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Semiárido Brasileiro – Volume 6/Organização

Editora Poisson – Belo Horizonte - MG:


Poisson, 2020.
ISBN: 978-65-86127-62-1
Semiárido Brasileiro – Volume 06

Capítulo 7
Solos vulneráveis à degradação e os riscos de
desertificação na Bacia do Rio Salitre
Antonio Sousa Silva
Márcio Lima Rios

Reumo: A desertificação é um processo evolutivo de perda de potencial produtivo e


serviços ecossistêmicos, associados ao uso inadequado dos recursos naturais. O presente
trabalho propôs investigar a degradação das terras, visando indicar a existência de um
possível processo de desertificação no médio curso do rio Salitre, município de Campo
Formoso – BA. Foi realizado o levantamento das áreas com solos expostos, com presença
de feições erosivas, associadas ao estudo de algumas propriedades morfológicas, físicas
e químicas dos solos. Foi realizada uma classificação supervisionada com uso de imagens
do Satélite CBERS-4 (PAN5m) e delimitação de uma área contínua de solo exposto e em
estágio avançado de degradação. Nesta área foram abertos dois perfis de solos para
descrição morfológica e análises físicas e químicas. As análises físicas e a interpretação
morfológica apontam para uma cobertura pedológica bastante vulnerável à erosão. Os
teores de silte são sempre superiores a 30%, os de areia superiores a 50% e a pouca
quantidade de argila presente, está dispersa em água (>80%), mostrando um solo com
uma erodibilidade natural muito elevada. As condições químicas naturalmente limitam a
disponibilidade de nutrientes, devido aos teores de Cálcio que são muito elevados e
ocupam todos os sítios de troca, contribuindo para um pH acima de 8,0. Os teores de
matéria orgânica são considerados de baixo a muito baixo. Essas características inibem o
desenvolvimento de plantas, o que contribui para exposição dos solos. A área forma um
polígono com 71 Km2, apresentando grandes manchas de solos desnudos e em avançado
estágio de degradação, detectada pela forte presença de feições erosivas, associada a
solos com condições físico-químicas vulneráveis à degradação, constituindo
possivelmente uma área em processo de desertificação.

Palavras-Chave: Erosão, solo exposto e imagens de satélite.

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1. INTRODUÇÃO
O processo de desertificação consiste na degradação das terras nas zonas áridas, semiáridas e subúmidas
secas, resultante de vários fatores naturais e/ou humanos, incluindo aqueles causados por variações
climáticas e atividades econômicas, associadas principalmente ao uso inadequado dos solos, da água e da
vegetação (UNITED NATIONS, 1994; BRASIL, 2004; SÁ et al. 2010; CHRISTIAN et al., 2018). A
desertificação está associada a perda da capacidade de uma paisagem em fornecer serviços
ecossistêmicos, resultando em uma perda de produtividade biológica e/ou econômica e, na maioria dos
casos, envolve um aumento persistente do solo exposto à custa da cobertura vegetal (D’ODORICO et al.
2013).
Magalhães (2009) afirma que no Nordeste brasileiro tudo começa com a derrubada da caatinga, que leva à
destruição da biodiversidade com a redução da flora e da fauna; aceleração de processos erosivos, com
consequente perdas de solos e fertilidade; intensificação do escoamento superficial da água nas vertentes,
reduzindo a infiltração no solo e diminuindo sua umidade, impactando na disponibilidade de recursos
hídricos e até mesmo no secamento de fontes hídricas; e redução da produtividade da terra, afetando
diretamente as comunidades rurais do semiárido.
Nesse sentido, Sá et al. (2010) destaca a degradação como um processo que reduz a capacidade atual ou
potencial do solo em produzir bens e serviços, frisando a diminuição da qualidade e quantidade da
produção de biomassa no solo. Verifica-se em diferentes trabalhos a importância dos estudos sobre
degradação dos solos nas discussões a respeito da dinâmica, formação e evolução de áreas desertificadas
(SAMPAIO et al., 2005; SALVATI et al., 2015).
Assim, o presente trabalho se propôs a investigar alguns aspectos da degradação dos solos, a partir da
existência de marcas erosivas na superfície e de algumas propriedades morfológicas, físicas e químicas,
visando indicar a existência de um possível processo de desertificação em um recorte espacial localizado
no médio curso da sub-bacia do rio Salitre, município de Campo Formoso – BA.

