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BIBLIOTECA DA MULHER

PAULO COMBES

IV

O liUO U UUUDORI
TRADUÇÃO PORTUGUESA

4.• EDIÇÃO

1934

Empràsa EDUCAÇÃO NACIONAL

Rua das Oliveiras, 75 - P.õr!o


Propriedade da Emprêsa Educação Nacional
Rua das Oliveiras, 75- Pôrto

DIREITOS RESERVADOS

Eseca.tado aa• Of,ciD&I Gr,flca•

da Sociodade de Papelaria. L.da


Rua da Boa..Uta. 321-P&rto. 1934.

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BIBLIOTECA DA MULHER

Cada volume em brochura . 10$00

1. - O Livro da Espôsa, por Paulo Combes.

2.- O Livro da Dona de Casa, por Paulo Combes.

5.- O Livro da Mãi, por Paulo Combes.

4.- O Livro da Educadora, por Paulo Combes.

A Mulher na Família, pela Baro�eza Sta{f.

Os Meus Segredos de agradar, pela Baroneza Staff.

Cartas a Luisa, por Maria Amália Vaz de Carvalho.

Mulheres e Crianças, por Maria Amália Faz de

Carvalho.
A Mulher em' Portugal, por Victor de Moigénie.

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PREFÁCIO E PLANO GERAL
DA

Biblioteca de Educação Feminina

A mulher possue no seio da família e na


sociedade, naturalmente e pela fôrça das cir­
cunstâncias, uma importante e muito complexa
Influência. Em todos os tempos os teólogos, o s
filósofos, o s m oralistas, os escritores - prosa­
dores e poetas - têm tido a noção da impor­
tância social da mulher e, portanto, a noção
também da necessidade de se orientar a com­
panheira do homem como seu auxiliar na m ls­
alo a cumprir.
Tio legítima preocupação dá origem a uma
verdadeira literatura, muito abundante, muito
complexa, mas bastante desigual,· contendo
Alguns bons livros disseminados entre montões
de obras sem valor.
A maior parte dos «Conselheiros» da mulher
trilha um caminho falso, porque se dirigem a
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- VI -

um ser i dealizado, que não existe na realidade.


Quási todos seguem um caprichoso processo,
tão freqüente nos moralistas filósofos, e que
consiste em considerar abstractamente a mulher
em sz� despojada de todos os atributos da vida.
A mulher que têm em vista, nenhuma seme­
lhança apresenta com qualquer das mulheres
que conhecemos, não foi moldada com a mesma
argil a e não descende, certamente, de Eva.
Dêste modo, quando um daqueles l ivros cai
sob os olhos das espôsas, das mãis - numa
palavra, de mulheres com existência e activi­
dade real - elas, invariàvelmente, no fim da
leitura, depõem o volume, pensando :
- j Isto não foi escrito para mim !
É que o valor dum livro é proporcional à
exactidão, à clara evidência com que repre­
senta as realidades concretas da existência.
A medida da sua influência é a impressão que
produz nos espíritos, a maneira como desen­
volve em cada um dos que o lêem c o que já
estava dentro dêles, mais ou menos obscura­
mente , - como notara Ballanche.
Porque é bem verdade que não se encontra
nos livros senão o que já temos no espírito e
no coração, e que tôda a frase será uma voz
extinta, se não despertar um eco na alma do
leitor.
Realmente, não se escreve para as mulhe-

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-VII-

res, quando se tomam abstractamente as suas


particularidades individuais, quando os escritos
s e referem a um tip o fantasiado, criado, ele­
m ento por elemento, em virtude de uma con­
cepção puramente filosófica.
Escre\le-se, sim, para as mulheres, quando
as consideramos tais quais elas são, com as
suas qual idades e defeitos: quando se l h es fala
uma linguagem que esteja não só à altura d a
sua i n teligência como do seu sentimento, pri n­
cipalmente.
As mulheres têm uma fina sensibilidade, e
é por meio da sua sensibilidade que mais segu­
ramente se poderá tocar-lhes o espírito. Importa,
antes de mais nada, conquistar a sua con­
fiança; e isso \lalerá mais do que cem boas
razões, pretendendo empolgar-lhes a convicção.
Ora as mulheres desconfiam - � e não têm
elas suficientes razões para isso ? - dos conse­
lhos que lhes dão os li\lros, especialmente no
que diz respeito aos seus sentimentos mais
íntimos de espôsas e mãis ; assim, consideram­
-nos ou como i naplicáveis à sua situação parti­
cular ou corno tendo intentos reser\lados ; e é
bem verdade que esta opinião desfa\lorável é
demasiadamente justificada pelos li\lros que
Ih es têm sido consagrados.
Contudo, as mulheres sentem a necessidade
-fora dos ensinamentos da religião e d a

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- Vlll -

direcção espiritual da sua alma - dum guia


seguro, dum conselheiro, tão elucidante como
s incero, para as mil circunstâncias da vida
prática de todos os dias.
Mas, � como se há-de alcançar êste guia tão
útil, êste conselheiro tão precioso ? Os livros
que leram, deram-lhes apenas desilusões, por
não encontrarem nêles as noções de que mais
carecem. Tais livros foram escritos para a
mulher em geral, não para cada uma das
mulheres em particular ; contêm excelentes
coisas para ocasiões que talvez nunca apare­
çam, mas nada encerram do que seria útil na
existência quotidiana.
E, estranha verdade : os mais ôcos dêsses
livros são os que foram escritos por mulheres.
Nenhuma delas quis revelar o que sentia e
pensava realmente.
O guia e conselheiro da mulher casada­
êsse m anual que ainda não existe, pelo menos
tal qual o concebemos e acabamos de esboçar
- é o que empreendemos escrever sob o título:
Os quatro livros da mulher, e chamamo-lo
assim, porque dividiremos em quatro volumes
as diversas ordens de considerações referentes
à mulher casada nos seus quatro aspectos de
espôsa, de dona de casa, de mãi e de edu­
cadora.
� Como poderemos, porém, justificar êste

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-IX-

empreendimento ? Simplesmente, apresentando


o plano pormenorizado dos quatro •Livros�.
Pelo exame que fizerem dêste plano, a s
mulheres, a quem tais Livros são desti nados,
v erão suficientemente que nêles encontram
tudo que baldadamente procuraram noutros, e
que os podem l er com inteira confiança, por­
que não se dirigem a um fantasma feminin o
s e m consistência real . . .

Foram de-veras, escritos para elas.

I - O Livro da Espôsa

INTRODUÇÃO- A principal preocupação da


mulher, considerada unicamente como espôsa,
isto é, como companheira do homem, d eve
ser : amar seu espôso ; torná-lo feliz; fazer-se
amar por êle ; e nisto encontrar a sua própria
felicidade. Êste livro é o desenvolvimento da
tese que fica esposta e a indicação dos mei o s
próprios para realizar o que tem e m vista.
CAPITULO 1 - A espôsa deve conhecer per­
feitamente seu marido para harmonizar o seu
próprio carácter com o dêle. Para isso, deve
estudá-lo, com uma afectuosa curi osidade,
depois do casamento, se antes o não pôde

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-X-

fazer. Deve aprender a ler, nas suas maneiras,


na sua atitude, nos seus olhares, de forma que
lhe adivinhe todos os pensamentos, tôdas as
suas alegrias ou inquietações.
CAPITULO n- Como deve a espôsa amar
seu marido: como ao companheiro de tôda a
sua vida, como a um amigo que para ela deve
ser tudo.
I
A afeição conjugal é uma espécie de
condensação muito íntima de todos os outros
afectos.
CAPITULO m- Como a espôsa torna seu
marido feliz: fazendo o mais possível por lhe
proporcionar alegrias, evitando-lhe desgostos,
compartilhando os desgostos e alegrias que
êle tiver.
CAPITULO IV - Como a espôsa conse{fue
fazer-se amar de seu marido: tornando-se-lhe
sempre agradável pelos seus encantos natu­
rais, usando duma certa garridice e galanteria
no afecto conjugal.
CAPfruLO v-Qualidades práticas da espôsa:
fazer tudo quanto seja útil à prosperidade do
lar ; mostrar-se boa dona de casa, etonómica,
trabalhadora, previdente.
CAPÍTULO VI-Qualidades m orais da espôsa:
igualdade de carácter, bom humor, compla­
cência, bondade, dedicação, paciência.
CAPITULO VII- Qualidades intelectuais da
espôsa: A mulher deve apresentar a seu
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- XI -

marido todos o s atractivos dum espírito i lus­


trado, ·mostrando-se capaz de sustentar uma
conversa. Faça leituras em comum, pesseios.
visitas a museus, viagens.
CAPITULO vm- Cultura estética da mulher;
A arte no lar. Na boa disposição da sua casa�
no bom gôsto e disposição do interior, a
mulher deve ter em vista atrair, quanto possí­
vel, seu espôso.
CAPITULO IX - Como a espôsa conserva a
fidelidade do marido: como o defende de tôdas
as tentações que o podem afastar dela.
CAPITULO x - Como a espôsa salvaguarda
a sua própria fidelidade: maneira de se defen­
der de tudo que a possa desviar dos seus
deveres.
CAPÍTULO XI- Conjunto de condições para
felicidade dos dois esposos.
CoNCLUSÃO - A felicidade conjugal neces­
sita do seu natural complemento : a felicidade
maternal.

li -O Livro da Dona de Casa

INTRODUÇÃO- Não consiste êste livro num


simples «Manual da Economia Doméstica» ; o
assunto tem sido tratado, com mais ou menos

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- XII-

êxito, em numerosos trabalhos, e o nosso fim


não é tratar dos minuciosos pormenores que
exigia um estudo completo da matéria. O nosso
fim é muito mais elevado e consiste na expo­
sição das regras principais e fundamentais
para uma racional organização do l ar domés­
tico, não sàmente sob o ponto de vista mate­
rial, mas ainda, e sobretudo, sob o ponto de
vista intelectual, moral, estético, educativo, etc.
Estudo geral das múltiplas atribui'ções que
cabem a uma dona de casa, zelosa no desem­
penho de todos os seus deveres.

PRIMEIRA PARTE

Organização Moral do Lar Doméstico

CAPÍTULO 1 -lmportdncia de uma o rgani­


zação moral do lar doméstico : É indispensá­
vel uma regra de vida. Inconvenientes de não
haver um regime regular. Divisão do tempo.
CAPfTULO 11- O lar doméstico, centro de
atracção irresistível para todos os membros
da famllia: O lar confortável e encantador.
Atracção material, moral, intelectual e estética.
A verdadeira arte da mulher é a estética
doméstica.

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- XI I I -

CAPITULO m- Relações exteriores: Paren­


tesco, amizade, delicadeza, negócios. Obras de
beneficência.
CAPITULO IV- Organização da educação:
na família, no exterior.
CAPITULO v- Tarefas ocasionais que podem
vir a caber à dona de casa.

SEGUNDA PARTE

Organização Material do Lar Doméstico

CAPÍTULO I- Problema. geral da o rgani­


zação do lar doméstico: Relação proporcional
entre as despesas e as receitas ; aplicação do
dinheiro às necessidades, de forma que per­
mita uma maior ou menor economia com que
se constitua um m ealheiro.
CAPÍTULO n- Condições duma boa admi­
nistração doméstica: Espírito de ordem e eco­
nomia ; as contas domésticas ; cuidados nas
despesas ; importância das pequenas econo­
mias ; inconveniências das compras aos poucos.
CAPÍTULO m- A quisição e escolha da habi­
tação e mobiliário : sob o ponto de v ista da
economia, do bom gôsto e da h igiene.
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-XIV-

CAPÍTULO IV- A alimentação e as refeições:


sob o ponto de Vista da economia, do paladar
·e da higiene.
CAPíTULO v- Vestuário e higiene do corpo:
sob o ponto de vista da economia, do bom
�ôsto e da higiene.
CAPíTULo VI- Diversas : Aquecimento­
Luz - Particular cuidado com as despesas
miúdas, que devem ser bem conferidas.
CoNCLUSÃO -São de tal ordem as atribui­
ções da dona de casa, que lhe bastam para
·
todo o emprêgo do tempo.

111 - O Livro da Mãi

INTRODUÇÃO- Alegrias e deveres da mater­


nidade.
CAPÍTULO 1- Preparação para a materni­
dade : Necessidade que a mulher tem de se
preparar para bem cumprir as Várias obriga­
ções que a maternidade lhe impõe.
CAPÍTULO 11- Como a mãi deve amar os
seus filhos : Mãis egoístas que só amam os
filhos por amor próprio. Mãis ignorantes que
não sabem amar verdadeiramente os filhos.
Deve-se ter amor aos filhos, tendo sempre em
-�ista o seu futuro.

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-XV -

CAPfTULO 111- Obrigações materiais da mãi:


<> desenvolvimento físico e a saúde das crianças.
-Os primeiros cuidados que se devem dedicar
lls crianças (mesmo tendo em \lista o futuro e
o bom desen\lol\limento da alma) procurarão
fazer de cada uma delas um .:animal» perfeito
e forte.
CAPfTULO IV- Obrigações intelectuais (ia
mai: Desenvolvimento da acti\lidade, dos sen­
tidos e da inteligência das crianças.
CAPfruLo v- Obrigações morais da mãi :.
Os filhos são, durante tôda a sua \lida, o que
dêles fizeram as mãis.
CAPfTULO VI- Disciplina moral da mãi e
das crianças : As mãis respeitaram austera­
mente a mesma disciplina moral a que sujei­
taram os seus filhos. Influência do exemplo.
CAPÍTULO VII-Formação intelectual e moral
da mulher: Partido que as mãis podem tirar
dos brinquedos e da curiosidade natural das
crianças.
CAPfTTLO vm- A melhor forma do amor
mater no- a vigildncia: A mAl é o \lisí\lel anj_o
da guarda ·dos filhos. De\le exercer uma cons·
tante. \ligllância sôbre tudo que possa suges·
tionar, intelectualmente ou moralmente, a alma
da criança; as relações, os amigos, os compa­
nheiros de estudo, os brinquedos as leituras.
CAPfTULO IX- A mtli amiga e confidente

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- XVI -

dos filhos : A mãi conserva a afeição dos


filhos e continua a exercer vigilância sôbre
êles, mesmo quando crescidos, se ela se dedi­
car cuidadosamente a ser sempre sua amiga,
confidente das suas alegrias ou inquietações,
e conselheira sempre respeitada.
CAPITULO x-Papel das mãis e avós para
com as crianças.
CoNCLUSÃO - A missão da mãi.

I V- O Livro da Educadora

INTRODUÇÃO - O « L iVro da Educadora>> não


pode confundir-se com o c Livro da Mãi ,, como
o «Livro da Dona de Casa» se não pode con­
fundir com o « LiVro da Espôsa» - O c Livro
da Espôsa, e o c Livro da Mãh têm essencial­
m ente por objecto a feição afectiva, íntima, do
papel da espôsa e da mãi ; os outros dois tra­
tam do seu papel positivo; activo, prático - da
erteriorização do seu afecto.
CAPITULO 1- Comêço da educação materna:
A missão da educadora começa logo que a
criança nasce. É preciso desde princípio incli­
ná-la para bons hábitos que constituam uma
c segunda natureza ,,
CAPITULO n-Primeiras noções do esfôrço:

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- XVII -

O esfôrço, necessidade absoluta de tôda a


existência, será a primeira coisa a que a mãi
deve habituar a criança. As primeiras palavras
da criança : importância da boa pronúncia. Dis­
ciplina das qualidades natura is - a discipl ina
por lições de coisas.
CAPITULO 111- As preguntas da criança:
A educadora deve brincar e conversar com
a criança. - Não deve deixar sem resposta
nenhuma das preguntas que ela fizer. Como
deve responder.
CAPITULO IV- Desenh o, escrita, leitura:
A história da humanidade, a experiência e a
lógica demonstram que a cria nça deve come­
çar por aprender a desenhar, aprendendo
depois a escrever e a ler ao mesmo tempo.­
Os melhores métodos de desenho, escrita e
leitura. O que a criança deve desenhar, escre­
ver e ler.
CAPITULO v- Educação familiar : A família
é o meio natural da educação, mas não é sufi­
ciente, e ninguém se deve restringir exclusiva­
mente a êle. A educação familiar e a educa­
ção extra-familiar.
CAPITULO VI- Educação e.rtra-fam iliar:
A missão da mãi educadora não é por forma
alguma depri mida pela educação que a criança
recebe fora da família. Pelo contrário, conti­
nua a ser preponderante.

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- XVIII -

CAPíTULO vn- Educação dos jovens antes


de entrarem na vida activa: Vigilância da edu­
cadora s ôbre todos os actos da \lida dos seus
filhos já crescidos. Como ela se exerce ; fim
que tem em \lista. Como a educadora prepara
os filhos para entrar na \lida.
CAPÍTULO vm---,- Educação dos filhos quando
jd na vida activa: A mãi continua a guiar os
filhos em tôdas as circunstâncias da \lida.
CAPITULO IX- A mãi fica sempre educadora
dos filhos: O seu papel até à sua morte.
CAPfTULO x-A mulher educadora social:
O papel educador da mulher pode exercer-se
em tôda a parte, tanto na família, como fora
da família.
CoNCLUSÃO- A missão da educadora é das
mais importantes que a mulher pode ter. Se
lhe proporciona menos alegrias íntimas do que
as missões de espôsa e de mãi, dá-lhe, em
compensação, mais grandeza e uma felicidade
de ordem mais dignificante, atingindo as puras
glórias da dedicação e do sacrifício.

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O LIVRO DA EDUCADORA

INTRODUÇÃO

A mãi, como a salientámos já nos livros


anteriores, isto é, tão cônscia da sua missão
como devotada com ternura e zêlo a cumpri-l a
- a mãi, depois de ter dado o melhor de s i
mesma ao filhinho, que é a carne d a s u a carne
e o fruto do seu amor, nota que os seus encar­
gos :e responsabilidades se vão ampliando à
medida que a alma daquel e ser querido vai
desabrochando.
já, por amor dêle, sofreu as angústias da
inquietação, Vhlendo em sobressalto, temendo
as ;enfermidades que tanto ameaçam as exis­
tências frágeis, mas conseguindo afastar todos
os perigos com a sua mão protectora.
Começou a amá-lo com tôdas as veras da
. s ua alma, e a l er-lhe no olhar os primeiros
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20 0 LIVR.O DA EDUCADOR.A

ingénuos pensamentos, as primeiras palavras,


uma imagem da sua própria ternura, até como
que o reflexo do seu coração.
Mas, às preocupações por causa do pre­
sente, de-pressa se sobrepuseram outras : as
de antever o incerto porvir daquele pequerino
ente.
e Que virá êle a ser?
Ê ste estado de alma das mãis tem sido
muito poetizado. Muitos escritores e pintores
têm exteriorizado em telas e em livros como­
ventes, enternecidos, empolgantes, aquele pro­
blema que preocupa insistentemente a mã.i,
inclinada sôbre o bêrço do seu filhinho.
Lá está ela, absorta, interrogando o miste­
rioso futuro, que vai romper.
Observa, com um olhar frio e apavorado,
aquela fronte dentro da qual jazem ocultos,
como sementes, os desej os, as aspirações, as
Virtudes, as paixões que, um dia, têm de pa­
tentear-se.
E, inquieta, conhecendo melhor neste mo­
mento que a sorridente maternidade é apenas
uma primavera, e que não tarda a começar o
trabalhoso estio, a mãi conhece a punge_ nte e
terrível alegria de ser senhora dum destino.
� Que virá êle a ser?
A mãi, de per si só, não sabe responder a o
enigma. Sabe amar d e todo o seu coração,.

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INTRODUÇÃO 21

•acrlflcar-se, consolar, sofrer. Viveu horas de


magia e respirou o perfume daquela vida em flor.
Absorta no seu amor, extasiada com a absor­
vente graciosidade do filho, de todo empolgada
e como que embriagada com aquela posse uni­
camente sua, poderia. de bom grado, dizer
como o poeta:

A mo-te e nada mais pretendo conhecer . ..

Então, graças à providencial vigilância, que


gera as aptidões exactamente quando é precisa
a seção delas, surge no ânimo da mãi um
novo instinto : é o da formação intelectual
e moral, a faculdade complementar da mater­
nidade, a faculdade de educação.
Nisto, nota que deve saber outra coisa,
porque é obrigada a dirigir-se por um caminho
novo, e com tanta obediência e precisão, que
a integridade da sua obra seria cortada de
nocivas lacunas, cas-o não desse valor ao
tempo nem aos cuidados requeridos pelo seu
Incoercível dever.
Já não é, a rigor, a mãi que embala o filho.
É a instrutora dos vacilantes passos do ser
que, por missão, deve governar.
E, nesse caminho, que deve vigiar palmo a
palmo, terá a tarefa de alentar, fortificar, dar
a mão, nunca prejudicando o esfôrço pessoal;
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22 0 LIVRO DA EDUCADORA

terá de apoiar o pequenino ser, mas sem lhe


tolher o desenvolvimento das fôrças, porque
deve modificar tendências, e não aniquilá-las,
deve orientar, e não suster o movimento.
E aqui temos agora a mãi como que desdo­
brada, por causa da sua nova tarefa, em Edu­
cadora. Vê agora aumentar a sua responsabi­
lidade. Impõe-se-lhe um encargo em que tem
de pensar, porque lho determina a Providên:ia,
e não pode recuar.
Começada a vida do filho, está dado o irre­
premfvel impulso. Tem o filho de ir, irresisti­
velmente, para o futuro, e nem possui a precisa
clarividência para caminhar, nem a coragem
bastante para seguir sàzinho, e até ao fim.
Carece dum guia seguro, dum prudente
conselheiro, dum amigo, dum amparo.
Antes de fazer tão larga e incerta viagem,
precisa de se apoderar do vlático que o .deve
defender, refazendo-lhe a. energia em todos os
desalentos.
Entregues a si próprios, como vieram da
natureza, a sua inteligência e a sua vontade
seriam incompletos, perigosos e até mortais
elementos, como que fôrças cegas e alucinadas
que o impelissem para erros e abismos.
Como profundamente disse um pensador: ­
Em tôda a criança balbuciante hd o estôfo
dum criminoso.
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INTRODUÇÃO

Terrível frase ! Mas como ela é justa, e


como, na sua desconsolante aspereza, põe em
foco tôda a origem dos pa\lorosos males resul­
tantes do pouco cuidado em se orientarem a s
tendências nativas que todos trazemos a o \!ir­
mos à luz !
Não de\le dei�ar de ter aquele receio tôda
a mãi que tenha consciência da missão que
Deus lhe destinou, porque será um receio tão
salutar como fecundo. Apa\lorada com a possi­
bilidade dêsse mal, de\le, porém, conhecer-se
com a fôrça precisa para encarar o perigo, com
ternura bastante para o querer afastar, com bas­
tante energia para dêle l ivrar a alma do seu filho.
O Criador, ao preparar a mãi para as suas
funções augustas, pre\liu tudo de que ela ca­
rece para ser capaz de as desempenhar em
todo o seu alcance.
Abasteceu-lhe o seio com o leite, que é o
primeiro elemento da e�istência física.
Duplicou, por assim dizer, o seu ser, dan­
do-lhe com generosidade o que é necessário
à vida de ambos.
O mesmo se dá na ordem moral. juntou a
Pro\lidência ao amor de mãi o maravilhoso
instinto da educação. A mulher, sem um des­
falecimento no seu amor, atende, e conhece
com precisão, as faculdades que no filho se
vão re\lelando.
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24 0 LiVR.O DA EDUCADOR.A

Robustece-se nela o sentido da perseve­


rança, como antes sentira desenvolver o da
conservação.
Zelosa pela · beleza física do seu filho, em­
polga-a depois a sua beleza moral. Depois de
ter pensado, em sonhos indefinidos e adorá­
veis : - há-de ser formoso, sonha : - será bom !
Mas a ciência da educadora é como tôda a
ciência, ou mais que qualquer ciência, de-ve­
ras aperfeiçoável, porque é um dever cujo sen­
timento se amplia com a ponderação do objecto
a conseguir e dos meios a empregar.
Tal é afinal a razão de, desejando nós ser
úteis às mãls, leitoras dêste livro, e preten­
dendo que melhor conheçam a prática desta
admirável ciência de abrir as almas à luz e os
corações à virtude, tal é a razão - dizíamos­
de pretendermos insistir sôbre a natureza das
obrigações do novo e ncargo das mãis para as
utilizarem, depois de meditados estes precei­
tos, dentro da harmonia, da ternura e da razão.

§ 2.0

t Porque é que muitas mãis extremosas não


têm capacidade como educadoras ?
É simples. Não são boas educadoras por
ignorarem que a educação é uma exterioriza­
ção do amor maternal. A missão de saírem de
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INTRODUÇÃO 25

ai mesmas, de tomarem fatigantes iniciativas,


de serem vigilantes, firmes, constantes, encon­
tra· as quási sempre sem orientação.
Amaram, mas sem compreenderem que um
sentimento egofsta penetrou ne' s se amor.
Na maior parte dos casos, não souberam
que o seu filho, em vez de ser o seu bem,
o seu prazer exclusivo, é uma alma que lhes
foi confiada e cuj a felicidade têm o dever de
assegurar.
i Quantas vezes elas não arquitectaram, com
despreocupação calma, lindos sonhos em tôrno
dos berços, não lhes passando, afin al, pela
mente que só elas possuem os meios de tor­
nar êsses sonhos realizados !
É vulgar ouvir algumas mulheres dizerem
a pais felizes que, com razão, se orgulham
com os filhos que têm:
- Bela sorte a vossa ; oxalá que êles se­
jam tão dóceis como seus pais.
i Como s e tudo se fizesse de per s i mesmo !
i C omo se fôsse possrvel que essas crianças,
possui'doras de tão admiráveis qualidades, as
tivessem adqUirido e desenvolvido sem uma
activa e vigtlante educação !
Neste mundo nada de bom se consegue
sem trabalho e sem sacrifício.
O grão mais insignificante, embora semeado
num solo fecundo, carece dos cuidados do la-
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0 LIVRO DA EDUCADORA

vrador, da quotidiana canseira do seu tra­


balho.
As searas, que o sol amadurece, não nas­
cem nem se desenv olvem sem uma persistente
cultura e sem muitas bagadas de suor.
Nada desabrocha e nada pode viçar sem
uma luta ao redor de si. A dureza do solo e as
más ervas ; os obscuros gérmenes do mal, que
estão semeados em tôda a parte e que tão
vertiginosamente medram ; as mil e misterio­
sas causas de desfalecimento e morte ; tudo
i sto, e tanto na ordem física como na moral,
porfia na destrui'ção de tudo que v ive e se
desenvolve.
Mais do que uma planta, está ameaçada
uma alma. Para uma incipiente virtude que
deve brotar na sua haste frágil, há mil defeitos,
já fortes, surgindo no mesmo lugar, invasora­
mente.
Tal é a história da humanidade, o triste
apanágio da nossa natureza pecadora.
Por isso, a grande tarefa da educação, cul­
tura praticada a tôda a hora, é, realmente, lutar
sem descanso contra os instintos nefastos ­
maldita semente que trazemos de nascença.
A tal luta se deve devotar a mãi educadora,
podando os ramos nocivos, arrancando as ve­
getações mortíferas.
Nasceu a planta, e a mãi saUdou-a com

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INTI{ODUÇÃO 27

tôda a sua admiração. Era o esperado nasci­


mento. Nessa tão frágil hastezinha se basea­
vam tôdas as suas esperan Ç as, todos os seus
sonhos, todo o orgulho da sua jóvem mater­
nidade.
A mãi pensava, sorrindo :
- i Dará lindas flores e l indos frutos !
Mas bateu a hora da inquietação. Naquele
canteiro, do qual o amor da mãi era o sol,
brotaram estranhas vegetações que ela mal
imaginava.
E aí está agora em sobressalto tôda a sua
solicitude. Cônscia do perigo iminente, ela pro­
cura afastá-lo; e êste cuidado, intenso nos
primeiros instantes, nunca mais pode ser es­
quecido.
Tem diante dos olhos aquele obstáculo a
perturbar o seu amor e também a reclamar a
sua coragem, que se avigora sob a necessi­
dade duma luta inevitável .
A mãi que nunca tal temor experimentou,.
não é verdadeira mãi. Porque ser mãi é ainda
ser mais defesa do que ternura. Amar, na me­
lhor acepção do têrmo e da idea, é cumprir
o seu dever até ao extremo, é trabalhar, d o
fundo de alma, p e l o engrandecimento, e m fôrça
e beleza, do que constitue o objecto do seu amor.
Tal é a missão da educadora. Não pode
cumpri-la sem um trabalho quotidiano, ora

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28 0 LIVRO DA EDUCADORA

entre júbilos, ora entre amarguras. Mas depois


de desempenhada essa tarefa afectlva que
tanto a encantou, depois de ter sido educadora
com ciência, disciplinadora com doçura, diri­
gente com bom senso e reformadora com en er­
gia, há-de pregustar as inseparáveis alegrias
duma sagrada vitória só devida ao seu trabalho
paciente.
Não passará um dia sem novas consolações,
sendo-lhe pago todo o esfôrço na moeda de
segurança do futuro.
Seu filho, crescendo ao pé de si, à sua vista,
dar-lhe-á, tornando-se melhor, uma satisfação
íntima, cada vez mais Intensa.
Aquele ser, modelado por sua mãi, amas­
sado de novo com o a cera mole entre os de­
dos do artista, terá o cunho da sua imagem,
reproduzindo a fiel fotografia do ideal dos
seus sonhos.
i Ditosas as mulheres que a uma tarefa
assim se dedicam!
i E mil vezes desgraçadas as que se furtam
àquele dever! São senhoras dum tesouro que
desprezam, duma fonte que deixam secar, duma
admirável planta que vai morrer por falta de
cultura.
Apenas vigiaram o desenvolvimento da vida
física. Desprezaram a florescência da vida
moral. Foi-lhes confiada uma fôrça social que

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INTRODUÇÃO

l'lcou inúti l e \lã, porque essas mãis, ou por


falta de saber ou por falta de \lontade, não
quiseram \lalorizá-la.

* *

Freqüentemente presenciamos o triste es­


pectáculo dado por essas mãis sucumbidas�
en\lergonhadas, humilhadas por terem filhos.
que enganaram tôdas as suas esperanças.
Contemplam-nos com a tristeza que ex­
prime a morte duma santa ilusão aniquilada.
O seu coração reconhece-os sempre. O que
parece desconhecê-los, e até renegá-los, é a
sua razão.
Soltam gritos que traduzem a sua dolorosa
inconsciência, a decepção do irremediá\lel êrro
que julgam fatalidade, quando de\leriam con­
fessar-se réus duma falta.
-Contudo, amei-os tanto!
Sim, essas mãis embalaram, acarinharam�
amimaram, adoraram os seus filhos. Mas o seu
trabalho ficou só nisso, e por isso elas derra­
mam agora lágrimas, aliás inúteis, porque,
lamentando os tristes frutos do seu desleixo,.
não querem reconhecer ainda a causa dêles.
Não compreendem, \lendo a obra estragada,
perdido o tempo e para sempre comprometido

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.30 0 L!V�O DA EDUCADO�A

o futuro, que a principal tarefa maternal era


arrancar o precioso minério da saibreira in ­
-forme ou emporcalhante, separá-lo das l igas
impuras, poli-lo, dar-lhe o fulgor triunfante da
-virtude.
Não. Lançam tôdas as culpas sôbre o acaso,
sôbre a pouca sorte. Sem, aliás, acreditarem
nisso demais, desculpam - se, l embrando as ten­
dências da raça, as inclinações naturais, as
taras da hereditariedade. Assim se desculpam
com um gesto rápido, alij am as responsabili­
-dades cujo pêso opressivo lhes é intolerável.
A rigor, se quisessem ser sinceras, estas
mulheres de luto - porque seus filhos, sendo
ainda vivos, já morreram para elas - a rigor,
deveriam acusar-se de terem sido más obrei­
ras. Não ignoram que um animal, para ter uti­
lidade e para nos agradar, tem de ser dirigido,
cuidadosamente orientado, acompanhado de
perto em todos os seus desvios e progressos :
e espantam- se, afinal, ao verem que uns sêres
aos quais elas deram a vida, sejam incomple­
tos, desequilibrados ou viciosos, por terem, sem
guia, seguido l ivremente os caprichos naturais !
Como j á dissemos, a educação não é traba­
lho de instinto : é obra da consciência e da
.razão.
�- - Quú�r·saber f
As mãis, a quem êste livro se destina, pre-
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INTRODUÇÃO 51

tendem "alorizar o quinhão, sempre distribuído


com pro"idencial equidade, das qualidades e
nascentes "irtudes, inexploradas ainda, que
palpitam na alma dos seus filhos.
Têm essas a conscienciosa boa-fé, o intenso
cuidado de compl etar a tarefa da maternidade
com a canseira da educação, por saberem que
o Criador lhes impõe êsse de"er religioso e
social que desejam cumprir sem fraqueza.
É possí"el que não conheçam todo o pro­
grama, a totalidade dos pri ncípios dirigentes
dessa ciência que é, de tôdas, a m ai s del i­
cada e temível, ao mesmo tempo que a mais
sublime.
Encontrarão elas, nas linhas que se seguem,
a exposição das regras da educação, o completo
e prático resumo das suas obrigações e a m a­
neira de as cumprirem.
Tal será a coroação dos Livros da Mulher,
o fim supremo da sua missão.
Ternas espôsas, sensatas donas-de-casa,
inteligentes e extremosas mãis, hão-de querer
ser "igllantes educadoras, desen"ol"endo infa­
tigà"elmente a fidelidade, a constância e o
ardor, em prol da segunda, mas maior mater
nidade - a de formar almas.

