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PROTEÇÃO DO
MERCADO DE CAPITAIS
NO BRASIL
SOBREPOSIÇÃO DE INSTÂNCIAS
ADMINISTRATIVA E PENAL
Londrina/PR
2023
Dados Internacionais de Catalogação na
Publicação (CIP)
CDD 341.5
Em nossas mãos - mediado pelo papel com seu bom cheiro de livro,
ou por uma tela que já é parte de nós -, temos o ponto culminante da
Pós-graduação Stricto Sensu em Direito Empresarial e Cidadania da Maria
Victória da Fonseca Esmanhotto. É assim que vai o nome da nossa autora
na ficha catalográfica, nas petições, na vida feita de forma. Na vida da
proximidade, no calor das relações, é a Dissertação da Vic. Desenvolvida no
PPGD – Mestrado e Doutorado do Unicuritiba, e apresentada sob o título
“Proteção do mercado de capitais no Brasil: análise quanto à sobreposição
de instâncias administrativa e penal por meio dos Critérios Engel”, recebeu
aprovação de uma banca questionadora, integrada pelos Professores
Fernando Gustavo Knoerr (Unicuritiba) e Guilherme Brenner Lucchesi
(Universidade Federal do Paraná), conduzida pelo subscritor.
A possibilidade de orientar pesquisas em PPGD´s é uma janela para
descoberta da personalidade das pessoas. Afinal, elas têm um desafio e tanto
adiante: pesquisa central, exigências de publicações secundárias, frequência
e desempenho nas disciplinas, um pacote de muitas tarefas, rigor avaliativo
e escassez de tempo. E aqueles capazes de levar o fardo adiante são, por
isso, poucos.
Mais seleto, ainda, é o grupo dos que sorriem diante do encargo de
um modo calmo, reflexivo, como que destinados a cumprir uma meta difícil
meio ao natural. Pois com a mesma naturalidade com que se revela sempre
delicada diante do universo, a Vic é a tradução da tranquilidade, do saber
ouvir, da clareza de meta, da superação de etapas. É dona de uma disciplina
pessoal capaz de fazê-la merecedora da confiança de quem dela espere
o cumprimento de encargos difíceis. Na advocacia, a que se dedica com
entusiasmo, confiabilidade é elemento crucial. E ela é, com seu jeito sereno,
confiável.
Justo por reunir estes atributos, transitou bem num projeto de texto
que de simples nada teve. O título empregado na dissertação o demonstra:
dele arrancam vários temas, o mercado de capitais, a respectiva proteção
penal, os correlatos controles administrativos, o problema da multiplicidade
de sanções sobre idêntico fato, os critérios que o Tribunal Europeu de
Direitos Humanos vem utilizando para firmar as possibilidades de convívio
(ou não) da sobreposição de efeitos punitivos procedentes das instâncias de
controle variadas.
Com mais de duas décadas de trabalho em Mestrados e Doutorados,
tenho clara a noção de que dissertações já não são a compilação do estado
da arte do objeto de pesquisa, de modo a evidenciar a qualidade de bom
pesquisador do autor. É que a profusão de material sobre qualquer assunto,
após as ferramentas de comunicação digital inaugurarem um espaço em que
todos ouvem e falam, num ambiente de cacofonia em que selecionar e ouvir
a melhor voz vai se tornando uma arte, simplesmente não mais permite
certo esgotamento do estado da arte afeto a um qualquer tema. O que se
espera é que, com a escolha de boas vozes ao fundo – e a Vic sabe de onde
colher os sons – o aspirante a Mestre consiga tramar, tecer uma correlação
consistente de informações capaz de tornar seu trabalho um som elevado
em qualidade, no ambiente da cacofonia. É por isso que a Vic é Mestre.
Ela fez o bordado com consistência, amarrando fios de novelos um tanto
distantes entre si.