2. MATERIAS E MÉTODOS
A área de estudo está situada entre as localidades rurais de Abreus e Salgado no município de Campo
Formoso–Bahia, com sede situada a 414km de Salvador-BA. A sub-bacia hidrográfica do rio Salitre integra
a Bacia do São Francisco, tem suas cabeceiras na parte norte da Chapada Diamantina e foz logo à jusante
do Lago de Sobradinho, no norte da Bahia.
A região apresenta clima semiárido com temperatura média anual acima de 25°C, pluviosidade na faixa de
400 a 500mm/ano, concentrados predominantemente em três meses ao longo do ano, com potencial de
evapotranspiração podendo chegar a valores próximos de 300mm mensais (MEDEIROS e GONÇALVES,
2003). Pelas citadas características, a região se enquadra, dentro da classificação climática de Köppen-
Geiger, como BSh, isto é, clima semiárido quente. A caatinga é do tipo hiperxerófila de formação
caducifólia espinhosa, cobrindo solos carbonáticos, principalmente Cambissolos Háplicos Ta Eutroficos e
Neossolos Litólicos Eutróficos (NAIME et al., 2007). A litologia é constituída pelos calcários da Formação
Caatinga (AULER, 1999), classificados como calcretes (PENHA, 1994).
Do ponto de vista metodológico, foi realizado inicialmente uma classificação de uma imagem do Satélite
CBRES-4 (Sensor Pancromático com 5m de resolução espacial, datada de 16 julho de 2019),
disponibilizada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE. Esta ação foi realizada no Software
QuantumGis 2.18. A interpretação foi baseada na textura e tonalidade, considerando as diferenças entre as
classes: 1 - cobertura vegetal e 2 - solos expostos. Foi digitalizado um polígono que permitiu delimitar a
área de solo exposto e em estágio avançado de degradação. Para validação da delimitação, foi realizada
visita ao campo com georreferenciamento das extremidades da área (utilizando receptor GPS de
navegação) e verificação da relação entre solos expostos e presença de feições erosivas.
Foram estudados dois perfis de solo localizados no compartimento de relevo denominado Depressão de
Fundo de Vale, nos arredores da comunidade rural de Taboa (pequeno trecho escolhido para investigação
dos solos). Os dois perfis de solo analisados estão localizados nos arredores da comunidade de Taboa, nas 60
coordenadas: UTM Zona 24 L 0307986E / 8866340N com altitude de 492m (Perfil 1 – P1) e; UTM Zona 24
L 0308009E / 8866477N com altitude de 496m (Perfil 2 – P2). Ambos estão sobre litologia calcária
(especificamente calcretes) da Formação Caatinga, possuem pedregosidade moderada e estão numa
declividade de 7%, posicionados numa condição de meia encosta.
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O perfil 1 (P1) foi exposto por uma voçoroca, cuja parede foi cortada verticalmente até a profundidade de
180cm (limite dessa incisão erosiva). Já o perfil 2 (P2) está localizado a 130m do P1 numa posição
semelhante na encosta. Realizou-se descrição morfológica de acordo com Santos et al. (2013), seguida de
coleta de amostras para análises físicas (granulometria, argila dispersa em água e grau de floculação) e
químicas (pH, CTC e matéria orgânica) de acordo com Embrapa (EMBRAPA, 2011).

