Você está na página 1de 13

CONFLUÊNCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIAE DIREITO - PPGSD-UFF - página 48

O CORREDOR CULTURAL CO M O ESP A Ç O


P R O P U LSO R D A R E V IT A L IZ A Ç Ã O DO C E N T R O
D A C ID A D E DO R IO D E JA N E IR O NO P E R ÍO D O D A
R E D E M O C R A T IZ A Ç Ã O

Ricardo José Brügger Cardoso


Arquiteto, Doutor em História e Historiografia do Teatro Brasileiro pela Universidade do Rio de Janeiro

Evento Musical do projeto Seis e meia, realizado pela prefeitura na Praça XV, centro do Rio de Janeiro, em 1981.
Fonte: Arquivo do Escritório Técnico do Corredor Cultural.
Resumo: Adécadade 1980 tem sido considerada, de certo ABSTRACT: The 1980’s has been considered, incertain
modo, uma década perdida e de pouco desenvolvimento way, one decade lost and of little development in such a
tanto para os especialistas do campo da economia quanto way for the specialists of the economy field as well as for
para certos estudiosos das áreas de ciências exatas. Este certain studious of the areas of accurate sciences. This
artigo procura demonstrar que esse momento também article looks for demonstrating that this moment also
foi muito fértil para o amadurecimento político do was very fertile for the national potical maturenessy and,
país e, sobretudo para o desenvolvimento cultural de especially for the cultural development of many Brazilian
muitas cidades brasileiras, e em especial para o Rio de cities, in special for Rio de Janeiro. After passing for a
Janeiro. Depois de passar por um período consecutivo consecutive period of expressive mutations in the urban
de expressivas mutações na paisagem urbana, ao final landscape, at the end of the 1970‘s, it was realized that the
dos anos de 1970, percebeu-se que o centro do Rio de Rio de Janeiro‘s downtown had become an uniform and
Janeiro havia se tomando um ambiente uniforme e mono- mono-functionary surrounding, losing then many of its
funcional, perdendo assim muitas de suas peculiaridades. peculiarities. About these changes, the Corredor Cultural,
Sobre essas mudanças, o Corredor Cultural, um projeto a project officialized by the municipal goverment was
oficializado pelo poder municipal, foi implementado para implemented to invert this process of uncaracterization
inverter esse processo de descaracterização de uma região of an emblematic region of the city, conditioning a trend
emblemática da cidade, condicionando uma tendência de of urban renewal to a preservation policy of this area, in
renovação urbana a uma política de preservação desta an attempt to assure the precarious space balance that still
área, numa tentativa de assegurar o precário equilíbrio was configured inRio‘s downtown. The project Corredor
espacial que ainda se configurava no centro do Rio. O Cultural did not mean only one new mark or a movement
projeto do Corredor Cultural não significou apenas um in the urban history of Rio de Janeiro, but also a new men­
novo marco ou movimento na história urbana do Rio de tality, a new way to interpret the proper city. This project
Janeiro, mas também uma nova mentalidade, uma nova involved diversified cultural interests, in the attempt to
maneira de interpretar a própria cidade. Esse projeto integrate the urban cultural public actions and policies,
envolveu interesses culturais diversificados, na tentativa assembling professionals of different graduations, that
de integrar as ações e políticas públicas urbanas e culturais, resulted in a new aspect for the historical center, valuating
reunindo profissionais com diferentes formações, que the artistic architectural patrimony of the city, and in the
resultou na ambientação do centro histórico, na valorização transformation of this region in scene for innumerable
do patrimônio artístico e arquitetônico da cidade, e na scenic and dramas spectacles.
transformação desta região em cenário para inúmeros
espetáculos cênicos e teatrais.
CONFLUÊNCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIAE DIREITO - PPGSD-UFF - página 49
e cultural deixa de ser apenas uma o arq u ite to A rm ando L eitão
atitude de restauro e conservação, M endes, ao tam bém arquiteto
para ser uma atitude de revitalização Augusto Ivan de Freitas Pinheiro,
e/ou requalificação do ambiente para desenvolver o projeto7, na
urbano. Foi justamente nesta fase então recém criada Secretaria de
de preservação e revitalização das e Coordenação Geral, a SM P8.
(...) existe no coração da cidades, que nasceu o projeto do Tratava-se de um planejam ento
cidade real, embora debilitada Corredor Cultural3, beneficiando para todo o centro da cidade, com
e decadente, uma outra cidade: não mais o edifício isolado, e sim vistas à preservação de antigos
uma cidade cultural. A Cidade alguns sítios da área central que prédios do centro, quando o projeto
que tem uma afinidade essencial abrigavam conjuntos de antigas ainda não tinha sido batizado como
com a Cultura - ambas têm edificações. Na Europa, tal projeto Corredor Cultural.
uma essência cumulativa. ”. vinha sendo realizado, em especial A e q u ip e d e te c to u
ítalo Campofiorito1 após a assinatura da C arta de p rim eiram en te que a p ró p ria
Veneza4 (1964), que, ao contrário legislação do município para a área
da C arta de A te n a s5 (19 3 2 ), central foi um elemento que gerou
estabelecia a necessidade de se a estagnação, pois os próprios
preservar áreas de abrangência ao Projetos de Alinhamento Viário,
No Brasil dos anos 1980, redor de monumentos tombados, os PAs9 que regulavam os usos e as
e n
o conceito de cidade adquiriu um preservaçãov o lv e n d o u m a n o ç ã o de condições de edificação dos lotes
novo sentido o que possibilitou lato-sensu. na área, naquele período, exigiam
certa recuperação da identidade durante a administração do prefeito odealargamento
Ao longo do ano de 1979,
tal forma que
das mas existentes
não sobraria área
cultural da nação e a auto-estima Israel Klabin, o projeto carioca edificável suficiente nos lotes.
do cidadão. Naquele momento, a com eçou a ser desenvolvido e Em seguida, percebeu-se
preservação do ambiente natural im plem entado. Por se tratar de projetos viários previstosquepelo os
e edificado já representava um político hábil, inteligente e poder público, como o projeto da
papel fundamental em vários países um sensível às questões culturais, Avenida Norte-Sul10, demandaram
do m undo, m as no B rasil ela Klabin criou duas desapropriações em grande escala,
ainda começava a se firmar. No entidades paraestrategicamente
Rio de Janeiro, o poder local e a da área central do Rio de Janeiro: oimque
tratar da preservação tornou difícil, ou quase
sociedade em geral buscavam um um a Equipe T écnica, form ada m ercado imosobiliário possível investim entos do
nas áreas
símbolo para construir a idéia da basicam ente por arquitetos da ameaçadas de demolição.
“cidade como com unidade” em Prefeitura Municipal e a Câmara disso, era uma evidência o Além valor
lugar da “cidade sitiada”, um a Técnica, formada por renomados simbólico dos edifícios da região,
marca deixada pela ditadura militar artistas e intelectuais da cidade. em especial a do SAARA, que
no centro da cidade e nos seus Uma ação cultural que precede o era ocupada por comerciantes que
principais espaços públicos.
D e v i d o à s g r a v e s que Françoise Choay6 chama de játradição haviam se apegado à área por
fam iliar e não tinham
deficiências de infra-estrutura, à “engenharia cultural”.
falta de integração dos meios de interesse em renová-la. E por fim,
transportes coletivos, à carência de “(...) os monumentos e o foi identificado que havia na área
patrimônio históricos adquirem central, vários imóveis pertencentes
moradias, e à queda da qualidade dupla função - obras que a ordens religiosas, e que muitos
de vida, a questão urbana passou a propiciam saber e prazer, postas deles já tinham sido doados com
ser tratada com maior sensibilidade à disposição de todos; mas também
em um período de renascimento da produtos culturais, fabricados, cláusula de inalienabilidade. O
democracia. E essa retomada da empacotados e distribuídos para processo burocrático de venda
serem consumidos. A metamorfose ou de aluguel desses imóveis foi
democracia possibilitou igualmente de seu valor de uso em valor restritivo, fato que contribuiu para
o aparecim ento de um debate econômico ocorre graças à que a área não se renovasse e que
mais amplo sobre os problemas “engenharia cultural", vasto
ambientais, num contexto onde a empreendimento público e privado, a preservação se tomasse possível
a serviço do qual trabalham grande (ver figura 1).
preservação do patrimônio cultural número de animadores culturais, C o m o um p r i m e i r o
urbano, tanto o arqu itetôn ico profissionais da comunicação,
quanto o paisagístico, ganharia agentes de desenvolvimento, d ia g n ó stic o , p e rc e b ia -se de
outra dimensão e destaque. engenheiros, mediadores culturais. imediato que o centro da cidade
A política de valorização Sua tarefa consiste em explorar os estava sofrendo uma degradação
monumentos por todos os meios, a progressiva de suas estruturas e
do centro do Rio de Janeiro2, fim de multiplicar indefinidamente
com suas edificações ecléticas o número de visitantes funções originais. Portanto, tratava-
menos-prezadas pelos modernistas, se de um quadro bastante complexo,
in a u g u ra v a en tão um n ov o Do ponto de vista técnico, esforço um desafio que dem andaria um
momento, no qual a preservação a concepção do projeto surgiu a bastan te concentrado
do p atrim ôn io g an h aria m ais partir de um convite feito pelo daqueles profissionais. E em meio
espaço em relação ao processo de Superintendente de Planejamento, a uma luta intema dentro da própria
renovação da cidade. Com isso, a SMP, o projeto do Corredor Cultural
preservação do patrimônio artístico disputava espaço com um outro
CONFLUÊNCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIAE DIREITO - PPGSD-UFF - página 50
projeto ligado a técnicos da COPPE-UFRJ. A proposta dessa equipe estava mais voltada para a renovação
da ACN. A disputa entre essas duas propostas diversas, só foi superada com a interferência direta do prefeito
que deu total apoio ao projeto de preservação do centro histórico, como esclarece Augusto Ivan11:
Foi uma guerra dura, porque eram pessoas bem-informadas, preparadas, vinham da COPPE, da UFRJ
- com muito mais conhecimento teórico do que nós; esse grupo teve um peso realmente grande, a ponto de,
num determinado momento, chegarmos a achar que perderíamos aquela guerra (...) Nossa discussão ficou
um pouco desequilibrada, pois o grupo, digamos, rival, era muito forte dentro da Prefeitura. Se juntarmos a
pressão da Secretaria de Obras por alargamento de ruas e construção de viadutos, podemos ver que a luta
era desigual. Mas, por outro lado, o país estava em crise, o mundo estava enfrentando a crise do petróleo, o

