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São Paulo
2017
BRUNO PRÍNCIPE NASTÁCIO ADIPIETRO
São Paulo
2017
No Princípio era o Instinto,
e este, mais o Verbo, se fez Pulsão
E ela reinou sobre a Terra
Objetivo 6
Introdução 7
Capítulo 1 – As Bases Instintuais e seus Desdobramentos na Psique
Humana 9
1.1 A Sexualidade como base para o Complexo de Édipo 10
1.2 O Egoísmo Ontológico como fonte do Ciúme 11
1.2.1 O ciúme aos filhos anteriores 11
1.2.2 O ciúme entre irmãos 13
1.3 As Funções Reprodutivas como Diferenciadores Sociais 14
1.4 Um Instinto Acumulativo como Compulsão 15
1.5 Instintos de Grupo e sua Influência na Psique 17
1.6 A Agressividade como Fonte do Sadismo e do Masoquismo 18
1.7 O Medo Instintual como base para a Ansiedade 20
1.8 Preguiça, Paralisias, e Desmaios: Movimentos Instintuais para
a Fuga da Realidade 21
Capítulo 2 – Dos Instintos às Pulsões 23
2.1 Os Instintos que se fazem Pulsões 24
2.2 Como os Instintos formam Pulsões 25
Capítulo 3 – Das Pulsões às Neuroses 29
3.1 Fontes e Abafamentos sociais das Neuroses 30
3.2 Uma Neurose como o resultado de uma Disputa entre Espécies
que dividem uma mesma Psique 32
3.3 Uma Neurose como o resultado de uma Disputa Instinto-pulsional 33
3.4 Uma Neurose como um Encaixe Pulsional 34
3.5 Os Aspectos neurotisantes da Pós-modernidade 36
3.5.1 A individualização excessiva 36
3.5.2 Uma corrida contra o Tempo 37
3.5.3 A falta de privacidade 38
Capítulo 4 – Das Neuroses à Cura 39
4.1 O Conflito com as Outras Ciências 39
4.2 O Amansamento das Paixões 41
4.3 A Cura Permanente e Impermanente 42
CONCLUSÕES 44
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 46
REFERÊNCIAS DIGITAIS 47
6
OBJETIVO
INTRODUÇÃO
menina deixa o interesse pelo pai, e passa a querer ser similar à mãe, ou seja, ter
um filho, comportamento este que é enormemente incentivado pelos brinquedos
infantis femininos até os dias atuais. E claro que as neuroses também surgem em
meninas pelos mesmos motivos contrários anteriores.
Não é difícil de notar que vivemos influenciados por instintos e impulsos dos
quais os animais também compartilham. Só as espécies que se reproduziram estão
vivas hoje em dia, e só se reproduziram as espécies que, por razões biológicas
diversas, inclusive genéticas, desenvolveram mecanismos a favor do prazer e contra
o desprazer (FREUD, 1969, p. 17). E, tendo essas características logo cedo
despertadas, conseguiram passar esse comportamento adiante com mais eficiência,
até a nossa espécie.
Além da sexualidade sendo as bases do Complexo de Édipo freudiano,
veremos também como a Biologia joga luz sobre o ciúme e outras características
humanas.
perdedores não tem vez na natureza. Vale à pena mencionar que os indivíduos
perdedores não são necessariamente os mais fracos, como se constuma pensar no
senso comum. Eles podem ter as mais diversas características possíveis, como
menos chances de se reproduzir, ou menos chances de obter alimentos. Em suma:
toda e qualquer característica que dificulte que este indivíduo atinja a reprodução vai
caracterizá-lo como perdedor. Vamos, agora, explorar estes instintos funcionando
nos seres humanos.