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CAP {TULO I

Princípio da educação maternal

Quási uma banalidade seria o insistirmos


sôbre a importância de se começar desde o
berço a educação. Teoricamente, todos sabem
que o futuro êxito depende dum bom ponto de
partida e qual a i nutilidade e o ridículo de cons­
truir uma obra grande sôbre alicerces incertos.
Mas na prática, infelizmente, é esquecida
essa verdade, tão evidente, que se afigura pueril
repeti-la.
Abundam as mãis que, à similhança dos
loucos, quando pretendem colhêr sem nada
terem semeado, tudo esperam do futuro, sem
terem pensado em o preparar.
O 'Padre Monsabré, numa das conferências
que dirigiu às jovens mãis, chamava a atenção
delas sôbre a necessidade de começarem a edu­
cação desde o berço, por meio destas palavras:
c jovens mãis que sorris à graciosidade do
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Ü liVR.O DA fDUCADOR.A

filho recém-nascido, pensai em que êsses i n­


conscientes olhares, êsses braços que vos pro­
curam, êsses lábios que não sabem falar, êsse
coração de amor adormecido, essa fronte n a qual
o pensamento é apenas um pálido clarão para vir
a ser um facho, pensai em que todo êsse ser
reclama a vossa fôrça e luz para o seu futuro ,.
- É tão pequenino !
Eis o fácil meio de desculpar a indiferença,
ou de l egitimar o esquecimento do primeiro
grande dever.
Diz Le Play :
cO h omem, logo ao nascer, já é um h omem.
A vida depende da infância, como a colheita
do grão semeado•.
É, pois, um êrro esperar e retardar a hora
daquele desenvolvimento, porque assim delibe­
radamente se sacrifica uma probabilidade de
êxito, assim se recusa um meio de adiantar a
tarefa, porque assim se pode comprometer até
a obra que não tem um só pormenor inútil.
Vindo ao mundo, a criança já traz o seu
instinto. já nela palpita, intensa, activa, inquieta,
a vida animal que não tem outras manifesta­
ções além dos movimentos físicos.
Precisa de manifestar-se. Os gestos, os
balbuciamentos, o constante esfôrço de todo
aquele ser, afirmam a necessidade de exterio­
rização e expressão.
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PR.INCfPIO DA EDUCAÇÃO MATfR.NAL 55

Procura orientar-se. A sua alma obscura


t�stremece como, dentro duma crisálida, a ma­
riposa, aspirando à liberdade e à luz do dia.
Não, nunca é pequenino demais o recém­
·nascido, para que a mãi se interesse pelos seus
primeiros ímpetos, para que seja dirigido o
ascencional mo\limento que o eleva à razão.
E tanto isto é assim, que as mãis zelosas
dos sagrados deveres da maternidade sentem
muitas vezes perturbações às tentativas do
pequenino que se debate e comE!ça a lutar pela
existência.
Essas não consideram o filhinho como um
brinquedo que diverte, mas como um pensa­
mento que trabalha e que pretende desenvol­
ver-se. Falam-lhe, como se a criança pudesse
compreendê-las. Antecipam-lhe o despertar dos
sentidos e de bom grado lhes diriam, n a sua
doce ilusão, o que dizia Miguel Angelo, exta­
siado diante da mais empolgante das suas
obras-primas : - Fala, pois, visto que vives f
Conheci uma j ovem senhora que passava
por ser um m odêlo das perfeitas mãis. Era
atenta, carinhosa, inquietando-se com as me no­
res coisas, vigilante, passando de vela i núm eras
n oites, sempre ao l ado dos berços dos filhinhos,
o que enchia de admiração todos os seus.
Com o ridículo exagêro e a mania da hipér­
bole que em geral caracteriza quem elogia em

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56 0 LIVRO DA EDUCADORA

termos líricos os que cumprem os deveres mais


simples, não faltava quem exclamasse, ao vê-Ia;
-i c É uma mãi como há poucas h
Efectivamente, cumpria a sua tarefa de ama
com escrupulosa consciência, mas como o fazem
muitas outras sem tanto alarde e fama.
E, emfim, nunca pude esquecer uma frase
que ela, um dia, proferiu, com tôda a simplici­
dade, sem notar a m alícia do que dizia, pen­
sando de boa fé exprimir uma verdade sabida
e verificada por todos : c Até aos 6 meses, a s
crianças são bonitos animalzinhos h
Perfeitamente inconsciente, mal pensava ela
que proferia uma blasfêmia. Mas, infelizmente,
o que ela disse em voz alta muitas o pensam,
por desconh ecerem o dever de tôda essa pri­
meira educação que a criança recebe ao entrar
no mundo, acolhendo-a como a um ser já racio­
cinante, colocando-a, desde o primeiro dia, n a
categoria d a s inteligências dignas de admira­
ção, vigilância e respeito, o respeito devido a
uma imagem do Criador descida a êste globo.
Não esperar f É o grande princípio dirigente
da educadora.
Mas dirá a mãi : - Perderei o meu tempo!
Não. Essa posse preventiva já assinala a
missão da mãi, dá o cunho da sua solicitude,
comunica a alma dela com a do filho.
tE pensará algum a das mãis cristãs que

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PRINCIPIO DA EDUCAÇÃO MATERNAL 57

não há uma graça particular vinda do Céu, para


que se apressem a ocupar-se da vida moral
que dorme dentro daquela flor da sua paixão ?
é Acreditará alguma que Deus, cuja presença
tão nítida é nas mãis, suas mandatárias neste
mundo, não dispensará, às nobres preocupações
do zêlo maternal, a abençoada fecundidade, a
direcção útil, o delicado e seguro senso que,
mais tarde, há-de fazer da mãi um guia per­
feito ?
As mãis recebem, desde os primeiros ins­
tantes,, nas suas mãos nervosas, o filho, que é
uma dádiva da sua bondade, com o enterne­
cido temor, com o admirável receio que faz
pensar nos deveres antes da perlibação dos
júbilos.
Nesse momento foram elas consagradas
como educadoras, porque, antes de beij arem o
ser carnal, tinham saUdado o ser espiritual -
vendo, com os olhos da fé, antes da deliciosa
felicidade de serem mãis, a divina missão de
serem apóstolos.
E o filhinho ficará como que transfigurado
à custa dês�es nobres desej os, dêsse sonho,
dessa superior ternura, até dessas inquietações
reveladoras duma dedicação que chega à su­
blimidade do sacrifício.
Educadora é a mãi logo no dia da m ater­
nidade. Desde que tomou posse do ser querido,
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58 0 liVRO DA EDUCADORA

a sua alma há-de ter, para todo o sempre, o


duradoiro cunho do seu melhor amor.
Por isso, a tarefa das mãis começa com
o primeiro estremecimento de vida.
Há uma palavra que a resume tôda, pro­
clamando-a na sua grandeza : educar, embora
seja uma palavra do sentido tantas vezes des­
virtuado e ao qual devemos, portanto, dar a
sua n ormal e definitiva precisão.
A longa e penosa ascensão da tarefa educa­
tiva devem devotar-se cedo, desde o princípio,
porque nunca é cedo demais.
O poeta J . Autran traduziu em belos \lersos
aquele nobre dever que, como todos os deve­
res, deve constituir um cuidado de todos o s
instantes :

Com piedade velai já nos primeiros dias;


Tudo depende neste mundo do princfpio.
Mau lo dia, quando a aurora ltenebrosa;
Amargo lo fruto, se uma picada o mancha.
Turva-se um rio inteiro, ao turvar-se um regato.
O homem, atl à morte, l qual o berço o fêz.

Por isso, a mãi desvelada deve dar princí­


pio à sua obra logo desde a aurora das débeis
existências dos seus filhos, nunca julgando
fazê-lo cedo demais, nem achando conveniente
esperar pela oportunidade.
Não deve dar nunca ouvidos ao seu coração

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PIUNdPIO DA EDUCAÇÃO MATUNAL 59

que, atendido sem correctivo, lhe dirá : ­


c O que tens a fazer, primeiro, é amar o teu
filho. Acarinha-o ; por enquanto nada de me­
lhor tens a fazer".
Ouvindo a sua razão, esta repelirá os fal­
sos princípios ditados pelo sentimento egoísta
ou pelas depl o ráveis convenções humanas,
empreendendo corajosamente a Juta quotidiana
contra os maus instintos, contra os nativos
defeitos que de-pressa medram, contra os desa­
brochantes gérmenes das provindoiras faltas.
Terá de, à similhança do lavrador que cura
da futura colheita, expurgar sem demora as
prematuras ervas que cercam a semente, apenas
a lançam na terra. Prevenirá o assalto das
aves de rapina que enxameiam em tôrno das
delicadas esperanças da sua maternidade.

§ 2.0

Em duas fórmulas se podem resumir todos


os princípios da educação. A primeira consiste
em lutar contra as más inclinações; a segunda,
em criar os bons hábitos no lugar deixado por
aquelas. São os bons hábitos que devem dar à
criança uma segunda natureza ou, para ser­
mos mais exactos, uma natureza melhor.
Mas para haver eficácia e fruto nessa Juta,
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40 0 LIVRO DA EDUCADORA

colhendo-se dela resultados positi\los e \lit óri as


perdurá\leis, é i ndispensá\lel conhecer o ter­
reno, preparando- o para o combate, silencioso,
mas tantas vezes terrí\lel, com um perfeito
conhecimento dos el ementos nocivos e da sua
predominância.
1
Abundam as mãis cheias de sincera boa
vontade, que desejam ardentemente educar
com dignidade os seus filhos, absor\lidas pela
ânsia de se de\lotarem, sem pensamentos reser­
vados e çom tôda a coragem, a uma missão
que conhecem ser i ndispensável.
Contudo, esquecem-se duma coisa : é de
que a alma humana, e pri ncipalmente a das
criancinhas, é um imenso campo de estudos ,
sendo precisos muito tempo, experiência e
perspicácia, e postos em prova a cada instante,
para fazer o percurso de todos os seus múlti­
plos aspectos.
Ora a êste trabalho é que as mãis se devem
aplicar, primeiro que tudo.
Dispensou-lhes a P rovidência um sentido
especial, uma espécie de dupla vista que lhes
permite ler nas almas até ao seu íntimo mais
inacessível. Mas é preciso que saibam observar.
Não é livro de fácil leitura a natureza moral
das criancinhas. É um caos de obscuridades.
Tentar descer a tais profundidades, é pai­
par, nas trevas, um trabalho que exige tão

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PtUNCfPIO DA EDUCAÇÃO MATERNAL 41

maravilhosa sagacidade com o experimentada


paciência.
Contudo, a mãi atenta, de zêlo sempre
activo, de-pressa explora tal abismo e l h e
devassa o s mistérios. Basta v e r como e l a está
ao pé do filho. A criança, como qualquer outra
pessoa, não passa dum frágil corpo que vive .
Para a mãi, já é uma inteligência.
A mãi sabe compreender o que é que seu
filho quer, e sabe sentir o que êle sofre.
Por um admirável fenómeno divinatório,
profetiza o futuro do seu tesouro.
c Será voluntarioso, teimoso, malicioso . . . ,

Dir-se-ia que as menos características incli­


nações, as mais imperceptíveis, se avolumam
e ampliam ao passarem pelo coração m aterno
que as sente, pela razão da mãi que as explica.
A mãi, por m enos que adestre e queira
aprofundar tal ciência em que recebeu d o
Senhor os dotes mais prodigiosos, sente a s
primeiras rebeldias e paixões do seu filho­
como que murmúrios só por ela ouvidos, \lisões
que apenas são recebidas pela sua requintada
e quási infalível clarividência.
E, se a não cegar uma desastrada pieguice,
e ainda a preocupação de encontrar no seu
filho só inumeráveis e imaginárias virtudezi­
nhas, a mãi ràpidamente há-de compreender
que n aquela exlstenciazinha, feita de impres-
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42 Ü LIVR.O DA EDUCADOR.A

sões e de sensibilidade, o que primeiro revela


a alma sã as más tendências.
Deplorável destino da nossa natureza é o
d e ostentarmos, ao vermos a luz do dia, o
cunho funesto do pecado original.
Pode a criança, ao passo que vai crescendo,
m ostrar-se generosa. Nos seus primeiros dias,
é sempre mais provável que seja egoísta.
Com o tempo, pode vir a ser mansa. Nos pri­
meiros meses da sua existência, terá movimen­
tos rudes, ímpetos de colera. As qualidades, até
as naturais, não se desenvolvem sem tempo. Os
defeitos apressam-se a aparecer, e quando vêm
as qualidades, já êles se desenvolveram.
Não querendo, por forma alguma, afi rmar
que tôdas as crianças nascem fatalmente más,
é, porém, justa a nota de que o número das
suas tendências impertinentes excede muito o
das suas boas qualidades.
Diz Labruyere nos seus Caracteres :
'As crianças são, por natureza, orgulhosas,
desdenhosas, c o l é r i cas , i nvejosas, curiosas,
interesseiras, preguiçosas, rapinantes, covardes,
gulosas, mentirosas, hipócritas . . . não querem
sofrer a menor violência e gostam de as exer­
cer sôbre os outros ; são já homens.:t
Não é lisonjeira a lista de epítetos. Mas,
para sermos sinceros, temos que reconhecer
que é justa.
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PRINCIPIO DA EDUCAÇÃO MATERNAL 45

Só compenetrando-se destas realidades,


mas sem tentar baldadamente achá-las exces­
alvamente rigorosas, e sem colhêr nelas um
desalento nocivo, é que a mãi poderá encarar
o mal, conseguindo os remédios que o devem
curar. Isto verifica-se e sente-se.
Diz Le Play :
cA mais estúpida das amas, como a mais
sagaz das mãis, pode ver, a cada passo, quanto
predomina nas criancinhas a tendência para
o mal. Os grandes pensadores que observa­
ram directamente a infância, concluíram todos
assim. Finalmente, todos os educadores dos
homens eminentes conseguiram sempre o seu
triunfo pedagógico só à custa da zelosa repres­
são das tendências viciosas dos seus j ovens
educandos,,
É, pois, evidente que, para se realizar a
obra útil da educação, tem de evitar-se logo
um escolho, o primeiro de todos : o de se que­
rer que a criança seja como o desejarfamos.
A mãi deve ver o seu filho tal como é/e é, na
realidade.
O conhecimento do mal já dá probabilida­
des de se encontrar o remédio e a cura dêle.
c!. E não será a educadora o primeiro m édico
da alma, assim como a mãi é o primeiro
médico do corpo ?
O pecado original é expungido pelo baptismo.
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44 0 LIVRO DA EDUCADORA

Mas a mulher, a quem Deus confiou a sua viva


i magem, deve continuar a obra do sacramento
e dar uma vigorosa saúde moral à almazinha
curada, mas que conserva ainda a fraqueza
devida à enfermidade que desapareceu.

* *

Mas surge, neste ponto, um gravís s i m o


reparo.
Se a criança traz nativamente os defeitos
já constituídos, como que uma bagagem exces­
sivamente grande de funestos gérmenes, é
absolutamente necessário impedir-lhe o ulte­
rior desenvolvimento, começando c e d o por
obstar à acção de tôdas as causas estranhas
que possam infiltrar elementos perigosos no
organismo moral do pequenino ser.
Antes ainda da emprêsa de s e expulsar a
vegetação nociva, cumpre tolher o passo com
urgêf!cla aos novos elementos que possam for­
tificar a resistência ao bem, e multiplicar os já
inúmeros cuidados.
Em suma : primeiro que tudo, deve a mãi
fazer a obra de perseverança. Tem ela apenas
um meio de evitar essas influências destrui'­
doras : é o de ter sempre zelosamente o seu
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PRINC1PIO DA EDUCAÇÃO MATI!RNAL 45

fil ho consigo ; torná-lo seu com escrupulosa


Integridade ; temer, como se teme um desastret
que êle receba a influência, embora momentâ­
nea, duma natureza que não seja a del a ; e não
o confiar, se não o menos possível, a mãos
estranhas.
Hoje é m oda alijar os primeiros cuidados
da maternidade sôbre uma mulher mercenária.
Muitas senhoras consideram como pesada, insu­
portável e prosaica, a tarefa de amamentarem
os seus filhos.
Para elas, é uma função como que infe­
rior. Ainda o seu filho não nasceu, ainda não
sentiram nos braços o pêso daquele querido
ser, e já tinham deliberado livrarem-se de tal
tarefa.
Acreditamos que, em geral, não significa
isso, por forma alguma, a recusa ao cumpri­
mento dos seus deveres nem o men<:>sprêzo
pela tarefa primacial cujas responsabilidades
chamaram a si espontâneamente. Mas a sua
posição, a sua categoria, os seus que-fazerest
dão-lhes, por demais, fáceis pretextos e des­
culpas que, aparentemente indiscutíveis, bas­
tam para acalmarem as suas consciências.
Além disso, é um costume, que é bem vistot
é uma prática geral, autorizada pelos usos e
até reclamada pelas tradições.
já acham cumprir os seus deveres, conse-
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46 0 LIVR.O DA EDUCADOR.A

�uindo uma ama sadia, de bons costumes, cui­


dadosa e conscienciosa. A grande questão para
essas mãis é que o médico tenha declarado
ser boa a ama para amamentar o pequerrucho.
E logo o tezoirinho vai para mãos desconhe­
cidas, é confiado a uma mãi casual que tem
por obrigação, exigida à face da soldada, o
<lar-lhe vida, desenvolvimento e até, mais ou
menos, um tanto do amor que lhe é tão neces­
s ário como o sol à florinha prestes a desa­
brochar.
Pode suceder, bem o sabemos, que a ama
<lesempenhe bem o seu papel. Interessar-se-á
pela criança. Tratará dela como dum filho seu.
Cercá-la-á de afectos. Prodigalizar-lhe-á mesmo
uma ternura exagerada.
Mas, até nessa melhor h ipótese, e na maior
parte dos casos, eis os inconvenientes: muito
ânimo, muitas pieguices, resguardos excessi­
vos, desastrada adoração ; emfim, a criança
admirada, d o e n t i a e apaixonadamente, mas
poucas vezes com desinterêsse, e antes por
um cálculo, o que é sempre um perigo.
E, neste caso, os primeiros transportes do
,coração da criança são para a mercenária.
O recém-nascido, débil como as h astezi­
nhas que, sem apoio, não se desenvolvem, ape­
gar-se-á logo àquela que primeiro lhe tiver
dispensado os seus cuidados, e tudo quanto

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PR.INCIPIO DA EDUCAÇÃO MATER.NAL 47

esta mulher ganhar assim moralmente, per­


dê-lo-á a verdadeira mãi e talvez sem remédio.
Ficará indelével e cada vez mais progres­
siva a primeira impressão. Será um fenómeno
anti-natural, uma funesta aberração dentro da
alma do pequenino, cuja lei dirigente é, em
primeiro lugar, o sentimento.
Depois, restituído àquela que o deu à luz,
não a reconhecerá e, quando ela tiver a noção
da necessidade de se tornar a verdadeira
senhora do destino do seu filho, já terá de envi­
dar os mais penosos esforços para o conseguir.
E aí está um duríssimo obstáculo à sua
vitória, à sua m issão educadora. A criança terá
e ntão defeitos difíceis de extinguir, talvez l acu­
nas que nunca m ais se preencherão. É uma
primeira falta, e quási irremediável.
E por muito feliz se deve julgar, se, a o
m enos, a criança não bebeu, com o leite da
ama, os gérmenes de numerosos vícios, que
não tinha ao n ascer, e que pode levar, como
lúgubre herança, para o lar donde nunca devia
ter saído.
Inúmeras mãis têm desalentadamente amal­
diçoado a hora em que, desejando estar inde­
pendentes e achando escravizadora a tarefa da
m aternidade, temendo passar as noites de vela,
foram entregar o seu filhinho a uma influência
cujo predomínio fatal só agora verificam.

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48 0 LIVRO DA EDUCADORA

Muitas mãis, procurando nas almas dos


filhinhos o desabrochar de belas qualidades
que era justo esperar, só encontram, e desen­
volvidfssimos, defeitos que apavoram, fraquezas
misteriosas e absurdas, um pulular de ervas
más tão desenvolvidas, tão espêssas, tão enrai­
zadas, que tôda a vontade de lutar sucumbe,
tôda a coragem se entibia.
Bem bastariam as inevitáveis taras da here­
ditariedade natural, das tendências irregulares
provenientes dos dois progenitores.
Entendeu-se, para cúmulo, porém, que era
justo inclinar sôbre aquele berço uma fada
maléfica, que das suas m ãos deixasse cair
males estranhos, Vícios oriundos doutra raça,
e que aumentam em desastrosas proporções o
quinhão da pecabilidade humana.
O semeador do joio invadiu sorrateiramente
o campo, e o celfador, apavorado, desconhece
que a tarefa é excessiva para as suas pequenas
fôrças.
Está h oje em moda rirem-se dêstes escrú­
pulos e julgarem-se tresloucados êsses ter­
rores.
As antigas e severas tradições foram subs­
tituídas por uma orientação pagã.
A noção do dever foi definida com influên­
cia dum egoísmo voluptuoso que se recusa a
qualquer constrangimento.

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PRINCIPIO DA EDUCAÇÃO MATERNAL 49

Não deixa d e ser positivo - e todos os


moralistas o \lerificam dolorosamente - que a
sociedade naufraga por não pertencer a criança
à família. Os laços que, l ogo ao nascer, a ela
o prendem, dlstendem-se e despedaçam-se,
ficando, como que desprendido da haste, o
ramo que, desde os primeiros dias da sua
Infância, é habituado a nutrir-se duma sei\la
estranha.
Multo diferentemente se concilia a materni­
dade na época da Idade Média, que deu à
França soldados tão \llgorosos e à Igreja defen·
sores tão galhardos.
Bastar-nos-á citar, como modêlo, a mãl de
Godofredo do Bolhão. Senhora que obstinada­
mente quis amamentar só ela o seu filho, foi
tão zelosa pela missão da única ama de Godo­
fredo, que todo o seu sonho foi modelá-lo todo
como sua imagem.
O caso é realista. Os espíritos superficiais
podem achar-lhe m oti\los de riso. Mas as mulhe­
res, cônscias dos seus de\leres, citá-lo-ão sem­
pre COIT! enternecimento.
Partindo um dia o espôso da m ãi de Godo·
fredo para a guerra, deixou ela a criança
recém-nascida, e que amamentava, nos braços
duma sua amiga, emquanto ia despedir-se do
guerreiro.
Quando \loltou, encontrou-o a mamar no
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50 0 LiVR.O DA EDUCADOR.A

selo da estranha, que também era mãl, e que


não vira outro melo de calar o pequenino.
Precipitou-se, arrancou a criança dos bra­
ços da amiga, e tão viol entamente como se o
filho correra um grande perigo. Depois, sublime
no seu pavor, mais inquieta e angustiada do
que se o filho tivesse bebido um veneno
m ortal, fêz-lhe lançar fora o leite que bebera,
dizendo :
- Este querido filhinho é todo meu. Não
quero que deva nunca a outrem uma só gota
do seu belo sangue . . .
Seria impossível exprimir melhor a altivez
m aternal, e traduzir com m ais eloqüência os
sentimentos que desejaríamos ver imperar nos
corações de tôdas as mãis.

Mas o papel de educadora, na época da


primeirâ infância, não se limita a afastar o
mal, seja qual fôr a sua proveniência.
Reconhecido por ela o terreno da luta e
delimitado o campo da acção perseverante,
impõe-se por si mesma uma nova tarefa à
sua activldade : a de procurar as qualidades
cujo conjunto ela deve valorizar indlspensà­
v etmente.

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P RINCIPIO DA EDUCAÇÃO MATERNAL 51

Antes de embelezar o tesofro, deve conhe­


cer-lhe tôda a preciosidade. Como a respiga­
dora que apanha as espigas caídas no sulco
para as enfeixar, deve começar a sua faina
desde o romper de alva, não deixando nenhum
recanto sem rebusco, juntando as menores
espigas às maiores, para utilizar tudo dentro
da ordem e da harmonia.
Não esperará que as primeiras flores de
virtudes se revelem por si mesmas, pois que
muitas correriam o perigo de morte por falta
de vigilância.
É o que proclamava um emi nente conferen­
cista devotado ao apostolado da educação :
c Eis-vos agora m ãis, e oferece-se-vos uma

admirável e m i steriosa riqueza.


c Nesse campo da inteligência e do coração
do vosso filho, colocou Deus inúmeros tesoi­
ros. Confiou uma parcela da sua divindade ao
ser que destes à luz. Mas são tesolros ocultos.
Para se cumprir a vossa tarefa no trabalho
fecundo e para que o mérito do esfôrço vos dê
o orgulho da conquista, tereis de remexer
êsse solo com as vossas mãos ternas e cora­
josas, de não deixar Inexplorado nenhum lugar ;
de percorrer todo o vosso domínio, conglo­
bando as dispersas parcelas do bem, como o
explorador do oiro congloba as limalhas sol­
tas, para com elas formar um sólido bloco.
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52 0 liVRO DA EDUCADORA

E, quando tiverdes achado e colhido muito,


continuareis ainda, certas de que todos os
di as fareis novas descobertas, graças a muitas
investigações atentas.
« Encontrareis, profundamente ocultos na
alma do vosso filho, filões que mal imaginá­
veis. E, quando tiverdes amontoado muitos,
ora com alegria, ora com desgôsto, coinpreen­
dereis que é preciso recomeçar sempre a
tarefa de hoje.
« Porque, embora seja enorme o que tiver­
des feito, pouco vale em comparação do·!que
tendes de fazer. ,
E é êste um trabalho preliminar cheio d e
decepções e fadigas, m a s recompensado pelo
próprio esfôrço.
Quando a mãi conhecer perfeitamente a
natureza do seu filho, os recursos de que dis­
põe, deve organizar êsses elementos d.i spersos,
fixá-tos, não em fórmulas incompreensíveis
para a criança, mas dentro de limites que a
m ãi deve estabelecer criteriosamente, segundo
o caracter e as tendências do filho.
Então formará os bons hábitos que hão-de
'\lalorizar as qualidades do educando, desen­
volvendo- as normal e c o n s tantemente. Isto.
orientará a prática da vida física e moral.
Diz-nos, com a experiênci a , a razão que o
hábito é uma segunda natureza. Convém,
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PRINCIPIO DA EDUCAÇÃO MATERNAL 55

pois, que tanto a razão como a experiência das


rn ãis curem de tôdas as faculdades do ser
humano, tornando-se como que uma gimnds­
tica superior, uma prática racional e constante
dos mesmos actos repetidos freqUentemente.
A virtude é definida pela teologia, na acep­
ção m a i s ampla do seu significado, um hdbito
da alma. Tôdas as virtudes podem ser assim
definidas. Em vez de serem ímpetos efêmeros,
ou bons m ovimentos, espontâneos ou reflec­
tidos, representam um estado permanente, uma
disposição nítida e definitiva que se deve ao
exercício das faculdades morais.
Portanto, a educadora deve e.rcitar o seu
educando, favorecendo-lhe os esforços, vigian­
do-lhe a actividade, alentando-lhe os pequenos
êxitos, reprimindo desvios e os inevitáveis
exageros.
Deve começar pelo desenvolvimento dos
hdbitos físicos, os únicos possíveis na pri­
meira Infância e que se referem à educaçilo
dos sentidos.
Quási tôdas as mãis têm o instinto dessa
primeira educação. Mas é incontestável que
multas delas lhe não ligam grande importância,
porque desconhecem que fazer trabalhar o
corpo j á é favorecer o desenvolvimento do
espírito.
Convém que a criança, para ficar armada,
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54 0 LIVRO DA EDUCADORA

o mais cedo possível, na luta pela existência,


se adapte cedo ao meio em que tem de viver,
e experimente as sensações familiares.
Essa tendência é, aliás, natural nas crian­
ças.
Crispa as suas mãozinhas i m p a c i e n t e s ,
empolgando tudo que vê ao s e u alcance. Exa­
m ina com inquieta ou extasiada curiosidade os
objectos que vê pela primeira vez. O seu
ouvido é vivamente ferido pelos ruídos insóli­
tos, o que lhe desperta grande atenção. Tudo
na criança é movimento, investigação, esfôrço,
vontade de achar, de compreender. Todos o s
seus sentidos interrogam o ambiente.
Muito auxiliada pode ser a aprendizagem
do mundo físico pela solicitude da mãi em
favorecer as primeiras experiências do filhi­
nho. Procederá bem não afastando os objectos
que êle quiser ter nas mãos, l ogo que não
haja nisso perigo, e antes deixar-lhe expe­
rimentar o seu contacto, proporcionando-lhe
assim o primeiro exercício dos sentidos des­
pertados.
À vista dela, examinará a criança as for­
mas, verá as proporções, notará as diferenças,
entreverá as suas relações intimas. Com as
mãos, conhece a resistência que opõe. Com o
olhar, terá a noção das dimensões. Com o ou­
-vido, terá a noção da sonoridade.
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P�INCIPJO DA EDUCAÇÃO MATE�NAL 55

Sem a abandonar às suas próprias fôrças,


Rem a deixar sozinha na presença das coisas
que lhe aguilhoam a curiosidade, é útil conce­
der à criança uma certa i niciativa, porque ela
hé-de favorecer o esfôrço e originar noções
mais completas.
A vida é uma luta perpétua. É uma defesa
permanente contra os atritos da natureza.
Exige um trabalho incessante, uma actividade
atenta, uma vigilância que nunca repousa.
Devemos, pois, habituar a criancinha à
acção, familiarizando-a com tudo que é seu
ambiente, pondo- a o mais possível em pre­
sença dos objectos que mais atraem a sua
atenção.
O pequenino ente há-de desenvolver as suas
aptidões por melo de incessantes adaptações
das suas faculdades nascentes e duma suces­
são de esforços iguais no m esmo sentido, e
assim moldar-se- á segundo o seu meio, ficando
envolvido pela lei do hábito, que foi originada
por aqueles repetidos exercícios.
E usará dêles na prática da existência, nem
se lembrando de que os aprendeu um dia, além
de - o que não devemos esquecer - os valorizar
sempre que dêles côlha utilidade e proveito.
Tôda a criança, emquanto vai crescendo,
usa os hábitos que a idade desenvolve e que,
dia a dia, mais se revigoram.
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56 0 liVRO DA EDUCADORA

Mas os seus progressos são beneficiados


sbmente pelos hábitos que a servem e não a
constrangem, pelos que a protegem e não a
chocam. Valem por armas. O que convém é
que sejam conformes à sua estatura - maleá­
veis, leves, sólidas - e que êle saiba manejá­
-Ias nas justas defesas, nas conquistas neces­
sárias.

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CAPÍTULO 11

Primeiras noções do esfôrço

Grande lei da Vida é o esfôrço. Ninguém


lhe pode evitar a acção. Os sêres ínfimos têm
de lutar para se desenvolverem e gozarem em
paz os progressos conquistados com sacrifício.
As plantas e os animais obedecem a uma
lei fatal : destruir os obstáculos opostos ao seu
desenvolvimento, reagir contra as resistências
que prejudicam o seu progresso.
Todo o mundo parece um campo de batalha
em que as criaturas trabalham, sofrem e s e
esgotam até à morte.
Mais que nenhuma outra criatura, está o
homem sujeito, desde o berço, a essa obrigação
imperiosa. É o lutador mais obstinado, porque
tem de salvaguardar, ao mesmo tempo, duas
existências : a do corpo e a da alma - duas fon­
tes de energia e também dois tesoiros que é
preciso defender, explorar e valorizar.
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58 Ü L!V�O DA EDUCADO�A

Diz um sabido adágio : - Viver é operar.


É, portanto, lógica a necessidade de que
essa aprendizagem comece no berço e seja
favorecida pela vigilância e pelos cuidados de
quem foi incumbido pela Providência da tarefa
de educar os pequeninos.
já falamos no capítulo anterior dos primeiros
hábitos que devemos dar à criança, do impuls o
inicial que é preciso manter por meio d a repe­
tição dos mesmos actos. Ora isso é precisa­
mente a experiência e a utilização do esfôrço.
Nada $e adquire sem luta. O menor êxito
depende do trabalho que custa.
Por conseqUência, nunca será demais pôr
de sobreaviso as mãis contra essa preguiça,
aparentemente legítima, que as leva a livrar
os seus filhinhos de fadigas.
Ê sse carinho, em vez de ser ternura, é uma
fraqueza detestável, um esquecimento culposo
dos seus deveres.
E não faltam, aliás, maneiras de se exercer
essa delicada arte. A educação, quando bem
entendida, é a mais d o ce das tarefas e não a
mais penosa das missões.
A propósito disto, repetiremos : nunca a
criança deve ser entregue só às suas próprias
fôrças. Pelo contrário, deve sempre sentir, e até
nas suas menores iniciativas, a presença, o
apoio e o auxíl io da sua terna companheira.

