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As Múltiplas Faces do Fazer Docente: Implicações Institucionais, Pessoais e

Éticas no Bem-Estar do Professor


Antonio Sales
Geraldo Vernijo Deixa
Clodoaldo Almeida dos Santos

Diretoria de Pós-Graduação Stricto Sensu e Pesquisa da Kroton


Hélio Hiroshi Suguimoto

Reitoria da Universidade Anhanguera – Uniderp


Taner Douglas Alves Bitencourt

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto Sensu – Uniderp


Denise Renata Pedrinho

Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática


Luciana Paes de Andrade

Conselho Editorial
Cilene Maria Lima Antunes Maciel
Nielce Meneguelo Lobo da Costa
Ruy César Pietropaolo
Samira Fayez Kfouri
Arte da Capa:
Zildomar Ubirajara de Moura Sales

Colaboração:
Rosalino Subtil Chicote
Abdón Pari Condori

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Selma Alice Ferreira Ellwein – CRB 9/1558
S155m Sales, Antonio.
As Múltiplas faces do fazer docente: implicações institucionais,
pessoais e éticas no bem-estar do professor. / Antonio Sales,
Geraldo Vernijo Deixa, Clodoaldo Almeida dos Santos. – Londrina:
Editora Científica, 2021.

ISBN 978-65-00-18398-6

1. Formação Docente. 2. Brasil. 3; Equador. 4. Moçambique. I.


Sales, Antonio. II. Deixa, Geraldo Vernijo. III. Santos, Clodoalfo
Ameida dos. V. Título. .

CDD 370

Editora Científica
2021
AGRADECIMENTOS

Primeiramente os autores rendem os seus agradecimentos aos 566 professores que dispuseram
um pouco do seu tempo para colaborar com a pesquisa. Minutos fundamentais para o nosso
trabalho. Sabe-se que o tempo de professor é escasso, por isso valorizamos profundamente essa
gentileza.

Reconhecemos a colaboração de inúmeros parceiros que replicaram o formulário e passaram


adiante. A esses colaboradores desconhecidos, a nossa gratidão.

Reconhecemos também a colaboração da tecnologia que de forma tão impessoal tem se tornado
onipresente e, se bem utilizada, torna-se uma ferramenta do bem.

De igual modo nos sentimos gratos às três instituições de ensino que nos apoiaram permitindo
que usássemos os seus nomes: Uniderp/Anhanguera (Brasil), Universidade Nacional de
Educação do Equador (Universidad Nacional de Educación del Ecuador) e Universidade
Licungo (Moçambique). Esse apoio foi fundamental porque respaldou o nosso trabalho.

Aos professores do três países: Brasil, Ecuador e Moçambique. Embora posicionados em


pontos diferentes do Mapa Mundi não se furtaram à disposição de colaborar para que outros
conhecessem o seu pensamento e a sua experiência. A eles a nossa profunda gratidão.

Às nossas famílias, que nos dispensaram de uma boa parte do tempo que dedicaríamos a elas
para nos dedicarmos a este trabalho.
DEDICAÇÃO

Aos estudantes de licenciatura e aos professores, porque foi pensando neles que produzimos
este trabalho.
SUMÁRIO

Prefácio .................................................................................................................................... 06

Apresentação ........................................................................................................................... 09

1 Introdução ............................................................................................................................ 11

2 Procedimentos Metodológicos da Pesquisa ...................................................................... 13


2.1 Alguns achados relevantes..................................................................................................14

3 As Questões Éticas no Fazer Docente: Fontes de Mal-Estar? ......................................... 17


3.1 Ética e moral ....................................................................................................................... 19
3.2 Definindo dilemas éticos..................................................................................................... 20
3.4 Indivíduo versus coletividade ............................................................................................. 24

4 Implicações Institucionais na Produção de Dilemas Éticos e no Bem-Estar do Professor


.................................................................................................................................................. 27
4.1 Com que frequência o professor deixa de cumprir o programa estipulado? ....................... 29

5 Práticas Docentes Entre o Saber, os Dilemas Éticos, as Relações Humanas e as Normas


.................................................................................................................................................. 35
5.1 O professor e as normas prescritas ...................................................................................... 35
5.2 O professor e o atendimento ao estudante ......................................................................... 37
5.3 O professor e os dilemas profissionais ............................................................................... 42
5.4 O professor e a família dos estudantes: fatores de distanciamento. ..................................... 44
5.5 O professor e a família dos estudantes: possibilidades de aproximação ............................ 53
5.6 O professor e as relações entre os pares ............................................................................. 62
5.7 O professor e as teorias educacionais ................................................................................ 65
5.8 O professor e o nível de satisfação pessoal .......................................................................... 70
5.8.1 O salário ........................................................................................................................... 72
5.8.2 A atenção que os estudantes dão à aula ........................................................................... 74
5.8.3 A aprendizagem dos estudantes ........................................................................................ 75
5.8.4 A quantidade de estudantes que vê crescendo no respeito aos outros e ao bem
comum, valorizando o estudo, o trabalho e as normas sociais de convivência ......................... 76
5.8.5 Imaginar-se aposentado ................................................................................................... 77
5.9 O professor e a questão: por que o trabalho não se desenvolve a contento? ..................... 80
5.10 O professor e os conflitos profissionais ........................................................................... 86
4.11 O professor e as regras escolares. ................................................................................... 90

6 Coabitando com os Dilemas Éticos na Prática Docente ................................................. 94

7 Considerações Finais .......................................................................................................... 96


Referências ............................................................................................................................. 98

Sobre os Autores e Coautores ............................................................................................. 102


PREFÁCIO

Ser convidada para prefaciar uma obra que discute a profissão docente é uma
oportunidade para estudar um pouco mais sobre este tema que me é tão caro. Além disso,
Antonio Sales, Geraldo Vernijo Deixa, Abdón Pari Condori, Clodoaldo Almeida dos Santos e
Rosalino Subtil Chicote trazem para a reflexão aspectos pouco discutidos, ou ao menos pouco
sistematizados. Ao longo do texto são colocadas questões como: O que significa, para um
professor, a recomendação (dos órgãos oficiais) de aprovar um aluno que não teve rendimento
mínimo necessário na sua disciplina? Como ele lida com esta questão? Este é um dos dilemas
éticos discutidos pelos autores nesta obra. A fim de responderem a estas e outras questões
correlatas, foram propostos questionários a professores de três países – Brasil, Equador e
Moçambique – e os dados produzidos estão agora apresentados e analisados nesta obra.

Para subsidiar a apresentação dos dados produzidos e as análises feitas, os autores


elaboram um capítulo intitulado As questões éticas do fazer docente: fontes do mal-estar? no
qual trazem definições importantes para a compreensão do ponto de vista adotado na obra,
como a diferença entre ética e moral e a definição de dilemas éticos. Este capítulo pode ser visto
como independente dos demais e muito interessante para ser discutido em cursos de formação
de professores.

Nos capítulos subsequentes são apresentados dados produzidos por meio de


questionários respondidos por professores brasileiros, equatorianos e moçambicanos o que, por
si só, representa uma riqueza de informações. Os autores nos convidam, talvez nem sempre
explicitamente, a refletir com eles sobre as questões postas, as respostas obtidas e as análises
feitas. Como em qualquer outro livro que podemos ter em mãos, nem sempre nós, os leitores,
concordaremos com os autores. Porém, este não é o objetivo de uma obra que se quer reflexiva
e instigadora. Ao contrário. E a obra que Sales, Deixa e Santos nos entregam tem este mérito:
suscita questões, vontade de debater, aprofundar leituras e reflexões sobre os temas levantados.

A leitura do texto nos faz refletir sobre diversos aspectos da profissão docente que, na
maioria das vezes, não é discutido ou é “varrido para baixo do tapete”. No entanto, são questões
que incomodam e que precisam ser discutidas. Podemos concordar ou não com os autores em
suas análises a respeito dos dados que produziram. E este é exatamente o grande mérito desse
livro: levantar questões “espinhosas” sobre a profissão docente, apresentar alguns dados e, a
partir das reflexões dos autores sobre estes dados, instigar o leitor a se posicionar. Lendo o texto
me vi o tempo todo querendo debater: por que acham isso? Será que não poderíamos concluir

6
de outra forma? E se pensássemos que o professor respondeu assim devido à forma como a
pergunta foi formulada? E se ...? Ou, outras vezes concordamos com os autores e sentimos,
como eles muitas vezes explicitam, vontade de ir além, de investigar um pouco mais para
compreender as razões das respostas dadas.

O que quero dizer com estas observações? Que esta obra atinge seu objetivo: colocar
o leitor para refletir. Por isso, não se trata de um texto a ser lido e seguido como um manual,
mas de um texto para ser estudado e debatido. Pois, baseados em seus pressupostos, os autores
lançam ideias e conceitos fundamentais para pensarmos sobre a profissão docente, aspectos
estes que, apesar de sua importância, permanecem pouco discutidos e que nos fazem inquirir
também sobre a razão dessa permanência. Evidentemente, poderíamos levantar aqui motivos
políticos, culturais e históricos. Inclusive porque se trata de uma obra escrita a muitas mãos,
por três autores de diferentes culturas, diferentes políticas educacionais e, portanto, de
diferentes práticas pedagógicas. Certamente, os autores deste livro, com suas experiências e
culturas profissionais distintas, ao analisarem as práticas docentes, têm em mente as políticas
educacionais e difíceis contingências que regram a vida dos professores em seus países.

Prefaciar este livro, enfim, propiciou-me um breve exercício intelectual que acredito
ser inspirador para finalizar as minhas palavras. Por um momento, ao ler as análises relativas
aos professores do Brasil, do Equador e de Moçambique, transportei-me para territórios mais
longínquos da história que me fizeram lembrar então que ser professor é uma das profissões
mais antigas do mundo. No Antigo Egito, por exemplo, segundo documentos que chegaram até
nós, desde pelo menos 2000 a.C., a profissão de escriba era enaltecida devido à sua importância
para o ensinamento das “letras úteis”. Além disso, o acesso à profissão de escriba se apresentava
perante os jovens como uma perspectiva de ascensão social, conforme nos mostra Mario
Alighiero Manacorda em seu livro “História da Educação”. Ele afirma, inclusive, que a
especialização do escriba como mestre foi confirmada por numerosas inscrições fúnebres do
período nas quais se pode ler, por exemplo: “Eu fui alguém que foi conhecido pelo rei e por ele
verdadeiramente apreciado: fui nomeado mestre dos filhos do rei porque conhecia o cerimonial
do palácio” (Manacorda, M. A. História da Educação, p. 21). O mesmo autor mostra também
a origem social dos mestres do bê-á-bá na Grécia Antiga, onde, muitas vezes, ensinavam o
alfabeto para fugir da escravidão comprovando que o ofício de mestre era o ofício de quem
caíra em desgraça. E já que adentramos um pouco na História, é impossível não nos lembrarmos
de Pitágoras e de sua escola no século VI a.C., pois ele iniciou uma reflexão de grande
importância pedagógica para sua época e para a posteridade: seu princípio é que há bens não-
7
transmissíveis, como a força, a saúde, a beleza, a coragem, e bens transmissíveis, que perdemos
ao serem transmitidos, como a propriedade e os cargos. No entanto, afirmava Pitágoras, existe
um bem que se transmite sem perdê-lo: é a educação. Um ensinamento tão antigo e tão
inspirador que está na raiz da profissão docente, mas esquecido ou negligenciado perante tantas
urgências e necessidades que hoje caracterizam o ofício de ensinar.

Para finalizar, quero reforçar outro mérito desta obra: o fato de os autores deixarem
várias questões em aberto, abrindo vias para novas investigações na área. E parabenizo os
autores pelo trabalho que realizaram – e realizam – buscando compreender problemas da
profissão docente que vão além das reflexões sobre processos de ensino e aprendizagem de um
conceito. Problemas que afetam diretamente a relação do professor com sua profissão.

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 18 de janeiro de 2021.

Prof. Dra. Marilena Bittar

Professora Titular do Instituto de Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.


Professora Sênior do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul. Pesquisadora Produtividade do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq.Pós-Doutora pela Universidade dos
Alpes/Grenoble/França. Líder do Grupo de Estudos em Didática da Matemática/DDMat-CNPq

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APRESENTAÇÃO

Esta obra é resultado de intenso trabalho envolvendo pesquisadores de três países


sendo um africano, Moçambique, e dois sul-americanos, Brasil e Equador. Dois deles,
Moçambique e Brasil, apresentam características similares em termos linguísticos resultado da
colonização portuguesa. Por serem países irmãos, muitas iniciativas conjuntas são
desenvolvidas, principalmente, no setor da educação.
Neste livro discute-se o incômodo que o professor sente diante da real ou suposta falta
de interesse da família do estudante para com as ações desenvolvidas na escola, qual a relação
que o professor estabelece com o saber, o desconforto que sente ao atribuir nota extra a um
estudante, a questão da autonomia docente e outros aparentemente menos embaraçosos. Um
tema que consideramos fundamental tem o título de “as questões éticas do fazer docente: fontes
de mal- estar? ”
Este livro pretende ser mais um contributo para uma reflexão sobre autonomia docente,
sua limitação bem como as possíveis soluções que podem contribuir para o seu bem-estar.
Assim, a nossa posição epistemológica é de que o bem-estar do(a) professor(a) depende do
modo como ele/a gere os dilemas éticos. Por isso, há necessidade de conscientizar o docente
que irá conviver frequentemente com as escolhas entre dois caminhos certos e que tais escolhas
necessitam de ponderação para salvaguardar os interesses individuais e coletivos. O exemplo
mais recente do enfrentamento de dilemas éticos pode ser compreendido com o comunicado da
ministra da Educação e Desenvolvimento Humano de Moçambique ao anunciar que
“os estudantes que frequentavam classes sem exame em 2020 deverão progredir
automaticamente para o nível seguinte no próximo ano letivo”. Este exemplo mostra que o
professor deve estar alerta sobre os dilemas éticos que o acompanhará ao longo da sua carreira.
Por fim, o livro está segmentado em cinco partes a saber: parte I contendo os
procedimentos metodológicos da pesquisa; parte II que aborda as questões éticas no fazer
docente como possíveis fontes de mal-estar; parte III, onde são discutidas as implicações
institucionais na produção de dilemas éticos e no bem-estar docente; parte IV com o título de
“práticas docentes entre o saber, os conflitos éticos, as relações humanas e as normas”
subdividida em 11 capítulos e, por fim, algumas considerações gerais que foram divididas em
duas partes e denominadas de coabitando com os dilemas éticos na prática docente e
considerações finais.

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Dessa forma, entregamos aos professores um retrato falado dos incômodos e
realizações pessoais narrados ou apresentados por alguns dos seus colegas, na expectativa de
contribuir para o seu aperfeiçoamento profissional.

Antonio Sales

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1 INTRODUÇÃO

Nos últimos 20 anos, o Brasil tem acolhido muitos bolsistas moçambicanos para
frequentarem cursos em nível de Mestrado e Doutorado em várias áreas por meio de programas
de financiamento específicos (CAPES e CNPq). A Língua Portuguesa que nos une tem
contribuído para essa facilidade. Os primeiros moçambicanos com Doutorados em Currículo
foram formados a partir de um convênio entre a extinta Universidade Pedagógica com a
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O resultado desse intercâmbio
reflete-se atualmente nos modelos curriculares da educação moçambicana.
É no âmbito desses convênios que o segundo autor desta obra, Geraldo Vernijo Deixa,
por meio do financiamento do CNPq frequentou e concluiu o Doutorado em Ensino de Ciências
e Educação Matemática na Universidade Estadual de Londrina (UEL), PR, Brasil, 2014. Esse
contato permitiu-nos o estabelecimento de uma rede de pesquisadores de várias nacionalidades.
Em 2016 participamos no Primeiro Congresso Latino Americano de Didática de Matemática (I
LADIMA) na cidade de Bonito em Mato Grosso do Sul. Foi neste evento que estabelecemos
os primeiros contatos de pesquisa (entre os autores desta obra) partilhando as experiências entre
os dois países.
No ano seguinte, o Professor Antonio Sales participou de um Congresso em Educação
organizado pela Universidade Pedagógica em Maputo (UP). E em consequência dessa
participação, ele publicou um artigo na revista UDZIWI da UP. Em 2018 participamos do
segundo congresso Latino Americano de Didática de Matemática na cidade de Jarinu no interior
de São Paulo, onde novamente convivemos trocando experiências sobre a prática docente nos
nossos Países. Nos intervalos de café nossa discussão girava em torno da necessidade do bem-
estar do professor olhando para os dois contextos (Brasil e Moçambique). Nessas conversas nos
chamou atenção dois aspectos: muitos professores brasileiros solicitam licenças por causa de
doenças e alguns abandonam a profissão nos primeiros anos da carreira e por outro lado, alguns
professores moçambicanos fazem greve silenciosa, o que resulta em desastre no setor da
educação onde muitos estudantes terminam o ensino primário (primeiro ciclo do ensino
fundamental) sem adquirir as proficiências mínimas exigidas tais como a leitura e escrita bem
como a aritmética básica.
Nesta direção, a partir desses contatos percebemos que havia muitos aspectos comuns
entre os problemas da educação moçambicana e brasileira, sobretudo relacionado com questões
de autonomia, a nostalgia docente e os dilemas éticos derivados da ausência ou da presença

11
dessa autonomia. Esse foi o começo da caminhada. Em julho de 2019 participamos da 71ª
Reunião Anual da SBPC na cidade do Campo Grande. Nessa altura já havia ideias claras do
que realmente queríamos. Dessa forma um instrumento de recolha de dados já tinha sido
elaborado e validado e feitas adaptações para atender as particularidades dos três Países.
Talvez o leitor esteja perguntando como o Equador entrou nessa trama. Em 2015 o
Professor Antonio Sales participou da “XIV Conferência Interamericana de Educación
Matemática” na cidade de Tuxtla Gutiérrez no Estado Mexicano de Chiapas onde trocou
experiências com o professor boliviano Abdón Pari Condori. Em 2017 Abdón e Geraldo
participaram da composição de um livro organizado por Antonio Sales e publicado sob a tutela
da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul e com o patrocínio da FUNDECT – Fundação
de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do
Sul (BR). Na época da pesquisa Abdón desenvolvia um projeto de formação de professores de
matemática na Universidade Nacional de Educação do Equador (Universidad Naciopnal de
Educación del Ecuador) (EC). Outros dois componentes foram integrados posteriormente:
Clodoaldo Almeida dos Santos, brasileiro, e Rosalino Subtil Chicote, de Moçambique.
Um terceiro país sul-americano, vizinho de Mato Grosso do Sul, foi convidado
a participar, o Paraguay. Vários pesquisadores daquele país demonstraram interesse,
mas alguns fatores intervenientes fizeram com que o início fosse prorrogado para março
de 2020 quando a Covid-19 aboliu a possibilidade.
No início a ideia era produzirmos e publicar artigos. Com o decorrer do tempo e das
interações havidas percebemos que havia informações suficientes para produzir um livro que
pode servir para reflexão sobre a problemática da profissão docente nesses países.
O livro tem ainda uma particularidade ímpar. Ele foi escrito num contexto de
distanciamento social devido à pandemia da Covid-19 que assolou o mundo a partir de março
de 2020. Embora o vírus já desse os sinais de sua existência em finais de 2019, na localidade
de Wuhan, China, somente no início do ano seguinte ele começou a se tornar uma ameaça
mundial, resultando no fechamento de escolas e a paralisação de outros setores (comércio,
indústria, transportes). Esta situação agravou os problemas da Educação de muitos países do
mundo, sobretudo, Moçambique onde o uso de tecnologias educativas (TIC) ainda não se faz
sentir. Foi vivenciado um crime pedagógico. Os pais ou encarregados de educação viraram
professores dos seus próprios educandos, sem o devido preparo para isso.

Antonio Sales e Geraldo Vernijo Deixa

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2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

A pesquisa foi desenvolvida em três países: Moçambique (MZ), Equador (EC) e Brasil
(BR), envolvendo 566 professores, sendo 280 do Brasil, 232 de Moçambique e 54 do Equador.
Um formulário do Google forms foi enviado a centenas de professores dos três países. A
pesquisa, embora tenha nascido em Mato Grosso do Sul, Brasil, e a coordenação
geral tenha permanecido em Campo Grande, os professores brasileiros foram os últimos a
serem abordados. Nos dois outros países, as exigências burocráticas para pesquisa com seres
humanos são diferentes das brasileiras. O projeto, no Brasil, deve ser submetido a um Comitê
de Ética em Pesquisas com Seres Humanos1 que avalia as possíveis implicações éticas ao
participante e se o pesquisador, por descuido ou por julgar irrelevante, omitir alguma
informação, que o Comitê considera que deveria constar, o projeto volta para reformulação.
Isso normalmente acontece porque o Comitê tem a preocupação em evitar conflitos éticos que
possam incomodar o pesquisador futuramente. Essa tramitação, por vezes, retarda em três ou
quatro meses o início da pesquisa tendo em vista que as reuniões desse Comitê ocorrem apenas
uma vez por mês. Diante disso, o primeiro conjunto de dados foi o produzido em Moçambique
e, em segundo lugar, no Equador tendo em vista, nesse segundo caso, se fazer necessária a
tradução do formulário para o Castelhano. Esses países não contam com essa exigência legal
que existe no Brasil.
Em Moçambique o trabalho foi coordenado pelo Dr. Geraldo Vernijo Deixa que
contou com a colaboração de Rosalino Subtil Chicote. No Equador, Dr. Abodón Pari Condori,
conduziu o trabalho de tradução e distribuição do formulário. A coordenação geral e o
tratamento dos dados quantitativos estiveram a cargo do Dr. Antonio Sales, radicado em
Campo Grande, em Mato Groso do Sul e contou com a colaboração de Clodoaldo Almeida dos
Santos. As discussões foram coletivas e simultâneas, através do um “Documento do Google”.
Os dados quantitativos foram manipulados com o auxílio dos Programas EpiInfo e Exel. As
questões abertas foram analisadas qualitativamente.
O formulário foi enviado, via e-mail, a professores de Moçambique, Equador e Brasil
nessa ordem, pelas razões já expostas. Foi também partilhado por via WhatsApp individuais e
em grupos. Nele constam questões que buscam captar o quanto determinados procedimentos
usuais incomodam o professor, provocando-lhe um mal-estar moral e, consequentemente,
afetando o seu estado emocional e físico. As questões versavam sobre atribuição de nota a

1
O projeto foi aprovado para pesquisa com professores brasileiros sob nº CAEE: 19939719.3.0000.5161.
13
estudantes que não têm rendimento pedagógico, nostalgia da escola de tempos anteriores, o
valor que confere ao conhecimento e à gestão de conflitos diversos que surgem nas relações
humanas no âmbito escolar. Neste espaço estavam as questões para as quais o professor era
convidado atribuir um valor de zero a dez segundo a interpretação no quadro a seguir. Elas
estavam precedidas do seguinte enunciado: “ Nas questões a seguir marque um valor de 0 a 10,
sendo que zero significa nada, nenhum incômodo, nunca acontece, nenhum valor e dez significa
valor máximo, incômodo total, acontece sempre, insuportável. Marque um número, de
preferência o que lhe vier primeiro à mente, e não desmarque mais”.

Quadro 1 - Pontuações e respectiva categorização


Pontuações 0 1e2 3e4 5e6 7e8 9 e 10
Qualitativo Nenhum Muito baixo Baixo Médio Alto Muito alto
Fonte: Dados da pesquisa.

Três questões eram abertas e versavam sobre o conceito de autonomia, a questão da


nostalgia docente e sua influência no absenteísmo, e as implicações pessoais do conhecimento
do professor. Tais questões foram tratadas separadamente em forma de artigo e inseridas em
outro volume. O que apresentamos aqui é um recorte atendendo principalmente a parte
quantitativa, que recebeu tratamento qualitativo. A pesquisa tem o caráter qualitativo com
enfoque em pesquisa exploratória. Para Gil (1999), a pesquisa exploratória desenvolver,
esclarecer e modificar conceitos e ideias, visando a formulação de problemas mais precisos ou
hipóteses que podem ser pesquisados para estudos subsequentes. Busca-se com essa pesquisa,
proporcionar uma visão geral, de tipo aproximativo, acerca das concepções sobre o trabalho
docente dos professores moçambicanos, equatorianos e brasileiros. A amostra não foi
probabilística. Embora o formulário tivesse sido enviado a um não especificado número2 de
professores o retorno foi de 566 respostas com um ou outro caso de incompletude que não
prejudicou a análise.

2.1 Alguns achados relevantes


Esta investigação envolveu 566 professores de três países, sendo 232 (40.1%) de
Moçambique, 280 (49.5%) brasileiros e 54 (9.5%) equatorianos. Todos responderam ao mesmo
questionário que foi distribuído por e-mail e WhatsApp e também pelo Facebook. Desse

2
A distribuição dos formulários se deu mediante as redes sociais, logo, não houve um controle da sua
abrangência. Os dados indicam que nove estados brasileiros estiveram representados.
14
número, 255 (45.1%) são do sexo feminino, 292 (51.6%) do sexo masculino e 18 (3.2%) não
identificaram o sexo.
Em Moçambique predomina a presença masculina com 85.6%, no Equador há um
empate, porém, com leve predominância feminina (51%) e no Brasil as mulheres são 72.5%
dos docentes.
Nesta pesquisa identificamos o nível de escolaridade que o professor trabalha, ou seja,
onde possui a sua maior carga e o tempo de serviço no magistério. Essa escolha explica-se pelo
fato de que as relações entre o tempo, o trabalho e a aprendizagem dos saberes profissionais
dos professores são relevantes para compreendermos os problemas da educação escolar dos
estudantes.
Dos 232 professores moçambicanos, 18 (7,8%) trabalham no Ensino Primário do
primeiro grau (1a a 5a classe), 12 (52%) atuam do 6 a 9º classe, 7 (3.0%) deles trabalham na
º

educação infantil, 100 (43.1%) professores lecionam no Ensino Médio, 7(3.0%) lecionam na
Pós-graduação e 100 (43.1%) trabalham no Ensino Superior lecionando na graduação e Pós-
graduação. Podemos perceber a partir desses dados que a maioria dos professores participantes
da pesquisa trabalha no Ensino Médio e Superior. Esses percentuais indicam que os professores
do Ensino Médio e Superior tiveram mais acesso à pesquisa. De referir que as turmas no ensino
médio Moçambicano possuem um número de estudantes acima da média.
Dos 54 professores equatorianos, 9 (16.6%) trabalham na escola Básica, 27 (50%) no
ensino médio e 18 (33.3%) no ensino superior. Percebe-se que a maioria (50%) dos professores
participantes da pesquisa trabalha no Ensino Médio. A pesquisa foi mais acessível a eles.
Participaram da pesquisa, 280 professores brasileiros como foi dito anteriormente.
Desse número, 70 (25.9%) trabalham nos anos iniciais do Ensino Fundamental, 91 (33.3%)
non anos finais do Ensino Fundamental (sexto ao nono ano), 22 (8.0%) na Educação Infantil,
69 (27.3%) no Ensino Médio e 21 (7.6%) trabalham no Ensino Superior lecionando na
graduação e Pós-Graduação. A maior parte dos participantes trabalha no Ensino Fundamental
(58.97%). Os professores do Ensino Fundamental tiveram mais acesso à pesquisa.
O tempo de serviço no Magistério desempenha um papel fundamental para o
professor. Ao longo do tempo, dos contatos estabelecidos, dos saberes discutidos e partilhados,
o professor cresce profissionalmente, ou seja, os saberes mobilizados e empregados na prática
cotidiana, servem para dar sentido às situações de trabalho que lhes são próprias (TADIF;
RAYMOND, 2000).