Fig. 1: Limites do Corredor Cultural. Com uma área total de 1.294.625 m2, o projeto abarca apenas uma parte da região central da
cidade. Fonte: Como recuperar, reformar e construir seu imóvel no Corredor Cultural. Rio de Janeiro: IPP / RioArte. 2002, p. 9.

O que fica claro, em relação a esse primeiro embate, é a intenção de se preservar um conjunto de
casas, de não deixar que esses antigos imóveis fossem transformados em modemíssimos prédios para o
centro financeiro, como ocorrera antes na ACN. Era, portanto, uma preocupação para não deixar que tudo se
transformasse em grandes torres e acabasse com o olhar dos usuários em relação ao que acontecia na rua. As
lojas acabariam, virariam bancos, bancos são fechados e voltados para dentro, inviabilizando a possibilidade
do “olhar da rua”. Tratava-se de manter a estética da vida transeunte, com a habitação das calçadas, e não
a assepsia dos corredores nos shoppings. Os grandes prédios estariam em conflito com as ruas e estas, no
modelo insurgente, ficam em segundo plano, e isso era uma procuração na época, como atesta a arquiteta
Sônia Maria Mattos de Caúla12.
Nós achmamos que o centro financeiro existia, existe e precisava existir, mas a nossa preocupação era a de
não deixar tudo se transformar em prédio. Nós queríamos que essas casas tivessem uma atividade complementar
ao centro financeiro, com usos de restaurantes, livrarias, lojas de discos e toda essa parte de senúços que seria
complementar a atividade financeira. Na medida em que se renovava a ACN, o poder aquisitivo de compra
CONFLUÊNCIAS - REVISTAINTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIAE DIREITO - PPGSD-UFF - página 51
e venda desse imóvel tinha que ser muito alto e aí as lojinhas seriam expulsas, elas não tinham condições de
ocupar uma área como essa. Esse casario viria de certa forma fazer esse complemento, que nós achá\>amos
necessário para aACN. Então o corredor também se baseou nisso.
Como se pode notar, a preservação desse casario estava condicionada à renovação do centro financeiro.
Achava-se, na época, que o comércio mais próximo a ACN, não iria suportar a pressão da especulação.
Portanto, um dos objetivos da recuperação do casario era o de complementar à ACN, ou seja, de criar um

Fig. 2 - Contraste volumétrico entre SAARA, Largo de São Francisco e Área Central de Negócios. Fonte: Como recuperar, reformar
e construir seu imóvel no Corredor Cultural. Rio de Janeiro: IPP / RioArte. 2002, p. 19.

Portanto, havia a idéia de se renovar o centro, mas de manter algumas áreas preservadas. Um dos fatores
que mais contribuiu para o projeto foi o fato de que a maioria dos comerciantes locais eram locatários e não
proprietários dos imóveis, porque muitos desses imóveis são da Ordem Terceira da Penitência, e outros de
terceiros. Na verdade, esses locatários aderiram à idéia da preservação, porque vislumbraram ali uma maneira
de preservar o seu próprio comércio. Foi imprescindível ter como aliados os comerciantes para que o projeto
tivesse sucesso e fosse divulgado. De modo que várias associações de bairros ou comerciais participaram
do projeto, como a SARCA, da Rua da Carioca, o SAARA, da Rua da Alfândega e adjacências, da Praça
Monte Castelo, da Praça da República, e a da Praça XV, com seu comércio de pesca ao redor do Arco do
Teles, da Rua do Mercado, dos Mercadores, etc. Nesse momento, já havia então uma definição física do
projeto, do seu espaço físico. Mas sabia-se que isso não era suficiente, pois era preciso fazer com que todo
aquele esforço de convencimento fosse valorizado (ver figura 3).
CONFLUÊNCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD-UFF - página 52

