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A MEDIAÇÃO SOCIAL DE APRENDIZAGEM EM ESCOLAS MULTIÉTNICAS

Guida De Abreu

Oxford Brookes University, United Kingdom

Ed Elbers

Utrecht University, The Netherlands

A diversidade étnica dentro de escolas é o maior desafio para a educação, na maioria dos
países europeus. A diversidade de origens culturais de estudantes e seus pais leva a novas
ideias, possibilita novas formas de participação e a criação de novos conceitos, valores e
práticas. Os processos de mediação têm um lugar vital nos desenvolvimentos necessários. As
contribuições para o estudo da relação entre a aprendizagem e a mediação social são divididas
em três níveis: (1) o papel mediador das ferramentas culturais, em particular a linguagem e o
currículo, (2) o papel dos colegas e professores na apropriação de ferramentas culturais pelos
estudantes de minorias e (3) o papel mediador das representações sociais na formação de
identidades na escola.

Os níveis de migração, sem precedentes em todos os países na Europa, têm mudado


substancialmente a composição étnica da população escolar. Essa diversidade étnica dentro
das escolas coloca grandes desafios no sistema de educação, em muitos países europeus.
Escolas multiétnicas têm que responder as diferenças sociais, culturais e linguísticas dos seus
estudantes. Pais, professores e educadores que, normalmente, eram educados de uma forma
relativamente monolinguística e culturalmente homogénea têm que se envolver com o
desenvolvimento dos jovens, em uma sociedade que é multilinguística e culturalmente
heterogénea. A experiência de se ser participante de classes multiculturais ensina novas
transições e demanda a criação de novos conceitos, valores e práticas. As atuais condições
históricas, com crescentes oportunidades em viagens, mídias e tecnologias de comunicação,
trazem novas possibilidades, enriquecimento e mais abrangência nas concepções e práticas
educacionais. Sociedades multiculturais permitem novas trajetórias de desenvolvimento,
apropriações e identificações, que exigem novas formas de compreender o desenvolvimento
humano (ver, por exemplo, Suarez-Orozco, 2001; Hermans & Kempen, 1988). A pesquisa
relativa à aprendizagem e o desenvolvimento de estudantes em escolas multiétnicas é, no
entanto, uma área que tem recebido menos atenção do que merece.

Os autores, nesta coleção de artigos, abordam a questão do ensino em escolas


multiétnicas pela perspetiva da mediação. Contamos com noção de Vygotsky de que a
aprendizagem, como um processo mental maior, é mediada socioculturalmente (Vygotsky,
1978). A noção de mediação implica que os seres humanos têm acesso aos seus mundos de
formas indiretas, por meio de ferramentas fornecidas pela sua cultura. Estas ferramentas
culturais, como uma linguagem particular, um sistema matemático ou um objeto físico, como
um livro-texto "fornecer o link ou a ponte entre as ações concretas realizadas por indivíduos e
grupos, por um lado, e o cultural, institucional e as configurações históricas, por outro”.
(Wertsch, Del Rio, & Alvarez, 1995, p. 21). Até bem recentemente, o ensino e a aprendizagem
nas escolas, na maioria dos países europeus, poderiam surgir de um conjunto relativamente
uniforme de ferramentas culturais, como uma linguagem comum e tradições culturais e
antecedentes compartilhados por todos os participantes. Esta situação mudou drasticamente.
As escolas têm-se transformado em lugares com múltiplas línguas, valores e hábitos culturais.
Para fazer sua comunicação bem-sucedida, professores, crianças e seus pais têm de criar novas
formas de mediação, em que todos os participantes possam compartilhar. A existência de
culturas heterogéneas nas escolas exige a construção de novas ferramentas psicológicas,
práticas e valorizações que orientam a construção de um "novo presente" (termo de Vygotsky,
Van der cf. Veer & Valsiner, 1991, p. 310).