15
No que diz respeito ao tempo de serviço no Magistério dos professores moçambicanos,
64 (27.6%) professores estão há, pelo menos, 15 anos de serviço, 72 (31.0%) trabalham há 10
anos e 67 (28.9%) trabalham até cinco anos de experiência no magistério.
O tempo de serviço da docência dos professores equatorianos participantes da pesquisa
foi distribuído da seguinte maneira: 28 (51.8%) trabalham, pelo menos, há 15 anos; 11 (20.4%)
trabalham há 10 anos; 13 (24.1%) professores trabalham há menos de 6 anos. Verifica-se que a
maioria dos respondentes (51.8%) possui muita experiência na docência
Em relação ao tempo de serviço no Magistério dos professores brasileiros participantes
da pesquisa, verifica-se que 166 (61.2%) dos 271 que atenderam a essa questão trabalham há,
pelo menos, 15 anos de serviço; 50 (18.5%) estão há menos de 10 anos de serviço e 55 (20.3%)
trabalham até 5 anos de serviço do Magistério. Assim, percebe-se que a maioria (61.2%) deles
possui muita experiência na docência.
De modo geral, percebemos que a maioria dos participantes dos três países possui pelo
menos 15 anos de serviço no Magistério.

16
3 AS QUESTÕES ÉTICAS DO FAZER DOCENTE: FONTES DE MAL-ESTAR?

A vida em sociedade resultou em grande vantagem para o ser humano. Da luta


individual para prover a sua própria subsistência, proteger-se de invasores do seu habitat e das
ameaças da natureza, por vezes, hostil, para o convívio coletivo, para as parcerias protetivas e
colaborativas, chegou-se ao que chamamos de civilização. Esse processo, porém, não foi
rápido, linear e tranquilo. O distanciamento humano do isolamento social foi gradativo surgindo
grupos, tribos, clãs e desencadeou comportamentos coletivos que aliaram o trabalho à união das
pessoas com o objetivo de instrumentalizar o homem contra as dificuldades naturais. Cada
época apresentou os seus desafios. Cada dificuldade superada faz emergir outra que requer
esforços individuais e coletivos para a superação.
Nos primeiros momentos, agindo como bebê lactante que não separa o eu da
exterioridade, o ser humano lutava por compreender as diferentes ações do outro e a intromissão
mútua de um no mundo do outro. Foram vivenciadas “inevitáveis sensações de dor e desprazer,
que em sua ilimitada vigência, o princípio do prazer buscava eliminar e evitar” (FREUD, 2010,
p.18). Dessa forma, ia criando regras de convivência e valores sociais e individuais.
Freud (2006) participa do pressuposto de que a busca pelo prazer é a finalidade da
vida, e em razão disso o ser humano tornou-se gregário, e depois relacional, sempre em busca
do seu bem-estar. Nessa perspectiva, como oposta do prazer temos a dor. A vida é conduzida
nessa alternância entre a fuga da dor e a conquista do prazer. Essa dicotomia, embora hoje
mesclada de outros fatores, ainda continua como pano de fundo. Freud (2006) lembra que a
formação da civilização se faz em meio a contrariedades, relações não muito amistosas,
coadunadas com o instinto humano que se opõe aos princípios pregados pelo ambiente
civilizado. Entretanto, o estudioso reconhece o papel fundamental da civilização na construção
de uma união que visa a um objetivo coletivo de grandeza maior: a existência humana parece
estar condicionada à organização da civilização, mesmo que estejam presentes diversos
elementos contraditórios3. Nesse sentido, Freud (2006, p.25) assevera que:

Tal como para a humanidade em geral, também para o indivíduo a vida é difícil de
suportar. A civilização de que participa impõe-lhe uma certa quantidade de privação,
e outros homens lhe trazem outro tanto de sofrimento, seja apesar dos preceitos de sua
civilização, seja por causa das imperfeições dela. A isso se acrescenta os danos que a
natureza indomada - o que ele chama de destino-lhe inflige.

3
Foi precisamente por causa dos perigos com que a natureza nos ameaça que nos reunimos e criamos a civilização,
a qual também, entre outras coisas, se destina a tornar possível nossa vida comunal, pois a principal missão da
civilização, sua raison d’être real, é nos defender contra a natureza (FREUD, 2006, p.24).
17
Apesar da afirmação freudiana de que a felicidade se constitui de momentos efêmeros,
episódicos, que geralmente não se prolongam, e da observação desse mesmo estudioso de que
há três canais destinados a nos entregar ao sofrimento ( nosso corpo, a natureza e pessoas com
as quais nos relacionamos), parece evidente que numa civilização há muitos outros fatores e
valores que perseguimos tais como: a partilha, o companheirismo, o sorriso sincero de um
coração agradecido, a contemplação conjunta do belo, o abraço e a voz amiga dizendo “estou
contigo”. Há os heróis que enfrentam a morte em favor de um povo, ou a mãe que se
arrisca para salvar o filho ou o policial, médico, paramédico ou outro profissional, que sai de
casa em dias tumultuados para servir, movido por um valor maior: a subsistência do povo.
É certo que agora as relações mais complexas trouxeram consigo inúmeros
dilemas sobre os quais discorremos mais especificamente adiante. Por enquanto deve-se
considerar que nesse contexto de relações humanas surgem problemas para os quais não há
solução fácil, porque extrapolam o âmbito pessoal. Se alguém, confiando em outrem, fizer uma
promessa e depois descobrir que foi enganado, deve ainda cumprir o prometido? Diante da
ameaça de ataque deve esperar o inimigo se aproximar, e buscar o diálogo, ou partir para a
defesa prévia protegendo-se antes do ataque? Se um amigo insultar, gratuitamente, um desafeto
seu, deve permanecer neutro, posicionar-se ao lado do amigo ou do insultado?4
Algumas situações afetam somente o indivíduo, como, por exemplo, devo perdoar ao
meu cônjuge que me traiu e promete não repetir? Outras situações envolvem contextos mais
amplos, atingem muitos indivíduos ou grupos sociais. Se um grupo de determinada comunidade
ou etnia pretende atacar outra comunidade, uma pessoa desse grupo atacante que é
convocada para participar (e entende que não é a melhor coisa a fazer) deve apoiar o grupo,
defender o ideal da sua comunidade, ou deve isentar-se? Uma diarista se mostra pouco eficiente
e não merecedora de confiança. Ao ser dispensada do trabalho e ao procurar outro, caso a nova
patroa lhe telefone solicitando referências, deve falar a verdade ou omitir-se?
Situações dessa natureza, diz Sánchez Vázquez (1996), fazem surgir a necessidade de
normas que possam orientar a conduta moral. Elas impõem modos aceitáveis de agir em
determinadas situações. Por outro lado, tais normas são insuficientes dado que a vida em
sociedade é dinâmica e produz problemas imprevisíveis. É, portanto, comum emitirmos juízo
de valor sobre o procedimento de uma pessoa, em determinadas circunstâncias não previstas
nas normas. Dizemos que agiu corretamente ou então que o procedimento não foi adequado

4
Embora tais problemas sejam mais frequentes do que supomos essas questões raramente são postas em discussão
em condições normais.
18
para a ocasião. A pessoa agiu movida pelos valores externos, sociais, que estão consolidados,
dado que não havia prescrição clara para isso. Se é possível que outros emitam juízo de valor
é porque, segundo Sánchez Vázquez, há normas implícitas, e de caráter mais geral, que as
explícitas. No caso da pessoa que se isenta de participar de um movimento da comunidade, o
juízo de valor emitido sobre ela levará em conta o interesse ou bem-estar da comunidade.
Das formas primitivas do comportamento moral, séculos posteriores, ocorreu o
processo de pensar sobre ele. Reflexões sobre o porquê de se valorizar certos comportamentos
mais do que outros, porque certas decisões são corretas e outras erradas em contextos tão
próximos, o que leva a algumas decisões ao invés de outras, como encontrar o ponto de
equilíbrio entre o dever e o querer, entre a obrigação e a satisfação de realizar uma ação.
Questões como essas, que transformam a prática de agir em objeto de pensamento, fizeram
emergir a teoria da moral. Sánchez Vázquez (1996, p.7) escreve que:

Dessa forma se passa do plano da prática da moral para o da teoria da moral; ou ainda,
da moral efetiva, vivida, para a moral reflexiva. Quando se dá esse passo, que coincide
com o alvorecer do pensamento filosófico, estamos já propriamente dito na esfera dos
problemas teóricos-morais, ou éticos.

Segundo o mesmo autor, o que diferencia os problemas éticos dos problemas morais é
a sua generalidade. Dessa forma, diz ele, a ética não apresenta solução para os problemas
práticos. Detém-se em discutir se as normas propostas para orientar a prática moral são
pertinentes para uma sociedade ou suficientes para definir o que é bom ou mau. Discute a
natureza do bom, as finalidades de uma ação, se os meios empregados justificam os fins ou
vice-versa. Uma pessoa envolvida em um problema concreto deverá recorrer a uma norma que
reconhece como válida para orientá-la em sua decisão.

3.1 Ética e Moral


De forma muito esclarecedora Pedro (2014) discorre sobre a facilidade com que as
pessoas confundem ética com moral, como se houvesse sinonímia entre essas duas palavras.
Ela escreve que:

Frequentemente, assistimos ao uso ambíguo de palavras que estabelecem uma


associação terminológica por sinonímia de ‘moral e ético’, ‘moralidade e ética’,
‘valores e ética’, ‘valores e norma’, ‘axiologia e ética’, e ainda, ‘filosofia moral e
ética’ que se empregam em vários contextos do quotidiano como se de sinónimos se
tratassem, resultando daqui, não raras vezes, uma enorme confusão para quem
necessita de as utilizar, dificultando, deste modo, a comunicação e a elaboração do
pensamento (PEDRO, 2014, p.1).

19
Ela explica que as razões para tal confusão podem estar na etimologia dessas palavras.
Ética origina de duas palavras gregas êthos e éthos. A primeira evocava inicialmente “o lugar
onde guardava os animais” e depois evoluiu para “o lugar onde brotam os actos, isto é, a
interioridade dos homens” e, mais tarde ainda, para “habitação do ser”. A segunda palavra
“significa comportamento, costumes, hábito, caráter, modo de ser de uma pessoa”. Por outro
lado, a palavra moral “que deriva do latim mos, (plural mores), se refere a costumes, normas e
leis” (PEDRO, 2014, p.485).
Como se pode ver, a moral está relacionada com normas, com o que está normatizado,
com práticas sociais consolidadas. Frankena (1969, p.72) fala de uma “Ética normativa”, aquela
que trata “dos princípios básicos, dos critérios ou padrões pelos quais nos cabe determinar o
que moralmente devemos fazer, o que é moralmente certo ou errado”. A discussão de Frankena
caminha na direção da Ética Deontológica, aquela parte da ética que normatiza o exercício
profissional, portanto, que se ocupa com os aspectos práticos da vida.
Conforme Singer (1998, p.10) ética não é um conjunto de normas, “não se constitui
um conjunto de normas simples e breves” ou “uma série de proibições”. No entanto, “um juízo
ético que não é bom na prática deve ressentir-se também de um defeito teórico”.
Retornando ao raciocínio de Pedro, a moral está voltada “para a aplicação de normas
morais consideradas válidas por todos os membros de um determinado grupo social” (PEDRO,
2014, p.485) e a ética, por sua vez, não é um conjunto de prescrições. Apesar dessa distinção
clara entre elas, há uma aproximação inevitável dado que a moral fornece, para a ética,
elementos que esta necessita para reflexão.
Partindo dessa discussão inicial, que tem como finalidade subsidiar elementos que
contribuam para uma discussão sobre a ética e suas implicações na saúde do professor,
passaremos ao problema anunciado em parágrafos anteriores, a saber, a questão dos dilemas.

3.2 Definindo os dilemas éticos


A vivência em sociedade nos coloca em momentos onde se faz necessário tomar
decisões difíceis, conforme já reportado. Quando eventos dessa natureza se manifestam, é
possível que estejamos diante de um dilema. Dessa forma, dilema se refere a uma determinada
“situação embaraçosa em que se apresentam duas opções difíceis e penosas” (BORBA, 2011,

20
p.444), ou ainda “a situation in which it is very difficult to decide what to do, because all the
choices seem equally good or equally bad5” (LONGMAN. 2009, p.471)
As definições apontadas coadunam com o pensamento de Kidder (2007) que entende
o dilema como situações que demandam escolhas desconfortáveis, sendo “qualquer situação
que coloque um lema profundamente enraizado contra outro”. (KIDDER, 2007, p.151).
Entretanto, Kidder vai adiante, discriminando o dilema ético como sendo oriundo de escolhas
realizadas entre duas opções corretas, tendo que sacrificar uma delas. Kidder pontua, ainda,
que, ao contrário de dilemas éticos (situações certo versus certo), quando o indivíduo se depara
pela dúvida entre o certo e o errado, ele está no campo das tentações morais (KIDDER, 2007).
Os dilemas éticos estão postos sob quatro paradigmas6, a saber:
(1) Justiça versus compaixão. Ocorre quando a aplicação da justiça igualitária entra em
conflito com a compaixão, com a empatia e o amor. Um exemplo pode ser o caso do
estudante que excedeu muito o percentual de faltas permitidas (logo, deve ser
reprovado por faltas), mas conseguiu a nota suficiente (ou quase) para ser aprovado,
e o professor está indeciso se cumpre a lei de reprová-lo por falta ou se permite ser
movido pela compaixão e fazer os ajustes para aprová-lo sabendo que isso poderá
lhe trazer dissabores. Os dissabores advirão da reação dos outros que poderão
condená-lo por aprovar um estudante que não compareceu suficientemente às suas
aulas.
Esse paradigma pode aparecer com maior frequência quando o docente é professor do
próprio filho.

(2) Curto prazo versus longo prazo. Consideremos, como exemplo, um jovem casal de
estudantes que está indeciso se constitui família antes ou após a formatura de ambos.
(3) Indivíduo versus comunidade. Os profissionais de saúde foram convidados para se
exporem, muitos sem a devida proteção, para atender os afetados pela Covid-19.
Como não foram obrigados, tiveram que decidir entre proteger a sua família, e a si
mesmos, ou se exporem ao contágio para prestar serviço de socorro à sociedade.

5
Uma situação em que é muito difícil decidir o que fazer, uma vez que todas as escolhas parecem igualmente
boas ou ruins (tradução nossa).
6
A palavra significa literalmente ‘padrão’ ou ‘modelo’. Geralmente é usada para descrever um conceito, estrutura
ou processo de pensamento geral amplamente aceito (especialmente nas comunidades intelectuais) como um modo
efetivo de explicar fenômenos ou conjuntos de dados complexos (KIDDER, 2007, p.151).

21
Sobre o individualismo escreveu Russ (1999, p.14) que é “uma atitude que privilegia
o indivíduo em relação à coletividade”, mas Kidder afirma que esse paradigma pode ser
reformulado para pequeno grupo versus grupo maior.
(4) Verdade versus lealdade. Ocorre quando alguém se encontra entre a lealdade que
deve a um familiar ou amigo e a necessidade de depor contra ele em juízo. Tem
relação com o cumprimento de promessas. “Lealdade envolve obediência a uma
pessoa, governo ou um conjunto de ideias a que se deve lealdade” (KIDDER, 2007,
p. 157). Normalmente, um empregado deve lealdade ao seu superior hierárquico, um
irmão deve lealdade ao outro, um cônjuge ao outro, um aldeão ao chefe da aldeia,
uma filha ao pai, um amigo ao outro. Como denunciar, nesses casos, sem enfrentar
um dilema ético? Como romper uma relação dessas sem que haja ferimento
emocional?
Mas a lealdade não é algo ruim como, por vezes, costuma se apresentar a uma criança
que não quer denunciar o seu coleguinha, professor ou pai. A lealdade não é algo terrível que
nos obriga a sempre dizer a verdade, obedecer sempre. Muitos crimes foram cometidos no
século XX em nome da lealdade a um comandante militar, ou defesas estapafúrdias são feitas
em nome da lealdade a uma ideologia ou religião.
Desde criança aprendemos que devemos ser leais aos pais, à religião, aos amigos, etc.,
e também que sempre se deve dizer a verdade. Isso em si já se constitui em um dilema.
Cabe apontar que um paradigma é norteado pelas essências, uma vez que a
categorização referenciada por paradigmas não está presa a detalhes ou elementos aparentes.
Paradigma do grego para, prefixo que significa ao lado de ou além, e do sufixo deigma que
significa exemplo, portanto, o termo paradigma pode ser substituído por “padrão” e se refere a
uma estrutura ou pensamento aceito como válido para explicar um conjunto de dados
complexos (KIDDER, 2007, p. 151).
Tanto a moral quanto a ética estão em constante movimento. Falar em universalidade
da ética pode ser contraditório quando pensamos em diferentes culturas, diferentes demandas
em diferentes épocas7. Praticar canibalismo, embora pareça uma atitude repugnante na
contemporaneidade, não o era em civilizações anteriores, assim como o ato de tratar pessoas
como mercadoria foi moralmente aceitável em momentos anteriores à época atual. Não faz

7
Valores universais como o respeito à vida, o respeito à dignidade humana e a proteção do mais frágil contra o
mais forte, por exemplo, nem sempre são (ou foram) respeitados pela totalidade da humanidade. A sua
universalidade não está na aplicação, mas na sua validade.

22
muito tempo que fumar era símbolo de elegância e masculinidade. Tendências mais
contemporâneas contestam inclusive a prática desse ato em locais públicos. Quantos de nós não
usamos canudos sem sequer cogitar uma reflexão sustentável? Hoje comemos carne e muitos
tratam animais como coisas sem ter isso como algo que fere a moral ou a ética. Entretanto,
apesar da flagrante mudança, na moral e na ética, demonstrada pela história da civilização,
parecem existir princípios que, embora não sejam universais, se mostram recorrentes em
diversas culturas, de diversos tempos. Kidder chama esses princípios de núcleo interior.
Segundo ele, esse núcleo é fundamental para a decisão entre o certo e o errado. Esse autor
lembra, ainda, que não somos amorais (pelo menos a maioria de nós), entretanto,
constantemente estamos na iminência do risco de sermos imorais.
Quando você descobre que um vizinho seu está espancando a esposa e você não vai à
polícia denunciá-lo, não se trata de um dilema ético, uma vez que não foi uma escolha entre o
certo e o certo. No entanto, se alguém lhe pergunta quem o denunciou à polícia, você está diante
do dilema entre dizer a verdade e proteger a própria vida.
Na perspectiva de Kidder (2007) há três maneiras de estar errado: 1) a violação de uma
lei, b) o distanciamento da verdade (omitir informações importantes, vender produtos com
problemas sem informar o cliente das fragilidades dos mesmos) e 3) desvio de retidão moral
(exploração de vulneráveis, apropriação indébita de material alheio, traição). Entretanto, há de
se pontuar que moral e ética nem sempre caminham juntas e que por vezes a ética desconstrói
a moral para estudar as suas entranhas, desvelar as razões da sua existência, questionar a
pertinência das suas normas.
Somo de parecer de que o bem-estar do professor vincula-se ao modo como o
profissional administra os dilemas éticos. A tarefa da docência está permeada por esse
fenômeno e talvez a primeira tarefa seja a consciência de que o docente irá conviver
constantemente com essas escolhas entre dois caminhos certos, onde, automaticamente um
desses caminhos será deixado de lado. Para discutirmos o entendimento do possível convívio
pacífico com essas decisões amargas, passemos a ilustrar algumas das inúmeras situações de
sala de aula em que os dilemas se fazem presentes.
As Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs) estão cada vez mais
difundidas e abrangentes entre as pessoas e, como reflexo dessa expansão, isso acomete também
aos estudantes. Mesmo nos casos em que a abrangência das TDICs seja pautada na relação
conflituosa entre nativos e imigrantes digitais, é evidente o esforço dos professores no intuito
de se engajarem no processo de inserção dessas ferramentas tecnológicas no contexto

23
educacional (SANTOS; SALES, 2017). Entretanto, esse alcance ainda não é universal. Dessa
forma, deve o professor fazer uso desta ferramenta para sua prática pedagógica, sabendo que
há indivíduos que não poderão usufruir do material?
Diante da pandemia denominada Covid- 19, o trabalho remoto vem ganhando espaço
em todo o mundo. Na Educação, particularmente em Moçambique, onde a pobreza é muito
acentuada, o estudante não dispõe de um computador ou telemóvel que lhe permite acesso à
internet ou tem dificuldades financeiras para aquisição das recargas. Reconhecendo essas
dificuldades, o professor deve ou não utilizar os recursos digitais para dar aulas?

3.3 Indivíduo Versus coletividade


Dentro da sala de aula, o professor é o mediador das ações pedagógicas. Cabe a esse
profissional a gerência técnica do aprendizado do estudante. Nesse sentido, é preciso dosar as
ações, as atividades, o controle e a flexibilidade da liberdade do estudante. Os programas
educativos são organizados através de estruturas ora contraditórias, onde aspectos como
metodologia, concepção teórica e questões burocráticas se fundem às demais demandas do
professor. Essas difíceis escolhas estão presentes desde a decisão do material a ser usado, até o
processo avaliativo do trabalho pedagógico.
Tardif (2002, p.126-127) chama atenção para esta questão e complementa:

No caso dos programas escolares, mesmo os objetivos terminais – expressos com


frequência em termos de competências a serem adquiridas – comportam inúmeras
imprecisões, e muitos deles são não operacionalizáveis. O resultado disso é que os
professores trabalham a partir de orientações de trabalho frequentemente imprecisas,
que exigem não somente improvisação da parte deles, mas também escolhas e
decisões quanto à maneira de compreender e realizar seus objetivos de trabalho.

O estudioso supracitado aponta ainda alguns entraves como a contradição entre os


objetivos do trabalho docente, ao fundir, por exemplo, individual e coletivo. Para Tardif essa
fusão se configura como eticamente impossível, uma vez que “os professores nunca podem
atender às necessidades singulares de todos os estudantes assumindo padrões gerais de uma
organização de massa. Eles devem de uma maneira ou de outra, perder numa das duas tabelas”
(TARDIF, 2002, p.146). Como característica de um dilema ético, o professor deve estar
consciente de que, ao escolher um caminho, mesmo sem a certeza de saber se tomou a decisão
mais adequada, haveria a necessidade de sacrificar uma das possibilidades.
A questão de optar entre coletivo ou individual pode ser estendida aos processos
avaliativos e dosagens de condução do saber a ser ensinado. Deve ir mais adiante na ementa,
priorizando os estudantes com mais potencial, ou cumprir o programa de forma rasa, atendendo
24
a um patamar médio? E quanto à avaliação do próprio trabalho: os estudantes aprenderam? O
quê? Foi uma aprendizagem útil? De forma crítica?
O campo de dilemas no entorno da educação é vasto. Poderíamos percorrer pela parte
disciplinar, pelo envolvimento nas questões de marginalidade social, pela decisão entre
promoção ou reprovação, pela inquietação diante da oferta insatisfatória ao estudante especial,
pela condução de gestores, equipe pedagógica e pares, no que concerne a inúmeras outras
questões que associam a postura do profissional da educação à conduta refletida pelos valores
éticos.
Queremos saber quais práticas incomodam o professor, quais ações são consideradas
justas e quais injustas; quais o dignificam e quais o fazem sentir-se indigno. Como justificam o
que é certo e o que não é certo na prática docente? O que pensam da ação da família dos
estudantes e quanto se preocupam com o bem-estar dessa família? O que significa, para ele, ser
professor? O que se deve fazer como profissional da educação? O que não devia ser exigido do
professor?
Na sua perspectiva, o que a sociedade espera dele é justo? O que ensina contribui para
a consciência de estar cumprindo o que dele é esperado?
Um detalhe a ser destacado da fala de Tardif é que o objeto passivo do professor (os
estudantes), na realidade é ativo e pode oferecer resistência às ações docentes. Fazer com que
haja uma harmonização de interesses conduzindo o comportamento na direção do seu objetivo,
que é o aprendizado coletivo, requer negociação.
Supomos que a relação entre os dilemas (decisões em clima de incerteza sobre o que
se deve fazer), as relações interpessoais marcadas pelos conflitos de interesses nem sempre
explícitos, os conflitos decorrentes das relações e até pressões institucionais e o bem-estar do
professor pode ser analisada na perspectiva da definição de saúde da Organização Mundial da
Saúde (OMS), que na Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) -
1946 assim expõe: saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não
consiste apenas na ausência de doença ou enfermidade” (OMS, 1946), revela que a saúde do
trabalhador não deve ficar restrita ao atendimento médico-hospitalar Deve ser vista levando
em conta fatores provenientes de contextos mais abrangentes.
Em seu comentário Cintra (2018, p.126) afirma que:

Essa definição é relativamente bem aceita até os dias de hoje e influencia a elaboração
de políticas de saúde pública em boa parte do mundo. É abrangente e de certa forma
expande o senso comum (a ideia de que saúde física significa ausência de doenças),
com a valorização de aspectos psicológicos e sociais como componentes da saúde
integral do ser humano.
25
Dessa forma, entende-se que o trabalho também pode provocar adoecimento e que
este pode advir de múltiplos fatores, um deles, na perspectiva deste trabalho, os dilemas éticos.
Conforme visto, um dilema não é produzido pelo indivíduo, mas pela sociedade. Essa mesma
sociedade, que cria instituições para solucionar problemas que o indivíduo não consegue
resolver sozinho, proporciona o aparecimento de outros dilemas e novas formas de
enfrentamento que geram outros dilemas. Sobre isso cumpre destacar as contribuições de
Douglas (2007) quando afirma que as instituições, sempre resultam de uma situação
duradoura8 e são criadas para resolver problemas e ajudar em decisões que os indivíduos se
sentem incapacitados de resolver sozinhos. Desse modo elas acabam propiciando as categorias
de pensamento dos seus membros, definindo a sua identidade e orientando percepções,
compatibilizando-as com as relações que são autorizadas por ela. No entanto, como sempre
acontecem, essas decisões institucionais também podem cercear a liberdade, gerar
descontentamento e conflitos pessoais. Assim sendo não deve ser surpresa se a comunidade9 a
qual pertencemos nos pressione e cerceie, pelo menos em parte, a nossa espontaneidade e nos
cause sofrimentos. Diante disso, é necessário cuidado para não se despersonalizar submetendo-
se simplesmente ao coletivo. Douglas (2007, p.23) afirma ainda que:

É preciso que entre os seus membros exista algum pensamento e algum


sentimento que se assemelham. Isto não que dizer, porém, que um grupo que se
associa possua atitudes próprias. Se ele possui algo, é devido à teoria legal que o
reveste de uma personalidade fictícia. A existência legal, entretanto, não basta. Os
pressupostos legais não atribuem vozes emocionais ao grupo que se associa. Somente
pelo fato de ser legalmente constituído não se pode dizer que um grupo ‘comporta-se
e muito menos que ele pensa ou sinta(...)A teoria marxista presume que uma classe
social pode perceber, escolher e agir de acordo com seus próprios interesses grupais.
A teoria democrática baseia-se no conceito da vontade coletiva.

