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modernização do Exército
Brasileiro nas páginas da
revista A Defesa Nacional,
durante o primeiro governo
Vargas (1931-1937)
A new spirit: the modernization of the Brazilian Army in
the pages of the magazine A Defesa Nacional, during the first
Vargas Government (1931-1937)
Fernanda Nascimento*
Palavras-chave
Defesa Nacional. Exército. Modernização.
Abstract
This article analyzes from the magazine A Defesa Nacional,
in the period that comprising the years of 1931 and 1937, the
*
Doutora em História no Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS.
**
Doutor em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Estadual de Campinas-UNICAMP e Pós-Doutor em Ciência Política pela Universidade
Federal de Pernambuco – UFPE. Professor Adjunto A do Departamento de História –
UFRN, Caicó-RN. Contato: tonyelibio@hotmail.com
Fernanda Nascimento
Antônio Manoel Elíbio
discussion initiated by the military about the Brazilian Army need
Júnior * of modernization, their proposals and suggestions for necessary
reforms to the military institution. The magazine’s editors of A
Defesa Nacional highlighted and demonstrated the situation of the
anarchy that it was the Army after the 1930 Revolution, divided
into various currents, especially among those connection with the
military mentality and the political mentality.
Keywords
National Defense. Army. Modernization.
Considerações iniciais
Armemo-nos! É esse um dos supremos
deveres nossos, se não quisermos
transmitir aos nossos filhos e aos nossos
netos humilhada, injuriada, desonrada,
talada impiedosamente pela invasão
estrangeira, e até espoliada de regiões
vastíssimas, esta terra amorável, esta doce
Pátria que os nossos avoengos nos legaram
íntegra, altiva, ouvida e respeitada no
conselho de todas as nações.
Cel. João Pereira, A Defesa Nacional,
julho de 1935.
1
CAPELLA, Leila. As malhas de aço no tecido nacional: A revista A Defesa Nacional e o
Serviço Militar Obrigatório. UFF, 1985.
2
MORAES, Maria Cristina. Jovens Turcos: militarismo e nacionalismo. Uma leitura da
revista A Defesa Nacional (1913-1918). UNESP, 2004.
3
CIDADE, Francisco de Paula. Síntese de três séculos de literatura Militar Brasileira.
BIBLIEX: Rio de Janeiro, 1953. p. 354.
Locus:
4
TREVISAN, Leonardo. As Obsessões Patrióticas: Origens e projetos de duas escolas de revista de
pensamento político do Exército Brasileiro. Tese de Doutorado. USP, 1993, p. 135. história,
Juiz de Fora,
v. 20, n. 1,
5
Ata da fundação de A Defesa Nacional (ADN) publicada na ADN de outubro de 1933, em p. 281-303,
283
comemoração aos vinte anos de fundação da revista. 2014
Fernanda Nascimento
Antônio Manoel Elíbio Este Exército havia tentado modernizar-se antes e depois da
Júnior *
Guerra do Paraguai (1865-1870). Buscou, também, incutir em seus
soldados a consciência de um exército profissional e, paralelamente,
mostrar à sociedade o papel importante que desempenhava na defesa do
país e na garantia de seus interesses externos e internos. Através da Lei de
Serviço Militar Obrigatório de 1874, tentou abrir as portas da caserna à
sociedade; tentativa esta que ficou aquém das expectativas e determinou
o abandono da Lei6. Com o advento da República e os conflitos sociais,
notadamente Canudos (1897-1898) e Contestado (1912-1916), ficou
evidente à parte da oficialidade, a necessidade de se adequar a instituição
aos tempos modernos. A atuação dos militares nesses conflitos deixou
muito a desejar e demonstrou toda a fraqueza da instituição. No caso
de Canudos, a situação levou Euclides da Cunha a afirmar que “Não
tínhamos Exército na significação real do termo” 7. A assertiva, amarga e
cruamente reveladora, não era exagerada. De fato, em termos operacionais,
a Instituição pouco podia fazer com seu equipamento deficiente, seu
armamento obsoleto e a falta de infraestrutura dos quartéis.