Ao contrário do que acontece com os leões, as disputas amorosas entre os
casais humanos terminam de formas bem mais brandas, apesar de algumas
exceções ocorrerem, obviamente, mas os paralelos entre as duas espécies são
difíceis de negar quando expostos lado a lado. Claro está que nos seres humanos o
prazer do sexo fala mais alto que o instinto de reprodução, mesmo porque estamos
socializados, mas seria ingênuo de nossa parte achar que este instinto tenha
perdido sua força. Na verdade, devemos encarar este instinto como base formadora
de pulsões que vão guiar os sujeitos nas suas escolhas futuras, e por toda a vida.
Entre essas pulsões, que por hora podemos considerar como instintos socializados,
incluiremos o ciúme. Em outras palavras: o ciúme é uma espécie de egoísmo
socializado.
Nas sociedades pós-modernas podemos encontrar um cem número de
explicações, que podemos considerar, por um ponto de vista psicanalítico, como
racionalizações, do porquê da ocorrência do ciúme. Se nos debruçarmos
atentamente sobre estas, podemos perceber com espantosa dose de paralelismo,
que suas raízes não são diferentes das dos animais. Seria de se espantar, por
exemplo, que surgissem no novo companheiro pensamentos do tipo “tenho que
gastar dinheiro com os filhos de outro”? Ou então “se não fosse esse moleque eu
poderia matricular meu filho em uma escola melhor, mas tenho que dividir entre os
dois”? À luz do que foi dito anteriormente fica claro que não. Muito comum também,
por sinal uma questão muito recorrente em consultórios, é o fato de pais ou mães
diferenciarem, principalmente de forma velada, os filhos de relações anteriores dos
filhos da nova relação. Mais adiante veremos que cenários com essa qualidade são
terrenos férteis para o surgimento e continuação de neuroses.
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pelo novo macho alfa, não se oporão à tal situação; para elas, será melhor mesmo
que seus genes sejam misturados com genes vencedores.
Essas influências instintivas se fazem notar nos seus mais diversos grupos
sociais. Já exploramos os grupos infantis em itens anteriores, e não há razões para
deixarmos os grupos adolescentes e adultos de fora. Neste ponto não precisamos
nos apoiar em grandes autores, ou em grandes obras. Todos sabemos que os bares
e casas de show, por exemplo, cobram mais caro para os clientes homens; em
muitos casos, inclusive, a entrada de mulheres é totalmente gratuita. Em regiões
mais carentes, encontramos sugestões ainda mais diretas: além da entrada franca, é
oferecido às mulheres que estiverem sem calcinha cervejas e outros drinks. Às que
aceitam tal sugestão, acabam se expondo à doenças e gravidez indesejada, além, é
claro, dos julgamentos sociais. Clara também se torna, neste exemplo, a exploração
mercadológica que pode ser feita através desse importantíssimo instinto.
hora, pois um concorrente não hesitou em apanhá-ja; uma fêmea pode se interessar
mais pelo indivíduo mais abastado, pois assim garantirá que seus filhotes não
passem necessidades, e atinjam a idade reprodutiva. Enfim, muitas razões existem
para que as espécies estoquem. Mas e no caso do animal humano?
Nas grandes metrópoles, ao menos, existem muitos estabecimentos que já
fazem esse serviço para os moradores ao redor; basta ir a um supermercado,
voltando pra casa do trabalho, por exemplo, e comprar os ingredientes para a
próxima refeição. Não há necessidade real de grandes geladeiras; basta um pouco
de paciência que o jantar será o mais fresquinho possível. Mas estamos muito
cientes que nosso acúmulo além da conta não se dá apenas com frutas, verduras ou
legumes. Nossas contas bancárias e nossos estilos de vida são frutos de uma
exarcebada acumulação de recursos. E a resposta psicanalítica aqui proposta é uma
junção deste instinto de acumulação com outros desdobramentos psíquicos,
favorecidos ou não pelas sociedades atuais.
