemas e o nível


tecnológico dos produtores foram caracterizados. No caso das
criações animais, observou-se se é feita a pasto, semiconfinada ou
confinada. Levantaram-se também algumas informações propostas
por Melo et al. (2002) em um diagnóstico rápido dos sistemas pecuários
no agreste da Paraíba, a saber: circuitos de pastejo do rebanho
(solto, em cercados, nos roçados, na capoeira, fora da propriedade),
práticas de alimentação (suplementação e distribuição no cocho,
formas, quantidade e horários), quantificação da forragem produzida
e disponível no pasto, da alimentação distribuída proveniente tanto

82 Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


da propriedade como de fora dela. Anotou-se também como é feito o
controle de doenças e parasitas.

7. No caso dos cultivos, foram consideradas como práticas de manejo


os sistemas empregados (agroecológico, orgânico, sem uso de
defensivos ou agrotóxicos), a prática de rotações e consórcios (quais
as espécies envolvidas e a frequência das rotações), a utilização de
plantio direto, as práticas de adubação (estercos, compostos), como
se dá o controle de pragas e doenças (controle biológico, caldas),
quais os tratos culturais (capina manual, roçadeira, queima) e os
métodos de irrigação. Atentou-se sobre as diferenças nas práticas em
função do subsistema avaliado (por exemplo: o sistema de irrigação
pode ser diferente entre a roça de milho e a horta).

8. Localização ou subsistemas de produção: é a localização


espacial das atividades dentro da propriedade e na paisagem. As
denominações podem ser diferentes entre regiões e comunidades,
o que é importante observar. Entre os locais, anotou-se o que está
presente nos quintais, nos roçados ou roças, nos pastos, pomares,
bosques e cercas. Em termos de paisagem, os subsistemas foram
localizados nos diferentes microambientes, que são definidos como
unidades ecológicas relativamente homogêneas, com limitações
e potencialidades próprias e que determinam usos diferenciados
(PETERSEN, 1996). Como exemplo, têm-se as baixadas, as várzeas,
as encostas, as chãs.

As características desses espaços foram descritas por Lima e Sidersky


(2000) no contexto de um diagnóstico realizado no Agreste da Paraíba. Foram
aproveitadas neste trabalho e são transcritas a seguir.

Os roçados (ou roças) são descritos como os locais destinados a culturas


anuais, normalmente com pouca vegetação nativa. Existem, porém, algumas
árvores que são preservadas, bem como algumas espécies reconhecidamente
não prejudiciais aos cultivos. Atentou-se, durante as caminhadas e entrevistas,

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 83


para a presença dessas árvores ou plantas. Os roçados podem deixar de ser
cultivados (capinados) por qualquer motivo e se transformar em área de pousio
propriamente dito ou que sirva de pasto para os animais.

Os quintais são os espaços em torno das casas, onde geralmente se


cultivam hortaliças (hortas) e plantas medicinais, onde estão as criações de
pequenos animais, principalmente as aves. Podem ter algumas plantas nativas,
sobretudo se produzirem frutas ou possuírem valor como medicinal, árvores de
maior porte com finalidade de sombreamento e valor estético.

Os cercados são áreas destinadas ao pastoreio de animais domésticos,


enquanto as áreas de forragem de pastejo incluem as áreas de pousio – cobertas
com vegetação secundária e espécies herbáceas de pequeno porte – e as
áreas de pastagem cultivada, onde a vegetação nativa é substituída por alguma
gramínea, como a braquiária. Áreas de forragem de corte são parcelas de
culturas perenes ou semiperenes que incluem principalmente as capineiras de
“capim de corte” – aqueles que são cortados e fornecidos aos animais no cocho.

Os pomares são parcelas destinadas ao cultivo de fruteiras. Em alguns


casos, as árvores frutíferas são mantidas dispersas pela propriedade, ocupando,
nesses casos, pequenas áreas nos roçados, pastos e quintais.

As cercas dividem os piquetes ou delimitam as propriedades e pode


ocorrer vegetação lenhosa formando cerca viva. Essas espécies podem ter
outras utilidades, como a produção de frutos, medicinais, lenha, barreira contra
erosão, quebra ventos e adubação verde.

Por último, os bosques são áreas de vegetação natural remanescente


que geralmente se situam em áreas de difícil exploração pelas atividades
agropecuárias. Servem como fonte de lenha e madeira, podendo também
constituir áreas de preservação. Ao enfocar os bosques, observou-se que eles são
mantidos preservados por exigência legal, por compreensão dessa necessidade
por parte dos produtores, ou por não terem tido condições de cultivar as áreas,
não encontrando um uso “mais interessante” para essas areas.

84 Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


A localização das atividades nas ecopaisagens em função da
classificação e diferenciação dos ambientes na topografia, dependentes, bem
simplificadamente das relações com solo e água, também foi feita. Para tanto,
considerou-se, entre outras, as seguintes ecopaisagens descritas por Mattos
(1996):

• Baixios ou baixadas: partes baixas dos terrenos, associadas às linhas


de drenagem superficial e a zonas de sedimentação. São consideradas
áreas nobres das propriedades, preferidas para o cultivo, uma vez
que permanecem úmidos por mais tempo pelo recebimento direto das
águas das chuvas e das águas escorridas das partes mais altas.

• Altos: considera-se “alto” tudo que não é baixio. Essas áreas


possuem grande variedade de solos, desde os muito argilosos até os
arenosos; dependem unicamente da água das chuvas, e, estando em
condições declivosas, as perdas por escorrimento superficial podem
ser acentuadas.

• Chapadas: são uma condição particular dos altos, quando os declives


são particularmente nulos e são encontrados solos profundos de boa
drenagem, consideradas pelos agricultores como sendo áreas boas
para o cultivo.

Diagnóstico das práticas agroecológicas e dos


sistemas de produção

Com o diagnóstico das práticas e (ou) técnicas agroecológicas,


pretendeu-se fazer um levantamento dos sistemas de produção empregados
nos assentamentos e nas propriedades, bem como uma sistematização das
experiências dos agricultores no manejo das suas lavouras.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 85


Práticas agroecológicas abordadas

a) Preparo ecológico do solo: o manejo ecológico do solo requer um cultivo


ou preparo mais cuidadoso, a partir de técnicas conservacionistas
apropriadas à manutenção dos ciclos ecológicos com níveis baixos
de perturbação. Essas práticas devem exercer baixa pressão sobre
o solo, ser de curta duração, ativar os organismos (fauna e flora, em
suas formas macro e micro), bem como as propriedades físicas e
químicas do solo, de modo a favorecer a germinação das sementes,
o desenvolvimento das plantas e a reciclagem de nutrientes,
além de serem de baixo requerimento energético (NUÑEZ, 2000).
Observou-se, portanto, a profundidade e frequência dos cultivos, os
tipos de implementos utilizados e práticas como o plantio direto e
o cultivo mínimo, o uso de coberturas vivas, cobertura morta com
a deposição dos resíduos das colheitas para a decomposição no
local, a incorporação desses resíduos de colheitas por ocasião da
semeadura das novas culturas, a incorporação de húmus, entre
outras (BENITES et al., 2002; MORENO et al., 2002).

b) Fertilização orgânica: o aporte de matéria orgânica aos solos faz


parte do manejo ecológico deles (CORONADO, 2004) e proporciona
as seguintes vantagens: fornecimento de nutrientes essenciais
(macro e micronutrientes) para o desenvolvimento das plantas,
a partir da decomposição de resíduos orgânicos de procedência
animal e vegetal, fonte de nutrientes e energia para a população
de micro-organismos do solo, melhoria da estrutura e consequente
aumento da retenção de umidade e dos movimentos da água e do ar,
com reflexos benéficos no crescimento das raízes (NUÑEZ, 2000).

Nesse ponto, verificou-se a aplicação das seguintes práticas citadas


por autores como Nuñez (2000), Moreno et al. (2002), Souza e
Resende (2003) e Coronado (2004):

86 Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


• Adubos orgânicos ou compostos, obtidos pela decomposição
controlada e cíclica de resíduos vegetais e animais, cujo resultado
é o húmus.

• Biofetilizantes, que são fertilizantes orgânicos, aplicados via solo por


meio de dois sistemas de irrigação ou em pulverizações sobre as
plantas.

• Húmus de minhoca, proveniente dos excrementos das minhocas


dedicadas especialmente a transformar os resíduos orgânicos,
constituindo um dos húmus mais completos em quantidade e
qualidade de nutrientes.

• Estercos e urina, que depois de um processo de decomposição


(fermentação e/ou compostagem), colaboram na formação do húmus
e fornecimento de nutrientes para as plantas.

• Coberturas, que consistem da aplicação de matéria orgânica


degradável, como os restos vegetais (raízes, talos, folhas,
serrapilheira), para incorporá-la progressivamente ao solo.

• Adubos verdes: promovem o aporte de matéria orgânica ao solo pela


incorporação de material vegetal seco ou fresco. As leguminosas
constituem uma categoria de adubos verdes que têm a propriedade
de fixar o nitrogênio.

c) Policultivos: as associações de cultivos ou consórcios, os cultivos


intercalados, os cultivos em faixas, os sistemas agroflorestais, ou
outro tipo de sistema de produção agrícola que consiste em plantar
mais de um cultivo por vez, permitem um melhor aproveitamento do
espaço e constituir um método de controle de pragas e enfermidades
(CORONADO, 2004). Ademais, reduzem a necessidade de capinas,
máquinas, e, por conseguinte, reduzem ou eliminam problemas de
compactação de solo; promovem infiltração mais lenta de água e
retenção de umidade no solo; reduzem a intensidade de luz que chega
ao solo e a evaporação; melhoram a fertilidade do solo por meio do

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 87


aporte contínuo de matéria orgânica e de um maior intercâmbio de
nutrientes entre as plantas e o solo; reduzem os custos de produção
e aumentam as possibilidades de comercialização (NUÑEZ; 2000).
Todas essas vantagens enquadram os policultivos na categoria de
prática agroecológica e a existência de qualquer dessas modalidades
foi observada no diagnóstico.

d) Cultivos em contorno: servem para conter a erosão do solo e também


para servir de quebra-ventos e cercas vivas. Os cultivos em contorno
podem ser formados por espécies desde as florestais, de maior
porte, até as aromáticas (CORONADO, 2004).

e) Rotação de cultivos: é a ocupação da terra com cultivos diferentes


que vão se sucedendo no tempo com a finalidade de manter a
fertilidade e a cobertura do solo; promover o equilíbrio biológico,
diminuindo os ciclos de pragas e enfermidades; permitir um melhor
aproveitamento da área de cultivo no tempo; incorporar os restos
após a colheita e reduzir os custos de produção (NUÑEZ; 2000;
CORONADO, 2004). Ainda segundo esse autor, essa sucessão
deve ser feita combinando a arquitetura das plantas, o modo
vegetativo, a diferenciação das raízes, as exigências, as demandas
e as necessidades nutricionais.

Nesse momento, tentou-se estabelecer tabelas de sequência de


cultivos, preenchendo a tabela proposta por Funes-Monzote e
Monzote (2001) (Tabela 16), em que, nos espaços referentes aos
meses, devem-se colocar as iniciais das atividades realizadas, a
saber: P – plantio; C – colheita; I – incorporação ao solo.

f) Diversificação dos cultivos e utilização da diversidade genética: diz


respeito ao cultivo de diferentes variedades ou genótipos de plantas,
incluindo variedades locais, considerando a adaptação desses
genótipos ao ambiente e as respectivas tolerâncias a estresses
bióticos e abióticos. Isso resulta, entre inúmeros benefícios, em
oferta diversificada de alimentos e mínima dependência de insumos
externos.

88 Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


Tabela 16. Sequência de rotação de culturas.

Primeiro ano Segundo ano


Cultivos
O N D J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S

g) Irrigação ecológica: observar algumas prioridades na prática da


irrigação das lavouras, que, dentro de um enfoque agroecológico,
deve proporcionar às plantas a umidade necessária ao seu
desenvolvimento, com um uso racional da água, sem constituir
causa de erosão ou perda de solo. De acordo com Nuñez (2000), as
considerações que devem estar presentes são as seguintes:

• Frequência e profundidade da irrigação.

• Hora do dia em que a irrigação é feita: evitar regas em horas nas


quais a temperatura é mais elevada.

• Exigência hídrica de cada cultivo em suas diferentes fases.

• Qualidade da água de irrigação.

• Método de irrigação e fonte de energia: gravidade (mais tradicional,


se realiza por sulcos, distribuindo a água uniformemente), aspersão
(utiliza o ar, com mangueira e aspersor; é um método sensível, mas
pode gastar muita água) ou gotejamento (instalação cara, porém é
mais eficiente energeticamente que a aspersão convencional, pois
pode-se irrigar a planta a seu lado, onde se necessita de água).

h) Manejo integrado de pragas e doenças: um princípio fundamental


da agroecologia é criar condições de solo sadio para se obter
plantas sadias, resistentes. Se estas se desenvolvem em um
agroecossistema equilibrado, dificilmente serão atacadas por
insetos-praga e enfermidades (NUÑEZ, 2000).

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 89


Entretanto, na ocorrência desses problemas, eles podem ser
atacados direta ou indiretamente, e a utilização desses métodos,
diretos ou curativos e indiretos ou preventivos, foi verificada:

• Métodos indiretos: escolha do lugar; histórico produtivo do local;


manejo ecológico do solo; uso de adubos orgânicos com matéria-
prima não contaminada; associação ou rotação de cultivos para
diminuir o ataque de pragas e outras enfermidades (NUÑEZ, 2000).

• Métodos diretos: controle com preparados naturais (métodos


baseados nos princípios ativos presentes nos extratos de algumas
plantas com propriedades inseticidas ou fungicidas e baixos níveis
residuais); controle com métodos culturais como armadilhas
(atraentes, repelentes, esterilizantes, entre outras); controle térmico
(água quente, fogo); controle biológico (ações de organismos
como parasitas, predadores e entomopatógenos) e controle com
inseticidas microbianos (elaborados com base na bactéria Bacillus
thuringiensis).

i) Manejo da vegetação espontânea: as plantas espontâneas têm sido


tradicionalmente consideradas indesejáveis, uma vez que reduzem
a produção ao competir com as culturas agrícolas ou por abrigar
pragas e doenças das plantas cultivadas. Ademais, certas plantas
espontâneas podem afetar positivamente a dinâmica dos insetos
benéficos, servindo como fontes alternativas de presa/hospedeiro,
pólen, néctar e como microhabitats para a entomofauna benéfica
(ALTIERI, 2002).

Portanto, nesse ponto, verificou-se o emprego de métodos de controle


não químico da vegetação espontânea, tais como: prevenção (evitar
a entrada de sementes e outros propágulos); solarização do solo;
controle da vegetação espontânea antes da produção de sementes;
plantio antecipado da cultura de interesse; aração do solo (de modo

90 Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


a colocar as sementes das invasoras em maiores profundidades);
corte das plantas (roçar); cobertura morta; consórcios; plantio de
culturas de sombreamento ou de cobertura do solo; rotação de
culturas; escolha de variedades e (ou) espécies de maior capacidade
competitiva; escolha da densidade de semeadura; de espaçamento
entre fileiras de plantas, entre outros.

j) Integração dos cultivos com criações de animais: uma vez que


o manejo de animais é outra prática que se integra às práticas
agroecológicas, por permitirem a melhora das condições de fertilidade
dos solos mediante a reciclagem de nutrientes (JEBBINK, 2002),
este deve se dar de forma que permita o equilíbrio do sistema e o
aproveitamento dos estercos em seu uso direto ou para a utilização
nos processos de compostagem e vermicompostagem e formulação
de biofertilizantes.

Diagnóstico sociocultural, econômico e


organizacional

Para a realização do diagnóstico sociocultural, econômico e


organizacional, matrizes foram preenchidas durante as entrevistas. As
informações foram relativizadas sempre que possível, ou seja, anotou-se o que
se tem, a situação atual e onde se pretende chegar ou o total. Por exemplo, ao
avaliar a mão-de-obra feminina em determinada atividade, anotou-se quantas
mulheres a executam/número total de mulheres, e assim por diante.

Elementos considerados e explorados nas entrevistas

a) Diagnóstico sociocultural

Histórico da propriedade e forma de acesso à terra: além do histórico


do assentamento propriamente dito, esse tópico teve por finalidade escrever a
história da propriedade e a sua evolução, bem como a dos agricultores.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 91


Participação da família nas atividades produtivas ou mão-de-obra
familiar: número e idade dos filhos; quantos moram com os pais; que atividades
desempenham. Atentou-se para a questão de gênero, ou seja, a participação das
mulheres e as respectivas atividades às quais elas se dedicam. Nesse ponto,
não se deve apenas quantificar a participação das mulheres, mas as diferenças
nas tarefas realizadas por elas. Segundo Cordeiro (1994), existe uma função
de gênero de trabalho que é fundamental ser entendida para poder planejar
ações que busquem a participação das mulheres. Há tarefas que são exclusivas
das mulheres ou dos homens, outras ambos executam, bem como há espaços
físicos dentro da unidade de produção com diferentes responsabilidades de
gestão. A partir dessas observações, utilizou-se o exercício proposto por Cordeiro
(1994), denominado Loteria do Trabalho na Roça. Este trabalho foi baseado nas
atividades listadas na Tabela 17, que eventualmente foi completado com outras
que as mulheres das comunidades porventura citassem.

Tabela 17. Loteria do trabalho na roça. Nome da comunidade/assentamento. Nome da


propriedade. Data da coleta da informação.

Atividades Mulheres Homens Ambos


Cozinhar
Lavar a roupa
Limpar a casa
Arar a terra
Semear roças
Capinar roças
Colheita das roças
Cuidar das criações
Tirar leite
Comercializar
Cuidar da horta
Cuidar dos filhos
Plantar miudezas
Fazer queijo, doces
Costurar
Fazer pão
Outras

92 Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


Qualidade de vida e acesso a serviços básicos: nesse ponto, o nível de
escolaridade dos membros da família foi anotado, bem como o acesso a serviços
públicos de educação, saúde, assistência técnica, transporte, iluminação e
saneamento básico. As oportunidades de lazer e integração também foram
descritas, introduzindo o tópico seguinte, sobre tradições folclóricas e festas.

Tradições folclóricas, festas e celebrações: as festas típicas importantes


para os agricultores foram descritas, com as respectivas datas e origens (local
e familiar), bem como se ainda ocorrem na comunidade. Com isso, valores
religiosos e místicos foram relembrados e possivelmente recuperados.

Valores alimentares e medicinais: aqui os hábitos alimentares das famílias


foram relatados, descrevendo as preferências e a origem das comidas e das
suas formas de preparo. Receitas familiares e típicas poderão ser resgatadas, de
modo a serem compartilhadas em futuros eventos envolvendo as comunidades.

b) Diagnóstico econômico

Autossuficiência em alimentos e insumos, considerando as entradas e


saídas do sistema: tentou-se estimar (por ano) o valor da produção autoconsumida,
observando o valor de mercado de varejo (CORDEIRO, 1994). Essa informação
reflete o que gastariam, em termos proporcionais às respectivas receitas, se
fossem comprar no mercado todos os alimentos que consomem.

A partir dessa estimativa, na Tabela 18, um quadro semelhante foi


elaborado:

Tabela 18. Relação do valor da produção de autoconsumo comparada com o valor líquido
das receitas nas unidades de produção. Nome da comunidade/assentamento. Nome da
propriedade. Data da coleta da informação.

Propriedade Produção autoconsumida/receitas


1. Sr.....
2. Sr.....
3. Sr.....
...
n. Sr.....
1
Informante(s): 2Entrevistador(es):

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 93


Diversidade da oferta da produção: esse item também permitiu inferir
sobre os hábitos alimentares e a riqueza da dieta, quando enfatizaram-se que,
além dos benefícios na renda (já que produzindo não é necessário comprar),
uma produção de subsistência diversificada garante a segurança alimentar da
família (CORDEIRO, 1994).

Estabilidade da produção: consideraram-se a frequência e a garantia de


oferta dos produtos, observando, logicamente, a questão da sazonalidade.

Origem do capital produtivo e facilidade de obtenção de crédito: identificou


quais as fontes de renda e as possibilidades de obtenção de crédito, bem como
suas limitações.

c) Diagnóstico organizacional

Refletiu o nível de organização e participação na comunidade, a partir


dos aspectos listados abaixo.

• Existência de associações e (ou) grupo coletivo: observou-se a


existência dessas formas de organização (ou outras) e seus objetivos.

• Existência de divisão de mão-de-obra e obrigações: observou-se como


isso ocorre nas unidades familiares e no grupo coletivo. Verificou-se a
existência de colaboração entre vizinhos e familiares, a existência de
mão-de-obra assalariada, quais atividades desempenhadas, período
e frequência da contratação, além dos custos.

• Existência de setores: geralmente ocorre em grupos coletivos.


Verificou-se a existência de setores e as respectivas responsabilidades
foram descritos.

• Participação dos agricultores: foi relatada como se dá a participação


dos agricultores em assembléias, oficinas, cursos e dias de campo,
observando-se a situação de gênero e se a participação é espontânea
ou não.

• Envolvimento dos agricultores no planejamento comunitário:


foi observada a existência de lideranças e o envolvimento e
comprometimento dos agricultores no planejamento, desenvolvimento

94 Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


e avaliação das propostas e nas tomadas de decisão, considerando
também a questão de gênero.

• Ocorrência e frequência de reuniões e assembleias.

• Principais problemas e pontos favoráveis das comunidades.

Considerações Finais
Apesar de existir, na literatura corrente, inúmeros roteiros e referenciais
metodológicos para a realização de diagnósticos, sentiu-se a necessidade
de adequar uma proposta de caracterização dos pólos de atividades aos
objetivos específicos do estudo, em função da natureza das comunidades e das
características do projeto.

Consideramos que os trabalhos de pesquisa devem se basear, cada vez


mais, nas necessidades do público que se pretende atingir, e essa é uma premissa
básica dos projetos de caráter participativo e com enfoque agroecológico, dada a
importância dos atores locais em estudos com essa abordagem.

Portanto, com essa proposta, pretendeu-se sugerir um roteiro, que


encontra-se totalmente aberto a adaptações, objetivando constituir uma
orientação para ações dessa natureza.

Os diagnósticos realizados nos Assentamentos Cunha e Colônia II


a partir desse roteiro atingiram completamente os objetivos. Os resultados
sistematizados podem ser encontrados em Machado et al. (2007a,b).

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96 Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


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Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 97


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98 Diagnóstico Participativo de Agroecossistemas com Enfoque na Agrobiodiversidade...


Capítulo 4

Estratégias Adotadas junto às


Comunidades de Assentados de
Reforma Agrária a partir do Manejo
da Agrobiodiversidade

Ciro Correa
Altair Toledo Machado
Jorge Henrique Montalvan Rabanal
Josiene Paulo dos Santos
Rodrigo Machado
Cosma Damasceno
Estratégias Adotadas junto às
Comunidades de Assentados de
Reforma Agrária a partir do Manejo da
Agrobiodiversidade

Introdução
Na concepção do Projeto Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos
Biomas Cerrado e Caatinga, considerou-se de grande importância a participação
de organizações sociais para viabilizar, de forma efetiva, as ações do projeto.
Nesse sentido, articulou-se, em um primeiro momento, a participação da
Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab), para
envolver alguns assentamentos dos biomas Cerrados e Caatinga na realização
de parte do projeto, ou seja, desenvolver as ações de agrobiodiversidade como
mecanismo estratégico para a fixação do homem no campo e, também, estimular
o debate sobre as ações de pesquisa participativa e das legislações apropriadas
ao manejo da agrobiodiversidade em comunidades de pequenos agricultores.

A Concrab foi constituída em 1991, com o propósito de ser uma ferramenta


representativa e colaboradora dos trabalhadores rurais sem terra, motivando e
apoiando a organicidade em diversos níveis de cooperação nos assentamentos
de reforma agrária, de acordo com a sua realidade e necessidade. Dessa forma,
um dos objetivos básicos dessa confederação é a construção dos processos que
permitam alcançar uma soberania alimentar com base na agroecologia.

As experiências locais de resgate, manejo, melhoramento e multiplicação


das sementes varietais e crioulas promovidas pela Concrab tiveram como
protagonismo inicial o Projeto Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade
dos Biomas Cerrado e Caatinga, em que se idealizou a constituição de pólos
irradiadores do manejo da agrobiodiversidade.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 101


A proposta do projeto constituiu-se em identificar locais estratégicos para
promover, por meio de parcerias institucionais entre as organizações populares
com centros de pesquisas e órgãos governamentais, ações que permitissem
organizar processos de manejo da agrobiodiversidade que pudessem iniciar-se
localmente e com amplitude delimitada, mas que apresentassem perspectiva de
ampliação e de popularização, rompendo com as ações exclusivamente locais e
diminutas em termos de alcance social. A identificação desses pólos locais teve
as seguintes premissas:

• Estarem localizados em regiões com significativo número de famílias


assentadas, conhecidas como áreas reformadas, de forma a
permitirem a expansão das ações e promover impacto nos resultados,
beneficiando elevado número de famílias assentadas e de agricultores
familiares.

• Terem a capacidade de mobilização social que garanta a participação


efetiva das famílias assentadas como protagonistas centrais do
processo.

• Terem a capacidade de constituírem as parcerias estratégicas


necessárias e buscarem apoio para as mais diversas necessidades.

• Já possuírem alguns elementos embrionários que demonstrassem


sensibilização inicial para o tema da agroecologia e agrobiodiversidade.

A metodologia da proposta dos pólos de irradiação do manejo da


agrobiodiversidade é de princípio participativo, buscando o envolvimento do
conjunto das famílias para que elas sejam os protagonistas das atividades a serem
realizadas, gerando um processo de desenvolvimento de consciências críticas e
de construção de poder. As ações desenvolvidas precisam ser eminentemente
de caráter estruturante, garantindo, no médio prazo, que a comunidade seja
autônoma na realização das tomadas de decisão e procedimentos. Com esses
pólos pioneiros de irradiação do manejo da agrobiodiversidade, a Concrab
estabeleceu os seguintes objetivos:

102 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


• Estimular o desenvolvimento de unidades de manejo da
agrobiodiversidade com enfoque agroecológico nos assentamentos
de reforma agrária.

• Promover nos pólos de irradiação, atividades de resgate,


caracterização, avaliação, melhoramento e produção de variedades
locais e melhoradas.

• Promover a capacitação de agricultores, técnicos, pesquisadores,


estudantes e professores em metodologias participativas,
desenvolvimento sustentável, agrobiodiversidade e agroecologia.

• Constituir capacidade técnica para atuar nos pólos de irradiação,


buscando capacitar técnicos e agricultores multiplicadores.

• Promover a expansão e consolidação da produção de sementes


agroecológicas da Bionatur.

• Promover atividades que articulem as experiências entre os pólos.

• Implantar um sistema de informações sobre o manejo da


agrobiodiversidade.

• Desenvolver a comunicação e divulgação das atividades dos pólos.

Os primeiros pólos de irradiação do manejo da agrobiodiversidade


implantados pela Concrab, por intermédio do Projeto Manejo Sustentável da
Agrobiodiversidade dos Biomas Cerrado e Caatinga, tiveram como localidades
o Assentamento Cunha, na Cidade Ocidental, GO; o Assentamento Cajueiro, no
Município de Poço Redondo, SE; e o Assentamento Mulungu, no Município de
Itapipoca, CE.

Essas localidades foram eleitas como pioneiras pela Concrab para a


implantação dos pólos de irradiação da agrobiodiversidade porque, em 2003,
destacavam-se no cenário nacional articulado pela Concrab no debate da
Campanha Sementes Patrimônio dos Povos a Serviço da Humanidade.

O Assentamento Cunha caracterizava-se pelo trabalho inicial na


recuperação do passivo ambiental, na sensibilização das famílias para a educação

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 103


ambiental e na capacidade de mobilização de parceiros estratégicos em virtude
da proximidade e relações estabelecidas especialmente com as unidades da
Embrapa Cerrados e Hortaliças e algumas ONGs. Já no Assentamento Cajueiro,
o grande potencial identificado foi o contingente de famílias assentadas na
região, ultrapassando 3 mil famílias distribuídas em cinco municípios limítrofes.
Outro elemento determinante para a sua escolha foi o fato de ser cortado pelo
Rio São Francisco, com abundância de água para a irrigação dos campos de
sementes. No Assentamento Mulungu, o destaque se deu porque priorizou-se a
participação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) estadual
para acompanhar aquela área, com articulação de diversos parceiros locais e
grande mobilização comunitária. Assim definiram-se os primeiros três pólos de
irradiação do manejo da agrobiodiversidade articulados pela Concrab que foram
inseridos no projeto.

A caracterização local desses três pólos é descrita por Cordeiro (2005) e


um resumo é apresentado a seguir:

Assentamento Cunha, Cidade Ocidental, GO


O Assentamento Cunha está situado em uma área de 1.031 ha, no
Município de Cidade Ocidental, GO e entorno do Distrito Federal, a cerca de
45 km de Brasília. O assentamento foi criado pelo Incra em dezembro de 2000,
após três anos de ocupação, da qual participaram cerca de 360 famílias.

Após a desapropriação, foram assentadas 62 famílias em lotes individuais


de 4 ha, e o restante da área foi dividida em lotes coletivos sob gestão de seis
grupos de 10 famílias. A área com remanescentes de Cerrado foi destinada
à reserva legal, ocupando cerca de 30% da área total do assentamento.
Posteriormente, os lotes individuais passaram a ter 6 ha, restando apenas um
grupo coletivo. Este grupo – atualmente com oito famílias – foi o parceiro local
do Programa Biodiversidade Brasil-Itália.

104 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


O assentamento apresenta uma grande diversidade sociocultural,
reunindo famílias procedentes de todas as regiões do país. O grupo coletivo, por
exemplo, é composto por 2 famílias do Piauí, 2 de Minas Gerais, 3 do Rio Grande
do Sul e 1 de Goiás. Outro aspecto que torna o Assentamento Cunha particular
é o fato de que, no momento da ocupação, cerca de 90% dos assentados viviam
em cidades e já haviam perdido o vínculo com a agricultura. Dessa forma, o
assentamento caracteriza um tipo de “êxodo urbano”, exigindo estratégias
específicas para abordar a questão da produção.

A região do Leste Goiano apresenta clima tropical úmido tipo Aw na


classificação de Koppen, com estação seca e chuvosa bem demarcadas. As
chuvas se concentram nos meses de janeiro e fevereiro, atingindo os menores
incides no mês de setembro.

De um modo geral, os assentados ainda não conseguem viver


exclusivamente da produção. A renda tem que ser complementada com a
prestação de serviços fora do assentamento. Mesmo a segurança alimentar
ainda não foi plenamente garantida. Segundo os relatos colhidos, cerca de 50%
das famílias têm que comprar feijão, produto básico da dieta local.

Buscando mudar essa realidade, o grupo coletivo vem fazendo um esforço


para diversificar a produção com um foco, prioritariamente, no abastecimento
da família. Nos roçados, plantam milho, arroz, cana-de-açúcar, mandioca, feijão
preto, curcubitáceas diversas e quiabo, entre outros. O grupo dispõe de irrigação
para 2 ha, dos quais 0,8 ha é destinado à produção de hortaliças. A distribuição
das parcelas foi decidida a partir de um zoneamento dos tipos de solos e da
demarcação de curvas de nível.

As relações com a Embrapa se iniciaram em 2000, por meio de contato


com o pesquisador Altair Toledo Machado, com o objetivo de se implantar
ensaios de competição de variedades de milho. Este trabalho progrediu com
a incorporação de novos temas e da adesão de novos pesquisadores. Como
consequência da prática anterior de pesquisa, o grupo se qualificou para ser
indicado pela Concrab como um dos parceiros do Programa.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 105


Atualmente, além da continuidade dos experimentos com milho, a área
do grupo coletivo abriga parcelas de experimentação com adubos verdes,
curcubitáceas e mandioca, essa última avaliando 18 variedades, sendo 2 locais
e 16 introduzidas.

Assentamento Cajueiro, Município de


Itapipoca, CE
O Assentamento Mulungu foi criado em 1989 para regularizar a
situação de famílias que viviam na região há várias décadas. Politicamente, o
Assentamento Mulungu pertence ao Município de Itapipoca, mesorregião norte
cearense e microrregião de Uburetama. O assentamento está localizado no
limite sudeste de Itapipoca com o Município de Tururu, na margem esquerda do
Rio Mundaú. Em razão da proximidade com a sede de Tururu, o dia-a-dia dos
assentados está mais relacionado com esse município.

O norte cearense se encontra dentro da grande região do semiárido


brasileiro, com cobertura vegetal predominante de caatinga hipoxerófila.
Segundo dados da Funceme, os municípios de Tururu e Itapipoca encontram-
se na zona de transição entre o tipo climático semiárido e semiárido brando,
com temperatura média anual superior a 26 oC. Considerando o índice de aridez
médio para o período entre 1975 e 2002, o Município de Tururu se encontra
dentro da região subúmida do Ceará. Entre 1994 e 2004, a precipitação anual
média ficou em torno de 1.000 mm, com período chuvoso concentrando-se nos
meses de janeiro a maio.

Na área de 1.176 hectares, vivem 115 famílias, das quais apenas 61 são
cadastradas pelo Incra. As famílias excedentes são familiares dos assentados
originais e chamadas localmente de “agregados”. Os moradores são originários
da região e apresentam elevado grau de parentesco entre si. As casas estão
organizadas em agrovilas, construídas em lotes de área média de 1.500 m2.
Alguns lotes possuem, além da casa e do quintal, instalações para o gado. As

106 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


famílias trabalham a terra em sistema de produção coletiva, organizando-se
em quatro grupos coletivos e uma associação. No passado, o assentamento
recebeu assistência técnica da Ematerce, mas atualmente conta com o suporte
de técnicos da Concrab. Cerca de 113 ha são destinados para reserva de
proteção ambiental.

O manejo do solo nas áreas abertas para roçado consiste da derrubada


da caatinga (broca), seguida de fogo. Produzem principalmente para o
abastecimento das famílias e comercializam o excedente. O trabalho nos roçados
é feito de janeiro a maio, durante o período das chuvas. De junho a novembro,
as mulheres estão ocupadas trabalhando nas farinhadas. Nos roçados, plantam-
se feijão caupi, fava, arroz, mandioca, macaxeira e milho. Nas áreas coletivas,
têm 2,5 ha com banana, 2,5 ha com coco e 2 ha com caju anão. Possuem 35
cabeças de gado em sistema coletivo. Individualmente, as famílias criam entre
10 e 20 cabeças de gado. A alimentação do gado vem, sobretudo, da Caatinga,
e as vacas de leite produzem em média 4-5 litros/dia sem fornecimento de ração.
Em virtude da criação do gado na Caatinga, as áreas de roçado são cercadas
para evitar a entrada de animais.

Assentamento Cajueiro, Poço Redondo, SE


O Assentamento Cajueiro, criado em janeiro de 2000, possui 15 mil
tarefas1, área equivalente a 5 mil hectares, ocupando parte dos municípios de
Poço Redondo e Porto da Folha, Estado do Sergipe, a cerca de 200 km de distância
da capital Aracaju. Na divisão regional do estado, esses municípios encontram-
se na mesorregião do Sertão Sergipano e na microrregião Sergipana do Sertão
do São Francisco, dentro do Bioma Caatinga. O assentamento Cajueiro está a
27 km da sede de Poço Redondo, entre as coordenadas 9o41’15” S e 37o41’15”W
e a 188 m de altitude, aproximadamente. Parte da área faz limite com o Rio
São Francisco, no trecho posterior à Usina de Xingó, na divisa entre Sergipe e
Alagoas.

1
Tarefa é uma medida utilizada na região Nordeste e equivale a 1/3 de hectare.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 107


A implantação do assentamento ocorreu um ano após a ocupação de
um latifúndio improdutivo por famílias de agricultores sem-terra procedentes de
povoados e municípios da região, a maioria natural dos estados de Alagoas e
Pernambuco. A desapropriação assentou 112 famílias em lotes de 70 tarefas,
área equivalente a 23 ha.

O assentamento encontra-se em região de clima semiárido, tipo BSh na


classificação de Koppen, indicando clima quente e seco com chuvas irregulares
concentradas em poucos meses do ano, temperatura média anual superior a
25 oC e pluviosidade média anual inferior a 1.000 mm. Dados de observações
de 47 anos do Posto Meteorológico de Curralinho, distrito de Poço Redondo,
registram precipitação anual média de 730 mm com as chuvas concentradas
entre os meses de abril a julho.

A área de reserva legal ocupa 3 mil tarefas, consistindo no principal


remanescente de vegetação de Caatinga. A exploração de Caatinga nos lotes
para venda de carvão para padarias ainda é uma prática presente dentro do
assentamento, sendo fonte de renda para cerca de 12% das famílias. Como o
gado é o carro chefe da produção, muitas áreas de Caatinga foram suprimidas
para plantio de pasto. A queimada utilizada nas operações de preparo de solo
é outra pressão sobre a regeneração da vegetação. Como consequência, falta
madeira até mesmo para fazer estacas para cercas.

Atualmente, o gado leiteiro é principal atividade de renda monetária. Em


média, cada família tem oito cabeças de gado, podendo chegar até 20 cabeças.
A produção diária varia entre 10 a 100 litros, dependendo do número de vacas
em produção que a família possua. Durante o inverno, o gado fica no pasto e
na seca é alimentado com palma forrageira. O plantio de palma é fundamental
para manutenção do rebanho no período seco. Nesse período, a alimentação do
gado pode ser complementada com o pastoreio nas áreas de Caatinga e com
ração comprada.

As áreas de roçado variam entre 5 e 40 tarefas e os principais cultivos são


palma, milho e feijão. Além do milho, pode-se encontrar nos roçados individuais

108 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


de gergelim, feijão-de-corda, feijão-fava, guandu, girassol, amendoim, pimenta,
pimentão, tomate, melancia, batata-doce, melão, coentro, cebola, maxixão,
cana, gerimum, quiabo, palma e capim búfalo e panjolão para os animais. A
mandioca é plantada apenas por quem tem lote nas terras baixas perto do rio,
pois, em razão da seca, a mandioca não produz mais nas terras de cima. Feijão
de corda é o salva-vidas, pois produz feijão verde nas primeiras chuvas, período
mais crítico para a segurança alimentar.

O entorno do Assentamento Cajueiro conta com 21 acampamentos e


16 assentamentos. Uma das ocupações abriga dentro do Cajueiro 37 famílias
acampadas. Em Poço Redondo, destacam-se os assentamentos de Lagoa
dos Areais, que fica mais longe do Rio (160 famílias); Bom Sucesso, com 62
famílias; Curralinho, com 40 famílias e Beira do Rio. Em Porto da Folha, há
ainda os assentamentos de Mucambo, Vila de São Pedro, Júlia e Monte Santo. A
região é, portanto, uma zona de alta concentração de assentados, abrindo boas
possibilidades para irradiação de experiências.

Impactos Locais do Projeto


O Projeto Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade dos Biomas Cerrado
e Caatinga trouxe enormes contribuições à Concrab, às famílias beneficiárias e à
Reforma Agrária como um todo, já que foi o precursor de um enfoque conceitual
e metodológico que, gradativamente, passou a ser construído e assumido tanto
pela Concrab como pelo MST, permitindo clarificar as questões estratégicas
sobre o manejo da agrobiodiversidade com o enfoque agroecológico, que até
então não se faziam tão presentes.

O projeto trouxe contribuições estratégicas e determinantes para a


internalização dos conceitos e princípios da agroecologia e agrobiodiversidade
dentro do MST e da Concrab, fazendo com que esses atores sociais se
apropriassem do tema e os inserissem em suas pautas de mobilizações.

A partir da proposta de pólos de irradiação da agrobiodiversidade,


com ênfase nas sementes crioulas, a Concrab passou a dialogar com o

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 109


Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Incra e com o Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA), e foi concebida a proposta dos Centros Irradiadores do
Manejo da Agrobiodiversidade (Cimas), que manteve o enfoque original dos
pólos de irradiação, promovendo, a partir de locais estratégicos, o manejo da
agrobiodiversidade e buscando multiplicar os resultados. Porém, os Cimas
se caracterizaram por ser um ensaio de política pública oficial em apoio a
agrobiodiversidade pelos eixos de fomento às sementes crioulas, animais
silvestres, plantas medicinais e sistemas agroflorestais. Nos anos de 2005 e
2006, os Cimas foram considerados o principal programa da Diretoria de
Conservação da Biodiversidade – Dcbio do Ministério do Meio Ambiente – MMA
(AGROBIODIVERSIDADE, 2006), tendo sido implementados em nove estados
distribuídos em todas as regiões do País.

A partir da experiência dos Cimas, a Articulação Nacional de Agroecologia


(ANA) passou a constituir um Programa de Agrobiodiversidade que foi incluído
no Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal, o qual possui uma série de
metas e atividades previstas e orçamento em torno de 50 milhões de reais por
ano para a promoção da agrobiodiversidade. Infelizmente, todas essas ações
estratégicas concebidas e implementadas a partir do pioneirismo do projeto
Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade do Bioma Cerrado e Caatinga
foram sendo intencionalmente esvaziadas e desmobilizadas ao ponto de não
ser aplicado nem mesmo o orçamento destacado para o PPA e ser eliminado o
debate sobre o fomento às boas práticas de manejo da agrobiodiversidade dentro
dos órgãos públicos, fruto da conjuntura e correlação de forças já mencionadas
anteriormente.

Outro elemento importante que deve de ser destacado foi a contribuição


que o projeto trouxe para a construção do Marco Referencial de Agroecologia da
Embrapa, em que a Concrab esteve presente juntamente com diversas outras
entidades, parceiros e pesquisadores que mobilizaram-se pela construção desse
fato inédito. Até o momento, são tímidas as consequências da criação do Marco
Referencial de Agroecologia, mas sem dúvida isso representa uma conquista e

110 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


possibilidade de avanços junto a essa instituição, estratégica para a agricultura
brasileira e extremamente ausente da reforma agrária e agricultura camponesa
agroecológica.

Como se percebe, o Projeto Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade


dos Biomas Cerrado e Caatinga trouxe, de modo amplo, uma maior compreensão
e internalização do tema e impulsionou a luta e construção de propostas de
políticas públicas pelas organizações camponesas que fomentam o manejo
da agrobiodiversidade com enfoque agroecológico. Essas políticas públicas
constituídas foram pioneiras, preliminares e insuficientes para se firmarem,
possuindo mais ou menos ênfase de acordo com a correlação de forças,
a vontade política dos gestores públicos e a capacidade de as organizações
populares se mobilizarem.

No que se referem aos aspectos específicos do projeto nos três pólos


pioneiros de manejo e irradiação da agrobiodiversidade implementados pela
Concrab, os resultados alcançados foram diversos e seguramente muito positivos.
Nas três localidades implementadas, há resultados significativos de avanços,
especialmente na capacitação técnica das famílias para a promoção do manejo
sustentável da agrobiodiversidade e no enriquecimento das estratégias de
segurança alimentar e da agroecologia. A seguir, iremos descrever a experiência
nos três pólos irradiadores.

Pólo Cajueiro: Poço Redondo, SE


O trabalho focou a atividade de multiplicação e conservação de sementes
dentro do projeto de Assentamento Cajueiro, Município de Poço Redondo, no
Território do Alto Sertão Sergipano (TASS), junto ao grupo coletivo de mesmo
nome do assentamento. O presente estudo teve a intenção de incentivar a
comunidade local a fortalecer um banco de sementes comunitário que está
estabelecido no local, para torná-lo capaz de atender à comunidade e aos
assentamentos da reforma agrária do TASS.

A região necessita fortalecer a seleção de sementes adaptadas à realidade

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 111


local, ação essa que se concretiza no apoio e no incentivo à conservação das
sementes crioulas, já que possuem boas características genéticas, no que se
refere à resistência e à adaptação aos ambientes desse território e às condições
do lugar em que adquiriu características específicas.

Historicamente, as famílias sempre tiveram o hábito de guardar as


sementes inicialmente nas imagens ocas de santos da Igreja Católica, que eram
feitas de gesso, barro ou madeira, e posteriormente em garrafas e em vasilhames
de metal. Esses estoques familiares às vezes são suficientes apenas para o
plantio de um ano. Quando o agricultor semeia e a safra é afetada negativamente
por adversidades climáticas ou qualquer outrem, ele não garante a reprodução
dessa semente e a variedade fica comprometida. Por conseguinte, o estímulo
para que os assentados façam parte de um banco comunitário de sementes
faz com que os mesmos tenham uma garantia maior, não só pela estocagem,
mas também pela interação com outras localidades e outras famílias, podendo
facilitar o resgate das sementes que se perderam. Os bancos de sementes
são espaços de formação e troca de conhecimentos e de recursos genéticos
entre as famílias; fortalecem as práticas de organização comunitária; resgatam
laços de solidariedade e confiança mútua entre as famílias, além de permitirem
articulações entre as organizações de agricultores em redes, promovendo maior
autonomia frente aos mecanismos de dominação política.

Do mesmo modo, o resultado do trabalho pretende, em conjunto com


a comunidade, levantar, para os agricultores do assentamento e da região,
diferentes variedades de sementes de diversas espécies que estejam de forma
intrínseca ligadas à realidade local da região semiárida do Território do Alto
Sertão Sergipano.

No desenvolvimento do projeto, a primeira fase do trabalho foi


conduzida por meio de uma pesquisa bibliográfica, sintetizada após a avaliação
de informações técnico-científicas de experiências pertinentes à temática,
identificadas por meio das seguintes palavras-chave: agrobiodiversidade,
Caatinga, assentamento, manejo comunitário de sementes, bancos de sementes,
agroecologia, semiárido e agricultura familiar.

112 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


Como forma de embasar o projeto incluído em uma prática social, foram
identificados exemplos de práticas exitosas na região de Caatinga, relacionadas
à conservação e multiplicação de sementes, bem como constituição de redes de
famílias envolvidas na gestão da iniciativa.

O diagnóstico do manejo comunitário de sementes da comunidade foi feito


com base nos princípios participativos, de forma que a comunidade contribuísse
com o seu próprio diagnóstico. Os próprios agricultores fizeram a análise da
situação e indicaram as prioridades das ações que nortearam o trabalho a ser
desenvolvido a partir dali no banco de sementes comunitário. Para tanto, foram
realizadas uma série de reuniões abertas a toda comunidade do assentamento,
composta de 112 famílias, cuja participação alcançou em média, 70 famílias
durante os três momentos realizados para a construção do diagnóstico.

O primeiro momento foi feito junto com a comunidade utilizando-se


a ferramenta participativa “diálogo semiestruturado”, com perguntas prévias
estabelecidas, permitindo uma troca de informações de via dupla entre técnicos
e agricultores. As famílias foram divididas em subgrupos menores de forma
que se democratizava a palavra entre os agricultores, e enriquecia o relato dos
mediadores.

Durante o segundo momento, os agricultores construíram, com auxílio de


cartolina e pincéis atômicos, a ferramenta “mapa ilustrando os recursos naturais
e o uso da terra” para que pudéssemos conhecer a realidade e os diversos
problemas sociais e ambientais na comunidade do assentamento. Ainda nesse
momento, realizamos outra ferramenta participativa, “análise de fortalezas,
oportunidades, fraquezas e ameaças”, de forma que os agricultores apontassem
o que existe de positivo e o que pode vir a se tornar positivo na comunidade; a
mesma lógica pensada foi utilizada nos problemas negativos.

Por fim, no terceiro momento, focou-se no conhecimento da


agrobiodiversidade em que utilizamos primeiro a ferramenta “matriz de
diversidade”, na qual listamos as variedades mais conhecidas de milho e
feijão pelos agricultores, além do tamanho de área plantada, do número de

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 113


agricultores que possuem determinada variedade e a origem dessa variedade na
comunidade. A segunda ferramenta desse terceiro momento foi a “tempestade
de ideias”, ocorrida em conversas de subgrupos, nas quais levantamos o máximo
de características desejadas dessas variedades de milho e feijão apontadas
pelos agricultores na ferramenta anterior. Por último, realizamos a “matriz de
classificação”, que se baseava nas características levantadas pelos agricultores
na ferramenta anterior, as quais foram listadas em uma tabela em que os
agricultores decidiam o valor dado a cada característica de cada variedade
atribuindo uma nota de 1 a 5, em que 1 era a nota mais baixa e 5 a mais alta.

A sistematização da gestão produtiva e organizativa do banco comunitário


de sementes foi feita em formato de relato, ou seja, foi discriminada toda a
associação de práticas agroecológicas no processo de plantio e condução das
culturas existentes no campo durante a safra 2008-2009. Da mesma forma, foi
discriminado todo o processo de gestão do espaço físico do banco comunitário
de sementes, relacionados a empréstimos e devoluções de sementes, além das
estratégias de manutenção que foram apropriadas pela comunidade.

Na perspectiva de aplicar modelos de conservação da agrobiodiversidade,


foi possível identificar a rede de bancos de sementes do Estado da Paraíba,
como um exemplo para um programa de conservação da agrobiodiversidade;
dessa maneira o trabalho também se preocupou em elencar alguns subsídios
para a formulação de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável da
agricultura familiar, camponesa e tradicional.

As Ferramentas Participativas
Todas as ferramentas utilizadas para realizar o diagnóstico participativo
tiveram como orientação a mudança do paradigma da relação do técnico com o
agricultor como bem descreve De Boef e Thijssen (2007), em que a participação
evoluiu para uma mudança de comportamento e atitudes, de dominação para
facilitação, entrando em sintonia, perguntando às pessoas, frequentemente
“inferiores”, para nos ensinar, respeitando-as, tendo confiança de que elas podem

114 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


fazê-lo, passando adiante a batuta, empoderando-as e tornando-as capazes de
conduzir suas próprias análises.

Diálogo semiestruturado

A intenção era obter o máximo de informações gerais por meio de


diálogos com a comunidade do assentamento em geral. Foram elaboradas três
perguntas a todo grupo de agricultores presentes, relacionados aos seguintes
tópicos:

Visão dos assentados sobre o banco de sementes?

O que o banco de semente trouxe de positivo para a comunidade?

Quais são os resultados ainda esperados para a comunidade?

Os assentados avaliaram como positivo o banco de sementes porque


trouxe melhorias no setor de sementes para a comunidade no sentido de que
facilitou a disponibilidade de sementes no período certo de plantio sem ficar
dependente do fornecimento de sementes do governo, de agência crédito ou
de políticos que somente chegavam com atraso em pouca quantidade. Outro
ponto positivo levantado foi a disponibilidade de mais variedades e a introdução
da variedade de milho caatingueiro, que se caracterizava pela sua precocidade.
Como resultado da atividade do banco de sementes, foi garantido o aumento da
produção e da produtividade.

No entanto, houve também a avaliação de que, para garantia de


maior êxito na atividade do banco de sementes, é necessário que haja mais
comprometimento da comunidade. Verificou-se que muitos agricultores utilizam
o material conservado no banco de sementes e compreendem sua importância
para o sucesso da colheita, contudo não visualizam o projeto de forma contínua
e falham na devolução do material, prejudicando assim a manutenção do banco
de sementes “É um projeto muito bom pra gente. Mas se as pessoas realmente trabalhem se
comprometam e não desistam é muito bom, pois ao invés de comprar você pega as sementes no
banco.” (Depoimento de um agricultor)

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 115


A comunidade espera que o banco de sementes possibilite condições
de uma vida melhor no campo. Essa esperança coincide com vários resultados
esperados de uma simples relação de apoio e, principalmente, de estímulo
dado aos agricultores para que sejam protagonistas da gestão do insumo
semente. Dessa forma, conforme a afirmação de Almeida e Cordeiro (2002),
com o valor estratégico que depositamos nos bancos de sementes associado a
sua capacidade de mobilização social, podemos confiar nesse instrumento um
programa de uso e conservação dos recursos genéticos.

Mapa ilustrando os recursos naturais


e o uso da terra

A ferramenta foi utilizada tendo como objetivo auxiliar na distribuição


espacial do assentamento e a forma de utilização dos recursos naturais
comuns. A atividade possibilitou compreender as dificuldades entendidas pela
comunidade como empecilho para desenvolver a agricultura mais próxima
da agrovila, a exemplo da água que não chega até as casas por terem sido
roubadas as bombas do reservatório intermediário que levariam água para as
caixas maiores da agrovila.

O mapa esclareceu também que, mesmo tendo um excelente solo para


desenvolver o plantio, a área da beira do rio vem se degradando ano após ano
com a erosão, aumentando assim a área do “vulcão” (erosão, voçoroca), que
vem da beira do rio até a área do curral.

A sinalização de poder utilizar uma área da beira do rio como um bosque


nativo de umbu e outras espécies arbóreas da região foi bem aceito e orientado
para que, se realizado, houvesse o cercamento da área.

A ferramenta cumpriu com o papel de fornecedor de informações e,


como define De Boef e Thijssen (2007), ela auxilia os participantes a chegarem a
uma distribuição espacial e utilização dos recursos naturais, bem como contribui
durante a avaliação da ferramenta a conectar famílias, instituições, diversidade,
sementes e recursos naturais.

116 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


Análise de fortalezas, oportunidades,
fraquezas e ameaças

De acordo com Habib (2007), a percepção de fatos marcantes para uma


comunidade propicia um amplo debate sobre as condições de vida das famílias e
estimula a reflexão sobre a prática, decorrendo na construção de ações coletivas,
com a visualização dos principais problemas e potencialidades da comunidade.

Dessa forma, ao aplicarmos essa ferramenta, buscamos uma prospecção


de opiniões quanto à instalação de um campo de produção de sementes na beira
do rio para fortalecer a consolidação do banco de sementes.

A possibilidade de mudar a área de plantio do banco de sementes foi


questionado por alguns, no tocante à viabilidade. Porém, outros agricultores se
mostraram dispostos a alterar o local do plantio do banco de sementes. Ficou
acertado a realização de um estudo do projeto de irrigação para definir a situação
para o futuro.

Fraquezas e ameaças

As condições de acesso à área destinada ao banco de sementes é


precária. Há muitas serras, e a distância de 10 km até a agrovila também dificulta
realizar atividades no banco de sementes. Na área da beira do rio, encontram-se
animais soltos que pisoteiam os cultivos.

Fortalezas e oportunidades

A disponibilidade de água facilita o cultivo nessa área que fica na beira


do Rio São Francisco, possibilitando mais facilmente a irrigação. O solo é mais
profundo que na área da agrovila, o que favorece o cultivo de frutíferas. Ao
mesmo tempo, em razão dessa característica, é mais exigente em água.

Na área da beira do rio, também existe a possibilidade de diversificar a


produção, não se restringindo ao cultivo de grãos, como: apicultura e fruticultura.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 117


Os agricultores avaliaram que é positiva a mudança da área de cultivo do banco
de sementes para um local mais próximo da agrovila, desde que haja um sistema
de irrigação para essa área.

Matriz de diversidade de cultivos e variedades

Com essa ferramenta, analisamos as variedades das duas principais


espécies que os agricultores cultivam, quais sejam milho e feijão, de modo que
eles apontaram: a quantidade de famílias que as plantam, a área cultivada e a
origem dessas variedades (Tabela 1).

Tabela 1. Matriz de diversidade de cultivos e variedades.

Agricultores que Tamanho da área Origem


Variedades de milho
plantam média plantada da semente
Caatingueiro 60 5 tarefas(1) Embrapa/2007
Cruzeta 5 6 a 8 tarefas Embrapa/2004
Branco 12 5 tarefas Local
Pipoca 8 1 tarefa Local e mercado
Amarelão 3 5 tarefas Local
Cunha 2 5 Embrapa
Agricultores que Tamanho da área
Variedades de Feijão Origem da semente
plantam média plantada
Carioquinha 100 8 tarefas Emater/1983
Cariocão 30 6 a 15 tarefas Local
Preto 5 5 a 6 tarefas Local
Fogo na Serra/Safra
20 2 tarefas Local
Nova/Badajó
Vagem Roxa 3 10 tarefas Local
Caxinho 10 8 tarefas Emater/1986
Leite 2 2 tarefas Local
Café 3 2 tarefas Local
1
Uma tarefa equivale a 3.333 m2

O milho Caatingueiro é a variedade cultivada por mais agricultores.


Perfazendo um número médio de 60 agricultores que plantam numa área média
de 5 tarefas. A semente dessa variedade foi trazida da Embrapa em 2003 e foi
sendo reproduzida desde então. Já em 2007, o governo começou a fornecer

118 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


sementes dessa variedade em seus programas de política de apoio a agricultura
familiar. Percebe-se, dessa maneira, que a política pública promove algum
efeito quando aplicada com objetivos que não são interesse social, visto que a
variedade caatingueiro tem se consolidado como um material genético único de
referência na região, em detrimento da agrobiodiversidade local. Atualmente essa
variedade é a mais procurada pelos agricultores da região, sendo, portanto a que
possui maior grau de troca. A característica mais destacada pelos agricultores é
a precocidade, que permite uma colheita mais rápida. Além disso, é favorecida
em relação ao comércio e também à irrigação, pois seu porte médio facilita a
implantação do sistema.

O cultivo dessa variedade possibilitaria uma melhor produção (BRS


CAATINGUEIRO, 2005), pois que floresce entre 41 a 50 dias após a emergência
e apresenta como vantagem a diminuição do risco de sofrer com estresse de
umidade no período em que o milho é mais sensível à falta de água. Essa sua
superprecocidade permite a colheita em 90 dias com tetos de produtividade, na
região mais seca do semiárido, que variam de 2 t a 3 t de grãos por hectare. E,
se estiver sob condições hídricas regulares, a produção varia de 4 t a 6 t.

A argumentação de produtividade da BRS Caatingueiro se apoia na


justificativa de produção de alimento e diminuição do fluxo de êxodo rural. O fato
é que, como levantado anteriormente, essa variedade tem o ciclo de produção
reduzido, porém perdeu uma característica essencial aos agricultores que é a
produção de palhada, necessária aos animais. Sem contar que o folheto da
referida variedade não faz menção ao uso de fertilizantes demandados para
obter as produtividades citadas como referência.

A variedade de milho Cruzeta é cultivada por cinco famílias e cada


uma delas destina de 6 a 8 tarefas para o plantio dessa variedade. Segundo
os próprios agricultores, foi introduzida pela Embrapa em 2004 e trata-se de
uma variedade de ciclo tardio e boa para silagem. Exatamente o contrário que
encontramos em Lira et al. (2003), pois, segundo essa instituição, por ser uma
variedade superprecoce, a BRS 5037-Cruzeta tem importância expressiva

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 119


para regiões semiáridas. Conclui-se ainda, nesse estudo de uma variedade
superprecoce para região semiárida, que nenhum dos locais sergipanos onde
foram implementados ensaios possuía um índice pluviométrico igual ou menor
que o índice do alto sertão sergipano, bem como, associado a essa situação,
padeciam de uma condição similar de irregularidade do período chuvoso.