Fig. 3 - 4a semana da Carioca, evento promovido pela SARCA em parceria com a prefeitura e o governo do Estado do Rio de
Janeiro, em 1980. Fonte: Arquivo do Escritório Técnico do Corredor Cultural.
É bem verdade que, no início, o projeto sofreu certa resistência dos comerciantes, porque na época
eles achavam que recuperar uma fachada antiga poderia prejudicar os negócios. Na opinião de muitos
comerciantes o embelezamento da área poderia afastar os seus consumidores de perfil mais popular. Com
isso, foi preciso fazer um trabalho de convencimento por parte da equipe do projeto com os representantes
do comércio local. Havia também uma resistência, porque a própria consistência do material e da tecnologia
dessas construções não era simples, requeria mão-de-obra especializada e igualmente cara. De todo modo
é preciso salientar que o processo de negociação com a comunidade passou, certamente, pelo estímulo da
isenção do IPTU13, conquistada posteriormente, visto que os comerciantes pagavam impostos muito altos,
pois estavam explorando os locais mais valorizados da cidade. A Câmara Técnica14 foi a instância que
propôs idéias e sugestões de projetos para a área central da cidade, e era composta por um grupo erudito.
Na verdade, o prefeito montou praticamente um 'pequeno ministério' com essa Câmara Técnica devido à
importância das personalidades envolvidas. Entre eles estavam: Rachel Jardim que presidiu o órgão, José
Rubem Fonseca, Nélida Pinon, Lélia Coelho Frota, Sérgio Cabral, Artur da Távola e ítalo Campofiorito que
entrou para substituir Aluisio Magalhães na entidade, e que teve um papel preponderante nas propostas, pois
trabalhava no IPHAN, conhecendo profundamente experiências patrimoniais em vários países.
Esse 'time de primeira', formado por intelectuais e artistas, impulsionou o projeto com idéias positivas,
tanto que muitas delas se perpetuaram até hoje. O que eles propuseram e realizaram, na verdade, foi uma
série de atividades complementares para dentro de cada área do Corredor Cultural, ou seja, foi naquele
momento que se iniciou o processo de revitalização do centro, propriamente dito, da transformação do
centro em palco para inúmeros eventos artísticos. As políticas públicas urbanas e culturais encontravam-se
totalmente entrelaçadas. Havia a vontade de se estruturar o espaço físico, mas tinha-se consciência de que
só isso não era suficiente. Era necessário promover a “engenharia cultural" na quais as artes cênicas foram
preponderantes. Além disso, a estratégia de se constituir um grupo de pessoas com diferentes formações, em
um trabalho conjunto com os técnicos da prefeitura, redimensionou o repertório de uso do espaço público,
garantiu grande espaço na mídia, e deu credibilidade ao projeto junto à população.
Havia, naquele momento, a consciência de que nada adiantaria proteger, recuperar e renovar os
espaços sem que houvesse nesses mesmos espaços a vitalidade, o encontro, a presença das pessoas. Para
tanto, era preciso transformar a cidade em palco de representações artísticas e teatrais. Sob esse ponto de
vista da cidade como palco, a recuperação dos espaços estava em primeiro lugar, a questão física era de fato
primordial, sobretudo para os arquitetos, porque, afinal de contas, era preciso primeiro criar uma atmosfera,
uma ambientação, ou seja, montar o cenário. Mas a contribuição dos artistas e intelectuais deu, além da
vitalidade, outra dimensão ao projeto, uma dimensão poética e teatral que dialogava com as propostas mais
CONFLUÊNCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD-UFF - página 53
técnicas dos arquitetos (figura 4).

Fig. 4 -Apresentação de grupo musical na Cinelândia pelo projeto Seis e meia, em 1981. Fonte: Arquivo do Escritório Técnico do
Corredor Cultural.
"Venha andar
Não depressa, como os corredores, mas devagar, parando para olhar, sentir, conversar. Se você
quiser ver bem, domingo de manhã pode ser um bom dia. Não se assuste com o insólito silêncio, porque ele
e um presente, uma novidade, uma fruição. Comece a ouvir os pequenos sons que emergem do silêncio, isto
é engraçado, sons como requinte, não como uma imposição. Se quiser, você pode aproveitar sua vinda para
entrar numa das igrejas da Praça XV ou, indo um pouco mais longe, para ouvir canto gregoriano no Mosteiro
de São Bento. Pode passar debaixo do Arco do Teles, olhar o chafariz do Mestre Valentim, em frente ao
Paço Imperial e, seguindo a orja marítima, chegar ao restaurante Albamar, cuja torre se avista de longe^,
um minarete saído dío mar. Você vê daí a Ilha Fiscal onde houve aquele famoso baile que não foi o último, vê
barcos, navios, construções com torrinhas e torreões que Mário de Andrade detestava e são tão engraçados.
Do outro lado, como contraposição, está o prédio do Museu Nacional, solene, sem nenhuma frivolidade.
Se for domingo, voce poae parar por aí e ir embora, mas como se trata de um roteiro bucólico, se
se dispuser a andar, pode chegar até o Campo de Santana, depois atravessar a região da Saara, esvaziada
decente, com sua graciosíssima arquitetura do século XIX à vista. Olhe para cima, observe o 2o andar dos
prédios, pois a parte de baixo esta coberta pelos anúncios de acrílico. Olhe com calma, você tem tempo,
é domingo, veja cada detalhe. No Campo de Santana você caminhará livremente, encherá os pulmões de
clorofila e vera grutas pontes artificiais, lagos, pequenos chafarizes, luminárias; e um jardim como se deixou
de fazer há muito, um jardim romântjco.
Quando sair do campo, o metrô está ali mesmo, mas se quiser ampliar seu dia, pode almoçar pertinho,
no Lisboeta, avistando o Campo. Este é um roteiro bucólico, gue se pode fazer numa área hoje considerada
apenas de trabalho, e abandonada nos fins de semana. Mas ha mil outras possibilidades dentro do Corredor
cultural. Por exemplo: depois do trabalho, ao entardecer, você pode passar na rua da Carioca, caminhando
debaixo das árvores, parar no Bar Luís, tomar uma cerveja preta, comer uma salada de batata alemã, pode
comprar autênticos queijos do Serro ou da Serra da Canastra; numa daquelas feéricas e sensuais mercearias,
pode passar na confeitaria Colombo ou na Cavê, tomar um sorvete de pistache e levar um pacote de doces
ou salgadinhos para o iantar; pode sentar no Amarelinho, vendo a tarde cair na Praça da Cinelândia, olhando
a abóboda do Teatro Municipal.
Você já viu o Aqueduto dos Arcos ao entardecer, destacando-se contra o céu vermelho, o bondinho
andando em cima como um brinquedo de corda? Já viu o centro da cidade acendendo as luzes, os quadrados de
luzes dos edifícios, os anúncios se iluminando? O centro se torna doce de repente, você fica estranhamente
comovido.
E pena que os restaurantes não abram aos sábados e domingos para jantar, e poucos o façam nesses
dias para almoço. Você não encontra em nenhum lugar do Rio, um conjunto tão harmonioso de restaurantes
simpáticos, humanos, com características cariocas, como esses do Corredor Cultural.
Cinemas há ótimos, todos os da Cinelândia e os teatros não ficam atrás. Há, perto do Cinema Odeon,
uma bonbonière deliciosa que vende balas de damasco docissimas. Você pode comprá-las antes de entrar
no cinema e degustá-las no escuro. Desmancham na boca.
Há tantas outras coisas para se achar no Corredor Cultural: postes, luminárias, azulejos arnuvô,
prerafaelitas, adornos os mais inesperados, beirais, cimalhas, pilastras, platibandas, acrotérios. Há um
CONFLUÊNCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD-UFF - página 54
prédio na Avenida Passos pintado de verde estridente, com uma enorme asa de pavão em vidro colorido na
fachada, que é puro excesso. Há restos, resquícios, pedaços de tempos diversos, uma mansarda de cenário
operístico, na Rua Gonçalves Ledo, talvez sobrada da antiga Escola de Belas Artes, da qual se espera a
qualquer momento, assomar à janela uma pobre Mimi congelada.
Não pode existir em nenhum outro lugar, uma profusão de coisas anárquicas tão harmoniosas. A gente
aprende, depois de muito olhar, a conhecer a harmonia das coisas anárquicas. Nós do Corredor Cultural,
descobrimos o centro da cidade na nossa época de madureza. E, ao contrário do aue Drummond aconselha,
'há aue amar e calar1, não conseguimos mais deixar de falar nele. Há que percorrê-lo em ritmo de madureza,
de doce paciência revestir nosso olhar."
Rachel Jardim15
Membro do Grupo Executivo do Corredor Cultural
Rio de Janeiro, 1983.
Formar pontos de encontro, esse era o objetivo mais perseguido pela Câmara Técnica. Foi a partir daí
que surgiram eventos como a Via Sacra, e o Baile da Cidade na Lapa. O teatro na rua com o grupo “Tá na
Rua”, que permanece com sua sede na Lapa, o projeto Cenas Cariocas, o projeto Música nas Igrejas (Igrejas
do Carmo, São José e São Francisco, e que está sendo retomado), uma série de eventos que espalhou arte e
cultura pelo centro do Rio. Era possível assistir, apenas para citar, o escritor Carlos Drummond de Andrade
recitando seus poemas ao som de cravos na Igreja de São José.
Entretanto, dentro do jogo político, fica claro que a presença desses intelectuais foi um fato essencial
para a divulgação do projeto do Corredor Cultural. O projeto foi criado no governo Klabin, porque foi ali que
ele tomou forma, conteúdo, tonalidade, expressão. Mas, na realidade, o projeto já estava pronto antes mesmo
de existir. Ele foi gerado em uma atmosfera de consagração da cidade, num clima político que propiciava
o aparecimento de novas sociabilidades, em um contexto histórico marcado pela revisão de várias questões
urbanas, como o problema das favelas, das minorias, da participação das comunidades, dos movimentos
étnicos, etc. O papel da Câmara Técnica no projeto do Corredor Cultural foi fundamental, porque ela veio
justamente humanizar as questões técnicas, inclusive na própria linguagem, tomando todo o projeto uma
coisa muito vívida (figura 5). Essa foi a grande novidade, reunir pessoas de diferentes campos de atuação,
mas unidas por uma grande vontade de viver um sentimento mais profundo pela cidade.