Veja-se a consistência do programa percorrido no texto: de início, a
autora cuida de evidenciar o papel atual do Estado no ambiente da economia,
por compreender – à perfeição – que derivou deste papel a criação profusa
de mecanismos estatais de controle de fenômenos que teimam em escapar à
monitoração e produzir, como consequência, lesões em caráter coletivo. De
fato, como resultado do neoliberalismo dos anos 90, o Estado renunciou a
ocupar posição de centralidade nas atividades estratégicas para a economia,
posicionando-se como espécie de gerente de particulares, a quem aquelas
atividades foram, afinal, entregues. Na medida que os fenômenos das trocas
econômicas foram se mostrando pouco controláveis, o interessado em
controlar amplificou o número de agentes fiscais.
A sociologia do risco, que sugere vivermos numa época na qual
o risco é o protagonista das tomadas de decisões políticas, dada uma
menor tolerância às catástrofes antecipadas (risco como “antecipação
da catástrofe”1 é uma definição possível dele, encontrada na obra de U.
Beck), bem serve como um dos fundamentos aptos a explicar o fenômeno
da multiplicidade de agências controladoras. Ainda que ligada a riscos
tecnológicos, também serve como suporte ao tratamento do tema do risco
no ambiente de mercado acionário. Afinal, revela certa cultura diante do
risco, que é o coração das operações em bolsa. Certeiro o texto da Vic, no
item 1.1.1.:
“O risco antecede a catástrofe. Porém, o efetivo
1. BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo mundial. Barcelona: Paidós, 2008, p. 27.
acontecimento da catástrofe parece, muitas vezes,
irrelevante para a sociedade mundial – que surge em
momento posterior à inicial sociedade global. A existência
ou não de uma realidade mais segura que a anterior
não importa. A existência dos riscos já pressupõe a
necessidade de ações preventivas com relação aos possíveis
resultados catastróficos deles oriundos. A prevenção virá,
invariavelmente, do Estado.”
Mais certeiro, ainda, é o modo como objetivamente a autora liga a
tentativa do controle de riscos à ampliação de mecanismos de reação jurídica
estatal: “...ao buscar a regulamentação de condutas antes não reguladas,
principalmente no setor econômico (...), o Estado o faz principalmente via
duas esferas: Direito Penal e Direito Administrativo. Portanto, ambas as
esferas sofrem expansão. ”
A exposição feita no capítulo inicial, note-se, serve não só para o
mercado de capitais. Se estivéssemos diante de um trabalho sobre meio
ambiente, ou sobre riscos para a saúde derivados de relações de consumo,
o trajeto eleito pela autora – no senso de justificar porque as instâncias de
controle estatais, penais e extrapenais, se agrandaram -, seria (é) leitura útil.
Firmadas a fotografia da maneira como o Estado opera diante dos
fenômenos da economia na contemporaneidade, a autora afunilou o texto.
Tratou, agora, de historiar o mercado de capitais e evidenciar a respectiva
normativa brasileira, ressaltando aquela de caráter administrativo.
De fato, a exposição sobre o mercado de capitais precisou de elementos
de história e economia. Em grandes linhas, o propósito das Companhias
das Índias Holandesas, ao venderem ações ao público interessado, criando
um produto financeiro até então inédito, para custeio das navegações,
continua subjacente ao mercado acionário: a ação é um mecanismo para a
empresa captar recursos. A demora do resultado das expedições marítimas,
associada a especulações sobre seu sucesso ou fracasso, produziu um
mercado dos pedacinhos da empresa (ações), que eram titularizadas pelo
portador, dando nascimento à bolsa. E, fiel à gênese da coisa, em grandes
linhas isso se mantém: a projeção de sucesso ou fracasso, como risco, forma
o preço destes pedacinhos de empresa que são as ações, comercializadas em
mercado próprio. O trabalho da Vic traz estas bases de modo bem urdido,
no capítulo 2, no qual também constata o caráter tardio do mercado de
ações brasileiro, criado na virada dos séculos XIX para o XX, espelhando o
atraso do nosso desenvolvimento econômico.
Mas o que chama a atenção, no segundo capítulo, é a versatilidade: a
exposição da normativa administrativa que regula o mercado de capitais no
país é tarefa para administrativistas. A Vic é uma penalista, antes de tudo.