Dessa forma, conclui-se que, na teoria democrática, as instituições pensam como


pensam aqueles que as compõem. Se essas vozes forem discordantes, discordantes serão
também as decisões e, também, serão discordantes as percepções, e a submissão à vontade
coletiva é conflitante para o indivíduo. É nessa perspectiva do professor como um assujeitado
às instituições às quais pertence e das quais sofre influências positivas, mas que também é
pressionado a submeter a certas regras que lhe parecem contraditórias, que este trabalho se
insere.

8
Nas palavras de Douglas: “ Não é qualquer ônibus lotado ou ajuntamento aleatório de pessoas que merece o
nome de sociedade” (p. 23).
9
Não se trata de comunidade localizada geograficamente, mas de um conceito mais amplo que inclui as
associações de classe, as sociedades científicas, as instituições governamentais as quais estamos sujeitos, etc.

26
4 IMPLICAÇÕES INSTITUCIONAIS NA PRODUÇÃO DE DILEMAS ÉTICOS E NO
BEM-ESTAR DO PROFESSOR

Conforme visto em páginas precedentes, as instituições têm a função de balizar e


validar as ações humanas, especialmente nas esferas social, cientifica e profissional. A ementa
a ser cumprida no processo de ensino de uma determinada disciplina é uma determinação dessas
instituições. Elas consideram aquele conhecimento como sendo relevante para o estudante e
esperam que ele seja “entregue” a este, cabendo ao professor escolher a forma de “entrega” que
considera mais apropriada levando em conta a sua formação, a espécie de conteúdo contido
nessa ementa, o contexto social e os objetivos do nível de escolaridade em que atua, entre
outros.
Por vezes, devido a interferência de fatores múltiplos, em espécie e em termos de
origem, essa incumbência ou a “entrega” do conteúdo que estava previsto não se efetiva. Diante
disso levanta-se a questão sobre qual deve ser a posição do professor, como profissional e como
pessoa que se considera responsável pelo cumprimento de uma tarefa e que acredita ser um
direito do estudante e que ela seja importante para esse estudante.
Dessa forma, foi perguntado ao professor: “O quanto lhe incomoda não conseguir
cumprir a ementa (programa, conteúdo) prevista para o bimestre ou período estipulado? ”
Este é um fator que tende a escapar ao controle do professor. Instituições de ordens
superiores influenciam nessa determinação. Na perspectiva da Teoria Antropológica do
Didático (CHEVALLARD, 2002; CHAACHOUA; BITTAR, 2019) são dez os níveis de
determinação, ou melhor, codeterminação tendo em vista que se imbricam. Do mais amplo ao
mais restrito tem-se: a) Humanidade; b) Civilização; c) Sociedade; d) Escola; e) Pedagogia; f)
Disciplina (ciência a ser ensinada); g) Domínio; h) Setor; i) Tema e j) Tópico. A nós interessa
quatro deles, a saber: sociedade, escola, pedagogia e disciplina.
A sociedade impõe aos órgãos governamentais as suas necessidades forçando-os a
criar as disciplinas escolares. As políticas educacionais e os programas de estudo são elaborados
visando produzir transformações na escola de modo que esta possa influenciar a sociedade
mantendo a sua marcha civilizatória. A escola, subordinada a esses programas, a essas
exigências sociais, modifica ou referenda as proposições que recebe dessas instituições de
ordem mais ampla (SALES; PAIS, 2017, p.116).
Comentando o artigo nº 205 da Constituição Federal Brasileira de 1988, que trata da
educação como direito de todos e dever do Estado, Antonio Chizzotti, após afirmar que “O

27
princípio fundador da unidade nacional republicana é a partilha comum nas ideias”, escreve
que:

O Estado republicano pressupõe uma forte centralização do que os estudantes devem


aprender e os professores, ensinar, como garantia da igualdade de direitos de cada
cidadão ter os mesmos conteúdos de ensino e iguais chances sociais, cabendo,
portanto ao executivo, por meio de suas instâncias ministeriais e demais órgãos
burocráticos de gestão pública, definir, acompanhar e avaliar o que deve ser ensinado
(CHIZZOTTI, 2020, p.9).

Dessa forma Chizzotti concorda com Chevallard (2002) quando este afirma que o
professor é um assujeitado às instituições que são detentoras do saber e têm a responsabilidade
de decidir o que ensinar, a quem ensinar e quando ensinar.
Sendo assim, ao professor nem sempre sobra a opção ou nem sempre lhe ocorre a ideia
de selecionar temas que considera mais relevantes para abordar no tempo que lhe é designado
pelas instituições. Por outro lado, a sociedade fornece à escola a clientela e esta designa ao
professor o grupo de estudantes com os quais deve atuar. Cada grupo requer um ritmo de
trabalho do professor. Por sua vez, a pedagogia, considerada como um campo teórico que
exerce influência sobre as formas didáticas das disciplinas, por meio de propostas
metodológicas genéricas, exerce também uma influência sobre esse fazer do professor,
especialmente sobre as suas decisões. No Gráfico 1 estão registrados os desconfortos que essa
situação impinge ao professor.

Gráfico 1 - O incômodo sentido pelo professor em não conseguir cumprir a


ementa, 2019-2020
50,0%
45,0%
40,0%
35,0%
30,0%
MZ; 45,3%

25,0%
EC; 40,7%
EC; 16,7%

BR; 37,1%

20,0%
BR; 31,1%

EC; 24,1%

15,0%
MZ; 16,4%
BR; 4,6%

BR; 19,3%
MZ; 15,1%
MZ; 10,8%

EC; 13,0%
MZ; 5,6%

MZ; 6,9%

10,0%
EC; 1,9%
EC; 3,7%

BR; 2,9%
BR; 5,0%

5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto

Fonte: Dados da pesquisa.

28
Em lugar de legendar o Gráfico pelas cores, como é usual, optou-se por indicar o país,
ao qual se refere, e respectivo percentual, no próprio Gráfico sobre a coluna de dados. Dessa
forma tem-se, por exemplo, MZ; 45.3% (significando dados dos professores de Moçambique e
45.3% nesse quesito), EC; 24.1% (dados dos professores do Equador, 24.1%) e BR; 36.1%
(dados dos professores do Brasil, 37.1%). Esta é uma opção disponível no Excel® para
substituir as tradicionais legendas.
A ideia de uma ementa é uma construção social e está solidamente consolidada. Ela é
uma prescrição ligada a um programa que pressupõe uma linearidade e um pacote fechado. Para
que sofra modificações novos debates necessitam ser provocados (GOODSON, 1995). Há que
se observar que os professores dos três países, em sua maioria, se mostram comprometidos com
o cumprimento do programa.

4.1 Com que frequência o professor deixa de cumprir o programa estipulado?


O Gráfico 1.1 traz a dimensão do problema tendo em vista que revela a frequência com
que ocorre, em cada país, o descumprimento do programa. Considerando que mais de 60% e,
se considerarmos os que se incomodam medianamente, esse percentual supera 80%, os que se
sentem importunados caso isso ocorra com muita frequência.

Gráfico 1.1 - A frequência com que ocorre o não cumprimento do


Programa, 2019- 2020.
EC; 37,0%

0,4
MZ; 31,9%

EC; 27,8%

0,35
BR; 24,6%
BR; 21,8%

BR; 21,1%

0,3
BR; 17,5%

EC; 18,5%

0,25
MZ; 16,8%

MZ; 16,0%
MZ; 13,8%

0,2
EC; 9,3%

BR; 7,9%
BR; 7,1%

MZ; 8,2%

0,15
EC; 5,6%

0,1
EC; 1,9%

0,05
MZ; 0

0
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto

Fonte: Dados da Pesquisa

29
Pelo que se observa, 45.7% dos professores pesquisados de Moçambique, via de regra,
cumprem o programa em sua quase totalidade. Somente 16.8% deles o fazem medianamente e
24.2% quase nunca conseguem e são altamente incomodados por esse problema.
Esse cumprimento pode ser entendido sob o ponto de vista quantitativo dos conteúdos
planejados, ou seja, o grau de alcance de toda a matéria para um determinado ciclo de ensino
em termos percentuais. Todavia, a nossa experiência como professores de Educação Básica e
superior tem nos revelado que o aproveitamento pedagógico qualitativo dos estudantes é
questionado. O estudante termina a Educação Básica com dificuldades de leitura, escrita e
aritmética básica. Sobre isso tem-se que:

Na análise das competências e habilidades na leitura de textos, dos estudantes de 4ª


série, aferidas através do SAEB, são estabelecidos quatro níveis: muito crítico,
crítico, intermediário e adequado (INEP, 2005:52). Os dois primeiros níveis
concentram aproximadamente 55% dos estudantes e apenas 4,8% se enquadram no
nível mais alto (INEP, 2006: 45), o que significa que quase a totalidade dos estudantes
brasileiros que cursaram quatro anos de escolaridade está abaixo do nível considerado
adequado pelos indicadores utilizados no exame a que foram submetidos (ESTEBAN,
2009, p. 129).

No Equador o percentual dos que sofrem com esse problema, é ainda menor do que
em Moçambique. Somente 14.9% dos professores equatorianos não conseguem cumprir o
programa satisfatoriamente e por isso sentem-se altamente incomodados.
No Brasil o problema é pouco maior do que em Moçambique, mas ainda assim se
revelou baixo com apenas 29.0%. Porém, se incluirmos os que não o cumprem medianamente,
ultrapassa os 50%. Por outro lado, no Equador esse percentual não atinge 35% e em
Moçambique chega aos 41%. No Equador, 66% dos participantes enfrentam poucos problemas
com relação a essa entrega e em Moçambique, conforme já visto, atinge 45.7%.
De qualquer forma, o que fica evidente é a preocupação dos entrevistados com a entrega
de conteúdos aos estudantes sob sua responsabilidade. É a valorização do saber coletivo, por
parte dos professores sendo que no Brasil essa entrega está mais difícil do que nos outros dois
países.
A segunda questão (Gráfico 2) decorre de uma observação empírica de queixa
comumente ouvida em certa região do Brasil de que as instituições gestoras da educação
parecem estar mais preocupadas com dados estatístico do quem em conhecer a realidade. O
mesmo cenário acontece em Moçambique, que muitas vezes o aproveitamento pedagógico é
muito alto em termos quantitativos, porém, os estudantes têm revelado ausência de
competências após o término de certo ciclo.

30
Gráfico 2- O incômodo de atribuir nota extra para não reprovar, 2019 - 2020

BR; 63,2%
MZ; 62,1%
70,0%

60,0%

50,0%

EC; 24,1%
40,0%

EC; 22,2%

BR; 18,6%
EC; 18,5%

MZ; 12,5%
30,0%

EC; 13,0%

EC; 13,0%
MZ; 9,1%
EC; 9,3%

BR; 8,6%
MZ; 6,5%

MZ; 5,6%
BR; 5,7%

MZ; 4,3%
20,0%
BR; 2,1%

BR; 1,8%
10,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito alto
Fonte: Dados da pesquisa

Certamente, as estatísticas são (devem ser) um reflexo da realidade. Pode acontecer


de que alguém, gestor ou professor, não saiba o que fazer com essa “fotografia” e ocorra a
pressão. Decorrente disso, de um lado vem o pedido de justificativa e, do outro lado, vem a
burla, causando desgastes para ambos e prejuízo para os estudantes. A preocupação de um
pode estar sendo entendida pelo outro como uma exigência de que se resolva o problema a
qualquer custo. A atribuição de nota extra para não reprovar funciona como um retoque na
“fotografia”, como o trabalho de um perito em photoshop. “Embeleza” o quadro, mas não traz
satisfação ao profissional e nem benefícios ao usuário. Cada lembrança de que foi apenas um
retoque é uma lancetada aguda em ambos.
Sente-se a falta de uma “construção coletiva de um projeto alternativo capaz de
contribuir cada vez mais para o desenvolvimento de uma educação de qualidade para todos”
(VEIGA, 2007, 31).
Enunciado da questão de número 2: “O quanto lhe incomoda atribuir nota extra ao
estudante para que ele não reprove?” O Gráfico 2 contém os dados relativos a esta questão.
Vê-se que os professores que mais sofrem com essa prática são os brasileiros (81.79%)
e, em segundo lugar, os moçambicanos (74.57%). A prática para atribuição de nota extra para
aprovar revela que, pode contribuir para o fracasso do estudante, isto é, o estudante acomoda
para a fraca assiduidade e entrega na preparação e aprofundamento do conteúdo. Por outro lado,
a reprovação pode ser interpretada como uma punição e, nesse caso, será recebida como uma
injustiça uma vez que o estudante pode não ter apresentado rendimento por fatores alheios à

31
sua vontade. De qualquer forma se tem aí um dilema a ser enfrentado. Qualquer solução pode
não ser a melhor alternativa.
Aparentemente a prática parece afetar menos os professores equatorianos. Esses dados
nada dizem sobre ser isso resultado de uma sensibilidade ou de uma ocorrência acentuada do
fato. O Gráfico 2.1 traz os resultados da ocorrência de atribuição de nota extra para que
estudantes não reprovem.

Gráfico 2.1 - A ocorrência de atribuição de nota extra para que estudantes não
reprovem, 2019-2020
EC; 38,9%

45,0%

40,0%

MZ; 28,5%
BR; 26,1%
MZ; 25,0%

35,0%
EC; 24,1%

BR; 22,5%
30,0%

MZ; 14,2%
25,0%
EC; 14,8%

EC; 14,8%
BR; 14,6%

BR; 13,9%

BR; 13,6%
MZ; 12,5%

MZ; 10,3%

20,0%
MZ; 9,5%
BR; 9,3%

15,0%

EC; 5,6%
EC; 1,9%

10,0%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa.

A comparação entre os dados do Gráfico 2.1 mostra que o problema é mais frequente
no Brasil, em segundo lugar, em Moçambique e, mais raramente, no Equador. Isso explica o
incômodo maior entre os professores brasileiros e moçambicanos. No Brasil, se somarmos as
frequências de intensidade média (que indica ocorrência), alta e muito alta, supera 60%. Em
Moçambique supera 50% e no Equador se limita a 35%. A questão que se levanta e requer uma
investigação específica é: tal fato (atribuição de nota extra para não reprovar) resulta de uma
exigência explícita do órgão gestor, de uma exigência implícita e cuja análise do contexto em
que ela aparece é suficiente para induzir um comportamento, ou resulta do mau entendimento
de uma expressão de preocupação? Sabe-se que para quem está com um problema, e para o
qual não vislumbra indícios de como atacá-lo, a simples pergunta sobre ele provoca o
desconforto de uma cobrança de solução. Para piorar a situação, essa suposta cobrança não traz
de forma explícita ou implícita um indicativo de solução. Ela apenas incomoda e nisso está o
seu ponto forte e, ao mesmo tempo, o seu ponto fraco. É um ponto forte por incomodar e é um
32
ponto fraco por incomodar quem está fragilizado e não sabe o que fazer. Essa situação coloca
o professor em uma condição de dilema ético. Deve dar atenção ao interesse do estudante, que
lhe parece ausente e, nesse caso, deve ser punido pelo desinteresse, ou atender a uma demanda
implícita da gestão?
Por outro lado, caso se confirme que o ato de atribuir nota extra ao estudante tenha se
tornado prática usual, isto é, já aconteça como resultado de consenso implícito entre
professores, comunidade e gestão escolar, o não cumprimento desse requisito, por parte de
algum professor, coloca-o na condição de um transgressor. Estando, a referida prática,
normalizada ela sai da esfera da ética para ser inserida na esfera da moralidade.
Discutir se essa prática deve ser mantida ou rompida é um debate ético e, da mesma
forma, será um debate ético o tratamento que deve ser dispensado ao professor que se sentir
incomodado em obedecer tal requisito normal.
Toda essa discussão relativa ao posicionamento dos professores dos três países faz
sentido quando se leva em conta que a quantidade de professores foi diferente. Em dados
absolutos: 280 do Brasil, 232 de Moçambique e 54 do Equador. Esses foram os professores
que, voluntariamente, participaram.
Questões dessa natureza, da visão imediatista da avaliação do processo educativo,
também incomodaram Gómez (1997). Nesse ano ele já falava da perspectiva ética da educação
afirmando que ela se contrapõe à dimensão instrumental, isto é, da preocupação com o preparo
para o mercado, orientação para as exigências econômicas. A dimensão ética também difere da
perspectiva tradicional que se fundamenta numa prática intuitiva, com ausência de reflexão e
centrada na individualidade.
A perspectiva ética, segundo esse autor, não mede a qualidade do ensino pela resposta
imediata, pela prontidão nas respostas ou pela quantidade de acertos conforme um programa
preestabelecido. Essa qualidade se fundamenta “nos valores intrínsecos” e não “nos fins
externos” como quantidade de aprovados ou preparo para o trabalho, “os fins [a aprovação da
maioria] não justificam os meios [atribuição de notas extras]”, não se prende a medir realizações
sem que valores estejam sendo construídos. Ele entende que por “[...] valores devem considerar-
se feitos que condicionam o sentimento, a conduta e o pensamento dos homens” (GÓMEZ,
1997, p.30).
Escreve o mesmo autor que é difícil definir metas educativas e até mesmo uma
avaliação consistente, métodos apropriados e conteúdos adequados sem levar em conta os
valores que definem essas metas. Os valores, segundo ele, prevalecem sobre a intencionalidade

33
educativa. Quando os resultados são medidos pelas respostas imediatas os fins influenciam nos
meios.

Quando o indivíduo, o grupo ou a coletividade se implicam em uma atividade, em


alguma medida estão sendo conformados por ela. A forma específica de implicação
produz a curto, médio ou longo prazo, efeitos cujo sentido antropológico é necessário
‘valorizar’, com independência do valor ou qualidade dos resultados obtidos através
de tal atividade humana (GÓMEZ, 1997, p.30).

Numa prática educativa o que se deve levar em conta são efeitos prolongados de tal
modo que “limitar o conceito de qualidade do ensino a uma medida dos produtos observáveis
a curto prazo, não supõe senão uma visão míope e pobre de um campo tão complexo” (GÒMEZ,
1997, p.30). O que se busca é o desenvolvimento humano. O objetivo da prática pedagógica é
a ampliação dos limites do sujeito, é a potencialização do desenvolvimento da autonomia
interior, isto é, capacidade de relacionar o que aprende com as relações sociais e pessoais.

34
5 PRÁTICAS DOCENTES ENTRE O SABER, AS RELAÇÕES PESSOAIS, OS
CONFLITOS ÉTICOS E AS NORMAS

Este é o capítulo mais extenso e está dividido em onze subtítulos. Todo o seu conteúdo
é resultado de análise das respostas dadas pelos professores, articuladas com a literatura
disponível.
Os dados são quantitativos, porém foram analisados qualitativamente, seguindo um
viés fenomenológico, isto é, articulando livremente com a literatura. No entanto, cuidou-se para
não perder de vista o objetivo central que é vislumbrar o quanto de dilema ético aparece nessas
falas e quais os indicativos de mal-estar presentes nesse discurso.
Há uma abundância de Gráficos e sempre se procurou comparar quantitativamente as
perspectivas dos professores dos três países entre si, sem emitir juízo de valor considerando que
os contextos são diferentes, portanto incomparáveis em termos de qualidade.
Tendo em vista que as quantidades absolutas de participantes foram diferentes, embora
houvesse uma aproximação entre Brasil e Moçambique, procurou-se diminuir esse
distanciamento trabalhado com valores relativos (percentuais), considerando como 100% o
total de participantes de cada país. Os Gráficos, estão numerados conforme a ordem dos itens.
A seguir, portanto, os itens da pesquisa empírica.

5.1 O professor e as normas prescritas


Ainda está-se sendo levado em conta que são as instituições que determinam as
categorias de pensamento e, consequentemente, orientam as ações dos seus membros. É delas
que emanam as orientações, são as prescritoras das normas a serem seguidas. Essas orientações
emanadas podem ser resultantes de consensos simples ou de normatizações que, embora sejam
úteis na solução de problemas complexos, tendem a inibir a espontaneidade. No caso do
professor, ele pode considerar-se um assujeitado, inibido de promover alterações que, no seu
julgamento, são necessárias ou sentir-se incomodado em não conseguir cumprir com
determinadas exigências. Dessa forma, a questão: “O quanto lhe incomoda quando compara o
que as normas prescrevem (ou as orientações que recebe) e o que consegue ou é possível
realizar?” foi proposta e está sendo discutida.
Nem sempre a distância que separa o esperado do possível é tão curta ao ponto de se
considerar como tendo alcançado o que se esperava. Essa distância pode ser fonte de
desconforto. A seguinte questão (Gráfico 3) indaga o incômodo sentido pelos educadores ao

35
comparar aquilo que lhe é orientado a fazer (normas prescritas) com aquilo que consegue, de
fato, realizar. Desse modo, é possível realizar uma leitura sobre a relação que se estabelece
entre as atribuições, orientações e direcionamentos endereçados aos docentes, buscando
analisar como tais preceitos se configuram na prática do educador.

Gráfico 3 - O grau de incômodo de professores ao comparar as normas


prescritas com as possibilidades reais de realização, 2019- 2020

BR; 42,5%
BR; 35,7%
45,0%

MZ; 31,0%
40,0%

MZ; 26,7%
EC; 27,8%
35,0%

EC; 25,9%
30,0%

MZ; 19,0%
25,0%

EC; 16,7%
BR; 13,6%
EC; 13,0%

20,0%
MZ; 9,9%

EC; 11,1%
MZ; 9,5%

15,0%
MZ; 3,9%

BR; 3,9%
EC; 5,6%
BR; 2,9%

10,0%
BR; 1,4%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto

Fonte: Dados da pesquisa.

As normas prescritas nos programas de ensino incomodam o professor. Muitas vezes


não deixa espaço de manobra para que este profissional mostre a sua criatividade. Na prática,
o professor precisa adequar tais orientações à realidade da turma e do contexto local. Dos
professores moçambicanos participantes da pesquisa, 57.8% são fortemente incomodados com
essas orientações e, 19.0% são medianamente incomodados. De forma geral mais de 70% dos
participantes sentem incômodo ao comparar as orientações prescritas com as possibilidades
reais de realização. Por outro lado, 23.3% dos participantes consideram não haver incômodo
relacionado às normas prescritas e sua realização.
O mesmo incômodo ocorre fortemente com os professores equatorianos com um grau
de incômodo de 53.7% dos participantes e medianamente com 16.7%. Todavia, 29.6% dos
participantes não consideram isso como motivo de incômodo para a sua atividade.
Em relação ao grau de incômodo, 78.2% dos professores brasileiros sentem
fortemente incomodados ao comparar as normas prescritas e com as possibilidades reais de
realização. Ainda, 13.6% são medianamente incomodados. Por outro lado, verifica-se que
36
somente 8.2% dos professores brasileiros não sentem incômodo com as normas prescritas e a
sua realização.
A demanda exercida sobre os professores contemplada no Gráfico 3 indica uma
tendência de que as solicitações aos professores dos três países têm sido além das possibilidades
factuais de realização. As análises dos dados supracitados fortalecem o declarado uma vez que
quando indagados acerca da satisfação docente em função da relação entre as atividades
solicitadas e as estruturas para realização das mesmas, os profissionais convergem para
insatisfação.
Para 29.6% dos docentes equatorianos, o grau de insatisfação situa-se entre nenhum,
muito baixo e baixo. Para os moçambicanos, esse índice diminui para 23.3%. Já para os
brasileiros, o índice (nenhum, baixo e muito baixo) é de apenas 8.2%. Embora, o número de
insatisfeitos brasileiros seja menos e apesar dos quantitativos moçambicano e equatoriano
estarem muito próximos entre si, os índices apresentados para nenhum, muito baixo e baixo
incômodo não atingem 30%, em nenhum dos casos.
Assim como acontece com o baixo, muito baixo ou nenhum grau de descontentamento
com a divergência entre as demandas docentes e a possibilidade de realização destas, os índices
de Equador e Moçambique se assemelham também no que diz respeito aos patamares de
insatisfação que se enquadram a partir da média. Ao considerar, portanto, um grau de incômodo
médio, alto ou muito alto, Equador e Moçambique apresentam índice de 70.4%, e 76.3%
respectivamente, enquanto que o Brasil registra um quantitativo de 91.8% por cento de
descontentamento ou incômodo situado entre médio e muito alto.
Essa é uma realidade inquietante, mas que parece estar sendo oculta por questões de
acomodação. Levantar um debate dessa natureza pode não render votos (em algum pleito para
um cargo político) ou o silêncio pode ser resultante de um injustificado sentimento de culpa por
parte do professor.

