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Programa de Pós-graduação Latu Sensu

Especialização em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e


Afrobrasileiras
São Gonçalo

Thamiris da Silva Frazão

A CIDADE E SUAS PAISAGENS EM POEMAS DOS CADERNOS NEGROS

São Gonçalo – RJ
2019
Thamiris da Silva Frazão

A CIDADE E SUAS PAISAGENS EM POEMAS DOS CADERNOS NEGROS

Trabalho de conclusão de curso apresentado como parte


dos requisitos necessários para a obtenção do título de
especialista em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e
Afrobrasileiras.

Orientadora: Profª. Doutora Érica Cristina Bispo

São Gonçalo - RJ
2019
Thamiris da Silva Frazão

A CIDADE E SUAS PAISAGENS EM POEMAS DOS CADERNOS NEGROS

Trabalho de conclusão de curso apresentado como parte


dos requisitos necessários para a obtenção do título de
especialista em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e
Afrobrasileiras.

Data da aprovação: 13/12/2019

_____________________________________________
Profª. Doutora Érica Cristina Bispo (Orientadora)
Instituto Federal do Rio de Janeiro

_____________________________________________
Profª. Doutora Angela Maria da Costa e Silva Coutinho
Instituto Federal do Rio de Janeiro

_____________________________________________
Prof. Doutor Osmar Soares da Silva Filho
Colégio Pedro II

São Gonçalo - RJ
2019
AGRADECIMENTOS

A Professora Érica Cristina Bispo pela disponibilidade e valiosas orientações.


Aos Professores do curso de Especialização em Ensino de Histórias e Culturas
Africanas e Afrobrasileiras pelos preciosos ensinamentos, em especial aos Professores
Ivan Ignácio Pimentel e Ricardo Cesar Rocha da Costa pela generosidade e
sensibilidade nas relações humanas.
Aos Professores Iza Terezinha Gonçalves Quelhas e Thiago Pinheiro , exemplos
como educadores e fontes de inspiração.
A minha mãe, meu modelo de luta e perseverança.
A minha irmã Verônica, pela parceria e todo o suporte durante essa jornada.
FRAZÃO, Thamiris da Silva. A cidade e suas paisagens em poemas dos Cadernos
Negros. p.68.Trabalho de conclusão de curso. Programa de Pós-Graduação Latu Sensu
em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e Afrobrasileiras Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Campus São Gonçalo,
Cidade, RJ, 2019.

RESUMO

O presente trabalho traz um estudo sobre os poemas dos Cadernos Negros. Ao utilizar
perspectivas geográficas e literárias evidenciamos distintas representações da cidade,
destacando, em alguns momentos, as paisagens urbanas e como os lugares são
experimentados pelos sujeitos poéticos, o que permitiu a observação acerca da
configuração da cidade como produto de distintos momentos históricos, o espaço
urbano marcado por contrastes e lutas, os efeitos de medidas políticas nos processos de
marginalização e o acesso à cidadania, conduzindo a entendimentos e reflexões sobre as
relações sociais, por meio da linguagem poética.

Palavras-chave: Cadernos Negros. Poemas. Paisagens. Cidade.


FRAZÃO, Thamiris da Silva. A cidade e suas paisagens em poemas dos Cadernos
Negros. p.68.Trabalho de conclusão de curso. Programa de Pós-Graduação Latu Sensu
em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e Afrobrasileiras Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Campus São Gonçalo,
Cidade, RJ, 2019.

RESUMEN

El presente trabajo trae un estudio sobre los poemas de los Cadernos Negros. Mediante
el uso de perspectivas geográficas y literarias, destacamos diferentes representaciones
de la ciudad, destacando, en algunos momentos, los paisajes urbanos y cómo los lugares
son experimentados por los sujetos poéticos, lo que permitió la observación de la
configuración de la ciudad como producto de diferentes momentos históricos, el espacio
urbano marcado por contrastes y luchass, los efectos de las medidas políticas en el
proceso de marginación y acceso a la ciudad, que conducen a la comprensión y
reflexión sobre las relaciones sociales a través del lenguaje poético.

