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Conselho Editorial
Cilene Maria Lima Antunes Maciel
Nielce Meneguelo Lobo da Costa
Ruy César Pietropaolo
Samira Fayez Kfouri
Arte da Capa:
Zildomar Ubirajara de Moura Sales
Colaboração:
Rosalino Subtil Chicote
Abdón Pari Condori
ISBN 978-65-00-18398-6
CDD 370
Editora Científica
2021
AGRADECIMENTOS
Primeiramente os autores rendem os seus agradecimentos aos 566 professores que dispuseram
um pouco do seu tempo para colaborar com a pesquisa. Minutos fundamentais para o nosso
trabalho. Sabe-se que o tempo de professor é escasso, por isso valorizamos profundamente essa
gentileza.
Reconhecemos também a colaboração da tecnologia que de forma tão impessoal tem se tornado
onipresente e, se bem utilizada, torna-se uma ferramenta do bem.
De igual modo nos sentimos gratos às três instituições de ensino que nos apoiaram permitindo
que usássemos os seus nomes: Uniderp/Anhanguera (Brasil), Universidade Nacional de
Educação do Equador (Universidad Nacional de Educación del Ecuador) e Universidade
Licungo (Moçambique). Esse apoio foi fundamental porque respaldou o nosso trabalho.
Às nossas famílias, que nos dispensaram de uma boa parte do tempo que dedicaríamos a elas
para nos dedicarmos a este trabalho.
DEDICAÇÃO
Aos estudantes de licenciatura e aos professores, porque foi pensando neles que produzimos
este trabalho.
SUMÁRIO
Prefácio .................................................................................................................................... 06
Apresentação ........................................................................................................................... 09
1 Introdução ............................................................................................................................ 11
Ser convidada para prefaciar uma obra que discute a profissão docente é uma
oportunidade para estudar um pouco mais sobre este tema que me é tão caro. Além disso,
Antonio Sales, Geraldo Vernijo Deixa, Abdón Pari Condori, Clodoaldo Almeida dos Santos e
Rosalino Subtil Chicote trazem para a reflexão aspectos pouco discutidos, ou ao menos pouco
sistematizados. Ao longo do texto são colocadas questões como: O que significa, para um
professor, a recomendação (dos órgãos oficiais) de aprovar um aluno que não teve rendimento
mínimo necessário na sua disciplina? Como ele lida com esta questão? Este é um dos dilemas
éticos discutidos pelos autores nesta obra. A fim de responderem a estas e outras questões
correlatas, foram propostos questionários a professores de três países – Brasil, Equador e
Moçambique – e os dados produzidos estão agora apresentados e analisados nesta obra.
A leitura do texto nos faz refletir sobre diversos aspectos da profissão docente que, na
maioria das vezes, não é discutido ou é “varrido para baixo do tapete”. No entanto, são questões
que incomodam e que precisam ser discutidas. Podemos concordar ou não com os autores em
suas análises a respeito dos dados que produziram. E este é exatamente o grande mérito desse
livro: levantar questões “espinhosas” sobre a profissão docente, apresentar alguns dados e, a
partir das reflexões dos autores sobre estes dados, instigar o leitor a se posicionar. Lendo o texto
me vi o tempo todo querendo debater: por que acham isso? Será que não poderíamos concluir
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de outra forma? E se pensássemos que o professor respondeu assim devido à forma como a
pergunta foi formulada? E se ...? Ou, outras vezes concordamos com os autores e sentimos,
como eles muitas vezes explicitam, vontade de ir além, de investigar um pouco mais para
compreender as razões das respostas dadas.
O que quero dizer com estas observações? Que esta obra atinge seu objetivo: colocar
o leitor para refletir. Por isso, não se trata de um texto a ser lido e seguido como um manual,
mas de um texto para ser estudado e debatido. Pois, baseados em seus pressupostos, os autores
lançam ideias e conceitos fundamentais para pensarmos sobre a profissão docente, aspectos
estes que, apesar de sua importância, permanecem pouco discutidos e que nos fazem inquirir
também sobre a razão dessa permanência. Evidentemente, poderíamos levantar aqui motivos
políticos, culturais e históricos. Inclusive porque se trata de uma obra escrita a muitas mãos,
por três autores de diferentes culturas, diferentes políticas educacionais e, portanto, de
diferentes práticas pedagógicas. Certamente, os autores deste livro, com suas experiências e
culturas profissionais distintas, ao analisarem as práticas docentes, têm em mente as políticas
educacionais e difíceis contingências que regram a vida dos professores em seus países.
Prefaciar este livro, enfim, propiciou-me um breve exercício intelectual que acredito
ser inspirador para finalizar as minhas palavras. Por um momento, ao ler as análises relativas
aos professores do Brasil, do Equador e de Moçambique, transportei-me para territórios mais
longínquos da história que me fizeram lembrar então que ser professor é uma das profissões
mais antigas do mundo. No Antigo Egito, por exemplo, segundo documentos que chegaram até
nós, desde pelo menos 2000 a.C., a profissão de escriba era enaltecida devido à sua importância
para o ensinamento das “letras úteis”. Além disso, o acesso à profissão de escriba se apresentava
perante os jovens como uma perspectiva de ascensão social, conforme nos mostra Mario
Alighiero Manacorda em seu livro “História da Educação”. Ele afirma, inclusive, que a
especialização do escriba como mestre foi confirmada por numerosas inscrições fúnebres do
período nas quais se pode ler, por exemplo: “Eu fui alguém que foi conhecido pelo rei e por ele
verdadeiramente apreciado: fui nomeado mestre dos filhos do rei porque conhecia o cerimonial
do palácio” (Manacorda, M. A. História da Educação, p. 21). O mesmo autor mostra também
a origem social dos mestres do bê-á-bá na Grécia Antiga, onde, muitas vezes, ensinavam o
alfabeto para fugir da escravidão comprovando que o ofício de mestre era o ofício de quem
caíra em desgraça. E já que adentramos um pouco na História, é impossível não nos lembrarmos
de Pitágoras e de sua escola no século VI a.C., pois ele iniciou uma reflexão de grande
importância pedagógica para sua época e para a posteridade: seu princípio é que há bens não-
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transmissíveis, como a força, a saúde, a beleza, a coragem, e bens transmissíveis, que perdemos
ao serem transmitidos, como a propriedade e os cargos. No entanto, afirmava Pitágoras, existe
um bem que se transmite sem perdê-lo: é a educação. Um ensinamento tão antigo e tão
inspirador que está na raiz da profissão docente, mas esquecido ou negligenciado perante tantas
urgências e necessidades que hoje caracterizam o ofício de ensinar.
Para finalizar, quero reforçar outro mérito desta obra: o fato de os autores deixarem
várias questões em aberto, abrindo vias para novas investigações na área. E parabenizo os
autores pelo trabalho que realizaram – e realizam – buscando compreender problemas da
profissão docente que vão além das reflexões sobre processos de ensino e aprendizagem de um
conceito. Problemas que afetam diretamente a relação do professor com sua profissão.
8
APRESENTAÇÃO
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Dessa forma, entregamos aos professores um retrato falado dos incômodos e
realizações pessoais narrados ou apresentados por alguns dos seus colegas, na expectativa de
contribuir para o seu aperfeiçoamento profissional.
Antonio Sales
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1 INTRODUÇÃO
Nos últimos 20 anos, o Brasil tem acolhido muitos bolsistas moçambicanos para
frequentarem cursos em nível de Mestrado e Doutorado em várias áreas por meio de programas
de financiamento específicos (CAPES e CNPq). A Língua Portuguesa que nos une tem
contribuído para essa facilidade. Os primeiros moçambicanos com Doutorados em Currículo
foram formados a partir de um convênio entre a extinta Universidade Pedagógica com a
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O resultado desse intercâmbio
reflete-se atualmente nos modelos curriculares da educação moçambicana.
É no âmbito desses convênios que o segundo autor desta obra, Geraldo Vernijo Deixa,
por meio do financiamento do CNPq frequentou e concluiu o Doutorado em Ensino de Ciências
e Educação Matemática na Universidade Estadual de Londrina (UEL), PR, Brasil, 2014. Esse
contato permitiu-nos o estabelecimento de uma rede de pesquisadores de várias nacionalidades.
Em 2016 participamos no Primeiro Congresso Latino Americano de Didática de Matemática (I
LADIMA) na cidade de Bonito em Mato Grosso do Sul. Foi neste evento que estabelecemos
os primeiros contatos de pesquisa (entre os autores desta obra) partilhando as experiências entre
os dois países.
No ano seguinte, o Professor Antonio Sales participou de um Congresso em Educação
organizado pela Universidade Pedagógica em Maputo (UP). E em consequência dessa
participação, ele publicou um artigo na revista UDZIWI da UP. Em 2018 participamos do
segundo congresso Latino Americano de Didática de Matemática na cidade de Jarinu no interior
de São Paulo, onde novamente convivemos trocando experiências sobre a prática docente nos
nossos Países. Nos intervalos de café nossa discussão girava em torno da necessidade do bem-
estar do professor olhando para os dois contextos (Brasil e Moçambique). Nessas conversas nos
chamou atenção dois aspectos: muitos professores brasileiros solicitam licenças por causa de
doenças e alguns abandonam a profissão nos primeiros anos da carreira e por outro lado, alguns
professores moçambicanos fazem greve silenciosa, o que resulta em desastre no setor da
educação onde muitos estudantes terminam o ensino primário (primeiro ciclo do ensino
fundamental) sem adquirir as proficiências mínimas exigidas tais como a leitura e escrita bem
como a aritmética básica.
Nesta direção, a partir desses contatos percebemos que havia muitos aspectos comuns
entre os problemas da educação moçambicana e brasileira, sobretudo relacionado com questões
de autonomia, a nostalgia docente e os dilemas éticos derivados da ausência ou da presença
11
dessa autonomia. Esse foi o começo da caminhada. Em julho de 2019 participamos da 71ª
Reunião Anual da SBPC na cidade do Campo Grande. Nessa altura já havia ideias claras do
que realmente queríamos. Dessa forma um instrumento de recolha de dados já tinha sido
elaborado e validado e feitas adaptações para atender as particularidades dos três Países.
Talvez o leitor esteja perguntando como o Equador entrou nessa trama. Em 2015 o
Professor Antonio Sales participou da “XIV Conferência Interamericana de Educación
Matemática” na cidade de Tuxtla Gutiérrez no Estado Mexicano de Chiapas onde trocou
experiências com o professor boliviano Abdón Pari Condori. Em 2017 Abdón e Geraldo
participaram da composição de um livro organizado por Antonio Sales e publicado sob a tutela
da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul e com o patrocínio da FUNDECT – Fundação
de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do
Sul (BR). Na época da pesquisa Abdón desenvolvia um projeto de formação de professores de
matemática na Universidade Nacional de Educação do Equador (Universidad Naciopnal de
Educación del Ecuador) (EC). Outros dois componentes foram integrados posteriormente:
Clodoaldo Almeida dos Santos, brasileiro, e Rosalino Subtil Chicote, de Moçambique.
Um terceiro país sul-americano, vizinho de Mato Grosso do Sul, foi convidado
a participar, o Paraguay. Vários pesquisadores daquele país demonstraram interesse,
mas alguns fatores intervenientes fizeram com que o início fosse prorrogado para março
de 2020 quando a Covid-19 aboliu a possibilidade.
No início a ideia era produzirmos e publicar artigos. Com o decorrer do tempo e das
interações havidas percebemos que havia informações suficientes para produzir um livro que
pode servir para reflexão sobre a problemática da profissão docente nesses países.
O livro tem ainda uma particularidade ímpar. Ele foi escrito num contexto de
distanciamento social devido à pandemia da Covid-19 que assolou o mundo a partir de março
de 2020. Embora o vírus já desse os sinais de sua existência em finais de 2019, na localidade
de Wuhan, China, somente no início do ano seguinte ele começou a se tornar uma ameaça
mundial, resultando no fechamento de escolas e a paralisação de outros setores (comércio,
indústria, transportes). Esta situação agravou os problemas da Educação de muitos países do
mundo, sobretudo, Moçambique onde o uso de tecnologias educativas (TIC) ainda não se faz
sentir. Foi vivenciado um crime pedagógico. Os pais ou encarregados de educação viraram
professores dos seus próprios educandos, sem o devido preparo para isso.
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2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
A pesquisa foi desenvolvida em três países: Moçambique (MZ), Equador (EC) e Brasil
(BR), envolvendo 566 professores, sendo 280 do Brasil, 232 de Moçambique e 54 do Equador.
Um formulário do Google forms foi enviado a centenas de professores dos três países. A
pesquisa, embora tenha nascido em Mato Grosso do Sul, Brasil, e a coordenação
geral tenha permanecido em Campo Grande, os professores brasileiros foram os últimos a
serem abordados. Nos dois outros países, as exigências burocráticas para pesquisa com seres
humanos são diferentes das brasileiras. O projeto, no Brasil, deve ser submetido a um Comitê
de Ética em Pesquisas com Seres Humanos1 que avalia as possíveis implicações éticas ao
participante e se o pesquisador, por descuido ou por julgar irrelevante, omitir alguma
informação, que o Comitê considera que deveria constar, o projeto volta para reformulação.
Isso normalmente acontece porque o Comitê tem a preocupação em evitar conflitos éticos que
possam incomodar o pesquisador futuramente. Essa tramitação, por vezes, retarda em três ou
quatro meses o início da pesquisa tendo em vista que as reuniões desse Comitê ocorrem apenas
uma vez por mês. Diante disso, o primeiro conjunto de dados foi o produzido em Moçambique
e, em segundo lugar, no Equador tendo em vista, nesse segundo caso, se fazer necessária a
tradução do formulário para o Castelhano. Esses países não contam com essa exigência legal
que existe no Brasil.
Em Moçambique o trabalho foi coordenado pelo Dr. Geraldo Vernijo Deixa que
contou com a colaboração de Rosalino Subtil Chicote. No Equador, Dr. Abodón Pari Condori,
conduziu o trabalho de tradução e distribuição do formulário. A coordenação geral e o
tratamento dos dados quantitativos estiveram a cargo do Dr. Antonio Sales, radicado em
Campo Grande, em Mato Groso do Sul e contou com a colaboração de Clodoaldo Almeida dos
Santos. As discussões foram coletivas e simultâneas, através do um “Documento do Google”.
Os dados quantitativos foram manipulados com o auxílio dos Programas EpiInfo e Exel. As
questões abertas foram analisadas qualitativamente.
O formulário foi enviado, via e-mail, a professores de Moçambique, Equador e Brasil
nessa ordem, pelas razões já expostas. Foi também partilhado por via WhatsApp individuais e
em grupos. Nele constam questões que buscam captar o quanto determinados procedimentos
usuais incomodam o professor, provocando-lhe um mal-estar moral e, consequentemente,
afetando o seu estado emocional e físico. As questões versavam sobre atribuição de nota a
1
O projeto foi aprovado para pesquisa com professores brasileiros sob nº CAEE: 19939719.3.0000.5161.
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estudantes que não têm rendimento pedagógico, nostalgia da escola de tempos anteriores, o
valor que confere ao conhecimento e à gestão de conflitos diversos que surgem nas relações
humanas no âmbito escolar. Neste espaço estavam as questões para as quais o professor era
convidado atribuir um valor de zero a dez segundo a interpretação no quadro a seguir. Elas
estavam precedidas do seguinte enunciado: “ Nas questões a seguir marque um valor de 0 a 10,
sendo que zero significa nada, nenhum incômodo, nunca acontece, nenhum valor e dez significa
valor máximo, incômodo total, acontece sempre, insuportável. Marque um número, de
preferência o que lhe vier primeiro à mente, e não desmarque mais”.
2
A distribuição dos formulários se deu mediante as redes sociais, logo, não houve um controle da sua
abrangência. Os dados indicam que nove estados brasileiros estiveram representados.
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número, 255 (45.1%) são do sexo feminino, 292 (51.6%) do sexo masculino e 18 (3.2%) não
identificaram o sexo.
Em Moçambique predomina a presença masculina com 85.6%, no Equador há um
empate, porém, com leve predominância feminina (51%) e no Brasil as mulheres são 72.5%
dos docentes.
Nesta pesquisa identificamos o nível de escolaridade que o professor trabalha, ou seja,
onde possui a sua maior carga e o tempo de serviço no magistério. Essa escolha explica-se pelo
fato de que as relações entre o tempo, o trabalho e a aprendizagem dos saberes profissionais
dos professores são relevantes para compreendermos os problemas da educação escolar dos
estudantes.
