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11/09/2023, 13:59 Rota 66: a confissão - Estadão

CAPÍTULO

VONTADE
DE MATAR
AS LEMBRANÇAS DE QUANDO O CORONEL
ERASMO DIAS ERA QUEM MANDAVA
PRENDER E SOLTAR EM SÃO PAULO

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A TURMA DO PAULISTANO (TURMA-DO-PAULISTANO) A NOITE DO CRIME (NOITE-DO-CRIME) VONTADE DE MATAR   

CRÉDITOS (CREDITOS)

CAPÍTULO

E
RASMO DIAS era para muitos o símbolo de um tempo, do

VONTADE
arbítrio e da ordem. Durante o regime militar inaugurado em
1964, era o que se chamava de “todo-poderoso”. Mandava

DE MATAR
prender e soltar. Era impulsivo e explosivo. Desde que lhe parecesse
justo, acobertava crimes comuns e militares. Dava prêmios aos
policiais que caçavam e matavam bandidos. Reformou a Segurança
Pública paulista, criando uma estrutura até hoje existente. Alto,
magro e de olhos azuis, quem o conheceu nos anos 1970 diz ser difícil
ASo quanto
imaginar LEMBRANÇAS DEpoderoso.
ele foi de fato QUANDO O CORONEL
ERASMO DIAS ERA QUEM MANDAVA
Um dia, Erasmo foi informado da prisão de um jornalista
PRENDER E SOLTAR EM SÃO PAULO
surpreendido com maconha. O homem apanhou seu carro e
estacionou na frente da delegacia. Entrou no plantão policial e
mandou chamar o delegado. “Quero ver o flagrante.” Solícita, a
autoridade de plantão lhe entregou os papéis. O secretário da
Segurança passou os olhos nos documentos e os rasgou
acintosamente diante de todos. “Pode soltar o homem”, ordenou.
Virou as costas e foi embora. O jornalista estava livre.

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A TURMA DO PAULISTANO (TURMA-DO-PAULISTANO) A NOITE DO CRIME (NOITE-DO-CRIME) VONTADE DE MATAR   

CRÉDITOS (CREDITOS)

ria- (_assets/image/capitulo-3-galeria- (_assets/image/capitulo-3-galeria- (_assets/image


1/ROTA017.jpg) 1/ROTA020.jpg) 1/ROTA024.jpg
Erasmo chegou ao gabinete, na Câmara Municipal de São Paulo, às 9
horas. Era julho de 2004. Faltavam poucos meses para o coronel da
reserva e ex-secretário da Segurança Pública de São Paulo terminar
seu último mandado parlamentar. Cumprimentou um assessor,
apanhou papéis e sentou na cadeira de couro de sua mesa. A conversa
ia durar quase duas horas. TudoCAPÍTULO
terminado, fez um pedido inesperado

3
depois de o gravador ser desligado: que a entrevista fosse publicada
depois de ele morrer - o que aconteceria em 4 de janeiro de 2010.
Erasmo relatara sua experiência no comando da polícia paulista e
suas relações com os responsáveis pela repressão política no Estado.

VONTADE
DE MATAR
AS LEMBRANÇAS DE QUANDO O CORONEL
ERASMO DIAS ERA QUEM MANDAVA
PRENDER E SOLTAR EM SÃO PAULO

Naqueles anos, o homem estivera no olho do furacão de uma das


maiores crises do regime — a que levaria ao afastamento do general
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Ednardo D’Ávila Melo, em 1976, do comando do 2º Exército —, após a
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morte de três presos políticos nas dependências do Destacamento de


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Operações de Informações (DOI). Eram o tenente José Ferreira da 
Silva, o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho.
Erasmo concordara emAfalar
A TURMA DO PAULISTANO (TURMA-DO-PAULISTANO) NOITEdias
DO antes
CRIMEe(NOITE-DO-CRIME)
marcara o encontro no
VONTADE DE MATAR   
gabinete. A parte política de seu relato integrou a pesquisa que se
transformou no livro A Casa da Vovó. Seu relato a respeito do dia a dia
CRÉDITOS (CREDITOS)
de sua passagem pela secretaria – de 1974 a 1977 – permaneceu
inédito.

O vociferante Erasmo deixou o cargo no Estado para se candidatar a


uma cadeira na Câmara dos Deputados em 1978. O ex-secretário se
elegeu pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), o partido do
regime. Começaria ali uma carreira como parlamentar que o levaria
depois do Congresso à Assembleia Legislativa paulista e somente se
encerraria em 2004, na Câmara dos Vereadores.