Mas é aquilo: dona de disciplina silenciosa e clara na meta a ser atingida, deu
conta do recado com qualidade. Fez ótima exposição de como se engendrou
e como se dá a regência do tema no direito administrativo brasileiro. Quem
quer falar de sobreposição de instâncias de controle, afinal, há de delinear
quais são elas. Esse é problema de todo texto que emparelha e coteja o
tratamento jurídico de um objeto segundo o olhar de ramos jurídicos
distintos. É uma saída forçada que o autor realiza de seu habitat mental.
Mais do que dispor-se a essa saída forçada da zona de conforto mental
do direito penal, para transitar rumo ao direito administrativo, a Maria
Victória preocupou-se não apenas com fazer uma descrição da normativa
brasileira regente dos controles operados pela CVM. Antes, fincou-
lhe as bases de inspiração, mediante fixação de antecedentes históricos,
conectados ao crash de 1929 nos EUA e posteriores reações estatais voltadas
à neutralização da reincidência dos eventos. Como ela mesma enunciou:
“São dois os motivos pelos quais é relevante a análise
do histórico vinculado aos Estados Unidos: primeiro,
porque foi o país onde a ausência de regulação resultou
em uma crise séria e preocupante a ponto de impactar
toda a economia global. Foi, portanto, onde o movimento
favorável à regulação de mercado teve início. Segundo,
porque, em razão do pioneirismo, foi responsável por
inspirar muitos dos modelos posteriormente criados pela
legislação brasileira.”
O terceiro capítulo entrega-se à exposição dos tipos penais que, no
Brasil, velam pela preservação da unidade funcional tangente à regularidade
do mercado de capitais, amalgamando confiabilidade, transparência
informativa e simetria de oportunidades negociais das transações no
mercado de valores mobiliários. Ganham destaque para os tipos penais de
manipulação de mercado e abuso de informações privilegiadas (insider trading).
Aqui, o texto realiza uma incursão tão tradicional quanto necessária. Vic, no
habitat mental do direito penal, trata dos tipos incluídos na Lei 6385/76,
arts. 27-C, 27-D, 27-E. Tipos penais tardios, surgiram só no presente século,
com a Lei 10.303/01, com importantes alterações introduzidas em 2017.
Finalmente, o texto desce ao emprego dos Critérios Engel, forjados
no ambiente do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, para solucionar
situações nas quais a multiplicidade de sanções incidentes sobre o mesmo
fato, oriundas de ramos jurídicos distintos, revela dois problemas: a) eventual
desproporcionalidade na reação sancionatória, considerado o conjunto da
reação punitiva; b) violação ao ne bis in idem, pelo caráter materialmente
gravoso das sanções que se acumulam Aqui, penso que não há espaço
para transcrição: o texto da Maria Victória deve ser consultado na íntegra,
sobretudo nas referências aos casos Engel e Grande Stevens.
Enfim, a dissertação se apresenta, aqui, como expressão da capacidade
da autora de conexão de campos temáticos distintos, num texto coeso:
primeiro, o papel estatal frente a economia em tempos de sociologia do
risco; após, o modo como o Estado desempenha seu papel no fascículo da
economia voltado ao mercado de valores mobiliários, com a exposição dos
modelos de reações administrativas e penais a ilícitos que colocam em risco
a regularidade das transações bursáteis; finalmente, o problema derivado da
multiplicidade de controles e uma sugestão de solução. A Maria Victória
mereceu ser depositária da confiança de tantos quantos esperavam, dela,
um resultado elevado.
É claro que, desta confiança, resulta agora uma responsabilidade:
chamada a novas pesquisas acadêmicas – já que mostrou haver razões para
chamá-la –, a Vic há de atender!
No campo do mercado acionário, por exemplo, parece surgir uma
necessidade de reconcepção das noções de manipulação de mercado e abuso
de informações privilegiadas. Essa necessidade provém de dois fatores.
