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Universidade do Estado do Pará

Centro de Ciências Sociais e Educação


Programa de Pós-Graduação em Educação-Mestrado

IVONE CALDAS CARVALHO

LITERATURA E EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA: IMAGINÁRIO


POÉTICO EM ANTONIO JURACI SIQUEIRA

Belém
2015
Ivone Caldas Carvalho

LITERÁTURA E EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA:


IMAGINÁRIO POÉTICO EM ANTÔNIO JURACI SIQUEIRA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


Mestrado em Educação, da Universidade do Estado do
Pará, como parte dos requisitos para a obtenção do título
de Mestre em Educação, sob a orientação da profª. Drª.
Josebel Akel Fares.

Belém- Pa
2015
Dados Internacionais de Catalogação na publicação
Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e Educação da UEPA

Carvalho, Ivone Caldas

Literatura e Educação na Amazônia: Imaginário Poético em Antonio Juraci Siqueira/


Ivone Caldas Carvalho. Belém, 2015.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará. Belém, 2015.


Orientação de: Josebel Akel Fares
1. Educação. 2. Literatura. 3. Poética. 4. Cultura. I. Fares, Josebel Akel, (Orientador). II.
Título.

CDD:
Ivone Caldas Carvalho

LITERATURA E EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA: IMAGINÁRIO


POÉTICO EM ANTONIO JURACI SIQUEIRA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Mestrado em Educação, da Universidade
do Estado do Pará, como parte dos requisitos para a
obtenção do título de Mestre em Educação, sob a
orientação da Prof.ª Dr.ª Josebel Akel Fares.

Data de aprovação____/____/____

Banca examinadora

________________________________________ – Orientadora
Prof.ª Dr.ª Josebel Akel Fares
Doutora em Comunicação e Semiótica - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Universidade do Estado do Pará

________________________________________– Examinador
Prof. Dr. Paulo Jorge Martins Nunes
Doutor em Letras, Literatura e Língua Portuguesa - Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais
Universidade da Amazônia

________________________________________– Examinadora
Prof.ª Dr.ª Abêne Lis Monteiro
Doutora em Educação – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Universidade do Estado do Pará

________________________________________– Examinadora
Prof.ª Dr.ª Renilda Rodrigues Bastos
Doutora em Ciências Sociais e Antropologia – Universidade Federal do Pará
Universidade do Estado do Pará

Belém
2015
Aos meus pais, João e Maria, sobreviventes, que não
me abandonaram na floresta da ignorância.
GRATIDÃO

A Jeová, soberano de todas as coisas, porque mesmo quando estive só, na escuridão,
fomos três: Jeová, Jesus e eu.
Aos meus pais, irmãos e sobrinho Allan pelo afeto e compreensão dedicados a mim.
Ao meu companheiro, Amarildo, pelo amor e paciência, pois só assim para suportar
tanta ausência.
A toda minha família – numerosa e barulhenta: maravilhosa. Em especial à minha tia
Joana, tio Totó e tia Isarina, tio Benedito, inspiração de contador de histórias, meus primos
Antonio e Cristiano, à Sandra, prima do coração, à Leia, doçura em pessoa, Jocileia, Janelea.
À minha madrinha, Maria das Dores, pela força no período de estudo.
Ao poeta que me atendeu sempre com um sorriso largo e muita paciência me fazendo
sonhar com a poesia.
À minha orientadora, Josebel Fares, minha lamparina, que me alumiou a sensibilidade
para tantas questões de pesquisa e me acolheu em momentos difíceis.
Aos meus professores do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação/UEPA,
pelo mapa do caminho, minha gratidão estendida, dela uma mão cheia a mais, a professora
Ivanilde Apoluceno, que levo como exemplo de consideração, por ser humana e
comprometida com seu trabalho lendo e corrigindo nossos artigos e dando uma segunda
chance aos alunos de aprimorarem sua escritura.
Aos meus professores do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação/UEPA,
pela bússola, professoras Josebel Fares, Denise Simões e Nazaré Cristina.
À Mara Jucá, que me trouxe a água de lembrar e despertou em minha memória a
experiência que tive com o poeta em sala de aula para o passo inicial desta pesquisa.
Ao Hiran Possas, faroleiro juraciano, pelas indicações do caminho do meio nestas
águas barrentas da pesquisa.
A todos os tucunarés, colegas de trabalho, amigos, da Cooperativa Educacional
Alternativa, que acompanharam minha igarité nesta travessia.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação UEPA.
Ao CUMA (Culturas e Memórias Amazônicas), pela participação no grupo de
pesquisa.
À FAPESPA, por incentivo financeiro à pesquisa científica.
Aos amigos da secretaria do Programa de Mestrado, sempre prontos a nos ajudar.
Aos amigos: Cristiane Mesquita, Márcia Sampaio, Marta Rodrigues, Ivone Bentes,
Rosilda Maia, Carlos Campelo, pelo incentivos a embarcar nesta viagem.
Aos amigos do Mestrado: Andréa Cozzi, Jéssica Figueiredo, Suely Weber, Benedita
das Graças, Márcio Barradas, Gorette Procópio, Júlia Miranda, Ilca Sarraf, Renan Freitas,
Hugo Machado, Giselle Bezerra, pelo carinho e compartilhamento de saberes.
A todas as pessoas que tornaram a pesquisa possível.
Tecendo a Manhã
Um galo sozinho não tece uma manhã.
Ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de
um outro galo que apanhe o grito que um galo antes e o
lance a outro; e de outros galos que com muitos outros
galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para
que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre
todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda,
onde entrem todos, se entretendo para todos, no toldo (a
manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se
eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto, 1995


RESUMO

CARVALHO, Ivone Caldas. Literatura e Educação na Amazônia: Imaginário Poético em


Antonio Juraci Siqueira. Dissertação de Mestrado em Educação – Universidade do Estado
do Pará, Belém, 2015.

Por considerar a literatura um instrumento fundamental na educação da sensibilidade, esta


pesquisa objetiva analisar como se constituem os saberes do imaginário na formação do poeta,
performer e educador Antonio Juraci Siqueira e compreender como são socializados nos
diversos ambientes frequentados por ele. A escolha deste poeta se deu porque foi percebida
uma valorização da literatura com todos os saberes contidos nela, principalmente os do
imaginário amazônico, no trabalho artístico desenvolvido por ele em ambiente escolar. Para
tanto, no âmbito da pesquisa (Auto)biográfica por meio de Histórias de vida, intento analisar a
formação deste poeta-educador. Aliado a estas fontes, são feitas observações in loco da
performance do poeta e da recepção nos ambientes públicos e escolares a fim de triangular as
informações obtidas. Assim, constata-se que a educação pela arte da palavra, a literatura,
desenvolve melhor o lado sensível do ser durante o processo de socialização do saber, pelo
canal da literatura em performance o aluno/ouvinte torna o aprendizado antes um prazer que
uma obrigação. Para seguir por esse caminho, foram utilizadas as vozes de Paul Zumthor,
Jerusa Ferreira, Carlos Brandão, Edgar Morin, João Duarte Jr., entre outros da pesquisa
(Auto)biográfica. O texto compõe-se de três partes: a primeira apresenta a relação da
literatura com Educação e Cultura e a importância desse imbricamento na formação do ser
humano; a segunda expõe as bases literárias do poeta e suas obras como parte integrante de
sua formação; e a terceira discorre sobre a oralidade presente na literatura escrita, seus meios
de manutenção da tradição, seguida da recepção do trabalho do poeta em diversos ambientes.

Palavras-chave: Educação, Literatura, (Auto)Biografia, Oralidade, Imaginário Amazônico.


RÉSUMÉ

CARVALHO, Ivone Caldas. Littérature et Éducation dans l’Amazoie: L’Imaginaire


Poétique d’Antônio Juraci Siqueira. Mémoire de Maîtrise en Éducation – Université de
l’État du Pará, Belém, 2015.

La littérature est un instrument fondamental pour l’éducation de la sensibilisation. Et cette


recherche a comme but d’analiser les savoirs de l’imaginaire dans la formation d’un homme
qui est une performance, un éducateur et un poète. L’homme dont on vous parle s’appelle
Antônio Juraci Siqueira. Cet étude veut comprendre la socialisation de ces caractéristiques
qui le distinguent des autres dans son milieu. On a choisi ce poète comme objet de recherche
parce que sa poétique apporte plusieurs savoirs, surtout le savoir de l’imaginaire amazonique.
Travers l’(auto)biographie on veut faire apparaître les histoires de sa vie pour analiser la
formation de ce poète-éducateur et les observations in loco de sa performance afin de
trianguler les informations obtenus. Ainsi, on considère que l’éducation travers la littérature
fait renaître la sensibilité humaine pendant le processus de socialisation du savoir. Que
constate-t-on ? La littérature en performance fait l’enseignant reconnaître plutôt le plaisir
d’apprendre que son obligeance. Pour arriver au bon endroit, on a fait parler Paul Zumthor,
Jerusa Ferreira, Carlos Brandão, Edgar Morin, João Duarte Jr. et beaucoup d’autres aussi
importants pour l’étude de la biographie. Cette recherche est composée par trois chapitres.
Dans le premier moment du texte on fait le pont entre la littérature et l’éducation et on analise
l’importance de cette approche pour l’humanité. Puis après, on part pour les influences
poétique d’Antônio Juraci Siqueira en faisant une approche avec quelques de ses œuvres. Et
enfin, la dernière partie de cet étude sert à dire de l’oralité présent dans la littérature écrite et
comment notre poète fait pour la rendre encore vivante en respectant la tradition en jetant
aussi un regard sensible sur la réception de la performance du poète.

Mots-clé: Littérature, (Auto)Biographie, Oralité, Imaginaire Amazonique.


RESUMEN

CARVALHO, Ivone Caldas. Literatura y Educación en la Amazónia: Imaginario Poético


en Antonio Juraci Siqueira. Dissertación del Mestrado en Educación – Universidad del
Estado del Pará, Belém, 2015.

Por considerar la literatura un medio fundamental en la educación de la sensibilidad, esta


investigación objetiva analizar cómo se constituyen los saberes del imaginario en la
formación del poeta, performer y educador Antonio Juraci Siqueira y comprender como son
socializados en los diversos sítios frequentados por él. La elección de este poeta se dió porque
fue percebida una valoración de la literatura con todos los saberes contenidos en ella,
principalmente los del imaginario amazónico, en el trabajo artístico desarrollado por él en
sítios públicos y escolares. Para tanto, en el ambito del estudio (Auto) biográfica por medio de
Historias de vida intento analizar la formación de este poeta-educador. Aliado a la estas
fuentes, son hechas observaciones in loco de la performance del poeta y de la recepción en los
sítios públicos y escolares a fin de triangular las informaciones obtenidas. Así, constata-se que
la educación por la arte de la palabra, la literatura, desarrolla mejor el lado sensible del ser
durante el proceso de socialización del saber, por el canal de la literatura en performance el
alumno/oyente torna el aprendizaje, antes un placer a la una obligación. Para seguir por ese
camiño, fueron empleadas las voces de Paul Zumthor, Jerusa Ferreira, Carlos Brandão, Edgar
Morin, João Duarte Jr. entre otros de la investigación (Auto) Biográfica. El texto componerse
por tres partes: la primera, presenta la relación de la literatura con la Educación y Cultura y, la
importancia de ese mezclarse en la formación del ser humano; la segunda, exponer las bases
literárias del poeta y sus obras como parte integrante de su formación; la tercera, discorre
sobre la oralidad presente en la literatura escrita, sus medios de manutención de la tradición,
seguida de la recepción del trabajo del poeta en diversos sítios.

Palabras-llave: Educación, Literatura, (Auto)Biografia, Oralidad, Imaginario Amazónico.


LISTA DE FIGURAS

Figura 01 Antonio Juraci Siqueira 33


Figura 02 Desenho a lápis do local de moradia no Cajari 39
Figura 03 O açougueiro poeta 42
Figura 04 Ivan, Heliana Barriga, Delcy Canalles, Juraci e Roseli Sousa 44
Figura 05 Reunião de poetas paraenses na Sede da Associação Paraense de
Escritores 46
Figura 06 Fotrovaral 48
Figura 07 Coração poético trovador 49
Figura 08 Distribuição poesia na Praça da República 50
Figura 09 Juraci recitando poesia no palco do Pavulagem 51
Figura 10 Caracterização do Juraboto 54
Figura 11 Imagem do perfil do Facebook de Antonio Juraci 55
Figura 12 Atuando como contador de Histórias 57
Figura 13 Performance de Cirandeiros da Palavra com Andréa Cozzi / Sônia
Santos 58
Figura 14 Portada Verde Canto 64
Figura 15 Portada Travesseiro de Pedra 65
Figura 16 Portada Travesseiro de Pedra 65
Figura 17 Portada Piracema de Sonhos – 1ª edição 66
Figura 18 Portada Piracema de Sonhos – 3ª edição 66
Figura 19 Portada Os Versos Sacânicos – 1ª edição 67

Figura 20 Portada Os Versos Sacânicos – 3ª edição 67

Figura 21 Portada Estrela de 4 pontas 69


Figura 22 Portada Alma em pedaços – 2ª edição 70
Figura 23 Portada Espelhos e Punhais 71

Figura 24 Portada Brasão de Barro – 1ª edição 72


Figura 25 Portada Brasão de Barro – 2ª edição 72
Figura 26 Portada Do Jeito que o diabo gosta e nosso senhor consente 73
Figura 27 Portada Viola de 4 Cordas 74
Figura 28 Portada As previsões imprevisíveis da madame Xana 74
Figura 29 Portada O Chapéu do Boto 75
Figura 30 Portada O Chapéu do Boto 75
Figura 31 Portada O Chapéu do Boto 75
Figura 32 Portada O Chapéu do Boto 76
Figura 33 Portada O Chapéu do Boto 76
Figura 34 Portada O Chapéu do Boto – edição Bilíngue 76
Figura 35 Portada O Chapéu do Boto – 2003 76
Figura 36 Portada Irmã Serafina Cinque, O Anjo da Transamazônica – 1ª
Edição 79
Figura 37 Portada Irmã Serafina Cinque, O Anjo da Transamazônica – 2ª
Edição 79
Figura 38 Portada Uirá-Pirá: a saga do Peixe-pássaro – 2004 80
Figura 39 Portada Uirá-Pirá: a saga do Peixe-pássaro – 2011 80
Figura 40 Portada O Nascimento do Siriá – 2001 81
Figura 41 Portada O Bicho Folharal – 2012 82
Figura 42 Portada O Bicho Folharal – 2013 82
Figura 43 Portada Candido Rondon – O Paladino da Paz 83
Figura 44 Portada Banquete de Eros 83
Figura 45 Portada Banquete de Eros 83
Figura 46 Portada Quem souber levante o dedo 84
Figura 47 Portada Histórias sem pé nem cabeça 84
Figura 48 Portada Esta vida é um jogo, bicho! 85
Figura 49 Portada Antes que seja tarde – 2010 86
Figura 50 Portada Antes que seja tarde – 2011 86
Figura 51 Portada Colmeia de Tartaíra 87
Figura 52 Portada Peleja de Fulgêncio Batista e Totó Siqueira 87
Figura 53 Portada Tributos e Louvações 88
Figura 54 Portada Tem pato na corda 89
Figura 55 Portada Receita de Brasil Novo 90
Figura 56 Portada Cabuca do rabo grande 90
Figura 57 Portada Brasil 500 Ânus 91
Figura 58 Portada Os Novos Versos Sacânicos 92
Figura 59 Portada Histórias do Tio Totó – 2007 93
Figura 60 Portada Histórias do Tio Totó – 2008 93
Figura 61 Portada Na teia do poema 93
Figura 62 Portadas Rastro de Luz – 2006 94
Figura 63 Portadas Rastro de Luz – 2010 94
Figura 64 Portada Ao Som do Tambor 95
Figura 65 Portadas Canto Caboclo – Trilogia Amazônica 95
Figura 66 Portada Incêndios e Naufrágios 96
Figura 67 Portadas Paca, Tatu, Cutia não! 97
Figura 68 Portadas Paca, Tatu, Cutia não! 97
Figura 69 Portada Simplesmente Belém! 98
Figura 70 Portada O menino que ouvia estrelas e se sonhava canoeiro – 2010 98
Figura 71 Portada O menino que ouvia estrelas e se sonhava canoeiro – 2010 98
Figura 72 Portada O menino que ouvia estrelas e se sonhava canoeiro – 2010 99
Figura 73 Portada Mares – poemas de argila e sol 100
Figura 74 Portada Mares – poemas de argila e sol 100
Figura 75 Portada Kitito, o cãozinho sem pé de grilo 100
Figura 76 Portada Pétalas de Riso 101
Figura 77 Portada A trova no Brasil, no Pará e no Folclore 101
Figura 78 Portada Folheto de Itaí: a carinha pintada – edição 2013 102
Figura 79 Portada Itaí: a carinha pintada – edição 102
Figura 80 Portada Itaí: a carinha pintada – edição digital 102
Figura 81 Portada Paytuna 103
Figura 82 Portada Com amor e devoção: poemas sobre Círio 104
Figura 83 Portada O Mito da Criação da Noite 104
Figura 84 Portada O Mito da Criação dos Rios da Ilha do Marajó 105
Figura 85 Portada Poemas Míticos 105
Figura 86 Portada Grão: a arte de polir pedras e arrancar espinhos 106
Figura 87 Portada O Roubo da bunda – 2000 107
Figura 88 Portada O Roubo da bunda – 2010 107
Figura 89 Portada Criadores e Criaturas 107
Figura 90 Portada O estuprador de melancias 109
Figura 91 Portada Encavernado 109
Figura 92 Portada Acontecências crônica de vida simples 109
Figura 93 Portada História à Beira Rio 110
Figura 94 Portada História à Beira Rio 110
Figura 95 Portada Descom/Postura Acadêmica 110
Figura 96 Portada Juraci Park – fábulas e versos picantes – 1ª edição 111
Figura 97 Portada Juraci Park – fábulas e versos picantes – 3ª edição 111
Figura 98 Portada Zorra Astral 112
Figura 99 Portada O brilho da Esmeralda 112
Figura 100 Portada Balaio de gatos 113
Figura 101 Portada Entre o Real e o Imaginário: histórias do nosso povo 114
Figura 102 Portada Histórias de Muaná 114
Figura 103 Portada A dupla Face de Salinópolis 115
Figura 104 Portada Coletânea Breves Contares 115
Figura 105 Portada A Ilha Encantada 116
Figura 106 Portada Quando a Pá lavra o Silêncio 116
Figura 107 Portada Apanhadores de Histórias I e II 117
Figura 108 Página do facebook de Antonio Juraci Siqueira 123
Figura 109 A espera em II Encontro de Contadores da Amazônia 125
Figura 110 A transmutação em II Encontro de Contadores da Amazônia 126
Figura 111 A performance do poema Eu, o boto em II Enc. de Contadores da
Amazônia 127
Figura 112 Performance do poema O Chapéu do Boto. 1ª visita à E. M. de
Educação Infantil Prof. Milton Monte – Ilha do Combu/Pa 128
Figura 113 Performance do poema Mensagem aos bruxos. 2ª visita à E. M. de
Educação Infantil Prof. Milton Monte – Ilha do Combu/Pa 129
Figura 114 Oficina do bê-á-bá do cordel para alunos do 8º ano na Cooperativa
Educacional Alternativa 131
Figura 115 Juraci em contação de história na E. E. E. F. M. Vera Simplício,
Belém/Pa 132
Figura 116 Juraci distribuindo corações poéticos na E. E. E. F. M. Vera
Simplício, Belém/Pa 133
Figura 117 Entrada da Escola Municipal Prof. Milton Montes – Ilha do
Combu/Pa 134
Figura 118 Apresentação do painel ao homenageado a Juraci na E. M. Prof.
Milton Montes – Ilha do Combu/Pa 135
Figura 119 Performance do poema O menino que ouvia estrelas e se sonhava
canoeiro na 1ª visita a E. M. Prof. Milton Montes – Ilha do
Combu/Pa 138
Figura 120 Performance do poema O Chapéu do Boto na 1ª visita a E. M. Prof.
Milton Montes – Ilha do Combu/Pa 137
Figura 121 Uma roda de histórias com os Cirandeiros e alunos do 2ª ao 4º Ano
na 2ª visita a E. M. Prof. Milton Montes – Ilha do Combu/Pa 139
Figura 122 Contação de histórias com os Cirandeiros e alunos do 2ª Ano na 2ª
visita a E. M. Prof. Milton Montes – Ilha do Combu/Pa 139
Figura 123 IV Encontro dos Cordelistas da Amazônia na XVIII Feira Pan-
Amazônica do Livro 141
Figura 124 Distribuição de corações poéticos no Arraial do Pavulagem – Praça
da República/Pa 142
Figura 125 Contação de Histórias com os Cirandeiros na Fox – Livraria –
Belém/Pa 143
Figura 126 Contação de Histórias com os Cirandeiros no Pão de Santo Antonio –
Casa de repouso da 3ª idade – Belém/Pa 144
SUMÁRIO

EMBARQUE 17

1ª TRAVESSIA: BARCO NO CAIS: CAMINHOS 22


1.1 MIRADA DOS PRIMEIROS AFLUENTES 22
1.2 A BÚSSOLA: UM INSTRUMENTO DE NAVEGAÇÃO 26
1.3 O CANOEIRO – ANTONIO JURACI SIQUEIRA 32
1.3.1 Do Rio Cajari à Baia do Guajará: percursos de formação 34
1 O Juraci menino em Cajari 34
2 O adolescente fora do Marajó 40
3 O açougueiro filósofo e poeta 42
1.3.2 Nas águas, as marcas de uma navegação 47
1 Um cordão literário: do Trovaral ao Fotrovaral 47
2 Corações poéticos trovadores e o cajado da poesia 49
3 Marca Mitopóetica: o Juraboto 51
1.3.3 No leme, o educador poeta 55

2ª TRAVESSIA: IGARITÉ LITERÁRIA DO ESCRITO 60


2.1 O ESCRITO POÉTICO NO TEMPO 60

2.2 VERSOS 67

2.3 PROSA 107


2.4 VERSO E PROSA 111
2.5 COLETÂNIAS 113

3ª TRAVESSIA: IGARITÉ LITERÁRIA DO ORAL: PERFORMANCE E


RECEPÇÃO 118

3.1 A VOZ VIVA NO PAPEL 118


3.1.1 A voz viva nos médias 121
3.2 PERFOMANCE 124
3.3 RECEPÇÃO 130
3.3.1 Performance em ambiente escolar: individual 130
1 1ª Paragem – Escola Cooperativa Educacional Alternativa 130
2 2ª Paragem – Escola E. de E. Fund. e Médio Vera Simplício 132
3.3.2 Performance em ambiente escolar: em grupo 133
1 1ª Paragem – Escola Municipal Prof. Milton Monte 133
2 2ª Paragem – Escola Municipal Prof. Milton Monte 138
3.3.3 Performance em ambiente público: individual 140
1 1ª Paragem – IV Encontro dos Cordelistas da Amazônia 140
2 2 Paragem – Arrastão do Arraial do Pavulagem 141
3.3.4 Performance em ambiente público: em grupo 142
1 1ª Paragem – Os Cirandeiros na livraria Fox 142
2 2ª Paragem – Os Cirandeiros no Asilo Pão de Santo Antonio 143

DESEMBARQUE 145
REFERÊNCIAS 148
APÊNDICES 155
17

EMBARQUE

Falar da história de vida de alguém, como o faço agora, indiretamente, implica em


refletir sobre nossa trajetória também. E, na escolha de referências para narrar o que me
trouxe até aqui, busquei na memória aquilo que o sensível imprimiu em mim. Travessias
marcadas pela fruição de vivê-las. A começar pelas lembranças da infância nas férias, em
Cametá, na casa de meus tios ribeirinhos. Lá, na época, não havia gerador de energia e, ao
cair da noite, tudo criava vida nas sombras formadas pela luz vacilante da lamparina e pelas
falas de tio Benedito: pescadores mundiados1 por Cobras Grandes, Botos encantados
enredando as moças nas festas, Matinta Perera cercando a casa em busca de tabaco e gente
virando porco invadindo a roça de noite. Guardava tudo na memória – sensações, gestos e
palavras – e me tornava a narradora quando recontava aos colegas na escola. A partir de lá,
por meio da oralidade, o imaginário amazônico ficou marcado em mim.
A segunda travessia veio no ensino médio, quando, por influência do capitalismo,
entrei no curso Técnico em Mineração na Escola Técnica Federal do Pará – ETFPA (atual
Instituto Federal do Pará). Tudo era estranho e pouco confortável, apenas números, cálculos e
rochas. Faltava algo que eu não sabia o que era, até que conheci uma professora de Língua
Portuguesa, Leila Gillette, que me mostrou quão interessante poderia ser trabalhar com a
poética que a Literatura oferece. Então, aprumei a bússola e mudei o “curso” de minha vida
profissional – rumo a Letras. Reneguei o lógico, o racional, o cálculo, sem perder o tino, fui
ao encontro do sensível.
Mais adiante, na graduação em Letras-Língua Portuguesa pela Universidade Federal
do Pará (1999-2003), fui cercada pelas literaturas, fiquei fascinada, convicta de que era o que
queria trabalhar. Contudo, só bem mais tarde mergulhei nas águas da Literatura de Expressão
Amazônica, para usar a expressão cunhada por Paulo Nunes (1998) para se referir à Literatura
Brasileira produzidas nestas bandas do País. Hoje a vejo como um mundo tão vasto, intrigante
e desconhecido do qual me tornei amante.
Mas ao chegar à escola fui apresentada ao conteúdo programático, e a Literatura não
estava lá, principalmente produzida por autores da Amazônia. Ao tentar introduzi-la, tive um
alento, para uma Mostra Cultura, a turma do 8º ano teve como desafio apresentar o projeto
oralmente em forma de cordel. E, após a pesquisa bibliográfica, participou de uma oficina de

1
Segundo os moradores de Tamanduá, no interior de Cametá, a palavra mundiado significa encantado, em
transe, meio desorientado por algo mágico.
18

produção de cordel, ministrada pelo poeta e educador Antonio Juraci Siqueira, que também
apresentou à turma algumas de suas obras.
Naquele momento, quando ele apresentou poemas em performance, ativou
significações culturais na memória coletiva dos estudantes. Eles entraram em contato com o
imaginário, o falar caboclo, símbolos e memórias que delineavam uma identidade amazônida,
uma experiência social, a qual nós criamos, segundo Brandão (2002), e revestimos de
símbolos a fim de nos sentirmos sujeitos desta cultura.
A partir daí, uma inquietação me levou à constatação sobre as práticas pedagógicas
que temos realizado na escola: quando a literatura entra no currículo, privilegiamos a
literatura canônica em detrimento daquela que está a nossa volta, a qual, nas falas do poeta,
trouxe musicalidade, beleza e conhecimento sociocultural para dentro da sala de aula.
Como educadores, escrevemos parte deste enredo, porque nos instrumentalizamos
para reproduzir o pensamento hegemônico que seleciona, compartimenta e especializa o
conhecimento que levamos aos nossos alunos. Nós os preparamos para os exames nacionais,
vestibulares e concursos, mas pouco os estimulamos a desenvolver o conhecimento dos
saberes culturais que os circundam.
Por conta de um trabalho com a disciplina Literatura de Expressão Amazônica, pela
UAB/UEPA, me deparei com textos de pesquisadores como Paulo Nunes, que trata da
importância do imaginário popular, e Josebel Fares, que traz à luz uma reflexão sobre o “não
lugar das literaturas consideradas das margens”, das bordas 2, como a Amazônica, dentro das
instituições de ensino formal. Esses questionamentos vinham ao encontro de minha
inquietação.
Acredito no dito por Compagnon (2012, p.23): “há coisas que só a literatura com seus
meios específicos pode nos dar”. Diria que essas “coisas” são saberes que a literatura, a
poética, escrita ou oral, provoca acionando o sensível negado em nós pelos ensinamentos da
racionalidade clássica. E, nesse sentido, visualizo em Antonio Juraci Siqueira um educador do
sensível, um militante da poesia, que produz atividades com sua literatura a fim de incentivar
à leitura, à escrita e à oralidade, dissemina sua poética por meio de performances e de livros.
Nas águas deste rio, vejo que estão implicados autor – obra – educação, em um
processo no qual o ensino do imaginário amazônico é mediado pelas ações do poeta no fazer
literário. Logo, como mediador, ele tem um papel fundamental no decurso de educação pelo

2
Na introdução da Cultura das Bordas, Ferreira (2010, p.11-12) explicita o conceito trazendo a ideia do
periférico, do não institucionalizado, que “implica a pertença múltipla e toda a dificuldade de estabelecer
limites”.
19

sensível, pois propicia ao leitor/ouvinte, além da fruição, saberes relacionados à memória, à


filosofia e ao imaginário amazônico.
Em vista disso, a pesquisa se assenta nas travessias de Antonio Juraci expressas pelas
histórias de vida narradas pelo poeta, pela sua literatura e por meio da recepção de seu fazer
literário. Delimitado o foco de pesquisa que se baseia sob uma perspectiva sociocultural da
formação de um educador, teço as questões que direcionaram a investigação:
 Como se constituíram os saberes do imaginário na formação de Antonio Juraci
Siqueira levando-o a tornar-se um educador do sensível?
 Como os saberes de sua formação são socializados nos ambientes públicos e nos
escolares?
A intenção é seguir um plano metodológico pautado na busca de indícios sociais e
culturais que fizeram parte da formação de Antonio Juraci por meio da história de vida. Além
disso, conhecer o imaginário apresentado em obras que vêm da cultura amazônica de
motivação rural-ribeirinha, resultado, como diria Loureiro (1995, p.56), “de um imaginário
unificador refletido nos mitos, na expressão artística propriamente dita e na visualidade que
caracteriza suas produções de caráter utilitário – casa, barco etc.”.
E é neste ambiente “do interior” onde o poeta foi buscar, em suas memórias, o
cotidiano, o real e o mito para se realizar “como co-criador de um mundo em que o imaginal
estetizante e poetizador” (LOUREIRO, 1995, p.56) se revela como uma forma de celebração
total da vida.
Por isso, a pesquisa intitulada “Literatura e Educação na Amazônia: imaginário
poético em Antonio Juraci Siqueira”, construída por meio da minha inserção no Programa de
Pós-Graduação de Mestrado em Educação – PPGED da Universidade do Estado do Pará
(UEPA), sob a integração da linha de pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia,
propõe-se a trazer esse autor, sua produção literária e recepção à luz da academia para estudo
como foco de pesquisa no âmbito da Educação.
De um modo mais sucinto, a investigação objetiva:
 Analisar como se constituíram os saberes do imaginário na formação de Antonio
Juraci Siqueira; e
 Compreender como os saberes são socializados nos ambientes púbicos e escolares.

Sendo assim, oriento-me pelos ditames da pesquisa (Auto)biográfica como aporte


metodológico para este trabalho, uma vez que pretende contar a História de Vida do poeta,
20

educador, performer Antonio Juraci Siqueira. Aponto, então, algumas questões relativas a
esse tipo de investigação. O método (Auto)biográfico busca:

Refletir e escrever sobre as experiências e expectativas de vida, justifica-se pela


mirada de uma formação-emancipação, cujas origens estão culturalmente enraizadas
no poder emancipador do retorno reflexivo sobre si mesmo: “conhece-te a ti mesmo
e conheceras os deuses e o universo”. Preceito cultuado como prática pedagógica-
filosófica pelos socráticos, que deram início a “arte de falar de si e da vida, com suas
contradições, seus balbucios, suas ambiguidades” (PASSEGGI; ABRAHÃO;
DELORY-MONBERG, 2012, p.32).

Nesta perspectiva, vejo a possibilidade de produzir um conhecimento que utilize o


exercício da memória, em que o poeta possa narrar suas experiências de vida da infância,
entre outras fases da vida, pois, segundo Abrahão (2004b), a memória vem ser a fonte
principal de informações a respeito do sujeito em estudo, mediante a construção de histórias
de vida, que terá como auxílio outros meios diferentes, fontes como narrativas, fotos, vídeos e
documentos, além de uma observação da recepção das atividades do poeta. A triangulação
final poderá enriquecer os resultados.
Segundo Delory-Momberger (2008), que dialoga com Paul Ricoeur, o ser humano só
se apropria de sua vida por meio de histórias, pois não existe um curso natural, nós, ao
narramos, delineamos a intriga, os personagens e organizamos no tempo e no espaço o que
seria nosso curso de vida e, dessa forma, refletimos sobre nossas ações.
Assim, ao longo da pesquisa, durante as observações e leituras das obras, fui
percebendo que sempre Antonio Juraci Siqueira me oferece uma igarité 3, seja na imagem seja
na palavra, ele está sempre convidando o leitor a navegar por seus rios poéticos, que
consistem em processos educativos. Por isso, organizei o caminho a ser percorrido em três
travessias, que, por sua vez, se subdividem em tópicos.
1ª Travessia: Barco no Cais: caminhos – delineio as argumentações sobre a
importância da literatura e sua relação com a Educação e a Cultura, entrelaçando o imaginário
como um aliado para despertar a imaginação no ser humano há tanto sufocada pela
racionalidade hegemônica, a qual dá sinais de queda, mas que ainda respira vigorosamente no
nosso sistema educacional. A fundamentação teórica e metodológica da pesquisa
(Auto)biográfica direcionada às Histórias de Vida abre caminho para uma narrativa
reveladora das travessias de Antonio Juraci Siqueira que o levaram a se tornar um educador
do sensível.