Fig. 5 -Apresentação da cantora Elza Soares no projeto Seis e meia na Cinelândia, centro do Rio, em 1981.
Fonte: Arquivo do Escritório Técnico do Corredor Cultural.
Durante a passagem de Júlio Coutinho ( 1980-83)311pela prefeitura, período em que muitas atividades
entraram no ostracismo, a especulação imobiliária tentou de certo modo reverter o quadro. Para Caúla, a
especulação ainda estava presente na área central, porque muitos projetos de prédios ainda continuavam a
ser aprovados31. Nesse momento, o projeto ganhou força muito mais pelas táticas de mobilização que havia
na própria sociedade. O projeto enfrentava um boicote interno ao mesmo tempo em que ganhava o apoio
CONFLUENCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD-UFF - página 55
E isso contribui bastante Barra da T iju c a l liberando-a de d e s ig n a d a p e la S e c r e ta r ia
para o envolvim ento de toda a vez para a especulação imobiliária. Municipal de Obras, a SMO, para
sociedade com o Corredor Cultural, Como afirma Campofiorito 1 trabalhar junto ao projeto. A partir
as comunidades locais deram todo daí o Corredor Cultural passou
o seu apoio ao projeto, realizando Em minha opinião, acho a ser um trabalho intersetorial, e
inúm eras reun iõ es, p alestras, que houve talvez uma espécie liderado por esses profissionais.
sem inários, com a presença da de barganha cultural com a Na verdade, esse pequeno núcleo
equipe técnica para explicar o cidade, porque o apoio da foi responsável pela definição
que era o projeto. A partir daí, o mídia foi de tal ordem que o técnica do projeto, pois conseguiu
projeto foi ganhando aos poucos que o pessoal do Corredor transformá-lo em Decreto e depois
popularidade e adesão, com o Cultural fizesse ou dissesse aprová-lo na Câmara de Vereadores
cham ado “b o ca -a -b o ca ”. Por era publicado. Mostrava-se como Lei Municipal.
que a administração da cidade
serem comerciantes, eles tinham tinha um enorme cuidado
uma influência muito grande dentro com a preservação, com o O projeto estava sendo todo
da região, e chamavam a imprensa passado, com a memória, que feito por nós que, digamos
para cobrir os eventos que faziam, parecia uma atitude contra a assim, éramos poetas do
tais como: palestras na Associação especulação imobiliária, mas projeto, no sentido da gente
Comercial, seminários no Hotel acontece que esta, por sua vez, querer que aquilo fo sse
já tinha desistido
Glória, exposições na região da já estava na Barra da Tijuca. da zona sul e implantado, porque a gente
estava vendo que aquilo ali era
Saara, etc. E o grupo do Corredor A Barra não tinha patrimônio a história da cidade. Então nós
Cultural participava ativam ente histórico, e mesmo que se todos éramos realmente poetas
desses eventos, divulgando o fizesse tal como Lúcio Costa e interessados no sentido
trabalho da prefeitura, ou seja, o havia imaginado seria a mesma também do fazer a história.
projeto estava diretamente ligado coisa horrível de hoje. E ruim e Por isso o grupo se deu bem,
ao próprio com ércio local, na seria ruim, a Barra nunca teve assim internamente, porque nós
medida em que tocava na questão solução. Brasília ainda se pode não tínhamos nenhum interesse
eco n ô m ica de so b rev iv ên cia discutir, mas aqueles bolsões maior a não ser aquele mesmo.
dessa com unidade. Trata-se de da Barra não. A questão é que O projeto tomou uma forma
um contexto em que estratégias o Rio é uma cidade de mais muito grande e ao mesmo
de 500 anos e Brasília é uma tempo ganhou força, porque a
e as tá tic a s, cujos co n ceito s cidade de quarenta e poucos, imprensa cobriu tudo isso
utilizados neste artigo, conforme na nova capital tudo podia
as c o n c e itu a ç õ e s de M ich el começar do zero, na velha, era Aliás, vale dizer que todas
de C e rte a u ^ , se m isturavam exatamente o contrário, era as questões técnicas eram definidas
curiosamente num mesmo foco de preciso a todo custo preservá- por essa equipe. O trabalho era
interesse. la em todo seu ambiente. encaminhado praticamente pronto
para os secretários e, por vezes,
Uma d istinçã o entre E fato que a mídia da época ia direto para o prefeito. Embora
estratégias e táticas parece aderiu à idéia e deu total apoio o projeto tivesse nascido na SMP,
apresentar um esquema inicial ao projeto, durante alguns anos, a questão que se colocava de
mais adequado. Chamo de e isso num momento em que não im ediato para essa equipe do
estratégia o cálculo (ou a havia ainda um plano totalmente Corredor Cultural era a de que se o
manipulação) das relações definido, um a lei, um d ecreto ^. projeto ficasse na SMP ele poderia
de força que se torna possível Com toda essa exposição nos meios ser alterado, enquanto que na SMO
a partir do momento em que de comunicação, o projeto ganhou isso seria mais difícil de ocorrer.
um sujeito de querer e poder im portância absoluta na cidade. A estratégia de deixar o projeto
(uma empresa, um exército,
uma cidade, uma instituição De todo m odo, é fato tam bém na SMO foi apenas para mantê-lo
científica) pode ser isolado. que todo o espaço ganho nos seguro, porque ali era um órgão
(...) chamo de tática a ação grandes veículos de comunicação, executivo e havia adesão interna.
calculada que é determinada foi ocasionado pela presença de Essa estratégia valeu ainda para a
pela ausência de um próprio. renomados artistas e intelectuais iniciativa de transformar, um pouco
(...) A tática não tem por lugar que, m esm o por pouquíssim o depois, o projeto em decreto, e para
senão o do outro. Em suma, a tempo, se uniram ao projeto ainda transformar esse decreto em lei -
tática é a arte do fraco. em sua fase inicial de criação. trabalho exaustivo e minucioso,
Uma questão que pode ser projetoPortanto, a primeira parte do que obteve aprovação maciça na
levantada sobre esse prim eiro mas comfoia colaboraçãodesenvolvida na SMP, Câmara. O objetivo, portanto, era
de técnicos tentar recuperar um conjunto de
momento, é a de que o prefeito de outras secretarias da prefeitura
K labin vislum brou no projeto pelos ilustres membros da Câmarae edificações que pudesse representar
a oportunidade de se fazer uma os vários períodos históricos e
glorificação do centro histórico, Técnica. Quando a Câmara Técnica arquitetônicos dentro do tecido
através de uma estratégia política foi o
dissolvida e, em seguida, criado urbano m ais denso do centro,
Grupo Executivo, o projeto foi pois eram ainda poucos os bens
que poderia valorizar ainda mais o para o âmbito
caráter simbólico da cidade. Além Fundação Rio.doO RioArte™, Grupo
antiga tom bados pelo IPHAN ou pelo
Executivo
disso, existe a hipótese de que, m anteve com ç representantes: INEPAC. Para C am pofiorito^
com essa consagração do centro, Rachel Jardim, ítalo Campofiorito,
o prefeito estivesse aproveitando Augusto Ivan e Sônia C aúla^l, Como se tratava de uma
a oportunidade para tirar de foco a idéia acadêmica, p ro va ­
CONFLUENCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD-UFF - página 56
velmente Augusto Ivan tenha Cario A rgali^. para quem: gestão, das sua mudanças, dos
ficado surpreso de ver um seus desenvolvimentos. Não
governo interessado nessa se pede, é claro, a exclusão
preservação. Foi possível criar Um grande problem a dos políticos; ao contrário,
três ou quatro áreas, com certa cultural da cidade moderna o que se deseja é que sejam
ordem de prioridades, pois é a questão da reanimação politizadas a m etodologia
se tratava de planejamento, dos centros históricos, que e a técnica de projeto dos