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PR.IMEIR.AS NOÇ0ES DO ESf'ÔR.ÇO 59

Se lhe é indispensável ouvir graves palavras


para compreender que a vida não é um brin­
quedo, também carece dos sorrisos, para alí­
vio dos rigores da aprendizagem que tem de
fazer da vida.
o· que seria duro e impossível, entregue a
criança só às suas fôrças, tornar-se-á amável e
fácil, se ela fôr animada, auxiliada, apoiada,
nos seus primeiros esforços.
E assim transporá os degraus da existência
suavemente, valorizando a sua coragem e o seu
coração, sabendo-se seguida por um olhar,
caso trema, e amparada por mão socorredora,
caso vacile.
*

* *

Uma senhora honesta e ao mesmo tempo


mãi a dm ir á v e l , fêz um belo quadro desta
cooperação m aternal nas primeiras luta s de
seu filho.
c Nunca aprendeu nada sem mim. As suas
mãos não tocavam num objecto, os seus olhos
não fitavam um novo espectáculo, os seus ouvi­
dos não ouviram som algum, que não fôssem
primetro tocados, observados ou escutados por
mim. Eramos dois a instruir-nos. Com o êle, eu
era criança, era inhábi l. Balbuciava, quando ê l e
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60 Ü L!VIW DA EDUCADORA

balbucia\la. Eram similhantes os nossos esfor­


ç os, iguais os n ossos êxitos.
c Muitas \lezes, para lhe dar a alegria dum
triunfo, era eu a desastrada. Podia parecer que,
nos seus esforços, eu era quem carrega\la com
tôda a fadiga, e êle quem fruía tôda a glória.
Eu ensina\la-lhe a querer, mas a sua \lontade
apoia\la-se na m inha, e neste mesmo trabalho
as nossas duas almas forma\lam uma só. ,
Com êste alento do afectuoso auxflio da
educadora, a criança há-de sentir-se impulsio­
nada. O trabalho, indispensá\lel para o êxito,
tornar- se-á le\le e atenuado. Nascerão com
mais facilidade os hábitos, e mais duradolra�
mente, porque os sua\lizará a ternura. Enrai'­
zar-se-ão no amor, e assim ficará um terreno
sempre pronto e fecundo, onde os hábitos não
podem extinguir-se.
A palavra é, na criança, a primeira \lerda­
deira manifestação da \lida inteligente. O pen�
sarnento que desponta quer exprimir-se. A lin­
guagem é uma das primeiras necessidades da
alma. O bébé quer que o compreendam, para o
que êle faz \librar tôda a sua energia, e até, às
\lezes, tôda a sua cólera.
Para traduzir a sua eloqUência, são insufi­
cientes os gestos. Carece dum \locabulário que
o faça tra\lar relações com os sêres pensantes
que o cercam.

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PRIMEIRAS NOÇÕES DO ESI'ÔRÇO 61

E então exprime-se como pode, e a rranja o


seu calãozinho feito de palavras decepadas,
deformadas, truncadas, coxas, ou fabricada s
por completo n o seu cérebro tumultuoso de
ldeas.
Tem, sem dúvida, a sua poesia essa lingua­
gem dos pequeninos. Possue o sabor natural,
porventura a viveza fresca, embora um pouco
desvanecida, do i nstinto selvagem. D e boa
vontade nos rimos ou nos e nternecemos com
aquela s fórmulas extravagantes e origin ais que
as mãls tanto se apressam a compreender e a
decorar.
C o n tu d o , cum pre-lhes regulamentar essa
linda a lgaravia e refrear êsse ardor i nventiva.
Visto que o jovem educando tem a excelente
vontade do esfôrço, é preciso dirigir-lho n o
sentido do melhor, e assim, e ao mesmo
tempo, ensinar-se-lhe-á a correcção da lin­
guagem, h abituando-o a o que é justo e ver..
dadeiro.
Aprendendo cedo a pronunciar como tôda
a gente e exercitando-se a reformar, n ormal­
mente, o seu vocabulário de fantasia, há-de
colhêr o benefício dum esfôrço útil, e isso será
p ara êle uma primeira noção de disciplina d a
vida.
É possível que, a prin cípio, recalcitre contra
o novo trabalho que tem de sofrer para respel-
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0 LIVRO DA EDUCADORA

tar as regras da pronúncia regular. Mas com­


preenderá então m elhor o valor do que custa
trabalhar. Os alentos, que lhe confirmaram o
alcance importante do seu êxito, inspirar-lhe-ão
o salutar pensamento de que para alguma coisa
lhe serviu o esfôrço.
Em muitas famílias, e afinal zelosas por
uma educação perfeita, os pais não ligam im­
portância a tais minúcias. Riem-se de boa von­
tade das incorrectas e disparatadas expressões
dos bébés. Não vêem que assim alentam o
êrro ou prejudicam naqueles simples espíritos
a noção definitiva das coisas.
É um êrro contra a lógica, se não é falta
-vigilância e de tato.
Mesmo na primeira infância, a natureza
carece duma vigilância constante, de correc­
tivos a tôda a hora.
A tarefa que, por vezes, parece de fácil
dé.sempenho, torna-se depois, a cada passo,
fatigante. A educação é um trabalho que cum­
pre saber impor, e exige mais energi a a quem
a dá, ao mestre, do que a quem a recebe, ao
-discípulo.
Para se desenvolver o esfôrço da criança,
tornando - lhe acessível o dever e valorizando,
pelo melhor, a sua utilidade, é preciso não dei­
xarm os de nos sacrificar em tempo e trabalho.
Só o esfôrço pode dirigir o esfôrço.

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PRIMEIRAS NOÇÕES DO ESFÔRÇO

§ 2.o

Não pode h aver ensino prático e duradoiro


sem regras nltidamente estabelecidas que do­
minem o espírito a educar.
A inteligência só retém e conserva as no­
ções impostas pela fôrça e pela autoridade dos
princípios fixos, que imutàvelmente se p ossam
reproduzir. Mas é essa, afinal, a condição
essencial da formação dos hábitos originados
pela freqUente repetição dos mesmos· hábitos .
Podemos, portanto, afirmar - embora com
as reservas que em tal assunto devemos fazer
- que a Escola da Natureza é a primeira
escola para a educação das crianças.
É a educadora por excelência. É a m estra
vigilante e severa que não transige nem vacila.
Tem qualquer coisa de fatal e de i nflexível,
i mpondo a obediência ás vontades, ou por
meio das vantagens colhidas por quem res­
peita as suas leis, ou pela punição sofrida p or
quem as transgride.
Convém, pois, que a mãi utilize êsse poder
disciplinador que tem ao seu alcance e ao qual
ninguém pode furtar-se.
O homem, ao entrar na vida, parece-se a
êsses condenados que uma antiga l enda nos
representa.
Suspensos sôbre um profundo abismo, ti-
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64 0 liVRO DA EDUCADORA

nham apenas duas alternativas : ou esforça­


rem-se por accionar o mecanismo que devia
subir ao tôpo da barquinha em que estavam
suspensos, ou entregarem-se ao desalento, e
morrerem.
Lá em cima, estava a salvação - a vida
feliz. Lá em baixo, o abismo, a morte.
Por mais sinistra que esta comparação possa
parecer, oferece - a nosso ver-uma justa idea
da necessidade que todo o ser humano tem de
utilizar as fôrças cegas que o envolvem e amea­
çam. Sim, deve sujeitar-se às necessidades ine­
Vitáveis, mas examinando-as, conhecendo-as,
valorizando-as e dirigindo-as em seu proveito ,
embora respeitando-as.
Muitas vezes sucede que o pequeni no sêr,
turbulento e curioso, se choca com aquelas
leJs dêle ignoradas. É como essas pessoas
inexperientes que visitam uma das fábricas
em que inúmeras engrenagens são movidas
pelo vapor. Por tôda a parte, volantes a girar,
rodagens que mostram os dentes. A primeira
sensação recebida diante dessas fôrças cegas
é a do temor. Dizem a cada passo ao visi­
tante : - «Tenham cautela ! Não se cheguem
às máquinas ! Olhem o que está atrás dos se­
nhores ! :t
A menor imprudência, o menor escorregão,
expõe o visitante ao perigo de morrer. Seria

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PR.IMEIR.AS NOÇÕES DO ESI'ÔR.ÇO 65

empolgado por aquelas m andíbulas de ferro,


arrastado, dilacerado, desconjuntado . . .
Bébé, não tendo ainda o sentido das pre­
cauções, encontra tudo isso no caminho em
que se arriscou, temerário e fanfarrão.
Cintila o lume no fogão. A chama atrai-lhe
os olhares. Aproxima-se dessa linda coisa de
reflexos sedutores. Quer saber. Como para êle
tôda a ciência está nas pontas dos dedos,
arroj a-se a aproximar muito a mão do lume.
É de prever a conseqüência. Ouve-se a criança
gritar. As suas queixas dolorosas são o modo
que êle tem de proclamar que o lume o queima.
Daí por diante, a sua imaginação, ensinada
por uma escarmentadora experiência, há-de
mostrar-lhe em caracteres, que êle saberá ler,
a-pesar-de não _ conhecer o alfabeto, estas coi­
sas úteis : Càidado f O lume queima f
já refeito do desastre - pois que queremos
crer, por amor ao pequenito, que a queimadura
foi leve - vai para a cozinha e vê diante de si
um tacho cheio de água.
Eleva-se, sobe, em nuvens, um fumo bonito
e branco, leve e caridoso. Não parece peri­
�oso isto.
Os seus olhos encantam-se, por momentos,
com aquelas vaporosas espirais. Mas há o mal
de os dedos seguirem o olhar. Não tarda que
se mergulhem na água a fer\ler. Esta, na sua
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66 0 LlVR.O DA EDUCADOR.A

l inguagem muda mas enérgica, ensina ao teme­


rariozinho quanto é imprudente em se fiar no
que não conhece.
Mais uma vez a natureza lhe deu uma lição
tão rude como salutar.
Dai-lhe p ara as mãos uma faca afiada, e há
tôdas as probabilidades de que a criança saiba
que ela corta e fere.
É provável que já lho tivessem ensinado
teàricamente. Mas teorias são teorias.
Agora, em vez de compreender, sentiu -
o que equivale a compreender duas vezes.
Experimentou as conseqfiênclas daquelas
l eis desconhecidas, que não mais esquecerá,
sabendo quanto são duras, indomáveis e tirâni­
cas, quando as desprezam.
Ora a mãi cuidadosa há de saber prever,
sem dúvida, as tristes conseqüências de tais
actos imprudentes. Mas também não perderá
o ensejo de aproveitar essas inconveniências
para gravar no espírito do filho noções dura­
doiras que hão-de constituir a base do primeiro
ensino.
À medida que a criança fôr crescendo, terá
a revelação doutras leis, que exigem a mesma
atenção e um respeito Idêntico.
Depois da disciplina das coisas físicas, vem
a das obrigações morais.
E será o momento de se ampliar a iniciativa
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PRIMEIRAS NOÇÕES DO ESFÔRÇO 67

da educadora, porque os princípios dirigentes


da inteligência e da vontade não tém o m esmo
rigor, nem a m esma fatalidade.
Virá então a luta contra os defeitos, auxi·
liada pela experiência das funestas conseqüên­
cias que dêsses defeitos resultaram. Demons­
trar-se-á ao bébé que a preguiça, a desobe­
diência, a vaidade, a crueldade, a curiosidade,
as mil tendências más que lhe perturbam a
alma, acarretam consigo graves danos.
E, se a mãi aliar à ternura uma constante
energia na repressão dessas faltas, se tomar o
papel de executor inflexível da lei moral, se re­
primir sempre os m esmos erros, a criança de­
pressa receberá tal disciplina da razão, e a sua
alma, como os seus órgãos físicos, ficará apta
para distinguir o que é licito do que é proibido.
Mais tarde, ao pretender julgar por si pró­
prio, o pequenito verá que a vontade, por vezes
severa, que lhe i mpôs o respeito daquelas re­
gras, era rigorosamente a expressão duma
verdade fundamental, duma obrigação que não
poupa ninguém.
Verificará que a preguiça, a verdade, a
crueldade, - tôdas essas tendências que nêle
demoraram - dão s empre as mesmas conse­
qQ.ências. Verá o exemplo de tantos homens de
vida desgraçada, só porque lhes obedeceram
à influência e lhes receberam os impulsos.

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68 0 LlVR.O DA EDUCADOR.A

* *

A educadora \lerdadeiramente cuidadosa na


educação do seu filho, da sua \ligilância em
benefício da ascensão moral dêle, não de\le
limitar-se ao automático arqui\lo das experiên­
cias feitas pelo filho quando êste se põe em
contacto com a natureza.
Só será completamente útil êsse seu papel,
se dêsses factos extrair as lições justas, esfor­
çando-se por que a criança compreenda e apre­
cie o valor dos seus actos.
De\le explicar o porquê e o como, porque
não de\le ignorar que as j o\lens inteligências
só entendem razões palpá\leis e visíveis. Fará
lições de coisas; Colherá no seu zêlo mil artes
encantadoras, oferecendo-lhe muitos apólogos,
histórias apropriadas à sua mentalidade ingé­
nua, e por meio das quais as noções dispersas
se fixarão na memória.
Caso tenha de castigar, não de\le esque­
cer-se de que a repreensão de\le ser propor­
cionada à falta, de maneira que dela pareça
a sua necessária e inevitá\lel conseqüência.
O castigo, embora le\le, nunca de\le ferir
quem ignora a razão dêle. Se fôr tarde demais�
ou sem a-propósito, é quási irremediàvelmente
perdido. Sendo lógico e bem pensado, fica uma
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PRIMEIRAS NOÇÕES DO ESI'ÔRÇO 69

c onseqüência natural, constituindo um verda­


deiro remédio aplicado ao m al e no momento
preciso.
Portanto, a criança deve realizar a sua expe­
riência, dada, sem desvirtuação do raciocínio,
pela Escola da Natureza.
O seu progresso intelectual será beneficiado
pelas coisas sem inteligência. Dêsse c o ntacto
com inevitáveis elementos, dêsses atritos com
obstáculos que não devemos l adear, mas trans­
por, tirará ela uma disciplina, uma rigorosa
aptidão para se defender, uma coragem armada
para vencer.
Dessa primeira época da sua existência,
sairá ela mais robusta, porque, munida de
todos os conhecimentos para o futuro, e, sem
temer a sua inexperiência ou vacilar por fra­
queza, caminhará através de novos perigos,
fazendo a grande espinhosa viagem da vida.

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CAP ÍTULO I I l

Os brinq uedos e as preguntas da criança

A imprensa divulgou há pouco uma bela


lição dada pela rainha da Itália.
Um dia foram visitá-l a a o palácio real duas
princesas. Tiveram que esperar tempos esque­
cidos no gabinete particular da rainha.
Decorrida mais de uma hora, as ilustres
visitantes torturavam-se a querer adivinhar
qual a razão, quais as grandes ocupações,
que podiam motivar tanta demora.
As rainhas sofrem múltiplas obrigações e,
dentro das suas aparências tão amáveis como
cativantes, compartilham os espinhos e cansei­
ras do poder.
Finalmente, a soberana apareceu, sorri­
dente, de fisionomia animada. Cumprimentou
as v isitantes e logo disse com gravidade :
- Queiram desculpar-me por as ter feito
esperar tanto. Mas é a hora em que brinco
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72 0 LiVRO DA EDUCADORA

com os meus filhos, e é um dever ao qual


nunca falto.
Graças a Deus, há mãis que, sem serem
rainhas, também compreendem êsse dever,
cumprindo-o com fidelidade escrupulosa.
Desprezaríamos uma das primeiras obriga­
ções da maternidade, se não nos referíssemos
àquela forma graciosa, útil e profícua, da edu­
cação. Dignas de lástima são as crianças que
não têm essa selecta companhia nos brinque­
dos e diversões ; e por isso multo dignas de
censura são as m ãis que se esquecem de tão
necessária tarefa.
O brinquedo, para a criança, é uma concen­
tração forçada do organismo, uma movimenta­
ção da sua actividade, e é também uma das
melhores ocasiões para desenvolver livremente
a expansão da sua inteligência.
Nada mais gracioso do que o fazer-se a
mãi pequena com os seus queridos filhos, dei­
xando, por momentos, para brincar com as
crianças, os cuidados domésticos, pondo de
parte o ar grave imposto pelos seus múltiplos
deveres.
Isso não é perder tempo, nem esbanjar ho­
ras que com m ai s utilidade poderiam ser em­
pregadas em menos frívolas tarefas. Nunca
terá consigo mais de-veras o seu filho e tão
sujeito à sua influência.

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ÜS BR.INQUEDOS E AS PR.EOUNTAS DA CR.IANÇA 75

Sàzinho, de-pressa se aborrece. Deixam-no


Indiferente os m a is lindos brinquedos.
A m enina, depois de ter festejado a boneca,
e o pequenito, depois de ter pôsto em linha os
seus soldados de papelão, precisam de comuni­
car as suas impressões a alguém, de encontrar
em fisionomias conhecidas o reflexo da sua
própria alegria, de ouvir o eco das suas risa­
das, de exteriorizar emfirn as suas impressões.
Nessa tarefa é primacial a mãi.
O prazer que torna nesses folguedos reforça
a alegria do atento espírito do seu companh ei­
rinho. Ernquanto êle se diverte, ela observa e
faz descobertas encantadoras.
Patentei am-se aptidões, novos raciocínios.
Ela própria fica surpreendida por notar no
filho riquezas que não imaginava.
E, afinal, neste exercício aparentemente
pueril, dep�:�rarn-se-lhe inúmeras oportunidades
para a sua intervenção de educadora, podendo,
a propósito de qualquer coisa, ensinar a ener­
gia, a obediência, a útil iniciativa, a paciência,
a tenacidade.
Bem compreendido, o brinquedo é, na essên­
cia, uma lição da vida.
Reclamando o desenvolvimento duma facul­
dade, o esfôrço, a prudência, a destreza cons­
tituem, como que em miniatura, um símbolo da
luta pela existência.

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74 0 LIVRO DA EDUCADORA

Esta verdade é confirmada pelo caloroso


ardor das crianças nos brinquedos, pelas suas
iras a qualquer obstáculo, pelo orgulho que
caracteriza a sua alegria, quando vencem difi­
culdades.
As mãis devem inscrever no seu programa
diário êste artigo, por demais menosprezado
geralmente, e que, contudo, faz parte integral
dos seus deveres.
É um verdadeiro princípio, mas pôsto de
parte como tantos outros, considerados como
acessórios, senão como arcaicos, gastos, fora
da moda, só toleráveis com os costumes sim­
plórios doutros tempos, costumes incompatíveis
com as exigências hodiernas.
E, afinal, o homem é sempre o mesmo. Não
lhe mudarão a natureza as convenções sociais.
O que era bom ontem, é-o hoje e sê-lo-á
amanhã.
Contudo, há ainda famílias que respeitam
as tradições, colhendo disso os mais belos re­
sultados.
Não faltam ainda as m ãis que põem de parte
as visitas inúteis, as ocupações frívolas, consa­
grando o melhor do seu tempo aos seus queri­
dos e pequenos amiguinhos, a quem elas tanto
devem, consagrando-lhes as suas primeiras
atenções e solicitudes.
Não mandam brincar os filhos com pessoas

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ÜS B IUNQUEDOS E AS PREOUNTAS DA CRIANÇA 75

estranhas, ou, pelo m enos, são se livram dêles,


abusando daquele meio excesshlamente có­
modo, porque é perfeitamente egoísta.
Sabem muito bem que as j ovens inteligên­
cias dos seus pequeninos sentem uma invencí­
vel n ecessidade de aprender e que o seu espí­
rito ávido de conhecimentos, faminto de noções,
recebe tudo que lhe dão.
Assim, por forma alguma consentem que
aquelas almas, às quais deram, com tanto es­
fôrço, a primeira formação, percam num dia o
que tanto custou a edificar.
Daí por diante abundam na criança as de­
gradações.
já não é só a sua vida sensitiva a expan­
dir-se, tentando penetrar os m istérios do am­
biente. Todo o espírito da criança está alerta.
Tortura-o a necessidade de saber. As pre­
guntas afluem-lhe tumultuosamente aos lábios.
E, até certo ponto, das respostas que lhe
derem é que hão-de depender a sua formação
Intelectual, o seu património moral, talvez até
a sua felicidade ou a sua desgraça do porvir.

§ 2.0

Podíamos definir assim a criança: um ser


que faz preguntas.
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76 0 LIVR.O DA EDUCADOR.A

Logo que tem consciência de que existe, os


seus actos visam a resolver problemas, a levan­
tar o véu que oculta o mistério da vida.
As suas mãos, desastradas e impacientes,
como que fazem interrogações aos objectos fa­
mil iares, preguntando-lhes, muda mas impe­
riosamente, qual é o segrêdo da sua forma
e da sua natureza.
Os seus olhares intrigados, constantemente
m ovediços e fasci nados pelas côres múltiplas,
detêm-se, curiosos, observadores, inquietos,
sôbre os reflexos cambi antes que lhes ferem
as retinas, empolgando-lhes a atenção.
A criança é atraída e empolgada por tudo
que em volta dela se move. Conhece que deve
saber e, por isso, irrita-se e revolta-se, de es­
pírito impaciente, contra vagares e incertezas.
É já a fome e a sêde da verdade.
Mas êste instinto dos primei ros anos é muito
c oarctado pela sonolência do espírito.
O desejo de aprender circunscreve-se aca­
nhadamente n a vida sensitiva. Os esforços são
vacilantes, efémeros, incompletos, porque os não
apoia ainda a razão, que lhes daria o impulso.
Contudo, não tarda que o espírito reclame
os seus direitos, e às vezes de súbito quando
menos o esperam .
Patenteiam-se lacunas. Destacam-se os obs­
táculos que é preciso vencer.

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ÜS BRINQUEDOS E AS PREOUNTAS DA CRIANÇA 77

A ignorância dilacera o cérebro, oprime-o,


abafa-o como um pêso intolerável que é preciso
alijar.
A criança chega emfim a possuir a lingua­
gem, o melhor instrumento da sua instrução.
Fala, pedindo a cada m omento, e a todos
com quem convive, e que são m ais ricos do
que ela, a esmola do espírito, o pão quotidiano
da sua faminta e infantil inteligência.
Ora ninguém, como a mãi, no cumprimento
dos seus deveres de educadora, lhe pode dar
êsse pão, necessidade que nenhum braço ou
antes coração é capaz de satisfazer como ela,
que deu a vida ao seu filho.
Se lhe deu a vida, � não é natural e até ne­
cessário que prossiga na sua tarefa de ama,
não permitindo que outrem tenha o cuidado de
escolher, preparar e servir aquele misterioso
elemento que o filho reclama ?
i D e que grande alegria se privam, e como
desprezam um dos seus deveres mais sagrados,
as mulheres que perdem a paciência, ou não
respondem, quando seus filhinhos lhes fazem
preguntas !
Não faltam mãis para quem essas múltiplas
preguntas, às vezes extravagantes, mas também
por vezes dignas de ponderação, não passam
de ridículos caprichos ou de frívolas fantasias
que é ocioso atender. E por isso respondem-lhes
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78 0 LiVR.O DA EDUCADOR.A

com palavras enfadadas, com fórmulas sêcas,


ou embusteiras, que desorientam o espírito
simples das crianças, privando-as do entusiasmo
de saber, exterminando nelas os gérmenes dos
imperiosos desejos da ciência prática e da
v erdade.
- Dei.ra-me ! Que enfadonho ! Não sei! Isso
não é para . ti f - Estas e outras frases seme­
lhantes deviam ser expungidas dos vocabu­
lários das educadoras, porque não têm o
direito de não saber, nem de se aborrecer
com preguntas, ou de responder com astúcias ,
e às vezes deslealdade, às preguntas dos seus
filhos.
Não é essa a missão das mãis educadoras.
As que cumprem todos os seus deveres
compreendem perfeitamente a necessidade
d aquelas preguntas, que nem as enfastiam,
nem as torturam, nem as fatigam.
Para essas, tôdas as preguntas dos seus
filhos têm um sabor de novidade, uma frescura
de ingenuidade, um perfume de candura e de
deliciosa ignorância que não só faz sorrir, como,
bastantes vezes, extasia e arrebata, enterneci�
damente.
Essas preguntas são como que o primeiro
grito da alma que desabrocha, o murmúrio do seu
espanto, a explosão da sua ingênua inocência,
os palpos do seu espírito à procura de luz.

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ÜS BRINQUEDOS E AS PR.EGUNTAS DA CRIANÇA i9

São preciosas, tocantes, sinceras, revela­


doras duma Inteira vida moral que pretende
desabrochar.

* *

Será fácil ouvirmos a muitas mãis, aliás


convictas do papel a desempenhar e cheias
de vontade de o cumprir, a obj ecção de que
muitas vezes é difícil o exercício daquela de­
licada arte, e de que das bonitas teorias à
realidade prática há uma infinita distância.
Mas dá-se isso, afinal, com tôdas as suas
obrigações. Custam e, até às vezes, fatigam.
Mas é o sagrado apanágio da maternidade.
Ninguém surge educador de súbito. Educar os
filhos é uma ciência de razão, de coração, de
e:rperiência, as três luzes que devem guiar as
mãis quando os filhos já falam e, portanto,
preguntam.
As mãis educadoras começam por adivi­
nhar o sentido das respostas que é preciso
dar. Inteligentes e capazes de escolher o que é
mais conveniente aos curiosos espíritos que as
assaltam com preguntas, sabem que tôda a
resposta deve ser uma e:rplicação, um desen­
voluimento claro e preciso, uma luz projectada
s ôbre um ponto obscuro.

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80 0 LIVRO DA EDUCADORA

Portanto, responder à criança não é s ó


afirmar o u negar, dizer u m sim o u u m não,
que resolvem tudo, sem nada provarem. Res­
ponder é dar a razão das coisas, desenvolven­
do-as na sua extensão, como no-lo diz o termo
l atino explicare, que significa desenvolver em
tôda a largura.
Ocioso é _ notar que as crianças por forma
alguma exigem altas considerações filosóficas.
O que elas querem é respostas rápidas
e curtas que satisfaçam o seu espírito, dando­
-lhes uma noção bastante clara, que a vejam
no seu aspecto geral, e bastante leve para
nunca sobrecarregar a memória e o raciocínio.
Mas é indispensável satisfazer sempre o seu
desejo de conhecer, não deixar nenhuma obs­
curidade no seu cerebrozinho, para o iluminar
bastante, a-fim-de que êle veja e, depois, apro­
veite o que viu.
De-pressa as jóvens mãis se hão-de habi­
tuar a êsse exercício que a princípio lhes há-de
parecer difícil e pouco auspicioso.
E essa forma de ensino dar- lhes-á surprê­
sas deliciosas.
O esfôrço tentado para derramar luz naque­
las almas que lha solicitam, há-de ser recom­
pensado docemente pela alegria de ver os ros­
tozinhos animados, os olhos mais brilhantes,
os seus filhinhos cheios de vida e frémitos

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ÜS BR.INQU.I!DOS I! AS PR..I!OUNTAS DA CRIANÇA 81

novos, por triunfarem, por ter transposto, de­


vido a ela, um dos estorvo s do seu caminho.
É, aliás, possível que a resposta não seja
colhida e compreendida.
A criança tornará a fazer a mesma per­
lo!Unta, cedo ou tarde, porque é conscienciosa,
e não quer deixar no seu caminho nada que
desconheça ou que não fique no seu Jogar.
Os porquês e cornos surgirão. E, nêsse
momento, a educadora inteligente tentará res­
ponder melhor, encontrar uma resposta mais
perfeita, que desfaça os últimos véus duma
treva impertinente.

* *

Supérfluo é notarmos que a educadora deve


ser incondicionalmente sincera, praticando até
ao escrúpulo o respeito da \lerdade.
É sempre um êrro mentir, ainda que seja
para se livrar duma pregunta embaraçosa :
mas, tratando-se duma criança, mentir assume
as proporções duma deplorável injustiça.
A criança tem direito à \lerdade, e por isso
a reclama e a espera.
Uma resposta da sua mãi é para ela um ar­
tigo de fé. Gra\la-a na memória, e dessa res­
posta há-de viver mais tarde, e, ao acudir-lhe
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82 0 LIVR.O DA EDUCADORA

à mente, pensará : - Isto é assim, porque foi


minha mãi quem mo afirmou.
i Que desastre, pois, se a sua experiência
pessoal lhe demonstrasse ter sido vítima dum
embuste !
Até como gracejo é indesculpável a mentira,
porque fere tanto a dignidade da educadora
como o interêsse da criança, tendo, afinal, a
mãi necessidade de tôda a i ncontestada auto­
ridade, do prestígio da sua autoridade moral.
A criança exige noções justas - nem fal­
seadas, nem deformadas, que m ais tarde não
tenha de modificar ou destruir.
A primeira impressão é a mais duradoira,
e por isso a criança deve adquiri·la a tôda a
luz e conforme à razão lfmpida.
O êrro semeado em germe lança profundas
raízes. E de-pressa demais vem de por si
mesmo o mal, para que nos seja lícito , fazer
uso dêle.
Não deve a educadora esquecer que tôdas
as suas palavras, até as que mais insignifican­
tes lhe parecem, são gravadas com fé, guarda­
das com fidel idade.
Enganar o seu filho é desprezar-lhe a alma,
é desvirtuar os poderes íntimos- da sua cons­
ciência.
E afinal, com um pouco de astúcia, é sem­
pre fácil ladear uma pregunta difícil, respon-
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ÜS BRINQUEDOS E AS PREOUNT AS DA CRIANÇA 85

dendo na generalidade e satisfazendo o pre­


guntador, sem se ferir a verdade.
Neste ponto, abundam os pais excessiva­
mente faltos de e scrúpulo. Desculpam-se com
o facto de os filhos lhes fazerem preguntas in­
convenientes, chegando a curiosidade, às vezes,
a ati ngir a indiscrição.
Ao dizermos há pouco que a mãl. deve res­
ponder sempre às preguntas do seu filho, não
pretendemos afirmar que não há excepção a
tal regra.
A necessidade de saber pode degenerar na
criança em mania. Se caíram no êrro de ami­
mar demais o seu filho, desde os primeiros
dias da infância, êle, nisso, como em tudo,
há·de ser importuno, insuportável, despótico.
Com certeza, quererá conhecer mil porme­
nores que não pode entender, e intrometer-se-á
no que lhe não diz respeito. E nêsse caso as
suas preguntas nunca m erecem resposta, e
deve invectlvar-se-lhe com severidade a incon­
veniência do seu procedimento.
Mas a mãl não deve guiar-se nisso, como
em coisa alguma, pelo capricho.
Uma educadora sensata tanto tira partido
dos defeitos como das qualidades. Explicando
ao Indiscreto porque é que se não pode satis­
,fazer-lhe a curiosidade, já êle tira partido da
Indiscrição.

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84 0 LiVR.O DA I!DUCADOR.A

Mas é então oportuno que o coração inter­


venha. A ternura tudo fará, quando a razão
infall\lelmente reconhece a sua nulidade.
A criança que recalcitra a uma razão ditada
pela lógica, cede sempre aos motivos senti­
mentais. O que não faz por obediência ao prin­
cípio da autoridade fá-lo pelo amor àquela cuja
ternura reconhece.

Nem sempre é fácil responder a tôdas as


preguntas.
Inconscientemente, arma a criança verda­
deiros� laços às pessoas que interroga.
Colhe à esquerda e à direita, volta com
i mpaciência as páginas da vida, segue a Im­
pressão de momento e recebe · o impulso das
ideas que confusamente lhe surgem na imagi­
nação, e provenientes de diversas, das mais
extravagantes e imprevistas circunstâncias.
É, pois, por isso mesmo, natural que muitas
mãis de-pressa desalentem; considerando-se
incapazes de tôda a competência para a sua
tarefa. A cada passo, estão sujeitas a sofrer
um exame do qual nem sempre· saem vantajo­
samente.
Muitas alegres anedotas se contam a pro­
pósito da confusão de pais que ficam de bôca

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ÜS BR.INQUI!DOS E AS PR.fOUNTAS DA CR.IANÇA 85

aberta, humilhados e perturbados, a certas


preguntas dos filhos, e, para cúmulo, calados,
a cismar, sem poderem replicar.
É uma situação que se tornou lendária.
Exposta humoristicamente, dá um bom recheio
de chalaças às farças jo\liais, aos almanaques,
às crónicas primorosas.
A-pesar-de isso, parece-nos que há coisa
muito m elhor do que ridiculizar essa situação,
aliás exagerada, segundo a imaginação do hu­
morista.
A mãi solícita dificilmente é embaraçada
pelas inesperadas preguntas do seu filho.
Educadora \lerdadeira, isto é, possuindo a
alma do educando, conhecendo-lhe, por as ter
estudado, as suas tendências íntimas, o tempe­
ramento moral e as aspirações, tem melhor
processo para \lencer do que o furtar-se às
necessidades que surgem.
Com a sua delicada consciência e a sua
experiência, sabe que representa o germe dum
érro, tôda a pregunta repelida, que fica sem
resposta.
Porque impõem-se duas alternati\las : ou
quem interroga, \lendo-se constantemente desa­
tendido, acaba por desistir de preguntar m ais,
e nesse caso perde o ben�fício das respostas
solicitadas, ou, criado no espírito, pela \lon­
tade de saber, um \lácuo que há-de ser preen-
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86 0 LIVRO DA EDUCADORA

chido, fantasiará por sua conta e risco noções


falsas, nocivas à rectidão do seu raciocínio.
l Mas será tão difícil para a educadora ha­
bilitar-se até poder dar aos seus disclpulozi­
nhos o bem da inteligência que reclamam ?
l E não deveríamos chamar com mais justiça
desleixo e preguiça ao que, com demasiada fa­
cilidade, classificam de ignorância para res­
ponde r ?
S e a criança, para conhecer, tem que tra­
balhar, se é lógico exigir-lhe um esfôrço pe­
noso que deve produzir o êxito remunerador,
l não será justo que a mãi colabore naquele
trabalho e naquele esfôrço ?
Portanto, a mãi deve Instruir-se para saber
instruir. Apanhada desprevenidamente por uma
pregunta a que, no momento, não saiba res­
ponder, deve estudar de per si a melhor res­
posta, caprichando em formulá-la com utilidade
e proveito.
Inclinada sôbre uma alma que desperta,
deve ter o constante cuidado de lhe mostrar o
que é real e em tôda a sua integridade - não
inatingíveis fantasmas, nem frívolas fantasias
- péssima moeda com que é costume pagar à
curiosidade dos espíritos lngénuos que se
preocupam com o aumento do seu quinhão
nos conhecimentos humanos.