3
Segundo Siqueira em Brasão de Barro (1992), do tupi iari’te, canoa verdadeira. Embarcação de porte médio,
impulsionada a remo de faia ou motor.
21

2ª Travessia: Igarité Literária do Escrito – para conhecer as bases literárias que


tanto inspiraram o poeta, discorro sobre as origens do cordel, suas características e marcas na
literatura brasileira até sua chegada à Amazônia. Apresento um acervo das obras escritas do
poeta, seu instrumento de sensibilizar o mundo, subdivididas pela forma, apenas para
visualizarmos melhor a maior tendência poética do escritor.
3ª Travessia: A Igarité Literária do Oral: Performance e Recepção – discorro
sobre a oralidade presente na literatura escrita, seus meios de manutenção da tradição, sua
presença marcante nas obras de Antonio Juraci Siqueira no papel e nas mídias. Por meio da
observação das performances do poeta, delineio um conceito e características dessa ação,
dialogando com Paul Zumthor. E, por fim, apresento minhas impressões sobre a recepção das
obras do poeta/educador nos ambientes escolares e públicos.
22

1ª TRAVESSIA: BARCO NO CAIS: CAMINHOS

1.1 MIRADA DOS PRIMEIROS AFLUENTES

Para falar de uma das manifestações humanas, a Arte, atravesso uma longa baía, até
chegar à literatura, que considero a arte da palavra stricto sensu. E, como arte, ela expõe as
formas sinestésicas que damos a tudo que envolve o nosso mundo, as representações
simbólicas e o pensamento que move cada um de nós.
Esta manifestação do sensível humano pode ter várias funções. A mais antiga,
considerando-se sua transmissão pela oralidade, era disseminar os ritos religiosos por meio de
um vasto repertório de narrativas, mantendo viva a tradição da Grécia Antiga, entre os séculos
VIII e IV a.C., segundo estudos de Jean-Pierre Vernant (2006).
Outra função, dita como primordial por Roland Barthes (1987), em O prazer do texto,
é causar fruição no leitor, algo ligado ao sensorial. E, sendo uma arte, também pode ser
delineada pelo dito de Fares (2014, p.6) ao expressar:

mudanças sociais de forma poética e, ao fruir uma obra artística, apreende-se


tempos, comportamentos, lugares, éticas, com prazer e sem obrigação. Essa
compreensão da arte como representação da realidade faz com que algumas ciências
se apropriem de objetos estéticos para a leitura das sociedades: a história, a
sociologia, a psicologia, têm nos textos literários, nos patrimônios edificados, nos
conjuntos escultóricos, em telas de época, fontes de pesquisa.

E, para Umberto Eco (2003), em Sobre algumas funções da literatura, ela serve para
manter ativo o uso da língua como patrimônio coletivo; pode criar identidade e comunidade,
bem como manter em exercício nossa língua individual. Contudo, o autor diz que mais
importante que isso “a leitura de obras literárias nos obriga a um exercício de fidelidade e de
respeito na liberdade de interpretação” (ECO, 2003, p.12) – podemos imaginar um bom fim
ao nosso romance preferido, mas temos que aceitar o fim dado pelo autor.
Walter Benjamim (1987), no texto O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai
Leskov, ao lastimar o desaparecimento da capacidade, no homem moderno, de narrar a
experiência, aponta a importância do narrador como o responsável por repassar experiências,
conselhos, fatos e mitos, assim como o faziam os narradores na Grécia Antiga. Vernant
(2006) explica que os narradores se dividiam em dois grupos: o do lar e o dos poetas. O
primeiro grupo era formado pelas vozes das mulheres – “contos de amas-de-leite, fábulas de
velhas avós, para falar como Platão, e cujo conteúdo as crianças assimilam desde o berço”
(VERNANT, 2006, p.15). Ao mesmo tempo em que elas aprendiam a falar, também
aprendiam a imaginar o divino.
23

E o segundo grupo, os poetas, em público, disseminava pela voz “o mundo dos deuses,
em sua distância e sua estranheza” (VERNANT, 2006, p.15). Esse grupo, por séculos, se
manteve nesta função, segundo o medievalista Paul Zumthor (1993).
Vejo o narrador como aquele que educa. E, nessa interação de saberes, o educar,
segundo Brandão (2002, p.28), “é criar cenários, cenas e situações em que, entre elas e eles,
pessoas, comunidades aprendentes de pessoas, símbolos sociais e significados da vida e do
destino possam ser criados”. A relação da arte literária com o binômio educação e cultura se
dispõe sendo a literatura como instrumento da educação, a qual é uma das dimensões dentro
de um âmbito mais abrangente de processos sociais de interações chamado cultura.
E neste bojo de saberes culturais estão os do imaginário, que podem ser considerados
uma chave para a compreensão de toda cultura humana, pois são constituídos pelas imagens
que estabelecem a relação entre o homem e seu mundo. Durand (2011), em seus estudos
antropológicos sobre as imagens, observa que elas provocam a reflexão, ações e modificações
da e sobre a vida que dão sentido ao mundo. Embora o processo de pensar utilize duas
funções da mente, a imaginação e a razão, é pela imaginação que o homem cria filosofias,
teorias, religiões e a arte literária.
Assim, a imaginação constrói o imaginário, que:

pode ser considerado como essência do espírito, à medida que o ato de criação (tanto
artístico, como o de tornar algo significativo), é o impulso oriundo do ser (individual
ou coletivo) completo (corpo, alma, sentimentos, sensibilidade, emoções...), é a raiz
de tudo aquilo que, para o homem, existe (PITTA, 2005, p.15).

Por isso que os mitos sempre são fruto de uma coletividade e funcionam
pedagogicamente para a manutenção de costumes, ritos e formas de entender a si e ao mundo.
Segundo Eliade (1972), como eles descrevem irrupções do “sobrenatural” que fundamentam o
mundo, também relacionam aí o homem, como ser mortal, sexual e cultural, por isso “o mito
é considerado uma história sagrada e, portanto, uma ‘história verdadeira’, porque sempre se
refere a realidades” (ELIADE, 1972, p.9).
Na Amazônia, por exemplo, segundo Fares (2004, p. 269), nas crônicas de viagens dos
exploradores, entre os mitos mais citados, aparece o do El dourado, da riqueza desmedida
como um dos chamarizes para aquela região; das Amazonas – nome dado ao Rio que “deve-se
a Orellana, por pensar ter encontrado mulheres armadas às suas margens” –, símbolo de
sensualidade, riqueza e força, sedução e perigo. Aliada a estes, Pizarro (2012) aponta mais um
mito encontrado nas crônicas do Maligno, o Curupira, protetor da floresta, uma temeridade de
estar ali.
24

De forma geral, na extensa e caudalosa Amazônia, o permanente diálogo entre os


povos das florestas, dos centros urbanos e o meio ambiente produziu “historicamente
diferentes formas de relação do homem com a vida, o que significa também diferentes formas
de produção de imaginários sociais” (PIZARRO, 2012, p.24). Por isso, até hoje, vê-se a
movência dos mitos na literatura, personagens como “o Curupira, o Boto, a Boiuna, a Cobra
Grande, o Lobisomem que são encontrados em várias línguas e em versões diferentes entre os
diversos grupos” (PIZARRO, 2012, p.26) vão traduzindo essa relação simbólica da cultura no
tempo e no espaço.
E, neste viés, a literatura desponta como a mediadora do mito, de forma poética,
caminham juntos desde os tempos em que só se conheciam as tradições pela voz. Assim, o
mito revestido pela poética reafirma duas funções da literatura citadas anteriormente:
“fruição” e “criar identidade e comunidade”.
Logo, vejo a literatura como uma saída para uma educação da sensibilidade, pois,
como arte, abrange os requisitos necessários para o desenvolvimento do homem em sua
cultura. Contudo, essa “saída” tem sido prejudicada, preterida dentro do sistema educacional
por não fazer parte de uma racionalidade científica. Isso acontece graças ao modelo
epistemológico eurocêntrico que rege os países ocidentais capitalistas e que merece uma
breve explanação.
Ele está em vigor há cerca de 200 anos nessas sociedades. Como um mercenário, esse
paradigma está pautado em uma racionalidade hegemônica, em função do neoliberalismo,
cujos pilares da regulação baseiam-se em três princípios: Estado, mercado e comunidade. E
apresenta como base epistemológica a seguinte formulação:

o positivismo em suas várias vertentes assentava nas seguintes ideias fundamentais:


distinção entre sujeito e objeto e entre natureza e sociedade ou cultura; redução da
complexidade do mundo às leis simples susceptíveis de formulação matemática;
uma concepção da realidade dominada pelo mecanicismo determinista e da verdade
como representação transparente da realidade; uma separação absoluta entre
conhecimento científico- considerado o único válido e rigoroso - e outras formas de
conhecimento como o senso comum ou estudos humanísticos; privilegiamento da
causalidade funcional, hostil à investigação das “causas últimas”, consideradas
metafísicas, e centrada na manipulação e transformação de realidade estudada pela
ciência (SANTOS, 2004, p.2).

Uma das considerações básicas desta epistemologia, a “distinção entre sujeito e


objeto”, pode ser mensurada por uma razão diretamente proporcional à distinção entre
“humano” e “não humano”. Isto significa dizer que ela causa uma grande negação do sujeito
social quando está na posição de objeto de conhecimento, pois o “não humano epistemológico
tanto pode ser tanto a natureza como a sociedade” (SANTOS, 2009, p.83).
25

Outro ponto a ser observado é a “separação absoluta entre conhecimento científico –


considerado o único válido e rigoroso – e outras formas de conhecimento como o senso
comum ou estudos humanísticos”. Aqui viceja o iconoclasmo4 que tanto sufoca o imaginário,
e começa o descrédito da literatura por fazer parte dos “estudos humanísticos”.
Para Duarte Jr. (2001), esse apartamento entre a racionalidade e a sensibilidade chegou
a anestesiar o sensível humano, deixando apenas o inteligível processando o conhecimento,
sufocou os saberes do corpo em prol dos da mente.
Mas, já na primeira metade do século XX, o desequilíbrio dos pilares de sustentação
desse paradigma apresentam indícios de seu declínio, pois correntes da Física e as Novas
Ciências, como as da Complexidade, dos Sistemas, do Caos, da Cibernética, vão questionar as
bases epistemológicas citadas por Boaventura Santos.
E essa noção não ficou apenas entre as ciências exatas e biológicas, se espalhou pelas
ciências humanas, lançando um novo olhar ao modo de pesquisar a sociedade e a natureza.
Nas Ciências Sociais, como Antropologia e a Sociologia, por exemplo, começou-se a
questionar os métodos que não conseguiam dar respostas à complexidade social, pois a
objetividade analítica impedia de dar voz à subjetividade do indivíduo.
Essas ideias convergiram na teoria da complexidade criada por Edgar Morin, um
antropólogo, sociólogo, filósofo e educador contemporâneo que pensa ser primordial uma
mudança no pensamento que vise o desenvolvimento do conhecimento de forma global e em
toda a sua complexidade. Mas o que vem a ser o complexo, para o autor?

Complexus significa o que foi tecido junto; há complexidade quando elementos


diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o
sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente,
interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes
e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união
entre a unidade e a multiplicidade (MORIN, 2007, p.38).

Nas décadas de 1970 e 1980, “período em que a reação contra o paradigma tradicional
tornou-se mundial, envolvendo historiadores do Japão, da Índia, da América Latina e de
vários outros lugares” (BURKE, 1992, p.16), dentro desse enfoque surge a denominação a
Nova História, na França, chamada de História Cultural, na Itália, Micro História, enfim, o
ponto em comum – tinha a pretensão de trazer a lume a ideia de que “a realidade é social ou
culturalmente constituída”. Logo, todo tema que permeia o social é importante, como
exemplo, a infância, a morte, os odores, o corpo, o silêncio, e traz consigo seus sujeitos.

4
Iconoclasmo, na visão binária, é a superioridade da Razão sobre a imaginação, do conceito sobre a imagem
(DURAND, 2011).
26

Hoje, importa saber quem são os sujeitos que fazem a diferença dentro de suas áreas
de atuação profissional, meio social, seja qual for seu papel dentro do sistema. Na educação
no Brasil, na década de 1950, despontaram os reflexos dessa mudança de pensamento em
Paulo Freire, pela Educação Popular, que trazia como princípios uma “nova epistemologia
baseada no profundo respeito pelo senso comum que trazem os setores populares em sua
prática cotidiana” (GADOTTI, 2011, p.4). Focalizando essa prática, coloca-se em evidência o
sujeito aprendente, suas ideias e modo de pensar durante sua alfabetização.
Por um outro lado desta engrenagem educacional, a observância da atuação do
professor tem sido vista com mais cuidado, quem ele é, sua vida pessoal, sua formação
reúnem múltiplas identidades que se entrecruzam no profissional. E essa interseção produzida
pode fazer a diferença no processo de educar. Aqui, se pauta esta pesquisa, conhecer a
interseção em Antonio Juraci Siqueira. Para tanto, atravesso outras baías – do tempo e da
memória deste educador do sensível – para compreender sua vida profissional atravessada
pelo fazer poético, que no contar encanta, no encantar, desperta a reflexão sobre a “verdade”
existente no imaginário do ouvinte/aprendente.

1.2 A BÚSSOLA: UM INSTRUMENTO DE NAVEGAÇÃO

Eu carrego pela vida


o peso dessa memória,
umbigo solto no mundo,
à espera de ser história.

Alfredo Garcia-Bragança – 2014

A voz que narra é a voz que educa o mundo


Maria do Socorro Padinha – 2009

Nunca esqueço o dito por meus professores no curso de mineração quando nos
orientavam sobre o início de uma prospecção na mata: o primeiro instrumento a ser colocado
na bagagem deveria ser a bússola, pois sem ela estaríamos desorientados dos rumos a tomar.
Assim comparo esse momento da pesquisa. E teço breves considerações sobre o aporte
teórico que sustenta a metodologia de abordagem.
Segundo Bolívar (2014, p.11), o método (Auto)biográfico chegou ao campo da
Educação por meio da investigação (Auto)biográfica e formação graças ao seu
desenvolvimento no âmbito da Antropologia, da Sociologia e da História. Nestes campos,
funcionou como metodologia de investigação da problematização e registro das tramas sociais
27

e históricas, trazendo de volta a questão do sujeito incluso numa “realidade sócio-histórico


movente e instável”, segundo Delory-Momberger (2008, p.69).
Para aclarar como se articula o método, começo pelo termo (Auto)biografia, que pode
ser entendido pelas palavras de Pujadas (2002, p.13): “provém da tradição literária [...] desde
a antiguidade clássica, constitui a narração da própria vida, contada por seu próprio
protagonista”. E, dentro desse tipo de investigação (Auto)biográfica, viso utilizar as Histórias
de Vida.
Segundo Bolívar (2012, p.36), as Histórias de Vida possibilitam “a construção de
sentido do projeto de uma vida”, quando o sujeito ordena os acontecimentos, suas vivências e
aprendizagens ao longo de vida em torno de um referencial, de uma dimensão temporal, de
relações sociais e espaços. Consequentemente, ele delineia sua identidade como resultante
deste projeto. Aliado a isso, diz Bolívar (2001 apud ABRAHÃO, 2012, p.100): “A
autobiografia apresenta uma tríplice dimensão: de fenômeno (o relato; o acontecimento),
método (de investigação), e processo (de ressignificação do vivido do sujeito que se narra)”.
Contudo, esse “conhecimento de si” não é simples, pois, segundo Delory-Momberger
(2011, p.02), “devemos lembrar que não existe um ‘curso natural’ da existência”, pois as
nossas representações da vida são como a costura da uma colcha de retalhos em que reunimos
cores e texturas diferentes que têm suas partes originadas na história e na cultura. A
composição dessa colcha pode sofrer variações em função dos diferentes contextos culturas.
A autora explica o lugar da narração na “confecção”:

Uma operação discursiva: a narrativa é não apenas meio, mas o lugar; a história de
vida acontece na narrativa. O que dá forma ao vivido e à experiência dos homens
são as narrativas que eles fazem de si. Portanto, a narração é apenas o instrumento
da formação, a linguagem na qual esta se expressaria: a narração é o lugar no qual o
indivíduo toma forma, no qual ele elabora e experimenta a história de sua vida.
(DELORY-MOMBERGER, 2008, p.56) (grifos da autora)

As afirmativas da autora estão em Bolívar (2012) quando cita Bruner (1988) e Ricoeur
(1996). O primeiro diz que não há outro modo de descrever o tempo vivido se não pela
narrativa. Já o segundo afirma que narrar a vida para si e para os outros é uma estratégia de
construção de uma identidade em forma de texto. Assim, “jamais atingimos diretamente o
vivido, Só temos acesso a ele pela mediação das histórias. Quando queremos nos apropriar de
nossa vida, nós a narramos” (DELORY-MOMBERGER, 2008, p.36).
Neste contexto de construção das Histórias de Vida, o papel do investigador tem
fundamental importância, pois ele não apenas reúne o material coletado, mas, também, ajuda
a estabelecer, junto ao entrevistado, um referencial de partida dos relatos e participa na
28

elaboração das memórias, segundo afirmam Santamarinas e Marinas (1994, apud


ABRAHÃO, 1994, p.84).
Seguindo por esse caminho, organizo os passos da pesquisa sobre Antonio Juraci
Siqueira, para conhecer a formação pessoal e a sua bagagem cultural, que se refletem no fazer
literário, já que, segundo Moita (1995, p.115), “ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe
troca, experiências, interações sociais, aprendizagens, um sem fim de relações”.
Para auxiliar o método das Histórias de Vida, que se vale da memória como fonte de
análise reconstrutiva dos fatos, apoio a pesquisa também em outros documentos para
triangulação, as quais, segundo Pujadas (1992, p.14), podem ser indispensáveis como
informação complementar sobre os relatos de vida e ainda, por terem valor simbólico, podem
estimular a memória do investigado durante as entrevistas. Dentre as categorias apontadas
pelo autor, apresento as fontes utilizadas nesta pesquisa:

a) Documentos pessoais – fotografias, vídeos, matérias publicadas (em jornais e revistas,


rede sociais na internet, pesquisas acadêmicas – trabalho de conclusão de curso,
dissertações e artigos). Estes são de cunho histórico-literário, pois apresentam pontos de
vista sobre o autor, obras e questões socioculturais circunscritas nelas, ou qualquer outro
tipo de registro iconográfico. Incluo aqui as obras literárias do autor investigado, as quais
li e cataloguei em torno de 70 unidades;

b) Registros biográficos – narrativas filmadas, Histórias de Vida e relatos cruzados


(entrevista filmada com amigos/poetas Juraci e Alfredo Bragança).

Friso uma observação, quanto ao uso das obras literárias, feita por Rodrigues e França
(2010, p.70). Elas chamam a atenção do pesquisador para o fato de que “nunca deve esquecer
que a produção ficcional não constitui uma recriação do real, mas reelaboração dele,
conduzida pelo romancista”. Neste fazer literário, vejo que o escritor, por meio das
mitopoéticas amazônicas, tenta “manter ativa uma parte do imaginário coletivo do território
marajoara e, mais especificamente, construir e reconstruir constantemente a sua memória de
vida através da arte” (SILVA, 2013, p.12). E mais, segundo o dito por Possas (2012, p. 59,
grifos do autor), “seus causos ou suas acontecências, híbridos de múltiplas vozes das
experiências alheias, retratam suas ‘andanças’ pela Amazônia”.
O suporte teórico da metodologia a ser empregada a essa produção tem um caráter
hermenêutico, inspirado em uma larga tradição (Dilthey, Gadamer, Ricoeur) e
fenomenológica (Shapp, Schultz, Berger & Luckmann). Trata-se de “um sistema de
interpretação e de construção que situa, une e faz significar os acontecimentos da vida como
elementos organizados no interior de um todo” (DELORY-MOMBERGER, 2008, p.56).
29

O autobiógrafo (aquele que narra sobre si) faz da vida vivida o curso da vida. Em
outras palavras, no ato da narrar o autobiógrafo, tenta organizar as memórias do fato
biográfico5 (o vivido) que, a partir de então, se tornar parte de uma narrativa, quando vários
fatos biográficos forem coordenados, serão constituintes da intriga e, neste contexto, o
espaço-tempo da “representação biográfica toma do discurso narrativo seus princípios de
organização: sucessão e causalidade narrativa, sintaxe das ações e das funções, dinâmica
transformadora entre sequencias de abertura e de fechamento, orientação e objetivo”
(DELORY-MOMBERGER, 2008, p.37). E é na narrativa que os papéis das personagens de
nossa vida são delineados, onde são definidos posições e valores entre eles, a partir dos
acontecimentos e ações (grifos meus).
Segundo a autora, “o discurso narrativo, construindo sequências de ações, constitui a
trama sobre a qual são tecidas outras formas de discursos que descrevem, explicam,
argumentam, avaliam as ‘ações’ relatadas” (DELORY-MOMBERGER, 2008, p.56). Logo, a
“narrativa” aqui não é um gênero puro, pois acolhe outras formas de discursos para compor o
todo.
Durante uma entrevista, nem sempre as narrativas são lineares e sucessivas. Neste
momento, entram em ação a memória, o esquecimento e o silêncio, que, segundo Polak
(1989), andam juntos, e não falar não é o mesmo que esquecer. Nem sempre se quer dizer a
qualquer um fatos silenciados, não ditos, mal compreendidos, necessita-se de um ouvinte
confiável, por isso Portelli (1981, p.22) diz que a arte de ouvir tem que ser a arte do
historiador para que quebre o protocolo de entrevista e torne o ato uma conversa. Assim, cabe
ao pesquisador ouvir e organizar os fatos para que tomem corpo na narrativa. Por este motivo,
considerei necessário, nesta etapa, seguir os passos metodológicos em Bardin (2011, p.125)
para as análises das informações e interpretações das entrevistas narrativas, a fim de construir
as Histórias de Vida:

 Pré-análise;
 Análise do material; e
 Tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

Na primeira fase, arrumei o material para elaborar um esquema. Para essa etapa,
Bardin (2011, p.126) destaca, dentre outras, as seguintes atividades:

5
Fato biográfico é esse viés da figuração narrativa que acompanha o percebido de nossa vida, esse espaço-tempo
interior, segundo o qual representamos o seu desdobramento, sobre o qual nos situamos, sem conhecer
exatamente o momento e o lugar que ocupamos na figura de conjunto que lhe atribuímos (DELORY-
MORBERGER, 2008, p.36).
30

 Leitura flutuante do material – com o objetivo de perceber a estrutura da


narrativa, reconhecer os conceitos mais utilizados, conhecer, preliminarmente,
posicionamentos a respeito das questões importantes da pesquisa e do contexto
das narrativas;
 Escolha dos documentos – tem como objetivo selecionar aqueles que possuem
as informações relevantes, consistentes para a pesquisa. Para isso, utilizo como
princípios:

o Exaustividade – trata-se de um minucioso levantamento de materiais,


selecionando aqueles com importância no todo;
o Representatividade – trata-se de selecionar o material que represente o todo
dentro do conjunto;
o Homogeneidade – trata-se da seleção de material referente ao mesmo tema;
o Pertinência – trata-se de manter o material tratado de acordo com o tema
inicial.

A problemática apresentada por uma história de vida exclui a formulação de hipóteses


a serem sujeitas à verificação, uma vez que não se estabelece relação entre variáveis.
Contudo, o campo de investigação foi delimitado por eixos definidos a partir das leituras e
pelo modelo de análise delimitado pela autora.
A segunda fase é a análise do material – codificação e categorização do material.
Codificação corresponde a uma transformação dos dados brutos do texto a fim de propiciar
uma descrição das características relevantes do conteúdo dessas informações (BADIN, 2011,
p.133). Nesta fase, objetivamente, foram escolhidas as unidades de registro e de contexto.
Primeiro, o material de análise foi desagregado – unidade base de análise a fim de categorizar
as informações. O tema foi escolhido como unidade de registro, o qual se relaciona ao
contexto. “O tema é geralmente utilizado como unidade de registro para estudar motivações
de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências etc.” (BADIN, 2011, p.135).
Quanto à categorização da unidade de registro para classificar os elementos do
material de análise, a escolha foi critério semântico, agrupamento por temáticas,
relacionando-os às categorias da literatura empírica da História de vida definida por Delory-
Momberger (2008, p.95): “A narrativa não apresenta fatos, mas palavras: a vida narrada não é
a vida”. Leva-se em consideração esta afirmação pelo fato de que o narrador, antes de narrar o
fato, faz uma busca na memória, reflete, ressignifica-o e narra. O que se chama “categorias”
em Badin chamo de fases da vida em formação. Porque, dentro do critério semântico, percebi
que havia na narração a ênfase na delimitação dessas etapas como marcos delimitando um
possível fim seguido de um recomeço. A narrativa ficou dividida da seguinte forma:
31

1. Do rio Cajari à Baia do Guajará:

a. O Juraci menino em Cajari;


b. O adolescente fora do Marajó;
c. O açougueiro filósofo e poeta.

2. Nas águas, as marcas de uma navegação:

a. Um cordão literário: do Trovaral ao Fotrovaral;


b. Corações poéticos trovadores e o cajado da poesia;
c. Marca Mitopóetica: o Juraboto.

3. Remar é preciso.

Em Nas águas, as marcas de uma navegação, foram reunidas, em um único tópico, as


criações artísticas, que não estão relacionadas a um único período, e sim a uma fazer, uma
criação que se estende ao longo do percurso de vida do poeta.
Um fato que deve ser levado em conta é o uso de obras, poemas, trechos de prosa, no
meio da narrativa. Isso aconteceu porque, durante as entrevistas, ao ser questionado por
alguma situação do fato biográfico, Juraci repetia: Você já leu a obra....? Lá estão estas
informações. Confesso que, pela quarta ou quinta vez que a escutei sobre várias obras, fiquei
constrangida por ter iniciado as entrevistas antes de ler todas as produções do poeta. E, desta
forma anunciada, percebi o caráter biográfico de algumas obras dele. Por isso, considero que a
minha escolha pela inclusão delas não prejudicou a exposição das informações, tão pouco o
encadeamento da narrativa. Serão grafados em itálico os trechos orais narrados para a
distinção das obras nas citações.
Diante do projeto delineado, uma grande questão: como começar a escrever sobre
Antonio Juraci Siqueira? E, durante minhas primeiras leituras das obras dele, a resposta estava
lá, na capa do folheto, onde encontrei o estímulo que necessitava. Então, ele disse:
“– E aqui cheguei. Chegamos. De bubuia por esse rio de muitas águas. Minha canoa
com a sua carga de sonhos tem muitos bancos à espera de outros manos e manas que queiram
seguir viagem comigo para os confins do imaginário” (SIQUEIRA, 2013, p.1).
E eu? Aceitei entrar nesta canoa e seguir rio adentro em busca das faces do “menino”
que não se sonhava canoeiro da palavra. Segui o conselho de Benilton Cruz (1996, p.20)6:

6
Poeta e professor de Literatura da UFPA. Escreveu este poema, Carta a um jovem poeta da Amazônia, em
homenagem a Antonio Juraci Siqueira. Está publicado em Aurora que vence os tigres, livro com o qual Cruz foi
indicado para o Prêmio Nestlé de Literatura.
32

Se queres escrever
rema
meu mano
rema
que o rio
te deixa
passar

Como as marés, com a preamar e a reponta que volta aos barrancos e traz, sempre,
troncos, folhas, frutos... Algo novo. Apresento o poeta em suas viagens pela vida, muitas
refletidas na literatura.
E busco conhecer o poeta e seu trabalho por meio dos indícios da memória, traços da
vida do autor que estão imbricados em sua poética e em seu trabalho educativo. Períodos
como a infância, adolescência e os anos iniciais de trabalho com a poesia e a educação, algo
muito relevante, sob o olhar da teoria, podem ser mais claramente visualizados e
compreendidos, pois, segundo Vernant (1973, p.77), “O passado é parte integrante do cosmo;
explorá-lo é descobrir o que se dissimula nas profundezas do ser”. Assim, presenciei a ida do
poeta à água da fonte de Mnemosyne7 para lembrar fatos e acontecimentos que nos remetam
aos contextos vividos no passado que, juntos, hoje compõem a vida do poeta/educador.

1.3 O CANOEIRO – ANTONIO JURACI SIQUEIRA

“Já que o senhor insiste, vou contar a minha história, mas por viagens.”
Benedicto Monteiro

O personagem Miguel dos Santos Prazeres, na obra A terceira Margem, de Benedicto


Monteiro, define a vida na epígrafe dessa seção como “chegadas e saídas”: “viagens”. E é
assim que defino as passagens de Antonio Juraci Siqueira pela vida.

7
Segundo Vernant (1973), Mnemosyne é uma deusa titã, irmã de Crono e de Okeanós, mãe de nove musas e que
preside a função poética. Ao ingressar no submundo, buscando as memórias, o consultante deveria beber na
fonte desta musa, pois ela era a própria sacralização da memória.
33

Figura 1: Antonio Juraci Siqueira

Fonte: Arquivo Pessoal (2014)

No verão amazônico, as águas baixam, a terra desencharca, o vento constante fica


soprando o cheiro suave de maresia nas ribanceiras, convidando para longos banhos... A vida
dos ribeirinhos alegra-se com o calor, e num desses dias nasceu Antonio Juraci, lá pelas
bandas do mês de outubro, precisamente dia 28, em 1948, em um interior chamado Cajari,
município de Afuá, no arquipélago marajoara, onde “dia de iluminação era sinônimo de festa
no interior. Oportunidade de reunir o povo de várias localidades, saber das novidades,
comprar algum tipo de mercadoria, principalmente guloseimas, não encontradas no dia a dia”
(SIQUEIRA, 2010, p.14).

Eu tenho uma irmã que diz assim: nós viemos do interior, nós saímos do interior,
mas o interior não saiu de nós, né... Ele veio com a gente. E, realmente, essa
memória afetiva, ela é muito forte... Eu nasci às margens do rio Cajari que
empresta o nome à localidade... e... vivia lá até os dezesseis anos de idade8.
(SIQUEIRA, 2014)

É o quarto filho de dona Esmeralda, do seu primeiro casamento, com Antonio


Siqueira, um regatão da canoa freteira chamada “Flor do Cajari”. Seus pais são filhos da terra,
seu Antonio é tapuio de pai e mãe, descendente de José e Brígida Siqueira, futuros professores
“leigos” da nora e do neto:

Lembro meus avós paternos


Entre canetas-tinteiros,
Papeis e mata-borrões,
Deitando os grãos do saber
No virgem verde e fecundo

8
Reiterando informação exposta anteriormente, enfatizo que as citações originárias das entrevistas serão escritas
em itálico daqui em diante.
34

Canteiro dos ribeirinhos (SIQUEIRA, 2010a, p.17)

Já dona Esmeralda tem descendência mista, filha de dona Etelvina, “cabocla


determinada”, e José Abdon da Silva, um cearense apreciador de leitura de literatura de
cordel:
Vovó tapuia e seu lenço
salpicado de abusões
com seu cachimbo de barro
cismando sobre o amanhã,
contando histórias greladas
no jardim do tempo-foi
de bicho que vira homem,
de cobra que engole boi...(SIQUEIRA, 2010a, p.17)

Ao todo, ele tem oito irmãos, o mais velho, Jaci, “depois de desmamado / entregue aos
avós paternos / e por eles foi criado” (SIQUEIRA, 2013, p.13), em seguida vieram Jacira,
Janira, Juraci, nome herdado do pai, Jurandir e Jorge, filhos de seu Antonio. Anos depois, a
viúva Esmeralda casa-se com José Oliveira Lima, também navegante da “Flor do Cajari”, e
nascem Helena, Elza e Élida.

1.3.1 Do rio Cajari à Baia do Guajará: percursos de formação


1 – O Juraci menino em Cajari.