ligando essas áreas por um não podem ser condenados a arquitetos, a fim de que a
caminho que o transeunte, ou uma existência puramente de correção dos erros técnicos
o cidadão carioca pudesse museu. E claro, todavia, que da arquitetura do passado
percorrer e de vez em quando tal reanimação só é concebível recente seja, ao mesmo tempo,
se deslumbrar com uma bela no âmbito de uma revisão e a correção dos erros políticos
construção ou mesmo com reforma de todo o complexo que causaram a decadência
uma manifestação artística. urbano: se os centros históricos da cidade.
Tratava-se de reconstruir podem morrer esmagados
um caminho que permitisse, sob o peso das periferias,
na medida do possível, ser não é possível imaginar a V oltando a q u estão da
percorrido e que pudesse contar recuperação do centro histórico denominação do projeto e de sua
a história urbana através da sem o beneficiamento das comunicabilidade com a sociedade,
presença de antigas e novas periferias. O próprio conceito vale lembrar também que a palavra
edificações. de centro histórico é confuso, “Corredor” vinha de uma metáfora
viciado desde sua origem. A de fácil compreensão e aceitação,
cidade é uma entidade histórica despertando igualm ente a auto-
Quanto ao nome do projeto, absolutamente unitária, e uma
havia naquele momento o costume das grandes tarefas culturais estima do carioca. Foi assim, em
ou quase um m odism o, de se dos arquitetos é resgatar as um m om ento político bastante
cham ar os projetos de corredor: periferias de uma condição favorável, que o Corredor Cultural
C orredor de Expansão Urbana, de inferioridade ou até mesmo revelou uma outra face da cidade
C orredor N orte-S ul, C orredor de semicidadania. E isso só se e demonstrou uma vocação mais
Leste, Corredor Oeste, etc., pois pode conseguir estabelecendo hum anista. Perdeu-se, portanto,
em toda cidade uma circulação a o p o rtu n id a d e , ali n aq u ele
ainda se pensava muito na questão cultural uniforme que a torne, m omento, de am pliar o alcance
do transporte, das vias de ligação realmente um sistem a de desse projeto de am bientação
da cidade, ou seja, resquícios da informação. urbana, que poderia resgatar uma
“febre viária” dos anos 1950-60. E v ida p úb lica m ais energizada
como o projeto ainda não tinha um
nome definido, C a ú la ^ recorda Em relação ainda a esse também em outras partes da cidade,
que o Superintendente cobrava episódio de se alterar o nome do pela em regiões que ficaram marcadas
amigavelmente do antigo colega projeto, que nem foi considerado ausência de novas formas de
de turma, um nome para o projeto, p e lo s o u tro s p ro f is s io n a is sociabilidade.
e um dia de uma forma bastante envolvidos, cabe apenas destacar
bem-humorada ele mesmo resolveu ainda que Campofiorito tinha razão
b atizar o projeto de C orredor em relação a essa preocupação com Uma das coisas mais difíceis
Cultural, fazendo uma alusão aos a plenitude da cidade, porque a pra nós foi limitar a área, porque
projetos viários. Foi assim, desse tendência natural do projeto seria á medida que avançávamos
jeito descontraído, carioca, que a de se expandir horizontalmente. na cidade, encontrávamos
nasceu o nome e que acabou se A preservação, a revitalização ou coisas maravilhosas, como
consolidando. a reabilitação deveria abarcar toda por exemplo, na Gamboa, em
M as p or v o lta de 1981, a cidade. Entendendo a cidade Santo Cristo, na Saúde, mas
nós tínhamos que parar. E claro
quando de fato essa expressão como sistema de informação, que que, com isso, nós sabíamos
caiu no uso popular, o projeto não deveria se limitar aos ditames que estávamos deixando áreas
com eçou a triu n far e um a lei da mídia, Argan defende a idéia da que poderiam depois não ser
fo i a p ro v a d a , C a m p o fio rito cidade como uma entidade política preservadas. Portanto, tinha
questionou se não era tempo de que deve transmitir o sentido de muita coisa que se a gentefosse
talvez se pensar em um outro seu caráter político, e esse caráter avançando não iria terminar
nome para o projeto, porque em político só pode se justificar com o nunca, e nós tínhamos que dar
sua opinião, a palavra “Corredor” seu caráter histórico. Hoje, agrande o paradeiro^”.
não lhe parecia a mais adequada. tarefa cultural dos estudiosos
Influenciado pelas idéias de Jane e profissionais que lidam com
J a c o b s ^ Cam pofiorito achava a cidade é a sua recuperação,
que o Corredor Cultural estava mesmo que isso signifique um a
se revelando como uma solução atitude m enos brilhante do que
que talvez pudesse servir para a renovação ou a invenção de
outras áreas, como São Cristóvão, novas cidades. E para recuperá-la,
p or exem plo, ou para bairros A rg an^ preconiza ainda que,
igualm ente antigos localizados
mais próximos do centro, ou até épreciso que os arquitetos,
mesmo no s u b ú r b io ^ , ratificando na qualidade de técnicos
tam bém os conceitos de Giulio e sp ecia lista s da cidade,
retomem o controle de sua
CONFLUÊNCIAS - REVISTAINTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIAE DIREITO - PPGSD-UFF - página 57
maciço da comunidade, já que havia muitos interesses em jogo. Uma outra questão que também deve ser
levada em conta é a de que a maioria dos políticos sempre tem receio de ir contra um movimento cultural,
porque isso pode dar margem a interpretações de que se trata de uma pessoa inculta. Não mexiam no projeto,
mas o projeto não era assinado, mesmo estando pronto e detalhado32.
Ainda nesta administração, a comissão foi dissolvida e o projeto passou para a responsabilidade da
Fundação Rio. E por que para a Fundação Rio? Porque era o órgão que promovia os eventos culturais dentro
da cidade e, sendo assim, ele poderia utilizar os espaços do projeto do Corredor Cultural como palcos. Nas
relações de força existentes nesta gestão, a estratégia adotada indicava que o projeto deveria ganhar uma
outra dimensão, uma dimensão ainda mais simbólica. Mas no testemunho de Raquel Jardim33, as dificuldades
de negociação política daquele momento se tomam evidentes.
Ficamos, então, como pequenas formigas, ou melhor, como pequeno cupim, roendo o tronco do projeto,
sem apoio oficial, nosso trabalho quase que marginalizado, um trabalho de maquis, de resistência. Para mim,
como escritora, a cidade é um universo poético. Cada um de nossos sonhos, cada uma de nossas inquietações,
angústias e ambições, são pensados nesse universo. Nenhum escritor pode vicejar sem esse universo poético,
o chão, a cidade. E ninguém melhor do que o escritor pode revelar esse universo poético.
O período de Júlio Coutinho34 na prefeitura tem sido considerado como um retrocesso, porque ele
introduziu uma visão muito tecnicista e fechada, que pode estar relacionada talvez à sua formação militar.
Além disso, havia dúvidas sobre o que estava ocorrendo no jogo do poder entre o Estado e o Município, como
no episódio, por exemplo, da tentativa de demolição do antigo prédio da Fundição Progresso35 (figura 5).
Naquela tarde, o secretário de obras Renato Almeida me chamou para ver alguma coisa no gabinete
dele, então eu terminei algo que estava fazendo e fui para lá. Quando cheguei, ele acabara de receber um
telefonema e falava:
- O que? Ah. sim! Demolir a Fundição Progresso, ok! Vou mandar a COMLURB para lá com o caminhão,
agora mesmo.
Assim que terminei de despachar com o secretário, fui para a minha sala e liguei para o ex-deputado
Raimundo de Oliveira, passando-lhe toda a informação,36