Palavras-chave: Cadernos Negros. Poemas. Paisajes. Ciudad.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 1
2 ABORDAGENS SOBRE AS CONCEPÇÕES DE ESPAÇO, PAISAGENS, PAISAGEM
LITERÁRIA E CIDADE ............................................................................................................. 4
3 AS CIDADES ENTRE OS HIBRIDISMOS DOS TEMPOS ................................................. 11
4 A CIDADE E SEUS ANTAGONISMOS, LUTAS E RESISTÊNCIAS ................................ 20
5 EXPERIÊNCIAS DO ESPAÇO URBANO E O ACESSO À CIDADANIA ........................ 30
6 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 41
7 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 43
ANEXOS..................................................................................................................................... 46
1 INTRODUÇÃO

O discurso da valorização da diversidade tem sido muito empregado na


contemporaneidade. A literatura como produto da sociedade reflete marcas da realidade
e tende cada vez mais a dar destaque a personagens que antes ficavam à margem. A
partir disso e do contato com alguns textos sobre as relações raciais e sobre como ela se
manifesta em diversos espaços, surgiu o desejo de realizar esta pesquisa. A proposta
deste estudo foi efetuar uma investigação que contemple perspectivas literárias e
geográficas na poesia contemporânea afro-brasileira publicada de maneira
independente.
Para isso, utilizamos os poemas dos Cadernos Negros, que são produções
organizadas e publicadas, alternadamente, entre poema e prosa, pelo Quilombhoje, uma
instituição que visa divulgar as pesquisas que envolvem a cultura afro-brasileira e que
por não receber financiamento governamental tem a possibilidade de promover os
escritores e as culturas que não são privilegiadas pela tradição literária e nem pelo
mercado editorial.
Embora os Cadernos Negros estejam na 42ª edição e tenham sido utilizados
como objeto de distintas pesquisas acadêmicas, constatamos em nossas investigações
nos principais sites de busca que não há pesquisas que abordam, exclusivamente, a
cidade e a paisagem nas poesias. O caráter subjetivo dos poemas e das paisagens
contribui de maneira significativa para as representações imaginárias, já que “a
literatura... atua na configuração do imaginário” (CUTI, 2010, p. 48), e “a paisagem está
ligada a um ponto de vista essencialmente subjetivo, ela serve de espelho à afetividade,
refletindo ‘os estados da alma’”. (COLLOT, 2013, p.207).

Desse modo, ao analisarmos as paisagens urbanas descritas pelos sujeitos


poéticos dos Cadernos Negros, estivemos em contato com as urbes brasileiras e com a
maneira como elas são vivenciadas. Nesse sentido, utilizar a literatura para compreender
a cidade - lugar das aglomerações e palco de múltiplas interações – é de grande
relevância para compreendermos os locais por onde transitamos e (re) pensarmos as
relações humanas na atualidade.

A importância dos Cadernos Negros também se traduz nas perspectivas de


Conceição Evaristo (2007) ao afirmar que a literatura torna-se um lócus propício para a

1
enunciação ou o desaparecimento das identidades, e conforme Cuti ao ressaltar que “a
produção literária de negros e brancos, abordando as questões atinentes às relações
inter-raciais, tem vieses diferentes por conta da subjetividade que a sustenta, em outras
palavras, pelo lugar socioideológico de onde esses produzem” (CUTI, 2010, p. 33).
Portanto, os poemas selecionados como corpus dessa pesquisa permitem evidenciar as
perspectivas contra hegemônicas.

Voltar à pesquisa para a análise de poemas que trazem a cidade e suas paisagens
possibilita a observação de como os lugares são experimentados. Os principais recortes
teóricos que buscamos contemplar com nossa análise nesta pesquisa operaram no
sentido de: evidenciar a cidade, as paisagens, as formas que são apreendidas pelos
sujeitos poéticos e como as percepções subjetivas dos cenários ajudam a revelar as
relações do acesso à cidadania destes sujeitos.
Com base nos nossos objetivos, o presente estudo teve como procedimento
metodológico essencial a pesquisa de fontes bibliográficas que nos permitiram analisar
as obras visando evidenciar os recortes teóricos anteriormente mencionados.
No capítulo “Abordagens sobre as concepções de espaço, paisagens, paisagem
literária e cidade”, discorremos sobre alguns conceitos teóricos e perspectivas acerca do
tema que julgamos pertinentes para nossa pesquisa. Entre eles, Milton Santos (2012 e
2014) e Roberto Corrêa (1989), pois ambos auxiliam no entendimento acerca dos
elementos geográficos e como se dão as dinâmicas sociais, econômicas e políticas nas
cidades capitalistas. Utilizamos Michel Collot (2013), a fim de recorrer a uma das
múltiplas possibilidades textuais como a de revelar as paisagens literárias, que são mais
que uma referência espacial, sendo constituídas pela atuação do imaginário e pela
apreensão objetiva e subjetiva de determinado lugar, o que permite entendê-las como
apelos de sentidos.
No capítulo “As cidades entre os hibridismos dos tempos”, partimos da visão de
Jacques Le Goff (2003) acerca da importância do ato de rememorar, apresentando dados
importantes de como as memórias são recuperadas nas diversas sociedades.
Apresentamos o conceito de memória coletiva, segundo Maurice Halbwachs (2015),
para entender como esse tipo de memória contribui na percepção da configuração da
cidade como constituição de mesclas temporais. Recorremos à perspectiva de
Maldonado Torres (2007), ao tratar do colonialismo (estrutura de poder em que uma
nação detém o controle sobre a outra) e da colonialidade (os restos do colonialismo na