O milho branco é cultivado por 12 famílias em 5 tarefas cada uma;


a semente é tradicional da região e vai passando de geração para geração.
A característica valorizada dessa variedade é o consumo próprio (canjica,
mingau). Isso indica a importância dos valores culturais desses agricultores na
conservação e uso de recursos genéticos. A variedade que se denomina branco
é plantada por um número razoavelmente considerável de agricultores e, apesar
de todos os levantamentos participativos, foi impossível associá-lo a alguma
variedade comercial.

Milho de pipoca é cultivado por oito famílias em 1 tarefa cada, sua origem está
na família e também é comprada. Possui um bom preço, mas pouca produtividade,
e podemos perceber que, pelo número reduzido, tanto de agricultores quanto de
área, trata-se de uma variedade voltada para consumo próprio. Seguindo essa
lógica, encontramos outra variedade sem referência a algum material genético
comercial, a variedade Amarelão, que é cultivada por três famílias em áreas de 5
tarefas, considerada pelos agricultores como uma variedade tradicional, já que é
fruto de uma constante troca entre vizinhos e familiares.

Por fim, no que se refere à agrobiodiversidade das variedades de milho,


encontramos o material genético denominado Cunha, uma variedade cultivada
por duas famílias em 5 tarefas, a qual não foi possível encontrar referência
comercial, ainda que os agricultores afirmassem ser uma variedade introduzida
pela Embrapa; o que nos leva a ter como verdadeira essa informação é o fato
de os próprios agricultores a classificarem como bom material genético, se
manejada com adubação nitrogenada e com todos os cuidados agronômicos.

Quanto à diversidade de feijão, a variedade carioquinha é cultivada por


todas as famílias do assentamento, em mais ou menos 8 tarefas cada; segundo

120 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


os agricultores, essa variedade chegou em 1983 por meio da Emater. Trata-se
da variedade mais uniforme entre os diversos cultivos do Nordeste, deixando
de contar com algumas vantagens, como a rusticidade, que pode ser útil na
resistência a pragas e problemas climáticos.

A variedade Cariocão é cultivada por 30 famílias numa aérea que varia


entre 6 a 15 tarefas e é bom para o comércio. Já o feijão preto é cultivado por
cinco famílias, numa área de 5 a 6 tarefas. Foi introduzido há muito tempo e veio
da Região Sul do país.

Fogo na Serra, Safra Nova e Badajó são denominações para mesma


variedade, a qual é cultivada com características de um material tradicional, por
cerca de 20 famílias em 2 tarefas e é utilizado para consumo próprio, como
podemos perceber pelo tamanho reduzido de área. A mesma situação é apontada
para a variedade Vagem Roxa, que é cultivada por três famílias numa área de 10
tarefas e, segundo os agricultores, também foi passando de geração a geração.

A variedade Caxinho chegou à região do alto sertão sergipano em 1986


e é cultivada por 10 famílias numa área de 8 tarefas. A informação sobre a
origem é incompleta – se pela Emater ou se troca entre famílias – coloca-nos a
situação de que se trata de uma variedade que já foi incorporada ao contexto de
variedade local.

Finalmente, trataremos de variedades que correm mais riscos de


desaparecer da agrobiodiversidade do semiárido, considerando o número
baixo de área e de agricultores que plantam; somente duas famílias cultivam
a variedade Leite em duas tarefas cada, bem como a variedade Café, que três
famílias cultivam em uma área igual à variedade citada anteriormente; ambas
são utilizadas para o consumo próprio. Apesar de os agricultores afirmarem que
esses materiais estão se perdendo em virtude da seca, podemos concluir que
o mais grave é a uniformização sugerida pelo mercado global, que induz os
agricultores a plantarem essas variedades, cada vez menos.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 121


Tempestade de ideias

Nessa ferramenta, foi realizada junto com os agricultores a listagem


dos cultivos e das variedades de mais importância focando as suas principais
características, critérios e preferências, segundo os agricultores:

• Milho Branco: razoavelmente ligeiro (70 dias); excelente sabor; bom


pra alimentação humana; boa palhada; e ruim pra venda.

• Milho Caatingueiro: precoce (60 dias); aguenta sol; maior produtividade


(peso); bom pra alimentação animal; boa venda; bom sabor.

• Milho Cunha: espiga grande; mais tardio; bom para alimentação


animal; boa produtividade; mais exigente em adubação e nos tratos
culturais.

• Milho Cruzeta: tardio; porte grande; bom pra silagem.

• Milho Pipoca: preço bom; pouca produtividade.

• Milho Amarelão: grão grande.

• Feijão Carioquinha: bom no peso; bom de venda; bom no sabor; bom


pra alimentação humana; adaptado a região; não tem problemas com
pragas.

• Feijão Cariocão: bom de peso; excelente pra venda.

• Feijão Preto: muito tardio; resistente a doenças.

• Feijão de Corda (branco Costela de vaca): bom de preço; tardio.

• Feijão de Corda Amarelo: mais rápido; ruim de preço.

Matriz de classificação de sementes

Com as informações do levantamento feito na ferramenta da tempestade


de ideias, foi feita uma matriz em que os próprios agricultores classificaram as
variedades das culturas mais importantes atribuindo notas a essas características

122 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


que variavam de 1 a 5, em que 1 era a nota mínima e 5 a máxima (Tabela 2). De
forma que os agricultores se sentissem mais à vontade na distribuição das notas,
foram distribuídos grãos e divididos em grupos menores, que responderam uma
matriz para o feijão e outra matriz para o milho.

Tabela 2. Matriz de classificação/feijão.

Feijão/característica Carioquinha Cariocão Preto


Produtividade 4 4 4
Sabor 5 5 2
Venda 4 5 2
Resistência a pragas 3 3 5
Precocidade 5 4 2
Média 4,2 4,2 3,0

Realizando uma rápida análise acerca do que foi apontado pelos


agricultores do Assentamento Cajueiro, vemos que a variedade de feijão
mais plantada pelos locais, Carioquinha, tem uma boa referência no quesito
precocidade (Tabela 3). No que se refere a essa qualidade, é seguido de
perto pela variedade cariocão e com boa vantagem diante do feijão preto, que
possui a melhor qualidade no item de resistência a pragas e tem uma boa
produtividade, porém não é atrativo para muitos agricultores locais e inclusive na
região, provavelmente por ser resquício de uma iniciativa frustrada de inserção
no mercado da antiga extensão rural. Por fim, encontramos as variedades
Carioquinha e Cariocão em um patamar de igualdade.

Tabela 3. Matriz de classificação/milho.

Milho/característica Branco Caatingueiro Cunha


Precocidade 4 5 2
Sabor 5 4 3
Palhada 4 3 5
Venda 2 5 5
Produtividade 4 3 5
Ração 3 5 5
Média 3,6 4,1 4,1

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 123


Na matriz realizada para classificar as variedades de milho,
acrescentamos características relevantes da cultura para o uso regional que se
faz do milho, como a quantidade de palhada e se o uso é bom para ração.
Encontramos informações interessantes de como, por exemplo, uma variedade
com excelentes qualidades esteja sendo desvalorizada pelo fato de não ter
um bom preço no mercado. Da mesma forma, encontramos que a variedade
que é excelente em muitos aspectos é também a mesma que é exigente em
tratos agronômicos. Por fim, encontramos a confirmação de que a variedade
Caatingueiro contempla muito bem o requisito de precocidade, mas perde em
duas qualidades fundamentais para o Sertanejo: palhada e ração.

Gestão Produtiva do Campo de


Multiplicação de Sementes
A gestão produtiva do campo de multiplicação de sementes foi pensada
de forma a potencializar a relação de troca de sementes entre os agricultores,
ou seja, seria um segundo passo ao manejo comunitário de sementes, em
que, apontadas as prioridades e demandas por materiais genéticos para os
agricultores, o campo seria o responsável pela multiplicação dessas variedades
que comporiam o estoque do Banco de Sementes Comunitário (BSC).

O trabalho foi realizado em uma área coletiva de 4 ha do Assentamento


Cajueiro, que fica próximo ao Rio São Francisco, distante 8 km da agrovila, o que
possibilitaria o uso da irrigação.

Diversos problemas impediram o sucesso dessa atividade, como a própria


distância que dificultava o interesse de envolver os agricultores nessa atividade
específica, ainda que estivessem estabelecidas vantagens aos agricultores,
como a utilização da palhada para alimentação dos animais, e controle sobre as
culturas consorciadas com o cultivo que estivesse sendo alvo de multiplicação
de sementes. Por exemplo, no cultivo de milho consorciado com melancia,
o milho iria ser beneficiado para o BSC e a melancia poderia ser negociada
totalmente pelos agricultores envolvidos no plantio. Além de outros problemas

124 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


que fugiam da vontade dos agricultores, como o roubo da tubulação da irrigação,
que inviabilizou totalmente a possibilidade de enriquecermos o estoque do BSC
com o auxílio de um campo de produção.

Gestão Organizativa do Banco de Sementes


Comunitário
O trabalho que vem sendo realizado na comunidade acontece com
acompanhamento técnico e com apoio financeiro externo à comunidade, o que
não descaracteriza a finalidade de um BSC, pois, segundo Cordeiro e Faria
(1993), o grupo de agricultores que organiza um banco de sementes pode ter
uma experiência anterior de cooperação ou pode estar realizando a primeira
tentativa de experiência comunitária. É evidente que uma prática anterior de
gestão coletiva facilita a estruturação do grupo, mas ela não é por si determinante
do sucesso da iniciativa.

Foi em aposta a uma relação de troca de materiais genéticos existentes


na comunidade que se instituiu o apoio ao agricultor Givaldo Góis, que coordenava
uma lista de beneficiários do banco, controlando quanto de sementes cada
família podia retirar e a devolução (Tabela 4).

Tabela 4. Relação do fluxo de saída de sementes do banco de sementes.

Nome Data Espécie/variedade Quantidade


Manoel do Lagarto 12/3/2007 Amendoim 10 sacas 25 kg
José dos Santos 30/4/2007 Amendoim 1 lata 6 kg
José Aldo 2/5/2007 Amendoim 1 saco 25 kg
José Aldo 4/5/2007 Milho 1 saco 60 kg
Zinho 6/5/2007 Amendoim 1 saco 25 kg
Damião 6/5/2007 Feijão Carioca 1 saco 60 kg
Ailton Xixiu 8/5/2007 Amendoim 1 saco 25 kg
Magnu 11/5/2007 Milho 1 saco 60 kg
José Bicunho 16/5/2007 Milho 1 saco 60 kg
Carmosa 16/5/2007 Milho 1 saco 60 kg
Continua...

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 125


Tabela 4. Continuação.

Nome Data Espécie/variedade Quantidade


Valnei 19/5/2007 Amendoim 1 saco 25 kg
Natanael 19/5/2007 Feijão ½ saco 30 kg
Gilson 19/5/2007 Feijão ½ saco 30 kg
Baia 19/5/2007 Feijão ½ saco 30 kg
Irandi do Jacaré Curituba 26/3/2007 Milho 2 sacos 120 kg
Lurdes das Areias 19/3/2007 Milho 1 saco 60 kg
Lurdes das Areias 19/3/2007 Feijão 1 saco 60 kg
Mita 20/3/2007 Milho 1 saco 60 kg
Diagis 30/4/2007 Milho ½ saco 30 kg
Wiss Rosa 19/5/2007 Amendoim 1 saco 25 kg
José João 19/5/2007 Amendoim 1 lata 6 kg
Vanderlei 10/5/2007 Amendoim 3 sacos 20 kg
Rose 22/5/2007 Milho Branco ½ saco 30 kg
Derivaldo 22/5/2007 Milho Branco ½ saco 30 kg
Fonte: Givaldo Góis, “Seu Nenê”.

A gestão organizativa se torna um ponto simples quando comparado ao


problema maior que é a não devolução das sementes. O BSC é utilizado, na
maioria das vezes, em situação de emergência, ou seja, quando ocorre o atraso
ou a não chegada da “semente do governo”. A organização do BSC está pautada
em registrar quem fez os empréstimos e quanto foi emprestado, o controle de
estoques de entrada e saída e o controle da qualidade de sementes devolvidas
que voltarão a fazer parte do estoque, visto que são armazenadas em silos de
zinco apropriados, com um tratamento de expurgo alternativo a base de pimenta
ou cinzas.

Uma grande perspectiva da continuidade do trabalho motiva o seguimento


da organização dos agricultores, já que se pode contar com um espaço físico
que possibilita reuniões da comunidade e o armazenamento das sementes; há
também cozinha, alojamento e uma máquina debulhadeira de milho que está
disponível à comunidade.

O trabalho evidenciou a existência de uma ampla agrobiodiversidade no


Assentamento Cajueiro, onde foi possível encontrar, com um rápido diagnóstico,
6 variedades de milho e 8 variedades de feijão, sem mencionar um número

126 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


infinito de possibilidades que a relação da população local com a diversidade
da Caatinga pode gerar, ou seja, talvez um levantamento mais abrangente no
território pudesse gerar mais surpresa.

A consideração que pondera a agrobiodiversidade como ampla precisa


ser analisada no termo de sua potencialidade como quantidade em um espaço
que possui uma população relativamente pequena e que poderia ser maximizada
em uma análise geral do TASS, porém o termo de amplitude talvez não coincida
como uma fortaleza que impeça uma invasão cultural que possa vir a pressionar
uma uniformização de material genético, caso se mantenham os agricultores
sem a possibilidade de uma organização política autônoma no que se refere à
soberania das sementes pelos agricultores.

A disponibilização – por parte das políticas públicas de apoio à agricultura


familiar – dos diversos materiais genéticos provenientes da agrobiodiversidade
local está relegada a segundo plano em favor da uniformização de cultivos, pois
o que acontece é a distribuição de um mesmo material genético de milho ou de
feijão, que são sementes importadas de outros estados, e, consequentemente,
muitas vezes, acabam não se adaptando à realidade local.

As constantes pesquisas para se criar uma variedade superprecoce


para o semiárido acabam sempre de ciclo em ciclo, dispensando gastos com
pesquisas e extensão para difundir variedades que prometem a solução para
o sertanejo, tais como as variedades Assum Preto, Sertanejo, Cruzeta e agora
Caatingueiro. Esse trabalho de pesquisa poderia ser menos dispendioso e mais
aproveitado se, apoiado na agrobiodiversidade local, constituísse os Bancos
de Sementes Comunitários que, com o aumento da variabilidade genética,
contribuiriam para a melhoria de rendimento dos cultivos, maior flexibilidade
para enfrentar as adversidades climáticas e, principalmente, para o aumento
das opções de alimentos, quebrando a uniformização do mercado e contribuindo
para a soberania alimentar.

Existindo variabilidade genética, poderia ser iniciado um programa de


melhoramento genético participativo em que cada agricultor selecionaria, com
base em seus critérios, as plantas mais adaptadas aos seus sítios de cultivo.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 127


Por fim, encontramos nos Bancos de Sementes Comunitários uma
ferramenta de apoio ao manejo da agrobiodiversidade que: (a) resulta em um
aumento da coesão social, já que é administrado pelos próprios agricultores; (b)
aproxima a necessidade do insumo semente aos agricultores pobres e (ou) com
poucos recursos; e (c) distancia as comunidades locais de práticas atrasadas de
assistencialismo político.

Pólo do Mulungu: Itapipoca, CE

O Programa Biodiversidade Brasil-Itália, por meio do manejo sustentável


da agrobiodiversidade no assentamento Mulungu, desenvolveu atividades
voltadas para o melhoramento, produção, armazenamento, conservação e
beneficiamento de sementes, frutos, plantas medicinais e nativas. Entre essas
atividades, podemos destacar as seguintes:

Campo de multiplicação de sementes

Foram realizadas atividades de produção nas espécies de milho, feijão,


mandioca, gergelim, girassol e jerimum. As famílias, como de costume, fazem
a seleção e o armazenamento das sementes que necessitam para o plantio no
próximo ano.

A comunidade indicou uma área coletiva de aproximadamente 2 ha, onde


se trabalhou um Banco de Sementes de Mandioca, além de ensaios individuais
com algumas famílias sob orientação do Pesquisador Melchior Naelson Batista
da Silva, da Embrapa Algodão. Essa área foi dividida em pequenos lotes, onde
foi feito o plantio das diversas variedades de mandioca e macaxeira encontradas
na região, tanto para garantir sua preservação e disponibilidade de sementes
para plantio, quanto para manter os hábitos tradicionais de uso da mandioca e
seus derivados na alimentação das famílias do Pólo Mulungu.

As variedades de mandioca e macaxeira identificadas no Assentamento


Mulungu foram: Macaxeira (mansa): Água Morna, Mandioca Branca, Crovela,

128 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


Assacaí, Tataibura, Pão do Chilo, Mandioquera Cabelera, Serra Grande,
Manipeba, Filha da Guarani, Guarani ou Legítima, Cruzeiro ou Pretinha; e
Mandioca (brava): Roça do céu.

Horta comunitária

A horta comunitária foi implantada em 1 ha para produção de hortaliças


agroecológicas cujas sementes foram oriundas da Bionatur. Essa empresa foi
a fornecedora das sementes das culturas plantadas, por dispor de sementes
agroecológicas e, sobretudo, em razão da sua natureza social, que trabalha o
resgate e a ampliação da biodiversidade com o sentido de garantir as sementes
como “patrimônio da humanidade”, as quais devem estar sob controle e à
disposição dos agricultores, para garantir a produção de alimentos. A horta foi
assumida pelo grupo de mulheres do assentamento.

Banco de sementes comunitário

Já existe, entre as famílias do Mulungu, o hábito de armazenar as


sementes ano após ano. Com o banco de sementes, isso acontecerá de forma
coletiva e estaremos resgatando outras variedades e garantindo sua preservação.

A criação do banco de sementes no Assentamento Mulungu proporcionou


aos agricultores o controle sobre a produção e a disposição de sementes de
qualidade nos tempos propícios para o plantio, evitando os constrangimentos
da espera e dependência de políticos que doam sementes em troca de seus
votos e, dessa forma, garantindo o resgate e preservação de sementes crioulas
historicamente cultivadas na região, a soberania alimentar das famílias e a
capacidade de produção de alimentos.

Foi proposta a criação de uma coordenação específica para o banco


de sementes, composta por três agricultores que deverão ser nomeados em
assembleia. A essa coordenação caberão as seguintes responsabilidades:

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 129


• Cadastrar as famílias sócio-participantes.

• Orientar os agricultores sobre a qualidade das sementes a serem


guardadas.

• Catalogar as sementes (cultura/ variedade) e armazená-las de forma


a evitar sua depreciação com o tempo.

• Acompanhar a distribuição e pesagem das sementes e assegurar


o preenchimento de um “Termo de Recebimento”, documento que
legitime e comprove o empréstimo feito pelo banco, com o propósito
garantir a devolução das sementes após o fim das colheitas.

Foi proposto que, no ato do cadastro, cada família doe uma quantidade
simbólica de sementes, que será catalogada e devidamente armazenada pela
coordenação do banco.

A quantidade mínima de sementes a ser doada por cada família sócio-


participante não poderá ser inferior à quantidade necessária para plantio em área
de 0,5 ha, o que impossibilitaria o banco atender a demanda de uma família. Já
para a quantidade máxima, a família sócio-participante decidirá quanto doar.

Em razão de, ano após ano, o banco aumentar sua capacidade de


fornecimento de sementes para atender a um número maior de famílias e
beneficiar todo o assentamento, propomos que, para cada empréstimo realizado,
a família-usuária devolva ao banco, após o fim das colheitas, a quantidade inicial
solicitada somada de sua metade, como sugere o exemplo abaixo.

Família 1: Empréstimo = 5 kg de Feijão – Devolução = 7,5 kg de Feijão.

Família 2: Empréstimo = 10 kg de Milho – Devolução = 15 kg de Milho.

Família 3: Empréstimo = 20 kg de Feijão – Devolução = 30 kg de Feijão.

Somente quando houver sementes em quantidade superior ao necessário


para atender a demanda do Assentamento Mulungu, o banco poderá fornecer
sementes para outros assentamentos e (ou) comunidades vizinhas, cabendo a
coordenação do assentamento definir o valor de venda por quilograma (kg) de
sementes (preço equivalente ao mercado).

130 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


O Assentamento Mulungu poderá realizar trocas de suas sementes por
sementes de outros bancos de assentamentos e (ou) comunidades vizinhas e
de outras localidades. A realização desse intercâmbio permite aos agricultores
testar outras variedades em suas áreas de plantio e selecionar as que melhor se
adaptarem a região, aprimorando sua produção.

Formação e informação

Em paralelo à realização de cada atividade do programa, foram realizadas


atividades de formação dos agricultores para qualificá-los conceitualmente
e tecnicamente sobre temas da agroecologia e uso sustentável dos recursos
naturais. Para essa atividade, os seguintes temas foram abordados:

• Técnicas e uso do sistema de irrigação.

• Uso racional da água e seu reaproveitamento na agricultura.

• Cultivo orgânico em horta comunitária – preparo da terra, adubação


orgânica, manejo das culturas e defensivos naturais.

• Mutirão para coleta de garrafas pet para uso na horta comunitária –


Preocupação com o meio ambiente.

• Segurança alimentar – Enriquecimento da culinária local e dieta


alimentar das famílias do Assentamento Mulungu a partir do uso de
hortaliças e frutas.

• Análise de mercado local – Propostas para comercialização da


produção excedente como possibilidade de geração de renda.

• Sementes – Patrimônio da humanidade.

• Seleção e armazenamento de sementes em bancos comunitários.

• Administração e regulamentação do Banco de Sementes – Benefícios


e recomendações.

• Comercialização e intercâmbio de sementes – Importância e


recomendações.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 131


Manejo alternativo de irrigação

Foi desenvolvido um sistema alternativo de irrigação no Assentamento


Mulugu. Houve a instalação de uma unidade demonstrativa, com um sistema
de irrigação localizada que utiliza energia eólica, para a produção de feijão e
vigna (Figuras 1, 2 e 3). Isso ocorreu com a colaboração do pesquisador Fábio
Miranda, da Embrapa Agroindústria Tropical.

Figura 1. Catavento hidráulico. Foto: Fábio Miranda


Foto: Fábio Miranda

Figura 2. Área a ser irrigada.

132 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


Foto: Fábio Miranda
Figura 3. Reservatório elevado.

Pólo Assentamento Cunha: Cidade Ocidental, GO


Durante o ano de 2005, começaram as discussões a respeito do Projeto
Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga e,
dentro das ações realizadas, podemos considerar as seguintes:

• Construção de uma estrutura multifuncional

• Cursos de formação e sensibilização

Foi construída a estrutura física contendo um refeitório, alojamento,


banco de sementes, sala para cursos e escritório.

Foram realizados vários cursos de capacitação dentro das temáticas


de agrobiodiversidade e agroecologia, o que culminou em ações de pesquisa
participativa com a implantação de campos de ensaios de avaliação,
melhoramento e produção de mandioca, curcubitáceas, milho e adubos verdes.
Ações com espécies nativas e medicinais também foram implementadas. E, com
grande ênfase, foi instalado um campo de produção de hortaliças orgânicas,
que serviu como aprendizado para o manejo agroecológico e, em pouco tempo,
permitiu a inserção dessa comunidade no mercado orgânico de Brasília, com o
apoio da Associação dos Agricultores Agroecológicos do DF e entorno (AGE).

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 133


As atividades de capacitação, associadas ao manejo adotado pelas
famílias na área coletiva do Cunha, permitiram a participação de outras
comunidades; dessa forma o processo de aprendizado e as experiências de
campo puderam ser irradiadas para outros assentamento, como o Gabriela
Monteiro, Grazielle Alves, Pipiripau e Esperança.

A transição agroecológica foi o início do processo metodológico nesse


assentamento e se manifestou de acordo com a participação dos agricultores e
suas afinidades e necessidades produtivas. Dentro desse período, a soberania
e segurança alimentar foram concretizadas e uma grande variedade de produtos
pode ser encontrada na mesa dos agricultores. As atividades são diversificadas
e o manejo agroecológico tornou-se rotineiro. O contato com a Associação de
Agricultura Ecológica (AGE), para a abertura de um ponto de comercialização
solidária em Brasília, DF, consolidou o Assentamento Cunha como um centro
produtivo de sucesso no cultivo agroecológico e alimentos, com a comunidade
participando diretamente na produção, processamento e comercialização,
obtendo maior valor agregado. Com esse sucesso, outros agricultores buscaram
seguir o mesmo exemplo do Cunha, aumentando, assim, a participação nas
atividades no Pólo Irradiador.

Em 2007 e 2008, intensificaram-se as atividades de visitas associados


a cursos no Assentamento Cunha. Realizaram-se diversos dias de campo e,
com isso, a experiência pode realmente ser irradiada. A seguir são relatadas as
mudanças que o projeto trouxe em cada comunidade irradiada pelo Cunha.

Comunidades Gabriela Monteiro e Grazielle Alves

As comunidades já são organizadas pelo MST, e a proximidade entre


as áreas permitiu a condução de um trabalho conjunto. Gabriela Monteiro já é
um assentamento consolidado, dividido em duas áreas próximas em que vivem
20 famílias. Há no local um centro de formação do MST, na gleba considerada
coletiva. Aí foram realizadas as atividades de planejamento. Na outra gleba do
Gabriela, as casas são dispostas de forma a criar, no centro do assentamento,
uma área coletiva, que é o local onde foram plantados os cultivos de milho e
feijão para obtenção de sementes.

134 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


Já na comunidade Grazielle, em que vivem 80 famílias, por ser um
acampamento sujeito a despejo, não foram instalados campos de produção de
sementes, e os agricultores participaram apenas das capacitações e dias de
campo.

Tanto Gabriela quanto Grazielle tiveram participação ativa nas atividades


do projeto, e seus representantes fazem uso das tecnologias aprendidas nos
dias de campo e capacitações para conduzir seus campos produtivos.

Acampamento Esperança

Situado a 110 km do Município de Luziânia, GO, o acampamento


conta com aproximadamente 60 famílias. As ações do projeto no local foram a
implantação de um campo de sementes de milho e outro de feijão; todo material
foi conseguido por meio de articulações obtidas pelo projeto.

Outras comunidades e organizações também puderam utilizar as


estruturas do Centro Irradiador para conduzir seus trabalhos e realizar suas
capacitações, atingindo assim um público expressivo na nova abordagem
agrícola apresentada pela agroecologia.

Considerações Finais

Após as ações do projeto nas comunidades do Distrito Federal e


Entorno, podemos observar algumas mudanças que ocorreram na forma
de encarar a atividade agrícola por parte das comunidades envolvidas e nas
diferentes formas de transição presentes no processo. Os agricultores tiveram
oportunidade de conhecer uma abordagem diferente da adotada a partir da
revolução verde, que é baseada em aporte de insumos químicos sintetizados
na indústria e em mecanização forte e cultivo em escala. As observações feitas
pelas equipes que participaram no projeto notaram que, no início das atividades,
as famílias produziam apenas um ou dois tipos de alimentos (em geral, milho
e mandioca) e vendiam os excedentes para adquirir, no mercado local, outros

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 135


gêneros alimentícios e estavam sujeitos às flutuações do mercado. Hoje, o que
se tem observado é que há variedade de alimentos na mesa e os recursos
financeiros são utilizados para comprar bens de consumo (roupas, calçados,
eletrodomésticos) que não podem ser produzidos na unidade familiar.

As relações sociais também foram modificadas, sendo o trabalho que é


realizado nos campos de produção coletiva dividido em cotas de acordo com a
capacidade de trabalhar de cada um. A produção obtida é divida em quantidades
proporcionais ao trabalho investido, e cada participante tem a possibilidade de
conduzir suas atividades individuais sem trazer nenhum prejuízo à organização
do grupo.

Outro ganho considerável é a inserção das mulheres no processo


produtivo; nele elas têm a oportunidade de contribuir com o ganho em qualidade
de vida, realizando tarefas que são adequadas a cada tipo de perfil. As atividades
realizadas pelas mulheres passam pelo processamento mínimo de alimentos,
cultivos de plantas medicinais, criação de pratos e outros alimentos, a partir do
que é produzido, e participação ativa nas decisões e encaminhamentos dentro do
grupo. A educação que hoje as crianças recebem dentro de suas casas também
é uma contribuição das mulheres que já tem apresentado aos filhos o novo tipo
de manejo que é conduzido no local.

A organização interna das comunidades é primordial no processo


de tomada de decisão a respeito do tipo de manejo a ser adotado no local.
A visão de agricultura que vigora nas comunidades é a mesma das grandes
propriedades, que se baseia no aporte de capital e insumos para obter maior
rendimento produtivo, além de reduzir o uso de mão-de-obra. Essa abordagem
é comprovadamente inadequada quando se trata de pequenas comunidades
e agricultores familiares, devido ao fato de não disporem de capital para
investimento e não possuírem pessoal disponível para trabalhos nos campos
produtivos. A organização do trabalho, baseada nas atividades e afinidades de
cada membro, é importante para dar início ao objetivo que se pretende atingir.
O sucesso do projeto no Assentamento Cunha se deve, em grande parte, à boa
condução por parte da comunidade das prioridades que norteiam as ações. Nas

136 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


comunidades irradiadas, devido a sua não organização clara, só foi possível
identificar lideranças e definir afinidades e ações após dar subsídios para que
a organização interna se consolidasse, tornando a comunidade dona de seus
objetivos, tomando a frente nas decisões. O fato de a comunidade ser bem
organizada não garante que o processo tenha êxito logo no principio, porém,
quando se empoderam das decisões, tornam-se autônomos e as problemáticas
que surgem podem ser melhor solucionadas. As ações do projeto, no que se
trata de organização, passou por metodologias participativas que buscaram criar
a autonomia decisória das comunidades como forma de gerar a base para que
os processos produtivos pudessem ser desenvolvidos com sucesso.

Após o processo de organização interna e definição de papéis para os


atores do processo, ficou claro onde cada participante direto poderia contribuir
de forma a modificar a visão de manejo. A organização interna das comunidades
define que tipo de atividade será desenvolvida, em que local da comunidade
essas ações ocorrerão, que parceiros podem ser contatados para contribuir no
processo e que objetivo pretende-se atingir a partir da ação prevista. A partir daí,
foi possível definir as demandas das comunidades.

Após as capacitações, os agricultores envolvidos adotaram alguns


dos métodos apresentados. A seguir são descritas algumas atividades que se
tornaram cotidianas no contexto das comunidades, apresentando seus potenciais
e suas limitações:

• Manejo do solo: utiliza-se mecanização para dinamizar os trabalhos


em campo, porém essa mecanização é mínima, servindo apenas para
sistematizar os campos produtivos. As ações de assessoria técnica
contribuíram para evitar a erosão e perda de solo. A prática tem sido
bem conduzida, no entanto há compactação subsuperficial comum na
mecanização, podendo ser contornada com o uso de subsoladores.

• Práticas de cultivo: a rotação de culturas tornou-se uma forma eficaz


de aproveitar melhor o potencial produtivo do local, contribuindo para
o não aparecimento de doenças e pragas. O cultivo consorciado

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 137


também é bastante utilizado, ora com adubos verdes, ora com
plantas companheiras. No caso do milho, associado a adubos verdes
como crotalária e feijão de porco, o resultado é bastante positivo. As
hortaliças são conduzidas com o preceito de plantas companheiras,
apresentado pela Embrapa Hortaliças em cursos e oficinas. Os
agricultores já têm uma visão clara do que podem produzir em
conjunto no mesmo canteiro/área, e ainda continuam avançando
nesse sentido; a cada novo cultivo desenvolvido, percebem novas
possibilidades. A área de cultivo ainda é pequena e a produção ainda
não atingiu um grande volume, apesar de já fornecerem alguns
produtos em feiras de Brasília, DF. Outro aspecto que vale salientar
é o cultivo de plantas que exigem condições controladas para se
desenvolverem, o que ainda é um traço de um cultivo baseado em
práticas convencionais.

• Insumos: o uso de insumos convencionais tem diminuído. Os cursos


de práticas alternativas agroecológicas, bem como os dias de campo
conduzidos pela Embrapa, foram bastante produtivos. O preparo
de alguns insumos alternativos tem destaque, como é o caso do
biofertilizante líquido a base de esterco de gado, muito utilizado pela
facilidade de preparo e aplicação, e também pelo bom resultado
que apresenta. Hoje, para correção nutricional do solo, aplicam-se
apenas produtos naturais a base de rochas aceitos pela comunidade
de cultivo orgânico/agroecológico. Apesar do aspecto agroecológico
dessas práticas, ainda dependem muito de capital para aportar esses
recursos, o que pode limitar essas práticas. A compostagem, mesmo
sendo bastante eficaz no uso de restos culturais, não é praticada
devido ao trabalho que demanda.

• Biodiversidade local: as espécies nativas do Cerrado têm sido


valorizadas pelos agricultores, sendo hoje replantadas e preservadas,
tudo devido ao intercâmbio com outras regiões, como é o caso da

138 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


comunidade Caxambu, em Pirenópolis, GO, visitada pelos agricultores
envolvidos e onde há uma grande produção de castanha de baru
(Dipterix alata). A regeneração do cerrado nativo é respeitada, e a
visualização de renda a partir de seus produtos compõe as ações
produtivas dos locais envolvidos. As mudas para replantio são feitas
no local, porém a estrutura de viveiro disponibilizada pelo PBBI não
tem expressado todo seu potencial devido a erros de planejamento e
condução.

• Organização: todas as atividades são desenvolvidas respeitando-se


a afinidade pessoal de cada membro, empregando seus potenciais
de forma a obter o melhor resultado com os recursos humanos
disponíveis. A interlocução entre as entidades parceiras tem se
fortalecido e o centro irradiador da biodiversidade já começa a
apresentar espaço para outras tecnologias sociais. À medida em que
as atividades se diversificam e se tornam constantes, mais membros
da comunidade podem assumir papéis no processo.

• Comercialização: das comunidades citadas, apenas o Assentamento


Cunha participa de feiras periódicas e assumiu o compromisso de
fornecimento constante de produtos. A renda para essa comunidade
já faz parte do orçamento familiar de quem está fornecendo
alimentos. As outras comunidades ainda estão em processo de
desenvolvimento, mas já adquiriram certa autonomia produtiva em
relação a alguns cultivos, como é o caso de milho, feijão, abóbora,
quiabo e pimenta, em que apresentam ganhos econômicos e detêm
as sementes e a tecnologia para produção, nem sempre escoando o
que produzem. Para que todas as comunidades pratiquem o comércio
de forma constante, é preciso que obtenham segurança em relação
aos meios de produção, como acesso a água, insumos e capital. As
feiras de produtos livres de agroquímicos praticam preços muito altos
em relação aos produtos convencionais, e isso tem limitado o acesso

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 139


de consumidores de poder aquisitivo mais baixo. Um dos desafios
encontrados nesse processo é o de tornar mais acessível os produtos
às comunidades carentes e de baixa renda, para que essas também
possam consumir alimentos de melhor qualidade.

Hoje, o que se observa em termos de variedade de cultivos é que


algumas plantas foram introduzidas pela Embrapa e a comunidade as tomou
como cultivos locais, como é o caso do milho, mandioca e adubos verdes. Outras
culturas, como hortaliças e fruteiras, ainda demandam a compra de sementes
e mudas para serem conduzidas e muito ainda deve ser feito para se obter
autonomia. As comunidades irradiadas já apresentam influência das atividades
e já tentam se tornar independentes em relação a sementes e adubos, porém
a condição econômica dessas comunidades ainda não dá subsídios produtivos
para que isso se concretize, demandando ainda apoio externo em alguns casos;
mas o processo de mudança de manejo produtivo já está em andamento, com
cada local evoluindo de acordo com seu potencial.

Já em termos de mudança de tecnologia produtiva, as comunidades já


têm apresentado novas visões. A valorização da água é um aspecto importante
no sentido de tornar a produção constante e ainda assim manter o recurso
disponível. Nas comunidades irradiadas e em especial no Assentamento Cunha,
os recursos hídricos têm tido maior destaque no tocante à preservação e, quando
se trata de recuperá-los ou conservá-los, a própria comunidade toma a iniciativa
imediata de replantar, como é o caso do Gabriela Alves, que plantou, em sua
única nascente, dezenas de mudas de árvores nativas do Cerrado.

Com o final das ações do projeto, algumas condições para que o


desenvolvimento da comunidade continue já estão criadas, e outros projetos
no âmbito local ainda podem fomentar alguns avanços necessários para a
comunidade. Apesar disso, as condições para que outros grupos possam
presenciar uma experiência prática de transição agroecológica já foram criadas e
as estruturas são suficientes para que cada atividade atinja um número expressivo
de pessoas, sejam elas agricultores, membros da sociedade civil, representantes

140 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


de entidades públicas, entre outros. Agora a demanda é tornar-se autossuficiente
em adubo orgânico e também na produção de sementes para os plantios.
A captação e reaproveitamento das águas residuais, as bioconstruções e as
sistemas agroflorestais são exemplos de outras tecnologias que estão começando
a ser agregadas ao sistema do assentamento e são necessárias para criar um
ambiente autossustentável em toda sua extensão, além de proporcionar a outras
pessoas conhecimento prático e integrado das tecnologias à produção familiar.

A diversificação e o manejo agroecológico da produção são uma


realidade que faz parte do dia-a-dia das famílias envolvidas diretamente, as
quais aderiram ao manejo apresentado pelas atividades do PBBI e hoje praticam
uma agricultura baseada em conhecimentos tradicionais e em novas tecnologias
e variedades que são consideradas adequadas para sua realidade. Outras
famílias e outros agricultores que conheceram as atividades do Assentamento
Cunha, mas ainda não modificaram seu manejo, demonstram interesse em
utilizar métodos agroecológicos, e tudo parece ser apenas uma questão de
tempo. A base da transição se dá pelos inúmeros benefícios que a agroecologia
pode lhes proporcionar, entretanto ainda não se sentem suficientemente seguros
para assumir uma nova postura produtiva, por não conhecer outras abordagens
ou por possuírem uma regularidade produtiva dentro dos moldes convencionais.

O Centro Irradiador da Agrobiodiversidade do Assentamento Cunha é uma


realidade que está em pleno desenvolvimento e é uma experiência concreta do
discurso agroecológico vigente nos meios científicos (Figuras 4 e 5). Trata-se de
uma alternativa para que pequenos agricultores e assentados da reforma agrária
conheçam outro método produtivo e assumam uma nova postura produtiva, mais
adequada à sua realidade, a qual traz soberania e segurança alimentar, ajuda
a fixar o homem no campo, dando-lhe dignidade e melhorando sua qualidade
de vida, diminuindo a distância entre produtor e consumidor, de forma a tornar
a produção de alimentos uma atividade que proporciona integração entre o
homem da cidade e o homem do campo, valorizando a cultura rural.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 141


Foto: Altair Toledo Machado
Figura 4. Área coletiva do Assentamento Cunha.

Foto: Altair Toledo Machado

Figura 5. Avaliação participativa de ensaio de milho no


Assentamento Cunha.

142 Estratégias Adotadas junto às Comunidades de Assentados de Reforma Agrária...


Referências
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Ambiente, 2006. 84 p. il. color. (Biodiversidade, 20).

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conservação de variedades locais no semi-árido. Esperança, PB: AS-PTA, 2002. 72 p.

BRS Caatingueiro: o verde na caatinga do semi-árido nordestino, superprecocidade,


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Embrapa Milho e Sorgo; Petrolina: Embrapa Transferência de Tecnologia, 2005. Não
paginado.

CORDEIRO, A. Relatório do diagnóstico dos locais de implementação do Projeto 4:


manejo sustentável da agrobiodiversidade nos biomas Cerrado e Caating. Brasília, DF:
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CORDEIRO, A.; FARIA, A. A. Gestão de bancos de sementes comunitários. Rio de


Janeiro, RJ: AS-PTA, 1993.

DE BOEF, W. S.; THIJSSEN, M. H. Ferramentas participativas no trabalho com


cultivos, variedades e sementes: um guia para profissionais que trabalham com
abordagens participativas no manejo da agrobiodiversidade, no melhoramento de
cultivos e no desenvolvimento do setor de sementes. Wageningen: Wageningen
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agrobiodiversidade como tema na escola. In: DE BOEF, S.; THIJSSEN, M. H.;
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comunitário. Porto Alegre, RS: L&PM, 2007. 271 p.

LIRA, M. A.; CARVALHO, H. W. L. de; AMORIM, J. R. de A.; PACHECO, C. A. P.;


GUIMARÃES, P. E. O.; GAMA, E. Z. G. e; LIMA, J. P. de L.; TORRES, J. F. BRS 5037
- Cruzeta: variedade de milho para o sertão nordestino. Natal, RN: EMPARN, 2003.
(ENPARN. Comunidado Técnico, 31).

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 143


Capítulo 5

Redes Sociotécnicas e
Modos de Vida Tradicionais:
estratégias de fortalecimento da
agrobiodiversidade pelo CAA-NM no
norte de Minas Gerais

Carlos Alberto Dayrell


Luciano Ribeiro
Nilton Fabio Alves Lopes
Altair Toledo Machado
Redes Sociotécnicas e Modos de
Vida Tradicionais: estratégias de
fortalecimento da agrobiodiversidade
pelo CAA-NM no norte de Minas Gerais

Introdução
O Projeto Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas
Cerrado e Caatinga, também denominado Projeto 4, componente do Programa
Biodiversidade Brasil-Itália (PBBI), teve a sua atuação em diferentes municípios
do norte de Minas. A área de abrangência das atividades do PBBI coordenadas
pelo CAA no norte de Minas Gerais compreende localidades distribuídas em 17
municípios das microrregiões de Janaúba (Catuti, Gameleiras, Jaíba, Janaúba,
Mato Verde, Pai Pedro, Porteirinha, Riacho dos Machados, Serranópolis de
Minas); Januária (Januária, São João das Missões); Grão Mogol (Grão Mogol);
Montes Claros (Ibiracatu, Montes Claros, São João da Ponte, Varzelândia); e
Salinas (Rio Pardo de Minas). Com exceção de Montes Claros e Januária, os
demais municípios apresentam população rural elevada, sendo superior a 50%
em 13 dos municípios listados. Segundo dados do censo agropecuário (IBGE,
1996), cerca de 40% das propriedades rurais do norte de Minas estão na classe
de área inferior a 10 ha. A produção agropecuária emprega em média 30% da
mão-de-obra ativa, chegando a 43% em São João das Missões. Os indicadores
sociais revelam o grau de exclusão da população local, apresentando elevada
taxa de analfabetismo, problemas de segurança alimentar e renda monetária
insuficiente para atender às necessidades básicas das famílias.

A área de abrangência se encontra dentro dos limites do semiárido


brasileiro, região que apresenta déficits hídricos frequentes, radiação solar
elevada, alta taxa de evapotranspiração e precipitação baixa e irregular. A

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 147


temperatura média anual fica na faixa de 22 oC e 24 oC para 11 dos municípios
listados. Com exceção de Montes Claros e Januária, os demais municípios
situam-se na faixa de precipitação anual inferior a 1.000 mm. As estações seca
e chuvosa são bem marcadas, com o período chuvoso concentrando-se no
período de novembro a fevereiro. O regime de distribuição de chuvas é irregular
e a maioria das localidades encontra-se na faixa de déficit hídrico superior a 200
mm anuais.

Na área de abrangência, predominam os solos1 Latossolo Vermelho-


Amarelo, Podzólico Vermelho-Escuro, Latossolo Vermelho-Escuro, solos litólicos
na região da Serra do Espinhaço, Areias Quartzosas na região de Januária e
entremeios de Cambissolos (GEOMINAS, 1998). A cobertura vegetal original é
de Cerrado e Caatinga, ocorrendo outros tipos de fisionomias resultantes de
variações localizadas de solo e relevo.

Os rios que cortam a região drenam para três bacias: São Francisco,
Pardo e Jequitinhonha. A construção de barragens, a instalação de perímetros
de irrigação para agricultura industrial e os monocultivos de eucalipto são fontes
de conflito pelo acesso a terra e recursos naturais, em particular os recursos
hídricos. No Município de Rio Pardo de Minas, agricultores se mobilizaram para
recuperar as terras que estão ocupadas com monocultivos de eucalipto desde
a década de 1970. O impacto desses monocultivos sobre a disponibilidade e
qualidade da água é um elemento marcante na percepção das comunidades
locais.

A sociodiversidade é outro elemento característico no norte de Minas. No


mapeamento realizado pela equipe do CAA, foram identificados os geraiseiros –
população tradicional do Cerrado -; os caatingueiros – população tradicional da
caatinga -; os vazanteiros da região do Rio São Francisco; além da diversidade
étnica com traços culturais próprios, representada pelos quilombolas e
comunidades indígenas. Os geraiseiros se caracterizam, entre outras coisas,
pelo sistema particular de manejo do Cerrado, que inclui, além do roçado, a
1
Denominação de acordo com a antiga nomenclatura.

148 Redes Sociotécnicas e Modos de Vida Tradicionais: estratégias de fortalecimento...


atividade extrativista. O sistema de manejo é complexo, destinando diferentes
usos a cada uma das unidades de paisagem. Os caatingueiros se caracterizam
pela combinação de atividades de roçado e pecuária, reproduzindo um sistema
de agricultura presente na região desde o final do século XVIII, período de
incorporação de áreas dos “sertões interioranos” do norte de Minas.

A contribuição negra ao Estado de Minas Gerais é bastante relevante.


Estima-se que existam pelo menos 300 comunidades quilombolas em todo o
Estado, ainda que apenas uma tenha terras tituladas. O processo de ocupação
da região por projetos agropecuários expulsou os quilombolas de suas terras.
Atualmente, as comunidades vêm se organizando para requerer o reconhecimento
e recuperação do seu território. Na área de abrangência do Programa, merecem
destaque a região do Vale do Rio Gorutuba e a comunidade Brejo dos Crioulos,
localizada nos municípios de São João da Ponte e Varzelândia.

Os “vazanteiros” ocupam as regiões ribeirinhas e seu sistema de produção


é organizado com base na periodicidade da vazante do rio. As margens são
utilizadas como roçados no período em que o nível das águas está mais baixo,
no entanto a construção de barragens altera o ritmo das vazantes, levando a
desestruturação do sistema de produção. Na área de abrangência do programa,
as comunidades de vazanteiros estão concentradas na região de Januária, às
margens do Rio São Francisco.

O Povo Xakriabá é a maior etnia indígena entre as oito existentes no


Estado de Minas Gerais, com uma população estimada em 6 mil pessoas
habitando uma área de 53 mil hectares no Município de São João das Missões,
distribuídas em 22 aldeias e 4 subaldeias. Nas eleições de 2004, os Xakriabá
elegeram o prefeito e quatro vereadores indígenas, o primeiro prefeito indígena
em Minas Gerais e o terceiro no Brasil (CORDEIRO, 2005).

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 149


Estratégias de Fortalecimento da
Agrobiodiversidade pelo CAA-NM no Norte
de Minas Gerais a partir do Projeto 4
“Gostaria de ter novamente o arroz jaguari, sequeiro, arroz de maio,
porque era melhor de produção e as sementes hoje estão em falta”
Juvenal Fonseca da Costa
Comunidade de Riacho Danta

Essa foi uma das respostas dada pelo lavrador Juvenal, 46 anos, morador
da comunidade de Riacho D’Anta, Município de Montes Claros2. Munidos de
um questionário relativamente simples, o objetivo da pesquisa – que estava
sendo levada a cabo pelo que denominávamos de mobilizadores locais, ou seja,
agricultores capacitados para atuarem em suas comunidades como monitores
agrícolas – era o de fazer um levantamento da agrobiodiversidade presente
e manejada pelas comunidades de agricultores familiares. No questionário,
buscavam-se informações do núcleo familiar, número de pessoas, escolaridade,
habilidades, história da própria família no contexto da história da comunidade.
Levantavam-se dados sobre as espécies vegetais e animais, tanto cultivadas
quanto nativas, utilizadas pela família, o manejo adotado nas áreas de roça
(exemplo, se fazia queimada, se adotava alguma prática conservacionista,
adubação, irrigação), entre outras. Especificamente com relação às sementes,
além do nome e da variedade, perguntava-se há quanto tempo (anos) plantavam
a semente, onde tinha sido adquirida, de quem, as características que mais
apreciavam naquela variedade, se tinham algum hábito na troca de sementes.
Perguntava-se também sobre as espécies nativas mais utilizadas, e, ao final,
se eles tinham interesse especial em resgatar alguma variedade que já haviam
cultivado ou de alguma planta que já tinham ouvido falar de suas qualidades. A

2
A entrevista foi realizada no dia 28 de março de 2005, por uma jovem rural, agricultora, uma das
12 que tinham participado da primeira etapa de capacitação do Projeto Manejo Sustentável da
Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga.

150 Redes Sociotécnicas e Modos de Vida Tradicionais: estratégias de fortalecimento...


ideia era, a partir do trabalho que se retomava em um novo contexto, juntamente
com os agricultores e suas organizações na frente desse processo, construir uma
estratégia que contribuísse com o aumento da agrobiodiversidade manejada
pelas comunidades e que resultasse na ampliação da base alimentar local.

Diferentemente de quando iniciamos as primeiras atividades nesse tema


em 1989, tínhamos agora muitos indicativos de que a região norte de Minas
Gerais era detentora de uma grande agrobiodiversidade utilizada e manejada
pelas comunidades. A despeito dos resultados da revolução verde, que tentou de
todas as maneiras, das sutis às mais explícitas, substituir as variedades locais
pelas “modernas variedades de alto rendimento” comercializadas pelas “casas
da lavoura” ou simplesmente distribuídas de graça pelos governos estadual
ou federal – esses, fiéis clientes das grandes corporações que dominavam o
mercado mundial de sementes –, ficávamos seguidamente surpresos ao nos
depararmos com uma variedade de alguma espécie cultivada que nunca, ou
apenas vagamente, tínhamos ouvido falar, e também em como as espécies da
flora nativa continuavam a desempenhar uma função importante tanto na base
alimentar e nutricional das famílias quanto na geração de renda, ao levarem
esses produtos aos mercados e feiras locais.

O projeto criou condições para uma retomada da articulação regional com


a participação dos movimentos sociais em torno desse tema. Fortaleceu a rede
sociotécnica com pesquisadores da Embrapa, os quais tinham dado contribuição
relevante às atividades desenvolvidas nos primeiros anos de atuação do CAA na
região e também, em âmbito nacional, com a Rede de Intercâmbio de Sementes
(RIS). O projeto contribuiu para a atualização e qualificação de nossa estratégia
de trabalho, com recursos genéticos locais, agora num outro contexto, em que
tanto o marco legal relacionado com a agrobiodiversidade quanto o próprio
entendimento que tínhamos da agricultura camponesa eram diferenciados.
Diferenciadas também eram as dinâmicas socioambientais que pressionavam
negativamente as comunidades, como também os processos de resistência e de
reposicionamento na construção de uma nova perspectiva societária em curso
nos sertões de Minas Gerais.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 151


Em 2004, o Cerrado brasileiro passava por um novo ciclo de avanço
do agronegócio interessado em se apropriar de territórios ainda não totalmente
dominados. Vivíamos então o início do primeiro período de um governo que se
propunha popular em um contexto de fortes tensões socioambientais. A década
de 1990 foi o período em que, a partir do liberalismo econômico, avançou-se na
abertura e integração dos mercados em escala planetária. Essa nova dinâmica
impulsiona a inserção de todas as regiões na economia mundial, baseada
nas transformações produtivas do setor agroalimentar. Amplia-se a escala de
produção – no Brasil, em especial, de soja, carnes, frutas, celulose e carvão – e
a mecanização, afetando, por conseguinte, o mercado de terras e a ocupação
rural. A redução dos preços da terra e da mão-de-obra e um cenário favorável
de estabilidade política e macroeconômica atraem para a região investimentos
privados e companhias multinacionais do agronegócio, bem como impulsionam
um processo de concentração e diversificação do comércio e da agroindústria
ainda mais vigoroso do que o ocorrido nas décadas de 1970 e 1980. Cenário que
foi assim pontuado por D’Angelis Filho e Dayrell no texto “Ataque aos cerrados”
publicado pela Revista CEAS (2006):
“Como consequências dessas mudanças, imensas manchas da América
Latina, são concedidas como territórios livres sobre os quais se instalam
os tentáculos de parte dos negócios de imensas corporações do setor de
alimentos, insumos e logística. Sobre estes territórios se instalam uma
agricultura tecnificada, integrada ao setor de insumos estrangeiros, às
agroindústrias graneleiras, às mega corporações do setor de alimentos,
bebidas e fumo, mas, fundamentalmente, integrada verticalmente ao
mercado internacional. Mais recentemente, este tipo de exploração veio
a ser chamada de Agronegócio” (D’ANGELIS FILHO ; DAYRELL, 2006).

As repercussões dessas dinâmicas no norte de Minas eram facilmente


visíveis principalmente nas regiões dominadas pelos Cerrados, em virtude do
avanço do plantio das monoculturas de eucalipto que retomava fôlego visando
à produção de celulose e carvão para alimentar os altos-fornos da cadeia do
aço, do papel e dos negócios correlatos a estes. Citam-se também os pólos
de agricultura irrigada, entre eles, o do Projeto Jaíba, que, ao receber vultoso

152 Redes Sociotécnicas e Modos de Vida Tradicionais: estratégias de fortalecimento...


financiamento internacional para finalização das etapas 2 e 3, o Governo de Minas
Gerais assume o compromisso de promover as compensações ambientais em
virtude dos seus grandes impactos ambientais. Assim, é criada, por esse governo,
uma rede de unidades de conservação no entorno do Projeto Jaíba, ocupando
extensas áreas de comunidades tradicionais, quilombolas e vazanteiras. Entre
essas redes, estão os parques ecológicos, os quais limitam seriamente as
oportunidades de reprodução social dessas comunidades, que pagam, com seus
territórios tradicionais preservados, a compensação ambiental pela degradação
oriunda da volúpia de uma produção destinada a abastecer, com frutas finas
e sementes, mercados tão distantes que se tornam inimagináveis aos que aí
vivem. Também retoma fôlego a pecuária de corte e mais uma vez, agora já nas
regiões de caatinga e mata seca, tentativas de retomada da monocultura do
algodão com variedades transgênicas. Atividades que, segundo D’Angelis Filho
(2005), se inserem como parte de complexos oligopólios que se estruturaram em
escala planetária, com tentáculos por todos os cantos do planeta, estabelecidos
na estrutura global de produção e consumo.

Shigeo Shiki, professor titular de economia da Universidade Federal


de Uberlândia, um renomado estudioso das economias que incidem sobre o
Cerrado, registra a entrada de duas poderosas empresas de sementes, a
Monsanto e a Novartis, no triângulo mineiro:

“No domínio do cerrado, a Monsanto e a Novartis já instalaram suas

estações experimentais em Uberlândia, MG, visando inicialmente o imenso

mercado da soja e do milho. Dentro desta estratégia, a Monsanto adquiriu

duas das maiores empresas de sementes do Brasil, a FT Sementes (soja),

que se tornou Monsoy depois da aquisição, e a Sementes Agroceres (milho

híbrido). Essas aquisições permitem o acesso não somente aos respectivos

mercados, mas ao germoplasma desenvolvidos por estas empresas no

domínio dos cerrados, dentro dos quais se pode introduzir tratos desejados

para uma nova trajetória tecnológica. Uma outra indústria ciências da vida
com sede nos EUA, a Delta & Pine Land Co, associou-se com o Grupo
Maeda, de Orlândia, o maior produtor e processador de algodão no Brasil”

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 153


para desenvolver e introduzir no cerrado sementes transgênicas. Essa
companhia norte-americana é uma das que detém patentes de sementes
genéticas de algodão colorido. O algodão colorido, embora não tenha
nenhuma vantagem para o produtor agrícola, poupa corantes usados na
indústria têxtil” (SHIKI, 2000 ).

Esses são movimentos de reestruturação global do capital associados


ao sistema agroalimentar subordinando regiões com a agora eufemisticamente
denominada “ciências da vida”, mas que, na verdade, tratam-se de poderosos
investimentos que transformam a estrutura agrícola local, cujos centros de poder
se situam nos países de economia capitalista avançada, os Estados Unidos e a
Comunidade Europeia (SHIKI, 2000).

O Contexto Local
Foi sob esse contexto de fortes tensões socioambientais que o agricultor
assentado, João Altino Oliveira, registrou em seu caderno de pesquisa realizada
no Assentamento Americana, Município de Grão Mogol, em março de 2005, a
diversidade de espécies cultivadas por algumas famílias. Foram pesquisadas
nove famílias do assentamento (de um total de 45 que na época já estavam
residindo em seus lotes). Ele identificou 58 espécies de plantas cultivadas nos
ambientes de roça, quintal e horta, conforme estão distribuídas na Tabela 1.

Tabela 1. Espécies de plantas cultivadas identificadas.

Categoria Número de espécie


Frutas 13
Hortaliças e medicinais 25
Roça (milho, feijões, arroz, cana, gergelim, amendoim, mandioca) 11
Capim 4
Outras 5
Total 58

Ademais, entre essas 58 espécies, ele encontrou um total de 139


variedades que eram cultivadas. Os cultivos (espécies) que possuíam um maior
número de variedades são apresentados na Tabela 2.

154 Redes Sociotécnicas e Modos de Vida Tradicionais: estratégias de fortalecimento...


Tabela 2. Cultivos com um maior número de variedades.

Cultura Número de variedade


Mandioca 18
Feijão comum 15
Milho 11
Cana 9
Banana 8
Fava 4
Total 65

Os dados da Tabela 2 nos mostram a diversidade de espécies e de


variedades que podem ser encontradas nos campos de cultivos da agricultura
camponesa regional. Ou seja, em apenas uma parcela da comunidade (9
famílias), encontramos 18 variedades diferentes de mandioca, 15 de feijão, 11
de milho, 9 de cana, entre outras. Variedades que se encontram sob pressão
dos condicionantes ambientais, tais como as variações climáticas que vêm
sendo objeto de alarme pela sociedade contemporânea. Variedades que,
diferentemente das que se encontram congeladas nos bancos de germoplasma
oficiais e privados, continuam o seu processo de coevolução. Variedades que
podem se tornar um valioso instrumento de convivência, embora nefasto, com o
processo acelerado de mudanças climáticas em curso no nosso planeta.