Fig. 6 - Início da demolição do antigo prédio da Fundição Progresso, na Lapa, em 9 de julho de 1982, durante o governo de Júlio
Coutinh0t^’aÔtiâyâfeà)8d®i9Süâ%ÆôtPààd§yêSôr# (<®ëgada dos socialistas nos governos municipal e estadual,
quando o médico e ex-deputado estadual cassado Jamil Haddad (1983) foi empossado como prefeito, pelo
governador Leonel Brizola. Nesse momento, o projeto do Corredor Cultural também ganhou impulso e brisa
nova com a adesão e a força política do vice-govemador Darcy Ribeiro. No dia 14 de julho de 1983, em pleno
Largo do São Francisco, o prefeito Haddad assinava o Decreto37, aprovando como norma legal o Projeto
Urbanístico do Corredor Cultural. Mas sua administração durou pouco tempo, sendo substituído no mesmo
ano por Marcello Alencar (1983-86)38 que, por se tratar de um político mais experiente, deu continuidade
ao projeto e aproveitou a oportunidade para garantir ainda mais a sua projeção política.
Como primeiro prefeito eleito da cidade, em 1985, Saturnino Braga (1986-88)39manteve a maioria das
atividades ligadas ao projeto do Corredor Cultural. Todavia, ainda hoje é complexo entender o que houve
CONFLUÊNCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD-UFF - página 58
de fato na adm inistração desse cultural do centro do Rio. Janeiro - 2001/2005.
prefeito, em relação à falência da Uma primeira reflexão sobre
prefeitura que, a priori, possuía o Corredor Cultural, portanto, é a 1 Campofiorito, I. (Depoimento
um a estru tu ra ap aren tem en te constatação de que esse projeto não concedido em fevereiro de 2005.
sólida. A verdade é que além da significa apenas um novo marco Mídia: fita de vídeo).
precariedade financeira, a sua ou movimento na história urbana
gestão sofreu uma forte oposição do Rio, mas tam bém um a nova 2 O centro do Rio possui, há
política tanto do governo estadual mentalidade, uma nova m aneira décadas, de
enormes vazios resultantes
demolições do tecido urbano
quanto do fe d e ra l40. B aseado de interpretar a dinâmica cultural antigo, que se acreditava
em estudos e análises sobre a da cidade. Esse projeto, portanto, verticalizado rapidamente eque seria
ocupado
v ocação da cidade, form ulou envolveu in teresses cu ltu rais pela expansão da Área Central de
em seu g ov ern o o P ro g ram a diversificados, na tentativa de Negócios. Esta área corresponde ao
dos Pólos de D esenvolvim ento integrar pela primeira vez as ações centro histórico da cidade, constituído
Tecnológico e Científico. Foram e políticas públicas urbanas e desde o século XVI até o XIX, e que foi
estabelecidos 12 Pólos com temas culturais, reunindo uma série de alterado de forma constante ao longo
como a indústria de informática, a profissionais com o arquitetos, de todo século XX (Fessier e Silveira,
biotecnologia, o cinema e o vídeo u rb an istas, m ú sico s, a rtistas “A Área Central do Rio de Janeiro:
na área cultural, as fundições p lástico s, gente de teatro , de processo histórico e configuração
etc. Esse estudo era, portanto, literatura, de comércio, moradores, espacial”. In: PADILHA, Nino (Org.).
Cidade e Urbanismo: história, teoria e
um a espécie de grande Plano etc. Marcado pela sua característica práticas. Salvador: UFBA, 1994).
Estratégico de Desenvolvimento de ambientação do centro histórico,
para o município iniciado em sua a v alo rização do p atrim ô n io 3 O Corredor Cultural foi o primeiro
gestão, m as nunca totalm ente artístico e arquitetônico da cidade projeto de preservação e revitalização
co n clu íd o 41. De to d os apenas transformou essa região em cenário do Rio de Janeiro proposto pelo poder
dois pólos foram desenvolvidos, para inúmeras encenações teatrais. público municipal, especificamente
os quais se destacam o Pólo de Como um projeto concebido para as áreas da Lapa, Cinelândia,
Biotecnologia na Ilha do Fundão e implantado pelo poder público Carioca, SAARA, Largo de São
e o Pólo de Cinema e Vídeo em m unicipal, e alicerçado num a Francisco (In: Caderno
e adjacências e Praça XV
de Recortes do Corredor
Jacarepaguá. H oje, entretanto, elite erudita, o Corredor Cultural Cultural, 1980).
ambos já foram privatizados. de fato representa um momento
E m s u a s e g u n d a de e fe rv e s c ê n c ia c u ltu ra l, 4 Na Carta de Veneza, o Artigo Io
administração, Marcello Alencar onde é p o s sív e l id e n tific a r estabelece que a noção de monumento
(1989-92)42 consegue recuperar a luta de um grupo que tinha histórico compreende a criação
num erosos im óveis, m arcando com o m eta a p reserv ação do arquitetônica isolada, bem como o sítio
assim um p erío d o de m u itas patrimônio edificado, tendo como urbano ou rural que dá testemunho
conquistas43para o projeto. Alguns principal instrum ento de ação de uma civilização particular, de
bens foram protegidos pelo seu a dem ocratização da cultura, e uma evolução significativa ou de um
valor histórico, outros pelo seu como elemento de revitalização e acontecimento histórico. Estende-
se não só às grandes criações, mas
v alor artístico, e outros ainda animação desta região o espetáculo também às obras modestas, que
pelo valor afetivo que mantinham cênico. Nos últimos anos, tem sido tenham adquirido,
com a p o p u la ç ã o 44. E n tre feito um balanço sobre os pontos significação cultural.com o tempo, uma
(Fonte: IPHAN).
modernos arranha-céus, avenidas positivos e negativos em relação
m onum entais, vias expressas, e ao projeto. Entre suas principais 5 A Carta de Atenas se refere às
viadutos, a cidade ainda conseguia contribuições o fato de que iniciou discussões acerca da Cidade Funcional
revelar um pouco de sua alma e de um movimento contrário à lógica travadas durante o CIAM IVabordo do
seu passado45. habitual das grandes intervenções Patris II em uma travessia Marselha-
O Corredor Cultural detinha, ‘cirúrgicas’ para o centro do Rio, Atenas em 1933. A Carta só foi
portanto, as atividades de projetos uma práxis urbana que percorreu publicada 10 anos depois, durante
físico-urbanísticos em toda a sua praticamente todo o século XX. Corbusier. Oalemã
a ocupação de Paris, por Le
urbanismo proposto por
área de atuação (m odificações Como saldo, destaca-se ainda o Le Corbusier, exposto na Carta de
na legislação, projetos para áreas aprofundam ento de um a gestão Atenas, foi construído em larga escala