De um lado, a capacidade de monitoramento individual e predição de
algoritmos. Empregando universo massivo de dados (big data) combinados
à respectiva velocidade de processamento, atualmente inteligências artificiais
estreitas2 (I.A.) conseguem monitorar em caráter individual os passos de
consumidores de produtos e serviços, predizer suas decisões. Conhecendo-
as, são capazes, até mesmo, de antecipar a respectiva tomada, como a induzi-
la. Para tanto, conecta-se a I.A. ao tomador da decisão de consumir em
caráter síncrono. A sincronia permite aos algoritmos identificarem estados
emocionais, instando a decisão pela aquisição ou venda de um produto ou
serviço. A medição da velocidade de teclagem de um usuário de internet,
enquanto reflexo do campo emocional bem certificado pelas neurociências,
por exemplo, é fator de capacitação dos algoritmos para predizerem decisões
e antecipá-las. Boas essas passagens de Walter Longo:
“Da indústria farmacêutica à calçadista, da construção
civil à produção agrícola, os setores econômicos procuram
entender as mudanças para dar seus próximos passos, que
essencialmente passarão pela hiperpersonalização de seu
público de relacionamento estabelecido em nanosegmentos.
Em uma figura de linguagem, é como se, para as empresas,
as ferramentas de Big Data fossem microscópios
eletrônicos, capazes de ampliar em até 1 milhão de vezes
os mais ínfimos materiais. Dessa forma, a assertividade
para se entregar ações de comunicação aos consumidores
é gigantesca.”3
2. LEE, Kai-Fu. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. Rio de Janeiro, Globo, 2019, p. 23, define
a IA estreita como aquela que resultada da manipulação de um conjunto imenso de dados,
com alta velocidade de processamento, mediante um algoritmo forte, um domínio restrito
(objetividade e confinamento do campo da tomada de decisão) e resultado específico
esperado.
3. LONGO, Walter. O fim da Idade Média e o Início da Idade Mídia. Rio de Janeiro: Alta Book, 2019,
De outro lado, a internet dispensou os mediadores de compra e
venda de ações. O trader está na sala de casa, na praia, em todo lugar, com
todos os mercados à sua disposição a todo tempo. Todo aquele que possui
alguma capacidade de entesouramento é consumidor potencial de valores
mobiliários – no Brasil, a década passada foi cenário de um boom de traders
caseiros (cujo sucesso, adiante-se, é baixo mesmo sem serem monitorados ou
instados para decidirem pela compra ou venda de ações4). Portanto, o atual
ambiente de mercado hiperindividualizado, permissivo de monitoração full
time síncrona de qualquer consumidor, estende-se ao mercado de capitais.
Estende-se aos compradores – e vendedores – de ações.
Nesse sentido, é evidente que há um privilégio informativo em favor
daquele que monitora sincronicamente o fluxo de ações informáticas
(rectius, de pensamento) de cada trader (consumidor e fornecedor no mercado de
capitais) conhecendo-o, individualmente, até as entranhas. A I.A. lança um
big brother vigilante sobre cada consumidor e fornecedor, neste mercado
acionário e em qualquer mercado. O acesso a esse cotidiano tão finamente
individualizado é informação privilegiada? Manipula o mercado a empresa
que, através de algoritmos, é capaz de instar a própria aquisição ou venda de
uma ação, coisa que afinal se faz, agora, com qualquer objeto de consumo?5
E o que dizer das empresas que controlam a velocidade da informação
referente às ordens de compra e venda de ações na internet, antecipando
queda ou subida de preços? É informação privilegiada?6
p. 73.
4. “Day-trade é cassino, muito mais sorte do que técnica, diz pesquisador.” FGV. Fonte Exa-
me. Publ. 01.10.2019. Disponível em https://eesp.fgv.br/noticia/day-trade-e-cassino-muito-
-mais-sorte-do-que-tecnica-diz-pesquisador. Acesso em 12.01.2023.