CAPÍTULO
Era difícil Erasmo não se empolgar em uma entrevista. Em 1990,

3
retirou a pistola que guardava na mala e a exibiu ao repórter que o
questionava sobre o editorial do jornal Folha da Tarde que o chamara
de “covarde”. Tudo parecia despertar em seu rosto quando discordava
do jornalista. O olhar se encapelava, o rosto estremecia, as veias

VONTADE
pulavam, bufava e a voz vibrava como uma ordem. Invariavelmente, o
coronel terminava o relato dando risada ou reafirmando sua

DE MATAR
contrariedade muitas oitavas abaixo. Às vezes, porém, desistia da
ênfase e apenas admoestava ou aconselhava.

Sentia-se, década após década,


perseguido pelo protesto dos
AS LEMBRANÇAS
estudantes DE QUANDO
da Pontifícia Universidade O CORONEL
Católica de ERASMO
São Paulo (PUC-SP)
DIAS ERAque,QUEM MANDAVA
em 1987, mandaram-lhe balas e uma
PRENDER E SOLTAR EM SÃO PAULO
coroa de flores no 10.º aniversário de
sua ação mais controversa à frente da
secretaria: a invasão do câmpus
Monte Alegre da universidade, em 22
de setembro de 1977. A ação pretendia
impedir um encontro nacional dos
estudantes, que buscava reorganizar o
movimento estudantil no País – a
União Nacional dos Estudantes
(UNE) havia sido posta na ilegalidade
pelo regime em 1964.

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CRÉDITOS (CREDITOS)

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2/ACERVO210.jpg) 2/ACERVO211.jpg) 2/ACERVO212.
O coronel, que se enfurecera ao descrever os episódios ligados à
repressão política e as críticas que recebera do cardeal-arcebispo d.
Paulo Evaristo Arns, apanhou papéis para se lembrar do que fizera à
frente da secretaria, os comandos que criara na PM, o
estabelecimento de uma estrutura para a Polícia Científica e de
departamentos para a Polícia Civil. Achava que era o bode-expiatório
CAPÍTULO

3
da oposição, que o criticava porque evitava o confronto com o
Exército. Sua memória vagava entre o presente e o passado. Uma
dessas pontes o conduziu na travessia de 2004 até o dia em que os
três jovens foram mortos pela equipe 66 da Rota.

VONTADE
Acidente - Um dia antes estivera com a filha de 19 anos, que estudava
Medicina. A jovem estava se restabelecendo de uma cirurgia quando

DE MATAR
foi convidada por duas amigas para ir a uma festa. “Não vá, minha
filha, está chovendo e você acabou de ser operada.” No relato do
coronel, a jovem era a única que tinha um carro – uma Pajero – e
decidiu não deixar as amigas na mão. No trajeto, quando pararam em
AS LEMBRANÇAS
um semáforo, DEtraseira
foram atingidas na QUANDO Omotorista
por um CORONEL que
perdera o controle
ERASMO do carro.
DIASTodas
ERAseQUEM
feriram.MANDAVA
“Onde é que foi a
ocorrência? Foi no 15.º Distrito. Fui eu que fiz aquele distrito”,
PRENDER E SOLTAR EM SÃO PAULO
continuou Erasmo.

O registro do acidente de trânsito levou o ex-secretário de volta à


delegacia onde a morte dos rapazes pela Rota fora registrada e
investigada. Já era manhã de segunda-feira. “O Rota 66 foi o primeiro
episódio drástico que eu enfrentei.” Ele chegou à delegacia e foi
procurar os policiais que tomavam conta do caso de sua filha.
Começou a lembrar do que acontecera quase 30 anos antes. “E aí eu
contei pra eles sobre o caso Rota 66.”

“ O Rota 66 foi o primeiro episódio drástico


que eu enfrentei.
— Coronel Erasmo Dias

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Naquele 23 de abril de 1975, quando


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Erasmo chegou ao distrito, a 
guarnição 66 da Rota havia acabado
de estacionar na delegacia
A TURMA DO PAULISTANO (TURMA-DO-PAULISTANO) que DO
A NOITE ficava
CRIME (NOITE-DO-CRIME) VONTADE DE MATAR   
ainda no antigo casarão da Rua
Groenlândia, nos Jardins – o prédio
CRÉDITOS (CREDITOS)
novo, inaugurado por Erasmo na Rua
Renato Paes de Barros, no Itaim-Bibi,
na zona sul, seria entregue dois anos
depois. Os militares vestiam o
uniforme cáqui, característico da PM
daqueles tempos. O tenente Eli
Nepomuceno, responsável pelas
equipes noturnas da Rota naquele dia,
era o oficial mais graduado no lugar.
Estranhamente, o tenente-coronel
CAPÍTULO
Salvador D’Aquino, comandante do