Até recentemente, a pesquisa explorou dois aspetos particulares de mediação (Abreu,


1999; Abreu, 2000). Um aspeto focado no papel mediador da ferramenta cultural: como as
propriedades de ferramentas específicas tem impacto sobre a cognição, por exemplo, a forma
como a organização lógica de um sistema de contagem influencia a nossa forma de contar
(Saxe, 1991) ou como as propriedades embutidas em uma ferramenta material, tal como uma
régua ou um calendário, contribuem para as nossas habilidades na resolução de problemas
(Nunes, Luz, & Mason, 1993). O segundo aspeto incidiu sobre o papel das interações sociais na
forma como as crianças, noviços e os recém-chegados tem acesso a ferramentas culturais - por
exemplo, as estratégias utilizadas por mães para ajudar os filhos a adquirir determinadas
habilidades cognitivas ou sociais (Elbers, Maier, Hoekstra, & Hoogsteder, 1992).

Nesta edição especial, nós adicionamos um terceiro aspeto para a análise da


mediação, que se centra no impacto das estruturas sociais e institucionais no entendimento
psicológico das ferramentas culturais. Argumenta-se que, a fim de compreender a mediação
social é necessário ter em conta as formas nas quais as práticas de uma comunidade, como a
escola e a família, são estruturadas por seu contexto institucional. Ferramentas culturais e as
práticas a que estão associados têm a sua existência em comunidades que, por sua vez,
ocupam posições em uma estrutura social mais ampla. Estas estruturas sociais mais amplas
impactam as interações entre os participantes e as ferramentas culturais. Um impacto óbvio
pode ser visto em termos de disponibilidade de ferramentas culturais em uma prática, por
exemplo, mapas, livros, computadores, línguas, etc. (Schoultz, Säljö, & Wyndhamn, 2001;
Wyndhamn & Säljö, 1999). Eles também podem restringir as interações entre os participantes
de uma prática (por exemplo, a organização dos lugares na sala de aula pode favorecer
algumas formas de interação entre as pessoas; e não é raro que esta organização esteja
incorporada em estruturas físicas de edifícios, tais como o tamanho das salas de aula e tipo de
mobiliário disponível). Um impacto menos visível, mas não menos importante, são as
mensagens implícitas de quais ferramentas culturais e formas práticas são legitimadas mais
amplamente pelas estruturas sociais e institucionais (Abreu & Cline, 2003).

Cole (1996), com base em Wartofsky (1979), propõe uma categorização das
ferramentas culturais (artefactos), que incorpora os três aspectos mencionados acima. Ele
sugeriu que ferramentas culturais podem ser examinadas: (1) como artefactos primários, tais
como palavras, instrumentos de escrita, computadores e calculadoras, que são diretamente
utilizados nas ações que fazem a produção de bens materiais e vida social; (2) como artefactos
secundários, que consistem em representações dos artefactos primários e os modos de ação
para usar os artefactos primários, como normas, prescrições e receitas; (3) como artefactos
terciários, os quais são representações relativamente autónomas do mundo que é colorido da
forma como se vê o "mundo real". A análise neste terceiro nível tem sido limitada. Nunes
(2003) argumentou que um dos obstáculos na investigação dessas representações é o seu
caráter “implícito”, “dado como certo" ou "senso comum".

Essas representações são, muitas vezes, tão óbvias para os membros de uma cultura
particular, ou grupo social, que estes não prestam muita atenção aos processos socioculturais
envolvidos em sua reconstrução por novos membros. Na mesma linha, há compreensão muito
limitada da forma como estas representações atuam como mediadoras nos processos de
aprendizagem.

A classificação dos artefactos culturais de Cole é particularmente útil, pois mostra a