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Nas proximidades do leito do rio Salitre existe uma área rebaixada denominada depressão de fundo de
vale, com maior grau de inclinação das vertentes, bastante diferente da paisagem plana circundante. As
encostas, em seu trecho de maior comprimento, podem chegar a 2 km de rampa, com declividades
variando entre 5% e 30%, potencializando a instabilidade dos solos. Nessas condições topográficas há
forte tendência para a aceleração de processos erosivos (BACELLAR, 2000). Além disso, as condições
pedológicas ampliam a vulnerabilidade à degradação, de acordo com algumas análises físicas, químicas e
morfológicas em dois perfis de solos (Tabela 1).

Tabela 1 – Análise Física e Química do Solo (Fazenda Taboa – Campo Formoso – BA)
Hrz Prof AF AT Sil. Arg ADA GF pH K Ca Mg Na Al+ H S CTC MO
P ----------------- g/kg -------
(cm) % H2O -------------------- cmolc/dm3------------------ (%)
16 23,0
B1 0 -10 318 325 357 347 3 8,3 0,08 20,4 2,4 0,12 0,0 23,00 1,12
4 0
16 24,2
B2 10-20 295 323 382 340 11 8,3 0,06 22,1 2,0 0,08 0,0 24,24 0,87
3 4
P1
13 29,8
C1 20-50 261 400 339 4 99 7,8 0,03 27,7 2,0 0,10 0,0 29,83 0,57
1 3
16 22,8
C2 50-180 + 280 422 298 21 93 7,8 0,04 20,6 2,2 0,00 0,0 22,84 0,10
4 4
23 23,3
A 0-5 329 354 317 275 13 8,1 0,29 20,4 2,60 0,07 0,0 0,0 1,97
7 6
51 27,2
B 5 -30 592 88 320 299 7 8,4 0,03 2,60 0,07 0,0 0,0 1,55
5 24,5 0
P2
26 24,4
BC 30-40 334 303 363 299 18 8,2 0,02 22,9 1,50 0,07 0,0 0,0 0,73
1 9
24 16,4
C 40-70+ 304 424 272 209 23 8,3 0,01 15,6 0,80 0,04 0,0 0,0 0,47
5 5
P=perfil de Solo; Hrz=horizontes; Prof=profundidade; AF=Areia Fina; AT=Areia Total; Sil=Silte; Arg=argila;
ADA=Argila dispersa em água; GF=Grau de Floculação; S=Soma de Bases; CTC – Capacidade de Troca de Cátions;
MO=Matéria orgânica.