2
sociedade capitalista), para discorrermos sobre alguns continuísmos históricos na
atualidade tais como os que concernem às questões como as relações de poder, os
genocídios e as segregações das populações negras.
No capítulo “A cidade e seus antagonismos, lutas e resistências”, evidenciamos
as diferentes oposições que existem no cenário urbano, alicerçados em concepções de
Aníbal Quijano (apud BALLESTRIN, 2000) que defende que na sociedade capitalista o
racismo desempenha papel fundamental no exercício do poder. Outra perspectiva
adotada foi a de Renato Emerson dos Santos (2014), que retoma o pensamento
decolonial aproximando-o do contexto brasileiro.
No capítulo, que trata das “Experiências do espaço urbano e o acesso à
cidadania”, pudemos analisar como os percursos feitos pelo sujeito poético denotam sua
inserção na sociedade brasileira. Para isso, utilizamos as constatações de Maria
Manzini-Covre (1995) sobre a cidadania como uma constante relação dialética entre os
direitos civis, sociais e políticos. Outra contribuição importante foi a Milton Santos
(1996-1997) ao defender a existência das cidadanias mutiladas.
Consciente de que este trabalho é uma singela contribuição para um leque de
possibilidades de leituras do corpus selecionado, buscamos destacar as paisagens dos
poemas apresentando os cenários urbanos tendo como vieses as desigualdades sociais e
raciais. Além disso, devido aos Cadernos Negros estarem preocupados com a
valorização da cultura e de escritores afro-brasileiros, tivemos oportunidade de nos
debruçar sobre textos que trazem perspectivas diferentes das predominantes no mercado
editorial, o que possibilitou evidenciarmos distintas experimentações na literatura que
tem como temáticas a cidade e as paisagens.

3
2 ABORDAGENS SOBRE AS CONCEPÇÕES DE ESPAÇO, PAISAGENS,
PAISAGEM LITERÁRIA E CIDADE

Para pensar sobre A cidade e suas paisagens nos Cadernos Negros, julgamos
pertinente recorrer a alguns aportes teóricos e críticos que podem nos auxiliar na
compreensão de perspectivas geográficas e literárias acerca do espaço, da paisagem, da
paisagem literária e da cidade. As concepções estão alicerçadas nos livros
Metamorfoses do espaço habitado (2014) e Pensando o espaço do homem (2012), de
Milton Santos, em O urbanismo como modo de vida (1987), de Louis Wirth, em O
espaço urbano (1989), de Roberto Lobato Corrêa, em O ser e o tempo na poesia (2015),
de Alfredo Bosi, em O arco e a lira (2012) de Octavio Paz, e nas obras Poética e
filosofia da paisagem (2013) e Do horizonte da paisagem ao horizonte dos poetas
(2013), de Michel Collot.
Os livros Metamorfoses do espaço habitado (2014) e Pensando o espaço do homem
(2012), de Milton Santos, apresentam informações complementares, por isso, decidimos
utilizar as duas obras de maneira dialógica. Santos (2014) nos apresenta o espaço e a
paisagem como categorias que possuem semelhanças e diferenças capazes de revelar as
dinâmicas sociais. Dos muitos termos que servem para abordar o conhecimento
geográfico, tais como lugar, área, região, território, habitat, paisagem, é o espaço que
adquire um sentido mais amplo. O espaço pode ser compreendido como uma totalidade
e a paisagem como uma subcategoria dele. Para o autor (2014), o espaço é um
agrupamento de objetos e das relações que ocorrem sobre esses itens e “é o resultado da
soma e da síntese, sempre refeita, da paisagem com a sociedade por meio da
espacialidade” (SANTOS, 2014, p.80), ou seja, o espaço é a união da paisagem, da
sociedade e da espacialidade ˗ é o instante da inclusão territorial dos processos sociais.
De acordo com Santos (2012), o espaço social é determinado pela forma, estrutura e
função. A segmentação desses elementos pode gerar análises equivocadas. Ao
privilegiar uma visão holística, o geógrafo compreende que a seleção de determinado
espaço não pode ser estudada através da paisagem ou localizada numa parte específica
do lugar, já que “a produção do espaço é o resultado de múltiplas determinações, cuja
origem se situa em níveis diferentes e em escalas variáveis, indo do simples lugar à
dimensão internacional” (2012, p. 58). Acrescenta que os objetos surgem repletos de
simbologias, representatividades e intencionalidades, contendo significados para além