Debruçado na janela
da lembrança tipitinga,
vejo passar minha infância
inocente pilotando
na maré do meu passado
a igarité da saudade...(SIQUEIRA, 2010a, p. 16)

Quando o assunto é a infância, abre-se um largo sorriso no rosto de Juraci, assim o


chamarei daqui por diante. Na infância, viveu momentos marcados por brincadeiras que
sempre envolviam o rio, a floresta e muita criatividade na água, a gente brincava de judas e
brincadeiras de barco que botava no rio com vela de papel (SIQUEIRA, 2014):

Uma das brincadeiras prediletas de minha infância às margens do Cajari era


acompanhar de montaria, rio abaixo e rio acima, meus barquinhos de mututi com
velas de papel. Os barquinhos eram entalhados por mim na sapopema do mututizeiro
[...] Casco devidamente entalhado era a vez dos acessórios: mastro, mastaréu,
gurupé, cordames de fios de embira, vergas e bujarronas de papel e a quilha
removível de paxiúba, colocada na posição adequada a cada tipo de manobra. Ficava
horas tangendo minha esquadra sob o sol escaldante até dona Esmeralda, minha
mãe, aparecer no trapiche, arrimada no temido galho de cuieira, último argumento
aceito sem apelação pelo caboclinho tuíra do sol [...] (SIQUEIRA, 2010b, p. 8)
35

Aos quatro anos de idade, no mesmo período em que ganhou mais um irmão, perdeu o
pai, um fato que mudou a vida da família:

Oito dias após o parto


dona Esmeralda chorou
Ao ver que pro céu, do quarto,
Seu canoeiro viajou. (SIQUEIRA, 2013a, p.13)

Depois disso, foram tempos de mudanças constantes, pois todos tinham que ajudar
para contribuir com as despesas em casa. Juraci conta que criança no interior trabalha, não
tem aquela coisa, não porque... A gente ajuda desde cedo nos afazeres... até por conta da
minha mãe ter perdido o marido cedo... (SIQUEIRA, 2014):

Depois que Antonio Siqueira


foi navegar pelo céu,
Dona Esmeralda sorveu
a amarga taça de fel.
Para os filhos sustentar
teria que trabalhar,
de pai fazer o papel. (SIQUEIRA, 2013a, p.14)

O irmão mais velho começou a “trabalhar como caixeiro no comércio do tio Lilico,
irmão do pai de Juraci. As irmãs, apesar de pequenas, aprenderam a cortar seringa [...]
Chegavam em casa pelas cinco da manhã, tomavam café e voltavam para a colheita do leite”
(SIQUEIRA, 2013a, p.15).
Na década de 1950, período comentado acima por Juraci, a extração do leite de
seringueira, mais conhecido como látex, utilizado para produção de borracha, ainda era
bastante cultivada no Marajó e gerava alguma renda:

Os filhos desde pequenos


nas tarefas ajudavam:
no verão, nos seringais,
e no inverno coletavam
várias sementes do rio
por horas e horas a fio
e à tardinha regressavam. (SIQUEIRA, 2013a, p.15)

O poeta lembra que eles tiveram carinho e ajuda financeira da avó, Etelvina, que
“cortava seringueira, juntava ucuúba, pescava, botava matapi e trepava num açaizeiro como
ninguém [...] vovó também cultivava um monte de abusões e crendices. História do arco da
36

velha que o povo tem como verdade absoluta” (SIQUEIRA, 2010b, p. 14). Nas memórias
escritas de Juraci, a avó sempre está inclusa nas histórias, pelas suas crendices, lembranças de
casos do sobrenatural e ensinamentos.
Outra pessoa importante neste período foi o tio Antonio, irmão de dona Esmeralda.
Contudo, não foi uma ajuda permanente, tempos depois o tio, segundo Juraci, ele... ele [risos]
fez mal9 pra uma cabocla [risos] e fugiu dos parentes e veio parar aqui pro Maguari pescar...
Passou um ano pra cá (SIQUEIRA, 2014).
Sem um apoio suficiente, trabalhavam em diversas atividades, conforme o período do
ano. No inverno, em coletas de frutas, sementes oleaginosas de pracaxi, ucuúba, pongó,
castanha de andiroba e caroço de murumuru:

A mamãe acordava a gente cedo, arrumava comida, protegia as coisas no meio do


barco, pra não molhar, e pegávamos a montaria e íamos gapuiá. No rio formava um
monte de restos de pau, folhagem, frutas e sementes e... ficava boiando perto da
ribanceira. Então a gente parava amontaria e ficava horas catando as sementes que
dava pra vender. (SIQUEIRA, 2014)

No verão, eles pescavam, cultivavam a terra e faziam coleta de látex de seringueiras,


que neste período ainda era vendável nesta região. “Era feito em seringais nativos,
verdadeiros labirintos traçados pelas seringueiras nascidas ao deus-dará [...] munidos apenas
de facas de riscar, da poronga e da caixa de fósforo” (SIQUEIRA, 2010b, p.16):

Desde muito cedo, doze anos, eu já cortava seringa à noite, sozinho com meus
irmãos menores também pelo outro lado. Então, coisas que hoje eu não faria com a
idade que eu tenho. Naquele tempo a gente fazia, porque o homem é produto do
meio, você vive, você se acostuma. Hoje, se eu voltasse lá pra fazer isso de noite,
seguramente, eu não faria mais. (SIQUEIRA, 2014)

Nesta época, gradualmente, os irmãos mais velhos começaram a migrar para Macapá
em busca de novos horizontes para ajudar a família. O objetivo era fixar-se em Macapá e
futuramente vir buscar toda a família para viver lá.
A infância de Juraci foi marcada por outro acontecimento marcante. Dona Esmeralda,
viúva, na tentativa de dar conta de sustentar a família, mesmo sem nenhuma experiência com
seringal, entrou na mata:

É um negócio que emociona, que eu não consigo [...] que foi um dia que ela saiu
pra cortar seringa e se perdeu na mata. Então ninguém sabia... os vizinhos se
uniram... pra procurar... pra encontrá-la. Me lembro... ela chegando é... uma chuva
que tinha caído assim... E eles trazendo ela de volta pra gente. (SIQUEIRA, 2014)

9
Fazer mal significava que a engravidou e depois não se casou com ela, deixando-a em má situação social.
37

A primeira escola de Juraci, Escola Municipal Mista São José, deixou bastantes
recordações, ficava próximo de casa, a gente ia de canoa, a gente logo enxergava a escola, eu
e meus irmãos (SIQUEIRA, 2014).
Conta na crônica O canto grande, em Acontecências (2010b), como foi seu primeiro
dia de aula. Era um “bicho-do-mato” e queria sentar-se em um canto do longo banco para
sentar sozinho. Como não podia, caiu no “berreiro”. Passou pela experiência nada saudosa da
sabatina. Apesar disso, não teve muitas dificuldades com seu aprendizado, porque sua mãe era
alfabetizada e o ajudava com as lições. Conta no folheto Acontecências como se dava a
sabatina na escola:
Cada sábado, uma disciplina na berlinda. A mestra fazia a pergunta ao aluno ou
aluna que encabeçava o semicírculo. Cada pergunta não respondida era repassada a
quem estivesse na vez que, respondendo corretamente, ganhava o direito de castigar
o colega que errou. Muitas vezes a questão passava por muitos e quando alguém
acertava, fazia uma verdadeira faxina, distribuindo bolo nos demais (SIQUEIRA,
2010b, p.6).

Seus avós paternos eram professores leigos e também participaram de sua educação.
Por este motivo, pouco apanhava na hora da sabatina. Mas o vivido é repassado pelo crivo da
maturidade e sofre as reflexões do presente da narração (ou da escritura). Sua atitude de
criança impiedosa o faz lamentar:

Hoje, com o coração apertado, lembro de tantas mãos jovens, frias, trêmulas e
suadas que desci a palmatoria sem piedade, como um verdugo. Na época sentia
orgulho do feito mas agora, depois de tanto tempo, essas lembranças doem tanto ou
mais em minha alma quanto doeram naquelas humildes e indefesas mãos ribeirinhas
(SIQUEIRA, 2010b, p.6).

Quando lembra dos seus professores, enfatiza: professores leigos... Professora Adélia,
a Professora Cleia, o professor José Deolindo já tinha o curso técnico... Escola Industrial de
Macapá (SIQUEIRA, 2014). Em entrevista concedida a Daudibon (2012), conta que a
literatura escrita chegou por meio de:

livros didáticos (Meu Tesouro, Nosso Brasil), dos almanaques editados anualmente
pela indústria farmacêutica (Almanaque Bristol, Capivarol e Biotônico Fontoura) e,
principalmente, dos folhetos de cordel que meu padrasto José Oliveira, encarregado
da canoa freteira “Flor do Cajari”, de propriedade de meu tio e padrinho José
Siqueira, adquiria no Ver-o-Peso e que eram lidos para parentes e vizinhos à luz de
lamparina, já que “quem conta histórias de dia, cria rabo (SIQUEIRA apud
DAUDIBON, 2012, p. 44).

Em entrevista ao Jornal do Amapá (SIQUEIRA, 1989), encartado n’A Província do


Pará, Juraci conta que, como lia todo folheto trazido por seu padrasto, “logo aprendeu a
recitar interpretando tão bem o drama das histórias, que foi escolhido por aclamação o ‘leitor
oficial’ de versos do Cajari”. Neste caminho, começou a escrever seus próprios versos e
38

trovas, pois “não queria ficar atrás de uma turma de moças e rapazes que ‘jogavam’
quadrinhas em tom de desafios”:

Eram sempre as mulheres que provocavam os homens: “Lá vai a garça voando / com
uma tesoura no pé / pra cortar a língua dos homens / quando falam da mulher”. Aí os
homens replicavam: “quando saí de casa / deixei urubu com fome / pra comer as
línguas das mulheres / pra deixar de falar dos homens”. Os versos seguiam nesta
singeleza cabocla até a coisa esquentar. E quando a coisa esquentava, quando o
desafio atingia o limite do desaforo, geralmente era encerrado com alguma apelação:
“A maré que enche e vasa / no meio faz um pavio / quem tiver fazendo versos / vá
pra puta que pariu”. (SIQUIERA apud JORNAL DO AMAPÁ, 1989).

Ao se considerar o período histórico, meados dos anos de 1950, e o isolamento


geográfico da localidade no arquipélago marajoara, vê-se que ouvir e contar histórias eram
um ato corriqueiro e necessário no cotidiano, segundo o poeta:

Lembro Manuel Assunção


cantando chulas brejeiras:
“o João da Cantuária
é uma pessoa mesquinha
quando ele vai pro mato
não leva nem farinha” (SIQUEIRA, 2010a, p. 19)

As pessoas ficavam sabendo as notícias vindas da cidade e da própria comunidade


ribeirinha, como festas, enterros, batizados e aniversários, pelos viajantes, pelos caixeiros ou
por encontros em datas festivas:

O cemitério, localizado à margem do rio, ficava horas de viagem onde se chegava


em todo tipo de embarcação[...] o curioso é que a concentração maior era do dia 1º
de novembro, dia de Todos os Santos e não foram totalmente consumidas. A ida era
uma alegria só, com muitas porfias ou “pegas”, como se diz hoje, entre as
embarcações a remo, ao contrário da volta quando o sono e o cansaço tomava conta
dos remadores. Comum também eram as histórias de visagem e assombrações
relacionadas à data e ao local. (SIQUEIRA, 2010b, p.17)

E nos encontros sempre havia histórias baseadas em fatos reais e em mitos que
circulavam pela comunidade. Na crônica O batedor de sapopema, conta uma situação vivida
quando trabalhava tirando seringa, a aparição de “uma visagem”. Como o imaginário local era
rico e criativo, dava logo resposta ao mistério, ou era Boto, Boiuna ou Mãe d’Água. Mas a
curiosidade do menino desmistificou o fato:

A princípio não dei muita atenção ao fato, acostumado a ouvir histórias como essa e
que jamais permaneceram de pé após minucioso exame. Mais curioso que temeroso
resolvi passar pelo local visagento, pois não acreditava, absolutamente, que dona
visagem fosse tão descarada ao ponto de pregar-me um susto em plena luz do dia[...]
um galho da seringueira, cheio de nós, enforquilhava-se entre dois galhos da
pracuubeira e quando o vento forçava as copas o galho nozudo escorregava entre a
forquilha produzindo o estranho som em forma de batida (SIQUEIRA, 2010b, p.18).
39

O rio era o lugar de brincadeira, fonte de alimentação, meio de transporte. Tudo tinha
que passar pelo rio. E este ir e vir de longe nas canoas aguçava a curiosidade do pequeno
Juraci. Imagem que me faz lembrar o “marinheiro comerciante”, de Walter Benjamim (1987),
em O narrador, que representa aquele narrador que viaja por muitos lugares e traz as
novidades das terras alheias para compartilhar com o “camponês sedentário”, que não sai de
sua terra natal. O marinheiro referido por Benjamin é exatamente como os navegantes da
canoa freteira que o menino sonhava pilotar por entre os rios.
Nas memórias do poeta, ficaram sentimentos, imagens, cheiros, cores, sabores do
lugar onde viveu. O desenho (Figura 2) feito por ele ilustra as imagens que guarda em sua
memória: a atmosfera de sonhos das recordações da infância como a “casa onírica” de
Bachelard (1978, p. 200), em A poética do espaço: “Pois a casa é nosso canto do mundo. Ela
é, como se diz frequentemente, nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos. Um cosmo
em toda acepção do termo”. No caso da casa ribeirinha, rodeada pela natureza, corresponde a
aconchego e vida. Ele ilustra parte desse espaço em um desenho, mas antes explica:

Nesta ilustração tentei retratar elementos básicos que compunham o cenário ao


entorno de nossa casa no Cajari, até 1965, último ano em que lá vivi. Da esquerda
para a direita estão as cinco casas pertencentes à família Cruz, as quatro primeiras
margeando o rio Cajari e a quinta já às margens do rio Mirandinha, em cuja foz tem
um cacuri. Do lado oposto do Mirandinha e às margens do Cajari está a nossa casa
com seu trapiche e o miritizeiro que servia de ponte e ia até a baixa-mar sobre a
praia de lama, com moirões de ambos os lados para atar as embarcações. À direita
da casa está o canteiro suspenso onde mamãe cultivava plantas medicinais e
hortaliças. Em frente a puxada da cozinha, o coqueiro e à esquerda o sanitário
construído sobre o rio. Mais ao fundo e ainda à esquerda, aparece o grande cedreiro
ornamentado de ninhos de japiim. E, no meio de tudo isso, a saudade grande
(SIQUEIRA, 2013a, p.24).

Figura 2: Desenho a lápis da localidade no Cajari.


40

Nesta primeira fase da vida em formação, um marco foi a perda precoce do pai, o que
causou mudanças profundas no cotidiano do menino, o trabalho para a sustento passa a ser
obrigação, embora participar das atividades domésticas fizesse parte da vida da criança
ribeirinha da época de Juraci. Por outro lado, o mesmo fato traz a presença constante da avó,
Etelvina, mulher forte, trabalhadora e uma contadora de histórias que o educará pelo meio dos
mitos amazônicos. Ouvinte atento, criativo, torna-se leitor ávido por novidades trazidas pelo
padrasto. Esse contexto de vivência delineia o que Moita (1995, p.115) chama de processos
parciais de formação, ou marcos componentes que contribuem para a construção da
identidade de uma pessoa.

2 – O adolescente fora do Marajó

1964, ano emblemático na vida do brasileiro, o golpe militar reescreveu a história de


forma autoritária e radical. Lá em Afuá, a história que chegava era outra, a notícia distorcida
“Era anunciada como a salvação, a consolidação da democracia no Brasil”. Segundo
reportagem ao jornal O Liberal (SIQUEIRA, 2008), Juraci ouvia pelo rádio de uma emissora
do Maranhão programas como a “Voz da América”. Além disso, naquele ano Juraci
completaria 16 anos e chegava sua vez de migrar do Cajari para Macapá. Pois, lá, seu irmão já
possuía uma casa e trabalhava em um açougue. Seria questão de tempo para que todos fossem
de vez viver em Macapá:

Relembro meu sofrimento


ao deixar meus seringais
e ouvir, seus ramos ao vento
dizendo: – Até nunca mais... (SIQUEIRA, 2013a, p.13)

A família migrou para Macapá, pois, naquele momento, além de ser geograficamente
mais próxima de Afuá, em relação à capital Belém, economicamente a cidade oferecia mais
condições de prosperidade para os marajoaras.
Na década de 1950, com a implantação do projeto da Icomi, empresa de exploração
das jazidas de manganês, Macapá atraía mão de obra para a construção da infraestrutura
necessária à logística do empreendimento, como o Porto de Santana, a Vila Amazonas,
moradia dos trabalhadores, e a estrada de Ferro do Amapá (PINTO; KZAN, 2013).
Depois de muitas viagens vividas em Macapá, onde experimentou vários trabalhos,
como carroceiro fazia transporte de objetos com carro de mão, ajudou o irmão no açougue,
aprendendo o ofício de açougueiro, prestou serviço ao Exército.
41

Em relação aos estudos, conta:

Estudei em uma entidade macapaense de estudos orientados para o trabalho e


depois, no colégio Amapaense estudei ciências exatas... e mudei... eu ainda cheguei
a fazer meu primeiro vestibular lá, em Macapá, em ciências exatas em Meteorologia
[risos] Imagine! Aí, não passei por conta da matemática. Quando cheguei em Belém
resolvi trocar de curso. Isso porque nós tínhamos no colégio Amapaense uma
equipe, equipe Aristóteles, eu mais três colegas... buscando pesquisa de Física, de
Matemática, História e tem que recorrer aos gregos... Eu me encontrei com a
Filosofia. Uma coisa! Comecei a me encontrar com ela. (SIQUEIRA, 2014)

Ainda em Macapá, começou a escrever cordéis... E um acontecimento marcante no


nascedouro do poeta se deu quando trabalhou no Mercado Central de Macapá, na década de
1960, como açougueiro/balconista em um açougue. Contíguo a este, havia um bar (Bar do
João do Roque), onde se reuniam poetas e escritores.
Certa vez, criou coragem e mostrou para Alcy Araújo10 um caderno com o soneto que
produzira com o nome “Macapá”. Ao receber o caderno de volta, como resposta encontrou
escrito o seguinte: A única coisa que presta é o verso: Território da Esperança 11, porque é
meu. Decepcionado, Juraci guardou o “sonetilho”, tanto que nunca mostrei o soneto a mais
ninguém nem o publiquei no meu primeiro livro, Verde Canto (SIQUEIRA, 2014). Outro
registro de trabalhos dessa época é a letra de uma música com a qual participou do III Festival
Amapaense da Canção, em 1975. Este fato só é lembrado por ele devido à existência do
carimbo de liberação pela censura do Regime Militar no documento (DAUDIBON, 2012,
P.44).
Casou-se com Maria Francisca da Costa, e tiveram Francinele e Franciney e,
posteriormente, uma paraense chamada Susane.
Esta segunda fase de Juraci é marcada pelo conhecimento de um mundo novo –
Macapá – fora do ninho, da floresta, longe do rio Cajari, seu leito natal. Há um certo
silenciamento nesta fase, o entrelace dos fatos narrados veio com poucos detalhes. A vida não
lhe facilitou o percurso, mas o tornou um sujeito vivaz, conhecendo a si e ao Outro. Organiza
esse conhecimento ao escrever suas primeiras impressões da vida no papel. Toma corpo o
poeta.

10
“Poeta e jornalista, Alcyr Araújo, paraense (1924-1989). Em meados de 1953 ingressou no funcionalismo do
Território Federal do Amapá, exercendo cargos de relevo como os de diretor da Imprensa Oficial e de chefe de
gabinete do governador. Participou na vida intelectual e artística regional, através da imprensa, do rádio, da
televisão, como nas demais áreas da cultura amapaense” (ACERVO DA GRAFIA, 2012).
11
“Território da esperança foi uma frase/slogan criada por Alcyr de Castro, na época em que se pleiteava junto
ao governo federal e militar a elevação do território federal do Amapá a categoria de Estado” (SIQUEIRA, 2013)
42

3 – O açougueiro filósofo e poeta

Aqui estou com meu verbo


Encharcado de vivências,
De sofrências calejado,
Banhado de argila e sol. (SIQUEIRA, 2010a, p.5)

Em busca de auxílio médico, devido a um problema de saúde de Francinele, trouxe a


família para morar em Belém, no ano de 1976. Como um viajante, nessa capital, aos 28 anos
de idade, inicia uma nova jornada. Com o ofício de açougueiro, montou um talho no bairro da
Condor (Figura 3), para sustentar a família, mas não desistiu de tentar o vestibular.

FIGURA 3: O açougueiro poeta

Fonte: Facebook do Juraci

O açougue tornou-se o lugar em que ele mantinha contato com as pessoas no


cotidiano, ouvia histórias, trazia os amigos para bater papo. E, também, era o local preferido
para produzir seus textos. Quando não escrevia em papéis avulsos, levava sua Olivert12
portátil, e a produção fluía. Com um senso de humor afiado, escrevia, nas paredes do
açougue, frases engraçadas, poemas, o que fazia do seu estabelecimento um espaço
diferenciado no comércio da Condor, do Jurunas e adjacências.
Os preços das carnes eram escritos em uma tabela que se chamava Tafeia, um
trocadilho com “Ta - bela”; havia trovas do dia, da semana e do mês, para alegrar o ambiente.
Como trova permanente, na parede do açougue ele me conta que encontrava-se:

Aqui deixo este recado


pra evitar dor de cabeça
não peça fiado,
espere que eu lhe ofereça.(SIQUEIRA, 2014)

12
Máquina de datilografar
43

A trova retratava o teor das negociações entre clientes e açougueiro, pois o momento
político e econômico do País na década de 1980 era difícil e refletia em todo lugar, inclusive
nas vendas do açougueiro. O governo Sarney, na tentativa de deter a inflação, lançou o Plano
Cruzado, congelando preços e controlando a venda da carne, entre outros produtos, e assim
gerava uma crise no abastecimento. A inflação estimulava um aumento constante dos preços
da carne, diminuindo o poder de compra dos consumidores. Enquanto isso, entre o açougue e
o ofício de escrever, em 1978, ingressou na Universidade Federal do Pará, no curso de
Filosofia.
A partir daí, ampliou seu círculo de amizades. Conheceu o acadêmico Pedro
Tupinambá, que publicava suas trovas na coluna dominical No mundo da trova, no jornal A
Província do Pará. Neste período, participou de vários concursos na categoria de trovas no
círculo regional, nacional e internacional. Publicou Verde Canto, em 1981, o primeiro em
uma imprensa convencional.
Em seguida, investiu na impressão de Travesseiro de pedra. Lançou a obra e passou a
fazer com mais ênfase exposição dos poemas em lugares públicos. Contudo, o fazer literário
não era um meio de sobreviver e manter a família, o açougue que providenciava o sustento.
Por volta do ano de 1986, depois de muito lutar para manter o açougue, sem sucesso, Juraci
resolveu fechá-lo, temporariamente, e vender suas publicações para sustentar a família:

Transito no meu canto o que me dita a pedra


o que me dita o mar o fogo e o vento
mas sem deixar de ser um só momento
o próprio vento o fogo o mar e a pedra (SIQUEIRA, s/d, p.5)

Juraci, em conversa com o poeta, amigo e compadre de casamento, Alfredo Garcia


Bragança, durante uma entrevista, faz revelações dos tempos acadêmicos. A universidade,
uma larga porta de possibilidades que ele aproveitou. Lá, dentre vários movimentos
participados, para ele, os de divulgação literária eram mais interessantes, como A brecha,
formado por Benilton Cruz, Ney Paiva, Alfredo Garcia e Juraci:

A brecha nasceu na realidade em um espaço entre os pavilhões, na época nós


levávamos pra lá o Abdias Araújo para recitar para nós ele vendia seus folhetos
pendurados numa cordinha, lá. Depois, resolvemos sair da Brecha e a gente se
juntava e invadia as salas de aula recitando poesias. A turma de lá, de Letras. Eles
adoravam, quando chegava nas áreas exatas o povo não gostava [risos] expulsava a
gente de lá. (SIQUEIRA, 2015)

Alfredo diz que havia uma interação entre os cursos de Comunicações, Letras e
Filosofia em favor da poesia. Logo após o término do período Militar, eles observaram o
44

desenvolvimento de uma enxurrada de publicações dentro do Estado e uma comunicação


intensa entre poetas de estados do Nordeste, Sudeste e Sul, por meio de jornais literários,
boletins informativos e cartas, mas Juraci faz uma queixa:

O único lugar que o povo não se corresponde. Isso é incrível! Nós somos isolados
geograficamente e pela comunicação que não se explica. Olha o Norte, eu caçava
endereços dos próximos aqui: Amapá, Amazonas e nada! Consegui me
corresponder com uma poetiza no Acre, mas depois descobri que ela era porto
alegrense, outra cultura, por isso, consegui, acho. (SIQUEIRA, 2015)

Essa irmandade entre poetas iniciou em 1984, quando começou a frequentar o projeto
Pôr-do-Som, na Feira do Açaí, ele e outros poetas deram início ao grupo Malta de Poetas
Folhas & Ervas, do qual inicialmente participavam o poeta Onna Alephe Agaia, a agrônoma
Heliana Barriga e o graduado em Letras Benilton Cruz.
O grupo lembra que eles se valiam de “um caixote sobre o qual, com um pouco de
coragem e equilíbrio, trepavam (mesmo) para transformar o mundo com intenções, gestos e
palavras” (MALTA, 2004, p. 7). Juntos, lançaram três livros: O livro da Malta de poetas
folhas e ervas (1999), Luz: malta dos poetas folhas e ervas (2004) e O livro da Malta III
(2008).
E esses elos de convivências levaram Juraci a outros estados. Na imagem (Figura 4), a
recordação das viagens divulgando suas trovas com Heliana Barriga, do grupo Malta de
Poetas Folhas & Ervas, lá em Porto Alegre, em 1991.

Figura 4: Ivan (prof. PUC/POA), Heliana Barriga, Delcy Canalles, Juraci e Roseli Sousa

Alfredo e Juraci recordam a década de 1980, período de grande movimento cultural


em Belém. Quando Alfredo diz que Nessa época, anos 85/86, havia um movimento cultural
45

muito bom na cidade que começava no Pôr-do-Som, no Forte do Castelo, declamava, tinha o
Varal de poesia, ficava a tarde até o final da noite. E um lamento de Garcia:

Uma coisa boa que lembro dessa época, é que a gente tinha essa liberdade de
trocar ideias, direto assim, o Juraci, lembro quando o Benilton que gostava de
música, trouxe a poesia do Beto Guedes, que eu gosto muito, trocávamos versos de
poema, declamávamos. Era muito bom. Uma efervescência muito grande da
literatura. Claro, a gente vai ver agora, no decorrer de trinta anos, quem
literalmente continua nesta prática cultural, nesse discurso são aqueles que
realmente, eu acho que persistiram, aqueles que encararam não só como... Sei lá,
hobby ou um arroubo passageiro da juventude. Eu transitei pelas duas coisas aí. E,
naquele momento de trinta anos pra cá, é interessante verificar que o movimento
literário e o lançamento de livro decresceu trinta anos depois. (GARCIA, 2015)

Os dois compadres fazem uma retrospectiva do saudoso tempo, o que também provoca
reflexões, comparações entre os momentos do passado e a atualidade, a situação de quem
produz literatura. Juraci lembra que naquele período havia um grande canal de divulgação
literário – os jornais. Segundo Juraci:

Nessa época muita gente lançava livros e outra coisa também, na época, tinha as
páginas de literatura. Tinha o suplemento literário do Diário do Pará, duas colunas
culturais, assinadas por Vicente Cecin, Ildefonso Guimarães, Age de Carvalho,
Rafael Costa, Sebastião Godinho, traduções de poemas alemães. Isso ajudava a
divulgar. E o Liberal tinha a Janela da Poesia. (SIQUEIRA, 2015)

Alfredo Garcia lembra que a militância poética era tão forte que quando era
lançamento do Juraci, entre outros lançamentos na cidade, nós saíamos uns cinco, seis, sete
juntos... Íamos para três, quatro lançamentos, íamos a pé, na mesma noite. Era uma coisa
para prestigiar o Juraci (GARCIA, 2015).
Militância foi tão forte e séria que Juraci fundou e presidiu a União Brasileira de
Trovadores, seção Belém, por três mandatos seguidos: 1986 a 1993. Fez parte da APE –
Associação Paraense de Escritores, uma forma de estimular mais reconhecimento à classe. A
imagem (Figura 5) registra uma reunião dos poetas paraenses na Sede da Associação Paraense
de Escritores, em 1986. Compõem a fotografia, na primeira fila, sentados: Rui Barata, Agildo
Monteiro, Ararê Marrocos, Manoel Alexandre, Rufino Almeida e José Artheiro; na segunda
fila, sentados: Edvaldo Parente, Alfredo Garcia, Sylvia Helena Tocantins e Aline Brandão de
Melo (de pé); e na última fila: Salomão Larêdo, Júlio Barriga, Heliana Barriga, Antonio Juraci
Siqueira, Affonso Pinto da Silva, José Mazieiro e Luiz Lima Barreiros.
46

Figura 5: Reunião de poetas paraenses na Sede da Associação Paraense de Escritores

Fonte: Acervo do Facebook de Antonio Juraci.

Além das associações, a colaboração do poeta em Goela pública, no jornal A


Província do Pará, e no Jornaleco: órgão anárquico-construtivo, de organização do
Comendador Raimundo Mário Sobral, foi fundamental para seu crescimento literário:

No jornal havia uma seção chamada rima rica, era só uma tira, depois o Mário
Sobral teve a ideia de fazer algo diferente: dar um espaço maior para o poeta
escrever prosa, o de prosa escrever poema, o cartunista começou a publicar texto.
[...] Biratan Porto foi um. Ele fez com que as pessoas saíssem do seu quadradinho,
sair daquilo que fazia e experimentar. Um dos grandes culpados de eu escrever o
humor é o Sobral. Ele me instigou e tive que escrever prosa. (SIQUEIRA, 2014)

Seja com a prosa seja com o verso, Juraci publicou textos no PQP – Um Jornal para
quem pode, nos quais a temática era variada, mas o tom era humorístico. Essas publicações o
tornaram conhecido entre um grupo de poetas e apreciadores do humor picante de suas trovas
e cordéis, segundo ele, Versos Sacânicos. A colaboração ao jornal durou por 23 anos.
Nesta terceira fase, vê-se como um marco na vida de Juraci o ingresso na
universidade. Lá, encontrou parceria aos seus anseios de ser reconhecido como poeta. Largar
o açougue foi o primeiro e mais difícil indício da busca deste objetivo, pois havia o sustento
da família para gerir e sua escolha tinha que sustentar os dois lados de sua vida: o pessoal e o
econômico. Desta forma, sua tenacidade se reflete em suas ações, no seu fazer poético, a
irreverência de suas publicações no PQP – um jornal para quem pode.
47

1.3.2 – Nas águas, as marcas de uma navegação

Juraci sempre foi ladino, criativo, e suas invencionices trazem as marcas do menino
marajoara que foi aludindo ao outro, o Alfredo, personagem de Chove nos campos de
Cachoeira, que brincava com o caroço de tucumã e tudo nele imaginava. Cresceu e o poeta
assumiu essa faceta com criações que nos fazem lembrá-lo por onde quer que vá.
Assim como os cordelistas nordestinos tradicionais, que vão às feiras e praças
apresentar seus folhetos, Juraci divulga sua produção literária em lugares que frequenta, na
universidade, nos bares, praças etc. E cria objetos-signos que possam marcar sua presença.

1 – Um cordão literário: do Trovaral ao Fotrovaral

Na década de 1980, Juraci interagia dentro de diversos meios culturais e sempre


absorvia algo para seu desenvolvimento artístico. Assim, surgiu o varal poético, inicialmente,
chamado de Trovaral, formado por trovas:

O varal nasceu na década de 1980, inspirado no varal de fotografia de Miguel


Chikaoka da Fotoativa. Ele criou o Fotovaral13 e eu criei o Fotrovaral. Depois
evoluiu... No tempo em que a Feira do Açaí foi inaugurada eu levei centenas de
outros poetas de Belém comigo. Ele era tão comprido que atravessava a praça de
uma ponta na outra. Este varal andou por várias cidades brasileiras. (SIQUEIRA,
2014)

Depois, as trovas, poemas, foram associados a imagens, fotos – desenhos com


acabamento colorido a lápis ou a técnica da pulverização de cores faziam parte do Fotrovaral.
Segundo reportagem de O Liberal (SIQUEIRA,1986), “Nas tardes de domingo, um
poeta já faz parte da paisagem sentimental do Pôr-do-som14. Com o seu varalzinho, o poeta
apresenta uma das mais bonitas produções literárias do Estado”. Outra observação em nota de
O Liberal (SIQUEIRA,1989) diz:

A atenção por uma peculiaridade: – incansável dedicação aos varais de poesia,


sempre melhorados, atraentes, gostosos e ilustrados com paciência e criatividade
traços da própria lavra ou paisagens recortadas-tudo para dar mais vida aos pedaços
de papéis com letras, impressas ou desenhadas, humildemente pendurados numa
corda presos com atracadores de roupas. Mas à uma simples leitura – upa! – vem o
espanto. São composições gostosamente poéticas de sonho e pensamentos. De
algumas ele nem é o autor, mas trata-as com igual carinho.