p ú b lic a s, a c o m p an h am en to s democrática da cidade. no pós-guerra europeu, sob a forma
de p ro c e sso s de e d ific a ç ã o , de grandes conjuntos habitacionais
cadastramento arquitetônico, etc.). modernistas, produzidos por vezes em
Além disso, é preciso mencionar NOTAS série. (Fonte: IPHAN).
que o projeto realizava um trabalho
de promoção cultural interligado 6 Choay, F. A alegoria do patrimônio.
à Fundação Rio. O objetivo desse * O presente texto foi concebido, 2001, São Paulo: Fundação Editora UNESP,
trabalho em conjunto era tentar minha originalmente , como capítulo de p. 211.
tese de doutorado intitulada A
desenvolver e implantar eventos cidade como palco: o centro urbano 7A Equipe Técnica foi constituída por
culturais que iam desde montagens como locus da experiência teatral um grupo de arquitetos reunidos para
de e x p o siç õ e s (se m in á rio s, contemporânea. Rio de Janeiro, estudar a área central e propor medidas
encontros, etc.), até a promoção anos 1980, junto ao Programa de Pós- necessárias para a preservação, uma
de espetáculos teatrais e musicais, Graduação em Teatro (PPGT), Centro equipe composta por Augusto Ivan,
num som atório de forças que de Letras e Artes (CLA), Universidade Alice Amaral dos Reis, Ana Maria
definiu de forma plena a vocação do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Graça Couto, Cyd Ferreira de Souza e
CONFLUENCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIAE DIREITO - PPGSD-UFF - página 59
Maria Lúcia de Carvalho Lima Neves Assim, sua duração foi de setembro a da organização de fóruns de cultura na
(Corredor Cultural SMP, 1979). Em dezembro de 1979. Transformou-se zona oeste, um primeiro em Realengo
seu estudo desenvolvido na Holanda, posteriormente no Grupo Executivo e outro depois em Santa Cruz, nos
Augusto Ivan abordara a região da (Ver Macedo, Mirela Arcangelo da quais foram realizados debates em
SAARA, área preservada e próxima Motta. Projeto Corredor Cultural: tomo do teatro, da literatura, da poesia
a área central de negócios, a chamada um projeto de preservação para a e da pintura.
ACN (Área Central de Negócios), área central do Rio de Janeiro (1979-
bastante movimentada pelo comércio, 1993). Dissertação de mestrado em 27Argan, G. C. História da Arte como
mas que se encontrava estagnada do Arquitetura e Urbanismo EESC-USP. História da Cidade. São Paulo: Martins
ponto de vista do mercado imobiliário. São Carlos, 2004). Fontes, 1995, p. 249.
8 Para esta nova secretaria, Klabin 15 Jardim, R. Texto retirado do folder 28Argan, G. C. op. cit. p. 250.
nomeou como secretário Mateus “1983 - Ano do centenário de Getúlio
Schneider, que foi responsável pela Vargas'”. Fonte: Caderno de recortes do 29 Caúla, op. cit. 2005.
organização das indústrias Klabin Corredor Cultural 1979/82.
em Israel. Tudo indica que Klabin 30 Ao assumir o cargo, Julio
transferiu boa parte do poder da 16Certeau, M.^4 invenção do cotidiano. Coutinho (1980-83) transferiu as
Secretaria Municipal de Obras (SMO), V. 1. 1994, p. 97-99. atribuições referentes à implantação e
que até então era a que tinha mais desenvolvimento do Corredor Cultural,
verba, para a SMP, colocando ali um 17Em 1981, com a regulamentação do pertencente à SMP para a Fundação
profissional ligado ao setor privado hotel-residência na Barra da Tijuca, Rio, entidade vinculada à Secretaria
e de sua total confiança. (Ver Freire, o plano de Lúcio Costa perdeu os Municipal de Educação e Cultura.
Américo & Oliveira, Lúcia Lippi gabaritos e todos aumentaram as suas Além disso, ele extingue a Comissão
(Orgs.). Capítulos da memória do alturas, deixando o bairro totalmente Especial de Implantação do Corredor
urbanismo carioca. Rio de Janeiro: entregue a especulação imobiliária. Cultural, tirando força política deste
Edições Folha Seca, 2002,). (Freire, A. & Oliveira, L. L. op. cit. órgão dentro da prefeitura, que daí
p. 157). em diante não teria mais as mesmas
8Os PAs, Projetos de Alinhamento, são condições financeiras e administrativas
instrumentos urbanísticos responsáveis 18 Campofiorito, I. (Depoimento da SMP.
pela indicação de alargamento de ruas. concedido em fevereiro de 2005.
Mídia: fita de vídeo). 31 Mas é importante lembrar que o
10 Projetada pelo arquiteto Affonso boom imobiliário ocorrido antes em
Eduardo Reidy, a Avenida Norte-Sul 19Lei n°. 506 de 17 de Janeiro de 1984: Copacabana e do próprio crescimento
iria começar na Glória, passar pela Cria a Zona Especial do Corredor da zona sul redirecionaram os
Rua da Lapa em elevado, entrar na Cultural de Preservação Paisagística investimentos imobiliários, daquele
Avenida República do Paraguai, e Ambiental no Centro da Cidade, momento, para a Barra da Tijuca. O
rasgar os quarteirões do Largo do dispõe sobre o tombamento de bens seu contraponto foi uma estagnação
São Francisco, atravessar a Avenida imóveis na área de entorno, e enseja relativa da Área Central. (Ver também
Presidente Vargas, entrar na Rua da outras providências. Maurício de Abreu. A Evolução
Conceição, passar por trás da Central 20 O projeto Corredor Cultural foi Urbana do Rio de Janeiro, 1987).
do Brasil e emendar num viaduto até vinculado ao RioArte em 1982, mas
São Cristóvão. (Freire, A. & Oliveira, hoje funciona em escritório próprio 32 Nesse episódio, Caúla destaca o
L.L. op. cit. 2002, p. 205). na Rua da Constituição n° 128, e apoio e a cumplicidade do Secretário
permanece ligado a Secretaria de da SMO, Paulo Germano com a equipe
11 Freire, A. & Oliveira, L.L. op. cit. Cultura. do projeto, que foi fundamental para
2002, p.210. a aprovação do Corredor Cultural,
21 Caúla havia sido convidada por pois conseguiu estabelecer que o
12 Caúla, S. (Depoimento concedido Klabin, anteriormente, para montar projeto ainda estava em estudo, e
em março de 2005. Mídia: fita sonora uma estrutura que cuidasse da enquanto estivesse em estudo não
MD digital). urbanização de favelas do Rio. E se poderia aprovar a construção de
como ainda não havia sido criada a qualquer prédio mais alto na região.
13Lei n.°691, de 24 de dezembro de Secretaria de Desenvolvimento Social, Fez inclusive um pequeno decreto na
1984, estabeleceu isenções tributárias esse trabalho começou dentro da SMO. SMO confirmando que nada poderia
para os imóveis preservados. (Caúla, op. cit. 2005). ser aprovado, enquanto o projeto do
Corredor Cultural não fosse aprovado,