Entretanto, ao olharmos as condições sociais em que vivia a comunidade,


os dados levantados são preocupantes. A idade média das nove pessoas que
responderam o questionário é de 41 anos, com idade mínima de 26 e máxima
de 59 anos. Dessas, uma declarou que é analfabeta e os oito restantes possuem
escolaridade até a 4ª série. O número médio de pessoas por família é de 5,7.
Na época da pesquisa, 2005, sete famílias acessavam a água em cacimbas
perfuradas no chão, e duas famílias obtinham água de córregos temporários.
Nenhuma família tinha água encanada em casa, sendo a distância média de
450 m, ou seja, a família que tinha água mais próxima a acessava a uma distância
de 5 m, e a mais distante, buscava água a 3 mil metros. As nove famílias não
possuíam banheiros nem fossa, fazendo as necessidades fisiológicas no mato.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 155


Esse era o contexto de uma das comunidades que estavam envolvidas
na execução do projeto em sua fase inicial. Possuidoras de um raro acervo em
termos de uso e manejo da agrobiodiversidade3, viviam sob forte tensão provocada
pela nova ordem econômica que vinha se expandindo sobre tudo e sobre todos.
Vivendo em condições humanas precárias, os seus territórios estavam na mira,
ou seja, cobiçados para serem transformados em monoculturas, no caso, a do
eucalipto, uma vez que as macropolíticas estadual e federal para essa região eram
a de resolver o problema do “apagão florestal”, termo cunhado pelas elites frente a
pouca oferta de madeira demandada pelos conglomerados da celulose e do aço.

Foi sobre esse contexto que o CAA-NM procurou atualizar suas estratégias
relacionadas com o uso e manejo da agrobiodiversidade, procurando colocar
em cena as potencialidades humanas e ambientais presentes nos ecossistemas
dos Cerrados e da Caatinga. Nos tópicos seguintes, apresentaremos de forma
sintética desde os primeiros passos dados pelo CAA no seu trabalho com recursos
genéticos locais até o momento atual, quando, a partir da contribuição do Projeto
Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga, foi
possível uma atualização da estratégia que hoje norteia as nossas ações.

Recursos Genéticos Locais: uma breve


trajetória de atuação do CAA com sementes
Na história da constituição do CAA, um momento marcante foi um
seminário regional realizado em 1985, em que lideranças regionais e técnicos
envolvidos com instituições governamentais e pastorais se uniram questionando
o violento processo desenvolvimentista desencadeado na sociedade
brasileira, principalmente a partir dos anos 1960, que adentrou o sertão norte
mineiro, desterritorializando comunidades e povos tradicionais, encurralando
os camponeses em meio a monoculturas de eucalipto, desestruturando as

3
Não citamos as espécies da flora nativa manejada por esta comunidade, que é igualmente
significativa.

156 Redes Sociotécnicas e Modos de Vida Tradicionais: estratégias de fortalecimento...


economias locais, ecossistemas e uma diversidade de sistemas culturais de
produção associados aos cerrados, caatingas, mata seca e vazantes do Rio São
Francisco.

Camponeses, organizações sociais, lideranças e técnicos se unem em


torno dessa preocupação. De um seminário realizado em Montes Claros, em
1985, organizado pela Casa de Pastoral Comunitária e Rede PTA/Fase, surge
a primeira proposta do que viria a ser o CAA: uma organização da sociedade
civil sem fins lucrativos que segue ao lado das organizações e comunidades de
agricultores e agricultoras familiares da região, apoiando e acompanhando-os
em seus espaços de participação e ação (Folder CAA).
“Os primeiros passos que resultaram na definição da missão institucional
do CAA/NM e de suas estratégias de ação, passaram pela formulação de
uma crítica fundamentada ao modelo de desenvolvimento em curso na
região e pela construção de instrumentos metodológicos para conhecer
e compreender a lógica da produção camponesa, sua visão de mundo e
suas interações com o entorno. Processo que levou ao estabelecimento de
alguns marcos conceituais e princípios norteadores de suas ações e pelo
primeiro exercício de construção de propostas tecnológicas, alternativas
ao modelo criticado, baseadas em concepções da Agricultura Alternativa.
Foram buscados conhecimentos assentados nas ciências agrárias, por
meio de pesquisadores e estudiosos críticos da Revolução Verde, e nas
abordagens do materialismo histórico fortemente debatido no interior dos
movimentos sociais, com compreensão dos conflitos sempre presentes e
gerando alternativas e soluções” (DAYRELL; SOUZA, 2007 ).

Os primeiros passos do que viria a ser o CAA têm início com uma
ação junto a comunidades rurais, lideranças e organizações sociais em que,
paralelamente, realizou-se uma pesquisa “porteira-a-fora”, coordenada pelo
economista Eduardo Ribeiro, a qual resultou na publicação do documento
A Pequena Produção Rural na Região de Montes Claros (MACHADO et al.,
1987)4. Em 1989, o CAA publicou o resultado de outra pesquisa – Diagnóstico

4
Esta pesquisa, fundamental na definição do rumo estratégico do CAA, teve a contribuição do
pesquisador Áureo Eduardo Ribeiro, posteriormente professor da UFLA, atualmente prestando
serviços no ICA – UFMG em Montes Claros.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 157


de Sistemas de Produção – que internamente ficou conhecida como “Pesquisa
de porteira-a-dentro” e que foi conduzida pelo então coordenador do CAA, o
agrônomo Mazzetto Silva. Durante dois anos agrícolas seguidos, ele levantou
dados colhidos mensalmente, visando ajudar a desvendar a lógica da organização
da produção camponesa na região em quatro propriedades que tinham sido
selecionadas para isso. Os resultados eram apresentados de forma periódica a
um grupo de agricultores e técnicos que estavam envolvidos com os primeiros
passos do CAA na região, até então conhecido como Centro de Tecnologias
Alternativas de Montes Claros de Montes Claros (CTA de Montes Claros). Em
um artigo, o CAA NM assim apresenta essas pesquisas:
“a) Os estudos “porteira a fora” que cuidaram de pesquisar e analisar as
dinâmicas e os impactos da ação interventora do Estado na região, com
objetivo de fundamentar e dar consistência a uma crítica ao modelo de
desenvolvimento, bem como compreender melhor as relações, articulações
e interações socais constituídas no cerne dessa dinâmica. Os produtos
desses estudos foram publicados e debatidos em encontros e seminários,
tornando-se referências para o debate regional;

b) Os estudos “porteira a dentro” que cuidaram de realizar pesquisas sobre


os sistemas de produção de alguns camponeses da região, buscando
compreender a lógica produtiva dos agricultores, suas dinâmicas
e interações, bem como fazer um resgate das práticas tradicionais
acumuladas, visando uma maior aproximação com o saber camponês.
Estes estudos orientaram as primeiras definições acerca das estratégias
metodológicas e dos eixos de ação junto às populações rurais e suas
organizações” (CAA NM, s/d).

Uma das questões levantadas nessa pesquisa referia-se às dificuldades


no acesso as sementes comerciais de milho, denominadas de “semente de
secretaria” – nome dado em razão de, na região, a Secretaria de Agricultura ter o
hábito de doar sementes comerciais para os agricultores familiares. No entanto,
essa mesma pesquisa constata que uma das famílias tinha uma variedade de
milho, que eles denominada de Argentino e que a elogiavam.

A primeira investida que fizemos, ainda em 1989, foi de solicitar da


Embrapa Milho e Sorgo uma determinada quantidade de sementes variedades

158 Redes Sociotécnicas e Modos de Vida Tradicionais: estratégias de fortalecimento...


para serem avaliadas pelas famílias que o CTA de Montes Claros acompanhava.
Por uma incrível coincidência, no ano seguinte, no âmbito da Rede PTA5, teve
início uma articulação cujos assessores técnicos eram o pesquisador da Embrapa
de Sete Lagoas, Altair Toledo Machado, e a agrônoma Ângela Cordeiro. Essa
articulação, posteriormente conhecida como Rede de Intercâmbio de Sementes
(RIS), enfrentou o debate político e técnico do processo de erosão genética
em curso nos sistemas agrícolas, da importância das variedades locais e,
principalmente, do crescente domínio das multinacionais sobre as sementes;
mobilizou milhares de famílias nas diversas regiões do Brasil, tendo papel
preponderante na resistência à implantação do projeto de lei de propriedade
intelectual e que previa o patenteamento de sementes e de outros seres vivos.

Mas, no caso do CAA, essa nossa participação na RIS foi fundamental


para revermos a estratégia inicialmente desenhada, de distribuir variedades
comerciais da Embrapa e, principalmente, para revermos o nosso olhar para
um precioso patrimônio no domínio dos agricultores e que se encontrava sob
risco: as variedades locais que, posteriormente, passaram a ser denominadas
de “sementes crioulas”. Ficou patente a insuficiência de nossa formação
nesse âmbito, e a RIS teve um papel importante na capacitação de técnicos e
agricultores e no desenho de nossa estratégia de atuação nesse tema.

De 1991 a 1997

No período de 1991 a 1997, o CAA NM desenvolveu um intenso trabalho


com sementes na região, particularmente nas microrregiões de Montes Claros,
Porteirinha e Varzelândia e, também, na Área de Experimentação e Formação
em Agroecologia – AEFA. A estratégia de trabalho com sementes nesse período
consistia na identificação de variedades locais, no resgate de parte desse

5
Refere-se a uma articulação nacional promovida pela FASE que anima a constituição e o trabalho
em diversas regiões do Brasil com as denominadas “tecnologias alternativas”, que inclusive
contribuiu decisivamente na formação do CAA NM. Posteriormente, o Projeto PTA FASE se
organiza como uma ONG, a ASPTA

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 159


material que era armazenado no Banco de Sementes da AEFA, na avaliação de
variedades de milho, feijão, mandioca e, posteriormente, do sorgo, por meio de
ensaios local, regional e nacional (milho). Posteriormente, campos de produção
e de melhoramento de sementes foram instalados e conduzidos pelas famílias
de agricultores. Essa estratégia foi assim sistematizada por Ângela Cordeiro e
Celso Marcatto:
“1ª Etapa

Resgate e preservação (e/ou re-introdução) de variedades locais,


destinando parte das amostras para os bancos comunitários e outra parte
para os bancos locais ou para o banco da Rede em Assessoar (Paraná)
ou Viçosa(MG).

2ª Etapa

Avaliação das variedades resgatadas em confronto ou não com variedades


comerciais, híbridas ou melhoradas – a) por meio de ensaios de competição
nas lavouras dos agricultores; b) de ensaios regionais; c) ou ensaios
nacionais.

3ª Etapa

Seleção e/ou melhoramento das variedades locais (seleção massal


estratificada, cruzamento artificial, etc) nos campos dos agricultores e/ou
em áreas experimentais das entidades da Rede ou do sistema de pesquisa
governamental em colaboração com a Rede.

4ª Etapa

Produção de sementes pelos agricultores, retroalimentando os bancos


locais e regionais, com fornecimento às comunidades locais e/ou
comercializando em outras regiões.

Obs.: Nem sempre essas etapas acontecem de forma linear ou as


atividades nas comunidades cumprem todas as etapas. O processo é
dinâmico, podendo algumas vezes as etapas acontecer simultaneamente”
(MARCATTO; e CORDEIRO, citados por DAYRELL, 1996).

Essa estratégia era conduzida regionalmente em articulação com


entidades sindicais e pastorais em uma proposta de desenvolver um trabalho
conjunto de reforço às organizações dos agricultores familiares. Nos âmbitos

160 Redes Sociotécnicas e Modos de Vida Tradicionais: estratégias de fortalecimento...


estadual e nacional, por meio da RIS, eram realizados os Ensaios Nacionais
de Milho Crioulo, que se complementavam com seminários, intercâmbios,
capacitação dos seus membros, o que resultava em ações políticas relacionadas
com o manejo dos recursos genéticos, principalmente, procurando influir no
debate da questão do patenteamento dos seres vivos. O desenvolvimento das
atividades da RIS chegou a envolver 10.805 famílias de pequenos agricultores
envolvidas diretamente e, indiretamente, 31.205 famílias. Participavam cerca de
480 organizações de trabalhadores rurais e 43 instituições entre organizações
não governamentais, universidades e instituições de pesquisa.

De 1998 a 2004

Após contribuir de forma incisiva na animação de ações concretas


de preservação local das sementes, e no enfrentamento da legislação de
patentes, a articulação nacional da rede de intercâmbio de sementes tomou
outras configurações. No norte de Minas, o CAA deu continuidade às atividades
relacionadas com a produção de sementes, principalmente no âmbito local,
apoiando os Sindicatos de Trabalhadores Rurais e associações de agricultores
que tinham interesse em continuar produzindo sementes crioulas, disputando o
mercado local com as lojas comerciais que vendiam “sementes selecionadas”.
Paralelamente, outros estudos sobre a realidade regional como os realizados
por Gonçalves (1997), Costa (1999), Silva (1999), Dayrell (1998), Ribeiro (2003),
Luz Oliveira (2005), D’Angelis Filho (2005) e Brito (2006) colocaram em cena um
novo olhar sobre a agricultura camponesa que se desenvolveu nessa paisagem
com seus variados ecossistemas, conformando culturas, agroecossistemas,
revelando-se como portadora de múltiplas geo-histórias com variados sistemas
de organização socioeconômica e tradições culturais.

Com essa compreensão, o CAA/NM atualiza suas estratégias junto


às populações sertanejas, afirmando uma concepção de que as agriculturas,
os agricultores, as agricultoras e o mundo rural não podem ser mais vistos
como segmentos isolados, desvinculados do conjunto da sociedade e, ao

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 161


mesmo tempo, despertencida de uma base territorial e ambiental. As ações
em torno da luta pela terra em comunidades sertanejas tradicionais ganham
o enfoque da luta por direito aos territórios ancestrais; as ações em defesa
do Cerrado vêm ganhando formas de lutas pelo direito do uso sustentado da
biodiversidade funcional; as ações em torno do acesso a água e territórios; da
garantia de segurança alimentar e nutricional ganham tonalidades de luta por
direitos humanos universais, numa direção que permita valorizar o espaço e a
territorialidade rural, seus recursos genéticos, conhecimentos e cultura numa
perspectiva valorativa (D´ANGELIS, 2005).

As paisagens tomam novas feições ao percebermos os ecossistemas


com as populações que aí coevoluíram, sejam geraizeiras, vazanteiras,
quilombolas ou gurutubanas. Estudos indicam ser a região portadora de uma
ampla agrobiodiversidade cujas comunidades tradicionais estruturam uma
racionalidade produtiva assentada no complexo agroextrativista, ou seja, além
de manejarem e manterem uma grande diversidade de cultivos e de variedades,
muitas delas desenvolvidas localmente e em processo de erosão genética,
o extrativismo contribui de forma significativa com a produção oriunda dos
agroecossistemas. O uso e manejo dos ambientes agrícolas e naturais são
complexos e regulados por normas muito específicas, como revelam pesquisas
com comunidades tradicionais realizadas por Ribeiro (2003) na região do Vale do
Jequitinhonha, se transformando em focos de resistência camponesa: “geridos
coletivamente, produzindo alimentos e recursos extraídos da natureza, muitos
destes territórios têm resistido à expansão da agricultura comercial” (RIBEIRO
et al., 2003).

Nesse contexto, o CAA assessora um grupo de camponeses, agricultores


e extrativistas, na criação da Cooperativa Agroextrativista Grande Sertão.
A referência para essa assessoria é o fortalecimento das redes econômicas,
sociais e técnicas inseridas nas disputas que se travam em torno da agricultura,
dos projetos societários, como o da agroecologia, que antagoniza o do
agronegócio. Eric Sabourin é um dos autores que destacou a importância do
fortalecimento dessas redes que ele define como redes sociotécnicas “estruturas

162 Redes Sociotécnicas e Modos de Vida Tradicionais: estratégias de fortalecimento...


desenhadas pelas relações interpessoais múltiplas que reúnem atores individuais
e institucionais ao nível regional ou local, em torno de objetos e de objetivos
comuns” (SABOURIN, 2000). A cooperativa insere-se nos interstícios das lutas
das comunidades na defesa de seus territórios tradicionais animando arranjos
produtivos como o do extrativismo do Cerrado e da Caatinga e abrindo novas
oportunidades de negócio, e entre esses, valorizando os produtos oriundos da
agrobiodiversidade regional. Reconhecíamos, no entanto, a necessidade de um
adensamento institucional que contribuísse na saída dos guetos a que estavam
submetidas às comunidades tradicionais. Estávamos no início de um governo
que se propunha popular.

As Estratégias do CAA Construídas a partir


de 2004
Percebemos que, para manter e ampliar a agrobiodiversidade manejada
pelos agricultores como uma estratégia de fortalecimento da segurança alimentar, de
ampliação da resistência dos cultivos agrícolas aos estresses ambientais, amplificados
ainda mais pelas mudanças climáticas em curso, era fundamental garantir os modos
de vida das comunidades tradicionais e, também, sua cultura alimentar. Da mesma
maneira, era também fundamental que as comunidades pudessem ter acesso a
informações e a novas tecnologias disponibilizadas pela ciência.

A atualização das estratégias de trabalho do CAA-NM teve como


princípios esses entendimentos, e que foi possível, a partir de nossa
participação no Projeto Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas
Cerrado e Caatinga do Programa Biodiversidade Brasil-Itália, no final de 2003,
potencializarmos um conjunto de ações com novas interações técnicas e sociais
em torno da agroecologia e do agroextrativismo. Embora tivéssemos diversos
indicativos da diversidade de espécies e variedades tradicionalmente manejadas
pelas comunidades, não tínhamos uma proposta mais objetiva para um trabalho
qualificado e que contribuísse no reconhecimento social do papel desempenhado
por essas comunidades na preservação dos recursos genéticos.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 163


A estratégia atual de trabalho do CAA com o manejo da agrobiodiversidade
tem como um dos elementos o fortalecimento das redes sociotécnicas em torno
dos circuitos econômicos da agricultura camponesa. No caso do CAA, a rede
sociotécnica é animada a partir de ações que são desenvolvidas nas comunidades
rurais que se organizam em torno de núcleos territoriais. Esses núcleos têm
agricultores ou agricultoras que atuam como mobilizadores, intercambiando
informações ou propostas técnicas entre as comunidades. Normalmente, esse
mobilizador interage mais diretamente com uma cooperativa, associações ou
com um Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR). Na Figura 1, organiza-se, de
forma simplificada, esse entendimento.

Agroecologia e Redes Sócio Técnicas


Rede Sócio-Técnica
B
AM O NA
A -C
-A CEX
NA
Comunidade 4:
Núcleo 55 famílias
Cooperativas Tapera
Mobili- Comunidade 2:
zador 15 famílias
STRs
Núcleo Comunidade 1:
Articulador V. Funda 25 famílias
Associações
Comunidade 3:
Mobili- 17 famílias
Cáritas Núcleo
zador
Abóboras
A AS
AP S CAA A-
BR E
EM ONT D.
Ve
N IM rd
U e

Interações equipe técnica: assessoria, pesquisa, formação, acompanhamento

Figura 1. Esquema de funcionamento da rede sociotécnica.

164 Redes Sociotécnicas e Modos de Vida Tradicionais: estratégias de fortalecimento...


O CAA assessora esse processo seja com uma equipe técnica ou
lideranças de agricultores da própria entidade, facilitando ou estimulando
interações com redes sociais e movimentos sociais, instituições públicas de
ensino e pesquisa.

O conhecimento das estratégias agroalimentares da comunidade


é outro aspecto que consideramos importante no trabalho de manejo da
agrobiodiversidade. Procuramos contextualizar essas atividades com o
conhecimento de como a comunidade usa e maneja seus distintos ambientes,
e como a agrobiodiversidade interage nesse processo. Procuramos também
entender como ela está relacionada com sua cultura alimentar e, também, nos
circuitos econômicos associados, que podem tensionar, tanto negativamente
como positivamente, com uma maior ou menor densidade de diversidade de
espécies.

Relacionado também com as estratégias agroalimentares, entra em


questão a dimensão do controle territorial das comunidades. No caso do norte de
Minas, a maioria das comunidades enfrenta graves tensões em torno da disputa
de seus territórios até porque, tradicionalmente, o extrativismo faz parte de
suas estratégias produtivas. Por serem áreas relativamente preservadas, tanto
setores empresariais como instituições ambientais passam a ter interesse nessas
áreas. Seja para implantação de empreendimentos econômicos de grande
porte ou para implantar unidades de conservação de proteção integral. Nesse
caso, o CAA assessora as comunidades e interage com outras organizações e
instituições públicas no sentido de contribuir na promoção dos direitos territoriais
das comunidades locais.

Em algumas comunidades, o trabalho desenvolvido pelo CAA é o


de fortalecer as práticas tradicionais que estimulam a preservação local da
agrobiodiversidade. Sempre encontramos nas comunidades algumas famílias
que têm um cuidado maior na manutenção de suas sementes ou famílias
que cumprem o papel de manter uma variedade específica. Então, o trabalho
desenvolvido por essa rede sociotécnica é o de qualificar esse processo, seja no

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 165


sentido de criar condições para melhor armazenamento ou no desenvolvimento
de técnicas mais apuradas de seleção das sementes. Sempre valorizando o
intercâmbio, a autonomia das famílias e das comunidades nesse processo.

Em outras comunidades ou municípios, essas ações de preservação on


farm são complementadas com estratégias de produção de sementes crioulas em
escala comercial. Nesse caso, algumas famílias se especializam na implantação
de campos de sementes de variedades locais, normalmente associado com
um processo de melhoramento participativo. Nesse caso, o próprio campo de
sementes é também uma unidade de seleção e melhoramento de variedades,
associado com um processo de avaliação qualitativa das sementes. O que tem
sido feito por meio da rede sociotécnica, que conta com apoio de pesquisadores
e estudantes da UFMG e Embrapa.

Alguns municípios, estimulados pelo sindicato de trabalhadores rurais


como o de Porteirinha e de Varzelândia, ou por algumas associações de
assentamento, como a da Tapera e da Americana, vêm conseguindo uma
produção em escala significativa de sementes crioulas, principalmente de milho,
sorgo e feijão, que são comercializadas localmente ou por intermédio da Conab.

Outra ação de relevância é a realização de feiras de agrobiodiversidade,


realizadas no âmbito municipal ou regional e organizadas pela rede sociotécnica.
Essas feiras têm cumprindo papel na sensibilização das comunidades, da
sociedade e dos poderes públicos sobre a importância da agrobiodiversidade.
Cumpre também outro papel de ser um espaço privilegiado de troca de sementes,
de capacitação e de intercâmbios de experiências.

Finalmente, outra estratégia fundamental se refere à construção de


políticas públicas relacionadas com a legislação de sementes, a regulação
de acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais e os direitos
dos agricultores. Marco legal complexo, que, no dizer de Juliana Santilli, vem
promovendo um cercamento célere pela Organização Mundial do Comércio, para
que os países legislem, cerquem e obstruam os conhecimentos dos agricultores
e das comunidades tradicionais a tal ponto que “as sementes passaram a ser

166 Redes Sociotécnicas e Modos de Vida Tradicionais: estratégias de fortalecimento...


propriedade privada de uns, excluídos todos os outros” (SANTILLI, 2009).
Embora com uma atuação tímida, o CAA vem participando principalmente de
redes sociais que hoje intervêm nesse tema como o GT Biodiversidade da ANA.

Referências
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168 Redes Sociotécnicas e Modos de Vida Tradicionais: estratégias de fortalecimento...


Capítulo 6

Avaliação Participativa do Manejo


de Agroecossistemas Utilizando
Indicadores de Sustentabilidade:
instrumento para capacitação
em agroecologia e promoção
da agrobiodiversidade no
Assentamento Cunha

Cynthia Torres de Toledo Machado


Mariane Carvalho Vidal
Fabio Bueno dos Reis Jr.
Ornélio Guedes da Silva
Avaliação Participativa do Manejo
de Agroecossistemas Utilizando
Indicadores de Sustentabilidade:
instrumento para capacitação
em agroecologia e promoção da
agrobiodiversidade no
Assentamento Cunha

Introdução
A diversificação produtiva constitui alternativa primordial para a
sustentabilidade dos sistemas agrícolas, constituindo uma das premissas
básicas da produção agroecológica.

A agricultura baseada na diversificação é capaz de gerar rendimentos


satisfatórios no médio e longo prazo, mediante o uso de estratégias de manejo
que integrem todos os componentes da unidade produtiva (cultivos, animais,
vegetação natural) para melhorar a eficiência biológica do sistema. Assim,
a capacidade produtiva do agroecossistema é mantida ao mesmo tempo em
que a biodiversidade é conservada e que são geradas condições favoráveis à
autorregulação do sistema.

Se o objetivo é transitar em direção à sustentabilidade da agricultura, é


necessário que o sistema cumpra com os seguintes propósitos: (a) produção
diversificada, estável e eficiente; (b) segurança e autossuficiência alimentar; (c)
uso de práticas agroecológicas ou tradicionais de manejo; (d) preservação do
conhecimento local; (e) gestão da unidade produtiva com base no aproveitamento
dos recursos; (f) processos participativos de gestão da unidade produtiva; e (g)
conservação e regeneração dos recursos naturais (ALTIERI, 1994; GLIESSMAN,
2001; ALTIERI, 2002).

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 171


Não se trata de um processo imediato, principalmente em ambientes
degradados tanto física e socialmente, como os encontrados nos assentamentos
de reforma agrária como o que constituiu objeto deste trabalho.

A obtenção de produção satisfatória, estável, com benefícios


equitativamente distribuídos, aproveitando os recursos disponíveis na
propriedade e aliando a atividade produtiva à conservação dos recursos naturais,
requer, sobretudo, mudanças nos sistemas de produção. Essas alterações, por
sua vez, devem ir além da substituição de insumos, mas constituir mudanças de
paradigmas fundamentadas em capacitação, troca de experiências e respeito ao
conhecimento local.

Em projetos cujas metodologias participativas constituam uma


das principais premissas, a aplicação de metodologias de indicadores de
sustentabilidade deve, além de caracterizar e monitorar os sistemas, fornecer
às comunidades a capacidade de observar, avaliar e tomar decisões, adaptando
as técnicas às condições socioeconômicas e biofísicas dos agricultores e seus
agroecossistemas.

Como Transitar em Direção à


Sustentabilidade
Para cultivar, há que se empregar técnicas, e estas respondem sempre
a princípios ou ideias orientadoras. No caso da agroecologia, são o resultado da
aplicação de princípios integradores que resgatam o saber campesino e aplicam
os conceitos da ciência moderna compatíveis com o ambiente. Em termos
práticos, aplicar os princípios agroecológicos ao manejo das propriedades
agrícolas é uma tarefa necessária, que se realiza com a intenção de: (a)
melhorar a produção de alimentos e oferecer o excedente ao mercado, mas
com melhores preços; (b) ter êxito na produção, resgatando e revalorizando os
cultivos tradicionais, com os quais se diversifica a produção e a dieta alimentar;
(c) diversificar e reduzir os riscos de clima e pragas, melhorando os ganhos com

172 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


o tempo; (d) valorizar os conhecimentos e as técnicas de nossos antepassados,
porque ali se encontram muitas soluções para o bom manejo das propriedades;
(e) melhorar a produção das parcelas utilizando, de forma eficiente, os recursos
do local, sem desperdiçar o espaço nem os recursos escassos da unidade
produtiva; (f) regenerar e conservar a água e o solo quando do manejo da
parcela, porque ajudam a controlar a erosão, o reflorestamento e a cobertura
vegetal (GLIESSMAN, 2001; ALTIERI, 2002).

A Metodologia Empregada
A metodologia empregada é denominada Sistema de Avaliação
Rápida da Qualidade do Solo e Sanidade dos Cultivos. Proposta por Altieri e
Nicholls (2002) e Nicholls et al. (2004), o método permite aos agricultores
medidas de sustentabilidade de uma maneira comparativa ou relativa, por
meio da comparação, ao longo do tempo, num mesmo agroecossistema ou da
comparação de dois ou mais agroecossistemas que estão sob diferentes estágios
de transição ou sob diferentes práticas de manejo (ALTIERI; NICHOLLS, 2002).
Isso possibilita que os agricultores avaliem os sistemas mais saudáveis e as
propriedades que se destacam, possibilitando que, conjuntamente, identifiquem
processos e interações biológicas que expliquem seu desempenho superior.
Essas informações serão traduzidas para práticas específicas que otimizem os
processos agroecológicos desejáveis.

O ponto-chave da metodologia é a compreensão de que existem,


segundo Altieri (2002), duas funções no ecossistema que devem estar
presentes na agricultura: a diversidade dos micro-organismos, plantas e animais
e a ciclagem biológica de nutrientes da matéria orgânica, fazendo com que o
objetivo desse método (ALTIERI; NICHOLLS, 2002; NICHOLLS et al., 2004) seja
avaliar o manejo do agroecossistema por meio de indicadores sensíveis e fáceis
de estimar em campo, por meio da atribuição de notas, que variam de 1 a 10,
as características relacionadas à sanidade dos cultivos e qualidade de solo e
relevantes para as condições de determinados agricultores ou comunidades.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 173


Uma lista de possíveis indicadores-padrão para os atributos de solo e
manejo dos cultivos (Tabelas 1 e 2) foi apresentada aos agricultores para que
fossem escolhidos, de forma participativa, quais seriam determinados. Avaliou-se
se todos são aplicáveis àquela determinada realidade e também se há algum
indicador “local” que devesse ser incorporado, bem como suas características.
Procedeu-se, a seguir, a explicação detalhada de cada indicador e suas
características, antes e durante a atividade de campo, enfatizando, em cada
um desses momentos, a importância da participação dos membros das famílias.

Esses indicadores se originam, de uma maneira geral, de efeitos registrados


em iniciativas e estratégias de desenvolvimento de formas mais sustentáveis de
produção de alimentos de programas baseados em agroecologia, relativos aos
efeitos no solo (aumento no conteúdo de matéria orgânica, estímulo à atividade
biológica, redução na erosão, melhoria na estrutura, reciclagem e retenção de
nutrientes), efeitos sobre pragas e doenças (diversificação cultural reduzindo
pragas e estimulando inimigos naturais, consórcios reduzindo patógenos) e
efeitos sobre a produção (maior estabilidade e diversidade, menores riscos).

Tabela 1. Indicadores de sustentabilidade para agroecossistemas – sanidade dos cultivos


– com seus valores e características correspondentes. Valores entre 1 e 10 podem ser
assumidos para cada indicador.

Valor
Valor estabelecido Características
estimado
1. Aparência geral da cultura
1 Clorótica, folhagem descolorida com sinais de deficiência
5 Folhagem verde clara com alguma perda de pigmentação
10 Folhagem verde escura, sem sinais de deficiência
2. Crescimento das plantas
1 Padrão desigual, ramos finos e curtos, crescimento novo limitado
Padrão mais denso, porém não uniforme. Ramos mais grossos, sinais
5
de novas brotações
10 Folhagem e ramos em abundância. Crescimento vigoroso
3. Incidência de doenças

Continua...

174 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


Tabela 1. Continuação.

Valor
Valor estabelecido Características
estimado
1 Suscetível, mais de 50% das plantas com folhas e (ou) frutos danificados
5 Entre 20% - 45% das plantas com algum dano
10 Resistentes, menos de 20% das plantas com danos leves
4. Incidência de insetos e pragas
1 Mais de 85% das folhas danificadas
5 Entre 30% - 40% das folhas danificadas
10 Menos de 30% das folhas danificadas
5. Rendimento atual ou potencial
1 Baixo em relação à média local
5 Médio, aceitável
10 Bom ou alto
6. Abundância e diversidade de inimigos naturais
Ausência de vespas predadoras/parasitas em uma amostra aleatória
1
de 50 folhas
5 Presença de pelo menos um inseto benéfico
10 Mais de 2 indivíduos de uma ou duas espécies de insetos benéficos
7. Competição e supressão de plantas espontâneas
1 Plantas estressadas, suprimidas por plantas espontâneas
5 Presença média de plantas espontâneas, algum nível de competição
10 Plantas vigorosas suprimindo plantas espontâneas
8. Diversidade de vegetação
1 Monocultura
Presença de algumas plantas espontâneas ou presença desigual de
5
plantas de cobertura
10 Formação densa de plantas de cobertura e vegetação espontânea
9. Vegetação natural circundante
1 Circundado por outras culturas, sem vegetação natural
5 Vegetação natural adjacente em pelo menos um dos lados
10 Circundando por vegetação natural em pelo menos dois lados
10. Desenho agroecológico
Sem barreiras de vento, sem corredores de vegetação, apenas 1 cultura
1
plantada, sem rotação
Barreiras e corredores dispersos na área de cultivo, mais de uma cultura
5
plantada na área, sem rotação
Com barreiras de vento e corredores, mais de uma cultura plantada na
10
área, com rotação de culturas

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 175


Tabela 2. Indicadores de sustentabilidade para agroecossistemas – qualidade de solo
– com seus valores e características correspondentes. Valores entre 1 e 10 podem ser
assumidos para cada indicador.

Valor Valor
Características
estabelecido estimado
1. Profundidade do solo
1 Subsolo quase exposto ou exposto
5 Fina superfície de solo < 10 cm
10 Solo superficial > 10 cm
2. Estrutura
1 Solto, empoeirado sem visíveis agregados
5 Poucos agregados que quebram com pouca pressão
10 Agregados bem formados difíceis difíceis de serem quebrados
3. Compactação
1 Solo compactado, arame encurva-se facilmente
5 Fina camada compactada, alguma restrição à penetração do arame
10 Sem compactação, arame é todo penetrado no solo
4. Estado de resíduos
1 Resíduos orgânicos com lenta decomposição
5 Presença de resíduos em decomposição de pelo menos um ano
Resíduos em vários estágios de decomposição, muitos resíduos bem
10
decompostos
5. Cor, odor e matéria orgânica
1 Pálido, odor químico e ausência de húmus
5 Marrom-claro, sem odor alguma presença de húmus
10 Marrom-escuro, odor de matéria fresca e abundante presença de húmus
6. Retenção de água (grau de umidade após irrigação ou chuva)
1 Solo seco, não retém água
5 Grau limitado de umidade por um curto período de tempo
10 Considerável grau de umidade por um curto período de tempo
7. Cobertura do solo
1 Solo exposto
5 Menos de 50% do solo coberto por resíduos ou cobertura viva
10 Mais de 50% do solo coberto por resíduos ou cobertura viva
8. Erosão
1 Erosão severa, presença de pequenos valos
5 Evidentes, mas poucos sinais de erosão
10 Ausência de sinais de erosão
Continua...

176 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


Tabela 2. Continuação.

Valor Valor
Características
estabelecido estimado
9. Presença de invertebrados
1 Ausência de atividade de invertebrados
5 Poucas minhocas e artrópodes presentes
10 Presença abundante de organismos invertebrados
10. Atividade microbiológica
1 Muito pouca efervescência após aplicação de água oxigenada
5 Efervescência leve a média
10 Efervescência abundante

As principais características desses indicadores e do método


propriamente dito, e que justificam seu emprego são: (a) fácil utilização pelos
agricultores; (b) relativamente precisos e fáceis de analisar e interpretar; (c)
práticos para novas tomadas de decisão; (d) sensíveis o bastante para refletir
mudanças ambientais e os efeitos de práticas de manejo no solo e nos cultivos;
(e) possuem a capacidade de integrar e inter-relacionar propriedades físicas,
químicas e biológicas dos solos; e (f) apontam a relação entre os processos
existentes no ecossistema, como, por exemplo, a relação entre diversidade de
plantas e estabilidade de uma população de pragas e (ou) incidência de doenças
(NICHOLLS et al., 2004).

De posse das tabelas-padrão apresentadas a seguir, cada um dos


indicadores listados são avaliados no campo, onde os conceitos e características
são reforçados, bem como o seu significado e a possível relação entre o
atributo em questão e os demais. Em virtude de características específicas
das comunidades ou das áreas dos agricultores, alguns indicadores podem ser
suprimidos, considerando, principalmente, a opinião dos agricultores e suas
justificativas. Para esses indicadores, valores de 1 (menos desejável), 5 (valor
moderado) e 10 (mais desejável) são estabelecidos conforme as características
do solo ou do cultivo e segundo os atributos observados para cada indicador.
Valores entre 1 e 10 podem ser assumidos para cada indicador. Após análise,
obtém-se a média para qualidade do solo e sanidade dos cultivos. Médias abaixo
de 5 são consideradas abaixo do limite mínimo de sustentabilidade.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 177


Essa metodologia foi inicialmente descrita e aplicada em ambientes
e situações específicas, como cafezais na Costa Rica (ALTIERI; NICHOLLS,
2002) e vinhedos na Califórnia (NICHOLLS et al., 2004), porém, mediante
algumas modificações – como introdução ou supressão de indicadores –, é
perfeitamente aplicável a vários agroecossistemas em diferentes regiões. Sendo
um método bastante dinâmico, adaptações foram feitas no decorrer do projeto
em função do que se observou nas atividades práticas. Alguns desses ajustes e
particularidades da aplicação da metodologia são descritos em Machado e Vidal
(2006).

As observações de campo foram sempre precedidas de uma


capacitação para os membros da comunidade, em que foram abordados
conceitos de agroecossistemas e agricultura sustentável, dimensões ecológica,
social e econômica da sustentabilidade, indicadores de sustentabilidade e
suas características, finalizando com a explanação sobre a metodologia e seu
detalhamento por meio de exemplos e da apresentação do roteiro a ser seguido
nas atividades de campo.

Os indicadores de sanidade dos cultivos (Tabela 1) se relacionam com


a diversidade funcional e elementos da agrobiodiversidade como principais
reguladores da saúde das lavouras, afetando diretamente a aparência das
plantas, o nível de incidência de pragas e doenças, a tolerância à competição
pelas plantas espontâneas e o potencial de produção (ALTIERI; NICHOLLS,
2002; NICHOLLS et al., 2004). Na abordagem desses indicadores, o foco está
direcionado para a relação entre a estabilidade e equilíbrio do agroecossistema
e a ocorrência de doenças, degradação, competição e consequente declínio dos
rendimentos dos cultivos.

As avaliações da aparência geral da cultura e do crescimento das plantas


dão ideia do estado nutricional e do desenvolvimento das culturas, possibilitando
a identificação visual do padrão de crescimento das plantas e de possíveis
deficiências ou toxicidades, devendo-se citar e (ou) descrever alguns sintomas
aparentes. Havendo necessidade, coletam-se, nesse momento, amostras para

178 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


a realização de análises foliares e identificação precisa das possíveis desordens
nutricionais.

Por meio da observação visual e avaliação da proporção de dano,


são verificadas as incidências de doenças e pragas. As pragas são então
conceituadas, atentando para que tais organismos não estão incluídos em uma
única classe, e compreendem insetos, ácaros, nematoides, moluscos e outros
invertebrados, além de vertebrados como roedores, pássaros e dos vários
micro-organismos causadores de doenças, como fungos, bactérias, vírus, etc.
As ervas invasoras, plantas que crescem onde não são desejadas, também
são uma categoria de pragas (NICHOLLS et al., 1999). Aborda-se a origem
desses problemas, enfocando a modificação do ambiente que favore condições
propícias ao crescimento explosivo de certos organismos que causarão danos
às plantas que estão sendo cultivadas. Como exemplo, pode-se citar novos
cultivos não adaptados às condições locais, o monocultivo propriamente dito, a
introdução (intencional ou não) de um inseto em uma área onde não existia antes
e a aplicação constante de defensivos. Procura-se também relacionar o estado
nutricional com o ataque de insetos e patógenos, considerando a resistência
conferida por estado nutricional adequado. É importante também atentar para o
fato de que os herbívoros e mesmo os agentes causais das doenças variam e
respondem, na sua distribuição, abundância, dispersão e dinâmica populacional,
aos atributos estruturais (combinação das lavouras e cultivos no espaço e no
tempo) e de manejo (diversidade de culturas, níveis de insumos), enfatizando
que a diversificação afeta pragas e insetos, reduzindo herbívoros e estimulando
os inimigos naturais, que consórcios em linhas ou mistos reduzem os patógenos
e que o cultivo mínimo e rotações também podem restringir doenças do solo.
Havendo necessidade, encaminham-se insetos e amostras de plantas a
laboratórios. Práticas alternativas de controle devem ser destacadas e propostas,
ou utilizadas, em casos de necessidade.

O rendimento atual ou potencial é estimado em relação a um valor


médio alcançado por outros produtores locais ou regionais, ou mesmo por um
valor alcançado pelo mesmo agricultor em determinada época. Essa avaliação

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 179


induz à observação e à anotação desses rendimentos, contribuindo para a
organização da escala de produção em função das necessidades e demandas.
Aborda-se, nesse ponto, que, durante a conversão para a produção orgânica ou
agroecológica, poderá haver uma perda inicial nos rendimentos. É importante
ressaltar que a produção poderá ser menor por unidade de área, mas maior
em relação a outros fatores, como unidade de energia e perdas de solo, por
exemplo (ALTIERI, 1998), bem como os benefícios dos policultivos que são mais
produtivos e a questão da diversidade de produtos, estabilidade de produção e
redução de riscos.

Os demais indicadores darão uma ideia da infraestrutura ou integridade


ecológica do sistema, subsistema ou lavoura que está sendo avaliado, em
relação aos níveis de diversidade vegetal (espécies), diversidade genética
(variedades ou genótipos), diversidade de vegetação circundante e tipo de
manejo, mostrando que uma maior diversidade inter e intraespecífica, aliada
ao aproveitamento das sinergias da biodiversidade, criam condições mais
favoráveis de sustentabilidade. A ideia é fundamentar e incorporar as melhores
características ambientais das técnicas agroecológicas, enfatizando seus
benefícios e os reflexos na rentabilidade e preservação da base de recursos
naturais e da biodiversidade, e, por conseguinte, da capacidade produtiva do
agroecossistema.

A premissa básica dessa abordagem reside na ênfase ao fato de que


as interações complementares entre os diferentes componentes bióticos do
agroecossistema são múltiplos e podem induzir efeitos positivos e diretos no
controle biológico de pragas das culturas, regeneração e (ou) aumento da
fertilidade e conservação do solo (ALTIERI, 1994).

Os componentes da biodiversidade do sistema ou da agrobiodiversidade


são então apresentados como sendo as plantas cultivadas, a vegetação
espontânea, a vegetação ciliar, os insetos (herbívoros, predadores e parasitas,
polinizadores), a macro e mesofauna do solo, bem como a microfauna, que inclui
os micro-organismos. As funções de cada um desses grupos são relacionadas,

180 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


referindo-se à regulação da população no controle biológico, polinização e
dispersão, introgressão genética, competição, alelopatia, fontes de inimigos
naturais, predação, supressão de doenças, possíveis parentes silvestres das
plantas cultivadas, consumo de biomassa, decomposição, reciclagem de
nutrientes e estruturação do solo, entre outras, enfatizando a sua importância na
estabilidade do sistema.

A compreensão dessas interações e sinergismos são úteis para planejar,


melhorar e manejar o agroecossistema. Assim, na medida em que se avaliam
os indicadores atribuindo notas às suas características, são apresentadas e
conceituadas práticas ou estratégias de melhoramento dos sistemas, tais como
os policultivos, culturas de cobertura, adubação verde, agroflorestas, plantio
direto, quebra-ventos, rotações de cultura, compostagem, aporte de matéria
orgânica, entre outras.

Ao avaliar o indicador abundância e diversidade de inimigos naturais,


são introduzidos os conceitos de inimigos naturais e equilíbrio de populações,
mostrando que esses atributos estão relacionados com a biodiversidade e são
sensíveis ao manejo, à sequência e associações de culturas, à diversidade
de ervas infestantes, à diversidade genética, entre outros fatores e condições.
Ainda durante a avaliação desse indicador, e também ao estimar outros, como
diversidade da vegetação e vegetação natural circundante, enfoca-se que, ao
substituir os sistemas simples por sistemas diversos ou agregar diversidade aos
sistemas existentes, é possível promover mudanças na diversidade do habitat
que favoreçam a abundância dos inimigos naturais por prover hospedeiros/
presas alternativas em momentos de escassez da praga, fornecer alimentação
(pólen e néctar) para os parasitoides e predadores adultos, prover refúgios para
a invernação e nidificação de inimigos naturais e manter populações aceitáveis
da(s) praga(s) por períodos extensos de maneira a assegurar a sobrevivência
contínua dos insetos benéficos (ALTIERI, 1994).

No indicador seguinte, competição e supressão por plantas espontâneas,


é apresentada a questão da competição entre as plantas espontâneas e
as culturas implantadas por água e nutrientes, além da possibilidade de as

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 181


primeiras abrigarem pragas e doenças das plantas cultivadas. Aborda-se
também a possibilidade de a vegetação espontânea atuar como sinalizadores de
desequilíbrios nutricionais do solo, com a apresentação de tabelas já existentes
sobre o assunto (RICCI et al., 2002). Deve-se considerar que certas plantas
espontâneas são componentes importantes dos agroecossistemas, afetando a
dinâmica e a diversidade de insetos benéficos, que atuam no controle biológico
de insetos-praga, além de servirem como fontes alternativas de hospedeiros, de
pólen e néctar e fornecerem microhabitats, reforçando a atribuição de “plantas
companheiras”. Nesse momento, são apresentados métodos alternativos ao uso
de herbicidas, como a capina seletiva, plantas de cobertura, cobertura morta,
entre outros.

Avaliando a diversidade da vegetação, deve-se observar se predominam


mono ou policultivos, a presença de plantas de cobertura nas lavouras e mesmo
as espontâneas. Conceituam-se monocultivo e policultivo, alertando sobre a
característica simplificada da primeira modalidade, carente de diversidade e
de mecanismos ecológicos para conter o desenvolvimento de alguns insetos e
agentes patogênicos, que então se convertem em pragas em face das condições
ambientais que não permitem à multiplicação dos inimigos naturais (NICHOLLS
et al., 1999). São também apresentadas as possibilidades para policultivos,
como sendo associações de culturas, culturas intercaladas, plantios em faixas
ou outro tipo de produção agrícola em que existam mais de um cultivo por vez.
Enfatizam-se os benefícios no melhor aproveitamento da terra, particularmente
importante em áreas onde as propriedades são pequenas, no aproveitamento
dos nutrientes, na possibilidade de diversificação da produção, da oferta de
produtos e da alimentação, e na constituição de um método de controle biológico
de pragas e doenças, por proporcionar populações menores e mais estáveis
desses agentes, condicionados pela disponibilidade de recursos alimentares e
micro-habitats para os inimigos naturais (ALTIERI, 1994).

A presença de vegetação natural circundante deve ser ressaltada, além


do aspecto da diversificação da paisagem do agroecossistema, e da barreira
física natural contra ventos e contaminantes, pela formação de habitats e fontes

182 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


de refúgio e alimentação para os inimigos naturais, de tal forma a constituir uma
comunidade complexa com os cultivos que limite o desenvolvimento de pragas.

Por fim, o desenho agroecológico irá avaliar o estágio da transição


agroecológica ou mesmo a adoção de práticas agroecológicas no planejamento
de sistemas, tais como cultivos de cobertura, rotação de cultivos, cultivos de
contorno, criação de animais, cultivo de diferentes variedades, quebra-ventos,
cercas vivas, entre outras. Reforça-se, pois, a afirmativa de Nicholls et al. (1999)
que, no desenho de agroecossistemas estáveis, a biodiversidade é fundamental,
mediante o uso de sistemas vegetais diversificados que incluem rotações,
sequências de cultivos, policultivos, cultivos de cobertura, manejo de invasoras
e corredores de vegetação natural nos campos de cultivo.

Nesse ponto, os conceitos são fixados e enfatiza-se mais uma vez a


importância dessas práticas. Os cultivos de cobertura são exemplificados como
sendo o plantio de leguminosas, cereais ou qualquer outra mistura apropriada
no estrato inferior das plantações e pomares, com o objetivo de proteger o solo
contra erosão, melhorar o microclima, fortalecer a estrutura e fertilidade do solo e
eliminar pragas, incluindo ervas, insetos e patógenos (HAYNER, 1980, citado por
ALTIERI, 1998). As rotações são definidas como um sistema em que diferentes
cultivos crescem em uma mesma área, sucedendo-se uns aos outros, em uma
sequência definida, promovendo os efeitos benéficos da descontinuidade da
monocultura no tempo, no melhor aproveitamento dos nutrientes e interrupção do
ciclo de pragas e patógenos, quando se recomenda a inclusão de leguminosas
na rotação dos cultivos para enriquecer o solo com nitrogênio. Os cultivos de
contorno, os quebra-ventos e cercas vivas são apresentados como benéficos na
prevenção da erosão, como habitat para a vida silvestre e insetos benéficos, além
de fornecer madeira, matéria orgânica, recursos de polinização e modificação da
velocidade do vento e do microclima (ALTIERI, 1998), recomendando-se árvores
frutíferas, plantas aromáticas, entre outras para esse fim. A criação de animais
integrada à produção vegetal e à produção de estercos pelos mesmos é fonte de
nutrientes e matéria orgânica para a manutenção da fertilidade e estrutura dos

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 183


solos, além de constituírem alternativa alimentar e de produtos e subprodutos
a serem comercializados. Os benefícios da diversidade inter e intraespecífica
são reforçados como estratégias ao ataque de pragas e doenças, e à tolerância
diferenciada a estresses ambientais como seca, encharcamento, deficiências
de nutrientes. As vantagens dos ciclos diferenciados (materiais mais precoces
ou tardios), dos usos variados, da garantia de produção e da importância de
germoplasma nativo também devem ser enfatizadas.

Dependendo das condições locais, outros indicadores podem ser


propostos a fim de complementar a caracterização do agroecossistema, como o
seguinte, sugerido por Altieri e Nicholls (2002).

Diversidade genética (cultivo de diferentes variedades ou genótipos)


1 Pobre, domina 1 só variedade de determinada espécie
5 Média, 2 variedades
10 Alta, mais de 2 variedades
Sistema de manejo
1 Convencional, monocultivo, manejo com agroquímicos
5 Em transição para orgânico ou agroecológico, com substituição de insumos
10 Orgânico diversificado ou agroecológico, com pouco uso de insumos naturais externos

Por ocasião da determinação dos indicadores de qualidade do solo


(Tabela 2), introduz-se e reforça-se a condição primordial do solo como organismo
vivo e o foco no manejo ecológico do mesmo, nas formas de utilizá-lo, ao
mesmo tempo em que se promove o seu enriquecimento por meio de processos
biológicos e de reciclagem. São também apresentadas noções gerais sobre
formação e origem dos solos, intemperismo das rochas e a ação dos fatores
determinantes tais como o clima, os organismos, a vegetação, a topografia e o
tempo sobre a rocha-mãe.

A seguir, com a abertura de um pequeno perfil, aborda-se a questão da


profundidade dos solos, seu significado, a relação dessa característica com a
posição na paisagem e a importância para o desenvolvimento e sustentação
das raízes das plantas e absorção de água e nutrientes. Verifica-se a exposição

184 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


do subsolo, afloramento de rochas, presença de pedras, espessura da camada
do solo propriamente dito. Pode-se abordar também a noção de horizontes
e camadas. Tudo isso é feito em uma linguagem simples e acessível, com a
utilização de exemplos locais.

Para a avaliação da estrutura do solo, o conceito de agregados é


apresentado, de forma simples, como sendo agrupamentos de partículas do
solo cuja formação decorre principalmente da atividade dos micro-organismos
e das raízes, que secretam substâncias capazes de unir as partículas do solo. A
presença dos agregados é então observada e os mesmos são testados quanto à
sua estabilidade pela resistência ao esboroamento pela pressão dos dedos, de
acordo com o método proposto por Burket et al. (1998), citado por Nicholls et al.
(2004). As partículas do solo – areia, silte e argila – são conceituadas, bem como
a relação destas com a estruturação do solo e disponibilidade de água e ar para
as raízes. Enfatiza-se também a importância do manejo adequado do solo na
promoção da estabilidade dos agregados, na conservação de uma boa estrutura
e, por conseguinte, na disponibilidade de ar, água e nutrientes.

A compactação é medida pela penetração vertical de um arame com


marcas indicativas da profundidade (de 20 cm em 20 cm, por exemplo) no solo em
locais distintos da área, onde os avaliadores tomam nota em qual profundidade
ele se curva devido à resistência. Esse é um exemplo, segundo Nicholls et al.
(2004), de uso de instrumentos simples para refinar as observações. Nessa
oportunidade, trata-se da relação entre solo compactado e textura, agregação,
bem como do efeito do manejo do solo nessa característica, sobretudo o uso de
máquinas. Aborda-se também a relação entre solo compactado e aprofundamento
de raízes, e consequente efeito na fixação das plantas e disponibilidade de
água e nutrientes para as mesmas. Alternativas para a solução de problemas
de compactação também são apresentadas, destacando-se o uso de plantas
de cobertura e (ou) adubos verdes particularmente eficientes na função de
subsoladoras naturais.

Noções de decomposição de resíduos e reciclagem de nutrientes são


apresentadas por ocasião da avaliação do estado dos resíduos. Explica-se o

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 185


que é a decomposição, como se dá, quais os fatores que a determinam, como
o clima, os organismos, quais os agentes que atuam nas respectivas etapas
e os produtos finais. Pelo estado dos resíduos nas determinadas situações,
infere-se sobre quais desses fatores podem estar atuando e (ou) limitando.
Nesse ponto, ao tratar do efeito dos organismos na decomposição dos resíduos,
deve-se introduzir a ação da macrofauna nas etapas iniciais da decomposição
e da microfauna, incluindo os micro-organismos, nas etapas subsequentes e
reciclagem dos nutrientes. É um momento importante para introduzir o efeito e
importância dos organismos na fertilidade dos solos.

A avaliação seguinte é sobre a cor, odor e matéria orgânica do solo. Nesse


ponto, explicam-se sobre os fatores condicionantes dessas características, os
fatores responsáveis pela cor do solo, o conceito de húmus, as fontes de matéria
orgânica e a função desta na estrutura do solo, retenção de água e fonte de
nutrientes. Novamente, são abordadas estratégias e práticas de manejo que
promovam o aporte de matéria orgânica nos solos, tais como coberturas vivas
e mortas, restos culturais, adubação verde, adubação orgânica com estercos e
compostos.

Avaliando-se a capacidade de retenção de água, relaciona-se esse


atributo com a presença de matéria orgânica, a textura, a estrutura e a cobertura
do solo, além de inferir sobre o manejo da irrigação quando isso for possível.

O indicador seguinte, cobertura de solo, permite abordar a cobertura


vegetal como meio eficaz de conservação de solo e água e o problema do solo
descoberto em relação à retenção de umidade, riscos de erosão, disponibilidade
de água para as culturas, elevação da temperatura do solo e seu efeito sobre
os micro-organismos, entre outros fatores relacionados. Os conceitos dos tipos
de cobertura, morta (“mulch”) e viva (cultivos de cobertura), são trabalhados,
enfatizando-se a importância dos restos culturais e das plantas de cobertura e
espontâneas. Ressalta-se o efeito de ambas as coberturas na proteção contra a
erosão, o efeito da cobertura morta na redução da evaporação da água do solo e a
consequente manutenção da umidade do solo por mais tempo, seu possível efeito
como supressora de doenças e atenuante dos efeitos das baixas temperaturas

186 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


nas áreas com riscos de geadas. Quanto aos cultivos de cobertura, onde se
empregam preferencialmente espécies vegetais com parte aérea abundante,
reforçam-se as simbioses com micro-organismos benéficos, sobretudo a função
na fixação biológica de nitrogênio realizada pelas leguminosas utilizadas como
adubos verdes.

A erosão é determinada pela verificação da presença de veios ou valos


típicos do escorrimento de água e carreamento de solo. Destaca-se que o processo
erosivo resulta na degradação física, química e biológica dos solos, das quais a
física ocorre pelo arraste das partículas do solo, pela destruição da estruturação
e pela compactação, quando se elimina a cobertura vegetal ou se realiza um
preparo excessivo. À degradação física, seguem-se a química e a biológica, pela
perda de nutrientes, de matéria orgânica e de organismos benéficos. As práticas
que favorecem e potencializam os processos erosivos, como desmatamento,
solo descoberto e o não emprego de métodos conservacionistas tais como
terraços e curvas de nível, entre outros, são abordadas nesse momento.

A atividade biológica, medida por meio da avaliação da presença de


invertebrados e atividade microbiológica, permite inter-relacionar várias das
características já avaliadas. Nesse ponto, é interessante recordar que o solo é um
meio onde vivem milhões de pequenos organismos que transformam as rochas
e decompõem os restos vegetais. Para avaliar a atividade biológica, buracos
são cavados na área em estudo na qual se observa a existência de organismos
visíveis a olho nu, ou seja, pequenos insetos, larvas, minhocas, determinando a
presença de invertebrados, ao passo que a atividade microbiológica é medida
pela prática da água oxigenada, que irá estimar o teor de matéria orgânica
e a atividade de organismos invisíveis a olho nu, como as bactérias, fungos,
actinomicetos e outros. Nessa etapa, uma pequena quantidade de água
oxigenada é aplicada em uma amostra de solo para observar a efervescência e,
quando houver pouca ou nenhuma efervescência, é sinal de que o solo é pobre
em atividade microbiológica e possui pouca matéria orgânica, ao passo que,
se houver efervescência significativa, é indicativo de o solo ser rico em matéria
orgânica e atividade microbiana (USDA-NRCS, 1998).

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 187


Os efeitos e as funções desses organismos na decomposição dos
resíduos e da matéria orgânica, na aeração do solo, na agregação das partículas
(retornando assim aos indicadores estrutura) e na decomposição de resíduos são
então relacionados, além de explicarem sobre outras funções mais complexas
e específicas como a fixação biológica do nitrogênio pelos rizóbios, as funções
dos fungos micorrízicos, entre outras. É importante também, nesse momento,
reportar às técnicas que garantem a manutenção dessa vida do solo ou a
promovem, tais como a incorporação de matéria orgânica, a rotação de cultivos,
a cobertura de solo, entre outras.

Como para os indicadores de sanidade de cultivos, outros indicadores


de solo, além dos descritos na Tabela 2, podem ser propostos. Altieri e Nicholls
(2002) introduziram o desenvolvimento de raízes em um trabalho conduzido em
cafezais. Com relação a esse indicador e suas características, deve-se mostrar
a relação existente entre o desenvolvimento das raízes e a estrutura do solo,
compactação, retenção de água; a relação entre as raízes finas e a capacidade
de associação com fungos micorrízicos, etc.

Desenvolvimento de raízes
1 Raízes pouco desenvolvidas, enfermas, curtas
5 Raízes de crescimento limitado, observam-se algumas raízes finas
10 Raízes com bom crescimento, saudáveis e profundas, presença abundante de raízes finas

Com essa prática e o retorno constante aos conceitos já abordados


quando se faz a relação entre os indicadores e as suas respectivas características,
as noções e definições vão sendo mais bem apreendidas e fixadas, bem como
os conceitos relativos às práticas agroecológicas de manejo do ambiente e a
inter-relação entre eles.