Dos 232 professores moçambicanos, 18 (7,8%) trabalham no Ensino Primário do
primeiro grau (1a a 5a classe), 12 (52%) atuam do 6 a 9º classe, 7 (3.0%) deles trabalham na
º
educação infantil, 100 (43.1%) professores lecionam no Ensino Médio, 7(3.0%) lecionam na
Pós-graduação e 100 (43.1%) trabalham no Ensino Superior lecionando na graduação e Pós-
graduação. Podemos perceber a partir desses dados que a maioria dos professores participantes
da pesquisa trabalha no Ensino Médio e Superior. Esses percentuais indicam que os professores
do Ensino Médio e Superior tiveram mais acesso à pesquisa. De referir que as turmas no ensino
médio Moçambicano possuem um número de estudantes acima da média.
Dos 54 professores equatorianos, 9 (16.6%) trabalham na escola Básica, 27 (50%) no
ensino médio e 18 (33.3%) no ensino superior. Percebe-se que a maioria (50%) dos professores
participantes da pesquisa trabalha no Ensino Médio. A pesquisa foi mais acessível a eles.
Participaram da pesquisa, 280 professores brasileiros como foi dito anteriormente.
Desse número, 70 (25.9%) trabalham nos anos iniciais do Ensino Fundamental, 91 (33.3%)
non anos finais do Ensino Fundamental (sexto ao nono ano), 22 (8.0%) na Educação Infantil,
69 (27.3%) no Ensino Médio e 21 (7.6%) trabalham no Ensino Superior lecionando na
graduação e Pós-Graduação. A maior parte dos participantes trabalha no Ensino Fundamental
(58.97%). Os professores do Ensino Fundamental tiveram mais acesso à pesquisa.
O tempo de serviço no Magistério desempenha um papel fundamental para o
professor. Ao longo do tempo, dos contatos estabelecidos, dos saberes discutidos e partilhados,
o professor cresce profissionalmente, ou seja, os saberes mobilizados e empregados na prática
cotidiana, servem para dar sentido às situações de trabalho que lhes são próprias (TADIF;
RAYMOND, 2000).
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No que diz respeito ao tempo de serviço no Magistério dos professores moçambicanos,
64 (27.6%) professores estão há, pelo menos, 15 anos de serviço, 72 (31.0%) trabalham há 10
anos e 67 (28.9%) trabalham até cinco anos de experiência no magistério.
O tempo de serviço da docência dos professores equatorianos participantes da pesquisa
foi distribuído da seguinte maneira: 28 (51.8%) trabalham, pelo menos, há 15 anos; 11 (20.4%)
trabalham há 10 anos; 13 (24.1%) professores trabalham há menos de 6 anos. Verifica-se que a
maioria dos respondentes (51.8%) possui muita experiência na docência
Em relação ao tempo de serviço no Magistério dos professores brasileiros participantes
da pesquisa, verifica-se que 166 (61.2%) dos 271 que atenderam a essa questão trabalham há,
pelo menos, 15 anos de serviço; 50 (18.5%) estão há menos de 10 anos de serviço e 55 (20.3%)
trabalham até 5 anos de serviço do Magistério. Assim, percebe-se que a maioria (61.2%) deles
possui muita experiência na docência.
De modo geral, percebemos que a maioria dos participantes dos três países possui pelo
menos 15 anos de serviço no Magistério.
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3 AS QUESTÕES ÉTICAS DO FAZER DOCENTE: FONTES DE MAL-ESTAR?
Tal como para a humanidade em geral, também para o indivíduo a vida é difícil de
suportar. A civilização de que participa impõe-lhe uma certa quantidade de privação,
e outros homens lhe trazem outro tanto de sofrimento, seja apesar dos preceitos de sua
civilização, seja por causa das imperfeições dela. A isso se acrescenta os danos que a
natureza indomada - o que ele chama de destino-lhe inflige.
3
Foi precisamente por causa dos perigos com que a natureza nos ameaça que nos reunimos e criamos a civilização,
a qual também, entre outras coisas, se destina a tornar possível nossa vida comunal, pois a principal missão da
civilização, sua raison d’être real, é nos defender contra a natureza (FREUD, 2006, p.24).
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Apesar da afirmação freudiana de que a felicidade se constitui de momentos efêmeros,
episódicos, que geralmente não se prolongam, e da observação desse mesmo estudioso de que
há três canais destinados a nos entregar ao sofrimento ( nosso corpo, a natureza e pessoas com
as quais nos relacionamos), parece evidente que numa civilização há muitos outros fatores e
valores que perseguimos tais como: a partilha, o companheirismo, o sorriso sincero de um
coração agradecido, a contemplação conjunta do belo, o abraço e a voz amiga dizendo “estou
contigo”. Há os heróis que enfrentam a morte em favor de um povo, ou a mãe que se
arrisca para salvar o filho ou o policial, médico, paramédico ou outro profissional, que sai de
casa em dias tumultuados para servir, movido por um valor maior: a subsistência do povo.
É certo que agora as relações mais complexas trouxeram consigo inúmeros
dilemas sobre os quais discorremos mais especificamente adiante. Por enquanto deve-se
considerar que nesse contexto de relações humanas surgem problemas para os quais não há
solução fácil, porque extrapolam o âmbito pessoal. Se alguém, confiando em outrem, fizer uma
promessa e depois descobrir que foi enganado, deve ainda cumprir o prometido? Diante da
ameaça de ataque deve esperar o inimigo se aproximar, e buscar o diálogo, ou partir para a
defesa prévia protegendo-se antes do ataque? Se um amigo insultar, gratuitamente, um desafeto
seu, deve permanecer neutro, posicionar-se ao lado do amigo ou do insultado?4
Algumas situações afetam somente o indivíduo, como, por exemplo, devo perdoar ao
meu cônjuge que me traiu e promete não repetir? Outras situações envolvem contextos mais
amplos, atingem muitos indivíduos ou grupos sociais. Se um grupo de determinada comunidade
ou etnia pretende atacar outra comunidade, uma pessoa desse grupo atacante que é
convocada para participar (e entende que não é a melhor coisa a fazer) deve apoiar o grupo,
defender o ideal da sua comunidade, ou deve isentar-se? Uma diarista se mostra pouco eficiente
e não merecedora de confiança. Ao ser dispensada do trabalho e ao procurar outro, caso a nova
patroa lhe telefone solicitando referências, deve falar a verdade ou omitir-se?
Situações dessa natureza, diz Sánchez Vázquez (1996), fazem surgir a necessidade de
normas que possam orientar a conduta moral. Elas impõem modos aceitáveis de agir em
determinadas situações. Por outro lado, tais normas são insuficientes dado que a vida em
sociedade é dinâmica e produz problemas imprevisíveis. É, portanto, comum emitirmos juízo
de valor sobre o procedimento de uma pessoa, em determinadas circunstâncias não previstas
nas normas. Dizemos que agiu corretamente ou então que o procedimento não foi adequado
4
Embora tais problemas sejam mais frequentes do que supomos essas questões raramente são postas em discussão
em condições normais.
18
para a ocasião. A pessoa agiu movida pelos valores externos, sociais, que estão consolidados,
dado que não havia prescrição clara para isso. Se é possível que outros emitam juízo de valor
é porque, segundo Sánchez Vázquez, há normas implícitas, e de caráter mais geral, que as
explícitas. No caso da pessoa que se isenta de participar de um movimento da comunidade, o
juízo de valor emitido sobre ela levará em conta o interesse ou bem-estar da comunidade.
Das formas primitivas do comportamento moral, séculos posteriores, ocorreu o
processo de pensar sobre ele. Reflexões sobre o porquê de se valorizar certos comportamentos
mais do que outros, porque certas decisões são corretas e outras erradas em contextos tão
próximos, o que leva a algumas decisões ao invés de outras, como encontrar o ponto de
equilíbrio entre o dever e o querer, entre a obrigação e a satisfação de realizar uma ação.
Questões como essas, que transformam a prática de agir em objeto de pensamento, fizeram
emergir a teoria da moral. Sánchez Vázquez (1996, p.7) escreve que:
Dessa forma se passa do plano da prática da moral para o da teoria da moral; ou ainda,
da moral efetiva, vivida, para a moral reflexiva. Quando se dá esse passo, que coincide
com o alvorecer do pensamento filosófico, estamos já propriamente dito na esfera dos
problemas teóricos-morais, ou éticos.
Segundo o mesmo autor, o que diferencia os problemas éticos dos problemas morais é
a sua generalidade. Dessa forma, diz ele, a ética não apresenta solução para os problemas
práticos. Detém-se em discutir se as normas propostas para orientar a prática moral são
pertinentes para uma sociedade ou suficientes para definir o que é bom ou mau. Discute a
natureza do bom, as finalidades de uma ação, se os meios empregados justificam os fins ou
vice-versa. Uma pessoa envolvida em um problema concreto deverá recorrer a uma norma que
reconhece como válida para orientá-la em sua decisão.
19
Ela explica que as razões para tal confusão podem estar na etimologia dessas palavras.
Ética origina de duas palavras gregas êthos e éthos. A primeira evocava inicialmente “o lugar
onde guardava os animais” e depois evoluiu para “o lugar onde brotam os actos, isto é, a
interioridade dos homens” e, mais tarde ainda, para “habitação do ser”. A segunda palavra
“significa comportamento, costumes, hábito, caráter, modo de ser de uma pessoa”. Por outro
lado, a palavra moral “que deriva do latim mos, (plural mores), se refere a costumes, normas e
leis” (PEDRO, 2014, p.485).
Como se pode ver, a moral está relacionada com normas, com o que está normatizado,
com práticas sociais consolidadas. Frankena (1969, p.72) fala de uma “Ética normativa”, aquela
que trata “dos princípios básicos, dos critérios ou padrões pelos quais nos cabe determinar o
que moralmente devemos fazer, o que é moralmente certo ou errado”. A discussão de Frankena
caminha na direção da Ética Deontológica, aquela parte da ética que normatiza o exercício
profissional, portanto, que se ocupa com os aspectos práticos da vida.
Conforme Singer (1998, p.10) ética não é um conjunto de normas, “não se constitui
um conjunto de normas simples e breves” ou “uma série de proibições”. No entanto, “um juízo
ético que não é bom na prática deve ressentir-se também de um defeito teórico”.
Retornando ao raciocínio de Pedro, a moral está voltada “para a aplicação de normas
morais consideradas válidas por todos os membros de um determinado grupo social” (PEDRO,
2014, p.485) e a ética, por sua vez, não é um conjunto de prescrições. Apesar dessa distinção
clara entre elas, há uma aproximação inevitável dado que a moral fornece, para a ética,
elementos que esta necessita para reflexão.
Partindo dessa discussão inicial, que tem como finalidade subsidiar elementos que
contribuam para uma discussão sobre a ética e suas implicações na saúde do professor,
passaremos ao problema anunciado em parágrafos anteriores, a saber, a questão dos dilemas.
20
p.444), ou ainda “a situation in which it is very difficult to decide what to do, because all the
choices seem equally good or equally bad5” (LONGMAN. 2009, p.471)
As definições apontadas coadunam com o pensamento de Kidder (2007) que entende
o dilema como situações que demandam escolhas desconfortáveis, sendo “qualquer situação
que coloque um lema profundamente enraizado contra outro”. (KIDDER, 2007, p.151).
Entretanto, Kidder vai adiante, discriminando o dilema ético como sendo oriundo de escolhas
realizadas entre duas opções corretas, tendo que sacrificar uma delas. Kidder pontua, ainda,
que, ao contrário de dilemas éticos (situações certo versus certo), quando o indivíduo se depara
pela dúvida entre o certo e o errado, ele está no campo das tentações morais (KIDDER, 2007).
Os dilemas éticos estão postos sob quatro paradigmas6, a saber:
(1) Justiça versus compaixão. Ocorre quando a aplicação da justiça igualitária entra em
conflito com a compaixão, com a empatia e o amor. Um exemplo pode ser o caso do
estudante que excedeu muito o percentual de faltas permitidas (logo, deve ser
reprovado por faltas), mas conseguiu a nota suficiente (ou quase) para ser aprovado,
e o professor está indeciso se cumpre a lei de reprová-lo por falta ou se permite ser
movido pela compaixão e fazer os ajustes para aprová-lo sabendo que isso poderá
lhe trazer dissabores. Os dissabores advirão da reação dos outros que poderão
condená-lo por aprovar um estudante que não compareceu suficientemente às suas
aulas.
Esse paradigma pode aparecer com maior frequência quando o docente é professor do
próprio filho.
(2) Curto prazo versus longo prazo. Consideremos, como exemplo, um jovem casal de
estudantes que está indeciso se constitui família antes ou após a formatura de ambos.
(3) Indivíduo versus comunidade. Os profissionais de saúde foram convidados para se
exporem, muitos sem a devida proteção, para atender os afetados pela Covid-19.
Como não foram obrigados, tiveram que decidir entre proteger a sua família, e a si
mesmos, ou se exporem ao contágio para prestar serviço de socorro à sociedade.
5
Uma situação em que é muito difícil decidir o que fazer, uma vez que todas as escolhas parecem igualmente
boas ou ruins (tradução nossa).
6
A palavra significa literalmente ‘padrão’ ou ‘modelo’. Geralmente é usada para descrever um conceito, estrutura
ou processo de pensamento geral amplamente aceito (especialmente nas comunidades intelectuais) como um modo
efetivo de explicar fenômenos ou conjuntos de dados complexos (KIDDER, 2007, p.151).
21
Sobre o individualismo escreveu Russ (1999, p.14) que é “uma atitude que privilegia
o indivíduo em relação à coletividade”, mas Kidder afirma que esse paradigma pode ser
reformulado para pequeno grupo versus grupo maior.
(4) Verdade versus lealdade. Ocorre quando alguém se encontra entre a lealdade que
deve a um familiar ou amigo e a necessidade de depor contra ele em juízo. Tem
relação com o cumprimento de promessas. “Lealdade envolve obediência a uma
pessoa, governo ou um conjunto de ideias a que se deve lealdade” (KIDDER, 2007,
p. 157). Normalmente, um empregado deve lealdade ao seu superior hierárquico, um
irmão deve lealdade ao outro, um cônjuge ao outro, um aldeão ao chefe da aldeia,
uma filha ao pai, um amigo ao outro. Como denunciar, nesses casos, sem enfrentar
um dilema ético? Como romper uma relação dessas sem que haja ferimento
emocional?
Mas a lealdade não é algo ruim como, por vezes, costuma se apresentar a uma criança
que não quer denunciar o seu coleguinha, professor ou pai. A lealdade não é algo terrível que
nos obriga a sempre dizer a verdade, obedecer sempre. Muitos crimes foram cometidos no
século XX em nome da lealdade a um comandante militar, ou defesas estapafúrdias são feitas
em nome da lealdade a uma ideologia ou religião.
Desde criança aprendemos que devemos ser leais aos pais, à religião, aos amigos, etc.,
e também que sempre se deve dizer a verdade. Isso em si já se constitui em um dilema.
Cabe apontar que um paradigma é norteado pelas essências, uma vez que a
categorização referenciada por paradigmas não está presa a detalhes ou elementos aparentes.
Paradigma do grego para, prefixo que significa ao lado de ou além, e do sufixo deigma que
significa exemplo, portanto, o termo paradigma pode ser substituído por “padrão” e se refere a
uma estrutura ou pensamento aceito como válido para explicar um conjunto de dados
complexos (KIDDER, 2007, p. 151).
Tanto a moral quanto a ética estão em constante movimento. Falar em universalidade
da ética pode ser contraditório quando pensamos em diferentes culturas, diferentes demandas
em diferentes épocas7. Praticar canibalismo, embora pareça uma atitude repugnante na
contemporaneidade, não o era em civilizações anteriores, assim como o ato de tratar pessoas
como mercadoria foi moralmente aceitável em momentos anteriores à época atual. Não faz
7
Valores universais como o respeito à vida, o respeito à dignidade humana e a proteção do mais frágil contra o
mais forte, por exemplo, nem sempre são (ou foram) respeitados pela totalidade da humanidade. A sua
universalidade não está na aplicação, mas na sua validade.
22
muito tempo que fumar era símbolo de elegância e masculinidade. Tendências mais
contemporâneas contestam inclusive a prática desse ato em locais públicos. Quantos de nós não
usamos canudos sem sequer cogitar uma reflexão sustentável? Hoje comemos carne e muitos
tratam animais como coisas sem ter isso como algo que fere a moral ou a ética. Entretanto,
apesar da flagrante mudança, na moral e na ética, demonstrada pela história da civilização,
parecem existir princípios que, embora não sejam universais, se mostram recorrentes em
diversas culturas, de diversos tempos. Kidder chama esses princípios de núcleo interior.