5.2 O professor e o atendimento ao estudante

Atender o estudante sempre vai muito além da ministração de determinado conteúdo


devidamente transposto para o contexto escolar. Envolve conhecer bem o que vai ensinar, ter
bom relacionamento com os estudantes procurando ler “o semblante deles”, “enxergar as suas
expectativas” e interessar-se por eles (PÓLYA, 1987, p.5)
Em nossa experiência como professor, da Educação Básica ao nível superior, em
instituições públicas e particulares, temos vivenciado o problema de atender três grupos de
37
estudantes numa mesma turma ou classe: 1) os que sempre estão à frente nos estudos, mostram
interesse e facilidade em acompanhar o que está sendo ensinado, 2) os que são medianos
(normalmente a maioria da turma) e 3) os que se posicionam de forma que não sabemos
distinguir se são apáticos ou se têm dificuldades intelectuais que não detectamos. Dificuldades
eivadas por problemas de ordem social, fisiológica ou emocional, que lhes impedem de
manifestar interesse, facilidade de compreensão, etc., podem também estar presentes sem serem
percebidas pelo professor. Tal fato nos coloca diante do dilema: qual grupo priorizar?
Essa questão se faz importante quando é levado em conta que a Pedagogia, o quinto
nível das determinações didáticas que, no presente contexto está sendo considerada como um
campo teórico que exerce influência sobre as formas didáticas das disciplinas, por meio de
propostas metodológicas genéricas (SALES; PAIS, 2017), espera que todos concluam o ano
letivo com o mesmo nível de apropriação ou construção do conhecimento. Desse fato surge a
terceira questão: “O quanto lhe incomoda priorizar o grupo de estudantes que se dão bem nos
estudos deixando os outros (os que têm dificuldades ou que não se esforçam) para trás?”.
O pressuposto, evidentemente, é que em alguns casos o professor adote essa opção
(Gráfico 3.1) de atender a um grupo.

Gráfico 3.1 - O quanto incomoda o professor priorizar o grupo de


estudantes que vão bem nos estudos, 2019-2020. BR; 44,3%
50,0%
45,0%
36,2%
BR; 30,0%

40,0%
35,0%
24,1%

30,0%
18,5%

25,0%
16,7%
16,4%

BR; 10,7%

15,1%

14,8%
14,2%
13,0%

13,0%

20,0%
BR; 6,1%

9,5%
BR; 5,0%

15,0%
8,6%

BR; 3,9%

10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto

Fonte: Dados da pesquisa.

Em Moçambique, situações similares acontecem. Para agudizar o problema, as turmas


são geralmente numerosas chegando a atingir 70 a 80 estudantes. O professor perde o controle
da turma, embaraçando o acompanhamento da evolução das aprendizagens. Para atender
38
questões burocráticas ele decide por atribuir notas positivas para todos os estudantes. Isso
configura como alternativa para evitar que os gestores questionem o seu desempenho. Às vezes
tem sido a iniciativa de alguns pais, e até encarregados da educação, procurar professores para
pedir ajuda para seus filhos serem aprovados. Esses estudantes ficam excluídos do sistema uma
vez que tiveram oportunidade de entrar e terminar o ciclo de estudos sem as qualificações
necessárias para enfrentar o mercado do trabalho ou os ciclos subsequentes da escolaridade. O
estudante adquire um “diploma vazio” que somente configura as notas, a carga horária sem a
devida correspondência com as competências adquiridas ou que se esperavam fossem
adquiridas na escola.
Analisando o Gráfico 3.1 fica evidente que os professores, dentre os participantes da
pesquisa, mais sensíveis a essa situação são os brasileiros com cerca de 80% deles sentindo-se
muito ou medianamente incomodados. Os moçambicanos ocupam o segundo lugar com cerca
de 60% e os equatorianos vêm em terceiro lugar com menos de 50%. Conforme já exposto
anteriormente há que se admitir que os dados não permitem afirmar se se trata de um caso de
sensibilidade ou de vivência, isto é, uma questão de sentimento humanitário de que se deve
sempre se posicionar em favor do mais frágil ou se é um caso de sofrimento por estar
acontecendo com frequência. O Gráfico seguinte (Gráfico 3.2) responde a essa questão. A
formulação da mesma foi: “Com que frequência isso acontece?” isto é, com que frequência o
professor prioriza o atendimento aos estudantes que acompanham o desenvolvimento do
conteúdo apresentado?

Gráfico 3.2 - A frequência com que professores priorizam o


atendimento aos estudantes que acompanham o desenvolvimento do
conteúdo apresentado, 2019-2020
EC; 42,6%

45,0%
40,0%
MZ; 24,1%
EC; 24,1%

BR; 23,2%
BR; 22,9%

35,0%
MZ; 19,4%

BR; 18,2%

MZ; 16,8%

30,0%
EC; 16,7%

MZ; 15,1%
BR; 13,6%

MZ; 12,5%

MZ; 12,1%
BR; 11,8%

25,0%
EC; 11,1%

BR; 10,4%

20,0%
EC; 3,7%

15,0%
EC; 1,9%

10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Médio Alto Muito Alto
Baixo

Fonte: Dados da pesquisa.

39
O fato de mais de 30% dos brasileiros participantes apresentarem essa prática com alta
frequência e mais de 20%, com frequência média, novamente coloca esses professores em
superioridade em relação aos moçambicanos, com 27% e 16% respectivamente, e aos
equatorianos com 6% e 11%. Neste ponto uma nova investigação se faz necessária. Por que
professores brasileiros têm mais tendência a priorizar o atendimento aos estudantes que se
mostram mais efetivos como tais? No entanto, há, sem dúvida, uma relação com os resultados
das questões expostas nos Gráficos 3 e 3.1 onde se tem que os brasileiros são mais instados
(implícita ou explicitamente) a atribuir notas extras a estudantes para que não reprovem. Este
pode ser um efeito colateral do atendimento prioritário aos estudantes melhor qualificados. Ao
deixar de atender aos demais estudantes com o mesmo empenho, vê-se na obrigação de aprová-
los para não ter que justificar o seu baixo rendimento.
A questão seguinte é exatamente o oposto desta. A referida questão é: “ O quanto lhe
incomoda priorizar o grupo de estudantes que NÃO estão bem nos estudos deixando em
segundo plano os que se esforçam ou se mostram capazes?” Os resultados estão no Gráfico 3.3.

Gráfico 3.3 - O quanto professores sentem incomodados em priorizar o grupo


de estudantes que não vão bem nos estudos, 2019-2020.

BR; 41,1%
45,0%
EC; 31,5%

40,0%
MZ; 27,6%
MZ; 27,2%

35,0%
BR; 22,9%

30,0%
EC; 16,7%
MZ; 15,1%

EC; 14,8%
BR; 13,9%

25,0%
EC; 13,0%

EC; 13,0%
MZ; 10,8%

MZ; 10,8%
EC; 11,1%

20,0%
BR; 9,6%

MZ; 8,6%

BR; 6,4%
BR; 6,1%

15,0%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto

Fonte: Dados da pesquisa.

Considerando os níveis médio, alto e muito alto, mais de 70% dos professores
brasileiros participantes da pesquisa sentem-se incomodados em atender prioritariamente os
estudantes mais “fracos”. De alguma forma são coerentes com o item anterior onde um alto
percentual se mostra insatisfeitos em dispensar mais atenção aos que estão bem nos estudos
(Gráfico 3.4). Dizem que procuraram atender a todos igualmente. Nesse quesito os equatorianos

40
ocuparam o segundo lugar com mais de 60% e os moçambicanos com menos de 60%. A busca
pelo atendimento igualitário a todos predomina em todos os países.

Gráfico 3.4 - Com que frequência o professor dispensa mais atenção aos
estudantes bem-sucedidos? 2019 - 2020
45,0%
40,0%
35,0%

MZ; 20,3%
MZ; 17,7%
MZ; 16,8%
MZ; 16,0%

30,0%

MZ; 15,5%
MZ; 13,8%
25,0%
20,0%
15,0%
BR; 10,7%

BR; 12,5%

BR; 12,5%

BR; 21,1%

BR; 25,0%

BR; 18,2%
EC; 38,9%

EC; 16,7%

EC; 18,5%

EC; 11,1%
EC; 9,3%

EC; 5,6%
10,0%
5,0%
0,0%
nenhum muito baixo baixo médio alto muito alto

Fonte: Dados da pesquisa.

O Gráfico 3.4 comparados com os Gráficos 3 e 3.1 mostram que o professor


equatoriano é o que dispensa atendimento mais equitativo aos estudantes. Procuram tratar
igualmente os que têm mais disposição e os que têm menos disposição para o estudo. Cada
grupo tem necessidades diferentes.
De alguma forma essa priorização coloca o professor diante de um dilema. Atender
quem tem menos necessidade ou quem tem mais necessidade? No entanto, há que se admitir
que essa questão certamente esteja mal formulada porque ela não leva em conta o tipo de
necessidade. Ambos os grupos têm necessidades. Porém, são necessidades diferentes que
demandam atenção diferente em espécie e em intensidade.
Quando o professor responde que dá mais atenção a um grupo é necessário pergunta-
lhe que tipo de atenção: intelectual, afetiva ou ambas? O grupo que se destaca pela
proatividade e rendimento intelectual talvez demande mais atenção intelectual, mais atividades
desafiadoras e maior aprofundamento dos temas abordados. Por sua vez, o grupo de
estudantes com rendimento menor e com tendência à apatia intelectual ou indiferença para com
o valor do conhecimento, talvez esteja demandando mais afetividade. O dilema do professor
está, portanto, em decidir que atenção dispensar a cada grupo de forma a não ampliar o fosso
intelectual entre os dois grupos. Esse fosso, se ampliado, trará mais prejuízo ao que ficar para
trás.

41
Nesses itens 4.3 e 4.4 a determinação é social. São condicionantes sociais e culturais
que se fazem presentes.

5.3 O professor e os dilemas profissionais


Neste tópico são discutidos os dilemas decorrentes da compreensão de que o professor
tem do que é seu direito ou dever fazer, o que está sendo dificultado pela gestão próxima ou
pelo sistema como um todo.
O Gráfico 4 apresenta os dados relativos à seguinte questão: “O quanto lhe incomoda
deixar de fazer o que acha justo para atender exigências da gestão ou do sistema como um
todo?”

Gráfico 4 - O quanto lhe incomoda o professor deixar de fazer o que


acha justo, 2019 -2020

BR; 65,4%
MZ; 51,7%
70,0%

60,0%

EC; 33,3%
50,0% EC; 25,9%

40,0%
BR; 19,6%
MZ; 14,2%
MZ; 13,8%

EC; 14,8%
EC; 13,0%

30,0%
MZ; 10,8%
EC; 9,3%
MZ; 5,6%

BR; 6,4%
MZ; 3,9%

20,0%
BR; 3,9%
EC; 3,7%
BR; 2,9%

BR; 1,8%

10,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa

O professor moçambicano enfrenta um desafio difícil de ser superado tendo em conta


que as turmas são numerosas (com mais de 60 estudantes). Ainda aliado a isso, nota-se uma
excessiva carga horária semanal que o professor tem que conciliar. Muitas vezes, para as
disciplinas ligadas às ciências sociais, o professor acaba trabalhando com 12 turmas para
perfazer 24 horas semanais. São implicações institucionais no fazer docente.
Embora o conceito de justiça10, nesse caso, seja amplo e subjetivo são poucos os
professores brasileiros que não se importunam com isso. Por outro lado, ¼ dos professores

10
Para situar o leitor, informamos que neste contexto adotou-se como conceito de justiça a prática de ações
consideradas corretas e necessárias, pelo indivíduo, considerando os valores pessoais e coletivos. Os
participantes da pesquisa não foram informados dessa definição.
42
moçambicanos, e também dos equatorianos, se mostram indiferentes ou pouco afetados por
essa situação. O Gráfico 4.1 completa o cenário para análise.

Gráfico 4.1 - Com que frequência isso acontece do professor deixar de fazer
o que é justo? 2019-2020

BR; 28,2%

BR; 31,1%
MZ; 31,5%
EC; 25,9%
35,0%

EC; 24,1%
30,0%

MZ; 21,1%
EC; 16,7%
MZ; 16,4%
25,0%

BR; 16,4%
EC; 13,0%

EC; 13,0%
MZ; 11,6%
20,0%

BR; 10,4%
MZ; 9,9%

MZ; 9,5%

BR; 8,9%
EC; 7,4%

15,0%
BR; 5,0%

10,0%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto

Fonte: Dados da pesquisa.

Observando o Gráfico 4 percebe-se que os professores brasileiros se sentem mais


incomodados de deixar de fazer o que consideram justo para acolher exigências da gestão com
mais de 85% dos participantes sentindo-se muito ou medianamente incomodado. Os
professores moçambicanos ocupam o segundo lugar com cerca de 70%, seguidos dos
professores equatorianos que se posicionam em terceiro lugar com 59%.
Comparando os dados dos três países, percebe-se que o que mais incomoda o professor
é a gestão. E em conformidade com a questão anterior, surge a seguinte questão: Com que
frequência isso acontece? O Gráfico 4.1 evidencia as respostas dos participantes a respeito
dessa questão.
Uma questão para reflexão seria, por exemplo, o que se considera justo para o
professor? Uma nova investigação pode ser necessária para perceber o que é justo para ele:
dedicar-se exclusivamente às aulas, pesquisar ou preparar as lições, gerir a turma, gerir os
conteúdos, gerir questões pedagógicas?
Sandel (2015), por exemplo, destaca que há três perspectivas para analisar a justiça: 1)
o bem-estar, 2) a liberdade e 3) a virtude.
É preciso considerar se a ação promove o bem-estar humano. O que se vai fazer ou
que se espera que faça contribui para o bem-estar presente e futuro do estudante? Deve-se
43
observar se a exigência não é um atentado à liberdade profissional, respeitado o cumprimento
das exigências sociais predeterminadas. E deve-se considerar ainda se essa forma de agir não é
um atentado à virtude, aos bons costumes. Esse autor considera que virtude é uma palavra de
domínio público, portanto, autoexplicativa.
Oitenta e nove professores moçambicanos (isto é: 38.4% deles) que participaram
sentem-se altamente incomodados. No Equador esse percentual cai para 24,1% e sobe para
46,1% entre os brasileiros.
Da análise do Gráfico 4.1 constatamos ainda que os professores brasileiros sentem
com muita frequência o incômodo com as exigências da gestão com mais de 60%, seguido de
professores moçambicanos com mais de 60 % e, os equatorianos aparecem com menos de
60%. Esses resultados corroboram com as constatações anteriores sobre o incômodo relativos
à gestão de atividades. Confrontando o quanto incomoda e com que frequência isso acontece,
percebemos que os professores brasileiros e os moçambicanos sentem mais incomodados do
que seus homólogos, os equatorianos.
Talvez, esteja no momento de se pensar em menos reuniões e mais diálogo. Para isso,
faz-se necessário revisitar o conceito de diálogo. De qualquer forma ele pressupõe abertura,
flexibilização, olhar atento à necessidade do outro, empatia.
Em espaços de verdades prontas o diálogo inexiste.

5.4 O professor e a família dos estudantes: fatores de distanciamento


As condições sociais e culturais nem sempre contribuem para que haja uma
aproximação entre o professor e a família dos estudantes. Quando não há comunicação entre
duas partes ocorre a formulação de hipóteses que dificilmente serão testadas. Essas hipóteses
poderão alargar o fosso que separa as partes até o ponto de produzir rompimento definitivo,
com prejuízo para ambos os lados. No caso de uma hipótese falsa, se não for contestada a sua
validade, tem o potencial de produzir mágoa, frustração e impedimento à aproximação. Se esta
ocorrer, motivada por fatores não espontâneos, será regada por ideias preconcebidas que
dificultarão o entendimento. O diálogo não ocorrerá e o problema não se resolverá. A nossa
experiência, como professores da Educação Básica e orientando Estágio Supervisionado,
visitando escolas públicas da Educação Básica no Mato Grosso do Sul, tem nos levado a
presenciar esse distanciamento. As duas instituições, escola e família, carecem desse
rompimento com as ideias preconcebidas.

44
Em razão desse fator muito presente no contexto escolar surgiu a pergunta: “O quanto
lhe incomoda a aparente ou real indiferença da família para com a aprendizagem (ou
comportamento) do estudante?”
Esta questão (Gráfico 4.2) versa a respeito da angústia do educador diante da falta de
apoio familiar no que concerne ao acompanhamento discente nos fazeres acadêmicos. Essa
temática é recorrente nos discursos dos professores, que apontam o distanciamento dos
responsáveis como um dos grandes entraves na formação do educando. Os Gráficos
subsequentes ilustram os achados concernentes à presente indagação.

Gráfico 4.2 - O grau de incômodo de professores quanto à indiferença real ou


aparente da família para com a aprendizagem (ou comportamento) do estudante,
2019-2020

BR; 77,1%
90,0%

80,0%

MZ; 50,9%
70,0%

60,0%

50,0%

40,0%
MZ; 19,0%
MZ; 11,6%

BR; 12,5%

30,0%
MZ; 9,9%

MZ; 4,7%
MZ; 3,9%

BR; 4,3%

20,0%
BR; 2,9%

BR; 2,1%

EC; 27,8%

EC; 51,9%
BR; 1,1%
EC; 1,9%

EC; 9,3%

EC; 3,7%
EC; 5,6%

10,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa.

Sobre a importância da família na educação dos filhos e a sua contribuição para a


aprendizagem Casarin (2007) cita de Freinet a seguinte afirmação:

Não há livros, não há métodos artificiais que possam substituir a educação em família.
A melhor história, a tabela mais emocionante vista num livro são para a criança como
a visão de um sonho sem vínculos, sem seguimento, sem verdade interior. Pelo
contrário, o que se passa em casa, sob os olhos da criança, liga-se naturalmente, no
seu espírito, a mil outras imagens precedentes, pertencendo à mesma ordem de idéias
e, portanto, têm para ela uma verdade interior (CASARIN, 2007, p. 20).

Portanto, não é sem razão que os professores reclamam a presença da família. A


questão que se coloca é de outra ordem. O que falar para a família? O que combinar com ela?

45
O que esperar dela?
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reza no seu artigo 4º que “ É dever da
família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 1990). Como, porém, fazer isso? A questão é
pertinente quando se leva em conta que ECA nunca foi bem compreendido pelas famílias
brasileiras. Muitas veem nele um entrave à educação dos filhos.
Se questões sobre como a família pode contribuir estão sendo levantadas, não é do
conhecimento destes pesquisadores.
“A família não se preocupa com a aprendizagem do estudante”11. Toda a
responsabilidade é delegada ao professor. Isso incomoda o docente pelo fato de não dispor de
poder12 sobre o estudante. Os professores brasileiros são os que mais se sentem incomodados
(89.6%) com essa (suposta ou real) indiferença da família em relação ao comportamento dos
seus filhos, seguidos pelos professores equatorianos com 79.6% e, os professores
moçambicanos ocupam o terceiro lugar, com 69.8%. De um modo geral, os professores desses
três países sentem-se incomodados com a ausência da preocupação da família no
acompanhamento do processo formativo dos seus filhos. A seguir apresentamos a frequência
com que isso acontece nos três países.
A análise do Gráfico 4.2 corrobora com o fato de que o afastamento dos responsáveis
para com o acompanhamento da vida escolar das crianças é um fenômeno recorrente nas
amostragens dos três países. Os índices alocados entre nenhum, muito baixo e baixo incômodo
para o docente em Moçambique e Equador são equivalentes, sendo 18.5% para o primeiro e
16.7% para o segundo. Para o Brasil, apenas 6.1% dos educadores se enquadram na
classificação de nenhum, muito baixo ou baixo incômodo. Esses dados convergem para a tese
de que o incômodo docente com a ausência familiar é recorrente nos três países, quando os
índices de incômodo médio, alto e muito alto somam mais de 80% tanto em Moçambique
quanto no Equador e chega a 93.9% no Brasil.
Aqui há dois fatores a considerar. O primeiro é que essa expectativa pode estar
associada a uma idealização de estudante, de família, e de escola. Uma idealização do trabalho
do professor que, apegado a um estágio anterior da profissão em que esse profissional era

11
Trata-se de um discurso comum, sem dono. Fica como proposição para nova investigação.
12
O mal entendido sobre os direitos da criança e do adolescente tem imposto limite aos pais e professores no
trato com estudantes.
46
prestigiado, agora se vê cobrado pelos resultados e espera dividir essa responsabilidade. O
segundo é que há evidências de que “jovens que, teoricamente, têm todas as condições
cognitivas e pedagógicas para aprender, mas, mesmo assim, muitas vezes, fracassam nas suas
tentativas” (SALVARI; DIAS, 2006, p.252) quando não têm o apoio familiar.
Com base nessas observações há pesquisas que constatam que:

o sucesso da criança ao enfrentar as difíceis tarefas subjetivas ao longo do seu


desenvolvimento depende, em grande parte, das condições psicológicas que os pais
lhe oferecem, sem esquecer que as próprias experiências infantis dos pais, assim como
a sua relação conjugal, são fatores importantes no seu processo de interação com a
criança. Vemos, deste modo, como os laços familiares são essenciais para a
estruturação psíquica desde os primeiros momentos de vida (SALVARI; DIAS, 2006,
p.252).

A família delega a sua responsabilidade de educar seus filhos às escolas/professores.


Muitas vezes, a família preocupa-se quando recebe a notícia de que o filho reprovou, ficou
retido na classe, série ou ano de estudo. Essa indiferença preocupa bastante os professores
brasileiros (78.2%), moçambicanos (57.7%) e equatorianos (53.7%). Esses dados corroboram
com os resultados do Gráfico 4.4, o que confirma que realmente os professores dos três países
sentem muito incomodados quando a família não se faz presente na escola para acompanhar o
desenvolvimento das atividades do seu educando. Constata-se que em Moçambique, os pais
preocupam-se, sobretudo, ao se aproximar do final do ano quando vem o pai do estudante para
negociar aprovação do seu filho ou quando recebe notícia de que seu educando está excluído
de exame. Isso evidencia que a concepção de que a responsabilidade de educar o estudante pode
estar exclusivamente delegada à escola. A presença da família pode ajudar a resolver certos
problemas/comportamentos do estudante durante o processo formativo em vez de se preocupar
no final deste.
No entanto, fica a questão: a família literalmente não se preocupa ou isso não passa
de uma suposição formulada com base numa idealização?
A próxima questão (Gráfico 4.3) tem o seguinte enunciado: “O quanto lhe incomoda
pensar que a vinda dos pais à escola raramente resolve o problema da falta de interesse dos
estudantes?”

47
Gráfico 4.3 - Grau de incômodo de professores ao pensar que a presença
dos responsáveis à escola raramente resolve a questão da falta de interesse
discente, 2019 – 2020
60,0%

MZ; 36,2%
50,0%

40,0%

MZ; 19,0%
MZ; 16,4%

30,0%

MZ; 11,6%

EC; 42,6%
MZ; 9,1%
MZ; 7,8%

20,0%

EC; 25,9%
BR; 23,6%

BR; 56,8%
EC; 13,0%
BR; 3,9%

BR; 2,9%

BR; 8,9%
BR; 3,9%
EC; 7,4%

EC; 7,4%

EC; 3,7%
10,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa

Um estudo realizado por Hurstel (1999) descreve o processo de perda do “pátrio


poder”. A primeira lei que enfraqueceu a autoridade paterna data de 1889. Essa lei contrariava
uma lei de 1804, assinada por Bonaparte. A lei de 1889 dava à justiça o direito de destituir os
pais considerados indignos. É a inauguração de um período de rupturas que visam enfraquecer
o poder paterno. Em 1935 ocorre a segunda ruptura com uma lei abolindo o direito do pai de
proceder à correção. Em 1938 uma terceira lei abolia o poder marital do homem e em 1970 o
pátrio poder foi transformado em “autoridade parental”. Em 1895 uma pesquisa sobre “filhos
revoltados e pais culpados- estudo sobre a desorganização da família e suas
consequências”, concluiu que os pais indignos são “pobres, sem bens e sem cultura”. Pela já
citada lei de 1889 os pais de classe baixa passaram a ser vigiados. Eram pais que, para prover
o sustento, tinham que deixar os filhos sem a sua presença. Ao se aproximar de 1970 a palavra
pai perdia o significado original para assumir o significado de função. Não seria mais o caso
de ser pai, mas de estar sendo pai, estar no lugar do pai. É uma função que a pessoa pode assumir
ou não. Dessa forma, os pais sentiram-se excluídos dos bens de sobrevivência, da cultura, da
dignidade e daquilo que lhe traria a realização pessoal: ser pai. Com a reforma de 1970 “o
paterfamilias morreu e, para muitos juristas, o direito especificamente paterno morreu: quais
são exatamente as reviravoltas do direito de pai?” (HURSTEL, 1999, p. 112-122).
No entanto, isso tudo pretendia ter um desfecho diferente. Distribuir a
responsabilidade entre os membros da família, especialmente entre o pai e a mãe. A expectativa

48
era que planejassem em conjunto a gestão dos filhos e livrassem a criança de um possível pai
agressivo, descontrolado.
As entrelinhas não foram explicitadas e gerou um desentendimento. No Brasil, o
Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) seguindo nessa mesma direção
trouxe insegurança disciplinar para professores e pais. As formas enfáticas com que se
abordavam as restrições disciplinares (quando a lei foi promulgada), sem discutir a suas razões,
propor alternativas e ponderar exceções ou discutir entrelinhas, criou essa insegurança. Não
houve um período de transição com esclarecimentos ao público sobre possíveis formas de
substituir o antigo modelo de educação. Defensores do ECA faziam pronunciamentos enfáticos
com a inauguração de uma nova era para as crianças. Esqueciam, porém, de que aqueles que
cuidariam dessa criança poderiam não estar entendendo nada do que lhes era dito. Como no
caso citado por Hurstel (1999), os pais estavam na nova fronteira, conduzido por “Coyotes”,
para um país cuja língua desconheciam. São determinações sociais no trabalho docente.
Na realidade, o que ficou entendido foi que a criança não teria mais alguém com
autoridade sobre ela. Não ficou esclarecido que a criança deveria ser educada e não
simplesmente castigada. Não foi discutido formas de educar sem castigar.
Ao se falar sobre os direitos da criança não se discute que um desses direito é
do aprender a respeitar o outro, colaborar nos trabalhos da casa, estudar, respeitar o bem
comum, solidarizar, cuidar de seus pertences, administrar o tempo, preparar-se para o trabalho.
Fala-se em direitos de forma genérica e esquecem-se de valorizar aqueles que têm caráter
formativo.
Em tempos passados muitos professores conseguiam o controle da sala mediante
castigos e ameaças de reprovação. Entretanto, hoje, perdendo esse poder professoral, alimentam
a expectativa de que os pais tenham autoridade sobre os filhos. Esta é a justificativa dessa
pergunta e da pergunta seguinte.
A solicitação docente da coparticipação dos responsáveis para com as orientações
educativas escolares parece ser um evento constante no cotidiano escolar. Entretanto, a vinda
dos pais à escola, por si só, parece não ser capaz de suprir lacunas que direcionem o
comportamento estudantil para o engajamento e interesse nos estudos. Diante disso, a questão
seguinte em buscar compreender o quão incomodados se sentem os professores diante da vinda
dos pais que raramente resulta na resolução da falta de interesse do estudante. Tudo que se falou
no parágrafo precedente tem relação com a questão: “O quanto lhe incomoda pensar que a vinda

49
dos pais à escola raramente resolve o problema da falta de interesse dos estudantes?”. O Gráfico
a seguir (Gráfico 4.4) sintetiza os percentuais encontrados.
Cogitar acerca da ineficiência da presença do responsável na escola, no que se refere
a mudar comportamentos é um pensamento que permeia a mente dos professores de
Moçambique, Equador e Brasil. Para os docentes moçambicanos, os que demonstraram ter
baixo, muito baixo ou nenhum incômodo para a questão supracitada, apontaram para um índice
de 33.2%. Para os equatorianos, esse número foi um pouco menor, uma vez que 18.5%
assinalaram possuir baixo, muito baixo ou nenhum incômodo com o fato de que a presença dos
responsáveis não traz resultados promissores, do ponto de vista do interesse do estudante. Já os
brasileiros são os menos satisfeitos com esse fenômeno, com 10.7% dos docentes afirmando
possuírem nenhum, pouco ou muito baixo incômodo. Com relação ao descontentamento,
Moçambique, Equador e Brasil possuem índices altos de insatisfação com a pouca eficácia
advinda da presença dos pais na escola. Para os brasileiros, o índice é de 89.3%. Já entre os
equatorianos, 81.5% são incomodados com esse fato, seguidos pelos moçambicanos, com
66.1% dos professores da amostragem.
Foi perguntado ao professor “Com que frequência lhe ocorreu a ideia de fazer um
trabalho de orientação aos pais?”
Sobre a importância da relação entre a família e a escola destacam Polonia e Desse
que:
Quando a família e a escola mantêm boas relações, as condições para um melhor
aprendizado e desenvolvimento da criança podem ser maximizadas. Assim, pais e
professores devem ser estimulados a discutirem e buscarem estratégias conjuntas e
específicas ao seu papel, que resultem em novas opções e condições de ajuda mútua
(POLONIA; DESSE, 2005, p. 304).