Após a atribuição das notas, são construídas tabelas com os indicadores


e os valores atribuídos a cada um deles. Os valores dos indicadores são então
somados e divididos pelo número de indicadores analisados, obtendo-se assim
um valor médio para a qualidade de solo e um valor médio para sanidade dos

188 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


cultivos (ALTIERI; NICHOLLS, 2002; NICHOLLS et al., 2004). Se o valor médio
for inferior a 5 para a qualidade de solo e (ou) sanidade dos cultivos, considera-
se que estão abaixo do valor limite para a sustentabilidade e algumas medidas
devem ser tomadas para melhorar o desempenho dos indicadores que estão com
valores baixos. Quando são comparadas diferentes propriedades ou lavouras,
essa média geral dos indicadores de solo e de cultivo serve para verificar quais
as que se destacam, tanto pelo melhor desempenho quanto pelo desempenho
inferior.

Outra forma de representar os resultados é a plotagem de gráficos


em forma de radar ou “ameba”, mais fáceis de visualizar os indicadores
individualmente, ao mesmo tempo em que também permite a observação
do padrão geral dos mesmos (ALTIERI; NICHOLLS, 2002; NICHOLLS et al.,
2004). Os valores médios obtidos para cada indicador são plotados, ligam-se
os pontos e constrói-se a “ameba”. Quanto mais próxima a ameba estiver da
borda do círculo (próximo à nota 10), mais sustentável o sistema se encontra. A
ameba mostra também quais indicadores estão fracos (abaixo de 5), permitindo
que o agricultor priorize intervenções agroecológicas necessárias para corrigir
deficiências no solo, nas culturas ou no sistema, permitindo atuar em pontos
específicos do sistema que acabam interferindo de maneira positiva em outros
parâmetros (NICHOLLS et al., 2004). Por exemplo, o aporte de resíduos
orgânicos ao solo aumentará a quantidade de matéria orgânica do solo, além de
aumentar a capacidade de retenção de água do mesmo, promover uma maior
atividade biológica e, consequentemente, a estrutura física do solo (NICHOLLS
et al., 2004).

A Aplicação da Metodologia no
Assentamento Cunha: estudo de caso
A atividade foi realizada no Assentamento Cunha, em Cidade Ocidental,
GO, em três períodos consecutivos a partir de dezembro de 2004, sendo
repetida, aproximadamente, após 2 e 4 anos, em 2007 e 2009. Na primeira

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 189


etapa, objetivou-se a caracterização do tempo zero (T0) das diferentes
variáveis e, nas determinações subsequentes, buscou-se observar a evolução
do comportamento das características avaliadas e as alterações ocorridas na
utilização do espaço da área coletiva, a partir da apreensão e incorporação de
conceitos e práticas agroecológicas. As determinações foram feitas na área
coletiva do Grupo Carajás.

Os resultados, ao fim de cada avaliação, foram retornados aos


agricultores para que as possíveis intervenções fossem discutidas, planejadas e
implementadas de forma participativa.

As avaliações foram complementadas por análises completas de fertilidade


das áreas, com a determinação dos parâmetros pH em água, acidez potencial,
Al, Ca, Mg, P, K, CTC, saturação de bases, matéria orgânica e micronutrientes
(Fe, Cu, Mn e Zn) e por análises físicas ou granulométricas (EMBRAPA, 1997).
Realizaram-se, nas diferentes épocas de análise, determinações microbiológicas
importantes para as espécies cultivadas. No primeiro ano, realizaram-se o
isolamento e a contagem de bactérias diazotróficas (DÖBEREINER et al., 1995)
e a atividade da enzima β-glucosidade (TABATABAI, 1994), esta repetida na
avaliação seguinte também. A atividade dessa enzima é tida como um indicador
sensível da atividade microbiana e que detecta rapidamente mudanças
estabelecidas no solo em função do manejo. Para a determinação, utilizou-se
como substrato o p-nitrofenil-β-D-glucopiranosídeo (PNG) a 0,05 M. Na terceira
e última avaliação, procedeu-se à determinação do número de esporos de
fungos micorrízicos arbusculares (FMAs), extraídos por peneiramento úmido
(GERDEMANN; NICOLSON, 1963).

A primeira atividade, realizada em dezembro de 2004, contou com a


participação da maioria dos componentes do grupo coletivo, incluindo mulheres,
jovens e crianças, além de outros produtores individuais. Algumas atividades do
projeto já tinham se iniciado nessa ocasião, como os ensaios de competição de
variedades de milho e de mandioca, campos de produção de sementes de adubos
verdes, entre outras. Um esquema da utilização da área coletiva é apresentado
na Figura 1, em desenho elaborado por um dos agricultores do grupo.

190 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


Figura 1. Área coletiva do Grupo Carajás, dezembro de 2004.
Ilustração: Marcelo Barfknecht

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 191


Existiam, à época, apenas duas glebas destinadas a lavouras para o
consumo das famílias: uma de milho e outra de arroz, ambas em fase inicial de
desenvolvimento, localizadas abaixo da área destinada ao ensaio de milho e ao
lado do plantio de mucuna cinza (Figura 1). A comunidade escolheu essas áreas
como sendo as que seriam as avaliadas naquele momento, caracterizando a
fase inicial das atividades e o “tempo zero” de monitoramento dos atributos de
solo e de sanidade dos cultivos.

Esses plantios consistiam de lavouras instaladas de acordo com as


práticas dos agricultores, sem qualquer recomendação técnica relativa à
semeadura, espaçamento, estande, onde não se fez qualquer adubação ou
correção de solo. Decidiu-se pela aplicação dos indicadores de solo apenas,
porque as plantas estavam muito pequenas, tratando-se de lavouras recém-
implantadas (Figura 2).

Fotos: Ornélio Guedes

Figura 2. Aspecto das áreas recém-plantadas com arroz e milho durante a realização da
atividade prática e coleta de amostras de solo. Dezembro de 2004.

A prática no campo foi precedida de palestra sobre a metodologia e os


objetivos do trabalho (Figura 3). As tabelas foram apresentadas e os atributos
de manejo dos cultivos e de solo foram definidos, avaliando-se a pertinência
de cada um deles. Amostras de solo para análises químicas, físicas e para a
determinação de alguns atributos biológicos foram coletadas, sempre com a
participação dos agricultores, que foram treinados nesses procedimentos.

192 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


Fotos: Cynthia Torres T. Machado
Figura 3. Palestra sobre a metodologia e apresentação das tabelas de indicadores.
Dezembro de 2004 .

As características e os conceitos de cada indicador foram reforçados


durante a atividade de campo, e a simplicidade das determinações foi fundamental
para estimular o interesse, curiosidade e a participação dos agricultores (Figura 4).

Fotos: Ornélio Guedes


Figura 4. Determinação da atividade microbiológica do solo utilizando água oxigenada.
Dezembro de 2004 .

Após a atribuição das notas, as tabelas foram preenchidas e as médias


foram calculadas. Com estas, construiu-se, junto com os agricultores, o gráfico
em forma de radar ou ameba, utilizando lápis de cor. Posteriormente, o gráfico
foi plotado utilizando programa específico em computador (Figura 5). Essa
ilustração, a princípio complexa, permite evidenciar as características mais
deficientes pela proximidade com o valor zero e as mais satisfatórias, pela
proximidade com o valor dez, além de possibilitar a comparação entre lavouras,
pelo desenho feito em cores diferentes, como apresentado a seguir.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 193


Estrutura
10

Estrutura 8 Compactação

4
Presença 2 Profundidade
de invertebrados
0

Erosão Estado de resíduos

Retenção de água Matéria orgânica

Arroz Milho

Figura 5. Representação gráfica do estado da qualidade de solo das áreas de cultivo de


arroz e milho no Assentamento Cunha. Dezembro de 2004.

Os pontos, representando as médias de cada atributo avaliado, sendo


ligados entre si, demonstram facilmente a interdependência entre cada um
deles, mostrando que a melhoria em determinada característica irá refletir em
melhor desempenho de outra.

Nessa primeira avaliação feita na área coletiva do Assentamento Cunha,


percebeu-se que a área destinada à lavoura de milho encontrava-se em melhores
condições que a área do arroz para todos os atributos. As áreas eram contíguas,
mas a lavoura de milho estava na porção inferior do terreno, que possui ligeira
declividade, inferior a 5%. Não se observaram indícios de erosão em nenhuma
das duas áreas, mas a lavoura de arroz apresentou solo menos profundo, mais
compactado, menos estruturado, com menor teor de umidade, com coloração
mais clara, indicando menos matéria orgânica e com menor atividade biológica.
A área do milho, por sua vez, destacou-se pela maior profundidade e menor
compactação (Figura 5).

194 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


A área cultivada com milho apresentou maior atividade da enzima
β-glucosidase quando comparada à do arroz (Figura 6), bem como uma
população maior de bactérias do gênero Azospirillum (Figura 7).

85

84
ugp-nitrofenol/g solo

83

82

81

80

79
Arroz Milho

Figura 6. Atividade da enzima β-glucosidase nas áreas de cultivo de arroz e milho.


Dezembro de 2004.

10.000
9.000

8.000
células/ g solo

7.000

6.000

5.000

4.000

3.000

2.000

1.000

0
Arroz Milho

Figura 7. Bactérias diazotróficas (Azospirillum spp.) nas áreas de cultivo de arroz e


milho. Dezembro de 2004.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 195


Os micro-organismos representam de 60% a 80% da fração viva e mais
ativa da matéria orgânica do solo, os outros componentes são as raízes das
plantas e a fauna do solo (THENG et al., 1989, citados por MENDES; REIS
JÚNIOR, 2004). Essa população microbiana é responsável por processos que
vão desde a intemperização das rochas para a formação dos solos à manutenção
da estrutura destes, pela decomposição dos resíduos orgânicos, e pela síntese,
disponibilização, absorção e ciclagem de nutrientes, entre outras importantes
funções.

Entre os parâmetros usados para caracterizar o componente biológico


dos solos está a atividade microbiana, que pode ser estimada por atividade de
enzimas oriundas dos organismos vivos (plantas, micro-organismos e animais)
ou daquelas associadas à fração não viva do solo adsorvidas nas partículas
de argila e matéria orgânica, entre outros processos (MENDES; REIS JÚNIOR,
2004). As enzimas do solo participam de reações que resultam na decomposição
de resíduos orgânicos, ciclagem de nutrientes, formação da matéria orgânica e
da estrutura do solo (MENDES; VIVALDI, 2001). A β-glucosidade é uma dessas
enzimas e está envolvida no ciclo do carbono (C), atuando na decomposição
da celulose, hidrolisando os resíduos de celobiose e sua maior atividade está
relacionada à quantidade e qualidade dos resíduos vegetais que são retornados
ao solo (MENDES; REIS JÚNIOR, 2004).

As bactérias do gênero Azospirillum são encontradas em associações com


cereais e gramíneas, entre os quais milho e arroz, sendo diazotróficas (promovem
a assimilação e utilização do nitrogênio) e promotoras de crescimento. A interação
positiva entre essas bactérias e o milho é amplamente descrita, inclusive com
relatos de aumento de produção de matéria seca e acumulação de nitrogênio em
plantas inoculadas com essas bactérias (REIS JÚNIOR et. al., 2008).

Na atividade de campo, os agricultores observaram e indicaram,


pelas notas atribuídas, melhores condições de qualidade de solo para a área
cultivada com o milho, em todos os atributos avaliados. É interessante observar
a correspondência entre os resultados das análises laboratoriais (atividade da

196 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


β-glucosidase, contagem de Azospirillum e análises de fertilidade, sobretudo a
de matéria orgânica) com a estimativa de atividade microbiológica feita a campo,
bem como a relação entre estas e os atributos de disponibilidade e qualidade
de resíduos e a matéria orgânica (Figura 5), confirmando a importância e a
validade das percepções dos agricultores. Isso ilustrou com muita clareza
a interdependência dos processos de decomposição e síntese de matéria
orgânica e atividade microbiológica, possibilitando a compreensão, por parte dos
agricultores, dessas relações e de o quanto a melhoria de um atributo irá resultar
em progressos de outros.

Os teores de matéria orgânica, determinados pela análise química dos


solos, são apresentados na Tabela 3, sendo considerado adequado para a área
do milho e médio para a área do arroz.

A área do assentamento havia sido anteriormente destinada ao plantio


de soja convencional. As condições de fertilidade das áreas amostradas,
portanto, são condizentes com o efeito residual das adubações realizadas,
sendo a deficiência de fósforo (P) a principal limitação observada àquela época
(Tabela 3). A recomendação, portanto, foi o uso de termofosfato, uma fonte de
P de solubilidade lenta, contendo também cálcio (Ca) e magnésio (Mg), além do
aporte de matéria orgânica.

Tabela 3. Resultados de análises químicas e granulométricas das áreas de milho e arroz.


Dezembro de 2004.

Identificação das áreas Milho Arroz


pH água 6,0 Adequado 5,9 Adequado
pH CaCl2 5,1 Adequado 5,0 Adequado
Mat. org. (dag/kg) 3,7 Adequada 2,9 Média
P (mg/dm3) 3,5 Baixo 1,4 Muito baixo
K (mg/dm3) 330 Alto 263 Alto
S (mg/dm3) 3,4 Baixo 2,3 Baixo
Ca (cmolc/dm3) 4,5 Adequado 2,3 Adequado
Mg (cmolc/dm3) 1,5 Adequado 1,2 Adequado
Continua...

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 197


Tabela 3. Continuação.

Identificação das áreas Milho Arroz


Ca/Mg 3,0 Adequada 1,9 Estreita
Al (cmolc/dm3)* 0,0 - 0,0 -
H+Al (cmolc/dm3)* 4,6 Média 4,0 Média
CTCt (cmolc/dm3) 11,4 Adequada 8,2 Média
V (%) 60 Adequada 51 Adequada
m (%) 0 - 0 -
B (mg/dm3) 0,3 Médio 0,5 Médio
Zn (mg/dm3) 2,1 Alto 1,1 Médio
Fe (mg/dm3)* 39 Bom 62 Alto
Mn (mg/dm3) 113,2 Alto 31,5 Alto
Cu (mg/dm3) 1,0 Alto 1,3 Alto
Areia (%) 15 10
Silte (%) 42 Textura argilosa 36 Textura argilosa
Argila (%) 43 54

Um dos objetivos da atividade também foi desenvolver, nos agricultores, o


senso de observação, capacidade de anotação de dados, enfocando a importância
do monitoramento das características principais para a garantia do funcionamento
dos sistemas de produção, mesmo que por métodos simples e práticos. Assim,
ao retornar essas informações à comunidade, com a apresentação e discussão
desses gráficos e resultados, foi evidenciada a situação atual dos atributos de
qualidade de solo, as interações biológicas responsáveis pelos respectivos
desempenhos, a importância deles e as práticas que devem ser efetuadas
para a melhoria dos mesmos. As áreas foram comparadas, mostrando-se as
características superiores e inferiores em ambas, indicando-se as possíveis
razões e apontando-se alternativas de melhoria, dando início ao planejamento
das atividades da área coletiva baseado na melhoria dos processos produtivos
e das condições ambientais.

Percebeu-se que não haveria necessidade de intervenções significativas


para a construção da fertilidade, mas estratégias para a sua manutenção e
correção dos possíveis desbalanços, notadamente aporte de matéria orgânica e

198 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


fósforo, bem como alternativas de proteção e conservação, de modo a prevenir
erosão, garantir a retenção de água e a cobertura do solo.

As iniciativas em curso na área coletiva nessa época eram alguns


ensaios, decorrentes das atividades do projeto já implementadas, e o plantio de
uma horta e das bananeiras para o consumo dos agricultores. As necessidades
alimentares e nutricionais não eram satisfeitas, bem como não havia geração
de renda a partir das atividades agrícolas. A necessidade de diversificação
dos sistemas de produção e dos cultivos era premente, mas dentro de bases
agroecológicas que promovessem a produção ao mesmo tempo preservassem
ou melhorassem as condições ambientais.

Assim, durante a discussão dos resultados e planejamento das


atividades produtivas, propôs-se a utilização de espécies de adubos verdes
como alternativa de diversificação, melhoria de solo, além da utilização de
algumas delas, como, por exemplo, o guandu, como alimento. A estratégia e
os resultados desse trabalho com adubos verdes são apresentados em outro
capítulo desta publicação, sendo a iniciativa de deslocar, anualmente, o local de
plantio dos campos de produção de sementes dessas espécies, promovendo
uma rotação das áreas no tempo uma característica bastante interessante para
a questão da qualidade dos solos. Com isso, apesar das particularidades que
envolvem a produção de sementes (as plantas completam seu ciclo, não sendo
cortadas e incorporadas no florescimento como seria o mais recomendado
para fins de construção de fertilidade), os benefícios como cobertura de solo,
nutrientes reciclados, controle de plantas espontâneas, entre outros, foram
sendo incorporados às áreas destinadas à multiplicação dos adubos verdes.

Assim, paulatinamente, o grupo coletivo do Assentamento Cunha evoluiu


na diversificação de plantios e atividades, onde a recuperação e manutenção
das condições químicas, físicas e biológicas dos solos pelo uso dos adubos
verdes tiveram um papel fundamental. Essas espécies foram definitivamente
incorporadas aos sistemas de produção e às atividades cotidianas do grupo
coletivo.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 199


A segunda etapa da avaliação foi realizada no Assentamento Cunha
em abril de 2007 avaliando três diferentes subsistemas na área coletiva: uma
lavoura de arroz de sequeiro, um plantio em faixas de milho, feijão e mandioca
e um sistema Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (PAIS), onde,
à época, eram criadas galinhas e cultivadas hortaliças como beterraba, alface,
couve, tomate, quiabo, rúcula, incluindo os condimentos hortelã, pimentas, salsa
e cebolinha. Imagens e esquema e da área são apresentados nas Figuras 8 e 9.

Fotos: Cynthia Torres T. Machado

Figura 8. Aspectos das faixas de milho, mandioca e feijão, do plantio de arroz e do


sistema PAIS. Abril de 2007.

200 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


PAIS

Galpão

Galinhas

Rúcula, hortelã, pimenta,


beterraba, alface, cheiro verde, temperos
couve

Tomate, quiabo

Girassol, abóboras

Feijão de porco

Mandioca, intercalada com banana


e outras fruteiras

Milho

Mandioca

Horta

Feijão

Arroz

Figura 9. Representação das glebas destinadas à produção do grupo coletivo em abril


de 2007.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 201


O sistema PAIS é uma das chamadas “tecnologias sociais” que estão
sendo aplicadas no país, e, no Assentamento Cunha, contou com o apoio de um
projeto do Banco do Brasil. Os plantios são montados em torno de um sistema
de anéis, cada um destinado a uma determinada cultura, que complementa a
que vem a seguir. A parte central é utilizada para a criação de pequenos animais,
como galinhas caipiras e patos, e o esterco produzido pelas aves é utilizado para
adubar a horta (http://www.rts.org.br/tecnologias-priorizadas/pais-producao-
agroecologica, consulta em 29/03/2010).

A atividade foi realizada com a participação de agricultores dos


assentamentos Cunha e Gabriela (Brazlândia, DF) e dos agricultores e (ou) filhos
de agricultores do Movimento dos Pequenos Agricultores – Goiás (MPA-GO),
estudantes do curso de Tecnologia em Agroecologia da Escola Latino Americana
de Agroecologia (ELAA) em Lapa (PR). Inicialmente, procedeu-se à palestra
para capacitação na metodologia, as listas foram apresentadas e discutidas e as
áreas escolhidas. Em seguida, procedeu-se às determinações no campo (Figura
10), cujas notas foram atribuídas a cada indicador e a partir das quais os gráficos
foram desenhados.

As áreas escolhidas para essa segunda avaliação eram contíguas, mas


sujeitas ao desnível natural do terreno, estando o PAIS na porção superior e o
arroz na parte inferior do mesmo (Figura 9).

A área do sistema PAIS apresentou desempenho superior tanto para as


características de qualidade de solo, como para as relacionadas à sanidade dos
cultivos (Figuras 10 e 11).

Verificaram-se, nas três áreas, poucos sinais de erosão, uma boa


estruturação do solo, bem como profundidade adequada, sem pedregosidade
ou veios de rochas. As diferenças nos atributos de solo entre os três sistemas
foram mais evidentes para as estimativas de cor, odor e matéria orgânica,
presença de invertebrados e atividade microbiológica. A área cultivada com arroz
se apresentou mais compactada, com menor deposição de resíduos e menor
capacidade de retenção de água que as demais (Figura 10).

202 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


Fotos: Cynthia Torres T. Machado
Figura 10.. Determinação dos atributos de qualidade de solo e sanidade dos cultivos.
Abril de 2007.

Figura 11. Representação gráfica do estado de qualidade do solo das glebas destinadas
ao cultivo de arroz, às faixas de feijão, milho e mandioca e da área do sistema PAIS.
Abril de 2007.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 203


A atividade da enzima β-glucosidase (Figura 12) foi mais alta na área
do sistema PAIS, diferenciando-se, sobretudo, da área do arroz. O resultado da
análise química dos solos das áreas (Tabela 4) mostra que o teor de matéria
orgânica é considerado alto em todas as áreas, porém superior na área do PAIS.
Esse sistema possui características próprias que o diferencia das demais áreas,
tais como a composição diversificada, com diferentes hortaliças adubadas com
compostos e estercos produzidos no próprio local, com a cobertura do solo dos
“anéis” feita por palhadas e restos vegetais que resultam numa maior cobertura
do solo, retenção de umidade, aporte de matéria orgânica e consequente
promoção da atividade biológica (macro e microfauna, micro-organismos)
e disponibilidade de nutrientes, sobretudo o P e os micronutrientes quando
comparados, principalmente com a área de arroz. Novamente, observam-se
certa coerência e relação entre as observações dos agricultores e os resultados
das análises laboratoriais.

140,0

120,0
ug p-nitrofenol/g solo/h

100,0

80,0

60,0

40,0

20,0

0,0

Figura 12. Atividade da enzima β-glucosidase nas áreas de cultivo de arroz, nas faixas
de feijão, milho e mandioca e da área do sistema PAIS. Abril de 2007.

204 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


Tabela 4. Resultados de análises químicas e granulométricas das áreas de cultivo de
arroz, nas faixas de feijão, milho e mandioca e da área do sistema PAIS. Abril de 2007.

Feijão, milho e man-


Identificação das áreas Arroz PAIS
dioca
pH água 5,9 Adequado 6,0 Adequado 6,3 Adequado
pH CaCl2 5,2 Adequado 5,3 Adequado 5,6 Alto
Mat. org. (dag/kg) 3,6 Alta 3,9 Alta 4,3 Alta
P (mg/dm3) 1,5 Muito baixo 2,4 Muito baixo 6,5 Alto
K (mg/dm3) 232 Alto 265 Alto 435 Alto
S (mg/dm3) 2,6 Baixo 11,4 Alto 3,5 Baixo
Ca (cmolc/dm3) 4,8 Adequado 4,0 Adequado 4,0 Adequado
Mg (cmolc/dm3) 1,5 Adequado 1,6 Adequado 2,0 Adequado
Ca/Mg 3,2 Adequada 2,6 Adequada 2,0 Adequada
Al (cmolc/dm3)* 0,0 - 0,1 Muito baixo 0,0 -
H+Al (cmolc/dm3)* 3,6 Média 3,1 Média 2,8 Média
CTCt (cmolc/dm3) 10,5 Muito bom 9,3 Muito bom 9,9 Muito bom
V (%) 66 Alta 66 Média 72 Muito alto
m (%) 0 - 1 Baixa 0 -
B (mg/dm3) 0,3 Médio 0,4 Médio 0,4 Médio
Zn (mg/dm ) 3
1,3 Médio 2,1 Alto 3,6 Alto
Fe (mg/dm3)* 49 Alto 63,5 Alto 76 Alto
Mn (mg/dm3) 93,8 Alto 77,2 Alto 65,8 Alto
Cu (mg/dm3) 0,8 Médio 1,2 Alto 1,4 Alto
Areia (%) 15 15 12
Silte (%) 39 Textura 31 Textura
Textura argilosa 24
argilosa argilosa
Argila (%) 46 55 64

Para os atributos de sanidade e manejo dos cultivos, o sistema PAIS


se destacou principalmente pela aparência e crescimento das plantas e pela
diversidade da vegetação (Figura 13). A avaliação indicou que as plantas de
milho, feijão e mandioca cultivadas em faixas e o arroz apresentaram pior
aparência e crescimento menos vigoroso que as espécies cultivadas no sistema
PAIS. Na área do milho, feijão e mandioca, observou-se também maior incidência
de doenças e pragas, estabelecendo-se facilmente a relação de causa e efeito:
plantas doentes e atacadas por insetos têm seu crescimento prejudicado e
possuem aparência pior.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 205


Figura 13. Representação gráfica do estado de sanidade dos cultivos das glebas
destinadas ao cultivo de arroz, às faixas de feijão, milho e mandioca e da área do
sistema PAIS. Abril de 2007.

Relacionando às características de qualidade dos solos das áreas,


tem-se que, nas áreas do milho/feijão/mandioca e do arroz, há uma severa
deficiência de P (Tabela 4) e os agricultores perceberam mais matéria orgânica,
resíduos e atividade biológica na área do sistema PAIS. A deficiência de P
prejudica o desenvolvimento das culturas, além de causar desequilíbrios
nutricionais que podem tornar as plantas mais suscetíveis às pragas e doenças.
A matéria orgânica, por sua vez, também é fonte de nutrientes.

Não se observou competição severa por plantas espontâneas em


nenhuma das três áreas, provavelmente pelo controle das mesmas pela
capina, já que a cobertura do solo nas áreas não era abundante, como pode
ser observado na Figura 11. A ocorrência de inimigos naturais foi mediana em
todas as áreas, possivelmente influenciada pelo horário avançado da avaliação,
mesmo que realizada no período da manhã, em decorrência da temperatura

206 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


mais elevada. O período ideal para a realização dessa prática concentra-se nas
primeiras horas da manhã.

Quanto à vegetação natural circundante, as três áreas avaliadas


encontram-se relativamente distantes das áreas destinadas à preservação,
avizinhando-se de outras culturas. Mas a área coletiva é circundada por vegetação
natural. A diversidade da vegetação, que se refere mais à predominância de
policultivos e plantas de cobertura (espontâneas ou não) em detrimento a
monocultivos e áreas descobertas, é, na área do PAIS, inerente à composição
do próprio sistema, diversificado e integrado por natureza. Isso conferiu a essa
área um desenho e um sistema de manejo mais próximo ao que se pretende em
áreas cultivadas dentro de um enfoque agroecológico.

As observações realizadas nessa segunda avaliação reforçaram a inter-


relação entre os aspectos de qualidade de solo e dos cultivos e permitiram a
associação, pelos agricultores, entre esses dois grupos de atributos, como no
caso de aparência das lavouras e incidência de pragas e doenças e destas
com aspectos de fertilidade dos solos (P, matéria orgânica). A inclusão de um
sistema como o PAIS na avaliação e comparação com os demais foi bastante
didática e enriquecedora. Assim, os agricultores evoluíram um pouco mais na
capacidade de identificar processos e interações responsáveis por determinados
comportamentos das lavouras e sistemas de produção, reforçando a função
primordial da promoção da agrobiodiversidade na sustentabilidade dos
agroecossistemas.

A terceira e última etapa ocorreu em junho de 2009, com a participação


de agricultores do grupo coletivo que já haviam acompanhado as demais
avaliações. A atividade transcorreu mais facilmente pelo domínio da metodologia
e dos conceitos, tendo sido bastante proveitosa e dinâmica. Nessa ocasião,
o diálogo transcorreu mais facilmente entre os agricultores participantes, que
já distinguiam os processos e suas interações, e a participação dos técnicos
e monitores foi mínima. O progresso nas atividades do grupo coletivo, em
decorrência das próprias atividades do projeto, da aprovação de outras propostas

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 207


e financiamentos e, sobretudo, da consolidação da estratégia agroecológica
baseada na diversificação, como caminho a ser adotado nas atividades produtivas
da comunidade, refletiu-se até mesmo no esquema da área coletiva, apresentado
na Figura 14. As construções (alojamento, galpão, plenária, refeitório) mostram
a evolução na infraestrutura conseguida com recursos do presente projeto e de
outros (conclusão da agroindústria).

A indicação dos vários campos e espécies cultivadas, de atividades


como criação de abelhas, de cursos d’água como o córrego Cunha, de várias
árvores compondo cordões de vegetação e delimitação de glebas e, sobretudo,
o colorido da ilustração (Figura 14), contrastam com o primeiro esquema feito
da área (Figura 1) e demonstram a valorização de determinados componentes
ambientais.

A diversificação de atividades e plantios conduziu o grupo coletivo


à inserção no mercado de produtos orgânicos do Distrito Federal, com a
participação nas feiras semanais, após ter se associado à Associação de
Agricultura Ecológica (AGE). Além disso, houve um incremento significativo na
dieta do grupo, quantitativa e qualitativamente.

Dessa vez, a comunidade escolheu uma área plantada com abóbora,


uma lavoura de mandioca e a horta, instalada em gleba de tamanho significativo,
já refletindo o destino comercial das hortaliças e da inclusão sistemática de
legumes e verduras na alimentação dos agricultores e suas famílias (Figura 15).

A área cultivada com abóbora e a horta apresentaram desempenho


superior ao da área da mandioca para a maioria dos atributos de qualidade de
solo. Na área cultivada com mandioca, assim como na horta, o solo estava menos
coberto que a área de plantio de abóbora, quer por plantas espontâneas ou
cobertura morta (Figuras 16 e 17). No cultivo de mandioca, também se observou
menor quantidade de resíduos em decomposição, menos indicativos de matéria
orgânica (cor, odor), menor retenção de água e menor atividade biológica pela
presença de invertebrados e atividade de microrganismos. Nas três áreas, não
se observaram sinais de erosão, a profundidade era adequada, e havia pouca
compactação.

208 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


Figura 14. Área coletiva do Grupo Carajás em junho de 2009.
Ilustração: Marcelo Barfknecht.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 209


Fotos: Ornélio Guedes
Figura 15. Aspectos das áreas de
abóbora, mandioca e da horta. Junho de
2009.

Fotos: Ornélio Guedes

Figura 16. Determinação dos atributos de qualidade de solo e sanidade dos


cultivos. Junho de 2009.

210 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


Figura 17. Representação gráfica do estado de qualidade do solo das glebas
destinadas aos plantios de abóbora, mandioca e à horta. Junho de 2009.

Nesta terceira etapa, avaliou-se a ocorrência de fungos micorrízicos


arbusculares (FMAs) como determinação microbiológica, apresentando aos
agricultores mais um importante componente da microbiota dos solos, sobretudo
em sistemas agroecológicos, sem o uso de fertilizantes de elevada solubilidade
ou na agricultura de baixo uso de insumos externos. Foram quantificados os
esporos de FMAs, obtidos de amostras de solo coletadas na rizosfera das raízes
das plantas (Figura 18), estimando a ocorrência dos principais gêneros em cada
área (Figura 19).

25
Número de esporos / 50 g solo

20

Figura 18. Esporos


15
de fungos micorrízicos
arbusculares (FMAs)
10
nas áreas de plantio
de abóbora, mandioca
5
e na horta. Junho de
2009. 0
Abóbora Mandioca Horta

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 211


Abóbora Mandioca Horta
12

Número de esporos / 50 g solo


10

0
Acaulospora
Glomus

Gigaspora

Paraglomus
Entrophospora

Outros
Scutellspora

Figura 19. Ocorrência de diferentes gêneros de fungos micorrízicos arbusculares


(FMAs) nas áreas de plantio de abóbora, mandioca e na horta. Junho de 2009.

Os FMAs são particularmente importantes em ambientes com menor


disponibilidade de nutrientes prontamente disponíveis para as plantas. As hifas
desses fungos, sendo mais finas e extensas que as raízes das plantas, agem como
um sistema radicular suplementar, alcançando os nutrientes de menor mobilidade
nos solos e transferindo-os para as plantas. São particularmente importantes na
aquisição de fósforo (P) e, por conseguinte, na nutrição fosfatada das plantas.

Observou-se uma população mais elevada desses fungos na área


cultivada com a mandioca (Figura 18). A mandioca é uma cultura muito
dependente da associação com os FMAs e, além disso, a área destinada à
cultura é, entre as avaliadas, a que possui a menor disponibilidade de P, embora
em níveis médios (Tabela 5).

Glomus e Scutellospora foram os gêneros de FMAs de maior ocorrência,


predominando Glomus na área da mandioca e Scutellospora sob o plantio de
abóbora (Figura 19). Os FMAs não são específicos, mas as espécies vegetais
podem se associar preferencialmente com alguns desses fungos.

212 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


Tabela 5. Resultados de análises químicas e granulométricas das áreas de cultivo de
abóbora, mandioca e na horta. Junho de 2009.

Identificação das áreas Abóbora Mandioca Horta

pH água 5,8 Adequado 6,6 Alto 6,9 Muito alto


pH CaCl2 5,2 Adequado 5,6 Alto 6,4 Muito alto
Mat. org. (dag/kg) 3,1 Adequada 3,6 Adequada 5,0 Alta
P (mg/dm ) 3
38,9 Alto 6,0 Médio 23,8 Alto
K (mg/dm3) 363 Alto 264 Alto 368 Alto
S (mg/dm3) 2,4 Baixo 2,2 Baixo 7,4 Médio
Ca (cmolc/dm3) 6,0 Adequado 6,3 Adequado 6,8 Adequado
Mg (cmolc/dm3) 2,1 Alto 2,5 Alto 3,4 Alto
Ca/Mg 2,9 Adequada 2,6 Adequada 2,0 Adequada
Al (cmolc/dm3)* 0,0 - 0,0 - 0,0 -
H+Al (cmolc/dm3)* 4,9 Média 3,3 Média 2,8 Média
CTCt (cmolc/dm ) 3
13,9 Alta 12,8 Adequada 13,9 Alta
V (%) 65 Alto 74 Muito alto 80 Muito alto
m (%) 0 - 0 - 0 -
B (mg/dm3) 0,3 Médio 0,2 Baixo 0,8 Alto
Zn (mg/dm3) 3,7 Alto 3,5 Alto 10,0 Alto
Fe (mg/dm3)* 80 Alto 103 Alto 55 Alto
Mn (mg/dm3) 97,0 Alto 143,4 Alto 98,5 Alto
Cu (mg/dm3) 2,6 Alto 1,1 Alto 1,4 Alto
Areia (%) 12 19 14
Textura Textura Textura
Silte (%) 28 37 32
argilosa argilosa argilosa
Argila (%) 60 44 54

Os resultados das análises químicas mostraram teores adequados para


quase todos os nutrientes, bem como níveis de matéria orgânica adequados ou
alto (na horta), decorrentes, sobretudo, do aporte desta pela adubação orgânica
com compostos e da eficiente estratégia de rotação das culturas com os campos
de adubos verdes.

Para os atributos de sanidade e manejo dos cultivos, a horta se destacou


em todos os atributos, exceto o rendimento, que os agricultores consideraram
que pode ser mais satisfatório. A diversidade genética, parâmetro introduzido
nessa terceira avaliação, também ficou ligeiramente aquém do que eles

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 213


consideram ideal (Figura 20). Apesar de desejarem um sistema mais diversificado
geneticamente, cultivando variedades diferentes de cada espécie, os agricultores
relatam a dificuldade na obtenção de materiais adaptados para os sistemas de
produção agroecológicos. As lavouras de mandioca e abóbora avaliadas já
possuem maior diversificação, resultante do trabalho de avaliação de diferentes
variedades dessas espécies conduzido no decorrer do projeto. Os agricultores,
nesse estágio do trabalho, compreendem perfeitamente a necessidade dessa
diversificação, que possibilita produção variada e mais estável ao longo do
tempo, além do atendimento a diferentes preferências por sabores, cores e tipos.

A incidência de doenças foi maior na lavoura de mandioca, resultando em


prejuízos no crescimento e na aparência das plantas (Figura 20). Relacionando
às características do solo, observa-se que a área da mandioca possui os menores
teores de P e matéria orgânica (Tabela 4 e Figura 17).

Figura 20. Representação gráfica do estado de sanidade dos cultivos das glebas
destinadas aos plantios de abóbora, mandioca e à horta. Junho de 2009.

Mais uma vez não houve competição severa por plantas espontâneas
em nenhuma das três áreas, provavelmente pelo controle das mesmas pela
capina e pela cobertura viva ou morta do solo (Figuras 16 e 17). Dessa vez,

214 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


optou-se por não estimar a ocorrência de inimigos naturais por causa do horário
de realização da prática.

As três áreas avaliadas encontram-se relativamente próximas de área


de vegetação natural, conferindo uma boa avaliação desse atributo. O desenho
agroecológico e o sistema de manejo se aproximam do ideal, atestando a
evolução nas práticas e métodos de produção na área coletiva do Assentamento
Cunha (Figura 20).

A atividade, em todas as suas três edições, permitiu que os agricultores


avaliassem o sistema e as propriedades que se destacaram e identificassem
os processos e interações biológicas responsáveis pelo seu desempenho. A
evolução na percepção das causas e efeitos e no funcionamento das lavouras e
agroecossistemas por parte dos agricultores foi crescente e exemplar, servindo
de estímulo para a adoção de práticas benéficas aos sistemas produtivos. Além
de caracterizar o estado atual de cada indicador, a prática se apresentou como
estratégia e excelente forma de capacitação em agroecologia, introduzindo
os conceitos de cada atributo e suas implicações para a sustentabilidade do
agroecossistema, definida, de forma bastante simples, como um conjunto de
pré-requisitos agroecológicos que devem ser satisfeitos.

As práticas simples, desde a observação visual propriamente dita até a


utilização rotineira de instrumentos como o arame e a água oxigenada, foram
incorporadas à rotina dos trabalhos do grupo, que, no intervalo das avaliações,
as aplicavam nas lavouras e demais áreas de produção.

Considerações Finais
Essa atividade, a partir da experiência relatada, vem sendo realizada
em assentamentos ou comunidades-pólo de condução de outros projetos que
têm como objetivo principal o manejo da agrobiodiversidade dentro de princípios
agroecológicos, e que visam testá-la como um mecanismo de avaliação e
monitoramento do manejo dos agroecossistemas. Essa metodologia nos

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 215


pareceu bastante adequada, primeiro, pela abordagem participativa, e segundo,
porque se baseia em duas características básicas que devem estar presentes
nas atividades agrícolas para se buscar a sustentabilidade das mesmas: a
diversificação dos sistemas e um solo rico em matéria orgânica e biologicamente
ativo.

Trata-se de uma atividade dinâmica e participativa que permite a troca


de conhecimentos, de impressões e percepções entre os agricultores e técnicos
envolvidos. Embora a metodologia apresentada seja ainda uma ferramenta
bastante preliminar, necessitando ser melhorada e ajustada, ela vem suprir uma
lacuna em uma área de conhecimento em que várias metodologias que propõem
listas de indicadores para estimar a produtividade, estabilidade, resiliência e
adaptabilidade de agroecossistemas já foram apresentadas (MASERA et al.,
1999), mas poucas delas permitem que os agricultores sejam os principais
condutores do processo de avaliação, usando poucos indicadores simples para
observar rapidamente o estado dos seus agroecossistemas.

Nesse sentido, concordamos com Nicholls et al. (2004), que a metodologia


apresentada é um passo na direção de permitir que os próprios agricultores
possam observar seus sistemas de forma rápida e tomar decisões direcionadas
à melhoria dos atributos que estão insatisfatórios, melhorando as funções
do agroecossistema como um todo. Permite, também, que eles percebam e
concluam sobre o nível de sustentabilidade da propriedade, sua evolução no
tempo e a comparação entre propriedades sob diferentes sistemas de manejo,
identificando quais os sistemas mais saudáveis e a razão de funcionarem melhor.

Trata-se, realmente, de uma metodologia aplicável a diferentes


agroecossistemas em vários contextos geográficos e socioeconômicos, conforme
também observaram Altieri e Nicholls (2002) em cafezais na Colômbia e Nicholls
et al. (2004) em vinhedos na Califórnia.

Além desses relevantes aspectos, verificamos, desde as primeiras


aplicações dessa metodologia em nossas atividades práticas, o potencial
da mesma para a capacitação dos agricultores em conceitos e premissas da

216 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


agroecologia e em pré-requisitos ou atributos básicos dos agroecossistemas que
devem ser melhorados e (ou) conservados de modo a se manter produtivos
ao mesmo tempo em que os recursos naturais podem ser conservados.
Paralelamente, a atividade fornece um caminho natural para a planificação das
unidades de produção, baseado na percepção das deficiências dos sistemas,
nas necessidades dos agricultores, no uso efetivo dos recursos naturais locais
e no planejamento das sucessões de plantios e combinações entre animais e
plantações.

Por fim, por meio de práticas como essa, os agricultores se tornam


capazes de estabelecer de relações funcionais entre os variados componentes
da propriedade, percebendo que o bom funcionamento de determinadas
características acarreta no bom funcionamento de outras. Tornam-se capazes,
também, de verificar que esses sinergismos e interações são responsáveis pelo
bom desempenho do sistema, observando, por exemplo, que sistemas mais
diversificados possuem uma maior resistência a pragas e enfermidades em razão
dos mais altos níveis de biodiversidade, que, por sua vez, conduzem a uma maior
capacidade de reciclagem e aproveitamento dos nutrientes e a um solo rico em
matéria orgânica e atividade biológica. A percepção de que esses sinergismos
garantem a fertilidade do solo, a proteção das culturas e a produtividade das
lavouras, tornando-os saudáveis, é de uma importância inestimável e leva à
compreensão do conceito de sustentabilidade dos agroecossistemas: aquele
que garante uma produção estável, de qualidade, rentável, pouco dependente
de insumos externos – de modo a reduzir os custos de produção – além de
conservar os recursos naturais das propriedades tais como o solo, a água e a
biodiversidade.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 217


Referências
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218 Avaliação Participativa do Manejo de Agroecossistemas...


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Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 219


Capítulo 7

Manejo da Diversidade Genética


e Melhoramento Participativo
de Milho e sua Interação com a
Agrobiodiversidade

Altair Toledo Machado


Cynthia Torres de Toledo Machado
Luciano Lourenço Nass
Manejo da Diversidade Genética
e Melhoramento Participativo
de Milho e sua Interação com a
Agrobiodiversidade

Contextualização e Conceituação
A diversidade genética existente na cultura do milho (Zea mays L.),
cerca de 300 raças identificadas, é um reservatório genético crucial para manter
a capacidade natural de essa cultura responder às mudanças climáticas e
aos diferentes tipos de estresses. Seu ciclo e reprodução são características
favoráveis que a tornaram um modelo para estudos genéticos das espécies
alógamas (PATERNIANI, 1993). A espécie apresenta uma ampla adaptação a
diferentes ambientes, podendo ser cultivada desde 58oN até 40oS de latitude
(HALLAUER; MIRANDA FILHO, 1988).

As variedades locais de milho, geralmente conservadas pelas


comunidades rurais e tradicionais, são fontes potenciais de genes na busca por
resistência, tolerância e (ou) eficiência em relação aos atuais e futuros estresses
bióticos e abióticos. O potencial de utilização dessas variedades pode ser
observado em Soares et al. (1998), Machado e Machado (2004), Machado et al.
(2006) e Machado (2007). Ademais, segundo Machado (2007), a conservação
e o uso de variedades locais de milho tornam-se cruciais para evitar a erosão
genética.

O manejo da diversidade de variedades locais é bastante complexo em


razão das características agronômicas e morfológicas dessas variedades, pois
geralmente elas apresentam problemas por causa do porte e ciclo da planta, de
doenças, entre outros (MACHADO et al.,1998).

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 223


O cruzamento de variedades locais com melhoradas pode ser uma
estratégia para conservar essa variabilidade, combinando-se, em novas
variedades, as características favoráveis das melhoradas com os genes de
tolerância e (ou) eficiência oriundos das variedades locais.

Os mecanismos para criar variabilidade genética incluem o uso de


hibridização, agentes mutagênicos, introgressão de germoplasma exótico e, mais
recentemente, a biotecnologia (REGITANO NETO et al., 1997). Cruzamentos
de germoplasma exótico com materiais adaptados têm sido procedimento usual
para a incorporação desse germoplasma em programas de melhoramento
(HALLAUER, 1978).

A melhoria de produtividade sob condições de estresse é possível,


iniciativas de melhoramento participativo têm tornado isso viável, especialmente
se projetos locais combinarem esforços de melhoramento genético com
melhorias no manejo das propriedades. A qualidade dos produtos em sistemas
de agricultura local é muito importante, e o melhoramento participativo
enfoca esse aspecto, buscando atingi-lo antes mesmo que outros caracteres
relacionados ao rendimento sejam considerados (MACHADO; FERNANDES,
2001; CHIFFOLEAU; DESCLAUX, 2006; DAWSON; MURPHY, 2008).

Considera-se o melhoramento participativo como um recorte da


agrobiodiversidade em que diferentes ações de manejo estão envolvidas,
bem como os métodos de seleção, como o resgate, ensaios de avaliação e
caracterização, construção de novas variedades e conservação (MACHADO,
2007). O melhoramento participativo, por ser um recorte da agrobiodiversidade,
deve interagir com processos agroecológicos e, dessa forma, desempenhar um
papel fundamental em processos sustentáveis da agricultura.

No entendimento desses conceitos, podemos observar que os primeiros


sistemas de manejo da agrobiodiversidade com enfoque agroecológico surgiram
nos centros de origem da revolução agrícola neolítica, onde teve início a
domesticação das plantas cultivadas. Muitos modelos descritos hoje pela
agroecologia se baseiam em culturas milenares desenvolvidas pelos povos que

224 Manejo da Diversidade Genética e Melhoramento Participativo de Milho...


habitavam esses locais. Como exemplo, podemos citar os povos americanos,
que viveram em uma região que vai do México até os Andes, na América do
Sul, os quais domesticaram o feijão, a pimenta, o milho, a batata, a quinoa, o
tremoço e outras espécies. Em outras áreas, como no Cerrado brasileiro, nas
savanas africanas e em outras fitofisionomias asiáticas, ocorreu recentemente
uma ruptura dos sistemas agrícolas tradicionais, provocada tanto por estresses
ambientais quanto pela interferência da agricultura “moderna”. Verifica-se uma
forte erosão da biodiversidade, que acarretou o desaparecimento de sistemas de
cultivo e de práticas socioculturais mantidas por agricultores e povos indígenas
(MACHADO et al., 2008).

Para que possamos tornar clara essa ideia, faz-se necessário elucidar
e relacionar os conceitos referentes a desenvolvimento local; desenvolvimento
territorial; sustentabilidade; biodiversidade; agrobiodiversidade e agroecologia,
que passaram a fazer parte das agendas de pesquisa e desenvolvimento
das instituições de pesquisa nacionais e internacionais. A biodiversidade,
a agrobiodiversidade e a agroecologia são conceitos próximos e bastante
interligados, por estarem relacionados às questões do meio ambiente, dos
agroecossistemas e das comunidades tradicionais, formando um complexo
funcional com diversas interações que originam os sistemas agroecológicos.

Biodiversidade ou diversidade biológica refere-se à totalidade de


genes, espécies e ecossistemas do mundo ou de uma região. A biodiversidade
é usualmente considerada em três categorias distintas: diversidade genética,
diversidade de espécies e diversidade de ecossistemas. A agrobiodiversidade
pode ser entendida como um processo de relações e interações entre o manejo
da diversidade entre e dentro de espécies, os conhecimentos tradicionais e o
manejo de múltiplos agroecossistemas, sendo um recorte da biodiversidade. Já
a agroecologia pode ser interpretada como o estudo das funções e interações
do saber local, da biodiversidade funcional, dos recursos naturais e dos
agroecossistemas. Sistemas agroecológicos promovem e se relacionam com a
agrobiodiversidade, fazendo interagir valores socioculturais, manejo ecológico

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 225


dos recursos naturais e manejo holístico e integrado dos agroecossistemas. Está
presente ainda a noção de sustentabilidade, baseada em ações socialmente
justas, economicamente viáveis e ecologicamente corretas.

A noção de justiça social corresponde à valorização das questões


socioculturais e dos conhecimentos tradicionais; a viabilidade econômica
corresponde ao manejo da diversidade entre e dentro das espécies, com
a diversificação dos cultivos e o manejo ecológico dos recursos naturais;
e o aspecto das práticas ecologicamente corretas se relaciona ao manejo
holístico dos agroecossistemas. Percebe-se, assim, a forte relação entre a
agrobiodiversidade, a agroecologia e a sustentabilidade, que deve existir de forma
harmônica e contínua. Qualquer desequilíbrio, seja decorrente de causas naturais
ou de intervenção humana, pode provocar um quadro de erosão sistêmica, cuja
consequência, inevitavelmente, será a miséria e a fome (MACHADO et al., 2008).
Nesse sentido, a concepção do melhoramento participativo se vincula a essas
questões relacionando o manejo holístico dos agroecossistemas e incorporando
a conceituação da agrobiodiversidade, agroecologia e sustentabilidade.

O melhoramento participativo diferencia-se do melhoramento formal


em alguns aspectos, os quais se relacionam com questões relativas à teoria da
seleção e da base genética do melhoramento. No melhoramento formal, busca-
se um incremento nos genes de efeito aditivo e, consequentemente, uma maior
herdabilidade no sentido restrito, menor interação genótipo x ambiente e maior
estabilidade de produção. Para alcançar esses objetivos, os programas oficiais
de melhoramento procuram trabalhar com um germoplasma restrito e bastante
uniforme, procurando-se minimizar o efeito ambiental a partir da aplicação de
diferentes insumos e, finalmente, buscam-se, na seleção, alta produtividade
associada a parâmetros que atendam aos interesses do mercado e do agricultor.
Nesse caso, a teoria da seleção, no que se refere aos ganhos por ciclo de
seleção e diferencial de seleção, é facilmente empregada (MACHADO, 2007).
O melhoramento formal teve um importante papel no incremento de produção
para diferentes ambientes e regiões geográficas, e esse incremento foi maior

226 Manejo da Diversidade Genética e Melhoramento Participativo de Milho...


principalmente naqueles ambientes que sofrem poucos problemas de estresse.
Atlin et al. (2001) ressaltaram que um dos problemas do melhoramento formal
se refere às áreas marginais onde os problemas com estresse são frequentes,
e normalmente esses programas formais não atendem adequadamente tais
áreas, exigindo mudanças estratégicas dentro dos componentes genéticos para
a seleção nesses ambientes.

Em áreas marginais, o melhoramento participativo tornou-se uma


importante estratégia para se conseguir genótipos superiores para esses
ambientes. A teoria da seleção pode ser aplicada para examinar o potencial
desse melhoramento em ambientes específicos. A relação da interação genótipo
x ambiente ganha outra conotação, em que, na maioria das vezes, buscam-
se interações a ambientes específicos (MACHADO, 2007). O melhoramento
participativo oferece vantagens potenciais quando comparado com o
convencional: adaptação de variedades no local dos agricultores, promoção da
diversidade genética, aumento na eficiência do melhoramento, empoderamento
de comunidades rurais, entre outros (MORRIS; BELLON, 2004).

Em sistemas agroecológicos em que se tem um ambiente bastante diverso


e variável, a estratégia do melhoramento participativo pode ser bastante eficiente
no desenvolvimento de variedades adaptadas (CHIFFOLEAU; DESCLAUX,
2006; DAWSON; MURPHY, 2008). A identificação e o desenvolvimento de
variedades adaptadas a esses ambientes são fundamentais, uma vez que
o estabelecimento de espécies nesses agroecossistemas é distinto e não se
repete em um centro de pesquisa (MACHADO et al., 2008).

A exploração da diversidade genética de milho para áreas marginais


que sofrem constantemente por problemas de estresses ambientais e para
sistemas agroecológicos é possível a partir da caracterização e avaliação de
um amplo conjunto de genótipos, sendo as variedades locais uma excelente
fonte de germoplasma (MACHADO et al., 2006). Além disso, a estratégia do
melhoramento participativo desempenha um papel fundamental na adaptação e
no incremento da produtividade em sistemas agroecológicos e também em áreas

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 227


marginais que apresentam constantemente problemas de estresses ambientais
(CHIFFLOLEAU; DESCLAUX, 2006; MACHADO et al., 2006; DAWSON;
MURPHY, 2008; HELLIN et al., 2008).

Hellin et al. (2008) destacaram dois propósitos principais do melhoramento


participativo, sendo um funcional, o qual envolve critérios de validação científica
a partir de tecnologia desenvolvida por cientista, e outro de empoderamento,
no qual o objetivo principal é o fortalecimento da autonomia dos agricultores.
O melhoramento participativo que visa ao empoderamento é um sistema
descentralizado no qual o papel do setor formal é essencialmente relacionado à
troca de conhecimentos técnicos.

O melhoramento participativo com enfoque agroecológico requer ação


multidisciplinar, no qual, o entendimento do ambiente local se faz necessário.
Nesse sentido, a utilização de ferramentas participativas, como por exemplo, o
Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), pode auxiliar na caracterização local,
referenciado nos campos ambientais, sociais e econômicos, além de dar uma
dimensão da diversidade genética presente e do grau de erosão genética e
cultural (MACHADO; MACHADO, 2008). Compreende-se o melhoramento
participativo descentralizado como um componente da agrobiodiversidade
(MACHADO et al., 2006).

Desenvolvimento das Estratégias de


Melhoramento Participativo em Milho
A partir da experiência do Projeto Manejo Sustentável da Agrobiodiver-
sidade nos Biomas Cerrado e Caatinga, foi estabelecida uma metodologia de
melhoramento participativo descentralizado junto às comunidades do Norte de
Minas, envolvendo oito municípios com o apoio efetivo do Centro de Agricultura
Alternativa (CAA), no Assentamento Cunha, GO; no Assentamento Mulungu, CE;
e no Assentamento Cajueiro, SE; com apoio da Confederação das Cooperativas
de Reforma Agrária do Brasil (Concrab) e em outros 12 municípios de Goiás com

228 Manejo da Diversidade Genética e Melhoramento Participativo de Milho...


apoio da Associação Estadual dos Pequenos Agricultores de Goiás (Aepago).
O estabelecimento dessas ações foi a partir da realização de um Diagnóstico
Participativo realizado junto aos agricultores e por reuniões de sensibilização em
conjunto com as comunidades (Figuras 1, 2 e 3). A primeira etapa desse proces-
so foi estabelecida a partir de cursos de capacitação (Figura 4) nas temáticas
de agrobiodiversidade, agroecologia e manejo da diversidade genética do milho.

Foto: Cynthia T. de Toledo Machado


Figura 1. Reunião com a Aepago em Catalão, GO.

Fotos: Cynthia T. de Toledo Machado


(A) (B)

Figura 2. Ações de sensibilização. (A) Ipiranga, GO, 2007; (B) Catalão, GO, 2007.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 229


Foto: Ornélio Guedes da Silva
Figura 3. Realização do diagnóstico participativo. Assentamento Cunha – Cidade
Ocidental, GO, 2006.

Figura 4. Curso de formação realizado em Ipiranga, GO, 2007. Fotos: Cynthia T. de Toledo Machado

A estratégia adotada resume-se ao diagnóstico participativo, seminários de


sensibilização e capacitação e cursos de formação. O enfoque do melhoramento
participativo vincula-se à estratégia da agrobiodiversidade, agroecologia visando
à sustentabilidade das comunidades com enfoque na segurança e soberania
alimentar, conforme a Figura 5.

Nesse processo, foi importante a constituição de redes de intercâmbio com


abrangência local, regional, territorial e nacional, a qual viabiliza o diálogo com
outras experiências e promove melhor comunicação e troca de conhecimento.

230 Manejo da Diversidade Genética e Melhoramento Participativo de Milho...


Comunidades

Agrobiodiversidade Pesquisa Agroecologia


participativa

Segurança e
soberania
alimentar

Figura 5. Estratégia de ação do projeto.

Essas ações buscam ao desenvolvimento de comunidades locais, adotando


a estratégia dos pólos irradiadores. Essa estratégia se caracteriza como um local
coletivo com a presença dos agricultores, técnicos e pesquisadores e onde são
concentradas as atividades de pesquisa e desenvolvimento, além das atividades
de sensibilização e capacitação. Essa estratégia é bastante eficiente, pois, além
da participação da comunidade local, outras comunidades são convidadas a
conhecer a experiência, podendo-se replicar a iniciativa dentro do processo de
irradiação. Esse processo se vincula ao desenvolvimento territorial sustentável a
partir de ações de pesquisa participativa com visão holística (Figura 6).

Desenvolvimento territorial sustentável

Diagnóstico participativo
Informal Formação de redes Informal
Metodologias participativas

Segurança alimentar - Soberania alimentar

Figura 6. Desenvolvimento lógico de um processo de desenvolvimento territorial


sustentável.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 231


As ações de pesquisa do projeto foram realizadas de forma
descentralizada, objetivando o fortalecimento da capacidade da comunidade
em conservar e utilizar de forma sustentável a agrobiodiversidade com enfoque
na autonomia e empoderamento comunitário. Convém destacar que as ações
do manejo da diversidade genética do milho são realizadas em conjunto com
outras espécies, as quais fazem parte da agrobiodiversidade local. Essas ações
de pesquisa procuraram orientar as comunidades em resgatar, avaliar, melhorar,
criar e conservar a sua diversidade local, estimulando a formação de bancos
locais de sementes e escolas de formação em agrobiodiversidade e agroecologia,
fortalecendo a irradiação e garantindo a soberania alimentar. O processo de
irradiação, além dos cursos de formação, visitas e intercâmbio, possibilita a
celebração de festas comunitárias e a realização de feiras onde são efetuadas
trocas de sementes e ocorre um processo de valoração da agrobiodiversidade.
Finaliza-se o trabalho com a inclusão dos agricultores aos mercados locais e (ou)
regionais, propiciando a comercialização de seus produtos, incluindo as sementes.

Em resumo, as ferramentas participativas utilizadas neste trabalho foram


as seguintes:

• Diagnóstico rápido participativo (socioeconômico, cultural, ambiental


e da biodiversidade).

• Reuniões de discussão e de sensibilização.

• Cursos de formação.

• Formação e (ou) análise de redes de agricultores.

• Resgate de variedades.

• Ensaios de competição – delineamento científico x critério de seleção


dos agricultores.

• Canteiros da diversidade.

• Campos de melhoramento – critérios genéticos x critério de seleção


dos agricultores.