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ÜS BRINQUEDOS E AS PREOUNTAS DA CRIANÇA 87

* *

E, contudo, é nossa opinião que uma res­


posta, por mais sincera e \lerídica que seja,
não é s empre suficiente para dar aos espíritos
das crianças a completa soma das noções a
que têm direito.
Seria temerário, de-certo, pretender que a
criança tem sempre a idade correspondente à
importância das preguntas por ela feitas, e
que, portanto, deve compreender tôdas as
respostas explicadoras.
Na primeira infância, sente necessidades
físicas. i Seria de aconselhar, por exemplo,
que devemos satisfazer-lhe a fome seja com
que alimento fôr ? Cumpre usar dum processo
completo de dosagem e de assimilação, duma
adaptação intelectual em que devem cooperar
as suas próprias faculdades.
Deve, pois, evitar-se o dar uma resposta
sêca, descolorida, insípida.
A verdade, talvez um pouco rude para que
a receba um cérebro ainda débil, deve ser
envolvida no lindo vestido de que fala uma
graciosa comparação, e coberta dos mil enfei­
tes que hão-de dar aparências de vida.
Multipli cando os exemplos, dando lições
de coisas, alimentam-se as almas infantis, sem
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88 0 LIVRO DA EDUCADORA

elas terem excessiva dificuldade na ingestão e


ficando aptas para não repelirem no futuro o
m esmo alimento.
São dignas nêste ponto de ser imitadas as
boas amas que cantam e fazem rir os bébés,
quando desempenham a grave tarefa de lhes
darem a sôpa.
Devem, pois, as m ãis ser, no nosso caso,
ainda as amas, sempre alegres nos seus traba­
lhos, iluminadas pela solicitude, suavizada pela
doce presença do amor maternal.
Vejo franzir a muitas m ãis os sobrolhos e
até algumas v ezes, noto grandes tendências
para ralhar, quando o infatigável preguntador­
zinho faz preguntas embaraçosas, delicadas,
que terá tempo de ver respondidas, e - que
actualmente não dizem respeito ao seu espí­
rito . . .
É natural que tais preguntas Irritem . Não
deixa de ser digno de uma surra o pequenino,
mas de-certo, nêstes casos mais até do que
noutros, êle procede de boa fé. É que o con­
tenta seguir o i mpulso irresistível da sua curio­
sidade. Foi impertinente com candura, e assom­
brar-se-ia se visse a mãi escandalizada, já que
da parte dêle não h ouve m alfcia.
Mas pertence à mãi ladear a dificuldade,
evitando com h abilidade o obstáculo.
Como ?
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Qs BRINQUEDOS E AS PREOUNTAS DA CRIANÇA 89

Não mostrando nem surprêsa nem indig­


nação.
Uma palavra impaciente ou indignada in­
�rigá-la-ia sem a satisfazer, e brotar-lhe-ia no
espírito uma dúvida estéril que ficaria a tortu­
rá-la, a persegui-la com a tenacidade dos pro­
blemas complexos e ainda sem solução.
Não deve dizer brutalmente à criança :
Isso não é para crianças ! Ou : - Isso mais
tarde o saberás !
Nada dêsses adiamentos enormes convém
impor, porque se radicaria no cérebro da
criança um porquê ? torturante, a exigir cons­
tantemente uma perigosa solução.
É preferível, sim, afastar a pregunta sem
mentir, aproveitando a menor oportunidade
para interessar o preguntador por outra coisa ,
atraindo-lhe assim a curiosidade para menos
árduo assunto.
Com pouco se contenta a criança. É como
uma mariposa.
A sua imaginação volúvel é formada de
ideas, esquecendo uma para sugar noutra,
sempre satisfeita com o mel colhido.
Cumpre dirigir o irrequieto instinto- da sua
alma, o vôo investigador da sua inteligência.
Importa muito nunca lhe prolongar baldada­
mente o esfôrço e antes dar-lhe, Vá para onde
fôr, um apoio firme.
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90 0 LIVRO DA EDUCADORA

Dê-se trabalho a êsse espirito interrogador,


espaço às suas asas, mas também ramo de
árvore em que poise.
S.- Francisco de Sales criou uma imagem
deliciosa para salientar a necessidade de ocu­
parmos os espíritos infantis tão cheios de tur­
bilhões de ideas. Compara-os a um moinh o
que gira doidamente.
Diz o Santo :
c Emquanto houver um grão para moer, cai
só a boa farinha. Mas, quando a mó se mover
no vácuo, a velocidade escalda o maqui n ismo,
e a casa queima-se.•
Sejam as mãis educadoras como que boas
moleiras, devendo-se aos seus cuidados a cons­
tante presença do bom grão no seu belo moinho.

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CAPfTU LO IV

Desenhar - Escrever - Ler

Na sua infatigável actividade, a criança varia


constantemente as suas ocupações, obedecendo
a impulsos cujas leis podemos desconhecer,
mas que seria temerário classificar sempre de
caprichos . . .
Quando abandonou, se não quebrou, os
seus brinquedos, quando atirou para um canto
com o boneco ou com a boneca, estripou o seu
cavalo ou decapitou os seus soldados de pape­
lão, é porque procura outras ocupações .
Entre todos os seus bonitos, um h á pelo
qua l manifesta a sua maior solicitude, um cui­
dado particular. A sua mania de destruir que,
na essência, é a necessidade de saber - con­
tém-se, quási sempre, diante da sua caixa de
lapis de côr.
A ela dedica tôda a sua atenção e venera­
ção. É raro abandoná-la às contigências da
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92 0 LIVRO DA EDUCADORA

desordem. Tem por aqueles frágeis objectos,


que empolga como se fôssem armas de defesa,
o respeito dum operário pela ferramenta, ins­
trumento do seu trabalho.
Para as crianças, os brinquedos são mais
do que um meio : são um fim.
Representam-lhe vagamente os sêres vivos
que as rodeiam. A criança interroga a imagem,
porque a curi osidade impele- a a achar nela o
símbolo da realidade.
Os lápis, pelo contrário, proporcionam-lhe
um meio de exteriorizar o seu pensamento, de
exprimir em traços visíveis as ideas que lhe
atormentam a alma.
É um quadro digno de atenção e até, por
vezes, de admiração das mãis, o de se ver a
criança sentada com tôda a gravidade na sua
cadeira alta, de lápis na mão, a fazer garatujas
no papel.
É na hora mais sossegada do dia.
D e cabeça inclinada, com os dedos crispa­
dos pelo empolgamento febril do seu instru­
mento, segue com os olhos atentos as linhas
fantástica$ que vai traçando, falando quási
sempre como que a ajudar o esfôrço de todo
o seu ser, e assim desenha.
Artista pouco para escrúpulos. O seu talento
não liga importância às regras opressivas que
limitam e dirigem a imaginação e a inspiração.

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DESENHAR. - ESCR.EVER. - LER. 95

No seu trabalho, o cuidado absorvente que


\laloriza tôda a sua actividade cerebral à pro­
cura dum fim, é fazer bonecos. E lá o \lemos a
garatujar febrilmente figuras, braços, pernas,
casas, árvores.
No papel há impressões de tudo que a
criança tem visto.
Copia a natureza, depois de a ter interro­
gado. É o modo que tem de provar que colheu
Impressões, cuj o aglomerado \lai desfiando com
a actividade das mãos, que traduzem o trabalho
do seu espírito e as sensações impacientes da
sua alma.
É bom deixá-lo na sua tarefa. Não é inútil
aquele estrago de papel.
A criança está reflectlndo, comparando,
interrogando, examinando.
Aquelas linhas extravagantes, aqueles capri­
chosos hieroglifos emanam do seu pensamento,
frementes como êle. Constituem uma linguagem
muda, que os outros não entendem, mas que
êle percebe e compreende.
Os povos primitivos, os dos primeiros tem­
pos da Humanidade, nada mais fizeram.
É a regra da Natureza, o instinto da lingua­
gem escrita que ensina os h omens a criar meios
capazes de traduzir impressões ou sentimentos,
transmitindo-os ao meio social . Muitos antigos
monumentos têm o cunho ainda dessa neces -
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94 0 LlV�O DA EDUCADO�A

sidade; a prova concreta daquela tendência.


E, a-pesar-dos progressos da civilização, tôda
a cri atura, ao nascer, traz consigo essa neces­
sidade primitiva, êsse imperioso gôsto de fil(ar,
duma maneira v isível, as mil formas do seu
pensamento.
Numa palavra : a escrita é rigorosamente a
aplicação do desenho. A criança, ao aprender
os rudimentos caligráficos, desenha mais do
que escreve.
Ainda que ignore os sinais convencionais,
animadores, por assim dizer, do sentido que
exprimem, a ·criança manifesta sempre a grande
ânsia de traduzir, como sabe e pode, as impres­
sões do seu espírito.
E não julguem isso ilusões pueris.
Como já o observám os, nada é desperdiçado
nêsse pequenino ser que cresce intelectual e
moralmente.
Nisso, como em tudo, a mãi inteligente deve
saber aproveitar, com cuidado, as aptidões
nascentes, fazendo-as frutificar à sua vista,
auxiliando-as com o seu zêlo atento e pa­
ciente.
Para isso, logo que seja revelado aquele
confuso desejo do seu filho - desejo de que êle
não avalia nem a importância, nem as conse­
qüências precisas e fecundas - deve orien­
tá-lo.

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DESENHA� - ESC�EVf� - Le� 95

Com o ?
Disciplinando aqueles dedinhos, dirigindo
aquela mão por modelos clássicos.
Deve a mãl dar seriedade e solenidade a
essas primeiras tições, em que o pequenito,
armado de lápis ou de pena, fizer seus rabis­
cos, traços uniformes, pobres traços que a
princípio difici lmente serão direitos e iguais.
O pequenito chamará ao papel que enche
de riscos a sua escrita.
A mãl não deve contradizê-lo. Deve tratá-lo
como a um homem, com tanta deferência como
se êle tivesse concluído uma grande obra
intelectual.
Assim lhe recompensareis a aplicação no
traçado das linhas incorretas com muito m aior
alegria dêle talvez do que, tempos depois, ao
felicitá-lo pelos seus progressos.
E, assim, a criança se afeiçoará à sua apren­
dizagem, continuando sempre a mãi a guiar-lhe
a mão inexperiente. À s linhas rectas sucede­
rão as curvas. A estas, as figuras resultantes
da união de curvas e rectas.
O p e q u e n in o terá orgulho de seu ta­
lento.
Falará já em escrever grandes cartas às
pessoas da famflia e aos amigos, e a mãi, sem
dúvida, será encarregada a cada passo de man­
dar para o correio essa correspondência . . .
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96 0 LIVRO DA EDUCADORA

que afinal, nada terá a temer das lendárias


curiosidades do gabinete negro.
Bébe encheu de linhas incoerentes muitos
cadernos que sua boa mãi conserva, porque
naquelas páginas, que o vulgo achará insigni­
ficantes, encontra êle mais tarde o padrão dum
primeiro esfôrço, como que o mudo balbucia­
mento - tão precioso para os corações mater­
nais - da inteligência do seu filho, inteligên­
cia cujas manifestações ela guardou com tanta
devoção como a que fixa na sua m emória as
palavras da algaravia do mesmo ser que­
rido.
Bébé tem agora exercício de escrita.
É oportuno oferecer-lhe à pena impaciente
modelos de letras para desenhar.
Pretende êle saber o nome de cada coisa.
Convém, pois, ensinar-lhe agora o nome dêsses
misteriosos sinais que, para êle, designados
assim, acusam uma personalidade como o seu
soldado de chumbo ou a sua boneca. E os seus
dedos escreverão, pouco depois, sílabas, e
emfim palavras que irá pronunciando ao mesmo
tempo que as fôr escrevendo.
Dêstes freqUentes exercícios, orientados
com bom-senso, levíssimos a princípio, para
não se fatigar esterilmente a sua atenção, é
que há-de derivar a crescente aptidão para
soletrar, dando às sílabas o seu valor fonético.
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DESENHA� - Esc�EVE� - LER 97

E não tardará que, embora à custa de tempo


e de tenacidade, a criança saiba ler e escre­
�er ao mesmo tempo.
� E qual será a mãi que não sinta uma
grande alegria com essa primeira vitória ?
Contudo, tão belo resultado não poderá ser
obtido sem inúmeros esforços e múltiplas de­
cepções.
Mas, n isso como em tudo, a educadora sua­
vizará essa parte da educação por processos
persuasivos.
Há em tôdas as crianças um elemento que
nem sempre lhes ·sabem valorizar : o amor
próprio.
Convém ensinar-lhe a utilidade de saber
ler e escrever, e quanto cumpre não ser igno­
rante. É bom fazer-lhe amar o trabalho, traba­
lhando com o pequenino trabalhador.
Mas, acima de tudo, é preciso não esque­
cer que o pior inimigo do estudo é a sobre­
carga.
Não devemos precipitar n ada a evolução
dum cérebro. O estudo é uma gimnástlca in­
dispensável ao desenvolvimento Intelectual,
mas, sob pretexto nenhum, se deve tornar uma
fadiga.
Abundam as educadoras exageradamente
ansiosas por converterem seus filhos em sábios,
por os precipitarem, num irreflectido impulso,
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98 0 LlVR.O DA EDUCADOR.A

na vida, para atingirem, o mais de-pressa pos­


sível, a ciência.
As mãis, atingidas por essa vertiginosa
m ania, deveriam ponderar a seguinte máxima :
c O tempo só conserva as obras em que êle
colaborou.»
E o dr. Nelaton, cirurgião notável, exprimia
originalmente a mesma idea, quando, numa
operação difícil, exigente de tanta prontidão
como decisão, dizia :
c Nada de pressas . . . porque não há tempo

a perder. •

A mãi, vtgiando os progressos i ntelectuais


do seu jovem discípulo, nunca deve, contudo,
esquecer as condições físicas, concurso que é
necessário para um trabalho que, como êste,
nteressa as funções do organismo.
Tem havido muitas discussões sôbre a ma­
neira de escrever e sôbre as conseqüências
que para o desenvolvimento dos centros ner­
v osos traz uma posição mal pensada. ·"

Isto pertence à higiene. E merece tôda a


atenção, porque, segundo opinam os m édicos,
o trabalho escolar fatiga o corpo, deforma
muito a coluna vertebral e pode até influir fu·
nestamente no j ôgo das articulações.
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DEsENHAR. - ESCR.EVE� - LER. 99

Há multo que os sábios eminentes procla­


mam êsse perigo, verificando, segundo as mais
minuciosas experiências, taras constitucionais,
incuráveis deformações derivadas dum l amen­
tável menosprêzo de regras, demasiadamente
ignoradas.
No estudo do que pode remediar tão grande
mal, notou-se que a escrita inglésa é nitida­
mente um verdadeiro suplfcio para os corpos
das crianças, que, para a fazerem, são conde­
nadas a contorcer o busto, apoiando-se cons­
tantemente só sôbre um lado, contraindo o
cotovelo no lado direito do peito.
Nesta posição, o braço esquerdo alça-se
exageradamente, a coluna vertebral curva-se,
o tórax deforma-se pelo excessivo apoio na
m esa, e a cabeça, inclinada para a frente e
para a esquerda, impõe aos olhos o olhar oblí­
quo que tanto favorece a miopia.
Estes pormenores materiais têm uma grande
importância.
Os especialistas, os observadores, ficaram
aterrados com as inúmeras taras resultantes
dessa atitude defeituosa.
Os pais zelosos preferem a escrita direita,
tão bela, tão expressiva, e - l porque n ão dei­
xaremos esta nota, lisonjeira do amor patrió­
tico ? - tão francêsa. Escrita antiga, reflecte
um tanto o temperamento da raça e as suas

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100 0 LIVR.O DA EDUCADOR.A

qualidades principais : rectidão, elegância, cla­


reza e nobreza.
Os próprios poderes públicos reconhece­
ram, aliás, a utilidade de regressar a essa es­
crita, por demais esquecida.
O ensino da escrita direita está autorizado
oficialmente nas escolas, o que, porém, não
quer dizer que nelas seja praticado com regu­
laridade. Infelizmente, a rotina depressiva e
Indolente impera ainda, e imperará muito tempo,
nos templos dêsse ensino neutro que disfarça
a cada passo. a inércia dos seus métodos com
o fácil e benévolo rótulo do progresso moderno.
O snr. Desnoyers, professor de caligrafia, e
de acôrdo com o dr. Gagnére, médico inspec­
tor do Sena, definiu assim a posição do aluno
que escreve : - Conservar direitos o corpo e
a cabeça, as pernas aprumadas : os cotovelos
apoiados na mesa a igual distância do corpo
e o caderno inclinado.

* *

Não insistimos sôbre os melhores métodos


que as educadoras da primeira infância devem
empregar no ensino da leitura aos seus discí­
pulos. Ultrapassaríamos os limites que nos pro­
puzemos.

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DESENHAR - ESCREVER - LER 101

Sej a-nos, porém, concedido atrair as aten­


ções para a leitura em voz alta, maneira prá­
tica de corrigir os defeitos da pronúncia e infa­
l fvel processo para se observar que a criança
compreende o que lê.
É êste um método inteligente por excelên­
cia e um perfeito exercício do desenvolvimento
i ntelectual ; emfim, é uma i nstrução raciocinada,
tal como a deve adaptar e tentar dar.
E êsse processo será perfeito, se ela cuida­
dosamente escolher os livros que devem servir
para os primeiros exercícios do educando :
obras ilustradas, com a imagem exacta das
c oisas usuais e dos objectos mais familiares.
A l eitura, apresentada assim, tem um duplo
proveito. Beneficia ao mesmo tempo a inteli­
gência e os olhos. A sensível representação
das coisas imprime-se na imaginação, ao mesmo
tempo que o texto dá precisão ao sentido e
explica a natureza do assunto.
As m ãis cristãs devem também pensar que,
se, desde os primeiros anos dos filhos, é seu
dever aproveitar os livros para darem a pri­
m eira idea da ciência humana, nunca devem
e squecer a ciência das ciências, a religião,
p orque ela, m elhor que a ciênc1a, fará dos
·

seus filhos verdadeiros h omens.


Habituem desde muito cedo as criancinhas
a pronunciar os nomes augustos, as santas fór-

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1 02 0 LIV�O DA EDUCADO�A

mulas, as palavras que têm mais cunho da


eternidade.
Façam as mãis ler a seus filhos em livros
piedosos, muitas \lezes, para que, nos seus pri­
meiros impulsos para o saber humano, êste
seja dirigido, abençoado, santificado por essa
graça, que cai como um or\lalh o, e acal entado
pelas palavras que proclamam Deus e O fazem
conhecer melhor, ensinando-nos a amá-lO com
maior perfeição.

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CAPÍTULO V

A Educação Familiar

Diziam, certo dia, à senhora de Ségur algu­


mas das suas amigas :
- Agora já podes dedicar mais tempo às
tuas obrigações mundanas, porque te ficam
livres mais horas depois de terem assim cres­
cido os teus filhos.
Mas a eminente dama respondeu :
- Agora, menos do que nunca ! Agora é que
eu sou duas vezes mãi e é tão grande a minha
tarefa, que me causa mêdo.
Nenhuma mulher séria e compenetrada da
grandeza da sua m issão, tem, no melo dos
seus júbilos de m ãl, deixadó de sentir êsse
pavor devido às temíveis responsabilidades
que surgem. Cada ano que impele a criança
para a v ida, aumenta as suas angústias, rasga­
·lhe mais o infinito campo do dever. c Nos pri­
meiros anos, tudo é- encantador nesses anji-
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104 0 L!V�O DA EDUCADO�A

nhos : o seu primeiro sorriso e o seu primeiro


gorjeio. Tudo diverte, tudo agrada, até as suas
travessuras tão graciosas e as suas cóleras in­
fantis, que rebentam com a mesma facilidade
com que se apl acam ! Mas pouco depois, vejam !
Cresceu a criança. Com a rosa cresceu o es­
pinho. Já não tem o mesmo respeito. Já não
são sagradas para a criança as ordens da mãi.
À s \l ezes até, com ouvido atento, poderá per­
ceber-lhe alguma resposta impertinente. Não
tardam as más tendências a fortificarem. À s
caprichosas teimosias dos primeiros anos suce­
dem-se as imperiosas \lontades da adolescên­
cia.,
Assim, a grande dor da mãi é sentir que
lhe foge o filho, e que êle se esforça por se
lhe furtar ao carinhoso e protector constrangi­
mento dos seus braços.
Carece, pois, dum maior rigor, dum amor
mais forte e clarividente, duma 1Jigilância mais
eficaz, para conservar no caminho recto, no
caminho luminoso, os filhos Impelidos já pela
necessidade da independência e desenfreado
amor da liberdade para Incógnitas miragens.
Uma boa mãi definiu o papel educador da
mulher nos seguintes termos, que consubstan­
ciam um \lerdadeiro programa :
- c Não me limito a instrui-los : defendo-os.

A perseverança moral ! Mas é rigorosamente

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A EDUCAÇÃO fAMILIAR 105

essa a subl ime função da educadora, o pri­


meiro, senão o único, objecto do seu zêlo
atento, a obrigação por excelência que, menos­
prezada ou esquecida, causa tôdas as desgra­
ças, cujos remédios são procurados em vão
por cegos psicológos numa moral neutra, ridi­
culamente laica.
*

* *

Para que a mãi possa exercer utilmente a


a sua influência, e proteger com efi cácia o
filho contra os perigos que o ameaçam nos
primeiros passos na vida, é preciso que ela
sej a conscientemente o mandatário de Deus,
o anjo-da-guarda dos sêres que o Criador lhe
confiou :
Dizia monsenhor Dupanloup :
c Não é nos bancos das escolas que verda­

deiramente se formam os h omens. Não é nos


templos da ciência que se lhes ensin a o m a­
nej o da arma que os defende e também da­
quela com que m atam.
«É, sim, no santuário da família, de coração
para Deus, de mãos erguidas, de j oelhos sob a
vigilância das mãis que formam as suas almas
no amor divino e habituam os seus lábios às
orações».
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106 0 LlV�O DA EDUCADO�A

Mas por forma alguma se dá educação reli­


giosa, limitando-se o educador a ensinar às
crianças, a dizer automàticamente, fórmulas
correntes, pronunciadas de m anhã e à noite.
É necessário, sem dúvida, começar assim,
como primeira formação que se impõe. O es­
pectáculo é tocante. Não há ta i vez nenhum tão
belo como o de a mãi habituar os filhinhos a
balbuciar as primeiras saUdações das suas
almas ao Senhor da sua v ida.
Mas isso não é tudo. É preciso que, com
o desenvolvimento das faculdades, o pensa­
mento religioso, a idea cristã nelas progrida,
seguindo, ou antes, precedendo a sua ascen­
são, amparando-a com a sua fôrça, fortifican­
do-a v igorosamente, quando surgirem os pri­
meiros desalentos.
Um profeta apresentava êste problema difí­
cil e temível :
c l Qual será a fôrça capaz de rectificar o s

caminhos d a juventude ? :o
O mundo procura, há séculos, a resposta,
experimentando tudo. Antigamente, esmagava
a criança debaixo da tirania paterna, sem
limite e se in fiscalização.
Hoje, tenta o caminho oposto, emancipa
a criança, deixando-a única senhora do seu
destino.
Experimentando a ciência, dizem : ilustre-
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A EDUCAÇÃO PAMILIAR. 107

mos a mocidade, mostremos - lhe, sem n o s


preocuparmos c o m as fantasias d o misticismo
católico, o bom, o verdadeiro, o belo. Ponha­
mo-la em frente dos austeros encantos do
dever. E há um século que tais pedagogos
têm em seu poder a mocidade, mas tornan­
do-a enfêrma, cambaleante e viciosa na famflia
e na sociedade.
A Igreja e a mãi cristã respondem doutra
maneira :
c Para iluminar a j uventude há SÓ um facho :
a lei de Deus. Deus, apresentado à criança
desde o romper da sua razão i ncipiente ; Deus,
com a sua misteriosa grandeza, com a sua
bondade, com a sua ternura, com a sua fôrça
alentadora, com a sua piedade pelas fraquezas
humanas, com a sua misericórdia no reerguer
de todos que caem . . . Deus, lido pela criança
no livro da criação, que o olhar ávido do pe­
quenito interroga, porque o mistério dela lhe
inquieta a razão !
Por Isso, a mãi deve dirigir o olhar do seu
filhinho para o Crucificado que está suspenso
na parede, contando a sua história dolorosa e
adorada, ensinando-lhe a paixão dêsse Deus
redentor que sofreu e quis morrer pela salva­
ção da sua alma. Não deve hesitar em falar­
·lhes das prometidas venturas do paraíso e de
lhe patentear bem as visões sinistras do infern o.
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1 08 Ü LiVRO I DA EDUCADORA

Então, o filhinho saberá porque é que deve


ser virtuoso. Sê-lo-á, por amor de Deus. Sê-lo-á,
porque só assim pode agradar a Deus. O vício
que imolou Jesus-Cristo há-de inspirar-lhe o
h orror pelo mal. A virtude que nos dá o Céu
estimulará a sua vontade e, segundo a bela
frase de S. Paulo, então Cristo encarnar-se-d
naquela alma, a mãi, depois de lhe ter dado
apenas a vida terrena, dar-lhe-á, pela educa­
ção, fôrças para ganhar a vida do Céu.
Exclamava o padre Monsabré :
c lnfelizmente, abundam por demais as mãis
-
que deixam o s filhos numa ignorância quási
absoluta das coisas divinas, não despertando
nas almas dêles mais do que preocupações
mundanas, não lhes ensinando senão cuidados
terrenos ! •
*

* *

Partindo do princípio religioso - sólida base


do edifício a construir - terá a educadora faci·
Iitado a tarefa da formação moral. Tornar-se-á
a famíl ia o santuário das virtudes que ela pre­
tende fazer desabrochar. Cônscia do respeito
devido à infância, advertida pela sua fé cristã
dos perigos do ambiente, empregará todos os
seus cuidados em não apresentar senão os
bons e.remplos, afastando o filho de tôdas as
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A EDUCAÇÃO f'AMILIAR 1 09

companhias perigosas, formando-lhe um meio


propício ao progresso das suas qualidades
nascentes.
É, sem dúvida, inexplicável a aberração de
tantas senhoras, aparentemente mãis modela­
res, deixarem seus filhos à m ercê das funestas
Influências que freqUentemente dimanam de
elementos nocivos à família.
Muitos pais e mãis consentem que diante
de seus filhos haja conversas que ofendam os
ouvidos menos delica dos, e permitem que tudo
possam ver e ouvir, que sêres pequeninos e
melindrosos como flores, frágeis como canas,
estejam à mercê dos sopros de tôdas as imun­
dícies e dos m iasmas de todos os pântanos.
São inúmeras as famílias onde, sem a menor
reserva, se comentam os escândalos em voga,
as ocorrências criminosas, as notícias desho­
nestas . . . havendo, quando muito, nos porme­
nores mais crus, um baixar de voz ou umas
frases metafóricas a atenuar a nota realista,
quási sempre meias palavras que, excitando a
curiosidade, não afastam o perigo.
Verdadeira s criancinhas são habituadas às
reUniões mundanas onde se recebe seja quem
fôr, porque assim o impõem conveniências, usos
e lnterêsses ; pessoas evidentemente polidas,
meticulosas nas aparências e nas praxes, mas
que em sociedade não deixam de ser o que são

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1 10 0 LIVR.O DA EDUCADOR.A

no íntimo : l i bertinos, homens e mulheres sem


escrúpulos e, por vezes, cínicos. A sociedade
a rquivou como velharia o que vulgarmente
se chama preconceitos, aliás hábitos de dlgnl·
dade e prudência que os antigos denominavam
civilidade francesa.
E as crianças ·vêem e ouvem tudo isso,
espantam - se e, por vezes - pobres pequenitos !
- chegam a divertir-se com o mal ! E as mãls
m a l imaginam que estão à beira do perigo e
que no próprio instante em que, frívolas e
escravas do prazer, se entusiasmam com a
festa, está o seu filho a beber� em grandes
h austos, o veneno que o pode matar um dia I
A propósito dessas m ãis, escreveu de-certo
Pontavice de Haussey os seguintes versos de·
s alentados, mas vigorosos e justiceiros :
As crianças ! Á luz das velas as lobrigo
De sete anos, gastando as fôrças sem. abrigo.
Circulam, alta noite, esbeltas, graciosas,
Entre cantos,- ruído, e perfumes, e rosas,
Nas faces o carmim que a febre ao rosto imprime,
Ouvem o que envenena, o que estimula o crime . • • . , .

Mata-as o mundo, e mãi ao lado a tudo assiste I


E sobre isto o sarau vai folgando . . . Que triste !

Como deve ser cuidado constante, cuidado


de cada dia, de cada hora, o da educadora que,
no meio das mais doces carícias sente vibrar
de encontro à sua a alma do filhinho !

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A EDUCAÇÃO fAMILIA� 11 1

Graças a Deus, ainda há mãls com a deli­


cada visão das precauções indispensáveis, das
Influências funestas e que é preciso evitar,
mãis que vemos
Atentas, vigiando uma alma imortal,
Notando cada instinto aU o punjicar,
E assim a cada impulso até o fortificar.

c!. Mas quantas outras, por desgraça, a-pesar­


-de desejosas de se tornarem modelares, são
carecidas de penetração, e inconscientemente,
com uma indulgência ou com uma confiança
absurda, não abrem, de sorriso nos lábios, a
porta ao i nimigo ? !
Essas não sabem ver. Sofrem uma cegueira
tão terrível e inexplicável, que parece uma
maldição.
Disse Octávio Feuillet :
c Não julgo que a precocidade das donzelas
do nosso tempo deiJa ser atribuída à negligência
moral das mãis. De bom grado lhes faço a jus­
tiça de acreditar que o seu desejo é fazer das
filhas senh oras honestas. O que lhes falta, para
atingirem fim tão louvável, é a menor dose do
mais rudimentar bom senso.
Comparável à cegueira das mãis no que diga
respeito às filhas, só o pode ser a cegueira dos
maridos pelo que se relaciona com as mulheres.
Parecem, efectivamente, persuadidos de que

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1 12 0 LIVR.O DA EDUCADORA

tudo na natureza é corruptível, excepto as suas


filhas. As suas filhas podem vencer os contactos
mais perigosos, ficar puras diante dos espectá­
culos mais desmoralizadores, ouvindo as con­
versas mais equívocas.
� Isso que mal tem ? Tudo que passa pelos
olh os, pel os ouvidos e pela inteligência das suas
filhas se purifica de rel âmpago. São como sala­
mandras que . podem atravessar impunemente
as chamas - �inda que sejam as do inferno.
•As mãis, entranhada nelas tão lisonjeira
convicção, não hesitam em expor as filhas a
tôdas as excitações depravadoras, .do que se
chama a vida mundana e que, a rigor, nada
mais é do que o campo de manobras dos sete
pecados mortais , .

* *

Tôda a educadora sensata sabe discrimi­


nar as exigências sociais, dando-lhe o seu
juizo a nota precisa dos excessos em qualquer
sentido : Nem franqueza, nem rigor, como nos
parece que deve ser o princípio dirigente da
vigilância.
A criança deve ter cedo a aprendizagem do
mundo, mas não deve ser exposta a perigos,

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A EDUCAÇÃO PAMILIAR. 1 15

sob o pretexto de que urge aprender a defen­


der-se dêles.
A mãi nunca se deve esquecer de que os
seus filhos devem ser crianças e que é preciso
cercá-los de tôdas as salvaguardas que a infân­
cia reclama.
Devem-se evitar os contactos com más
companhias, o fatal predomínio exercido por
pessoas estranhas que não mereçam tôda a
confiança das mãis. Devem vigiar-se as rela­
ções com os criados, e principal mente com as
serviçais cuja absoluta moralidade quási sem­
pre é impossível assegurar.
D eve a mãi ter os seus filhos, quanto possí­
vel, debaixo dos seus olhos e perto do seu
coração, embora sacrificando a isso as distrac­
ções legítimas, perdendo nisso as suas horas
de liberdade.
Conheci noutros tempos uma mãi de família
que sofria enxaquecas constantes e dolorosas.
Nessas ocasiões, a sua dor exasperava-se com
o menor ruído, com os passos, com a tagare­
lice, com os' gritos dos filhos.
O m arido aconsel hava-lhe constantemente
que m andasse brincar os filhos com outras
crianças para ela poder descansar à vontade.
Ela, porém, nunca o consentia. Observei-lhe,
um dia, não haver grande mal em confiar os
ilhas, de tarde, aos cuidados dos vizinhos.