13
Segundo o fotografo Miguel Chikaoka, esse trabalho teve início em 1981 e foi apresentado oficialmente em
junho de 1982, no final da mostra FOTOPARÁ 1982 – mostra paraense de Fotografia. Sua instalação ocorreu
entre o Theatro da Paz e o Bar do Parque (Informações via e-mail do fotógrafo).
14
Projeto de música instrumental realizado pela PMB/SEMEC, aos domingos, ao cair da tarde, na década de 80
do século XX, em Belém do Pará.
48

Figura 6: O Fotrovaral

Fonte: Acervo pessoal

Hoje, o poeta lamenta a ausência de espaços para a exposição de seu Fotrovaral:

Até na gestão do governo Edmilson Rodrigues eu podia expor o varal em Belém.


Hoje em dia infelizmente eu não posso mais colocar, pois, por onde eu chego a
SECON15 e a FUNVERDE16 mandam tirar. Eles dizem que não pode vender dessa
forma, eles não entendem que isso não é pra vender, mandam tirar mesmo. É um
trabalho que eu faço em qualquer cidade do Brasil e não me mandam tirar, só em
Belém. (SIQUEIRA, 2014)

O Fotrovaral de Juraci sempre esteve presente nas programações artísticas da cidade.


Na década de 80 do século passado, a cidade de Belém era intensa culturalmente. Cito os
projetos: Cidade Velha, da Secretaria Municipal de Educação e Cultura – SEMEC, que tinha
como ação a Serenata do Carmo, acontecia uma vez por mês, e o Pôr-do-Som, semanal, aos
domingos, inicialmente na Escadinha e depois na Feira do Açaí, e o Praça Aberta da
Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves, que produziu um encontro entre as artes –
“poesia misturada com a música, figurada em esculturas e pinturas, representada em peças
teatrais e dançada em evoluções ao ar livre”, segundo o Jornal O Liberal (SIQUEIRA, 1988),
acontecia no primeiro domingo de cada mês, na praça do Povo, no Centur.
A Literatura do Pará na Praça, também fomentado pela Fundação Cultural do Pará
Tancredo Neves, promovia o translado de um carro biblioteca contendo livros de literatura
paraense até a Praça da República, no último domingo de cada mês. Juraci foi o primeiro
escritor convidado para prestigiar o projeto e divulgar ao público a sua literatura com livros e
o Fotrovaral.

15
Secretaria Municipal de Economia
16
Fundação Parques e Áreas Verdes de Belém
49

2 – Corações poéticos trovadores e o cajado da poesia

Por muitos anos usou o pseudônimo de Totó do Cajari, uma homenagem ao pai,
Antonio Siqueira. Algumas obras como Histórias do Tio Totó ainda levam esta marca. Mas,
Antonio Juraci, “caboclo ladino”, estava sempre em busca de uma marca que o registrasse na
memória dos leitores.
E nessa busca por um símbolo, conta Juraci em uma entrevista à revista do jornal
Diário do Pará (SIQUEIRA,2009b) que, certa noite, numa programação cultural no Centur,
vi o poeta e trovador Osmar Arouk17, de saudosa memória, distribuir trovas em pequenos
pedaços de papel. A partir daí resolvi imitar o gesto de uma maneira mais afetiva e a forma
escolhida foi o coração.
Por algum tempo, tentou lançar outro signo: simulava uma taquicardia. Ele se
contorcia com as mãos no peito na direção do coração. Na turbulência, dava uma trova em
formato de coração para o leitor, a ideia não vingou por se tratar de uma brincadeira que
assustava mais que divertia, diz ele. Hoje, apenas oferece a trova com um largo sorriso. E, faz
isso há vinte sete anos.

Figura 7: Coração poético trovador

Fonte: Acervo do Facebook de Antonio Juraci

Os corações poéticos trovadores de Juraci são um símbolo da movência do texto oral


no escrito. Segundo Paul Zumthor (1993), as trovas vêm do Medievo, aproximadamente,
século XI, quando despontaram na França, mas lá tinham um cunho romântico, falavam do
amor cortês, da vassalagem. Com sua disseminação pela Península Ibérica, foram ganhando
outros estatutos temáticos até chegarem pela Literatura em Cordel no nordeste brasileiro.
17
Osmar Arouk Ferreira era coronel da Polícia Militar, pai do bibliotecário e mestre em ciências da informática
Osmar Arouk.
50

Aqui, são uma espécie de provérbios bíblicos com finalidade altruísta, de um ensinamento de
amor, de fé, de coragem para a vida. Segundo Juraci, elas já foram românticas, escrevia as
trovas líricas e amorosa, mas desde que dei uma pra uma dona e fui mal compreendido por
ela, pensou que eu estava a fim dela, parei. Não queria apanhar de maridos pela rua
(SIQUEIRA, 2014).

Figura 8: Distribuição de poesia na Praça da República.

Fonte: Acervo pessoal

Quando recebi um coração poético pela primeira vez, ao ler, senti uma emoção,
aquelas palavras me falavam ao coração, de fato. Depois da leitura, olhei de volta para Juraci,
eu não o conhecia na época, e ele estava me olhando, me pareceu meio encabulado, tímido
com um sorriso largo, qual nossos avós querendo nos ensinar algo com paciência e carinho,
pois já aprenderam pela experiência, que só assim se passa uma lição. Hoje é fundamental a
importância deste signo na performance de Juraci, em todo lugar que vai, sempre o distribui.
Esse ato é tão singelo que o comparo ao ato de se dar uma flor a alguém.
Outro signo criado por Juraci é um mastro cheio de fitas coloridas (Figura 8), que ele
carrega pelas ruas, quando segue o Arrastão do Arraial do Pavulagem18. É o “cajado da
poesia”, um elemento cénico criado por ele no ano de 1995, quando foi convidado para
participar de uma apresentação de suas obras na Universidade da Amazônia (UNAMA). Nele,
o poeta pirografa nomes de amigos, parentes, poetas, e tudo mais que considera importante.

18
Arraial do Pavulagem – foi formado por um grupo de músicos e compositores, a maioria do interior do Pará.
Iniciou com uma roda de cantoria com variados artistas prestigiando, mas depois ganhou público e se tornou um
movimento cultural na cidade de Belém do Pará que representa parte da cultura paraense. A palavra arraial é
expressão comum no interior do Estado, que se dá ao local onde se festejam os santos padroeiros, e Pavulagem
vem de pavão, quer dizer bonito, que quer chamar atenção (LIMA, 2010).
51

O Arraial do Pavulagem faz várias apresentações durante o ano em Belém, mas é no


mês de junho que a frequência é maior. Quando o cortejo sai da Escadinha do cais do Porto,
há um rebuço de sons, cores, dança, pessoas – um movimento frenético dos chapéus de fitas
coloridas, como se fosse um rio descendo a Avenida Presidente Vargas e desembocando na
Praça da República.
E, no cortejo, sempre está Juraci, com seu cajado da poesia, companheiro inseparável
nesta hora, alude a um pastor tangendo suas ovelhas pacientemente, que só descansa quando
está no palco recitando poesias (Figura 9). Ele até criou uma obra em homenagem ao
movimento, em 2007, Ao som do tambor com amor e Pavulagem.
A história vai se alinhavando quando um fazer alude a outro. Um fala sobre o
Fotrovaral nos leva ao conhecimento do nascedouro do Movimento do Arraial do Pavulagem.
Juraci acompanhou a história do Arraial do Pavulagem segundo reportagem do jornal O
Liberal (SIQUEIRA, 2009b):

Sempre fui envolvido com literatura e música. Naquela época, fazíamos varal de
poesia ilustrado. Era o chamado “Fotrovaral”, por unir trovas e fotografias, também
com a participação de Miguel Chinkaoka. Além da Feira do Açaí, na praça Ferro de
Engomar, onde ficava o famoso Bar 3X4. Foi ali que Ronaldo Silva, Ruy Baldez e
outros artistas iniciaram esse movimento que hoje toma conta do mês de São João.

Figura 9: Juraci recitando poesia no palco do Pavulagem.

Fonte: Acervo Facebook Juraci (2014)

3 – Marca Mitopoética: o Juraboto

Se encontrares o boto no caminho


numa grávida noite de luar,
empresta-lhe teu colo e teu carinho,
52

envolve-o nos lençóis do verbo amar.


Não o deixe seguir triste e sozinho
rumo às alcovas abissais do mar.
A solidão é pontiagudo espinho
que fincado no peito o faz sangrar. (SIQUEIRA, 2007a, p.121)

Quando Paes Loureiro (2005, p.86) explica a necessidade se levar em conta o


imaginário para se compreender a Amazônia e a experiência humana acumulada nela, fala da
“faculdade do possível”, algo além das perspectivas das ciências, pois ela é uma espécie de
ponte, “faculdade do possível que liga o devaneio ao poema, que liga a cultura à poesia”, o
mundo físico tem limites sfumato19, fundidos ou confundidos com o suprarreal. Nas palavras
de Juraci:
Nós somos frutos da Amazônia, somos frutos de um reino mágico, mítico nascido
sob a égide do mito, o próprio nome Amazônia é grego, relacionado a um mito e
como a Grécia Antiga e clássica a Amazônia também é assim, as nossas fronteiras
não são paralela são entrelaçadas, ou seja, você jamais saberá onde começa o
fantástico, o mítico e a realidade. Você jamais saberá se eu sou ou não sou filho do
boto, porque nem eu mais sei. (SIQUEIRA, 2014)

Quando perguntado sobre a origem do mito do boto, ele me contou que, como o mito
do Boto é muito comum na Amazônia, em sua localidade não era diferente sempre ouviu
histórias de boto. Por outro lado, na capital, o peso mítico era maior, talvez pelo
distanciamento da floresta. E certo acontecimento foi marcante e decisivo para aceitar a
alcunha de “filho do boto”, depois de ter escrito e publicado o poema Eu, o filho do boto, para
recitá-lo em uma festa alusiva às mitopoéticas amazônicas na Casa da Linguagem, na qual ele
iria representando o Boto amazônico, em contrapartida às festas de Halloween, que se
multiplicavam na cidade no mês de outubro.
Somado a este fato, ele lembra que já o publicou no Jornal PQP, certa ocasião,
pendurou no açougue uma cópia do poema. Lá, também havia uma foto de um homem vestido
de branco, de chapéu saindo d’água. Uma cliente, ao entrar no açougue, se deparou com o
desenho e lhe perguntou, seriamente, se era ele o Boto. Jocosamente, respondeu que sim. E
percebeu o embaraço da moça. Antes que conseguisse desmentir, ouviu dela uma narrativa
sobre uma experiência com um Boto quando ela era adolescente e morava no interior da
cidade.
E Juraci observou na situação narrada pela moça a possibilidade de seguir com o
signo. Em meio ao fazer poético sobre o tema, levado pelo recontar em vários lugares, e as

19
Sfumato – expressão criada por Loureiro, significa uma “zona indistinta entre o real e o surreal, como um
elemento que estabelece uma divisão imprecisa, semelhante ao encontro das águas do Amazonas com o Rio
Negro” (LOUREIRO, 2005, p.58).
53

lembranças das histórias sobre o mito em sua cidade natal, principalmente contadas por sua
avó Etelvina, passou a intitular-se de “Boto”, criou um conjunto de características cênicas,
roupas, gestos e tom de voz para marcar um personagem tipicamente amazônico – o Don
Juan Ribeirinho. Como ele mesmo diz:

Primeiro fiz disso uma marca, mas isso pregou tanto que já é uma segunda pele que
eu já não sei mais... hoje, eu já não sei mais. Dizem que mentira mil vezes dita quem
conta acredita... e até eu acredito piamente já é verdade absoluta. (SIQUEIRA,
2014)

Para Ana Pizarro, em Amazônia: as vozes do rio: imaginário e modernização, os


habitantes do interior, todos, sem exceção, dos setores não urbanos e dos urbanos também,
“vivem mergulhados num universo mitológico em que a realidade e a ficção não têm
fronteiras” (PIZARRO, 2012, p.188). Isso porque:

Existe uma espécie de Olimpo, de santuário profano, de figuras ligadas à água ou à


selva, que se recriam e se transformam permanentemente. Elas mantêm suas
estruturas identitárias básicas, assim como a capacidade dos habitantes, de onde
surgem, de imaginar situações e condutas, metaforizando a realidade em formas do
imaginário que servem como referentes para os comportamentos individuais e
coletivos (PIZARRO, 2012, p.188-189).

Mas por que o Boto como signo? O Boto é um cetáceo fluvial, conhecido como o
“golfinho da Amazônia”, que seduz as moças ribeirinhas, geralmente, e é responsabilizado
pela paternidade dos filhos de pais desconhecidos, segundo Câmara Cascudo (s.d.). Ele
aparece nas narrativas como um rapaz bem apessoado, bom dançarino, sensual, que surge em
noites de festa. Escolhe uma moça ribeirinha, a conquista pela dança, depois de seduzi-la, a
leva para a beira do rio, faz sexo com ela e retorna ao rio transformado em Boto.
Pelo ímpeto da sexualidade, ele seduz. Seduzir é exercer influência irresistível,
fascinar, encantar. Ele é encantador de mulheres, as escolhe e se transfigura para tê-las assim
como fazia Zeus na mitologia grega, quando quis ter a jovem Europa. A propósito das
aventuras amorosas do Pai dos Deuses e dos Homens, queira consultar Schwab (2001).
Possas (2011, p.79) diz que o Boto pintado pelo Poeta marajoara ganha aparência de
sujeito pós-moderno, se se levar em consideração o dito por Glissant sobre a Poética do Caos,
quando fala de descolonizar com sentido de romper, recusar “preceitos pautados na
universalidade, nas identidades fixas e unitárias e no monolinguismo”, que também funciona
para a concepção de identidade do Boto que se constrói e reconstrói a partir das “interações
conflituosas e tensas” no meio social, sendo, portanto, “mais adequado concebê-la como
identificação”:
54

No contexto da Amazônia paraense pelo qual as cisões espaço-temporais são


inevitáveis, a sua cultura se redefine. Um boto, em situações urbanas, pode ser uma
miragem, fruto de um conjunto de estigmas oferecidos por seus narradores e
ouvintes aos olhos do outro. É também um exemplo de que a globalização, apesar de
mais imaginada para os mercados do que para os homens, também pode ser
portadora de discursos que fortaleçam produções endógenas inseridas em contextos
marcados pela convivência de múltiplos modos de vida (POSSAS, 2011, p.80).

Figura 10: Caracterização do Juraboto

Fonte: Acervo pessoal

No balanço das redes sociais, Juraci se atualiza diariamente na página do Facebook,


alimentando com seus poemas, crônicas e imagens de temas variados. Contudo, a capa do
perfil no Facebook (Figura 11) alude ao momento em que o Boto deixou o rio e se
transformou em homem, o qual está deitado na praia vestido de branco e com o seu chapéu,
elemento mítico evidente em seu poema O Chapéu do Boto.
A reafirmação do mito tem mais força no meio virtual, pois não se lê nas redes sociais
alguém comentar sobre os corações poéticos trovadores ou qualquer outro signo criado pelo
poeta. As imagens que aludem ao Boto têm uma força maior neste meio, ou seja, nas palavras
de Jerusa Ferreira (2014, p.36):

O significante icônico constrói-se como um texto e há uma espécie de poder figural


que se transforma de fato em figura, na mais plena acepção da palavra. Tanto nas
representações de imagem como nas imagens que performam o discurso, em suas
extensões, reúnem-se o visto, o entrevisto, o contado, o conjunto de outras projeções
visuais, que organizam certos conjuntos básicos.
55

Figura 11: Página do Facebook

Fonte: Acervo pessoal

Juraci provoca em seus leitores/internautas a formação desta “memória icônica”, pela


reescritura imagética das suas várias versões em verso e prosa do boto. A ideia do rio, ao
fundo, da vestimenta branca, do chapéu e o sorriso maroto criam uma espécie de “depósito”
na memória das impressões vistas ou criadas que acabam se manifestando espacialmente
criando um “lacro icônico de memória” que funciona “como um grande texto, não sendo
possível deixar de lado a noção de figura que, por sua vez, é matriz do próprio ritmo da
narração” (FERREIRA, 2014, p.36).

1.5 No leme, o educador poeta

O poeta Juraci ficou conhecido por suas trovas e poemas humorísticos e sacanas, mas
quando o professor entrou em ação houve uma mudança no rumo de sua prosa. Em 1997, ao
ser contratado pela SEMEC/Belém, desenvolve projetos de formação de leitura, contação de
histórias e produção de outras formas de expressão em torno da literatura, para tanto
produziam a Mala do Livro que divulgaria a Ciranda Literária (UNICEF/PMB) com Heliana
Barriga, escritora e arte educadora. Eles trabalhavam na coordenadoria de Esporte Arte e
Lazer.
O contato com o público infantil foi intenso e compensador para seu trabalho. O
Cultura, escola e alegria levava arte para todas as escolas com oficinas de teatro, de dança, de
56

música e de literatura. Segundo o poeta, foi neste projeto que desenvolveu o trabalho com
oficinas literárias.
Juraci diz que estes projetos foram o que mais gostou de fazer. Isso tudo aconteceu na
primeira gestão do prefeito Edmilsom Rodrigues, que, segundo Juraci, foi uma gestão que
muito apoiou a cultura. Mas, no segundo mandato desse prefeito, Juraci foi enviado para
trabalhar na FUMBEL – na divisão de literatura. Conta que ficou longe do que gosta de fazer
– contar histórias, pois a divisão não funcionava devidamente.
Juraci trouxe muitos conhecimentos da vivência com contadores de histórias
tradicionais de sua terra natal. Contudo, a participação nestes projetos contribuiu muito para
enriquecer seu aprendizado de narrador, pois seu envolvimento com contadores urbanos
contemporâneos que se utilizam de vestimentas, traços do teatro, fazem cursos, ampliou seu
leque de possibilidades de trabalhar outras maneiras de contar.
Em 2005, foi admitido como professor AD4 de filosofia pela Secretaria de Estado de
Educação – SEDUC, no Sistema Estadual de Bibliotecas Escolares (SIEBE). Lá, começou a
trabalhar com pequena carga horária como professor no Ensino Médio. Lecionou nas escolas
Antônio Moreira Júnior, Arthur Porto e Padre Benedito Chaves, escolas da capital do Pará.
Como professor, percebeu que as narrativas orais sobre os mitos do imaginário
amazônico estavam presentes entre os alunos, mas de forma silenciada pela formalidade do
ensino, o cumprimento do cronograma disciplinar não dava espaço para atividades orais
envolvendo o imaginário amazônico. Ao iniciar o conteúdo programático bimestral pelo tema
do mito à razão, que trata da formação do pensamento grego e do embate entre a filosofia e o
mito, o professor relacionou a temática ao tempo atual fazendo um paralelo com os mitos
amazônicos:
Resolvi lançar um desafio aos alunos do Ensino Médio: junto a um tema proposto
para avaliar habilidades e competências no exercício da palavra escrita, sugeri que
quem soubesse de alguma história relacionada ao mito e tida como verdadeira
poderia escrevê-la para mim. E, olha, fiquei surpreso com a quantidade de
narrativas que segundo os alunos aconteceram com seus parentes ou conhecido [...]
juntei todas e a SEDUC publicou o livro. (SIQUEIRA, 2014)

Na atividade, recolheu 56 relatos entre os alunos das Escolas Estaduais Padre Benedito
Chaves e Arthur Porto e organizou uma coletânea publica pela SEDUC, o Entre o real e o
imaginário (2007).
Neste mesmo período, ministrou oficinas de Contação de histórias pelos interiores do
Estado, patrocinadas pela Fundação Curro Velho. Desses encontros, reuniu mais produções,
organizou várias coletâneas de narrativas e a publicou em folhetos. Esse trabalho deu
resultado e, como consequência, em 2008, a carga horária passou para o trabalho no SIEBE
57

(Sistema de Bibliotecas do Estado) com elaboração de projetos escolares para estímulo à


leitura. A partir de então, dedicou-se ao atendimento de escolas, enquanto escritor, com o
objetivo de incentivar a leitura, a escrita e a oralidade, produzindo bate-papos literários,
oficinas, palestra e cursos.

Figura 12: Atuando como contador de Histórias. Fonte: Acervo de Andréa Cozzi

No SIEBE, deu continuidade ao que havia começado nas escolas da prefeitura. Lá,
conhece a coordenadora, Sônia Santos, que o convida para participar de um grupo de
contadores de histórias. Inicialmente, a ideia era montar um jogral, mas, em 2009, por conta
da repercussão de seu trabalho no Estado e na prefeitura com público infanto-juvenil, resolveu
participar do grupo Cirandeiros da Palavra, feito com Andréa Cozzi e Sônia Santos. A partir
daí, grande parte de sua produção literária destina-se ao público infantil. O sucesso do grupo
tem repercutido e se consagrou no lançamento de dois livros recontando histórias do
imaginário amazônico, Apanhadores de Histórias: Contadores de Sonhos I e II, organizados
por Andréa Cozzi e Sônia Santos.
Como o grupo (Figura 13) é formado por três educadores, intentam em divertir
educando, por isso preocupam-se em manter a performance de um narrador, priorizando o
contar e a leitura, e a voz poética na performance centraliza as ações. Embora se utilizem de
alguns elementos cênicos, não teatralizam as histórias, pois não querem ser confundidos com
atores. Juraci lembra que um contador que faz surgir o imaginário tem que aludir aos
contadores com os quais teve contato na sua infância, no caso dele, em particular, com
aqueles lá do Marajó:
58

Neste reino mágico onde eu nasci as história são contadas em primeira pessoa, lá, o
contador de história é sério e se conta com tanto realismo. As pessoas de 60 e 70
anos, contam que viram, que estavam lá, é verdade, e a gente acreditava.
(SIQUEIRA, 2014)

Figura 13: Performance de Cirandeiros da Palavra (Andréa Cozzi e Sônia Santos)

Fonte: Acervo de Andréa Cozzi

Gosto de ser conhecido e reconhecido como contador de histórias, um dos mais


nobres e antigos ato do ser humano. (SIQUEIRA, 2014)

Quando ele fala sobre esses contadores de sua infância, o fato me remete, novamente,
aos contadores de Walter Benjamim (1987), especificamente aquele narrador “camponês
sedentário”, que não sai de sua terra natal, geralmente é bem mais velho, vive as tradições e
sente-se expert quando o assunto é o imaginário local, que já se tornou uma resultante de uma
relação estreita com os rios e florestas.
Embora Juraci tenha gravado em sua essência infantil esse narrador, quando está em
sala de aula, como oficineiro sou o docente. O poeta entra apenas para, em algum momento,
dar uma mãozinha [risos]. No entanto, quando questionado sobre o que veio primeiro e
influenciou o outro em sua vida – o oficio de escrever literatura ou da docência? –, respondeu:

A minha literatura sempre veio na frente, desde a infância... Você começa como
leitor na vida no interior não tem muita coisa...E a questão da docência... É mesmo
profissional depois, essa relação vai ter, porque não dá mais para você separar
uma coisa da outra. Ninguém mais vê a gente como pessoa, escritor ou só como
professor. Quando eu ando pelo shopping:“ei, professor!” (SIQUEIRA, 2015)

Uma das características do ser humano, segundo Brandão (2002), é a capacidade de


refletir sobre seu fazer na vida e, dentro dessa reflexão ter consciência de criar seu próprio
59

mundo simbólico para melhor viver, mas, para tanto, essa capacidade está relacionada à outra
– imaginar, a irmã renegada da razão, que leva o homem a criar seu imaginário.
O poeta tem essas qualidades aliadas à de saber escolher as palavras poeticamente para
escrever ou performatizar. Ele imagina, relaciona, ultrapassa limites, tece intrigas em espaços-
tempos diversos. E isso, quando socializado, é educação pelo sensível, pois educação, para
Brandão (2002, p.25), é:
uma dimensão ao mesmo tempo comum e especial de tessitura de processos e de
produtos, de poderes e de sentidos, de regras, de alternativas de transgressão de
regras, de formação de pessoas como sujeitos de ação e de identidade e de crise de
identidade de invenção de reinterações de palavras, valores, ideias e de imaginário

E Juraci é um poeta/educador que não fica preso às paredes das salas de aula, pois
aliou muito bem sua alma de poeta ao ofício de educar. E leva a literatura e todos os saberes
que ela pode proporcionar aos leitores/ouvintes em praças, palanques, sala de aulas, quadras
escolares e ruas, valendo-se da arte de contar histórias. Nesse sentido, vale pensar na seguinte
assertiva da Professora Renilda Rodrigues Bastos (2000, p.72) acerca das matrizes escritas do
oral: “Contar histórias é jogar, é ir em busca do prazer, de compensação, de vitória. É viver
dialeticamente entre o ir e vir do oral e do escrito no jogo da tradição (re)invenção de
sentidos”. E ver Juraci em performance é presenciar a concretude desse jogo de que fala
Bastos, o que é melhor analisado em seção posterior deste estudo.
60

2ª TRAVESSIA – IGARITÉ LITERÁRIA DO ESCRITO

Apresentei o canoeiro Juraci em suas viagens pelas águas da vida pontuadas de


vivências. Mas um canoeiro não faz sua viagem sem sua canoa, por isso agora trago a Igarité
Literária do escrito. Nesta travessia, a Igarité do Escrito traz um breve histórico sobre a trova
e o cordel no intuito de aclarar significados, revelar as origens e a trajetória deste fazer
poético que tanto fascina Antonio Juraci.

2.1 – O ESCRITO POÉTICO NO TEMPO

Segundo Antonio de Abreu Freire (2012, p.33), nos tempos em que as terras da
Península Ibérica se chamavam Al-Andaluz, grande parte da região de Portugal já era “um
reino cristão visigótico de obediência ariana com a capital em Toledo”. Após ser tomada pelos
árabes, desenvolveu-se ali, mais ainda, uma das tantas heranças culturais árabes deixadas aos
peninsulares – a tradição da poesia popular.
Era uma herança com característica tão fundamental que “ensinavam a poesia antes de
qualquer outra matéria ou disciplina mesmo antecedendo a leitura do livro sagrado do Alcorão
(PÉRÈS; HENRI apud FREIRE, 2012, p.148). Então, a tradição encontrou seu porto na
Península Ibérica depois de caminhar de sua terra natal – o Oriente (Damasco e Bagdá) –,
espalhando-se das cortes às ruas das cidades e por todos os caminhos do califado e dos reinos
de taifas.
Por séculos, foram frequentes as batalhas por domínios territoriais entre cristãos e
árabes muçulmanos. Freire (2012) reitera que, após a morte de rei Afonso VI (1047-1109), a
reconquista cristã e a formação dos reinos de Leão, Aragão, Castela e Portugal, a poesia
ibérica entra em uma outra fase, surgem as sagas trovadorescas populares que narravam os
feitos dos reconquistadores cristãos e os dos defensores muçulmanos, chamadas de poesia
épica. Além dessa, havia a poesia lírica que exaltava-se o amor cortês dos cavaleiros em
relação às suas damas.
Outras evidências quanto ao período de origem destes textos, segundo estudos do
medievalista Paul Zumthor (1993, p.36), são textos dos séculos X a XV, musicalmente
notados. Foram reunidos, observados, comparados, e havia uma forte marca da existência
61

entre a poesia e a voz. Eram “os poemas litúrgicos (em particular, o setor quase inteiro do
drama eclesiástico) e as canções de trovadores, trouvéres20 ou Minnesiinger”.
Outros exemplos de modalidade vocal-auditiva são as chamadas canções de gesta, do
relato oral, do poema épico, do romance cortês, novelas de cavalaria resultantes em ficção de
um percurso narrativo da época. A gesta, segundo Jerusa Ferreira (2008), é o cavalheiresco
épico, a história da conquista de espaço do guerreiro e imperador Carlos Magno. O livro
História do Imperador Carlos Magno e dos Doze Pares de França foi divulgado “a partir das
versões de Nicolas Piamonte, na Espanha, em data anterior, e Jerônimo Moreira de Carvalho,
em Portugal no séc. XVIII, teve seu texto muito repetido em inúmeras edições que chegaram
ao Brasil” (FERREIRA,1993, p.16).
Somente no século XV, com o advento da imprensa, esse material circulou e
expandiu-se, chegando às colônias portuguesas. Segundo Zumthor (2010, p.37), esses textos,
embora impressos, não perderam seus traços de origem oral, apenas sofreram um
desdobramento: geraram literaturas, a partir de um texto de referência composto por uma
oralidade mista. Reiterando Ferreira (1993, p.16), diz que, por se apoiarem em textos de
prestígio como base, aos quais se estabelece uma espécie de condutor direto, ultrapassaram o
conceito de intertexto passando a contra-texto21.
A denominação de cordel ou Folheto de Cordel se deu em Portugal e Espanha, onde os
folhetos eram comercializados em feiras e ruas, eram pendurados em barbantes ou cordas.
Tardiamente, no final do século XVIII e início do XIX, essas novelas de Cavalaria chegaram
ao Brasil e tiveram grande aceitação popular, principalmente no nordeste, propagando-se
depois para outras regiões do País.
Segundo Borges (2005, p.15), no período entre o final do século XIX e os anos de
1920, há uma consolidação das características gráficas do folheto, de composição, de edição e
de comercialização, que o diferenciavam daquele vindo de Portugal. Borges (2005) acrescenta
que a chegada da literatura em cordel na região norte ocorreu basicamente por meio de três
ciclos migratórios: o ciclo da borracha, a abertura da Transamazônica e o garimpo de ouro de
Serra Pelada. Sobre o primeiro, diz Vicente Salles (1985, p.20) que “os nordestinos
começaram a migrar para a Amazônia, em levas cada vez mais consideráveis, a partir da
grande seca de 1877”, vinham atraídos pelo trabalho oferecido no ciclo da borracha:

20
Poetas e jograis do Norte da França, segundo Zumthor (1993, p.36)
21
Denominação proposta pelo mestre rumeno Mikhil Popp (FERREIRA, 1993, p XV)
62

O ciclo da borracha teve dois momentos: o primeiro foi no início da década de


setenta do século XIX até o final da primeira guerra; o segundo foi no início da
segunda guerra mundial, quando os japoneses tomaram a Ásia e, consequentemente,
os grandes seringais, neste período o governo do Estado Novo, aqui no Brasil,
convocou os “soldados da borracha”, que além de estarem cumprindo um “dever
patriótico” poderiam ter um pedaço de terra (BORGES, 2005, p.22).

Segundo Pizarro (2012), não aconteceu bem assim, o drama da borracha vivido pelos
nordestino foi cantado, ou melhor (des)encantado, por esta literatura na Amazônia, como
demonstra o texto seguinte:

Vou-me embora, vou-me embora


pra minha terra natal.
Diabo leve a seringa
e o dono do seringal.
Nesta terra de miséria,
de riqueza apregoada,
que parece ser mentira
de uma rude caçoada,
eu não quero mais viver
vou tocando em retirada
Adeus, oh! Terra de lama!
Vou plantar meus jerimuns,
dos veados ver a cama
e os despertar dos anuns,
viver com minha Joana,
sem o ferrão dos piuns. (PIZARRO, 2012, p.153)

E Belém do Pará tornou-se o grande centro de difusão dessa literatura, por meio de
uma editora chamada Guajarina. O segundo momento ocorreu com a Transamazônica, e o
“objetivo era interligar toda a região ao resto do país através de uma rodovia, abrindo assim
estradas e, automaticamente, povoando a região”. E o terceiro ocorreu por conta da promessa
de riqueza que o garimpo de ouro de Serra Pelada oferecia aos imigrantes nordestinos.
A introdução desse homem na Amazônia gerou uma nova feição da cultura. Nesse
sentido, Vicente Salles (1985, p.93) tece as seguintes considerações:

O homem espalha sua cultura. Cantadores, violeiros e poetas nordestinos se


aventuraram nas plagas amazônicas, o ajustamento do fator cultural parece ter sido
tão normal quanto o transplante de uma planta saída da terra sáfara para o canteiro
adubado: como que vigorou (grifo do autor).