232 Manejo da Diversidade Genética e Melhoramento Participativo de Milho...


• Bancos de sementes locais.

• Redes de intercâmbio.

• Feiras da diversidade.

• Mercados solidários.

Legislações Apropriadas em Trabalhos


de Melhoramento Participativo
Descentralizado e Agrobiodiversidade
Na medida em que as sementes das variedades “modernas” tornaram-se
mercadorias valiosas, ocorreram inúmeras tentativas de ampliar a sua proteção
na forma de direitos de propriedade intelectual. Já em 1961, estabeleceu-se, em
Paris, a União Internacional para Proteção das Obtenções Vegetais (UPOV),
que definiu normas sobre os direitos dos melhoristas, ou seja, formas de
compensação para os cientistas e (ou) empresas de pesquisa que trabalham
com o desenvolvimento de variedades agrícolas comerciais. Não demorou
para que ficassem evidentes as relações desiguais entre os fornecedores de
germoplasma e os beneficiários do uso desses recursos, ensejando, no âmbito
da Organização da Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), um
amplo debate sobre a questão, até que, em 1987, reconheceu-se a necessidade
do estabelecimento também de um direito dos agricultores.

No contexto do melhoramento participativo descentralizado de plantas,


em muitos países, os agricultores e o desenvolvimento de cultivos locais se
mantêm distanciados da lógica do sistema de privatização da agricultura imposta
pela Revolução Verde, possivelmente em razão da complexidade dessa técnica
de manejo de plantas que envolve não somente o melhoramento de uma
determinada semente, mas também todo um sistema de manejo agroecológico
e da agrobiodiversidade. Diante disso, antes que os detentores de direitos de
propriedade intelectual avancem por sobre essa fronteira, deve o Estado impor

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 233


uma legislação vigorosa no sentido de resguardar o direito dos agricultores de
manejar as sementes de sua escolha por meio do melhoramento participativo.
Essa iniciativa viria impedir que normas sobre proteção de variedades vegetais
interferissem no livre uso do melhoramento participativo de cultivos e no manejo
comunitário da agrobiodiversidade. No caso do Brasil, essa discussão ainda
é muito inicial e tem gerado muitas confusões na interpretação jurídica do
melhoramento participativo descentralizado.

O reconhecimento do papel fundamental das comunidades agrícolas no


uso e desenvolvimento de variedades adaptadas a sistemas com diferentes tipos
de estresses e a valorização dos sistemas com manejo agroecológico devem
ser evidenciadas, garantindo-se os direitos que possuem sobre os diferentes
sistemas de cultivo e sobre as sementes selecionadas de forma comunitária e
familiar. Esse debate deve ser internalizado nas diferentes instâncias decisórias,
nas discussões acerca da legislação nacional e dos tratados internacionais,
incluindo o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Agricultura
e Alimentação (TIRFAA) da FAO.

O TIRFAA é um dos principais instrumentos jurídicos com interfaces


com a agrobiodiversidade. No Brasil, já foi aprovado pelo Congresso Nacional e
promulgado pelo Poder Executivo.

Entretanto, o TIRFAA não se limita a estabelecer o sistema multilateral de


acesso. Ele estabelece uma série de normas relativas à conservação, prospecção,
coleta, caracterização, avaliação e documentação de recursos fitogenéticos para
alimentação e agricultura, bem como relativas ao uso sustentável dos recursos
fitogenéticos. Para promover o uso sustentável dos recursos fitogenéticos para
alimentação e agricultura, os países devem adotar medidas, tais como (Art. 6º):

• Elaborar políticas agrícolas que promovam o desenvolvimento e a


manutenção dos diversos sistemas de cultivo.

• Fortalecer a pesquisa voltada à conservação da agrobiodiversidade,


maximizando a variação intra e interespecífica em benefício dos
agricultores, especialmente aqueles que geram e utilizam suas

234 Manejo da Diversidade Genética e Melhoramento Participativo de Milho...


próprias variedades e aplicam os princípios ecológicos na manutenção
da fertilidade do solo e no combate a doenças, ervas daninhas e
pragas.

• Desenvolver programas de fitomelhoramento que, com a participação


dos agricultores, particularmente nos países em desenvolvimento,
fortaleçam a capacidade para o desenvolvimento de variedades
especialmente adaptadas às condições sociais, econômicas e
ecológicas, inclusive em áreas marginais.

• Ampliar a base genética dos cultivos, com o aumento da diversidade


genética à disposição dos agricultores.

• Promover a expansão do uso de cultivos locais e daqueles ali


adaptados, das variedades e espécies subutilizadas.

• Apoiar a utilização mais ampla da diversidade de variedades


e espécies dos cultivos manejados, conservados e utilizados
sustentavelmente nas propriedades, e a criação de fortes ligações
com o fitomelhoramento e o desenvolvimento agrícola, a fim de
reduzir a vulnerabilidade dos cultivos e a erosão genética, e promover
o aumento da produção mundial de alimentos compatível com o
desenvolvimento sustentável.

• Revisar as estratégias de melhoramento e a regulação relativas à


liberação de variedades e à distribuição de sementes.

Mas não é só, o TIRFAA é o primeiro instrumento internacional vinculante


que reconhece explicitamente os direitos dos agricultores. Reconhece a enorme
contribuição que as comunidades locais e indígenas e os agricultores de todas
as regiões do mundo, particularmente dos centros de origem e de diversidade
de cultivos, têm realizado e continuam a realizar para a conservação e para o
desenvolvimento dos recursos fitogenéticos que constituem a base da produção
alimentar e agrícola em todo o mundo.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 235


Em seu Art. 9º, o TIRFAA elenca uma série de direitos assegurados aos
agricultores:

• Proteção do conhecimento tradicional relevante aos recursos


fitogenéticos para a alimentação e a agricultura.

• O direito de participar de forma equitativa na repartição dos benefícios


derivados da utilização dos recursos fitogenéticos para a alimentação
e a agricultura.

• O direito de participar na tomada de decisões, em âmbito nacional,


sobre assuntos relacionados à conservação e ao uso sustentável dos
recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura.

• O direito de conservar, usar, trocar e vender sementes ou material de


propagação conservado em suas propriedades, “conforme o caso e
sujeito às leis nacionais”.

A responsabilidade pela implementação dos direitos dos agricultores


cabe aos governos nacionais e depende da legislação interna de cada país.
Esse fato tem gerado críticas de muitas organizações de pequenos agricultores,
pois, quando as negociações do TIRFAA se iniciaram, esse era visto como um
instrumento para assegurar e concretizar os direitos dos agricultores e acabou se
limitando a permitir que os países o façam, sem qualquer poder coercitivo. Apesar
de competir a cada país aprovar leis internas estabelecendo a forma como se
dará o reconhecimento e a aplicação dos direitos dos agricultores, é certo que as
leis nacionais não podem estabelecer impedimentos e restrições que impeçam
o livre desenvolvimento dos sistemas locais de sementes, que incluem a prática
tradicional de guardar sementes para uso nas safras posteriores, adotada não
só no Brasil, como em outros países da América Latina, da Ásia e mesmo da
Europa (MACHADO et al., 2008).

236 Manejo da Diversidade Genética e Melhoramento Participativo de Milho...


Considerações Finais
O fortalecimento de políticas públicas voltadas à conservação e ao
uso sustentável da agrobiodiversidade e o estímulo às pesquisas dirigidas
à agricultura familiar são essenciais à agricultura sustentável e à segurança
alimentar das populações humanas. O manejo da agrobiodiversidade, incluindo
o melhoramento participativo e a adoção dos princípios da agroecologia, é de
fundamental importância para a sobrevivência da agricultura familiar. Entretanto,
a agrobiodiversidade ainda carece de esforços especiais voltados à sua
conservação e valorização, jurídica e econômica. A promulgação do TIRFAA e
sua implementação no Brasil abrem novas perspectivas para o reconhecimento
dos direitos dos agricultores e para o fortalecimento de experiências de
resgate, produção, multiplicação e distribuição de sementes locais, por meio
do reconhecimento formal e institucional e de programas de melhoramento
participativo, realizados com a participação dos agricultores.

As instituições públicas de pesquisa, como a Embrapa, devem implementar


normas adequadas para o desenvolvimento de pesquisas participativas, incluindo
o melhoramento participativo, que tenham como objetivo fortalecer a agricultura
familiar a partir dos princípios da sustentabilidade. O fortalecimento de políticas
públicas voltadas para a conservação e o uso sustentável da agrobiodiversidade
e o estímulo às pesquisas dirigidas à agricultura familiar são considerados
fundamentais à adoção de um modelo de agricultura sustentável, essencial à
segurança alimentar das populações humanas.

O modelo da agricultura sustentável deve ser o horizonte futuro para


o desenvolvimento agrícola no Brasil, no qual os limites sociais e ambientais
são observados na expansão da fronteira agrícola. A utilização de metodologias
participativas deve ser incentivada em todos os processos de pesquisa e
desenvolvimento incluindo a demarcação dos Territórios Sustentáveis e do
Zoneamento Agrícola.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 237


Referências
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238 Manejo da Diversidade Genética e Melhoramento Participativo de Milho...


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Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 239


Capítulo 8

Sistematização e Descrição
dos Resultados de Pesquisa
Participativa em Milho

Altair Toledo Machado


Cynthia Torres de Toledo Machado
Luciano Lourenço Nass
Ornélio Guedes da Silva
Sistematização e Descrição dos
Resultados de Pesquisa Participativa
em Milho

Introdução
Neste projeto, o melhoramento participativo foi desenvolvido com dois
propósitos principais: um funcional, que envolve critérios de validação científica
a partir de tecnologia desenvolvida por cientista, e o de empoderamento, cujo
objetivo principal é o fortalecimento da autonomia dos agricultores. Vale ressaltar
que o melhoramento participativo que visa ao empoderamento é um sistema
descentralizado, no qual o papel do setor formal é essencialmente relacionado à
troca de conhecimentos técnicos.

O manejo da diversidade genética de milho em diferentes


agroecossistemas pode representar a identificação de importantes fontes
genéticas para diferentes sistemas agroecológicos. Nesse sentido, este
projeto procurou avaliar, em ambientes distintos, variedades de milho
oriundas de diferentes estratégias de melhoramento, verificando o seu
potencial genético para utilização em diferentes agroecossistemas.

Desenvolvimento do Projeto
O projeto teve iniciou em fevereiro de 2006, envolvendo, no primeiro
momento, agricultores vinculados à Concrab e ao CAA, e, em etapa posterior, à
Aepago.

Atividades de manejo da diversidade genética do milho podem


proporcionar a identificação de variedades com potencial para cultivo em
sistemas agroecológicos, o que propiciou a produção e o melhoramento dessas

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 243


variedades nas comunidades, colaborando para a sua segurança alimentar.
Paralelamente, foram realizados seis cursos de capacitação em agroecologia,
agrobiodiversidade, manejo da diversidade genética do milho e o seu uso
especial, capacitando e treinando os agricultores e proporcionando um melhor
entendimento teórico e prático sobre os temas apresentados, o que pode garantir,
no futuro, a continuidade e a sustentabilidade de seus processos produtivos.

Metodologias Adotadas

Estratégias comunitárias com ações participativas

Para as sementes de milho, as atividades comunitárias consistiram em


ações vinculadas à produção e ao melhoramento de variedades adaptadas aos
sistemas de cultivos adotados pelas comunidades e à participação efetiva no
desenvolvimento de ensaios de competição.

Organizações sociais participantes do projeto

As associações, ONGs, cooperativas e prefeituras que participaram do


projeto são descritas a seguir:

• Centro de Agricultura Alternativa (CAA) Norte de Minas: ações em


Montes Claros, MG.

• Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil


(Concrab): ações em Cidade Ocidental, GO (Assentamento Cunha).

• Associação de Agricultura Ecológica do DF e entorno (AGE): ações


em Padre Bernardo, GO (Assentamento Colônia II).

• Associação Fortaleza e Prefeitura Municipal de Muqui: ações em


Muqui, ES.

• Associação Estadual dos Pequenos Agricultores de Goiás (Aepago):


ações em Catalão, Heitoraí, Rio Quente, Pirenópolis e Ipiranga.

244 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Resgate de variedades locais e caracterização de
seu germoplasma

O resgate foi realizado a partir de levantamentos realizados nas regiões


de abrangência do projeto onde há ocorrência variedades locais. Esse resgate foi
realizado pelas comunidades sendo coletados 2 kg de sementes por variedade.

Manejo da diversidade genética de milho em


sistemas agroecológicos

As variedades utilizadas neste trabalho podem ser separadas nas


seguintes categorias, a saber: variedades locais ou crioulas, variedades oriundas
de melhoramento convencional, variedades de melhoramento participativo e
novas variedades obtidas a partir da formação de compostos e variedades locais.
A obtenção e avaliação dessas variedades foram realizadas pelos métodos
descritos a seguir.

Melhoramento convencional

• BR 106: variedade selecionada pela Embrapa Milho e Sorgo a partir de


métodos de seleção com utilização de progênies. Ciclos sucessivos
de seleção entre e dentro de famílias de irmãos germanos e S1. Já
foram obtidos mais de 20 ciclos de seleção.

• BR 473: variedade selecionada pela Embrapa Milho e Sorgo, obtida


pelo intercruzamento de seis linhagens elites QPM. Nos últimos dois
ciclos de seleção de progênies de meio-irmãos, essa variedade foi
selecionada para aumentar a adaptação ampla às condições do
Sudeste e Sul do Brasil. Já foram obtidos mais de 14 ciclos de seleção.

• Saracura: população de ciclo semiprecoce, de grãos alaranjados,


semiduros, com 13 ciclos de seleção recorrente para tolerância ao
encharcamento do solo.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 245


Melhoramento participativo centralizado para
descentralizado

Nesse tipo de melhoramento, os primeiros ciclos de seleção foram


realizados na instituição de pesquisa Embrapa e, em uma segunda fase, ciclos
contínuos de seleção foram realizados na comunidade de agricultores. Após
sucessivos ciclos de seleção, a variedade foi dividida em duas amostras, das
quais uma retorna para a instituição de pesquisa e a outra fica definitivamente
na comunidade.

A variedade BRS Sol da Manhã é um exemplo de variedade obtida por


essa metodologia. Na primeira fase de seleção, foram realizados três ciclos de
seleção massal, um ciclo de seleção de meio-irmãos, um ciclo de seleção de
irmãos germanos e um ciclo de seleção de famílias endogâmicas S1 na Embrapa
Agrobiologia. Na segunda fase, foram realizados dois ciclos de massal e um de
irmãos germanos em um assentamento chamado Sol da Manhã, em Seropédica,
RJ. Essa variedade foi então desdobrada em duas amostras. A amostra que
permaneceu na Embrapa sofreu vários ciclos de seleção massal estratificada
e está sendo distribuída a diferentes comunidades de agricultores familiares
no Brasil, que têm dado sequência aos ciclos de seleção massal estratificada
(MACHADO; FERNANDES, 2001).

Melhoramento participativo para sistemas agroecológicos

Procurando adaptar variedades a sistemas agroecológicos, a variedade


Eldorado foi submetida a diferentes ciclos de seleção, em que foram realizados
três ciclos de seleção massal, um ciclo de seleção de meio-irmãos, um ciclo de
seleção de irmãos germanos e um ciclo de seleção de famílias endogâmicas S1.

Inicialmente, essa variedade foi selecionada para eficiência ao estresse


abiótico (MACHADO; MACHADO, 2003; MACHADO; MACHADO, 2004),
particularmente para a eficiência no uso de fósforo (P) (MACHADO et al., 1999;
2001). A partir do ano agrícola 1999/2000, foram realizados dois ciclos de seleção

246 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


massal e um ciclo de irmãos germanos utilizando esterco de gado como fonte
nitrogenada e um ciclo de irmãos germanos. A partir de 2003, essa seleção foi
direcionada para sistemas de rotação e (ou) consórcio com adubos verdes, mais
especificamente em rotação com mucuna ou consorciada com crotalária. Foram
realizados cinco ciclos adicionais de seleção massal estratificada.

Formação de novas variedades com potencial para


sistemas agroecológicos

Novas variedades foram formadas para serem utilizadas em programas


de melhoramento participativo. A partir dos dados dos ensaios de competição
de cultivares realizados em conjunto com pequenos agricultores de diferentes
regiões do Brasil, verificou-se que algumas variedades locais apresentaram um
ótimo potencial em ambientes com algum estresse e em sistemas orgânicos de
produção, mas apresentavam alguns defeitos agronômicos, tais como porte de
planta, acamamento e quebramento (MACHADO et al., 1998).

Essas variedades foram então avaliadas em um esquema de cruzamento


dialélico parcial entre variedades melhoradas e locais, quando foram identificados
alguns cruzamentos potenciais com base nos dados da capacidade geral de
combinação (MACHADO et al., 2008). Foram formadas algumas combinações,
descritas na referida publicação, identificadas neste trabalho como MC 20, MC
50 e MC 60 (Tabela 1). Essas variedades já foram submetidas a três ciclos de
seleção massal e estão participando de ensaios nas comunidades de pequenos
agricultores, que as têm adotado.

Variedades locais

As variedades locais utilizadas nos ensaios são oriundas de quatro regiões


do Brasil representadas pelos estados de Santa Catarina, Espírito Santo, Minas
Gerais e Goiás. Essas variedades foram obtidas pelas organizações sociais
Associação Estadual dos Pequenos Agricultores de Goiás (Aepago), pelo Centro
de Agricultura Alternativa (CAA)-Norte de Minas e pela Prefeitura de Muqui.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 247


Ensaios de competição de cultivares

Foram realizados ensaios de competição em três anos agrícolas


2006/2007, 2007/2008 e 2008/2009, utilizando 30 variedades de milho, descritas
resumidamente na Tabela 1.

Tabela 1. Relação das variedades de milho utilizadas e suas características.

Variedades Características
População de grãos duros e semiduros, alaranjados, com segregação para
branco e predomínio de germoplasma Cateto, Eto e Duros do Caribe, origina-
Sol da Manhã
da de 36 populações da América Central e da América do Sul (MACHADO et
al., 2006)
População de grãos dentados e semidentados, amarelos com segregação
Eldorado para branco e predomínio da raça Tuxpeño, formada a partir de populações
do México, da América Central e da América do Sul (MACHADO et al., 2006)
Cruzamento da variedade local Caiano de Sobrália com a variedade CMS 28.
Caiano de Sobrália é uma variedade de grãos dentados, amarelos de ciclo se-
MC 20 miprecoce e com vários ciclos de seleção massal estratificada realizada pela
comunidade de Sobrália (MG) (MACHADO et al., 2006). A variedade CMS 28
tem predomínio da raça Tuxpeño, apresenta porte baixo e ciclo precoce
Variedade obtida na Embrapa Milho e Sorgo, em Sete Lagoas, MG, a partir de
três cultivares brasileiras (Maya, Centralmex e Dentado Composto) e uma in-
BR 106
trodução exótica (Tuxpeño 1). Apresenta endosperma dentado e cor amarela,
porte baixo (MACHADO et al., 2006)
Sintético de ciclo precoce, de grãos amarelos, semiduros, com alta qualidade
BR 473
protéica (MACHADO et al., 2006)
População de ciclo semiprecoce, de grãos alaranjados, semiduros, com
Saracura 13 ciclos de seleção recorrente para tolerância ao encharcamento do solo
(MACHADO et al., 2008)
Cruzamento da variedade local Carioca com a variedade Eldorado. A
variedade Carioca apresenta os grãos semidentados, amarelos e de ciclo
MC 60
semiprecoce e está sendo selecionado por agricultores de Laranjeiras do Sul,
PR (MACHADO et al., 1998)
Variedade local da região de Alegre, ES. Apresenta grãos dentados e de
Branco Morgado
coloração branca, porte alto e ciclo tardio

Continua...

248 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Tabela 1. Continuação.

Variedades Características
Variedade de grãos dentados, amarelos de ciclo tardio. Variedade plantada
Caiano
em Alegre (ES) há mais de 20 anos (MACHADO et al., 2006)
Variedade originária do BR 106 possui germoplasma semelhante e vem sendo
Fortaleza cultivada na região de Muqui há mais de 15 anos com vários ciclos de seleção
massal estratificada (MACHADO et al., 2006)
Variedade local da região de Muqui, ES. Apresenta grãos dentados e de
Grão de Ouro
coloração amarela, ciclo semiprecoce e porte alto
Palha Roxa do Espírito Variedade de grãos dentados, porte alto, amarelos de ciclo tardio. Variedade
Santo plantada em Alegre, ES, há mais de 20 anos (MACHADO et al., 1998)
Variedade local da região de Muqui, ES. Apresenta grãos dentados e de
Aliança
coloração amarela, ciclo semiprecoce e porte alto
Variedade de grãos dentados e semidentados, amarelos, porte baixo e ciclo
Pedra Dourada precoce. Variedade produzida e conservada por agricultores da região de
Tombos, MG (MACHADO et al., 1998)
Cruzamento da variedade local Carioca com a variedade BRS 4150, variedade
esta também denominada de Composto Veja Precoce, formada pelo intercru-
zamento de três híbridos simples e dois híbridos duplos. Tem germoplasma
MC 50
tropical com introdução de materiais de clima temperado e foi obtida na Em-
brapa Milho e Sorgo. Apresenta grãos dentados, amarelos, porte normal e ciclo
precoce
Variedade Eldorado selecionado durante três ciclos agrícolas na comunidade
Eldorado de Muqui
de Fortaleza em Muqui
Sol da Manhã de Catalão Variedade Sol da Manhã selecionada em Catalão
Palha Roxa Santa Variedade de grãos dentados, porte alto, coloração amarelo arrocheado. Va-
Catarina riedade plantada em Anchieta, SC, há mais de 20 anos (CANCIN et al., 2004)
Variedade local da região de Alegre, ES. Apresenta grãos dentados e de colo-
Milho Criolão
ração amarela, porte alto e ciclo tardio
Variedade local da região de Alegre, ES. Apresenta grãos dentados e de colo-
7 variedades
ração amarela e ciclo normal
Variedade obtida pelo Centro de Agricultura Alternativa (CAA) na região do Nor-
Amarelão Varzelândia
te de Minas. Apresenta grãos dentados e amarelos e é de ciclo normal
Variedade obtida pelo Centro de Agricultura Alternativa (CAA) na região do
Asteca de Porteirinha Norte de Minas. Apresenta grãos dentados e amarelos e é de ciclo normal,
apresenta porte alto
Continua...

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 249


Tabela 1. Continuação.

Variedades Características
Variedade obtida pelo Centro de Agricultura Alternativa (CAA) na região do Nor-
BR da Várzea
te de Minas. Apresenta grãos dentados e amarelos e é de ciclo normal
Variedade obtida pelo Centro de Agricultura Alternativa (CAA) na região do Nor-
3 meses Grão Mogol
te de Minas. Apresenta grãos dentados e amarelos e é de ciclo precoce
Variedade obtida junto a Associação Estadual dos Pequenos Agricultores do
Caiano de Goiás Estado de Goiás (Aepago), apresenta grão dentados, amarelos e de ciclo nor-
mal
Variedade obtida junto a Associação Estadual dos Pequenos Agricultores do
MPA 01 Estado de Goiás (Aepago), apresenta grão dentados, amarelos e de ciclo
normal e é da região do Oeste de Santa Catarina
Variedade obtida junto a Associação Estadual dos Pequenos Agricultores do
Cunha Estado de Goiás (Aepago), apresenta grão dentados, amarelos e de ciclo
normal e porte alto
Variedade local do Espírito Santo, apresenta grãos dentados e de coloração
Roxo
roxa e porte alto
Variedade obtida junto a Associação Estadual dos Pequenos Agricultores do
Pixurum 05 Estado de Goiás (Aepago), apresenta grão dentados, amarelos e de ciclo
normal e é da região Oeste de Santa Catarina
Variedade obtida junto a Associação Estadual dos Pequenos Agricultores do
Asteca de Ipiranga Estado de Goiás (Aepago), apresenta grão dentados, amarelos e de ciclo
normal e de porte alto

No ano agrícola de 2006/2007, foram avaliadas 18 variedades em quatro


locais: Muqui, ES; Cidade Ocidental, GO (Assentamento Cunha); Padre Bernardo,
GO (Assentamento Colônia II) e Planaltina, DF (Embrapa Cerrados). No ano
agrícola de 2007/2008, foram avaliadas 20 variedades em cinco locais: Muqui,
ES; Cidade Ocidental, GO (Assentamento Cunha); Catalão, GO; Planaltina,
DF (Embrapa Cerrados) e Heitoraí, GO. No ano agrícola de 2008/2009, foram
avaliadas 20 variedades em cinco locais: Catalão, GO; Ipiranga, GO; Rio Quente,
GO; Pirenópolis, GO e Montes Claros, MG.

O delineamento experimental de blocos casualizados completos, com


três repetições, foi utilizado em todos os ensaios. Cada parcela foi constituída de
duas fileiras de 5 m, com 1 m de espaçamento entre fileiras. Após o desbaste,

250 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


ficaram 52 plantas por parcela. Utilizou-se bordadura única a partir da mistura das
sementes das variedades. Nos experimentos com adubação química, aplicaram-se
500 kg/ha da fórmula 2-20-20 (NPK) + Zn, além de 200 kg/ha de ureia em cobertura
aos 40 dias após o plantio. Nos experimentos com adubação orgânica, o plantio
se seguiu à incorporação de leguminosas cultivadas anteriormente na área
para adubação verde, caracterizando um sistema de rotação, tendo-se aplicado
também termofosfato e esterco bovino. Os experimentos em sistemas orgânicos
foram realizados em Cidade Ocidental, Padre Bernardo e Pirenópolis, GO, e
Muqui, ES. As adubações foram feitas seguindo as recomendações para a
cultura do milho e resultados de análises químicas dos solos. O emprego de
fontes químicas de alta solubilidade foi realizado em áreas onde a fertilidade
dos solos encontrava-se muito baixa, necessitando de correções no curto prazo
para viabilizar a produção. Nessas áreas, o planejamento para a transição
para sistemas orgânicos já foi planejado, com redução gradual da adição de
fertilizantes solúveis. Não se utilizou em nenhum dos ensaios defensivos
químicos, e o controle das plantas espontâneas se deu por capina manual.

Foram anotados os seguintes caracteres: (1) florescimento masculino;


(2) florescimento feminino; (3) altura da planta; (4) altura da espiga; (5) plantas
acamadas; (6) plantas quebradas; (7) número de plantas; (8) peso dos grãos por
parcela (kg/parcela); (9) umidade dos grãos (%).

Adotou-se, neste estudo, o modelo fixo, de forma que as conclusões


desse experimento são válidas somente para o referido conjunto de variedades.
Os procedimentos estatísticos constaram de análise de variância com aplicação
do teste F de Snedecor. Para as fontes de variação onde houve diferenças
significativas, as médias foram comparadas pelo teste de DMS.

Resultados
O desenvolvimento deste projeto envolveu comunidades de
assentamentos da reforma agrária e comunidades de agricultores familiares
nas regiões de Goiás, Norte de Minas e Sul do Espírito Santo. Organizações

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 251


sociais e prefeituras participaram efetivamente desse projeto e colaboraram
na sua irradiação para outras comunidades. O desafio principal desse trabalho
com milho foi a integração dessa atividade com outras que são componentes
da estratégia do manejo da agrobiodiversidade e da agroecologia e que fazem
parte dos processos de sustentabilidade das comunidades familiares. Um amplo
resgate de variedades locais de milho também ditas “crioulas” foi realizado pelas
comunidades e organizações sociais (Tabela 1). Observou-se que a maioria
dessas variedades é oriunda de materiais comerciais recentes e, em alguns
casos, verificou-se o cruzamento delas com outras de raças indígenas, como as
variedades Roxo, Palha Roxa de Santa Catarina e Palha Roxa do Espírito Santo.
Apenas uma variedade é de raça antiga, que é o caso do Cunha. Após o resgate,
as variedades foram submetidas a ensaios de avaliação em diferentes regiões
para verificar suas características agronômicas e morfológicas, juntamente com
outras variedades provenientes de programas de melhoramento convencional da
Embrapa e outras formadas a partir de estratégias de melhoramento participativo.
Além das metas citadas anteriormente, os ensaios tiveram como objetivo verificar
o potencial produtivo dessas variedades, o nível de erosão genética e também a
adaptação das mesmas a diferentes ambientes com manejos convencionais ou
agroecológicos.

Os ensaios tiveram também um aspecto pedagógico, que permitiu às


comunidades conhecerem melhor a diversidade da cultura do milho, as inúmeras
possibilidades de uso e a oportunidade de escolher aquelas variedades que
melhor se adaptam aos seus sistemas de cultivo e usos. Depois dos ensaios, o
trabalho tem continuidade na comunidade com o desenvolvimento de estratégias
de melhoramento participativo, em que metodologias de seleção são discutidas
com os agricultores, que dão andamento à seleção visando incrementar
características favoráveis nas variedades por eles escolhidas, fechando o ciclo
com os campos de produção e conservação das sementes.

Essa estratégia adotada com o milho, paralelamente ao manejo da


diversidade de outras espécies e do agroecossistema local, com a produção
própria de insumos a partir de recursos locais, pode garantir, em curto espaço
de tempo, maior autonomia das comunidades em relação às sementes e aos

252 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


insumos, promover a segurança alimentar e nutricional, além de uma melhor
relação com o meio ambiente, pela utilização de tecnologias limpas e ecológicas.
Esse conjunto de atividades pode levar ao empoderamento dessas comunidades,
contribuindo para a diminuição da pobreza, relacionando-se também, de forma
positiva, aos processos de diminuição de emissão de carbono na atmosfera e
aos processos de mudanças climáticas.

Neste trabalho, procurou-se avaliar o desenvolvimento de um programa


de melhoramento participativo em ambientes com algum tipo de estresse abiótico,
como a falta de nitrogênio (N) e fósforo (P), em locais considerados de transição
agroecológica e em outros já estabelecidos como agroecológicos. Variedades
selecionadas de forma participativa para algum tipo de estresse e para sistemas
agroecológicos foram avaliadas em conjunto com variedades selecionadas de
forma convencional dentro do centro de pesquisa e variedades locais resgatadas
pelas comunidades de agricultores familiares.

Os dados relacionados aos ensaios de avaliação, apresentados a seguir,


referem-se aos três anos agrícolas de abrangência do projeto: 2006/2007;
2007/2008 e 2009/2009.

No ano agrícola de 2006/2007, os locais de avaliação foram a área


experimental da Embrapa Cerrados, considerada um área sob manejo
convencional; a área coletiva do Assentamento Cunha na Cidade Ocidental, GO,
considerada sendo de transição agroecológica e com problemas de estresse
em virtude da pouca disponibilidade de P; a área do Assentamento Colônia II
em Padre Bernardo, GO, considerada agroecológica; e a área da comunidade
Fortaleza em Muqui, ES, também agroecológica.

Nesses ensaios, foram avaliadas 18 variedades separadas em quatro


grupos distintos: variedades locais (Branco Morgado, Caiano do Espírito
Santo, Grão de Ouro, Palha Roxa de Santa Catarina, Aliança, Milho Crioulão,
7 Variedades e Pedra Dourada), melhoradas de forma convencional (BR 106,
Saracura e BR 473), melhoradas de forma participativa (Sol da Manhã, Eldorado,
Fortaleza) e variedades formadas de forma participativa (MC 20, MC 30, MC 40,
MC 50 e MC 60).

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 253


Na Tabela 2, são apresentados os dados relativos à produção de grãos
nos experimentos dos quatro locais no ano agrícola de 2006/2007. Todos os
experimentos apresentaram coeficiente de variação abaixo de 20%, considerado
bom; no entanto o ensaio realizado no Assentamento Colônia apresentou valor
de 8,48%, considerado excelente. Esses valores permitem ter confiabilidade nos
dados apresentados. Os valores médios de produção foram de: 6.190, 7.742,
3.703 e 7.625 kg/ha, para Muqui, ES; Padre Bernardo, GO; Cidade Ocidental,
GO e Planaltina, DF, respectivamente.

Tabela 2. Peso de espigas (kg/ha) dos ensaios de milho conduzidos em Muqui, ES; Padre
Bernardo, GO (Assentamento Colônia); Cidade Ocidental, GO (Assentamento Cunha) e
Planaltina, DF (Embrapa Cerrados). Ano agrícola 2006/2007.

Padre Ber- Cidade Oci-


Tratamentos Muqui Planaltina, DF Média geral
nardo dental
1. Sol da Manhã 5.757 7.317 3.367 6.567 5.752
2. Eldorado 7.543 8.750 4.267 8.200 7.190
3. MC 20 6.377 9.883 3.800 9.167 7.306
4. BR 106 6.667 8.183 3.583 8.117 6.625
5. BR 473 4.828 6.333 3.467 7.433 5.515
6. Saracura 5.785 6.667 3.150 5.517 5.279
7. Branco Morgado 4.275 3.017 3.217 7.083 4.398
8. Caiano ES 5.768 5.783 3.550 7.433 5.633
9. Fortaleza 6.747 8.833 3.800 8.600 6.995
10. Grão de Ouro 7.472 7.500 4.433 7.783 6.797
11. Palha Roxa SC 5.463 7.600 3.517 8.233 6.203
12. Aliança 6.877 8.250 4.600 8.017 6.936
13. MC 30 6.302 7.383 2.817 7.050 5.888
14. MC 40 6.355 8.617 3.783 7.800 6.638
15. MC 50 7.580 8.900 4.133 7.183 6.949
16. MC 60 6.497 9.517 4.467 8.800 7.320
17. Milho Crioulão 5.087 9.283 4.100 7.833 6.575
18. 7 Variedades 6.045 7.533 2.600 6.433 5.652
Média 6.190 7.742 3.703 7.625 6.315
CV (%) 14,72 8,48 16,04 12,82
DMS (5%) 1512 1089 986 1622

254 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Os menores rendimentos foram obtidos nos ensaios realizados no
Assentamento Cunha, possivelmente em consequência da baixa disponibilidade
de P, indicada pelas análises de solo. Nos ensaios individuais, verificou-se
que, em Muqui, ES, destacaram-se as variedades MC 50 e Grão de Ouro, com
produções médias de 7.580 e 7.472 kg/ha. No Assentamento Colônia II (Padre
Bernardo, GO), os melhores rendimentos foram apresentados pelas variedades
MC 20 e MC 60, com produções médias de 9.883 e 9.517 kg/ha, respectivamente,
bastante significativos por sinal, atingindo quase 10 t/ha em sistema orgânico.
No Assentamento Cunha (Cidade Ocidental, GO), destacaram-se as variedades
Aliança e MC 60, com produções médias de 4.600 e 4.467 kg/ha e, na Embrapa
Cerrados (Planaltina, DF), destacaram-se as variedades MC 20 e MC 60, com
rendimentos médios de 9.167 e 8.800 kg/ha, respectivamente. Na média geral,
destacaram-se as variedades MC 60 e MC 20, produzindo 7.320 e 7306 kg/ha,
em média, e os piores desempenhos foram observados para a variedade local
Branco Morgado e para a variedade Saracura, com produções médias de 4.398
e 5.279 kg/ha, indicando um forte processo de erosão nestas variedades.

Na Tabela 3, apresenta-se a produção de grãos (kg/ha) das diferentes


variedades de milho separadas em quatro grupos distintos: aquelas oriundas
de melhoramento convencional, as de melhoramento participativo, aquelas
construídas de forma participativa e as variedades locais, avaliadas nos ensaios
realizados em Muqui, ES; Padre Bernardo, GO; Cidade Ocidental, GO e
Planaltina, DF. Adotaram-se 100% para a média de produção das variedades
obtidas por melhoramento convencional como valor de referência para este
trabalho, em que tiveram uma produção média de 5.806 kg/ha. Verificou-se
que as variedades locais tiveram um comportamento semelhante às variedades
convencionais, com um incremento de 4% na sua produção em relação a estas
últimas convencionais. Para as variedades de melhoramento participativo, o
incremento foi significativo, da ordem de 14% na produção, bem como para as
variedades construídas de forma participativa, cujo o incremento foi de 17%.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 255


Tabela 3. Estimativa da produção de grãos (kg/ha) entre diferentes variedades de milho
separadas em quatro grupos distintos: variedades de melhoramento convencional,
variedades de melhoramento participativo, variedades construídas de forma participativa
e variedades locais, avaliadas nos ensaios realizados em Muqui, ES; Padre Bernardo,
GO; Cidade Ocidental, GO e Planaltina, DF no ano agrícola 2006/2007.

Tratamentos Média geral


Variedades de melhoramento convencional
BR 106 6.625
BR 473 5.515
Saracura 5.279
Média 5.806 (100%)
Variedades de melhoramento participativo
Sol da Manhã 5.752
Eldorado 7.190
Fortaleza 6.995
Média 6.645 (114%)
Variedades construídas de forma participativa
MC 20 7.306
MC 30 5.888
MC 40 6.638
MC 50 6.949
MC 60 7.320
Média 6.820 (117%)
Variedades Locais
Branco Morgado 4.398
Caiano ES 5.638
Grão de Ouro 6.797
Palha Roxa SC 6.203
Aliança 6.936
Milho Crioulão 6.575
7 variedades 5.652
Média 6.028 (104%)

Na Tabela 4, encontram-se os dados relativos ao florescimento masculino


e feminino anotados na estação experimental da Embrapa Cerrados, onde
observou-se uma amplitude de variação de 65 a 85 dias para o florescimento
masculino e de 67 a 87 dias para o florescimento feminino, respectivamente, nas
variedades BR 473 e Branco Morgado. A variedade local 7 Variedades teve os
mesmos valores da variedade BR 473.

256 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Tabela 4. Florescimento masculino (FM) e feminino (FF) (dias após o plantio) no ensaio
de milho realizado na Embrapa Cerrados (Planaltina, DF) no ano agrícola 2006/2007.

Tratamentos FM1 Embrapa FF1 Embrapa


1. Sol da Manhã 66 68
2. Eldorado 72 74
3. MC 20 68 69
4. BR 106 69 71
5. BR 473 65 67
6. Saracura 68 70
7. Branco Morgado 85 87
8. Caiano ES 78 80
9. Fortaleza 73 75
10. Grão de Ouro 70 73
11. Palha Roxa SC 74 77
12. Aliança 70 74
13. MC 30 66 68
14. MC 40 68 69
15. MC 50 69 72
16. MC 60 67 68
17. Milho Crioulão 68 69
18. 7 Variedades 65 67
Média 70 72
1
Dados de uma repetição.

Na Tabela 5, encontram-se os dados referentes a alturas de planta e


espiga anotados em Padre Bernardo, GO; Cidade Ocidental, GO e Planaltina,
DF. Verificou-se que, na média desses três locais, as variedades de portes
mais elevados foram as locais Branco Morgado, Palha Roxa de Santa
Catarina e Caiano do Espírito Santo com valores de 2,88 m; 2,70 m; e 2,65 m,
respectivamente. Para altura de espiga, essas variedades também apresentaram
os maiores valores. As variedades que apresentaram as menores alturas de
planta foram: Saracura, Sol da Manhã e MC 20 com valores de 1,97 m; 1,98 m;
e 2,15 m, respectivamente. Para altura de espiga, os menores valores foram
apresentados por Sol da Manhã, Saracura e MC 30, de 1,02 m, 1,05 m; e 1,14 m,
respectivamente.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 257


Tabela 5. Altura de plantas (AP) e espigas (AE) (m) nos ensaios de milho realizados
em Padre Bernardo, GO (Assentamento Colônia); Cidade Ocidental, GO (Assentamento
Cunha); e Planaltina, DF (Embrapa Cerrados), no ano agrícola 2006/2007.

AP AE AP AE AP AE Média Média
Tratamentos
Colônia Colônia Cunha Cunha Embrapa Embrapa AP AE
1. Sol da Manhã 2,23 1,20 1,76 0,86 1,96 1,00 1,98 1,02
2. Eldorado 2,56 1,50 1,96 1,06 2,40 1,20 2,30 1,25
3. MC 20 2,46 1,46 1,83 0,90 2,16 1,10 2,15 1,15
4. BR 106 2,46 1,46 1,86 0,96 2,20 1,20 2,17 1,20
5. BR 473 2,50 1,43 1,90 0,90 2,23 1,13 2,21 1,15
6. Saracura 2,23 1,26 1,76 0,90 1,93 1,00 1,97 1,05
7. Branco Morgado 3,20 2,06 2,60 1,53 2,86 1,80 2,88 1,80
8. Caiano ES 3,13 2,06 2,40 1,43 2,43 1,76 2,65 1,75
9. Fortaleza 2,63 1,53 2,10 1,00 2,53 1,36 2,42 1,30
10. Grão de Ouro 2,46 1,40 2,03 1,06 2,20 1,20 2,23 1,22
11. Palha Rôxa SC 2,96 1,93 2,46 1,43 2,70 1,63 2,70 1,66
12. Aliança 2,53 1,50 2,26 1,23 2,23 1,16 2,34 1,30
13. MC 30 2,83 1,40 1,80 0,86 2,20 1,16 2,27 1,14
14. MC 40 2,50 1,36 1,90 0,93 2,26 1,16 2,22 1,15
15. MC 50 2,43 1,40 2,13 1,20 2,23 1,20 2,26 1,26
16. MC 60 2,50 1,40 2,03 1,03 2,36 1,23 2,30 1,22
17. Milho Crioulão 2,46 1,46 1,86 0,93 2,46 1,33 2,26 1,24
18. 7 Variedades 2,46 1,36 1,96 1,00 2,10 1,33 2,17 1,23
Média 2,59 1,51 2,03 1,07 2,30 1,26 2,30 1,28
CV (%) 6,86 6,27 7,10 8,93 8,85 9,00
DMS (5%) 0,29 0,15 0,24 0,15 0,34 0,18

Na Tabela 6, são apresentados os dados de acamamento e quebramento,


em que observou-se que as variedades Palha Rôxa de Santa Catarina e
Caiano do Espírito Santo foram as que tiveram as maiores porcentagens de
quebramento e acamamento (16,3% e 17,3%, respectivamente). De uma forma
geral, as variedades mais altas foram as mais suscetíveis ao acamamento e
ao quebramento e também apresentaram um maior ciclo para florescimento
masculino e feminino.

258 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Tabela 6. Acamamento (AC) e Quebramento (QUE) (%) nos ensaios de milho realizados
em Padre Bernardo, GO (Assentamento Colônia); Cidade Ocidental, GO (Assentamento
Cunha); e Planaltina, DF (Embrapa Cerrados), no ano agrícola 2006/2007.

AC + QUE AC + QUE AC + QUE Embra-


Tratamentos Média
Colônia (%) Cunha (%) pa (%)
1. Sol da Manhã 16 10 2 9,3
2. Eldorado 10 21 6 12,3
3. MC 20 14 8 2 8
4. BR 106 4 11 2 5,6
5. BR 473 2 8 2 4
6. Saracura 4 15 4 7,6
7. Branco Morgado 8 10 21 13
8. Caiano ES 18 21 10 16,3
9. Fortaleza 11 21 4 12
10. Grão de Ouro 4 6 1 3,6
11. Palha Roxa SC 18 24 10 17,3
12. Aliança 14 20 2 12
13. MC 30 12 21 0 11
14. MC 40 8 14 0 7,3
15. MC 50 4 10 0 4,6
16. MC 60 8 28 6 14
17. Milho Crioulão 19 18 4 13,6
18. 7 Variedades 20 14 4 12
Média 10,7 15,5 4,5 10,2

Para compreender um pouco dos mecanismos de absorção nutricional


dessas variedades, buscando informações úteis para futuros trabalhos de
melhoramento e de construção de novas variedades, além de seus aspectos
nutricionais, determinaram-se os conteúdos de N e P nos grãos, que são
apresentados nas Tabelas 7 e 8.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 259


Tabela 7. Conteúdo de nitrogênio (N) nos grãos em kg/ha nos ensaios de milho realizados
em Padre Bernardo, GO (Assentamento Colônia); Cidade Ocidental, GO (Assentamento
Cunha); e Planaltina, DF (Embrapa Cerrados), no ano agrícola 2006/2007.

Tratamentos N Colônia N Cunha N Embrapa Média geral


1. Sol da Manhã 147,40 52,63 129,13 109,72
2. Eldorado 168,43 57,58 138,53 121,51
3. MC 20 189,46 51,90 168,13 136,49
4. BR 106 160,50 47,06 145,63 117,73
5. BR 473 127,53 48,23 134,66 103,47
6. Saracura 128,00 44,80 89,76 87,52
7. Branco Morgado 64,80 55,46 119,96 80,07
8. Caiano ES 118,90 55,56 129,73 101,39
9. Fortaleza 179,10 54,96 140,56 125,20
10. Grão de Ouro 151,30 61,73 133,63 115,55
11. Palha Roxa SC 149,46 50,56 150,80 116,94
12. Aliança 173,63 69,6 136,00 126,44
13. MC 30 141,43 42,26 121,43 101,70
14. MC 40 157,20 50,96 126,83 111,66
15. MC 50 165,13 57,53 113,00 111,88
16. MC 60 180,13 62,43 143,03 128,53
17. Milho Crioulão 182,83 62,06 140,43 128,44
18. 7 Variedades 150,03 38,03 105,03 97,69
Média 151,96 53,52 131,46 112,31
CV (%) 8,79 17,76 16,49
DMS (5%) 22,15 15,78 35,96

260 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Tabela 8. Conteúdo de fósforo (P) nos grãos em kg/ha nos ensaios de milho realizados
em Padre Bernardo, GO (Assentamento Colônia); Cidade Ocidental, GO (Assentamento
Cunha); e Planaltina, DF (Embrapa Cerrados), no ano agrícola 2006/2007.

Tratamentos P Colônia P Cunha P Embrapa Média geral


1. Sol da Manhã 38,60 12,16 26,76 25,84
2. Eldorado 40,33 12,33 27,93 26,86
3. MC 20 47,13 11,26 34,00 30,79
4. BR 106 40,70 10,50 28,16 26,45
5. BR 473 30,70 10,40 28,56 23,22
6. Saracura 34,23 10,43 19,10 21,25
7. Branco Morgado 16,93 12,33 20,33 16,53
8. Caiano ES 27,60 12,33 28,93 22,95
9. Fortaleza 43,63 11,43 28,83 27,96
10. Grão de Ouro 34,40 13,96 25,46 24,60
11. Palha Roxa SC 35,00 10,90 28,53 24,81
12. Aliança 35,50 16,40 26,73 26,21
13. MC 30 37,00 9,26 29,20 25,15
14. MC 40 38,30 9,90 24,76 24,32
15. MC 50 37,43 13,13 24,00 24,85
16. MC 60 41,10 14,53 30,20 28,61
17. Milho Crioulão 44,60 13,60 30,60 29,60
18. 7 Variedades 36,53 8,20 24,33 23,02
Média 36,65 11,83 27,02 25,16
CV (%) 12,55 21,95 22,31
DMS (5%) 7,63 4,31 10,00

Para a acumulação de N, verificou-se alto conteúdo para as variedades


construídas de forma participativa, MC 20 e MC 60, e para as variedades
locais Crioulão e Aliança, com conteúdos de 136,49; 128,53; 128,44 e
126,44 kg/ha N, respectivamente. As variedades que apresentaram os menores
valores foram o Branco Morgado, Saracura e 7 Variedades com valores de
conteúdo de 80,07 kg/ha N; 87,52 kg/ha N e 97,69 kg/ha N respectivamente.
Esses resultados, obtidos de experimentos cujos coeficientes de variação foram
de 8,79%, 17,76% e 16,49% respectivamente, para os Assentamentos Colônia,
Cunha e Embrapa Cerrados, podem contribuir para identificar variedades com
potencial genético para maior eficiência no uso de N.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 261


Na Tabela 8, são apresentados os dados relativos ao conteúdo de P
para os três experimentos. No Assentamento Cunha, local em que houve
problemas deficiência desse nutriente, as variedades Aliança, MC 60 e Grão
de Ouro se destacaram com conteúdos de 16,48 kg/ha; 14,53 kg/ha e 13,96 kg/
ha P, dando indícios de eficiência na absorção de P em local com baixa
disponibilidade. Na média dos três locais, as variedades que se destacaram
foram MC 20, Crioulão e MC 60 com conteúdos de 30,79 kg/ha P; 29,60 kg/ha P e
28,61 kg/ha P, respectivamente. As variedades que acumularam menos P nos
grãos foram Branco Morgado, Saracura e Caiano do Espírito Santo, com valores
de 16,53 kg/ha P; 21,25 kg/ha P e 22,95 kg/ha P, respectivamente. O coeficiente
de variação foi considerado ótimo para o experimento realizado no Assentamento
Colônia, (12,55%) e regular para aqueles conduzidos no Assentamento Cunha
(21,95%) e na Embrapa Cerrados (22,31%).

Na Tabela 9, são apresentados os dados relativos ao peso de espigas dos


experimentos realizados no ano agrícola de 2007/2008 em Muqui, ES; Planaltina,
DF (Embrapa Cerrados); Cidade Ocidental, GO; Catalão, GO e Heitoraí, GO.
Verificou-se que, com exceção do ensaio realizado em Planaltina, DF, que teve
um coeficiente de variação regular (22,89%), os demais ensaios apresentaram
coeficientes abaixo de 15%. Em Planaltina, DF, foram observados os menores
valores para produção (4944 kg/ha). Nos demais locais, Muqui, ES; Cunha, GO;
Catalão, GO e Heitoraí, GO, os rendimentos foram considerados altos, atingindo
8.492 kg/ha; 8.745 kg/ha; 7.362 kg/ha; e 6.954 kg/ha, respectivamente. No ano
agrícola de 2007/2008, verificou-se incremento no valor médio de produção no
ensaio realizado no Assentamento Cunha, onde o manejo do solo da área em
rotação com adubos verdes e incorporação de termofosfato mostrou-se bastante
efetivo na promoção do rendimento.

Na média geral dos ensaios, destacaram-se as variedades Eldorado,


MC 50 e MC 60, com rendimentos de 8.100 kg/ha, 8.060 kg/ha e 7.982 kg/ha,
respectivamente. As variedades que apresentaram as menores médias foram:
MC 30, Branco Morgado e 3 Meses, com valores de 6.429; 6.494; e 6.590 kg/ha,
respectivamente.

262 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Tabela 9. Peso de espigas (kg/ha) dos ensaios de milho conduzidos em Muqui, ES;
Cidade Ocidental, GO (Assentamento Cunha); Catalão, GO; Planaltina, DF e Heitoraí,
GO. Ano agrícola 2007/2008.

Tratamentos Muqui Cunha Catalão Planaltina Heitoraí Média


1. Sol da Manhã 7.400 7.800 7.500 4.877 6.400 6.795
2. Eldorado 9.067 10.083 7.667 6.170 7.917 8.180
3. MC 20 9.000 9.700 8.133 4.927 6.867 7.725
4. MC 30 6.733 7.500 7.300 4.433 6.183 6.429
5. MPA 01 8.667 8.033 6.000 4.583 6.800 6.816
6. MC 50 9.067 9.783 8.300 6.653 6.500 8.060
7. MC 60 8.933 9.200 8.767 5.313 7.700 7.982
8. BR 106 9.400 8.933 7.800 4.423 6.100 7.331
9. BR 473 7.133 7.650 6.400 5.577 6.783 6.708
10. Branco Morgado 8.133 7.533 6.700 4.187 5.917 6.494
11. Caiano ES 8.067 8.283 8.233 5.840 5.817 7.248
12. Fortaleza 9.933 9.333 7.000 5.207 7.933 7.881
13. Grão de Ouro 8.000 8.550 7.767 5.073 7.183 7.314
14. Palha Roxa ES 8.333 9.400 7.200 7.080 7.150 7.832
15. Aliança 8.733 9.650 7.267 4.900 7.217 7.553
16. Amarelão Varzelândia 7.667 10.433 6.667 4.847 7.367 7.396
17. Asteca de Porteirinha 9.467 8.667 7.567 3.730 7.633 7.412
18. BR da Várzea 8.667 9.150 7.533 3.443 8.267 7.412
19. 3 meses Grão Mogol 8.033 7.450 7.167 4.400 5.900 6.590
20. Caiano de Goiás 9.400 7.767 6.267 3.227 7.450 6.822
Média 8.492 8.745 7.362 4.944 6.954 7.299
CV (%) 8,34 12,10 12,52 22,89 11,59
DMS (5%) 1.170 1.749 1.524 1.870 1.303

Na Tabela 10, são apresentados os dados de produção de grãos entre


as diferentes variedades de milho separadas em grupos distintos: variedades
de melhoramento convencional, variedades de melhoramento participativo,
variedades construídas de forma participativa e variedades locais, conforme
apresentado para a safra anterior. Na média geral, observou-se que as
variedades de melhoramento participativo foram as mais produtivas, com média
de 7.618 kg/ha, correspondendo a 108% da produção média das variedades
melhoradas de forma convencional, que, por sua vez, apresentaram produção

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 263


média de 7.019 kg/ha. A produção média das variedades construídas de
forma participativa foi de 7.549 kg/ha, correspondendo a 107% em relação às
variedades convencionais. Esse grupo foi prejudicado pela variedade MC 30,
que apresentou baixo desempenho. O grupo das variedades locais apresentou
produção semelhante ao grupo das melhoradas de forma convencional, com
valor de 7.171 kg/ha (102%).

Tabela 10. Estimativa da produção de grãos (kg/ha) entre diferentes variedades de


milho separadas em quatro grupos distintos: variedades de melhoramento convencional,
variedades de melhoramento participativo, variedades construídas de forma participativa
e variedades locais, avaliadas nos ensaios realizados em Muqui, ES; Cidade Ocidental,
GO; Catalão, GO; Planaltina, DF e Heitoraí, GO, nos ano agrícola 2007/2008.

Tratamentos Média geral


Variedades de melhoramento convencional
BR 106 7.331
BR 473 6.708
Média 7.019 (100%)
Variedades de melhoramento participativo
Sol da Manhã 6.795
Eldorado 8.180
Fortaleza 7.881
Média 7.618 (108%)
Variedades construídas de forma participativa
MC 20 7.725
MC 30 6.429
MC 50 8.060
MC 60 7.982
Média 7.549 (107%)
Variedades locais
MPA 01 6.816
Branco Morgado 6.494
Caiano ES 7.248
Grão de Ouro 7.314
Palha Roxa ES 7.832
Continua...

264 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Tabela 10. Continuação.

Tratamentos Média geral


Variedades locais
Aliança 7.553
Amarelão Varzelândia 7.396
Asteca de Porteirinha 7.412
BR da Várzea 7.412
3 meses Grão Mogol 6.590
Caiano de Goiás 6.822
Média 7.171 (102%)

Nas Tabelas 11 e 12, são apresentados os dados de alturas de planta


e espiga, em que observa-se, na média dos locais, os maiores valores para as
variedades Caiano, ES; Palha Roxa, ES e Branco Morgado, que apresentaram
altura de planta de 2,95 m; 2,85 m; e 2,82 m e altura de espiga de 1,86 m;
2,03 m; e 1,82 m, respectivamente. Os menores valores foram apresentados
pelas variedades Sol da Manhã, MC 20 e BR 473, que obtiveram valores para
altura de planta de 2,17 m; 2,18 m; e 2,27m, e para altura de espiga de 1,22 m;
1,23 m e 1,29 m, respectivamente.

Os dados referentes a acamamento e quebramento (em%) são


apresentados na Tabela 13. Na média dos locais, as variedades que tiveram
a maior porcentagem de acamamento e quebramento foram as mesmas
que apresentaram o porte de planta mais elevado: Palha Roxa do Espírito
Santo, Caiano do Espírito Santo e Branco Morgado (15,6%; 12,4%; e 11,4%,
respectivamente). As variedades para as quais foram observados os menores
índices de acamamento e quebramento foram BR da Várzea, MC 20 e MC 30
(4,2%; 4,4%; e 4,4%, respectivamente).

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 265


Tabela 11. Altura de plantas (m) dos ensaios de milho conduzidos em Muqui, ES; Cidade
Ocidental, GO (Assentamento Cunha); Catalão, GO; Planaltina, DF e Heitoraí, GO. Ano
agrícola 2007/2008.

Tratamentos Muqui Cunha Catalão Planaltina Heitorai Média


1. Sol da Manhã 2,26 2,23 2,43 1,70 2,23 2,17
2. Eldorado 2,45 2,53 2,66 1,96 2,57 2,43
3. MC 20 2,21 2,26 2,56 1,66 2,21 2,18
4. MC 30 2,34 2,30 2,53 1,80 2,41 2,27
5. MPA 01 2,52 2,46 2,40 1,70 2,73 2,36
6. MC 50 2,46 2,50 2,63 2,10 2,45 2,42
7. MC 60 2,52 2,50 2,63 2,03 2,38 2,41
8. BR 106 2,47 2,33 2,56 1,86 2,31 2,30
9. BR 473 2,26 2,33 2,50 1,86 2,43 2,27
10. Branco Morgado 2,98 3,00 2,93 2,26 2,97 2,82
11. Caiano ES 3,21 3,06 3,10 2,46 2,93 2,95
12. Fortaleza 2,67 2,63 2,80 2,06 2,58 2,54
13. Grão de Ouro 2,50 2,56 2,70 1,96 2,51 2,44
14. Palha Roxa ES 3,18 3,33 3,33 2,16 2,29 2,85
15. Aliança 2,85 2,76 2,56 1,93 2,64 2,55
16. Amarelão Varzelândia 3,04 3,03 2,83 2,16 2,79 2,77
17. Asteca de Porteirinha 2,77 2,70 2,73 1,96 2,81 2,59
18. BR da Várzea 2,51 2,40 2,43 1,60 2,47 2,28
19. 3 meses Grão Mogol 2,44 2,50 2,50 1,70 2,47 2,32
20. Caiano de Goiás 2,69 2,83 2,86 2,03 3,05 2,69
Média 2,62 2,61 2,68 1,95 2,61 2,49
CV (%) 7,06 4,86 4,55 8,84 7,24
DMS (5%) 0,30 0,21 0,20 0,28 0,31

266 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Tabela 12. Altura de espigas (m) dos ensaios de milho conduzidos em Muqui, ES; Cidade
Ocidental, GO (Assentamento Cunha); Catalão, GO; Planaltina, DF e Heitoraí, GO. Ano
agrícola 2007/2008.