Segundo ele, esse núcleo é fundamental para a decisão entre o certo e o errado. Esse autor
lembra, ainda, que não somos amorais (pelo menos a maioria de nós), entretanto,
constantemente estamos na iminência do risco de sermos imorais.
Quando você descobre que um vizinho seu está espancando a esposa e você não vai à
polícia denunciá-lo, não se trata de um dilema ético, uma vez que não foi uma escolha entre o
certo e o certo. No entanto, se alguém lhe pergunta quem o denunciou à polícia, você está diante
do dilema entre dizer a verdade e proteger a própria vida.
Na perspectiva de Kidder (2007) há três maneiras de estar errado: 1) a violação de uma
lei, b) o distanciamento da verdade (omitir informações importantes, vender produtos com
problemas sem informar o cliente das fragilidades dos mesmos) e 3) desvio de retidão moral
(exploração de vulneráveis, apropriação indébita de material alheio, traição). Entretanto, há de
se pontuar que moral e ética nem sempre caminham juntas e que por vezes a ética desconstrói
a moral para estudar as suas entranhas, desvelar as razões da sua existência, questionar a
pertinência das suas normas.
Somo de parecer de que o bem-estar do professor vincula-se ao modo como o
profissional administra os dilemas éticos. A tarefa da docência está permeada por esse
fenômeno e talvez a primeira tarefa seja a consciência de que o docente irá conviver
constantemente com essas escolhas entre dois caminhos certos, onde, automaticamente um
desses caminhos será deixado de lado. Para discutirmos o entendimento do possível convívio
pacífico com essas decisões amargas, passemos a ilustrar algumas das inúmeras situações de
sala de aula em que os dilemas se fazem presentes.
As Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs) estão cada vez mais
difundidas e abrangentes entre as pessoas e, como reflexo dessa expansão, isso acomete também
aos estudantes. Mesmo nos casos em que a abrangência das TDICs seja pautada na relação
conflituosa entre nativos e imigrantes digitais, é evidente o esforço dos professores no intuito
de se engajarem no processo de inserção dessas ferramentas tecnológicas no contexto
23
educacional (SANTOS; SALES, 2017). Entretanto, esse alcance ainda não é universal. Dessa
forma, deve o professor fazer uso desta ferramenta para sua prática pedagógica, sabendo que
há indivíduos que não poderão usufruir do material?
Diante da pandemia denominada Covid- 19, o trabalho remoto vem ganhando espaço
em todo o mundo. Na Educação, particularmente em Moçambique, onde a pobreza é muito
acentuada, o estudante não dispõe de um computador ou telemóvel que lhe permite acesso à
internet ou tem dificuldades financeiras para aquisição das recargas. Reconhecendo essas
dificuldades, o professor deve ou não utilizar os recursos digitais para dar aulas?
Essa definição é relativamente bem aceita até os dias de hoje e influencia a elaboração
de políticas de saúde pública em boa parte do mundo. É abrangente e de certa forma
expande o senso comum (a ideia de que saúde física significa ausência de doenças),
com a valorização de aspectos psicológicos e sociais como componentes da saúde
integral do ser humano.
25
Dessa forma, entende-se que o trabalho também pode provocar adoecimento e que
este pode advir de múltiplos fatores, um deles, na perspectiva deste trabalho, os dilemas éticos.
Conforme visto, um dilema não é produzido pelo indivíduo, mas pela sociedade. Essa mesma
sociedade, que cria instituições para solucionar problemas que o indivíduo não consegue
resolver sozinho, proporciona o aparecimento de outros dilemas e novas formas de
enfrentamento que geram outros dilemas. Sobre isso cumpre destacar as contribuições de
Douglas (2007) quando afirma que as instituições, sempre resultam de uma situação
duradoura8 e são criadas para resolver problemas e ajudar em decisões que os indivíduos se
sentem incapacitados de resolver sozinhos. Desse modo elas acabam propiciando as categorias
de pensamento dos seus membros, definindo a sua identidade e orientando percepções,
compatibilizando-as com as relações que são autorizadas por ela. No entanto, como sempre
acontecem, essas decisões institucionais também podem cercear a liberdade, gerar
descontentamento e conflitos pessoais. Assim sendo não deve ser surpresa se a comunidade9 a
qual pertencemos nos pressione e cerceie, pelo menos em parte, a nossa espontaneidade e nos
cause sofrimentos. Diante disso, é necessário cuidado para não se despersonalizar submetendo-
se simplesmente ao coletivo. Douglas (2007, p.23) afirma ainda que:
8
Nas palavras de Douglas: “ Não é qualquer ônibus lotado ou ajuntamento aleatório de pessoas que merece o
nome de sociedade” (p. 23).
9
Não se trata de comunidade localizada geograficamente, mas de um conceito mais amplo que inclui as
associações de classe, as sociedades científicas, as instituições governamentais as quais estamos sujeitos, etc.
26
4 IMPLICAÇÕES INSTITUCIONAIS NA PRODUÇÃO DE DILEMAS ÉTICOS E NO
BEM-ESTAR DO PROFESSOR
27
princípio fundador da unidade nacional republicana é a partilha comum nas ideias”, escreve
que:
Dessa forma Chizzotti concorda com Chevallard (2002) quando este afirma que o
professor é um assujeitado às instituições que são detentoras do saber e têm a responsabilidade
de decidir o que ensinar, a quem ensinar e quando ensinar.
Sendo assim, ao professor nem sempre sobra a opção ou nem sempre lhe ocorre a ideia
de selecionar temas que considera mais relevantes para abordar no tempo que lhe é designado
pelas instituições. Por outro lado, a sociedade fornece à escola a clientela e esta designa ao
professor o grupo de estudantes com os quais deve atuar. Cada grupo requer um ritmo de
trabalho do professor. Por sua vez, a pedagogia, considerada como um campo teórico que
exerce influência sobre as formas didáticas das disciplinas, por meio de propostas
metodológicas genéricas, exerce também uma influência sobre esse fazer do professor,
especialmente sobre as suas decisões. No Gráfico 1 estão registrados os desconfortos que essa
situação impinge ao professor.
25,0%
EC; 40,7%
EC; 16,7%
BR; 37,1%
20,0%
BR; 31,1%
EC; 24,1%
15,0%
MZ; 16,4%
BR; 4,6%
BR; 19,3%
MZ; 15,1%
MZ; 10,8%
EC; 13,0%
MZ; 5,6%
MZ; 6,9%
10,0%
EC; 1,9%
EC; 3,7%
BR; 2,9%
BR; 5,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
28
Em lugar de legendar o Gráfico pelas cores, como é usual, optou-se por indicar o país,
ao qual se refere, e respectivo percentual, no próprio Gráfico sobre a coluna de dados. Dessa
forma tem-se, por exemplo, MZ; 45.3% (significando dados dos professores de Moçambique e
45.3% nesse quesito), EC; 24.1% (dados dos professores do Equador, 24.1%) e BR; 36.1%
(dados dos professores do Brasil, 37.1%). Esta é uma opção disponível no Excel® para
substituir as tradicionais legendas.
A ideia de uma ementa é uma construção social e está solidamente consolidada. Ela é
uma prescrição ligada a um programa que pressupõe uma linearidade e um pacote fechado. Para
que sofra modificações novos debates necessitam ser provocados (GOODSON, 1995). Há que
se observar que os professores dos três países, em sua maioria, se mostram comprometidos com
o cumprimento do programa.
0,4
MZ; 31,9%
EC; 27,8%
0,35
BR; 24,6%
BR; 21,8%
BR; 21,1%
0,3
BR; 17,5%
EC; 18,5%
0,25
MZ; 16,8%
MZ; 16,0%
MZ; 13,8%
0,2
EC; 9,3%
BR; 7,9%
BR; 7,1%
MZ; 8,2%
0,15
EC; 5,6%
0,1
EC; 1,9%
0,05
MZ; 0
0
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
29
Pelo que se observa, 45.7% dos professores pesquisados de Moçambique, via de regra,
cumprem o programa em sua quase totalidade. Somente 16.8% deles o fazem medianamente e
24.2% quase nunca conseguem e são altamente incomodados por esse problema.
Esse cumprimento pode ser entendido sob o ponto de vista quantitativo dos conteúdos
planejados, ou seja, o grau de alcance de toda a matéria para um determinado ciclo de ensino
em termos percentuais. Todavia, a nossa experiência como professores de Educação Básica e
superior tem nos revelado que o aproveitamento pedagógico qualitativo dos estudantes é
questionado. O estudante termina a Educação Básica com dificuldades de leitura, escrita e
aritmética básica. Sobre isso tem-se que:
No Equador o percentual dos que sofrem com esse problema, é ainda menor do que
em Moçambique. Somente 14.9% dos professores equatorianos não conseguem cumprir o
programa satisfatoriamente e por isso sentem-se altamente incomodados.
No Brasil o problema é pouco maior do que em Moçambique, mas ainda assim se
revelou baixo com apenas 29.0%. Porém, se incluirmos os que não o cumprem medianamente,
ultrapassa os 50%. Por outro lado, no Equador esse percentual não atinge 35% e em
Moçambique chega aos 41%. No Equador, 66% dos participantes enfrentam poucos problemas
com relação a essa entrega e em Moçambique, conforme já visto, atinge 45.7%.
De qualquer forma, o que fica evidente é a preocupação dos entrevistados com a entrega
de conteúdos aos estudantes sob sua responsabilidade. É a valorização do saber coletivo, por
parte dos professores sendo que no Brasil essa entrega está mais difícil do que nos outros dois
países.
A segunda questão (Gráfico 2) decorre de uma observação empírica de queixa
comumente ouvida em certa região do Brasil de que as instituições gestoras da educação
parecem estar mais preocupadas com dados estatístico do quem em conhecer a realidade. O
mesmo cenário acontece em Moçambique, que muitas vezes o aproveitamento pedagógico é
muito alto em termos quantitativos, porém, os estudantes têm revelado ausência de
competências após o término de certo ciclo.
30
Gráfico 2- O incômodo de atribuir nota extra para não reprovar, 2019 - 2020
BR; 63,2%
MZ; 62,1%
70,0%
60,0%
50,0%
EC; 24,1%
40,0%
EC; 22,2%
BR; 18,6%
EC; 18,5%
MZ; 12,5%
30,0%
EC; 13,0%
EC; 13,0%
MZ; 9,1%
EC; 9,3%
BR; 8,6%
MZ; 6,5%
MZ; 5,6%
BR; 5,7%
MZ; 4,3%
20,0%
BR; 2,1%
BR; 1,8%
10,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito alto
Fonte: Dados da pesquisa
31
sua vontade. De qualquer forma se tem aí um dilema a ser enfrentado. Qualquer solução pode
não ser a melhor alternativa.
Aparentemente a prática parece afetar menos os professores equatorianos. Esses dados
nada dizem sobre ser isso resultado de uma sensibilidade ou de uma ocorrência acentuada do
fato. O Gráfico 2.1 traz os resultados da ocorrência de atribuição de nota extra para que
estudantes não reprovem.
Gráfico 2.1 - A ocorrência de atribuição de nota extra para que estudantes não
reprovem, 2019-2020
EC; 38,9%
45,0%
40,0%
MZ; 28,5%
BR; 26,1%
MZ; 25,0%
35,0%
EC; 24,1%
BR; 22,5%
30,0%
MZ; 14,2%
25,0%
EC; 14,8%
EC; 14,8%
BR; 14,6%
BR; 13,9%
BR; 13,6%
MZ; 12,5%
MZ; 10,3%
20,0%
MZ; 9,5%
BR; 9,3%
15,0%
EC; 5,6%
EC; 1,9%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa.
A comparação entre os dados do Gráfico 2.1 mostra que o problema é mais frequente
no Brasil, em segundo lugar, em Moçambique e, mais raramente, no Equador. Isso explica o
incômodo maior entre os professores brasileiros e moçambicanos. No Brasil, se somarmos as
frequências de intensidade média (que indica ocorrência), alta e muito alta, supera 60%. Em
Moçambique supera 50% e no Equador se limita a 35%. A questão que se levanta e requer uma
investigação específica é: tal fato (atribuição de nota extra para não reprovar) resulta de uma
exigência explícita do órgão gestor, de uma exigência implícita e cuja análise do contexto em
que ela aparece é suficiente para induzir um comportamento, ou resulta do mau entendimento
de uma expressão de preocupação? Sabe-se que para quem está com um problema, e para o
qual não vislumbra indícios de como atacá-lo, a simples pergunta sobre ele provoca o
desconforto de uma cobrança de solução. Para piorar a situação, essa suposta cobrança não traz
de forma explícita ou implícita um indicativo de solução. Ela apenas incomoda e nisso está o
seu ponto forte e, ao mesmo tempo, o seu ponto fraco. É um ponto forte por incomodar e é um
32
ponto fraco por incomodar quem está fragilizado e não sabe o que fazer. Essa situação coloca
o professor em uma condição de dilema ético. Deve dar atenção ao interesse do estudante, que
lhe parece ausente e, nesse caso, deve ser punido pelo desinteresse, ou atender a uma demanda
implícita da gestão?
Por outro lado, caso se confirme que o ato de atribuir nota extra ao estudante tenha se
tornado prática usual, isto é, já aconteça como resultado de consenso implícito entre
professores, comunidade e gestão escolar, o não cumprimento desse requisito, por parte de
algum professor, coloca-o na condição de um transgressor. Estando, a referida prática,
normalizada ela sai da esfera da ética para ser inserida na esfera da moralidade.
Discutir se essa prática deve ser mantida ou rompida é um debate ético e, da mesma
forma, será um debate ético o tratamento que deve ser dispensado ao professor que se sentir
incomodado em obedecer tal requisito normal.
Toda essa discussão relativa ao posicionamento dos professores dos três países faz
sentido quando se leva em conta que a quantidade de professores foi diferente. Em dados
absolutos: 280 do Brasil, 232 de Moçambique e 54 do Equador. Esses foram os professores
que, voluntariamente, participaram.
Questões dessa natureza, da visão imediatista da avaliação do processo educativo,
também incomodaram Gómez (1997). Nesse ano ele já falava da perspectiva ética da educação
afirmando que ela se contrapõe à dimensão instrumental, isto é, da preocupação com o preparo
para o mercado, orientação para as exigências econômicas. A dimensão ética também difere da
perspectiva tradicional que se fundamenta numa prática intuitiva, com ausência de reflexão e
centrada na individualidade.
A perspectiva ética, segundo esse autor, não mede a qualidade do ensino pela resposta
imediata, pela prontidão nas respostas ou pela quantidade de acertos conforme um programa
preestabelecido. Essa qualidade se fundamenta “nos valores intrínsecos” e não “nos fins
externos” como quantidade de aprovados ou preparo para o trabalho, “os fins [a aprovação da
maioria] não justificam os meios [atribuição de notas extras]”, não se prende a medir realizações
sem que valores estejam sendo construídos. Ele entende que por “[...] valores devem considerar-
se feitos que condicionam o sentimento, a conduta e o pensamento dos homens” (GÓMEZ,
1997, p.30).
Escreve o mesmo autor que é difícil definir metas educativas e até mesmo uma
avaliação consistente, métodos apropriados e conteúdos adequados sem levar em conta os
valores que definem essas metas. Os valores, segundo ele, prevalecem sobre a intencionalidade
33
educativa. Quando os resultados são medidos pelas respostas imediatas os fins influenciam nos
meios.
Numa prática educativa o que se deve levar em conta são efeitos prolongados de tal
modo que “limitar o conceito de qualidade do ensino a uma medida dos produtos observáveis
a curto prazo, não supõe senão uma visão míope e pobre de um campo tão complexo” (GÒMEZ,
1997, p.30). O que se busca é o desenvolvimento humano. O objetivo da prática pedagógica é
a ampliação dos limites do sujeito, é a potencialização do desenvolvimento da autonomia
interior, isto é, capacidade de relacionar o que aprende com as relações sociais e pessoais.
34
5 PRÁTICAS DOCENTES ENTRE O SABER, AS RELAÇÕES PESSOAIS, OS
CONFLITOS ÉTICOS E AS NORMAS
Este é o capítulo mais extenso e está dividido em onze subtítulos. Todo o seu conteúdo
é resultado de análise das respostas dadas pelos professores, articuladas com a literatura
disponível.