3
batalhão, não havia sido informado sobre o caso. D’Aquino, que era
um notívago, exigia ser comunicado sobre todos os casos graves no
batalhão que ele comandava desde 1970. O tenente-coronel contou
que chegou ao quartel amarelo da Rota, na Avenida Tiradentes, na

VONTADE
região central, às 7 horas daquele dia e só então soube dos rapazes
metralhados. O esquecimento de Nepomuceno ia lhe custar uma

DE MATAR
cadeia de dois dias e o afastamento da unidade. O desrespeito à
ordem do superior faria dele o único policial punido em razão do
caso.

Erasmo entrou na delegacia e foi na direção da sala do delegado de


AS
plantão. EmLEMBRANÇAS DE QUANDO
cima da mesa, estavam as armas dosOcinco
CORONEL
policiais
militares – duas submetralhadoras
ERASMO DIAS ERAcalibre
QUEM 9 mm e cinco revólveres
MANDAVA
calibre 38. Três dos PMs da guarnição 66 da Rota foram à delegacia,
PRENDER E SOLTAR EM SÃO PAULO
apresentando ao delegado a ocorrência – os outros dois integrantes
da equipe permaneceram no local em que os garotos foram baleados.
“Conta pra mim o que houve”, disse o secretário aos policiais. O
relato que se seguiu é o conhecido: os rapazes fugiram, a perseguição
se estendeu por diversas ruas, o tempo tornava a perseguição cada vez
mais tensa. Os policiais, dependurados na janela da Veraneio,
atiravam para responder aos tiros dos jovens, que bateram o carro na
esquina da Rua Alasca com a Rua Argentina e desceram, mais uma vez
atirando nos policiais.

O ex-secretário fazia questão de estar presente em todos os lugares


onde acontecesse um caso grave – por isso, D’Aquino insistia em ser
avisado; queria chegar primeiro. Astuto, Erasmo ouviu todo o relato
calado. Não fez perguntas. E assim foi na direção da mesa onde
estariam as armas que os homens da Rota diziam ter apreendido com
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os jovens — dois revólveres calibre 22 e um calibre 32. Na cadeira de
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seu gabinete, o secretário passou a descrever como percebeu que as


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armas haviam sido plantadas pelos policiais. “Aí eu peguei assim a 
arma e fiquei com o tambor na mão”, contou o coronel. A arma estava
com defeito. Erasmo riu
A TURMA DO PAULISTANO (TURMA-DO-PAULISTANO) e contou
A NOITE o que perguntou
DO CRIME aos PMs: “Bandido
(NOITE-DO-CRIME) VONTADE DE MATAR   
estava com isso?”. “É”, respondeu o policial. Então, o vereador
mostrou como escondeu em uma gaveta da delegacia a arma com
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defeito que os policiais diziam ter sido usada pelos rapazes. “Meu
amigo, eu peguei a arma, numa gaveta assim, vai tomar no rabo.”
Outro revólver foi providenciado pelos policiais para simular a
resistência de suas vítimas. “Mais alguma coisa?”, perguntou um dos
policiais. “Não, faz o inquérito aí, pô”, disse Erasmo ao delegado. O
secretário ainda daria “um esculacho” nos PMs: “Olha, vocês
aprendem, viu, que eu sempre estarei do lado de vocês, mas nada
explica e justifica. Não adianta mais ficar discutindo, agora vocês vão
responder processo. Daqui pra frente não quero saber”.

Desarmados - O ex-secretário CAPÍTULO


revela o que aconteceu naquela noite.

3
“É aquela história: eu sei como são as coisas. Depois de uma hora e
meia perseguindo os caras, correndo risco de vida do caralho, aqueles
três garotos miseráveis... pô! Para, filha da puta, pô! O cara vai lá, o
estado de ânimo do camarada... Eles (os rapazes) não estavam

VONTADE
armados porra nenhuma”, confessou, rindo, o homem que mandava
na Segurança Pública. “Na hora H, por que foge? Se foge é bandido!