Tratamentos Muqui Cunha Catalão Planaltina Heitorai Média


1. Sol da Manhã 1,32 1,23 1,40 0,76 1,39 1,22
2. Eldorado 1,34 1,40 1,53 1,03 1,36 1,33
3. MC 20 1,27 1,30 1,53 0,80 1,25 1,23
4. MC 30 1,41 1,30 1,43 0,90 1,44 1,29
5. MPA 01 1,43 1,36 1,40 0,86 1,44 1,30
6. MC 50 1,49 1,43 1,56 1,10 1,42 1,40
7. MC 60 1,42 1,43 1,50 1,06 1,48 1,37
8. BR 106 1,44 1,33 1,56 0,96 1,34 1,32
9. BR 473 1,37 1,26 1,43 0,96 1,47 1,29
10. Branco Morgado 1,96 1,90 2,00 1,30 1,95 1,82
11. Caiano ES 1,99 2,03 2,03 1,43 1,82 1,86
12. Fortaleza 1,61 1,53 1,73 1,06 1,51 1,49
13. Grão de Ouro 1,44 1,53 1,60 1,00 1,35 1,38
14. Palha Roxa ES 2,15 2,20 2,26 1,56 2,00 2,03
15. Aliança 1,65 1,66 1,56 1,08 1,58 1,50
16. Amarelão Varzelândia 1,83 1,90 1,80 1,16 1,77 1,69
17. Asteca de Porteirinha 1,65 1,66 1,70 1,00 1,50 1,50
18. BR da Várzea 1,56 1,36 1,40 0,76 1,42 1,30
19. 3 meses Grão Mogol 1,41 1,50 1,53 0,86 1,54 1,36
20. Caiano de Goiás 1,68 1,80 1,80 1,10 1,91 1,66
Média 1,57 1,55 1,64 1,04 1,55 1,47
CV (%) 9,95 6,86 7,57 11,51 8,49
DMS (5%) 0,26 0,17 0,20 0,19 0,21

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 267


Tabela 13. Acamamento e quebramento (%) dos ensaios de milho conduzidos em Muqui,
ES; Cidade Ocidental, GO (Assentamento Cunha); Catalão, GO; Planaltina, DF e Heitoraí,
GO. Ano agrícola 2007/2008.

Tratamentos Muqui Cunha Catalão Planaltina Heitorai Média


1. Sol da Manhã 4 6 4 6 9 5,8
2. Eldorado 6 7 10 2 12 7,4
3. MC 20 2 4 9 2 5 4,4
4. MC 30 2 2 4 4 10 4,4
5. MPA 01 5 6 10 6 12 7,8
6. MC 50 6 2 7 2 10 5,4
7. MC 60 12 5 11 5 10 8,6
8. BR 106 6 4 13 3 6 6,4
9. BR 473 2 8 16 2 17 9,0
10. Branco Morgado 14 6 14 4 19 11,4
11. Caiano ES 13 9 23 4 13 12,4
12. Fortaleza 7 2 16 2 8 7,0
13. Grão de Ouro 2 9 13 2 9 7,0
14. Palha Roxa ES 13 6 40 6 13 15,6
15. Aliança 11 6 12 2 18 9,8
16. Amarelão Varzelândia 8 13 22 5 9 11,4
17. Asteca de Porteirinha 8 5 27 2 7 9,8
18. BR da Várzea 3 2 8 6 2 4,2
19. 3 meses Grão Mogol 6 13 11 8 13 10,2
20. Caiano de Goiás 9 4 10 6 22 10,2
Média 7 6 14 4 11 8,4

Os dados de florescimento masculino e feminino são apresentados nas


Tabelas 14 e 15, em que se verificou que as variedades mais tardias foram
também as de porte mais elevado: Palha Roxa do Espírito Santo, Branco
Morgado e Caianos do Espírito Santo, que apresentaram médias de florescimento
masculino aos 70, 69 e 68 dias e de florescimento feminino aos 75, 73 e 73 dias,
respectivamente. As variedades mais precoces em média foram BR 473, Sol da
Manhã e MPA 01, cujo florescimento masculino ocorreu aos 57, 58 e 59 dias, e o
florescimento feminino aos 59, 61 e 62 dias, respectivamente.

268 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Tabela 14. Florescimento masculino (FM) (dias) dos ensaios de milho conduzidos em
Muqui, ES; Planaltina, DF e Heitoraí, GO. Ano agrícola 2007/2008.

Tratamentos Muqui Heitoraí Planaltina Média


1. Sol da Manhã 52 63 60 58,33
2. Eldorado 56 59 64 59,66
3. MC 20 57 60 65 60,66
4. MC 30 57 63 63 61,00
5. MPA 01 55 58 64 59,00
6. MC 50 57 60 64 60,33
7. MC 60 56 58 64 59,33
8. BR 106 59 60 67 62,00
9. BR 473 53 58 60 57,00
10. Branco Morgado 64 69 75 69,33
11. Caiano ES 64 69 73 68,66
12. Fortaleza 59 62 67 62,66
13. Grão de Ouro 56 60 65 60,33
14. Palha Roxa ES 65 70 75 70,00
15. Aliança 58 58 65 60,33
16. Amarelão Varzelândia 60 62 70 64,00
17. Asteca de Porteirinha 58 62 68 62,66
18. BR da Várzea 56 60 67 61,00
19. 3 meses Grão Mogol 59 61 66 62,00
20. Caiano de Goiás 62 65 70 65,66
Média 58,15 61,85 66,60 62,20
C.V. (%) 2,0 3,41 1,42
DMS (5%) 1,92 3,48 1,56

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 269


Tabela 15. Florescimento feminino (FF) (dias) dos ensaios de milho conduzidos em em
Muqui, ES; Planaltina, DF e Heitoraí, GO. Ano agrícola 2007/2008.

Tratamentos Muqui Heitoraí Planaltina Média


1. Sol da Manhã 57 66 61 61,33
2. Eldorado 61 62 67 63,33
3. MC 20 60 62 67 63,00
4. MC 30 61 66 66 64,33
5. MPA 01 59 61 67 62,33
6. MC 50 61 63 66 63,33
7. MC 60 60 62 67 63,00
8. BR 106 62 62 69 64,33
9. BR 473 57 60 61 59,33
10. Branco Morgado 67 73 81 73,66
11. Caiano ES 69 73 79 73,66
12. Fortaleza 63 64 70 65,66
13. Grão de Ouro 61 64 69 64,66
14. Palha Roxa ES 70 74 82 75,33
15. Aliança 62 62 69 64,33
16. Amarelão Varzelândia 66 64 75 68,33
17. Asteca de Porteirinha 63 64 73 66,66
18. BR da Várzea 60 62 69 63,66
19. 3 meses Grão Mogol 62 63 69 64,66
20. Caiano de Goiás 65 66 75 68,66
Média 62,30 64,65 70,10 65,68
C.V. (%) 1,87 3,96 1,69
DMS (5%) 1,92 4,22 1,95

Algumas variedades que apresentaram baixa produtividade, além de


outras características desfavoráveis, foram retiradas dos ensaios do ano agrícola
de 2008/2009, como MC 30, Palha Roxa do Espírito Santo, Caiano do Espírito
Santo e Branco Morgado. Na Tabela 16, são apresentados os dados de produção
de grãos dos ensaios conduzidos em Montes Claros, MG; Catalão, GO; Rio
Quente, GO; Pirenópolis, GO; e Ipiranga, GO, no ano agrícola de 2008/2009. Os
valores de coeficiente de variação foram regulares para os ensaios de Montes
Claros e Ipiranga (21,43% e 24,33%, respectivamente); foi considerado bom
para o ensaio de Pirenópolis (17,95%) e ótimo para os ensaios de Catalão e Rio
Quente (14,52% e 11,96%, respectivamente).

270 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Tabela 16. Peso de espigas (kg/ha) dos ensaios de milho conduzidos em Montes
Claros, MG; Catalão, GO; Rio Quente, GO; Pirenópolis, GO e Ipiranga, GO. Ano agrícola
2008/2009.

Montes Rio
Tratamentos Catalão Pirenópolis Ipiranga Média
Claros Quente
1. Sol da Manhã 3.337 6.650 6.067 5.167 6.400 5.524
2. Eldorado 3.400 7.033 8.567 4.667 8.300 6.393
3. MC 20 3.697 7.617 8.733 5.433 6.600 6.416
4. MC 50 3.680 8.617 7.133 5.667 6.667 6.352
5. MC 60 3.737 7.900 8.600 6.267 9.200 7.140
6. Eldorado de Muqui 3.717 6.683 7.267 6.067 7.267 6.200
7. Fortaleza 3.680 7.650 7.933 5.100 6.500 6.172
8. Aliança 01 3.420 7.717 7.533 4.900 7.700 6.254
9. Aliança 02 3.950 7.567 7.567 5.200 7.567 6.370
10. Aliança 03 2.847 7.400 7.300 6.000 8.300 6.369
11. MPA 01 3.733 6.283 7.767 6.033 6.933 6.150
12. Cunha 3.093 6.800 6.600 5.000 5.333 5.365
13. Roxo 3.027 6.117 6.233 5.200 5.000 5.115
14. Pixurum 05 3.630 6.283 7.100 4.533 5.900 5.489
15. Caiano de Goiás 2.980 7.183 6.433 6.733 6.933 6.052
16. Asteca de Ipiranga 3.270 6.700 7.600 4.900 8.567 6.207
17. Sol da Manhã de Catalão 3.817 6.333 5.767 4.333 6.233 5.296
18. Eldorado Genético 4.070 8.833 8.067 5.633 7.933 6.907
19. BR 473 3.627 6.033 6.167 4.633 6.500 5.392
20. BR 106 3.877 6.350 6.633 5.533 9.267 6.332
Média 3.529 7.087 7.253 5.350 7.155 6.074
CV (%) 21,43 14,52 11,96 17,95 24,33 18,04
DMS (5%) 1.250 1.701 1.433 1.587 2.877 1.769

Na Tabela 17, são apresentados os dados de produção de grãos entre as


diferentes variedades de milho separadas nos quatro grupos distintos quanto à sua
obtenção. Na média geral, observou-se que o grupo das variedades construídas de
forma participativa foi o mais produtivo, com média de 6.636 kg/ha, correspondendo a
113% da produção média das variedades melhoradas de forma convencional, cuja
produção média foi da ordem de 5.862 kg/ha. O rendimento médio das variedades
obtidas por melhoramento participativo foi de 6.082 kg/ha, correspondendo a
104% da produção das variedades convencionais. O grupo das variedades
locais teve produção semelhante ao grupo das variedades melhoradas de forma

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 271


convencional com produção de 5.930 kg/ha, correspondendo a 101% da média
das variedades convencionais. Dentro desses grupos, existem variedades que
colaboraram negativamente para a média final.

Tabela 17. Estimativa da produção de grãos (kg/ha) entre diferentes variedades de


milho separadas em quatro grupos distintos: variedades de melhoramento convencional,
variedades de melhoramento participativo, variedades construídas de forma participativa
e variedades locais, avaliadas nos ensaios realizados em Montes Claros, MG; Catalão,
GO; Rio Quente, GO; Pirenópolis, GO e Ipiranga, GO. Ano agrícola 2008/2009.

Tratamentos Média geral


Variedades de melhoramento convencional
BR 106 6.332
BR 473 5.392
Média 5.862 (100%)
Variedades de melhoramento participativo
Sol da Manhã 5.524
Sol da Manhã de Catalão 5.296
Eldorado 6.393
Eldorado Genético 6.907
Eldorado de Muqui 6.200
Fortaleza 6.172
Média 6.082 (104%)
Variedades construídas de forma participativa
MC 20 6.416
MC 50 6.352
MC 60 7.140
Média 6.636 (113%)
Variedades locais
Aliança 01 6.254
Aliança 02 6.370
Aliança 03 6.369
MPA 01 6.150
Cunha 5.365
Roxo 5.115
Pixurum 05 5.489
Caiano de Goiás 6.052
Asteca de Ipiranga 6.207

Média 5.930 (101%)

272 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Nas Tabelas 18 e 19, encontram-se os dados de alturas de planta e
espiga, sendo as variedades Asteca de Ipiranga, Cunha e Roxo aquelas que
apresentaram os maiores portes, com alturas de planta de 2,81 m; 2,77 m; e
2,73 m, e de espiga de 1,82 m; 1,84 m e 1,77 m, respectivamente. As menores
alturas de planta foram observadas para as variedades Sol da Manhã, Sol da
Manhã Catalão, BR 106 e MC 20, com valores de 2,27 m; 2,30 m; 2,31 m e
2,32 m, respectivamente. Sol da Manhã, MC 20 e Sol da Manhã de Catalão
foram as variedades com menor altura de espiga: 1,21 m; 1,26; m e 1,29 m,
respectivamente.

Tabela 18. Altura de plantas (m) dos ensaios de milho conduzidos em Montes Claros, MG;
Catalão, GO; Rio Quente, GO; Pirenópolis, GO e Ipiranga, GO. Ano agrícola 2008/2009.

Montes Rio
Tratamentos Catalão Pirenópolis Ipiranga Média
Claros Quente
1. Sol da Manhã 2,13 2,30 2,56 1,96 2,43 2,27
2. Eldorado 2,31 1,99 2,93 2,10 2,83 2,43
3. MC 20 2,03 2,44 2,63 2,08 2,43 2,32
4. MC 50 2,25 2,56 2,73 2,16 2,60 2,46
5. MC 60 1,95 2,50 2,70 2,20 2,76 2,42
6. Eldorado de Muqui 2,18 2,52 2,80 2,33 2,86 2,53
7. Fortaleza 2,51 2,39 3,00 2,33 2,73 2,59
8. Aliança 01 2,25 2,39 2,73 2,20 2,86 2,48
9. Aliança 02 2,28 2,56 2,80 2,15 2,73 2,50
10. Aliança 03 2,18 2,50 2,86 2,30 2,86 2,54
11. MPA 01 2,28 2,68 2,93 2,36 2,83 2,61
12. Cunha 2,58 2,37 3,26 2,63 3,00 2,77
13. Roxo 2,36 2,66 3,10 2,53 3,00 2,73
14. Pixurum 05 2,18 2,39 2,86 2,36 2,76 2,51
15. Caiano de Goiás 2,33 2,32 3,00 2,46 3,13 2,64
16. Asteca de Ipiranga 2,53 2,54 3,26 2,53 3,20 2,81
17. Sol da Manhã de Catalão 2,00 2,34 2,63 1,96 2,56 2,30
18. Eldorado Genético 2,31 2,45 2,86 2,23 2,83 2,53
19. BR 473 2,25 2,32 2,66 2,13 2,60 2,39
20. BR 106 2,08 2,06 2,70 2,03 2,70 2,31
Média 2,25 2,41 2,85 2,25 2,78 2,51
CV (%) 9,35 13,02 4,82 5,71 5,11 7,60
DMS (5%) 0,34 0,52 0,22 0,21 0,23 0,30

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 273


Tabela 19. Altura de espigas (m) dos ensaios de milho conduzidos em Montes Claros, MG;
Catalão, GO; Rio Quente, GO; Pirenópolis, GO e Ipiranga, GO. Ano agrícola 2008/2009.

Montes Rio
Tratamentos Catalão Pirenópolis Ipiranga Média
Claros Quente
1. Sol da Manhã 1,06 1,34 1,40 0,93 1,36 1,21
2. Eldorado 1,30 1,38 1,70 1,10 1,70 1,43
3. MC 20 1,08 1,46 1,40 1,03 1,36 1,26
4. MC 50 1,23 1,54 1,56 1,16 1,56 1,41
5. MC 60 1,08 1,48 1,60 1,18 1,56 1,38
6. Eldorado de Muqui 1,25 1,52 1,56 1,23 1,76 1,46
7. Fortaleza 1,45 1,63 1,80 1,23 1,60 1,54
8. Aliança 01 1,23 1,62 1,60 1,16 1,63 1,44
9. Aliança 02 1,20 1,55 1,63 1,16 1,60 1,42
10. Aliança 03 1,18 1,76 1,70 1,33 1,73 1,54
11. MPA 01 1,23 1,77 1,76 1,33 1,66 1,55
12. Cunha 1,60 1,77 2,23 1,63 2,00 1,84
13. Roxo 1,53 1,87 2,00 1,50 1,96 1,77
14. Pixurum 05 1,23 1,76 1,60 1,33 1,66 1,51
15. Caiano de Goiás 1,21 1,76 1,96 1,46 2,00 1,68
16. Asteca de Ipiranga 1,56 1,67 2,16 1,53 2,20 1,82
17. Sol da Manhã de Catalão 1,11 1,50 1,50 0,93 1,40 1,29
18. Eldorado Genético 1,35 1,47 1,70 1,15 1,60 1,45
19. BR 473 1,20 1,44 1,56 1,13 1,50 1,36
20. BR 106 1,21 1,33 1,63 1,13 1,60 1,38
Média 1,26 1,58 1,70 1,23 1,67 1,49
CV (%) 14,25 11,63 7,30 8,90 9,20 10,25
DMS (5%) 0,30 0,30 0,20 0,18 0,25 0,24

Na Tabela 20, são apresentados os dados de acamamento e quebramento,


e as variedades que tiveram maior porcentagem de quebramento e acamamento
foram as de porte mais alto: Roxo, Cunha e Caiano de Goiás, com 42%, 41%
e 35% de acamamento e quebramento. As que apresentaram menores índices
foram BR 106, MC 50 e MC 60 (16%, 19% e 19%, respectivamente).

274 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Tabela 20. Acamamento e quebramento (%) dos ensaios de milho conduzidos em Montes
Claros, MG; Catalão, GO; Rio Quente, GO; Pirenópolis, GO e Ipiranga, GO. Ano agrícola
2008/2009.

Montes Rio
Tratamentos Catalão Pirenópolis Ipiranga Média
Claros Quente
1. Sol da Manhã 25 5 5 35 35 21
2. Eldorado 30 5 5 50 35 25
3. MC 20 20 5 5 40 35 21
4. MC 50 20 5 10 20 40 19
5. MC 60 20 5 5 30 35 19
6. Eldorado de Muqui 25 5 5 65 30 26
7. Fortaleza 20 5 10 30 70 27
8. Aliança 01 60 5 5 50 55 34
9. Aliança 02 20 5 5 40 50 24
10. Aliança 03 40 5 5 40 50 28
11. MPA 01 45 5 5 40 40 27
12. Cunha 55 5 5 60 80 41
13. Roxo 60 5 15 60 70 42
14. Pixurum 05 55 5 5 60 50 35
15. Caiano de Goiás 70 5 5 50 45 35
16. Asteca de Ipiranga 30 5 5 40 70 30
17. Sol da Manhã de Catalão 20 5 10 40 40 23
18. Eldorado Genético 35 5 5 60 35 28
19. BR 473 15 5 5 50 40 23
20. BR 106 25 5 5 10 35 16
Média 34,5 5 6,25 43,5 47 27,25
CV (%)
DMS (5%)

O resultado da escolha comunitária das melhores variedades é


apresentado na Tabela 21. Essa escolha foi realizada nas localidades de Rio
Quente, GO, e Pirenópolis, GO, sendo as variedades Aliança 01, MC 60, Roxo
e Sol da Manhã aquelas que obtiveram a maior votação. Esse procedimento
foi bastante interessante porque mostrou a diversidade na escolha, pelas
comunidades, de variedades de diferentes germoplasma, caracterizados pela
coloração dos grãos e pelo tipo de endosperma.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 275


Tabela 21. Avaliação da comunidade (número de votos) dos ensaios de milho conduzidos
em Rio Quente, GO e Pirenópolis, GO. Ano agrícola 2008/2009.

Tratamentos Rio Quente Pirenópolis Total


1. Sol da Manhã 9 5 14
2. Eldorado 5 5 10
3. MC 20 5 8 13
4. MC 50 3 - 3
5. MC 60 11 5 16
6. Eldorado de Muqui 4 4 8
7. Fortaleza - 1 1
8. Aliança 01 18 - 18
9. Aliança 02 - - -
10. Aliança 03 7 4 11
11. MPA 01 11 - 11
12. Cunha - - -
13. Roxo 16 - 16
14. Pixurum 05 4 - 4
15. Caiano de Goiás 5 1 6
16. Asteca de Ipiranga 13 - 13
17. Sol da Manhã de Catalão 1 2 3
18. Eldorado Genético 4 2 6
19. BR 473 2 1 3
20. BR 106 1 1 2
Média
CV (%)
DMS (5%)

Na Tabela 22, apresentada-se a estimativa de produção de grãos


(kg/ha) das diferentes variedades de milho separadas em três grupos distintos:
variedades de melhoramento convencional, variedades de melhoramento
participativo e variedades construídas de forma participativa, avaliadas nos
ensaios realizados nos anos agrícolas de 2006/2007; 2007/2008; e 2008/2009.
Foram selecionadas apenas aquelas que participaram de todos os ensaios nos
três anos agrícolas.

276 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Tabela 22. Estimativa da produção de grãos (kg/ha) entre diferentes variedades de
milho separadas em três grupos distintos: variedades de melhoramento, convencional,
variedades de melhoramento participativo e variedades construídas de forma participativa,
avaliadas nos ensaios realizados nos anos agrícolas de 2006/2007; 2007/2008 e
2008/2009.

Tratamentos 2006/2007 2007/2008 2008/2009 Média geral


Variedades de melhoramento
convencional
BR 106 6.625 7.331 6.332 6.762
BR 473 5.515 6.708 5.392 5.871
Média 6.070 7.019 5.862 6.317 (100%)
Variedades de melhoramento
participativo
Sol da Manhã 5.752 6.795 5.524 6.023
Eldorado 7.190 8.180 6.907 7.425
Fortaleza 6.995 7.881 6.172 7.016
Média 6.645 7.618 6.201 6.821 (108%)
Variedades construídas de forma
participativa
MC 20 7.306 7.725 6.416 7.149
MC 50 6.949 8.060 6.352 7.120
MC 60 7.320 7.982 7.140 7.480
Média 7.191 7.922 6.636 7.249 (115%)

Por esses dados, observou-se que as variedades selecionadas de forma


convencional apresentaram uma média de produção para os três anos agrícolas
de 6.317 kg/ha, para as quais adotou-se o índice de 100%. As variedades
melhoradas de forma participativa tiveram a média de 6.821 kg/ha, correspondente
a 108% quando comparadas às variedades melhoradas de forma convencional.
As variedades construídas de forma participativa, por sua vez, produziram em
média 7.249 kg/ha, correspondendo a 115% quando comparadas às variedades
convencionais. Entre todas variedades, MC 60 e Eldorado foram as que mais
produziram (7.480 kg/ha e 7.425 kg/ha, respectivamente).

A estratégia de construir variedades novas a partir de variedades


locais em conjunto com variedades melhoradas consistiu em uma abordagem

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 277


exitosa dentro das atividades deste projeto, permitindo aproveitar as qualidades
genéticas das variedades locais, incrementar a introdução de novos genes
favoráveis e corrigir defeitos, como porte de planta, acamamento, entre outros.
Essa estratégia foi realizada a partir de cruzamentos dialélicos parciais, entre
variedades locais e variedades melhoradas com potencial adaptativo e com
caracteres favoráveis incluindo a produtividade, conforme descrito em Machado
et al. (2008).

A formação de novas variedades é uma estratégia bastante importante


para incrementar a diversidade genética do milho, visto que a maioria das
variedades locais de milho no Brasil encontra-se em franco processo de erosão
genética (MACHADO, 2007). Neste trabalho, foi possível observar a eficiência
da estratégia do melhoramento participativo na adaptação e incremento da
produtividade em sistemas agroecológicos e também em áreas marginais
que sofrem constantemente por problemas de estresse ambiental, estando de
acordo com diferentes autores que destacam essa importância (CHIFFLOLEAU;
DESCLAUX, 2006; HELLIM et al., 2008; DAWSON; MURPHY, 2008; MACHADO
et al., 2006).

A diversidade, a construção de novas variedades e o melhoramento


participativo foram estratégias bastante úteis nesse processo de identificação e
adaptação. Nesse sentido, destacaram-se as variedades melhoradas de forma
participativa Eldorado e Fortaleza, as novas variedades construídas MC 20,
MC 50 e MC 60 e a variedade local Aliança, com alto potencial de adaptação
e que podem ser utilizadas de imediato pelos agricultores, além de serem
incorporadas a programas de melhoramento participativo.

A estratégia do melhoramento pode ser multi e transdisciplinar, em que


o envolvimento do agricultor e de seu agroecossistema são fundamentais e
as ações participativas desse processo são as ferramentas necessárias para
o desenvolvimento de variedades adaptadas aos sistemas agroecológicos
(MACHADO et al., 2008).

278 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Referências
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sustainable agriculture. International Journal of Agricultural Sustainability, v. 4, n. 2,
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DAWSON, J. C.; MURPHY, K. M. Decentralized selection and participatory approaches


in plant breeding for low-input systems. Euphytica, v. 160, p. 143-254, 2008.

HELLIN, J.; BELLON, M. R.; BADSTUE, L.; DIXON, J.; LA ROVERE, R. Increasing the
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p. 717-744.

MACHADO, A. T.; PEREIRA, M. B.; PEREIRA, M. E.; MACHADO, C. T. de T.; MÉDICE,


L. O. Avaliação de variedades locais e melhoradas de milho em diferentes regiões do
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Milho crioulo: conservação e uso da biodiversidade. Rio de Janeiro: AS-PTA, 1998.
p. 93-106.

MACHADO, A. T.; FERNANDES, M. Participatory maize breeding for low nitrogen


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Publishers, 2004. p. 181-195. v. 2.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 279


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variedades locais e melhoradas de milho ao fósforo. Bragantia, v. 60, n. 30, p. 225-238,
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avaliados em esquema dialélico parcial. Revista Brasileira de Milho e Sorgo, v. 7, n. 3,
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280 Sistematização e Descrição dos Resultados de Pesquisa Participativa...


Capítulo 9

Melhoramento Participativo
de Mandioca nas Condições do
Cerrado: estudo de caso
Josefino de Freitas Fialho
Eduardo Alano Vieira
Marilia Santos Silva
Wânia Maria Gonçalves Fukuda
Melhoramento Participativo de
Mandioca nas Condições do Cerrado:
estudo de caso

Introdução
A mandioca (Manihot esculenta Crantz) é cultivada principalmente por
ter raízes tuberosas ricas em amido, ser tolerante à seca e se adaptar às mais
variadas condições de solo e clima. Dessa forma, ela é uma das principais
culturas da agricultura familiar dos países em desenvolvimento da zona tropical
(latitudes 30° Norte e Sul), nos continentes Sul Africano, Asiático e Latino
Americano, sendo uma das mais importantes fontes de calorias na dieta da
população desses países (COCK, 1985), e ocupando a posição da quarta cultura
mais importante no mundo, entre o grupo das culturas alimentícias básicas, que
inclui o arroz, trigo e milho (FAO, 2000).

No Brasil, centro de origem e de diversidade da espécie (OLSEN, 2004;


CARVALHO, 2005), a mandioca é produzida em todas as regiões, sendo 85%
da sua produção oriunda de pequenos produtores, principalmente de agricultura
familiar. Cardoso e Gameiro (2006) classificam os sistemas produtivos da cadeia
da mandioca em unidades domésticas, familiares e empresariais; e relatam que
as unidades familiares e empresariais respondem pela maior parte das raízes
produzidas na Região Centro Sul do Brasil.

A região do Cerrado brasileiro é um dos principais centros de dispersão da


mandioca e apresenta características de clima e solo que a colocam como uma das
mais indicadas para a produção da cultura no país (PERIM et al., 1991), entretanto
a região que ocupa 24% do território nacional apresenta produtividade média de
raízes de 11,30 t ha-1, 8% inferior à média nacional, que é de 12,30 t ha-1 (SOUZA;
FIALHO, 2003). As unidades de cultivo de mandioca da região se caracterizam
por serem gerenciadas por pequenos agricultores e se constituírem em sistemas

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 283


complexos e com peculiaridades bem definidas de cultivos, onde as raízes, em
sua grande maioria, são produzidas visando ao consumo próprio e, às vezes,
à comercialização do excedente, tanto na forma in natura, como de farinha e
polvilho, em sistemas definidos por Lorenzi et al. (1993) como “fundos de quintal”
ou de “subsistência”. Nesses sistemas, normalmente são utilizadas misturas de
variedades locais, a mão-de-obra é basicamente familiar e não são utilizadas
tecnologias modernas de cultivo, o que prejudica o rendimento e a qualidade
do produto final. Segundo Cardoso e Gameiro (2006), as raízes produzidas
nesses sistemas são estratégicas para a segurança alimentar do produtor
rural e mercados regionais, mas sem competitividade diante das condições
de grandes mercados, cada vez mais exigentes na qualidade do produto final
e na estabilidade de preços. Essas afirmações evidenciam a necessidade de
melhorias na eficiência dos sistemas produtivos da cadeia da mandioca nas
condições de Cerrado, visando ao aumento de produtividade de raiz, redução no
custo de produção e melhoria da qualidade do produto produzido.

Nesse contexto, são necessárias pesquisas e ações de transferência


de tecnologias visando à modernização dos sistemas produtivos atuais, tanto
para a cadeia produtiva de mandioca de mesa, como para a de indústria. Dessa
forma, o melhoramento participativo torna-se uma metodologia importante para
melhorias nesses sistemas, em face do intercâmbio de experiências entre os
componentes envolvidos na geração, difusão e adoção das tecnologias, aspecto
primordial, quando se objetiva a agricultura familiar.

Metodologia de Melhoramento Participativo


com Variedades de Mandioca
A metodologia de pesquisa participativa em melhoramento de mandioca
foi desenvolvida por pesquisadores do Centro Internacional de Agricultura
Tropical (Ciat) e da Corporação Colombiana de Pesquisa Agropecuária
(Corpoica), conforme Fukuda et al. (2006), citando Hernandez-Romero (1992),
com algumas alterações (Figura 1), conforme Vieira et al. (2008).

284 Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de caso


Fase 1 - Identificação da Comunidade

Fase 2 - Diagnóstico Participativo

Fase 3 - Planejamento

Forma de condução Escolha das


das Unidades de comunidades
Pesquisa

Escolha das Definição das


variedades técnicas de produção

Fase 4 - Implantação

Instalação de áreas de Instalação unidades


multiplicação de manivas- pesquisa participativa
semente

Fase 5 - Avaliação

Fase 6 - Retroalimentação

Figura 1. Fluxograma da metodologia do melhoramento participativo com variedades de


mandioca para agricultura familiar.
*Arte desenvolvida por Wládia Dantas Varella Barca, Assessora Sênior da Fundação Banco do Brasil.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 285


O melhoramento participativo com variedades de mandioca é uma
metodologia que preconiza a participação efetiva dos agricultores, extensionistas
e pesquisadores na seleção de variedades de mandioca para determinada região.
Essa metodologia propicia um intercâmbio de experiências entre produtores,
pesquisadores e extensionistas e, assim, aumenta a probabilidade de utilização
de novas variedades e viabiliza o treinamento dos produtores em técnicas
modernas de cultivo. A metodologia compreende as fases do diagnóstico,
planejamento, implantação, avaliação e retroinformação (FUKUDA et al., 2001),
fases que serão amplamente abordadas ao longo do presente texto.

O público-alvo dessa metodologia são os pequenos agricultores,


especialmente aqueles situados em áreas marginais, que plantam culturas
de subsistência, dispõem de pequenas áreas para o cultivo, usam pouca ou
nenhuma tecnologia, têm difícil acesso a novas variedades adaptadas a seus
sistemas de cultivo e, em certos casos, resistem à ideia de haver mudanças em
seus sistemas de produção (FUKUDA et al., 2001).

Fase de identificação da comunidade

O primeiro passo da metodologia envolve o contato entre a equipe


técnica e as entidades públicas e privadas representativas da região (secretarias
de agricultura, prefeituras, órgãos financiadores, sindicatos, ONGs, associações
de produtores, cooperativas, entre outras), visando colher informações que
possibilitem um reconhecimento do local e das comunidades. Durante esse
contato inicial, são identificados os grupos de produtores da região que possuem
a cultura da mandioca como um dos componentes de seus sistemas produtivos
ou que tenham interesse em iniciar o cultivo e que, assim, poderão fazer parte
do projeto.

Após a identificação dos possíveis grupos de interesse, é promovido um


seminário inicial para a exposição a esses grupos dos principais objetivos, metas
e fases do melhoramento participativo com a cultura da mandioca.

286 Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de caso


Fase do diagnóstico participativo

Nessa fase, é realizada, em cada comunidade pré-selecionada na fase


anterior, uma reunião com o objetivo de conhecer os problemas da região e
determinar quais são os fatores determinantes da baixa produtividade e qualidade
dos produtos obtidos a partir da mandioca; permite também, por meio de uma
análise participativa, o entendimento da realidade, das principais limitações,
necessidades e possíveis soluções para os problemas da cultura na região.

No diagnóstico, há um intercâmbio de informações entre a equipe técnica,


grupos de interesse da comunidade, produtores, extensionistas, agentes sociais,
representantes dos poderes públicos, entidades de classes, ONGs, entidades
financiadoras, entre outros. As questões são debatidas de maneira informal,
não sendo utilizado nenhum questionário, o que torna as discussões leves e
eleva a probabilidade de se determinar com exatidão quais são os fatores que
potencializam e quais restringem o desenvolvimento da cultura na região.

Os dados levantados sobre a cadeia produtiva da mandioca devem ser


de ordem qualitativa e quantitativa, envolvendo inclusive aspectos socioculturais,
e, principalmente, aspectos das tecnologias utilizadas nos sistema de produção,
beneficiamento e comercialização, como: os principais usos, sistemas de
plantio, tratos culturais, preparo do solo, correção do solo, adubação, pragas,
doenças, colheita, inserção no mercado, mão-de-obra utilizada, entre outros.
Também, são levantadas informações sobre o rendimento e qualidade das
raízes e dos produtos como farinha, fécula ou polvilho obtidos nas indústrias de
transformação, bem como a influência das variedades de mandiocas utilizadas
sobre essas características.

Com base nos resultados das discussões, é realizado o encaminhamento


das demandas da comunidade para os trabalhos futuros. Embora sejam
discutidos os principais problemas da cultura, é fundamental que se faça
uma escala de prioridades para os encaminhamentos a serem dados. Nesse
particular, normalmente são definidos como prioritários estudos com variedades

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 287


locais e introduzidas, ou seja, é dada importância ao melhoramento participativo
com variedades de mandioca.

Uma vez aceito pelos produtores que o melhoramento participativo com


variedades de mandioca é uma real necessidade dos produtores, é realizado um
treinamento sobre a metodologia da pesquisa participativa.

Treinamento dos produtores

Durante um período de pelo menos um dia, os produtores e técnicos


de cada comunidade selecionada são treinados em aulas teóricas, em um
curso de nivelamento técnico, sobre a cultura da mandioca e a metodologia do
melhoramento participativo, para que compreendam o processo como um todo.

Temas abordados no nivelamento técnico sobre a cultura da


mandioca

• Importância da mandioca no Brasil e no mundo.

• A toxidade da mandioca.

• Recursos genéticos e melhoramento de mandioca.

• Escolha da área, preparo e conservação do solo.

• Calagem e adubação do solo.

• Seleção do material de plantio.

• Sistemas de plantio e tratos culturais.

• Manejo integrado das principais doenças.

• Manejo integrado das principais pragas.

• Raízes, subprodutos e parte aérea na alimentação animal.

• Aspectos econômicos e do agronegócio da mandioca.

288 Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de caso


• Industrialização da farinha, fécula ou polvilhos.

• Aproveitamento de produtos de mandioca.

Temas abordados no nivelamento técnico sobre a metodologia


do melhoramento participativo:

• Melhoramento participativo com variedades de mandioca: definição,


enfoque, justificativa, filosofia e estratégia.

• Fases do melhoramento participativo com variedades de mandioca:


diagnóstico, planejamento, implantação, avaliação e retroinformação.

Fase de planejamento

Na fase de planejamento, é realizada uma reunião com os produtores


das comunidades selecionadas e representantes de entidades públicas e
privadas representativas da região. É importante que os participantes tenham
sido treinados na metodologia e que tenham a cultura da mandioca como um dos
componentes de seus sistemas produtivos ou que tenham interesse em iniciar
seu cultivo. Nessa etapa, é apresentada a forma de condução das unidades de
melhoramento participativo e é realizada a seleção dos produtores, a definição
das propriedades representativas da comunidade, a definição das variedades a
serem testadas, a definição dos responsáveis que disponibilizarão as manivas-
sementes para implantação da área de multiplicação, bem como a definição das
técnicas a serem utilizadas no sistema de produção da mandioca. Nessa reunião,
são definidas, ainda, quais as comunidades e produtores que realmente têm
interesse no cultivo da mandioca, e que vão participar do processo participativo
de seleção de variedades de mandioca. Assim, essa fase é considerada a mais
importante do processo, uma vez que, se não forem identificados produtores
e comunidades com real interesse no cultivo da mandioca, a metodologia não
surtirá o efeito desejado.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 289


Forma de condução das unidades de melhoramento
participativo

Em virtude das condições de Cerrado, implementou-se, na metodologia,


uma modificação, ou seja, no primeiro e no segundo ano, as variedades a
serem testadas são plantadas em uma das áreas em blocos ao acaso, em três
repetições, com parcelas de 40 plantas, sendo quatro linhas com 10 plantas
cada, possibilitando assim uma abordagem estatística dos dados obtidos.

a) No primeiro ano, é realizada a multiplicação, em uma só área, das manivas-


sementes das variedades locais de mesa e (ou) indústria e das variedades
introduzidas de mesa e (ou) indústria, que irão fazer parte das unidades de
melhoramento participativo. Essa etapa visa à obtenção de manivas-sementes
suficientes para a instalação das unidades de melhoramento participativo e à
uniformização das manivas-sementes das variedades a serem testadas. Nas
áreas de multiplicação, são multiplicadas ao menos 10 variedades de mesa
e 10 de indústria, em blocos de multiplicação com 10 linhas com 10 plantas
de cada variedade a ser avaliada (mesa e indústria), e dois experimentos,
sendo um com variedades de mesa e outro com variedades de indústria em
delineamento de blocos ao acaso, com três repetições, em que cada parcela
é composta por 4 linhas com 10 plantas de cada variedade.

b) No segundo ano, são instaladas, nas áreas dos produtores, 15 unidades


de melhoramento participativo com 10 variedades de mandioca de mesa
e 15 unidades de melhoramento participativo com 10 variedades de
mandioca de indústria. As unidades são instaladas seguindo a metodologia
do melhoramento participativo e consistem da avaliação de pelo menos 10
variedades (mesa ou indústria) em blocos de 5 linhas com 10 plantas por
linha; e também são repetidos os dois experimentos conduzidos no primeiro
ano (Figura 1).

c) No terceiro ano, as unidades implantadas no segundo ano são colhidas


e replantadas nos mesmos locais do ano anterior; podem também ser

290 Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de caso


instaladas novas unidades, com as mesmas variedades, em áreas de outros
produtores; e são instaladas novas áreas de multiplicação das manivas-
sementes, a fim de que, ao final do projeto, os produtores disponham de
manivas-sementes das variedades selecionadas para iniciarem seus plantios
comerciais.

Escolha dos produtores e propriedades representativas da


Comunidade

No processo de seleção dos produtores e propriedades, são considerados


alguns critérios, como:

São selecionadas propriedades em que o aumento da amplitude da


variabilidade genética de mandioca seja realmente importante.

No primeiro ano, em que todas as variedades a serem testadas são


conduzidas em uma única área de multiplicação de manivas-sementes,
é selecionada, preferencialmente, uma área coletiva da comunidade ou
assentamento.

No segundo e terceiro ano, como são plantadas 15 unidades de mandioca


de mesa e 15 de indústria, além de áreas para multiplicação de manivas-
sementes, são selecionados 15 produtores que tenham:

• Realmente a cultura da mandioca como componente de seus sistemas


produtivos.

• Real interesse em conduzir unidades com novas variedades de


mandioca.

• Fácil relacionamento pessoal, o que facilita o intercâmbio de


informações.

• E entendam que têm que disponibilizar parte das manivas-sementes


produzidas para outros produtores.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 291


Em todos os locais onde são conduzidos os experimentos, são retiradas
amostras do solo para a realização de análises químicas e físicas do solo.

Escolha das variedades a serem testadas

A metodologia do melhoramento participativo tem como um de seus


objetivos a introdução de novas variedades de mandioca nas áreas de cultivo dos
agricultores, para que elas sejam comparadas com as variedades tradicionalmente
utilizadas pelos produtores (variedades locais). A fundamentação da necessidade
dessa comparação, nas propriedades dos produtores, baseia-se principalmente
no fato de que, nas estações de pesquisa, não é possível repetir o ambiente de
cultivo do produtor e determinar qual variedade será superior no ambiente do
produtor.

Ao final do processo de escolha das variedades são:

• Relacionadas nominalmente as principais variedades locais, de mesa


(4 ou 5) e de indústria (4 ou 5), que terão suas manivas-sementes
multiplicadas.

• Relacionados os produtores que disponibilizarão as manivas-


sementes dessas variedades, para a implantação das áreas de
multiplicação.

• Relacionadas nominalmente as variedades de mesa e de indústria a


serem introduzidas de Bancos de Germoplasma ou de programas de
melhoramento genético.

Definição das técnicas utilizadas no sistema de produção

Normalmente, na condução das áreas de multiplicação e unidades de


melhoramento participativo, recomenda-se a utilização da tecnologia de manejo
tradicional do produtor, de modo que a variável seja a variedade. Entretanto, em
função dos resultados das análises dos solos, pode ser realizada a calagem e
adubação das áreas, em especial, quando a comunidade-alvo não apresenta

292 Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de caso


histórico de produção de mandioca, como ocorre na maioria dos assentamentos
da região do Cerrado do Brasil Central. Da mesma forma, são observados os
principais cuidados, conforme discutido no curso de nivelamento realizado
anteriormente, com a seleção e preparo das manivas-sementes, preparo e
conservação do solo, manejo e tratos culturais, controle de pragas e doenças e
a colheita.

Fase de implantação

Nessa fase, é imprescindível a participação efetiva dos produtores e


técnicos, desde o plantio até a colheita. O diálogo constante permite o intercâmbio
de informações de modo a contornar os problemas, que por ventura venham
acontecer durante a condução do trabalho.

Dentro do possível, é importante que a tecnologia do sistema de produção


seja a normalmente utilizada pelo produtor, entretanto, com o diálogo existente,
paulatinamente, é possível a utilização de tecnologias mais recomendadas para
cada caso.

Durante essa fase, no primeiro ano, são instaladas as unidades para


multiplicação de manivas-sementes das variedades a serem testadas, em área
coletiva ou em uma área particular de um produtor, visando uniformizar os
materiais para os plantios. A partir do segundo ano, são instaladas, além das
áreas para multiplicação das manivas-sementes, as unidades de melhoramento
participativo nas áreas dos produtores selecionados.

Multiplicação das manivas-sementes

Na cultura da mandioca, considera-se a capacidade de multiplicação de


manivas-sementes de 1:5, o que contribui para uma baixa disponibilidade de
material vegetativo para o plantio. Assim, durante o primeiro ano, é instalada uma
área com as variedades de mesa e uma com as de indústria para a multiplicação
das manivas-sementes e avaliações experimentais:

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 293


• Variedades de mesa e de indústria: é instalado um experimento com
10 variedades de mesa e um com 10 variedades de indústria em
delineamento experimental de blocos ao acaso com três repetições,
sendo cada parcela composta por 4 linhas com 10 plantas (totalizando
120 manivas-sementes selecionadas de cada variedade). Em uma
área ao lado, são também plantadas, para multiplicação de manivas-
sementes, blocos com 10 linhas e 10 plantas das mesmas variedades
(mesa e indústria), totalizando mais 100 manivas-sementes por
variedade. Ao todo serão necessárias 220 manivas-sementes de
cada variedade local ou introduzida de mesa ou indústria.

• Após a avaliação das variedades ao final do primeiro ano, o plantio


dos dois experimentos na mesma área é repetido com o objetivo
de verificar a estabilidade de comportamento dos genótipos em
condições experimentais. Com essa modificação na metodologia,
além das informações estatísticas sobre os dados, são obtidas as
manivas-sementes de cada variedade para a instalação de pelo
menos 15 unidades de melhoramento participativo com variedades
de mesa e 15 unidades com as de indústria nas áreas dos produtores.
No terceiro ano, é instalada uma nova área de multiplicação de
manivas-sementes a fim de que, ao final do projeto, os produtores
disponham de manivas-sementes das variedades selecionadas para
iniciarem seus plantios comerciais.

Unidades de melhoramento participativo

A partir do final do primeiro ano, são iniciados os plantios das unidades


de melhoramento participativo com as variedades de mandioca de mesa e
as de indústria, nas áreas dos produtores selecionados. São instaladas pelo
menos 15 unidades com variedades de mandioca de mesa e pelo menos 15 com
variedades de mandioca de indústria, sendo duas unidades, uma de mesa e uma
de indústria, em cada propriedade.

294 Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de caso


Cada unidade é implantada com 50 plantas de cada uma das 10
variedades, em um bloco de 5 linhas com 10 plantas. Considerando os 15 locais
a serem plantados, são necessárias 750 manivas de cada variedade, ou seja, um
total de 7.500 manivas-sementes de cada variedade de mesa e 7.500 manivas-
sementes de cada variedade de indústria.

No final do segundo ano, essas unidades são novamente implantadas


nos mesmos locais e com as mesmas variedades, sendo necessárias
novamente 750 manivas-sementes de cada variedade de mesa ou de indústria.
Ao final do segundo ano, cada unidade terá produzido 250 manivas-sementes
de cada variedade, ou seja, haverá um excedente de 200 manivas-sementes por
variedade. Manivas-sementes estas que são utilizadas no plantio de áreas de
multiplicação no próprio local, ou em outro local na comunidade, totalizando nos
15 locais 3.000 manivas-sementes de cada variedade.

No final do terceiro ano, são plantadas as áreas de multiplicação de


manivas-sementes das melhores variedades de mesa e de indústria, para essa
comunidade. Nessa época, estarão disponibilizadas para o plantio cerca de
18.750 manivas-sementes de cada variedade de mesa selecionada e 18.750
manivas-sementes de cada variedade de indústria; das quais 18.000 seriam
para multiplicar e distribuir com os produtores da própria comunidade, e 750
manivas-sementes de cada variedade, mesa e indústria serão fornecidas para
outras comunidades.

Assim, cada comunidade estará disponibilizando cerca de 7.500


manivas-sementes de variedades de mesa e cerca de 7.500 manivas-sementes
de variedades de indústria para outra comunidade, onde se reiniciará o ciclo do
melhoramento participativo com variedades de mandioca, ainda, sem considerar
as variedades multiplicadas em delineamento experimental na área coletiva.

Fase de avaliação
Durante essa fase, é decisiva a participação do grupo de produtores,
uma vez que ele é o ponto focal do projeto, e que as avaliações sejam realizadas

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 295


durante todo o ciclo da cultura, visando monitorar o campo produtivo. As
informações obtidas são registradas em caderno de campo e são classificadas
em quantitativas (objetivas) e qualitativas (subjetivas). O caderno de campo
permite o registro e a análise das informações obtidas e a sistematização
dos descritores necessários para a fase de retroalimentação (produtores x
pesquisadores x extensionistas). Os dados obtidos a campo são analisados por
meio da metodologia desenvolvida por Hernandez-Romero (2000) e transmitidos
aos produtores na fase de retroalimentação.

Avaliações quantitativas

São aquelas que expressam as medidas objetivas de parâmetros


indicadores dos efeitos dos fatores de produção sobre as variedades que estão
sendo testadas. As avaliações são realizadas durante todo o ciclo da cultura
(avaliações intermediárias) e no momento da colheita (avaliações finais).

Avaliações intermediárias

• Brotação: a brotação é avaliada aos 40 a 60 dias após o plantio, por


meio da contagem do número de plantas que emergirem por parcela,
uma vez que as variedades diferem quanto à velocidade e capacidade
de brotação das manivas-sementes.

• Ocorrência de pragas: a ocorrência de pragas é avaliada por meio


de inspeções semanais, visando detectar a ocorrência das principais
pragas (formigas, cupins, corós, mandarová, percevejo-de-renda,
cochonilhas, entre outras) e a necessidade de medidas controle.

• Ocorrência de doenças: a ocorrência de doenças será avaliada por


meio de inspeções semanais, visando detectar a ocorrência das
principais doenças (bacteriose, superbrotamento, superalongamento,
cercosporiose, viroses, podridões radiculares, entre outras) e a
necessidade de medidas de controle.

296 Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de caso


Avaliações finais

• Plantas aptas para colheita: o número de plantas aptas para a colheita


é determinado por meio da contagem do número de plantas que serão
colhidas.

• Altura da planta: a altura da planta é determinada por meio da


mensuração da altura da planta do solo ao ápice.

• Altura da primeira ramificação: a altura da primeira ramificação


é determinada por meio da mensuração da altura da primeira
ramificação da planta do solo à primeira bifurcação da haste. Esse
parâmetro, juntamente com o de altura da planta, dá indicativos da
arquitetura da planta, que é importante para a produção de manivas-
sementes e facilidade da realização dos tratos culturais.

• Peso total da parte aérea: o peso total da parte é determinado, em


quilogramas (kg), por meio da pesagem da parte aérea de todas as
plantas da parcela.

• Número de raízes por planta: o número de raízes por planta é


determinado por meio da contagem do número total de raízes na
parcela e, posterior, pelo cálculo do número médio de raízes por planta.

• Número de raízes comerciais: o número de raízes comerciais é


determinado, somente nas unidades com variedades de mandioca de
mesa, por meio da contagem do número de raízes produzidas com
padrão comercial.

• Peso das raízes comerciais: o peso das raízes comerciais, em


quilogramas (kg), é determinado somente nas unidades com variedades
de mandioca de mesa, por meio da pesagem das raízes comerciais.

• Peso total das raízes: o peso total das raízes é determinado, em


quilogramas (kg), por meio da pesagem de todas as raízes produzidas
na parcela.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 297


• Peso das cepas: o peso das cepas é determinado, em quilogramas
(kg), por meio da pesagem de todas as cepas (maniva-semente
original que foi utilizada no plantio) produzidas na parcela.

• Teor de amido nas raízes: o teor de amido nas raízes é determinado


em laboratório, por meio de balança hidrostática. Para isso, serão
tomadas, a campo, amostras de cerca de três quilos de raízes de
cada parcela.

• Teor de HCN nas raízes: o teor de HCN nas raízes é determinado


em laboratório, por meio da metodologia qualitativa ou colorimétrica,
utilizando uma amostra de cinco raízes produzidas por parcela
(pode-se utilizar a mesma amostra utilizada para o teor de amido).

• Tempo de cozimento das raízes: o tempo de cozimento das raízes é


determinado somente nas parcelas com variedades de mandioca de
mesa, por meio do tempo em minutos para a cocção, em laboratório,
de uma amostra de quatro raízes produzidas na parcela (pode-se
utilizar a mesma amostra utilizada para o teor de amido).

Avaliações qualitativas

São as avaliações classificadas como subjetivas, que expressam a


qualidade dos materiais que estão sendo testados. São realizadas na época da
colheita.

• Ordem de preferência: a ordem de preferência das variedades é


determinada por meio da manifestação espontânea e objetiva das
opiniões dos produtores a respeito de cada variedade, fazendo
comentários sobre as principais características das plantas. Com
base nesses comentários, é feita uma classificação das variedades
utilizando-se uma escala de 1 a 10, de acordo com a ordem de
preferência.

298 Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de caso


• Tombamento: o nível de tombamento das plantas é determinado por
meio da classificação das variedades em relação à capacidade de
tombar ou não.

• Distribuição de raízes: a distribuição das raízes é determinada por


meio da classificação das variedades em relação à disposição das
raízes em relação à cepa. As classes utilizadas são: bem distribuídas
(maioria das raízes estão voltadas para a parte terminal da cepa, em
forma de mão) ou mal distribuídas (as raízes estão voltadas para
todos os lados). Essa característica é importante na fase de colheita
ou arranquio.

• Comprimento do pedúnculo: em relação ao comprimento do


pedúnculo, as variedades são classificadas em três classes: séssil
(sem pedúnculo), pedúnculo curto e pedúnculo longo, sendo o
pedúnculo o seguimento que liga a raiz de reserva à cepa.

• Facilidade de colheita: em relação à facilidade de colheita, as


variedades são classificadas como: de fácil ou difícil arranquio.

• Cor da película da raiz: em relação à cor da película das raízes, as


variedades são classificadas como: de película branca ou creme,
marrom-claro e marrom-escuro. A película é a epiderme externa da
raiz, ou seja, a cor externa da raiz. Essa característica é importante
para a produção de farinha, principalmente em fábricas onde o
sistema de lavagem é automatizado.

• Cor do córtex da raiz: em relação à cor do córtex da raiz, as variedades


são classificadas como: de córtex branco ou creme, rosado ou roxo. O
córtex é a casca da raiz após a retirada da película. Essa característica
é importante para a produção de farinha, principalmente em fábricas
cujo o sistema de lavagem é automatizado.

• Cor da polpa da raiz: em relação à cor da polpa da raiz, as variedades


são classificadas como: de polpa branca, creme, amarela e rosada.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 299


Essa característica é importante para as variedades de mandioca de
mesa, por estar ligada aos aspectos nutricionais, e na produção de
farinhas amarelas.

• Soltura da película da raiz: em relação à soltura da película da raiz,


as variedades são classificadas como: de soltura fácil ou difícil. Essa
característica é importante na produção de farinha.

• Facilidade de descascamento da raiz: em relação à facilidade de


descascamento da raiz, as variedades são classificadas como: de
descascamento fácil ou difícil. Essa característica é importante nas
variedades de mandioca de mesa.

• Forma da raiz: em relação à forma da raiz, as variedades são


classificadas como: de forma da raiz cilíndrica, cônica, cônica
cilíndrica e irregular. Essa característica é importante nas variedades
de mandioca de mesa, para atender ao mercado consumidor, e para
a colheita mecanizada.

• Constrições da raiz: em relação à presença de constrições na raiz, as


variedades são classificadas quanto às constrições nas raízes em:
variedades sem constrições, com poucas ou com muitas constrições.
Essa característica é importante porque as constrições dificultam o
descascamento das raízes.

Análise dos resultados

Os dados são analisados por meio da metodologia estabelecida


por Hernandez-Romero (2000), por meio da qual são delineadas matrizes
com a ordem e a frequência de preferência das variedades e calculadas as
probabilidades absolutas e acumuladas de aceitação para cada variedade.

300 Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de caso


Fase de retroinformação
Durante as avaliações e o diálogo constante estabelecido com os
produtores em todas as fases dos trabalhos, são obtidas informações a respeito
do sistema de cultivo e das formas de utilização da mandioca por parte dos
produtores. Também são identificados os critérios utilizados pelos produtores
na adoção das variedades, que retroalimentarão o trabalho de melhoramento
genético de mandioca nas unidades de pesquisas e os sistemas de produção de
mandioca utilizados pelos produtores.

Nessa fase, após as análises dos dados, é realizado um encontro final


com os produtores das comunidades para o repasse e discussão de todos os
resultados obtidos e um dia de campo para o lançamento ou indicação das
variedades selecionadas.

Estudo de Caso na Seleção Participativa de


Variedades de Mandioca
Em diagnóstico participativo no núcleo comunitário do Assentamento
Cunha, localizado na Cidade Ocidental, GO, identificou-se a necessidade de
estudos com a cultura da mandioca, em face dos baixos rendimentos obtidos
em âmbito local e do desconhecimento dos produtores em tecnologias do
sistema de produção da cultura, aliado ainda à oportunidade de mercado de
mandioca de mesa em razão das proximidades a Brasília, DF. Sendo assim, nas
safras 2005/2006 e 2006/2007, foram instalados experimentos de competição
de cultivares de mesa na área comunitária do Assentamento Cunha, visando
à multiplicação e padronização das manivas-sementes a serem utilizadas nas
provas participativas. Os resultados desses experimentos foram discutidos por
Paula et al. (2008).

No trabalho foram avaliados nove acessos de mandioca de mesa


mantidos no Banco de Germoplasma de Mandioca do Cerrado (BGMC) e uma
testemunha local, totalizando os 10 genótipos, listados na Tabela 1. Os acessos
foram avaliados em oito provas participativas no Assentamento Cunha na

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 301


Cidade Ocidental, GO, e uma no assentamento Colônia II, em Padre Bernardo,
GO. A seleção de manivas-sementes e os tratos culturais seguiram o manejo
normalmente utilizado pelos produtores. A adubação fosfatada foi efetuada
conforme análise do solo por meio da aplicação de Yoorin no sulco de plantio.
Cada unidade foi implantada com 50 plantas de cada um dos 10 acessos, em
blocos de 5 linhas com 10 plantas, em espaçamento de 1,20 m entre linhas e
0,80 m entre plantas.

Tabela 1. Acessos de mandioca de mesa avaliados com respectivos nomes comuns,


coloração da polpa da raiz (CPR) e teor de HCN nas raízes em ppm (HCN).

Acessos Nome comum CPR HCN*


BGMC 34 Mantiqueira branca 15-25
BGMC 751 Japonesa amarela 15-25
BGMC 753 IAC 756-70 / Japonesinha creme 15-25
BGMC 979 Cacau branca 15-25
BGMC 982 IAPAR 19 / Pioneira creme 10-15
BGMC 1246 Americana branca 15-25
BGMC 1254 Buriti branca 25-40
BGMC 1289 Taquara Amarela amarela 15-25
Testemunha Vassourinha Local branca 15-25
BGMC 962 Vassourinha branca 25-40

* Aferido na colheita por meio do método qualitativo descrito por Willians e Edwards (1980) na área
comunitária do Assentamento Cunha.

Os caracteres aferidos no momento da colheita foram: (a) altura da


planta em m (AP); (b) peso da parte aérea sem a cepa em kg ha-1 (PPA); (c)
produtividade de raízes em kg ha-1 (PR); (d) porcentagem de amido nas raízes
por meio do método da balança hidrostática (AM); e (e) tempo de cocção em
minutos (TC). Também, no momento da colheita, após as aferições dos dados e
considerando todo o desenvolvimento da lavoura, os agricultores classificaram os
acessos em função da ordem de preferência deles, sendo o acesso considerado
superior ordenado como número 1. Com base nos dados aferidos no campo, foi
estimada a média de cada acesso para cada caráter e, com os dados da ordem
de preferência, foram estimadas as probabilidades de aceitação de cada acesso
e os parâmetros da regressão logística, por meio da metodologia descrita por
Hernandez-Romero (2000).

302 Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de caso


Entre os acessos aferidos, verifica-se a existência de variabilidade
quanto à coloração da polpa da raiz e ao teor de HCN nas raízes (Tabela 1) e que
todos os acessos testados possuem valores inferiores a 100 ppm de HCN nas
raízes sendo, portanto, classificados como variedades de mandioca de mesa,
macaxeira ou aipim, dados importantes para os produtores, porque revelam que
as raízes dos acessos estudados podem ser consumidas in natura, tanto na
alimentação humana quanto animal.