Os dados são quantitativos, porém foram analisados qualitativamente, seguindo um
viés fenomenológico, isto é, articulando livremente com a literatura. No entanto, cuidou-se para
não perder de vista o objetivo central que é vislumbrar o quanto de dilema ético aparece nessas
falas e quais os indicativos de mal-estar presentes nesse discurso.
Há uma abundância de Gráficos e sempre se procurou comparar quantitativamente as
perspectivas dos professores dos três países entre si, sem emitir juízo de valor considerando que
os contextos são diferentes, portanto incomparáveis em termos de qualidade.
Tendo em vista que as quantidades absolutas de participantes foram diferentes, embora
houvesse uma aproximação entre Brasil e Moçambique, procurou-se diminuir esse
distanciamento trabalhado com valores relativos (percentuais), considerando como 100% o
total de participantes de cada país. Os Gráficos, estão numerados conforme a ordem dos itens.
A seguir, portanto, os itens da pesquisa empírica.
35
comparar aquilo que lhe é orientado a fazer (normas prescritas) com aquilo que consegue, de
fato, realizar. Desse modo, é possível realizar uma leitura sobre a relação que se estabelece
entre as atribuições, orientações e direcionamentos endereçados aos docentes, buscando
analisar como tais preceitos se configuram na prática do educador.
BR; 42,5%
BR; 35,7%
45,0%
MZ; 31,0%
40,0%
MZ; 26,7%
EC; 27,8%
35,0%
EC; 25,9%
30,0%
MZ; 19,0%
25,0%
EC; 16,7%
BR; 13,6%
EC; 13,0%
20,0%
MZ; 9,9%
EC; 11,1%
MZ; 9,5%
15,0%
MZ; 3,9%
BR; 3,9%
EC; 5,6%
BR; 2,9%
10,0%
BR; 1,4%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
40,0%
35,0%
24,1%
30,0%
18,5%
25,0%
16,7%
16,4%
BR; 10,7%
15,1%
14,8%
14,2%
13,0%
13,0%
20,0%
BR; 6,1%
9,5%
BR; 5,0%
15,0%
8,6%
BR; 3,9%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
45,0%
40,0%
MZ; 24,1%
EC; 24,1%
BR; 23,2%
BR; 22,9%
35,0%
MZ; 19,4%
BR; 18,2%
MZ; 16,8%
30,0%
EC; 16,7%
MZ; 15,1%
BR; 13,6%
MZ; 12,5%
MZ; 12,1%
BR; 11,8%
25,0%
EC; 11,1%
BR; 10,4%
20,0%
EC; 3,7%
15,0%
EC; 1,9%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Médio Alto Muito Alto
Baixo
39
O fato de mais de 30% dos brasileiros participantes apresentarem essa prática com alta
frequência e mais de 20%, com frequência média, novamente coloca esses professores em
superioridade em relação aos moçambicanos, com 27% e 16% respectivamente, e aos
equatorianos com 6% e 11%. Neste ponto uma nova investigação se faz necessária. Por que
professores brasileiros têm mais tendência a priorizar o atendimento aos estudantes que se
mostram mais efetivos como tais? No entanto, há, sem dúvida, uma relação com os resultados
das questões expostas nos Gráficos 3 e 3.1 onde se tem que os brasileiros são mais instados
(implícita ou explicitamente) a atribuir notas extras a estudantes para que não reprovem. Este
pode ser um efeito colateral do atendimento prioritário aos estudantes melhor qualificados. Ao
deixar de atender aos demais estudantes com o mesmo empenho, vê-se na obrigação de aprová-
los para não ter que justificar o seu baixo rendimento.
A questão seguinte é exatamente o oposto desta. A referida questão é: “ O quanto lhe
incomoda priorizar o grupo de estudantes que NÃO estão bem nos estudos deixando em
segundo plano os que se esforçam ou se mostram capazes?” Os resultados estão no Gráfico 3.3.
BR; 41,1%
45,0%
EC; 31,5%
40,0%
MZ; 27,6%
MZ; 27,2%
35,0%
BR; 22,9%
30,0%
EC; 16,7%
MZ; 15,1%
EC; 14,8%
BR; 13,9%
25,0%
EC; 13,0%
EC; 13,0%
MZ; 10,8%
MZ; 10,8%
EC; 11,1%
20,0%
BR; 9,6%
MZ; 8,6%
BR; 6,4%
BR; 6,1%
15,0%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Considerando os níveis médio, alto e muito alto, mais de 70% dos professores
brasileiros participantes da pesquisa sentem-se incomodados em atender prioritariamente os
estudantes mais “fracos”. De alguma forma são coerentes com o item anterior onde um alto
percentual se mostra insatisfeitos em dispensar mais atenção aos que estão bem nos estudos
(Gráfico 3.4). Dizem que procuraram atender a todos igualmente. Nesse quesito os equatorianos
40
ocuparam o segundo lugar com mais de 60% e os moçambicanos com menos de 60%. A busca
pelo atendimento igualitário a todos predomina em todos os países.
Gráfico 3.4 - Com que frequência o professor dispensa mais atenção aos
estudantes bem-sucedidos? 2019 - 2020
45,0%
40,0%
35,0%
MZ; 20,3%
MZ; 17,7%
MZ; 16,8%
MZ; 16,0%
30,0%
MZ; 15,5%
MZ; 13,8%
25,0%
20,0%
15,0%
BR; 10,7%
BR; 12,5%
BR; 12,5%
BR; 21,1%
BR; 25,0%
BR; 18,2%
EC; 38,9%
EC; 16,7%
EC; 18,5%
EC; 11,1%
EC; 9,3%
EC; 5,6%
10,0%
5,0%
0,0%
nenhum muito baixo baixo médio alto muito alto
41
Nesses itens 4.3 e 4.4 a determinação é social. São condicionantes sociais e culturais
que se fazem presentes.
BR; 65,4%
MZ; 51,7%
70,0%
60,0%
EC; 33,3%
50,0% EC; 25,9%
40,0%
BR; 19,6%
MZ; 14,2%
MZ; 13,8%
EC; 14,8%
EC; 13,0%
30,0%
MZ; 10,8%
EC; 9,3%
MZ; 5,6%
BR; 6,4%
MZ; 3,9%
20,0%
BR; 3,9%
EC; 3,7%
BR; 2,9%
BR; 1,8%
10,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa
10
Para situar o leitor, informamos que neste contexto adotou-se como conceito de justiça a prática de ações
consideradas corretas e necessárias, pelo indivíduo, considerando os valores pessoais e coletivos. Os
participantes da pesquisa não foram informados dessa definição.
42
moçambicanos, e também dos equatorianos, se mostram indiferentes ou pouco afetados por
essa situação. O Gráfico 4.1 completa o cenário para análise.
Gráfico 4.1 - Com que frequência isso acontece do professor deixar de fazer
o que é justo? 2019-2020
BR; 28,2%
BR; 31,1%
MZ; 31,5%
EC; 25,9%
35,0%
EC; 24,1%
30,0%
MZ; 21,1%
EC; 16,7%
MZ; 16,4%
25,0%
BR; 16,4%
EC; 13,0%
EC; 13,0%
MZ; 11,6%
20,0%
BR; 10,4%
MZ; 9,9%
MZ; 9,5%
BR; 8,9%
EC; 7,4%
15,0%
BR; 5,0%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
44
Em razão desse fator muito presente no contexto escolar surgiu a pergunta: “O quanto
lhe incomoda a aparente ou real indiferença da família para com a aprendizagem (ou
comportamento) do estudante?”
Esta questão (Gráfico 4.2) versa a respeito da angústia do educador diante da falta de
apoio familiar no que concerne ao acompanhamento discente nos fazeres acadêmicos. Essa
temática é recorrente nos discursos dos professores, que apontam o distanciamento dos
responsáveis como um dos grandes entraves na formação do educando. Os Gráficos
subsequentes ilustram os achados concernentes à presente indagação.
BR; 77,1%
90,0%
80,0%
MZ; 50,9%
70,0%
60,0%
50,0%
40,0%
MZ; 19,0%
MZ; 11,6%
BR; 12,5%
30,0%
MZ; 9,9%
MZ; 4,7%
MZ; 3,9%
BR; 4,3%
20,0%
BR; 2,9%
BR; 2,1%
EC; 27,8%
EC; 51,9%
BR; 1,1%
EC; 1,9%
EC; 9,3%
EC; 3,7%
EC; 5,6%
10,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa.
Não há livros, não há métodos artificiais que possam substituir a educação em família.
A melhor história, a tabela mais emocionante vista num livro são para a criança como
a visão de um sonho sem vínculos, sem seguimento, sem verdade interior. Pelo
contrário, o que se passa em casa, sob os olhos da criança, liga-se naturalmente, no
seu espírito, a mil outras imagens precedentes, pertencendo à mesma ordem de idéias
e, portanto, têm para ela uma verdade interior (CASARIN, 2007, p. 20).
45
O que esperar dela?
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reza no seu artigo 4º que “ É dever da
família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 1990). Como, porém, fazer isso? A questão é
pertinente quando se leva em conta que ECA nunca foi bem compreendido pelas famílias
brasileiras. Muitas veem nele um entrave à educação dos filhos.
Se questões sobre como a família pode contribuir estão sendo levantadas, não é do
conhecimento destes pesquisadores.
“A família não se preocupa com a aprendizagem do estudante”11. Toda a
responsabilidade é delegada ao professor. Isso incomoda o docente pelo fato de não dispor de
poder12 sobre o estudante. Os professores brasileiros são os que mais se sentem incomodados
(89.6%) com essa (suposta ou real) indiferença da família em relação ao comportamento dos
seus filhos, seguidos pelos professores equatorianos com 79.6% e, os professores
moçambicanos ocupam o terceiro lugar, com 69.8%. De um modo geral, os professores desses
três países sentem-se incomodados com a ausência da preocupação da família no
acompanhamento do processo formativo dos seus filhos. A seguir apresentamos a frequência
com que isso acontece nos três países.
A análise do Gráfico 4.2 corrobora com o fato de que o afastamento dos responsáveis
para com o acompanhamento da vida escolar das crianças é um fenômeno recorrente nas
amostragens dos três países. Os índices alocados entre nenhum, muito baixo e baixo incômodo
para o docente em Moçambique e Equador são equivalentes, sendo 18.5% para o primeiro e
16.7% para o segundo. Para o Brasil, apenas 6.1% dos educadores se enquadram na
classificação de nenhum, muito baixo ou baixo incômodo. Esses dados convergem para a tese
de que o incômodo docente com a ausência familiar é recorrente nos três países, quando os
índices de incômodo médio, alto e muito alto somam mais de 80% tanto em Moçambique
quanto no Equador e chega a 93.9% no Brasil.
Aqui há dois fatores a considerar. O primeiro é que essa expectativa pode estar
associada a uma idealização de estudante, de família, e de escola. Uma idealização do trabalho
do professor que, apegado a um estágio anterior da profissão em que esse profissional era
11
Trata-se de um discurso comum, sem dono. Fica como proposição para nova investigação.
12
O mal entendido sobre os direitos da criança e do adolescente tem imposto limite aos pais e professores no
trato com estudantes.
46
prestigiado, agora se vê cobrado pelos resultados e espera dividir essa responsabilidade. O
segundo é que há evidências de que “jovens que, teoricamente, têm todas as condições
cognitivas e pedagógicas para aprender, mas, mesmo assim, muitas vezes, fracassam nas suas
tentativas” (SALVARI; DIAS, 2006, p.252) quando não têm o apoio familiar.
Com base nessas observações há pesquisas que constatam que:
47
Gráfico 4.3 - Grau de incômodo de professores ao pensar que a presença
dos responsáveis à escola raramente resolve a questão da falta de interesse
discente, 2019 – 2020
60,0%
MZ; 36,2%
50,0%
40,0%
MZ; 19,0%
MZ; 16,4%
30,0%
MZ; 11,6%
EC; 42,6%
MZ; 9,1%
MZ; 7,8%
20,0%
EC; 25,9%
BR; 23,6%
BR; 56,8%
EC; 13,0%
BR; 3,9%
BR; 2,9%
BR; 8,9%
BR; 3,9%
EC; 7,4%
EC; 7,4%
EC; 3,7%
10,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa
48
era que planejassem em conjunto a gestão dos filhos e livrassem a criança de um possível pai
agressivo, descontrolado.
As entrelinhas não foram explicitadas e gerou um desentendimento. No Brasil, o
Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) seguindo nessa mesma direção
trouxe insegurança disciplinar para professores e pais. As formas enfáticas com que se
abordavam as restrições disciplinares (quando a lei foi promulgada), sem discutir a suas razões,
propor alternativas e ponderar exceções ou discutir entrelinhas, criou essa insegurança. Não
houve um período de transição com esclarecimentos ao público sobre possíveis formas de
substituir o antigo modelo de educação. Defensores do ECA faziam pronunciamentos enfáticos
com a inauguração de uma nova era para as crianças. Esqueciam, porém, de que aqueles que
cuidariam dessa criança poderiam não estar entendendo nada do que lhes era dito. Como no
caso citado por Hurstel (1999), os pais estavam na nova fronteira, conduzido por “Coyotes”,
para um país cuja língua desconheciam. São determinações sociais no trabalho docente.
Na realidade, o que ficou entendido foi que a criança não teria mais alguém com
autoridade sobre ela. Não ficou esclarecido que a criança deveria ser educada e não
simplesmente castigada. Não foi discutido formas de educar sem castigar.
Ao se falar sobre os direitos da criança não se discute que um desses direito é
do aprender a respeitar o outro, colaborar nos trabalhos da casa, estudar, respeitar o bem
comum, solidarizar, cuidar de seus pertences, administrar o tempo, preparar-se para o trabalho.
Fala-se em direitos de forma genérica e esquecem-se de valorizar aqueles que têm caráter
formativo.
Em tempos passados muitos professores conseguiam o controle da sala mediante
castigos e ameaças de reprovação. Entretanto, hoje, perdendo esse poder professoral, alimentam
a expectativa de que os pais tenham autoridade sobre os filhos. Esta é a justificativa dessa
pergunta e da pergunta seguinte.
A solicitação docente da coparticipação dos responsáveis para com as orientações
educativas escolares parece ser um evento constante no cotidiano escolar. Entretanto, a vinda
dos pais à escola, por si só, parece não ser capaz de suprir lacunas que direcionem o
comportamento estudantil para o engajamento e interesse nos estudos. Diante disso, a questão
seguinte em buscar compreender o quão incomodados se sentem os professores diante da vinda
dos pais que raramente resulta na resolução da falta de interesse do estudante. Tudo que se falou
no parágrafo precedente tem relação com a questão: “O quanto lhe incomoda pensar que a vinda
49
dos pais à escola raramente resolve o problema da falta de interesse dos estudantes?”. O Gráfico
a seguir (Gráfico 4.4) sintetiza os percentuais encontrados.
Cogitar acerca da ineficiência da presença do responsável na escola, no que se refere
a mudar comportamentos é um pensamento que permeia a mente dos professores de
Moçambique, Equador e Brasil. Para os docentes moçambicanos, os que demonstraram ter
baixo, muito baixo ou nenhum incômodo para a questão supracitada, apontaram para um índice
de 33.2%. Para os equatorianos, esse número foi um pouco menor, uma vez que 18.5%
assinalaram possuir baixo, muito baixo ou nenhum incômodo com o fato de que a presença dos
responsáveis não traz resultados promissores, do ponto de vista do interesse do estudante. Já os
brasileiros são os menos satisfeitos com esse fenômeno, com 10.7% dos docentes afirmando
possuírem nenhum, pouco ou muito baixo incômodo. Com relação ao descontentamento,
Moçambique, Equador e Brasil possuem índices altos de insatisfação com a pouca eficácia
advinda da presença dos pais na escola. Para os brasileiros, o índice é de 89.3%. Já entre os
equatorianos, 81.5% são incomodados com esse fato, seguidos pelos moçambicanos, com
66.1% dos professores da amostragem.
Foi perguntado ao professor “Com que frequência lhe ocorreu a ideia de fazer um
trabalho de orientação aos pais?”
Sobre a importância da relação entre a família e a escola destacam Polonia e Desse
que:
Quando a família e a escola mantêm boas relações, as condições para um melhor
aprendizado e desenvolvimento da criança podem ser maximizadas. Assim, pais e
professores devem ser estimulados a discutirem e buscarem estratégias conjuntas e
específicas ao seu papel, que resultem em novas opções e condições de ajuda mútua
(POLONIA; DESSE, 2005, p. 304).