dependência mútua fundamental dos três níveis de mediação. As escolas e os currículos
formam um domínio institucional, um "mundo em sua própria maneira”, projetado
especialmente para preparar as crianças para a vida adulta em uma sociedade complexa e
moderna. Sem o quadro global que constitui a legítima educação formal, não haveria testes,
instrução ou lições de casa. Interações em salas de aula são a carne e o sangue da educação,
mas elas emprestam o seu significado para a função social dada à educação institucional.
As contribuições específicas na abordagem deste problema complementam e inter-
relacionam aspetos de mediação social em relação à escolarização de crianças em salas de aula
multiculturais. Ele não se destina a cobrir todas as dimensões e a possibilitar formas de
explorar a mediação social. Ao invés, eles refletem aspetos que foram considerados
importantes pelos colegas, usando abordagens socioculturais para tratar de questões de
ensino e aprendizagem nos países europeus. Isto incluiu colegas pesquisando em países com
alguma tradição de lidar com as escolas multiétnicas (por exemplo, Inglaterra e Holanda) e
países que estão experimentando-o como um recente fenómeno social (por exemplo,
Portugal, Grécia, Espanha, Noruega). Estes dois tipos distintos de contexto influenciaram o
pensamento atual e as prioridades para a investigação da educação escolar das minorias
encontradas nestes países. Como um todo, o conjunto de artigos incluídos nesta edição
explorou três aspetos complementares da mediação social da aprendizagem nas escolas
multiétnicas.

O papel mediador das ferramentas culturais

O primeiro aspeto analisado nos estudos apresentados é como ferramentas culturais


de mediação atuam nas formas de participação no ensino que podem ser mais ou menos
inclusivas das heranças linguísticas e culturais da escola e dos alunos. O artigo de Lutine De
Wai Pastoor explora o papel mediador dos discursos no aprendizado de Norueguês em uma
sala de aula multiétnica. Durante as últimas décadas, a população norueguesa da escola
primária tornou-se cada vez mais diversificada etnolinguisticamente. Um número considerável
de alunos de minorias linguísticas tem que aprender a língua norueguesa, através de discursos
em sala de aula. A pesquisa de Pastoor, realizada em uma turma multicultural do terceiro ano
de uma escola primária norueguesa, revela que crianças de minorias linguísticas enfrentam um
desafio considerável, sendo, simultaneamente, envolvidas em processos de "aprendizagem de
línguas" e "aprendizagem através da linguagem". Suas descobertas mostram que a
participação, bem-sucedida, no discurso de sala de aula, não só exige linguística e competência
cognitiva, mas também exige conhecimento cultural, que muitas vezes é "tomado por
concedido”. Ela mostra que, a discrepância entre pressupostos implícitos dos professores
sobre o que é "conhecimento comum" e os conhecimentos de alunos de minorias com
deficiência de conhecimentos básicos pode impedir a aprendizagem em conjunto.

Margarida Cesar e Isolina Oliveira examinaram o currículo como um meio de


reorganização da prática escolar, de modo que ele é projetado para promover a inclusão, onde
há evidências de alienação de alunos com menor conhecimento. Eles descrevem um projeto
de pesquisa-ação em que um currículo alternativo foi desenvolvido em uma classe (5ª e 6ª) em
uma escola em Lisboa. O currículo foi desenvolvido por professores em estreita colaboração
com alunos e seus pais. As análises dos autores documentam um processo de mudança e seu
impacto sobre a participação dos alunos nas suas práticas escolares. Uma grande parte dos
relatórios de Cesar e Oliveira contribuíram para a realização de estudos de acompanhamento,
realizados após a maioria dos estudantes terem deixado a escola. Isto consistiu em entrevistas
que mostraram o quanto o currículo inclusivo e as interações entre professores e alunos
envolvidos tinham restabelecido relações de confiança entre professores e estudantes e
possibilitado que esses jovens, considerados "de risco" durante o seu tempo da escola,
tivessem uma visão positiva sobre a escola e a aprendizagem académica. Como uma
ferramenta cultural, o currículo é uma aproximação entre as culturas de origem dos
estudantes e o contexto microssocial da sala de aula, em que professores e alunos se
envolvem na aprendizagem escolar. Isto conectou valores e conhecimentos das comunidades
de origem dos estudantes com as exigências de escolaridade, em uma instituição na sociedade
Portuguesa.