As reformas pedidas e sugeridas, como alterações nas leis de
promoção e organização militar, fortalecimento do ensino militar e a
contratação de missões estrangeiras de instrução, eram necessárias para
modernizar e adequar o Exército aos novos tempos. As reformas efetuadas,
desde a proclamação da República, em vários setores da Instituição e,
principalmente, aquelas efetuadas pelos ministros Caetano de Farias
(1914-1918) e Pandiá Calógeras (1919-1922) criaram o mecanismo que
permitiu a Getúlio Vargas destruir o sistema político da República Velha
entre 1930 e 1935.
6
BEATTIE, Peter M. Tributo de Sangue: Exército, Honra, Raça e Nação no Brasil 1864-
Locus:
revista de
1945. EDUSP: São Paulo, 2009.
história,
Juiz de Fora,
7
TREVISAN, Leonardo. op. cit. p. 121.
v. 20, n. 1,
p. 281-303,
8
“Plano Geral de ação para a organização definitiva do Exército” Arquivo Góes Monteiro,
284
2014 Arquivo Nacional (AGM-NA). Microfilme 051.91 SA 678.
que incorpora; a justiça militar é precária; a hierarquia uma inexpressão; Um espírito novo: a
modernização do Exército
Brasileiro nas páginas
a instrução é livresca e escolástica, sem amplitude, progressividade e da revista A Defesa
Nacional, durante o
persistência; o aquartelamento é medíocre e o aparelhamento material é primeiro governo Vargas
(1931-1937)
quase nulo: não há viaturas, não há equipamento, não há arreiamento.
O relatório concluiu que para a defesa nacional, o Exército estava
desorganizado. O autor do relatório chegou à conclusão de que:
10
MAGALHÃES, J. B. A Evolução Militar do Brasil. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1998. p.
Locus:
revista de 344.
história,
Juiz de Fora,
11
BENTO, Cláudio Moreira. O Governo de Getúlio Vargas e a sua projeção na evolução da
v. 20, n. 1,
p. 281-303,
Doutrina Do Exército (1930 - 45). Artigo disponível em: <http://www.ihp.org.br/docs/
286
2014 cmb20040825.htm>. Acesso em: 1 set. 2009.
misturadas que, além da falta de efetivo, não possuíam armamentos. Um espírito novo: a
modernização do Exército
Brasileiro nas páginas
Esta situação já havia sido notada por muitos militares e já ocorria no da revista A Defesa
Nacional, durante o
Exército há bastante tempo. Góes Monteiro, ao ser transferido para o primeiro governo Vargas
(1931-1937)
3º Regimento de Cavalaria Independente, em São Luis Gonzaga, em
1929, acusou a falta de oficiais para instruírem o regimento, que possuía
600 soldados. De acordo com Góes, existiam apenas quatro oficiais, 15
sargentos e vinte cabos, além da falta de munição, alojamentos adequados
e animais12. Para o tenente Vianna, a Revolução ocorrida em outubro
de 1930 “deu-nos alento para manifestar nossa opinião que talvez por
diferir totalmente da organização existente esteja eivada de erros que,
entretanto, foram cometidos e trazidos à publicidade no nobre intuito de
colaborar para a grandeza do Exército nacional”13.
Os militares tinham consciência de que o maior problema do
Exército era a falta de continuidade do trabalho. Realizavam-se as
reformas, mas sem objetivos específicos, de forma que tudo voltava ao
normal em pouco tempo. Este ponto de vista é explicitado pelo editorial
publicado em julho de 1932, intitulado “A Reconstrução Militar”. O autor
acreditava que a falta de continuidade era um problema característico
do quadro político-militar do Brasil e que este era o grande mal que
impossibilitava a instituição de progredir:
Mal decretadas nossas reformas, muitas vezes mesmo, quase sempre sem que
tenham tentado ao menos executá-las, pensamos logo noutras como que se
estivéssemos crentes que do simples fato de decretá-las devessem resultar
todos os frutos almejados. Assim, algum progresso que temos logrado
alcançar sob certos aspectos, tem se operado por força de circunstâncias
que o homem é impotente para aniquilar. Mas esse progresso é incompleto,
insuficiente, anárquico e tumultuoso...
houve o erro grave de se iniciar a evolução por baixo, quer dizer, criando
futuros chefes ao invés de tornar os existentes capazes. O resultado não se fez
esperar. Oficiais com os cursos de missão, ciosos e compenetrados dos seus
deveres, não podiam trabalhar, devido à má vontade dos que não tinham
evoluído e que não estavam mais em condições de evoluir26.