Sempre tendo em mente que uma neurose só se estabelece quando uma
porção de aspectos são satisfeitos, podendo ser incluídos dentre eles esse ou
aquele instinto, mais ou menos presente na constituição do indivíduo, um aspecto
importante da acumulação é a capacidade de garantir poder ao sujeito que acumula,
gerando uma característica sensação de controle. Para um neurótico que sofre do
conhecido Transtorno Obssessivo Compulsivo, o TOC, acumular ações garante
certo controle sobre certas pulsões, mesmo que de forma exagerada, e mesmo
ainda que em detrimento de outros aspectos da vida do sujeito. A prática
psicanalítica também nos mostra que ganhos secundários tremendos, que
claramente irão seguir uma lógica própria de cada sujeito afetado, reforçam o
comportamento neurótico. Para o neurótico desse tipo, acumular e controlar é como
a junção cotidiana da fome com a vontade de comer.
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Aristóteles, há cerca de dois milênios e meio atrás, nos deixou uma ideia
difícil de ser ignorada, e mais difícil ainda de ser contestada: “o homem é um animal
político, destinado a viver em sociedade” (ARISTÓTELES, 2010, p. 60). O fato de
estarmos fadados a viver em sociedade não passa desapercebido pela psique
humana, mas o faz em um nível muito mais sutil, que é o campo dos estudos da
Psicanálise. O sentimento de pertencimento que buscamos nas nossas relações
mais extensas é visivelmente necessário, porém, como veremos a seguir, nem
sempre benéfico. Buscamos sempre pertencer a algum grupo, seja este uma família,
religião, torcida de futebol, ou até mesmo uma gangue de mal feitores. Viver em
grupos parece uma característica instintual.
Cerca de uma década após os terríveis acontecimentos nos campos de
concentração e extermínio nazistas, psicólogos e outros pesquisadores correlatos
elaboraram e puseram em prática diversos experimentos para buscarem responder
à uma inquietante pergunta: será que todos os nazistas eram pessoas cruéis,
realmente? Um dos experimentos que ficaram mais conhecidos foi o do pesquisador
Solomon Asch: o participante era colocado ao lado de vários outros participantes, e
deveria comparar um traço a três outros traços, e dizer, em voz alta, qual dos traços
era igual ao traço indicado (Asch, Conformity Experiment). Na verdade somente um
dos participantes era realmente testado, os demais eram atores instruídos a
escolher sempre o traço mais curto, que era, importante frisar, visível e
drasticamente mais curto.
Os testados eram sempre os últimos a responder, o que fazia com que eles
acompanhassem, em alto e bom som, todos os colegas escolherem a resposta
errada. Nos vídeos que acompanham muitos destes testes, pois este foi repetido
inúmeras vezes, por muitos pesquisadores ao redor do mundo (Asch, Conformity
Experiment), é notável o desconforto que o testado demonstra em suas expressões
facio-corporais e tom de voz, quando se vê forçado a responder de forma errada.
Após as tomadas de resultados, os testados eram questionados acerca dos
porquês que os levavam a seguir a resposta do grupo, mesmo sabendo que
estavam abrindo mão de uma evidencia objetiva e concreta. Duas respostas foram
as mais ouvidas: vontade de pertencer ao grupo, e por acreditar que a maioria
deveria saber mais do que apenas um.
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A ideia tão incrustada no senso comum de que o mais forte sobrevive não é
mentirosa; apenas não está completa. Ser o macho mais forte é sim uma grande
vantagem, mas somente dentro de um determinado contexto, assim como “falar em
línguas”, em algumas religiões, é um sinal de alto grau de espiritualidade, e não uma
evidência cabal de alguma falha cerebral, mesmo que momentanea. Vários são os
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atributos que auxiliam os animais, tais como ter o maior chifre, no caso dos
rinocerontes, ou conseguir fazer o melhor ninho, como no caso de alguns pássaros.
Mas é evidente que a agressividade não é uma característica desprezível. Avaliemos
este aspecto e seus desdobramentos na psique humana.
