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CAPÍTULO
VONTADE
DE MATAR
AS LEMBRANÇAS DE QUANDO O CORONEL
ERASMO DIAS ERA QUEM MANDAVA
PRENDER E SOLTAR EM SÃO PAULO
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CRÉDITOS (CREDITOS)
CAPÍTULO
E
RASMO DIAS era para muitos o símbolo de um tempo, do
VONTADE
arbítrio e da ordem. Durante o regime militar inaugurado em
1964, era o que se chamava de “todo-poderoso”. Mandava
DE MATAR
prender e soltar. Era impulsivo e explosivo. Desde que lhe parecesse
justo, acobertava crimes comuns e militares. Dava prêmios aos
policiais que caçavam e matavam bandidos. Reformou a Segurança
Pública paulista, criando uma estrutura até hoje existente. Alto,
magro e de olhos azuis, quem o conheceu nos anos 1970 diz ser difícil
ASo quanto
imaginar LEMBRANÇAS DEpoderoso.
ele foi de fato QUANDO O CORONEL
ERASMO DIAS ERA QUEM MANDAVA
Um dia, Erasmo foi informado da prisão de um jornalista
PRENDER E SOLTAR EM SÃO PAULO
surpreendido com maconha. O homem apanhou seu carro e
estacionou na frente da delegacia. Entrou no plantão policial e
mandou chamar o delegado. “Quero ver o flagrante.” Solícita, a
autoridade de plantão lhe entregou os papéis. O secretário da
Segurança passou os olhos nos documentos e os rasgou
acintosamente diante de todos. “Pode soltar o homem”, ordenou.
Virou as costas e foi embora. O jornalista estava livre.
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depois de o gravador ser desligado: que a entrevista fosse publicada
depois de ele morrer - o que aconteceria em 4 de janeiro de 2010.
Erasmo relatara sua experiência no comando da polícia paulista e
suas relações com os responsáveis pela repressão política no Estado.
VONTADE
DE MATAR
AS LEMBRANÇAS DE QUANDO O CORONEL
ERASMO DIAS ERA QUEM MANDAVA
PRENDER E SOLTAR EM SÃO PAULO
CAPÍTULO
Era difícil Erasmo não se empolgar em uma entrevista. Em 1990,
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retirou a pistola que guardava na mala e a exibiu ao repórter que o
questionava sobre o editorial do jornal Folha da Tarde que o chamara
de “covarde”. Tudo parecia despertar em seu rosto quando discordava
do jornalista. O olhar se encapelava, o rosto estremecia, as veias
VONTADE
pulavam, bufava e a voz vibrava como uma ordem. Invariavelmente, o
coronel terminava o relato dando risada ou reafirmando sua
DE MATAR
contrariedade muitas oitavas abaixo. Às vezes, porém, desistia da
ênfase e apenas admoestava ou aconselhava.
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da oposição, que o criticava porque evitava o confronto com o
Exército. Sua memória vagava entre o presente e o passado. Uma
dessas pontes o conduziu na travessia de 2004 até o dia em que os
três jovens foram mortos pela equipe 66 da Rota.
VONTADE
Acidente - Um dia antes estivera com a filha de 19 anos, que estudava
Medicina. A jovem estava se restabelecendo de uma cirurgia quando
DE MATAR
foi convidada por duas amigas para ir a uma festa. “Não vá, minha
filha, está chovendo e você acabou de ser operada.” No relato do
coronel, a jovem era a única que tinha um carro – uma Pajero – e
decidiu não deixar as amigas na mão. No trajeto, quando pararam em
AS LEMBRANÇAS
um semáforo, DEtraseira
foram atingidas na QUANDO Omotorista
por um CORONEL que
perdera o controle
ERASMO do carro.
DIASTodas
ERAseQUEM
feriram.MANDAVA
“Onde é que foi a
ocorrência? Foi no 15.º Distrito. Fui eu que fiz aquele distrito”,
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continuou Erasmo.
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batalhão, não havia sido informado sobre o caso. D’Aquino, que era
um notívago, exigia ser comunicado sobre todos os casos graves no
batalhão que ele comandava desde 1970. O tenente-coronel contou
que chegou ao quartel amarelo da Rota, na Avenida Tiradentes, na
VONTADE
região central, às 7 horas daquele dia e só então soube dos rapazes
metralhados. O esquecimento de Nepomuceno ia lhe custar uma
DE MATAR
cadeia de dois dias e o afastamento da unidade. O desrespeito à
ordem do superior faria dele o único policial punido em razão do
caso.