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da aparência, advertindo-nos que, por apresentar diversas influências, a simples
aparência do espaço tende a nos enganar.
O geógrafo também destaca que a disposição da população nos diversos
territórios não é igualitária e à medida que os espaços são ocupados, há alterações nos
locais, permitindo constatar que a heterogeneidade é um atributo do espaço, seja ele no
quantitativo populacional ou nas transformações do próprio espaço. No Brasil, a
urbanização foi grande influenciadora da distribuição de cidadãos e, portanto, das
mudanças da configuração espacial. Os avanços tecnológicos e sociais reverberam tanto
no campo quanto na cidade. Nesse sentido, Santos (2014) afirma que o capital constante
também está presente no campo nas figuras dos fertilizantes, das máquinas, das
sementes, por exemplo.
Convém salientar que alguns fenômenos contribuíram para as transformações
mundiais, sobretudo na segunda metade do século XX, tais como: a internacionalização
do capital; a interdependência econômica entre diversos países; a divisão internacional
do trabalho. Esses acontecimentos tiveram como resultado um processo de
uniformização das produções que atravessaram fronteiras, levaram as regiões e as
cidades a se especializarem, aumentando as trocas comerciais que passaram a ocorrer
por meio das transações entre diferentes partes do globo, estabelecendo uma conexão
entre elas e assumindo “diversos papéis, não só econômicos, mas também políticos,
culturais etc.” (SANTOS, 2014, p. 52). Então, houve aumento das influências externas
nos diversos países do mundo o que por um lado acentuou as características específicas
de alguns lugares e por outro uniformizou a produção.
Ao elucidar o conceito de paisagem, Santos (2014) defende que ela é o que a
nossa visão pode alcançar. Apreendida pelos sentidos humanos, a paisagem “é formada
não apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons etc.” (2014,
p.68). Para se constituir, ela depende de um posicionamento em algum lugar, alterando-
se conforme a disposição do corpo no local, em vista disso, a medida da paisagem é a
mesma da percepção. Cabe ressaltar que a percepção é seletiva e muda de acordo com
as experiências de cada indivíduo, já que cada espectador pode apreender algo diferente.
Ciente de que essa percepção é limitada, Santos ressaltou que ela não é um
conhecimento, pois depende da interpretação.
A paisagem é composta de elementos materiais e imateriais, está sempre voltada
para o passado, no entanto, regula-se de acordo com as exigências sociais e suas
transformações que são sempre parciais. Partindo das sugestões de Carl Sauer para

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entendermos a paisagem como artificial ou natural, Santos (2014) afirma que paisagem
natural é aquela que não sofreu alteração pela ação humana, e a artificial é a alterada
pela ação do homem. O geógrafo entende que os processos produtivos industriais
tornam difícil encontrar paisagens naturais e, quando conseguimos obtê-las, elas são
objeto de especulação econômica. Por conseguinte, as alterações dos modos de
produção transformam os lugares, permitindo compreendermos que assim como o
espaço, “a paisagem é sempre heterogênea” (2014, p.71), resultado de mesclas entre
elementos naturais e artificiais.
A constatação de que a paisagem é heterogênea amplia-se para outras questões
como a existência de construções de diversos momentos históricos, resultado de
processos substitutivos e aditivos, tendo em vista que “uma paisagem é uma escrita
sobre a outra” (SANTOS, 2014, p.72). Isso se justifica pelo fato de que cada período
privilegia um método de produção, alterando a paisagem e atribuindo a ela um caráter
inovador, o que possibilita a coexistência de elementos do presente e do passado. Em
vista disso, temos uma paisagem que se organiza de acordo com as exigências do capital
e da tecnologia, sendo que a paisagem urbana, por contemplar diferentes níveis de
produção, apresenta-se mais multifacetada. Outro aspecto importante mencionado pelo
geografo é que a paisagem deve ser pensada junto com as questões políticas,
econômicas e culturais, mas que nem sempre é possível visualizar todas essas
influências nela.
Em ambos os livros de Santos pudemos entender que os avanços tecnológicos
permitiram o progresso e o aumento do bem-estar social, ainda que não tenham sidos
distribuídos de maneira igualitária, acarretando em múltiplas alterações desiguais nos
diversos espaços e paisagens.
Partindo das diferenciações entre espaço e paisagem, podemos refletir sobre a
cidade. Segundo Louis Wirth (1987), o surgimento da cidade moderna está relacionado
com os avanços da tecnologia e ela é “um núcleo relativamente grande, denso e
permanente, de indivíduos socialmente heterogêneos” (1987, p.96), contudo, antes era
possível encontrar as cidades pré-industriais e pré-capitalistas.
Sabendo que o centro da cidade é lugar onde os espetáculos mundiais e regionais
são protagonizados, as observações elaboradas por Roberto Corrêa esclarecem as
relações das dinâmicas sociais e estruturais. Corrêa (1989) entende o espaço urbano
como sinônimo de cidade, ele o conceitua como “conjunto de diferentes usos da terra
justapostos entre si” (1989, p.7). As utilidades da terra são fragmentárias e articuladas.

