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a LEXMERCATORIA 5>-
FRANCESCO GALGANO
Tradução de ERASMO V A L L A D ä O A. E N. FRANçA
cio que, nas diversas épocas históricas, a sofia conservadora? Ou não, ao invés, uma
classe mercantil diretamente criou ou pre- visão cosmopolita do direito, a aspiração a
tendeu do Estado; e são, muito freqüente- reproduzir no direito nacional o modelo dos
mente, regras destinadas a traduzirem-se, outros grandes países do continente euro-
nas épocas sucessivas, em direito privado peu? O sentido dessa operação da jusco-
comum, a tornarem-se direito civil. Adver- mercialística italiana será claramente per-
tiu-o Pasukanis, quando escreveu que "o cebido por Tullio Ascarelli quando o Tra-
direito comercial, com respeito ao direito tado de Roma relançar, sobre o nosso con-
civil, cumpre a mesma função a que é cha- tinente, o projeto de um direito comercial
mado a cumprir o direito civil em relação a uniforme.7
todos os outros setores; ou seja, aquele in- O projeto é enunciado pelo art. 3 ? , le-
dica a este a via do desenvolvimento".6 tra /J, do Tratado, segundo o qual "a ação
As vicissitudes italianas se destacam, da Comunidade importa", entre outras coi-
durante o período fascista, do contexto eu- sas, "a aproximação das legislações nacio-
ropeu. Em 1942 o direito comercial perde, nais na medida necessária ao funcionamen-
no nosso país, a antiga autonomia legisla- to do mercado comum"; e o objetivo da
tiva; um unitário código civil toma o posto "aproximação das legislações", referida ao
precedentemente ocupado, e ainda ocupa- funcionamento de um mercado comum eu-
do alhures, por separados códigos civis e ropeu, torna evidente a alusão às legisla-
de comércio. Não obstante isso, os jusco- ções comerciais nacionais (dentro do direito
mercialistas italianos dão vida novamente comercial se coloca, além disso, o mais es-
ao direito comercial, com uma hábil opera- pecífico objetivo, expresso pelo art. 44,2 s
ção de "retalho", no interior do código ci- parágrafo, letra g, que consiste no "tomar
vil, de diversos conjuntos de normas, algu- equivalentes as garantias que são exigidas,
mas do Quinto, outras do Quarto Livro, cujo pelos Estados-membros, das sociedades,
elemento unificador em outra coisa não re- para proteger os interesses tanto dos sócios
side senão no fato de que elas eram. uma como de terceiros").
época, encerradas dentro do código de co- Nesse projeto, o "particularismo" do
mércio (e ao mesmo título são incluídas no direito comercial reemerge em toda a sua
"direito comercial" algumas leis especiais, importância histórica: retoma a antiga idéia
aquelas sobre falência, sobre a cambial e de um direito comercial "despoliticizado",
sobre o cheque etc., cuja^'comercialidade" a uniformidade ultranacional do qual se
deriva também do fato de elas regularem possa realizar independentemente da uni-
matérias já reguladas pelo código de co- dade política e não associar a nada mais
mércio). senão à unidade do mercado. E retoma, com
O antigo particularismo se transfor- essa. também a idéia de que as normas re-
mou, assim, em "autonomia científica" do guladoras da atividade comercial possam
ser produzidas de modo inteiramente "par-
direito comercial. A integração do direito
ticular", externamente àquelas sedes de
comercial ao direito civil é, quanto menos
mediação política e social nas quais se for-
em sede de sistematização e interpretação,
ma qualquer outra norma de direito. Segun-
esconjurada; a juscomercialística continua,
do o art. 94 do Tratado, as legislações na-
como no passado, a elaborar separadamen- cionais se "harmonizam" por diretiva vin-
te as próprias categorias. Uma operação de culante de um órgão comunitário, qual seja,
mera restauração, inspirada por uma filo- o Conselho da Comunidade Européia, que
é emanação exclusiva dos executivos nacio-
6. E. B. Pasukanis, Lu Teoria Generale del
Diritto e U Marxismo, trad, italiana de E. Martellotti,
com ensaio introdutório de U. Cerroni. Bari. 1975, 7. Ascarelli, Corso di Diritto Commerciale,
p. 55. cit., p. 142; c infra, cap. 5. par. 5.