As autoras destacam ainda que a escolarização dos filhos recebe influência direta do
papel que a família desempenha na formação deles. Quando a família se distancia da escola a
produtividade do estudante diminui.
Os dados da questão estão no Gráfico 4.4 e contribuem para entender a preocupação
do educador junto à tentativa de minimizar o distanciamento entre membros da equipe escolar
e pais/responsáveis. A questão “Com que frequência lhe ocorreu a ideia de fazer um trabalho
de orientação aos pais?” se justifica em vista do descontentamento expresso por educadores em
torno da ausência de pais e responsáveis para com os afazeres escolares da criança e do
adolescente. Dessa forma, cabe a tentativa de compreender se há ações, por parte da escola, que
auxiliem os pais e responsáveis a alterar esse comportamento.
50
Do exame dos dados do Gráfico 4.4 verifica-se que os professores brasileiros se
incomodam mais (80.4%), acreditando que a presença dos pais na escola raramente resolve o
problema da falta de interesse dos estudantes.
Os professores equatorianos também sentem (68.5%) esse incômodo com uma
intensidade menor do que os brasileiros. Já os professores moçambicanos acreditam (55.2%)
que essa vinda pode resolver o problema. Esses dados indicam que os professores estão
perdendo confiança no papel dos pais na educação dos seus filhos, havendo necessidade de
alguma orientação. Esse resultado revela ainda a necessidade de mais pesquisas para
compreender esse posicionamento.
Há que se perguntar se é possível, e plausível, os professores se aproximarem dos pais
para um trabalho de orientação sobre o relacionamento com os filhos.
Zagury (1992) escreve que pais que se submetem aos filhos, atendendo as suas
demandas e deixando-se dominar por eles acabam por sentirem-se lesados, magoados e passam
a viver um sentimento de humilhação e culpa. Para ela, se nunca foi fácil criar filhos, esta época
tem tornado essa tarefa muito mais difícil. As informações sobre o assunto são abundantes e
contraditórias. A passagem do autoritarismo dos pais para o autoritarismo dos filhos foi brusca
e impiedosa para os pais. Ela fala que diante dessa nova relação de forças muitos pais
abandonaram a tarefa de educar. Da mesma forma, os professores parecem ter também
desaprendido a dizer não e a incerteza se instalou.
A questão levantada (Gráfico 4.4) pretende ser uma provocação para que professores
se unam aos pais e ambos realizem um trabalho mais tranquilo.
51
Gráfico 4.4 - A frequência com que os professores se ocupam da ideia de
realização de um trabalho de orientação aos pais ou responsáveis, 2019-2020
40,0%
35,0%
MZ; 22,4%
MZ; 22,0%
30,0% MZ; 16,4%
25,0%
MZ; 14,2%
MZ; 12,9%
MZ; 12,1%
20,0%
EC; 27,8%
15,0%
EC; 22,2%
EC; 20,4%
EC; 16,7%
10,0%
EC; 13,0%
BR; 31,1%
BR; 16,1%
BR; 33,6%
BR; 7,9%
BR; 5,4%
BR; 6,1%
EC; 0,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa.
52
Todo aprendizado é fruto de uma vivência sobre a qual se debruçou reflexivamente
para extrair lições, estabelecer relações, fazer projeções e tomar decisões.
Os professores que pensam em se aproximar dos pais com palestras de orientação,
reuniões de debate sobre educação de filhos, sobre conflitos familiares não devem esperar uma
oportunidade, precisam criá-la. Mesmo não sabendo devem iniciar e construir o caminho, com
os pais.
Conforme foi visto anteriormente há uma estrutura cultural em torno da ideia de
paternidade. Os debates mais recentes, também citados, criaram um vazio em torno da palavra
“direitos da criança e do adolescente”. Essa estrutura precisa ser questionada, debatida.
53
Gráfico 4.5.a- Falta de interesse por parte da família na perspectiva do
professor, 2019- 2020
EC; 44,4%
50,0%
45,0%
EC; 29,6%
MZ; 44,0%
40,0%
35,0%
30,0%
25,0%
EC; 11,1%
20,0%
EC; 7,4%
EC; 7,4%
15,0%
MZ; 17,7%
MZ; 15,5%
BR; 16,8%
BR; 28,2%
BR; 47,1%
MZ; 9,5%
MZ; 6,0%
MZ; 7,3%
BR; 2,5%
BR; 2,9%
BR; 2,5%
EC; 0,0%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
54
Mais de 80% dos professores equatorianos entendem que há falta de interesse por parte
da família em acompanhar a situação escolar de seus filhos. Poucos participantes (14.8%)
consideram não ser relevante a falta de interesse no acompanhamento dos seus educandos. Isso
pode nos remeter a existência de outros fatores que explicam a ausência da família na educação
escolar de seus filhos.
De forma sintética, assinalamos (Gráfico 4.5.a) haver consenso de que há falta de
interesse por parte da família no acompanhamento dos seus educandos. Em termos percentuais
observa-se que o Brasil ocupa em primeiro lugar com cerca de 75%, em segundo lugar Equador
(74.1%) e, em terceiro, Moçambique (61.6%). Com base nos dados é notório que os pais e
encarregados da educação deixam a responsabilidade de educar aos professores,
sobrecarregando o trabalho docente. Contudo, carece de uma investigação aprofundada sobre
envolvimento da família na educação escolar de seus filhos para perceber as razões da falta de
interesse nessa colaboração.
Para além da falta de interesse, ausência do tempo pode ser outro fator que dificulta
essa colaboração. Nunes (1993) indica que a família e a escola são instituições que se
complementam, carecendo de uma interação entre elas cada vez mais estável, de modo a
proporcionar à criança e ao jovem um desenvolvimento completo e harmonioso.
O item10b pressupunha que o distanciamento da família se deve à “Falta de tempo ou
concorrência de outras atividades (da família)”.
Discorrendo sobre as atividades das famílias Dowbor (2015) destaca uma delas: o
trabalho. Anteriormente, vivendo em comunidades familiares rurais, as famílias se ajudavam.
Os idosos, sempre por perto, cuidavam das crianças enquanto os adultos se revezavam nas
diversas tarefas que eram compartilhadas. O sustento vinha da própria produção que não ficava
longe de casa. Ele afirma:
Mas o mundo do nosso convívio é hoje essencialmente urbano. E nas cidades, são
relativamente raros os casos de coincidência entre o espaço residencial e o espaço de
trabalho, e cada vez mais a casa é para onde se volta cansado à noite, e de onde saem
sonolentos pais e filhos para a labuta diária. Há subúrbios que constituem hoje
cidades-dormitório, mas de forma geral nossas casas viraram casas-dormitório
(DOWBOR, 2015, p. 19).
BR; 40,0%
35,0%
30,0%
BR; 30,7%
25,0%
EC; 35,2%
EC; 29,6%
20,0%
BR; 17,5%
MZ; 19,8%
MZ; 18,5%
MZ; 31,0%
MZ; 16,0%
15,0%
EC; 14,8%
EC; 11,1%
BR; 3,9%
BR; 3,6%
BR; 4,3%
MZ; 6,9%
MZ; 7,8%
EC; 9,3%
EC; 0,0%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Médio Alto Muito Alto
Baixo
Fonte: Dados da pesquisa
Mais de 70% (juntando as categorias alto e muito alto) de professores brasileiros
indicam a falta de tempo para os pais acompanhar os seus filhos, mais de 60% dos professores
equatorianos e abaixo de 50% de professores moçambicanos assinala também a falta de
interesse da família do estudante. A relação família-escola tem sido marcada pela ação da escola
em nortear os pais sobre como educar seus filhos, e pelo decréscimo da participação dos pais
nas atividades escolares à medida que o filho avança nas séries (OLIVEIRA; MARINHO-
ARAÚJO, 2010). Essa questão ainda precisa ser aprofundada trabalhando diretamente com a
família para aferir as reais causas.
O item 4.5.c parte do pressuposto de que os pais não entendem ou não sabem o que a
escola quer que faça. Esse pressuposto de que os pais se ausentam da escola por não entenderem
o que deles é requerido tem respaldo no estudo feito por Polonia e Desse. Elas afirmam que:
56
Essa posição das autoras esclarece porque muitos pais não vêm à escola. Mas, o que
pensam os professores sobre isso? O Gráfico 4.5.3 aborda essa questão
Gráfico 4.5.c - Os pais não entendem ou não sabem o que a escola quer
que faça, 2019 -2020
40,0%
35,0%
EC; 35,2%
30,0%
EC; 31,5%
25,0%
20,0%
MZ; 28,0%
MZ; 24,1%
15,0%
EC; 16,7%
MZ; 16,4%
MZ; 16,0%
BR; 34,6%
BR; 30,4%
BR; 19,3%
10,0%
MZ; 5,6%
MZ; 9,9%
BR; 4,6%
BR; 4,3%
BR; 6,8%
EC; 1,9%
EC; 5,6%
EC; 9,3%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Médio Alto Muito Alto
Baixo
Fonte: Dados da pesquisa
Da análise dos Gráficos 4.5.a, 4.5.b e 4.5.c, percebe-se que para os professores
participantes da pesquisa, os pais não entendem ou não sabem o que a escola quer que faça.
Mais de 60% dos professores brasileiros e equatorianos participantes da pesquisa acreditam
nessa hipótese. Abaixo de 50% dos professores moçambicanos que participaram na pesquisa
admitem igualmente essa conjuntura. Como se pode ver, esses resultados referem à óptica do
professor e não uma situação real da família implicada. Por isso, há que admitir alguma
subjetividade nessas respostas. Outros fatores podem estar por detrás desta situação (Gráfico
4.5.d).
A família não ter condições sociais ou intelectuais de satisfazer o que a escola pede
(espera). De alguma forma esta questão faz parte da anterior onde se viu sobre as condições
nada favoráveis das famílias em diversos aspectos.
57
Gráfico 4.5.d- A família não ter condições sociais ou intelectuais de
satisfazer o que a escola pede (espera), 2019/2020
35,0%
MZ; 20,7%
MZ; 19,8%
MZ; 19,8%
30,0%
MZ; 19,4%
25,0%
MZ; 11,2%
20,0%
MZ; 9,1%
EC; 24,1%
15,0%
EC; 22,2%
EC; 18,5%
EC; 16,7%
EC; 16,7%
10,0%
BR; 10,0%
BR; 27,1%
BR; 30,0%
BR; 22,5%
BR; 5,0%
BR; 5,4%
EC; 1,9%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Médio Alto Muito Alto
Baixo
Mais de 70% dos participantes da pesquisa (brasileiros) admitem que a família não
tenha condições sociais e/ou intelectuais para satisfazer os pedidos da escola. O mesmo cenário
acontece com os professores moçambicanos e equatorianos. A leitura dos Gráficos 4.5.a, 4.5.b
e 4.5.c nos permite compreender que as condições sociais e intelectuais dos pais (segundo
entendem os professores) podem favorecer a sua ausência na colaboração na educação dos seus
filhos.
No Gráfico 4.5.e, discute-se se o problema não está na “falta de habilidade dos
professores para lidar com as famílias”, orientando, sugerindo.
Gráfico 4.5.e - Falta de habilidade dos professores para lidar (orientar, sugerir)
com as famílias, 2019-2020
EC; 31,5%
BR; 26,1%
BR; 26,1%
MZ; 25,0%
35,0%
BR; 20,4%
30,0%
EC; 20,4%
MZ; 18,5%
EC; 18,5%
MZ; 17,7%
MZ; 16,4%
25,0%
EC; 13,0%
MZ; 12,1%
BR; 11,8%
EC; 11,1%
MZ; 10,3%
20,0%
BR; 8,6%
BR; 7,1%
15,0%
EC; 5,6%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa
58
Polonia e Desse (2005, p.306) escrevem que “um sistema escolar transformador” pode
reverter aspectos negativos dessa pouca participação familiar, “estimulando ações positivas”.
A escola não pode ignorar ou minimizar a importância de uma boa relação entre professores e
pais. Os professores, na condição de estudiosos não podem se furtar de buscar uma aproximação
com os pais visando melhorar essa relação (ZAGURY, 2004).
De alguma forma esses problemas são condicionantes sociais que interferem na
produtividade do professor e, consequentemente, no seu bem-estar.
Os professores equatorianos (63%) não acreditam na falta de habilidade dos
professores para orientar ou sugerir as famílias o que devem fazer para melhorar a relação
família/escola com vista à aprendizagem dos seus filhos. O mesmo sentimento é compartilhado
com os professores moçambicanos (47.4%). Já os professores brasileiros (mais de 60%)
acreditam na falta de habilidades dos professores para orientar a família sobre o que pode fazer.
Esse argumento de professores aponta que ficar incriminando a família é uma visão
não favorável às relações escola/pais (MARQUES, 1999). Deste modo, há necessidade de
analisar junto à família os condicionantes da sua participação na educação escolar dos seus
filhos. Cada um busca se explicar e encontrar razões para a dissonância que assinala tal relação.
O professor tenta se defender culpando a família pelo insucesso e ao mesmo tempo, a família
busca explicar que a responsabilidade foi delegada ao professor para a educação escolar dos
seus filhos.
Para Costa (2015), a família é o núcleo central do desenvolvimento moral, cognitivo e
afetivo, no qual se criam e educam as crianças. Assim, a articulação entre a escola e a família
fortifica e promove o aprendizado do estudante. O Gráfico 4.5.f traz dados relativos a essa
questão.
59
Gráfico 4.5.f - A contribuição da presença da família para o sucesso do
trabalho do professor, 2019 - 2020.
45,0%
BR; 31,8%
BR; 31,4%
MZ; 27,6%
40,0%
35,0%
MZ; 18,5%
30,0% MZ; 17,2%
BR; 16,4%
MZ; 15,1%
25,0%
MZ; 12,1%
EC; 40,7%
BR; 10,7%
MZ; 9,5%
20,0%
BR; 5,0%
EC; 22,2%
BR; 4,6%
15,0%
EC; 20,4%
EC; 11,1%
EC; 0,0%
EC; 5,6%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa
60
Gráfico 4.5.g - O quanto lhe incomoda perceber que o estudante que você TEM não se
parece com o que GOSTARIA de ter? 2019- 2020
MZ; 41,0%
45,0%
40,0%
BR; 28,9%
MZ; 26,7%
BR; 26,1%
35,0% EC; 25,9%
EC; 22,2%
30,0%
EC; 20,4%
BR; 19,6%
25,0%
MZ; 14,2%
EC; 13,0%
EC; 13,0%
20,0%
BR; 9,3%
MZ; 8,2%
BR; 8,6%
BR; 7,5%
MZ; 6,0%
15,0%
EC; 5,6%
MZ; 3,9%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
61
(MARTINEZ; PARAGUAY, 2003, p.62). A satisfação pode, inclusive, ser sinônimo de
motivação, conquista pessoal.
Marqueze e Moreno (2005, p.70-71) pressupõem a possibilidade de um sentimento de
injustiça ser a causa de insatisfação. Essas autoras admitem que:
62
sem conflitos com as determinações mais gerais da organização do trabalho e das
finalidades postas para a instituição escolar. Essa tensão se estabelece entre as
diretivas das políticas educacionais e o dinamismo interno da própria instituição
escolar, que abriga diferentes concepções, ideologias e posturas (CALDAS,
2017, p.119).
63
O conflito somente foi bem administrado se houve benefício para todos os envolvidos.
Caso alguma das partes silenciar por sentir-se reprimida, a situação volta ao estágio de conflito
latente com prejuízo emocional para um ou para o grupo.
Revela-se então a necessidade de não somente o gestor, mas de todo professor, que é
um gestor escolar em potencial e um gestor efetivo da sua sala de aula e dos projetos que
idealiza, desenvolver a competência de gerenciar conflitos. O gerenciamento pessoal de
conflitos envolvendo a si próprio e os colegas requer um preparo ético, intelectual e emocional
bem maior do que para gerenciar conflitos entre outras pessoas. Neste caso não é possível
distanciar-se do problema e olhá-lo de fora, é preciso compreender a natureza do conflito,
admitir a priori a sua latência permanente, pressupor que todos têm o direito de discordar da
sua proposição sem que isso signifique, necessariamente, oposição pessoal.
O gerenciamento desse conflito de interesses ou demonstração de desinteresse é
exclusivo do professor proponente. Para isso é preciso pensar certo e pensar certo, na
perspectiva de Freire é buscar “seriamente a segurança da argumentação, é [a condição] de
quem, discordando do seu oponente, não tem porque contra ele ou contra ela nutrir uma raiva
desmedida, bem maior, às vezes, do que a própria discordância” (FREIRE, 1996, p.35).