As autoras destacam ainda que a escolarização dos filhos recebe influência direta do
papel que a família desempenha na formação deles. Quando a família se distancia da escola a
produtividade do estudante diminui.
Os dados da questão estão no Gráfico 4.4 e contribuem para entender a preocupação
do educador junto à tentativa de minimizar o distanciamento entre membros da equipe escolar
e pais/responsáveis. A questão “Com que frequência lhe ocorreu a ideia de fazer um trabalho
de orientação aos pais?” se justifica em vista do descontentamento expresso por educadores em
torno da ausência de pais e responsáveis para com os afazeres escolares da criança e do
adolescente. Dessa forma, cabe a tentativa de compreender se há ações, por parte da escola, que
auxiliem os pais e responsáveis a alterar esse comportamento.

50
Do exame dos dados do Gráfico 4.4 verifica-se que os professores brasileiros se
incomodam mais (80.4%), acreditando que a presença dos pais na escola raramente resolve o
problema da falta de interesse dos estudantes.
Os professores equatorianos também sentem (68.5%) esse incômodo com uma
intensidade menor do que os brasileiros. Já os professores moçambicanos acreditam (55.2%)
que essa vinda pode resolver o problema. Esses dados indicam que os professores estão
perdendo confiança no papel dos pais na educação dos seus filhos, havendo necessidade de
alguma orientação. Esse resultado revela ainda a necessidade de mais pesquisas para
compreender esse posicionamento.
Há que se perguntar se é possível, e plausível, os professores se aproximarem dos pais
para um trabalho de orientação sobre o relacionamento com os filhos.
Zagury (1992) escreve que pais que se submetem aos filhos, atendendo as suas
demandas e deixando-se dominar por eles acabam por sentirem-se lesados, magoados e passam
a viver um sentimento de humilhação e culpa. Para ela, se nunca foi fácil criar filhos, esta época
tem tornado essa tarefa muito mais difícil. As informações sobre o assunto são abundantes e
contraditórias. A passagem do autoritarismo dos pais para o autoritarismo dos filhos foi brusca
e impiedosa para os pais. Ela fala que diante dessa nova relação de forças muitos pais
abandonaram a tarefa de educar. Da mesma forma, os professores parecem ter também
desaprendido a dizer não e a incerteza se instalou.
A questão levantada (Gráfico 4.4) pretende ser uma provocação para que professores
se unam aos pais e ambos realizem um trabalho mais tranquilo.

51
Gráfico 4.4 - A frequência com que os professores se ocupam da ideia de
realização de um trabalho de orientação aos pais ou responsáveis, 2019-2020

40,0%

35,0%

MZ; 22,4%

MZ; 22,0%
30,0% MZ; 16,4%

25,0%

MZ; 14,2%
MZ; 12,9%

MZ; 12,1%
20,0%

EC; 27,8%
15,0%

EC; 22,2%
EC; 20,4%

EC; 16,7%
10,0%

EC; 13,0%

BR; 31,1%
BR; 16,1%

BR; 33,6%
BR; 7,9%

BR; 5,4%

BR; 6,1%
EC; 0,0%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa.

Os docentes equatorianos, moçambicanos e brasileiros afirmam cogitar a respeito da


proposição de eventos que viabilizem o canal escola/pais e responsáveis, sendo que para os
moçambicanos, o índice de profissionais que refletem numa escala que vai de nenhum a médio,
isto é, pouca preocupação com o preparo da família, é de 41.4%. Para os equatorianos, o
quantitativo é de 33.3% e para os brasileiros, 19.3%. No que diz respeito à escala que vai de
médio a muito alto, os professores moçambicanos registraram índice de 58.6%, seguidos por
66.7% dos equatorianos e 80.7% dos brasileiros. Apesar de que o índice médio dos três países
no que se refere à reflexão sobre o distanciamento escolar dos pais estar abaixo de 30% para o
Equador e próximo de 15% para Brasil e Moçambique, os registros indicam que há um número
elevado de professores que refletem acerca da proposição de eventos que encurtem a distância
entre pais/educadores e escola, quando analisados pelo patamar geral dos dados.
Os pais precisam ser orientados para a necessidade de fazer o acompanhamento dos
seus filhos. A respeito disso, os dados do Gráfico 9 evidenciam haver necessidade de se fazer
um trabalho de orientação. Assim, os professores brasileiros acreditam nessa orientação
(79.7%), seguido dos professores moçambicanos e equatorianos. Todavia, os professores
moçambicanos (44.4%) e equatorianos (38.9%) percebem que uma possível orientação pode
não fazer muita diferença na mudança de comportamento dos pais. Esse posicionamento pode
estar associado a outros fatores, tais como a diferença cultural, grau acadêmico dos pais e as
ocupações dos pais, entre outros aspectos.

52
Todo aprendizado é fruto de uma vivência sobre a qual se debruçou reflexivamente
para extrair lições, estabelecer relações, fazer projeções e tomar decisões.
Os professores que pensam em se aproximar dos pais com palestras de orientação,
reuniões de debate sobre educação de filhos, sobre conflitos familiares não devem esperar uma
oportunidade, precisam criá-la. Mesmo não sabendo devem iniciar e construir o caminho, com
os pais.
Conforme foi visto anteriormente há uma estrutura cultural em torno da ideia de
paternidade. Os debates mais recentes, também citados, criaram um vazio em torno da palavra
“direitos da criança e do adolescente”. Essa estrutura precisa ser questionada, debatida.

5.5 O professor e a família dos estudantes: possibilidades de aproximação


A empatia, essa capacidade de se preocupar com o bem-estar do outro, é segundo
Goleman (2012), a chave da aproximação. Na realidade, ele diz que a empatia é raiz da ética.
É dessa preocupação que surgem as bem-sucedidas propostas de ação para reatar laços e
resgatar desistentes. As pessoas empáticas são sintonizadas com os sinais, mesmos sutis, das
necessidades do outro e tendem ao altruísmo.
Determinados fatores contribuem para o abandono e redução da empatia. Entre eles
estão: a) a rotina de trabalho; b) as experiências pouco alentadoras dos embates que travamos
em favor de uma causa que consideramos nobre; c) a ausência de uma reflexão coletiva sobre
os problemas de ordem ética que nos afligem; d) a predominância do foco profissional nas
questões salariais e e) nos resultados da produtividade dos estudantes, têm o potencial de nos
conduzir ao abandono emocional e embotamento da empatia (GOLEMAN, 2012).
A presença desse sentimento, destacado por Goleman, seria o fator necessário para
desencadear uma caminhada em busca da aproximação entre família e escola porque levaria o
professor a desarmar-se e procurar discutir as causas desse distanciamento.
Diz-se muito que a família não participa da escola. Suponha que isso seja verdade. O
quanto disso tem a ver com: a) “Falta de interesse por parte da família” (Gráfico 4.5.a); b) “Falta
de tempo ou concorrência de outras atividades (da família)” (Gráfico 4.5.b); c) “Os pais não
entendem ou não sabem o que a escola quer que faça” (Gráfico 4.5.c); d) “A família não ter
condições sociais ou intelectuais de satisfazer o que a escola pede (espera)” (Gráfico 4.5.d); e)
“Falta de habilidade dos professores para lidar (orientar, sugerir) com as famílias” (Gráfico
4.5.e); f) participação da família (Gráficos 4.5.f ) e g) o estudante que se tem (Gráfico 4.5.g).

53
Gráfico 4.5.a- Falta de interesse por parte da família na perspectiva do
professor, 2019- 2020

EC; 44,4%
50,0%
45,0%

EC; 29,6%

MZ; 44,0%
40,0%
35,0%
30,0%
25,0%

EC; 11,1%
20,0%
EC; 7,4%

EC; 7,4%
15,0%

MZ; 17,7%
MZ; 15,5%

BR; 16,8%

BR; 28,2%

BR; 47,1%
MZ; 9,5%

MZ; 6,0%

MZ; 7,3%
BR; 2,5%

BR; 2,9%

BR; 2,5%
EC; 0,0%

10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto

Fonte: Dados da pesquisa.

Falta de interesse (item a) tem sentido de ausência de compromisso com a educação


do filho. As respostas revelam as concepções dos professores a respeito do compromisso do
país em relação à formação moral e intelectual, supondo que a escola tende a fortalecer esses
valores.
Interessante observar que, embora cerca de ⅔ dos professores se incomodem com a
possível falta da presença da família na escola, uma pesquisa conduzida pelo IBOPE em 2018
por iniciativa do Itaú Social e do Programa Todos pela Educação revela que ⅔ dos professores
brasileiros não se sentem solitários em relação ao que decidir. Os quantitativos de 62.0% deles
discordam totalmente ou em parte da afirmação: “No geral minha rotina como professor é
solitária, sinto falta de dividir a minhas decisões com outros profissionais na escola”. Ele
discorda disso, mas falta-lhe a presença da família para dividir com ele a responsabilidade pela
educação? (MANARIM et al., 2018) (Gráfico 4.5.a).
Os dados dessa tabela sugerem a falta de interesse da família no acompanhamento de
seus filhos no processo formativo. Isso pode estar relacionado com o fato da família considerar
o professor como responsável único pela formação do seu educando ou, ainda, pode ser o fato
da ausência de tempo para tal ou ainda o desconhecimento do tipo de apoio que a escola
necessita para que a família faça. A maior parte dos respondentes (61.6%) percebe a falta de
interesse como o motivo principal e, medianamente (15.5%) possui o mesmo sentimento.
Todavia, esse resultado reflete o ponto de vista do professor, o qual nos remete à necessidade
de outra pesquisa envolvendo a família.

54
Mais de 80% dos professores equatorianos entendem que há falta de interesse por parte
da família em acompanhar a situação escolar de seus filhos. Poucos participantes (14.8%)
consideram não ser relevante a falta de interesse no acompanhamento dos seus educandos. Isso
pode nos remeter a existência de outros fatores que explicam a ausência da família na educação
escolar de seus filhos.
De forma sintética, assinalamos (Gráfico 4.5.a) haver consenso de que há falta de
interesse por parte da família no acompanhamento dos seus educandos. Em termos percentuais
observa-se que o Brasil ocupa em primeiro lugar com cerca de 75%, em segundo lugar Equador
(74.1%) e, em terceiro, Moçambique (61.6%). Com base nos dados é notório que os pais e
encarregados da educação deixam a responsabilidade de educar aos professores,
sobrecarregando o trabalho docente. Contudo, carece de uma investigação aprofundada sobre
envolvimento da família na educação escolar de seus filhos para perceber as razões da falta de
interesse nessa colaboração.
Para além da falta de interesse, ausência do tempo pode ser outro fator que dificulta
essa colaboração. Nunes (1993) indica que a família e a escola são instituições que se
complementam, carecendo de uma interação entre elas cada vez mais estável, de modo a
proporcionar à criança e ao jovem um desenvolvimento completo e harmonioso.
O item10b pressupunha que o distanciamento da família se deve à “Falta de tempo ou
concorrência de outras atividades (da família)”.
Discorrendo sobre as atividades das famílias Dowbor (2015) destaca uma delas: o
trabalho. Anteriormente, vivendo em comunidades familiares rurais, as famílias se ajudavam.
Os idosos, sempre por perto, cuidavam das crianças enquanto os adultos se revezavam nas
diversas tarefas que eram compartilhadas. O sustento vinha da própria produção que não ficava
longe de casa. Ele afirma:

Mas o mundo do nosso convívio é hoje essencialmente urbano. E nas cidades, são
relativamente raros os casos de coincidência entre o espaço residencial e o espaço de
trabalho, e cada vez mais a casa é para onde se volta cansado à noite, e de onde saem
sonolentos pais e filhos para a labuta diária. Há subúrbios que constituem hoje
cidades-dormitório, mas de forma geral nossas casas viraram casas-dormitório
(DOWBOR, 2015, p. 19).

Como elemento complicador temos hoje as facilidades da vida e o estímulo para o


consumo de tal modo que “grande parte da nossa capacidade de compra é transformada em
remuneração da intermediação financeira”. As famílias mais pobres, segundo esse autor,
gastam 35% das suas rendas com dívidas, o que significa mais trabalho e menos tempo para os
filhos.
55
O professor consegue perceber essa situação familiar? E aquelas famílias que vivem
de auxílios vindos de programas governamentais e não trabalham, porque não vêm à escola?
Não é fala de tempo. Há outro fator a ser considerado.
Essas famílias podem ter tempo, mas, terão autoestima para comparecer à escola?

Gráfico 4.5.b- Falta de tempo ou concorrência de outras atividades (da


família), 2019- 2020
45,0%
40,0%

BR; 40,0%
35,0%
30,0%

BR; 30,7%
25,0%

EC; 35,2%

EC; 29,6%
20,0%

BR; 17,5%

MZ; 19,8%
MZ; 18,5%

MZ; 31,0%
MZ; 16,0%

15,0%
EC; 14,8%

EC; 11,1%
BR; 3,9%

BR; 3,6%

BR; 4,3%
MZ; 6,9%

MZ; 7,8%
EC; 9,3%
EC; 0,0%

10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Médio Alto Muito Alto
Baixo
Fonte: Dados da pesquisa
Mais de 70% (juntando as categorias alto e muito alto) de professores brasileiros
indicam a falta de tempo para os pais acompanhar os seus filhos, mais de 60% dos professores
equatorianos e abaixo de 50% de professores moçambicanos assinala também a falta de
interesse da família do estudante. A relação família-escola tem sido marcada pela ação da escola
em nortear os pais sobre como educar seus filhos, e pelo decréscimo da participação dos pais
nas atividades escolares à medida que o filho avança nas séries (OLIVEIRA; MARINHO-
ARAÚJO, 2010). Essa questão ainda precisa ser aprofundada trabalhando diretamente com a
família para aferir as reais causas.
O item 4.5.c parte do pressuposto de que os pais não entendem ou não sabem o que a
escola quer que faça. Esse pressuposto de que os pais se ausentam da escola por não entenderem
o que deles é requerido tem respaldo no estudo feito por Polonia e Desse. Elas afirmam que:

[...] os pais de baixo nível sócio-econômico têm dificuldades ou se sentem inseguros


ao participarem do currículo escolar. Os conflitos e limitações na sua participação
podem ser produtos de sua imagem negativa como pais, de sua própria experiência
escolar ou de um sentimento de inadequação em relação à aprendizagem. Mas, tais
limitações também podem estar diretamente ligadas ao corpo docente, como o receio
dos professores de serem cobrados e fiscalizados pelos pais, a percepção de que os
pais não têm capacidade ou condições de auxiliar os filhos e a ausência de um
programa ou projeto que integre pais e professores, em um sistema de cooperação
(POLONIA; DESSE, 2005, p.306).

56
Essa posição das autoras esclarece porque muitos pais não vêm à escola. Mas, o que
pensam os professores sobre isso? O Gráfico 4.5.3 aborda essa questão

Gráfico 4.5.c - Os pais não entendem ou não sabem o que a escola quer
que faça, 2019 -2020
40,0%

35,0%

EC; 35,2%
30,0%

EC; 31,5%
25,0%

20,0%

MZ; 28,0%
MZ; 24,1%
15,0%

EC; 16,7%

MZ; 16,4%
MZ; 16,0%

BR; 34,6%

BR; 30,4%
BR; 19,3%
10,0%
MZ; 5,6%

MZ; 9,9%
BR; 4,6%

BR; 4,3%

BR; 6,8%
EC; 1,9%

EC; 5,6%
EC; 9,3%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Médio Alto Muito Alto
Baixo
Fonte: Dados da pesquisa

Da análise dos Gráficos 4.5.a, 4.5.b e 4.5.c, percebe-se que para os professores
participantes da pesquisa, os pais não entendem ou não sabem o que a escola quer que faça.
Mais de 60% dos professores brasileiros e equatorianos participantes da pesquisa acreditam
nessa hipótese. Abaixo de 50% dos professores moçambicanos que participaram na pesquisa
admitem igualmente essa conjuntura. Como se pode ver, esses resultados referem à óptica do
professor e não uma situação real da família implicada. Por isso, há que admitir alguma
subjetividade nessas respostas. Outros fatores podem estar por detrás desta situação (Gráfico
4.5.d).
A família não ter condições sociais ou intelectuais de satisfazer o que a escola pede
(espera). De alguma forma esta questão faz parte da anterior onde se viu sobre as condições
nada favoráveis das famílias em diversos aspectos.

57
Gráfico 4.5.d- A família não ter condições sociais ou intelectuais de
satisfazer o que a escola pede (espera), 2019/2020

35,0%

MZ; 20,7%
MZ; 19,8%

MZ; 19,8%
30,0%

MZ; 19,4%
25,0%

MZ; 11,2%
20,0%

MZ; 9,1%

EC; 24,1%
15,0%

EC; 22,2%

EC; 18,5%
EC; 16,7%

EC; 16,7%
10,0%

BR; 10,0%

BR; 27,1%

BR; 30,0%
BR; 22,5%
BR; 5,0%

BR; 5,4%
EC; 1,9%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Médio Alto Muito Alto
Baixo

Fonte: Dados da pesquisa

Mais de 70% dos participantes da pesquisa (brasileiros) admitem que a família não
tenha condições sociais e/ou intelectuais para satisfazer os pedidos da escola. O mesmo cenário
acontece com os professores moçambicanos e equatorianos. A leitura dos Gráficos 4.5.a, 4.5.b
e 4.5.c nos permite compreender que as condições sociais e intelectuais dos pais (segundo
entendem os professores) podem favorecer a sua ausência na colaboração na educação dos seus
filhos.
No Gráfico 4.5.e, discute-se se o problema não está na “falta de habilidade dos
professores para lidar com as famílias”, orientando, sugerindo.
Gráfico 4.5.e - Falta de habilidade dos professores para lidar (orientar, sugerir)
com as famílias, 2019-2020
EC; 31,5%

BR; 26,1%

BR; 26,1%
MZ; 25,0%

35,0%
BR; 20,4%

30,0%
EC; 20,4%

MZ; 18,5%
EC; 18,5%

MZ; 17,7%

MZ; 16,4%

25,0%
EC; 13,0%

MZ; 12,1%

BR; 11,8%

EC; 11,1%
MZ; 10,3%

20,0%
BR; 8,6%
BR; 7,1%

15,0%
EC; 5,6%

10,0%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa

58
Polonia e Desse (2005, p.306) escrevem que “um sistema escolar transformador” pode
reverter aspectos negativos dessa pouca participação familiar, “estimulando ações positivas”.
A escola não pode ignorar ou minimizar a importância de uma boa relação entre professores e
pais. Os professores, na condição de estudiosos não podem se furtar de buscar uma aproximação
com os pais visando melhorar essa relação (ZAGURY, 2004).
De alguma forma esses problemas são condicionantes sociais que interferem na
produtividade do professor e, consequentemente, no seu bem-estar.
Os professores equatorianos (63%) não acreditam na falta de habilidade dos
professores para orientar ou sugerir as famílias o que devem fazer para melhorar a relação
família/escola com vista à aprendizagem dos seus filhos. O mesmo sentimento é compartilhado
com os professores moçambicanos (47.4%). Já os professores brasileiros (mais de 60%)
acreditam na falta de habilidades dos professores para orientar a família sobre o que pode fazer.
Esse argumento de professores aponta que ficar incriminando a família é uma visão
não favorável às relações escola/pais (MARQUES, 1999). Deste modo, há necessidade de
analisar junto à família os condicionantes da sua participação na educação escolar dos seus
filhos. Cada um busca se explicar e encontrar razões para a dissonância que assinala tal relação.
O professor tenta se defender culpando a família pelo insucesso e ao mesmo tempo, a família
busca explicar que a responsabilidade foi delegada ao professor para a educação escolar dos
seus filhos.
Para Costa (2015), a família é o núcleo central do desenvolvimento moral, cognitivo e
afetivo, no qual se criam e educam as crianças. Assim, a articulação entre a escola e a família
fortifica e promove o aprendizado do estudante. O Gráfico 4.5.f traz dados relativos a essa
questão.

59
Gráfico 4.5.f - A contribuição da presença da família para o sucesso do
trabalho do professor, 2019 - 2020.
45,0%

BR; 31,8%
BR; 31,4%

MZ; 27,6%
40,0%
35,0%

MZ; 18,5%
30,0% MZ; 17,2%

BR; 16,4%

MZ; 15,1%
25,0%

MZ; 12,1%

EC; 40,7%
BR; 10,7%
MZ; 9,5%
20,0%

BR; 5,0%

EC; 22,2%
BR; 4,6%

15,0%
EC; 20,4%

EC; 11,1%
EC; 0,0%

EC; 5,6%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa

Analisando a contribuição da família para o sucesso do professor, 63.2% dos


brasileiros consideram alta ou muito alta. Por outro lado, somente 42.7% dos professores
moçambicanos pensam desse modo e 62.2% dos equatorianos. Isso significa dizer que os
professores moçambicanos alimentam uma perspectiva menor em relação ao potencial das
famílias. Isso, sem dúvida, tem relação com o contexto social e suposto preparo da família para
interagir com a escolar. Observa-se que 17.2% dos professores moçambicanos entendem que
as famílias não oferecem qualquer contribuição. No total, equivale a dizer que quase 60% desses
professores desse país africano não esperam pela família para programar as suas ações
educativas.
Finalmente, qual a satisfação que tem o professor em trabalhar com estudante que tem
diante de si. Qual o seu ideal de estudante? A questão talvez não seja respondida diretamente,
mas o Gráfico 4.5.g traz dados que podem contribuir para entender.

60
Gráfico 4.5.g - O quanto lhe incomoda perceber que o estudante que você TEM não se
parece com o que GOSTARIA de ter? 2019- 2020

MZ; 41,0%
45,0%

40,0%

BR; 28,9%
MZ; 26,7%
BR; 26,1%
35,0% EC; 25,9%

EC; 22,2%
30,0%

EC; 20,4%

BR; 19,6%
25,0%

MZ; 14,2%
EC; 13,0%

EC; 13,0%
20,0%

BR; 9,3%
MZ; 8,2%

BR; 8,6%

BR; 7,5%

MZ; 6,0%
15,0%

EC; 5,6%
MZ; 3,9%

10,0%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto

Fonte: Dados da pesquisa

Quem se destaca na insatisfação com o estudante que tem é o professor moçambicano,


com 67.7% destacando que o seu incômodo é alto ou muito alto. Dos professores equatorianos
27.8% tem essa decepção com estudante e 48.5% dos brasileiros. Qual seria o estudante ideal?
O incômodo do professor é com o estudante ou como o seu desempenho como professor por
conquistar esse estudante? 25.9% dos professores equatorianos não têm nenhum incômodo e
26.0% deles disseram ser pouco e muito pouco incomodados. Melhores preparados para os
desafios da sala de aula? Mais conscientes de que cada geração é diferente da outra e têm o seu
próprio perfil?
A questão fica em aberto, mas a insatisfação tende a provocar um afastamento do
professor em relação aos estudantes.
Martinez e Paraguay (2003, p.60) entendem que “a satisfação com uma situação ou
evento pode variar de pessoa a pessoa, de circunstância para circunstância, ao longo do tempo
para a mesma pessoa e estar sujeita a influências de forças internas e externas ao ambiente de
trabalho imediato”. A categorização dessa insatisfação é uma tarefa difícil por ser um “estado
subjetivo” do sujeito, podendo incluir a necessidade de autoestima que dificulta “ter estima de
outros, desenvolver sentimentos de confiança, valor, capacidade, poder, prestígio, de ser útil e
necessário e [pode] indicar necessidades de auto realização ou (auto atualização)”

61
(MARTINEZ; PARAGUAY, 2003, p.62). A satisfação pode, inclusive, ser sinônimo de
motivação, conquista pessoal.
Marqueze e Moreno (2005, p.70-71) pressupõem a possibilidade de um sentimento de
injustiça ser a causa de insatisfação. Essas autoras admitem que:

satisfação no trabalho como o resultado da avaliação que o trabalhador tem sobre o


seu trabalho ou a realização de seus valores por meio dessa atividade, sendo uma
emoção positiva de bem-estar. Vale ressaltar que esse autor difere valores de
necessidades, em que necessidades referem-se à sobrevivência e ao bem-estar do
indivíduo, sendo essas inatas e comuns a todos, e os valores são diferentes de pessoa
para pessoa, pois vai ao encontro do que o indivíduo deseja ou percebe como benéfico.

Há, portanto, nesse incômodo do professor um componente afetivo e emocional, que


tem relação de como a pessoa se sente no ambiente, ou como esperava encontrá-lo, e um
componente cognitivo que diz respeito à racionalidade do indivíduo. Há também outros fatores
como: “carga de trabalho excessiva, a interferência do trabalho na vida particular, a carência de
autoridade e influência necessárias à execução de seu trabalho” (MARQUEZE; MORENO,
2005, p.72). Esta última parte pode ser traduzida por domínio da sala, domínio do conteúdo,
bom relacionamento consigo mesmo e com os outros.
Há um espaço para nova investigação.