TEXTOS CLÁSSICOS 227
nais, enquanto o Parlamento Europeu, eleito preenderam que o socialismo postula o de-
por sufrágio universal, tem voto somente senvolvimento e o fortalecimento dos di-
consultivo. reitos pessoais e patrimoniais dos trabalha-
O particularismo do direito comercial dores. Ignoram a importância da proprie-
é, em termos "gramscianos", "èconomis- dade individual. Sobre um ponto agora es-
mo"; a sua valoração histórica é valoração tão todos de acordo: é preciso criar o mais
histórica do "economismó" no direito, e o rapidamente um novo código civil".'J
particularismo do direito comercial das ori- As razões do particularismo parecem,
gens foi somente um aspecto daquele geral todavia, destinadas a levar vantagem no
"economismó" da burguesia medieval que último quartel do vigésimo século; a eco-
foi a razão da sua rápida fortuna, mas tam- nomia mundial veio assumindo sempre mais
bém de seu igualmente rápido declínio.8 O marcadamente os caracteres de uma eco-
economismó no direito do nosso tempo é a nomia global, que tende a superar os con-
pretensão de separar o direito da política, fins políticos dosjïstados e a reduzir o pla-
de abstraf-lo da sociedade, qual mero "aces- neta à unidade econômica. A economia glo-
sório" da economia, pura técnica de regu- bal se sobrepôs ao antigo comércio inter-
lação das relações de produção. Ele con- nacional. No passado, a produção era sem-
tradiz — baste aqui o exemplo, há pouco pre nacional; eram internacionais os mer-
citado, do modo de criar direito comercial cados do aprovisionamento de matérias-
uniforme; na Comunidade Européia — as primas e da colocação de produtos acaba-
instâncias, jamais sopitadas, de formação dos. Na economia que se diz global não são
democrática dp direito, contradiz a aspira- as mercadorias que circulam além dos con-
ção a um desenvolvimento econômico co- fins nacionais; em âmbitos internacionais
ordenado com o progresso civil e social. A se desloca e se ramifica a própria organiza-
idéia de uma constituição européia, que ção produtiva e distributiva.
hoje se anuncia, apoia essas exigências, co-
mo as apoia a anunciada atribuição de um 9. A passagem faz parte da nota requisitória
voto deliberativo ao Parlamento Europeu. de 37; no sucessivo escrito de 49, sobre Pn/blemi
dei Diritto e delío Stato in Marx, A. J. Vysinskij re-
É hoje somente uma curiosidade his- pele ainda "a redução do direito civil soviético à es-
tórica, mas não é aqui fora de lugar recor- fera da produção e da troca. O que é feito, porém,
dar a áspera polêmica que, nos anos Trinta, daquela parte do direito civil que disciplina as rela-
ções matrimoniais e familiares? Ou também essas
dividiu os juristas soviéticos sobre o tema relações devem ser disciplinadas do ponto de vista
do "direito econômico". A quantos haviam da 'planificaçüo socialista'? É cloro que o direito civil
propugnado "a substituição do direito civil compreende uma esfera de relações mais ampla do
pelo direito econômico", Vysinskij acusou que somente as relações de troca (como afirmou
Pasukanis) ou também somente as relações de pro-
de haver "feito do ser vivente, com os seus dução e de troca (como afirmou StuckaJ"; é contra
direitos pessoais e patrimoniais, um aces- "a divisão do direito soviético que disciplina as rela-
sório do mecanismo econômico. Não com- ções econômicas em dois 'direitos': o direito civil e
o direito econômico", uma divisão que comporia a
"contraposição dos interesses da economia socialis-
8. Recordo as páginas de Antonio Grarasci em ta aos interesses do homem socialista, a depreciação
Note sul Machiavetli, sulla Patílica e sullo Stau» do direito civil como direito que disciplina, sancio-
Moderno, Turim, 1949, pp. 45 e ss., 90 e ss., J33; e na e tutela os interesses pessoais e patrimoniais dos
aquelas, mais numerosas, depois aparecidas nos trabalhadores, dos cidadãos da URSS, construtores
Quademi dal Cárcere, Turim. 1975, pp. 475 e ss., do socialismo" (em P, L. Stucka. E. B. Pasukanis, A.
641,694 e ss., 758 e ss.. 787 e ss., 935, 1.053 e ss., J. Vysinskij, M. S. Strogovic, Teorie Sovietir/ie dei
1.149. Às pp. 460 e ss. dos Quuderni (pp. 29 e ss. Diritto, aos cuidados de U. Cerroni, Milão. 1964,
das Note) está a crítica do "economismó"; e aí se lê pp. 265 e ss.). Stucka tinha, por sua vei, criticado o
que "é preciso combater o economismó n&o só na "economismó" de Pasukanis; cf. o ensaio introdutório
teoria da historiografia, mas também na teoria e na de Cenroni a Pasukanis, La Teoria Generale del
prática política" (p. 464 dos Quudemi). Diritto e il Marxismo, cit., p. 25.
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