Nas sociedades humanas a agressividade tem perdido espaço
acentuadamente, porém não tem sido descartada totalmente. Com o passar dos
séculos ela tem sido claramente posta em outros trilhos, e as “vias de fato” ainda
acontecem, mas tendem a desaparecer. Grosso modo, o diálogo tem sido praticado
e tem atingido resultados perceptivos e indiscutíveis. Mas e quando o diálogo não
atinge suas finalidades?
Em termos puramente instintuais, podemos considerar um sujeito agressivo
como um sujeito que tem este instinto mais intensamente apresentado do que outros
sujeitos, dentro, é claro, de certos limites. Em termos psicanalíticos, um sujeito
agressivo é um sujeito cujas pulsões agressivas não foram devidamente sublimadas,
ou seja, não tiveram seus alvos apontados a objetos socialmente aceitos. Quando
isso acontece, podemos ter dois sujeitos típicos possíveis: o sujeito sádico, ou o
sujeito masoquista, apesar que estas características andam juntas.
O prazer em causar dor, sadismo, e o prazer em sentir dor, masoquismo, tem
como fonte biológica a agressividade, e como fonte psíquica, a direção da libido. A
libido do sádico está orientada para fora, para algum objeto externo, com o objetivo
de destruí-lo. Já a libido do masoquista está orientada para o próprio corpo, também
com o objetivo de destruí-lo. Importante se torna apontar que a destruição objetivada
por ambas essas orientações libidinais é majoritariamente simbólica. É uma parte da
psíque do sujeito que deseja-se destruir, e como essa destruição não é real, surge
um comportamento de fixação e compulsividade impossível de ser saciado. E temos
aí o surgimento de uma neurose.
Ainda se faz necessário mencionar que apesar dessas duas práticas estarem
intimamente ligadas a comportamentos e práticas sexuais, elas não tem como
objetivo o orgasmo, visto que em muitos homens que praticam tais comportamentos,
em sessões organizadas por casas e profissionais específicos, não há a ereção. Um
excelente exemplo da célebre frase de Oscar Wilde: “tudo tem a ver com sexo,
menos sexo.”
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interpretada como o medo de ter medo, nos congela e impede qualquer ação.
Quando o nosso caçador se encontrou com o tigre, ele logo procurou matá-lo ou
fugir dele; duas ações com possíveis bons resultados. Mas nossa fóbica ficou
congelada; simplesmente parada em seu lugar, sem esboçar reação até que alguém
a auxilie.
Vivendo de forma tão abstrata como, inclusive, é altamente influenciado pelas
sociedades, a ansiedade nos castra de maneira fenomenal. Só o imaginar de
alguma possibilidade ruim acontecer, evitamos agir. Não há nenhum problema em
não se arriscar na bolsa de valores, por exemplo, cujo funcionamento é bem pouco
racional quando o estudamos mais de perto, mas é no perder o emprego por agir em
função do medo de perder o emprego que mora o verdadeiro problema. Podemos
notar, então, uma outra característica dos quadros neuróticos: o exagero.
É proposto, de maneira geral, que os nossos instintos, podendo muito bem
ser notados presentes em várias outras espécies, e que por nós são compartilhados
pelos caminhos tortuosos pelos quais se apresenta a “evolução” das espécies, não
se calam, e, nem tão pouco, são deixados de lado pela vida em sociedade, ou pelas
tantas e tão complexas abstrações humanas. Os instintos, na verdade, acabam por
serem soterrados e negligenciados por tantos e tão variados aspectos externos, mas
que nunca se calam, e nunca o farão.
Como todos os indivíduos são diferentes entre si, geneticamente e
socialmente, esse ou aquele instinto pode ser mais ou menos fraco em determinado
indivíduo. Quando essa dose instintual se encontra com outros aspectos da sua
vida, como o país em que nasceu, ou o grupo social a que pertence, tem-se ou não
a caracterização de uma neurose.