O processo erosivo é tão marcante na borda da voçoroca que o perfil 1 (P1) não apresentou horizonte A,
expondo o horizonte B, que também foi parcialmente erodido (Tabela 1). O horizonte C é constituído por
materiais acomodados na forma de depósitos de encostas não estratificados e mal selecionados, com
variável conteúdo de cascalhos e calhaus silicáticos, além de nódulos e concreções carbonáticas, sugerindo
depósitos coluviais com baixo grau de desenvolvimento pedogenético. Por serem depositados, os
materiais coluviais possuem relativa instabilidade (MOURA e SILVA, 2001), principalmente em condições
de reduzida pedogênese (baixo nível de estruturação e organização de horizontes), contribuindo como um
importante condicionante no desencadeamento de processos erosivos.
O P2 possui morfologia distinta, numa condição de superfície com degradação menos marcante,
apresentado horizonte A com apenas 5cm; sobre B estreito (25 cm) e incipiente, ambos com coloração
brunada; horizonte transicional B/C (bruno-claro); e horizonte C, formado por um material saprolítico
com coloração esbranquiçada a creme (branco mosqueado com bruno-claro-acinzentado) constituindo
um calcrete pulverulento, abordado por Penha (1994) e Auler (1999). Por essas características 61
morfológicas nota-se que apesar da topografia e litologia equivalentes, existe cobertura pedológica
distinta, ora com solum sobre materiais coluviais, ora solum sobre calcretes.
Focando nos horizontes superficiais (A e B) os perfis possuem diversas características semelhantes, como
a estrutura, com grau de desenvolvimento moderado, em blocos subangulares médios a pequenos, com
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consistências dura com solo seco, friáveis quando umedecidos e pegajosos quando saturados. A
consistência friável aponta para uma fácil desagregação das partículas a partir do contato com a água.
Destaca-se o teor de silte das amostras analisadas, variando entre 32 e 35% nos horizontes mais
superficiais (A e B), exceto no horizonte B do P2 que possui apenas 8,8%. Entretanto nesse horizonte o
teor de areia ultrapassa os 59%, predominantemente areia fina, que é dominante em todas as amostras
analisadas. Os significativos teores de areia fina e/ou silte, aumentam a erodibilidade dos solos (LIMA et
al., 1990), pois as partículas de silte e/ou areia fina são leves e com baixa agregação, sendo fáceis de serem
transportadas pela erosão eólica e hídrica. Nos perfis há também limitado teor de argila, e baixo conteúdo
de matéria orgânica, que reduzem o potencial para a formação de agregados mais estáveis.
A alta taxa de argila dispersa em água (ADA), foi verificada em todos os horizontes A e B. Calero et al.
(2008) e Tavares Filho et al. (2010) apontam que a ADA é um importante parâmetro para avaliar as
condições estruturais de um solo e sua fragilidade ao processo erosivo. Altos teores de ADA promovem
agregados menos estáveis e mais dispersos, influenciando diretamente no processo erosivo. Nos perfis, os
horizontes A e B apresentam altos teores de ADA, com índice de dispersão (proporção da argila dispersa
em água em relação à argila total) acima de 0,82, chegando a 0,97 no sub-horizonte B1 do perfil 1,
indicando que quase 100% da argila possui dispersão em água. Outro parâmetro que pode indicar a alta
dispersão é o baixo grau de floculação das argilas, que fica entre 3 e 18 %, para os horizontes B no P1, e A e
B no P2, indicando reduzida agregação das partículas do solo.
Do ponto de vista químico há indicadores que apontam para solos com limitações quanto a fertilidade
natural, trazendo sérias implicações na capacidade de recuperação da cobertura vegetal, induzindo a
persistência da exposição dos solos. De acordo com a Tabela 1, o pH nos sub-horizontes A e B (solum) dos
dois perfis, apontam para solos situados na classe de reação fortemente alcalinos (acima de 8,1) segundo