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Enquanto a fragmentação reflete a segregação imposta por questões econômicas e
políticas endógenas a cidade capitalista, a articulação entre diferentes partes da cidade
utiliza como instrumentos as tomadas de decisões, as ideologias, as relações de poder, o
fluxo de capital, de pessoas e de produtos.
Percebendo o espaço urbano como simultaneamente articulado e fragmentado,
Roberto Corrêa sublinha que essa inter-relação é “a expressão espacial de processos
sociais” (1989, p.8), deste modo, por ser reflexo social, a cidade apresenta como
atributos a desigualdade e a mutabilidade. Unida à ideia do espaço como manifestação
das relações sociais, há a categorização dos agentes produtores do espaço urbano: os
proprietários dos meios de produção, proprietários fundiários, os promotores
imobiliários, o Estado e os grupos sociais dos excluídos. As ações dessas categorias são
reguladas juridicamente priorizando os interesses dominantes.
Os proprietários industriais e empresariais são grandes consumidores do espaço
devido à natureza da sua atividade. Os proprietários fundiários, através da
transformação das áreas rurais em urbanas, por causa do crescimento da população e da
demanda por terra, também utilizam como critério a incorporação de valor, a
localização geográfica e geológica. Os proprietários imobiliários, entre outras
atividades, fazem a incorporação de valores, financiamentos, investimentos,
levantamento de dados, construção do imóvel, acarretando no surgimento de outros
agentes como o proprietário-construtor. É importante salientar que o capital imobiliário
pode recorrer à ajuda estatal para a construção de habitações populares, isso se reflete
na criação do BNH (Banco Nacional de Habitação), por exemplo. O auxílio do Estado é
relevante, tendo em vista que serve para amenizar as crises econômicas por meio da
geração de empregos.
O Estado como agente produtor do espaço, por sua soberania, apresenta múltiplas
funções, atuando como consumidor, criador de espaço, promotor fundiário, imobiliário,
fazendo a regulamentação do uso da terra e a taxação tributária, o que contribui com a
valorização ou desvalorização das zonas urbanas, sendo também alvo dos movimentos
sociais. Os grupos sociais excluídos são formados por pessoas que não tem condições
de comprar ou alugar residências nas áreas mais valorizadas da cidade, tendo que
ocupar os locais mais desvalorizados e sem infraestrutura, apropriando-se de espaços
esquecidos pelos demais agentes. Ao produzirem a favela, os grupos dos excluídos
tornam-se agentes transformadores do espaço urbano, alterando-o como meio de
resistência e de sobrevivência. Ademais, o deslocamento para as áreas afastadas,

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perigosas e/ou sem infraestrutura é apenas um dos diversos sinais da desigualdade da
cidade capitalista, os outros podem aparecer com as doenças e o nível da escolaridade.
Corrêa (1989) também afirma que com o surgimento da favela há a reivindicação por
intervenção estatal nas áreas periféricas, levando a melhorias pontuais, e em decorrência
disso temos um reordenamento populacional, já que em alguns casos os antigos
residentes não conseguem permanecer naquele espaço em que houve incorporação de
valor, tendo que ocupar outras áreas periféricas.
Os entendimentos acerca das paisagens e dos espaços urbanos são essenciais para
auxiliarem nossas analises dos poemas dos Cadernos Negros, já que estes nos
oferecerem uma literatura engajada na promoção de escritores afro-brasileiros e de suas
experiências, levando-nos a ter contato com uma poesia que “resiste aferrando-se à
memória viva do passado; e resiste imaginando uma nova ordem que se recorta no
horizonte da utopia... quer desfazendo o sentido do presente em nome de uma libertação
futura, o ser da poesia contradiz o ser dos discursos correntes” (BOSI, 2015, p.169).
Refletindo sobre o poder de insubordinação ao status quo, entendemos conforme
Octavio Paz (2012) que a poesia moderna serve de alimento aos dissidentes e
desterrados do mundo burguês e que o “poema se alimenta da linguagem viva de uma
comunidade, de seus mitos, seus sonhos e suas paixões” (PAZ, 2012, p. 48).
Para a análise das paisagens literárias recorremos a Michel Collot (2013) que,
seguindo os pressupostos fenomenológicos, sobretudo os de Merleau-Ponty, ajuda-nos a
entender como os poemas podem revelar as paisagens urbanas. No livro Poética e
filosofia da paisagem (2013), suas elucidações conduzem ao entendimento da paisagem
construída por todos os sentidos humanos e como “um fenômeno, que não é nem uma
pura representação, nem uma simples presença, mas o produto do encontro entre o
mundo e um ponto de vista” (2013, p.18), o que ressalta a subjetividade, as experiências
plurais dos lugares e a dependência de um sujeito ou ponto de vista para a sua
constituição.
Segundo o crítico literário, “a paisagem nos fornece um modelo para pensar a
complexidade de uma realidade que convida a articular os aportes das diferentes
ciências do homem e da sociedade” (COLLOT, 2013, p. 15). Ao destacar que o
pensamento se desdobra em paisagem e a percepção como pensamento, também
sublinha uma dialética da paisagem, argumentando que esta possui partes visíveis e
invisíveis permitindo vermos além da parcialidade da paisagem, mas ela como elo do
interior e do exterior decorrente de um ser presente no mundo.