O que essas duas contribuições têm em comum é a evidência do impacto poderoso de


instituições sobre a criação de ferramentas culturais que podem mediar formas de
participação nas práticas. Tanto o currículo como determinados tipos de discurso em sala de
aula são exemplos de ferramentas institucionais que fornecem meios para práticas a ser
orquestradas de maneiras específicas. Assim, formas particulares de discurso em sala de aula
podem facilitar o acesso dos alunos a ferramentas culturais de novas comunidades. Como
Pastoor demonstra, esse acesso pode ser construído em conjunto através de interações que
reconhecem as dimensões culturais da língua. Um currículo inclusivo incorpora atividades
desenvolvidas especialmente para facilitar o acesso dos alunos e partilha de ferramentas
culturais de suas próprias comunidades. Este, por sua vez, parece promover uma reflexão de
volta para o contexto social mais amplo no sentido de que a escola está legitimando
ferramentas culturais e associando identidades da comunidade de alunos que serve.

O papel mediador do outro

O segundo aspeto refere-se à forma como os alunos de culturas minoritárias


desenvolvem o acesso às ferramentas culturais da cultura da maioria no contexto da interação
em sala de aula. Nos estudos relatados nesta seção, a mediação é explorada em relação ao
papel mediador dos colegas de sala de aula e dos professores em circunstâncias em que o
aluno não tem o domínio da língua principal e da cultura da escola.

Ed Elbers e Mariette de Haan examinaram a construção do significado das palavras por


estudantes durante as atividades de colaboração em uma sala de aula de matemática
multicultural em uma escola primária holandesa. O estudo foi conduzido em uma escola, onde
o trabalho colaborativo entre os alunos era um recurso pedagógico central e os alunos
estavam acostumados a trabalhar em grupos colaborativos. Outra característica específica das
práticas escolares foi a sua abordagem "realista" do ensino da matemática. Isto criou um
contexto particular para a conversa dos alunos sobre palavras holandesas, comumente,
desconhecidas para estudantes de minorias, que refletiram muito frequentemente uma falta
de familiaridade com a cultura holandesa. Assim, de acordo com a observação de Pastoor na
classe norueguesa, o estudo de Elbers e Haan também ilustra como o uso de linguagem
institucionalizada na escola "presume" acesso dos alunos à dimensão cultural mais ampla da
linguagem escolar. Seria de se esperar que a clarificação desses significados culturais fosse
crucial para a superar os problemas de linguagem dos alunos, mas a análise de como eles
tentaram resolver estes problemas revelou algo diferente. Nos grupos com crianças
holandesas e com crianças de minorias étnicas, as crianças holandesas ajudaram as demais a
superar problemas de linguagem. No entanto, as crianças holandesas não elucidaram o
significado das palavras desconhecidas em termos culturais amplos, mas deram informações
mínimas, o que foi suficiente para os estudantes resolverem a tarefa. A clarificação do
significado tornou-se parte do discurso matemático, mesmo em grupos com crianças
holandesas que, potencialmente, tiveram acesso ao discurso cultural mais amplo. Os alunos
parecem ter dado prioridade à sua identidade como alunos de matemática. Ao fazê-lo,
evocaram o discurso matemático para mediar as suas interações, permitindo assim que os
alunos de “minorias” tivessem acesso a identidades como estudantes de matemática em uma
escola holandesa.

No segundo artigo nesta secção, Anna Chronaki mostra ainda a estreita interrelação
entre apropriação de ferramentas matemáticas e desenvolvimento de identidades escolares,
dentro da cultura dominante. Ela examina os processos envolvidos em duas crianças ciganas
que tiveram acesso à matemática por meio da interação com um professor grego. Estas
crianças tiveram que fazer uma transição a partir de casa para a aritmética escolar. Este
processo envolve aprender a valorizar o uso de ferramentas da escola e aprender a participar
de atividades práticas escolares. O estudo de Chronaki ilustra como dominar "novas"
ferramentas culturais e entrando em "novos" discursos, tais como ferramentas matemáticas e
discursos da escola grega, para as crianças das minorias houve dois processos que estão
intimamente relacionados. O professor incentivou as crianças a usarem ferramentas mentais e
simbólicas, em vez de, por exemplo, as baseadas na contagem de seus dedos. Ao mesmo
tempo os induziu a valorizar identidades da matemática grega na sala de aula. A análise dos
dois estudos de caso contrastantes revela que o aluno que aprendeu mais sobre as formas
relevantes de se comportar na aula de matemática foi também o estudante que se envolveu
mais com as tarefas matemáticas específicas. Este achado sugere que o envolvimento dos
alunos com o discurso matemático da escola foi mediado pela construção de uma identidade
de aprendizagem. O professor grego teve um papel crucial no desenvolvimento dessas novas
identidades dos estudantes de minoria. No entanto, o facto dos dois estudantes seguirem
trajetórias distintas implica que as formas de participação em sala de aula matemática
também são influenciadas por outros mediadores.