5.6 O professor e as relações entre os pares


O advento de um viés progressista de educação, em oposição a uma educação com
raízes na didática tradicional, trouxe demandas docentes em que se faz necessário ampliar os
aspectos de interação social, seja ela entre pais e professores, professores e estudantes e também
entre os professores. Para Duarte, Oliveira e Augusto (2008), o rompimento da rigidez da escola
tradicional implicou em ampliação do papel do professor, exigindo, desse profissional, mais
recursos didáticos e pedagógicos. Acrescente-se ao discorrido o fato de que as estruturas
(materiais e formativas) ofertadas ao professor nem sempre têm acompanhado as exigências
contemporâneas da sala de aula. Diante do exposto, as autoras citadas acrescentam que a
ampliação do trabalho do professor resulta em uma intensificação de atribuições que outrora
não estavam ao seu cargo. Dessa forma contribui para uma perda de identificação do trabalho
do professor. Nesse bojo de mudanças, Caldas (2017) chama a atenção para a necessidade do
exercício da coletividade diante das ações pedagógicas e reitera que esse fenômeno de interação
é acometido também por divergências:

tais movimentos em direção a uma relação consciente com as escolhas possíveis, no


arco de possibilidades e necessidades estabelecidos pela realidade, não se realizam

62
sem conflitos com as determinações mais gerais da organização do trabalho e das
finalidades postas para a instituição escolar. Essa tensão se estabelece entre as
diretivas das políticas educacionais e o dinamismo interno da própria instituição
escolar, que abriga diferentes concepções, ideologias e posturas (CALDAS,
2017, p.119).

O cenário da escola contemporânea no que se refere à escolha de aporte ou práticas


didáticos, permeado pelas mudanças ocorridas no âmbito educacional, justifica a pergunta que
resultou no Gráfico 4.6, a saber: “o quanto lhe incomoda o fato de apresentar uma proposta
(didática, de normatização de trabalho, etc.) e os colegas não aceitarem ou não darem atenção?”.
Em toda relação humana há a possibilidade de mal-entendidos. Nas relações de
trabalho não poderia diferente. Sempre que haja interação entre duas ou mais pessoas aparece
a condição para uma situação conflituosa “pois cada pessoa traz consigo ligações por laços
profissionais, afetivos, amizades e afinidades, sendo condicionadas por uma série de atitudes
recíprocas”. Estas afirmações são de Corradi, Zgoda e Benâncio Paul (2008, p.185) ao discutir
as relações os conflitos entre os profissionais de enfermagem, mas que se aplicam a qualquer
profissão. Na continuidade as mesmas autoras destacam que:

Na prática profissional percebem-se mal-entendidos, desconfianças, sentimentos de


coerção, egoísmo, desrespeito e irritação mostrando diferenças individuais manifestas
no ambiente de trabalho, em decorrência de mau relacionamento (CORRADI;
ZGODA; BENÂNCIO PAUL, 2008, p. 185).

É a divergência de ideias e de percepções que provoca instabilidade e pode produzir


efeitos negativos ou não, dependendo da dimensão ética e emocional dos envolvidos, bem como
da capacidade de gestão em gerenciar conflitos. A falta de habilidade de gestão pode
desencadear efeitos insalubres e desagregadores no ambiente escolar.
Como complemento a essa ideia de conflitos cuja possibilidade subjaz a toda relação
de trabalho as autoras Corradi, Zgoda e Benâncio Paul apresentam cinco estágios de
manifestação conflituosa. São eles:

o primeiro é o conflito latente, por condições que favoreçam o surgimento de um


conflito, ou seja, situações que ainda não ocorreram, mas que representam condições
para o seu surgimento. O segundo refere-se ao conflito percebido, algo que os
envolvidos percebem que está ocorrendo. O terceiro é o conflito sentido, quando o
mesmo se torna emoção. O quarto é o conflito manifesto, estágio em que se
manifestam ações e busca de soluções para sua resolução. O último refere à
conseqüência do conflito, ou seja, a avaliação de como o mesmo foi resolvido
(CORRADI; ZGODA; BENÂNCIO PAUL, 2008, p.185).

63
O conflito somente foi bem administrado se houve benefício para todos os envolvidos.
Caso alguma das partes silenciar por sentir-se reprimida, a situação volta ao estágio de conflito
latente com prejuízo emocional para um ou para o grupo.
Revela-se então a necessidade de não somente o gestor, mas de todo professor, que é
um gestor escolar em potencial e um gestor efetivo da sua sala de aula e dos projetos que
idealiza, desenvolver a competência de gerenciar conflitos. O gerenciamento pessoal de
conflitos envolvendo a si próprio e os colegas requer um preparo ético, intelectual e emocional
bem maior do que para gerenciar conflitos entre outras pessoas. Neste caso não é possível
distanciar-se do problema e olhá-lo de fora, é preciso compreender a natureza do conflito,
admitir a priori a sua latência permanente, pressupor que todos têm o direito de discordar da
sua proposição sem que isso signifique, necessariamente, oposição pessoal.
O gerenciamento desse conflito de interesses ou demonstração de desinteresse é
exclusivo do professor proponente. Para isso é preciso pensar certo e pensar certo, na
perspectiva de Freire é buscar “seriamente a segurança da argumentação, é [a condição] de
quem, discordando do seu oponente, não tem porque contra ele ou contra ela nutrir uma raiva
desmedida, bem maior, às vezes, do que a própria discordância” (FREIRE, 1996, p.35).
Dito em outras palavras: a frustração pela negativa que recebe, explícita ou
implicitamente, não deve ser maior do que o valor da proposta que defende e nem mesmo se
igualar ao valor de manter-se emocionalmente saudável ainda que tenha que produzir sozinho
o trabalho proposto.

Gráfico 4.6 - O quanto o professor é sensível à não colaboração ou atenção


dos colegas, 2019 - 2020.
60,0%
BR; 40,1%

50,0%
MZ; 50,4%
BR; 28,7%

40,0%
BR; 17,9%

30,0%

20,0%
BR; 4,7%

BR; 4,7%

MZ; 12,5%

MZ; 18,1%
EC; 13,0%

EC; 29,6%

EC; 31,5%
EC; 14,8%
MZ; 8,2%

MZ; 4,3%

MZ; 6,5%
EC; 3,7%

EC; 7,4%

10,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa
64
Da análise do Gráfico 4.6 compreendemos que há unanimidade dos professores dos
três países de que se incomodam quando lhes ocorre apresentar uma proposta didática e não
contarem com a adesão dos colegas. Sofrem quando não contam com a adesão dos pares.
Assim, 68.82% dos professores brasileiros sentem esse incômodo seguido de professores
moçambicanos com 68.53% e, por último os equatorianos com 61.1%.
Essa falta de adesão é um fator de mal-estar docente. Por um lado, esse mal-estar não
se justifica considerando que os outros têm a liberdade de fazer outra proposição, defender ideia
oposta.

5.7 O professor e as teorias educacionais

Toda pessoa que se dedica à pesquisa sabe o valor da teoria. Como um conjunto de
princípios construídos a partir de problemas, de observações e hipóteses verificadas que
resultam em postulados ou axiomas, conjecturas ou novas hipóteses, previsões e leis, a teoria
fornece os parâmetros para a avaliação dos dados obtidos ou produzidos, e a validação da
conclusão.
No trabalho docente norteado por uma teoria, da qual se tem consciência, ela
parametriza o fazer. As relações institucionais ficam justificadas, as decisões éticas ficam
facilitadas, a relações humanas, supostamente, ficam orientadas e as razões para ensinar ficam
esclarecidas. Enfim, a valorização da teoria e a exemplificação do seu uso facilita, em tese, a
ação do professor. No entanto, o professor tem se beneficiado dela ou delas (uma vez que são
várias as teorias apresentadas)?
A décima-quarta questão proposta aos professores trata da eficácia ou êxito da
academia em ofertar uma formação capaz de atender às demandas da comunidade escolar.
Nesse sentido, indagou-se sobre o “Quanto as teorias educacionais estudadas na faculdade lhe
ajudam na resolução dos problemas de sala de aula?” A pergunta vai ao encontro do proposto
por Tardif (2000) ao pontuar que o modelo aplicacionista de educação executado na esfera da
educação acadêmica ou superior, não coloca a educação básica em evidência. A dinâmica da
educação básica se configura por uma atmosfera em que o saber docente está permeado por
eventos pessoais. Esse fenômeno se coaduna com a relação temporal oriunda da rotina escolar,
que inclui também as diversas interações pessoais. Além do discorrido, o autor aponta que
eventos presentes nas práticas docentes acabam por fazer emergir, também, ideias informais,

65
subjetivas. Outro fator a ser considerado, diz respeito à diversidade que comporta a prática
pedagógica, onde

Os saberes profissionais também são variados e heterogêneos porque não formam um


repertório de conhecimentos unificado, por exemplo, em torno de uma disciplina, de
uma tecnologia ou de uma concepção do ensino; eles são, antes, ecléticos e sincréticos.
Um professor raramente tem uma teoria ou uma concepção unitária de sua prática; ao
contrário, os professores utilizam muitas teorias, concepções e técnicas, conforme a
necessidade, mesmo que pareçam contraditórias para os pesquisadores universitários.
Sua relação com os saberes não é de busca de coerência, mas de utilização integrada
no trabalho, em função de vários objetivos que procuram atingir simultaneamente
(TARDIF, 2002, p.263).

Os eventos supracitados carecem de um olhar mais atento por parte da academia. É


preciso entender o funcionamento do chão da escola para o êxito no encurtamento da distância
existente entre os ideais das formações universitárias e a realidade das escolas.
O Gráfico 4.7 traz elementos para discussão.

Gráfico 4.7 - o grau de influência das teorias educacionais estudadas


nafaculdade na decisão de professores moçambicanos para a resolução de
problemas em sala de aula, 2019 - 2020.

MZ; 44,8%
50,0%
45,0%
40,0%
EC; 27,8%
BR; 26,1%

35,0%
EC; 24,1%

BR; 21,1%
MZ; 19,0%

30,0%
EC; 18,5%
BR; 18,6%

MZ; 14,2%
EC; 14,8%

25,0%
BR; 13,9%
EC; 13,0%
MZ; 10,3%

BR; 11,8%

20,0%
BR; 8,6%

MZ; 6,0%
MZ; 5,6%

15,0%
EC; 1,9%

10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto

Fonte: Dados da pesquisa

O Gráfico 4.7 demonstra que as teorias estudadas pelos professores moçambicanos,


equatorianos e brasileiros influenciam de forma consistente em suas tomadas de decisão. Na
escala entre médio e muito alto, o percentual de professores moçambicanos que consideram
relevantes as teorias acadêmicas é de quase 80%. Para os equatorianos, o número chega a 70.3%
e para os brasileiros, o índice é de pouco mais de 60%. Entre os docentes que não dão muito
crédito à ideia de que os estudos teóricos oriundos da faculdade sejam relevantes para
66
solucionar entraves recorrentes em sala de aula, os índices de cada país ficam entre 21 e 40%,
sendo 22.0 % em Moçambique, 29.6% no Equador e 38.9% no Brasil, tendo como referência
os critérios “nenhum, muito baixo e baixo”.
Quando analisados individualmente, a categoria “muito baixo” teve índice de 5.6%
em Moçambique e a categoria “nenhum” registrou percentual de 1.8% no Equador. Os dados
totais indicam que, dentre os três países, os professores moçambicanos são os que mais atribuem
relevância à importância de estudos teóricos para auxiliar no combate aos problemas que
acometem as escolas, mais especificamente a sala de aula. Os professores equatorianos e
brasileiros demonstraram equivalência referente às categorias situadas entre médio e muito alto,
no que tange à importância dos estudos das teorias educacionais para o enfrentamento dos
empecilhos que surgem durante as aulas. Apesar de menos expressivos, se comparado a
Moçambique, Equador e Brasil também registraram índices consideráveis de reconhecimento
da formação acadêmica como aliada na prática docente para soluções de problemas.
Outra questão levantada foi: Atribua uma nota para a afirmação: “o problema da
aprendizagem do estudante passa pela capacidade de decisão dos professores”.
A dinâmica de uma sala de aula é composta, entre outros, por uma infinidade de
variantes advindas das inúmeras interações pessoais que ocorrem concomitantemente durante
o percurso escolar. Dessa forma, surgem eventos em que o regente da aula necessita tomar
decisões. É sabido que a tomada de decisões está vinculada a fatores diversos, que comportam
elementos relacionados à liberdade da decisão, bem como ao poder vinculado a esta. Há uma
série de outros elementos a serem considerados, dentre os quais, destacamos a existência de
dilemas éticos durante as interações que ocorrem em ambiente de aula. Nesse sentido, a décima
quinta questão (Gráfico 4.7) busca compreender melhor de que forma a tomada de decisão
influencia o andamento das questões pedagógicas, na visão dos professores. Para tanto,
solicitou-se aos colaboradores que atribuíssem conceitos para a seguinte afirmação: “o
problema da aprendizagem do estudante passa pela capacidade de decisão dos professores”. Os
dados a seguir revelam como os colaboradores entendem essa associação.

67
Gráfico 4.7.1 - O quanto professores coadunam a ideia de que o
problema da aprendizagem passa pela capacidade de decisão dos
professores, 2019 - 2020.

BR; 37,1%
EC; 35,2%
40,0%

MZ; 28,0%

MZ; 27,2%
BR; 27,5%
35,0%

MZ; 22,0%
30,0%

EC; 18,5%
EC; 16,7%
25,0%

EC; 14,8%
BR; 11,8%
MZ; 10,3%
20,0%

BR; 10,7%
EC; 9,3%
MZ; 8,2%

15,0% BR; 6,8%


EC; 5,6%
BR; 6,1%

MZ; 4,3%

10,0%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto

Fonte: Dados da pesquisa.

Esta questão surgiu como uma preliminar para próxima questão. A capacidade de
decisão está ligada à autonomia intelectual. Trata-se da capacidade de posicionar-se, de escolher
o tempo de estudo de um determinado conteúdo, de decidir a direção da aula. A imprecisão da
pergunta foi proposital. Ela enseja mais uma pesquisa.
O entendimento de que o empecilho da aprendizagem está vinculado à capacidade que
o professor tem de decidir se mostra mais intensificado entre os professores moçambicanos,
uma vez que 49.1% assinalaram os conceitos “alto” ou “muito alto” para a asserção supracitada,
seguido de 28.0% para o conceito “médio”. Para os conceitos “nenhum”, “muito baixo” e
“baixo”, a soma do índice moçambicano para os referidos conceitos foi de
22.8%.
Já a soma dos conceitos “médio”, “alto” e “muito alto” resultou num percentual de
77.2%. Para os professores equatorianos, associar problema de aprendizagem à capacidade de
decisão docente resultou em percentuais mais modestos, se comparados aos moçambicanos.
Entretanto, apesar de 31.5% dos docentes apontarem que a associação em questão se enquadra
no conceito que varia de “nenhum” a “baixo”, a soma dos conceitos “médio” e “alto” e “muito
alto” resulta em 68.5%. Os professores brasileiros registraram índice de 24.6% para o conceito
que varia de “nenhum” a “baixo” e “ 75.3% para a soma dos conceitos “médio”, “ alto”, “muito
alto”.

68
O próximo item trata da autonomia do professor embora haverá espaço posterior para
uma discussão mais aprofundada sobre o tema. Um segundo volume foi produzido abrangendo
este e outros temas.
Autonomia é um ato necessário para o fazer docente. Entretanto, é necessário que se
pontue de qual autonomia estamos tratando, além de não confundi-la com ausência de regras,
que supostamente não tenha passado pela cabeça do professor participante.
Para tanto, solicitou-se aos colaboradores para que atribuíssem um conceito para a
assertiva: “um professor autônomo não é o que faz o que quer, é o que sabe o que faz e porque
faz”. Diante do exposto, a décima sexta pergunta (Gráfico 4.7.2) busca analisar como o
professor enxerga a distância existente entre o conceito de autonomia e liberdade, bem como a
associação entre autonomia e conhecimento.

Gráfico 4.7.2 - A visão dos professores com relação à ideia de que um


professor autônomo não faz o que quer, mas sabe o que faz e o porquê o
faz, 2019 - 2020.
60,0%

BR; 55,4%
50,0%

40,0%
MZ; 53,5%

30,0%
BR; 25,7%

20,0%
BR; 11,1%
EC; 11,1%

EC; 25,9%

EC; 53,7%
MZ; 13,8%

MZ; 13,8%
BR; 2,9%

BR; 2,1%

BR; 2,9%
EC; 1,9%

EC; 3,7%

EC; 3,7%
MZ; 9,1%

MZ; 5,2%

MZ; 4,7%

10,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa

Por vezes tem–se a impressão de que autonomia tem o sentido de outorga de poder
para reprovar, punir o estudante ou alterar currículo13. Na realidade, o pensamento aqui é da
autonomia intelectual que inclui domínio da ciência de referências, das práticas pedagógicas,
de um didática especifica e de um referencial norteador.
O Gráfico 4.7.2 aponta para uma sintonia entre Moçambique, Equador e Brasil no que
se refere ao entendimento de que autonomia está mais próxima do saber fazer, bem como da

13
Tema de um capítulo específico em outro livro dos mesmos autores.
69
razão pela qual se atua de determinada maneira, independente da possibilidade de não estar
realizando o que se deseja. Nesse sentido, 81.0% dos professores moçambicanos, 90.7% dos
professores equatorianos e 92.1% dos professores brasileiros assinalaram o descritor “médio”,
“alto” e “muito alto” para a afirmação de que professor autônomo não é aquele que faz o que
deseja, mas sim o que sabe o que está fazendo e qual a razão de estar desempenhando
determinada tarefa.
Quando se pensa que a sociedade impõe suas normas, estabelece parâmetros de
exigência, define o que a geração futura deve preservar do conhecimento construído
historicamente, conclui-se que o professor (como qualquer outro profissional) é um assujeitado
(CHEVALLARD, 2002). Ele é assalariado para cumprir um papel que a sociedade espera que
cumpra. Por vezes esse papel não coincide com as expectativas do professor e para discutir isso
existem as categorias de classe (sindicatos, associações e sociedades científicas) que têm
respaldo social para discutir formação, condições de trabalho etc. No Brasil, por exemplo, tem-
se a Sociedade Brasileira de Educação Matemática que reúne pesquisadores que pensam o
ensino e a aprendizagem desse componente curricular nas salas de aula. O pressuposto é que
existem sociedades equivalentes em outras áreas do conhecimento e em outros países. Essas
sociedades têm o respaldo social para estabelecer parâmetros de abordagem, de avaliação,
seleção de conteúdo e critérios para definir níveis desejáveis de aprendizagem. No entanto, o
professor sozinho, no âmbito individual, não tem essas prerrogativas. A sua autonomia está no
âmbito intelectual. Ele pode escolher a melhor forma de abordar um conteúdo, de estabelecer
um nível satisfatório de relacionamento com estudantes e pais, de escolher se deseja ser um
profissional respeitado e ter uma postura que conduza a isso, de definir o seu nível pessoal de
envolvimento com a causa da educação, dos estudantes e da comunidade. Tem autonomia de
escolher se o seu conhecimento ficará no mesmo nível de quando deixou a faculdade ou se
atingirá patamares mais altos. Tem autonomia para decidir se agirá para sempre como
empregado que se limita em cumprir o mínimo necessário ou comportar-se-á como profissional
assumindo as responsabilidades do cargo com as bonificações e os ônus que ele acarreta.
Usando uma ideia de Paulo Freire pode-se dizer que ele pode escolher entre estar
presente em sua totalidade ou apenas corporalmente.

5.8 O professor e o nível de satisfação pessoal


Em seu livro, “Em Busca de Sentido”, Frankl (2008) postulou que quando alguém
encontra sentido no que faz ele se torna não somente feliz, mas também encorajado e com

70
capacidade para enfrentar obstáculos, inclusive, o próprio sofrimento. Como um sobrevivente
do campo de concentração onde passou um longo período e como médico psiquiatra (quando
foi para o campo já era médico) observou o que os soldados americanos, que os resgataram,
denominaram de “desistite”. Ele escreve:

Nos campos de concentração, esse comportamento encontrava paralelo naqueles que,


determinada manhã, às cinco horas, recusava-se a levantar e ir trabalhar, preferindo
ficar na cabana, sobre a palha molhada de urina e fezes. Nada -nem advertências, nem
ameaças- podia induzi-los a mudar de comportamento. E então ocorria algo típico:
puxavam um cigarro do fundo de um bolso qualquer, onde o haviam guardado, e
começavam a fumar. Naquele momento, nós sabíamos que, durante as próximas
quarenta e oito horas, iríamos observá-los morrer (FRANKL, 2008, p.163).

Ele conta que após ter saído do campo de concentração trabalhou quatro anos como
psiquiatra em um hospital público da Áustria atendendo pessoas que, em sua maioria, haviam
tentado suicídio. Relata então que meses ou anos depois essas pessoas relatavam que
descobriam que mesmo que houvesse dificuldades valia a pena viver. Haviam descoberto um
sentido para vida e que agora já não lhes importava mais se os problemas eram solúveis ou não,
importava-lhes estar vivos para ver o desfecho.
E o professor encontra sentido no que faz? Ser professor traz-lhe satisfação?
Os tópicos subsequentes discorrem acerca do grau de satisfação profissional e pessoal
para cada item descrito. Para tanto, perguntou-se aos colaboradores do estudo o quanto lhes dá
satisfação profissional e pessoal cada um dos itens abordados: a) salário (recompensa
financeira); b) atenção que os estudantes dão às aulas (perceber que os estudantes valorizam o
que ensina); c) aprendizagem dos estudantes (rendimento pedagógico); d) a quantidade de
estudantes que vê crescendo no respeito aos outros e ao bem comum, valorizando o estudo, o
trabalho e as normas sociais de convivência (rendimento social); e) imaginar-se aposentado.
Para isso deveriam levar em conta o contexto atual, isto é, o que estaria acontecendo
por ocasião da participação na pesquisa.
A formulação geral da questão foi: “O quanto lhe dá satisfação profissional e pessoal
cada um desses itens? (atribua uma nota de 0 a 10, levando em conta a Situação Atual)”.
Esta questão trabalha com juízos de valor não moral. São juízos dessa espécie aquelas
afirmações que não levam em conta a opinião dos outros. Elas destacam apenas as preferências
pessoais. Como, por exemplo, “gosto do bairro onde moro”, “prefiro moto a carro”, “ X é o
meu time favorito” ou, “ é muito bom trabalhar em...”.
Conforme Grenz (2006, p.47) os juízos de valor não moral são de interesse da ética
porque estão relacionados com o viver bem, indicam um estilo de vida, portanto, determinam
71
uma escolha. O conceito de viver bem é fundamental. Nossa concepção de um viver ético tem
relação com a nossa perspectiva do que é viver bem. Portanto, “viver bem é um valor em si
mesmo”. Dessa concepção nasce o dever e as escolhas. As ações são escolhidas com base nessa
perspectiva.
Dessa forma, a questão poderia ser interpretada como: O que é, para o professor, viver
bem? Ou melhor, o que o torna um profissional mais realizado?

5.8.1 O salário

A questão salarial tem sido objeto de constante discussão. Ela perpassa conceitos como
valorização profissional, valorização da educação, qualidade de educação, condições de
trabalho, entre outros. No entanto, nenhum deles plenamente definidos e todos se permitindo
ser analisado sob os mais variados aspectos. Na Região Centro-Oeste do Brasil, onde este
trabalho teve o maior percentual de participação de professores brasileiros, essa discussão não
se liga a uma questão de sobrevivência, mas de poder, de se impor como categoria profissional.
Uma questão de tornar a profissão mais atrativa. O quanto o salário impacta no bem-estar o
professor, isto é, nos eu conceito de viver bem está exposto no Gráfico 4.8.a

Gráfico 4.8.a- O Salário é o fator que o que o torna um profissional


mais realizado, 2019 -2020
BR; 30,0%

BR; 30,0%

MZ; 31,5%

35,0%

30,0%
MZ; 20,3%

25,0%
MZ; 15,5%
BR; 13,6%

20,0%
MZ; 11,6%

BR; 11,8%
MZ; 11,2%
MZ; 9,9%

15,0%
BR; 7,5%
BR; 7,1%

10,0%
EC; 11,1%

EC; 13,0%

EC; 22,2%

EC; 27,8%

EC; 25,9%
EC; 0,0%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto

Fonte: Dados da pesquisa

O Gráfico indica que (considerando os níveis médio, alto e muito alto), 71.8% dos
professores brasileiros participante da pesquisa concordam com a assertiva. O mesmo ocorre
com 67.3% dos professores moçambicanos e 75.9% dos equatorianos participantes. Apenas
32.7% dos moçambicanos, 24.1% dos equatorianos e 28.2% dos brasileiros não têm nesse fator
72
o motivo para a realização profissional. Supomos ser relevante relembrar mais uma vez que
todos os percentuais referidos são relativos aos professores participantes dos respectivos países.
Barbosa (2012, p.386) em sua pesquisa sobre a questão salarial do professor, afirma
que embora uma maioria dos pesquisadores destaque que o professor recebe uma baixa
remuneração, isso não é consenso. Há vozes discordantes, mas segundo ela, Gatti e Barreto
opinam que “os salários recebidos pelos professores não são tão compensadores, especialmente
em relação às tarefas que lhes são atribuídas”. A autora salienta que, se queremos que a
profissão se torne mais atrativa, é necessário melhorar a remuneração. O professor, por certo,
concorda com isso sem levar em conta os fatores adversos decorrentes. É certo que uma
remuneração mais atrativa proporcionaria uma demanda de possíveis melhores profissionais,
isto é, pessoas com melhor preparo intelectual optariam pelo magistério e, supostamente, teriam
maior compromisso, maior prestígio e maior influência sobre os estudantes. Tudo isso, no
entanto, não passa de suposição. Nossos estudantes universitários, por vezes, são vítimas de
professores bem preparados intelectualmente, mas que não têm vínculo com a educação, estão
lá somente pelo salário. Não aparentam nenhum compromisso social ou com o aprendizado do
estudante. Há, ainda, outro fator adverso. Ele consiste no fato de que a concorrência qualificada
elevaria a procura por vagas nas faculdades públicas de educação tornando-se um fator de
exclusão dos menos favorecidos que hoje encontram nela a sua porta de ascensão social.
Talvez, muitos de nós, e de nossos filhos, estaríamos excluídos. O problema é mais amplo e
mais complexo.
De qualquer forma, não se deve dar por satisfeito com a condição salarial que está
posta. A autora citada destaca muito bem isso. Ela faz a seguinte anotação:

Enguita (1991) assinala que a combinação da pressão moral presente no trabalho


docente aliada a escassas recompensas materiais e à degradação do status econômico
traduz-se em frustração pessoal e desafeição do professor com o próprio trabalho. Isso
seria, sem dúvida, extremamente prejudicial para a qualidade da atuação do professor
em sala de aula e, consequentemente, para a educação escolar (BARBOSA, 2012,
p.392).