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Diferente das abordagens extraliterárias que propõem resgates geográficos ou
turismos literários, Collot (2013) utiliza a noção da paisagem literária tratando os textos
como imagens das regiões, destarte, entende que a paisagem não é simplesmente a
representação da região, sendo mais importante compreender o modo pelo qual ela é
apreendida. A partir disso, temos uma paisagem que “convida a preencher as lacunas
do olhar pelo trabalho da imaginação ou pelo impulso do movimento” (2013, p.51-52).
Nesse sentido, reflete afetos e convida o leitor a entrar em um estado poético que o
permite imaginar.
Partindo de Bakhtin que destacou que a enunciação poética possibilita enxergamos
um mundo por uma perspectiva interior, diferente do romance que permite a exterior,
Collot (2013) também afirma que alguns textos poéticos tornam-se lugares privilegiados
para a apreensão da paisagem, porque a voz lírica em primeira pessoa coincide com o
ponto de vista do observador. Além disso:

A voz lírica dá a ver o invisível da paisagem, graças à musicalidade do


poema que dela exprime a ressonância afetiva, e à metáfora, que abre para
além do visível o campo desta segunda visão que é a imaginação. Muitas
vezes, o estudo da paisagem literária ficou subordinado a um modelo pictural
que, por um longo tempo, orientou a retórica descritiva, mas da qual se afasta
uma poética da evocação, que privilegiarei nesta obra.
(COLLOT, 2013, p. 53)

Em suma, a paisagem literária é formada pela junção da imagem da região, da ação


do imaginário, da percepção objetiva e subjetiva, o que torna o poema local privilegiado
para o seu aparecimento.
No texto Do horizonte da paisagem ao horizonte dos poetas (2013), de Michel
Collot, também vimos que a paisagem está vinculada ao horizonte e a apreensão dela
depende do nosso ponto de vista, da extensão, da parte e do conjunto. Por ser
apreendida e depender essencialmente de um ponto de vista fixado em algum lugar,
enxergando um horizonte que quando o sujeito se desloca também se movimenta, “a
paisagem não é apenas vista, ela é habitada. O percurso do olhar faz apenas antecipar os
movimentos do corpo” (COLLOT, 2013, p. 206).
A percepção faz da dimensão da paisagem o equivalente ao posicionamento e ao
tamanho do corpo do sujeito, mas é devido à extensão que é possível haver
movimentação na paisagem, a extensão é a distância entre o horizonte e o sujeito. Outro
aspecto necessário a ser considerado é que a paisagem é fragmentária, pois o sujeito é
parte da paisagem não podendo percebê-la como panorama. Entretanto, aquilo que não é

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capturado pelo observador que apreende a paisagem, pode ser visto por outro,
atribuindo uma terceira dimensão destinada ao ponto de vista de outra pessoa. Por fim,
outra característica mencionada no ensaio é o conjunto tido como “uma unidade que
pode ser percebida como um golpe de vista, por que joga para a periferia toda uma
massa de informações que o olhar poderia assimilar”. (COLLOT, 2013, p. 2013)
Em suma, entendemos que as visões dos diversos teóricos e críticos destacados
neste capítulo servem de suporte para a leitura de como ocorrem os processos de
representação da cidade e das paisagens nos Cadernos Negros. Entre as concepções,
destacamos as reflexões de Milton Santos acerca da distinção entre espaço e paisagem e
os processos econômicos, políticos e industriais intrínsecos as dinâmicas sociais.
Roberto Corrêa ao abordar que as diferentes categorias sociais auxiliam na produção e
na experiência do espaço urbano. Além disso, para analisar os poemas ao longo dos
capítulos, utilizamos a perspectiva de Michel Collot e o seu entendimento de que existe
uma paisagem literária que é dotada de elementos objetivos e subjetivos, e as
percepções de Alfredo Bosi e Octavio Paz sobre os poemas e o caráter subversivo que
adquirem, tornando-se capazes de contradizerem os discursos do status quo.