5. LONGO, Walter, p. 92: “Empresas como Amazon ou Alibaba, gigantes do e-commerce, estão
em patamar extremamente evoluído em seus modelos de negócio. Elas já dão os primeiros
passos na antecipação das necessidades de seus clientes. Isso acontece pelas ferramentas
de análise preditiva, utilizadas para avaliação de comportamento de seus consumidores.
(…) A capacidade de antecipar a vontade do consumo das pessoas será uma inversão do
processo kde venda como feito até então, e decorre da consolidação (…) do adequado uso e
apropriação das ferramentas de Big Data, do refinamento da análise dos algoritmos.
6. BRIDLE, James. A Nova Idade das Trevas: a Tecnologia e o Fim do Futuro. Todavia., 2019. E-book,
pp. 100-102. “Hoje a informação financeira viaja à velocidade da luz; só que a velocidade
da luz é diferente de acordo com o lugar. Ela é diferente no vidro e no ar, e se depara
com limitações, à medida que cabos de fibra óptica são enfeixados, passam por conversões
complexas, contornam obstáculos naturais e cruzam oceanos. A grande vantagem é daqueles
com a latência mais baixa: o trajeto mais curto entre dois pontos. É onde as linhas de fibra
óptica e as parabólicas entram na jogada. Em 2009-10, uma empresa gastou 300 milhões
de dólares para construir um link particular de fibra óptica entre a Chicago Mercantile
Exchange, ou Bolsa de Chicago, e Carteret, Nova Jersey, onde fica a bolsa Nasdaq. Eles
fecharam estradas, cavaram fossas e perfuraram montanhas, tudo isso em segredo, para que
nenhum concorrente descobrisse o plano. Ao encurtar a distância física entre os locais, a
Spread Networks reduziu o tempo que uma mensagem levava para chegar entre dois data
centers de dezessete milissegundos para treze — o que resultou em uma economia de 75
milhões de dólares por milissegundo.
O livro é um ser vivo e adaptável. As perguntas acima têm, quem
sabe, um tom ainda especulativo (ma non troppo). Porém, já temos uma responsável
para as respectivas respostas. O livro nas mãos do leitor dá testemunho disso!
Em 2012, outra empresa, a McKay Brothers, abriu uma segunda conexão exclusiva Nova
York-Chicago. Dessa vez se usou a transmissão por microondas, que percorre o ar mais
rápido do que a luz na fibra de vidro. Um dos sócios afirmou que “em uma corretora de
transações de alta frequência, a vantagem de um só milissegundo pode significar 100 milhões
de dólares a mais por ano”. O link da McKay lhes rendeu quatro milissegundos — uma
vantagem enorme sobre qualquer concorrente, muitos dos quais também se aproveitavam de
outro efeito colateral do big bang: a visibilidade.
Com a digitalização, tanto as operações internas quanto as feitas entre bolsas de valores
podiam acontecer cada vez mais rápido. Conforme as operações em si passaram às mãos das
máquinas, tornou-se possível reagir quase instantaneamente a qualquer mudança de preço ou
nova oferta. Mas reagir significava tanto entender o que se passava quanto conseguir comprar
uma vaga na mesa. Assim, como acontece em tudo, a digitalização deixou os mercados mais
opacos aos novatos e radicalmente visíveis a quem está por dentro. Nesse caso, os últimos
eram os que tinham fundos e experiência para lidar com os fluxos de informação de alta
velocidade: os bancos privados e os fundos de investimento que empregam corretores que
trabalham com alta frequência. Algoritmos projetados por ex-ph.D.s de física para aproveitar
vantagens de milissegundos entraram no mercado, e os corretores batizaram-nos com nomes
como Ninja, Sniper e The Knife. Esses algoritmos tinham capacidade de espremer frações
de centavos por transação e de fazer isso milhões de vezes por dia. No tumulto dos mercados,
raramente ficava claro quem operava os algoritmos; e hoje não é diferente, porque sua tática
primária é clandestina: mascarar intenções e origens enquanto eles capturam uma porção
considerável de todos os valores transacionados. O resultado foi uma corrida armamentista:
quem conseguisse construir o software mais rápido, reduzir a latência na conexão às bolsas e
esconder melhor seu objetivo enchia o bolso.”