Propomos aqui que todos os instintos podem ser base para pulsões, de forma
independente ou coletiva. Podemos considerar, também, que as pulsões são
associações mentais com bases instintivas, ou, de uma forma mais didática, que as
pulsões são associações mentais que se utilizam de moldes instintuais, que são os
próprios instintos, e, importante enunciar, que se distanciam destes quando
formadas.
Uma das grandes descobertas de Darwin foi que, para que novas espécies
fossem capazes de surgir, todo novo indivíduo deveria ser ligeiramente diferente dos
demais (DARWIN, 2010, p. 103). Essas diferenças poderiam ser de diversas ordens,
e mais à frente (DARWIN, 2010, p. 177) é explicado que uma dessas ordens é a
instintual. Ora, para que um pássaro recém nascido expulse seus irmãos do seu
ninho, muitos outros nada fizeram; nem todas as leoas permitem que seus filhotes
sejam assassinados, e nem todos os leões vencedores saem à caça dos filhores do
perdedor. Com o ser humano não seria diferente: filhos criados pelos mesmos pais,
com diferenças mínimas de tempo, inclusive, se apresentam adultos totalmente
diferentes, encarando experiências comuns de formas bem diversificadas.
O que se busca expor com essas explicações biológicas é que cada um dos
nossos instintos se apresenta diferentemente em cada um de nós, acarretando
assim que o alívio da ansiedade ou quaisquer outras tensões se dará por meio de
pulsões dessa ou daquela espécie. Se assim não fosse, só existiria um tipo único de
neurose, e o trabalho dos psicanalistas seria muito mais simples.
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que durará pelo resto da vida do adulto. Os instintos como a fome, o medo, e o nojo,
começam a ser justificados de maneira mais clara, além de terem suas
características bem identificadas.
Por fim, do final da adolescência à vida adulta, entramos na fase de latência.
Aqui, a escolha do parceiro mais agradável já está bem encaminhada, se não
consolidada. É nesta fase que os paradigmas morais atuais, que cercam o indivíduo,
se tornarão importantíssimos para uma vida adulta saudável. Por mais que as
sociedades pós-modernas aparentam ser bem mais liberais que as sociedades
anteriores, as ideias de bom e ruim, certo e errado, e “isso pode e aquilo não”, ainda
tendem a seguir o padrão mais clássico, vivenciado por Freud. Além dos aspectos
sexuais desta fase, importantes também são os aspectos sociais da vida adulta. Se
o indivíduo teve uma boa solução no Complexo de Castração, por exemplo,
entendendo que o pai é a figura de maior autoridade, ele terá menores resistências a
aceitar as leis e normas vindas do mundo exterior além do seio familiar, e será mais
difícil mergulhar na delinquência. Ele será um indivíduo mais funcional e mais
benéfico à sociedade como um todo.
Importante se faz mencionar que, ao contrário do que se pensa, cada fase
superada deixa remanescências. Como o próprio Freud o fez, a comparação da
psique humana a uma cidade é incrivelmente clara e didática. Ao nos deslocarmos
pelas cidades, nos deparamos com prédios recém construídos, tendo ao lado casas
com décadas de idade; podemos nos utilizar de estações de metrô recentes para
apreciarmos um espetáculo em um teatro centenário; e podemos, ainda, perceber
que existem bairros inteiros mais modernos e com suas ruas e avenidas distribuídas
de forma diferente de outros bairros mais antigos. Acontece o mesmo com a psique
humana: comportamentos infantis recheiam, e até dão mais vida, às relações
amorosas adultas; comportamentos que há muito não se expunham, o são em
situações de crise, e mais incontáveis exemplos que se fazem desnecessários neste
momento.
Buscando responder à pergunta título deste item, e nos utilizando dos últimos
parágrafos e exemplos, podemos perceber que os instintos vão ganhando, ao longo
do maturamento sexual do indvíduo, representantes na linguagem, como acontece
com as palavras “fome” e “medo”, e quaisquer outras que nos remetem a ideia de
um instinto. Mas o que acontece com as pulsões é um pouco mais complicado
porque, como já foi mencionado, um ou mais instintos podem estar presentes em
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uma única pulsão. Por isso, podemos chegar a uma conclusão, em resposta à nossa
pergunta inicial: os instintos formam pulsões quando conseguem um representante
linguístico, ou seja, uma pulsão é um representante dos instintos.