As médias dos acessos para os caracteres agronômicos aferidos e a


amplitude de variação das médias, nas nove provas, revelaram a existência de
diferenças no potencial genético dos acessos para os caracteres de AP, PPA,
PR, AM e TC (Tabela 2). Variações que reforçam a necessidade de se efetuar
o teste com genótipos diferentes, principalmente em ambientes de agricultura
familiar. Entre os caracteres aferidos, os considerados mais importantes para
a indicação de um acesso de mandioca de mesa para o cultivo são o teor de
HCN nas raízes que necessariamente tem de ser inferior a 100 ppm, a PR que
tem que ser a mais alta possível, o TC que deve ser o mais baixo possível, o
PPA e a AP que devem ser o mais alto possível para se viabilizar a utilização na
alimentação animal, bem como a cor da polpa da raiz que, para a região do DF
e entorno, deve ser creme ou amarela (VIEIRA et al., 2007).

No momento da colheita, os agricultores efetuaram a classificação dos


acessos em relação à sua preferência para o plantio, considerando todo o ciclo
da cultura e não somente o resultado da colheita. Sendo assim, em cada um dos
nove locais de seleção participativa, os acessos foram classificados de forma
decrescente, sendo o melhor acesso, segundo os produtores, ordenado na
posição um e o pior na posição dez (Tabela 3). Nesse momento, também foram
detectados quais são os principais critérios utilizados na seleção de acessos de
mandioca por parte dos produtores. Foi observado que os produtores conhecem
o mercado de mandioca do DF e, portanto, deram preferência a acessos com
coloração da polpa creme ou amarela, além disso os produtores deram atenção
ao TC que está intimamente relacionado com a qualidade dos acessos, bem
como a resistência a pragas e doenças e vigor inicial que está relacionado à
rápida cobertura do solo e controle de plantas invasor.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 303


Tabela 2. Média dos caracteres altura da planta em m (AP), peso da parte aérea sem a
cepa em kg ha-1 (PPA), produtividade de raízes em kg ha-1 (PR), porcentagem de amido
nas raízes por meio do método da balança hidrostática (AM) e tempo para a cocção
em minutos (TC), avaliados em dez acessos de mandioca de mesa em nove provas
participativas de mandioca no Assentamento Cunha na Cidade Ocidental, GO.

Acesso Caracteres
AP PPA PR AM TC
BGMC 34 1,80 16.859 19.050 27,84 29,05
BGMC 751 1,51 18.492 25.942 29,55 25,52
BGMC 753 1,79 16.811 23.383 28,78 24,89
BGMC 979 1,50 19.654 20.297 28,94 24,85
BGMC 982 1,71 17.382 23.020 30,11 24,30
BGMC 1246 2,01 18.209 20.711 27,85 28,13
BGMC 1254 2,14 17.125 22.228 27,19 26,37
BGMC 1289 1,41 16.151 24.067 20,71 23,04
Testemunha 1,59 15.101 20.202 28,32 27,13
BGMC 1289 1,51 13.820 22.856 28,69 26,78
Amplitude* 0,73 5.834 6.892 2,92 6,01

* diferença entre a maior e a menor média.

Tabela 3. Ordem de preferência dos agricultores em relação a dez acessos de mandioca


de mesa avaliados em nove provas participativas no Assentamento Cunha na Cidade
Ocidental, GO.

Ordem de preferência dos agricultores


Acessos
1° 2° 3° 4° 5° 6° 7° 8° 9° 10°
BGMC 1289 4 3 0 0 0 2 0 0 0 0
BGMC 962 0 1 3 3 0 0 0 0 1 1
BGMC 979 0 0 1 0 1 3 3 1 0 0
BGMC 753 2 3 2 2 0 0 0 0 0 0
BGMC 1246 0 0 0 1 3 0 2 3 0 0
BGMC 751 2 2 2 1 0 2 0 0 0 0
BGMC 1254 0 0 0 0 2 1 3 0 3 0
BGMC 982 1 0 1 1 3 1 0 1 0 1
Testemunha 0 0 0 1 0 0 1 3 4 0
BGMC 34 0 0 0 0 0 0 0 1 1 7

304 Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de caso


Com base na ordem de preferência dos acessos, foi observado que os
que mais figuraram na primeira ou segunda posição foram BGMC 1289, BGMC
753 e BGMC 751 e que o que mais figurou nas últimas posições foi o BGMC 34
(Tabela 3). Com base na matriz de preferências, foi estimada a probabilidade
acumulada de aceitação dos acessos que esta apresentada na Tabela 4.

Tabela 4. Probabilidade acumulada de aceitação de dez acessos de mandioca de mesa


avaliados em nove provas participativas no Assentamento Cunha na Cidade Ocidental, GO.

Probabilidade acumulada (%)


Acessos
1° 2° 3° 4° 5° 6° 7° 8° 9° 10°
BGMC 1289 44,44 77,78 77,78 77,78 77,78 100 100 100 100 100
BGMC 962 0 11,11 44,44 77,78 77,78 77,78 77,78 77,78 88,89 100
BGMC 979 0 0 11,11 11,11 22,22 55,56 88,89 100 100 100
BGMC 753 22,22 55,56 100 100 100 100 100 100 100 100
BGMC 1246 0 0 0 11,11 44,44 44,44 66,67 100 100 100
BGMC 751 22,22 44,44 66,67 77,78 77,78 100 100 100 100 100
BGMC 1254 0 0 0 0 22,22 33,33 66,67 66,67 100 100
BGMC 982 11,11 11,11 22,22 33,33 66,67 77,78 77,78 88,89 88,89 100
Testemunha 0 0 0 11,11 11,11 11,11 22,22 55,56 100 100
BGMC 34 0 0 0 0 0 0 0 11,11 22,22 100

Entre os acessos avaliados, destacaram-se amplamente três acessos:


(a) BGMC 1289, conhecido popularmente na região como Taquara Amarela, que
apresentou 44,44% de probabilidade de ser o preferido para estar em primeiro
lugar e 77,78% de chances de ser o segundo colocado ou figurar entre os três
primeiros acessos; (b) BGMC 753, conhecido popularmente na região como
Japonesinha, que apresentou 22,22% de chances de ser classificado como
o melhor acesso; 55,56% de chances de ser o segundo colocado e 100% de
chances de figurar entre os três melhores acessos; e (c) BGMC 751, conhecido
popularmente na região como Japonesa, que apresentou 22,22% de chances de
ser classificado como o melhor acesso, 44,44% de chances de ser o segundo
colocado e 66,67% de chances de figurar entre os três melhores acessos.
Entre esses três acessos, somente BGMC 753 (Japonesinha) está atualmente

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 305


recomendado para o cultivo no Distrito Federal e Entorno (VIEIRA et al., 2007).
Dessa forma, merecem destaque os acessos BGMC 1289 (Taquara Amarela)
e BGMC 751 (Japonesa), que apresentam potencial para o lançamento como
variedades na região do entorno do DF por apresentarem boa aceitação por
parte dos produtores. Esses acessos apresentam o diferencial de possuírem
coloração da polpa da raiz amarela, que está relacionada à qualidade nutricional
do produto, uma vez que as variedades de polpa amarela são ricas em
betacaroteno, que é o precursor da Vitamina A, características que os destacam
como alimento funcional. Entretanto esses acessos necessitam serem avaliados
em um maior número de locais e anos para ter sua superioridade comprovada.

Também foram estimados os parâmetros da regressão logística (a), (b)


e (r ) (Tabela 5). Entre os acessos avaliados, os que apresentaram os maiores
2

valores de (a) foram BGMC 1289, BGMC 753 e BGMC 751, que são os acessos
que apresentam a maior probabilidade de serem classificados pelos produtores
nas primeiras posições na ordem de preferência. Os acessos Testemunha,
BGMC 34 e BGMC 1254 apresentaram as menores probabilidades de serem
classificados nos primeiros postos e, portanto, não devem ser recomendados
para o plantio no local.

Dessa forma, sobressaíram, nas provas de seleção participativa com os


produtores, os acessos BGMC 753, BGMC 1289 e BGMC 751, que constituem
opções de variedades de mandioca de mesa representadas pela produtividade,
coloração creme e (ou) amarela da polpa e qualidade culinária de suas raízes.

Vale ressaltar a efetiva participação dos produtores em todas a fases


do trabalho, desde o planejamento e treinamento na metodologia (Figura 1),
implantação (Figura 2), acompanhamento (Figura 3) e a avaliação e seleção
das variedades de mandioca (Figura 4). Da mesma forma, a importância de
terem sido inseridos no mercado da agricultura orgânica, onde as variedades de
raízes de polpa amarela vieram não só para fortalecer esse mercado como um
dos principais produtos, como também na qualidade e segurança alimentar da
comunidade.

306 Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de caso


Tabela 5. Estimativas dos parâmetros da regressão logística, intercepto (a), coeficiente
de regressão (b) e coeficiente de determinação (r2) de dez acessos de mandioca de mesa
avaliados em nove provas participativas, no Assentamento Cunha, na Cidade Ocidental,
GO.

Parâmetros da regressão logística


Acessos
a b r2
BGMC 1289 0,05 0,57 0,74
BGMC 962 0,09 0,01 0,78
BGMC 979 0,14 -0,28 0,91
BGMC 753 0,07 0,48 0,59
BGMC 1246 0,13 -0,29 0,93
BGMC 751 0,08 0,34 0,81
BGMC 1254 0,13 -0,32 0,91
BGMC 982 0,11 -0,03 0,93
Testemunha 0,11 -0,32 0,77
BGMC 34 0,07 -0,24 0,42

Outro aspecto importante a ser salientado é a adoção, pelos produtores


do Assentamento Cunha, da tecnologia de fileiras duplas nos seus plantios de
mandioca, visando basicamente duas vantagens ao sistema de plantio de fileiras
simples anteriormente utilizado, ou seja, o melhor aproveitamento da área de
plantio e as possibilidades de consorciação com outra cultura sem prejudicar o
mandiocal (Figura 5).

Agradecimentos
Os autores agradecem à Embrapa, ao Programa Biodiversidade Brasil
Itália, à Fundação Banco do Brasil e ao CNPq pelos auxílios financeiros recebidos.

Referências
CARDOSO, C. E. L.; GAMEIRO, A. H. Caracterização da cadeia agroindustrial. In:
SOUSA, L. S.; FARIAS, A. R. N.; MATTOS, P. L. P. FUKUDA, W. M. G. (Ed.). Aspectos
socioeconômicos e agronômicos da mandioca. Cruz das Almas, BA: CNPMF, 2006.
p. 19-40.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 307


A

Fotos: Josefino de Freitas Fialho (A); Eduardo Alano Vieira (B e C)

Figura 1. Planejamento e treinamento na


metodologia (A, B e C).

308 Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de caso


A B C

D E F

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga...


Fotos: Eduardo Alano Vieira (A e B);
Josefino de Freitas Fialho (C, D, E, F,G,H e I)

G H I
Figura 2. Implantação (A, B e C): atividade de acompanhamento no Assentamento Cunha, Cidade Ocidental, GO
(D, E e F); atividade de acompanhamento no Assentamento Colônia II – Padre Bernardo, GO (G, H e I).

309
Fotos: Josefino de Freitas Fialho (A, D, e F); Eduardo Alano Vieira (B, C e E)
A B

C D

E F

Figura 3. Acompanhamento: atividade de implantação no Assentamento Cunha –


Cidade Ocidental, GO (A, B e C); atividade de implantação no Assentamento Colônia II
– Padre Bernardo, GO.

310 Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de caso


A B

C D

Fotos: Josefino de Freitas Fialho

E F

Figura 4. Avaliação: atividade de avaliação no Assentamento Cunha – Cidade


Ocidental, GO; atividade de avaliação no Assentamento Colônia II – Padre
Bernardo,GO.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 311


A B

C D

Fotos: Josefino de Freitas Fialho

E F

Figura 5. Sistema de Plantio de Mandioca em Fileiras Duplas Mandioca em sistemas


consorciada com fruteiras no Assentamento Cunha – Cidade Ocidental, GO; mandioca
em sistemas consorciado com milho verde (já colhido) e grão no Assentamento Cunha –
Cidade Ocidental, GO.

312 Melhoramento Participativo de Mandioca nas Condições do Cerrado: estudo de caso


CARVALHO, L. J. C. B. Biodiversidade e biotecnologia em mandioca (Manihot esculenta
Crantz). ln: CONGRESSO BRASILEIRO DE MANDIOCA, 11., 2005, Campo Grande.
Resumos... Campo Grande, MS: Embrapa Agropecuária Oeste, 2005.

COCK, J. Cassava: new potential for a neglected crop. Boulder: Westview Press, 1985.
240 p.

FAO. FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS.


Disponível em: < www.fao.org. 2000>.

FUKUDA, W. M. G.; IGLESIAS, C.; FUKUDA, C.; CALDAS, R. C. Melhoramento


participativo. In: SOUSA, L. S.; FARIAS, A. R. N.; MATTOS, P. L. P. FUKUDA, W. M. G.
(Ed.). Aspectos socioeconômicos e agronômicos da mandioca. Cruz das Almas,
BA: CNPMF, 2006. p. 751-780.

FUKUDA, W. M. G.; SAAD, N. Pesquisa participativa em melhoramento de


mandioca com agricultores do nordeste do Brasil. Cruz das Almas, BA: CNMPF,
2001. 48 p.

HERNANDEZ-ROMERO, L. A. Logistic preference ranking analysis for evaluation


technology opitions: A user manual na application for Microsoft Excel 7.0. Cali: Centro
Internacional de Agricultura Tropical, 2000. 26 p.

HERNANDEZ-ROMERO, L. A. Participatión de los produtores em la evaluátion de


variedades de yuca. In: HERNANDEZ-ROMERO, L. A. (Ed.). Memórias de un taller em
al CIAT. Cali: CIAT, 1992. p. 40-48.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 313


Capítulo 10

Manejo Agroecológico de
Agroecossistemas em Comunidades
Rurais e Assentamentos da Região
Centro-Oeste com Ênfase nas
Plantas de Cobertura: conceituação,
síntese metodológica e
experiências locais
Cynthia Torres de Toledo Machado
Altair Toledo Machado
Fábio Bueno dos Reis Jr.
Mariane Carvalho Vidal
Ornélio Guedes da Silva
Manejo Agroecológico de
Agroecossistemas em Comunidades
Rurais e Assentamentos da Região
Centro-Oeste com Ênfase nas Plantas
de Cobertura: conceituação, síntese
metodológica e experiências locais

Introdução
O manejo adequado da fertilidade dos solos e a diversificação dos
cultivos são premissas básicas para a sustentabilidade e eficiência dos sistemas
de produção, assegurando rendimentos satisfatórios e evitando a degradação
dos mesmos. A fertilidade do solo e a nutrição das plantas dentro de um enfoque
agroecológico requerem mais do que as caracterizações químicas e físicas dos
solos, priorizando igualmente os organismos edáficos e a atividade destes, bem
como práticas de adubação que promovam o aumento dos níveis de matéria
orgânica.

Nessa abordagem, em palestras e conversas com os agricultores do


Assentamento Cunha, pólo irradiador das atividades do projeto, ainda na fase
preliminar, verificaram-se o interesse e a possibilidade de instalação de campos
de produção de sementes de espécies de adubos verdes, os quais teriam por
objetivo garantir a autossuficiência do assentamento com relação às sementes
e a possibilidade de fornecimento para as demais comunidades. Isso se deu por
ocasião de uma reunião para restituição de informações sobre as condições de
qualidade dos solos, quando foram apresentados resultados das percepções
dos agricultores combinados com os de análises laboratoriais. Na discussão das
possíveis estratégias para a recuperação da fertilidade dos solos, a adubação

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 317


verde surgiu como alternativa e constatou-se que alguns agricultores, oriundos
de diferentes regiões do país, possuíam conhecimentos e experiências diferentes
com o uso de plantas para adubar e proteger os solos, ao passo que outros as
desconheciam completamente.

Portanto, o trabalho com plantas de cobertura teve início no Assentamento


Cunha com a instalação do primeiro campo comunitário de produção de
sementes de adubos verdes em novembro de 2004. O assunto também foi tema
de uma estação do dia de campo realizado em abril de 2005, em que estiveram
presentes agricultores de todos os assentamentos envolvidos no projeto e
outros convidados que, na oportunidade, reiteraram o interesse das respectivas
comunidades com relação a essa atividade. A partir daí, disseminou-se para
comunidades de agricultores familiares de todo o Estado de Goiás.

Adubação Verde e Manejo Sustentável dos


Agroecossistemas
A compreensão da ‘sustentabilidade’ traz consigo, primeiramente, o
envolvimento do elemento tempo, significando que algo, como um sistema ou
atividade, deve perdurar indefinidamente. A definição de agricultura sustentável,
entre inúmeras, pode ser sintetizada na proposta por Abrol e Katyal (1990), em que
“agricultura sustentável é aquela que, ao longo do tempo, aumenta a qualidade
ambiental e a base de recursos dos quais ela depende, supre as necessidades
humanas em alimentos e fibras, é economicamente viável e melhora a qualidade
de vida dos agricultores e da sociedade como um todo”.

Considerando os agroecossistemas, a sustentabilidade pode ser


entendida como a capacidade de se manter a produtividade, mesmo quando
submetidos a impactos ambientais adversos, em níveis satisfatórios. Para tanto,
é necessário planejar e construir sistemas agrícolas baseados em recursos
renováveis, oriundos das próprias propriedades, em detrimento dos insumos
externos poluentes, não renováveis, derivados de combustíveis fósseis e que
impliquem na dependência dos agricultores.

318 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


A adubação verde é uma prática milenar e consiste na utilização de
plantas em rotação, sucessão ou consorciação com as culturas, incorporando-
as ao solo ou deixando-as na superfície. Tem por objetivo a proteção superficial
do solo e a manutenção e melhoria das suas características físicas, químicas e
biológicas, inclusive em profundidades significativas (COSTA et al., 1992).

Por muito tempo, a adubação verde caracterizou-se pelo uso de plantas


da família das leguminosas, com o objetivo de aumentar a produtividade das
culturas pela adição de nitrogênio (N), ciclagem mais eficiente de nutrientes e
melhoria física e biológica do solo. Isso se devia basicamente à quantidade de N
fixado simbioticamente pelas leguminosas, pela boa ramificação e profundidade
do seu sistema radicular e por se tratar de uma família muito numerosa com
espécies adaptadas a diversas situações de clima e solo. Atualmente, plantas
de outras famílias, além das leguminosas, são utilizadas como adubos verdes,
em cultivo exclusivo ou consorciado, principalmente porque as leguminosas
decompõem-se mais rapidamente que as gramíneas (COSTA et al., 1992).

A adubação verde desempenha um conjunto de ações integradas que


resultam em grandes e significativos benefícios a qualquer sistema agrícola,
sobretudo naqueles de base ecológica, em que a diversificação e conservação
dos recursos constituem premissas básicas (ALTIERI, 2002; GLIESSMAN,
2001). Essas plantas influenciam positivamente a estrutura e o funcionamento
do agroecossistema, aumentando o seu nível de sustentabilidade por atuar
diretamente na transferência de energia e nutrientes dentro do agroecossistema
(CAPORALI; ONNIS, 1992).

Dentro de uma abordagem ecológica, o plantio de adubos verdes


garante mais diversidade e estabilidade, respectivamente, na estrutura
e no funcionamento dos agroecossistemas. Enquanto componentes dos
agroecossistemas, essas espécies permitem a construção de múltiplos sistemas
de cultivo e facilitam o planejamento e organização de sistemas de produção
mistos. A capacidade das leguminosas em fixar o nitrogênio atmosférico
é fundamental para o fornecimento desse importante nutriente às culturas

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 319


companheiras em consórcios ou às sucessoras em rotações. As plantas dessa
família ainda são usadas como forragem para os animais, como oleaginosas e
para o consumo direto de seus grãos ricos em proteína, ou são simplesmente
plantadas para atuar como ‘adubos verdes’ ou para proteger os solos como
‘plantas de cobertura’ (CAPORALI; ONNIS, 1992).

Além desses usos, outras vantagens e benefícios da utilização das


plantas como adubos verdes já foram comprovados por estudos científicos e
evidências práticas, como as que são enumerados por Costa et al. (1992): (a)
promovem grande e contínuo aporte de fitomassa, para formação de cobertura
morta e para manter, ou até mesmo elevar, o teor de matéria orgânica dos
solos; (b) aumentam a capacidade de retenção de água do solo, atenuam as
variações de temperatura, reduzem a evaporação e aumentam a disponibilidade
de água para as culturas; (c) protegem o solo contra agentes de erosão e
desagregação, como chuvas e ventos, e contra os efeitos da radiação solar; (d)
recuperam solos degradados, de baixa fertilidade; (e) promovem o aporte de
nitrogênio por meio da fixação biológica; (f) mobilizam e reciclam nutrientes das
camadas subsuperficiais; (g) realizam o preparo biológico do solo, promovendo
descompactação, estruturação e aeração; (h) reduzem a lixiviação de nutrientes;
(i) controlam a população de ervas invasoras, pragas e patógenos nas culturas,
nematoides fitoparasitas; (j) têm utilização múltipla na unidade agrícola:
alimentação animal e humana, produção de madeira e carvão vegetal, entre
outros; (k) melhoram o aproveitamento e a eficiência dos fertilizantes minerais e
corretivos; (l) intensificam a atividade biológica do solo, promovendo populações
de rizóbios, fungos micorrízicos e minhocas, entre outros.

Cada espécie de adubo verde apresenta exigências diferentes quanto à


fertilidade do solo e ao clima. As plantas mais rústicas irão se desenvolver bem
em solos pobres, enquanto as mais exigentes crescerão melhor em solos férteis.
A escolha das espécies dos adubos verdes quanto à sua adaptação às condições
edafoclimáticas é de fundamental importância para o êxito da implantação da
prática da adubação verde.

320 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


Entre as características que devem ser consideradas no momento
da escolha da espécie de adubo verde, Costa et al. (1992) e Espíndola et al.
(1997) ressaltam: (a) capacidade de resistência da planta à seca e às geadas;
(b) hábito de crescimento, preferindo espécies de rápido crescimento inicial e
cobertura eficiente do solo, de sistema radicular profundo e bem desenvolvido e
elevada produção de massa verde e matéria seca; (c) capacidade de promover
reciclagem de nutrientes como P, K, Ca, Mg e apresentar elevados teores de N;
(d) apresentar tolerância a solos de baixa fertilidade e adaptação às condições de
solos degradados; (e) pouca suscetibilidade a pragas e doenças, não ser planta
hospedeira; (f) elevada produção de sementes e fácil colheita; (g) não possuir
característica invasora; (h) ciclo adaptado à cultura econômica; (i) possibilidade
do uso dos resíduos vegetais produzidos para cobertura morta.

A Estratégia de Produção das Sementes nas


Comunidades
Pelas características benéficas dessas plantas, a sua utilização como
adubação verde propriamente dita ou cultivos de cobertura representam a
base da construção e manutenção da fertilidade do solo e controle de pragas
e invasoras, além da promoção da diversificação do ambiente e das espécies
(flora e fauna) e consequente redução de gastos com fertilizantes químicos,
defensivos e herbicidas.

O cultivo dessas plantas não deve significar altos custos para os


agricultores, e, assim sendo, eles devem ser capazes de produzir sua semente.
A estratégia proposta para as comunidades e (ou) assentamentos é que cada um
multiplique em média cinco espécies diferentes de adubos verdes, em função das
condições de clima e solo locais, disponibilidade de área e interesses específicos
dos produtores e que posteriormente se promova a troca e distribuição das
sementes produzidas entre as comunidades e os agricultores.

Apesar de a demanda por sementes para adubação verde ser significativa


em todo o Brasil, são poucas as empresas ou cooperativas que se dedicam a

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 321


esse segmento, atuando na produção de sementes dessas espécies. Para os
pequenos agricultores, a oferta restrita dessas sementes no mercado, aliada
ao custo relativamente alto, reflete-se diretamente na utilização dessas plantas,
limitando o primeiro plantio. Considerando também que a autossuficiência dos
produtores com relação aos insumos utilizados nas propriedades agrícolas,
incluindo as sementes, é um dos objetivos do manejo agroecológico. Este
trabalho teve início com a implantação de campos comunitários de sementes de
espécies de plantas utilizadas para cobertura ou adubação verde.

A cada ano, os plantios dos campos foram precedidos por atividades


de capacitação, com distribuição de material impresso em palestras, cursos e
oficinas, em que as espécies a serem plantadas e os locais de plantio eram
também definidos. A capacitação foi continuada em todos os estágios de
desenvolvimento das plantas, em visitas de acompanhamento e avaliação
realizadas junto dos agricultores (Figura 1).

Optou-se por multiplicar a cada ano, em cada local ou comunidade,


espécies que fossem diferentes quanto ao porte, hábito de crescimento, ciclo e
funções, diversificando os gêneros da família das leguminosas, espécies dentro
de gêneros (as diferentes crotalárias, os diferentes tipos de guandu, de mucuna, e
assim por diante), incluindo também espécies não leguminosas como o girassol.

Para cada espécie, a orientação foi que se destinasse uma parcela


de 200 m2, com número e comprimento de linhas que se adequassem à
área. Essas parcelas, espaçadas entre si por ruas de 2 m de largura, eram
instaladas lateralmente umas às outras, de modo a facilitar o manejo das áreas,
a visualização das plantas e a demonstração dos campos em atividades de
irradiação, como os dias de campo. Ao localizar as parcelas nas áreas, procurou-
se alternar espécies de diferentes portes e hábitos, ou seja, ao lado de uma
parcela de crotalária, colocava-se uma de feijão de porco ou mucuna. Além de
facilitar a observação das características, a distância entre plantios da mesma
espécie previne contaminações e mistura de sementes na colheita, bem como a
proliferação de pragas e doenças.

322 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


Fotos: Altair Toledo Machado

Figura 1. Atividades de capacitação e sensibilização dos agricultores realizadas antes


dos plantios e nas avaliações participativas dos campos de produção de sementes de
adubos verdes.

As recomendações para o plantio das diferentes espécies (Tabela 1)


seguiram as indicações de Costa et al. (1992), Valentim et al. (2000) e Carvalho
e Amabile (2006), reforçando-se as diferenças entre o plantio para produção de
sementes e aqueles destinados à produção de biomassa e cobertura de solo em
consórcios e rotações. Quando se realiza o plantio para produção de sementes,

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 323


cuidados devem ser tomados com relação à época do ano, tutoramento de
espécies trepadeiras como as mucunas preta e cinza, espaçamento entre linhas e
densidade de plantio, que é o espaçamento dentro das linhas de semeadura. Estas
devem ser adequadas de modo que todas as plantas tenham acesso à luz, água
e nutrientes, evitando competições e reduzindo incidência de pragas e doenças.

Tabela 1. Recomendações para o plantio de espécies de adubos verdes em campos


comunitários de sementes. Anos 2005-2008.

Espécie Recomendações de plantio e manejo Observações


Plantio em covas: covas com profundidade de
10 cm e largura de 20 cm, em espaçamento de
aproximadamente 1 m entre linhas e 0,5 m entre covas. As mudas plantadas em
Os estolões devem ser cortados em pedaços com 3 a 5 covas ou sulcos devem ser
Amendoim entrenós (20 cm a 30 cm de comprimento) e plantados cobertas com terra e levemente
forrageiro 3 de cada lado da cova (6 estolões por cova) compactadas para a retirada do
Plantio em sulcos: sulcos de 10 cm de profundidade ar, melhorando o contato com o
espaçados entre si em 0,50 m. Os estolões devem solo para enraizamento
ser colocados no sulco com as extremidades se
sobrepondo em 5 cm
Plantio de parcela de 200 m2:
Recomenda-se o plantio de 10 a 20 sementes por
20 m x 10 m (20 linhas de 10 m
metro linear, com espaçamento de 0,5 m a 1,0 m entre
de comprimento, espaçadas
linhas. Normalmente a produção de sementes é de
Calopogônio em 1 m). Gasto de sementes
200 kg/ha a 300 kg/ha. O ciclo completo da cultura é
falso-oró, aproximado: 1,26 kg/ha a 2,52
de 8 meses ou mais e, para a produção de sementes,
rabo-de-iguana, kg /ha, correspondendo a 12,6
recomenda-se deixar o calopogônio vegetar até que
calopo a 25,2 g/200 m2. Rendimento
as vagens fiquem marrons. Em áreas pequenas, a
estimado entre 200 kg/ha a
colheita pode ser feita com o corte com enxada, foice
300 kg/ha, equivalendo a 4 a
ou gadanho e trilhado ou batido com haste de madeira
6 kg sementes/200 m2
Recomenda-se o plantio de 3 a 4 sementes por
metro linear, com espaçamento de 1 m entre linhas,
perfazendo um gasto de 15 kg a 20 kg de sementes/
Plantio de parcela de 200 m2:
ha. A escarificação das sementes se faz necessária
20 m x 10 m (20 linhas
para quebrar a dormência. A mucuna deve ser
de 10 m de comprimento,
preferencialmente tutorada (plantas de milho, hastes
espaçadas em 1 m). Gasto de
de bambu, etc.) para uma produção de sementes em
sementes aproximado: 15 kg
maior quantidade e de melhor qualidade, em função
Mucuna preta a 30 kg/ha, correspondendo a
da maior aeração e insolação das inflorescências. A
300 g/200 m2 a 600 g/200 m2.
colheita deve ser feita manualmente quando as vagens
Rendimento estimado entre
estiverem secas, levando-as para completar a secagem
2.000 kg/ha a 1.500 kg/ha,
em terreiro para posterior beneficiamento (trilhamento).
equivalendo a 40 kg de semen-
Pode-se obter em torno de 2.000 kg a 1.500 kg
tes/200 m2
de sementes/ha. Para a escarificação, colocar as
sementes em água bem quente, 80 ºC a 85 ºC (porém
suportável para as mãos) por cerca de 1 a 1,5 minutos
Continua...

324 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


Tabela 1. Continuação.

Espécie Recomendações de plantio e manejo Observações


Plantio de parcela de 200 m2:
20 m x 10 m (20 linhas de 10 m
Recomenda-se o plantio de 3 a 4 sementes por metro
de comprimento, espaçadas
linear, com espaçamento de 1 m entre linhas (15 kg
em 1 m). Gasto de sementes
Mucuna cinza a 30 kg de sementes/ha). As sementes devem ser
aproximado: 15 kg/ha a 30 kg/
mucuna fosque- escarificadas e as plantas tutoradas. A colheita deve
ha, correspondendo a 300 a
ada ser feita manualmente quando as vagens estiverem
600 g/200 m2. Rendimento
secas, sendo posteriormente trilhadas. Pode-se obter
estimado entre 1.000 a
de 1.000 kg a 1.500 kg de sementes/ha
1.500 kg/ha, equivalendo a 20
a 30 kg de sementes/200 m2.
Plantio de parcela de 200 m2:
20 m x 10 m (20 linhas de 10 m
Recomenda-se o plantio de 6 a 8 sementes por metro
de comprimento, espaçadas
linear, com espaçamento de 0,50 m entre linhas. A
em 1 m). Gasto de sementes
colheita deve ser feita manualmente quando as vagens
aproximado: 36 a 48 kg/
Mucuna anã estiverem secas, levando-as para completar a secagem
ha, correspondendo a 720 a
em terreiro para posterior beneficiamento (trilhamento).
960 g/200 m2. Rendimento
Pode-se obter em torno de 800 kg a 1.500 kg de
estimado entre 800 a 1.500 kg/
sementes/ha
ha, equivalendo a 16 a 30 kg
de sementes / 200 m2.
Plantio de parcela de 200 m2:
Recomenda-se o plantio de 10 a 15 sementes por 20 m x 10 m (20 linhas de 10 m
metro linear, com um espaçamento de 50 cm entre de comprimento, espaçadas
Crotalária
linhas (5 a 8 kg/ha de sementes). Normalmente há uma em 1 m). Gasto de sementes
breviflora
boa produção de sementes, que devem ser colhidas aproximado: 2,5 a 4 kg/
quando as vagens estiverem secas (250 a 280 dias) ha, correspondendo a 50 a
80 g/200 m2
Crotalária
mucronata
Plantio de parcela de 200 m2:
xique-xique,
20 x 10 m (20 linhas de 10 m
cascaveleira, Recomenda-se o plantio de 15 a 20 sementes por
de comprimento, espaçadas
chocalho de metro linear, com um espaçamento de 50 cm a 80 cm
em 1 m). Gasto de sementes
cascavel, guizo entre linhas (3 a 6 kg/ha de sementes). Colheita manual
aproximado: 1,5 a 3 kg/ha,
de cascavel, quando as vagens estiverem secas
correspondendo a 30 a 60
maracá, cho-
g/200 m2
calho, guizeiro,
crotalária
Plantio de parcela de 200 m2:
20 m x 10 m (20 linhas de 10 m
Recomenda-se o plantio de 15 a 20 sementes por
de comprimento, espaçadas
Crotalária metro linear, com um espaçamento de 50 cm entre
em 1 m). Gasto de sementes
juncea linhas. (20 a 30 kg/ha de sementes). Colheita quando
aproximado: 4 a 6,5 kg /ha,
mais de 70% das vagens estiverem secas
correspondendo a 80 a 130
g/200 m2

Continua...

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 325


Tabela 1. Continuação.

Espécie Recomendações de plantio e manejo Observações


Plantio de parcela de 200 m2:
Crotalária
Recomenda-se o plantio de 10 a 15 sementes por 20 m x 10 m (20 linhas de 10 m
spectabilis
metro linear, com um espaçamento de 50 cm entre de comprimento, espaçadas
guizo de
linhas (5 a 8 kg/ha de sementes). Normalmente há umaem 1 m). Gasto de sementes
cascavel,
boa produção de sementes, que devem ser colhidas aproximado: 2,5 4 kg/ha,
chocalho de
quando as vagens estiverem secas (200 dias) correspondendo a 50 a 80
cascavel
g/200 m2.
Plantio de parcela de 200 m2:
Recomenda-se o plantio de 15-20 sementes por metro
Crotalária 20 m x 10 m (20 linhas de 10 m
linear, com um espaçamento de 0,7 m a 1,0 m entre
ocroleuca de comprimento, espaçadas
linhas
em 1 m).
Plantio de parcela de 200 m2:
20 m x 10 m (20 linhas
de 10 m de comprimento,
Recomenda-se o plantio de 4 a 5 sementes por metro
espaçadas em 1 m). Gasto
linear, com um espaçamento de 0,6 m a 1 m entre
Feijão de de sementes aproximado:
linhas. As vagens devem ser colhidas secas para
porco 70 kg/ha, correspondendo a
posterior beneficiamento. Pode-se obter em torno de
1.400g/200 m2. Rendimento
800 a 1.200 kg de sementes/ha
estimado entre 800 a 1.200 kg/
ha, equivalendo a 16 a 24 kg
de sementes/200 m2
Guandu
comum
Plantio de parcela de 200 m2:
Feijão guandu,
20 m x 10 m (20 linhas de 10 m
andu, guando,
Recomenda-se o plantio de 10 a 15 sementes por de comprimento, espaçadas
feijão guando,
metro linear, com um espaçamento de 0,6 m a 1,5 m em 1 m). Gasto de sementes
sacha-café,
entre linhas. Colheita manual ou mecânica. Secagem aproximado: 12 a 18 kg/
falso-café,
em terreiro e posterior trilhamento e beneficiamento. ha, correspondendo a 240
arveja, poroto
Pode-se obter em torno de 1.000 kg a 2.000 kg de a 360g/200 m2. Rendimento
guandu,
sementes/ha estimado entre 1.000 a
guandeiro,
2.000 kg/ha, equivalendo a 20
ervilha-de-
a 40 kg de sementes/200 m2
angola, ervilha-
do-congo
Plantio de parcela de 200 m2:
20 m x 10 m (20 linhas de 10 m
Recomenda-se o plantio de 10 a 15 sementes por de comprimento, espaçadas
metro linear, com um espaçamento de 0,6 m a 1,5 m em 1 m). Gasto de sementes
Guandu anão
entre linhas. Colheita manual ou mecânica. Secagem aproximado: 12 a 18 kg/
feijão guandu
em terreiro e posterior trilhamento e beneficiamento. ha, correspondendo a 240 a
anão
Pode-se obter em torno de 1.000 kg a 2.000 kg de 360 g/200 m2. Rendimento
sementes/ha estimado entre 1.000 a
2.000 kg/ha, equivalendo a 20
a 40 kg de sementes/200 m2.
Continua...

326 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


Tabela 1. Continuação.

Espécie Recomendações de plantio e manejo Observações


Recomenda-se o plantio de 4 a 5 sementes por
Labe-labe metro linear, com um espaçamento de 60 cm a 80 cm Plantio de parcela de 200 m2:
(poroto do entre linhas, com um gasto de 15 a 25 kg sementes/ 20 m x 10 m (20 linhas de 10 m
Egito, poroto ha. As vagens, quando secas, deverão ser colhidas de comprimento, espaçadas
japonês) manualmente. Produz de 500 a 1.000 kg/ha de em 1 m)
sementes
Recomenda-se o plantio de 5 a 10 sementes por metro
linear, com um espaçamento de 1 m entre linhas. A
colheita pode ser manual ou mecânica, iniciando-se
Plantio de parcela de 200 m2:
quando os capítulos ou discos apresentarem coloração
Girassol 20 m x 10 m (20 linhas de 10 m
castanha-clara e os aquênios (sementes) já tiverem
(cultivar IAC de comprimento, espaçadas
passado do estado de grão leitoso para o maduro. A
Uruguai) em 1 m). Gasto de sementes
operação da debulha das sementes pode ser feita por
aproximado: 292 g/200 m2.
trilhadeira ou manualmente, batendo um disco contra
o outro, usando um bastonete com golpes na parte
inferior do disco ou com mangual

Cuidados devem ser tomados à época da colheita e no beneficiamento


das sementes, considerando as particularidades das espécies, para simplificar
os processos e reduzir as perdas das sementes. Entre esses cuidados, deve-
se evitar a secagem excessiva no campo das crotalárias e da mucuna preta,
cujas vagens abrem e derrubam as sementes (WUTKE et al., 2007). Para o
amendoim forrageiro, as mudas devem ser arrancadas com o solo em boas
condições de umidade, para facilitar o trabalho e garantir que as plantas não
sejam submetidas ao estresse hídrico. O arranquio das mudas deve ser feito por
meio de uma capina superficial, realizada com enxada bem afiada. Apenas os
estolões são removidos, reduzindo os danos ao sistema radicular e permitindo
rápida rebrotação (VALENTIM et al., 2000).

Sendo o plantio das áreas feito manualmente e considerando o pequeno


tamanho das sementes de algumas espécies, a distribuição da quantidade
correta de sementes nas linhas e o cumprimento das orientações de plantio
constituíram uma das dificuldades da manutenção dos campos comunitários.

Para simplificar os procedimentos de plantio, nos primeiros anos,


calculava-se, com base na área destinada a cada espécie (normalmente

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 327


200 m2), o peso de sementes necessário, colocando-as num saco de papel.
Fazia-se então a distribuição nas linhas previamente dimensionadas e riscadas,
prevendo-se um desbaste para adequação do estande, nem sempre realizado
pelos agricultores. A produtividade de espécies cujas sementes possuem
tamanho reduzido, como as crotalárias, foi por várias vezes prejudicada pelo
plantio denso e pela não realização do raleio. Assim, optou-se, para o ano
agrícola 2008-2009, em alguns locais, por colocar a quantidade de sementes
destinada a cada linha em saquinhos menores de modo a facilitar a semeadura,
tornando-a mais precisa (Figura 2). Isso requereu um planejamento cuidadoso e
demorado do plantio, mas também garantiu maior sucesso.

Foto: Cynthia T. de Toledo Machado


Figura 2. Plantio do campo de sementes de adubos verdes na Comunidade Caxambu,
em Pirenópolis, GO, em dezembro de 2008, com a distribuição das sementes em
saquinhos menores nas linhas .

Os adubos verdes multiplicados entre 2005 e 2008 nos diferentes locais


foram: amendoim forrageiro, mucunas cinza, preta e anã, feijão de porco,
guandu e guandu anão, crotalarias breviflora, mucronata, juncea e spectabilis,
calopogônio e girassol. Essas espécies possuem as seguintes características:

• Amendoim forrageiro: (Arachis pintoi Krapovickas & Gregory):


leguminosa herbácea perene, de hábito de crescimento rasteiro.
Produz camada densa de estolões com entrenós curtos, que se fixam
ao solo por meio de raízes abundantes que ocorrem nos nós. Possui
sistema radicular pivotante e a maior parte das raízes é encontrada

328 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


em profundidade de até 80 cm. É nativa do Cerrado brasileiro, porém
apresenta ampla faixa de adaptação, desde o nível do mar até cerca de
1.800 m. Floresce várias vezes ao ano, mais intensamente no período
chuvoso. Desenvolve-se melhor em climas com boa distribuição de
chuvas, mas pode sobreviver a períodos de seca superiores a 4 meses
e a geadas em regiões subtropicais. Adapta-se a diversos tipos de
solos, com texturas variando de argilosa a arenosa; cresce bem em
solos ácidos, de baixa a média fertilidade; tem exigência moderada
de fósforo. Apresenta boa resistência ao fogo e desenvolve-se bem
em condições de sombreamento. Apresenta enorme potencial para
uso como forrageira e como cobertura verde em culturas perenes
(CARVALHO, 1999; VALENTIM et al., 2001).

• Mucuna cinza (Mucuna pruriens DC): possui hábito de crescimento


indeterminado e é má hospedeira de nematoides. Espécie de clima
tropical e subtropical, rústica, pouco exigente em fertilidade do solo e
suporta a acidez. Apresenta resistência à seca e a altas temperaturas.
Tem crescimento inicial rápido (precoce) e é bastante agressiva,
promovendo eficiente cobertura do solo, o que contribui para o
controle de plantas espontâneas e bom efeito nas características
químicas, físicas e biológicas do solo. Originária das Filipinas. Pode
ser consorciada com milho, mandioca, café e outras culturas perenes.
Quando intercalada, deve-se proceder ao manejo dos ramos, para
que não se agarrem nem subam nas plantas, prejudicando o seu
desenvolvimento. É resistente à cercosporiose e a algumas viroses
(COSTA et al., 1992; BURLE et al., 2006).

• Mucuna preta (Mucuna aterrima Piper & Tracy): originária do sudeste


da Ásia, de clima tropical e subtropical. Possui hábito de crescimento
indeterminado, é rústica e se desenvolve bem em solos ácidos e
pobres em fertilidade. Resistente à seca, à sombra, às temperaturas
elevadas e ligeiramente resistente ao encharcamento. Pode ser

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 329


utilizada como forragem ou os grãos podem ser aproveitados como
suplemento proteico para animais. Pode ser consorciada com milho,
mandioca, café e outras culturas perenes, devendo-se, nesses
casos, proceder ao manejo dos ramos. Possui suscetibilidade à
cercosporiose e às viroses. Atua no controle de nematoides (COSTA
et al., 1992; BURLE et al., 2006).

• Mucuna anã (Mucuna deeringiana): é uma planta anual, de


crescimento determinado, resistente à seca e razoavelmente rústica,
originária da Ásia. É de clima tropical e subtropical, desenvolvendo-
se bem em solos argilosos, arenosos e razoável tolerância a solos
ácidos e de baixa fertilidade. Pode-se efetuar o plantio solteiro ou
consorciado com milho, mandioca, café, citros. Mais indicada para
o plantio intercalado com culturas perenes e anuais por causa do
hábito determinado, não se agarrando à cultura principal. O plantio
intercalado com culturas perenes deve ser efetuado de tal forma que
o manejo da mucuna coincida com a época de maior demanda de N
pela cultura principal. Produz menos massa que as mucunas cinza e
preta (COSTA et al., 1992; BURLE et al., 2006).

• Feijão de porco (Canavalia ensiformis L.): possui hábito de crescimento


herbáceo determinado. Origem centro-americana, bastante cultivada
em regiões quentes. Muito rústica, adaptando-se praticamente a todos
os tipos de solo (argilosos, arenosos, pobres em fósforo). Possui
crescimento inicial lento, sendo resistente à seca e às temperaturas
elevadas. Tolera o sombreamento parcial e cobre bem o solo, com
efeito alelopático às invasoras, atuando eficientemente no controle
da tiririca. Sofre ataques de vaquinha, mas tem boa regeneração. É
hospedeiro da mosca-branca, transmissora de viroses do feijoeiro
comum. Pode ser consorciada com milho, café, citros e outras culturas
e também ser semeado nas entrelinhas de pomares (COSTA et al.,
1992; BURLE et al., 2006).

330 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


• Guandu (Cajanus cajan L.): originário da Índia e África Tropical
Ocidental. Arbustiva, de porte alto e ciclo semiperene. Apresenta bom
desenvolvimento em solos arenosos e argilosos. É pouco exigente
quanto à fertilidade, desenvolvendo-se em solos com pH de 5 a 8.
Não tolera umidade excessiva nas raízes. Requer ao menos 500 mm
anuais de precipitação. Não suporta geada forte, mas apresenta certa
resistência ao frio. Possui sistema radicular robusto e penetra em
solos compactados e adensados. Produz boa quantidade de massa
vegetal. Utilizado nas entrelinhas dos pomares. É uma planta rústica
que pode ser utilizada como adubação verde, produtora de grãos e
como forrageira rica em proteínas para a alimentação animal (COSTA
et al., 1992; BURLE et al., 2006).

• Guandu anão (Cajanus cajan L.): denominação dada às variedades


ou cultivares de guandu de porte baixo. Possui hábito de crescimento
arbustivo. Bastante resistente à seca e se desenvolve bem em
solos argilosos e arenosos. Não tolera excesso de umidade nas
raízes. O sistema radicular é robusto, com raiz pivotante bastante
agressiva, penetrando em solos compactados e adensados, sendo
muito eficiente na reciclagem de nutrientes. As variedades de porte
anão possuem caule tenro, razoável uniformidade de maturação
e boa adaptabilidade. Produz boa quantidade de massa vegetal e
pode ser usada como forrageira para animais (pastejo direto, corte da
planta verde, silagem e feno), além de ser utilizada na alimentação
humana. Pode ser empregado em consórcio com gramíneas anuais e
em cultivo intercalar com culturas perenes (café e fruteiras) (COSTA
et al., 1992).

• Crotalária breviflora (Crotalaria breviflora DC): nativa do Brasil, da


América do Sul e do Norte. Possui porte baixo, é anual, bastante
precoce, subarbustiva. Não suporta geada e desenvolve-se bem nos
diferentes tipos de solo (argilosos e arenosos). Em razão de seu porte

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 331


baixo, é utilizada nas entrelinhas das lavouras de café ou pomares.
Produz, entretanto, menos fitomassa que as demais crotalárias.
Tem-se mostrado promissora no impedimento da multiplicação de
nematoides e raramente apresenta problemas com pragas e doenças
(COSTA et al., 1992).

• Crotalária mucronata (Crotalaria mucronata Desv.; Crotalaria striata


DC): nativa do Brasil, da América do Sul e do Norte. É uma planta
anual, com massa radicular intensa e raízes bastante desenvolvidas,
o que serve para melhorar as características físicas do solo. É rústica,
com boa nodulação, proporcionando importantes efeitos no solo e
nas culturas posteriores (milho, feijão). Não suporta geada, é de clima
tropical e subtropical. Subarbustiva de porte alto, ereta. Adapta-se
a diferentes tipos de solo (argilosos, arenosos), desenvolvendo-se
bem em solos de média a baixa fertilidade. Planta agressiva, rústica,
com raízes capazes de romper camadas adensadas. Má hospedeira
de nematoides, contribuindo para a diminuição dessa população.
O manejo deve ser feito antes do florescimento, caso contrário as
plantas apresentarão lenho bastante desenvolvido, dificultando a
operação (COSTA et al., 1992).

• Crotalária juncea (Crotalaria juncea L.): originária da Índia e Ásia


tropical. É uma leguminosa anual, de crescimento rápido e vigoroso,
com efeito alelopático, apresentando um bom efeito de controle de
ervas daninhas. É uma planta de clima tropical e subtropical e não
suporta geada. Adapta-se a diferentes regiões e tem apresentado
bom comportamento em solos argilosos e arenosos. Produz elevada
fitomassa e, por seu rápido desenvolvimento, é um cultivo muito
bom para cobertura do solo e adubação verde. Pode ser cultivada
solteira, consorciada com milho, mandioca e outros, ou intercalada
ao cafeeiro e outras culturas perenes. Má hospedeira de nematoides,
contribuindo para a diminuição da população, quando utilizada em
rotações. Pode sofrer ataque dessa lagarta das inflorescências e

332 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


vagens e do fungo Fusarium, que causa a murcha e o tombamento
das plantas, devendo-se evitar cultivos sucessivos na mesma área
(COSTA et al.,1992; BURLE et al., 2006).

• Crotalária ocroleuca (Crotalaria ochroleuca G. don): originária da


região tropical africana. Leguminosa arbustiva anual de porte ereto
e crescimento determinado. Destaca-se pela rusticidade e pela
alta produção de fitomassa, além da adaptação a solos de baixa
fertilidade. Os grãos e a fitomassa verde são usados para alimentação
animal, porém podem apresentar substâncias antinutricionais. Reduz
a população de nematoides-de-galhas (Meloidogyne javanica), mas
é hospedeira do nematoide-de-cisto. Possui desenvolvimento inicial
bastante lento, dificultando seu estabelecimento no final do período
chuvoso (BURLE et al., 2006).

• Crotalária spectabilis (Crotalaria spectabilis Roth): nativa do Brasil,


da América do Sul e do Norte. Leguminosa anual, de crescimento
inicial lento. Possui raiz pivotante profunda, podendo romper
camadas compactadas. É uma planta de clima tropical e subtropical
e não suporta geada. Tem apresentado bom comportamento nos
diferentes tipos de solo (arenosos e argilosos), inclusive naqueles
relativamente pobres em fósforo. Por causa do porte mais baixo, é
utilizada nas entrelinhas de café e pomares (citros, amora), sendo
plantada também consorciada com milho e mandioca. Má hospedeira
de nematoides, contribuindo para a diminuição dessa população.
Pode sofrer ataque de vaquinha e da lagarta-das-inflorescências e
vagens no início da formação das sementes, o que pode prejudicar a
produção de sementes. Apresenta boa regeneração. Recomenda-se
evitar cultivos sucessivos de Crotalaria spectabilis na mesma área
para prevenir os problemas de pragas e doenças. Essa é a espécie
mais tóxica de crotalária (3 g de feno/kg de peso vivo leva um animal
à morte em 4 dias), sendo ingerida pelos animais apenas na falta de
outras forrageiras (COSTA et al., 1992; BURLE et al., 2006).

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 333


• Calopogônio (Calopogonium muconoides Desv.): nativo da América
do Sul, é uma leguminosa vigorosa, de hábito indeterminado e
trepadora, caules rasteiros e bastante longos. Possui boa capacidade
de fixação biológica de N, sendo ótimo adubo verde melhorador
das características do solo. Realiza semeadura natural anualmente,
mas quando submetida à estação seca longa e severa, pode morrer
a cada ano, tornando-se uma planta anual. Não tolera geada nem
sombreamento e suporta locais encharcados. Adapta-se bem em
solos argilosos e arenosos, é menos exigente em fertilidade que as
demais leguminosas e tolera acidez. Pode ser usada como forrageira
para os animais, ademais, após o florescimento, as plantas são mais
palatáveis. Boa capacidade de competir com invasoras e raramente
apresenta problemas com pragas e doenças. É recomendável como
adubo verde ou forrageira, podendo ser consorciada com gramíneas
forrageiras como Panicum, Setaria e Brachiaria. Pode também ser
consorciada com milho, arroz ou intercalada com culturas perenes
como citros (COSTA et al., 1992).

• Labe-labe (Dolichos lablab L.): supõe que seja originária da África


e que se expandiu para a Índia. Talos bastante longos, trepadores.
Anual ou bianual, hábito indeterminado, clima tropical e subtropical,
não tolerando geadas. Razoavelmente tolerante a secas prolongadas.
Adapta-se aos diversos tipos de solos (argilosos até os arenosos),
com melhor produção naqueles bem drenados e férteis. Em solos
com fertilidade baixa e pH inferior a 5,5, normalmente o crescimento
é mais lento. Usada na alimentação humana e como forragem verde
para bovinos e equinos. Se presta muito bem na rotação com a
cultura do milho, incrementando a produção de grãos. Produz boa
quantidade de massa vegetal, é utilizada nas entrelinhas dos pomares
e pode ser usada como forrageira para os animais. Atenção ao usar
como forrageira, pois o excesso de forragem do labe-labe na fase do
florescimento pode provocar o timpanismo (doença provocada pelo
acúmulo de gases no rúmen (pança) e retículo, determinando um

334 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


aumento exagerado do volume abdominal) e transmitir gosto amargo
ao leite. É suscetível ao ataque da vaquinha (COSTA et al., 1992;
BURLE et al., 2006).

• Girassol (Helianthus annuus L.): nativo da América do Norte. Planta


anual que apresenta múltiplos fins: óleo, torta para alimentação
animal, forragem fresca ou ensilada, melífera, ornamental, medicinal,
cosmética (sabonetes), aquênios (sementes) para alimentação de
aves (pássaros) e adubação verde. Indicada para ser incluída em
sistemas de rotação de culturas, com efeitos marcantes na reciclagem
de nutrientes e no efeito supressivo e (ou) alelopático que impede o
desenvolvimento de invasoras. Possui desenvolvimento inicial rápido.
Adapta-se a diferentes ambientes, tolera frio e temperaturas elevadas
e é resistente à seca e à acidez do solo. Sistema radicular intenso
atinge camadas profundas do perfil. Pode ser consorciada com o milho.
Pode sofrer ataque de insetos, e as doenças causadas por fungos são
frequentes. É uma planta alógama, com a polinização obrigatória por
insetos, e pertence à família das compostas (Compositae) (COSTA
et al., 1992).

Para o plantio dos campos, as sementes foram inoculadas com bactérias


diazotróficas (bactérias fixadoras de nitrogênio), de modo a potencializar a
fixação biológica do nitrogênio atmosférico (N2). O objetivo da inoculação de
sementes é, pois, colocar elevada população de rizóbios (bactérias fixadoras)
junto às sementes recém-germinadas. Recomenda-se a inoculação das
sementes de leguminosas com inoculantes (produto que contém rizóbios
eficientes selecionados pela pesquisa) contendo bactérias com ação específica
para determinada leguminosa ou grupo de leguminosas. A maior parte dos
inoculantes produzidos é uma mistura de turfa com pH neutralizado com a cultura
líquida das bactérias. Há também formas líquidas de inoculante, mas devem-se
preferir aqueles à base de turfa, que protegem os rizóbios dos estresses hídrico
e térmico, bem como da toxicidade de defensivos e dos demais organismos do
solo (VARGAS et al., 2004).

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 335


A operação de inoculação seguiu as recomendações de Vargas et al.
(2004), sendo feita à sombra, nas horas mais frescas da manhã (Figura 3). Para
se fazer a inoculação com inoculante turfoso (em pó), preparou-se uma solução
açucarada com 7 a 9 colheres de açúcar em 1 L de água. Essa solução serve
para aumentar a aderência do inoculante às sementes. Depois se misturou, aos
poucos, essa solução à quantidade de inoculante recomendada pelo fabricante,
até formar uma pasta. Essa pasta foi misturada às sementes até que todas
ficassem cobertas pelo inoculante. Para fazer a inoculação com inoculante
líquido, basta seguir as recomendações do fabricante. As sementes inoculadas
foram secas à sombra e plantadas em seguida.

Fotos: Altair Toledo Machado

Figura 3.. Agricultores da Comunidade Caxambu realizando a inoculação de sementes.

Os nódulos são estruturas específicas formadas nas raízes das plantas


em simbiose com bactérias fixadoras de nitrogênio. É dentro dos nódulos
que as bactérias estão alojadas e onde ocorre o processo de fixação do N2. A
ocorrência de nódulos, que são destacados com facilidade das raízes, de cor

336 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


rosada, indica atividade da associação entre bactérias e as leguminosas e a
consequente fixação do N. Isso foi demonstrado aos agricultores nas visitas de
acompanhamento aos campos.

A colheita dos campos de produção foi feita manualmente em todos os


locais. As vagens secas foram beneficiadas ou trilhadas normalmente por meio
de golpes de hastes de madeira para o desprendimento das sementes. Para
o armazenamento, as alternativas empregadas foram de garrafas plásticas de
refrigerantes (“pet”) e sacos de papel ou de ráfia, recomendando-se completa
secagem das sementes.

O primeiro campo de adubos verdes, ainda com finalidade demonstrativa,


foi implementado no Assentamento Cunha, no ano agrícola de 2004/2005, com
o plantio de mucunas cinza e preta, feijão de porco, guandu anão e crotalária
ocroleuca (Figura 4). Em alguns espaços da área coletiva, plantou-se também o
amendoim forrageiro.

Fotos: Ornélio Guedes da Silva

Figura 4.. Primeiro campo comunitário de produção de sementes de adubos verdes


implantado no Assentamento Cunha, Cidade Ocidental, GO, em 2004/2005, e avaliação,
em dia de campo realizado em abril de 2005.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 337


Essas espécies foram escolhidas de acordo com a adaptação às
condições edafoclimáticas locais (CARVALHO, 1999; CARVALHO et al., 1999;
VALENTIM et al., 2001; CARVALHO; AMABILE, 2006) e também segundo as
características de porte, hábito de crescimento, ciclo e funções, de modo a
permitir a visualização dessas características nos campos pelos agricultores.
Essas áreas serviram para a produção de sementes e também cumpriram a
função didática de demonstrar benefícios e funções dessas plantas, tais como
a cobertura dos solos pelo próprio dossel e deposição de matéria seca, controle
de invasoras e capacidade de fixação biológica de nitrogênio pela formação dos
nódulos radiculares, estimulando os agricultores a dar continuidade à atividade.
Nos anos seguintes, a estratégia de multiplicar espécies contrastantes foi
mantida.

Em 2005/2006, os campos das espécies plantadas no ano anterior foram


mantidos até a colheita das sementes e replantados.

Em 2006/2007, outras três espécies foram multiplicadas no Assentamento


Cunha, além da mucuna preta: crotalária breviflora, calopogônio e girassol.
Aquelas espécies plantadas nos anos anteriores continuaram a ser multiplicadas,
mas, por decisão dos agricultores do grupo coletivo do Assentamento Cunha, a
multiplicação se deu incorporando-as aos sistemas produtivos, nas entrelinhas
das fruteiras, como faixas de vegetação ou como quebra ventos na horta. Não
houve delimitação de área e, após a colheita das sementes, as plantas foram
cortadas e incorporadas ao solo das áreas onde foram cultivadas (Figuras 5 e 6).