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1 14 0 LlV�O DA EDUCADO�A

E ela respondeu-me :
- Sofreria muito mais, só por saber que
não estavam perto de mim.
Há mulheres que desconhecem o carácter
de seus filhos, já crescidos, e dizem : - São
incompreensfveis f
Quero crer que o sejam. As únicas mãis
que tiveram foram amas e aias. Tais filhos
crescem ao . Deus dará. Serão como os fizer a
n atureza, levados pelo vento do capricho e
dos livres instintos - semente casual, ' grão de
preocupações :» que tantas v ezes germinam no
meio de lágrimas . . .

Tem-se escrito e discursado muitíssimo


sôbre os inconvenientes do ensino fora da
família. Tais apreensões, devemos reconhecê­
-lo, derivam da oposição que muito se re\lela,
e com demasiada evidência se afirma no nosso
tempo, entre a instrução exterior e a educação.
O ideal seria que a criança não abando­
n asse o meio em que desabrocharam as suas
qualidades e que é o \lerdadelro terreno de
cultura para o desenvolvimento da sua inteli­
gência e fortaleza da sua alma.
Façam o que fizerem, a criança confiada a
m ãos estranhas é um desenrai'zado.

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A EDUCAÇJI.O f'AMILIA� 1 15

Muitos, e dos mais eminentes professores,


dos que têm aprofundado a grave e inesgotá­
vel questão do ensino, se têm pronunciado
energicamente contra o internato.
Há muito tempo que êste problema inte­
ressa a atenção dos pensadores.
Um escritor ilustre escrevia há quarenta
anos :
«julgo excessivamente severo encerrar as
pobres criancinhas em casernas abomináveis,
quando as suas almazinhas mais carecem de
ar e de espaço, quando o seu corpo mais pre­
cisa de movimento e de liberdade,.
«l Por ventura, para lhes facilitar o desen­
volvimento, se enterram em tulhas os j ovens
rebentos de abril ?
c É uma austeridade necessária - dir-me-ão.

Assim o será, na verdade, para certas índoles


indomáveis. t Mas só porque há epilepticos
h avemos de vestir a tôda a gente a camisola
de fôrças ?,
Está, realmente, provado que a vida liceal
e colegial, e geralmente a de todos os pensio­
natos escolares, enfraquece o espírito da famí­
lia, deprimindo nas crianças o amor do lar, ­
a necessidade de se sentir vinculado, por um
laço forte e tranquilizador, àqueles que, com
a .vida, lhe deram as primeiras noções.
E, para as meninas, êsse afastamento ainda
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1 16 Ü liVR.O DA EDUCADOR.A

é, ao que parece, mais anormal e perigoso.


A futura dona de casa, que deve ser a guarda
do lar, a organizadora da fel icidade intima, a
i ncontestada rainha da vida doméstica onde
nasce e cresce a sociedade em germe - essa
futura senhora é afastada, desde os primeiros
anos, do meio em que deve decorrer tôda a
sua vida.
Mas, sendo assim, l como pode ela ter a
aprendizagem dos seus deveres porvindoiros�
que experiência pode conseguir na direcção
dêsse reinozinho que, tarde ou cedo, há-de
ser confiado às suas canseiras ?
Terá uma instrução cuidada. Possuirá uma
ciência caucionada oficialmente por um di­
ploma. Terão feito dela uma sábia. Mas nunca,.
ou poucas vezes, dará uma espôsa que ama o
lar, ou mãi que saiba limitar-se às suas atri­
buições. E muito felizes nos devemos conside­
rar, se ela se não tornou uma menina preten­
ciosa, uma donzela Vaidosa e desdenhosa, que
acha deprimentes as ocupações domésticas ­
s im, talvez umas dessas sabichonas que não
rebaixam nunca a sua solene dignidade até
descerem à cozinha.
Bem conhecemos a objecção fatal. É que.
para se terem sempre em casa os filhos e lhes
darem no lar o mínimo de instrução reclamado
pela categoria de cada um, é preciso ter os

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A EDUCAÇÃO I'AMILIA� 1 17

recursos e os meios materiais precisos para


se organizar um ensino familiar.
Responderemos a isso que, na maior parte
dos casos, mãis capazes de tal tarefa aprovei­
tam excelentes pretextos para a não cumprir.
O remédio principal para tal embaraço
seria : menos egoísmo e mais dedicação, um
conhecimento mais justo das responsabilidades
e noção mais raciocinada dos graves prejuízos
resultantes do momentâneo abandono dos
filhos.
Não pretendendo, por forma alguma, esta­
belecer princípios absolutos, parece-nos que
não saímos fora do verosimil e do possível,
afirmando que muitas mãis, se quiserem, podem
i nstruir os seus fi lhos.
É provavel que, com o seu ensino não con­
quistassem as filhas aprovação na terça parte
de conhecimentos dos quais, aliás, nunca terão
de servir-se. Mas, em compensação, formar­
-se-iam nos deveres práticos da vida ; estuda­
riam pràticamente a economia doméstica e a
boa ordem duma casa.
Poderiam ignorar a álgebra, mas saberiam
dirigir a sua cozinheira - o que não obstaria
ao conhecimento de tudo que a donzela inteli­
gênte deve razoàvelmente saber. A ciência
adquirida com a mãi seria até apropriada à
sua inteligência, e não h averia o risco de, o

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1 18 Ü L!VR.O DA EDUCADOR.A

que é sempre um desastre, ser o seu coração


exterminado pelo espírito.
Teriam constantemente diante de si o exem­
plo que fortifica a lição e a torna proveitosa.
Fariam a aprendizagem das virtudes familiares,
desenvolveriam em si próprios o sublime ins­
tinto da maternidade, indo colhêr os princípios
nas suas fontes l egítimas.
Seria um trabalho completo. Em caso algum
se encontrariam como que estranhas, e nunca
poderiam esquecer a doçura e a fôrça protec­
tora que dimana do l ar, única escola de for­
mação da mulher perfeita, cônscia dos seus
deveres, armada para a vida.

* *

É possível que· não se possa fugir à neces­


sidade de confiar os filhos a mestres estranhos.
Nesse caso, cumpre à educadora passar em
revista com rigor todos os seus deveres e
perder o mínimo dos seus direitos. É indispen­
sável que continue sempre a ser a mãi, Isto é,
quem dirige por seguro caminho o filho que
Deus lhe confiou.
A mãl não pode ser substituída, nem pelo
melhor professor.
Poderá o ensino dêle satisfazer as ex igên-

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A EDUCAÇÃO fAMILIA� 1 19

elas mais rigorosas da religião e da moral : mas


êsse ensino será fatalmente um molde único
Imposto a tôdas as inteligências que dirigir.
Nada há tão fatal como um programa, jugo
que deve justapor-se a todos os ombros e
muitas vezes com o auxílio de esforços cons­
tantes que podem ferir e até deformar a alma.
O professor ou a professora não podem apro­
priar a ciência a todos os cérebros. Quando
de-véras desejam desempenhar o seu papel
com plena consciência, poderão conseguir dar
aos discípulos uma espécie de educação super­
ficial, adornando como que o frontispício do
espírito, velando pela formação moral. O que
nunca, na maio r parte dos casos, poderão fazer
é penetrar-lhes o íntimo da alma e dar-lhes a
orientação conveniente.
Portanto, é indispensável que a mãi man­
tenha sôbre os filhos o seu absoluto direito de
propriedade, a salutar posse que só ela deve
exercer. Embora o filho já não esteja entre as
suas mãos, o que é preciso é que viva sempre
perto do seu coração e salvaguardado pela sua
vigilância.
Supérfluo será acrescentar que a mãi deve
envidar todos os esforços e cuidados para es­
colhêr um professor digno da sua confiança e
capaz de a tranqüilizar em tudo. No nosso
tempo, os pais escolhem muito de leve as es-

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1 20 0 LIVR.O D A EDUCADOR.A

colas dos filhos. O que pretendem é que lá


haja ensino, não lhes Importando qual é o va­
lor dessa instrução. Fàcilmente abandonam os
filhos a estranhos só porque estes, às vezes,
gozam duma sólida reputação profissional , Isto
lhes basta. Não orientam a mentalidade além
daquelas preocupações de carácter utilitário. ­
t É bom o ensino ? t O número de aprovações
naquele col�gio é grande ? - c!. Alcança· se lá
fàcilmente o diploma de bacharel ? - Sim ! Pois
é o que nós queremos.
E obrigam a pobre criança a freqüentar,
durante anos, aquela fábrica de diplomas, sem
pensarem em mais nada. Êsses pais, é certo,
não desejariam nunca que os filhos deixassem
de ter ensino religioso ! É tradição da família,
e não se devem mudar os hábitos. Colégios e
l iceus oferecem, aliás, êsse ensino auspicioso.
c!. Mas qual a rigorosa verdade ? O padre no­
meado pelos bispos para êsse ensino está,
quando muito, uma hora com os estudantes,
que são levados ao curso religioso por um
prefeito cínico, e ficando entregues, à saída
dessa aula, aos sarcasmos dos condiscípulos
que os apontam a dedo ! i Poderemos chamar
a i sto ensino religioso ? Será isso tôda a l ição
de moral que têm de receber ? c!. Com êsse pro­
cesso mesquinho será de esperar almas rectas,
virtuosas e crentes ? Que utopia !

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A EDUCAÇÃO I'AMILIA� 121

* *

Nunca me esqueci da frase duma aldea,


que ouvi há anos à porta dum colégio laico,
no dia em que se abriu.
Parara ela diante do estabelecimento, intri­
gada pelo vaivém dos estudantes que chega­
vam, acompanhados pelos pais, e que desapa­
reciam no átrio, sombrio como a entrada duma
prisão.
Preguntou ela ao porteiro :
- l E agora ê sses meninos ficam fechados
por muito tempo lá dentro ?
- Ficam todo o ano.
- i Todo o ano, meu Deus ! i Todo o ano
sem irem a casa ! i Mas então é pior do que
uma caserna !
Afastou-se um pouco e, depois, voltando-se
para a porta onde a afluência não cessava,
disse comovidamente, empolgada pelo seu
pensamento obsidiante :
- Pobres crianças !
E a sua voz era dilacerada, como se as lágri­
mas acompanhassem as suas palavras piedosas.
Sim, pobres crianças ! São sêres lançados
por mãis incot:�scientes à vida de colégios em
que Deus é desconhecido e a moral é ultrajan­
temente neutra.

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1 22 o LIVI{O DA I!DUCADOI{A

Pobres crianças ! êsses adolescentes que se


instruem um pouco e perdem muitas virtudes !
Pobres crianças ! êsses j ovens que sabem
já muita coisa e que sentiram as almas enlaça­
das pelo vício precoce !
Pobres crianças ! essas donzelas que os
braços das mãis não puderam conter dentro do
lar, ou, ao menos, confiar a mãos delicadas e
cristãs !
Pobres crianças ! tôda essa geração que
cresce e se precipita para o futuro, emanci­
pada, libertada da famflia, sem direcção, em­
quanto as mãis, confiadas e calmas, engendram
sonhos mundanos, esperando para os filhos
uma felicidade que elas não prepararam !
A ameaça do mal é, muitas vezes, o enco­
rajamento para o bem. As educadoras vigilan­
tes e que se interessam pelo futuro dos filhos,
têm só que observar essas multidões vaga­
bundas de desamparados, êsses foragidos da
casa paterna, êsses isolados, para sentirem
dentro de si o desejo de ficarem mãis - e hoje
principalmente, porque os seus filhinhos, tendo
de atravessar mais perigos, também mais care­
cem de amparo.

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CAPfTULO VI

A Educação extra-famil iar

Foi posta na ordem do dia pelos últimos


debates parlamentares sôbre questões escola­
res esta pregunta capital : l a quem pertence a
criança ?
É positivo que o ensino oficial apenas pre.
tende entregar as crianças ao Estado, forman­
do-as segundo o seu cunho, marcando-as como
propriedade sua.
Segundo as concepções laicas, a Família é
apenas uma coisa acessória, boa só para a pri­
meira infância, e de cujo domínio·urge l ibertar,
o mais de-pressa possível, os sêres aos quais
ela deu a vida.
Chegaram à lamentável aberração de discu­
tir os direitos dos pais, restringindo-os e con­
testando-lhes a propriedade das existências
dos filhos, regulamentando a fiscalização da
autoridade paterna, sôbre a formação delas e
sôbre os cuidados com o seu futuro.
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124 0 LIVR.O DA EDUCAOOR.A

Durante as sessões parlamentares, a que


nos referimos, e que ficaram h istóricas, um
deputado não h esitou em declarar isto : c Que­
remos que o professor substitua o pai e a mãi.
Os pais são incapazes de dar a seus filhos as
verdadeiras noções de justiça e liberdade.
O dever do Estado é defender os filhos contra
os pais , ,
Isto é simplesmente monstruoso. Nunca o
livre-pensamento, instrumento da Franco-maço­
naria, exprimiu com mais clareza os seus pro­
j ectos de desorganização moral e religiosa.
Nunca a família foi mais odiosamente ameaçada
nos seus mais sagrados princípios, nas suas
menos contestáveis prerrogativas.
já se não pretende regulamentar a sua
acção, nem determinar os seus direitos : o que
nltldamente se pretende é destruir tudo isso.
Não oferece dúvida que êste perigo se ma­
nifesta principalmente nas escolas primárias, as
quais têm de ser freqüentadas por necessi­
dade. Mas esta excessiva pretensão não deixa
de ser a expressão duma mentalidade cheia
de ameaças e perigosa para o futuro.
É a primeira manobra da invasão. Tais teo­
rias agora discutidas hão-de avultar até se
afirmarem impostas pela fôrça brutal das leis
oficiais.
Se os chefes de família, aliando-se contra

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A EDUCAÇÃO EXTRA-fAMILIAR 125

tal roubo de almas, não opuserem enérgica


resistência, aquelas ideas ficarão uma doutrina
do Estado, um dêsses princípios, chamados
intangíveis, que tornam moribunda a actual
sociedade francesa, para a matarem pouco
depois.
Mais do que nunca, chegou a hora de as
educadoras cristãs \lelarem pelos filhos, rea­
gindo contra as modernas tendências tão fu­
nestas. Chegou também a h ora de se mostra­
rem intransigentes no cumprimento dos seus
de\leres, seguindo os seus j o\lens discípulos
fora da família, continuando junto dêles não só
a tarefa da educação pessoal, como a da sal\la­
guarda e a da preser\lação.
A famflia não de\le abdicar nunca dos"seus
direitos. Não a substituem o colégio ou a es­
cola. O que estes de\lem é completá-la, mas
com o \lalor de acessórios, e nunca substi­
tui ndo-os definiti\lamente. Representaria uma
"Violência da ordem da natureza e uma i nfrac­
ção das leis de Deus o julgarem-se os pais
desembaraçados do seu de\ler de educadores,
só porque outros tomam a seu cargo instruir
as crianças.
Mas, por des\lentura, é êsse um preconceito
que cada \lez mais triunfa. Nota-se num grande
número a depressão da consciência das res­
ponsabilidades, quási extinta em muitas pessoas.

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1 26 0 LIVRO D A EDUCADORA

Diz Paulo de Sury :


c Das mãos da ama é enviado o adoles­
cente para um colégio, como pensionista, só
para que seus pais tenham a liberdade de se
divertir sem canseiras.
•Estão os pais todos satisfeitos com isso :
o meu filho está no colégio dos jesuítas, ou
no dos Beneditinos, ou no dos Marianitas ;
a minha filha está no colégio do Sagrado Co­
ração de Jesus. Numa palavra : o que os pais
apenas fazem pelos filhos é pagar as despesas
do pensionato. Uns confiam-nos a pensionatos
religiosos : pagam aos princípios cristãos. Ou­
tros entregam-nos à escola neutra : pagam ao
ateísmo .
.:Mas tanto os primeiros como os segundos
desinteressam-se da educação, destruindo, com
a sua autoridade, a vida de família. Torna-se a
criança estranha às alegrias e má�oas do lar.
Já não conhece os seus. Vê-os apenas nas
se�anas das férias que passa com êles longe
do teto paternah.
Não é, pois, de admirar, que, -entregues os
jovens à sua própria inici � tlva, e muitas vezes
carecidos da direcção que só suas mãis lhes
poderiam dar - por só elas conhecerem a s ten­
dências daquelas almas juvenis - que, dizia�
mos, entregues a si mesmos, se desafeiçoem
profundamente de pessoas que já não conhecem.
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A EDUCAÇÃO EXTR.A-PAMILIAR 127

Desaprenderam o encanto do lar. Esquece­


ram-se do espírito de famíli a - porque o cora­
ção é mais fàcilmente propenso ao esqueci­
mento do que a razão - e todos deploram êsse
esquecimento que é verberado como uma Ingra­
tidão. Mas, numa palavra, êsses jovens nada
mais fizeram do que rolar pela ladeira, d o que
deixarem-se arrastar pela corrente a que os
lançaram indefesos e desamparados demai s
para que pudessem lutar.
Nada se esforçaram os pais para dar pro­
tecção à sua j ornada vacilante na vida. Eis o
resultado. Agora, êsses pais desalentam-se,
porque seus filhos, desajudados por completo,
vão cair fatalmente !
*

* *

A educadora tem sempre, para com os seus


filhos, quando ausentes do lar, todos os seus
d ireitos e também todos os seus deveres. Ois­
tende-se o laço que os une, mas convém que
pela experiência, reconheçam que não se partiu.
É indispensável que o jovem exilado sinta
sempre bater junto do seu o coração daquela a
quem deve a v ida, que lhe oiça a voz, que fique
-
unido a ela dentro da necessidade de ser so­
corrido pela única mão que o pode dirigir sem
violência e corrigi-lo sem humilh ação.

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1 28 Ü LlV�O D A EDUCADO�A

Diz Lavrand, professor da Faculdade cató­


lica de Lille :
c É forçoso que o pai e a mãl exerçam uma

constante influência sôbre a educação do filho.


Essa influênci a é maior ou menor segundo a s
circunstâncias. Contudo, tem perdido moderna­
m ente uma parte do que outrora representava,
nessas épocas em que as crianças viviam no
meio dos seus, recebendo assim uma impres­
são familiar mais poderosa por ser mais cons­
tante e prolongada.
c Com os nossos costumes actuais, os pais

exoneram-se muito, talvez de m ais e com faci­


lidade excessiva, do cuidado de educar os filhos
e as filhas, confiando-os aos professores e pro­
fessoras das escolas e dos pensionatos,.
E Laude, um eminente mestre da mocidade,
não hesita em declarar quanto é indispensável
a cooperação da família com a escola.
Diz êle :
«A família é incontestàvelmente o factor in­
dispensável da educação. Nada a pode substi­
tuir ; e, se não puder grangear auxiliares, ela é
que nunca deve abrir mão do seu dever.
cA formação da alma da criança até à i dade
madura é, primeiro que tudo, atribuição pes­
soal do pai e da mãi, e, por mais perfeito que
seja o estabelecimento a que a possam con­
fiar, é inadmissível que essa casa de educação

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A EDUCAÇÃO EXTRA-I'AMILIAR 1 29

seja capaz de substituir, a não ser acidental­


mente, qualquer família, ainda que esta tenha
um valor medíocre.
<Já o compreendeu Napoleão 1, que, a-pe­
sar-de fundador da Universidade, dizia :
c Que nos falta ? - Mãis ! ,
«Sem a iniciativa, direi mais, sem o concurso
dos principais e necessários educadores, sem a
acção permanente, directa e preponderante dos
pais, em vão a Igreja multiplicaria as suas
obras para a m ocidade ; em vão as melhores
escolas, os melhores pensionatos tentariam
encarregar-se da educação i ntegral da i nfância.
cA igreja ou a escola, à similhança da
galinha que chocou patos, de-pressa verá fugir
os pequeninos que com mais amor acalentou ... ,
Tôda a mãi que de-véras deseja dar à socie­
dade homens e mulheres de valor, nunca cede
ao império dêsses preconceitos que não dei­
xam de ser funestos só porque bastantes v ezes
desabrocharam na imprevidência da melhor
boa fé.
O Criador deu-lhe às inspirações da alma
e às ternuras do coração uma prodigiosa fe­
cundidade.
Cita-nos a m itologia o exemplo dum - herói
que reencontrava a força esgotada rejuvenes­
cen,do-se no contacto com a terra, a sua ama.
É uma fábula que vale um símbolo. Na in-

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150 Ü LIVR.O DA EDUCADOR.A

fância como na adolescência, o jovem nunca


pode encontrar melhor socorro. do que o da
intimidade de sua mãi.
O que é preciso, porém, é que ela saiba
abrir plenamente a fonte da sua solicitude
generosa. Como os enfermeiros que, nos cam­
pos da batalha, correm a socorrer os feridos,
a mãi deve procurar seus filhos em tôdas as
veredas, encontrá-los em tôdas as conjunturas
perigosas.
Ou, ainda melhor, a mãl, semelhante às
mãis dos guerreiros Bures, deve não só con­
duzir os filhos ao combate - porque a luta é
necessária e ninguém pode evitá-la-mas ainda
animá-los com a sua presença, preveni-los de
todos os perigos que os ameaçam.

§ 2.0

Não faltarão mãis, talvez apavoradas pela


grandeza da tarefa, e - justo é reconhecê-lo
- pela ignorância dos meios que devem em­
pregar, não faltarão mãis, e das melhores, a
objectarem-nos que a influência a distdncia é,
senão impossível, dificílima.
Ma s, antes do mais, dir-lhe-emos já isto :
- Preparem seus filhos para êsse afasta­
mento. Não os deixem partir para essa pro·
Jangada ausência sem o viátlco indispensável

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A EDUCAÇÃO fXTRA-f'AMILIAR. 151

na j ornada acidentada, que êles vão em­


preender.
Quando um filho se despede para entrar
no colégio, a mãi abastece-o de doçuras.
Há s empre na mala um cantinho cheio de
doces e de gulodices. As lágrimas de sepa­
ração adoçam-se nas mãis com o pensamento
de que todos aquel es mimos, muito legítimos,
dão aos filhos como que um prolongamento de
existência qas mãis.
O mesmo s e dá na ordem moral . Revistam
as mãis seus filh os de energia. Couracem-nos
com bons exemplos. Dêem-lhes a armadura
completa, precisa a quem tem de estar ausente
por muito tempo. Que os vigilantes cuidados
das mãis em tôrno daquelas mocidades, que o
seu cunh o mais nítido, que a fé da sua alma e
o calor do seu coração perdurem tanto, que os
filhos de tudo isso conservem sempre a saU­
dade, a impressão, como que o perfume.
Nunca a mãi deve dizer, confiando os filhos
a educadores cheios de gravidade :
c Ê les dar-lhes-ão o que lhes falta ! ,

Pelo contrário, deve s er mãi ciosa e con­


victa de que, a-pesar-de tudo, é a melhor edu­
cadora dos seus filhos.
Dirá antes :
c H á noções da verdade e do bem que só
eu lhes posso dar.•

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152 0 LIVRO DA EDUCADORA

Nota um eminente religioso, o Padre Suau,


a quem se devem admiráveis estudos pedagó­
gicos, fruto da experiência duma vida inteira :
c Quási nada pode a escola, tanto para o

bem como para o mal, se a família não traba­


lhar na obra da educação. Faltando isso, o s
melhores professores nada fazem. Apenas con­
seguem dolrar ou pratear ; mas em breve, o
dolrado ou o prateado hão-de desaparecer, e
então ver-se-á o cobre encher-se de verdete.
E não faltará quem diga : - � Mas que tendes
vós feito, há cincoenta anos, ó educadores
cristãos e religiosos ?
c Fizeram o que foi possível. O que não
podemos é mudar o cobre em prata ou oiro.
Dizia um prefeito de colégio, todo zangado, a
uma mãi de família : - É preciso que nos tra­
gam águiazinhas, se quiserem que nós a trans­
formemos em águias. Mas, infelizmente, só
nos trazem patinhos . . . ,
aPor pior que seja a escola no nosso tempo,
e precisamente porque a maior parte da gente
a tem de freqüentar, ela não seria capaz de
desmoralizar e atei'zar as crianças, se estas
levassem dos seus lares uma consciência cristã,
resolvida a ser sempre cristã ; se a-pesar-das
leis e dos regulamentos, pais e mãis apontas­
sem, condenassem tudo que possa ferir a fé
na alma dos seus filhos, exigindo que todos a

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A EDUCAÇÃO EXTR.A-fAMILIAR. 155

respeitassem ; se de tal situação aprove itassem


a superior oportunidade de ensinar aos seus
filhos e filhas a ter carácter e fôrça de alma.
e Mas isto supõe na família sinceridade e
coragem. Se a família francesa não tem essas
qualidaqe, o nosso organismo está perdido . . . ,
Col oquem, pois, os educadores aci ma de
todos êste dever ! Se tiverem o cuidado de
preparar os filh os para sofrerem uma influên­
cia estranh a, fortificando-os contra surprêsas,
formando-lhes um vigoroso temperamento mo­
ral ; se semearam em boa terra, e profunda­
mente, os princípios que nutrem e dão v igor
às almas, as mãis hão-de mais tarde encontrar
seus filhos como os tinham deixado.
Ê sses adolescentes, ao entrarem na vida,
hão-de retomar as tradições da raça, tendo
nelas, intacto e mais rico, o sagrado tesoiro
deposto por mãos leais. O pai. reconhecê-los-á.
Terão um ar de família. A mãi, cuidadosa pelo
seu futuro, continuará, por êles, os sonhos que
teve junto dos seus berços. Não se terá per­
dido nada do que lhes fôra confiado. E a ciên­
cia humana, deposta na inteligência dêles, en­
grandecerá o património familiar. As c águiazi­
nhas , sentirão pular as asas e afrontarão, com
vôo firme, as tempestades da vida.

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]54 Ü LIVR.O DA I!DUCADOR.A

Não escasseiam os meios de a educadora


estar em constantes relações com o filho ou a
filha, afastados por necessidade de instrução.
Mas a melhor maneira de ficar unida a êles,
penetrando-lhes o íntimo da alma, é de-certo a
correspondência epistolar, freqUente.
É essa a melhor e mais ' discreta \ligilância.
A criança de doze ou catorze anos re\lela­
·se por completo nas suas cartas e, às \lezes,
dum a maneira admirá\lel. Quási não há mãi
n enhuma que não conser\le, entre as suas mais
preciosas e queridas recordações, páginas
dessas em que as almas dos seus filhinhos,
por assim dizer, se desfolharam.
Têm todo o sabor duma florescência, cheia
de frescura e graça. São sinceras, ingênuas,
des\lelando pensamentos francos, manifestando
desejos firmes.
Noticiam \litórias ou desastres. Confiam
desgosto ou a legrias.
Esperam, riem, cantam, triunfam, e tôdas
es sas notas \li\las ou discretas \libram uma ária
em que há Inocência e cândura.
A mãi encontra nessas linhas, se souber
ler, todo o coração do seu filho, aberto de todo
como um li\lro . A criança expandiu-se, porque,

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A EDUCAÇAO EXTR.A-f'AMILIAR. 155

ao escrever, sentiu, inclinado para ela, o anjo·


-da-guarda da sua primeira infância . Retoma a
linguagem das confidências intimas. Conversa
com ela. Fala-lhe deliciosamente.
Aquela hora furtada ao estudo será a me­
lhor de todo o dia, aquela em que mais terá
apre11dido. É como que uma visita da qual
che� mais alegre e bondosa.
É 1 uma troca de pensamentos, quási um
diálogo, entre aqueles dois sêres ligados sem­
pre ' or um fio de oiro que os une com solidez.
P ra a m ãi, nenhum pormenor é pueril.
O lo r da cama no dormitório, a escrevaninha
n o e remo da mesa, os vizinhos, os condiscí·
pulos, o melhor amigo, a fisionomia do profes­
s or, a lições, os exames, os mil nadas da exis­
tência corrente e que tanto predominam na
vida d estudante - tudo é interessante para a
mãi, e cantando-a mais do que os aconteci­
mentos que convulsionam o mundo.
Em ompensação, ela dá notícias do lar,
os mil delicados nadas cuja evoca­
ção faz eviver o meio familiar. É o pai, são o s
irmãozi hos, o s outros parentes, as coisas, até
o gato o cão, desfilando num belo cinema­
tógrafo.
A mã escreve e o coração fala, as almas
çompree dem- se e aproximam-se e sorriem
através a distância.

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156 0 LIVRO DA EDUCADORA

É então fácil insinuar, entre duas meigas


frases, os conselhos - lições que as mãis sem­
pre sabem dar encantadoramente e, ao m esmo
tempo, com vigor.
São as próprias revelações dos filhos que
as autorizam a derramar a moral útil, as pala­
vras que são penetrantes sem chocar, a cen­
sura amigável que ampara como uma mão
terna, hábil no fortificar da fraqueza que vacila.
Nunca é demais aconselhar às mãis , que
'
estabeleçam entre elas e os filhos essa . · cor­
respondência regular que lhes mantêm da a tey
salutar influênci a sôbre o exiladozinho. o de- 1
ver j unta-se a consolação.
;
E a continuação da sua obra. A dislflncia,
a mãi vigia ai nda, e o afastamento fica l assim
atenuado, quási suprimido.
Um homem de grande talento conto numa
bela página a impressão que sentia ao eceber
f
t
no colégio carta da família.
Confessa êle : /
/
c: Eu era, n a verdade, o colegial m a s indi s­
_
ciplinado, o aluno mais revoltado c ntra a
pressão do regulamento, que era bas nte se­
\lero e i nexorável. Os castigos, em v de me
darem melhores disposições, despert vam em
mim ímpetos coléricos e rebeldes, se uidos de
desalentos profundos e invencíveis. · profes­
sor, obrigado a punir-me, tornava-se- e odioso.

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A EDUCAÇÃO EXT�A-FAMILIA� 157

Via nêle um tirano. A minha imaginação tortu­


rada dava-lhe uma máscara de algoz, atitudes
de carrasco. Sinceramente julgava que nenhum
ser humano era mais desgraçado, mais perse­
guido, mais vitimado do que eu pelo arbitrário
e pela crueldade. Em vão usavam comigo de
brandura, debalde me mostravam a evidência
das faltas, inutilmente me faziam ver a injus­
tiça e o ridículo das minhas indignações. O meu
coração exasperado perturbava-me a razão, e
eu não podia ouvir nada . . .
«Ah ! só uma voz, só uma, tinha o dom de
me acalmar, de me equilibrar, de me enterne­
cer . . . Essa voz era a de minha mãi, voz lon­
gínqua que me falava baixinho, numa carta com
visíveis vestígios de lágrimas. Aquelas poucas
linhas evocavam aos meus olhos a visão das
suas feições. Via-a então ; e as suas repreen­
sões enchiam-me de tristeza, de ternura e de
rem orsos. O meu coração desfazia-se em lá­
grimas sem fim. Estava, finalmente, vencido,
desarmado, con\lertido de-repente . . .
Ah ! as cartas de minha m ãi ! Conservo-as
na m emória. Saboreio-lhes as frases, como se
fôsse a um delicioso licor que não perdera a
doçura com o tempo. E agora, depois de conhe­
cer a vida com tôdas as suas loucuras, com os
seus júbilos tão breves e com as suas infinitas
amarguras, abro-as algumas vezes para as tor-

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158 0 LlV�O DA .EDUCADORA

nar a ler. E penso então que elas constituem


uma sublime lição de virtude, como que o per­
fume daquela alma que d esapareceu, e o imor­
tal c larão que ilumina ainda a minha pobre
v ida de poeta infortunado . . . ,
É assim que a mãi, afastada do filho, lhe
fala. Terna ou severa, elogiando ou censu­
rando, aquela voz é das que comovem, conso­
lam, melhoram e fortificam.
É um precioso instrumento de influência,
ao qual aconselhamos que recorram. Cartas
enviadas, cartas recebidas, h ão-de constituir a
história dessa época de separação e, mais
tarde, ao encontrarem-se recordações tão que­
ridas, a mãi reencontrará o visível vestígio do
seu zêlo. E então dirá com satisfação íntima,
com mais júbilo ainda do que orgulho :
- Meu filho teve sempre mãi, e o afasta­
mento não partiu a doce cadeia que une os
nossos corações.

* *

Dizia-nos h á tempos uma senhora muito


sensata :
• Logo que os meus filhos cheg11m a férias,
faço o inventário. Meu marido examina-lhes a
bagagem da ciência, preocupando-se em verl-

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A EoucAçÃo EXT�A-rAMILIA� 1 39

ficar se empregaram bem o tempo e apro\leita­


ram as lições. Eu limito-me a \ler se nada per­
deram.»
Alguns dias com a família, é pouco e é
muito, logo que os pais não apro\leitem mal
tão bre\les horas que é preciso saber \lalorizar.
Muitos não pensam senão em di\lertir os filhos
e, para i sso, confiam-nos a amigos afastados,
dispersam-nos sob o pretexto de os distraírem
melhor. As férias, na \lerdade, de\lem ser uma
época ociosa, repoiso e recompensa ao mesmo
tempo, porque é útil que os jo\lens colegiais
esqueçam um tanto a pressão da disciplina e
li\lremente respirem o ar duma liberdade legí­
tima.
Contudo, é também útil organizar as férias
no sentido familiar, e nunca afastar inutilmente
do lar, e à fôrça, os filhos pródigos que \loltam
ao seu ninho.
Que \liajem, se é isso possí\lel, mas na
companhia dos pais, que de\lem acompanhá-los
nos passatempos e nas excursões, auxiliando
assim as suas almas a retemperarem-se na­
quel a atmosfera que durante tanto tempo não
fruíram.
É preciso que, ao \loltarem para o colégio,
tenham saUdades dos pais, sintam dor por os
deixarem, e não apenas o desgôsto de \ler de­
corridas as horas de independência.