Locus:
30
O problema do Exército em A Defesa Nacional ano XIX, no. 214 março de 1932.
revista de
história,
31
O Momento Militar em A Defesa Nacional ano XXI, no. 237 Fevereiro de 1934.
Juiz de Fora,
v. 20, n. 1,
32
Porque desanimar? em A Defesa Nacional ano XX, no. 226 março de 1933.
p. 281-303, 294
2014 33
Porque desanimar? em A Defesa Nacional ano XX, no. 226 março de 1933.
os militares interpretavam sua condição como parte inerente da Um espírito novo: a
modernização do Exército
Brasileiro nas páginas
desorganização da sociedade brasileira. Por isto, a principal reforma a da revista A Defesa
Nacional, durante o
se efetuar na instituição militar seria uma reforma de mentalidade, de primeiro governo Vargas
(1931-1937)
hábito e de costume.
As reformas na instituição militar iniciam-se em 1933. Para os
editores de ADN era reconfortante que finalmente o Exército começasse
a sair do caos ao qual a desordem política o conduziu. Prova disso
seria a eliminação quase completa das “manifestações ostensivas de
indisciplina, de subversão hierárquica, e os diversos órgãos recomeçaram
seu funcionamento sistemático, muito embora ainda combalidos e
deficientes”. O ano de 1933 foi de grande valia para os militares, de
acordo com o editorial: lançou-se o novo regulamento do ensino militar,
a nova lei do Serviço militar e os exercícios de manobras das regiões
militares foram retomadas. Foi durante o ano de 1933 que a lei de
movimento de quadros e a lei de promoções foram estudadas e escritas,
para serem lançadas em 1934. Registra ainda o trabalho que vinha
sendo feito pelo representante militar na constituinte, que apresentou as
necessidades da segurança nacional que deviam estar presentes na nova
carta constitucional.
Em janeiro de 1934, novo editorial chama atenção ao processo de
promoção, pois “em todos os escalões as recompensas elogiosas envolvem
de roldão vadios e trabalhadores, eruditos e ignorantes. E nas recompensas
concretas, em regra, se esquecem os que mais as enriquecem”34. O autor
esperava que o novo ano que se iniciava trouxesse consigo mudanças na
conduta dos militares, pois “o simples desejo de agir direito, revelado
pela própria conduta contribui mais energicamente para formar o
ambiente sadio de que necessitam o Exército e a Pátria”. Era isso que os
militares esperaram: construir a base para o edifício da grandeza militar
e, consequentemente, do próprio País.
As reformas principais requeridas pelos militares são promulgadas
no início do ano de 1934 e coincidem com a chegada do general Góes
Monteiro à pasta de guerra. As reformas iniciadas neste período são, em
grande parte, por conta da influência de Góes35. Com o envolvimento
34
O Problema é simples em A Defesa Nacional ano XXI, no. 236 janeiro de 1934.
35
Algumas vozes são dissonantes nesse quesito. Há que se destacar, por exemplo, o General
Cordeiro de Farias que em seu depoimento aceita que Góes foi uma figura decisiva no
processo pós 1930, mas acrescenta que “não desempenhou nenhum papel direto na
modernização do Exército”. CAMARGO, Aspásia e GOÉS, Walder de. (org). Diálogos Locus:
com Cordeiro de Farias. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 2001. p. 168. A opinião aqui pode ser revista de
história,
vista como reflexo de termos pessoais e não profissionais. Já acentuamos no início deste Juiz de Fora,
v. 20, n. 1,
capítulo que a figura de Góes é bastante representativa neste processo. Em opinião similar, p. 281-303,
295
segue o artigo de BRETAS, Marcos Luiz. O General Góes Monteiro: a formulação de 2014
Fernanda Nascimento
Antônio Manoel Elíbio das forças federais na Revolução Constitucionalista, Góes Monteiro é
Júnior *
alertadosobre a necessidade de uma total reestruturação do Exército. De
acordo com o General, as providências modificaram profundamente a
estrutura orgânica das forças de terra 36.