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“É aquela história: eu sei como são as coisas. Depois de uma hora e
meia perseguindo os caras, correndo risco de vida do caralho, aqueles
três garotos miseráveis... pô! Para, filha da puta, pô! O cara vai lá, o
estado de ânimo do camarada... Eles (os rapazes) não estavam
VONTADE
armados porra nenhuma”, confessou, rindo, o homem que mandava
na Segurança Pública. “Na hora H, por que foge? Se foge é bandido!
DE MATAR
Então dá essa desgraça que a gente torce pra não dar. Fica a mancha.”
O pai de um dos rapazes – Erasmo não diz qual – quis falar com o
então secretário dias depois. “Um erro não justifica o outro. Há certas
coisas que acontecem por negligência de alguém, por culpa de alguém
e da culpa pro dolo, do dolo pra culpa...Agora, o policial está sempre
AS LEMBRANÇAS
cumprindo DE QUANDO
o dever. Eles não sabem quem são osOcaras,
CORONEL
mas os caras
sabem que eles são polícia”,
ERASMO DIASdisse
ERA o coronel
QUEMaoMANDAVA
pai do jovem.
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VONTADE
foi uma culpa dolosa... Não pode enfrentar
a polícia! Não pode fugir da polícia! Quem
DE MATAR
foge da polícia é bandido. Então imagina o
que os caras estão pensando...
— Coronel Erasmo Dias
Armas AS LEMBRANÇAS
e maconha DE QUANDO
foram “enrustidas” O CORONEL
pelos policiais da Rota 66,
ERASMOpara
segundo o secretário, DIAS ERA QUEM
arredondar MANDAVA
a ocorrência. Não seria a
primeira nem a última vez que isso aconteceria com Erasmo. “A Rota
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90 (na verdade, 120) é pior ainda”, disse, referindo-se a outro caso
envolvendo os homens das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar.
Erasmo respirou e resolveu continuar sua confissão. “Não foi uma
nem duas vezes... Às vezes, chegava assim e o cara estava morto sem
ninguém vendo – só Deus sabe – e eu chegava assim e via o revólver e
tic, tic, tic.” O ex-secretário demonstrou em seu gabinete como fazia
para simular que “bandido” atirava até descarregar sua arma. “Cansei
de ver no começo: polícia deu cinco tiros e o bandido um só. É
excesso de zelo! Economia. Eu fazia, quando eu ia (aos locais de
crimes). A primeira coisa que eu fazia era isso (descarregar a arma do
suspeito morto). Quando eu não estava lá eu não recomendava que o
cara (o policial) fizesse isso, pois o cara põe a mão nisso, ele vai ser
indiciado; eu não vou ser indiciado.” Erasmo era o todo-poderoso,
acima de qualquer suspeita. Podia fraudar a cena do crime que jamais
seria indiciado.
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“
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“
Não foi uma nem duas vezes... Às vezes,
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chegava assim e o cara estava morto sem
ninguém vendo – só Deus sabe – e eu
chegava assim
A TURMA DO PAULISTANO (TURMA-DO-PAULISTANO) e via
A NOITE o revólver
DO CRIME e tic, tic, VONTADE
(NOITE-DO-CRIME) tic. DE MATAR
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havia resgatado três presos. “Eu falei: 'Em 24 horas, quero esses caras
aqui'. E voltei para casa.” Horas depois, chamaram o então secretário:
“Coronel, vai no posto, no Ipiranga”. Em um posto de gasolina
estavam dois dos fugitivos mortos e um terceiro suspeito detido. “Fui
VONTADE
lá. Levantei assim (e mostra como ergueu o pano que cobria o corpo)
e um, dois, três, quatro, cinco, puta merda, nove tiros! Reagiu pra
caralho. Fui no outro: um, dois, três, puta que o pariu. Não me
DE MATAR
satisfez.” O coronel queria o líder, que continuava foragido. “Chama o
Fleury (delegado Sérgio Paranhos Fleury, veterano da repressão
política e do esquadrão da morte dos anos 1960 e 1970). Fleury, esse
cara aqui, eu quero pegar.” O delegado foi conversar com o bandido
preso, que
AS estava sentando no chão.
LEMBRANÇAS “Levanta pra
DE QUANDO O falar comigo!”
CORONEL
Levantou, tomou um tapa na cara e ouviu Fleury dizer – e Erasmo
ERASMO DIAS ERA QUEM MANDAVA
mostra com gestos como Fleury engatilhou a arma na boca do
PRENDER E SOLTAR EM SÃO PAULO
suspeito: “Agora, meu filho, você tem dois minutos pra confessar o
resto todo”. “Dali três horas, o filho da puta (líder do grupo) estava
preso. Sem informação não tem operação”, concluiu Erasmo.
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