DE MATAR
Então dá essa desgraça que a gente torce pra não dar. Fica a mancha.”
O pai de um dos rapazes – Erasmo não diz qual – quis falar com o
então secretário dias depois. “Um erro não justifica o outro. Há certas
coisas que acontecem por negligência de alguém, por culpa de alguém
e da culpa pro dolo, do dolo pra culpa...Agora, o policial está sempre
AS LEMBRANÇAS
cumprindo DE QUANDO
o dever. Eles não sabem quem são osOcaras,
CORONEL
mas os caras
sabem que eles são polícia”,
ERASMO DIASdisse
ERA o coronel
QUEMaoMANDAVA
pai do jovem.

PRENDER E SOLTAR EM SÃO PAULO

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3/ERASMOPUC002.jpg) 3/PUC30ANOS

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A entrevista prossegue e Erasmo esclarece: para ele, a perseguição, o


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escuro, a tensão, tudo induziu os homens da Rota 66 a pensar que 
estavam diante de bandidos perigosos. Um gesto mal interpretado os
fez atirar e matar os jovens
A TURMA DO PAULISTANO (TURMA-DO-PAULISTANO) de classe
A NOITE média.
DO CRIME “No estado de ânimo
(NOITE-DO-CRIME) VONTADE DE MATAR   
daquela gente depois de tanta coisa atrás deles; cada vez que eles
corriam atrás do camarada – e isso acontece muito com a polícia –, o
CRÉDITOS (CREDITOS)
‘gordo’ vira mais bandido do que é. E são três bobinhos que não
tinham habilitação ou coisa que o valha. Mas é a tal história: aí foi
uma culpa dolosa... Não pode enfrentar a polícia! Não pode fugir da
polícia! Quem foge da polícia é bandido. Então imagina o que os caras
estão pensando...” E Erasmo conclui: “Depois vem a merda; conforme
o caso, enruste uma maconha, conforme o caso, enruste uma arma. É
uma autodefesa”.

“ No estado de ânimo daquela gente depois


de tanta coisa atrás deles; cada vez que
eles corriam atrásCAPÍTULO
do camarada – e isso
3
acontece muito com a polícia –, o ‘gordo’
vira mais bandido do que é. E são três
bobinhos que não tinham habilitação ou
coisa que o valha. Mas é a tal história: aí

VONTADE
foi uma culpa dolosa... Não pode enfrentar
a polícia! Não pode fugir da polícia! Quem

DE MATAR
foge da polícia é bandido. Então imagina o
que os caras estão pensando...
— Coronel Erasmo Dias

Armas AS LEMBRANÇAS
e maconha DE QUANDO
foram “enrustidas” O CORONEL
pelos policiais da Rota 66,
ERASMOpara
segundo o secretário, DIAS ERA QUEM
arredondar MANDAVA
a ocorrência. Não seria a
primeira nem a última vez que isso aconteceria com Erasmo. “A Rota
PRENDER E SOLTAR EM SÃO PAULO
90 (na verdade, 120) é pior ainda”, disse, referindo-se a outro caso
envolvendo os homens das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar.
Erasmo respirou e resolveu continuar sua confissão. “Não foi uma
nem duas vezes... Às vezes, chegava assim e o cara estava morto sem
ninguém vendo – só Deus sabe – e eu chegava assim e via o revólver e
tic, tic, tic.” O ex-secretário demonstrou em seu gabinete como fazia
para simular que “bandido” atirava até descarregar sua arma. “Cansei
de ver no começo: polícia deu cinco tiros e o bandido um só. É
excesso de zelo! Economia. Eu fazia, quando eu ia (aos locais de
crimes). A primeira coisa que eu fazia era isso (descarregar a arma do
suspeito morto). Quando eu não estava lá eu não recomendava que o
cara (o policial) fizesse isso, pois o cara põe a mão nisso, ele vai ser
indiciado; eu não vou ser indiciado.” Erasmo era o todo-poderoso,
acima de qualquer suspeita. Podia fraudar a cena do crime que jamais
seria indiciado.
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Não foi uma nem duas vezes... Às vezes,
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chegava assim e o cara estava morto sem 
ninguém vendo – só Deus sabe – e eu
chegava assim
A TURMA DO PAULISTANO (TURMA-DO-PAULISTANO) e via
A NOITE o revólver
DO CRIME e tic, tic, VONTADE
(NOITE-DO-CRIME) tic. DE MATAR   

— Coronel Erasmo Dias


CRÉDITOS (CREDITOS)