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140 0 LIVRO DA EDUCADORA

Nesse período, devem as mãis possuf-los


absolutamente, estreitando até à intimidade os
laços queridos que tão fàcilmente se afroixam,
e dando-lhes nova provisão de espírito fami­
l iar.
É desta maneira que a mãi vigilante im­
prime nêles, de novo, o seu cunho. Assim, re­
conquistá-los-á por completo, aproximando-os
da sua alma e do seu carinho.
E então, ao deixarem mais uma vez o lar
paterno, levam uma nova provisão do afecto
fortificante que os ampara, al enta e protege.
Naquele exílio distante onde lhes falta o
ambiente da família, pensarão mais n a mãi
que devota a \lida inteira a uma atenta solici­
tude, tantas vezes inquieta por causa dêles.
Terá tomado seus filhos como propriedade
real. Os seus pensamentos continuarão a for­
m ar-se numa só alma, ficando, mais do que
nunca, unidas as suas mãos.

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CAP ÍTULO VII

A educação dos filhos adultos antes


de entrarem na vida

A independência é uma das tendências que


primeiro se desenvolvem na alma do adoles­
cente, ao crescer. A mocidade tem sido com ­
parada, nos perigos da sua emancipação, às
aves que experimentam a fôrça das asas à
beira dos seus ninhos. As que já estão normal­
mente crescidas voam, e pairam nos ares. A s
outras, vítimas d o s seus esforços temerários,
caem, ferem-se ou morrem.
Para isto, principalmente, devem as mãis
dirigir a atenção da sua vigilância e a acção
de viva solicitude.
c Vigiem o primeiro vôo. É o ponto de par­

tida da vida. Se fôr prema turo, tôda a existên­


cia acusará a fraqueza. A criança, quando fôr
um adulto, ficará vacilante, suj eita a cafr, acha-
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1 42 0 LiVR.O DA EDUCADOR.A

cada aos desastres resultantes daquela pri­


m eira enfermidade . ,
Indispensável é , pois, q u e a educadora mul­
tiplique a sua atenção, a sua vigilância e a sua
energia.
Muitas mãis sentem-se desarmadas diante
do filho, porque é já mancebo, ou da filha, já
senhora. Acanham-se e, portanto, anula-se a sua
autoridade. Diriam que os filhos se tornaram
para ela como que uns estranhos. Vêem os
erros e não se atrevem a corrigi-los, nem
mesmo a apontá-los. Levanta-se uma barreira
imaginária diante delas, contendo tôda a boa
\lontade diante dum obstá culo que, quási sem­
pre, é um fantasma imaginário : a liberdade
humana que é preciso respeitar.
Então, e para sempre, temem as mãis pare­
cer exigentes, indiscretas ou despóticas. Fogem­
-lhes os filhos, e os seus braços impotentes
não se erguem para êles a contê-los, quando
os perigos os ameaçam.
Tal êrro é deplorável. É um preconceito
\Julgar que, por desventura, tem produzido os
piores resultados à família moderna.
É claro que a educadora tem então de
modificar a m an eira de exercer a autoridade.
Não se tratam como bébés os macebos e as
donzelas.
Portanto, é preciso que a influência mater-
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A EDUCAÇÃO DOS FILHOS ADULTOS 145

nal use dos princípios de razão, dos sentimen­


tos elevados que possam aplicar-se com exac­
tidão à inteligência e à sensibilidade dos filhos
já adultos. O seu programa oportuno fica sendo
êste : m ais tato, prudência e dignidade, mas
também mais firmeza intransigente, mais impé­
rio, suave mas deliberado.
É essa uma hora decisiva e única. É a h ora
em que a mãi, como o marinheiro nas traves­
sias difíceis, tem de dar i.J.m vigoroso impulso
que dê a salvação.
Nesse perfodo, a mãi tudo ganha ou tudo
perde. Tem nas mãos o trabalho de tantos
anos, os mil cuidados postos em prova, as
angústias que sofreu, as vitórias que ganhou, o
triunfo ou a perda de todos os seus sacrifícios.
Então, mais do que nunca, tem no seu poder
a responsabilidade formidável dum destino que
procura o seu rumo.

* *

É mais directa e também m ais definitiva a


sua acção, quando os filhos continuam sob a
vista da família. Tem-nos debaixo dos olhos.
Isto, aliás, não quer dizer que ela possa
exercer sempre, sem dificuldade, a sua influên-

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144 Ü LiV�O DA EDUCADO�A

cia. Mas, pelo menos, pode vigiar e guiar


melhor, com mais eficácia.
De ordinário, as donzelas, terminada a edu­
cação, ficam no lar. Tomam parte activa nas
lidas domésticas, são companheiras naturais da
mãi, que auxiliam e até substituem. Têm o
exemplo diante de si, e o exemplo é a primeira
e a melhor lição que pode dar uma educadora.
Há tôdas as probabilidades para que as filhas,
na sua vida, reproduzam o que virem e apren­
dam com a mãi, que tem nelas verdadeiras
companheiras. Podem conversar juntas, tratar
sêriamente de assuntos de ordem mais elevada,
dirigir, de comum acôrdo, o govêrno do l ar.
As donzelas �assam a ser auxiliares dedicados
e inteligentes, discípulas sensatas que hão-de
copiar o modêlo, aprendendo os deveres da
existência.
E então as mulheres, verdadeiramente com­
penetradas do preponderante papel que lhes
compete, conhecem ser chegada a ocasião de
insinuarem às suas filhas o gôsto pelo lar, inte­
ressando-as nos pormenores práticos, mos­
trando-lhes os encantos duma vida doméstica
bem organizada, tornada amável pelos cuida­
dos e vigilância de mãos delicadas.
É fácil dar conselhos dessa ordem, quando
são comuns as ocupações quotidianas e o con­
vívio entre mãis e filhas é constante, porque

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A EDUCAÇÃO DOS FILHOS ADULTOS 1 45

nessas condições a educadora tem, como nunca


freqüentes ocasiões para formar futuras espô­
sas, as donas de casa de amanhã, as mãis
porvindolras, cônscias de todos os deveres
inerentes às suas graves funções.
A educadora, então, v el a n d o pelo bom
aspecto e pela graça peculiar de tôda a m oci­
dade feminina que desabrocha, terá a m elhor
oportunidade para desenvolver no ânim o das
filhas o sentimento do verdadeiro gôsto em
maneiras e apresentação, reprimindo com cri­
tério as importunas tendências para a vaidade
feminina, traduzidas por uma prematura ten­
dência para a garridice.
Deverá preservá-las dos perigos de se preo­
cuparem demais com o exterior, obstando aos
inconvenientes dessa verdadeira mania, exces­
sivamente preponderante h oje, da exibição nos
salões, ostentando as m eninas o papel, fáci l
em extremo, mas também extremamente nocivo,
de bonecas da mo da.
Conhecemos muitas mãis, que, sem dei­
xarem de querer - e com razão - as filhas no
meio social a que pertencem, sem as afasta­
rem da vida das salas, ao mesmo tempo se
não envergonham de as tornarem senhoras
úteis, trabalhadoras, completas donas de casa,
que não sej am hóspedas em nenhum trabalho
doméstico.

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146 0 LIVRO DA EDUCADORA

Devemos reconhecer que, se tanto abun­


dam as casas sem ordetp, as. famílias anarqui­
zadas, os lares inhabitáveis, tudo isso é apenas
devido ao facto de muitíssimas mulheres nunca
terem conhecido o lado prático da existência.
Com o pretexto de as casarem, deram-lhes um
exterior de lentejoulas, fortificaram-lhes os
desejos imoderados da exibição, as mil e uma
tentações do luxo, a necessidade de impor, a
vaidade de agradar. Fizeram delas actrizes que
desempenham no teatro os seus papéis con­
vencionais.
Mas, deixada a cena, surpreende-as e até
as apavora a realidade. Contudo, por hábito,
continuam a representar para as galerias, e
as desilusões sucedem-se aos clarões do pros­
cénio. É chegado o desmoronamento, a ruína.
Ao contrário disto, nada é mais tocante do
que ver essas donzelas que na família substi­
tuem a mãi, e já capazes de ter iniciativas,
sérias, sensatas, amigas do trabalho, estudando
a vida, muito m ais nas suas obrigações, por
v ezes pesadas, do que n as diversões, aliás
excepcionais e raras.
já no Livro da Mãi, falámos dessa tão útil
como proveitosa aprendizagem da maternidade,
dessas irmãs mais Vélhas que se tornam mamã­
zinhas dos irmãos mais novos e que assim
se preparam para os i m p orta ntes deveres

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A EDUCAÇÃO DOS fiLHOS ADULTOS 1 47

futuros, cultivando nos corações a melhor ter­


nura.
Empregam corajosamente o seu tempo, e
seja qual fôr a sua situação, em fainas da vida
prática, contraindo desde já os bons hábitos da
ordem, economia e vigilância que, de antemão,
as vão fazendo perfeitas donas de casa.
E, a propósito, muito digno de imitar- se é,
embora com as devidas restrições, o exemplo
dado pelos norte-americanos n a sua educação
que, dirigindo os filhos desde a adolescência,
lhes infiltra, o mais cedo possível, o g ôsto da
vida, como êle o é na realidade, nunca a apre­
sentando mais Ideal do que por natureza se
nos oferece.
E não é utópico conseguir-se uma feliz
a liança entre a cultura intelectual e artística e o
ensino prático. O plano é perfeitamente compa­
tível com o fogão da cozinha e não há uma
distância invencível entre a sala de visitas e o
trabalho doméstico. Uma menina pode ser dis­
tinta, apresentar-se muito bem em sociedade,
saber conversar com encanto, receber com
primor, e, ao mesmo tempo, logo que seja pre­
ciso, saber costurar, consertar, pontear, arrumar
roupas, fazer a ementa e vigiar o cozinhado dum
j antar ou dum almôço.
A educação completa faz-se de todas essas
aptidões. A boa mãi sabe formar o conjunto
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148 Ü LIVRO DA EDUCADORA

delas tão harmbnicamente, que cada coisa se


executa no tempo de'Vido,.exercendo-se alterna-·
tivamente as melhores faculdades cuja 'Valori­
zação ela tem a missão de realizar.

No que diz respeito aos mancebos, de'Ve a


mãi e educadora acompanhá-los muito de perto,.
com um tato que saiba e'Vitar o constrangi­
mento da independência dos filhos, mas também
com o cuidado de'Vido à inexperiência dêles�
Nunca deve abdicar, perante êles, da sua auto­
ridade, pois deve elevá-la à altura do seu estado
m oral e proporcioná-la às suas faculdades de­
sen'Volvidas.
Se êsses jovens habitarem com os pais,
a mãi deve fazer-lhes sempre sentir, com doçura
e firmeza, que ela nunca os perde de vista,
e que, embora com mais elevada gradação,.
continuam a ser sempre seus filhos.
Cumpre à mãi distingir entre a exagerada
timidez e a licença. lndubitàvelmente, o man-·
cebo deve exteriorizar-se, procurar fora de
casa ocupações segundo o seu gôsto, -criar
relações ou afectos conformes à sua categoria
social .
Mas então, e mais do que nunca, se impõe
à educadora afastá-lo das más companhias, dos
impulsos excessivamente fáceis n à vida do
prazer, dos esbanj amentos, das mil provocações

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A EDUCAÇÃO DOS l'ILHOS ADULTOS 149

d e ociosidade que o tornam um ser inútil, um


�agabundo sem a noção da vida útil.
Terá de vigiar as suas saídas, não hesitando
em as regulamentar, em verificar a qualidade
das influências que o filho possa receber, afas­
tando os contactos deprim entes, porfiando,
principalmente, em conseguir que use,, e nunca
abuse, da sua liberdade.
Bem dirigida, sensatamente dosada, a inde­
p endência é a fonte das iniciativas.
N a vida hodierna, os jovens não podem ficar
de braços cruzados à espera das situações.
Cumpre-lhes criarem, à custá da sua própria
energia, um futuro e valorizarem, nesse sentido,
como natural conseqiiência, todos os seus es­
Forços. A educadora deve fazer dos seus filhos
homens couraçados para as pelejas da vida,
para lutadores, e, até certo ponto, conquista­
dores.
Mas, quanto mais moderado fôr o seu
impulso, tanto mais fecundo será, e tanto mais
triunfos há-de provocar. É vulgar comparar-se
o fogo da mocidade ao ímpeto dos corcéis
i ndomáveis. Só sujeitando a sua exuberância
a um freio criterioso, é que se tornam de-veras
ágeis, vigorosos e úteis. Precisam de sentir o
freio, não o que fere, mas o que, avisando
onde está o perigo, é um gula, em caminho
firme, dos ímpetos perigosos.

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1 50 0 LIVR.O DA EDUCADORA

Por desfortuna, abundam os jovens que cedo


·
se afastam do meio familiar e que, no estudo
dos preparatórios para seguirem as carreiras
escolhidas pela sua vocação, têm que afrontar
a perigosa vida de estudantes. Mas até assim
a educadora tem uma maneira de exercer a sua
vigilância, porque dispõe de meios capazes d e
defenderem a moralidade d o s filhos entregues
a si mesmos.
Além do fundo de sólida educação cristã,
que já deve ter sido fornecida com tal fim prá·
tlco, pode ainda dar aos filhos um apoio moral
e uma salvaguarda firme.
Há nas nossas grandes cidades grupos cató·
licos de mocidade, associações de estudantes,
colectlvidades admiràvelmente organizadas, qu�
admitem o mancebo e obstam a que êle fique
entregue só a si próprio, isolado, exposto a
tôdas as tentações e a todos os desastres.
Quando seus filhos partirem, já seus pais de­
vem ter tratado de assegurar·l hes aquela protec­
ção, a qual, benéfica para o seu trabalho, lhes
dará um asilo seguro contra os perigos dos maus
encontros e de excessiva independência.
Fácil é a êsses pais relacionarem-se com
os sacerdotes que dirigem essas associações
e cuj o zêlo e dedicação só procuram consa­
grar-se à mocidade à qual muito devotaram a
sua vida.

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A EDUCAÇÃO DOS l"ILHOS ADULTOS 1 51

Eis como a famíli a ausente é substituída. Os


exilados encontram companheiros escolhidos,
ori entadores ilustrados, um ambiente sadio e
restaurador, em que podem respirar a virtude.
Serão cercados de bons exemplos e, salvaguar­
dados assim, podem preparar o futuro com a
maior segurança possível.

§ 2.0

Já dissemos, e até repetimos, durante esta


obra, que o fim da educação é armar os filhos
para a luta. Cedo devem ser habituados a consi­
derar a vida porvindoira dentro de tôdas as suas
exigências e durezas, formando-lhes um tem­
peramento vigoroso, retemperando-lhes as ener­
gias, acostumando-os à audácia fecunda que é
a florescência da coragem verdadeira.
Quando os j ovens soldados espartanos par­
tiam para a guerra, eram suas próprias mãis
quem lhes vestia as armaduras, quem lhes
dava o escudo, símbolo do ataque e da defesa,
dizendo-lhes esta frase, que ficou h istórica : ­
Ou com ela, ou sôbre ela.
Fórmula dum rude e implacável laconismo,
significando que deviam pelejar até à última ;
triunfar no meio da glória, ou morrer com
h onra.
É que a mãi, se deve aos filhos a amável
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152 0 LlVR.O DA. EDUCADOR.A

doçura do seu afecto, também lhes deve a lição


da coragem.
No seu belo romance O Mêdo de viver,
apresentou Henrique Bordeaux, e com magis·
trai intensidade, o contraste entre as duas
tendências predominantes na moderna juven·
tude : uma !assa, efeminada, com mêdo do
esfôrço e da luta : a outra, encarando altiVa·
mente a necessidade de tornar útil a vida,
com o magnífico para a frente ! que não s,e
arreceia de iniciativas audazes nem, nas con·
tingências, das emprêsas longínquas.
A verdadeira educadora deve ser um pro·
fessor de energia, como, com tanta justeza,
definiu Brunetiere.
O triunfo é pa·ra os enérgicos. A êles per­
tencem, como o reino dos céus - supremo
têrmo da existência humana - as situações
h onrosas, a fortuna - coisas legítimas, quando
conquistadas dignamente. Tudo isso exige a
violência do esfôrço, a valorização das facul·
dades, uma aplicação, sem desalentos, da
nossa coragem.
É censurável o procedimento de tantas
mãis contemporâneas que abusam da sua in­
fluência no sentido de modificarem as voca·
ções nascentes à mercê do gôsto e até dos
caprichos delas.
Escreve Paulo de Sury :

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A EDUCAÇÃO DOS f'ILHOS ADULTOS 1 55

c Devem os pais desenvolverem a iniciativa

pessoal dos filhos, adivinh ando-lhes as apti­


dões, e nunca dizerem antes do tempo : hás­
-de ser isto ou aquilo. O que lhes cumpre é
dirigi-los na carreira por que êles tenham
gôsto, e para cuja conquista o trabalho, em
vez de ser uma punição, seja um prazer. ,
Abundam na sociedade os desemp·r egados,
os transviados que, até à morte, arrastam uma
existência desalentada, só porque não tinham
vocação para a carreira que lhes fizeram
seguir. Impuseram-lhes os pais uma vontade
que não puderam contrair. Não tiveram funcio ­
namento normal os elementos da sua energia
m oral, elementos que se desvirtuaram. Homens
que podiam ter sido valiosos afundaram-se na
mediocridade. Não foram liberdades em acção :
foram i nstrumentos a executar um trabalho for­
çado.
É de justiça reconhecer, de passagem, que
a actual mentalidade apenas encara um limi­
tado campo da iniciativa dos j ovens. O fun­
cionalismo, servilismo obrigatório tão deplo­
rado pela maioria das famílias inteligentes,
fascina de-veras os cérebros. É que dá situa­
ções já feitas. Caso haja a boa sorte de haver
homens de influência no meio dos parentes
ou dos amigos, tudo se consegue com faci­
lidade. A mãi, que de ordi nário prepondera

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1 54 0 LiVR.O DA EDUCADOR.A

na escolha da carreira do filho, pensa bur­


guêsmente :
c Meu filho há-de ser empregado numa
administração, que lhe há-de assegurar uma
vida cómoda e tranqüila. De minha filha, farei
uma professora, uma empregada nos correios ...

O deputado Fulano protegerá o seu progresso.


Mais tarde, vem a ter uma bonita posição. ,
E assim s e habituam a represar a s energias
nascentes, a algemar belos Impulsos, a conter
fecundas actividades. Engaiolam as pobres
aguiazinhas de que falámos no capítulo ante­
rior. E então aquelas asas que palpitavam para
voar, baixam-se, e o vôo roça pelo chão,
quando podia pairar muito alto.
Diz o P." Suau :
« Percamos o hábito de querer para os
nossos filhos empregos obtidos por favor. Pre­
paremo-los para conquistarem as suas posi­
ções. t Se nos é demonstrado, por um estudo
de educação clássica, que o filho é rebelde a
essa cultura, porque é que, seja qual fôr a sua
situação social, não o fortificamos com uma
ciência mais prática ? l Porventura, não pode
ser agricultor, industrial, comerciante ?
c Não pejemos de falhados as sociedades
gerais, as repartições ou secções de contablli­
dade, as escolas de todos os gêneros, e liber­
temos, tanto quanto possível, os j ovens dêsses

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A EDUCAÇÃO DOS FILHOS ADULTOS 1 55

infecundos anos de vida académica que lhes


gastam o melhor da vida e abarrotam a socie­
dade de advogados sem clientes, de candi da­
tos às sinecuras.
c Não sei porque tanto se receia deixar a
França, ir sofrer um p ouco no estranjeiro e
mesmo muito l onge da pátria, obtendo assim.
graças à experiência e ao esfôrço, um comêço
de fortuna que assegure a independência e
uma fôrça de carácter que permita desprezar
as mesquinhas tiranias da vida naCional .
« O emprêgo que se adquire por protecção,
e em que se progride automàticamente, é uma
escola de oportunismo, e o oportunismo é a
morte da vida francesa. Devemos ter audá­
cia e saber querer. O furavidismo é mau. Mas
é bom o desejo de ter êxito na vida, enten­
dendo-se que o êxito a deve tornar honrada,
útil e fe-Gunda, e que se trata de conquistar
para o futuro uma fel icidade semeada pelas
nossas mãos e preparada pelo nosso mérito.
't Não haverá já, entre nós, famílias que,
por tais métodos, queiram retemperar o san­
gue da França ? Se há, creio em milagres trans­
formadores. Se não há, nenhum progresso é
viável, e nada j á espero dos belos redentores
que, do alto da sua peanha, nos gritam, de vez
em quando : - " Contem connosco ! �
A questão da orientação que deve dar-se
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1 56 0 LIVRO DA EDUCADORA

aos filhos para terem uma carreira pro\leltosa


e que lhes dê, com o desen\lol\limento de
tôdas as faculdades, um legítimo bem estar e
um belo por\lir, afigura-se-nos ser o ponto
capital da educação dos j ovens.
Por Isso, julgamos útil às mãis transcre\ler
a seguir a seguinte página eloqüente de Paturel,
um dos nossos filais eminentes sociólogos :
c Esforcemo-nos por extinguir nos nossos
filhos o egoísmo tão freqüente na sua idade
em que só se pensa com facilidade em nós
mesmos ou nos nossos prazeres. Orientemo­
-los para uma situação que, permitindo-lhes
ganhar convenientemente a vida, lhes há-de
permitir fazer o maior bem possível às pessoas
que os cercam, exercendo uma ampla influência.
c Parece que estou a ouvir ainda alguns
j o\lens ao saírem do nosso colégio de S. Car­
los para entrarem na Escola Naval :
c Torna-nos felizes o seguirmos uma car­
reira que nos põe em contacto com os h omens,
e nos permite exercer sôbre êles alguma auto­
ridade. Disso nos ha\lemos de aproveitar para
lhes fazermos bem. Se todos os oficiais, se
todos os cristãos assim raciocinassem !
« Ü que é preciso, pois, fazer, pri meiro que
tudo, dos nossos filh os, é - cidadãos que pro­
curem aperfeiçoar-se a si próprios, sendo úteis
aos outros. Façam todos, ao menos, o possí\lel

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A EDUCAÇÃO DOS l'ILHOS ADULTOS 1 57

nesse sentido, embora possamos contar com


bastantes i nsucessos !
e Mas so j ovens têm que escolher o seu
estado, o que devem estudar desde muito
cedo.
«Basta olhar para a nossa nacionalidade.
Está evidentemente congestionada. O afluxo
dos candidatos às carreiras consideradas como
granjeadores do prestígio e da honra, provo­
caram a pletora que origin a essa congestão.
O espírito moderno, procedente do paganismo,
destruiu as corporaçqes de artes e oficios e,
ao mesmo tempo, fêz cair bastante do a ntigo
menosprêzo sôbre os trabalhos manuais, agrí­
colas e comerciais.
c Disto resulta a desenfreada procura de
tôdas as carreiras : fôro, medicina, bancos,
administrações do Estado ou das indústrias,
exército, marinha, que fazem de cada cidadão
um homem notável, à custa de dificuldades de
tôda a ordem, à custa da indepêndencia, e até
da saúde e da vida.
c i Quantos, depois de bacharéis, continuam

a freqüentar as Faculdades, à conquista dos


outros graus universitários, sem terem as meno­
res disposições para a carreira sonhada pela
família, só para ampliarem a vida acadêmica e
adiarem o dever de tomar uma resolução ! Por
êste meio, é que nós temos tantos j ovens, car-

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1 58 0 LIVR.O D A EDU CADOR.A

regados de diplomas, e realmente instruídos,


mas sem terem nem uma só qualidade profis­
sional necessária, e incapazes, aos trinta anos,
de ganharem a sua vida. E, nessa situação, ou
se prolonga a vida celibatária, ou se anda à
caça dos casamentos ricos. Entretanto, em tal
luta pela conservação da vida, i quantas derro­
tas lamentáveis, quantos desalentos, quantas
existências falhadas, quanta diminuição nos
nascimentos, ou por miséria, ou para se evi­
tarem as dificuldades de educação !
c É preciso, pois, descongestionar. O grande

remédio é o restabelecimento da ordem, o


regresso aos trabalhos normais do homem : a
agricultura e as indústrias que lhe são ine­
rentes.
c No nosso país, a norma, o funcionalismo é
o que vem prevalecendo sôbre a essência, o
trabalho vital. A êste urge que se volte sob
pena de enfermidades colectivas, talvez mortais.
c Diante dos nossos olhos, há ainda terras
incultas. Muitas, cultivadas ontem, já h oje não
têm quem as l avre.
c O êxodo dos campos é não só um desas­
tre como uma loucura.
c Os nossos absurdos citadinos julgam que
é impossível viver no campo.
c Pois é muito possível essa vida, e com
tanta felicidade quanta pode haver na terra,

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A EDUCAÇÃO DOS FILHOS ADULTOS 1 59

fazendo todos no campo bem os seus negócios,


porque para tudo há bons m ercados.
cNo campo é que se vive com liberdade,
amplamente, sem constrangimentos, sem a tira­
nia de mundanismos inúteis e penosos que
absorvem tempo e dinheiro.
't Que é um director disto ou daquilo, um
general e até um ministro, ao pé de um culti­
vador que, pagando regularmente a sua renda,
é senhor em sua casa, ou em comparação
dum proprietário que explora os seus bens ?
Muito pouco.
c Deveria, pois, orientar-se a mocidade para

a vida rural, pastoril, que devia ser o m odêlo,


a vida normal, m ostrando-lhe os recursos que
o campo encerra, habituando a ter gostos cam ­
pestres, e, principalmente, o amor dos costu­
mes simples e dos prazeres puros.
c A volta à vida do campo sanearia a França,

e de�pressa daria remédio à desalentadora


diminuição da população.
c Voltem os proprietários à vida das herda­
des, atraindo os cultivadores, desenvolvendo
as Indústrias anexas : com alguns esforços, é
coisa fácil, e o problema angustiante dos nos­
sos dias ficará resolvido.
c Muitos outros misteres, estultamente des­
prezados pela classe burguesa, poderiam dar
também alívios úteis.

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1 60 0 LIVRO D A EDUCADORA

c A educação e a ins'trução de quem os


exercesse levantariam o prestígio dêsses mis­
teres. cA profissão tem o valor . de quem a
exerce., Voltemos ao bom senso, destruído
pelo fetichismo burocrático.
c Conheço um negociante de quinquilharias,
que tem o curso da escola politécnica, um
merceeiro licenciado em letras, e um curtidor
de peles licenciado em direito, que são nas
suas terras, figuras em evidência, e desempe­
nham primorosamente cargos públicos.
c O modesto nome do emprêgo por forma
alguma obsta à cultura primorosa de quem o
exerce, à cultura individual que faz do indiví­
duo, seja em que situação fôr, uma autoridade
social, um perfeito homem de bem e até um
delicado artista.
cA nossa morte são os preconceitos. É pre­
ciso repeli-los e esmagá-los, para se permitir
à mocidade honrada, liberal, religosa, que, em
vez de se esgotar em esforços i nfecundos, se
desenvolva numa existência útil. É preciso
sustar a corrente que arrasta o nosso país
para um abismo.
c Com o auxfllo de Deus, com uma sólida
orientação cristã e social, com boa instrução e
gostos simples, com o regresso às profissões
normais, aos trabalhos fundamentais, pode

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A. EDUCAÇÃO DOS I'ILHOS ADULTOS 161

ainda a França esperar belos dias. Mas urge


aplicar-se o remédio.,

Acima de tudo, a educadora cristã deve ter


em vista a necessidade de formar cristãos.
Quis que os seus filhos, na sua primeira infân­
cia, fôssem crentes. Derramou nêles a semente
da Fé com os primeiros elementos da ciência
humana.
Chega depois a h ora do desenvolvimento
de todos êsses grãos que já lutaram e aspiram
a crescer. Não significa isto que então devam
ocupar lugar secundário os princípios reli­
giosos. Não. Devem estar sempre acima de
tudo, dirigindo os esforços da inteligência cres­
cente e os sentimentos do coração.
Os apóstolos do laicismo espalham que a
Igreja não pode formar homens nem prepará-los
para a conquista de posições sociais. É um
preconceito semeado pela má fé, e que, sendo
uma mentira grosseira, embora com atitudes de
�erdade infalível, prejudica inúmeros pais.
É enorme a lista de h omens eminentes,
sábios, oficiais, engenheiros, escritores, pensa­
dores, que foram colhêr o ensino superior ao
cristianismo e que com êle se educaram, alcan­
çando depois os primeiros lugares sociais.
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162 Ü LiVR.O DA EDUCADOR.A

D e nada carecem, querendo, os alunos das


nossas escolas secundárias livres, para pode­
rem preparar-se, ao sair dos colégios, no sen­
tido de conquistarem qualquer carreira.
São bastante numerosas as escolas cató­
licas de ensino superior profissional que lhes
estão franqueadas.
Ensinam tudo quanto é exigido pelo pro­
gresso científico e pelo desenvolvimento eco­
n ómlco do nosso tempo : o instituto católico de
Lille (medicina e indústria), o de Paris, (indús­
tria, comércio e finanças), os de Beauvals e
Angers (agricultura), os quatro institutos cató­
licos de L l lle, Paris, Leão e Angers (direito,
letras e ciências).
Não tem, pois, desculpa quem abandona
seus filhos às contingências e perigos dum
ensino sem orientação nem segurança moral.
As mãis devem sempre lembrar-se de que,
se a educação é a valorização judiciosa das
faculdades dos seus filhos, e a melhor prepa­
ração do futuro, também as beneficia a elas
próprias por ser uma fonte de alegrias para a
sua velhice.
Nessa orientação das almas vai muito do
seu interêsse. E vem a pêlo repetir, mais opor­
tunamente do que nunca, que, nesse superior
exercício de maternidade, as educadoras têm
sempre a certeza de colherem o que semearam.

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A EDUCAÇÃO DOS FILHOS ADULTOS 165

* *

E permitam - nos, para pormenorizarmos os


seus deveres, insistir sôbre a urgência de cria­
rem nas filhas almas fortes, caracteres viris,
considerando-as já como as espôsas e as mãis
de amanhã.
A senhora baronesa Bertrand Geslin nota
particularmente a necessidade de nelas ser
desenvolvido o sentimento da honra.
Escreve ela :
c A donzela, a futura espôsa, deve ser pre­

parada para realizar o perfeito modêlo da mãt


cristã, não daquela cujo coração nunca trans­
põe as fronteiras do seu lar, mas daquela que,
tendo compreendido a grandeza da sua mis­
são familiar e social, abre a sua alma às mi­
sérias humanas.
c Entretanto, há um ponto da educação fe­

minina que eu desejaria destacar. Quero falar


do sentimento da honra.
c Muitas mulheres propendem para uma par­
ticularização da honra, sepultando-a nos limi­
tes dum terreno que é excessivamente aca­
nhado.
c As que assim pensam, sentem-se mais hu-

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164 0 liVRO DA EDUCADORA

mllhadas perante um atentado contra o bom


tom do que com uma desvirtuação voluntária
da verdade.
c Outras, que nunca desejariam mentir, não
trepidam mesmo em ser um pouco pérfidas,
desde que com isso lisonjeiem o seu orgulh o ..
c Finalmente, muitas ouvem atacar as suas
crenças e não têm a coragem das suas opiniões ..
Tôdas estas fraquezas contrariam a h onra bem
entendida, e muito me assombra que com elas
se não sinta ferida a delicada alma feminina .. •
.