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3 AS CIDADES ENTRE OS HIBRIDISMOS DOS TEMPOS

Na tentativa de estabelecer relações entre o passado e o presente para evidenciar


que as cidades e suas dinâmicas sociais se configuram como construções híbridas de
distintos momentos históricos, nós selecionamos alguns poemas dos Cadernos Negros
em que os sujeitos poéticos delineiam imagens que propiciam a leitura de elementos da
memória coletiva e dos cenários urbanos como ativadores da memória.
Ao trazer um estudo sobre a memória nos diferentes contextos históricos e
sociais, Le Goff (2003) disserta sobre suas variações em distintos momentos,
ressaltando a importância atribuída a ela por diversas populações. Sublinha a predileção
da memória coletiva pelos povos sem escrita. Dentre as muitas formas de recorrência à
memória, por exemplo, a memória étnica estava alicerçada nos mitos de origem que
estabeleciam um elo entre as pessoas, colaborando com a permanência da identidade e
da memória coletiva. Convém ressaltar que em alguns momentos históricos a memória
coletiva pode ser utilizada como instrumento de poder, pois segundo o historiador:

tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes


preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e
dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da
história são reveladores destes mecanismos de manipulação da memória
coletiva. (GOFF, 2003, p. 422).

Para Le Goff (2003) a memória é a capacidade de retermos algumas informações


tendo como função psíquica a possibilidade de atualização das lembranças. Também
afirma que a memória individual é recorrentemente estudada pelos psicólogos e
psicanalistas como as alterações que as lembranças e os esquecimentos desempenham
na afetividade, no desejo, etc., trazendo um olhar sobre os efeitos subjetivos que a
memória exerce.
Essas percepções demonstram os distintos valores atribuídos à memória em
diversos períodos históricos e a relevância das lembranças para um povo e como elas
podem ser utilizadas em benefício das relações de poder. Atrelado ao posicionamento
do ato de rememorar e de esquecer como objeto de disputa, cabe mencionar a distinção
feita por Maurice Halbwachs (2015), que afirma que a memória é uma construção
coletiva e individual. Enquanto a primeira é a lembrança compartilhada e construída por
determinado grupo, a segunda é uma perspectiva da memória coletiva, portanto, as
memórias individuais traduzem diversas perspectivas da memória coletiva e tem como

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característica a fluidez, na medida em que, ao ser rememorada, ela se altera conforme as
disposições e interações dos indivíduos nos diversos lugares. Conforme afirma
Halbwachs:

Desta massa de lembranças comuns, umas apoiadas nas outras, não são as
mesmas que aparecerão com maior intensidade a cada um deles. De bom
grado, diríamos que cada memória individual é um ponto de vista sobre a
memória coletiva, que esse ponto de vista muda segundo o lugar que ali
ocupo e que esse mesmo lugar muda segundo as relações que mantenho com
outros ambientes. (HALBWACHS, 2003, p. 69)

Partindo das noções de memória coletiva e individual e tendo em vista que


Milton Santos reconhece heterogeneidade da paisagem como construções de diferentes
momentos históricos, convêm refletir sobre os versos de “As Saubaras invisíveis”, de
Jonatas Conceição.
A memória é redundante: repete os
símbolos para que a cidade comece
a existir

Ítalo Calvino

Chega-se a Saubara pelo caminho do mar.


Às velas, barcas velhas velejam rumo à baía.
Viagem de gentes, trapos, mercadorias,
Odores repelentes que recendem tumbeiros
Travessia de longínquas noites
(“Aquela viagem era uma eternidade!”)
que ao vento cabia a tarefa de um porto feliz.

Chega-se a Saubara por via de muitos rios


Do rio para o mangue, do mangue-rio para o mar.
Caminhos do leva-e-traz mercantil
Ao porto de amaros negócios
Percurso de antigos navegantes
Fundadores do eterno dar-se saubarense
Desbravadores de restos da flora e fauna do lugar.

Chega-se, finalmente, a Saubara pelo primado da fé.