Santos et al. (2018). Nestas condições de pH grande parte dos micronutrientes tem sua disponibilidade
reduzida, a exemplo do boro, manganês, cobre e zinco (MOREIRA et al., 2000), trazendo limitações no
potencial biológico da área.
Os íons mais comuns em solos salinos são os cátions Na, Ca, Mg e K. A presença de grandes quantidades
desses sais no solo depende do material de origem e da ausência de chuvas. O teor de K é elevado no
horizonte A do P2, o Ca e Mg é muito elevado nos dois perfis do solo e o Na é elevado apenas no P1. O
excesso de sais solúveis e/ou sódio trocável, que caracterizam os solos afetados por sais dificulta a
absorção de água do solo pelas plantas, induz à toxicidade de íons específicos, causa desequilíbrio
nutricional e impede a infiltração de água no solo, provocando redução do crescimento e diminuição do
rendimento das culturas (AYERS; WESTCOT, 1994).
Uma das características mais marcantes nos dois perfis é a predominância do Ca2+ na CTC (acima de 87%),
além de teores significativamente altos do referido íon, chegado a 27,7 cmolc kg -1 no sub-horizonte C1 do
perfil 1. Essa quantidade elevada do íon Ca satura os sítios de troca do solo, evitando a adsorção de outros
elementos nutritivos as plantas, como macro e micronutrientes. Para Moreira et al., (2000), o elevado teor
de cálcio no solo pode gerar um desequilíbrio químico, e inibir a absorção de alguns micronutrientes e
para Dias et al. (2020), na estação chuvosa, os outros nutrientes que não estão presos nos sítios de troca
podem ser naturalmente lixiviados.
Os teores de Ca, que naturalmente são muito elevados, aumentam o pH do solo, prejudicando o cultivo de
plantas, uma vez que o solo tem condutividade elétrica e alcalinidade muito elevadas. Estas propriedades
químicas reduzem também a disponibilidade de água ás plantas e aumento dos sais na zona capilar devido
a evaporação excessiva. Quando chega a época seca, que ocorre na maior parte do ano, todas estas
condições pioram muito para qualquer cultivo. Por outro lado, as plantas nativas, que estão adaptadas a
estas condições ambientais, conseguem sobreviver (DIAS et al., 2020). Por esses motivos apresentados, a
derrubada da caatinga pode representar grades prejuízos ao ambiente e maiores problemas de
regeneração.
Os teores de matéria orgânica são considerados baixos ou muito baixos, estando entre 1,5 e 2% no P2, que
está sob condições menos instáveis, e inferiores a 1,5% no P1, que está sobre influência de uma voçoroca.
Teores reduzidos de matéria orgânica resultará em um solo com menor capacidade de agregação e
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reduzida estabilidade, além de restringir a disponibilidade de nutrientes, com impactos na diversidade
biológica. O decréscimo da matéria orgânica pode ser decorrente da mudança no uso do solo, retirada da
vegetação nativa e uso inadequado do solo (SILVA et al, 2018; SILVA et al, 2013).
Em síntese, do ponto de vista físico-morfológico os solos são predominantemente constituídos por
colúvios friáveis, siltosos, dispersos, e em estágio incipiente de evolução pedogenética, apresentando
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condições que favorecem a desagregação. E do ponto de vista químico há elementos que dificultam a
regeneração da caatinga, favorecendo a persistência do solo exposto.
Nesta área se verifica grande número de feições erosivas lineares (ravinas e voçorocas), com exemplos
exibidos na Figura 1, que apresenta as fotos: (a) voçoroca com 5 metros de profundidade nas
proximidades da comunidade de Saquinho; (b) voçoroca com 9 metros de largura nas proximidades de
Lagoa Branca, onde se verifica ação de tombamento de arbusto provocado pela evolução da feição erosiva;
(c) voçoroca expondo raízes de árvore, próximo à comunidade de Taboa; (d) ravinamento com forte
exposição de solos nas proximidades de Poço da Pedra.