O ideal da educadora deve ser preparar


espôsas delicadas e firmes que conheçam a
vida e se devotem a melh orá-la.
E, a propósito disto, insistimos no dever de
vigilância e de conselho que lhe compete quanto
ao casamento dos seus filhos. Nêsse l ance é
que ela deve aliar, com delicada harmonia, o
sentimento do seu direito de fiscalização e de
autoridade ao respeito pela santa escolha de
um companheiro ou companheir.a para tôda a
vida. Cabe-lhe a tarefa de dirigir essa escolha,
de procurar fazer seus j ovens filhos, ao que­
rerem constituir família. Mas nunca deve i nfluen­
ciá-los pela decisão. c Fazer um casamento,.!é,
muitas vezes, desfazer uma união antes de ela
se ter realizado.
Nesse ponto, como em nenhuma outra situa­
ç ão, deixa a mãi de ter o direito de impor a sua

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A EDUCAÇJI.O DOS fiLHOS ADULTOS 165

vontade, de seguir os seus gostos pessoais, de


proceder segundo os seus interêsses indi<�i­
.duais, com os seus sonhos e simpatias.
Se lhe compete o de�er de exigir o cumpri­
mento de tôdas as condições de con�eniência,
moralidade, e felicidade por�indoira, não possue
o direito de substituir os futuros esposos.
O contrário disto é uma chaga social que
não a�i�aremos mais, tão e�ldente e palpá�el
ela é à luz de exemplos de todos os dias.
Muitas famílias se aniquilam ao nascer com
a prática corrente de tão criminosa mania.
c O amor nem se compra nem se dá. Brota,

como uma faísca, entre os pólos de dois cora­


ções. A felicidade dum lar, o futuro dum casal,
não dependem só dum dote, e sim, principal­
mente, duma contínua corrente de caracteres e
.de sentimentos recíprocos - qualidades essen­
ciais de harmonia entre esposos.
«As mãis devem orientar tudo no sentido
dessa harmonia. A famíli a é a primeira célula
da s ociedade, o viveiro dos cidadãos úteis à
pátria, a reser�a dos homens fortes e crentes
que constituem a Igreja - esta sociedade p or
excelência sem a qual as outras não passam
de aglomerados humanos sem um ideal e sem
um fim. Muito bom é dar ao país homens e
mulheres de carácter ; mas melhor é ainda
preparar esposos que considerem o casamento

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1 66 0 L!VR.O DA EDUCADOR.A

não uma associação de interêsses, ou uma


união banal de existências, mas sim a obra
social por excelência e a tarefa santa de per·
petuar uma raça n as tradições e na virtude:..
c Filhos educados por mãis dignas do nome

de mãis, e associando a vida a consortes com


a mesma dignidade, podem afrontar o futuro,
seja êle qual fôr > .
Tal será a coroação d a obra d a educadora.
E, quando os seus filhos, penetrados pela sua
influência, fortificados com as armas escolhidas
e triunfais que o coração materno ministrou,
se forem embora, cheios de coragem, a tomar
sôbre os ombros, por seu turno, o fardo Imposto
pel a vida, ela poderá dizer :
- São de-veras filhos do meu amor. Reali­
zam os meus sonhos. Satisfazem os m eus an­
seios. Nada neles me é estranho. Os seus pen­
samentos são os meus, e assim as suas aspi­
rações e virtude. Reconheço-me nas suas
feições. As nossas almas são iguais.

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CAPÍTULO VIII

A educação dos filhos


depois de entrarem na vida

Mesmo depois de se tornarem chefes de


família, os filhos reconhecem ainda a necessi­
dade de sentir junto de si o apoio da mãi, a
fôrça dos seus conselhos, o amparo do seu
afecto. Se ela de-veras m odelou pela sua a
alma dêles, desenvolvendo o espírito de famí­
lia, fica sempre a sua amiga preferida, a com­
panh eira amada que, com a sua ternura exerce
tôda a vigilância, e cuja experiência fortifica e
alenta os que estão empolgados agora pelas
canseiras da vida.
Casando, a donzela vê-se transportada para
um am blente novo, onde é preciso agora pôr
em acção tôdas as suas faculdades, tendo de
assegurar a felicidade do seu marido. O papel
de espôsa é uma realeza mais penosa do que
a princípio julgava. Evolados os primeiros en­
cantos, os primeiros intensos júbilos, ou atenua-
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168 0 LiVR.O DA EDUCADOR.A

dos, pelo menos, no caso de não terem desapa­


recido, impõe-se-lhe o dever com o austero
aspecto de mil obrigações, de-certo previstas
por ela, mas sem compreender todo o seu rigor i
E eis porque a mãi nunca se deve tornaf
aos filhos, uma estranha, uma pessoa que pass a
para a categoria das simples relações, de �
xando de ter no jovem lar a privilegiada e
condigna evi dência da continuação das suas
novas prerogativas.
O novo casal deve ser para ela uma exten­
são da família e, portanto, um campo de expe•
riência ampliado para a sua maternidade. Conhe­
cemos dêsses casos - e, graças a Deus, não
são ainda tão raros como muitos querem - em
que a mãl sem tolher os direitos e a iniciati\•a
da j ovem espôsa, é um precioso auxiliar da
sua filha, contribuindo muito, pelo tato, pela
delicadeza e pela abnegação, para a consoli­
dação do amor conjugal e daquela felicidade
doméstica, que, em parte, ainda é a sua.
A j ovem deve encontrar então na mãi um
au.riliar activo e delicado, uma conselheira
criteriosa, e, caso seja preciso, uma consola­
dora e um apoio.
No princípio do�casamento, está a espôsa
entregue às suas próprias fôrças. Tem de orga­
nizar a felicidade dos dois, não só m oralmente
como em tôdas as particularidades materiais.
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A eDUCAÇÃO DOS fiLHOS 1 69

A vida não é um romance. A cada passo, é


preciso descer dos gozos i deais às realidades
práticas. Não oferece dúVIda que ela já adqui­
riu na educação familiar muitas noções teóri­
cas, uma provisão de conhecimentos técnicos.
Mas a sua aplicação não raro é mais difícil
do que o que se esperava. Surgem mil dificul­
dades que não se supunham e obstáculos ines­
perados.
P ortanto, nada mais útil, nesse momento, à
jovem dona de casa do que o auxílio sempre
pronto e sempre ao seu alcance, o auxílio catl·
vante que lhe 'Vai suavizar as primeiras pro­
vações.
Ora êsse apoio, encontra-o na mãi, que lho
pode dar com desinterêsse. Continua a j ovem
a ser, como dantes, a filha bem-amada, a que­
rida para quem convergem as melhores prefe­
rências da que foi sempre a mamã.
E esta, compreendendo não estar ainda
finda a sua tarefa, feliz por se dedicar, agor,
como sempre, ao bem da sua filha, ansiando
por ser até ao fim da sua vida o apoio esco­
lhido, e o guia seguro, de todo o coração dá o
seu tempo e o seu trabalho, o seu talento de
dona de casa e a sua bondade, para assegurar
tôda a felicidade do novo lar.
Devem, portanto, trabalhar ambas, como
duas amigas, colaborando na mesma tarefa, -

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170 0 LIVRO DA EDUCADORA

a mãi, oferecendo o concurso da experiência,


e a filha, aceitando-o e facilitando-o.
Não faltam os lares prósperos e florescen­
tes, casas cheias de ordem, regidas pela melhor
economia, verdadeiros asilos do bem-estar, só
porque mãis vigilantes por elas se dedicam,
consagrando-lhes os seus cuidados e, ficando
como que invisíveis ou num papel secundário
na aparência, em tudo imprimem o cunho da
sua colaboração fecunda.
É êste um apostolado que as verdadeiras
senhoras gostam de exercer. Assim prolongam
a sua autoridade e satisfazem o seu desejo de
ficar educadoras até quando seus filhos se
dispersam.

* *

A mãi não só pode socorrer materialmente


a filha como oferecer-lhe o reconfôrto moral
dos seus conselhos.
Lamentam-se muitas mãis de que o casa­
mento afasta os filhos, separa-os da família,
fazendo-lhes esquecer os laços que ainda sub­
sistem, e que fácilmente se distendem e até
quebram.
Tal facto pode ser devido às jovens espô­
sas, mas também é culpa das mãis. Como já

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A EDUCAÇÃO DOS FILHOS 17l

dissemos, elas devem modificar, segundo as


circunstâncias, a sua maneira de intervir na
vida dos filhos, porque, depois de casados, têm
junto dêles apenas voto consultivo. Já não
manda, porque é obrigada a respeitar a liber­
dade dos novos chefes de família, mas pode
ser imensamente útil nos seus conselhos.
i Há tantas maneiras de aconselhar sem
imposição, de insinuar delicadamente as opi­
niões com um fino critério das necessidades,
das circunstâncias e até dos melindres !
Nenhuma j ovem senhora, educada nos prin­
cípios do respeito e da afectuosa obediência a
seus pais, deixa de, tarde ou cedo, pedir a
luz para o seu caminho, às vezes sombrio,
àquela que desde semJ,M"e tão bem a guiou
na vida.
E, até se a principio repele tais conselhos
'
ditados pela experiência, parecendo m e nos-
prezá-los, julgá-los inúteis, hoje ou amanhã
há-de compreender-lhes a utilidade.
Quantas vezes, fatigada e desalentada, hesi­
tante nas resoluções a tomar, inquieta ao ver
diante de si uma das inúmeras complicações da
vida que deprimem as mais vigorosas energias
e desalentam as melhores vontades, quantas
vezes essa criança grande não há-de pensar :
- Vou preguntar à mamã. Ela dir-me-á o
que devo fazer !

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1 72 Ü LIVR.O DA EDUCADOR.A

A mãi, conselheira delicada e sempre pronta,


deve também, em certas ocasiões, tornar-se a
consoladora da filha, ou do filho, entrados na
vida. E é ainda, e até mais do que nunca,
quando casados, que êles carecem daquele
m oral apoio dum ser, superior em autoridade,
apoio que deve ser sólido e terno, s empre
prestável.
Há momentos na vida em que não basta o
auxílio duma inteligência esclarecida ; torna-se
necessário o apoio dum coração, o reconfôrto
duma dedicação, a fôrça dum afecto seguro e
sempre pronto. Ora, só o amor maternal pode
dar tudo isso.
Os caracteres mais bem temperados aca ­
bam sempre por se �ocar no contacto perma­
nente da Vida conjugal. Há mil asperezas insi­
gnificantes, invisíveis a princípio, que depois
se revelam e ferem sem falta. Daí êsses des­
gostos supervenientes, essas feridas leves, mas
dolorosas : contrariedades, teimosias, pala�ras
amargas, impertinências mal compreendidas,
tôda a série de mal-entendidos que fartamente
envenenam e comprometem a paz.
Para extinguir essas susceptibilidades, para
reaproximar essas almas afastadas por um
momento, para reatar o enlace dessas mãos,
é preciso um juiz com a sua equldade dirigida
pela ternura, um consolador que encontra, na

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A EDUCAÇÃO DOS FILHOS 175

experiência e na serenidade, razões suscep­


ti\leis de convencer e sentimentos capazes d e
comover.
H á chagas a curar. Não é o primeiro adven­
tício que pode desempenh ar tal papel. Carece-se
dum a dedicação prodigiosa, duma p erfeita ci ên­
cia das gradações. Emfim, só pode ser útil o
curativo amor de mãi.
Conhecemos um lar onde a luz da lua de
mel de-pressa se entenebrecera com mal-enten­
didos, leves a princípio, mas que ràpidamente
se tornaram ofensas penosas e inquietadoras.
Os dois cônjuges continuavam a a m ar-se, mas
as questões, cada \lez mais freqüentes, pertur­
ba\lam-nos a tôda a h ora, ameaçando o futuro.
A princípio, aqueles noivinhos sofreram sós,
calando as suas angústias. Mas, como a sua
inquietação aumentasse, foram-se convencendo
de que as boas resoluções, esquecidas a cada
passo, eram já insuficientes para assegurar o
sossêgo e proporcionar uma felicidade dura­
doira.
Um dia, depois duma das cenas mais v i o­
l entas que tinham tido, o marido, compreen­
dendo que era preciso pôr têrmo àquilo e
empregar meios enérgicos para se e\litarem
grandes m al es, propôs :
- (.i E se fôssemos v er o que a mamã nos
dizi a ? !

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174 0 LIVRO DA EDUCADORA

Esta frase representou para ambos uma re­


velação. Foram visitar a mãi dela, indo talvez
cada um com a secreta esperança de fazer
valer as suas razões. Mas foram-se subme­
tendo os dois adversários à arbitragem da
c: mamã , . E esta foi tão hábil, que soube liqui­
dar a questão sem desgostar nenhum dos dois.
Abraçaram-se, perdoando tudo um ao outro.
E, o que tem mais valor, prometeram recorrer
em tôdas as circunstâncias ao julgamento tão
firme e desinteressado da querida senh ora que
ambos amavam com igual afecto. Foi ela o traço
de união. A paz estabeleceu-se no lar. Torna­
ram-se as questões cada vez mais raras e, logo
que surgia um conflito maior, dizia um dêles :
- Vamos à mamã.
Ba stava quási sempre êste pensamento para
se acalmarem.
A mamã tinha realizado tôda a sua tarefa
maternal e consolidado a felicidade dum lar
que, sem ela, teria ficado na ruína.

§ 2.o

Se o papel da mãi é auxiliar com tôda a


sua dedicação os filhos que reclamam o seu
auxílio e conselhos, nem por isso deixa de ser
indispensável que nesse papel deva usar de
prudência e de moderação.

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A EDUCAÇÃO DOS l'ILHOS 175

Ela possue a autoridade que lhe permite man­


dar, e o privilégio i ndiscutível de dispor tudo
como acha conveniente. Contudo, n�o deve le­
var êsse hábito ·de exercer o poder sem contra­
dição até ultrapassar os limites dos seus direitos.
Se .há l ares incipientes que levianamente
repelem o apoio e os conselhos das mãis, tam­
bém devemos notar que algumas se esquecem
das regras da prudência e dos princípios da.
delicadeza.
Muitas vezes as julgam, e não sem justiça,
indiscretas, maçadoras e até mexeriqueiras.
Não se compenetram bastante d� verdade de
que, nas novas circunstâncias, já não têm o
direito de impor a sua vontade, e antes devem
esforçar-se por que a admitam. O melhor - e
não é isto tão raro como geralmente julgam ­
é conseguir tudo à custa de tato, principal­
mente de doçura, fazendo-se desejar.
Deve ser, n a verdade, penoso para a mãi ver
que os seus filhos fogem dela, pois que - prin­
cipalmente se sempre foi activa a sua vigilân­
cia - filho ou filha são sempre para ela os seus
pequenos. Nem sempre o seu coração se h ar·
moniza com a sua razão, espantando- se de ver
evaporar-se parte daquela ternura exteriorizada
pela maior diligência, por uma vigilância mais
cerrada, por uma autoridade mais absoluta.
Mas, a-pesar-de isso, tem a mãi que resi-

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176 Ü LJV�O DA EDUCADORA

gnar-se a ceder essa preponderância e a de­


sapossar-se duma parte dos seus antigos direi­
tos de que é esbulhada pela nova situação.
Tem de julgar a realidade sem preconcei­
tos, sacrificando generosamente as suas prefe­
rências, evitando, acima de tudo, e custe o que
custar, o tornar-se causa de discórdia. Caso veja
que a sua intervenção, em vez de ser útil , se
torna embaraçosa, e que encontra nos filhos
uma resistência que chega a ser penosa e até
dolorosa para o seu amor próprio, o seu dever
é ter a coragem de s e afastar. A missão dela é
estabelecer a paz e a ordem. Não o podendo
conseguir, nunca a sua presença deve propor­
cionar mal-entendidos e, muitíssimo menos,
alimentar inimizades.

* *

Há m ãls que são acessíveis, até sem darem


por Isso, à cultura dum sentimento de ciúme
que revestem, aliás, e muitas vezes de boa fé,
com o belo pretexto do amor maternal.
Tão fortes são as leis da natureza, que é fa­
cflimo as mãis terem má vontade àqueles ou
àquelas que lhes roubaram os seus f}lhos. Estes,
tornados esposos, compartilham o seu coração
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A EDUCAÇÃO DOS fiLHOS 177

e parecem, por vezes, dedicar m ais afecto ao


ser que escolheram para companheiro e amparo
de tôda a sua vida.
E daf resultam as legendárias susceptibili­
dades entre os j ovens esposos e as sogras.
É uma situação tão vulgar, e até diremos tão
natural, que as comédias, canções e em geral
tôda a literatura humorística que v ive dos ridí­
culos humanos, lá procura o assunto dos seus
gracejos sem fim.
De resto, há excessiva facilidade em rir da­
quela anomalia da existência. Essa anomalia
inflige tantas vezes às famílias tais contratem­
pos, originando tantos desgostos, más vontades
e até ódios, que multo melhor seria procurar­
-lhe remédio do que fazer disso o tema de
farças e revistas.
Parece-nos que se evitariam muitos desgos­
tos e até desgraças, se as mãis soubessem sa­
crificar os seus melindres pessoais, tendo, acima
de tudo, em vista a tranqüilidade dos jovens
desposados.
Mas, com a evidentíssima depressão do es­
pírito do cristianismo que hoje se nota, nada
admira que intervenha o egoísmo, quando o que
se finpunha era. a perfeita generosidade. Os
filhos, entrando n a vida, criam um novo estado
de coisas. Pertencem às suas novas funções de
esposos e de pais. Sem ficarem estranhos à sua

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1 78 0 LiVRO DA EDUCADORA

família de origem, pertencem à que criaram,


e é preciso a tranqüilidade.
No caso de poder intervir com eficácia, cabe
à mamã colaborar com quem carece ainda do
seu amor. Mas não deve pretender, leviana­
mente, tiranizar os sêres que educou, só porque
assim queira dispô-los melhor para a sua actual
existência. E deve considerar como o maior dos
seus deveres unir, quanto possível, os que pelos
sacramentos e, portanto, por Deus, se ligaram
na associação tão íntima, intangível e divina,
chamada casamento.
Mas, emflm, seja qual fôr a situação dos
seus filhos, a verdadeira mãí só deve ter, neste
ponto, um cuidado : o de poder verificar que os
mesmos seus filhos cumprem a missão que a
Providência lhes assinalou, e que o fazem com
virtude, coragem, justiça, e noção pura do dever.
O papel da mãi neste seu período da vida
é rejubilar com as alegrias e sofrer com as
amarguras dos seus filhos, fazendo por aumen­
tar os júbilos e por suavizar os desgostos, tanto
quanto esteja ao alcance das suas fôrças e da
sua dedicação.
O seu dever é ainda constituir um laço de
união entre os esposos, ampliando para isso o seu
coração, tornando-o mais acolhedor, m ais hos­
pitaleiro e am orávet, para que os filhos disper­
sos se reünam sempre na mesma intimidade.

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CAPÍTULO IX

A mãi fica sempre a educadora

Tudo chega neste mundo - inclusas a ve­


lhice e as cãs. Tem a velhice a sua doçura.
As cãs têm a sua beleza.
A maternidade não possue melhor coroa,
ornamento respeitado do bom senso e da expe ­
riência que se oferecem com mais ternura e
com mais magnanimidade.
Não raro ouvimos dizer a avós venerandas
com a melancolia peculiar às modéstias como­
ventes :
- Agora, já não sirvo para nada ! . . .
Sente-se tentação de lhes responder :
- Mas, pelo contrário, sois úteis para algo,
e até para muito, porque tendes um coração e
continuais a amar !
É que o coração não envelhece. Afronta as
injúrias do tempo. Sorri e reconforta como o
sol, que é sempre j ovem, que é sempre o
mesmo, num céu de inverno.
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1 80 0 LIVRO D A EDUCADORA

E, quando a neve cobre a terra, ou as exis­


tências humanas, o amor e o sol são mais
deliciosos de ver e sentir, por isso que o seu
calor é mais raro e é mais clara a sua luz.
Oh ! que boas e preciosas educadoras são
as nossas Vélhas av(ís, essas anciãs veneradas
que têm o vivo encanto protector das tradições
e que no seu amor espalham o seu antigo
sorriso !
Ternuras das avós ! Conselhos das avós f
Histórias das avós ! Sempre a série dos seus
ensinamentos, a vitória das suas lições, a flo­
rescência das suas virtudes.
Vitor Hugo escreveu a A rte de ser avô�
porque é uma arte que pode aprender-se, e os.
homens correm o risco de esquecer o amor e
as deliciosas diplomacias com que se mani­
festa. As mulheres, nunca . Vivem do amor.
É como que a respiração da sua alma, o ritmo·
da sua vida.
Não ! nem as mãis chegadas à velhice dei­
xam nunca de ser educadoras. Apenas mudam
de processos. Aureola-se 11e bondade a sua
autoridade. Mas essa mesma doçura é forte,.
e os seus conselhos têm alcance mais lato.
Não há nada mais comovente do que a avó
a dar às crianças de tôdas as idades as noções
da vida e as lições da experiência. As suas
práticas são ungidas pelo misterioso perfume

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A MÃI FICA SEMPR.E A EDUCADOR-A 181

das coisas antigas, como os missais que ainda


conservam nas suas páginas as flores sêcas,
sempre odoríferas.
Muitas vezes, as crianças ouvem-nas mais
do que às mãis. A sua voz, ainda que sumida,
embora fraca, tem a soberana eloqüência e
a impressionante solenidade dum testamento.
Começam por ouvi-las, sorrindo, e acabam às
-vezes por chorar.
Felizes aquelas que, na sua mocidade, com­
preenderam os grandes deveres da educação !
Essas conservam o doce hábito e também a
ciência de educar, exercendo-os nos extremos
limites da idade. Mesmo achacosas, imobili­
zadas pelas enfermidades, de cabeça trémula
e de olhos mortiços, continuam a ser as inspi­
radoras da fôrça, da actividade, os anj os ·da
guarda do lar, os melhores guias da famíl ia.
Ê ste livro, não sendo escrito para as avós, di­
rige-se a quem o virá a ser. Desejaríamos que,
desde já, as mãis reflectissem nisso, pensando
em que essa hora também há-de chegar um dia.
A s mamãs de hoje são as avós de amanhã.
Nesse tempo, terão, como educadoras, o valor
que hoje têm.
Sej a-nos, pois, licito i nsistir sôbre um dever
importante dessa última e tão fecunda mater­
nidade : firmeza na doçura, autoridade na
mansidão.
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182 Ü LlVI{O DA EDUCADORA

Freqüentemente se ou\le às mulheres ()


seguinte, que parece natural, e, contudo, briga
com a lógica e fere o bom-senso :
- Minha mãi que foi para mim tão áspera,
não me deixa educar bem os filhos, porque os
estraga com mimo.
É um facto notório. Afirmamos que é um
grande mal. Nunca se beneficiam as crianci­
nhas, sofrendo-lhes todos os caprichos, e nunca
somos \lélhos demais para lhes corrigi rmos os
defeitos.
Bem sei que a a\16 tem todo o interêsse
em chamar a si a ternura dos pequeninos que
a cercam, e que, habilíssimos em diplom acia,
compreendem que a \lelhlce é similar da in­
fancia e, por isso mesmo, disposta a ter con­
descendências que, a cada passo, ch egam a
ser fraquezas.
i Que obstáculo à autoridade materna não
opõem essas finas astúcias para se e\litarem
repreensões, êsses afagos às escondidas, essas
atenuações secretas de faltas, atenuações que
visam a destruir a própria gra\lidade das mes­
mas faltas ! � E como qualificaremos as inter­
venções desastrosas que impedem o castigo,
achando tôdas as desculpas a torto e a di­
reito ?
Bébé procedeu mal . Mereceu um castigo.
Foge para a a'\16 que intercede por êle, suplica ...

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A MÃI fiCA SEMP�E A EDUCAOORA 1 85

quando não chega a censurar quem teve a


crueldade de fazer chorar o netinho.
O pequeno compreenderia doutra maneira
a necessidade de proceder bem, se a própria
avó se tornasse um juiz imparcial, obrigado,
por vezes, a mostrar-se severo.
c Sabes como sou tua amiga. Pois, por isso

mesmo, desgosta-me multo ver-te preguiçoso,


guloso ou desabrido ,.
Tal bondade, quási tornada rigor, impres­
sionaria, mais do que tudo, a criança. Não
tendo tido mêdo de contrariar a mài, temeria
fazer chorar a avó. E esta teria sido m elhor
para o neto, boa como nunca, porque lhe teria
dado uma lição de virtude.

* *

Tudo se encadeia tanto no mundo mora


como no mundo físico. A avó não é apenas a·
alegria d a infância. É também a sua luz.
A ela se deve que as filhas se pareçam com
a mãi, e que os fjlhos, casando, m a nifestem na
casa conjugal as virtudes de ·que tiveram o
exemplo no lar maternal.
Não posso fugir à tentação de transcrever
a qui o m agnífico Quadro de família e s crito
por Anastácio Grün, conde de Auerperg .
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184 0 LIVRO DA EDUCADORA

Diz êle :
«O avô e a avó estavam sentados no jar­
dim. Pairava nos seus rostos um sorriso doce
como o sol dum dia de I nverno.
c-Eu, minha mulher e os nossos filhos está­
vamos sentados ao pé dêles.
c Aos nossos pés, um regato murmurava a
sua balbuciante canção de viagem. Nuvens
deslizavam silenciosamente no céu, e depois
perdíamo-las de vista.
<< Sussurava no arvoredo uma folhagem es­
cassa e murcha. O ' tempo roçava por nós sem
ruido, fugitivamente.
«O vélho par tranqüilo contemplava os jo­
vens esposos e seus filh inhos. Tínhamos, num
espelho límpido e fiel, as duas fases da vida.
« Olhando para nós, os dois Vélhos pensa­
vam nos belos dias passados ; e nós ao vê-los,
sentíam o-rtos impelidos a pensar num futuro
longínquo. ,
Todos conhecem a afeição dos netos pelas
avós, afeição que se explica pelos afectuosos
cuidados, cheios de dedicação, que a avó lhes
dispensou desde o berço. A avó enche-os de
carícias, de guloseimas, e até os desculpa de
qualquer falta, junto dos pais.
Dir- se-ia que, vendo quási finda a sua ta­
refa, a educadora pretende esgotar tudo quanto
lhe resta ainda de dedicação e bondade.

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A MÃI FICA SEMPRE A EDUCADORA 1 85

Dissemos no Livro da Mãi :


«Nada de melhor pode desejar a ma1or1a
das mãis do que v irem a ser avós. É o prolon­
gamento da sua criação, a propaganda da sua
obra, o seu sangue a animar novos s êres ­
n os seus n etos tornam a ver a infância dos
seus próprios filhos. Tutelando aqueles recém­
-nascidos, reencontram os primeiros júbilos da
maternidade. Recomeçam a sua v ida maternal
junto daqueles berços.
E as crianças correspondem de-veras a
essa ternura das avós. A propósito, teria remor­
sos, se não transcrevesse para aqui um dos
lindos contos que Berthem-Bontoux (De ci,
de ld}, publicou num livro delicioso.
É o conto intitulado - A avó.
" Li li gosta de tudo que é da sua avó : dos
belos cabelos que lhe molduram de anéis pra­
teados o rosto, os olhos tão meigos quando
fitam a netinha, os lábios que sorriem sempre,
e as suas mãos delicadas que enxugam o suor
das fontes e acariciam com ternura as pálpe­
bras cheias de l ágrimas.
« Quando Lili tem procedido bem, a avó
chama-a para ao pé de si e conta-lhe, durante
um grande .p edaço de tempo, uma dessas lin­
das histórias de outrora, de quando a avó tam­
bém era pequenina - facto que parece impos­
sível à Lili.

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186 0 LIVRO DA EDUCADORA

" i i Pois então a querida avózinha, que tão


poucas vezes sai do seu quarto e se levanta
da cadeira para ir ver ao jardim o floresci·
menta das plantas que o bom Deus nos dá, e
aspirar o ar perfumado, foi uma criancinha,
como Lili, e correu, como a Lili, ligeira, pelo
prado fora, à caça das m ariposas multicores ? !
"E a pequenina pensadora diz lá para con-
sigo :
«- Deve ser muito triste o envelhecer !
• E, depois, reflectindo :
«- i E se eu alegrasse um bocadinho a
alma de minha avó, que é tão velhinha ?
« E Lili, que modestamente se intitula o
clarão de sol da avó, lá vai acompanhá-la com
bondade durante l ongas horas.
«E assim começam entre aqueles dois sêres,
unidos pelo parentesco do coração, uma des·
sas conversas deliciosas em que a experiente
e benévola alma de mulher parece retempe­
rar-se na alma juvenil da criança.
« E se preguntarem à Lili porque é que
gosta tanto da avó, ela responderá, com um
clarão rosado na face :
c - Oh ! a minha avó é mesmo uma santi·

nha ! . · "
.

Ê ste punhado de linhas explica, melhor do


que muitas páginas, o estado de alma da avó,
educadora dos net ó s. As mãi_s que lerem isto

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A MÃI fiCA SEMPRE A EDUCADORA lBT

hão-de sentir menos inquietação ao verem par­


tir os seus filhos, porque h ão-de pensar nas
felicidades futuras e na nobre tarefa que lhes
cabe até aos últimos dias da vida.
Disse Michelet :
cNada se parece mais com -a infância e
nada lhe desperta mais amor do que a segunda
infância, experimentada, reflectida, que s e
chama a velhice e que com tanta sabedoria
ouve, como ninguém, as vozes das primeiras
idades.•
*

* *

A bondade ! Em certas ocasiões, devería­


mos antes dizer : a fortuna divina, a piedade
redentora.
É indescritível o supremo socorro, a conso­
lação, a esperança que palpitam no coração
das mãis pelos seus filhos já chegados à idade
madura e até ao princípio da velhice. i � Quan­
tas reconsiderações inesperadas, quantas con­
versões e arrependimentos se devem às preces
dessas providências visíveis, à sua infatigável
acção, às suas fecundas inquietações, aos seus
sofrimentos, às suas lágrimas, e até mesmo à
sua morte ? !
Muitos filhos libertinos se têm atascado até
ao delírio nos praze res degradantes, descendo,

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1 88 0 LiVRO DA EDUCADORA

d e abismo em abismo, até ao fundo de tôdas


as vergonhas, caindo no desprêzo, abisman­
do-se na lama, pobres sêres enterrados vivos
na ignomínia, sepultados na deshonra, e que a
mãi salvou, senão da reprovação do mundo,
ao menos, do castigo de Deus.
Seria interminável a lista dêsses crimino­
sos empedernidos, dêsses sêres corrutos, que
o amor materno procurou sem descanso em
tôdas as encruzilhadas do Vício, arrancando-os
à vida abominável, e rehabilitando-os à fôrça
de ternura.
Parece quE o Criador deu à sua alma parte
da sua misericórdia infatigável e da sua pie­
d ade infinita. Elas amam até ao fi m e com
tanto mais ardor quanto mais seus filhos se
transviam.
Alguém, falando da divina parábola do Filho
Pródigo, fazia êste criterioso reparo :
- Se o pródigo tivesse mãi, ela não o teria
esperado no limiar da casa : teria percorrido
tudo, e tê-lo-ia trazido nos braços e de encon·
tro ao coração.
Há, infelizmente, sempre filhos transviados,
pródigos que se esqueceram d9 lar, que o aban·
danaram para ceder ao atractivo das suas
pa ixões, arrebatados pela s vertigens do prazer,
l evados na torrente em que s ossobram tantas
existências desamparadas.

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A MÃI fiCA SEMPR.E A EDUCADORA 1 89

Vê-se isso todos os dias. Há famíl ias de luto,


chorando essas deserções piores do que a
morte. Não escasseiam famílias assim enlutadas.
A maior parte das \lezes, o pai amaldiçoa.
O seu coração fecha-se sob a influência do seu
amor-próprio ofendido, da sua honra manch ada,
da sua bondade desprezada com tamanha i ngra­
tidão. Tudo isto cansa a sua piedade.
A mãi é que conserva uma esperança que
por nada se desalenta. Pensa em reconstruir,
quando todos pensam em demolir. Ama sem·
pre, embora só ouça maldições.
E é sempre para ela que s e estendem os
braços do culpado, quando se arrepende do
seu l ongo trans\lio. É no seio dela que correm
as primeiras lágrimas do arrependimento e da
expiação . . .
Pôs Deus nas mãos dela a chave de oiro
do perdão. Dela fêz Deus o mandatário da sua
clemência. O mundo, que julga com rigor sobe­
rano aqueles que êle mesmo perdeu, recusan·
do-lhes tôda a compaixão de\lida a os culpados
a quem se perdoa, chama àquilo fraqueza. Mas
a humanidade enternecida chama-lhe o mila·
gre do amor.
Mulheres cristãs, mãis extremosas, foi a
\lós que a Provi dência confiou o cuidado das
reparações das faltas dos \!ossos filhos, a
tarefa augusta de amparar os que \lacilam, de

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1 90 0 LIVRO DA EDUCADORA

olhar pelos que foram feridos pela vida, de


levantar os que caem.
Perante a vossa extrema solicitude e a
vossa atenta e sublime piedade, deixa de haver
h omens criminosos e culpados : há sêres fra­
cos, verdadeiras c cri ancinhas , que ides criar
de novo no vosso seio, embalar nos vossos
braços, consolar de encontro ao coração.