Vários autores concordam que os baixos salários concorrem para a perda da dignidade
do professor e o desestímulo para com a carreira14. Possivelmente, sinta-se mais fragilizado
para suportar o aparente desinteresse da família, o aparente descaso do estudante, as insinuações

14
O que talvez não se tenha ainda (ou não é de conhecimento dos autores) é um referencial de salário, um patamar
mínimo ideal para tornar a profissão atraente e obter maior engajamento do profissional.
73
ou determinações de que deve aprovar o estudante. Sente-se não merecedor de respeito e esse
sentimento o fragiliza diante de obstáculos que poderiam ser facilmente superados.

5.8.2 A atenção que os estudantes dão à aula


O Gráfico 4.8. b trata de outra categoria de satisfação. Trata da realização diante da
resposta do estudante ao seu investimento pessoal no preparo da aula, no agir comunicativo
com ele, no exemplo de profissional que procura ser. Ser valorizado pelo que tem a oferecer.

Gráfico 4.8.b - A satisfação está na atenção que os estudantes dão à aula,


2019 – 2020.

MZ; 52,2%
60,0%

50,0%

40,0%

EC; 40,7%
MZ; 15,5%
30,0%
EC; 31,5%
MZ; 12,9%
MZ; 9,5%

20,0%
MZ; 6,0%
MZ; 3,9%

BR; 20,7%

BR; 33,2%

BR; 32,1%
EC; 16,7%
BR; 3,6%

BR; 6,4%
BR; 3,9%

EC; 7,4%
EC; 1,9%

EC; 1,9%

10,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa.

Os dados constantes no Gráfico levantam outro questionamento, que será exposto


oportunamente. No entanto, constata-se 80.6% dos professores moçambicanos, 85.1% dos
equatorianos e 86.0% dos brasileiros, isto é, dos professores que participaram, sentem-se ou
sentir-se-iam realizados com a atenção dos estudantes. A questão anunciada ocorre por conta
de uma segunda questão que não foi apresentada a esses professores. “Com que frequência isso
ocorre?” Essa questão permitiria avaliar se essa satisfação se projeta no campo ideal ou no
campo real, do vivido pelo professor.
Normalmente os professores consideram os estudantes como desmotivados. Sobre a
falta de interesse dos estudantes alguns autores dizem que:

se um professor não está motivado, se não exerce de forma satisfatória sua profissão,
é muito difícil que seja capaz de comunicar a seus estudantes entusiasmo, interesse
pelas tarefas escolares; é, definitivamente, muito difícil que seja capaz de motivá-los
(SOUZA M; SOUZA P; RAMOS, 2016, p. 1018).

74
Uma possível razão para que essa falta de motivação aconteça é atribuída ao fato de
que muitos professores não trabalham em uma única escola resultando no desconhecimento das
características dos estudantes. Destacam também os autores citados “que estratégias didáticas
tradicionais já não apresentam os mesmos resultados de outros tempos”.
Sobre isso Zabala (1998) diz que o interesse dos estudantes pelo estudo está vinculado
aos seus interesses nos conteúdos e nos objetivos dos mesmos porque eles sempre querem saber
o que se pretende e como tudo aquilo vai satisfazer as suas necessidades.

5.8.3 A aprendizagem dos estudantes


A aprendizagem dos estudantes seria um fator de motivação para o exercício da
docência?
A questão reportada no Gráfico 4.8.c se mostra mais realista.

Gráfico 4.8.c- A aprendizagem dos estudantes é um fator de realização


profissional, 2019- 2020

MZ; 48,7%
60,0%

50,0%

40,0%

30,0%
MZ; 17,2%

BR; 44,6%
MZ; 14,7%
MZ; 9,5%

20,0%
MZ; 7,3%

BR; 25,0%
BR; 20,4%
MZ; 2,6%

EC; 20,4%

EC; 42,6%
EC; 25,9%
BR; 2,9%

BR; 1,4%

BR; 5,7%
EC; 1,9%

EC; 3,7%

EC; 5,6%

10,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto

Fonte: Dados da pesquisa

De alguma forma a educação tradicional está centrada na avaliação de resultados.


Avaliações comparativas são muito frequentes e o professor habituado a isso condiciona o seu
sucesso na aprovação, mediante nota, do estudante. Embora não se possa afirmar que esses
professores tinham em mente o rendimento mensurável dos estudantes, contata-se que 80.6%
dos professores moçambicanos participantes, 90.0% dos professores brasileiros e 88.9% dos

75
professores equatorianos se mostram satisfeitos com os resultados do desempenho acadêmico
dos estudantes.

5.8.4 A quantidade de estudantes que vê crescendo no respeito aos outros e ao bem


comum, valorizando o estudo, o trabalho e as normas sociais de convivência.
Dando continuidade à macroquestão da satisfação profissional tem-se o Gráfico 4.8.c
a questão levantada por objetivo saber se a quantidade de estudantes que vê crescendo no
respeito aos outros e ao bem comum, valorizando o estudo, o trabalho e as normas sociais de
convivência, é um dos fatores levado em conta na hora de avaliar a autorrealização. O fator
social tem respaldo na perspectiva de Durkheim, como se verá em parágrafos subsequentes.

Gráfico 4.8.d - A quantidade de estudantes que vê crescendo no respeito aos


outros e ao bem comum, valorizando o estudo, o trabalho e as normas sociais
de convivência, 2019 -2020.
60,0%

MZ; 43,1%
50,0%

40,0%
MZ; 17,7%

30,0%
EC; 50,0%
MZ; 14,7%
MZ; 11,2%
MZ; 8,2%

20,0%
MZ; 5,2%

EC; 18,5%
EC; 16,7%

BR; 24,3%

BR; 39,6%
BR; 22,1%
BR; 2,9%

BR; 2,1%

BR; 8,9%
EC; 3,7%

EC; 1,9%

EC; 9,3%

10,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa

A análise do Gráfico mostra que (considerando os valores médio, alto e muito alto)
86.0% dos professores brasileiros, 85.2% dos equatorianos e 75.5% dos professores
moçambicano participantes têm este ideal de ter como resultado do seu trabalho, estudantes
comprometidos com as causas sociais. Isso pode ser indicativo de professores que trazem na
sua formação um compromisso com essa mesma causa.
Se fundamentarmos o debate em Durkheim (2010, p.31) veremos que “cada sociedade
[família, professor] faz do homem certo ideal, tanto do ponto de vista intelectual, quanto do
76
físico e moral”. Esse ideal pode ser em relação ao futuro ou ao passado. Com relação ao futuro
diz respeito ao que queremos que se torne. Para onde vamos direcionar o seu comportamento
social. Diz respeito às nossas expectativas em relação ao seu futuro papel na sociedade e,
obviamente, ao que esperamos que a sociedade se torne. Expectativa ou ideal com relação ao
passado diz respeito ao que esperávamos que trouxesse consigo. Como esperávamos que esse
estudante chegasse à escola. Qual herança intelectual ou moral trouxesse da casa. Parece que já
estamos habituados com a possibilidade de fragilidades físicas (estudantes se apresentem com
deficiência física), mais ainda não nos conscientizamos de que fragilidades morais e intelectuais
também possam existir entre eles. Tanto uns como outros necessitam da nossa acolhida e
requerem investimentos para que superem. Se é “uma ilusão acreditar que podemos educar
nossos filhos [estudantes, jovens] como queremos” (DURKHEIM, 2010, p.34) também é uma
ilusão acreditar que eles chegarão como queremos e que sairão das nossas mãos como
queremos. A propósito, para esse pensador da Sociologia e da Educação:

Há costumes com relação aos quais somos obrigados a nos conformar; se os


desrespeitarmos, muito gravemente, eles se vingarão em nossos filhos. Êstes, uma vez
adultos, não estarão em estado de viver no meio de seus contemporâneos, com os
quais não encontrarão harmonia. Que eles tenham sido educados, segundo ideias
passadistas ou futuristas, não importa; num caso, como noutro, não são de seu tempo
e, por conseqüência, não estarão em condições de vida normal. Há, pois, a cada
momento, um tipo regulador de educação, do qual não nos podemos separar sem vivas
resistências, e que restringem as veleidades dos dissidentes (DURKHEIM, 2010,
p.30).

Se recorrermos à Base Nacional Curricular Comum (BNCC) veremos que em muitos


momentos ela trata de contemplar “temas que impactam a cidadania e o exercício de direitos”
(BRASIL, 2018, p.106). Ao discutir as Ciências Humanas e Sociais Aplicadas para o Ensino
Médio a definição que o referido documento traz de cidadania é “Participar do debate público
de forma crítica, respeitando diferentes posições e fazendo escolhas alinhadas ao exercício
da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e
responsabilidade” (BRASIL, 2018, p.570).
A falar em seu projeto de vida de forma responsável e focalizar o debate público o
documento insere a dimensão social e seu compromisso com os valores da sociedade.

5.8.5 Imaginar-se aposentado


Um possível fator de bem-estar do professor está centrado no conforto do final da
carreira.
O item 4.8.e se refere a outra dimensão de realização pessoal.

77
Gráfico 4.8.e - Imaginar-se aposentado(a) e a realização do professor,
2019 - 2020
35,0%

MZ; 22,8%

MZ; 22,4%
30,0%

BR; 28,9%
MZ; 17,2%
25,0%

MZ; 14,7%
MZ; 11,6%

BR; 22,1%
20,0%

MZ; 11,2%

EC; 27,8%

EC; 25,9%
15,0%

BR; 16,8%

EC; 20,4%
10,0%
BR; 11,8%

EC; 13,0%

EC; 13,0%
BR; 10,4%
BR; 10,0%
EC; 0,0%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa

Consta-se que 74.1% dos professores equatorianos participantes, 67.8% dos brasileiros
e 54.3% dos moçambicanos têm na aposentadoria ou jubilação (no Equador) a sua realização
profissional. Isso, se considerarmos os níveis médio alto e muito alto, porém se excluirmos o
nível médio teremos: 46.3%, 51.0% e 31.9% respectivamente.
Um destaque é que 22.8% dos professores moçambicanos afirmam não ter na
aposentadoria o seu objeto de realização
O fenômeno da aposentadoria se configura como um elemento de conquista, fruto de
anos dedicados ao trabalho. O reconhecimento e o gozo por todos esses momentos de prestação
de serviço são recompensados com o direito de aposentar-se, quando do cumprimento dos
critérios estabelecidos pela legislação vigente. Os profissionais docentes, em sua maioria,
dedicam muitas horas do seu dia às atividades pedagógicas que contemplam uma variedade de
eventos, tais como ministrar aulas, elaborar registros diversos, planejar ações, cumprir
demandas oriundas da atribuição do cargo de professor, prestar contas à comunidade escolar,
em especial aos responsáveis e aos discentes, mediar conflitos sociais que são estendidos ao
ambiente de sala de aula, deliberar acerca do destino acadêmico dos estudantes, deliberar sobre
diversos dilemas que surgem no decorrer das aulas e de outras relações sociais que fazem parte
do contexto escolar.
Não bastasse o discorrido, há pormenores de outra ordem que podem influenciar
incisivamente a rotina e o bem-estar do profissional da educação. Tais eventos estão associados,
por exemplo, a questões como importância salarial, sobrecarga de serviço em função do excesso

78
de compromissos e aulas que muitos profissionais se submetem. Cabe lembrar que esse
fenômeno está diretamente ligado à remuneração do professor.
Outro fator de influência no fazer pedagógico diz respeito a diversos dilemas
enfrentados pelo docente em função de imposições superiores que vão de encontro aos seus
princípios éticos. Como exemplo, citamos o modo de lidar com a falta de comprometimento
discente, ou mesmo outras modalidades de indisciplina estudantil. Esses e outros fatores
contribuem para que haja um grau elevado de descontentamento por parte dos professores, no
que se refere à prática do ofício, conforme apontam Silva e outros:

Foram os professores os que mais apresentaram exaustão e insatisfação com relação


ao exercício que desempenham e com a precarização da educação, repercutindo na
falta de reconhecimento e no esgotamento profissional. Associado a isto, está presente
a falta de identificação profissional, analisado quando relatado pelos participantes que
a escolha pela profissão se deu por não ter outra opção, por influência de amigos e
familiares ou por uma oportunidade casual da vida. Todos esses fatores influenciam
sobremaneira na busca desses profissionais pela aposentadoria (SILVA et al., 2015,
p.118).

A precariedade do serviço docente, pontuada parcialmente pelos escritos acima, faz


com que muitos docentes construam sua história de trabalho permeada por insatisfações
constantes que comprometem o seu bem-estar e faz surgir um suposto desejo pela
aposentadoria. Entretanto, os supracitados autores pontuam que a falta de preparo para este
momento pós-trabalho, também pode ser um agravante para a saúde do profissional. Silva e
outros reiteram a carência de políticas públicas que deem suporte ao trabalhador aposentado.
A relação existente entre o sentimento de realização propiciado pelo fato de estar
aposentado foi investigada na questão 4.8.e do presente estudo. Para os professores
moçambicanos, 45.6% demonstraram sentimento de realização situado entre nenhum, muito
baixa ou baixa no que se refere ao alcance da aposentadoria, enquanto 54. 3% dos seus pares
indicaram sentimento de realização nas escalas que varia de médio a muito alto. Já para os
equatorianos, 26% dos professores apontaram um grau de realização que varia entre nenhum e
baixo. Quanto aos brasileiros, apenas 16.8% dos professores declararam realização pela
aposentadoria enquadrada entre nenhum e baixo. Embora os docentes de Moçambique
registraram índice equilibrado quanto ao sentimento de realização associado à aposentadoria,
há uma ligeira tendência de aceitação dos referenciais situados entre médio e muito alto, cujo
registro chega a pouco mais de 54%. Já os docentes equatorianos e brasileiros demonstraram
mais adesão ao sentimento de realização associado à aposentadoria, uma vez que os índices
situados entre médio e muito alto foram de quase 70% para os brasileiros e pouco mais de 74%
para os equatorianos.
79
Esse sentimento de realização profissional com a aposentadoria, ou jubilação, traz o
indicativo de aceitação de uma fatalidade. A perspectiva é que o trabalho produza um sentido
para vida quando realizado dentro de determinados parâmetros e que, nesse caso, o desejo de
afastamento decorre de alguma limitação física, que pode ser decorrente da idade ou
enfermidade, ou de prolongada frustração com os resultados daquilo que produz. Essa
frustração prolongada resulta na aceitação da fatalidade de que a realização pessoal é impossível
naquela atividade. Portanto, enquanto aposentadoria representa um merecido descanso o seu
anseio antecipado pode representar o que há de pior no exercício de uma profissão. Preparar-se
para aposentadoria é tão natural quando preparar-se para a velhice. No entanto, ansiar pela
aposentadoria pode ser indicativo de algo tão decepcionante que leva a pessoa a ansiar pela
velhice ou pela morte.
O suicídio, seja ele na sua primeira acepção que é um atentado contra a própria vida
biológica, seja como metáfora de um atentado contra a vida relacional ( o divórcio, por
exemplo) ou seja como metáfora de um atentado contra a vida profissional (anseio incontido
pela jubilação) é indicativo de sofrimento, de um desejo ardente de fuga de uma dor que
atormenta diuturnamente e por anos a fio.

5.9 O professor e a questão: por que o trabalho não se desenvolve a contento?


Um trabalho, normalmente, não se desenvolve a contento motivado por alguns fatores
que, isoladamente ou em conjunto, interferem no processo. Alguns desses fatores são externos
ao sujeito que se propõe a executar e outros são internos a ele. Um dos fatores internos é a
expectativa elevada de quem vai executar ou patrocinar a execução. Se essa expectativa for
muito elevada, dificilmente um trabalho ficará a contento. O mais provável é que esse
contentamento não ocorra. O fator interno está diretamente relacionado com a habilidade do
executor, com o seu preparo para a execução da tarefa. Com a experiência o elemento
expectativa tende a perder força e o trabalho começa a se aproximar do nível desejado. Nesse
caso, estamos partindo do pressuposto que há um compromisso do executor com o trabalho a
ser executado.
Há também fatores externos. Um exemplo é a qualidade do material empregado. Isso
para manufaturas, indústria ou obras da construção civil. Para o professor, esse fator está
relacionado com as condições sociais e culturais da comunidade onde atua. Também é um fator
externo o equipamento disponível (biblioteca, laboratórios, internet, espaço físico e temporal,

80
isto é, que o tempo não seja excessivamente limitado, etc.) podendo acrescentar-se a isso a
gestão local, o relacionamento dela com o professor ou com a comunidade.
Dificilmente se realiza um trabalho, de cujo resultado se possa alegrar, sem um
planejamento que vá além do cumprimento de uma exigência burocrática. Para que um trabalho,
não excessivamente idealizado, seja desenvolvido a contento fazem–se necessários: 1) um
planejamento que seja indicativo de um envolvimento pessoal; 2) contar com o respaldo da
gestão para a sua execução; 3) ter equipamentos; 4) ter conquistado o respeito da comunidade
(estudantes e familiares) e 5) o compromisso profissional. Há outros fatores, evidentemente.
Dessa forma, supõe-se que se há alguma insatisfação com o trabalho se alguns desses
fatores se fazem ausentes. Neste tópico procurou-se desvelar as razões apontadas pelo professor
como causa de frustração profissional, se houver.
A macroquestão levantada foi: “Para você, o seu trabalho não se desenvolve melhor
porque (atribua uma nota de 0 a 10)”. Foi desdobrado também em cinco itens a saber: a)
colaboração do estudante; b) pertinência do conteúdo ensinado; c) a forma de abordagem,
portanto a atuação do professor; d) o apoio da gestão escolar e e) dissociação entre conteúdo e
o cotidiano de estudante.
Cada item tem um Gráfico correspondente. A participação do estudante está no
Gráfico 4.9

Gráfico 4.9 - O estudante não colabora para o desenvolvimento do trabalho do


professor, 2019 - 2020
EC; 31,5%

35,0%
MZ; 24,6%
MZ; 22,8%

30,0%
MZ; 21,1%

25,0%
EC; 16,7%

EC; 16,7%
EC; 16,7%
EC; 14,8%
MZ; 12,1%
MZ; 11,6%

20,0%
MZ; 7,8%

15,0%

10,0%
EC; 3,7%

BR; 11,1%

BR; 28,2%

BR; 32,1%

BR; 16,1%
BR; 5,0%

BR; 7,5%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto

Fonte: Dados da pesquisa

81
Dos professores participantes da pesquisa, 76.4% dos brasileiros; 68.5% dos
moçambicanos e 64.8% dos equatorianos entendem que o trabalho do professor não desenvolve
bem por falta de colaboração do estudante15. Neste sentido, importa saber o tipo de colaboração
que o estudante deve prestar para facilitar o trabalho docente. A colaboração do estudante
depende muito dos métodos que o professor utiliza para o ensino.
Na atual conjuntura social, segundo Bauman (1997, 2001, 2011), tudo que se faz é
marcado por incertezas, individualismos e pós-dever. Neste sentido, é natural supor que o
professor encontre pouco eco de sua voz nos estudantes. Esse pensador escreve sobre uma
situação conflituosa onde chega-se a pensar que estamos celebrando a “morte do ético” e a
“substituição da ética pela estética” onde a pergunta que se faz não é mais o que devo fazer,
mas como devo me sentir. Afirma ainda que “em nossos tempos deslegitimou-se a ideia de
autossacrifício” e continua que a “ nossa era é era de individualismo não adulterado e de busca
de boa vida, limitada só pela exigência de tolerância” (BAUMAN, 1997, p.8-9).
Os estudantes não têm mais a certeza e a ilusão de que a escola os prepara para a vida.
Os mais abastados estudam para manter o status conquistado por seus pais ou não estudam
porque estão seguros de que usufruirão da herança e o individualismo os impede de pensar
sobre o que deixarão para os descendentes. Os estudantes da classe menos favorecida que
estudam o fazem por prazer (substituindo outros produtos que lhes são ofertados pela mídia ou
na porta da escola por algo mais saudável) e ainda mantém alguma ilusão de sucesso a partir da
aquisição do saber socialmente construído pela humanidade. Sentem-se humanos, pertencentes
à categoria especial daqueles que produzem mentefatos. Outros que não sentem prazer nos
estudos também não vislumbram possibilidades de troca de classe ou ascensão social dadas as
incertezas de toda ordem de que falou Bauman. É certo de que há, em todas as classes sociais,
pessoas que fazem do estudo um deleite. No entanto, parece não ser a maioria e a conquista
desses estudantes para o estudo, numa sociedade onde não há grandes investimentos (não só
financeiros, mas também em termos de valoração e formação cultural) em ciência, não é algo
tão simples.
Pelo exposto não parece que a colaboração espontânea dos estudantes seja uma
expectativa a ser cultivada. Colaboração pressupõe trabalho conjunto com objetivos comuns. O
objetivo do professor é expresso em seu planejamento e deve estar em conformidade com as
exigências institucionais. Estas têm metas administrativas a serem cumpridas e pautam as sua

15
Como em muitos casos anteriores aqui também se contabilizou os níveis médio, alto e muito alto, sem perder
de vista que participaram da pesquisa 280 professores brasileiros, 232 moçambicanos e 54 equatorianos.
82
expetativas por elas, enquanto o estudante tem como meta atender aos parâmetros sociais para
ser aceito e ter a sua ascensão social.
O segundo item dessa macroquestão trata da pertinência do conteúdo abordado.
No que diz respeito à pertinência dos conteúdos ensinados, 38.9% dos professores
equatorianos consideram alta ou muito alta a desatualização do conteúdo e 14.8% consideram
como medianamente desatualizados ou inadequados. Esses percentuais são de 27.5% e 25%
respectivamente para os professores brasileiros e de 32.8% e 17.7% os
professores moçambicanos. Esses acreditam que os conteúdos estão desatualizados. Porém para
59.6% dos docentes moçambicanos, 47.1% dos docentes brasileiros e 46.3% dos equatorianos
o problema não tem relação com a pertinência do conteúdo (Gráfico 4.9. a).

Gráfico 4.9.a - O conteúdo desatualizado para a época atual é um fator de pouco


sucesso, 2019/2020
MZ; 28,5%

BR; 25,4%
30,0%

25,0%

BR; 17,9%
BR; 17,5%
MZ; 17,7%

MZ; 17,7%
BR; 17,1%

MZ; 15,5%

20,0%
MZ; 13,4%
BR; 12,5%

BR; 9,6%
15,0% MZ; 7,3%

10,0%
EC; 25,9%

EC; 13,0%

EC; 14,8%

EC; 24,1%

EC; 14,8%
EC; 7,4%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa

Quando questionados se consideram a sua forma de abordar o conteúdo como um fator


de pouco sucesso, houve a seguinte manifestação (Gráfico 4.8.b).
Será considerado um fator positivo se o professor admitir a necessidade de repensar o
seu posicionamento e em relação à visão de mundo, de homem, sociedade e cultura,
conhecimento, educação, escola, processos de ensino e aprendizagem bem como da relação
entre professor e estudante (MIZUKAMI, 1986). Admitir que há uma intencionalidade em todo
processo educativo e que essa intencionalidade, por vezes, necessita ser revista para atender
novas exigências sociais manifestas pelas instituições.

83
Gráfico 4.9.b- A forma de trabalhar não está adequada para época atual, 2019
-2020

MZ; 37,9%
40,0%

EC; 27,8%
35,0%

30,0%
EC; 20,4%

BR; 21,1%
BR; 20,0%

EC; 18,5%
BR; 18,6%
MZ; 16,8%

BR; 17,1%

MZ; 15,5%

BR; 16,8%
25,0%

EC; 14,8%

MZ; 10,8%
20,0%

MZ; 9,5%

MZ; 9,5%
EC; 9,3%

EC; 9,3%
15,0%

BR; 6,4%
10,0%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa

A análise do Gráfico mostra que 37.9% dos professores moçambicanos não admitem
que haja qualquer relação entre o sucesso no trabalho que contemple relacionamentos,
produtividade do estudante, 20.4% dos equatorianos e 20.0% dos brasileiros. Quando juntamos
os níveis baixo e muito baixo e nenhum tem-se 64.2% dos moçambicanos, 63.0% dos
professores equatorianos que participaram da pesquisa e 55.7% dos brasileiros envolvidos nesse
processo de pesquisa. Tem-se que 23.2% dos brasileiros se mostram dispostos a rever a sua
posição uma vez que entendem ser alta ou muito alta a possibilidade de que o seu
posicionamento, a sua forma de abordagem, a sua visão de educação, sociedade e cultura,
necessidades humanas, etc. tenha influência no interesse e rendimento estudantil. De igual
modo 18.6% dos equatorianos e 20.3% dos professores moçambicanos participantes.
Embora, por vezes, o professor não explicite verbalmente o seu descontentamento com
o apoio que recebe e nem mesmo saiba definir que tipo de apoio necessita é possível que esteja
aguardando esse suporte. O Gráfico 16.c traz dados relativos a esse possível anseio por ajuda.

84
Gráfico 4.9.c- O trabalho não é bem-sucedidos porque a escola
não o apoia, 2019 -2020

MZ; 23,3%

MZ; 25,4%
30,0%

25,0%

MZ; 16,0%
MZ; 14,7%
EC; 22,2%
20,0%

MZ; 10,8%

EC; 20,4%
MZ; 9,9%
15,0%

EC; 16,7%

EC; 14,8%
EC; 13,0%

EC; 13,0%
10,0%
BR; 16,1%

BR; 15,0%

BR; 18,9%

BR; 24,3%

BR; 18,6%

BR; 7,1%
5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Médio Alto Muito Alto
Baixo
Fonte: Dados da pesquisa

Entre os professores moçambicanos, 44.0% indicam há pouca ou nenhuma (23.3%)


relação entre a falta de apoio da escola e o seu sucesso. O mesmo ocorre com 50.1% dos
professores equatorianos e 50.0% dos brasileiros. Por outro lado, tem-se que 27.8% dos
professores equatorianos aguardam com alta e muita alta intensidade esse apoio que não foi
explicitado por não ter sido incluído no formulário. O mesmo ocorre com 35.7% dos brasileiros
e 30.7% dos professores moçambicanos. São professores que sentem certo desamparo
institucional.
No item 4.9 já se discutiu sobre o que pensam os professores com relação à pertinência
dos conteúdos ensinados. O item 4.9.d retoma essa questão, dessa vez com maior explicitação
da ideia. A questão que subjaz é: o professor consegue relacionar o que ensina com a
necessidade cotidiana do estudante?
Novamente cabe aqui ressaltar que não se trata de um pragmatismo ingênuo que parte
do pressuposto de que somente questões relativas às necessidades fisiológicas estão em jogo.
Há a necessidade de aprender a relacionar-se, exercer a sua cidadania, valorizar a cultura e o
estudo das ciências, entre outras questões que um professor atendo pode perceber e sugerir
encaminhamento.
Vê-se, pelo Gráfico 4.9.d, que não são muitos os professores que se preocupam com
essa relação. Tem-se apenas 21.1% dos professores brasileiros que se preocupam com uma
intensidade alta ou muito alta em estabelecer essa relação, 22.0% dos moçambicanos e 38.9%
dos equatorianos. Os professores equatorianos têm uma preocupação maior com a vida social,

85
econômica e familiar do estudante. Por outro lado, 26.7% dos moçambicanos e 18.2% dos
professores brasileiros consideram que não há nenhuma relação entre o sucesso professor e a
sua preocupação com esse cotidiano mais amplo do estudante. 35.7% dos brasileiros
consideram baixa ou muito baixa essa implicação, assim como 28.9% dos moçambicanos e
26.0% dos professores equatorianos.