Embora os dois papéis nesta secção se concentrem em um aspeto da mediação social


que tem sido amplamente pesquisado, que é a negociação de conhecimento cultural em
interações face-a-face, eles fornecem novos insights (análises reflexivas) sobre a aprendizagem
de crianças de minorias. O artigo de Ed e Elbers Mariette de Haan ilustra como as composições
dos grupos podem ter impacto sobre a negociação de significado das palavras, em salas de
aula de matemática. Em alguns grupos, estudantes de minorias formam duplas com
estudantes holandeses para facilitar o entendimento de palavras não familiares. Havia
também grupos com apenas crianças de minorias, que tiveram de resolver os seus problemas
de linguagem, sem ajuda de seus colegas holandeses. No entanto, essa diferença não fez com
que as minorias auxiliadas pelas crianças holandesas tivessem acesso aos significados culturais
mais amplos. Este é um achado interessante, considerando que o currículo da Educação
Matemática Realista é sustentado pela filosofia na qual se acredita que a aprendizagem dos
alunos é beneficiada com base em seu conhecimento quotidiano. Os estudantes holandeses
não usaram isso como um princípio orientador para a explicação do significado das palavras
aos seus colegas minoritários. Em vez disso, eles parecem ter-se focado em sua identidade
como aprendizes matemáticos e, consequentemente, escolheram o discurso matemático para
se comunicar com seus pares. Chronaki também insiste na importância de ganhar acesso a
identidades como estudantes de matemática. No entanto, sua análise coloca mais importância
sobre os conflitos culturais e isso envolve os problemas de acesso à cultura de outros. Na
verdade, ela argumenta que, em seu estudo, a motivação das crianças para se engajarem em
práticas matemáticas foi sustentada pelo seu interesse na cultura grega e desejo do professor
em querer explorar a cultura das crianças. Chronaki mostra ainda que, apesar de este nível de
envolvimento, uma das meninas que ela estudou encontrou dificuldades para assumir a
identidade exigida como uma aluna de matemática, na escola. Ela sugere que essas
dificuldades podem refletir os limites que existem dentro do sistema cultural da escola na
formação de contextos relevantes para a interação e a aprendizagem, tanto quanto as crianças
de minorias étnicas estão interessadas.

O PAPEL MEDIADOR DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Os artigos na próxima secção oferecem uma contribuição para a exploração da


mediação na interface de sistemas. Eles fazem isso, examinando maneiras em que
representações da cultura de casa medeiam a cultura de aprendizagem escolar. Nós usamos a
expressão "representações sociais" para incorporar os significados, valores, normas e crenças
que representam a forma como uma pessoa ou grupo atribui sentido às práticas e
ferramentas culturais.