O então secretário podia muito. Pagava recompensa aos policiais em


dinheiro. “Quando havia algum problema mais crucial, eu cheguei a
dar recompensa em dinheiro. Chamava no meu gabinete, reunia a
família do cara.” Também promovia. “Promovi o Conte (Conte Lopes,
hoje vereador pelo PTB) por bravura a primeiro-tenente.” Eram casos,
como lembrou, de “extrema delicadeza”. E então passou a contar um
desses casos. Um de seus informantes lhe telefonou. Pediu que o
coronel fosse até o 26º DP, no Sacomã, pois um caso extremamente
grave havia acontecido. Lá foi Erasmo. Dentro do xadrez da delegacia
estavam presos o delegado, o escrivão e o investigador. Um bando
CAPÍTULO

3
havia resgatado três presos. “Eu falei: 'Em 24 horas, quero esses caras
aqui'. E voltei para casa.” Horas depois, chamaram o então secretário:
“Coronel, vai no posto, no Ipiranga”. Em um posto de gasolina
estavam dois dos fugitivos mortos e um terceiro suspeito detido. “Fui

VONTADE
lá. Levantei assim (e mostra como ergueu o pano que cobria o corpo)
e um, dois, três, quatro, cinco, puta merda, nove tiros! Reagiu pra
caralho. Fui no outro: um, dois, três, puta que o pariu. Não me

DE MATAR
satisfez.” O coronel queria o líder, que continuava foragido. “Chama o
Fleury (delegado Sérgio Paranhos Fleury, veterano da repressão
política e do esquadrão da morte dos anos 1960 e 1970). Fleury, esse
cara aqui, eu quero pegar.” O delegado foi conversar com o bandido
preso, que
AS estava sentando no chão.
LEMBRANÇAS “Levanta pra
DE QUANDO O falar comigo!”
CORONEL
Levantou, tomou um tapa na cara e ouviu Fleury dizer – e Erasmo
ERASMO DIAS ERA QUEM MANDAVA
mostra com gestos como Fleury engatilhou a arma na boca do
PRENDER E SOLTAR EM SÃO PAULO
suspeito: “Agora, meu filho, você tem dois minutos pra confessar o
resto todo”. “Dali três horas, o filho da puta (líder do grupo) estava
preso. Sem informação não tem operação”, concluiu Erasmo.

Vontade de matar - Erasmo criou um órgão de informação na sede da


secretaria. Era a Coordenadoria de Informações e Operações Policiais
(Ciop). Dois coronéis o auxiliavam: Mero Mendes Ferreira e Sidney
Teixeira Alves. Um advogado criminalista telefonou para a casa do
coronel. Desconfiava que a casa do vizinho, um procurador de Justiça,
havia sido invadida por bandidos. Erasmo disse que foi acompanhado
por um delegado: Davi dos Santos Araújo, um veterano do DOI-Codi,
onde era conhecido como capitão Lisboa. Um grupo de policiais
cercou a casa. Um cabo foi entrar pelos fundos e deu de cara com um
estranho. O homem atirou no policial, apanhou sua submetralhadora
e entrou. Os policiais decidiram invadir. Entraram no lugar à rajadas
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de metralhadora. “Um (ladrão) vem descendo, um cara, e levanta a
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mão.” Ele e outro bandido foram mortos. A mãe do procurador estava


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morta em sua cadeira de rodas. Uma das filhas do procurador estava 
deitada ao lado da avó e a outra filha na parte de cima da casa, de
onde vinha o segundo ladrão.
A TURMA DO PAULISTANO (TURMA-DO-PAULISTANO) A NOITE“Nós entramos
DO CRIME dando rajada, que
(NOITE-DO-CRIME) a
VONTADE DE MATAR   
coisa não era brincadeira. Não entramos batendo palma, foi pra
assustar mesmo. Pegamos os dois (ladrões). Foram pro brejo. Lógico.
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A mãe dele (procurador) foi pro brejo. E aquele episódio: a polícia
matou. Matou, não. Quando bandido desceu, a menina estava lá em
cima e ele querendo estuprar. O procurador disse: ‘você salvou a
honra da minha filha’." Erasmo deixa claro que, por acidente, a mãe
do procurador morreu na invasão da casa. E que um dos bandidos
estava com as mãos para cima. Mas foi para “o brejo” como seu
comparsa que atirara no policial. O coronel terminou a entrevista
explicando como a experiência na Secretaria da Segurança pode
transformar um homem: “No fim, a gente vai ficando meio sádico; vê
tanta brutalidade dessa gente (criminosos) que dá vontade de matar”.
CAPÍTULO

VONTADE
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