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Como já foi dito no início deste capítulo, o Homem deixou de ser o que era há
muitos milênios, mas é claro que não totalmente; não se anula milhares de milênios
de instintos sem nenhum vestígio. Obivamente, os instintos primordiais, estes no
sentido mais fiel do termo, não foram esquecidos; foram apenas soterrados pela
cultura, pela linguagem, e pela socialização. Mas, em alguns momentos, clamam por
serem ouvidos e reclamam o espaço perdido.
Quando sonhamos, retornamos, mesmo que por alguns minutos, imersos em
uma narrativa caótica, mas não aleatória, àquele estado primordial, no qual tudo nos
pertencia por direito. Naquela encenação onírica, onde todos os atores e objetos são
preenchidos por nossos próprios aspectos, buscamos satisfazer nossos desejos
mais primevos, apenas para não acordarmos imersos em grande ansiedade. O
desejo de vingança aos colegas de classe; o medo de fazermos mal aos nossos
mais próximos; a vontade de atingirmos a liberdade moral de não cuidarmos deste
ou daquele parente; enfim, todos os desejos podem ser, e possivelmente serão,
satisfeitos nesse período tão valioso de desacordo à realidade.
Quando bem interpretado, um sonho pode se tornar uma incrível ferramenta
de revelação pessoal. O sonhador pode passar a encarar um lado de sua psique
que nunca havia olhado antes, ou, pode passa a encarar certos conteúdos com
outros olhos, por outro ponto de vista. Dessa forma, aquele animal irracional,
completamente desrespeitoso à “moral e aos bons costumes”, começa a deixar de
ser um monstro assustador e passa a ser um aspecto próprio, um aspecto seu, que,
claro, precisa ser ouvido com mais atenção, e que também precisa ser observado
mais cautelosamente. A sua influência negativa passa a ser resignificada, e uma
maior ego-sintonia pode ser promovida.
Esse cenário positivo não é facilmente alcançado. Por mais incrível que
pareça, o principal obstáculo a esse avanço é o próprio ego a ser salvo. As defesas
deste último não cederão facilmente à irracionalidade do homo sapiens sapiens.
33
Muitos são os fatores que podem favorecer este desequilíbrio, mesmo que um certo
equilíbrio já tenha sido alcançado. Qualquer golpe do mundo real pode pôr a perder
todo o avanço conquistado, ou pode instaurar um novo estado de crise, como se
nenhum avanço jamais tivera sido conseguido. Quando isso acontece, a batalha
dessas duas espécies se inicia novamente, e o trabalho do psicanalista volta a ser
requisitado.
que nem todas as compras são realizadas desta forma, mas àqueles mais
pacientes, que aprenderam a respeitar essa peculiar característica de sua própria
psique, mesmo que não se dirijam a esta nesses termos, são reservadas menos
dores de cabeça com um item que, ou não será usado, ou o será de má vontade,
como diz o didato, ou será alvo de trocas e estresse. E o que isso tem a ver com as
neuroses? Nossas escolhas podem ser divididas em dois grandes grupos: o grupo
das escolhas pulsionais, e o grupo das escolhas racionais. Começaremos nossa
análise com este último grupo.
Uma escolha racional pode ser considerada aquela que reuniu uma porção de
opções, com suas respectivas características positivas e negativas, e que, após um
estudo racional, fez surgir a opção mais adequada às necessidades e objetivos
contingentes. Este é o tipo de escolha que a maioria das pessoas pensa ter, sem se
dar conta de que todas essas características, por exemplo, vem corroborar a opção
já escolhida, como já nos mostrou David Hume.