Em vez de se concentrarem nas interações face-a-face, Sarah O'Toole e Guida de


Abreu examinaram o papel mediador das representações. Em seu artigo, os autores procuram
entender as maneiras pelas quais os pais se baseiam em suas próprias experiências passadas
como um instrumento de mediação para a compreensão e a aprendizagem, influenciando a
aprendizagem atual de seu filho. Este artigo é baseado em entrevistas com pais de crianças em
três escolas primárias multiétnicas situadas em uma pequena cidade industrial no sudeste da
Inglaterra. Muitos desses pais tiveram sua educação em diferentes países ou em circunstâncias
que diferem consideravelmente da escola de suas crianças. Centrando-se em experiências
passadas dos pais, combinadas com as suas expectativas para o futuro da criança, os autores
examinaram como essas representações mediaram as reações dos pais em relação à vida
escolar do seu filho e à escola. Algumas destas reações são baseadas no desejo de reproduzir
suas próprias experiências na educação de seus filhos (que os autores chamam internalização),
outras reações estão baseadas na vontade dos pais em criar experiências para as suas crianças
que diferem de sua própria (externalização). Quando a representação é usada como no
sentido de internalização, sua principal função é a reprodução da cultura. Por outro lado,
quando a representação é usada como um meio de externalização, baseia-se na visão de um
mundo imaginado o qual está se tentando tornar real. Os autores propõem que dois conceitos
podem ser úteis para este nível de análise. O primeiro é o conceito de heterocronicidade, que
olha parcialmente para histórias sobrepostas do indivíduo e a sociedade (Beach, 1995, 1999).
O segundo é o conceito de prolepsis em que o futuro imaginado medeia e se resume ao
mundo do presente (Cole, 1995). O'Toole e Abreu sugerem que a visualização representada
por estas lentes parece, particularmente, relevante para explorar situações onde pais de
minorias culturais não podem se sobrepor ou se sobrepõem apenas parcialmente com a
cultura principal.

Niiria Gorgorio e Niiria Planas também analisam o papel mediador das representações
sociais. Com base em investigações empíricas realizadas em três salas de aula do ensino médio
em Barcelona, Espanha, com alunos de 15-16 anos, eles argumentam que a discriminação em
comunicação de estudantes de minorias nas salas de aula multiétnicas é mediada por
representações e identidades que os estudantes trazem com eles para a escola. Essas
representações influenciam a maneira que os alunos entendem (ou deixam de entender) das
práticas matemáticas e as normas para trabalhar na sala de aula. Os autores examinam como
as normas de participação regulam as interações em uma sala de aula de matemática e como
influenciam o processo de transição de estudantes imigrantes ao ponto de não-participação
dos mesmos. Estas normas, destinadas a promover a participação dos estudantes, por vezes,
levam a conflitos entre identidades dos alunos de minorias em diferentes contextos sociais.
Quando esses conflitos não são resolvidos de forma positiva, eles podem inibir a participação
dos alunos, levando à exclusão. A contribuição original dos autores reside em analisar, de
forma mais ampla, como o fundo sociocultural dos participantes, também, medeia a interação
e aprendizagem na sala de aula. Eles ilustram camadas complementares de mediação social,
mostrando que não somente a construção do conhecimento matemático pelos estudantes é
mediada pelos processos sociais na classe, mas também que a perceção dos estudantes sobre
o contexto é imediatamente afetada pelas identidades que eles desejam desenvolver.

Os dois artigos desta secção ilustram como representações sociais que estão
simultaneamente ligadas a histórias passadas, experiências no presente e no futuro imaginado
atuam na mediação do processo de aprendizagem de crianças minoritárias. Ambos os artigos
abordam questões relacionadas com o impacto da história e as práticas das aprendizagens fora
da escola sobre a sua aprendizagem escolar. Em particular, eles ilustram que a forma como as
pessoas descrevem essas representações para mediar a participação em práticas escolares não
é uma via única ou um processo puramente reprodutivo. Por exemplo, falhas na comunicação,
tal como ilustrado por Gorgorió e Planas, não são um produto automático das representações
das crianças de minorias étnicas trazidos de sua cultura de origem, mas elas também são uma
resposta às interações sociais assimétricas, que eles experimentaram como desvalorizando
suas formas de saber e de ser. Além disso, o estudo de O'Toole e Abreu ilustram que o
caminho das representações do passado articula-se para responder a novas situações que
envolvem um futuro imaginado. As representações sociais, originadas no contexto de um lar,
remetem a um repertório de recursos, no qual os participantes podem pedir emprestado para
a criação de suas reações sobre a cultura dominante e moldar suas relações com as suas
instituições e representantes. Há uma estreita conexão entre o uso de ferramentas e
processos de identidade e desenvolvimento da identidade cultural.

