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ConJur - Rodrigo Ribeiro - Análise Sobre Racismo Na Obra de Monteiro Lobato
ConJur - Rodrigo Ribeiro - Análise Sobre Racismo Na Obra de Monteiro Lobato
OPINIÃO
Mais conhecido por suas histórias infantis, o escritor paulista Monteiro Lobato,
nascido no fim do período da escravidão (1882) e neto do Visconde de Tremembé,
frequentemente tem seu nome associado ao racismo. Em 2014, foi levado ao Supremo
Tribunal Federal um mandado de segurança no qual se discutia a retirada do livro
Caçadas de Pedrinho da lista de leitura obrigatória em escolas públicas. Publicada em
1933, a obra faz parte do Programa Nacional Biblioteca da Escola, do Ministério da
Educação, e foi distribuída em escolas de todo o país. O ministro Luiz Fux, do STF,
julgou improcedente o pedido.
Seu livro de contos, Urupês, considerado por parte da crítica seu ponto alto, finaliza
condenando gravemente a miscigenação (“o caboclo é o sombrio urupê de pau podre”)
[1] e criando a polêmica figura do Jeca Tatu.
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É sabido que Monteiro Lobato, além de escrever ficção, era um grande entusiasta da
eugenia, assim como muitos sanitaristas e personagens de sua época, e mantinha uma
relação estreita com Renato Kehl, considerado o pai da eugenia no Brasil[3].
Isso tudo já era sabido e discutido, até que em 2011 se tornou pública uma carta do
escritor enviada a Arthur Neiva, em 10 de abril de 1928, publicada na revista Bravo!
(maio de 2011) e reproduzida pela Carta Capital[4]. Ali vemos que o criador do
Visconde de Sabugosa e de Barnabé defendia a Ku Klux Klan e seus ideais, que
envolviam a morte do outro, repugnando-lhe a formação do povo de seu próprio país:
"País de mestiços, onde branco não tem força para organizar uma
Kux-Klan (sic), é país perdido para altos destinos [...] Um dia se
fará justiça ao Ku-Klux-Klan; tivéssemos aí uma defesa desta
ordem, que mantém o negro em seu lugar, e estaríamos hoje livres
da peste da imprensa carioca — mulatinho fazendo jogo do galego,
e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a
capacidade construtiva".
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“Na maioria das vezes é tão difícil distinguir num povo as raças que
o compõem como seguir no curso de um rio os riachos que se
jogaram nele. E que é uma raça? Há realmente raças humanas? Vejo
que há homens brancos, homens vermelhos e homens negros. Mas
não se trata de raças, senão variedades de uma mesma raça, de uma
mesma espécie, que formam entre eles uniões fecundas e se
misturam constantemente”.
Aqui no Brasil, no entanto, em 1926, Monteiro Lobato publicava seu único romance,
um libelo racista, o qual foi fracasso.
Nesse livro, vemos o que o autor pensa da miscigenação ao apontar uma piora no
caráter de quem é miscigenado, o que consubstancia uma generalização ofensiva a
todo um grupo social (se não a toda a humanidade mesmo), representado pelos
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miscigenados:
É fácil verificar que o tratamento é ofensivo e depreciativo em todo o livro, mas fica
bem evidenciado quando o autor se refere à cor das mulatas, de forma depreciativa,
comparando-as a uma barata descascada[8]. Em outro trecho, é mais explícito:
Sobre a imigração americana: “Ficava a flor. O restolho voltava. (...) A semente de que
nasceu a América não continha em seus cotilédones essas venenosas toxinas”[11].
Lendo O Choque das Raças, percebe-se claramente que as ideias eugenistas do autor
marginalizavam mesmo misturas de outras etnias. Considerava repugnante a mistura
racial, e essa ideia fica evidente quando a “cientista” afirma que “a permanência no
mesmo território de duas raças díspares e infusíveis perturbava a felicidade
nacional”[12]. É a marginalização do pardo, do mulato, do asiático, do caboclo, do
cafuzo, do “brasileirinho amarelo”[13].
Nessa toada, Monteiro Lobato chega a partes mais extremas de seu romance
panfletário pela eugenia, quando um personagem diz: “(...) O problema transcende a
esfera política e torna-se racial. (...) Acima das leis políticas vejo a lei suprema da
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Ao fim do livro, findo o desfecho em que ocorre a esterilização da raça negra — feita
clandestinamente —, “grupo étnico” que “ajudara a criar a América”, o narrador
explica que “tinha-o como obstáculo ao ideal da Supercivilização ariana que naquele
território começava a desabrochar, e pois não iria render-se a fraquezas de sentimento,
nocivas à esplendorosa florescência do homem branco”[15].
É de Montaigne a seguinte sentença: “Eu não fiz o livro mais do que meu livro me fez,
livro da mesma substância que o seu autor, com objetivo próprio, membro de minha
vida; não de objetivo e propósito terceiros e estranhos, como todos os demais
livros”[16].
Não sabemos com certeza se Lobato tinha objetivos e propósitos terceiros e estranhos,
mas a historiadora Pietra Diwan, em sua obra sobre a eugenia no Brasil, consegue
detectar que o escritor poderia querer usar a literatura como meio para dizer
indiretamente o que não se pode dizer às claras. Ela cita uma das cartas de Lobato, de
setembro de 1930, em que o criador de Caçadas de Pedrinho afirma: “É um processo
indireto de fazer eugenia, e os processos indiretos, no Brasil, work muito mais
eficientemente”[17].