Dito em outras palavras: a frustração pela negativa que recebe, explícita ou
implicitamente, não deve ser maior do que o valor da proposta que defende e nem mesmo se
igualar ao valor de manter-se emocionalmente saudável ainda que tenha que produzir sozinho
o trabalho proposto.
50,0%
MZ; 50,4%
BR; 28,7%
40,0%
BR; 17,9%
30,0%
20,0%
BR; 4,7%
BR; 4,7%
MZ; 12,5%
MZ; 18,1%
EC; 13,0%
EC; 29,6%
EC; 31,5%
EC; 14,8%
MZ; 8,2%
MZ; 4,3%
MZ; 6,5%
EC; 3,7%
EC; 7,4%
10,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa
64
Da análise do Gráfico 4.6 compreendemos que há unanimidade dos professores dos
três países de que se incomodam quando lhes ocorre apresentar uma proposta didática e não
contarem com a adesão dos colegas. Sofrem quando não contam com a adesão dos pares.
Assim, 68.82% dos professores brasileiros sentem esse incômodo seguido de professores
moçambicanos com 68.53% e, por último os equatorianos com 61.1%.
Essa falta de adesão é um fator de mal-estar docente. Por um lado, esse mal-estar não
se justifica considerando que os outros têm a liberdade de fazer outra proposição, defender ideia
oposta.
Toda pessoa que se dedica à pesquisa sabe o valor da teoria. Como um conjunto de
princípios construídos a partir de problemas, de observações e hipóteses verificadas que
resultam em postulados ou axiomas, conjecturas ou novas hipóteses, previsões e leis, a teoria
fornece os parâmetros para a avaliação dos dados obtidos ou produzidos, e a validação da
conclusão.
No trabalho docente norteado por uma teoria, da qual se tem consciência, ela
parametriza o fazer. As relações institucionais ficam justificadas, as decisões éticas ficam
facilitadas, a relações humanas, supostamente, ficam orientadas e as razões para ensinar ficam
esclarecidas. Enfim, a valorização da teoria e a exemplificação do seu uso facilita, em tese, a
ação do professor. No entanto, o professor tem se beneficiado dela ou delas (uma vez que são
várias as teorias apresentadas)?
A décima-quarta questão proposta aos professores trata da eficácia ou êxito da
academia em ofertar uma formação capaz de atender às demandas da comunidade escolar.
Nesse sentido, indagou-se sobre o “Quanto as teorias educacionais estudadas na faculdade lhe
ajudam na resolução dos problemas de sala de aula?” A pergunta vai ao encontro do proposto
por Tardif (2000) ao pontuar que o modelo aplicacionista de educação executado na esfera da
educação acadêmica ou superior, não coloca a educação básica em evidência. A dinâmica da
educação básica se configura por uma atmosfera em que o saber docente está permeado por
eventos pessoais. Esse fenômeno se coaduna com a relação temporal oriunda da rotina escolar,
que inclui também as diversas interações pessoais. Além do discorrido, o autor aponta que
eventos presentes nas práticas docentes acabam por fazer emergir, também, ideias informais,
65
subjetivas. Outro fator a ser considerado, diz respeito à diversidade que comporta a prática
pedagógica, onde
MZ; 44,8%
50,0%
45,0%
40,0%
EC; 27,8%
BR; 26,1%
35,0%
EC; 24,1%
BR; 21,1%
MZ; 19,0%
30,0%
EC; 18,5%
BR; 18,6%
MZ; 14,2%
EC; 14,8%
25,0%
BR; 13,9%
EC; 13,0%
MZ; 10,3%
BR; 11,8%
20,0%
BR; 8,6%
MZ; 6,0%
MZ; 5,6%
15,0%
EC; 1,9%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
67
Gráfico 4.7.1 - O quanto professores coadunam a ideia de que o
problema da aprendizagem passa pela capacidade de decisão dos
professores, 2019 - 2020.
BR; 37,1%
EC; 35,2%
40,0%
MZ; 28,0%
MZ; 27,2%
BR; 27,5%
35,0%
MZ; 22,0%
30,0%
EC; 18,5%
EC; 16,7%
25,0%
EC; 14,8%
BR; 11,8%
MZ; 10,3%
20,0%
BR; 10,7%
EC; 9,3%
MZ; 8,2%
MZ; 4,3%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Esta questão surgiu como uma preliminar para próxima questão. A capacidade de
decisão está ligada à autonomia intelectual. Trata-se da capacidade de posicionar-se, de escolher
o tempo de estudo de um determinado conteúdo, de decidir a direção da aula. A imprecisão da
pergunta foi proposital. Ela enseja mais uma pesquisa.
O entendimento de que o empecilho da aprendizagem está vinculado à capacidade que
o professor tem de decidir se mostra mais intensificado entre os professores moçambicanos,
uma vez que 49.1% assinalaram os conceitos “alto” ou “muito alto” para a asserção supracitada,
seguido de 28.0% para o conceito “médio”. Para os conceitos “nenhum”, “muito baixo” e
“baixo”, a soma do índice moçambicano para os referidos conceitos foi de
22.8%.
Já a soma dos conceitos “médio”, “alto” e “muito alto” resultou num percentual de
77.2%. Para os professores equatorianos, associar problema de aprendizagem à capacidade de
decisão docente resultou em percentuais mais modestos, se comparados aos moçambicanos.
Entretanto, apesar de 31.5% dos docentes apontarem que a associação em questão se enquadra
no conceito que varia de “nenhum” a “baixo”, a soma dos conceitos “médio” e “alto” e “muito
alto” resulta em 68.5%. Os professores brasileiros registraram índice de 24.6% para o conceito
que varia de “nenhum” a “baixo” e “ 75.3% para a soma dos conceitos “médio”, “ alto”, “muito
alto”.
68
O próximo item trata da autonomia do professor embora haverá espaço posterior para
uma discussão mais aprofundada sobre o tema. Um segundo volume foi produzido abrangendo
este e outros temas.
Autonomia é um ato necessário para o fazer docente. Entretanto, é necessário que se
pontue de qual autonomia estamos tratando, além de não confundi-la com ausência de regras,
que supostamente não tenha passado pela cabeça do professor participante.
Para tanto, solicitou-se aos colaboradores para que atribuíssem um conceito para a
assertiva: “um professor autônomo não é o que faz o que quer, é o que sabe o que faz e porque
faz”. Diante do exposto, a décima sexta pergunta (Gráfico 4.7.2) busca analisar como o
professor enxerga a distância existente entre o conceito de autonomia e liberdade, bem como a
associação entre autonomia e conhecimento.
BR; 55,4%
50,0%
40,0%
MZ; 53,5%
30,0%
BR; 25,7%
20,0%
BR; 11,1%
EC; 11,1%
EC; 25,9%
EC; 53,7%
MZ; 13,8%
MZ; 13,8%
BR; 2,9%
BR; 2,1%
BR; 2,9%
EC; 1,9%
EC; 3,7%
EC; 3,7%
MZ; 9,1%
MZ; 5,2%
MZ; 4,7%
10,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa
Por vezes tem–se a impressão de que autonomia tem o sentido de outorga de poder
para reprovar, punir o estudante ou alterar currículo13. Na realidade, o pensamento aqui é da
autonomia intelectual que inclui domínio da ciência de referências, das práticas pedagógicas,
de um didática especifica e de um referencial norteador.
O Gráfico 4.7.2 aponta para uma sintonia entre Moçambique, Equador e Brasil no que
se refere ao entendimento de que autonomia está mais próxima do saber fazer, bem como da
13
Tema de um capítulo específico em outro livro dos mesmos autores.
69
razão pela qual se atua de determinada maneira, independente da possibilidade de não estar
realizando o que se deseja. Nesse sentido, 81.0% dos professores moçambicanos, 90.7% dos
professores equatorianos e 92.1% dos professores brasileiros assinalaram o descritor “médio”,
“alto” e “muito alto” para a afirmação de que professor autônomo não é aquele que faz o que
deseja, mas sim o que sabe o que está fazendo e qual a razão de estar desempenhando
determinada tarefa.
Quando se pensa que a sociedade impõe suas normas, estabelece parâmetros de
exigência, define o que a geração futura deve preservar do conhecimento construído
historicamente, conclui-se que o professor (como qualquer outro profissional) é um assujeitado
(CHEVALLARD, 2002). Ele é assalariado para cumprir um papel que a sociedade espera que
cumpra. Por vezes esse papel não coincide com as expectativas do professor e para discutir isso
existem as categorias de classe (sindicatos, associações e sociedades científicas) que têm
respaldo social para discutir formação, condições de trabalho etc. No Brasil, por exemplo, tem-
se a Sociedade Brasileira de Educação Matemática que reúne pesquisadores que pensam o
ensino e a aprendizagem desse componente curricular nas salas de aula. O pressuposto é que
existem sociedades equivalentes em outras áreas do conhecimento e em outros países. Essas
sociedades têm o respaldo social para estabelecer parâmetros de abordagem, de avaliação,
seleção de conteúdo e critérios para definir níveis desejáveis de aprendizagem. No entanto, o
professor sozinho, no âmbito individual, não tem essas prerrogativas. A sua autonomia está no
âmbito intelectual. Ele pode escolher a melhor forma de abordar um conteúdo, de estabelecer
um nível satisfatório de relacionamento com estudantes e pais, de escolher se deseja ser um
profissional respeitado e ter uma postura que conduza a isso, de definir o seu nível pessoal de
envolvimento com a causa da educação, dos estudantes e da comunidade. Tem autonomia de
escolher se o seu conhecimento ficará no mesmo nível de quando deixou a faculdade ou se
atingirá patamares mais altos. Tem autonomia para decidir se agirá para sempre como
empregado que se limita em cumprir o mínimo necessário ou comportar-se-á como profissional
assumindo as responsabilidades do cargo com as bonificações e os ônus que ele acarreta.
Usando uma ideia de Paulo Freire pode-se dizer que ele pode escolher entre estar
presente em sua totalidade ou apenas corporalmente.
70
capacidade para enfrentar obstáculos, inclusive, o próprio sofrimento. Como um sobrevivente
do campo de concentração onde passou um longo período e como médico psiquiatra (quando
foi para o campo já era médico) observou o que os soldados americanos, que os resgataram,
denominaram de “desistite”. Ele escreve:
Ele conta que após ter saído do campo de concentração trabalhou quatro anos como
psiquiatra em um hospital público da Áustria atendendo pessoas que, em sua maioria, haviam
tentado suicídio. Relata então que meses ou anos depois essas pessoas relatavam que
descobriam que mesmo que houvesse dificuldades valia a pena viver. Haviam descoberto um
sentido para vida e que agora já não lhes importava mais se os problemas eram solúveis ou não,
importava-lhes estar vivos para ver o desfecho.
E o professor encontra sentido no que faz? Ser professor traz-lhe satisfação?
Os tópicos subsequentes discorrem acerca do grau de satisfação profissional e pessoal
para cada item descrito. Para tanto, perguntou-se aos colaboradores do estudo o quanto lhes dá
satisfação profissional e pessoal cada um dos itens abordados: a) salário (recompensa
financeira); b) atenção que os estudantes dão às aulas (perceber que os estudantes valorizam o
que ensina); c) aprendizagem dos estudantes (rendimento pedagógico); d) a quantidade de
estudantes que vê crescendo no respeito aos outros e ao bem comum, valorizando o estudo, o
trabalho e as normas sociais de convivência (rendimento social); e) imaginar-se aposentado.
Para isso deveriam levar em conta o contexto atual, isto é, o que estaria acontecendo
por ocasião da participação na pesquisa.
A formulação geral da questão foi: “O quanto lhe dá satisfação profissional e pessoal
cada um desses itens? (atribua uma nota de 0 a 10, levando em conta a Situação Atual)”.
Esta questão trabalha com juízos de valor não moral. São juízos dessa espécie aquelas
afirmações que não levam em conta a opinião dos outros. Elas destacam apenas as preferências
pessoais. Como, por exemplo, “gosto do bairro onde moro”, “prefiro moto a carro”, “ X é o
meu time favorito” ou, “ é muito bom trabalhar em...”.
Conforme Grenz (2006, p.47) os juízos de valor não moral são de interesse da ética
porque estão relacionados com o viver bem, indicam um estilo de vida, portanto, determinam
71
uma escolha. O conceito de viver bem é fundamental. Nossa concepção de um viver ético tem
relação com a nossa perspectiva do que é viver bem. Portanto, “viver bem é um valor em si
mesmo”. Dessa concepção nasce o dever e as escolhas. As ações são escolhidas com base nessa
perspectiva.
Dessa forma, a questão poderia ser interpretada como: O que é, para o professor, viver
bem? Ou melhor, o que o torna um profissional mais realizado?
5.8.1 O salário
A questão salarial tem sido objeto de constante discussão. Ela perpassa conceitos como
valorização profissional, valorização da educação, qualidade de educação, condições de
trabalho, entre outros. No entanto, nenhum deles plenamente definidos e todos se permitindo
ser analisado sob os mais variados aspectos. Na Região Centro-Oeste do Brasil, onde este
trabalho teve o maior percentual de participação de professores brasileiros, essa discussão não
se liga a uma questão de sobrevivência, mas de poder, de se impor como categoria profissional.
Uma questão de tornar a profissão mais atrativa. O quanto o salário impacta no bem-estar o
professor, isto é, nos eu conceito de viver bem está exposto no Gráfico 4.8.a
BR; 30,0%
MZ; 31,5%
35,0%
30,0%
MZ; 20,3%
25,0%
MZ; 15,5%
BR; 13,6%
20,0%
MZ; 11,6%
BR; 11,8%
MZ; 11,2%
MZ; 9,9%
15,0%
BR; 7,5%
BR; 7,1%
10,0%
EC; 11,1%
EC; 13,0%
EC; 22,2%
EC; 27,8%
EC; 25,9%
EC; 0,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
O Gráfico indica que (considerando os níveis médio, alto e muito alto), 71.8% dos
professores brasileiros participante da pesquisa concordam com a assertiva. O mesmo ocorre
com 67.3% dos professores moçambicanos e 75.9% dos equatorianos participantes. Apenas
32.7% dos moçambicanos, 24.1% dos equatorianos e 28.2% dos brasileiros não têm nesse fator
72
o motivo para a realização profissional. Supomos ser relevante relembrar mais uma vez que
todos os percentuais referidos são relativos aos professores participantes dos respectivos países.
Barbosa (2012, p.386) em sua pesquisa sobre a questão salarial do professor, afirma
que embora uma maioria dos pesquisadores destaque que o professor recebe uma baixa
remuneração, isso não é consenso. Há vozes discordantes, mas segundo ela, Gatti e Barreto
opinam que “os salários recebidos pelos professores não são tão compensadores, especialmente
em relação às tarefas que lhes são atribuídas”. A autora salienta que, se queremos que a
profissão se torne mais atrativa, é necessário melhorar a remuneração. O professor, por certo,
concorda com isso sem levar em conta os fatores adversos decorrentes. É certo que uma
remuneração mais atrativa proporcionaria uma demanda de possíveis melhores profissionais,
isto é, pessoas com melhor preparo intelectual optariam pelo magistério e, supostamente, teriam
maior compromisso, maior prestígio e maior influência sobre os estudantes. Tudo isso, no
entanto, não passa de suposição. Nossos estudantes universitários, por vezes, são vítimas de
professores bem preparados intelectualmente, mas que não têm vínculo com a educação, estão
lá somente pelo salário. Não aparentam nenhum compromisso social ou com o aprendizado do
estudante. Há, ainda, outro fator adverso. Ele consiste no fato de que a concorrência qualificada
elevaria a procura por vagas nas faculdades públicas de educação tornando-se um fator de
exclusão dos menos favorecidos que hoje encontram nela a sua porta de ascensão social.
Talvez, muitos de nós, e de nossos filhos, estaríamos excluídos. O problema é mais amplo e
mais complexo.
De qualquer forma, não se deve dar por satisfeito com a condição salarial que está
posta. A autora citada destaca muito bem isso. Ela faz a seguinte anotação:
Vários autores concordam que os baixos salários concorrem para a perda da dignidade
do professor e o desestímulo para com a carreira14. Possivelmente, sinta-se mais fragilizado
para suportar o aparente desinteresse da família, o aparente descaso do estudante, as insinuações
14
O que talvez não se tenha ainda (ou não é de conhecimento dos autores) é um referencial de salário, um patamar
mínimo ideal para tornar a profissão atraente e obter maior engajamento do profissional.
