Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
16
FENOLOGIA DE ESPÉCIES
LENHOSAS DA CAATINGA
Introdução
Espécies de árvores tropicais podem variar de perenifólias até
decíduas ou caducifólias, dependendo do grau de seca sazonal e do
seu potencial de reidratação e controle de perda de água (Reich &
Borchert 1984). Nas regiões tropicais áridas e semi-áridas as
espécies perenifólias são pouco abundantes, tendo em vista o alto
custo energético para manter essas plantas nessas regiões (Medina
et al. 1985).
As espécies decíduas são predominantes nesses ambientes,
variando o grau de deciduidade de acordo com a reação aos déficits
hídricos, uma vez que há espécies que perdem as folhas logo no
final da estação chuvosa e outras que as mantêm até o final da
estação seca, criando, portanto, mosaicos temporais e espaciais
dentro de microambientes durante a estação seca (Frankie et al.
1974, Lieberman 1982, Reich & Borchert 1984, Murphy & Lugo
1986, Bullock & Solís-Magallanes 1990, Mooney et al. 1995,
Borchert 1996, Justiniano & Fredericsen 2000). Borchert (1996)
descreveu os mecanismos estruturais e fisiológicos para as árvores
de florestas neotropicais secas que florescem na estação seca,
baseados nas relações hídricas e fenológicas.
657
D. C. A. Barbosa et al.
Material e métodos
Área de estudo
A área do agreste estudada é localizada no Município de
Alagoinha, PE (8º27’S, 36º46’W), a 762 m de altitude. Apresenta
clima semi-árido quente (BSs’h’) segundo Köeppen, precipitação e
658
16. Fenologia de Espécies da Caatinga
659
D. C. A. Barbosa et al.
Resultados
660
16. Fenologia de Espécies da Caatinga
661
Tabela 1. Listagem das espécies perenifólias e decíduas da Caatinga quanto a formação de novas folhas (Fn), floração (Fl) e
frutificação (Fr) mostrando os tipos de frutos (TF), consistência do fruto (CF), carnoso (C) e seco (S), síndromes de dispersão (SD),
zoocoria (Zoo), anemocoria (Ane) e autocoria (Aut), unidade de dispersão (UD), fruto (F) e semente (Sm), estações seca (s) e chuvosa
(c) e referências: (Ref) 1Barbosa et al. 1989 (Alagoinha, agreste – PE), 2 Moreira 1996 (Sousa, sertão – PB), 3 Machado et al. 1997
(Serra Talhada, sertão – PE)
Família Estações
Espécie TF CF UD SD Ref
Sub-Família Fn Fl Fr
PERENIFÓLIAS
Capparis flexuosa L. Capparaceae Cápsula *1 C F Zoo s s/c s/c 3
Maytenus rigida Mart. Celastraceae Cápsula *2 S F Zoo s c s 1
Licania rigida Benth. Chysobalanaceae Drupa C F Zoo s s c 2
Ximenia americana L. Olacaceae Drupa C F Zoo s s c 2
Ziziphus joazeiro Mart. Rhamnaceae Drupa C F Zoo s s c 1, 3
DECÍDUAS
1O Grupo: 2 a 3 meses
Myracrodruon urundeuva Allemão Anacardiaceae Drupa S F Ane s/c s s, s/c 1, 2, 3
Schinopsis brasiliensis Engl. Anacardiaceae Sâmara S F Ane s/c c s 1
Spondias tuberosa Arruda Anacardiaceae Drupa C F Zoo s/c s c 1 ,3
Rolliniopsis leptopetala (R. E. Fr.) Saff Annonaceae Multiplo C F Zoo s/c s c 3
Aspidosperma pyrifolium Mart. Apocynacae Folículo S Sm Ane s/c c/s s/c 1, 3