Figura 01 – Fotos de feições erosivas lineares (voçorocas e ravinas) e exposição de solos, localizados nas
coordenadas UTM Zona 24L: (a) 307705E 8872673N; (b) 307180E 8869620N; (c) 308010E 8866350N;
(d) 308290E 8862280N.

Nestas imagens (Figura 1), pode-se notar um grau de degradação muito elevado, e quando aliada as
propriedades e características físicas do solo (Tabela 1), caracterizam o elevado grau de erodibilidade de
toda a área. A recuperação natural é muito pouco provável que ocorra devido às propriedades químicas,
que só permitem o desenvolvimento de algumas plantas nativas, que tem seu crescimento e ocupação da
área de forma muito lenta, tornando o processo de degradação muito severo, levando a conclusão de um
processo de desertificação sendo iniciado.
Nesta área se verifica a alta densidade de ravinas e voçorocas. A existência de ravinas nestas encostas,
exibem um estágio erosivo mais avançado, pois a formação de canais pressupõe grande quantidade de
solo removido (SAMPAIO et al, 2005; BERTONI e LOMBARDI NETO, 2008). Em muitas das situações, estas
feições incisões lineares estão em um estágio de erosão mais avançado, constituindo voçorocas. Bacellar
(2000) afirma que as voçorocas originam-se de um desequilíbrio hidrológico na vertente, causado tanto
pela ocupação das terras, como por uma condição natural do ambiente. A retirada da cobertura vegetal
associada a solos naturalmente vulneráveis sob declividade mais acentuada, ampliam os riscos de
desequilíbrio hidrológico na porção da vertente estudada. A forte exposição dos solos na área pode estar
denunciando condições com forte escoamento superficial durante as chuvas torrenciais típicas do
semiárido brasileiro, seguida de grade decapitação dos solos. Diversos trabalhos, entre eles os publicados
por Avni (2005); Sá et al. (2010); Salvati et al. (2015), afirmam que a erosão dos solos representa uma das
principais marcas em paisagens de lugares em desertificação. Considerando que a biodiversidade de um
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ecossistema ocorre a partir do solo (VEZZANI, 2015), a erosão representa degradação ambiental extrema,
acarretando perda de nutrientes e redução de espaço para armazenamento de água, restringindo o
potencial biológico e os serviços ecossistêmicos, além de acarretar impactos nos recursos hídricos
(assoreamento de córregos e rios). Neste sentido a erosão generalizada pode estar denunciando um
processo de desertificação.
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Após o reconhecimento em campo e visitas em vários pontos no médio curso da bacia do Salitre, além de
consultas em mapas geológicos, topográficos, dados climáticos e imagens de satélite, foi possível
reconhecer similaridades do ponto de vista ambiental, que ultrapassam os espaços circunvizinhos à
comunidade de Taboa, e se estendem ao longo de aproximadamente 40km Norte/Sul, desde à comunidade
de Salgado, ao sul, até o Povoado de Abreus, ao norte, numa área de 71 Km² (Figura 02). É imprescindível
estudos mais detalhados em toda área, mas a primeira aproximação indica solos com características
similares, uma vez que estão sobre condições climáticas equivalentes e sobre os citados calcretes da
Formação Caatinga, assim como condições de relevo bastante similares.

Figura 02 – Mapa da área degradada e sua localização no Estado da Bahia, com imagem de satélite
de trecho entre as comunidades de Taboa e Poço da Pedra, e foto aérea gerada por VANT apresentado um
pequeno recorte nos arredores da comunidade de Taboa, no médio curso da Sub-Bacia do Salitre no
município de Campo Formoso.

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Na Figura 02 pode-se observar toda a área em estágio avançado de degradação (polígono vermelho), com
imagem de satélite de alta resolução espacial em um recorte no interior da área, capaz de exemplificar a
alta densidade de solos desnudos e os traços das grandes feições erosivas lineares, além de uma fotografia
aérea, gerada por Veículo Aéreo Não Tripulado - VANT, com maior aproximação e detalhes, exibindo a
forte exposição dos solos e uma voçoroca com várias ramificações (na porção central da fotografia),
chamando a atenção para a forte instabilidade nas vertentes. Fernandes et al., (2015), pesquisando uma
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área de Caatinga na região semiárida de Sergipe com uso de imagens de satélite, perceberam que o
desmatamento ocasionou redução da capacidade de regeneração florestal, o que é muito preocupante, em
função do alto nível de degradação.
Portanto, considerando a existência de inúmeras marcas erosivas e grandes trechos com solos expostos,
além de condições climáticas e pedológicas que dificultam a regeneração da caatinga, é possível apontar
para um ambiente com redução do potencial biológico, reforçando a ideia de um possível processo de
desertificação no médio curso do rio Salitre no município de Campo Formoso- Bahia.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os solos estudados apresentam condições físico-químicas (argila dispersa em água, teor de silte, areia fina,
pH elevado, altos teores de Ca, Mg e Na e baixos teores de M.O.) favoráveis ao processo erosivo, e ao
mesmo tempo limitam a regenetação da cobertura vegetal, induzindo a persistencia da exposição dos
solos.
A área de estudo encontra-se provavelmente em desertificação, justificando a criação de um núcleo de
estudos desse processo nas comunidades afetadas. Neste sentido, indica-se investigar outras variáveis
além dos solos, tanto de carater humano (dinamica social e uso do solo) quanto naturais (dinamica do
relevo, biodiversidade, clima, recursos hididricos) para ampliar as evidências de um possível processo de
desertificação em curso.

5. FOMENTO
Agradecer ao IF Baiano-Campus Senhor do Bonfim, pelo apoio à pesquisa.

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