73
ou determinações de que deve aprovar o estudante. Sente-se não merecedor de respeito e esse
sentimento o fragiliza diante de obstáculos que poderiam ser facilmente superados.
MZ; 52,2%
60,0%
50,0%
40,0%
EC; 40,7%
MZ; 15,5%
30,0%
EC; 31,5%
MZ; 12,9%
MZ; 9,5%
20,0%
MZ; 6,0%
MZ; 3,9%
BR; 20,7%
BR; 33,2%
BR; 32,1%
EC; 16,7%
BR; 3,6%
BR; 6,4%
BR; 3,9%
EC; 7,4%
EC; 1,9%
EC; 1,9%
10,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa.
se um professor não está motivado, se não exerce de forma satisfatória sua profissão,
é muito difícil que seja capaz de comunicar a seus estudantes entusiasmo, interesse
pelas tarefas escolares; é, definitivamente, muito difícil que seja capaz de motivá-los
(SOUZA M; SOUZA P; RAMOS, 2016, p. 1018).
74
Uma possível razão para que essa falta de motivação aconteça é atribuída ao fato de
que muitos professores não trabalham em uma única escola resultando no desconhecimento das
características dos estudantes. Destacam também os autores citados “que estratégias didáticas
tradicionais já não apresentam os mesmos resultados de outros tempos”.
Sobre isso Zabala (1998) diz que o interesse dos estudantes pelo estudo está vinculado
aos seus interesses nos conteúdos e nos objetivos dos mesmos porque eles sempre querem saber
o que se pretende e como tudo aquilo vai satisfazer as suas necessidades.
MZ; 48,7%
60,0%
50,0%
40,0%
30,0%
MZ; 17,2%
BR; 44,6%
MZ; 14,7%
MZ; 9,5%
20,0%
MZ; 7,3%
BR; 25,0%
BR; 20,4%
MZ; 2,6%
EC; 20,4%
EC; 42,6%
EC; 25,9%
BR; 2,9%
BR; 1,4%
BR; 5,7%
EC; 1,9%
EC; 3,7%
EC; 5,6%
10,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
75
professores equatorianos se mostram satisfeitos com os resultados do desempenho acadêmico
dos estudantes.
MZ; 43,1%
50,0%
40,0%
MZ; 17,7%
30,0%
EC; 50,0%
MZ; 14,7%
MZ; 11,2%
MZ; 8,2%
20,0%
MZ; 5,2%
EC; 18,5%
EC; 16,7%
BR; 24,3%
BR; 39,6%
BR; 22,1%
BR; 2,9%
BR; 2,1%
BR; 8,9%
EC; 3,7%
EC; 1,9%
EC; 9,3%
10,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa
A análise do Gráfico mostra que (considerando os valores médio, alto e muito alto)
86.0% dos professores brasileiros, 85.2% dos equatorianos e 75.5% dos professores
moçambicano participantes têm este ideal de ter como resultado do seu trabalho, estudantes
comprometidos com as causas sociais. Isso pode ser indicativo de professores que trazem na
sua formação um compromisso com essa mesma causa.
Se fundamentarmos o debate em Durkheim (2010, p.31) veremos que “cada sociedade
[família, professor] faz do homem certo ideal, tanto do ponto de vista intelectual, quanto do
76
físico e moral”. Esse ideal pode ser em relação ao futuro ou ao passado. Com relação ao futuro
diz respeito ao que queremos que se torne. Para onde vamos direcionar o seu comportamento
social. Diz respeito às nossas expectativas em relação ao seu futuro papel na sociedade e,
obviamente, ao que esperamos que a sociedade se torne. Expectativa ou ideal com relação ao
passado diz respeito ao que esperávamos que trouxesse consigo. Como esperávamos que esse
estudante chegasse à escola. Qual herança intelectual ou moral trouxesse da casa. Parece que já
estamos habituados com a possibilidade de fragilidades físicas (estudantes se apresentem com
deficiência física), mais ainda não nos conscientizamos de que fragilidades morais e intelectuais
também possam existir entre eles. Tanto uns como outros necessitam da nossa acolhida e
requerem investimentos para que superem. Se é “uma ilusão acreditar que podemos educar
nossos filhos [estudantes, jovens] como queremos” (DURKHEIM, 2010, p.34) também é uma
ilusão acreditar que eles chegarão como queremos e que sairão das nossas mãos como
queremos. A propósito, para esse pensador da Sociologia e da Educação:
77
Gráfico 4.8.e - Imaginar-se aposentado(a) e a realização do professor,
2019 - 2020
35,0%
MZ; 22,8%
MZ; 22,4%
30,0%
BR; 28,9%
MZ; 17,2%
25,0%
MZ; 14,7%
MZ; 11,6%
BR; 22,1%
20,0%
MZ; 11,2%
EC; 27,8%
EC; 25,9%
15,0%
BR; 16,8%
EC; 20,4%
10,0%
BR; 11,8%
EC; 13,0%
EC; 13,0%
BR; 10,4%
BR; 10,0%
EC; 0,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa
Consta-se que 74.1% dos professores equatorianos participantes, 67.8% dos brasileiros
e 54.3% dos moçambicanos têm na aposentadoria ou jubilação (no Equador) a sua realização
profissional. Isso, se considerarmos os níveis médio alto e muito alto, porém se excluirmos o
nível médio teremos: 46.3%, 51.0% e 31.9% respectivamente.
Um destaque é que 22.8% dos professores moçambicanos afirmam não ter na
aposentadoria o seu objeto de realização
O fenômeno da aposentadoria se configura como um elemento de conquista, fruto de
anos dedicados ao trabalho. O reconhecimento e o gozo por todos esses momentos de prestação
de serviço são recompensados com o direito de aposentar-se, quando do cumprimento dos
critérios estabelecidos pela legislação vigente. Os profissionais docentes, em sua maioria,
dedicam muitas horas do seu dia às atividades pedagógicas que contemplam uma variedade de
eventos, tais como ministrar aulas, elaborar registros diversos, planejar ações, cumprir
demandas oriundas da atribuição do cargo de professor, prestar contas à comunidade escolar,
em especial aos responsáveis e aos discentes, mediar conflitos sociais que são estendidos ao
ambiente de sala de aula, deliberar acerca do destino acadêmico dos estudantes, deliberar sobre
diversos dilemas que surgem no decorrer das aulas e de outras relações sociais que fazem parte
do contexto escolar.
Não bastasse o discorrido, há pormenores de outra ordem que podem influenciar
incisivamente a rotina e o bem-estar do profissional da educação. Tais eventos estão associados,
por exemplo, a questões como importância salarial, sobrecarga de serviço em função do excesso
78
de compromissos e aulas que muitos profissionais se submetem. Cabe lembrar que esse
fenômeno está diretamente ligado à remuneração do professor.
Outro fator de influência no fazer pedagógico diz respeito a diversos dilemas
enfrentados pelo docente em função de imposições superiores que vão de encontro aos seus
princípios éticos. Como exemplo, citamos o modo de lidar com a falta de comprometimento
discente, ou mesmo outras modalidades de indisciplina estudantil. Esses e outros fatores
contribuem para que haja um grau elevado de descontentamento por parte dos professores, no
que se refere à prática do ofício, conforme apontam Silva e outros:
80
isto é, que o tempo não seja excessivamente limitado, etc.) podendo acrescentar-se a isso a
gestão local, o relacionamento dela com o professor ou com a comunidade.
Dificilmente se realiza um trabalho, de cujo resultado se possa alegrar, sem um
planejamento que vá além do cumprimento de uma exigência burocrática. Para que um trabalho,
não excessivamente idealizado, seja desenvolvido a contento fazem–se necessários: 1) um
planejamento que seja indicativo de um envolvimento pessoal; 2) contar com o respaldo da
gestão para a sua execução; 3) ter equipamentos; 4) ter conquistado o respeito da comunidade
(estudantes e familiares) e 5) o compromisso profissional. Há outros fatores, evidentemente.
Dessa forma, supõe-se que se há alguma insatisfação com o trabalho se alguns desses
fatores se fazem ausentes. Neste tópico procurou-se desvelar as razões apontadas pelo professor
como causa de frustração profissional, se houver.
A macroquestão levantada foi: “Para você, o seu trabalho não se desenvolve melhor
porque (atribua uma nota de 0 a 10)”. Foi desdobrado também em cinco itens a saber: a)
colaboração do estudante; b) pertinência do conteúdo ensinado; c) a forma de abordagem,
portanto a atuação do professor; d) o apoio da gestão escolar e e) dissociação entre conteúdo e
o cotidiano de estudante.
Cada item tem um Gráfico correspondente. A participação do estudante está no
Gráfico 4.9
35,0%
MZ; 24,6%
MZ; 22,8%
30,0%
MZ; 21,1%
25,0%
EC; 16,7%
EC; 16,7%
EC; 16,7%
EC; 14,8%
MZ; 12,1%
MZ; 11,6%
20,0%
MZ; 7,8%
15,0%
10,0%
EC; 3,7%
BR; 11,1%
BR; 28,2%
BR; 32,1%
BR; 16,1%
BR; 5,0%
BR; 7,5%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
81
Dos professores participantes da pesquisa, 76.4% dos brasileiros; 68.5% dos
moçambicanos e 64.8% dos equatorianos entendem que o trabalho do professor não desenvolve
bem por falta de colaboração do estudante15. Neste sentido, importa saber o tipo de colaboração
que o estudante deve prestar para facilitar o trabalho docente. A colaboração do estudante
depende muito dos métodos que o professor utiliza para o ensino.
Na atual conjuntura social, segundo Bauman (1997, 2001, 2011), tudo que se faz é
marcado por incertezas, individualismos e pós-dever. Neste sentido, é natural supor que o
professor encontre pouco eco de sua voz nos estudantes. Esse pensador escreve sobre uma
situação conflituosa onde chega-se a pensar que estamos celebrando a “morte do ético” e a
“substituição da ética pela estética” onde a pergunta que se faz não é mais o que devo fazer,
mas como devo me sentir. Afirma ainda que “em nossos tempos deslegitimou-se a ideia de
autossacrifício” e continua que a “ nossa era é era de individualismo não adulterado e de busca
de boa vida, limitada só pela exigência de tolerância” (BAUMAN, 1997, p.8-9).
Os estudantes não têm mais a certeza e a ilusão de que a escola os prepara para a vida.
Os mais abastados estudam para manter o status conquistado por seus pais ou não estudam
porque estão seguros de que usufruirão da herança e o individualismo os impede de pensar
sobre o que deixarão para os descendentes. Os estudantes da classe menos favorecida que
estudam o fazem por prazer (substituindo outros produtos que lhes são ofertados pela mídia ou
na porta da escola por algo mais saudável) e ainda mantém alguma ilusão de sucesso a partir da
aquisição do saber socialmente construído pela humanidade. Sentem-se humanos, pertencentes
à categoria especial daqueles que produzem mentefatos. Outros que não sentem prazer nos
estudos também não vislumbram possibilidades de troca de classe ou ascensão social dadas as
incertezas de toda ordem de que falou Bauman. É certo de que há, em todas as classes sociais,
pessoas que fazem do estudo um deleite. No entanto, parece não ser a maioria e a conquista
desses estudantes para o estudo, numa sociedade onde não há grandes investimentos (não só
financeiros, mas também em termos de valoração e formação cultural) em ciência, não é algo
tão simples.
Pelo exposto não parece que a colaboração espontânea dos estudantes seja uma
expectativa a ser cultivada. Colaboração pressupõe trabalho conjunto com objetivos comuns. O
objetivo do professor é expresso em seu planejamento e deve estar em conformidade com as
exigências institucionais. Estas têm metas administrativas a serem cumpridas e pautam as sua
15
Como em muitos casos anteriores aqui também se contabilizou os níveis médio, alto e muito alto, sem perder
de vista que participaram da pesquisa 280 professores brasileiros, 232 moçambicanos e 54 equatorianos.
82
expetativas por elas, enquanto o estudante tem como meta atender aos parâmetros sociais para
ser aceito e ter a sua ascensão social.
O segundo item dessa macroquestão trata da pertinência do conteúdo abordado.
No que diz respeito à pertinência dos conteúdos ensinados, 38.9% dos professores
equatorianos consideram alta ou muito alta a desatualização do conteúdo e 14.8% consideram
como medianamente desatualizados ou inadequados. Esses percentuais são de 27.5% e 25%
respectivamente para os professores brasileiros e de 32.8% e 17.7% os
professores moçambicanos. Esses acreditam que os conteúdos estão desatualizados. Porém para
59.6% dos docentes moçambicanos, 47.1% dos docentes brasileiros e 46.3% dos equatorianos
o problema não tem relação com a pertinência do conteúdo (Gráfico 4.9. a).
BR; 25,4%
30,0%
25,0%
BR; 17,9%
BR; 17,5%
MZ; 17,7%
MZ; 17,7%
BR; 17,1%
MZ; 15,5%
20,0%
MZ; 13,4%
BR; 12,5%
BR; 9,6%
15,0% MZ; 7,3%
10,0%
EC; 25,9%
EC; 13,0%
EC; 14,8%
EC; 24,1%
EC; 14,8%
EC; 7,4%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa
83
Gráfico 4.9.b- A forma de trabalhar não está adequada para época atual, 2019
-2020
MZ; 37,9%
40,0%
EC; 27,8%
35,0%
30,0%
EC; 20,4%
BR; 21,1%
BR; 20,0%
EC; 18,5%
BR; 18,6%
MZ; 16,8%
BR; 17,1%
MZ; 15,5%
BR; 16,8%
25,0%
EC; 14,8%
MZ; 10,8%
20,0%
MZ; 9,5%
MZ; 9,5%
EC; 9,3%
EC; 9,3%
15,0%
BR; 6,4%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa
A análise do Gráfico mostra que 37.9% dos professores moçambicanos não admitem
que haja qualquer relação entre o sucesso no trabalho que contemple relacionamentos,
produtividade do estudante, 20.4% dos equatorianos e 20.0% dos brasileiros. Quando juntamos
os níveis baixo e muito baixo e nenhum tem-se 64.2% dos moçambicanos, 63.0% dos
professores equatorianos que participaram da pesquisa e 55.7% dos brasileiros envolvidos nesse
processo de pesquisa. Tem-se que 23.2% dos brasileiros se mostram dispostos a rever a sua
posição uma vez que entendem ser alta ou muito alta a possibilidade de que o seu
posicionamento, a sua forma de abordagem, a sua visão de educação, sociedade e cultura,
necessidades humanas, etc. tenha influência no interesse e rendimento estudantil. De igual
modo 18.6% dos equatorianos e 20.3% dos professores moçambicanos participantes.
Embora, por vezes, o professor não explicite verbalmente o seu descontentamento com
o apoio que recebe e nem mesmo saiba definir que tipo de apoio necessita é possível que esteja
aguardando esse suporte. O Gráfico 16.c traz dados relativos a esse possível anseio por ajuda.
84
Gráfico 4.9.c- O trabalho não é bem-sucedidos porque a escola
não o apoia, 2019 -2020
MZ; 23,3%
MZ; 25,4%
30,0%
25,0%
MZ; 16,0%
MZ; 14,7%
EC; 22,2%
20,0%
MZ; 10,8%
EC; 20,4%
MZ; 9,9%
15,0%
EC; 16,7%
EC; 14,8%
EC; 13,0%
EC; 13,0%
10,0%
BR; 16,1%
BR; 15,0%
BR; 18,9%
BR; 24,3%
BR; 18,6%
BR; 7,1%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Médio Alto Muito Alto
Baixo
Fonte: Dados da pesquisa
85
econômica e familiar do estudante. Por outro lado, 26.7% dos moçambicanos e 18.2% dos
professores brasileiros consideram que não há nenhuma relação entre o sucesso professor e a
sua preocupação com esse cotidiano mais amplo do estudante. 35.7% dos brasileiros
consideram baixa ou muito baixa essa implicação, assim como 28.9% dos moçambicanos e
26.0% dos professores equatorianos.