Commiphora leptophloeos (Mart.) Gillet. Burseraceae Baga C F Zoo s/c s s/c 3
Bauhinia cheilantha (Bong) Steud. Caesalpinioideae Legume S Sm Aut s/c c c 3
Caesalpinia ferrea Mart. Caesalpinioideae Legume S F Aut s/c s/c s/c 3
Família Estações
Espécie TF CF UD SD Ref
Sub-Família Fn Fl Fr
C. pyramidalis Tul. Caesalpinioideae Legume S Sm Aut s/c s/c s/c 1, 3
Senna spectabilis (DC.) H. S. Irwin & R. C. Caesalpinioideae Legume S Sm Aut s/c c c 1
Barneby
Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan Mimosoideae Folículo S Sm Aut s/c c s/c 1, 2, 3
Parapiptadenia zehntneri (Harms) M.P. Lima Mimosoideae Legume S Sm Ane s/c s s/c 3
Bumelia sartorum Mart. Sapotaceae Drupa C F Zoo s/c c c 1
Helicteres mollis K. Schum. Sterculiaceae Cápsula S Sm Aut s/c s/c s/c 3
DECÍDUAS
2O Grupo: 4 a 6 meses
Pseudobombax marginatum (A. St.-Hil., Juss. &
Camb.) A. Robyns Bombacaceae Cápsula S Sm Ane s/c s/c s/c 3
Combretum leprosum Mart. Combretaceae Betulídio S F Ane s/c c s/c 2
Croton cf. muscicapa Mull. Arg. Euphorbiaceae Esquizocarpo S Sm Aut s/c c s/c 2
C. sonderianus Mull. Arg. Euphorbiaceae Esquizocarpo S Sm Aut s/c c s/c 2,3
Jatropha mollissima (Pohl) Baill. Euphorbiaceae Esquizocarpo S Sm Aut s s c 2,3
Manihot cf. pseudoglaziovii Pax & H. Hoff. Euphorbiaceae Esquizocarpo S Sm Aut s s c 3
Amburana cearensis (Allemão) A. C. Smith Faboideae Legume S Sm Ane s/c c s 3
Mimosa tenuiflora Willd. Poir. Mimosoideae Legume S Sm Aut s/c c s/c 2
Piptadenia stipulacea (Benth.) Ducke Mimosoideae Legume S Sm Aut s/c c s/c 2
* Presença de arilo envolvendo a semente
1 Cápsula folicular
2 Cápsula loculicida
D. C. A. Barbosa et al.
100
Porcentagem de espécies
80
60 14
40 9
5
20
0
Pr De 2 a 3m De 4 a 6m
Figura 1. Porcentagem das espécies estudadas por grau de deciduidade. Perenifólias (Pr),
decíduas de dois a três meses (De 2 a 3 m) e decíduas de quatro a seis meses (De 4 a 6 m).
Número acima das colunas refere-se ao total de espécies.
Floração
Nas 28 espécies trabalhadas, o maior percentual de floração
ocorreu na estação chuvosa (janeiro a maio) com 46,4%
(13 espécies), seguido da estação seca (junho a dezembro) com
39,3% (11 espécies) (Tabelas 1 e 2).
Considerando-se o percentual de espécies por estação de
floração e grau de deciduidade, na estação chuvosa as espécies
decíduas de quatro a seis meses apresentaram o maior percentual de
floração (67%), seguida das decíduas de dois a três meses (43%) e
das perenifólias (20%). Durante a estação seca as perenifólias
foram responsáveis pelo maior percentual de floração (60%),
seguido das decíduas de dois a três meses (43%) e, por último, das
decíduas de quatro a seis meses (22%).
664
16. Fenologia de Espécies da Caatinga
665
D. C. A. Barbosa et al.
666
Tabela 2. Porcentagem e número de espécies perenes, decíduas de dois a três meses e decíduas de quatro a seis meses florescendo em
cada estação (seca, chuvosa, seca/chuvosa e chuvosa/seca). O número entre parênteses indica o número total de espécies estudadas em
cada categoria.