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CAP ÍTULO X

A mul h er, educadora social

Não se limita à vida do lar a influência da


mãi educadora. Sem talvez pensar no conside­
rável alcance dos seus ensinamentos, a mãi
trabalhou pela socie d ade ao formar os filhos
para as lutas da Vida, tornando-os capazes
de engrandecer o património das tradições
e de serem os tesoureiros das virtudes domés­
ticas.
Tôda a fôrça vital dum pais, tôda a sua
prosperidade, h onra e grandeza nacional, pal­
pitam em germe na família, sendo a educação
quem lhes dá fecundidade.
É então qpe a mãi é grande no seu papel,
porque, além dos seus filhos que crescem,
pode v er a Pátria que tem esperança nêles e
que por êles espera.
É ela a provisória dessas fôrças vivas, dês­
ses impulsos para o progresso, dessas vastas
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192 0 LIVR.O DA .EDUCADOR.A

organizações que vizam à felicidade do povo,


assegurando-a e dilatando-a.
Tal missão é tão gloriosa como formidável.
Porque tanto tem sido esquecida, é que tantos
males assolam o nosso organismo social, com­
prometendo a segurança dos dias de amanhã.
Falta aos filhos essa formação moral que
torna os homens úteis e os cidadãos dedica­
dos. Por seu turno, os homens apenas possuem
um mínimo contingente de virtudes, energia e
caridade. Assim como a grande associação
humana revela tôdas as fraquezas e taras de
cada uma das famíli a s que a constituem, assim
também um grande rio manifesta, na sua falta
de limpidez, a impureza de cada gota de água
que toma parte na sua corrente.
Tem, pois, a mãi uma sublime tarefa a cum­
prir. A sua acção é dum �llcance considerável.
As conseqüências da sua Influência esten­
dem-se infinitamente, ramificam-se e prolon­
gam-se pelo futuro e até aos gerais i nterêsses
da humanidade.
Ah ! que país nós teríamos, se tôdas as
mulheres quisessem aceitar as suas responsa­
bilidades, compenetrando-se desta grande ver·
dade : - tal famflia, tal sociedade ! Se elas
compreendessem que está nas suas mãos tô a a
a salvação, tôda a regeneração, tôda a reden­
ção ! Bastar-lhes-ia para isso dar ao país ver·
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A MULHER EDUCADORA SOCIAL 193

dadeiros caracteres, e, sabendo que nada é


demasiadamente bom nem belo demais para
o engrandecimento dum povo, preparar-lhe
homens e mulheres de valor, valentes e luta­
dores dos que não temem nem os encargos
duma família numerosa, nem as canseiras duma
profissão que reclame o esfôrço corajoso.
l Quando saberão elas ver, nos pequeninos
que embalam, almas, i sto é, fôrças, Impulsos,
luzes porvindoiras ?
A senhora condessa de Diesbach definiu
assim o papel social da mulher moderna :
c Deus concedeu-lhe um lugar de rainha no
lar doméstico, p ara que tivesse não só a
influência no lar como em tôda a sociedade.
Tal é a sua lei, que devia conhecer profunda­
mente e da qual devia fazer o seu pão quoti­
diano de que devia viver.
c Faltando a mulher à famflia, a família
desaba fatalmente e, com ela, as bases da
sociedade. A mulher tem nas suas mãos o
nó d e muitas questões sociais, e, visto que
possue o direito, a missão de educar os seus
filhos, deve aproveitá-lo em fazer homens de
carácter vigoroso, de alma forte, dos que a
tempestade pode abalar, mas não esmagar, e
em educar mulheres sem mêdo da adversidade
e do sofrimento.
c Ninguém, além de Deus, pode sondar o

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1 94 Ü LIVR.O D A EDUCADOR.A

tesoiro de ternura e dedicação inteligentes en­


cerrado no coração da mãi que é digna da sua
missão. Precisa de coragem, porque quási sem ·
pre actua à custa de si própria. Necessita de
paciência, porque a sua tarefa nunca tem fim.
Carece de perseverança, porque a sua acção
social começa aos pés do berço dos seus
filhos. Continua sem afrouxar, fazendo-se sen­
tir a sua influência não só nas grandes deci­
sões a tomar quanto à escola, carreiras a se­
guir, estabelecimentos d e ensino, mas ainda
nos mil pormenores da vida, causas secunda·
rias que fazem a vida como ela é.
« Tenhamos a certeza de que, no dia em
que a família corresponder ao fim i ndicado
por Jesus Cristo ao fundar o lar da família
cristã, a França deixarà de ser doente. Recu­
p erará . o seu antigo vigor, o seu lugar entre
as nações, e o futuro dos nossos filhos será o
que podem desejar os nossos corações de cris·
tãos e de franceses.»
Esta missão tão necessária como excessl·
vamente menosprezada, foi definida pelo padre
Félix, numa página magistral que resume os
princípios fundamentais da regeneração pre­
parada pela família. cristã.
Escreveu o padre Félix :
«Abaixo da sociedade em geral, está a
sociedade doméstica. Abaixo da Pátria está 11

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A MULHER. EDUCADOR.A SOCIAL 195

Família. Prende-se tão radicalmente a primeira


à segunda, que os progressos e decadências
dum a andam indissoluvelmente unidas aos pro­
gressos e decadências da outra. O rio da vida
social brota da v ida doméstica. A família é
a nascente viva da Pátria, nascente sempre
aberta e inesgotável, porque se enche perpe­
tuamente por meio de canais tão bem cavados
por Deus, que, pela sua profundidade, ficam
fora do alcance das mãos dos homens.
« Ora as águas que correm nos leitos dos
rios não se distinguem das águas que brotaram
das nascentes. Imaginai por momentos uma
sociedade composta, na sua enorme maioria,
de famílias pervertidas pela inteligência, cor­
rompidas pelo coração, pob:es pelo sangue.
Sej a qual fôr a superioridade das vossas leis,
o génio das vossas invenções, tereis fatalmente
uma sociedade miserável, pronta para a es­
. cravidão, propensa à degradação. Multiplicas-
tes a corrução pela corrução, os Vícios pelos
'\lícios. Os sêres já perversos, ao saírem da
família, tornam-se celerados, quando entram
na sociedade. Tendes uma sociedade deca­
d ente, uma humanidade bárbara.
c Suponde, pelo contrário, na humanidade
contemporânea, tôdas as famílias iguais a fon­
tes vivas, derramando constantemente na so­
ciedade, com as suas gerações, doutrinas sem

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196 Ü L!V�O DA EDUCADO�A

erros, costumes sem depra\lação, e um sangue


limpo de tôda a impureza. Partes sãs não dão
uma massa corrompida. O resultado geral há­
-de ser uma humanidade grande e forte pela
inteligência e pelo coração, grande e forte
pel o sangue . )
E o de\ler d a m ã i n ã o consiste só e m formar
pessoas de bem, na mais ampla acepção da
frase, membros sádios e robustos que formem
uma poderosa sociedade, mas também fôrças
acti\las, acti\lidades dirigentes, condutores dos
seus semelhantes.
E porque não ?
Todo o homem inteligente tem grupos a
dirigir, porções de humanidade a . conduzir
para o melhor ideal, e nenhum dêles pode,
embora pense o contrário, furtar-se a fazê-lo.
Seja qual fôr a posição que tiverm os, a pro­
fissão que sejamos capazes de exercer, a situa­
ção mo desta da nossa existência, temos na
.
nossa presença sêres humanos que tém o
direito de reclamar a luz do nosso saber e o
..
estímulo dos nossos exemplos.
Ninguém tem o direito de desconhecer essa
influência, porque a luta das ideas tra\la-se todos
os dias e cada \lez mais áspera, e o coração do
po\lo - com os seus impulsos, generosidades e
propensões que cumpre canalizar - a alma da
multidão pertence a quem sabe conquistá-la.

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A MULHER EDUCADORA SOCIAL 197

Essa alma é disputada em pelejas que, dia


a dia, mais se tornam verdadeiras batalhas.
E, se boas vontades deliberadas, iniciativas
resolutas, e até audaciosas, não fizerem, de
tôdas essas fôrças disponíveis, instrumentos
de Bem, os falsos profetas, os doutores da
mentira, os fabricantes de revoluções, cedo as
monopolizarão para engrossarem as hostes do
ódio e da revolta.
Um pensador pon derado, que é também
um homem de acção e um promotor de obras
sociais, o Visconde de Bizemont, diz assim, ao
referir-se àquele grande dever das famílias, a
q1Je vimos aludindo :
-
« Devemos ensinar os filhos - e verdade,
verdade, não o temos sabido fazer - a ocupar,
isto é, a reconquistar, o seu lugar ao leme, a
orientar a porção de povo que Deus lhes deu
o encargo de dirigir, como conseqüência da
s i tuação que ocup!lm .
Ouço daqui um zombeteiro a protestar :
- Dirigir ? Tomar conta da direcção ? - Só
conheço isto. Só faço isto : direcção do meu
automovel, das minhas caçadas, da minha
famflia, da minha fortuna . . . Pois, muito bem ;
será perfeito, se acrescentar : - e da minha
aldeia. Porque, se tôdas as aldeias, tôdas as
comunas rurais, todos os centros operários,
fôssem dirigidos por pessoas de valor, em

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1 98 0 LIVRO D A EDUCADORA

todos os campos sociais haveria provàvel­


mente mudanças. Mas, para que os nossos
filhos cumpram êsse dever com utilidade e
brilho, é preciso prepará-los para isso . . .
c Passemos ao particular. Logo que tiverdes

dado provas de saber, e tiverdes triunfado n o


nosso próprio campo, todas que v o s rodearem
hão-de reconhecer a 1Jossa superioridade, esta­
rão dispostos a aceitar-vos, se não a solicita­
rem, a direcção, o que tarde ou cedo se vem
a dar . . , ,.
Depois, dirigindo-se aos jovens assim pre­
parados para a acção social, o autor continua :
c Quando casardes, a v ossa j ovem esposa
dar-vos-á o preciso apolo da sua dedicação -
e bem sabeis a riqueza de generosidade que
as mulheres possuem ! Sereis o director da
1Jossa comuna, como ela será da vossa comuna
o bom anjo. Sereis dignos um do outro, tendo
empregado ambos o vosso saber, experiência,
tempo, e todo o vosso coração em serviço do
próximo, cumprindo assim magnificamente o
preceito divino que tanto horroriza os incré­
dulos : - c Amai-vos uns aos outros,.,
Sobretudo, pais e mãis cristãos das classes
ricas, não julgueis que, dirigindo assim os vos­
sos filhos para o cumprimento integral dos de-
1Jeres sociais, lhes preparais uma vida abor­
recida, enfadada, deprimente. A boa educação

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A MULHER EDUCADORA SOCIAL 1 99

cristã que tiverdes cultivado nêles desde a pri­


me ira i nfância há-de fazer-lhes compreender e
saporear as belezas duma existência consa­
gr�da a Deus por constantes serviços, presta­
do s ao próximo a tôda a hora
e
. . •

sta maneira de d irigir cristãmente a sua


vida, dirigindo caritativamente os outros, é
rica, \ no meio das pro\lações terrenas, de con­
solaÇões e de esperanças . . . ,
'i

Educadora no seu lar, a mulher generosa e


dedicada sente a necessidade de estender em
\lolta dela a sua influência e de espalhar pelos
outros as trasbordantes riquezas do seu cora.
ção.
Se de-veras possuir o tesoiro de amor que
se manifesta pelo desejo de se sacrificar, as
suas generosidades impacientes s erão solicita­
das pela ignorância, pelo êrro e pela miséria
do seu próximo. Tornar-se-á então, no sentido
superior dos termos - a professora dos que
não sabem, a irmã de caridade dos pobres, a
consoladora dos trans\liados.
Não passará perto dela sofrimento físico ou
moral que não chame a si, prestando-lhe
assistência, reconfortando-o.
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200 Ü LIVRO DA EDUCADORA

Mãi atenta e vigi lante dos seus filhos, tor­


na-se, além disso, o apóstolo dos estranhos, até
dos desconhecidos, levanta-os, socorre-os, for­
tifica-os com a acção imparcial e infatigá�el
da sua caridade.
Tenta-se procurar a solução do problema
quimérico da questão social, embora não se
empreguem os esforços devidos para o pôr
em equação. Essa solução só se encontra nesta
máxima do Evangelho : - Mandavit uniauique
de pro.rimo suo, Deus . Deus confiou a cada
. .

um de nós o cuidado do nosso próximo . . .


i E que admirável tarefa esta, a das mãis
cristãs tornando-se as distribui'doras da ver­
dade, da esperança e do reconfôrto moral !
i Que consolações par41. elas o pensarem que a
sua vida é um perpétuo apostolado e que leves
sacrifícios lhes darão a suprema glória de irem
colaborando na obra da Providência e de terem
criado almas para a justiça !
A senhora baroneza de Geslin, vice-presi­
dente das Mulheres Francesas, patenteou em
frases primorosas o papel social da mulher nos
nossos tempos modernos.
Disse a ilustre senhora :
' Há muitas mulheres carecidas do conheci­
mento preciso para levar a cabo esta segunda
maternidade ?
c Penso que não.

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A MULHER EDUCADORA SOCIAL 20 1

• Sendo assim, t porque é que as que têm


aquelas noções e algumas h oras de ócio, não
hão-de empreender junto das outras um apos­
tolado por meio da acção directa ?
c Bem pouco é preciso para fazer brotar a
simpatia e conquistar a confiança.
c i Quantas vezes, na rua, seguindo o mesmo

caminho, um sorriso da mulher distinta a uma


criança que vai ao colo da mulher do povo,
ateou no olhar desta um clarão de confraterni­
dade ditosa ! i Quantas vezes, no comboio, ­
vefculo que tantas classes aproxima - uma
pregunta feita com interêsse e discrição à po­
bre mulher que aperta contra o seio o peque­
nino que leva ao hospital, converteu, durante
um momento, em duas amigas duas mulheres
por tudo distanciadas !
c As crianças hão-de ser sempre o laço de
união entre tôdas as mãis.
cNo terreno da maternidade, tôdas se com­
preendem, tôdas s e conhecem.
c Que as mais bem orientadas, as mais cons­
cientes dos seus deveres se dirijam às fracas,
e com elas estabeleçam um entendimento cor­
dial que valerá mais do que nenhum outro.
c Se é excessivamente restrita a acção di­
recta, êsse inconveniente seria remediado por
pequenas reUniões.
«Nessas reUniões, em simples conversas,

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0 L!V�O DA EDUCADO�A

por meio de algumas frases brotadas do cora­


ção para no coração calarem, as mãis mais
i nexperientes seriam instruídas àcêrca dos di­
ferentes aspectos do seu papel de educadoras,
compreendendo a beleza e a importância dos
sacrifícios inerentes, o que os tornaria mais
suaves.
«Pode parecer que tenho a pretensão de dar
aqui as linhas duma nova obra a criar, afas­
tando-me assim do assunto que tomei a peito.
Nada disso. O apostolado da mulher pela mu­
lher está intimamente unido ao problema do
futuro.
c Um dos aspectos mais perturbadores dêsse
futuro é o prelamar dos ódios populares. Seria
preciso ser cego para se não ver, no horizonte
da nossa sociedade, essa nuvem sombria que
ameaça invadir todo o nosso céu.
•A vitória do ódio sôbre o amor é até uma
das realidades mais dolorosas que uma alma
cristã hoje pode verificar. O doce Jesus disse :
c Arnal-vos uns aos outros ,. Hoje, volvidos de-
'zanov e séculos depois da prédica da caridade,
detestamo-nos.
c Pois bem, eu peço à mulher que se dirija
à mulher, à mãi que procure a mãi, e que tô·
das juntas apaguem o incêndio de ódios arden·
tes pelo seu comum amor às crianças, essas
vítimas de tôdas as lutas,.

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A MULHER EDUCADORA SOCIAL 205

Graças a Deus, êste apostolado das mulhe­


res propaga-se na França, provocando um mag­
nífico impulso de generosidade e desinterêsse.
R ecomendava-se antigamente à donzela que fi­
casse no lar. Dizia-se-lhe : - c É o santuário do
amor, e, semilhante às vestai s romanas, as don­
zelas têm a seu cargo a terrível guarda do fogo
sagrado ,.
Os tempos mudaram. V indo a ser mãis
dedicadas, e sendo como que as guardas, prin­
cipalmente, da família, as meninas virtuosas
têm hoje de tomar parte nas lutas que se tra­
vam no terreno das ideas, de reforçar as filei­
ras dos que tomaram a peito sustar as discór­
dias e extinguir os ódios à fôrça de abnegaçãot
de dedicação voluntária e de amor.
Vagabundeia demais a miséria desamparada
pelas ruas das nossas cidades. Muitas e muitas
indigências se abrigam nas moradas dos pobres.
A cada canto, e por tôda a parte, se ouvem
gemidos de sofrimentos incomportávels, a que
as mulheres não podem ficar indi_ferentes.
O programa das mulheres do século xx con­
siste em apoio moral, auxílio fraternal, por tôdas
as maneiras.
E ninguém tem o direito de ouvir queixast
de ver lágrimas, de tocar na miséria, sem ten­
tar dar um remédio.
Têm-se formado poderosas associações que

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204 Ü LiVR.O DA EDUCADORA

correspondem a estas necessidades e valem


admiràvelmente às provações das classes po­
pulares, aos humildes que o egoísmo laico
esquece e despreza, a tôdas as aglomerações
onde a assistência moral e física nunca pene­
trou .
Sem pretendermos assinalar tôdas essas
associações, nem mesmo indicar as mais im­
portantes, entendemos não dever deixar de
fazer referência à L iga Patriótica das Fran­
cesas e à L iga das Mulheres Francesas, ver­
dadeiros exércitos cuja rêde envolve toqo o
pais e multiplica, até ao fundo dos menores
Jogarej os, a dedicação sob todos os aspectos,
a difusão da verdade, a assistência à pobreza,
a educação social e o estreitamento intimo de
tôdas as classes.
À frente destas ligas encontram-se mulhe­
res de nomes conhecidos - muitas vezes, os
mais belos nomes de França - senhoras valo­
rosas que empregam fortuna, influência e rela­
ções na propaganda da caridade, na semen­
teira, pelos quatro cantos do país, da justiça
que por tôda a parte germina e que para o
futuro - e até para o presente - promete co­
lheitas maravilhosas.
Após elas, levantaram·se milhares de após­
tolos, senhoras activas, generosas, desinteres­
sadas, alistadas numa organização que tem por

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A MULHER EDUCADO�A SOCIAL 205

principal regra dar sem limite o seu tempo, o


seu trabalho, os seus esforços, o seu dinheiro
e o seu coração.
Não há hoje uma só cidadezif!ha que não
tenha uma falange dessas mulheres corajosas
que levam ao fundo das aldeias longínquas o
ensino das suas palavras, a fôrça dos seus
actos. Mas, a exemplo do Mestre que começou
por operar antes de ensinar, essas senhoras
deixam após si mais do que a recordação dum a
eloqüência, digna muitas vezes d e admiração.
Iguais aos missionários dos países longínquos
que empreendem a conquista das almas, asse­
gurando primeiro o bem-estar material, essas
mulheres de bem tornam eficaz a lição, fun­
dando-a nas realidades práticas.
Ora se tornam as auxiliares dos sacerdotes
no ensino do catecismo, ora asseguram a difu­
são da imprensa moralizadora, demonstrando
assim verem a influência das más leituras, das
publicações indecorosas, cuja onda monstruosa
ameaça submergir os entendimentos, os cora­
ções e as consci ências, dando à juventude uma
mentalidade pagã.
Noutros pontos - e é assim que principal­
mente se manifesta a vitalidade do seu es­
fôrço - fundam elas Escolas de donas de casa,
estabelecimentos de beneficência em que se·
dá trabalho a mulheres pobres, oficinas para a

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206 Ü LIVRO DA EDUCADORA

confecção de emwvais. Não há necessidade


social que solicite baldadamente a sua gene­
rosidade e o seu zêlo. Tôdas as mãos, que
-para elas se estendem, recebem o aperto afe­
tuoso das suas m ãos valorosas. E estas dedi­
cações inspiram novas dedicações. Diante das
graves necessidades que se amontoam por
tôda a parte, mulheres de tôdas as categorias
e condições compreendem a grandeza do dom
<le si próprias e a ·necessidade de valerem
c om o sacrifício das suas pessoas. O exemplo
arrasta, e hoje muitas donzelas consagram a
êsse trabalho ideal, a essas tarefas l aboriosas
e reconfortantes, muitas das horas que outrora
esbanj avam nas estéreis frivolidades da vida
mundana . . .
Assim, tendo de utilizar as suas actividades,
colhem, neste permanente contacto com o so­
frimento dos outros, uma alegria incomparável,
essa satisfação, superior a tôdas, de serem
úteis e de darem à sua vida uma direcção,
um fim ideal e generoso, um sonho de dedica­
ção pela mais santa das causas : a caridade.
E nada é tão educador e fortificante como
ireqUentar a miséria. É uma escola de impul­
são p ara a virtude, uma lição de experiência
em que se recebe tanto quanto se dá, porque
o bem traz a coragem, a energia, o vigor mo­
ral, àquele que o pratica.

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A MULHER EDUCADQRA SOCIAL '}[]7

Trabalhar pelos outros é aprender o que é


a \lida. E a s donzelas formadas neste mister
dêle colhem - com as graças de Deus, de
quem são boas obreiras - o hábito indestrutí­
vel de esforços praticados durante muito tempo
e o precioso entusiasmo das suas faculdades
pelo aumento do seu bem-estar pessoal.
Mãis cristãs, donzelas que de nada careceis
neste mundo, a não ser na sublime prática d a
caridade, cuj a necessidade sentis inconsciente­
mente nos corações, continuai a ser educado­
ras - e da m aneira mais nobre - amando os
outros, pois que pertencem à grande família
humana ! Aprendei a ver, à roda de vós, êsse
po\lo que vos estende os braços, para que m e­
lhor o socorrais, e principalmente com mais
carinho o ameis !
Tendes nas v ossas mãos o futuro. São o
calor da vossa ternura e a fé das \lossas almas
que podem fazer con\lerter êsse futuro na feli­
ci dade de tantos desamparados que contam
convosco. Elevai todos êsses sêres à altura de
Deus, dando-lhes o apoio da vossa fôrça, a
consolação do vosso amparo, o reconfôrto da
v ossa virtude.
Não vos esqueçais de que a Providência
fêz de vós as obreiras dos seus desígnios e
que ela espera, do vosso concurso voluntário,
a realização da obra social que é a união de

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208 0 LJV�O DA EDUCADOaA

todos os corações num único amor indestru­


tí\lel.
Estais encarregadas duma missão bemdita.
Como as mulheres do tempo de Duguesclin
que resol\leram fiar nas rocas para pagarem
com o seu trabalho o resgate dos cativos,
tam bem \lós, pelo vosso n ascimento e catego­
ria, tendes a sagrada tarefa de fiar na vossa
roca pela Fé menosprezada, pela justiça fe­
rida, - pelo resgate da sociedade doente e
que de\le renascer na criação da \lossa mater­
n idade sublime !

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C o nc l u são

Nêstes livros escritos para a mulher, tomá­


mos a peito mostrá-la nos diferentes aspectos
da sua existência, tentando fazer-lhe com­
preender os grandes deveres que se impõem
à sua razão e ao seu coração.
É ela a companheira delicada daquele que
a escolheu para realizar a peregrinação da
vida, jornada longa e tantas vezes dolorosa ;
organizadora engenhosa do l ar, que é o centro
da afeição e o berço da família porvindoura ;
mãi terna e vigilante que faz desenvolver em
fôrça e beleza os frágeis sêres que a Provi­
dência entregou às suas mãos ; numa palavra ,
educadora ideal, dirigindo as almas para o
progresso moral, expandindo-as em virtudes.
De todos êstes papeis, parece que o último
é o mais importante, o mais laborioso, o m ais
temivel, mas também o mais glorioso. É a
coroação da maternidade, o doce supremo
têrmo d o esfôrço criador, o último sonho rea-
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210 Ü LlVR.O DA E DUCADOR.A

lizado. Só depois de o ter cumprido sem des­


falecimentos e na plenitude das suas obriga­
ções, é que a mulher merece verdadeiramente
o belo e doce nome de mãi.

* *

Que valeria impor a vida aos sêres, se


l
tivessem de ser condenados a debaterem-se
sem amparo e a lutar sem armas contra as
más tendências que derivam do pecado origi­
nal ? l De que serviria arrancá-los do nada,
entregando-os sem defesa à pior das · escravi­
dões, à mais dolorosa das tiranias, à catego­
ria de prezas dos instintos desregrados da
natureza ?
O homem, ao nascer, é uma contradição
viva, uma reünião incoerente de elementos
contrários. Os gérmenes dos Vícios e das vir­
tudes confundem-se, como nos campos que o
lavrador acaba de semear se confundem as
ervas estranhas que começam a brotar ao p é
do bom grão.
A criança é um mistério onde palpita o
futuro Incerto, o destino ainda desconhecido,
o problema p erturbador e d � s c o n certante.
Entregue às suas vãs conjecturas, a humani­
dade fica fraca e desarmada diante dêsse pro-

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CONCLUSÃO 211

blema, e muitas vezes os seus l ábios murmu­


ram angustiados : - c Que virá a ser esta
criança ? »
E, afinal, há no mundo uma mulher que
pode desvendar êsse mistério e assegurar o
futuro. Ela não pode colhêr essa audácia no
coração, porque os desejos não pode m da r
base às realidades. A segurança da pro fecia,
essa promessa divinatória, enco ntrá-Ias-á na
sua vontade. Dirá : - cO meu filho há-de ser o
que eu dêle fizer» .
A tarefa é imensa. Não lhe exigirá ape nas
a e-nergia dum dia, mas a obra paciente de
alguns anos. Porém, se ela tiver a consci ência
da sua dignidade, o profundo sentimento das
suas obrigações, a fôrça fecunda que vem de
Deus, há-de poder vencer os receios e possuir
a certeza definitiva.
A s orte da existência frágil do filho está
nas suas mãos, e, para que nessa missão
sublime ela possa utilizar as altas capacidades
que lhe são Indispensáveis, o Criador dá-lhe
uma parte do seu poder. Continua ela a obra
divina. Desenvolve as virtudes em germen,
reforma �s inclinações funestas, corrige o que
se transvia, eleva sempre o que vai progre­
d indo.
A mãi dá a vida aos seus filhos ; a educa·
dora dá-lhes a virilidade.

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212 0 L!VaO DA EDUCADORA

Prepara os caracteres, as actividades, os


poderes morais.
E n ada no mundo é comparavel à grandeza
da sua missão, à sublimidade dos seus deveres.

* *

Nada de grande se obtém nêste mundo


sem dor. A dor é o cunho das conquistas
duradoiras, é a consagração das vitórias ver­
dadeiras.
Por conseqüência, a educadora não deve
pretender o melhor êxito da sua grande obra
sem sofrer. A sua tarefa é das que produzem.
ao mesmo tempo, al egrias deliciosas e grandes
mágoas. A alma do seu filho conserva o cunho
do penoso esfôrço, e tanto maior quanto mais
s e aproximar do ideal visado.
Artista incomparavel, a mãi deve deixar na
sua obra-prima o indelével vestígio daquele
sangue do coração que é o sofrimento pelos
que amamos.
Nêsse sacrifício quotidiano, ou antes, de
cada hora, deve ela prosseguir a realização do
seu programa, não se obtendo nada de util ou
proveitoso sem essa condição indispensáveL
A sua missão é uma luta ,contínua, uma

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CONCLUSÃO 213

reparação por \lezes penosa, uma \lalorização


constante.
Desde os primeiros dias da maternidade,
surgem os obstáculos que é preciso \lencer,
os defeitos incipientes que urge exterminar,
todos os i nstintos que cumpre orientar.
A mãi não pertence a si própria. O peque­
nlto reclama-lhe, de agora em diante, o melhor
da sua liberdade, do seu tempo, das suas h oras
de repouso.
Absor\le tudo nêle. Os cuidados m ateriais
que reclama não são nada comparados com o
amor activo e generoso, com a solicitude cons­
tante, com a v igilância permanente exigidos
pela sua formação i ntelectual e moral.
A educadora tem de sofrer, por vezes,
i nquietações e desalentos. Verterá lágrimas
copiosas ao compreender que o trabalho já
feito não é nada em comparação do que ainda
há para fazer.
Só compreendendo a dureza dessas pro­
v ações é que ela pode ajuizar da Importância
da emprêsa. � sse sofrimento será fecundo, e
dará origem a o mais invenclvel desej o de ser
digna da sua tarefa, de saber combater com a
maior generosidade, para remir absolutamente
aquela alma, pagando todo o resgate que Deus
exige.
E então há-de sentir o receio salutar, às

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214 0 LiV�O DA EDUCADO�A

\lezes pungente, de perder essa conquista cujo


primeiro trabalho tanto lhe custou !

* *

i E que difícil não é a SJla tarefa ! Está ali,


à espera do seu destino, o filho, semelhante a
um precioso tesoiro de que ela é a depositária,
com a obrigação de o fazer frutificar.
Tem \listo já, e muitas vezes, entre as mãis
que conhece, mulheres que se não preocupam
com a sua missão, que alojam um fardo exces­
sivamente pesado para os seus braços dema­
siadamente fracos.
Observou aquelas existências entregues a
si mesmas, sem orientação e sem amparo, ca­
minhando para o futuro, vacilantes, desarmadas.
já vencidas antes de terem lutado. Enternece­
ram-se, então, os seus olhos, estremeceu-lhes
o coração ao notar as taras prematuras que
arruínam a juventude, os vícios já desenvolvi­
dos que preparam uma geração deprim ida, inú­
til, criminosa talvez.
Toldaram-se com tal espectáculo as suas
alegrias da maternidade, e ela pensou : - Que
nunca os meus filhos venham a ser como
aqueles.

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CONCLUSÃO 215

Mas esta angústia , afinal, é uma fonte de


energia. A valorosa educadora, encarando os
perigos que ameaçam o filhinho querido, v endo
à roda dêle tantos inimigos que o ameaçam,
tantos abismos escancarados diante dos seus
passos, sente fortificar-se dentro de si a capà·
cidade de r esistência e o desejo entranhado
de reagir com eficácia.
Semelh ante àquelas mãis que a história
celebra em feitos de dedicação sublime, a mãf
aperta com mais paixão de encontro ao peito
aquela Vida jóvem que dela espera socorro e
defesa.
- Oh ! não, tu não hás-de sucumbir. Tenho
dentro de mim um poder invencível : é o do
meu amor. Nada no mundo te poderá arrancar
dos meus braços : nem as fôrças do mal nem
as tendências da tua pobre e pequena natureza.
Hei-de fazer de ti um ser forte e vitorioso,
porque conheço o valor da tua alma !

* *

Depois disto, sentirá uma firmeza tran­


qüila, mais forte do que o s maiores receios.
Pensará que Deus guarda uma auréola incom­
parável para a sua maternidade, e que entre

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216 0 LIVRO DA EDUCADORA

tôdas as glórias, admiradas e homenageadas


pelo mundo, é a sua a mais perdurável, aquela
que faz ajoelhar diante de si a humanidade
com respeito e reconhecimento.
A sociedade, que nela confia, reconhece no
seu trabalho o mais nobre e fecundo esfôrço,
a obra sem a qual nada são os outros - por­
que não há na terra nem progresso verdadeiro,
nem completa elevação moral, nem justiça, nem
fraternidade, sem o concurso dos h omens que
têm consciência dos seus deveres assegurado­
res do desenvolvimento e da perpetuidade hu­
m ana.
É incontestável que a boa educadora não
irá procurar a recompensa da sua educação
ao testemunh o das satisfações humanas. A
maior parte das vezes, cumprirá a sua missão
na obscura esfera das suas lidas quotidianas,
porque não trabalha para os estranhos, nem por
amor a elogios, que não são gratos ao seu
coração. Os seus esforços ultrapassam os li­
mites do tempo : a educadora constrói para a
eternidade.
Porque ela não se esquece de que as almas
que foi encarregada de guardar, são a imagem
imorredoira do Criador, o tesoiro que Ê le lhe
confiou, um dia, às mãos valorosas, para lhe
centuplicar o valor e lhe aumentar a beleza.
O batismo converteu essas almas em cfda-

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CONCLUSA. O 217

dãos do céu. Por meio de educação, a mãi


conservou-lhes êsse trtulo, e como zelou a
honra ligada ao seu nome, tem o maior cuidado
pela grandeza sobrenatural que transfigura os
s eus filhos.
Faça ela, de todos os seus filhos, homens
instruídos, lutadores armados contra as neces­
sidades ou perigos da vida. Que lhes assegure
o seu bem-estar material pelo máximo de ciên­
cia e de capacidades humanas, mas que, acima
de tudo, pense em fazer resplandecer nêles o
cunho divino.
Que ela afaste do seu coração até o simples
aspecto duma só mancha, e do seu espírito a
sombra cjue seja dum êrro. Mas também que
torne principalmente aquela consciência capaz
de temer aquele mal, causa invisível de todos
os males, e que se chama pecado.
Que ela faça, dos seus filhos, cristãos, ali ­
m entados pelas doutrinas do Evangelho, - o
único código social que livra de desfalecimentos,
porque o resto vem de per si. Que ela os faça
criaturas de boa vontade, cuja fonte de i nspira­
ção e lei de conduta sejam a lei do Senhor.
E, conseguido isto, quando evocar os sacri­
fícios realizados, as lágrimas vertidas, os dias
angustiosos e também os incomparáveis júbilos .
dados pela sua V Itória, poderá oihar tranqüila
para a sua velhice e para o Além.

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218 0 LlVR.O DA EDUCADDR.A

Será a mulher bemdita, a obreira triunfal,


a educadora que levou a cabo a áspera missão
do seu apostolado. Será aquela cuja alegria
incumparável o Salmista exalta . .Matrem fi­
.

liorum laetentem . A Mãi bem-aventurada n o


. .

meio dos seus filhos . . .

FIM

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fN DICE

PÁO.
Prefácio e plano geral dos Quatro Livros da
Mulher . v
Introdução • 19
Cap. I - Princípio da educação maternal . 55
Cap. 11 - Primeiras noções do esfôrço • . 57
Cap. 111 - Os brinq uedos e as preguntas da
criança . 71
Cap. IV - Desenhar - Escrever - Ler • 91
Cap. V - A Educação Familiar . 105
Cap. VI - A Educação extra.familiar. 1 23
Cap. VII - A Educação dos filhos adultos antes
d e entrarem na vida . 141
Cap. VIII - A Educaçao dos filhos depois de en·
trarem na Vida . 167
Cap. IX - A mãi fica sempre a educadora 179
Cap. X - A mulher, educadora soCial 191
Conclusão . . 209

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