BR; 25,0%
MZ; 22,4%
30,0%
EC; 29,6%
EC; 27,8%
MZ; 17,7%
BR; 18,6%
25,0%
BR; 18,2%
BR; 17,1%
BR; 13,6%
20,0%
MZ; 11,2%
MZ; 11,2%
MZ; 10,8%
15,0%
EC; 16,7%
BR; 7,5%
10,0%
EC; 9,3%
EC; 9,3%
EC; 7,4%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa
Sobre a relação entre saber escolar e a vida social Tardif afirma que:
Os saberes transmitidos pela escola não parecem mais corresponder, senão de forma
muito inadequada, aos saberes socialmente úteis no mercado de trabalho. Essa
inadequação levaria, talvez, a uma desvalorização dos saberes transmitidos pelos
professores (‘para que servem exatamente?’) e dos saberes escolares em geral, cuja
pertinência social não é mais tida como óbvia (TARDIF, 2002, p.47)
Para esse autor, há “uma erosão no capital de confiança”(Idem) nos saberes que são
transmitidos pela escola. Ele pressupõe que a escola seja um local de atualização permanente o
que ele considera como consumidores (pais, estudantes, adultos em geral, profissionais).
86
professor sente falta de um mentor que possa lhe apontar uma direção ou, pelo menos, dizer-
lhe que o problema não tem solução?
Segundo Campbell (1997) todo herói necessita de um mentor para sair do comodismo
inicial de cidadão comum. Para transpor o limiar da vida pacata e impulsionar a aventura, os
heróis mitológicos contaram com a presença de um mentor. Isso em todas as culturas, segundo
esse autor. Os heróis modernos não são diferentes.
87
Gráfico 4.10 - Quanto você sente falta de uma orientação certa, detalhada, sobre
como fazer os estudantes se interessarem pelo estudo ou sobre como resolver os
problemas de relacionamento com (e entre) os estudantes? 2019 -2020
EC; 29,6%
MZ; 28,9%
35,0%
MZ; 25,9%
EC; 25,9%
BR; 33,2%
30,0%
EC; 22,2%
MZ; 19,4%
BR; 29,3%
25,0%
20,0%
EC; 13,0%
MZ; 9,1%
MZ; 9,1%
BR; 17,1%
15,0%
MZ; 7,8%
EC; 7,4%
10,0%
EC; 1,9%
BR; 5,4%
BR; 7,9%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa.
O Gráfico mostra que 62.5% dos professores brasileiros, que participaram da pesquisa,
sentem essa falta de um mentor com uma intensidade alta ou muito alta, 48.3% dos professores
moçambicanos e 42.6% dos equatorianos.
Em parágrafos precedentes foi dito que o professor reflexivo tem potencial para
superar a rotina da sua prática e aqui pode-se acrescentar que esse professor reflexivo está
potencializado também para gerir conflitos uma vez que nenhuma formação supre toda
necessidade. No entanto, a vida sempre requer mais do que aprendemos o que justifica a
necessidade da proximidade de alguém mais experiente.
Além da jornada de trabalho, o domínio do conteúdo a ser ensinado, a mediação
conflitos na sala de aula, o relacionamento com os estudantes e seus familiares, o professor tem
ainda que justificar porque muitos dos estudantes não foram bem-sucedidos.
O professor sente a falta de um mentor, mas com que frequência? Tem-se os dados no
Gráfico 4.10.a.
88
Gráfico 4.10.a - Com que frequência se depara com situações disciplinares
que não sabe o que fazer (no exercício da docência)? 2019- 2020
EC; 44,4%
50,0%
45,0%
40,0%
BR; 25,4%
35,0%
MZ; 21,6%
MZ; 20,7%
BR; 20,0%
30,0%
MZ; 18,5%
EC; 18,5%
BR; 18,2%
MZ; 17,2%
EC; 16,7%
MZ; 14,2%
BR; 14,6%
25,0%
BR; 14,3%
EC; 11,1%
20,0%
EC; 9,3%
MZ; 7,8%
BR; 7,5%
15,0%
10,0%
EC; 0,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa.
50,0%
MZ; 36,2%
45,0%
40,0%
BR; 27,5%
35,0%
MZ; 19,8%
BR; 19,3%
BR; 18,9%
30,0%
MZ; 17,7%
BR; 17,5%
EC; 18,5%
EC; 14,8%
EC; 14,8%
25,0%
20,0%
MZ; 9,5%
MZ; 9,1%
BR; 8,9%
MZ; 7,8%
BR; 7,9%
15,0%
EC; 3,7%
EC; 3,7%
10,0%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
89
Fonte: Dados da pesquisa
A seguinte questão foi proposta: “Com que frequência a sua prática na escola lhe
coloca situações em que não sabe que decisão tomar?”
Esta pergunta partiu do pressuposto de que o viver consiste num constante
gerenciamento de conflitos de interesses diversos e cada vez mais evidentes em decorrência das
incertezas que a vida na atualidade nos apresenta. Bauman (2001) e Morin (2011) destacam
esses conflitos e essas incertezas como inerentes uma vez que a sociedade atual nos trouxe
problemas novos antes de resolver os antigos. Falam de individualismos, de crise de
fundamentos e de transformações rápidas.
O Gráfico 4.10.b mostra que a frequência é muito baixa. De onde vem então a
decepção com estudante que se tem e a necessidade de um mentor? Talvez se justifique no
Brasil onde 26.8% dos professores que participaram revelam que se deparam com uma
frequência alta e muito alta com situação embaraçosas
16
Segundo o autor esse município é Barra do Garças no Estado de Mato Grosso.
90
lei é criada e, com isso, a vida em sociedade acaba ficando mais complicada do que o
necessário” (KHALIL, 2005). Ele não encontra dificuldade para provar o seu argumento de que
exagero legal “cria absurdos jurídicos”. Cita alguns exemplos presentes na legislação brasileira,
um do quais é que “a lesão corporal culposa teve a pena tão elevada que ficou o dobro da dolosa.
Assim, hoje é mais interessante para o sujeito dizer que teve a intenção de atropelar do que se
disser que atropelou sem intenção” (KHALIL, 2005).
Nessa linha de raciocínio é possível prever que se começarmos detalhar as regras de
relacionamento no interior da escola torná-la-emos em um ambiente insalubre, mais desumano,
menos suportável.
As normas escritas devem conter princípios gerais suficientes para que se discutam as
idiossincrasias quando aparecerem.
Os dados do Gráfico 4.11 expressam o que pensam os professores a respeito da
necessidade de maior definição e detalhamento nas normas.
MZ; 50,9%
60,0%
50,0%
BR; 49,3%
40,0%
MZ; 18,1%
30,0%
MZ; 15,1%
EC; 37,0%
BR; 25,7%
20,0%
MZ; 7,8%
EC; 29,6%
MZ; 4,3%
MZ; 3,9%
EC; 18,5%
BR; 4,6%
BR; 4,6%
BR; 6,4%
BR; 9,3%
EC; 1,9%
EC; 9,3%
EC; 3,7%
10,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
91
O mesmo sentimento é partilhado pelos professores equatorianos onde mais 66.6%
considera que as regras de relacionamento devem estar mais bem definidas na escola. Esse
sentimento sugere que tais professores enfrentam dificuldades no desenrolar das suas atividades
justamente por conta da ausência da clareza nas regras de relacionamento entre diferentes
intervenientes da escola.
As regras de relacionamento na escola devem estar bem definidas. Esse sentimento é
fortemente apoiado por 75% dos professores brasileiros participantes da pesquisa e
medianamente apoiada com 9.3% dos professores. No cômputo geral, percebe-se que em torno
de 70% dos professores dos três países possuem o mesmo sentimento de que as regras de
relacionamento nas escolas precisam ser mais bem definidas.
Todos partilham da ideia de que deve haver maior controle social sobre os estudantes.
Diante disso fica a pergunta que necessita uma investigação para ser respondida: eles defendem
uma educação controladora ou libertadora?
No entanto para se definir essas regras com a clareza que desejam é necessário que se
tenha uma ideia do que precisa ser incluído ou excluído. A questão seguinte é: o professor tem
ideia do que deve ser alterado no regulamento para que atenda a necessidade?
O Gráfico 4.11.a traz os dados.
Gráfico 4.11.a- Tem ideia de como essa definição de regras pode ocorrer? 2019 -2020.
BR; 32,1%
BR; 27,9%
35,0%
BR; 23,2%
MZ; 33,2%
30,0%
25,0%
MZ; 24,1%
20,0%
EC; 31,5%
MZ; 18,1%
EC; 25,9%
15,0%
BR; 7,1%
EC; 18,5%
BR; 5,0%
BR; 4,6%
10,0%
EC; 11,1%
MZ; 10,3%
MZ; 6,5%
MZ; 7,8%
EC; 5,6%
EC; 7,4%
5,0%
0,0%
Nenhum Muito Baixo Baixo Médio Alto Muito Alto
Fonte: Dados da pesquisa
Em uma educação que se pauta pelo princípio defendido por Durkheim (2010) esse
trabalho é dispensável tendo em vista que se educa para viver em sociedade e esta tem as suas
regras estabelecidas. Estaríamos pensando em preparar o estudante para viver em outra
92
sociedade? Qual o perfil dessa sociedade? Quais as regras que ele deve obedecer para se adequar
a ela?
De qualquer forma se tem que 57.3% dos professores moçambicanos, 57.4% dos
equatorianos e 58.0% dos brasileiros se consideram aptos para legislar a respeito da conduta na
escola.
93
6 COABITANDO COM OS DILEMAS ÉTICOS NA PRÁTICA DOCENTE
94
O excesso de trabalho e ausência de colaboração na escola, entre os pares, provoca
insatisfação e tende a instigar um afastamento do professor em relação aos estudantes. Essa
falta de colaboração é um fator de mal-estar docente.
Apesar desses professores terem estudados teorias educacionais e reconhecido a
influência destas em suas práticas educativas, percebe-se a necessidade de uma conjugação de
esforços para adequação destas em contextos reais para que se tome decisões acertadas sobre o
processo formativo dos alunos.
Aqui percebe-se a necessidade de outorgar autonomia aos docentes para que possam
exercer a profissão com zelo, tomar decisões em momentos adequados em conformidade com
as diretrizes instituídas.
A satisfação dos professores é influenciada por vários fatores, embora todos
consideram o salário como denominador comum. A aprendizagem dos estudantes, o
reconhecimento da profissão por meio de atribuição de bolsas de estudos, financiamento para
participação em eventos científicos, reconhecimento de mérito profissional, entre outros,
também são elementos que possibilitam o aumento da satisfação.
Os resultados desta pesquisa revelam que os saberes docentes sofrem influência de
vários intervenientes no sistema educativo e estão sujeitos a modificações. Neste sentido, um
apoio da escola é fundamental para a melhoria dos processos de ensino e de aprendizagem. Isso
passa necessariamente pela colaboração da escola e entre pares. Passa, igualmente, pela criação
de um programa estruturado de desenvolvimento profissional que inclua a formação humana
para apoiar os professores na atualização dos conteúdos científicos, curriculares, pedagógico –
didático, bem como na discussão da sua vivência como ser humano. Quando o professor estiver
bem preparado poderá saber agir em momento certo. Em outras palavras: quando se está diante
de um dilema um lado será negligenciado, mas a consciência de que isto faz parte do jogo é
necessária. Concluir a tarefa sabendo que tomou a decisão que julgava ser a mais coerente é
fazer uso da ética e administrar corretamente um dilema.
O estudo aponta ainda a necessidade de colaboração entre estudantes, possibilidade
que está intimamente ligada à visão do professor sobre o ensino. O programa de
desenvolvimento profissional deve contribuir para moldar a reflexividade do professor. Deste
modo, o professor reflexivo deve colaborar na formação de estudante também reflexivo, um
estudante ativo. Essa visão permitirá diferenciar a importância dos conteúdos de ensino em
ambos os mundos: o mundo – vida e mundo- escolar. Essa possibilidade pode abrir interesse
na aprendizagem de certos conteúdos.
95
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao proceder estas considerações cumpre retomar algumas questões que nortearam esse
projeto de pesquisar o bem-estar ou mal-estar do professor diante das determinações sociais
que impulsionam ou cerceiam o seu trabalho. Há também determinações pessoais, tais como
expectativas, concepções ou crenças equivocadas e fragilidade intelectual para o enfrentamento
de reações adversas. Diante disso foram levantadas as seguintes questões: como os professores
definem o que é certo e o que não é certo na prática docente.
O que pensam esses profissionais da ação da família dos estudantes e quanto se
preocupam com o bem-estar dessa família e com a possibilidade do estabelecimento de uma
parceria. O significado que ele atribui à contribuição social da ação docente e o que não deveria
ser exigido de um professor. Enfim, saber se tem consciência de estar cumprindo o que dele é
esperado.
Questões relativas à ética, se aparecem, é no contexto onde a ética é confundida com
a moral ou com uma ética normativa, enfatizando a sua presença como uma carga a mais para
sobrecarregar o já sobrecarregado professor.
As questões éticas deveriam proporcionar ao professor uma tranquilidade na forma de
agir, mas é ela que acaba trazendo desconforto pelo despreparo do professor em administrar
dilemas éticos que surgem em decorrência do exercício da profissão. Quem age com ética tende
a ter segurança nas suas decisões.
Faltaria a esse profissional a consciência de que toda relação humana tem o seu grau
de hostilidade pelo conflito de interesses que existe, pelas exigências sociais que se faz ao
profissional e pela expectativa que o estudante e respectiva família têm dele.
A vida em sociedade é um espaço de conflitos por mais pacífica que seja. Os interesses
são conflitantes, as instituições exercem a sua força sobre a nossa forma de agir. As expectativas
de pais, estudantes e gestores da educação produzem, no profissional, dilemas éticos que o
fazem sofrer.
As condições de trabalho e a clientela com a qual se depara nem sempre permitem que
ele cumpra a ementa, consiga índice favorável de aprovação e a aceitação plena dos estudantes.
As normas prescritas muitas vezes são vistas como cerceadora da autonomia do
professor. Portanto, as exigências normativas também se constituem em um problema para o
professor. Por vezes ele tem que fazer com que o desenvolvimento do conteúdo ande no ritmo
dos estudantes com mais facilidades e os outros ficam para trás. Os mais lentos ficam
96
literalmente “correndo atrás”. Outras vezes, porém, ele tem que priorizar aqueles que vão mais
lentamente prejudicando os poucos que gostariam de avançar.
Isto é sem dúvida um fator de descontentamento porque todo profissional espera que
o resultado do seu trabalho esteja em amplo progresso.
Em relação à família do estudante há alguns fatores que são de afastamento. Por
exemplo, as condições da família para vir a escola não são favoráveis. Falta de tempo,
envolvimento com o trabalho e também tem o seu preparo intelectual para vir à escola conversar
com o professor. Ela tem boas razões para se sentir constrangida. Como se preparar para discutir
gestão familiar com alguém que, supostamente, tem melhor preparo?
Por outro lado, há fatores que podem facilitar a aproximação. Um deles é que é o
consiste em o professor preparar-se para ter uma palavra de acolhida e orientação de como
trabalhar com os filhos. Esse trabalho não inclui o conteúdo escolar porque este o familiar não
terá condições de fazer e é por isso que existe a escola: para ensinar aquilo que o ambiente
familiar não tem condições de fazer.
Por fim, há que se concluir que como candidato a herói o professor, como todo herói
lendário, sente falta de um mentor.
97
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101
SOBRE OS AUTORES E COLABORADORES
Autores:
Antonio Sales
Licenciado em Matemática pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Universidade
Católica Dom Bosco), Mestre e Doutor em Educação pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, é Docente Sênior da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul unidade de
Campo Grande como professor e orientador no Programa de Mestrado Profissional em
Educação, onde pesquisa sobre Ensino de Matemática, Formação de Professor e Educação
Especial. É também professor no curso de Medicina da Uniderp/Anhanguera onde orienta
pesquisas nas áreas de Educação em Saúde e Bem-Estar Humano. É docente do Programa de
Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática da Uniderp/Anhanguera e no Programa de
Mestrado e Doutorado em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo
(UNIAN) onde orienta pesquisas sobre Ensino de Matemática e Formação de Professores.
Suas preocupações com as questões éticas relativas ao fazer docente remonta ao início de sua
carreira como professor da Educação Básica há meio século. Ministra cursos de Extensão sobre
Ética na Prática Docente. E-mail: profesales@hotmail.com
102
Colaboradores:
Rosalino Subtil Chicote
Mestrando em Educação e Currículo pela Universidade Licungo. Licenciado em Ensino de
Matemática pela Universidade Pedagógica de Moçambique. Docente do Departamento de
Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática da Universidade Rovuma. Possui mais de 8
artigos publicados em Revistas Nacionais e Internacionais. Interesse de pesquisa: Formação de
Professores; Avaliação Educacional; Didática de Matemática. E-mail: rschicote1@gmail.com
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