Uma escolha pulsional, por sua vez, não passa por esse processo. O fulano
apenas avistou o par de sapatos do nosso exemplo, por pouquíssimo tempo, mas as
justificativas racionais não tiveram tempo de atuar. Neste caso, por tanto, quem
escolheu o par de sapatos foi o conjunto de pulsões atuantes naquele indivíduo, e
estas, como já foi dito, dependem unicamente da história e da idiossincrasia deste
indivíduo em particular.
Finalmente temos condições de somar conceitos e responder àquela nossa
última pergunta. Uma neurose pode ser identificada como uma escolha pulsional
irresistível ao indivíduo, e esta escolha só cessa sua atuação quando as pulsões por
ela responsáveis são, de alguma forma, modificadas. Claro que em sujeitos normais,
como diria Freud no seu artigo Análise Terminável e Interminável (FREUD, 1969, p.
238), essas pulsões sofrem as modificações necessárias de forma natural e sem
maiores dificuldades; mas já em um indivíduo neurótico, a ajuda de um psicanalista
se faz fundamental.
A jovem que sempre escolhe o mesmo tipo de namorado; o homem que não
consegue se manter em um mesmo emprego por muito tempo; aquela pessoa que
sempre tem o mesmo olhar sobre as coisas; são exemplos deste último tipo de
indivíduo. Outro exemplo que não poderia deixar de ser citado, e este exclusivo das
sociedades pós-modernas e de suas tecnologias digitais de comunicação, é o uso
desregrado e difundido dos chamados emoticons, muito comuns nas redes sociais e
36
Desde que a prática psicanálitica surgiu, ela tem sofrido agressões filosóficas
de todos os lados, e estas já se iniciavam nas reuniões com os ainda não
dissidentes de Freud, como Adler e Jung. Não mais brandas são as de hoje, com o
crescente número de especializações, e nem menos relevantes. O problema já
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belo trabalho A Intepretação dos Sonhos, que os sonhos, após sua correta
interpretação, revelam sobre o sonhodar muito mais do que este julgava existir, e,
não poucas vezes, do que gostaria de admitir. Uma outra pergunta surge, e esta
com resposta mais complexa que a anterior: como saber, então, se cada um de nós
é um sonhador único, possuindo seu próprio dicionário onírico, que a interpretação
está correta?
Quando um psicanalista chega a uma interpretação, que pode ter-lhe tomado
um tempo enorme de reflexões, ele deve, respeitando sempre o tempo do sonhador,
informar para qual direção sua psique está se direcionando; e aqui começamos a
responder nossa pergunta. Assim que o paciente começa a refletir sobre o que lhe
foi dito, e as novas sessões vão acontecendo, seus comportamentos vão se
modificando. Quando certas situações voltam a acontecer, o próprio sonhador pode
perceber que houveram mudanças, e que ele não mais encara essas situações da
mesma forma que antes. Como não existe qualquer espécie de “gabarito onírico do
sonhador”, o analista terá como sua referência, em primeiro lugar, o método que foi
utilizado pela interpretação, que se baseia massivamente nas associações feitas
pelo sonhador, durante as sessões; em segundo lugar, poderá avaliar os futuros
comportamentos do sonhador, após a interpretação; e, o que abala os paradigmas
de qualquer ciência exata, outros sonhos, que poderão revelar as novas tendências
pulsionais. A ideia de sonhos servirem como referência a outros sonhos não soa
bem às ciências clássicas.
Muito comum aos analistas é ter aquele paciente que “vai e volta”. Agenda
suas sessões, comparece por alguns meses, mas depois pára. Passado algum
tempo, lá está ele, de volta à sua poltrona, contando seus sonhos e suas aflições. O
que acontece a pacientes assim? Além das possíveis resistências a certos
conteúdos, existe também a possibilidade de que certos conteúdos só os
incomodam em situações específicas.
Como já refletimos sobre, um quadro neurótico pode se iniciar por fatores
sociais. Uma pessoa em particular pode afetar outra pessoa de forma bastante
peculiar, mas quando o contato entre as duas cessa, os afetos também cessam.