14 De acordo com a Resolução n.° 194, 22 Caúla, op. cit. 2005. sendo substituído do órgão em seguida
de 28 de setembro de 1979, estabelecida por Renato Almeida. Eram estratégias
pelo Decreto n.° 2.216, de 20 de julho 23 Campofiorito, op. cit. 2005. e táticas praticadas dentro da própria
de 1979, cabia à Câmara Técnica dar prefeitura, como num campo de lutas
assistência aos técnicos da Prefeitura, 24 Caúla, op. cit. 2005. e de batalhas internas.
apresentando estudos relativos sobre
o potencial de atividades culturais 25 Apenas para situar, o seu livro - 33 Jardim, R. Revista Módulo, op. cit.
da área ja denominada “Corredor Morte e vida de grandes cidades - teve p. 24.
Cultural” e gerar idéias para a a sua primeira edição em 1961.
implantação do Projeto. Competia 34Formado em engenharia aeronáutica
também a essa instância a formulação 26 Esse resgate das periferias seria pelo ITA, Júlio Coutinho tomou-se
de propostas, como a realização de empreendido a partir da segunda gestão secretário de Indústria e Comércio do
eventos, que visariam a preservação do prefeito Marcello Alencar, quando Estado do Rio de Janeiro, em 1979.
histórica ambiental e cultural da área grande impulso foi dado aos bairros da No ano seguinte assumiu a prefeitura,
e a manutenção de suas tradições. A zona oeste e norte do município. Com onde enfrentou problemas com os
Câmara Técnica foi concebida como destaque para algumas ações culturais chaguistas, deixando o cargo em
um órgão transitório por 90 (noventa) promovidas pela Secretaria Municipal março de 1983, e sendo substituído
dias a partir do ato de sua constituição. de Cultura, Turismo e Esportes, através interinamente pelo presidente da
CONFLUÊNCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD-UFF - página 60
Camara dos Vereadores, Maurício O final de seu govemo foi marcado Santo Cristo e Urca, ampliando
Azedo. A partir de então passou a então por greves no funcionalismo os conceitos de preservação nos
se dedicar às atividades acadêmicas. público, salários atrasados, problemas bairros de Cruz Vermelha, Cosme
(Fonte: FGV-DHBB, 1984). administrativos, etc. {Ibidem). Velho, Laranjeiras, Santa Teresa, São
Cristóvão, Lido e Bairro Peixoto.
35 Depois dos protestos em frente ao 41 Quando assumiu o seu segundo Bairros que ainda contam um pouco
antigo prédio, que reuniu vários artistas mandato, Marcello Alencar extinguiu da história e das tradições da cidade
e intelectuais da cidade, o governador a Secretaria de Desenvolvimento e do povo carioca (Fonte: IPP -
Chagas Freitas determinou que fosse Econômico, responsável por este Instituto Pereira Passos). Portanto,
interrompida a demolição do prédio programa. a recuperação dos bens de valor
da Fundição Progresso, construído cultural, antigos prédios, casarios e
em 1881, na Rua dos Arcos, na Lapa. 42 Neste período, o Departamento praças de diferentes épocas e estilos.
Fonte: Jornal O Globo 10/07/1982. Geral de Patrimônio Cultural do contidos nestas áreas, também foi
Município, dirigido pela arquiteta e uma preocupação marcante desta
36 Caúla, op. cit. 2005. historiadora Evelyn Furquim Wemeck administração.
Lima deu continuidade a política de
37O Decreto N° 4.141 de 14 de julho de Proteção Ambiental para outras áreas 43Ainda na segunda gestão de Marcello
1983, vigente desde a sua publicação, da cidade, como Saude, Gamboa, Alencar (1989-92), o processo de
foi complementado por mensagem de proteção do meio ambiente natural
Projeto de Lei à Câmara Municipal e construído se intensificou, com a
para que o Poder Legislativo pudesse preservação da Lagoa Rodrigo de
discutir e aprovar a Lei N° 506 de 17 Freitas e adjacências, e da Serra do
de janeiro de 1984 de Preservação e Mendanha na zona oeste do Rio de
Revitalização da área abrangida pelo Janeiro. Inúmeros espaços e prédios de
Corredor Cultural como projeto do grande valor histórico ou arquitetônico
RioArte (Fonte: Caderno de Recortes foram restaurados (Fonte: IPP).
do Corredor Cultural, 1980).
38Em 1983, Marcello Alencar assumiu 44Pode-se estacar dentre outras obras,
a presidência do Banerj e, meses a da Praça Paris junto à Av. Beira-
depois, substituiu Jamil Haddad na Mar, a Praça do Lido (Bernardelli)
chefia do executivo municipal carioca, em Copacabana, e o Castelinho do
permanecendo no cargo até janeiro de Flamengo. Além disso, os Centros
1986. Em 1988, foi eleito prefeito do Culturais Laurinda Santos Lobo, em
Rio de Janeiro na legenda do PDT. Santa Teresa, e José Bonifácio, na
(Fonte: FGV-DHBB, 1984). Gamboa, e o Teatro Carlos Gomes
na Praça Tiradentes, estavam sendo
39 Com a eleição direta para os recuperados à época {Ibidem).
Prefeitos das Capitais do Brasil, até 45 Naquele momento a cidade do Rio
então nomeados pelos respectivos de Janeiro contava com cerca de 500
Governadores, em 1985, foi aberta a bens tombados a nível municipal,
possibilidade de se eleger Prefeitos estadual e federal, e com mais de 7000
para um curto mandato de 3 anos. Já imóveis preservados sob a tutela do
eleito como Senador em 1982, pelo Departamento Geral de Patrimônio
PDT, Saturnino foi então convocado Cultural da Secretaria Municipal de
por Brizola para se candidatar, mas Cultura, Turismo e Esportes. Em 1992,
ele tinha dúvidas de assumir uma portanto final desta administração
candidatura para prefeito, como pública, já havia 15 Áreas de Proteção
desejava o governador Brizola, porque Ambiental na cidade do Rio de Janeiro,
tinha consciência de sua vocação tuteladas pelo Departamento Geral de
parlamentar e da precária situação Patrimônio Cultural {Ibidem).
financeira da cidade. Uma situação,
aliás, que já vinha sendo anunciada
desde o tempo da fusão, quando o
Prefeito Marcos Tamoio também
enfrentou esse problema e expôs a
difícil situação financeira da Prefeitura
(Ver entrevista do Senador Saturnino
Braga concedida ao arquiteto e
urbanista Antônio Agenor de Melo
Barbosa no Portal Vitruvius: vitruvius.
com.br/entrevista/satumino/satumino.
asp).
40 Além disso, vale lembrar que o seu
rompimento com Brizola e com o PDT,
no meio de seu mandato, foi mais um
agravante para o episódio da falência,
porque a Câmara ainda tinha metade
dos seus vereadores ligados ao partido
e fiéis à Brizola. Com isso. Saturnino
ficou isolado e não conseguiu obter as
aprovações necessárias para governar.

Você também pode gostar