Na oportunidade em que recebe o convite para atuar no Ministério
da Guerra, Góes elabora um documento estabelecendo as condições para
a aceitação do cargo de ministro. Este documento, escrito em janeiro
de 1934 e encaminhado a Getúlio Vargas e a Oswaldo Aranha – então
Ministro da Fazenda – traz severas assertivas sobre a situação político-
militar do Exército e a necessidade de preparação da instituição e do
país para um plano de guerra. Góes exemplifica que o sistema militar
brasileiro foi sempre defeituoso e decadente e que a primeira república
“não serviu para outra coisa senão para diminuir, até um limite
mínimo, o seu poder militar terrestre, naval e aéreo”37. Continuando
sua exposição, Góes acredita que a política interna da primeira república
trabalhou para a dissolução e a divisão do Exército através da política
regionalista efetivada pelas elites de alguns estados do Brasil. O advento
do republicanismo não encerrou a questão militar, dando continuidade
aos problemas enfrentados pelo Exército, sendo que a luta “empenhada
entre as facções regionalistas e o Exército não pode ser mais escondida”.
Para Góes, era necessário criar um espírito novo dentro das instituições
militares para que estas não sucumbissem às tentativas de subversão e
de enfraquecimento da corporação militar. Muitas das ideias de Góes,
expostas neste relatório, são tributárias do pensamento militar que estava
sendo propagado pela ADN desde a sua fundação. Acreditamos, desta
forma, que muitas assertivas de Góes foram influenciadas pelos debates
iniciados pela revista.
Este espírito novo também está presente nas páginas de ADN: em
março de 1934 o editorial informava a presença deste espírito no Exército,
que seria sintetizado pelas transformações que estavam ocorrendo na
Instituição. O editorial saúda o lançamento das novas Leis de Promoções
e de Movimento de Quadros que, finalmente, dariam um aspecto mais
profissional ao Exército. Este espírito novo seria, portanto, a antítese
de um espírito velho – aquele simbolizado por militares conformados,
acomodados com o estado de coisas do Exército, acostumados a subir
38
Decreto n. 24.068 de 29 de março de 1934.
39
O momento Militar e as influencias imponderáveis em A Defesa Nacional ano XXI, no. 237
março de 1934. Locus:
revista de
40
MAGALHÃES, op. cit. p. 345. história,
Juiz de Fora,
v. 20, n. 1,
41
Citado por SODRÉ, Nelson Werneck. A História Militar do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: p. 281-303,
297
Civilização Brasileira, 1979. p. 199. 2014
Fernanda Nascimento
Antônio Manoel Elíbio ainda percebiam esta tendência nos oficiais. Ainda em 1934, um oficial
Júnior *
bradava que era necessário acabar com a fobia pelo quartel e aumentar o
contato com a tropa42.
As promoções por escolha são direcionadas aos cargos de
generalato, para os quais são necessários os cursos de aperfeiçoamento
em Estado-Maior. Por outro lado, o critério de bravura é sempre
excepcional: em casos extremos, como uma guerra, um praça poderia
alçar voo até o posto de coronel sem os requisitos obrigatórios, como
os cursos de aperfeiçoamento de oficiais. No entanto, o Decreto-lei n.
38, de 2 de dezembro de 1937, não admitia a promoção por bravura nos
termos definidos pela lei de 1934. Somente em 1943, com incentivo de
participação na Força Expedicionária Brasileira, por conta da Segunda
Guerra Mundial, a possibilidade voltou a ser admitida.
A lei de promoções figura como uma tentativa de melhorar
o sistema, abalado pelos critérios subjetivos estabelecidos pela lei
primordial de 1891 e não mais mudados até 1934. Sua chegada era
desejada, mas sua implantação encontrou sérios óbices, percebidos
pelos editores de ADN. Em texto publicado em agosto de 1934, o autor
critica a resistência dos militares em aceitar as novas leis que, decretadas
há quase meio ano, ainda não haviam produzido efeitos salutares43.