Gráfico 4.9.d - O pouco sucesso se deve ao fato do professor não relacionar o


conteúdo com a vida social (ou econômica, familiar) do estudante, 2019 -2020
35,0%
MZ; 26,7%

BR; 25,0%
MZ; 22,4%
30,0%

EC; 29,6%
EC; 27,8%
MZ; 17,7%

BR; 18,6%

25,0%
BR; 18,2%

BR; 17,1%

BR; 13,6%
20,0%
MZ; 11,2%

MZ; 11,2%
MZ; 10,8%
15,0%
EC; 16,7%

BR; 7,5%
10,0%
EC; 9,3%

EC; 9,3%
EC; 7,4%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa

Sobre a relação entre saber escolar e a vida social Tardif afirma que:

Os saberes transmitidos pela escola não parecem mais corresponder, senão de forma
muito inadequada, aos saberes socialmente úteis no mercado de trabalho. Essa
inadequação levaria, talvez, a uma desvalorização dos saberes transmitidos pelos
professores (‘para que servem exatamente?’) e dos saberes escolares em geral, cuja
pertinência social não é mais tida como óbvia (TARDIF, 2002, p.47)

Para esse autor, há “uma erosão no capital de confiança”(Idem) nos saberes que são
transmitidos pela escola. Ele pressupõe que a escola seja um local de atualização permanente o
que ele considera como consumidores (pais, estudantes, adultos em geral, profissionais).

5.10 O professor e os conflitos profissionais


Vimos que os dilemas éticos se apresentam frequentemente em qualquer atividade que
envolve relações humanas. Diante desses conflitos de ordem ética e, por vezes, moral o

86
professor sente falta de um mentor que possa lhe apontar uma direção ou, pelo menos, dizer-
lhe que o problema não tem solução?
Segundo Campbell (1997) todo herói necessita de um mentor para sair do comodismo
inicial de cidadão comum. Para transpor o limiar da vida pacata e impulsionar a aventura, os
heróis mitológicos contaram com a presença de um mentor. Isso em todas as culturas, segundo
esse autor. Os heróis modernos não são diferentes.

A Jornada do Herói consiste em um conjunto essencial de etapas vividas por todos


aqueles que embarcam em grandes aventuras. Nesse percurso, o personagem
experimenta duras provas, cuja superação possibilita seu fortalecimento gradual em
diversas esferas de personalidade e comportamento. Campbell defende a possibilidade
de generalização do seu conceito a narrativas existentes em diferentes povos e
culturas. Neste contexto, a noção de herói não se restringe a sujeitos com poderes
descomunais capazes de grandes gestos de altruísmo, mas a todos aqueles que alargam
sua visão de mundo por meio da entrega aos vários desafios que a vida pode oferecer
(ARAGÃO; ROSSI; CASIRAGHI, 2018, p.38).

A formação do herói se dá em quatro atos: 1) o chamado à aventura, que se inicia no


mundo comum onde ele é chamado para enfrentar a figura malévola da condição em que se
encontra a educação (no caso do professor); 2) o herói precisa ser ajudado por alguém. Do ponto
de vista desse antropólogo que analisou cuidadosamente os personagens lendários e diversas
culturas, diante das dificuldades, o chamado à aventura tende a ser recusado e é então que
aparece o mentor. Segundo Aragão, Rossi e Casiraghi (2018, p.41) o encontro com o “Mentor
encoraja o herói em sua jornada, oferecendo-lhe apoio, conselho e, em muitos casos, presentes
que o ajudarão no momento de maior perigo”.
O terceiro ato é chamado de transformação, quando o herói mostra as suas habilidades
adquiridas vencendo obstáculos, e o quarto ato é o seu retorno vitorioso, que, no caso do
professor, é o seu sucesso como educador.
A questão que se levanta é: sente o professor, também, essa necessidade de um mentor?
Diante dos desafios que a docência lhe apresenta, um mentor ser-lhe-ia útil?
No Gráfico 4.10 há dados que permitem avaliar essa necessidade.

87
Gráfico 4.10 - Quanto você sente falta de uma orientação certa, detalhada, sobre
como fazer os estudantes se interessarem pelo estudo ou sobre como resolver os
problemas de relacionamento com (e entre) os estudantes? 2019 -2020

EC; 29,6%

MZ; 28,9%
35,0%

MZ; 25,9%
EC; 25,9%

BR; 33,2%
30,0%

EC; 22,2%

MZ; 19,4%

BR; 29,3%
25,0%

20,0%

EC; 13,0%
MZ; 9,1%

MZ; 9,1%

BR; 17,1%
15,0%
MZ; 7,8%
EC; 7,4%

10,0%
EC; 1,9%
BR; 5,4%

BR; 7,9%

5,0% BR; 7,1%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa.

O Gráfico mostra que 62.5% dos professores brasileiros, que participaram da pesquisa,
sentem essa falta de um mentor com uma intensidade alta ou muito alta, 48.3% dos professores
moçambicanos e 42.6% dos equatorianos.
Em parágrafos precedentes foi dito que o professor reflexivo tem potencial para
superar a rotina da sua prática e aqui pode-se acrescentar que esse professor reflexivo está
potencializado também para gerir conflitos uma vez que nenhuma formação supre toda
necessidade. No entanto, a vida sempre requer mais do que aprendemos o que justifica a
necessidade da proximidade de alguém mais experiente.
Além da jornada de trabalho, o domínio do conteúdo a ser ensinado, a mediação
conflitos na sala de aula, o relacionamento com os estudantes e seus familiares, o professor tem
ainda que justificar porque muitos dos estudantes não foram bem-sucedidos.
O professor sente a falta de um mentor, mas com que frequência? Tem-se os dados no
Gráfico 4.10.a.

88
Gráfico 4.10.a - Com que frequência se depara com situações disciplinares
que não sabe o que fazer (no exercício da docência)? 2019- 2020

EC; 44,4%
50,0%
45,0%

40,0%

BR; 25,4%
35,0%

MZ; 21,6%
MZ; 20,7%

BR; 20,0%
30,0%
MZ; 18,5%

EC; 18,5%
BR; 18,2%

MZ; 17,2%

EC; 16,7%

MZ; 14,2%
BR; 14,6%
25,0%

BR; 14,3%
EC; 11,1%
20,0%
EC; 9,3%

MZ; 7,8%
BR; 7,5%

15,0%
10,0%

EC; 0,0%
5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa.

Os professores equatorianos raramente se deparam com tais situações (72.5%) e são


também mais estão satisfeitos com os estudantes que têm (Gráfico 4.10.a). Somente 11.1%
deles declararam que a frequência é alta. 56.4% dos professores moçambicanos também são
raramente afetados e 40.3% dos brasileiros. 39.7% dos professores brasileiros se deparam com
a situação com uma frequência alta ou muito alta e o mesmo acontece com 22.0% dos
moçambicanos. Nesse caso verifica-se uma incoerência com os dados do Gráfico 4.10.b

Gráfico 4.10.b- A frequência com que professor se vê colocado em situações


embaraçosas no contexto escolar, 2019- 2020.
EC; 44,4%

50,0%
MZ; 36,2%

45,0%
40,0%
BR; 27,5%

35,0%
MZ; 19,8%

BR; 19,3%

BR; 18,9%

30,0%
MZ; 17,7%
BR; 17,5%
EC; 18,5%
EC; 14,8%

EC; 14,8%

25,0%
20,0%
MZ; 9,5%
MZ; 9,1%
BR; 8,9%

MZ; 7,8%

BR; 7,9%

15,0%
EC; 3,7%

EC; 3,7%

10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto

89
Fonte: Dados da pesquisa
A seguinte questão foi proposta: “Com que frequência a sua prática na escola lhe
coloca situações em que não sabe que decisão tomar?”
Esta pergunta partiu do pressuposto de que o viver consiste num constante
gerenciamento de conflitos de interesses diversos e cada vez mais evidentes em decorrência das
incertezas que a vida na atualidade nos apresenta. Bauman (2001) e Morin (2011) destacam
esses conflitos e essas incertezas como inerentes uma vez que a sociedade atual nos trouxe
problemas novos antes de resolver os antigos. Falam de individualismos, de crise de
fundamentos e de transformações rápidas.
O Gráfico 4.10.b mostra que a frequência é muito baixa. De onde vem então a
decepção com estudante que se tem e a necessidade de um mentor? Talvez se justifique no
Brasil onde 26.8% dos professores que participaram revelam que se deparam com uma
frequência alta e muito alta com situação embaraçosas

5.11 O professor e as regras escolares


A questão seguinte procurou saber se o professor entende que as regras de
relacionamento na escola estão suficientemente claras ou precisam estar mais bem definidas.
Em sua contribuição para o Consultor Jurídico (conjur.com.br) o articulista Mauricio
Khalil escreveu que “Exagero na produção de leis cria absurdos jurídicos” (KHALIL, 2005).
Em relação ao excesso de leis que existem no Brasil ele afirma que essa “fabricação de leis”
transmite a ideia de “que se há um problema, basta editar uma lei ou baixar um decreto”. Cita,
inclusive, um município brasileiro16, que em 1995 editou uma lei criando uma reserva para
pouso de OVNIS (Objetos Voadores Não Identificados). A reserva ainda não foi inaugurada
por falta de demanda. O risível disso é a ideia de que conseguiremos submeter até os
extraterrestres às nossas leis.
Essa ideia de lei para tudo, até para detalhes que poderiam ser resolvidos com o
diálogo, com esclarecimento ou com sensibilização, sugere a ideia de uma eterna heteronomia.
Isto é, os sujeitos com os quais nos relacionamos nunca atingem autonomia moral e sempre
dependerão de vigilância para agirem corretamente. Sugere também a indisposição para o
diálogo e o desejo de cerceamento constante da ação do outro.
O mesmo articulista citado atribui ao presidente da OAB /SP a afirmação de que “A
vida em sociedade exige regras para o convívio. O problema é que para cada nova idéia, uma

16
Segundo o autor esse município é Barra do Garças no Estado de Mato Grosso.
90
lei é criada e, com isso, a vida em sociedade acaba ficando mais complicada do que o
necessário” (KHALIL, 2005). Ele não encontra dificuldade para provar o seu argumento de que
exagero legal “cria absurdos jurídicos”. Cita alguns exemplos presentes na legislação brasileira,
um do quais é que “a lesão corporal culposa teve a pena tão elevada que ficou o dobro da dolosa.
Assim, hoje é mais interessante para o sujeito dizer que teve a intenção de atropelar do que se
disser que atropelou sem intenção” (KHALIL, 2005).
Nessa linha de raciocínio é possível prever que se começarmos detalhar as regras de
relacionamento no interior da escola torná-la-emos em um ambiente insalubre, mais desumano,
menos suportável.
As normas escritas devem conter princípios gerais suficientes para que se discutam as
idiossincrasias quando aparecerem.
Os dados do Gráfico 4.11 expressam o que pensam os professores a respeito da
necessidade de maior definição e detalhamento nas normas.

Gráfico 4.11- O professor entende que as regras de relacionamento na escola


precisam estar mais bem definidas? 2019-2020.

MZ; 50,9%
60,0%

50,0%

BR; 49,3%
40,0%
MZ; 18,1%

30,0%
MZ; 15,1%

EC; 37,0%
BR; 25,7%

20,0%
MZ; 7,8%

EC; 29,6%
MZ; 4,3%

MZ; 3,9%

EC; 18,5%
BR; 4,6%

BR; 4,6%

BR; 6,4%

BR; 9,3%
EC; 1,9%

EC; 9,3%

EC; 3,7%

10,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto

Fonte: Dados da pesquisa

A necessidade da clareza na definição de regras na escola é apontada por mais de


69.0% (considerando alto e muito alto) de professores Moçambicanos participantes da pesquisa.
Esse percentual indica que se atribui alta relevância na definição das regras para possibilitar
bom funcionamento da escola.

91
O mesmo sentimento é partilhado pelos professores equatorianos onde mais 66.6%
considera que as regras de relacionamento devem estar mais bem definidas na escola. Esse
sentimento sugere que tais professores enfrentam dificuldades no desenrolar das suas atividades
justamente por conta da ausência da clareza nas regras de relacionamento entre diferentes
intervenientes da escola.
As regras de relacionamento na escola devem estar bem definidas. Esse sentimento é
fortemente apoiado por 75% dos professores brasileiros participantes da pesquisa e
medianamente apoiada com 9.3% dos professores. No cômputo geral, percebe-se que em torno
de 70% dos professores dos três países possuem o mesmo sentimento de que as regras de
relacionamento nas escolas precisam ser mais bem definidas.
Todos partilham da ideia de que deve haver maior controle social sobre os estudantes.
Diante disso fica a pergunta que necessita uma investigação para ser respondida: eles defendem
uma educação controladora ou libertadora?
No entanto para se definir essas regras com a clareza que desejam é necessário que se
tenha uma ideia do que precisa ser incluído ou excluído. A questão seguinte é: o professor tem
ideia do que deve ser alterado no regulamento para que atenda a necessidade?
O Gráfico 4.11.a traz os dados.

Gráfico 4.11.a- Tem ideia de como essa definição de regras pode ocorrer? 2019 -2020.
BR; 32,1%

BR; 27,9%

35,0%
BR; 23,2%

MZ; 33,2%

30,0%

25,0%
MZ; 24,1%

20,0%
EC; 31,5%
MZ; 18,1%

EC; 25,9%

15,0%
BR; 7,1%

EC; 18,5%
BR; 5,0%

BR; 4,6%

10,0%
EC; 11,1%
MZ; 10,3%

MZ; 6,5%

MZ; 7,8%
EC; 5,6%
EC; 7,4%

5,0%

0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa

Em uma educação que se pauta pelo princípio defendido por Durkheim (2010) esse
trabalho é dispensável tendo em vista que se educa para viver em sociedade e esta tem as suas
regras estabelecidas. Estaríamos pensando em preparar o estudante para viver em outra
92
sociedade? Qual o perfil dessa sociedade? Quais as regras que ele deve obedecer para se adequar
a ela?
De qualquer forma se tem que 57.3% dos professores moçambicanos, 57.4% dos
equatorianos e 58.0% dos brasileiros se consideram aptos para legislar a respeito da conduta na
escola.

93
6 COABITANDO COM OS DILEMAS ÉTICOS NA PRÁTICA DOCENTE

Uma discussão que envolve dilemas éticos na prática profissional dificilmente se


encerra (encontra consenso), sobretudo quando se aborda aspectos sobre a prática docente.
Como fizemos menção, os saberes docentes são regulados por vários dispositivos normativos
criados e aprovados por outros profissionais. Tais profissionais, muitas vezes não estão a par
do que acontece na prática. O professor deve cumprir um conjunto de atividades pré-
estabelecidas e de acordo com um horizonte temporal também demarcado.
Nesta direção, o professor está sujeito a vários dilemas éticos na sua prática. Gerir tais
dilemas constitui o desafio de professor. Uma administração inadequada desses dilemas pode
provocar sofrimento no professor. Portanto, o bem-estar do professor depende da maneira como
este consegue gerir os dilemas éticos que o aflige no dia-a-dia.
O profissional está mais empenhado no cumprimento das normas prescritas pelas
diretrizes educacionais. Essas normas incomodam o professor. Muitas vezes não deixa espaço
de manobra para que este profissional mostre a sua criatividade.
Os professores dos três países, em sua maioria, se mostram comprometidos com o
cumprimento do programa de ensino. Dos resultados da pesquisa, ficou claro que há maior
preocupação dos participantes com a entrega de conteúdos aos estudantes sob sua
responsabilidade. Entendemos que isso faz parte da valorização do saber coletivo, por parte dos
professores sendo que no Brasil essa entrega está mais difícil do que nos outros dois países.
A prática de atribuição de nota extra para aprovação do estudante revela que pode
contribuir para o fracasso deste. Essa prática ocorre nos três países embora com níveis de
sensibilidade diferente. Essa sensibilidade depende do apoio que o professor presta para lidar
com diferentes grupos de estudantes na sala de aula. Assim, compreendemos que os professores
dos três países dispensam atenção aos estudantes, porém, em ritmos diversificados, pois, cada
grupo tem necessidades diferentes.
Os participantes da pesquisa revelaram a necessidade de diálogo, pois a comunicação
deve fluir para que os professores não fiquem enfadados com reuniões de gestão. A família
também deve estar atualizada sobre a situação acadêmica dos seus filhos ou educandos, embora
os resultados desta pesquisa mostram que, no entendimento do professor, ela raramente se
preocupa com isso. Toda a responsabilidade é delegada ao professor, que deve se preocupar
igualmente na correção de comportamentos que os pais e encarregados da educação deveriam
fazer como seu dever. Essa colaboração ajudaria aliviar o professor na sua carga de trabalho.

94
O excesso de trabalho e ausência de colaboração na escola, entre os pares, provoca
insatisfação e tende a instigar um afastamento do professor em relação aos estudantes. Essa
falta de colaboração é um fator de mal-estar docente.
Apesar desses professores terem estudados teorias educacionais e reconhecido a
influência destas em suas práticas educativas, percebe-se a necessidade de uma conjugação de
esforços para adequação destas em contextos reais para que se tome decisões acertadas sobre o
processo formativo dos alunos.
Aqui percebe-se a necessidade de outorgar autonomia aos docentes para que possam
exercer a profissão com zelo, tomar decisões em momentos adequados em conformidade com
as diretrizes instituídas.
A satisfação dos professores é influenciada por vários fatores, embora todos
consideram o salário como denominador comum. A aprendizagem dos estudantes, o
reconhecimento da profissão por meio de atribuição de bolsas de estudos, financiamento para
participação em eventos científicos, reconhecimento de mérito profissional, entre outros,
também são elementos que possibilitam o aumento da satisfação.
Os resultados desta pesquisa revelam que os saberes docentes sofrem influência de
vários intervenientes no sistema educativo e estão sujeitos a modificações. Neste sentido, um
apoio da escola é fundamental para a melhoria dos processos de ensino e de aprendizagem. Isso
passa necessariamente pela colaboração da escola e entre pares. Passa, igualmente, pela criação
de um programa estruturado de desenvolvimento profissional que inclua a formação humana
para apoiar os professores na atualização dos conteúdos científicos, curriculares, pedagógico –
didático, bem como na discussão da sua vivência como ser humano. Quando o professor estiver
bem preparado poderá saber agir em momento certo. Em outras palavras: quando se está diante
de um dilema um lado será negligenciado, mas a consciência de que isto faz parte do jogo é
necessária. Concluir a tarefa sabendo que tomou a decisão que julgava ser a mais coerente é
fazer uso da ética e administrar corretamente um dilema.
O estudo aponta ainda a necessidade de colaboração entre estudantes, possibilidade
que está intimamente ligada à visão do professor sobre o ensino. O programa de
desenvolvimento profissional deve contribuir para moldar a reflexividade do professor. Deste
modo, o professor reflexivo deve colaborar na formação de estudante também reflexivo, um
estudante ativo. Essa visão permitirá diferenciar a importância dos conteúdos de ensino em
ambos os mundos: o mundo – vida e mundo- escolar. Essa possibilidade pode abrir interesse
na aprendizagem de certos conteúdos.

95
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao proceder estas considerações cumpre retomar algumas questões que nortearam esse
projeto de pesquisar o bem-estar ou mal-estar do professor diante das determinações sociais
que impulsionam ou cerceiam o seu trabalho. Há também determinações pessoais, tais como
expectativas, concepções ou crenças equivocadas e fragilidade intelectual para o enfrentamento
de reações adversas. Diante disso foram levantadas as seguintes questões: como os professores
definem o que é certo e o que não é certo na prática docente.
O que pensam esses profissionais da ação da família dos estudantes e quanto se
preocupam com o bem-estar dessa família e com a possibilidade do estabelecimento de uma
parceria. O significado que ele atribui à contribuição social da ação docente e o que não deveria
ser exigido de um professor. Enfim, saber se tem consciência de estar cumprindo o que dele é
esperado.
Questões relativas à ética, se aparecem, é no contexto onde a ética é confundida com
a moral ou com uma ética normativa, enfatizando a sua presença como uma carga a mais para
sobrecarregar o já sobrecarregado professor.
As questões éticas deveriam proporcionar ao professor uma tranquilidade na forma de
agir, mas é ela que acaba trazendo desconforto pelo despreparo do professor em administrar
dilemas éticos que surgem em decorrência do exercício da profissão. Quem age com ética tende
a ter segurança nas suas decisões.
Faltaria a esse profissional a consciência de que toda relação humana tem o seu grau
de hostilidade pelo conflito de interesses que existe, pelas exigências sociais que se faz ao
profissional e pela expectativa que o estudante e respectiva família têm dele.
A vida em sociedade é um espaço de conflitos por mais pacífica que seja. Os interesses
são conflitantes, as instituições exercem a sua força sobre a nossa forma de agir. As expectativas
de pais, estudantes e gestores da educação produzem, no profissional, dilemas éticos que o
fazem sofrer.
As condições de trabalho e a clientela com a qual se depara nem sempre permitem que
ele cumpra a ementa, consiga índice favorável de aprovação e a aceitação plena dos estudantes.
As normas prescritas muitas vezes são vistas como cerceadora da autonomia do
professor. Portanto, as exigências normativas também se constituem em um problema para o
professor. Por vezes ele tem que fazer com que o desenvolvimento do conteúdo ande no ritmo
dos estudantes com mais facilidades e os outros ficam para trás. Os mais lentos ficam

96
literalmente “correndo atrás”. Outras vezes, porém, ele tem que priorizar aqueles que vão mais
lentamente prejudicando os poucos que gostariam de avançar.
Isto é sem dúvida um fator de descontentamento porque todo profissional espera que
o resultado do seu trabalho esteja em amplo progresso.
Em relação à família do estudante há alguns fatores que são de afastamento. Por
exemplo, as condições da família para vir a escola não são favoráveis. Falta de tempo,
envolvimento com o trabalho e também tem o seu preparo intelectual para vir à escola conversar
com o professor. Ela tem boas razões para se sentir constrangida. Como se preparar para discutir
gestão familiar com alguém que, supostamente, tem melhor preparo?
Por outro lado, há fatores que podem facilitar a aproximação. Um deles é que é o
consiste em o professor preparar-se para ter uma palavra de acolhida e orientação de como
trabalhar com os filhos. Esse trabalho não inclui o conteúdo escolar porque este o familiar não
terá condições de fazer e é por isso que existe a escola: para ensinar aquilo que o ambiente
familiar não tem condições de fazer.
Por fim, há que se concluir que como candidato a herói o professor, como todo herói
lendário, sente falta de um mentor.

97
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101
SOBRE OS AUTORES E COLABORADORES

Autores:

Antonio Sales
Licenciado em Matemática pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Universidade
Católica Dom Bosco), Mestre e Doutor em Educação pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, é Docente Sênior da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul unidade de
Campo Grande como professor e orientador no Programa de Mestrado Profissional em
Educação, onde pesquisa sobre Ensino de Matemática, Formação de Professor e Educação
Especial. É também professor no curso de Medicina da Uniderp/Anhanguera onde orienta
pesquisas nas áreas de Educação em Saúde e Bem-Estar Humano. É docente do Programa de
Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática da Uniderp/Anhanguera e no Programa de
Mestrado e Doutorado em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo
(UNIAN) onde orienta pesquisas sobre Ensino de Matemática e Formação de Professores.
Suas preocupações com as questões éticas relativas ao fazer docente remonta ao início de sua
carreira como professor da Educação Básica há meio século. Ministra cursos de Extensão sobre
Ética na Prática Docente. E-mail: profesales@hotmail.com

Clodoaldo Almeida dos Santos


Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul(UEMS). Licenciado
em Letras pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Certificado pela Saint
John's University/ The Language Connection/New York. Professor de Inglês da Secretaria
Estadual de Educação (SED/MS) em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. E-mail:
clodoaldoasantos2013@gmail.com

Geraldo Vernijo Deixa


Doutor em Ensino de Ciências e Educação Matemática pela Universidade Estadual de Londrina
(UEL)/Paraná- Brasil, 2014. Mestre em Educação/Ensino de Matemática Pela Universidade
Pedagógica (UP), Maputo, Moçambique, 2010. Licenciado em Ensino da Matemática Pela
Universidade Pedagógica (UP-Beira), Moçambique, 2005. Professor Associado na
Universidade Licungo (UniLicungo), Quelimane, Moçambique, Director do Gabinete de
Avaliação e Qualidade da Universidade. Coordenador do Curso de Mestrado em
Educação/Currículo. Pesquisador e Docente no Departamento de Ciências e Tecnologia (DCT).
Possui mais de uma dezena de artigos publicados em revistas nacionais e internacionais e 4
capítulos de livros. Áreas de interesse: Formação de Professores e Currículo, Ensino e
Aprendizagem da Matemática e Avaliação escolar. E-mail: gdeixa@gmail.com

102
Colaboradores:
Rosalino Subtil Chicote
Mestrando em Educação e Currículo pela Universidade Licungo. Licenciado em Ensino de
Matemática pela Universidade Pedagógica de Moçambique. Docente do Departamento de
Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática da Universidade Rovuma. Possui mais de 8
artigos publicados em Revistas Nacionais e Internacionais. Interesse de pesquisa: Formação de
Professores; Avaliação Educacional; Didática de Matemática. E-mail: rschicote1@gmail.com

Abdón Pari Condori


Licenciado em Educação Matemática, Mestre em Matemática, Doutor em Educação
Matemática e Professor no Mestrado em Educação da Universidade Adventista da Bolivia. Na
época da pesquisa era professor e pesquisador na Universidade Nacional de Educação do
Equador. E-mail: apariducho@gmail.com

103

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