Estação
Estação seca Estação chuvosa Estação chuvosa/seca
seca/chuvosa
100
Porcentagem de espécies
80
60
13
40 9
6
20
0
Autocoria Zoocoria Anemocoria
Discussão
Estratégias vegetativas
Na Caatinga, os totais pluviométricos variam de 250 a 900
mm (IBGE 1985) com distribuição muito irregular e temperatura
elevada, resultando em altas taxas de evaporação e evapo-
668
Tabela 3. Porcentagem e número de espécies frutificando em cada estação (seca, chuvosa, seca/chuvosa e chuvosa/seca). As espécies
foram agrupadas de acordo com o modo de dispersão: zoocoria (Zoo), anemocoria (Ane) e autocoria (Aut). O número entre parênteses
indica o número total de espécies estudadas em cada categoria.
Estação Estação
Estação seca Estação chuvosa
seca/chuvosa chuvosa/seca
Zoo Ane Aut Zoo Ane Aut Zoo Ane Aut Zoo Ane Aut
% N % N % N % N % N % N % N % N % N % N % N % N
Perenes (5) 20 1 - - - - 60 3 - - - - - - - - - - 20 1 - - - -
Decíduas de dois a
- - 14,3 2 - - 21,4 3 - - 14,3 2 7 1 14 2 29 4 - - - - - -
três meses (14)
Decíduas de quatro a
- - 11 1 - - - - - - 22,7 2 - - - - 22,3 2 - - 11 1 33 3
seis meses (9)
Tabela 4. Peso dos diásporos (mg), síndromes de dispersão e tipos de frutos de algumas espécies perenifólias e decíduas da Caatinga
segundo Griz (1996).
80
3
60 8
6
2
40
20
0
Pr Pr De
De22aa33m
m De 4 aDe
6m4 a 6 m
Figura 3. Porcentagem das espécies por grau de deciduidade, consistência dos frutos
(carnosos e secos) e peso/mg (pesados e leves). Perenifólias (Pr), decíduas de dois a três
meses (De 2 a 3 m) e decíduas de quatro a seis meses (De 4 a 6 m). Número acima das
colunas refere-se ao total de espécies.
5
Autocoria Zoocoria Anemocoria
100
7
Porcentagem de espécies
80
60 6
40 4 4
2
20
0
Pr De 2 a 3m De 4 a 6m
671
D. C. A. Barbosa et al.
PERENIFÓLIAS DECÍDUAS
FLORAÇÃO
Chuvosa/seca
Seca Seca Chuvosa Seca Chuvosa
chuvosa
SÍNDROM ES DE DISPERSÃO
CONVENÇÕES
Estações Síndromes de dispersão
Chuvosa: janeiro a maio Zoo: zoocoria
Seca: agosto a dezembro Auto: Autocoria
Seca/chuvosa: dezembro a janeiro Anemo: Anemocoria
Chuvosa/seca: maio a agosto
672
16. Fenologia de Espécies da Caatinga
673
D. C. A. Barbosa et al.
674
16. Fenologia de Espécies da Caatinga
675
D. C. A. Barbosa et al.
676
16. Fenologia de Espécies da Caatinga
677
D. C. A. Barbosa et al.
Floração
O grau de deciduidade das florestas tropicais secas cria
mosaicos temporários e espaciais dentro de microambientes
durante a estação seca, proporcionados pela chegada da serapilheira
e radiação no substrato da vegetação (Bullock & Solís-Magallanes
1990, Justiniano & Fredericksen 2000). Esse grau de deciduidade
observado nas plantas da Caatinga e aqui analisado, mostrou que
elas apresentam comportamentos diferenciados quanto à floração,
especialmente aquelas que florescem durante a estação seca. Tal
fato se justifica porque a sazonalidade da fenologia de árvore de
região tropical é determinada, principalmente, pela duração e
intensidade da estação seca, tendo em vista que a variação anual da
temperatura e do fotoperíodo é pequena em baixas altitudes
(Murphy & Lugo 1986, Mooney et al. 1995). As espécies que
formam folhas novas e florescem na estação seca apresentam
rítmos endógenos só possíveis se há acúmulo de carbono e reserva
de nutrientes durante a estação chuvosa que são translocados para
os órgãos reprodutivos durante a estação seca (Larcher 2000).