SUMÁRIO
SOBRE A AUTORA ....................................................................................................7
AGRADECIMENTOS ................................................................................................9
PREFÁCIO ..................................................................................................................11
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................21
CAPÍTULO 1
RAÍZES DO FENÔMENO DA ADMINISTRATIVIZAÇÃO E A
EXPANSÃO DO DIREITO PENAL E ADMINISTRATIVO ........................25
1.1 Expansão do Direito Penal e Administrativo ....................................................25
1.1.1 Sociedade de risco ..............................................................................................27
1.1.2 Mudança do padrão de regulamentação do estado .......................................30
1.2 Alguns efeitos teóricos e práticos da sobreposição .......................................33
1.2.1 Técnicas de reenvio ............................................................................................33
1.2.2 Bis in idem: análise da possível incidência ........................................................36
1.2.3 Crimes de perigo abstrato .................................................................................43
1.2.4 Criação de bens jurídicos supraindividuais: proteção de unidades
funcionais.......................................................................................................................46
CAPÍTULO 2
TUTELA ADMINISTRATIVA DO MERCADO DE CAPITAIS NO
BRASIL.........................................................................................................................51
2.1 Retrospectivo da regulação do Mercado de Capitais no Brasil .......................51
2.2 CVM: Organização interna e sanções na esfera administrativa ......................58
2.3 Ilícitos administrativos equivalentes aos crimes contra o mercado de capitais.76
2.3.1 Manipulação de mercado...................................................................................76
2.3.2 Uso de informação privilegiada........................................................................82
2.3.3 Exercício irregular do cargo..............................................................................86
CAPÍTULO 3
TUTELA PENAL DO MERCADO DE CAPITAIS NO BRASIL ..................89
3.1 Manipulação do Mercado de Capitais – art. 27-C, Lei nº 6.385/1976 ..........89
3.1.1 Bem jurídico ........................................................................................................93
3.1.2 Elementos subjetivos .........................................................................................94
3.1.3 Elementos objetivos ...........................................................................................95
3.1.4 Significado de valor mobiliário .........................................................................99
3.1.5 Sujeitos do delito ............................................................................................. 100
3.1.6 Consumação e tentativa .................................................................................. 101
3.1.7 Pena ................................................................................................................... 102
3.1.8 Competência..................................................................................................... 102
3.2 Uso de informação privilegiada – art. 27-D, Lei nº 6.385/1976 ................. 104
3.2.1 Bem jurídico ..................................................................................................... 108
3.2.2 Elementos objetivos ........................................................................................ 112
3.2.3 Elementos subjetivos ...................................................................................... 117
3.2.4 Sujeitos do delito ............................................................................................. 118
3.2.5 Consumação e tentativa .................................................................................. 120
3.2.6 Pena ................................................................................................................... 123
3.2.7 Competência..................................................................................................... 124
3.2.8 Repasse de informação privilegiada - §1º do art. 27-D, Lei nº 6.385/1976.125
3.3 Exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função – art. 27-E, Lei nº
6.385/1976 ................................................................................................................. 127
3.3.1 Bem jurídico ..................................................................................................... 129
3.3.2 Verbo nuclear ................................................................................................... 130
3.3.3 Elementos objetivos ........................................................................................ 131
3.3.4 Elementos subjetivos ...................................................................................... 132
3.3.5 Sujeitos do delito ............................................................................................. 132
3.3.6 Pena ................................................................................................................... 133
3.3.7 Competência..................................................................................................... 134
CAPÍTULO 4
O PROBLEMA DA SOBREPOSIÇÃO DE INSTÂNCIAS E A APLICAÇÃO
DOS CRITÉRIOS ENGELS PARA A IDENTIFICAÇÃO DO POSSÍVEL
BIS IN IDEM .......................................................................................................... 135
4.1 Caso “Engel and Others V. The Netherlands” .............................................. 135
4.2 Caso “Grande Stevens V. Italy”........................................................................ 137
4.3 Aplicação dos critérios de Engel para a identificação de eventual sobreposição
de esferas nos crimes contra o mercado e capitais na legislação brasileira ...... 139
4.4 Breve síntese e apanhado de resultados .......................................................... 142
1. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:
parte geral. 11. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 99.