O autor acrescenta que, neste “ajustamento”, não somente houve a difusão do folheto,
mas também da cantoria, do improviso ou repente, assim como o desafio ou a porfia.
Segundo Juraci, criar repente era uma forma de brincar na adolescência entre grupos de
meninos contra meninas.
63

A publicação foi um desafio para o poeta, pois sua militância em disseminar sua
poesia se iniciou de forma independente. Assim como na tradição nordestina, montou sua
“gráfica” de folhetos em casa, chamada de Papachibé. Tentou manter o folheto tradicional
como uma brochura medindo cerca de 11x15cm, com 8,16,32,48 ou 64 páginas. No início, o
poeta utilizava o mimeógrafo, emprestado na Universidade, não tinha máquina de
datilografar, por isso utilizava muitos de seus textos que eram editados no jornal PQP e na
extinta A Província do Pará.
Era uma trabalheira! – lembra o poeta, pois recortava os textos e as ilustrações do
jornal, colava-os em papel branco, fazia uma boneca e fotocopiava em papel colorido para
montar os folhetos. Sem esquecer que muitas ilustrações foram desenhadas por ele mesmo.
Contudo, sua atenção se voltava ao formato e à estética dos folhetos. Fez muitas
experimentações. Inicialmente, utilizou papel simples e branco, que pintava pulverizando tinta
colorida nas capas. Depois, experimentou papel colorido nas páginas com cartolina nas capas.
E, por último, as capas com papel couché. Com o advento do computador, agora digitaliza
textos e imagens para os folhetos que produz.
Observei, durante esta catalogação, algumas características da produção de Juraci em
suas edições Papachibé. Ele costuma reunir em cada nova edição textos novos e outros já
publicados, principalmente os mais requisitados pelo público ou premiados em concursos.
Outra característica das obras é a inserção de comentários dos críticos de suas obras. Todas as
imagens das capas de obras apresentadas aqui são do acervo do autor, por isso algumas foram
feitas das matrizes em preto e branco.
Assim como os menestréis, trovadores e cantadores na Península Ibérica, nos séculos
que antecediam a chegada dos textos à colônia portuguesa, criavam e cantavam poemas e
trovas por encomenda de pessoas ricas e influentes, Juraci, como um bom guardião da
tradição em Cordel, ainda produz trovas, poemas em cordel por encomenda.
Apresento as obras desse autor publicadas como parte integrante de sua formação
como poeta e escritor. Seu fato biográfico não poderia ser compreendido inteiramente sem o
conhecimento da dimensão do seu fazer literário, que é a resultante de sua arte, seus
pensamentos, vivências, impressões durante sua trajetória de vida.
Suas publicações, seja por editoras gráficas, seja em produções alternativas, foram
organizadas cronologicamente, mas comecei a ter dificuldades em descobrir o ano de edição
de algumas obras. A memória guarda o que é importante. Após alguns meses em contato com
o autor, compreendi que o mais importante não era saber exatamente quando foram a público,
mas o que representam para quem ler. Separei as obras pela forma – verso, verso e prosa e as
64

coletâneas –, somente para facilitar a compreensão. . Em cada obra apresentada exemplifiquei


com um verso ou trecho em prosa das edições correspondentes, por isso não achei necessário
colocar as referência em todos, excerto os que foram retirados de coletâneas.

2.2 – VERSOS
A essência literária de sua produção está em versos. E nela encontramos várias
temáticas. Seja pela trova seja em poemas líricos ou satíricos, o poeta revela sua arte.

1 – Verde Canto – Belém, Editora Mithograf, 1981.

Figura 14: Portada Verde Canto

Mundifluências

Há um rio a correr dentro da vida


E uma vida a correr dentro do rio...
Quem gerou a vida dentro do rio
E fez o rio escorrer dentro da vida?
Quando nasce o rio?
Onde morre a vida?
No perau das mentes

Verde Canto foi a primeira obra impressa de Antonio Juraci Siqueira em uma editora
convencional, pois, até então, seus trabalhos eram exclusivamente produzidos de modo
artesanal. Nessa época, o poeta ainda usava o sobrenome Almeida. Em nota ao jornal A
Província do Pará, em agosto do mesmo ano, Pedro Tupinambá22 diz que:

22
Pedro Tupinambá era membro da União Brasileira de Travadores, da Academia Paraense de Letras e da
Comissão Paraense de Folclore.
65

Embora seja um livro de estreia, “Verde Canto” revela um poeta dotado de certo
grau de amadurecimento, afeito ao manejo das rimas e dos versos. Seus poemas
possuem ricos conteúdos poéticos, seja nas composições líricas, seja naqueles que
focalizam temas regionais. (SIQUEIRA, 1981)

A obra é composta por trovas e poemas de estruturas e temáticas variadas, aludindo a


cenas amazônicas, saudosas lembranças de sua cidade natal, poemas exaltando Belém e suas
peculiaridades, como, por exemplo, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Nota-se a influência
da literatura de cordel na formação das estrofes, como em Meu canto, Luta, Belém de sempre,
Labirintos, Amazônia. A capa tem o layout do autor, e a arte final de Genildo Mota, com a
apresentação de Pedro Tupinambá.

2 – Travesseiro de Pedra – Belém, Editora Falangola,1986.


Figura 15: Portada Travesseiro de Pedras - 1ª edição
Figura 16: Portada Travesseiro de Pedras - 4ª Edição

Aqui estou

Na vulva da vida
com a mente grávida de sonhos,
Na página em branco
com o verbo naufragado entre mistérios,
no cais da existência
com os olhos carregados de horizontes,
na boca da noite
com asas cansadas de voar(SIQUEIRA, 2007a, p.34)

Segundo livro impresso, embora o autor revele que já havia publicado em folheto de
forma alternativa, a edição dos 500 exemplares de Travesseiro de Pedra, também financiada
pelo autor, tem formato pocket e está impressa em papel jornal por ser mais econômico.
Lançado na Livraria da SEMEC, “Um livro que reúne poemas filosóficos líricos e amorosos”
(SIQUEIRA, 1986). E chama atenção a construção de um eu lírico “prenhe” da existência,
apresentando-se ao mundo com sede de viver e consciente de que a vida é breve.
66

3 – Piracema de Sonhos – Belém, Editora Imprensa Oficial, 1985.

Figura 17: Portada Piracema de Sonhos - 1ª edição


Figura 18: Portada Piracema de Sonhos - 3ª edição

Multiuno
Eu me contemplo – Narciso
no espelho turvo das águas
reino encantado da Iara,
berço e tumba dos mortais.
Me vejo multiplicado:
multi/faces, multi/seres,
multi/cores, multi/mundos... (SIQUEIRA, 2007a, p.43)

Piracema de Sonhos, segundo o autor, foi escrito antes de Travesseiro de Pedra, mas
foi publicado depois. Venceu o I Concurso Literário de Temática Regional, promovido pela
Secretaria de Estado de Cultura, Desportos e Turismo – SECDET, no gênero poesia, em 1985.
E foi editado em 1987 com tiragem de 1000 exemplares. Neste período de espera, lançou
Travesseiro de Pedra.
Piracema de sonhos “Seria o primeiro reconhecimento oficial a um trabalho que
ombreia com o dos mais importantes nomes da poesia paraense” (SIQUEIRA, 1986). O livro
é composto por 18 trovas e 21 poemas.
Os poemas apresentam temáticas filosóficas, memorialísticas, saudosistas. A capa da
primeira edição foi criação do cartunista Biratan Porto, na qual se vê um desenho de vários
peixes, aludindo à piracema, em tom vermelho em um fundo laranja, evidenciando o nome da
obra. E na capa da terceira edição em folheto do Papachibé o autor coloca uma imagem de um
cardume colorido, e na contra capa uma imagem do poeta em close mostrando o Muiraquitã23
que usa no peito, seguido de um comentário de Vicente Salles sobre a obra.

23
Muiraquitã – é um talismã, feito em pedra verde, segundo Fares (2004, p. 273), está relacionado ao mito das
guerreiras Amazonas e era doado por elas aos homens que as visitavam. A autora aponta que, na atualidade, é
utilizado como amuleto da sorte em diversos tipos de materiais.
67

Na apresentação da obra, João de Jesus Paes Loureiro reconhece o importante trovador


que “se expressa de modo peculiar e original” e mais:

As matas, os rios, os animais aparecem impulsionados por uma íntima tensão, como
rios movidos por invisíveis pororocas. O universo, para o autor, aparece através de
pescadores, águas, verdes e aventuras, como um caos cheio de sentidos, regido pelo
acaso e pelas crispações da vida social. A poesia aparece como a doadora de sentido.
Sendo assim, é ordenadora do caos. Por isso, andando entre lendas, violências
sociais, fatos, matas, rios, assombrações, o poeta vai com seu poema, como quem
leva uma luz, um leme, uma estrela. Um rumo em direção ao sensível e ao mágico.
Os versos, incorporando a solidão dos caminhos, são também os caminhos da
solidão.

Na terceira edição da obra, encontram-se também notas com opiniões e comentários


de escritores, estudiosos e amigos do autor sobre a obra, além de um glossário contendo
termos regionais ou indígenas, Tupi. A partir desta obra, o poeta já começa a selecionar
poemas, contos e trovas de obras anteriores e colocá-los nas obras recentes.

4 – Os Versos Sacânicos – Belém, Editora Falangola, 1989.


Figura 19: Portada Os versos Sacânicos - 1ª edição
Figura 20: Portada Os versos Sacânicos - 3ª edição

Cu de abelha é doce mas tem ferrão

Sonhei que eu estava no inferno


curtindo o castigo eterno
no tacho de azeite quente,
setor onde o presidente
Sarney era o capataz,
sempre escondido detrás
daquele bigode horrendo
vendo a gente se fodendo
nas zagaias dos ministros
- todos demônios sinistros
infernizando o povão.
68

Da cama caí no chão


e acordei sobressaltado
com tal sonho endiabrado
e descobri, na verdade,
que a nossa realidade
é bem mais horripilante!... (SIQUEIRA, 1989, p.16)

O livro resulta da reunião de textos publicados no jornal PQP. São versos de humor
picante, classificação do próprio autor. Esta foi a segunda produção independente do autor
para escapar da crise econômica da época. Então, como já havia feito antes, fechou o
estabelecimento comercial e investiu nesta obra.
Inicialmente, o título da obra seria Do jeito que o Diabo gosta, mas, por sugestão
Fernando Canto, em uma conversa, passou para Os Versos Sacânicos, parodiando o título de
Os Versos Satânicos24, do escritor britânico Salman Rushdie. A primeira edição tem
ilustração da capa de Biratan Porto (Figura 19). A terceira, do próprio autor, em 2006 (Figura
20).
Lembra o poeta que teve um entrave na produção da primeira edição. Ela foi
censurada pelo dono da editora Falangola, que chamou os versos de “imoralidades”. Contudo,
o poeta defendeu sua obra dizendo que imoralidade, em sua opinião, era mortalidade infantil,
é o salário mínimo oferecido ao cidadão, essas coisas... Como os exemplares já estavam
pagos, foram feitos. Mas, nas edições, como protesto, não aparece o nome da editora, pois
todas as capas foram substituídas.
A obra causou impacto no público, pois nem todo leitor de Totó lia o periódico
semanal do PQP – um jornal para quem pode, de onde vinham os textos. E, em relação ao
teor dos versos, uma nota do jornal Diário do Pará (SIQUEIRA,1989) comenta o novo perfil
da obra do poeta: O livro traz um humor, críticas, sátiras políticas e também um lado erótico.
Versos Sacânicos contém um lado do autor que os livros anteriores não mostraram.
Sobre esta obra, Possas (2011a, p.8) diz que:

O texto literário-jornalístico de Antonio Juraci Siqueira transita pelos terrenos


humorísticos e opinativos, envolvendo princípios da Análise do Discurso, da
Linguística Textual e da Semiótica ao manter relações intertextuais com textos
verbais, visuais e verbais. O tom humorístico, na maioria das vezes carnavalesco de
seus verbos “sacânicos”, se configura em um texto metalinguístico pelo qual faz arte
com e a partir de textos alheios ocorrendo em algumas situações uma ruptura quase
que completa, uma deformação ou devoração da semântica do texto escrito que
motivador de sua escrita.

24
Os Versos Satânicos, segundo Siqueira (2010c), causaram problemas ao autor, que teve a cabeça posta a
prêmio pelo Aiatolá Khomeini por conta da obra.
69

E ainda:
Esse trato carnavalesco aborda, na maioria das vezes, situações merecedoras de
serem apreciadas, como as não digeridas ou mal resolvidas pelo social,
denunciando por meio do ridículo ou da dessacralização um mundo problemático,
concebido às avessas, e transplantado para o corpus jornalístico revelando
mésalliances e profanações (POSSAS, 2011a, p. 9) (grifo do autor).

Contudo, a repercussão da obra foi grande, na época. Conta Siqueira (2014) que,
durante um encontro com o senhor Jorge Falangola, Paes Loureiro, então Secretário de
Educação, fez um elogio ao poeta, disse que o considerava um dos maiores trovadores do
Brasil. Por conta disso, o senhor Falangola se retratou com o poeta, propondo a publicação
gratuita de um livro de trovas em comemoração aos 40 anos da editora. E assim foi publicado
Estrela de 4 Pontas.

5 – Estrelas de 4 Pontas – Belém, Editora Falangola, 1989.

Figura 21: Portada Estrela de 4 Pontas

Estrelas de Quatro pontas


Espargindo luz na estrada
Daquele que busca, às tontas,
Amor e paz na jornada.

O lançamento de Estrela de 4 pontas foi promovido pela editora e a União Brasileira


de Trovadores. Em nota ao jornal O Liberal, no dia do lançamento, Juraci diz:

a coletânea “Estrela de Quatro Pontas” contém algumas variações de trovas que


quebram a temática original, compondo-se de trovas filosóficas, malignas e
humorísticas, sem fugir de sua conjuntura de quatro versos de sete sílabas rimadas
(O LIBERAL, 10/08/1989).
70

A coletânea é formada por 100 trovas. O título é explicado no prefácio por Vasques
Filho25 que se dá pelo fato de ser exclusivamente composta de trovas, que é um gênero
poético de quatro versos de sete sílabas, “cada um figurando uma ponta da estrela”. Além
disso, em nota na obra, o autor pontua que suas trovas, quanto à mensagem, estão em três
grupos: filosóficas, líricas e humorísticas. E, qualquer nomeação, além dessas, foi feita para
facilitar a memorização por parte do leitor, ou seja, percebe-se que o poeta não gosta de
aprisionar suas trovas em categorias, classes ou nomenclaturas. A ilustração da capa é do
autor.

6 – Alma em Pedaços - Sonetos e trovas – Belém, Editora Papachibé, 1990.


Figura 22: Portada Alma em Pedaços - 2ª edição

Incenso e Mirra
Eis-me aqui, Senhora, bubuiando
– igarité de anseios e pecados –
nas águas desse rio de reza e riso
a correr para o mar do Teu amor.

A obra é composta de sonetos e trovas avulsas. Na ilustração da capa, foi colada a


imagem em pedaços da obra de arte O êxtase de Santa Tereza26, que, ao ser flechada pelo
anjo, sentiu um misto de dor e prazer, o que dá uma dica do que podemos encontrar na obra.
Versos ora apresentam um eu lírico “poeta”, sensível e religioso, ora um “troglodita” “vulcão-
menino” e erótico.

25
Vasques Filho faz parte da União Brasileira de Trovadores e da Academia Brasileira de Trova.
26
O êxtase de Santa Tereza foi uma obra esculpida em 1645 por Bernnini e foi considerada um dos exemplos
máximos do Barroco nas artes plásticas, pois representa o erótico e o religioso, elementos contrastantes da arte
então produzida.
71

7 – Espelhos & Punhais – poesia – Belém, Editora Falangola, 1991.

Figura 23: Portada Espelhos e Punhais

Espelhos e Punhais
companheiros de insônia e jornadas
Eis-me aqui transparente aos vossos olhos
trazendo em meu cantar todos os sonhos
e em meu silêncio todos os pecados
deponho aos vossos pés a minha face
reinventada a cada pôr-de-sol
e em cada verso um pouco do veneno
que a existência deixou na minha taça. (SIQUEIRA, 2007a, p.65)

Esta obra foi lançada em homenagem aos 10 anos da publicação de Verde Canto,
primeiro livro de poesias. Capa, composição e revisão foram do autor e a encadernação da
editora Falangola, por isso é chamada de semiartesanal. Esta edição teve 160 capas
diferentes, depois a editora plastificou as capas (SIQUEIRA, 2014). A obra está dividida em
três partes: “Espelhos e Punhais – poemas”, nesta parte estão novas composições; “Alma em
Pedaços”, sonetos e trovas de um folheto lançado anteriormente, do qual o autor retirou
alguns poemas; “A B C de Orfeu – Exercício de Aliteração”.
Nesta obra, a cada poema, Juraci colocar uma epígrafe de vários escritores, poetas e
amigos. Dedica poemas a poetas como Alonso Rocha, Ruy Barata, Max Martins, Acyr Castro,
Obdias Araújo e Eimar Tavares.
72

8 – Brasão de Barro – poemas amazônicos – Belém, Editora Vinas Editoração, 1992.

Figura 24: Portada Brasão de Barro - 1ª edição


Figura 25: Portada Brasão de Barro - 2ª edição

Kararaô!
Em cada curva de rio,
em cada palmo de chão
da Amazônia existe um olho
observando o Dragão
com seu hálito de fogo,
seu discurso demagogo,
seu poder de sedução...
E em cada rosto caboclo
existe um índio escondido,
enclausurado em si mesmo,
discriminado, oprimido,
escravo em sua própria terra
trazendo o grito de guerra
no coração reprimido. (SIQUEIRA, 2007a, p.92)

A primeira edição de Brasão de Barro – poemas amazônicos (Figura 24) está em


forma de livreto ilustrada por Reivaldo Vinas, apresenta o título do livro na parte superior e na
inferior uma imagem do rosto do poeta rasgada ao meio. Já a capa da segunda edição (Figura
25) foi criação do autor com a imagem de um vaso marajoara. Os poemas contidos nesta obra
trazem a temática amazônica como tema principal ou como metáfora de mundo.
73

9 – Do jeito que o Diabo gosta e Nosso Senhor consente – Belém, Editora Papachibé, 1995.

Figura26: Portada Do jeito que o Diabo gosta e Nosso Senhor consente

Humorística
Deus fez o mundo certinho,
porém, por divina troca,
fez a mulher do vizinho
bem mais bonita que a nossa!

Satírica
Existe em nossa República
gente mal-intencionada
fazendo na vida pública
o mesmo que na privada!

Escabrosa
Definição competente
de quem no verbo capricha:
-boceta é um cachorro-quente
à espera de uma salsicha.

O poeta reúne trabalhos publicados na coluna do PQP – um jornal para quem pode, o
que ele chama de Trovas humorísticas, satíricas e escabrosas, com caricaturas de Biratan,
João Bosco e Márcio Pinho. Segundo o autor, esta edição teve grande procura por conta do
teor das trovas quando publicadas no jornal. São 48 trovas.
74

10 – Viola de 4 Cordas – Belém, editora Papachibé, 1995.

Figura 27: Viola de 4 Cordas

Das baleias às libélulas


Deus seu poder consolida
Ao mostrar, na união das células,
Todo milagre da vida!

Viola de 4 Cordas é composto por trovas, o gênero poético com que Juraci mais
ganhou prêmios pelo Brasil. Quanto à forma, segue a mesma linha de Estrela de 4 Pontas.
Quanto à temática, segundo o autor, é formada por trovas Líricas e Filosóficas. Segue o
padrão do autor, capa e apresentação do poeta por pessoas ilustres das Letras. Caricaturas de
João Bosco e Felix. Folheto em capa de cartolina colorida.

11 – As previsões imprevisíveis da Madame Xana – Belém, Editora Papachibé, 1995.

Figura 28: Portada As Previsões Imprevisíveis da Madame Xana


75

Vou vender o meu trombone


E assim que pegar na grana
Mandarei fazer um clone
Do rabo da Lady Xana! (Kail Dubond)

Vou procurar, no Xingu,


Um pagé Trucarramãe
Pra botar um cururu
Na xereca da tua mãe! (Lady Xana)

Em As Previsões Imprevisíveis da Madame Xana, Antonio Juraci reuniu trovas,


poemas e piadas humorísticas com ilustrações de Márcio Pinho publicadas no jornal PQP. A
capa vem com uma ilustração de Biratan Porto. Neste folheto, ele apresenta Madame Xana,
um pseudônimo para falar da situação política e social da época.

12 – O Chapéu do Boto – Belém, Editora Papachibé, 2001.

Figura 29: Portadas O Chapéu do Boto

Figura 30: Portada O Chapéu do Boto Figura 31: Portada Os filhos do boto
76

Figura 32: Portada O Chapéu do Boto Figura 33: Portada O Chapéu do Boto

Figura 34: Portada O Chapéu do Boto – edição Bilíngue

Figura 35: Portada O Chapéu do Boto – 2013


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Ao povo rogo atenção,


a Deus Pai, sabedoria
para contar uma história
cheia de ação e magia:
A lenda viva do boto,
ser mandingueiro e maroto
da nossa mitologia.

Esse caso aconteceu


não muito longe daqui
numa noite enluarada
às margens do Cajari.
vovó contou-me essa história,
eu a guardei na memória
e hoje, em versos escrevi. (SIQUEIRA, 2007b)

O Chapéu do Boto é uma das obras mais populares de Antonio Juraci Siqueira, com
mais de quatro edições. Escrita em forma de conto, nomeada de Metamorfose, versão
premiada pela Fundação Valdemiro Gomes, publicado em 1988. Em 2004, publicado em Voo
Noturno depois de todos os voos..., em 2010, em Histórias a Beira Rio.
Em 1992, publica em Brasão de Barro, mas transformado em poema narrativo
chamado O Boto (Des)encantado. O poeta conta que a versão em cordel, a primeira edição
[em folheto], foi feita a pedido de Vicente Salles. E saiu em 2001, com sucessivas tiragens
com formatos diferentes em papel colorido. A ilustração da edição é do autor (Figura 29).
Aqui observo o dito por Ferreira (1993, p.15) sobre a perícia do poeta que se traduz na
habilidade de transformar o texto “sem no entanto romper os fios, para a garantia de sua
aceitação pela comunidade de que provém e a que se dirige”.
Chapéu de Boto narra, em forma de cordel, a história de um homem estranho bem
vestido e misterioso que chegava de canoa às festas do interior, seduzia as caboclas e, depois
sumia deixando-as grávidas. Até que os nativos resolveram dar uma lição no faceiro sedutor.
Planejaram uma emboscada para dar cabo da vida dele, mas, ao perceber a trama, astuto
tentou fugir. Neste momento, deixou o chapéu cair, perdendo seu encantamento diante de
todos. Pulou no rio e emergiu como Boto, depois sumiu.
Tanto em Metamorfose quanto em Boto (Des)Encantado, a sina do Boto era a morte,
segundo Daudibon (2012, p.46):

Como nas duas primeiras versões o boto morria. O Juraci escreveu outra versão em
cordel para participar da feira de livro infantil promovida pelo SESC e realizada no
Shopping Center Iguatemi em Belém, em 1989, cujo tema era: “Acorda, Cordel!”

Neste comentário de Daudibon (2012, p.46), vê-se que o pensamento do autor está
preocupado com a questão educacional, pois modifica a obra:
78

Na versão da Literatura de Cordel ele resolveu “poupar o boto para tornar a história
ecologicamente correta” e mais em conformidade com a literatura infantil. Juraci usa
o chapéu como uma espécie de condão que lhe assegurava [ao Boto] a forma
humana. Com a perda do chapéu o encanto é quebrado e tudo volta à forma original,
inclusive o boto que livra-se de seus perseguidores, atira-se no rio e livra-se da
morte.

A modificação na obra feita por Juraci teve por finalidade, por um período bastante
recorrente nos contos infantis, evitar tratar, com crianças, o tema morte. Basta lembrar e
comparar a versão de Chapeuzinho Vermelho, de Charles Perrault, na qual a personagem
morre, e a dos Irmãos Grimm, que modificam o final criando o caçador que salva a menina e
mata o lobo. Embora estas ações tenham sido superadas na atualidade, já que vários autores
tratam a morte como tema, Juraci contou-me que não queria o estigma de “malino”
[corruptela regional de maligno] ao Boto e por isso merecedor da morte, já basta a matança
desregrada do animal na Amazônia.
A edição de 2003 (Figura 30) é uma versão em quadrinhos com ilustração de Waldir
Lisboa.
A versão em cordel foi premiada com o 2º lugar no Concurso de Poesia Popular da
UBT de Maranguape, pelo nome O Chapéu do Boto (história sobrenatural), em 2009.
O poeta lança vários poemas com essa temática. Em 1997, lança em folheto Eu, o
Filho do Boto – Histórias ao molho de malagueta, contendo versos humorísticos, trovas
“sacanas” que foram publicações do jornal PQP. Outro nesta versão foi Os filhos do boto,
relançado em 2003 (Figura 31). A edição e a ilustração são do autor.
Em 2010, venceu o Prêmio Mais Cultura de Literatura de Cordel, com o livro/folheto
O Chapéu do Boto e O Bicho Folharal – Edição Patativa do Assaré produzido pela Editora
Paka-Tatu. Esse prêmio foi um incentivo voltado para o segmento cordelista. Foi lançado dia
1º de fevereiro no Instituto de Artes do Pará. A ilustração é de Arerê Marrocos (Figura 32).
Em entrevista ao Blog Marajó Notícias (2012), Antonio Juraci conta que criou a
versão infanto-juvenil em cordel porque tradicionalmente não há cordéis para esta faixa etária,
embora tenha sido o cordel que o despertou para a leitura quando criança. Comenta ainda que
o livro tem um caráter educativo, pois os animais que aparecem no Bicho Folharal são da
fauna brasileira.
Na versão O Chapéu do Boto publicada em folheto, de 2011 (Figura 33), a capa
apresesnta ilustrações do autor com imagem do poeta/fotógrafo Eduardo Santos.
Em 2012, na França, a pesquisadora Ana Daudibon traduziu a obra para o francês –
edição bilíngue com capa e ilustrações de Michel Daudibon (Figura 34).
79

A mais nova edição infantil foi publicada pela Tempo Editora, em 2013 (Figura 20),
com ilustração de Maciste Costa. Nesta obra, o ilustrador utilizou a técnica mista de colorir,
lápis de cera e aquarela, nas imagens tornando-as leves e airadas.

13 – Irmã Serafina Cinque, O Anjo da Transamazônica – Manaus, Editora Silva, 200.


Figura 36: Portada Irmã Serafina Cinque, O Anjo da Transamazônica - 1ª Edição
Figura 37: Portada Irmã Serafina Cinque, O Anjo da Transamazônica - 2ª Edição

A Deus rogo que ilumine


a minha lira amazônica
para que no meu cantar
a verdade seja a tônica
ao falar dessa heroína
que foi Irmã Serafina
“O anjo da Transamazônica”.

Esta obra foi feita por encomenda, o autor a produziu por cortesia. Uma homenagem
para relatar a vida e a obra da Irmã Serafina Cinque em cordel. Segundo Siqueira (2014), essa
obra foi lançada em Manaus, com 4 mil exemplares, depois foi lançada em Altamira e aqui.
Teve como objetivo divulgar um acontecimento com a irmã e ela entrou em um processo de
beatificação no Vaticano.
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14 - Uirá-Pirá, a Saga do Peixe-Pássaro – Belém, Editora Papachibé, 2004.


Figura 38: Portada Uirá-Pirá: A Saga do Peixe-pássaro - 2004
Figura 39: Portada Uirá-Pirá: A Saga do Peixe-pássaro - 2011

Iniciação
Hoje,
amanheci meio peixe,
meio pássaro.
estou aprendendo a nadar,
tomando aulas de voo
e aprimorando o canto. (SIQUEIRA, 2007a, p.123)

O texto teve duas edições: na de 2004 (Figura 40), há as imagens de peixes que são
desenhos do próprio poeta; já na segunda, a aquarela na capa é de Waldir Lisboa (Figura 41).
No trecho do prefácio, o autor explica o motivo para ter escrito esta obra:

Assim, Uirá-Pirá, a saga do peixe-pássaro, é a exteriorização poética de cuíras


antigas: um mergulho ancestral nas águas tipitingas da memória, um voo onírico ao
encontro de mim mesmo e um canto de amor em defesa do meu povo e do meu
chão. (SIQUEIRA, 2011, p.2)

A temática nesta obra perpassa por questões intimistas, um eu lírico desnudando seu
íntimo em conformidade com seu habitat. Na estrofe acima, o eu lírico parece um ser
metamorfoseado, uma resultante do amor entre os apaixonados da obra de Bartolomeu
Campos Queirós (1991), O peixe e o pássaro, mostrando ao mundo que não há amor
impossível, que o peixe e o pássaro podem se amar não importa onde será o ninho.

15 – ABC de Orfeu – exercício de aliteração – Belém, Editora Papachibé, Sem data

A
Amor
Antigo
Amor
81

Astro apagado
Agônico albatroz acorrentado
De atrofiadas e abatidas asas
No alçapão abismal do anoitecer

ABC de Orfeu – exercício de aliteração foi reeditado em folheto em 2000. E sua


primeira edição foi como parte integrante da obra Espelhos & Punhais – Poesia, publicada em
1991, cuja imagem se encontra identificada como Figura 23. Esta obra é formado por uma
sequência de versos com títulos de A a Z com a repetição de sons iniciais.

16 – O Nascimento do Siriá– Belém, Editora Papachibé, 2001.

Figura 40: Portada O Nascimento do Siriá - 2001

O NASCIMENTO DO SIRIÁ
Meu leitor, preste atenção
nesta história comovente
semeada e germinada
no seio de nossa gente.
Depois de a ler com atenção,
guarde-a no seu coração
e, se puder, passe em frente.

Foi no princípio do Século


Dezenove, em Cametá,
uma pequena cidade
do Estado do Grão Pará
que aconteceu este evento
que fala do nascimento
da dança do Siriá.

A obra narra em cordel o surgimento do Siriá no folclore. Feita por encomenda para
compor uma programação do projeto “Cultura, Escola e Alegria”. O nascimento do Síriá é
uma obra que, segundo o autor, “por sorte”, não foi perdida completamente, pois quando a
82

compôs, em meados dos anos 80, não guardou o original. Contudo, conseguiu um exemplar
de uma amiga, professora.

17 - O Bicho Folharal – Belém, Editora Paka-Tatu, 2010.

Figura 41: Portada O Bicho Folharal -2012 Figura 42: Portada O Bicho Folharal.- 2013

Uma onça, certo dia,


pelo mato andando só,
ouviu algo barulhando
para as bandas do igapó.
foi lá e viu o macaco,
bicho matreiro, velhaco,
danado a tirar cipó.

Ela de um salto agarrou


o mico pelo pescoço
e disse: - Eu quero saber
a razão desse alvoroço
e trata de me dizer
do contrário irei comer
macaco no meu almoço!

O Bicho Folharal é uma versão para crianças do conto popular brasileiro que conta as
façanhas de um macaco labioso para fugir das tentativas da onça de pegá-lo. Em formato de
cordel, é um dos mais conhecidos de Antonio Juraci.
O autor não recorda o ano de sua primeira edição. Em 2010, ganhou o prêmio Mais
Cultura de Literatura de Cordel com a edição “Patativa do Assaré”, com mais outra obra, O
Chapéu do Boto (Figura 41). A capa e a ilustração são de Ararê.
A segunda edição entrou no mercado para o público infantil. Publicado pela Tempo
Editora com ilustração e capa de Maciste Costa (Figura 42). Segundo o ilustrador, na técnica
foi usado apenas lápis de cor para animar as cenas. Nesta edição, é apresentado um glossário
com os nomes dos animais da fauna brasileira inseridos na história.
83

18 - Cândido Rondon – O Paladino da Paz – Belém, Editora Papachibé, 2011.


Figura 43: Portada Cândido Rondon – O Paladino da Paz

A Deus, Pai Onipotente


a quem devo a vida e o dom
de cantar, rogo ciência
para não sair do tom
ao mostrar, de corpo inteiro,
para o povo brasileiro.

Cordel criado em homenagem a Cândido Rondon, um personagem histórico para o


exército por seus feitos na Amazônia. Foi criado para um concurso de Literatura de Cordel.

9 – Banquete de Eros – Versos líricos e eróticos – Belém, Editora Papachibé, 2000.

Figura 44: Portada Banquete de Eros Figura 45: Portada Banquete de Eros

Soneto de Eros
A minha língua, víbora de fogo,
sobre teus lábios, pétalas de mel,
desliza sem conter o próprio afogo
rumo aos teus seios, torres de babel. (SIQUEIRA, 2007a, p.111)

As primeiras edições ainda foram feitas pelos métodos antigos de fabricação (Figura
44), com colagem na capa, seguido da apresentação do autor. Na edição de 2010 (Figura 45),
a capa é mais elaborada com uma imagem de O nascimento de Vênus, de Botticelli. Mas o
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que mais chama a tenção são poemas de um erotismo nada comedido, apresentando os desejos
contidos de Pan realizados por um eu lírico ora Eros grego, ora Eros amazônico.

20 – Quem Souber, Levante o Dedo! – 100 trovas adivinhas – Belém, editora Papachibé,
2003.

Figura 46: Portada Quem, sabe levanta o dedo!

Esta pergunta é manjada,


Quem souber, levante o dedo:
Quando é que a onça pintada
Não morde nem mete medo?

Este folheto é classificado pelo autor entre os mais vendáveis nas escolas e nas praças,
“porque as crianças gostam das trovas advinhas”. As trovas advinhas estimulam a curiosidade
de adultos também. Quem nunca brincou de adivinhação quando criança?