Segundo Janzen (1970) e Mantovani & Martins (1988), a floração
678
16. Fenologia de Espécies da Caatinga
na estação seca ainda pode ser vista como uma estratégia para
tornar as flores mais aparentes para os polinizadores.
Nas perenifólias a floração ocorreu em 60% das espécies na
estação seca, indicando disponibilidade de água no solo, com a
presença de sistema radicular profundo. Essa estratégia justifica as
espécies permanecerem com folhas e poderem trocar suas folhas
velhas por novas durante esse período de estiagem, comportando-se
como as espécies de florestas tropicais úmidas (Frankie et al. 1974,
Richer & Borchert 1984, Lieberman 1984, Morellato et al. 1989,
Morellato & Leitão-Filho 1990). As espécies perenifólias
representam 18% do total analisado e esse baixo percentual se
deve ao alto custo energético para mantê-las nesse ecossistema.
A quantidade de chuva nas áreas estudadas é razoável, com média
anual variando de 680 a 750 mm, porém a deficiência hídrica é
provocada pela distribuição irregular das chuvas, concentradas em
dois a quatro meses durante o ano, bem como pelos solos
pouco profundos, sem condições de armazenamento de água.
A combinação de chuva e armazenamento para definir dispo-
nibilidade hídrica até o momento é um tema praticamente
não abordado para a região semi-árida do nordeste do Brasil
(Menezes & Sampaio 2000).
Nas decíduas o sistema radicular é superficial e as espé-
cies experimentam déficit hídrico temporário na época seca.
Nas decíduas de dois a três meses, 43% das espécies florescem na
estação seca e apresentam os dois mecanismos fenológicos citados
por Borchert (1996) para as árvores das florestas neotropicais secas
com floração durante a estação seca. No primeiro mecanismo as
plantas perdem totalmente as folhas, florescendo logo em seguida e
produzindo novas folhas durante o final da estação seca (dezembro)
e início da estação chuvosa (janeiro). Essa estratégia só é possível
nas plantas que apresentam caules ou raízes com reserva de água,
679
D. C. A. Barbosa et al.
680
16. Fenologia de Espécies da Caatinga
681
D. C. A. Barbosa et al.
682
16. Fenologia de Espécies da Caatinga
683
D. C. A. Barbosa et al.
Conclusões
As espécies estudadas apresentam dois picos nas fenofases de
brotamento, floração e frutificação, um na estação chuvosa e outro
na seca, com maior intensidade na estação chuvosa. Os frutos
carnosos e secos arilados (zoocóricos) são produzidos nas estações
chuvosa e seca, respectivamente, os frutos autocóricos nas estações
de transição seca/chuvosa e chuvosa/seca e os anemocóricos na
684
16. Fenologia de Espécies da Caatinga
Recomendações
Necessário se faz dar continuidade aos estudos fenológicos
com espécies lenhosas e herbáceas da Caatinga, relacionando os
fatores bióticos e abióticos e a interrelação entre as fases
caracterizadas por esses eventos. Em especial, deve-se focalizar a
influência de gradientes de umidade nos processos reprodutivos,
685
D. C. A. Barbosa et al.
Agradecimentos
Aos Professores José Luiz de Hamburgo Alves e Isabel
Cristina Sobreira Machado pela revisão e sugestões efetuadas ao
manuscrito, pertencentes ao Departamento de Botânica/UFPE.
Referências Bibliográficas
ANDRADE-LIMA, D. 1989. Plantas das caatingas. Academia Brasileira de
Ciências. Rio de Janeiro.
686
16. Fenologia de Espécies da Caatinga
687
D. C. A. Barbosa et al.
688
16. Fenologia de Espécies da Caatinga
JANZEN, D. 1970. Herbivores and the number of tree species in tropical forest.
American Naturalist 104: 501-528.
689
D. C. A. Barbosa et al.
690
16. Fenologia de Espécies da Caatinga
691
D. C. A. Barbosa et al.
692
16. Fenologia de Espécies da Caatinga
693
D. C. A. Barbosa et al.
694