MARIA VICTÓRIA DA FONSECA ESMANHOTTO 27
2. Assim entende Sánchez: “o que interessa ressaltar neste momento é tão somente que existe,
seguramente, um espaço de ‘expansão razoável’ do Direito Penal, ainda que, com a mesma
convicção próxima da certeza, se deva afirmar que também se dão importantes manifestações
da ‘expansão desarrazoada’” (SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal:
aspectos da política criminal das sociedades pós-industriais. Tradução de Luiz Otávio de
Oliveira Rocha. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 34).
3. “A sociedade de risco é, em contraste com todas as épocas anteriores (incluindo a sociedade
industrial), marcada fundamentalmente por uma carência: pela impossibilidade de imputar
externamente as situações de perigo” (BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra
modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 275).
28 PROTEÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS NO BRASIL
4. “Mas o que conta decisivamente em favor disso é uma sintomática e simbólica “superação”
do risco. Os riscos precisam aumentar com sua superação. Na verdade, não devem ser
superados em suas causas, em suas fontes. Tudo deve acontecer no âmbito da cosmética dos
riscos: embalagem, mitigações sintomáticas da poluição, instalação de filtros purificadores ao
mesmo tempo em que se mantêm as fontes poluidoras. Ou seja, nada preventivo, mas apenas
uma indústria e uma política simbólicas de superação da multiplicação dos riscos” (BECK,
Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento.
2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 68).
5. “Assim, o uso do dinheiro torna o intercâmbio de mercadorias mais fácil e, dessa forma,
incentiva o comércio. A intensificação do comércio, em troca, reage na extensão das transações
financeiras. Depois do século XII, a economia de ausência de mercados se modificou para
uma economia de muitos mercados; e com o crescimento do comércio, a economia natural
do feudo auto-suficiente do início da Idade Média se transformou em economia de dinheiro,
de um mundo de comércio em expansão” (HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem.
19. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983. p. 34).
6. O surgimento de ações, bolsa de valores e o histórico de regulamentação com relação ao
mercado de capitais será analisado no capítulo seguinte. Por essa razão, deixa-se, nesse ponto,
de adentrar às especificidades relacionadas ao tema, limitando-se a mencionar de forma
sucinta essa transição.
7. BECK, 2002 apud BOSCO, Estevão; FERREIRA, Leila. Sociedade mundial de riscos: teoria,
críticas e desafios. Sociologias, Porto Alegre, ano 18, n. 42, p. 232-264, mai./ago. 2016.
MARIA VICTÓRIA DA FONSECA ESMANHOTTO 29
8. Quanto ao tema, o surgimento da bolsa de valores e o início da venda de ações por meio da
Companhia das índias será analisado no capítulo seguinte.
9. Conforme o autor, “esta diferença entre risco (enquanto acontecimento antecipado) e
catástrofe (enquanto acontecimento real) conduz a um outro momento: é irrelevante
se vivemos num mundo objetivamente mais seguro do que todos os mundos anteriores
– a antecipação encenada de destruições e catástrofes obriga a uma ação preventiva. Isto
aplica-se sobretudo ao Estado, que é forçado a tomar medidas antecipatórias e preventivas,
porque garantir a segurança dos seus cidadãos faz parte das suas tarefas primordiais, mesmo
quando as instâncias competentes (ciência, exército, jurisprudência) não dispõem dos meios
adequados (por exemplo, porque as suas possibilidades de resposta a riscos globais estão
limitadas ao horizonte do Estado-nação)” (BECK, Ulrich. Sociedade de risco mundial: em busca
da segurança perdida. Lisboa: Edições 70, 2015. Edição Kindle. p. 326).