ALGUMAS CONCLUSÕES

No geral, vemos a grande contribuição desta questão para a análise da mediação social
nas escolas multiétnicas em termos de: (1) a inovação e a criação de novos instrumentos
culturais; (2) a estreita associação entre os processos de apropriação e desenvolvimento de
ferramentas culturais e processos de identificação.

Vários exemplos da necessidade de inovação e desenvolvimento de novas ferramentas


culturais foram apresentados nesta edição. A diversidade de línguas e culturas em uma sala de
alma multiétnica requer que a função dialógica do discurso seja reforçada, como Pastoor
argumenta. A participação em diálogos permitirá que estudantes de minorias tenham voz no
processo de construção de conhecimento. Um exemplo é a pesquisa nos Países Baixos (ver
Elbers & Haan, nesta edição): a diversidade linguística na sala de aula exigiu que estudantes
holandeses nativos ajudassem seus colegas que não têm a língua holandesa como sua primeira
língua, na resolução de problemas de palavras. Isto é um desafio completamente novo, e para
os estudantes holandeses constitui o estímulo a criar formas de interação que eram, até então,
desconhecidas para eles. Outro exemplo é o estudo de Gorgorio e Planas. Nós podemos ver,
em seu estudo, que os professores participaram voluntariamente e foram sensíveis em relação
às questões de inclusão e equidade. Isto, no entanto, não foi suficiente para ajudá-los a
orquestrar práticas que impedem a participação de estudantes de minorias, devido a falhas na
comunicação. O desafio seria desenvolver formas de interação que se baseiam em assistência
mútua, sem colocar as crianças de minorias em uma posição subordinada (Elbers & Haan,
2004). Professores, é claro, devem intervir e ajudar as crianças a desenvolverem estas novas
formas de interação. Os pesquisadores, também, podem ser agentes-chave deste processo de
trabalho em colaboração com os educadores na conceção de novos ambientes de ensino e
examinar o impacto deste sobre a aprendizagem e desenvolvimento dos alunos.

A segunda maior contribuição desta edição especial é o exame da estreita relação


entre os processos de apropriação e desenvolvimento de ferramentas culturais e os processos
de identificação. Até certo ponto, todos os artigos exploraram facetas destas relações. Eles
mostram estudantes de minorias e a estratégia dos pais para lidar com o problema do acesso
aos significados culturais envolvidos nas práticas escolares. Estes processos de transição levam
a tensões e confiitos, por causa dos diversos contextos culturais dos participantes e suas
identidades relacionadas. A ligação entre a aprendizagem e o desenvolvimento da identidade é
especialmente explorada nos artigos de Chronaki, Cesar e Oliveira, O'Toole e Abreu, e Gorgorio
e Planas. Estes autores abordam explicitamente como a participação em práticas de
escolarização da cultura de acolhimento é um processo de desenvolvimento que faz com que
os alunos se envolvam com a construção de novas ferramentas culturais e construção de
identidades. Além disso, estes documentos mostram que formas de engajamento são
socialmente mediadas pelas ferramentas culturais (como o currículo) e por outras pessoas
significativas, como pais e professores. O foco longitudinal e intervencionista seguido por
Chronaki e por Cesar Oliveira e, claramente, ilustrado sustenta que o envolvimento com as
práticas escolares, ao longo do tempo, é uma questão complexa.

Para concluir, os processos de globalização e migração levam a circunstâncias sociais


completamente novas e desafios nas salas de aula multiétnicas. Ferramentas sociais e culturais
existentes são insuficientes e têm de ser adaptadas. O surgimento de uma sociedade
multicultural pede criatividade e o desenvolvimento de novos conceitos, valores e práticas.
Naturalmente, esta construção será sobre as que já existem, no entanto, têm de ser adaptadas
para permitirem que as pessoas lidem com as novas circunstâncias. Processos de mediação
social desempenham um papel fundamental no desenvolvimento necessário, mas como
ilustrado nos seis artigos, o conhecimento científico atual de como esses processos operam,
ainda, é limitado. Algumas indicações, tanto teóricas como metodológicas, são oferecidas nos
seis estudos examinados. Sem dúvida, há urgência para futuras pesquisas e maior colaboração
nesta área.

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