21 – Histórias sem pé nem cabeça – Belém, Editora Papachibé, 2000.

Figura 47: Portada Histórias sem pé nem cabeça


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Eu vou contar uma história


se não me falha a memória
acontecida em Belém.
O que não recordo bem
foi quando isso aconteceu
pois quem me contou morreu
em mil seiscentos e dez
ao cair de revestrés
por sobre o membro viril.

Neste folheto, Juraci brinca envolvendo nomes de membros da Associação Paraense


de Escritores na década de 1980, como José Ildone Favacho, Paes Loureiro e Vicente Salles.
Há duas versões. Na segunda, são envolvidas outras personalidades, como Rui do Carmo,
Benilton Cruz e Luiz Vila Nova. Até o período da pesquisa, Juraci não tinha mais editado este
folheto, mas, ao revirar a memória, resolveu procurá-lo e me mostra-lo.

22 – Esta Vida é um Jogo, Bicho! – Belém, Editora Papachibé, 2003.

Figura 48: Portada Esta vida é um jogo, bicho!

1 – AVESTRUZ
A vida é um jogo:
obedeça cada regra
que o conduz
sem esconder a cabeça
à maneira da avestruz

2 – ÁGUIA
Quando plange o eterno sino,
tudo para e, de repente,
surge a águia mor do destino
e come os sonhos da gente!

Este folheto, segundo o autor, foi encomendado por um dono de jogo do bicho.
Apresenta trovas sobre os 25 bichos que compõem a lista do jogo. A capa é ilustrada pelo
autor. Antonio Juraci não tem nenhum exemplar dele na atualidade.
86

23 – Antes que seja tarde – Belém, editora Papachibé, 2003.

Figura 49: Portada Antes que seja tarde - 2003


Figura 50: Portada Antes que seja tarde - 2011

A Deus rogo inspiração


Para compor cada verso
Alertando o ser humano
No seu proceder perverso
Contra as leis da natureza
Que regem todo o Universo.

24 – Como Evitar Queimada – Belém, Editora Papachibé, 2003.


25 – Tirando Vantagem do Lixo – Belém, Editora Papachibé, 2003.
26 – Baladeira não é Brinquedo – Belém, Editora Papachibé, 2003.
27 – O Perigo dos Animais Soltos – Belém, Editora Papachibé, 2003.
28 – A Vingança do Ataíde em favor do Manguezal – Belém, editora Papachibé, 2003.
Essas obras foram batizadas de cartilhas de cordel sendo produzidas a pedido do grupo
de ação ecológica Novos Curupiras (ONG), em 2003, um projeto criado em 1990, na
Faculdade de Ciências Agrárias do Pará (FCAP), hoje Universidade Federal Rural da
Amazônia (UFRA). O objetivo da ONG é fortalecer uma consciência ecológica por meio da
educação.
O poeta é voluntário e participou produzindo cartilhas que mostrassem a importância
da preservação do meio ambiente, como exemplos, os manguezais presentes na geografia
paraense. Este trabalho foi divulgado por 25 municípios paraenses por meio do Ponto de
Cultura criado pelo Governo do Pará e Secretaria de Estado de Cultura para integrar um
programa nacional idealizado pelo Governo Federal e Ministério da Cultura.
Posteriormente, em 2011, o poeta edita um folheto com três das publicações acima:
Antes que seja tarde, Baladeira não é Brinquedo e A Vingança do Ataíde em favor do
Manguezal.
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29 – Colméia de Tataíra – Belém, Editora Papachibé, 2011.


Figura 51: Portada Colmeia de Tataíras

O chupa-chupa
Tem gente que não dá bola
Pra história de Chupa-chupa
Mas é bom tomar cuidado
Pra não cair da garupa.
Dia destes o Chupa-chupa
À minha porta bateu:
Sendo coisa de rotina,
Minha mulher atendeu.

Colmeia de Tataíra – Versos de Circunstância é uma coletânea de “versos satíricos


circunstanciais”, compostos a partir de fatos e situações específicos da recente história política
do Pará e do Brasil ou sobre determinado tema envolvendo coisas e/ou pessoas, escritos a
partir de fevereiro de 1980 a abril de 2002, segundo Juraci (2004), no prefácio do folheto, e
também explica as origens dos textos, parte deles foi publicada no Jornaleco de A Província
do Pará e no jornal PQP. Antonio Juraci reuniu textos com humor “picante” criticando a
forma como os políticos conduziam o governo, prejudicando a população.

30 – Peleja de Fulgêncio Batista X Totó Siqueira – Belém, Editora Papachibé, 2004.

Figura 52: Portada Peleja de Fulgêncio Batista X Totó Siqueira


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Carta aberta ao poeta


Antonio Juraci Siqueira
Meu caro Totó Siqueira,
em guerra de baladeira
não se usa bacamarte.
Eu viajo sem bagagem,
peço, por camaradagem,
de vosmecê um aparte:

Resposta ao poeta
Fulgêncio Batista
caro Fulgêncio Batista
galo bom não baixa a crista
ante qualquer desafio!
O aparte está concedido
porém, fique prevenido:
– meu canto causa arrepio!

Folheto resultado de um desafio, uma disputa poética entre dois amigos. Um deles, sob
a alcunha de Fulgêncio Batista, que desafia Antonio Juraci Siqueira. A disputa começa
publicada no jornal A Província do Pará e termina no palco da Praça do Carmo. Ferreira
(1993, p.18) chama de diálogos, disputas, falas em confronto, que são na atualidade pontos
importantes de abordagens contemporâneas sobre a oralidade, pois:

Seguindo o diálogo em sua relação imaginária, substitutivo da ação importante é ver


como ele se realiza, quer na exaltação do épico ou na degradação deste imposta pelo
paródico. Nele, toda a situação de contrapor discursos teatralizados na disputa
embute no escrito/oral a performance em seu sentido mais pleno, uma teatralidade
muito viva nesta cultura.

31 – Tributos e Louvações – Belém, Editora Papachibé, 2010.

Figura 53: Portada Tributos e louvações

Recanto do poeta
Ninguém viu o poeta
chorar sobre os versos
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que soltou no mundo


nem sabe, tampouco,
das noites de insônia
que traz nas retinas.

Este folheto reúne versos “escritos ao sabor das circunstâncias em forma de tributos,
homenagens, brincadeiras e louvações, publicados inicialmente em ‘Colmeia de Tataíras –
versos de circunstância, volume que reunia, além dessas homenagens, 20 anos de sátiras
dirigidas à política nacional e local”. No entanto, são duas temáticas diferentes, por isso
decide separar as sátiras das homenagens neste folheto publicado em 2010.

32 – Tem Pato na Corda – Belém, Editora Papachibé, sem data.

Figura 54: Portada Tem pato na Corda

Tem pato na Corda


Minha terra tem mangueiras,
Maniçoba e tacacá
Os patos que aqui patetam,
Não patetam como lá!
E nessa arena de corda
Todo pato passará
Porque, neste mundo ingrato,
Quem ainda não foi pato
Um dia, na certa, será.

Este folheto, segundo o autor, teve grande procura no ano de sua publicação por sua
brincadeira irreverente com os paraenses, pois, segundo Borges (2005, p.58), “O cordel Tem
pato na corda traz no título uma paródia a uma das comidas servidas na ceia do Círio de
Nossa Senhora de Nazaré, maior manifestação católica Paraense. [...] O texto critica os
‘patos’ de toda a sociedade, seja ele o mais simples ou o mais esperto”. A ilustração da capa é
do autor.
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33 – Receita de Brasil Novo – Belém, Editora Papachibé, sem data.


Figura 55: Portada Receita de Brasil Novo

“Ano Novo, vida nova”,


diz um ditado imbecil.
Para não perder o mote,
numa atitude infantil,
fiz uma enquete suspeita
a fim de achar a receita
para salvar o Brasil.
Perguntei a um general
e ele respondeu, possesso,
que depois da ditadura
houve um grande retrocesso
e afirmou, solenemente:
“– O Brasil só vai pra frente
quando fechar o Congresso!”

A ilustração da capa é do autor. O tema trata da situação política da época, período


militar, que oprimia tanto a sociedade. Aqui, há várias vozes como eu lírico, o político, o
feirante, a pessoa comum, cada um fala de sua situação no contexto social.

34- Cabuca do rabo Grande – Belém, Editora Papachibé, sem data.

Figura 56: Portada Cabuca do Rabo Grande


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Cabuca do rabo grande,


no dia que eu té pegá,
pode o mundo pegá fugo,
pode o só caí no má,
pode o Remo e o Paysandu
pra premerona vortá
mas na minha mandioca
tu vai tê qui rebulá.

Neste folheto a intenção é descontrair, pois segundo Carvalho (2010, p.82) o cordel:

não traz em seu enredo uma crítica política ou uma crítica às mazelas sociais, nesse
folheto o poeta brinca com o leitor por meio de uma linguagem que tenta imitar o
modo de falar ‘caipira’. Na capa do folheto é retratada uma caricatura de uma
mulher com o bumbum bem grande, o que justifica o título do cordel.

35 – Brasil 500 Ânus – Belém, Editora Papachibé, 2000.

Figura 57: Portada Brasil 500 Ânus

Ó gigante adormecido,
roto, explorado e fudido
em berço esplêndido, acorda!
Levanta e expulsa essa horda
que te fode a todo instante!
Desperta e segue adiante,
muda o rumo dessa prosa
pois enquanto o mundo goza,
contabilizas os danos.

Foi lançado no ano em que o Brasil completou 500 anos de existência, criticando os
desmandos que o País ainda vivia. A ilustração da capa é do autor. O título tem duplo sentido,
ambíguo, irônico. A capa apresenta uma caricatura de Marcio Pinho, “mapa do Brasil, como
se estivesse de perfil, com o bumbum empinado, os olhos arregalados, os dentes trincados e
um homem narigudo com uma lata de vaselina na mão esquerda” (CARVALHO, 2010, p.77).
92

36 – Os Novos Versos Sacânicos – Belém, Editora Papachibé, 2006.


Figura 58: Portada Os Novos Versos Sacânicos

O “documento”
A mulher diz:
– senhor Juiz,
Quero o divórcio
pois o “negócio”
do meu marido
é mais comprido,
mais grosso e feio
do que um esteio
de arariquara.

Juraci costumava criar seus poemas a partir de notícias de jornal como a estrofe acima
cujo título era: Mulher quer divórcio porque o marido é ‘avantajado’. Em uma nota na contra
capa de Os Novos Versos Sacânicos, o autor esclarece que publicou há dezessete anos Os
versos Sacânicos, mas somente parte do que havia saído no jornal PQP – um Jornal para
Quem Pode. Contudo, nesta edição, além dos textos do PQP, ainda foram inclusas
composições que não fizeram parte daquela coluna. Os versos de cunho temporal foram
retirados e reunidos em outro folheto chamado Colmeia de Tataíras – versos de
circunstância.
Lançado com capa de papel cartão com ilustração do autor. Ela apresenta um caldeirão
na fogueira e dentro imagens diferentes de Antonio Juraci sendo mexidas por uma caricatura
diabólica do poeta, denominada de Ministro. No interior da obra, encontram-se ilustrações de
Márcio Pinho.
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37 – Histórias do Tio Totó – Belém, Editora Papachibé, 2007.

Figura 59: Portada Histórias do Tio Totó - 2007 Figura 60: Portada Histórias do Tio Totó - 2008

Histórias do Tio Totó foi uma publicação que levou a alcunha antiga de Juraci –Totó.
Nesta obra, ele apresenta adivinhações, trovas e poemas direcionados a crianças. Nesta
edição, está o texto Os sapatos mágicos, que foi editado em No além, todos não morrem, livro
de contos fantásticos.
Na capa da 1ª edição (Figura 59), Antonio Juraci escolheu como ilustração um
desenho feito por sua neta Ingrid. O desenho representa as ideias do texto O dia em que o sol
nasceu ao contrário, no qual “a filha leva a mãe para escola, o rato corre atrás do gato que
corre atrás do cachorro”. Na capa da 2ª edição (Figura 60), o poeta ilustrou com imagens suas
com alunos de escolas em que ele visita.

38 – Na Teia do Poema – Belém, Editora Papachibé, 2006.

Figura 61: Portada Na teia do Poema


94

Preso entre sonhos


Nas cavernas de mim
Um troglodita
Sobre a pétrea manhã com ferro e fogo
Grava o mito do Ser

Este folheto reúne textos publicados no livro Espelhos e Punhais. Na edição de 2011
(Figura 61), o autor escreve um prefácio – Do nosso Brasil ao pavão misterioso –,
rememorando as pessoas que lhe incentivaram à leitura na infância. Enumera obras
inesquecíveis para sua formação leitora e na capa há uma imagem de uma aranha tecendo sua
teia e na contracapa uma imagem do autor seguida de uma biografia.

39 – Rastros de Luz – Trovas Belém, editora Papachibé, 2006.

Figura 62: Portada Rastros de Luz - 2006 Figura 63: Portada Rastros de Luz - 2010

Trova- indestrutível arca


onde minha alma se encerra:
um rastro de luz que marca
minha passagem pela terra.

Este folheto é composto por 200 trovas temáticas: líricas, filosóficas, religiosas,
amorosas. A maior parte delas encontramos nos corações poéticos ofertados pelo autor. A
capa apresenta uma ilustração de um girassol colorido com a técnica da pulverização de cores.
Atualmente eu não reeditei mais esse folheto (SIQUEIRA, 2014).
95

40 - Ao som do Tambor com amor e Pavulagem – Belém, Editora Papachibé, 2007.


Figura 64: Portada Ao Som do Tambor

BALDEZ, A VOZ QUE NÃO RUI


Calou do pássaro a voz!
Mas, vejam só! Por encanto,
ficou vibrando entre nós
os acordes do seu canto!

Este folheto tem como tema central a homenagem ao Arraial do Pavulagem e poemas
dedicados a poetas paraenses como o poema Baldez, a voz que não rui. Na capa, uma imagem
dos primeiros momentos em que as pessoas se organizam para iniciar o cortejo do Arrastão do
Pavulagem em que aparecem Juraci e amigos.

41 - Canto Caboclo – Trilogia Amazônica – Belém, Editora Paka-Tatu, 2008.

Figura 65: Portada Canto Caboclo – Trilogia Amazônica

Matinta Perera
Noite soturna
De sexta-feira.
Por trás da copa
Da seringueira
A lua brinca
De esconde-esconde
96

Enquanto borda
Sombras sinistras
No véu da noite
Com fios de luz.

Reunião de trabalhos apresentados em outras obras anteriores. Foi publicado junto


com Incêndios e naufrágios – antologia poética. Juraci justifica o feito ao jornal:

A decisão de reunir em coletânea parte de minha produção poética deveu-se ao fato


de ser cobrado, com certa frequência, por professores, alunos e leitores em geral ante
a dificuldade de encontra-las em um só lugar, facilitando com isso os trabalhos de
pesquisa sobre o autor e obra (O LIBERAL, 2009).

Em Canto Caboclo – Trilogia Amazônica, encontram-se obras como: Piracema de


Sonhos (1987), Brasão de Barro (1992), Uirá-Pirá – A Saga do Peixe Pássaro (2004).

42 – Incêndios e Naufrágios – antologia poética – Belém, Editora Paka-Tatu, 2008.

Figura 66: Portada Incêndios e Naufrágios

O Boto
Se encontrares o Boto em teu caminho
Numa gravida noite de luar,
Empresta-lhe teu colo e teu carinho,
Envolve-o nos lençóis do verbo amar.

Publicada junto com Canto Caboclo – Trilogia Amazônica, pela Editora Paka-Tatu.
Na época de sua publicação, a nota de jornal O Liberal explica a coletânea:

Incêndios e naufrágios” reúne grande parte da produção de Antonio Juraci Siqueira,


iniciada em 1981, com o livro “Verde Canto”. Desse livro, dez poemas originais
estão na coletânea, que traz poemas de ordem cronológica de publicação dos livros.
Mas, todos os poemas do livro Piracema de sonhos”, premiado em 1985 pela
secretaria de Estado e Cultura (Secult), estão reproduzidos em “Incêndios e
Naufrágios”. O leitor vai ler 100 trovas líricas e filosóficas dos livros “Estrelas de 4
pontas”, “Violas de 4 de cordas”, Cantigas de bem Querer” e outras obras e folhetos,
inclusive com premiações nacionais (SIQUEIRA apud O LIBERAL, 2009a).
97

Nesta obra, foram reunidas as produções de Verde Canto (1981), Travesseiro de Pedra
(1986), Piracema de Sonhos (1992), Banquete de Eros (2001), Uirá-Pirá (2004), Mensagens
e Louvores (2005) e Na teia do poema (2007), além de 100 trovas líricas e filosóficas.

43 – Paca, Tatu, Cutia Não! – Belém, Editora Secult – 2008, Tempo - 2013.
Figura 67: Portada Paca, Tatu, Cutia Não! Figura 68: Portada Paca, Tatu, Cutia Não!

Boto
Sonso, maroto
Maledicente,
Lá vem o boto
Virado em gente.

Paca, Tatu, Cutia Não! é uma obra formada por poemas para crianças sobre a fauna
amazônica. Foi premiado no edital de Literatura infanto-juvenil da Secult, selo “Imagina Só!”,
em Belém, no ano de 2008. Ilustrado por Claudia Vinagre e Renata Segtowick. Segundo
Daudibon (2012, p.48),

Juraci elabora seus poemas com elementos que se encontram na lenda/mito do Boto.
Em 2008, ele decidiu que alguns animais amazônicos mereciam um “míni-
dicionário”, como existe para os animais da savana africana por exemplo. Ele
escreve então Paca, Tatu, Cutia Não! , livro em poesia no qual ele apresenta entre
outros o ‘Boto’.

A primeira edição (Figura 67), há ilustrações dos animais na natureza bem definidas e
coloridas. Em 2013, a segundo edição da obra saiu pela Tempo Editora. Ilustrado por Maciste
Costa. A ilustração, segundo Maciste, é em aquarela, apresentando a fauna e flora amazônicas
(Figura 68).
98

43 – Simplesmente Belém – Belém, Editora Papachibé, 2010.


Figura 69: Portada Simplesmente Belém!

Simplesmente Belém
Feliz Lusitânia,
Cidade Morena,
Belém do Pará...
Mulata faceira,
Com qual desses nomes
te hei de chamar?!

Simplesmente Belém é um folheto que trata dos encantos e desencantos da cidade,


segundo o autor, um olhar apaixonado por aquela que o recebeu, mas sem esquecer seus
problemas.

44 – O Menino que ouvia estrelas e se sonhava canoeiro – Belém, Editora SECULT, 2010.

Figura 70: Portada O menino que ouvia estrelas e se sonhava canoeiro 2010
Figura 71: Portada O menino que ouvia estrelas e se sonhava canoeiro 2011
99

Figura 72: Portada O menino que ouvia estrelas e se sonhava canoeiro 2012

Virgem Mãe de Nazaré


Iluminai meu roteiro
Para contar este causo
Tão singelo e verdadeiro
De um menino que escutava
As estrelas e sonhava
Um dia ser canoeiro.

Em O Menino que ouvia estrelas e se sonhava canoeiro, o autor conta em versos de


cordel sua trajetória e sonhos da infância. A obra ganhou o prêmio IAP de Literatura de
Cordel (Figura 70).
Sobre a obra, Silva (2012, p. 51) diz que:

O cordel O menino que ouvia as estrelas e se sonhava canoeiro é um exemplo de


texto autobiográfico, onde, mesmo sob a orientação de uma licença poética capaz de
fundir a liberdade da imaginação, com sua própria história, o poeta relata os sonhos
e fatos de sua própria vida.

A 2ª edição foi em folheto de cordel (Figura 71). As ilustrações da capa são formadas
por imagens feitas pelo autor de um menino na canoa e um barquinho de Mututi. A 3ª edição
saiu pela Tempo Editora, junto com outras quatro obras do autor. Neste livro, a capa e a
lustração são de Maciste Costa. Esta edição é toda ilustrada com técnicas de xilogravuras em
preto e branco. Esta é uma das obras mais narradas pelo autor no seu trabalho educacional nas
escolas de ensino fundamental.
100

45 - Marés – Poemas de argila e sol – Belém, Editora Papachibé, Cromos Artesanal, 2010.
Figura 73: Portada Marés – Poemas de argila e sol
Figura 74: Portada Marés – Poemas de argila e sol

Marés de essências
Das essências de mim fiz um jirau
Onde escamo as oníricas traíras
pescadas na tarrafa imaginaria
nas aguas desse rio que habita em mim.

As duas edições de Marés – Poemas de argila e sol apresentam uma série de poemas e
textos em prosa. Duas edições publicadas no mesmo ano, a primeira de forma artesanal, e a
segunda, impressa. A ilustração da primeira capa (Figura 84) apresenta uma imagem de duas
canoas na beira do rio ao entardecer. Dentro do livro, outras imagens que aludem a canoas,
barrancos e casas à beira do rio também compõem o cenário poético das obras. Na segunda
edição (Figura 85), a imagem fotográfica de uma casa à beira do rio. Nos poemas um eu lírico
hasteando a bandeira de sua existência expondo suas impressões de si e do mundo.

46 – Kitito, o cãozinho sem pé de grilo – Belém, Editora Papachibé, 2010.


Figura 75: Portada Kitito, o cãozinho sem pé de grilo

Folheto composto de adivinhações, piadas e contos. É uma literatura voltada para o


público infantil. Foi uma homenagem ao seu cão, que morreu depois de viver 13 anos.
101

47 – Pétalas do Riso – 100 trovas humorísticas – Belém, Editora Papachibé, 2010.

Figura 76: Portada Pétalas de Riso

Calos na mão
Condo chega o mês de Maio,
Mês das noiva, mês das frô,
Eu me alembro, cum sodade,
Da minha Maria das Dô!

Outro folheto de trovas, cujo título sugere o tema – humor. É composto de 100 trovas.

48 – A trova no Brasil, no Pará e no Folclore – Belém, Editora Caderno de Folclore, nº 6,


2003, Papachibé, 2011.
Figura 77: Portada A trova no Brasil, no Pará e no Folclore

Eu mesmo já ouvi pessoas dizendo trovas de minha autoria com pequenas alterações
e sem que meu nome fosse citado, fato que não me aborrece nem me preocupa por
saber que este é o destino comum de todas as trovas: perder a autoria quando cai na
boca do povo (SIQUEIRA, 20011b, p.15).
102

Breve levantamento sobre a trova, o surgimento, sua expansão e manifestação no


Brasil e no Pará, suas impressões sobre o conhecimento de trovas quanto a estrutura,
formação silábica e minúcias das rimas. Segundo o autor, A Trova no Folclore foi publicada
no Caderno de Folclore nº 6, do Centro Paraense de Estudos do Folclore.

49 – Itaí, a carinha pintada – Belém, EditoraS Museu Goeldi, 2013 e Papachibé, 2013.

Figura 78: Portada Folheto de Itaí: a carinha pintada, edição 2013

Figura 79: Portada Itaí: a carinha pintada


Figura 80: Portada Itaí: a carinha pintada (digital)

Sou Itaí, garotada!


Uma carinha legal
que foi pintada na pedra
muito antes da Cabral!
Na antiga língua tupi
meu nome se discrimina:
Ita, porque sou de pedra;
Í, porque sou pequenina.

Cordel idealizado pelo poeta, pelo aquarelista Mário Barata e pela arqueóloga Edithe
Pereira, pesquisadora do Museu Goeldi e coordenadora do projeto Arte Rupestre de Monte
Alegre, no Pará. A composição da obra teve como objetivo a difusão da memória do
103

patrimônio arqueológico da Arte Rupestre de Monte Alegre, localizada no Parque Estadual de


Monte Alegre. O Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e a Sociedade de Arqueologia
Brasileira (SAB) organizaram a exposição Visões – A arte rupestre de Monte Alegre e
lançaram o livro.
A obra é destinada ao público infantil, e a história é contada por Itaí, uma carinha
pintada nas rochas que conta as histórias do lugar por meio das ilustrações rupestres
registradas por Mário Barata.
A 1ª versão foi feita pelo poeta para o projeto com o texto em prosa. Contudo, o
escolhido para o livro foi em versos de cordel, pois a musicalidade torna a leitura mais
interessante. Na capa, há uma imagem das inscrições rupestres, e na contracapa, uma foto dos
idealizadores do projeto diante das inscrições rupestres em Monte Alegre – Antonio Juraci,
Edithe Pereira e Mário Barata. A versão impressa e a digital são iguais nas ilustrações. Porém
as capas apresentam cores diferentes: a capa impressa é uma aquarela, e a virtual é branca.

51 - Paytuna – Belém, Editora Papachibé, 2013.

Figura 81: Portada Paytuna

Velho Paytuna
Passa as manhãs
Sempre rodeado,
Por suas cunhãs.

Paytuna é um poema narrativo baseado em relatos orais e escritos do município de


Monte Alegre, Pará. Faz parte da obra Itaí, a carinha pintada.
104

52 – Com Amor e Devoção – poema sobre o Círio – Belém, Editora Tempo, 2013.
Figura 82: Portada Com Amor e Devoção

O povo só quer um pé para pôr as mãos na Corda!


Belém, Pará, mês de outubro,
Domingo de paz e amor,
Mais de um milhão de viventes
Vai as ruas com fervor
Para expressar sua fé
À virgem de Nazaré,
A mãe de Nosso Senhor!

Com Amor e Devoção – poema sobre o Círio é uma das quatro obras de Antonio
Juraci publicadas em 2013 pela Tempo Editora. Na ilustração, foi “feita aquarela bastante
aguada para dar movimento e leveza aos personagens, sempre, é claro, respeitando o contexto
em que esses personagens foram inseridos”, revela Maciste27, o ilustrador.

53 - O Mito da Criação da Noite – Belém, editora Papachibé, 2014.


Figura 83: Portada O Mito da Criação da Noite

Acervo de Antonio Juraci


Naquele tempo, menino,

27
Entrevista com Maciste via Facebook.
105

reinava o Dia, altaneiro,


e a Noite tranquilamente
dormia dentro do rio
na casa da Cobra-grande
muito bem agasalhada
num coco de tucumã.

O Mito da Criação da Noite foi criado a partir da lenda dos povos Tupi, coletada e
publicada pelo General Couto de Magalhães em O selvagem, em 1935. A capa e a ilustração
são do autor.

54 – O Mito da Criação dos Rios da Ilha do Marajó – Belém, Editora Papachibé, sem data.
Figura 84: Portada O Mito da Criação dos Rios da Ilha do Marajó

Foi Monhâ quem fez o Céu,


a Terra, o Mar, as estrelas,
os sonhos e os animais.
Naquele tempo primeiro
havia paz entre os homens
e seus benfazejo herói.

Este folheto foi criado para divulgar a mitologia tupinambá da criação do Céu e da
Terra, sua primeira edição foi em 2014. Capa e ilustração são do autor.

55 – Poemas Míticos – Belém, Editora Papachibé, Sem data

Figura 85: Portada Poemas Míticos


106

A criação dos rios da Ilha do Marajó


De primeiro, quando o tempo
Ainda era um menino
Que corria nu nos campos
Espantando passarinhos,
Borboletas, capivaras
E comendo tucumã,
A Ilha do Marajó
Ainda não tinha rios
Nem furos e igarapés.

Em Poemas Místicos, o autor reúne vários poemas de mitos recontados. No caso do


mito de A criação dos rios da Ilha do Marajó, foi baseado na narrativa do Índio Aruã
Severino dos Santos ao naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira.

56 – Grãos – da arte de polir pedras e arrancar espinhos – Belém, editora Papachibé,


1991-2014.

Figura 86: Portada Grão: a arte de polir pedras e arrancar espinhos

Agatanhado
Xuxu, meu gatinho de estimação,
Foi namorar e sumiu de casa
Deixando as marcas do seu carinho
No meu coração.

É o mais recente folheto criado pelo poeta. Está composto por: Grãos de mim, com
poemas apresentando um eu lírico autobiográfico; Grãos de afeto, com poemas narrativos;
Grãos do cotidiano; Grãos de devaneio, e Grãos de poesia. Na sexta parte, encontra-se ABC
de Orfeu – exercício de assonância e aliteração.
A capa e a ilustração são do autor. A capa apresenta uma imagem de gemas coloridas
que remetem a preciosidades na forma natural. Neste folheto, Antonio Juraci declara na
apresentação que deixa de lado a métrica e a rima para escrever de forma livre.
107

2.3 – PROSA

1 – O Roubo da Bunda – histórias do arco da velha – Belém, Editora Papachibé, 2000.

Figura 87: Portada O Roubo da Bunda - 2000 Figura 88: Portada O Roubo da Bunda - 2010

Neste folheto, o autor reuniu ilustrações, histórias, piadas e anedotas publicadas no


PQP – Um jornal para quem pode. Alguns textos estão em prosa, outros, em verso (Figura
41). Algumas vão aparecer sob a assinatura de Kail Dubond, pseudônimo criado por Juraci
para o jornal.
Contudo, quando o reedita, a primeira mudança vem no título O Roubo da Bunda – e
outras histórias do arco da velha. No prefácio, deixa uma nota, chamada “Rolando um lero”,
explicando as mudanças, indicando para quais obras foram determinados texto.

2 – Criadores & Criaturas – Belém, editora Papachibé, 2004.


Figura 89: Portada Criadores e Criaturas

Este folheto foi criado para divulgar textos que Antonio Juraci escreveu como
prefácios, orelhas, homenagens e comentários sobre obras e autores. São textos a que muitos
108

leitores só teriam acesso se obtivessem tais livros. Teve duas tiragens apenas. A capa, o autor
ilustra com os nomes de alguns autores cujos trabalhos Antonio Juraci prestou comentário,
como Luís Braga, Orlando Brito, Alonso Rocha, Fernando Canto, Ruy Barata, entre outros.

3 - O Estuprador de Melancias – histórias sacanas do caboclo paraense – Belém, Editora


Papachibé, 2011.

Figura 90: Portada O Estuprador de Melancias

O Estuprador de Melancias – histórias sacanas do caboclo paraense é um folheto


com textos herdados dos tempos do jornal PQP e ilustrações de Márcio Pinho. Na capa, a
ilustração do flagrante, e na contracapa, uma caricatura do poeta. Segundo o ele, este é um
dos folhetos mais requisitados pelo público adulto, pois apresenta o “humor picante”. Na
edição de 2011, além das histórias originadas no jornal, outras novas foram inseridas.

4 – Encavernado e outros escritos – Belém, editora Papachibé, 2004.

Figura 91: Portada Encavernado


109

Segundo o autor, a obra apresenta contos universais. Na edição de 2010 (Figura 91), o
autor escreve uma nota esclarecendo que reúne:

contos e crônicas distribuídos sem preocupação cronológica nem pretensão literária.


Alguns foram premiados e publicados em livros, revistas e jornais de Belém e de
outras localidades, outros, que pontuaram nas edições anteriores de “Encavernados”,
migraram para outros livros editados recentemente (SIQUEIRA, 2011, p.2).

Um destes contos é Metamorfose, conto vencedor do 1º Concurso CATA de


Literatura, promovido pela Fundação Valdemiro Gomes, em 1988. Outros estão em Voo
noturno – e outros voos, publicado em 2004. O autor conta que foi convidado para participar
da antologia Todos no Além não morrem de contos fantásticos. E escreveu o conto Ela.

5 – Acontecências – crônicas da vida simples – Belém, Editora Papachibé, 2010.

Figura 92: Portada Acontecências- crônicas de vida simples

Juraci gosta de representar seu trabalho com ilustrações alusivas aos temas
relacionados ao mundo da ribeira, barcos, canoas, utensílios de extrativismo vegetal etc. O
autor empresta o título da música de Claudio Nuccie, depois de descobrir que estava enganado
pensando ter inventado o neologismo “Acontecências”.
Tipos de crônicas estão divididos em: Memória da Infância, que contam fatos vividos
pelo autor em sua infância; Equatorianas, que tratam do período em que viveu em Macapá;
Entre Mangueiras, que relatam acontecimentos após sua chegada a Belém; No Mundo das
Letras, aqui ele relata fatos acontecidos em Belém envolvendo escritores ou relacionados à
literatura; Coisas do Coração, em que enumera casos ocorridos envolvendo as trovas em
coração que distribui em todo canto.
Nestes textos, as memórias de Juraci estão patentes, denunciando seus passos pelos
lugares em que andou.
110

6 – Histórias à Beira-rio: contos e histórias brejeiras – Belém, Editora Papachibé, 2010.


Figura 93: Portada História à Beira Rio Figura 94: Portada História à Beira Rio

Em Histórias à Beira–rio: contos e histórias brejeiras, o autor dividiu o folheto em


duas partes, referenciadas no subtítulo. São contos que tratam de situações acontecidas com
personagens moradores ribeirinhos “nas brenhas do Marajó”.
Na 1ª edição (Figura 93), o autor ilustra com um desenho de uma cena ribeirinha, e na
2ª edição (Figura 94) ilustra com uma imagem fotográfica de uma paisagem tipicamente
ribeirinha. Na parte de dentro das obras, outras imagens feitas pelo autor. No prefácio, faz um
esclarecimento sobre uma entrevista que deu a Maurício Kubrusly, para a reportagem “Me
leva, Brasil!”, sobre sua afirmação de ser filho do Boto.