Ficava claro a dificuldade em reagir contra os velhos hábitos e rotinas
já tradicionais da caserna. Mas, alguns militares utilizaram as páginas
de ADN para mostrarem sua insatisfação com a atual lei. É o caso do
então tenente Luiz Martins Chave que em dois artigos, publicados entre
os meses de agosto de 1935 e janeiro de 1936, demonstra não concordar
com um ponto polêmico da nova lei: a questão de “a inovada e mal
amparada precedência funcional”44. No caso da existência de uma vaga
para Major e dois Capitães estarem qualificados para ocupá-la, aquele
que for um oficial combatente terá precedência sobre aquele que não o
é, por exemplo, um oficial de intendência. Da mesma forma, um oficial
de intendência não pode dar uma ordem a um oficial de infantaria, uma
vez que o infante tem o direito de não a cumprir, estando amparado
pela lei. Para o tenente, isto é uma inversão do princípio hierárquico
do Exército. Para ele, isto é fruto de uma influência “de sistemas cuja
prática a nossa mentalidade repugna, pelo menos no estado atual da
nossa organização social”. Esta precedência tem influência francesa e “a
hierarquia militar (...) sofreu profundamente com a concepção francesa
da ilógica e injurídica hierarquia funcional”. A critica prossegue, não só
a MMF, mas às influências externas que o Exército sofreu durante sua
Locus:
revista de
história,
42
A Mais séria das crises em A Defesa Nacional ano XXI, no. 247 dezembro de 1934.
Juiz de Fora,
v. 20, n. 1,
43
Momentos Militares em A Defesa Nacional ano XXI, no. 243 agosto de 1934.
p. 281-303, 298
2014 44
A lei de promoções em A Defesa Nacional ano XXII, no. 255 Agosto de 1935.
história: “O espírito de imitação encontrou no Exército Brasileiro plena Um espírito novo: a
modernização do Exército
guarida, em todas as épocas”. Critica o germanismo e, nas entrelinhas, a Brasileiro nas páginas
da revista A Defesa
Nacional, durante o
própria contratação da MMF. primeiro governo Vargas
(1931-1937)
No texto seguinte, publicado em janeiro de 1936, o tenente
explicita a sua crítica em relação ao princípio da hierarquia funcional.
Diz ele que, a partir do momento que a Constituição, através do seu
artigo 165, garante a todo oficial do Exército e da Armada o acesso à
promoção, como pode a lei ordinária regular o principio através da
hierarquia funcional? O artigo 165 dizia que “as patentes e os postos
são garantidos em toda a plenitude aos oficiais da ativa, da reserva e
aos reformados do Exército e da Armada”. O argumento utilizado pelo
tenente é que a partir do momento que a Constituição, ela própria, regula
matérias que seriam únicas de uma classe, ela estabelece um precedente
que não se pode restringir. “E se a lei ordinária se afasta das normas
assim consubstanciadas na Constituição, atenua contra esta e, em
consequência, inexequíveis se tornam as suas sanções. (...) nenhum ato
do poder público pode estar fora dos limites traçados pela Constituição
Federal”. Logo, o direito adquirido pelo oficial das Forças Armadas está
garantido pela Constituição. Ao entrar no quadro de oficiais, defende o
autor, qualquer homem tem o direito assegurado de exercer os misteres
que lhe são atribuídos. O tenente não deixa de ter razão ao expor seus
argumentos. Mas é necessário ter em mente que a lei tenta corrigir um
exército com falta de oficiais na tropa, com excesso de oficiais em setores
administrativos e, pior, com demonstrada inépcia em suas funções, de
acordo com os próprios editores de ADN. É possível que a questão da
hierarquia funcional estivesse ligada à necessidade de estimular mais
oficiais para exercer o comando de tropa na instituição.
Ainda em dezembro de 1937, uma crítica é lançada nas páginas
da revista sobre o sistema de promoções. O artigo, em caráter anônimo,
critica a falta de paralelismo nas diferentes armas do Exército: enquanto
oficiais de engenharia atingem rapidamente os cargos superiores, oficiais
de cavalaria e artilharia demoram quase vinte anos entre a saída da
escola e a chegada ao posto de major. Para a arma da engenharia, os
oficiais chegaram ao posto de major treze anos após sua saída da escola,
mesmo aqueles que haviam entrado na Instituição cinco anos depois dos
oficiais das outras armas. Esta correspondência ocorre na intendência,
na aviação e na engenharia, sendo falha na artilharia. A ocorrência nos
faz pensar que, mesmo em 1937, os oficiais de gabinete ainda tinham
mais vantagens que os oficiais da tropa. Não é vã a crítica tão ferrenha ao Locus:
revista de
Considerações finais
Locus:
revista de
história,
Juiz de Fora,
v. 20, n. 1,
303 p. 281-303,
2014