Claro está que o objetivo principal de uma análise não é estancar episódios
esporádicos de algum tipo de “vazamento pulsional”, mas sim de preparar o
indivíduo de tal forma a não mais sofrer por certos conteúdos. Mas, infelizmente, a
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CONCLUSÕES
Partimos dos instintos, sob uma ótica puramente biológica; passamos pelas
pulsões, esta já uma ideia puramente psicanalítica, explicando que sem os instintos,
e sem o Verbo, elas não seriam. Das pulsões, partimos para as neuroses, motivos
que levam pessoas a se tornarem pacientes de psicanalistas, e refletimos sobre
quais as influências instinto-pulsionais estão presentes em quadros deste tipo.
Depois das neuroses, não poderíamos deixar de mencionar, por mais controverso e
polêmico que o assunto seja, a ideia, ou ideias, de cura psicanalítica. E por fim, o
que pudemos concluir?
Nosso objetivo, ao longo desses capítulos, era demonstrar a pertinência das
possíveis influências instintuais na psique humana, e em alguns de seus aspectos.
Obtivemos êxito e alcançamos este objetivo. Com este novo ponto de vista, reunindo
dois campos de estudos tão distintos à primeira vista, pudemos enxergar o Homem,
que não abandonou o homo sapiens sapiens por completo, com outros olhos, estes
mais abertos e, ao mesmo tempo, mais focados.
Não deveríamos negligenciar estas nossas características tão evidentes,
mesmo aos olhos dos mais desinteressados. Temos quatro membros, grande parte
dos grandes animais também, de um jeito ou de outro, com garras ou unhas; nossa
infância é nutrida pelo leite materno, e a de muitos animais também; conhecemos o
mundo externo através de cinco sentidos básicos, e a grande maioria dos animais
também; por que haveríamos, então, de estarmos tão distante assim deles?
O Homem vem se afastando de sua parte selvagem há muito tempo, e pelas
mãos e ideias de muitos autores. As tentativas de Aristipo de Cirene, sofista dito pré-
socrático, com suas aparições perfumado na ágora, Onfray (2008), não são mais do
que mensagens com este alerta. Com seus mais variados cheiros, o sofista nos faz
lembrar de um sentido tão negligenciado pela história do pensamento humano: o
olfato. E por que tamanha negligência e esquecimento? O homem racional pós-
platônico, se concentra em conhecer o mundo, majoritariamente, pela visão e pela
audição. Poquíssimos são os espetáculos que estimulam nossos narizes, e sobram
os de imagens e sons.
Muito temos a aprender quando observamos nossos companheiros de
planeta. Muitos desses companheiros estão por aí há muitos milhões de anos antes
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do nosso surgimento, e muitos outros vão reinar quando já não mais aqui
estivermos. Não deveríamos ter medo de nos explicar através deles, pois isso não
mudaria o que já somos; não ao menos de imediato. Assim como uma parede não
se desfaz à nossa frente quando aprendemos que ela é constituída de tijolos,
cimentos e ferragens, nossos aspectos não deixariam de nos influenciar se levarmos
as ideias aqui presentes em consideração, ou seja, que compartilhamos tantas
características em comum com outros animais, e que algumas delas podem sim
influenciar, por exemplo, uma relação pai-filho.
Este novo ponto de vista vai curar todas as neuroses dos futuros pacientes?
Muito provavelmente não, mas é possível sim que alguns deles passem a olhar por
um novo prisma, ou, pelo menos, a modificar o já presente. Mas uma coisa é certa, e
esta o é deste os tempos pre-históricos, e nunca o deixará de ser: homo homini
lupus, ou seja, o homem é o lobo do homem.
46
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PAESE, Allan e Barbara. Por que os Homens fazem Sexo e as Mulheres fazem
Amor?. Rio de Janeiro, 2000.
REFERÊNCIAS DIGITAIS