7 - Descom/Postura Acadêmica – Belém, Editora Papachibé, 2011.


Figura 95: Portada Descom/Postura Acadêmica
111

Em Descom/Postura Acadêmica, Antonio Juraci apresenta a opinião de vários


escritores e amigos sobre o resultado do concurso em que ele pleiteava uma vaga na
Academia Paraense de Letras e não conseguiu. Ilustrado com fotografia de Antonio Juraci
remando no Rio Cajari feita por Walcyr Monteiro.

2.4 – VERSO E PROSA

1 – Juraci Park – Fábulas e versos picantes – Belém, Editora Papachibé, 1997.

Figura 96: Portada Juraci Park – Fábulas e versos picantes – 1ª Edição


Figura 97: Portada Juraci Park – Fábulas e versos picantes – 3ª Edição

O Pato e o Papagaio Garanhão

Num quintal qualquer de Belém um pato engordava à espera do Círio.


Na mesma casa vivia um papagaio garanhão que era o terror do galinheiro.
Excetuando o galo e o pato em questão, não havia bicho de pena que ele não tivesse
chamado na vara...

O título parafraseia o filme O mundo perdido: Jurassic Park. No folheto, há o mundo


de Juraci, pois ele mistura fábulas, poesia, poemas narrativos e trovas, todos temperados com
o humor satírico.
O poeta ludibria o leitor com títulos “inocentes” de fábulas de Esopo e La Fontaine.
Como exemplo, O Gavião e a Coruja, mas o teor é sacana. Além disso, dá voz aos
pseudônimos: Abi Xarad, o trovador das Arábias; Bruno Pinagé da Rocha, o poeta clássico
sem classe; Inocêncio Carrapato, o poeta do mato; Kail Dubond, o poeta baiano.
A produção em folheto segue a característica do autor de colorir pulverizando tinta nas
capas e dentro utiliza ilustrações de Márcio Pinho. Na capa da edição de 1997 (Figura 96), o
autor utiliza uma imagem do portal aludindo ao filme, com uma caricatura do sua produzida
112

por Biratan Porto, a qual, na edição de 2011 (Figura 97), substituída por uma imagem
fotográfica.

2 – Zorra Astral – Horóscopo em Verso & Prosa – Belém, Editora Papachibé, 2004.
Figura 98: Portada Zorra Astral

Quem veio ao mundo em Carneiro


é manso(a) por vocação:
leva chifre a três por quatro
sem sentir nem comichão...
Quando a solidão abunda,
costuma enfiar na bunda
até cabo de escovão

Zorra Astral – Horóscopo em Verso e Prosa foi um folheto criado para rememorar os
tempos das publicações do jornal PQP. É composto de textos sobre signos do horóscopo em
versos e prosa de forma humorística. A capa e as ilustrações são de Márcio Pinho e também
foram retiradas do jornal. Foram editadas no período entre os anos de 2004 a 2006.

3 – O Brilho da Esmeralda nos seus 90 anos – Belém, Editora Papachibé, 2013.

Figura 99: Portada O brilho da Esmeralda


113

Este folheto foi criado em homenagem à Dona Esmeralda, mãe do poeta, por
comemoração de seus 90 anos de idade. A obra é composta por um texto em versos de cordel
dividido em nove partes, correspondentes aos nove filhos, e outra parte com nove relatos em
prosa, um de cada filho. A primeira edição foi produzida em Macapá, em 2013, e reeditada
em folheto pela editora Papachibé, no mesmo ano. Na capa, uma imagem de Dona Esmeralda,
e contracapa uma foto de Juraci feita por Walcyr Monteiro.

4 – Balaio de Gatos – miscelânea literária – Belém, Editora Papachibé, 2013.


Figura 100: Portada de Balaio de Gatos

Trova
Não haverá fome e sede
Nem mendicância entre irmãos
Se a caridade for rede
Tecida por muitas mãos.

O folheto contém textos em prosa, poemas, trovas com temas variados e atuais, como
o poema Uma história Real sem Class alguma, que faz uma reflexão após o primeiro ano
depois da queda do edifício Real Class, em Belém. Também se encontra o texto Carta para a
paz, publicado pela Fundação Arte Educar com Gente.

2.5 – COLETÂNIAS

As coletâneas são textos produzidos nas oficinas de contação de histórias realizadas


nas escolas de Belém e dos municípios em que o poeta foi solicitado.
O mito do imaginário amazônico pela voz dos alunos. Mitos que circulam por todo o
Estado como Boto, Matinta Pereira, Ataíde, Curupira, entre outros, são contados durante as
oficinas e em salas de aulas nas escolas em que Antonio Juraci passou.
114

1 - Entre o Real e o Imaginário – histórias do nosso povo – Belém, Editora Papachibé,


2007.
Figura 101: Portada Entre o Real e o Imaginário: histórias do nosso povo

Foi resultado da produção textual na disciplina de Filosofia nas Escolas de Ensino


Médio Pe. Benedito Chaves e Prof. Artur Porto, em 2007. Os textos estão divididos em duas
partes: a primeira tratando dos mitos, e a segunda, dos casos de visagens, assombrações e
encantamentos, mesmo que em alguns casos essas partes se toquem e até se misturem.

2 – Histórias de Muaná – Belém, Editora Papachibé, 2007.


Figura 102: Portada Histórias de Muaná

Foi resultado da oficina de produção textual realizada em Muaná pelo programa de


interiorização dos projetos da Fundação Curro Velho com apoio da prefeitura local, em abril
de 2007. Nesta coletânea, há textos em prosa e um em poesia de cordel.
115

3 – A Dupla Face de Salinópolis – Belém, Editora Papachibé, 2007.


Figura 103: Portada A Dupla Face de Salinópolis

Foi resultado da oficina de produção textual realizada em Salinópolis pela Fundação


Curro Velho, no período de 16 a 26 de agosto de 2007.

4 – Breves Cantares – Belém, Editora Papachibé, 2007.


Figura 104: Portada Breves Contares

Em Breves, a coletânea foi produzida no VII Encontro de Letras – VII ECLEB, no


período de 12 a 13 de julho de 2013.
116

5 – A Ilha Encantada – e outras histórias fantásticas de Abaetetuba – Belém, Editora


Papachibé, 2013.
Figura 105: Portada A Ilha Encantada

Foi produzida na oficina de contação de história ministrada no campo Universitário de


Abaetetuba, dentro da programação “Quintas Culturais e Científicas”, realizada no dia 23 de
maio de 2013.

6 - Quando a Pá Lavra o Silêncio – Belém, Editora Papachibé, 2012.


Figura 106: Portada Quando a Pá Lavra o Silêncio

Foi produzida na oficina de criação literária ministrada no campus Universitário de


Breves, durante o VI Encontro do Curso de Letras, realizado no período 13 a 15 de julho de
2012.
117

7 – Apanhadores de Histórias: Contadores de Sonhos I e II – Belém, Editora Tempo,


2013.
Figura 107: Apanhadores de Histórias: Contadores de Sonhos, Vol. I e II

Assim como Charles Perrault e os Irmãos Grimm, que registravam no papel as


histórias contadas oralmente pelo povo, o fizeram os oito narradores em Apanhadores de
Histórias: Contadores de Sonhos I e II, nesta coletânea de narrativas maravilhosas do
imaginário amazônico recontados para crianças. Organizada por Andréa Cozzi e Sônia
Santos, a obra foi tecida como o primeiro resultado da formação do Movimento dos
Contadores de Histórias da Amazônia (MOCOHAM), que objetiva reunir e reconhecer os
contadores de histórias da região.
No primeiro volume do livro, encontra-se o conto Tu queres ficar rico?, com o nome
de A visagem zombeteira.
118

3ª TRAVESSIA - IGARITÉ LITERÁRIA DO ORAL: PERFORMANCE E


RECEPÇÃO
O desejo da voz viva habita toda poesia, exilada na escrita.
Zumthor - 2010

Mas nada peça fora do poema


Pois na vida só tenho a voz e o verbo
E nada sou além de sonho e pó.
Siqueira - 1991

3.1 – A “VOZ VIVA” NO PAPEL


Ao ser perguntado como a voz habita toda poesia, o medievalista Paul Zumthor (2005,
p.69) explica que a
poesia é uma pulsão do ser na linguagem, que aspira a fazer brotar series de palavras
que escapam misteriosamente, tanto no desgaste do tempo, como a dispersão do
espaço: parece que existe no fundo dessa pulsão uma nostalgia da voz viva.

Por isso, muitos textos impressos de Juraci vivem “o desejo da voz viva” enquanto
estão guardados em algum canto. Alguns retomam sua origem pela voz do poeta diariamente
em seu fazer literário.
Mas esse “desejo”, ditado na epígrafe, só foi aclarado, no curso dos anos 50 do século
XX, quando Paul Zumthor, entre outros medievalistas, iniciou seus estudos sobre as diversas
formas de poesia sonora no medievo que o levaram a um interdisciplinar estudo “científico”
da voz, e pelo fio condutor neste labirinto chegou ao estudo da voz “poética”.
Segundo esse autor, os textos da tradição oral, por muito tempo, foram repassados por
meio da voz humana e daquilo que a acompanha, o gesto, ou mesmo a totalidade dos
movimentos corporais. Até o final do século XIII, eram os jograis ou trovadores, depois,
menestréis, músicos, cantores, contadores os intérpretes-portadores da voz poética.
Na tessitura de sua pesquisa, o medievalista diz que “poesia significa uma arte da
linguagem humana, independente de seus modos de concretização e fundamentada nas
estruturas antropológicas mais profundas” (ZUMTHOR, 2007, p.12), por isso a distingue da
noção preconceituosa de literatura (eurocêntrica e grafocêntrica) dada a ela nos séculos XVII,
XVIII e XX, na qual toda literatura estava atrelada à forma escrita e pautada nos cânones
europeus. Logo, a poesia oral ficava em um patamar inferior, submetida a diversas
nomenclaturas pejorativas como “popular” contrário de “erudito”, “paraliteratura”, entre
outros termos.
Após a Segunda Guerra Mundial, estudos oriundos de outras ciências, seguidos pelos
literários, emergiram fortemente com o termo literatura oral. Segundo Câmara Cascudo
119

(2006, p.21), foi denominada pelo escritor e etnógrafo francês Paul Sébillot, formando um
grande grupo que “remetia à ausência de escritura”, mais uma forma de classificar
negativamente a poesia oral e fomentar uma dicotomia – oral/escrito. Isso foi proposto por
McLuhan e Walter Ong, entre as décadas de 1960 e 1970. Contudo, Zumthor (1993) discorda
e afirmar que a poesia e a escrita têm algo em comum: lutam contra a perenidade temporal,
mesmo que por diferentes veredas. O fato de afirmar que “a voz é nômade, enquanto que a
escrita é fixa” não significa um antagonismo, pois o oral é a base do escrito e o encontro deles
funda o que chamamos a literatura.
No entanto, para Zumthor (1993, p.9), o problema está no fato de que “a ‘oralidade’ é
uma abstração, somente a voz é concreta, apenas sua escuta nos faz tocar as coisas”.
Para argumentar em favor dessa afirmação, Zumthor (2010) apresenta três
observações relacionadas à voz poética em situação: primeira, sobre a existência de três tipos
de oralidade que variam em um grau crescente de influência do meio grafocêntrico (primaria
e imediata ou pura; mista ou segunda; mediatizada); segunda, observa a submissão do texto
poético em cinco operações (produção, transmissão, recepção, conservação, repetição),
quando transmitido em performance a um público; terceira, quanto à relatividade do foco de
autoridade na performance, que pode ser na voz do intérprete, ser na performance, quando age
sozinho sem apoio de texto para leitura, ou na escritura, se o intérprete tiver um texto como
apoio, porém frisa que em nenhum caso diminui o efeito vocal dos intérpretes.
Por este caminho, ele demonstra que a onipresença da voz interfere no meio, na obra e
no ato do intérprete presentes nas situações de leitura, por isso prefere denominar de
vocalidade – que diz ser “a historicidade de uma voz: seu uso” – à oralidade. Logo, o que
resulta daquele termo seria poesia vocal ao invés de literatura oral.
Durante uma entrevista ao Jornal Nacional (2015), a intérprete Maria Bethânia falava
sobre a ausência de sua mãe, dona Canô, e neste momento reiterei o sentido da definição de
Zumthor à voz: “Sinto falta da voz dela, é o que mais me faz falta. Eu nasci com aquela voz,
aquela voz é a voz do que eu conheço e não ter aquela voz... Eu tenho tudo, e eu guardo tudo,
mas a voz não tem. Essa saudade é dura”.
Essa voz, para Zumthor (2010), é produzida pelo corpo e, pela linguagem, ela liberta o
“eu” aprisionado nesse espaço, em timbres, expõe a alteridade do sujeito ao Outro, marca seu
lugar no mundo. E apesar disso, não se fixa, é como o vento com movimentos nômades,
sempre uma passagem... Não se pode prender o vento, mas se pode apreender sua função
quando o sentimos na pele.
120

Assim, ao ler as obras de Juraci, sinto a “voz viva” no escrito oscilando entre o “eu” e
o “nós”. Ora quando a vida escalavra o peito, o poeta canta pela lírica voz de um eu poético
que quer se mostrar ao mundo, sua alteridade, suas sentimentalidades, seus sonhos, sua
fragilidade de ser humano:
Quando eu quero fugir das garras do mundo,
transformo em canoa as lembranças de outrora
e saio singrando saudades à fora
vivendo emoções de um passado fecundo
e o meu coração, albatroz vagabundo,
desperta, abre as asas e põe-se a voar
na noite estrelada, planando ao luar!
E a minha canoa, de sonho e papel,
cavalga nas ondas qual bravo corcel:
Galope de flor sob as ondas do mar! (SIQUEIRA, 2010a, p. 13)

Ora a “voz viva” guardada no papel não é só dele. No jogo da tradição de contar e
ouvir histórias, como ouvinte, ele recepciona as histórias com cortesia e, depois, organiza essa
polifonia de vozes realinhando-as no horizonte de expectativa28 de um viajante, cujo vivido
serve como base, para, em seguida, devolver ao mundo seu olhar sobre o ponto recriado:

Tomemos, agora, assento


no batelão das palavras
e vamos às cabeceiras
do sonho – rio invisível –
participar de uma história
pelo povo confinada
nos dormitórios do tempo
Foi aqui nesta tapera
Prenhe de medo, perdida
no coração da Amazônia
que a semente deste caso
germinou, cresceu, deu frutos
com doce sabor de lenda. (SIQUEIRA,2011c, p.19)

Assim, ele mantém em constante movimento “as águas tipitingas” da memória


coletiva que envolvem saberes da floresta e o imaginário amazônico. E essa “poesia,
identificada com a memória, faz deste um saber e mesmo uma sabedoria, uma sophia” (LE
GOFF, 2013, p.401). Neste revolver das águas, Zumthor (1997, p.15) diz que essa
transmissão da tradição oral passa por um processo a fim de permanecer na memória coletiva
de uma comunidade. Um processo não excludente, mas complementar entre memória e
esquecimento. O esquecimento seria a seleção que criva, drena as mensagens, seleciona o que

28
Expressão criada por Hans Robert Jauss (1994), da teoria Estética da Recepção, para identificar o encontro
entre o nível de conhecimento cultural de um leitor e o expresso em um texto literário durante a leitura.
121

permanece funcional (na memória) e servirá de transmissão ulterior. Esse processo depende
dos valores, pensamentos e discursos que a comunidade cultiva.

3.1.1 – A voz viva nos medias

Ao defender a voz viva, Zumthor (2007, p.14) aponta os impactos dos medias (meios
eletrônicos, auditivos e audiovisuais) na vocalidade, os compara à escrita por três de seus
aspectos: primeiro, por abolirem a presença de quem traz a voz; segundo, pela possível
extração das referências espaciais da voz que os medias possibilitam; e, por último, por
perderem a conexão temporal do agora, já que a voz que transmitem é reiterável, podendo ser
repetida diversas vezes.
Mas ele também aponta o que os difere da escrita: “o que eles transmitem é percebido
pelo ouvido (e eventualmente pela vista), mas não pode ser lido propriamente, isto é,
decifrado visualmente como um conjunto de signos codificados da linguagem” (2007, p.14).
Atualmente, as coisas já não são bem assim, o computador, celular e tablet fazem o
contraponto quanto à escrita em tela para ser lida. Contudo, o mais impressionante é que os
medias citados por Zumthor são hoje os meios de transmissão de dados mais utilizados nas
redes sociais, algo suscitado por McLuhan em sua obra.
Juraci é pavulagem, gosta de registrar acontecimentos, principalmente por fotografias,
tem poucos registros em áudio e vídeo de seus trabalhos das décadas de 1980 e 1990. Mas,
como sempre procurou acompanhar seu público nos mais variados lugares, chegou no
ciberespaço, o espaço das comunicações virtuais mediadas pela internet nos mais variados
suportes tecnológicos. Cadastrado na rede social Facebook, criou um perfil pessoal e, como
faz parte desse meio, também compartilha links, vídeos e fotografias.
Contudo, a soberana de A Galáxia de Gutenberg29 é parte integrante das redes sociais,
pois é uma das ferramentas disponíveis para que as pessoas possam expressar o que pensam
por escrito. Representa uma oralidade segunda apontada por Zumthor (2010, grifo meu) que
tenta recompor no escrito o oral. E é por meio dela que percebo a presença da voz viva nas
páginas de Juraci quando escreve seus poemas e trovas, pois o que mudou foi apenas o
suporte da escritura – do papel real para o virtual.
Ao observar a trova (Figura 108) seguida de imagens que reafirmam a ideia do escrito
sobre “O céu é dos chifrudos”, vê-se a trova em todas as suas qualidades e a interação entre o
poeta e os internautas. Ao analisar a imagem da página de Juraci, lembrei do Fotrovaral – já

29
A Galáxia de Gutenberg (1962), obra de Marshall McLuhan que trata sobre o impacto que a palavra impressa
teve sobre a civilização Ocidental desenvolvendo-a melhor que as de culturas orais.
122

referido em outro ponto deste estudo – criado por ele na década de 1980, um varal fixado em
algum lugar com poemas e imagens em que o visitante percorria sua extensão fazendo uma
leitura e depois podia interagir com o poeta que sempre estava por perto. A diferença entre as
situações está relacionada à espacialidade. No Fotrovaral, o alcance é local, pontual, já no
espaço virtual a voz viva nas trovas de Juraci tem um alcance global, como diria Zumthor, um
movimento nômade.
E esse espaço é benéfico para os poetas. Segundo Alfredo Garcia e Juraci, em
entrevista, há uma proposta de literatura no Facebook muito interessante chamada de Desafios
poéticos. Cada poeta, durante cinco dias, desafia cinco poetas e fica uma roda crescente de
poemas. Além disso, para Alfredo Garcia:

É o espaço da experimentação, testar que tipo de textos as pessoas estão realmente


querendo ler ou não, se aquele texto pega legal com o público, ou então republicar
texto meus do passado e o Juraci troca muito esses comigo. Nos surpreende muito
esse espaço. (GARCIA, 2015)

Zumthor não especulou a possibilidade do escrito virtual, por outro lado, não se pode
negar que “aquilo que se perde com os medias, e assim necessariamente permanecerá, é a
corporeidade, o peso, o calor, o volume real do corpo, do qual a voz é apenas expansão”
(2007, p.16).
123

Figura 108: Página do Facebook de Antonio Juraci Siqueira [https://www.facebook.com/Juraboto?fref=ts]

Fonte: Acervo pessoal

Mas o autor, ao fala das previsões de McLuhan sobre o vindouro império da imagem,
aponta que, na contramão dos acontecimentos, haverá a “ressurgência das energias vocais da
humanidade” (2007, p.15), a qual está além da revolução tecnológica, virá como um repúdio
ao discurso hegemônico grafocêntrico que tanto reprimiu as energias vocais da sociedade.
E enumera os signos dessa “ressurgência”, que vão “do desdém dos jovens pela leitura
até a proliferação da canção a partir dos anos 1950, em toda a Europa e América do Norte”
124

(2007, p.15). Isso é reafirmado pelo dito de Roger Chartier em palestra na XVIII Feira Pan-
Amazônica do Livro para falar sobre “A leitura no século XXI” (título de sua comunicação),
em que aponta a “morte do leitor”, apresentando como sinais: dados estatísticos feitos na
França, desde os anos 80 de século XX, que demonstram o desinteresse crescente dos
adolescentes pela leitura de livros impressos; as políticas editoriais que priorizam o lucro,
produzindo periódicos, enciclopédias e dicionários em detrimento das obras especializadas; e
o triunfo da imagem.

3.2 – PERFORMANCE

Havia um texto, em geral muito fácil, que se podia comprar por alguns trocados,
impresso grosseiramente em folhas volantes. Além disso, havia o jogo. O que nos
havia atraído era o espetáculo. [...] Havia o grupo, o riso das meninas, sobretudo no
fim da tarde, [...] Havia o homem, o camelô, sua parlapatice... Ocorreu-me comprar
o texto. Lê-lo não ressuscitava nada. Aconteceu-me cantar de memória a melodia. A
ilusão era um pouco mais forte mas não bastava, verdadeiramente. O que eu tinha
percebido uma “forma”: não fixa nem estável, uma forma-força, um dinamismo
formalizado.

Zumthor - 2007

Ao longo da história, o homem inventa culturas para si e seu grupo, alguns integram
os valores poéticos da voz e todo o contexto que a envolve, mas de forma desigual. Para
Zumthor (2010, p.182), alguns fatores podem contribuir para a preservação dessas práticas,
como “sociedades desprovidas de artes visuais e aquelas que vivem em um meio natural
pobre e austero a toda espécie de poesia oral”.
Para exemplificar o fato, o autor cita alguns povos africanos com os quais manteve
contato direto testemunhando as práticas vocais. Então vejo aí um elo, pois nós, brasileiros,
carregamos no peito, na pele e na alma um halo africano como herança de nossa colonização.
E é inegável esse laço em nossa cultura, por isso, como testemunha, trago um caboclo
marajoara como meu exemplo de que a “oralidade não se reduz à ação da voz” (2010, p.217).
Ao selecionar trechos da lembrança de um acontecimento da infância de Zumthor na
epígrafe, pinço apenas as impressões que encadeiam gradativamente a “forma-força”
resultante, algo marcado no tempo, no espaço e nas impressões do menino expectador, faço
isso para introduzir minhas impressões dessa “forma-força” em um outro espaço-tempo – o
contemporâneo.
Impressões semelhantes guardei sobre a primeira vez que assisti a uma performance de
Juraci. Aconteceu no Nem te conto – II Encontro de Contadores da Amazônia, no palco de
um auditório. Ele estava compondo uma roda de conversa com Margareth Marinho
125

(pesquisadora de Saci) e Josebel Akel Fares (pesquisadora de Matinta Perera), cujo tema era
mitopoéticas.
Durante as falas de Margareth e Josebel, percebi a ansiedade de Juraci quando estava
sentado (Figura 10930): um cruzar e descruzar de pernas, as mãos numa fricção sutil e um leve
balbucio, parecia um pouco longe da conversa, só parecia. Imaginei que estava intimamente
repassando na memória seu poema, mas o corpo, às vezes, nos trai.
Sobre essa memorização, Vernant (1973) diz que na Grécia arcaica, entre os séculos
XII e VIII a.C., antes da difusão da escrita, em uma civilização de tradição puramente oral, a
memória era dada como uma função fundamental que tinha por conta “um conjunto de
operações mentais complexas, e o seu domínio sobre elas pressupõe esforço, treinamento e
exercício”.
FIGURA 109: A espera do ato no II Encontro de Contadores da Amazônia

Fonte: Acervo pessoal

Enfim, chega a vez dele falar sobre o Boto e tudo que envolve o mito. De repente, ele
levanta do sofá com uma visível mudança fisionômica (Figura 110), a cabeça baixa, o rosto
sombreado pelo chapéu, caminha para o centro do palco com uma seriedade, uma
concentração, espécie de transmutação. “Parece que há uma intervenção sobrenatural”, foi o
que pensei quando iniciou a performance do poema Eu, o boto naquele momento.
Então, lembrei o dito por Vernant (1973, p. 73) sobre a função poética ser presidida
pela Deusa titã, Mnemosyne na Grécia Arcaica, entre os séculos XII e VIII, a poesia se
constituía “uma das formas típicas da possessão e do delírio divino, o estado do ‘entusiasmo’
no sentido etimológico. Possuído pelas Musas o poeta é o intérprete de Mnemosyne”.

30
As imagens das atividades aqui evocadas foram registradas por mim, em atividade de acompanhamento das
performances.
126

FIGURA 110: A transmutação no II Encontro de Contadores da Amazônia

Fonte: Acervo pessoal

E, mesmo assim, na hora, não soube definir o meu entendimento diante do acontecido,
mas Paul Zumthor (2010, p.177) o define assim:

É uma voz que fala – não esta língua, que é apenas epifania: energia sem figura,
ressonância intermediaria, lugar fugaz onde a palavra é instável se ancora na
estabilidade do corpo. Em torno do poema que se faz, turbilhona uma nebulosa mal
extraída do caos. Súbito, um ritmo surge, revestido de trapos de verbo, vertiginoso,
vertical, jato de luz: tudo aí se revela e se forma. Tudo: simultaneamente o que fala,
aquilo de que se fala e a quem se fala.

E vejo que o poeta, aquele que tem vários papéis na performance – compositor,
intérprete e músico – na concepção de Zumthor (2010, p.235), tem competência31, pois sabe
conduzir a ação complexa de interpretar ou materializar corporalmente o poético emanado
pela voz expandindo-se em timbres, demarcando o espaço no tempo do poema. E, neste
momento, percebe-se o desejo da voz viva se concretizando, sua função original – pela sua
expansão, chegar aos ouvidos do Outro presente ao seu alcance. Neste momento, me asseguro
que nenhum meio audiovisual consegue transmitir para o ouvinte essa corporeidade emanada
no momento de uma performance, pois ele estava ali, na minha frente, transmutada por uma
forma-força que invadia meus sentidos.

Cuidado, cabocla!
cuidado comigo
que eu sou sempre tudo
que anseias que eu seja:
- teus ais, teus segredos
tua febre e teu cio... (SIQUEIRA, 2007a, p.96)

31
Performance implica competência. Além de um saber-fazer e de um saber-dizer, a performance manifesta um
saber-ser no tempo e no espaço (ZUMTHOR, 2010, p.166).
127

A combinação veemente dos versos com os movimentos de suas mãos, ora apontando
para a audiência (Figura 111), ora percorrendo o próprio corpo, traz um duplo sentido: a
consciência de um eu lírico sedutor que sabe o que a cabocla quer para si e uma apelação à
minha atenção por meio da quebra do decoro, expondo uma sensualidade que deveria ser
velada. Um exemplo da função fática32 da linguagem de Malinowski citada por Zumthor
(2010, p.31).

FIGURA 111: A performance do poema Eu, o Boto, no II Encontro de Contadores da Amazônia

Fonte: Acervo pessoal

No contexto, há uma certa cumplicidade entre Juraci e a audiência, pois, à medida em


que ele desempenha sua performance, trabalha com dois mecanismos relativizando uma
memória coletiva/individual, pois, por um lado, suscita a mitopoética do Boto para manter ou
atualizar na consciência da audiência, a memória de uma tradição amazônica, coletivamente
partilhada, algo que já é esperado pelo expectador; por outro lado, desfaz essa ideia ao
apresentar sua forma de interpretação do texto poético, aqui ele surpreende com a quebra do
horizonte de expectativa da audiência.
E, no revolver dessas águas, como ouvinte, vi que sou parte integrante da
performance, o Outro pela recepção. Logo, configuro minhas impressões sobre a “re-criação”
vista, internalizando-as e guardando comigo a tradição. E toda essa bagagem é um saber que
levo comigo vida a fora, assim como o diz Brandão (2004, p.26).

32
Função da linguagem na qual a emergência de um sentido é acompanhada por um jogo de forças que agem
sobre as disposições do interlocutor (ZUMTHOR, 2010, p.31).
128

E, no embalo rítmico dos versos, o poeta comete uma espécie de “deslizamento” de


uma modalidade a outra, entre o recitativo escandido33 e o canto melódico, quando muda os
timbres e a amplitude da voz crescentemente explode em “Ninguém saberá!” seguido por uma
gargalha irônica de um eu lírico matreiro que subitamente se esvai no ar. Quando a voz cala e,
em seguida, surge outra que diz “Eu, o boto. Te mete!”, em tom jocoso. Neste momento, a
plateia retorna, de súbito, do transe e dá uma gargalhada.
Ele já foi, aquele momento da performance, agora, só existe em minha lembrança,
embora eu tenha filmado. Então, vejo que Zumthor tem razão ao dizer que a performance não
é reiterável. Aqui serve o dito por Heráclito: “ninguém se banha no mesmo rio duas vezes”.
É intrigante perceber a movência34 da mitopoética do Boto existente nos textos e como
se revela em Juraci a capacidade de se adaptar às circunstâncias e de fazer brotar o sentido na
performance. Esta observação se confirmou na apresentação do poema O Chapéu do Boto, na
qual a audiência era formada por crianças, em espaço escolar diante do rio Combu, uma
espécie de cenário natural propício para o desenvolvimento da performance sobre o mítico.
Lá, Juraci gesticulava apontando para o rio como espaço integrante da cena:

Ninguém sabia dizer


onde o estranho residia.
Chegava sempre remando
na pequena montaria35
que agasalhava no porto
e, sem qualquer desconforto,
à festa se dirigia. (SIQUEIRA, 2007b, p. 3)

FIGURA 112: Performance do poema O Chapéu do Boto. 1ª visita à E. M. Educação


Infantil Prof. Milton Monte – Ilha do Combu/Pa.

Fonte: Acervo pessoal

33
Segundo Zumthor (2010, p.200), há três modalidades de uso da voz na performance em um gradativo aumento
melódico (o dito [falado]; o recitativo escandido ou salmodia; o canto melódico).
34
A noção de movência do texto de tradição oral está relacionada à sua criação e à recriação ao longo do tempo e
espaço, sem, contudo, a perda da essência do texto matriz, gerador. Neste caso, a mitopoética do Boto.
35
Montaria – pequena embarcação, canoa.
129

As crianças estavam sentadas no chão em círculo ao redor do poeta (Figura 112). Essa
proximidade possibilitava maior troca de vibrações entre o poeta e a audiência, percebia-se
melhor suas feições, sua verdade. Seus movimentos frenéticos de um lado para o outro
apelando à atenção das crianças, sua modulação de voz seguiam o enredo da narrativa poética
em uma gradação até o clímax – a descoberta da identidade do rapaz –, que teve a
colaboração de algumas crianças completando versos do poema.
Zumthor observa que a performance pode se valer de ornatos por alguns motivos para
compor um cenário ou por gosto pessoal do intérprete. Algumas vezes, os Cirandeiros da
Palavra se utilizam de ornamentações, enfeites, no caso de Juraci, ele usa um colete (Figura
113), no qual está pintada uma paisagem com um Boto entrando na água, o que identifica o
signo do Juraboto, contador de histórias. Neste caso, os elementos situacionais contribuem
para compor a poética.

FIGURA 113: Performance do poema Mensagem aos bruxos. 2ª visita à E. M. de


Educação Infantil Prof. Milton Monte – Ilha do Combu/Pa.

Fonte: Acervo pessoal

Mas o significado do texto poético no canto do poeta em sua performance quer dizer
muito mais que gestos e ornatos, trata-se de um processo global de significações
corporificadas enunciadas pela voz. Segundo Zumthor (2007, p.77), trata-se de atravessar o
discurso do poema pelo espaço do corpo e sofrer a irreversível ação dupla de tocar o mundo e
ser tocado por ele. Complementa o autor:

O mundo tal como existe fora de mim não é em si mesmo intocável, ele é sempre, de
maneira primordial, da ordem do sensível: do visível, do audível, do tangível. O
mundo que me significa o texto poético é necessariamente dessa ordem; ele é muito
mais do que o objeto de um discurso informativo (ZUMTHOR, 2007, p.78).

Zumthor cita Merleau-Ponty pelo dito em sua obra A fenomenologia da percepção,


que estabelece a existência de um conhecimento “antepredicativo” – “se trata de uma
130

acumulação de conhecimentos que são da ordem da sensação e que, por motivos quaisquer,
não afloram no nível da racionalidade, mas constituem um fundo de saber sobre o qual o resto
se constrói” (2007, p.78).
Desta forma, Zumthor (2007, p. 81) afirma que o sentido que se encontra no “texto
poético não pode se reduzir à codificação de signos analisáveis”, porque “toda poesia
atravessa, e integra mais ou menos imperfeitamente, a cadeia epistemológica sensação-
percepção-conhecimento-domínio do mundo”, ela é da “ordem do sensível”, está ligada a algo
mais profundo no Ser que a mera aparência do corpo, bastante cultuada na
contemporaneidade no império da imagem. O texto poético pode despertar a consciência de se
estar no mundo, o que para uns pode ser uma dor, para outros, um prazer.