Em 2007/2008, o trabalho foi estendido aos agricultores familiares da


Associação Estadual dos Pequenos Agricultores do Estado de Goiás (Aepago),
ligados ao Movimento Camponês Popular (MCP), como consequência da
irradiação da atividade desenvolvida no Assentamento Cunha. Em ambos locais,
os plantios foram precedidos de atividades de sensibilização e capacitação,
agregando um número significativo de agricultores, fato que se repetiu nos dias
de campo promovidos na ocasião de avaliação dos cultivos (Figura 7).

338 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


Fotos: Cynthia Torres de Toledo Machado
Figura 5. Espécies de adubos verdes
multiplicadas no Assentamento Cunha,
Cidade Ocidental, GO, ano agrícola de
2006/2007.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 339


Fotos: Cynthia Torres de Toledo Machado
Figura 6.. Estratégia de multiplicação dos adubos verdes incorporando-os aos sistemas
de produção no Assentamento Cunha em 2006/2007: (a) solo da área do pomar
coberto com amendoim forrageiro; (b) faixa de guandu como quebra ventos em plantio
de bananeiras; (c) girassol contornando a mandala; e (d) faixa de mucuna abaixo da
lavoura de milho.

340 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


Fotos: Altair Toledo Machado

Figura 7.. Atividades de capacitação, plantios e avaliação participativa dos campos de


sementes de adubos verdes em dias de campo realizados em Catalão e Ipiranga, GO,
no ano agrícola de 2007/2008.

Foram instalados campos de produção de sementes em Ipiranga e


Catalão, GO, com aproximadamente parcelas de 200 m2 para cada uma das
seis espécies plantadas em cada local. Mucuna anã, feijão de porco, guandu
anão, girassol e as crotalárias juncea e spectabilis foram plantadas em Catalão,

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 341


enquanto, em Ipiranga, plantaram-se as mucunas cinza e preta, guandu comum,
calopogônio e as crotalárias breviflora e mucronata.

Em 2008/2009, o grupo coletivo do Assentamento Cunha seguiu


multiplicando as diferentes espécies inseridas nos sistemas de produção em
faixas que delimitam cultivos entre as fruteiras e em rotações onde, além dos
benefícios em atributos do solo e na diversificação dos cultivos, ocorre a produção
de sementes. Para o fim específico de multiplicação de sementes, nesse ano
agrícola foram plantadas as seguintes espécies: crotalárias juncea, breviflora,
mucronata e spectabilis, as mucunas preta, cinza e anã, guandu comum e anão,
calopogônio, feijão de porco e girassol. Essas espécies mantiveram-se ao longo
dos anos do trabalho de campos de multiplicação por terem se adequado melhor
às áreas do assentamento e aos usos. O labe-labe, multiplicado por 1 ano
apenas, acabou não tendo seu uso como forrageiro incorporado aos costumes
dos agricultores e não foi multiplicado (Figura 8).

342 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


Fotos: Ornélio Guedes da Silva

Figura 8. Campos de multiplicação e áreas plantadas com adubos verdes em rotação


de cultivos no Assentamento Cunha, Cidade Ocidental, GO, em 2008/2009.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 343


A difusão do trabalho junto aos agricultores familiares do MCP em Goiás
levou à demanda para a instalação de campos de produção de sementes de
adubos verdes em oito localidades (Figura 9), incluindo Ipiranga e Catalão, onde
já haviam sido realizados plantios no ano anterior. Previu-se a multiplicação de
pelo menos quatro espécies em cada local, seguindo a destinação de 200 m2/
espécie, a saber: (a) Pirenópolis, GO, na Comunidade Caxambu: plantio na
área coletiva (crotalária juncea, mucuna preta, feijão de porco, guandu anão,
calopogônio) e em três propriedades individuais (mucuna anã, mucuna cinza,
guandu comum, girassol e crotalária breviflora); (b) Catalão, GO: crotalárias
mucronata e breviflora, mucunas anã e preta, guandu anão, calopogônio; (c)
Ipiranga, GO: crotalárias spectabilis e juncea, feijão de porco, guandu anão,
mucuna anã e girassol; (d) Heitoraí, GO: crotalária juncea, calopogônio, mucuna
anã e guandu anão; (e) Uirapuru, GO: crotalárias breviflora e juncea, calopogônio,
mucuna preta; (f) Rio Quente, GO: crotalária juncea, calopogônio, feijão de
porco, girassol; (g) Faina, GO: crotalária spectabilis, guandu anão, mucuna anã
e calopogônio; (h) Niquelândia, GO: crotalária juncea, mucuna-anã, feijão de
porco e calopogônio.

Com a finalização do trabalho e dentro de uma perspectiva de sua


continuidade em outros projetos, observou-se que as dificuldades que se
apresentaram podem ser contornadas com ações de capacitação abordando temas
específicos. Elas se relacionaram basicamente aos cuidados na manutenção dos
campos de produção de sementes, sobretudo ao controle de invasoras necessário
na fase inicial de desenvolvimento das plantas. Com o decorrer do tempo, os
efeitos dos compostos alelopáticos exsudados e os da própria cobertura do
solo pelo dossel da vegetação se encarregam da supressão das ervas. Outra
consideração é o respeito ao espaçamento recomendado e (ou) à necessidade
de desbaste ou raleio, considerando que a plantação se destina à produção de
sementes e para tanto a insolação adequada é de enorme importância.

Estratégias de armazenamento das sementes também devem ser


previstas dentro do contexto de áreas maiores ou comunitárias, como bancos de
sementes locais estruturados em construções apropriadas.

344 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


Fotos: Cynthia Torres de Toledo Machado

Figura 9.. Campos de produção de sementes em Heitoraí, GO, e Comunidade Caxambu


em Pirenópolis, GO, em 2007/2008.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 345


O Resgate da Prática e dos Conhecimentos
dos Agricultores e a Incorporação das
Plantas de Cobertura aos Sistemas de
Produção
Na área do Assentamento Cunha, não havia nenhuma espécie de
cobertura de ocorrência local ou que tivesse sido introduzida, situação diferente
à encontrada junto aos agricultores familiares de Goiás, tradicionalmente
produtores de gado leiteiro, que relataram a ocorrência de tipos de estilosantes
(Stylosanthes sp.) em suas pastagens. Alguns desses agricultores, por sua
vez, desconheciam os benefícios dessas plantas na melhoria das condições de
fertilidade dos solos e da nutrição de seus rebanhos.

A introdução e retomada da prática da adubação verde no Assentamento


Cunha e nas comunidades de pequenos agricultores de GO, respectivamente,
teve início com atividades anuais de capacitação, em palestras, cursos e
oficinas, onde as espécies que seriam plantadas e os locais de plantio eram
também definidos. Em todos os locais, a capacitação foi continuada em todos
os estágios de desenvolvimento das plantas, já que os campos de produção
de sementes são extremamente didáticos para a demonstração dos benefícios
dessas espécies, como já comentado anteriormente.

Atualmente, o Assentamento Cunha atingiu um bom nível de diversificação


de plantios e atividades, em que a recuperação das condições de fertilidade dos
solos pelo uso dos adubos verdes teve um papel fundamental. Essas espécies
foram definitivamente incorporadas aos sistemas de produção e às atividades
cotidianas do grupo coletivo.

Os próprios agricultores têm exercitado a variabilidade de usos e


empregos dessas espécies, e, a partir disso, viabilizaram a proteção contra ventos
e pragas da área da horta e a multiplicação de polinizadores, tão importantes e
necessários na produção de hortaliças. Também encontraram, em espécies como
o guandu, alternativa alimentar para a criação de aves, introduzindo-a também

346 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


na alimentação humana. As leguminosas foram introduzidas em rotações
de culturas diversas, significando a perfeita compreensão das diferenças nas
demandas nutricionais entre as espécies vegetais e da função dos adubos
verdes na recuperação dos solos. Como estratégia para o controle de invasoras
e incorporação de glebas anteriormente plantadas com braquiárias, espécies
agressivas como as mucunas preta e cinza têm sido utilizadas.

A produção de leite no Assentamento Cunha não é uma das atividades


principais. Destina-se ao consumo local, à fabricação de alguns derivados como
manteiga e queijo, envolvendo poucas famílias. Essa pode ter sido a razão pelo
pouco interesse com as leguminosas forrageiras, das quais apenas o amendoim
forrageiro (Arachis pintoi) foi mantido, mas utilizado para a cobertura do solo nas
áreas de plantio de fruteiras.

Entre as comunidades de pequenos agricultores de Goiás, a comunidade


Caxambu, em Pirenópolis, destacou-se pela perfeita condução do campo
comunitário de produção de sementes e pelas iniciativas individuais dos
agricultores de multiplicarem sementes em suas propriedades. Eles se sentiram
particularmente motivados pelo uso dessas plantas em sistema agroecológico de
produção na propriedade da família Mesquita. Nesse sítio, a área destinada às
lavouras apresenta declive significativo, sendo os plantios realizados em faixas
seguindo as curvas de nível. As leguminosas são utilizadas em faixas, atuando
também como quebra-ventos (Figura 10). O desenho dessa propriedade ilustra
perfeitamente a incorporação das dos adubos verdes nos sistemas de produção,
e as visitas realizadas à área foram determinantes na motivação dos demais
agricultores da comunidade e outros visitantes. Os benefícios da utilização
dessas plantas nessa área são visíveis, na promoção da agrobiodiversidade, da
multiplicação de insetos benéficos, na deposição de material vegetal ao solo e
suas vantagens como cobertura morta e também em seus múltiplos usos.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 347


Fotos: Cynthia T. T. Machado

Figura 10. Linhas de mucuna e guandu


separando as faixas de cultivos agrícolas
na propriedade da família Mesquita na
Comunidade Caxambu, Pirenópolis, GO.

O trabalho com adubação verde com os agricultores goianos ligado ao


MCP tem enorme potencial e seu sucesso dependerá da utilização de espécies
adequadas às necessidades locais. Ou seja, deve-se priorizar a multiplicação
e a incorporação aos sistemas produtivos de espécies de múltiplos usos como
forrageiras, que representarão alternativas de alimentação e suplementação
proteica à dieta do gado leiteiro. Leucena e amendoim forrageiro, além do
calopogônio e labe-labe, são espécies que devem ter seu uso incentivado
nessas áreas.

O envolvimento e comprometimento dos agricultores com a atividade é


consequência natural da constatação da sua utilidade e dos seus benefícios
pela incorporação das plantas aos sistemas de produção em consórcios e
(ou) rotações. Essa também é a maneira mais efetiva de convencimento para
a adoção. A prática da adubação verde, desde a produção das sementes até
o manejo das plantas, não deve representar mais um trabalho exaustivo nas
propriedades, que, em sua maioria, possuem mão-de-obra restrita.

348 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


Pelas características benéficas dessas plantas, a sua utilização como
adubação verde propriamente dita ou em cultivos de cobertura representam a
base da diversificação dos sistemas de produção, do ambiente e das espécies
(flora e fauna), construção e manutenção da fertilidade do solo e controle de
pragas e invasoras, e consequente redução de gastos com fertilizantes químicos,
defensivos e herbicidas – premissas básicas do manejo agroecológico.

O uso dessas plantas, entretanto, é muito restrito. Nesse sentido,


a coordenação de agroecologia do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Mapa) lançou em 2007, dentro do programa Pró-Orgânico,
um projeto de Bancos Comunitários de Sementes de Adubos Verdes, que, na
primeira etapa, alcançou agricultores de sete estados da federação e assim se
expandirá aos demais estados.

Nas primeiras sete unidades da Federação contempladas – SP, RJ,


MG, BA, PE, PA e MS –, o Programa está no segundo ano de execução. A
primeira safra, que dá início à formação dos Bancos Comunitários, foi colhida e
os Bancos Comunitários estão sendo estruturados. Outro lote de sementes de
diversas espécies de adubos verdes está sendo distribuído a partir da demanda
dos estados por sementes adaptadas a cada região. Em outros sete estados –
AC, DF, TO, MT, PB, SC e RS –, houve a capacitação de técnicos multiplicadores
e agricultores familiares e foram distribuídas sementes adequadas às demandas
regionais (Virgínia M.C. Lira, MAPA, Coagre, 2009. Comunicação Pessoal). Para
maiores informações, devem ser contatados os coordenadores nos estados ou
nossa coordenação, conforme a lista no anexo ao final desse capítulo.

A proposta desses bancos é facilitar o acesso dos agricultores às sementes


para o primeiro plantio e garantir a reposição em caso de perda, funcionando
como uma central para a administração das sementes. A associação dos
agricultores aos bancos é espontânea e a moeda são as sementes, garantindo
que cada família produza e beneficie sua própria semente, destinando parte
da produção para um estoque comunitário gerenciado coletivamente (WUTKE
et al., 2007).

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 349


À semelhança das experiências dos campos comunitários desenvolvidas
no âmbito do Programa Biodiversidade Brasil-Itália, os bancos também
representam uma estratégia para promoção e disseminação do uso da prática
de adubação verde entre os agricultores.

Referências
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edafoclimáticas, uso e manejo. In: CARVALHO, A. M.; AMABILE, R. F. (Ed.). Cerrado:
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Porto Alegre, RS: UFRGS, 2001. 653 p.

VALENTIM, J. F.; CARNEIRO, J. C.; VAZ, F. A.; SALES, M. F. L. Produção de mudas


de Arachis pintoi cv. Belmonte no Acre. Rio Branco, AC: Embrapa Acre, 2000. 4 p.
(Embrapa Acre. Instruções Técnicas, 33).

VALENTIM, J. F.; CARNEIRO, J. C.; SALES, M. F. L. Amendoim forrageiro cv.


Belmonte: leguminosa para a diversificação das pastagens e conservação do solo no
Acre. Rio Branco, AC: Embrapa Acre, 2001. 18 p. (Embrapa Acre. Circular Técnica, 43).

VARGAS, M. A. T.; MENDES, I. C.; CARVALHO, A. M.; LOBO-BURLE, M.; HUNGRIA,


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Brasília, DF: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2007. 20 p.

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 351


Anexo. Programa Bancos Comunitários de
Sementes de Adubos Verdes
Contato nacional:
Coordenação de Agroecologia
CGDS/DEPROS/SDC/MAPA
organicos@agricultura.gov.br
(61) 3218-2453 / 2413
Contatos estaduais:
CPOrg AC CPOrg MS CPOrg RS
ao-ac@agricultura.gov.br fabio.mizote@agricultura.gov.br angela.escosteguy@agricultura.
(68) 3212-1326 (67) 3316-7100 gov.br
(51) 3221-7991
CPOrg BA CPOrg PA CPOrg SC
vanuza.paiva@agricultura. martha.parry@agricultura.gov.br eduardo.amaral@agricultura.
gov.br (91) 3214-8653 gov.br
(71) 3320-7439 (48) 3261-9967
CPOrg DF CPOrg PB CPOrg SP
claudimir.sanches@agricultu- virginio.silva@agricultura.gov.br marcelo.laurino@agricultura.gov.br
ra.gov.br (83) 3216-6325 (19) 3432-4361
(61) 3329-7103
CPOrg MG CPOrg PE CPOrg TO
lygia.bortolini@agricultura. lia.coswig@agricultura.gov.br patricia.rezende@agricultura.
gov.br (81) 3236-8503 gov.br
(31) 3250-0337 (63) 3219-4341
CPOrg MT CPOrg RJ
jean.bif@agricultura.gov.br ailena.salgado@agricultura.
(65) 3685-1156 gov.br
(21) 2263-1709

352 Manejo Agroecológico de Agroecossistemas em Comunidades Rurais...


Capítulo 11

Produção Agroecológica de
Hortaliças: a experiência do
Assentamento Cunha

Vinicius Mello Teixeira de Freitas


Vicente Eduardo Soares de Almeida
Produção Agroecológica de Hortaliças:
a experiência do Assentamento Cunha

Introdução
Neste capítulo, apresenta-se a experiência de formação para produção
de hortaliças no Assentamento Cunha, analisada a partir dos princípios e
fundamentos da agricultura ecológica, com a preocupação de evidenciar os
avanços e os principais entraves encontrados nesse processo em construção. O
trabalho refere-se a um curto espaço de tempo, compreendido entre meados de
2008 e o final do primeiro semestre de 2009, período que corresponde ao terceiro
plano de trabalho anual da atividade de formação, assumida pela Embrapa
Hortaliças, no âmbito do Programa de Biodiversidade Brasil-Itália (PBBI).

As reflexões aqui apresentadas seguem a lógica de questionamentos


quanto ao modelo hegemônico estabelecido para a produção de alimentos,
também conhecido como agricultura convencional, levada a cabo tanto no meio
acadêmico quanto no seio dos movimentos sociais ligados à problemática do
campo (MARCO REFERENCIAL..., 2006). Não significa dizer que já se promove,
de fato, uma ruptura com esse modelo. Aliás, em muitos pontos, na experiência
aqui relatada, parte-se de práticas muito parecidas com aquelas adotadas nesse
estilo de agricultura, como estratégia inicial, ou de “ignição” das atividades, para,
posteriormente, analisá-las criticamente e buscar novos caminhos e formas
de trabalho. Com todas as dificuldades naturais desse processo, existe aqui
a pretensão de contribuir para a construção de uma alternativa ao “modelão”
agrícola e, para, além disso, contribuir para o estabelecimento de uma proposta
autêntica de agricultura de base agroecológica, entendendo aqui a agroecologia
como ciência integradora de conhecimentos e como movimento capaz de
provocar alterações mais profundas nas formas de produção e de vida na
agricultura e em sociedade (CAPORAL, 2007; ALMEIDA, 2002).

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 355


Para alcançar esses objetivos, a Embrapa Hortaliças dá suporte
às atividades com um grupo de estudo e debate, também em plena fase de
constituição, formado por pesquisadores, analistas, assistentes de campo e
estagiários, com foco voltado para a questão do desenvolvimento da agricultura
de base agroecológica. Do ponto de vista técnico de produção, as atividades
contam com o apoio e conhecimento acumulado nos últimos anos em pesquisas,
no campo da produção orgânica. Esse apoio e diálogo entre instituições de
pesquisa e movimentos da sociedade civil é entendido, aqui, como de fundamental
importância e pré-requisito para a construção da agroecologia.

A preocupação primeira dessa atividade de formação e produção


participativa foi a de promover a segurança alimentar e nutricional das famílias
envolvidas, buscando garantir a disponibilidade e o acesso a alimentos de
qualidade, livre de contaminantes químicos e biológicos, com variedade
suficiente e em quantidade adequada (CONFERÊNCIA NACIONAL..., 2007).
Como segundo objetivo, surge a geração de renda, de forma a contribuir para
o processo de desenvolvimento econômico e social das famílias envolvidas,
tendo em vista a sustentabilidade ambiental como componente fundamental da
qualidade de vida de moradores e trabalhadores rurais.

Após uma breve história do assentamento e algumas considerações


acerca da metodologia aqui adotada, serão apresentados, nesse texto, cinco
temas que foram considerados estratégicos para o grupo nesse momento inicial
da experiência, sendo eles: (a) a produção de hortaliças em modelos de estufa de
baixo custo; (b) as alternativas de comercialização; (c) o uso racional da água de
irrigação; (d) o controle de pragas e doenças; e (e) a independência de insumos
para a horta. Essas questões representam apenas parte da totalidade do que foi
discutido durante esse ano de experiência, funcionando como temas geradores
de discussão. No entanto, importa aqui, como pretendemos mostrar neste texto,
mais do que os temas em si, a forma como os mesmos são discutidos, com
ênfase nos princípios da agroecologia, articulada com o desafio prático em
construção na horta do Assentamento Cunha.

356 Produção Agroecológica de Hortaliças: a experiência do Assentamento Cunha


Histórico da Experiência no Assentamento
Cunha e Metodologia Adotada
O Assentamento Cunha, situado na Cidade Ocidental, GO, foi criado a
partir da ocupação da fazenda que levava o mesmo nome, ocorrida em 1997,
com o apoio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do
Sindicado dos Trabalhadores Rurais de Luziânia, GO. Na época, a mobilização
envolveu algo em torno de 300 famílias. Em 1998, onze famílias, entre aquelas
efetivamente assentadas, reuniram-se para fundar um grupo, denominado
Grupo Coletivo Carajás, com o propósito de promover a união e o fortalecimento
do assentamento e aumentar as chances de sucesso nas atividades rurais.
Com a eminência de regulaziração do assentamento pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra), o que ocorreu efetivamente em 2001,
houve forte pressão, por parte dos órgãos oficiais, para a dissolução do grupo,
porém sem sucesso quanto a esse objetivo.

Atualmente esse núcleo do assentamento, que persiste fiel à ideia inicial,


é formado por sete famílias de agricultores e gerido em bases cooperativas,
quanto à organização do trabalho. A área onde está estabelecido também é
comum ao grupo e foi mantida sem divisões dos lotes, apesar da contrariedade
que apresenta esse formato, quanto ao modelo atualmente adotado no Brasil para
os assentamentos de reforma agrária. Há cerca de 7 anos, foi iniciado, por essas
famílias, o processo de transição agroecológica, contando, mais recentemente,
com um apoio direto de diferentes unidades da Embrapa, envolvendo a aplicação
de tecnologias e processos voltados à promoção da agricultura sustentável em
bases participativas, por meio do Programa Biodiversidade Brasil-Itália (PBBI).

O PBBI teve seu foco de atuação na conservação e no uso sustentável


da agrobiodiversidade, entendida essa como um patrimônio genético e cultural
construído e mantido por agricultores a partir de milênios de interação do homem
com a natureza. Essa herança de valor inestimável para a manutenção do
homem no campo encontra-se ameaçada pela agricultura moderna submetida
às regras e políticas mercadológicas. Atualmente, populações tradicionais e

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 357


comunidades rurais em geral sofrem os efeitos devastadores da erosão genética
e cultural, relacionada ao êxodo rural massivo, tal como observado nas últimas
décadas no Brasil. O PBBI foi estruturado em cinco projetos, sendo a ação da
Embrapa Hortaliças inserida no Projeto 4, que trata do Manejo Sustentável da
Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga.

As hortaliças compõem um grupo especial de alimentos, responsáveis


pela regulação do organismo, por serem fontes de vitaminas e sais minerias.
O acesso a esses alimentos fundamentais para a saúde, no entanto, não é
garantido para todos, seja em virtude da dificuldade de acesso por questões
financeiras, ou por indisponibilidade no local ou nos grandes centros de consumo
(CONFERÊNCIA NACIONAL..., 2007). No meio urbano, essa é uma faceta cruel
da fome, associada ao inchaço das cidades e oportunidades escassas de acesso
a renda para todos. No meio rural, uma realidade insustentável, pela coexistência
da miséria e da fome, em um país com tamanha diversidade e riqueza de terras
e recursos naturais, sem falar no aspecto cultural e conhecimentos associados
a esse patrimônio.

Considerando a realidade de comunidades tradicionais e trabalhadores


do campo em geral, assentados ou não, as grandes ameaças podem ser
relacionadas à perda de materiais genéticos tradicionais; à substituição, pelo
mercado, de espécies que compunham a dieta das populações por outras
de maior interesse econômico e, na grande maioria, importadas de outros
continentes com predominância de clima temperado, caracterizando, inclusive,
um sério problema de dependência quanto a recursos genéticos importados; à
deturpação dos hábitos alimentares e de consumo, com aumento da exigência
por determinados produtos, por parte dos núcleos de consumo, durante todo
o ano e não apenas nas épocas adequadas para sua produção, gerando um
custo social e ambiental raramente percebido pelo próprio consumidor; à erosão
de conhecimentos tradicionais, associada à base genética local, promovida
pelo êxodo rural forçado como estratégia de “desenvolvimento” nacional,
adotada massivamente no Brasil nas últimas décadas; entre outras questões
fundamentais.

358 Produção Agroecológica de Hortaliças: a experiência do Assentamento Cunha


Nesse contexto, é necessário esclarecer que a presente experiência
de produção de hortaliças não teve, ao menos nesse primeiro momento, a
pretensão de promover o resgate de hortaliças tradicionais, considerando esse
“vazio” genético e de conhecimentos sobre manejo e sistemas de produção
a ele associado, confome mencionado acima. Ainda assim, essa discussão
serve como pano de fundo para o planejamento de ações futuras de resgate e
valorização do conhecimento tradicional para o manejo e uso da biodiversidade,
o que é um grande desafio na linha de trabalho em bases agroecológicas.

A metodologia aqui adotada não poderia deixar de ser fundamentada


em práticas da pesquisa-ação e pesquisa participante. Essas metodologias
se diferenciam por se basearam em um novo paradigma de desenvolvimento
agrícola em que o agricultor participa efetivamente no processo de pesquisa,
rompendo com a concepção em que lhes é atribuído um papel de receptores
de informações e tecnologias. Essa concepção, ainda existente em algumas
instituições, tem se revelado inadequada e frequentemente desestabilizadora
das economias das agriculturas familiares (PETERSEN, apud HOCDÉ, 1999).
Dessa maneira, diversas práticas e linhas de ação participante, tal como a do
agricultor experimentador, vêm sendo elaboradas e praticadas com grande
êxito, na America Latina, destacando-se ainda, nesse âmbito, diversos autores
cujas ideias inspiram as metodologias aqui propostas. Entre eles, destacam-se
Florestan Fernandes, Orlando Fals Borda e Paulo Freire, este com merecida
atenção à obra “Extensão ou Comunicação?” (FREIRE, 1983), que serviu de
inspiração para a elaboração de várias atividades práticas de problematização
levadas a campo neste trabalho.

Um bom exemplo da linha de trabalho aqui adotada pode ser


apresentado a partir da forma como foi trabalhada a percepção dos agricultores
em relação ao manejo dado para controle de doenças e pragas. A estratégia
partiu, por exemplo, da reflexão e identificação dos elementos e lógica de ação
“acionados” pelo próprio agricultor no momento de tomada de decisão, por
meio de exercícios simples de simulação. Mapeada e planificada essa lógica
de intervenção, com a participação do grupo, é possível olhar objetivamente

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 359


para essa atuação e compará-la, por exemplo, na sua forma, com as medidas
convencionais de controle baseadas, quase sempre, na “remediação” dos danos
já causados às culturas. Essa estratégia baseada na remediação compõe um
dos elementos do pacote tecnológico amplamente vendido ou “transferido” aos
agricultores, desde o advento da “Revolução Verde”. Atualmente, esse pacote
passa por uma reformulação, como salienta Caporal (2007), caracterizando uma
“segunda revolução verde”, ou “Revolução Verde-Verde”, que já incorpora novas
gerações de agrotóxicos e dá novo sentido a estratégias de manejo e tratamento
fitossanitário convencionais, com um verniz “ecológico”, mas mantendo a mesma
fórmula de sempre. Sem pretender entrar no mérito da discussão sobre as
modernas técnicas da agricultura convencional, o que se deseja aqui é apenas
levantar a discussão sobre como promover uma nova lógica de intervenção,
baseada no manejo ecológico e biodiverso, e na valorização do conhecimento
tradicional como principal insumo na agricultura, em substituição às “soluções”
do agronegócio. Esse é o desafio quando pensamos novas metodologias de
trabalho em bases participativas.

Dito isso, finaliza-se reforçando a ideia de que a experiência do


Assentamento Cunha, antes de ser encerrada ou limitada por resultados e
indicadores quantitativos de sucesso, tais como: quantos pés de alface foram
produzidos? ou qual a área de solo foi explorada em um determinado período
de tempo?, trata-se aqui de estabelecer as bases de uma outra lógica de ação,
tendo a pesquisa intimamente compromissada com os objetivos dos grupos que
atende (tal como ocorre com qualquer outra forma de pesquisa, independente do
grau de “imparcialidade” muitas vezes declarada) e, da mesma forma, tendo os
grupos populares, comunidades e demais organizações sociais seu compromisso
com a transformação da forma de construir conhecimento, influenciando como
uma via de mão dupla as instituições de pesquisa, ensino e extensão.

Nesse aspecto, apresenta-se a seguir a análise dos temas, indicados


como fundamentais pelo grupo do Assentamento Cunha, para o desenvolvimento
de sua estratégia de produção.

360 Produção Agroecológica de Hortaliças: a experiência do Assentamento Cunha


A Estratégia de Produção em Modelos de
Estufas de Baixo Custo
A produção de hortaliças em casas de vegetação ou estufas, adotando
o nome popular, apresenta como principal vantagem, amplamente difundida
na agricultura convencional, a possibilidade de controle do ambiente de forma
a criar condições propícias ao desenvolvimento das culturas de interesse
comercial. Nesse ambiente artificialmente controlado, a ideia central é de que as
plantas cultivadas estariam protegidas quanto a fatores adversos potencialmente
limitadores do seu pleno desenvolvimento, se comparado com a cultura instalada
no campo. Essa estratégia é amplamente difundida na olericultura convencional
em razão das possibilidades de aumento da produtividade, melhoria da qualidade
do produto, melhor aproveitamento dos fatores de produção, controle total ou
parcial dos fatores climáticos e diminuição da sazonalidade da oferta, tornando
possível, para algumas culturas, sua produção durante todo o ano (FILGUEIRA,
2003).

Na agricultura idealizada em bases agroecológicas, essa artificialização


do ambiente é recebida com certa polêmica. A contradição maior reside no
fato de que a agroecologia propõe exatamente a harmonização dos sistemas
de produção com o ecossistema no qual está inserido, adotando uma visão
sistêmica e integrada nesse “novo espaço” de ação humana, batizado de
agroecossistema. Dessa maneira, dever-se-ia, fundamentalmente, priorizar
aspectos como o cultivo de alimentos de época, adaptados às condições locais,
dando prioridade a variedades rústicas, e, de preferência, àquelas em posse dos
agricultores, ao invés de buscar extender, de forma forçada, o ciclo produtivo
das plantas. Isso porque é exatamente essa condição que contribui para a
necessidade de maiores esforços “externos” para proteger esse produto das
“ameaças ambientais e patogênicas” que certamente serão intensificadas.

Outro aspecto a ser buscado com a produção de base agroecológica


seria a compatibilização da produção comercial com a diversificação de

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 361


cultivos de interesse alimentar, bem como a progressiva complexificação do
agroecossistema, tendendo à estabilização ambiental, no lugar da simplificação
promovida na agricultura de base convencional. Da mesma maneia, poder-se-
ia perseguir, como meta maior, a limitação da demanda por maiores índices de
produtividade exatamente pela capacidade de suporte do ambiente onde são
cultivados os alimentos, entendendo, como capacidade de suporte, o momento
a partir do qual o próprio ambiente começa a apresentar sinais de desgaste,
traduzidos em surtos de populações de praga e intensificação de doenças e
outros desequilíbrios.

Vale observar que esses efeitos dificilmente seriam notados em sistemas


que objetivam a alimentação saudável, ao invés de, por exemplo, atender aos
interesses do mercado. É notório que a natureza exige um tempo para responder
às intervenções do homem e esse tempo precisa ser percebido e respeitado na
prática agrícola. Os interesses mercadológicos, no entanto, são urgentes, gerando
aí um conflito, o qual pode ser associado a ideia de produção “insustentável”,
em sua essência. Esse problema deve ser enfrentado, com todas as suas
dificuldades, especialmente em se tratando de estilos de agricultura em fase de
transição da convencional para a ecológica. Nesse sentido, o planejamento pode
ser um grande aliado do agricultor ecológico. Com esse pensamento, foi traçada
uma estratégia de produção no Assentamento Cunha inserindo o cultivo protegido
como um elemento temporário, em determinado momento da transição, de forma
a garantir a sustentabilidade econômica do “empreendimento”, no curto prazo.
No futuro, porém, objetiva-se a substituição de práticas de maior interferência
ambiental, por outras mais harmoniosas com o espaço natural, adotando a ideia
de redesenho do agroecossistema, na concepção de Gliessman (2000) e Marco
referencial...,(2006).

A estufa foi sugerida nas discussões com o Grupo Coletivo Carajás


como um artifício importante, ainda que temporário, para a continuidade da
horta, principalmente por facilitar a manutenção do grupo no mercado, sendo
este, atualmente, um forte motivador da atividade na horta, mantendo-se

362 Produção Agroecológica de Hortaliças: a experiência do Assentamento Cunha


também a coesão do grupo de agricultores envolvido no projeto. Respeita-se
aqui, em primeiro lugar, o objetivo do grupo de gerar renda com a atividade
produtiva, ao mesmo tempo em que se busca explorar alternativas de mercado
com estratégias mais solidárias, como será analisado adiante. O fato é que,
sem um trabalho em paralelo de educação junto ao consumidor ou “cliente” dos
produtos da horta, os princípios de sustentabilidade, especialmente no aspecto
econômico acima defendido, dificilmente serão promovidos. Também como
pano de fundo dessa estratégia está o reconhecimento de que a visão sistêmica
aplicada à agricultura não se limita à análise das relações ecológicas complexas
que existem no agroecossistema, mas deve envolver, também, as igualmente
complexas relações sociais, a troca de produtos e insumos, o trabalho, o
comércio, os costumes, enfim, um amplo conjunto de elementos intimamente
relacionados com a prática agrícola.

Do ponto de vista técnico e das necessidades do grupo, a adoção da


estufa proporciona exatamente as vantagens já referidas anteriormente e atende
aos mesmos objetivos de qualquer outro produto convencional. Porém, vem
acompanhada de uma estratégia de curto, médio e longo prazos, que prevê
a redução e substituição imediata de insumos necessários à construção das
estruturas, por meio da busca por modelos alternativos de casas de vegetação
já disponíveis, desenvolvidos por diferentes instituições de pesquisa e
extensão brasileiras, porém, com pouca divulgação em âmbito nacional. Esses
modelos proporcionam a redução de custos da estufa e, consequentemente,
a possibilidade de acesso (financeiro) a esse tipo de estrutura; a redução de
materiais estranhos ao ambiente natural, tais como plásticos, metais e sintéticos;
e, por fim, o uso preferencial de materiais facilmente encontrados pelo agricultor,
em especial aqueles que podem ser produzidos em sua propriedade, tais como
o bambu e o eucalipto, e que também oferecem outras possibilidades de usos
diversificados. Dessa forma, é promovida a troca de experiências e conhecimentos
desenvolvidos em diferentes localidades, a apropriação desses conhecimentos
por parte do grupo, sendo possível a sua adequação à realidade local, e,
finalmente, a autonomia do grupo que, de posse dos materiais, ou de boa parte

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 363


deles, e da tecnologia, pode optar e traçar seus próprios caminhos e projetos, de
forma coerente com os princípios da agricultura em base agroecológica.

Os modelos apresentados ao grupo do Assentamento Cunha foram a


estufa de baixo custo, montada em vergalhão de obra e madeira, desenvolvida
pela Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio de Janeiro (Pesagro-Rio), a
estufa de bambu, desenvolida pelo Centro Paranaense de Agroecologia (CPRA)
e a estufa de baixo custo da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
do Distrito Federal (Emater-DF), também conhecida como “Fazenda Larga”.
Com esses modelos, o custo de instalação pode chegar a apenas 20% do custo
dos modelos comercialmente disponibilizados. A durabilidade dos modelos de
baixo custo, se bem construídos e com os devidos cuidados de manutenção
que qualquer estrutura como essa exige, pode ser compatível à dos modelos
comerciais e existe até a expectativa de superação dos mesmos, em relação à
resistência ao vento, por exemplo, como no caso da estufa de bambu. A análise
de custo e de vantagens comparativas quanto à resistência e durabilidade
dos modelos “alternativos” aqui apresentados, no entanto, não é uma simples
questão, exigindo um período maior de tempo para coleta e análise de dados,
dos quais ainda não se dispõe nesta experiência.

O cultivo protegido pode ser adotado, na agricultura, de forma geral, com


duas finalidades principais. A primeira, e que dá origem à denominação “estufa”,
propriamente dita, está exatamente relacionada à necessidade de proteger as
plantas de temperaturas muito baixas, sendo, portanto, adequada a regiões de
clima frio e com maior razão para aquelas culturas mais suscetíveis a quedas
bruscas de temperatura. Para esse fim existem diferentes modelos de estufas,
entre os convencionalmente conhecidos. Um deles é o “túnel alto”, muito utilizado
nas regiões mais frias, no sul do país, por ser, paradoxalmente, um modelo mais
baixo em relação às estufas convencionais (o nome tem origem na comparação
com os túneis baixos ou túneis forçados, que também são uma espécie de cultivo
protegido, só que montados em estruturas de arcos, com altura em torno de um
metro em relação ao solo, instalados diretamente sobre os canteiros). O “efeito

364 Produção Agroecológica de Hortaliças: a experiência do Assentamento Cunha


estufa” das casa de vegetação é conseguido com a entrada da radiação solar,
através do plástico da cobertura, que aquece a superfície do solo. A massa de ar
quente fica retida nesse ambiente, pelo mesmo plástico de cobertura, gerando
uma condição de temperatura mais “agradável” ao desenvolvimento das plantas.
Em condições de temperatura mais elevada, no entanto, em que o aumento
da temperatura no interior das estufas não seria um objetivo importante, entra
em cena outra finalidade das casa de vegetação, relacionada ao efeito “guarda-
chuva”. Essa outra finalidade pode explicar, ao menos em parte, a resistência
de muitos especialistas quanto ao nome popular de “estufa”, inadequado
nesse caso em que importa a função de proteção da chuva. Muito embora a
“implicância” faça todo o sentido, utiliza-se, neste texto, com alguma frequência,
o termo “estufa” para denominar as casas de vegetação, por ser um nome já
estabelecido na linguagem popular, mesmo quando o interesse principal seja o
efeito guarda-chuva, como é exatamente no caso do cultivo no Assentamento
Cunha.

Tendo em vista essas considerações, muito há ainda que se apreender


quanto ao manejo de culturas em ambiente protegido, especialmente em se
tratando de uma proposta agroecológica, por ser essa uma ideia ainda muito
recente. Como exemplo, temos a estufa de bambu como um modelo muito
semelhante ao conhecido convencionalmente como “túnel alto”. Esse tipo de
estrutura tem o pé direito baixo, em relação às estufas comuns. Com essas
características, a estufa de bambu, concebida no Paraná, deve ser analisada
e adaptada para as condições do Centro-Oeste. Por ser baixa, a regulação da
temperatura pode ser um fator problemático, mas contornável manejando as
janelas localizadas na parte superior da estufa e da abertura de cortinas laterias,
ou da substituição destas por telados.

Outras estratégias estão em planejamento. Uma delas é a utilização de


telados, especialmente na produção de folhosas em condições de alta radiação
solar. A ideia levou à busca por um modelo de viveiro, também descrito pela
Pesagro-Rio, em que as folhosas são cultivadas em telado com bons resultados

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 365


para as condições de verão no Estado do Rio de Janeiro, de acordo com
técnicos daquela instituição. No Cunha, essa experiência também está em
curso, para comparar o desempenho com a cultura levada a campo aberto.
A região do Distrito Federal e entorno, onde está localizado o Assentamento
Cunha, é caracterizada por um regime de chuvas bem marcado, com um período
muito seco, concentrado no outono e inverno, e outro chuvoso, com índices de
pluviosidade próximos a 1.000 mm por ano, concentrado na primavera e verão.
A adaptação das estratégias, a campo, deverá ser realizada considerando
essas variações, sendo possível, especialmente no período de chuvas, a
experimentação de outra estratégia que é o “túnel baixo”, instalado sobre o
canteiro e, também, com características de baixo custo e eficiência na proteção
contra as chuvas – evitando danos às folhas com o impacto da queda da água
e reduzindo o período em que as folhas ficam molhadas, favorecendo a entrada
de patógenos.

Quanto ao manejo das culturas no interior das estufas, da mesma forma


será necessário aguardar mais algum tempo até que se possa tirar conclusões
definitivas acerca da viabilidade das estufas de baixo custo. Teoricamente,
espera-se que, por custarem menos ao produtor, seja possível lançar mão de um
uso menos intensivo do solo, sendo esta uma das principais vantagens desses
modelos. Na agricultura convencional, é comum o desgaste excessivo do solo
e o surgimento de problemas de salinização ou de altíssimas concentrações de
patógenos, tais como nematoides e doenças causadas por fungos e bactérias
que vivem no solo e acabam “selecionadas” em virtude do manejo das culturas,
intensificado no interior das estufas. Esse manejo, via de regra, é justificado
exatamente pelo custo elevado dessas estruturas, com o consequente aumento
do custo do metro quadrado de solo sob essa estrutura. Dessa forma, o produtor
não vê outra saída senão explorar ao máximo esse espaço com culturas de
alto valor no mercado, produzidas o ano todo e eliminando qualquer “gasto” de
recursos com o descanso do solo ou com rotação de culturas, práticas essas,
entre outras, tão importantes para o equilíbrio químico, físico e biológico do solo
e mesmo para se evitar a superconcentração de pragas e patógenos causadores

366 Produção Agroecológica de Hortaliças: a experiência do Assentamento Cunha


de doenças para as plantas cultivadas. Não raro, o produtor convencional, que
não consegue adotar práticas conservacionistas, vê-se obrigado, em um tempo
maior ou menor, dependendo do caso, a transportar toda a estrutura para outras
localidades onde o solo ainda é possível de ser cultivado, ou então a adotar
práticas de cultivo em que o solo é totalmente suprimido e substituído por
soluções de nutrientes, como no caso de cultivos hidropônicos.

Do ponto de vista da técnica de produção, é previsto no planejamento


concebido para o Assentamento Cunha colocar em prática estratégias de
cultivo em ambiente protegido utilizando consorciação de espécies, rotação de
culturas, adubação com adubos orgânicos sólidos e líquidos, pousio e outras
possibilidades de manejo ecológico, aproveitando a condição de viabilidade
econômica favorecida, mesmo para o pequeno produtor, pela redução do custo
do metro quadrado de solo protegido em casas de vegetação.

Para concluir, nesta experiência, assumem-se os riscos e as contradições


existentes na opção pelo cultivo protegido, do ponto de vista da agroecologia,
mas mantém-se a coerência quanto ao objetivo de desenvolvimento rural e
humano, igualmente importante, tendo ainda em vista a condição de que a mínima
interferência no ambiente e a compatibilização da produção com o equilíbrio
ecológico é um objetivo a ser alcançado no médio e longo prazos, e que, para
isso, existe um plano de ação concebido coletivamente a ser colocado em prática,
em que entra como fator fundamental o estabelecimento de novas relações
entre produtor e consumidor, ou ainda, em outra perspectiva, nas relações entre
trabalhador rural e trabalhador urbano, conforme será comentado mais adiante.

O Problema da Dependência quanto a


Insumos Externos
Com o decorrer da experiência e das discussões, alguns desafios ou
problemas fundamentais surgiram em destaque, na horta do Cunha, em relação a
outros. É o caso da dependência de insumos externos, muito forte, especialmente

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 367


quando analisamos a horticultura convencional. O nome “agricultura convencional”
vem sendo cunhado por diversos autores, especialmente os que se dedicam
à construção de modelos ecológicos de produção. Gliessman (2000) identifica
esse estilo de agricultura dita convencional com aquele que envolve dois
objetivos primordiais: “a maximização da produção e o lucro”. E completa que
”na busca dessas metas, um rol de práticas foi desenvolvido sem cuidar de suas
consequências não intencionais (...). Seis práticas básicas – cultivo intensivo
do solo, monocultura, irrigação, aplicação de fertilizante inorgânico, controle
químico de pragas e manipulação genética de plantas cultivadas – formam a
espinha dorsal da agricultura moderna. (...) Como um todo, formam um sistema
no qual cada uma depende da outra e reforça a necessidade de usá-las”.

No caso da horticultura, uma das faces dessa dependência está ligada


à disponibilidade (ou indisponibilidade) de sementes, restrita aos interesses de
um mercado dominado por poucas empresas, na sua maioria multinacionais.
As hortaliças também possuem a característica de serem plantas cultivadas
como de ciclo rápido, considerado o ciclo até a obtenção do fruto ou outra parte
qualquer, de interesse comercial. Com isso, dependem também de quantidades
relativamente grandes de nutrientes em um curto espaço de tempo o que, por
conseguinte, justifica o uso de adubação química solúvel, indicada como forma
de suprir sua “necessidade”, na hora certa e na quantidade ideal para a expressão
do seu “máximo potencial de desenvolvimento” (na verdade maximização do
fruto ou da capacidade produtiva da planta), da mesma forma que justifica o uso
abundante de água para irrigação, sem a qual os nutrientes não chegariam a ser
absorvidos pelas raízes com a eficiência desejada.

A adubação foi considerada, nessa experiência, como um ponto crítico na


produção de hortaliças. Nesse sentido, vêm-se trabalhando formas alternativas
de adubação, pensando na autonomia da propriedade para a produção de
compostos orgânicos, integrada com outras atividades, tais como a criação de
animais. Algumas formas de produzir composto orgânico estão sendo, hoje,
divulgadas pela Embrapa Hortaliças, tal como em Couto et al. (2008). Esses

368 Produção Agroecológica de Hortaliças: a experiência do Assentamento Cunha


procedimentos se encontram em experimentação na prática do Assentamento
Cunha, analisando-se a facilidade de acesso aos ingredientes para a fabricação
do composto, a função de cada composto e a possibilidade de substituição
por outros existentes na propriedade, em maior abundância, e a opinião dos
agricultores ou horticultores envolvidos, sobre a facilidade de incorporar essas
técnicas no dia-a-dia e a relação custo benefício da produção desse insumo.

Uma das dificuldades quanto ao objetivo de autossuficiência na


produção de composto está no acesso a matérias-primas, pois o esterco de
gado é um insumo escasso na horta do Cunha, atualmente. Os animais do grupo
coletivo são insuficientes em número, para produzir a quantidade necessária e
são conduzidos a pasto, dificultando a coleta do esterco. Atualmente a solução
está sendo comprar esse material de vizinhos, mas existem os problemas do
custo do transporte e do próprio material. Sendo assim, percebe-se, hoje, que
alternativas têm que ser buscadas, com o objetivo de complementar a deficiência
de esterco como fonte de nitrogênio. Entre essas estratégias possíveis está a
adubação verde, o aumento do cuidado com a conservação do solo, mantendo
ou recuperando a sua fertilidade natural e o teste com técnicas de incorporação
de matéria seca no solo, a fim de criar a especialização microbiológica para a
fixação de nitrogênio do ar.

Como pano de fundo para os testes e propostas referentes a alternativas


e formas de garantir a adubação e qualidade química, física e biológica do
solo, está a preocupação com a facilidade de replicar tais estratégias em outras
experiências e ainda de relacionar a adoção de novas práticas de adubação,
com outros efeitos no ambiente. Essa discussão traz à tona conceitos como o da
trofobiose, de Chaboussou (2006), em que levantam se evidências de que uma
das bases para os surtos de pragas e doenças está no desequilíbrio nutricional,
provocado pelo uso de adubos químicos solúveis.

A questão do acesso limitado a sementes, aqui mencionada, foi abordada


com maior ênfase no âmbito das atividades do PBBI, na região norte de Minas
Gerais, especificamente junto ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais do

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 369


Município de Porteirinha. Durante as discussões, foram levantados três objetivos
que poderiam ser buscados com a prática da produção de sementes e com a
apropriação desse conhecimento por parte das comunidades rurais envolvidas.
Um deles seria a conservação de recursos genéticos locais ou apropriados; a
produção com objetivo de simples multiplicação de sementes em quantidade
para uso nas hortas; e a produção com fins de melhoramento genético, em
bases participativas e de acordo com os interesses dos agricultores.

A conclusão, nesse sentido, foi de que existem limitações para o


estabelecimento de campos de produção de sementes, por exemplo, por questões
de clima, para algumas hortaliças. Um segundo elemento foi a percepção de que
existe uma ampla variedade de hortaliças, cada qual com suas especificidades
para fins de produção de sementes, normalmente diversa da produção comercial
da planta para uso como alimento. Em terceiro, que, dependendo do objetivo
ou objetivos dessa produção, uma estratégia maior seria necessária de forma
a dar suporte, seja à produção para mercado ou para consumo interno, para o
resgate e manutenção de bases genéticas ou para trabalhos de melhoramento
e seleção participativa. A ideia ficou, dessa forma, sob análise, sendo evidente
a necessidade de traçar planos de longo prazo, em relação à autonomia desses
recursos genéticos.

Manejo Racional da Água de Irrigação


No período de seca, bastante severo no Cerrado, no período de outono-
inverno, as hortaliças tradicionalmente cultivadas são altamente dependentes
de irrigação para seu crescimento. A experiência do Assentamento Cunha
é encaminhada para o desenvolvimento de sistemas racionais de uso da
água de irrigação, aproveitando possibilidades de coleta de água de chuva,
armazenamento a baixo custo e uso de energias alternativas para bombeamento.
As estufas também podem compor esse sistema de irrigação, com a função
de integrar, junto com os telhados das casas, uma superfície de captação de
água da chuva, para uso nos períodos secos. Para isso, torna-se necessário

370 Produção Agroecológica de Hortaliças: a experiência do Assentamento Cunha


armazená-la em sistemas também de baixo custo, tal como o de reservatórios
cavados no solo com cobertura plástica, divulgado pela Emater/DF (2007). Essas
estratégias podem funcionar para garantir a irrigação, por parte do período de
secas, especialmente se associadas a técnicas de manejo racional da irrigação,
adotando para isso, ao menos inicialmente, tecnologias simplificadas e eficientes
de uso da água.

O manejo da água de irrigação é considerado um componente


fundamental, nessa experiência em bases agroecológicas primeiro, pelo
valor intrínseco da água como recurso natural. Essa é uma ideia à qual se
dá maior importância, conforme aumentam as limitações quanto ao acesso e
disponibilidade de água. Além desse aspecto, consideramos também a relação
entre a quantidade de água aplicada e o desenvolvimento de doenças. Sabe-se
que há, especialmente no caso de hortaliças, uma relação entre o excesso de
água e o aumento da incidência de algumas doenças, especialmente as foliares,
no caso de irrigação por aspersão. O mesmo sistema, no entanto, pode ajudar no
controle de algumas pragas, pela simples lavagem da superficie das folhas. Não
existindo uma fórmula que nos indique o melhor sistema ou o melhor manejo,
cabe aos agricultores e técnicos a função de dedicarem-se à experimentação e
adequação das práticas de irrigação disponíveis.

O manejo da irrigação consiste, basicamente, na aplicação da água


no momento oportuno e na quantidade adequada (MAROUELLI et al., 2008),
quando não se pode contar com a oferta das chuvas. Uma das bases do manejo
racional, priorizando estratégias facilmente aplicáveis e de impacto no consumo,
está relacionada ao monitoramento do volume de água armazenado no solo,
utilizando técnicas simples e de fácil visualização. O Irrigás é um equipamento
que se enquadra nessas características, desenvolvido pela Embrapa, e que
está disponível no mercado, mas que também pode ser facilmente construído
artesanalmente (CALBO, 2005). O aparelho funciona como um sensor de água
no solo, indicando a hora de irrigar, de acordo com o tipo de planta. Outras
estratégias que podem ser citadas envolvem a identificação visual ou pelo

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 371


tato, diretamente no solo, porém, percebendo a relação entre o tipo de solo e a
planta em questão, a altura do solo que será explorada pela planta, entre outros
fatores. Associado a tais estratégias, estão outras práticas culturais que ajudam
na manutenção da umidade do solo, tais como a manutenção permanente da
cobertura do solo com cobertura morta ou mulche, por exemplo.

Atualmente, no Assentamento Cunha, a irrigação na horta é garantida


com uma bomba movida à roda d’água e por outra movida a energia elétrica. O
objetivo na horta agroecológica é montar uma estratégia onde a roda d’água seja
o principal sistema de bombeamento, sendo a outra fonte de energia apenas
para uso complementar. A estratégia tem a ver com o aumento da capacidade de
armazenamento, tendo o auxílio dos reservatórios já mencionados, para irrigação
por gravidade. Os tanques dão maior flexibilidade ao uso de formas alternativas
de bombeamento, tal como a roda d’água. O uso de sistemas adequados de
irrigação pode unir a captação limpa, com a redução de incidência de doenças
e redução do custo da irrigação. O manejo da água na horta é, no entanto, um
tema novo e que exigirá tempo para estudo de diferentes estratégias. As bases
das futuras experiências adequadas ao sistema agroecológico, no entanto, já
começam a serem esboçadas, conforme aqui apresentado.

Estratégias de Comercialização
Na produção em base agroecológica, importa não apenas produzir
alimentos dentro de critérios de sustentabilidade ambiental. É fundamental
ainda que essa produção busque a sustentabilidade em todas as dimensões,
incluindo aí, além do ambiental, o fator social, econômico, cultural, geográfico,
bem como as garantias de segurança alimentar e do cumprimento da função
social da terra, dos objetivos da educação no campo e para o consumo, da
participação social, etc. Assim, não há como falar em produção agroecológica,
quando todas as precauções técnicas e legais são tomadas para garantir o
menor impacto possível no ambiente, ao mesmo tempo em que são adotadas
formas de comércio que excluem ou dificultam as chances de sobrevivência de

372 Produção Agroecológica de Hortaliças: a experiência do Assentamento Cunha


famílias rurais, em nome da “livre concorrência” ou de supostas leis “naturais” de
“eficiência e competitividade” no mercado.

No grupo coletivo do Assentamento Cunha, o acesso ao alimento de


qualidade e em quantidade suficiente constitui já uma garantia conquistada.
A partir de então, torna-se possível dar sequência à produção para garantias
de acesso à renda, baseada na diversificação da produção. No contexto
agroecológico, o acesso à renda advinda da produção rural deve ser um objetivo,
porém, não pode estar separado da busca por formas solidárias de comércio
e de garantia do acesso a alimentos saudáveis aos que têm essa condição
ameaçada por questões de renda ou de indisponibilidade no local de consumo.
Desse objetivo maior, depreende-se a necessidade de troca de experiências com
outros assentamentos rurais, grupos de produtores e comunidades tradicionais,
empenhados no mesmo caminho de conquistas de garantias, bem como de
criação de novos relacionamentos com grupos de consumidores urbanos, os
quais sofrem limitações de outra ordem para o acesso a alimentos de qualidade.
Entre as alternativas, surgem e proliferam-se experiências de organização e o
controle social para o comércio justo e solidário, valorização do produto regional
e das feiras livres e pequenos estabelecimentos comerciais, no lugar das
grandes redes varejistas, as quais têm nas frutas e hortaliças nada mais do que
um atrativo para outros produtos diversos industrializados.

Atualmente, da horta do Assentamento Cunha, são retirados produtos


diversos, entre folhosas, frutos, caules, folhas e tubérculos, tanto para o consumo
como para venda. O grupo participa regularmente de uma feira agroecológica,
no centro de Brasília e de uma feira convencional no Jardim ABC, um bairro
do Município de Cidade Ocidental, GO, próximo ao Assentamento. Devido ao
baixo poder aquisitivo médio da população desse bairro, os preços praticados
são bem menores, se comparados com os da feira agroecológica de Brasília,
além do fato de que são vendidos, frequentemente, junto com outros produtos
convencionais. Além das feiras, outras oportunidades de venda para clientes
fixos surgiram a partir de contatos com professores e alunos de universidades

Manejo Sustentável da Agrobiodiversidade nos Biomas Cerrado e Caatinga... 373


do Distrito Federal e de condomínios residenciais locais. Essas estratégias estão
em estudo, em função da capacidade de suporte da produção do Cunha, em
mão-de-obra, insumos e estratégias de produção sustentável. Por fim, outra
estratégia de comercialização em estudo baseia-se no início de uma parceria
com a Associação de Empregados da Embrapa Hortaliças, para o fornecimento
de produtos ao restaurante dos funcionários, gerido por essa associação,
inaugurando uma relação entre trabalhadores do campo e trabalhadores urbanos.

Considerações Finais
A experiência do Assentamento Cunha, especificamente do grupo
Coletivo Carajás, longe de ser um projeto finalizado, encontra-se em fase inicial
de estruturação, no que diz respeito à construção de um estilo de agricultura
a ser adotado. A transição agroecológica, conforme visto, propõe, para além
da redução ou substituição de práticas e insumos, a integração de aspectos
complexos da relação ambiente-sociedade. A prática da horta, nesse sentido,
teve como objetivo, contribuir para a produção de alimentos e ainda levantar
questões capazes de auxiliar na construção do pensar agroecológico, a partir
de um “plano pedagógico” aberto e flexível. Assim, na busca por um modelo
de estufa agrícola de baixo custo, por exemplo, teve importância, não somente
o produto final, qual seja a estrutura construída, mas todo o processo, desde
a percepção do porquê de se construir uma estufa, buscando compreender a
fisiologia das plantas cultivadas e as questões do comportamento do consumidor
envolvidas; até o respeito à decisão do grupo, concretizado na possibilidade
de mudança do plano de trabalho para inclusão de um novo tema de estudo.
Por fim, há o ganho da apropriação do conhecimento a partir do intercâmbio de
experiências e saberes para a construção da estufa agrícola propriamente dita.

Os principais temas abordados nesse capítulo são uma pequena amostra


da totalidade de discussões e propostas metodológicas apresentadas e testadas
junto ao grupo que atuou mais de perto na horta do Assentamento Cunha. O que
se tentou passar aqui tem mais relação, portanto, com a forma de trabalhar os

374 Produção Agroecológica de Hortaliças: a experiência do Assentamento Cunha


assuntos, quaisquer que fossem esses, apesar das dificuldades encontradas.
Essas dificuldades têm origem, em parte, com o fato de que, no interior de
instituições de pesquisa e extensão brasileiras, de modo geral, ainda existem
limitações, principalmente operacionais, que as mantêm presas a conceitos e
métodos inadequados ao desenvolvimento do enfoque participativo.

As estratégias de uso racional da água, adubação, participação no


mercado, uso do cultivo protegido, entre outras aqui abordadas continuam em
experimentação. Com isso, espera-se mesmo que essa “fotografia” do plano
de ação aqui apresentado se modifique, conforme o passar do tempo. Isso
porque o diálogo, a reflexão crítica e a avaliação das estratégias adotadas é um
processo dinâmico. O que não muda, no entanto, é o compromisso de manter a
discussão teórica sempre em comunicação com a prática de experimentação na
realidade vivida. Essa discussão não pode, ainda, ser realizada longe de uma
busca constante pela compreensão e aplicação dos princípios e fundamentos da
agroecologia. Essa sim é a mensagem final que queremos deixar a partir dessa
pequena experiência de horticultura em bases agroecológicas.

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