Diante dos fragmentos acima, podemos cruzar alguns dados com os parâmetros
definidos pelo Supremo Tribunal Federal no HC 82.424-2. Não pretendemos aqui fazer
uma análise completa da obra desse relevante editor e tradutor brasileiro. No entanto,
com alguns fragmentos do livro citado e com base no precedente do Tribunal
Constitucional, nos parece que o livro O Choque das Raças (ou O Presidente Negro)
contém os mesmos ingredientes que se prestaram a condenar cidadãos em tempos
recentes por escritos racistas e motivariam mesmo (nos termos do parágrafo 4º, do
artigo 20, da Lei 7.716/1989) a destruição desses escritos.
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Em que pese ser a liberdade de expressão uma garantia fundamental, ela não pode ser
utilizada de forma abusiva, de forma a se permitir atos de discriminação racial
(entendendo-se de forma ampla o conceito). O crime de racismo atinge aquilo que a
doutrina já definiu como “a percepção que a maioria das pessoas tem dos integrantes
desses grupos, reforçando estigmas e estereótipos negativos e estimulando
discriminações”[19].
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utilizado com fins de fazer propaganda de alguma ideologia. O fato dos dizeres racistas
serem colocados em formato de romance, em fôrma literária, na verdade, não se presta
a servir de chancela para se escrever qualquer coisa, sobre qualquer pessoa, ou
qualquer grupo social, sem nenhuma condição de responsabilidade ou limite.
Embora para alguns, como Oscar Wilde, “não há livros morais e livros imorais. Há
livros bem escritos ou mal escritos. E é só”[20], Tolstói dissera certa vez: “eu escrevo
livros, por isso sei todo o mal que eles fazem”.[21] Entendemos que o racismo pode,
sim, se materializar em obras literárias.
Como dizia Joseph de Maistre[22], “na verdade, só aprendemos em livros que nós não
podemos julgar. O autor de um livro que nós pudéssemos julgar deveria aprender
conosco”.
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Paulo: Contexto, 2007. p. 102. Esta reabilitação do Jeca ocorreu quando Monteiro
Lobato se uniu ao farmacêutico Cândido Fontoura, em 1924, em uma lucrativa
parceria comercial. O Jeca Tatuzinho virou assim o garoto propaganda do Biotônico.
[3] DIWAN, Pietra. Op. Cit. p. 110.
[4] DIAS, Maurício. Monteiro Lobato, racista empedernido. Carta Capital. (Edição de
17/5/2013) Traz a carta em sua escrita original: “Paiz de mestiços onde o branco não
tem força para organizar uma Kux-Klan, é paiz perdido para altos destinos. André
Siegfried resume numa phrase as duas attitudes. ‘Nós defendemos o front da raça
branca — diz o Sul — e é graças a nós que os Estados Unidos não se tornaram um
segundo Brazil’. Um dia se fará justiça ao Klux Klan (...) que mantem o negro no seu
lugar”. Disponível in : http://www.cartacapital.com.br/revista/749/monteiro-lobato-
racista-empedernido.
[5] MANN, Thomas. Ouvintes alemães!: Discursos contra Hitler. Rio de Janeiro,
2009. Jorge Zahar. p. 161. Seus discursos eram gravados em Los Angeles, enviados
por avião a Nova Iorque, onde eram transmitidos por telefone para Londres. De lá, a
BBC emitia em ondas longas (ouvidas pelo único tipo de rádio que os alemães então
tinham permissão de ter), os discursos para a Alemanha, com o fim de influenciar o
público alemão durante a guerra.
[6] FRANCE, Anatole. Sur la pierre blanche. Paris: Calmann-Lévy, 1905. pp. 24-25.
[7] LOBATO, Monteiro. O Presidente Negro. São Paulo: Globo, 2009. p. 92.
[8] Idem. p. 102.
[9] Idem. p. 129.
[10] Idem. p. 149.
[11] Idem. p. 91.
[12] Idem. p. 121.
[13] Idem. p. 77.
[14] Idem. p. 157.
[15] Idem. p. 196.
[16] MONTAIGNE, Michel de. Ensaios: Do Desmentir. Ensaios de Montaigne,
Brasília, UnB/Hucitec, 2. ed. 1987.
[17] DIWAN, Pietra. Raça Pura: uma História da Eugenia no Brasil e no Mundo. São
Paulo: Contexto, 2007. p. 111.
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[18] LOBATO, Monteiro. O Presidente Negro. São Paulo: Globo, 2009. p. 73.
[19] Op. Cit. p. 90.
[20] WILDE, Oscar. O Retrato de Dorian Grey. São Paulo: Saraiva.
[21] TOLSTÓI, Léon. Carta. Apud SCHNAIDERMAN, Boris. Tolstoi – Antiarte e
Rebeldia. São Paulo: Brasiliense, 1983.
[22] MAISTRE, Joseph de. As Noites de S. Petersburgo.
Referências bibliográficas
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ICPC/Lúmen Júris, 2008, 3a edição.
DIAS, Maurício. Monteiro Lobato, racista empedernido. Carta Capital. (Edição de
17/5/2013). Disponível in : http://www.cartacapital.com.br/revista/749/monteiro-
lobato-racista-empedernido.
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Paulo: Contexto, 2007.
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