3.3 – RECEPÇÃO

Em vista de saber como se dá uma educação da sensibilidade, como atuam os


educadores socializando os saberes do imaginário por meio da poética, aqui reuni as
observações da recepção em todas as paragens em que acompanhei o canoeiro e o
desenvolvimento das atividades dele atuando sozinho ou em companhia de Os Cirandeiros da
Palavra nos ambientes públicos e escolares.

3.3.1 – Performance em ambiente escolar: individual

1 - 1ª Paragem – Escola Cooperativa Educacional Alternativa


Por ser um cordelista bastante conhecido no bairro do Jurunas, a primeira observação
aconteceu em uma escola de ensino fundamental I e II, localizada em Belém. Lá, Juraci foi
convidado para ministrar uma oficina de bê-á-bá do cordel para alunos do 8º ano.
A oficina foi iniciada com um breve histórico da literatura de cordel no Brasil, depois
o que o caracteriza quanto à forma e a possibilidade de ser utilizado com vários temas. A
produção das estrofes pelos alunos e recitação para todos causava bastante burburinho na
turma, mas logo era comedido pela professora que ficava observando a turma no fundo da
sala e, vez ou outra dizia: “comportem-se, silêncio. Prestem atenção!”.
Observei ali o comportamento dos alunos no espaço. As carteiras enfileiradas em um
espaço pequeno para uma turma de aproximadamente 30 alunos, inicialmente, a organização
parecia uma necessidade, mas olhando bem era também uma forma de controlá-los e mantê-
los atentos ao que era dito por Juraci diante do quadro.
131

Foucault (1987), em Vigiar e punir, aponta o eficaz controle que as instituições listam
para “conformar” o corpo dos sujeitos nos diversos ambientes. A escola é uma dessas
instituições que têm como objetivo mostrar ao aluno que, se bem educado, ou conformado em
um espaço que lhe cabe, tendo autodisciplina, ele poderá ter mais eficiência em sua
aprendizagem e, consequentemente, mais sucesso. Mas a arte literária funcionou como uma
válvula de escape da convenção imposta na sala pela sua função estética, como nos diz
Loureiro (2005).
Ao final, uma grande parte dos alunos havia produzido pelo menos uma estrofe, e
todos queriam recitar para a turma o seu feito. Os temas produziam a descontração (amor,
traição, beleza, feiura etc.). Eles corrigiam uns aos outros quando os versos não apresentavam
a rima ou esta não soava adequada (Figura 114). A cada estrofe lida, a turma soltava o riso e
comentários. Esta excitação aumentava quando Juraci recitava algumas de suas trovas
humorísticas. E percebi que todos queriam expor seu “eu” por meio da oralidade na
performance para chegar à turma, o “outro”, dentro do seu mundo, naquele momento.

FIGURA 114: Oficina do bê-á-bá do cordel para alunos do 8º ano na Cooperativa Educacional
Alternativa.

Fonte: Acervo pessoal

Aqui, a especificidade do texto literário foi reconhecida e tratada de maneira


diferenciada, pouco igualada às práticas estereotipadas de leitura que a escola de modo geral
vem tratando. O prazer em produzir emergiu dos alunos, acontecendo o que diz Brandão
(2004, p.26): “aprender é participar de vivências culturais em que, ao participar de tais
eventos fundadores, cada um de nós se reinventa a si mesmo”.
132

2 - 2ª Paragem – Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Vera Simplício.

A convite da escola, Juraci participou da inauguração de uma biblioteca, chamada


Apolo, em homenagem ao poeta e cordelista Apolo da Caratateua. Durante uma manhã, os
alunos do ensino fundamental I e II reuniram-se no pátio da escola para assistir as
apresentações artísticas de alunos e dos poetas e cordelistas Apolo de Caratateua e Antonio
Juraci.
O homenageado recitou cordéis de Patativa do Assaré, lembrou que Patativa criava
suas composições durante o trabalho com sua inchada inspiradora, o que mostra que a
literatura pode vir de muitos lugares, para criar basta querer escrever.
Chegada a sua vez de interagir Juraci, começou a contar a história de Lourenço, o
menino que inventava brinquedos de produtos recicláveis ou da imaginação, usando o lenço.
Nesta atividade, ele fazia perguntas às crianças, interagia com elas, assumindo o centro das
atenções, largou o microfone, aproximou-se dos ouvintes e, gesticulando, olhava nos olhos. A
cada dobra do lenço, indagava os ouvintes sobre a forma que parecia. E, neste jogo, mantinha
a comunicação ativa.

FIGURA 115: Juraci em contação de história na Escola Estadual de Ensino Fundamental e


Médio Vera Simplício, Belém/Pa.

Fonte: Acervo pessoal

Não havia nada de elaborado em sua fala, apenas tecia a conversa de acordo com as
respostas das crianças, a imaginação das crianças ficava a cargo do conhecimento de mundo
que tinham. Aqui prevaleceu a imaginação sobre no que estaria se transformando o lenço. A
literatura provoca a imaginação! Além disso, a corporeidade na performance, citada por
Zumthor (2005), cria um elo entre o poeta e o ouvinte, este torna-se cúmplice da ação.
133

Os corações poéticos causam curiosidade nelas, provocam reflexões que levam a


questionamentos, um encadeamento já apontado por Edgar Morim (2003), como modo de
educação do futuro. Alio mais outra motivação: a trova possui a ideia de canto, vinda do texto
misto, ela não traz simples palavras, mas rimas, sonoridades que já encantavam no medievo,
por isso foram preservadas em manuscrito, ficam na memória das crianças, estimulam a
leitura, desenvolvem a oralidade.

FIGURA 116: Juraci distribuindo corações poéticos na E. E. E. F. M. Vera Simplício,


Belém/Pa.

Fonte: Acervo pessoal

3.3.2 – Performance em ambiente escolar: em grupo

1 - 1ª Paragem – Escola Municipal Prof. Milton Monte

No período de observação da participação de Juraci nas escolas, em Belém ou nas


ilhas próximas da cidade, percebi a atenção dada por ele à escolha do repertório conforme o
público alvo, à memorização dos poemas ou leituras rápida das narrativas, à concentração
descontraída. As escolhas textuais sempre tinham algo envolvendo amor, beleza, amizade,
natureza, comportamento, preservação ambiental: tudo permeado da cultura amazônica, pelo
imaginário e acompanhado de uma performance.
Para chegarmos à Escola Municipal Prof. Milton Monte, localizada na margem
esquerda do rio Guamá, pegamos o barco na Praça da Princesa Izabel, em Belém, e
atravessamos o rio Guamá em direção ao furo do rio que leva à Ilha do Combu. Acompanhei
Juraci e o grupo Cirandeiros para apresentações duas vezes nesta escola.
134

Na primeira visita, a escola tinha preparado uma homenagem ao poeta, o tinha


escolhido como representante da literatura produzida no Pará. Tudo fazia parte de um projeto
chamado Memória da Literatura do Pará desenvolvido pela SEMEC36 e o SISMUBE37.
Durante o percurso, apesar do ruído perturbador do motor do barco, Juraci e Andréa
Cozzi liam e repassavam o plano de apresentação, um para cada lado. Vez ou outra, ficava
distraída com a paisagem. Uma beleza sem muitos adornos, o barranco ao natural, árvores
caindo na beirada, nada arrumado pelo homem, só pela natureza. Como diria Loureiro (2005,
p.6), “é como participar de uma cerimônia do imaginário”. Parecia que estava a passeio, por
isso esquecia-me do meu objetivo. Estou acostumada a uma rotina diferente antes de ir
trabalhar.

FIGURA 117: Entrada da Escola Municipal Prof. Milton Montes, Ilha do Combu/Pa.

Fonte: Acervo pessoal

Houve uma festa com literatura, música, pintura, desenhos preparados pelos alunos
para a homenagem Juraci, leram obras dele em sala de aula. Ao chegarmos lá, todos nos
aguardavam na ponte: coordenadora, professoras e alunos. A impressão que tive é que o
grupo era ansiosamente esperado. Iniciaram as apresentações de alunos com performance de
poemas, um coral formado com alunos do 1º ao 3º ano cantou Este rio é minha rua, de Ruy
Barata. E, na frente da escola, um painel com um desenho de Juraci, ao lado da imagem do
Boto e ondas do rio, onde Juraci deveria registrar uma trova para ficar como lembrança na
escola.

36
SEMEC – Secretaria Municipal de Educação.
37
SISMUBE – Sistema Municipal de Bibliotecas Escolares.
135

FIGURA 118: Apresentação do painel ao homenageado Antonio Juraci Siqueira na E. M.


Prof. Milton Montes, Ilha do Combu/Pa.

Fonte: Acervo pessoal

Neste primeiro encontro, as atividades propostas às crianças estimularam a


criatividade e a imaginação, todas envolvendo as artes, a sensibilidade, aquela que coordena a
função estética, algo prazeroso, que tem relação com que diz Araújo (2008), ao defender uma
educação desenvolvida pela sensibilidade e pela racionalidade reciprocamente, aponta como
um dos eixos estruturantes da sensibilidade a afetividade e diz:

a plasticidade das afeições, dos impulsos sensíveis, se desdobra numa multiplicidade


de formas e de movimentos que conduzem nossas atitudes, tanto na esfera do
organismo (corpóreo), como na do psíquico (anímico), como instâncias coexistente
(ARAÚJO, 2008, p.90).

Esse laço do fazer com o querer por simpatia torna a ação mais prazerosa. Após as
apresentações dos alunos, os Cirandeiros começaram a contar histórias. Juraci contou a
história de sua autoria, O menino que ouvia estrelas e se sonhava canoeiro. Nela, ele retrata
um menino ribeirinho que sonhava ser canoeiro e viajar de barco, algo que, de certa forma,
poderia suscitar uma relação com aqueles meninos ribeirinhos. É... primeiro eu vou contar
essa história que tem a ver com sonhos, tem a ver com criança. Era uma história de um
menino que nasceu lá para as bandas do Marajó... (SIQUEIRA, 2014).
Então, começam uma viagem pelo imaginário amazônico, que é, segundo Loureiro
(2005), um modo de criar e recriar da vida cultural pelo simbólico, pelo mitopoético.
136

FIGURA 119: Performance do poema O menino que ouvia estrelas e se sonhava canoeiro, na 1ª
visita à E. M. Prof. Milton Montes, Ilha do Combu/Pa.

Fonte: Acervo pessoal

Assim que começavam as apresentações, todos tentavam ficar quietos, tentavam, o que
não significa dizer desatentos, alguns interagiam bastante, faziam comentários entre si, porém
o os professores intercediam para manter a “ordem”, os mais tímidos apenas sorriam atentos.
Neste primeiro momento, devido às apresentações programadas, as crianças foram dispostas
enfileiradas em bancos para que todos pudessem se acomodar.
Durante a apresentação de Juraci, não há muito que se lembrar do enclausuramento de
uma sala de aula, o quadro, as carteiras separadas por um corredor... A obrigação da
manutenção da ordem, do silêncio, atos que fazem parte da rotina de uma escola. Ou, como
diz Foucault (1987), da conformação do corpo em um espaço.
As apresentações aconteciam em um barracão ao lado de um dos prédios da escola
(Figura 119). O que registrei foram crianças ávidas por saber o que havia de novo para elas e
mostrar o que tinham preparado para o poeta. Estavam do lado de fora da sala, sorridentes,
ansiosas, sentadas umas próximas das outras, às vezes formando um círculo no chão ou em
carteiras, parecia que não importava o desconforto, mas saciar a curiosidade e tendo o
burburinho como trilha sonora. Rubem Alves (2003), em Fomos maus alunos, diz: “A
curiosidade é a voz do corpo fascinado com o mundo. A curiosidade quer aprender o mundo.
A curiosidade jamais tem preguiça”. Ali, a circulação de saberes estava acontecendo de forma
leve e prazerosa. Lembrei-me também das palavras de Brandão (2007, p.9): “não há uma
forma única nem um modelo único de educação”.
Juraci, um senhor franzino, de quase setenta anos, cabelos grisalhos, vestes simples
sem muitos adornos, além do inseparável chapéu, fazia apresentação em meio às crianças, ora
137

lembra uma prática de alguns povos indígenas da Amazônia, como os Waiwai, Gavião e
Tembé, que se sentam juntos para ouvir seus anciãos e aprender traços de um modo de vida
do grupo social a que pertencem, ora lembra o viajante, aquele que veio de longe (da cidade) e
trouxe novidades para as crianças (Figura 120).

FIGURA 120: Performance do poema O Chapéu do Boto, na 1ª visita a E. M. Prof. Milton


Montes, Ilha do Combu/Pa. Fonte: Acervo pessoal

Ao assistir esta cena se repetir em lugares diferentes, começo a duvidar do dito por
Walter Benjamim (1987, p.197) sobre a arte de narra estar em vias de extinção, pois, naqueles
espaços, microcosmos de aprendizagem, os alunos/ouvintes e os adultos presentes ficaram
envoltos nos lençóis das narrativas. Em alguns momentos, eu fazia força para focar na
observação do contexto e não mergulhar na minha imaginação ao ouvir as narrativas. Foi
difícil!
Talvez a afirmação de Walter Benjamim valha muito hoje, porque vivemos tão
apressados nos preparando para o futuro que não conseguimos parar e escutar histórias, nos
deixar levar pela imaginação e pela descontração do momento de escuta. Parece mesmo que
fugimos dessa situação, porque é tão forte, pois quando estamos nela não escapamos da
entrega. Daí acredito que não esteja em extinção “nossa faculdade de intercambiar
experiências”, mas esteja adormecida em nós.
Antes de começar uma história, Juraci perguntou às crianças quem acreditava que
Boto virava gente. Muitos braços se ergueram e era mais quem queria contar um fato. E esse
foi o mote inicial para a performance do poema O Chapéu do Boto.
No meio da roda de ouvintes, os alunos começaram a participar completando partes do
poema, sem ler nada, já o tinham feito em sala de aula. Pelos olhos ansiosos das crianças,
138

observei que estavam na expectativa de falar, pois estavam tendo a oportunidade de se expor
pela voz, uma característica da infância, segundo Zumthor (2007, p.86):

Por e na voz a palavra se enuncia como a memória de alguma coisa que se apagou
em nós: sobretudo pelo fato de que nossa infância foi puramente oral até o dia da
grande separação, quando nos enviaram à escola, segundo nascimento.

Neste momento, Hans Robert Jauss (1994) ajuda na compreensão quando trata da
recepção dos textos literários pelo leitor e seu “horizontes de expectativas”, que aqui se inclui,
pois o fato de terem algum conhecimento sobre os mitos amazônicos, como o Boto, por
exemplo, determina a reação das crianças diante do poema, uma aceitação maior que
culminou na participação.

2 - 2ª Paragem – Escola Municipal Prof. Milton Monte

Acompanhei Juraci e os Cirandeiros nesta escola pela segunda vez, em uma atividade
que aconteceu nos dois turnos, manhã e tarde. Neste encontro, a visita fazia parte de ciclos de
encontros literários propostos às turmas do Fundamental I. As crianças já conheciam os
Cirandeiros e demonstravam uma certa intimidade com o grupo.
A ciranda de roda Tindolelê, brincadeira de criança, cantarolada, tem letra simples de
memorizar, é recheada de rimas, repetições e trocadilhos. Estimula a imaginação e a memória,
mas hoje não é tão presente na realidade infantil, conforme já citei, pois, devido às
tecnologias existentes, as crianças também estão se isolando, silenciosas e quietas diante dos
aparelhos eletrônicos. De acordo com Duarte Jr. (2001, p.70), isso é resultante da maneira
como rege nosso sistema de vida, o modelo de conhecimento atual racionalista, que estimula
o uso da mente, em busca do conhecimento, em detrimento dos saberes que o corpo pode
apreender pelo movimento, pela sinestesia.
E, apesar disso, a ciranda foi uma explosão de interação, risos descontraídos, olhos
atentos ao ritmo da cantiga, um aprendizado sobre a comunhão, ao darem as mãos uns aos
outros, repartir o espaço, socializar o prazer do momento. Algumas crianças não queriam se
movimentar, mas não paravam de cantarolar. Zumthor (2007) diz que o poético e o canto
juntos conseguem despertar o sensível, tornando o mundo visível, audível e tangível.
139

FIGURA 121: Uma roda de histórias com os Cirandeiros e alunos do 2ª ao 4º Ano, na


2ª visita à E. M. Prof. Milton Montes, Ilha do Combu/Pa.

Fonte: Acervo pessoal

Na atuação dos Cirandeiros, Juraci segue um planejamento. Fazem brincadeiras


envolvendo a poesia (Figura 122), uma espécie de sorteio de poemas com crianças, cada
Cirandeiro recita o título sorteado. Juraci declamou O Chapéu do Boto e não o fez sozinho, já
que, aqui e ali, as crianças completavam os versos. A memória de Juraci, às vezes, falhava, e
lá entrava a criatividade, reestruturando com outras palavras os versos do poema, praticando a
movência do texto e a poética.
O figura imaginária do Boto emanava na performance. Como não pensar no Boto,
estando diante do rio? A função estética da poesia, segundo Loureiro (2005), era dominante,
posto que nos envolvia e também nos cutucava a questão do mito do Boto ser verdade ou
não? Coisas da poesia.

FIGURA 122: Contação de histórias com os Cirandeiros e alunos do 2ª Ano, na 2ª visita à E.


M. Prof. Milton Montes, Ilha do Combu/Pa.

Fonte: Acervo pessoal


140

3.3.3 – Performance em ambiente público: individual


1 - 1ª Paragem – IV Encontro dos Cordelistas da Amazônia

O evento ocorreu durante a XVIII Feira Pan-Amazônica do Livro, o encontro foi


realizado pela comissão do estande do Escritor Paraense. Foram discutidas questões como “A
origem hispano-árabe do Cordel”, a chegada do cordel na Amazônia, a cultura do cordel em
Portugal na atualidade. Nesta mesa, participaram o português Antônio Abreu Freire e os
paraenses Antonio Juraci Siqueira, Cláudio Cardoso e João de Castro. Juraci participou com a
função de mediador da mesa.
A audiência foi receptiva, teve uma aula de história por meio da trajetória do cordel
desde os tempos em que os bárbaros tomaram a Península Ibérica até chegarmos aqui perto,
nos interiores da Amazônia. Em meio a discursões sobre a importância de se preservar o
cordel no Brasil, os palestrantes recitavam um cordel de sua autoria ou de outros autores, o
que tornava o evento mais empolgante.
Nesta roda de conhecimentos, parece que o cordel, quando recitado, fazia cócegas em
nosso humor! E tudo se guarda melhor quando estamos bem humorados. Várias áreas do
conhecimento estavam inseridas, mas de uma forma poética envolvida pela literatura, vi que
Morin (2003), Zumthor (2007), Araújo (2008) e Duarte Jr.(2001) convergem em uma mesma
ideia: podemos e devemos mudar o modelo vigente de educar que prioriza o racional,
ignorando o sensível, o corpo – esta concepção não cabe mais, está superada. O resgate do
sensível deve ser feito por meio do saber sensorial, sinestésico, mitopoético, oferecido pela
arte literária, especialmente a poesia. E, naquele momento, Juraci era um dos mediadores
dessa arte – o cordel.
Os ouvintes vibravam durante as performances dos poetas, havia uma troca de energia,
curiosidade, o transe seguido do êxtase. E tudo permeado por imaginários de diversos lugares,
que já estão inseridos em determinadas culturas e reconhecidos por outras.
141

FIGURA 123: IV Encontro dos Cordelistas da Amazônia, na XVIII Feira Pan-Amazônica


do Livro

Fonte: Acervo pessoal

2 - 2ª Paragem – Arrastão do Arraial do Pavulagem

O Arrastão do Arraial do Pavulagem38 é um movimento cultural que acontece algumas


vezes durante o ano. Acompanhei Juraci, em um domingo, às Festas Juninas. Uma procissão
de arte, de dança, em função da cultura paraense, que reúne um rio de pessoas com seus
chapéus de fitas coloridas e vai seguindo pela Avenida Presidente Vargas ao som do carimbó,
do siriá e das toadas de boi, até desaguar na Praça da República.
Neste cortejo, Juraci é parte do cenário cultural (Figura 127). Em meio a sorrisos e
cumprimentos, ele oferece seus corações poéticos trovadores. Considero este seu primeiro ato
de educar poético neste espaço público, pois levo em conta as mensagens altruístas, que nos
remetem a uma reflexão sobre a vida, pela via do poético, embalada pela sonoridade própria
da trova.
No palco do Pavulagem, ele recita seus poemas. Nesta hora, não é o Boto, mas o poeta
que está ali fazendo sua performance, educador que socializa sua cultura, seu fazer poético,
como forma simbólica diante de pessoas que comungam e partilham do seu mundo sócio-
histórico (THOMPSON, 1995, p.176).

38
Segundo Lima (2010), são vários movimentos, em diversa direções. Todos, contudo, reforçam a ideia de que
se dá, por diversos modos, um processo de resgate, valorização cultural e transmissão desses saberes em um
processo educativo em espaço não formal, mas curiosamente estruturado e organizado, dentro de uma lógica
pedagógica empírica.
142

FIGURA 124: Distribuição de corações poéticos no Arraial do Pavulagem, Praça da República,


Belém/Pa.

Fonte: Acervo pessoal

3.3.4 - Performance em ambiente público: em grupo


1 - 1ª Paragem – Os Cirandeiros na Livraria Fox

Os Cirandeiros da Palavra têm uma agenda anual de participação em locais públicos


[abertos ao público em geral], como na Livraria Fox, em Belém. Lá, há um espaço com um
acervo de literaturas disponíveis à leitura silenciosa ou performance, os clientes trazem seus
filhos para assistirem e entrarem em contato com o mundo da leitura pelo prazer da literatura.
Planejam as atividades e executam e, às vezes, se armam com ornatos, isso depende do plano.
A atuação do grupo em local público não se diferencia da feita em ambientes
escolares. Juraci realiza sua performance com a mesma intensidade. A audiência, crianças no
ambiente escolar, público ou privado, fica deslumbrada do mesmo jeito, participa à medida
que os Cirandeiros vão interpretando as narrativas. Segundo Edgar Morin (2003), a faculdade
mais ativa da infância e da adolescência é a curiosidade, mas que “é aniquilada pela
instrução” (MORIN, 2003, p.22). Elas observam, assimilam e tentam copiar a arte de contar.
Segundo Duarte Jr. (2001), nesta fase, é patente a busca do conhecimento do mundo por meio
dos sentidos. Fares (2014, p.4) lembra que Aristóteles, em sua Arte Poética,

atribuía à arte um projeto de imitação da realidade e, dependendo das formas de


representá-la, estaria mais próxima ou mais distante da realidade, pois a imitação é
instintiva no homem e através dela adquire os primeiros conhecimentos e
experimenta o prazer
143

Além disso, a autora comenta que Platão tinha um pensamento contrário a Aristóteles
em relação à arte poética do contador:

em Platão, o poeta é expulso da República, porque as artes são condenáveis por se


regularem pela mimese, imitação, simulacro, o poeta representa o mundo sensível,
copia a ideia do Ideal imutável. Por outro lado, a palavra dos poetas tinha o poder de
moldar as almas, daí o perigo para as crianças (FARES, 2014, p.4).

FIGURA 125: Contação de Histórias com os Cirandeiros na Fox Livraria, Belém/Pa.

Fonte: Acervo Andréa Cozzi

2 - 2ª Paragem – Os Cirandeiros no Asilo Pão de Santo Antônio

O Cirandeiros da Palavras foram convidados para fazer uma apresentação na casa ou


asilo Pão de Santo Antônio (Figura 126). Agora, o ouvinte tem outra faixa etária – os velhos.
Segundo Ecléa Bosi (2001, p.77), “além de ser um destino do indivíduo, a velhice é uma
categoria social”. São senhores e senhoras que, por algum motivo, foram morar no asilo e, lá,
são cuidados, alguns estão doentes, esquecendo suas memórias, outros são doentes de solidão.
Enfim, há várias situações ali. O escutar histórias pode ser uma distração agradável a quem
não tem pressa de ir a algum lugar.
Lá, não se vê a ansiedade da criança ao ouvir história, tenta antecipar o final. O ancião
tem paciência para escutar, observa cuidadosamente, não interrompe a narrativa. O contar
histórias dos Cirandeiros é o mesmo, independe da faixa etária do ouvinte, a performance, a
gestualidade, os olhos nos olhos da audiência. Ouvir a voz do contador para aqueles idosos
parecia como diria Zumthor (2007, p. 86):

A voz é uma forma arquetipal, ligada para nós ao sentimento de sociabilidade.


Ouvindo uma voz ou emitindo a nossa, sentimos, declaramos que não estamos mais
sozinhos no mundo. A voz poética nos declara isto de maneira explícita, nos diz que,
144

aconteça o que acontecer, não estamos sozinhos. Plano de fundo preenchido de


sentidos potenciais. (grifo do autor)

A sociedade da informação calou esses velhos, os isolou de sua condição social, e eles,
quando percebem que não servem para as suas velhas funções, se retraem, e “este
recolhimento é uma perda e um empobrecimento para todos” (BOSI, 2001, p.83).

FIGURA 126: Contação de Histórias com os Cirandeiros no Pão de Santo Antônio – Casa de
repouso da 3ª idade –, Belém/Pa.

Fonte: Acervo Andréa Cozzi

O contador de histórias tem a qualidade de encantar, envolver a audiência no seu


repertório literário. E isso fez a diferença nos ouvintes do asilo, pois, durante as performances
dos Cirandeiros, as memórias foram estimuladas a contar suas velhas histórias, relíquias
guardadas por não terem audiência, que agora poderiam ser ouvidas. As vozes surgiram em
todos os lados formando uma roda de histórias.
145

DESEMBARQUE
Todos temos um poeta cá dentro,
No sótão de nosso íntimo.
Alguns convivem com eles pela casa
Sem correntes, nem entorpecentes.
Outros... lhes tiram as escadas,
para que não desçam
e baguncem o cotidiano.

A chegada à ponte é só mais um porto nesta longa travessia de pesquisa. Intermináveis


rios ainda existem para serem navegados. Por ora, tento fazer uma reflexão a respeito das
travessias e montar um mapa. Minha ideia se pautava em demonstrar a importância da
Literatura para a Educação e neste entrecruzar estava Juraci, como mediador, e seu fazer
poético.
Inicialmente, as dificuldades em absorver os conceitos da área de Educação tornaram a
pesquisa mais difícil e desafiadora, pois havia uma infinidade conceitual sobre o homem, a
cultura, a educação, os saberes... um sem fim... epistemologias que aos poucos foram tomando
acento na viagem, mas a companhia do canoeiro tornou tudo mais leve.
Vejo agora que demonstrar a ponte entre a Educação e a Literatura foi um passo inicial
que me abriu os olhos para tantas mudanças em nosso modo de viver que se configuram na
forma como educamos hoje. O foco do problema está em uma racionalidade que vem desde a
antiguidade clássica, quando Platão, na República, renega o saber por meio do sensível, das
artes, denominando-o como algo danoso à educação das crianças.
Na contemporaneidade, este pensamento mais elaborado é sustentado pelas práticas
comuns do conhecimento hegemônico filosófico e científico ocidental, que compartimenta o
conhecimento, desvaloriza o senso comum e os estudos humanísticos. Embora já se tenha
comprovada a falência gradual deste sistema, ele viceja na educação.
Contudo, vejo que mudanças pontuais estão acontecendo a nossa volta, basta
observarmos a valorização do homem como ser integrante da natureza e não como o
possuidor dela. Desde “as histórias da mentalidades, que reconstruíam um passado por meio
da literaturas de expressão popular, oral ou escrita” (FARES, 2013, p.3), nós estamos
valorizando a oralidade, informações vindas do senso comum, do popular, do imaginário.
Estamos fazendo o caminho de volta à união do racional e do sensível em função de
um saber, em uma de suas acepções mais antigas enquanto verbo – “ter o sabor de”. Estamos
em busca do sabor de um conhecimento integrado, que acorde os sentidos anestesiados pelo
mundo que comprime o presente em função de um futuro.
146

E junto mais um ponto nesta busca: o presente estudo que demonstra ser possível
entrelaçar a educação à literatura com bases na oralidade e no imaginário amazônico,
imbricados no fazer poético de um educador. Escrever uma História de Vida é ter acesso ao
modo como uma pessoa se forma, é ter em conta a singularidade de sua história e, sobretudo,
o modo ímpar como age, reage e interage com os seus contextos. E, para tanto, deve-se levar
em conta como ela mobiliza seus conhecimentos, seus valores e as suas ações, para ir dando
forma à sua identidade.
Se tomar uma história de vida como parâmetro para tirar conclusões generalizáveis
sobre a formação de educadores é um absurdo, no mínimo, serve para tomarmos como
exemplo que o pessoal traz o vivido para o profissional e isso pode contribuir para o
enriquecimento do seu trabalho.
Nas Histórias de Vida de Juraci, vi emergir os sentidos de cada fase abordada por ele,
de suas relações consigo e com os outros nos vários momentos e espaços por ele vividos. Vale
lembrar novamente que “a narrativa narra histórias” – pleonasmo proposital – contadas por
um autobiógrafo que organiza, realinha e reflete sobre os fatos vividos a cada vez que os
conta. E este fazer não é novo para o poeta, já que vive a escrever literatura autobiográfica
como Acontecências. Isso implica em um [re]tratar constante da imagem que o autobiógrafo
faz de si como personagem.
Como toda criança ribeirinha no Marajó cercado pela natureza, costumes e concepções
de vida singulares, Juraci foi criado sob o signo do imaginário amazônico, sob a racionalidade
do sensível, o que tanto lhe provocou a imaginação. Sua localidade era isolada
geograficamente, e isso propiciava a circulação de mitos que povoavam o imaginário do
menino. Foi à escola e teve o privilégio de ter a mãe e os avós alfabetizados, o que estimulou
ainda mais o contato com a leitura.
Toda a memória guardada desta fase vivida em Cajari servirá como referência, uma
representação do ribeirinho que o poeta traz consigo em suas viagens por outros rios na vida.
As ligações de sua literatura com esse período estão relacionadas ao conteúdo, à forma e à
maneira de narrar e poetar. O imaginário amazônico ora serve de fundo nas escrituras
poéticas, ora como tema e metáfora de mundo. Juraci mantém a tradição da escritura de
versos em cordel, prima pela métrica e pela rima e mantém-se em constante exercício como
contador de histórias.
Mas a sua formação como poeta interage com experiências vividas em um contexto
sócio-político-econômico conturbado, pós-regime militar, em que ele experimenta o
sentimento de pertença em outros meios sociais, que o levam a assumir identificações que o
147

reconhecem como poeta de um lócus definido, a Amazônia, como é o caso da mitopoética do


Boto ou Juraboto.
Ele não está mais preso no sótão, como na epígrafe que cunhei inspirada pelo poeta,
mostra-se ao mundo por várias facetas poéticas, seu fazer literário não apresenta fronteiras, o
que pode ser comprovado pela múltipla tipologia aqui apresentada. Suas representações como
poeta divergem dependendo do meio em que interage. O conjunto de versos publicados no
Jornal PQP – um jornal para quem pode ou nos Versos Sacânicos pode dar conta de
exemplificar uma de suas representações como poeta.
A partir dos estudos de Zumthor sobre a voz poética, observei a presença da voz nos
textos escritos produzidos por Juraci. E, em seu trabalho como educador, alguns retomam sua
origem pela voz do poeta e daquilo que a acompanha, o gesto, ou mesmo a totalidade dos
movimentos corporais em seu fazer literário que Zumthor chama de performance.
E justamente por essa performance que Juraci encontrou a forma de socializar seu
saber cultural, o imaginário mítico amazônico contido em sua literatura. O ato performático
do contador de histórias produz uma corporeidade expandida pela voz, a qual é percebida
pelos sentidos do ouvinte. Isso prende a atenção da audiência, e em diversos momentos pude
perceber o comportamento colaborativo dos ouvintes, com silêncio, com aplausos, como voz
– há, portanto, uma interação, uma troca de energia.
Acredito que esse retorno do sensível no educar pela arte poética é o que poderia dar
início à quebra da hegemonia da racionalidade na educação, equilibrar o sabor de
compreender do mundo, pois suspeito que todos temos um poeta cá dentro apto a mudar o
cotidiano escolar.
148

REFERÊNCIAS

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Universidade do Estado do Pará


Centro de Ciências Sociais e Educação - CCSE
Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado
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