Seus marujos e rezadeiras procuram, há muito,
o caminho da salvação
Seus filhos e netos, há pouco, descobriram outros
caminhos...
Procuram, pela novidade alheia, desesperadamente,
outra cidade inventar.
Os perseguidores da fé a tudo ver – oram choram
(“São Domingos que é de Gusmão que nos vele”)
as chamas das velas revelam.
(CN, 1998, p. 80)

12
As duas primeiras estrofes do poema apresentam sétimas marcadas pela anáfora
“Chega-se a Saubara”, no início. E uma décima que começa com “Chega-se, finalmente,
a Saubara”. É importante mencionar que o verbo “chega-se” marca o fim do percurso de
três momentos distintos da história do processo de apropriação do território saubarense.
Na primeira estrofe, o sujeito poético descreve o trajeto utilizado pelos traficantes de
escravos: chega-se por meio do mar e das barcas que transportam pessoas como
mercadoria – “Viagem de gentes, trapos, mercadorias”. Na segunda estrofe, o percurso é
feito pelos rios até o encontro do mar, caminhos utilizados com o intuito de explorar as
riquezas locais e realizar as trocas comercias. Na última estrofe, o advérbio de tempo
“finalmente” associado ao vocábulo “Chega-se” marca de maneira mais concreta o
inicio do processo de colonização em Saubara, justificado na fé.
É importante destacar que existe um munícipio brasileiro com o nome Saubara,
localizado próximo à Bahia de todos os Santos, no estado da Bahia, marcado pela
biodiversidade, pela colonização espanhola e pelos efeitos da escravidão. Esse local
possui manifestações culturais como a Marujada, em que grupos declamam textos sobre
as navegações portuguesas e brasileiras; e as Caretas do Mingau, que no período da
colonização era um grupo formado por mulheres que se vestiam como fantasma visando
a assustar os invasores e a levar mantimentos para seus maridos durante à noite. Hoje,
as Caretas do Mingau são formadas pelas descendentes daquelas mulheres e realizam
desfiles para que as ações de suas ascendentes não caiam no esquecimento, mantendo
vivas as heranças do passado.
As Saubaras do poema traduzem os diferentes lugares marcados por parecidos
processos históricos e culturais, já que, na verdade, trata de saubaras que são,
paradoxalmente, invisíveis e acessíveis.
Ao indicar que o caminho para Saubara pode ser feito pelo mar e os “odores
repelentes que recendem tumbeiros”, o sujeito poético demostra ter conhecimentos
pertencentes a um determinado grupo social, mas também sublinha o seu ponto de vista
sobre o que é dito, permitindo-nos pensar sobre o caráter singular que a memória
individual imprime sobre a memória coletiva, conforme Maurice Halbwachs (2015). A
enunciação apresenta uma paisagem delimitada por um horizonte que nos remete às
grandes navegações e à escravidão, recorrendo ao mar para realizar o trajeto da história.
Apresenta um percurso que nos faz recordar o passado de exploração territorial
colonialista.

13
Sabendo que a paisagem é “o produto do encontro entre o mundo e um ponto de
vista” (COLLOT, 2013, p.18) e que a memória individual é apenas um ponto de vista
sobre a memória coletiva, compreendemos que as conexões entre passado e presente
estão marcadas por efeitos históricos e subjetivos que esse sujeito poético nos mostra.
Inclusive, no último caminho percorrido, através da fé, em que as velas não são mais as
da embarcação e, sim, as do rito religioso, vemos os marujos e as rezadeiras aguardando
a salvação, cabendo à nova geração à tarefa de re-inventar outra cidade. Enfim, as
Saubaras invisíveis são um misto de passado, presente, crenças e desejos de mudanças
que constituem a cidade e que podem ser acessíveis pelo ato de rememorar.
Em “Cidade senzala”, de Bruno Gabiru, temos dinâmicas sociais apresentadas com
um tom de denúncia e revolta:

Enquanto somos a maioria em:


Presídios,
Dependentes químicos,
Vítimas do genocídio,
Suicídio,
Vivendo em meio ao lixo,
Cuidando da fachada
E do jardim de Vossa Excelência
Haverá revolta
Dos desfavorecidos
No capitalismo

As chibatadas vêm de outra forma


Somos excluídos
Das faculdades
Somos exilados
Nas margens
Com destreza
Modificaram o apartheid.

Esta cidade nos odeia


Esta cidade é racista
Nela, as pessoas são frias e feitas de pedra
Sustentamos a base
E temos que aguentar o peso da ignorância.
(CN, 2014, p. 40)

As lembranças de um passado escravista são ilustradas e ressignificadas na dinâmica


das relações sociais. A voz da enunciação poética na primeira pessoa do plural destaca o
pertencimento a uma coletividade - “Dos desfavorecidos/ No capitalismo”. A exclusão
está marcada pelas barreiras invisíveis de uma cidade racista em que o apartheid
configura-se de outra forma. Nas grandes cidades as fronteiras invisíveis manifestam-se
por meio de um complexo tecido urbano:

14
contrastes radicais que se refletem no tecido urbano, nos materiais do
prédios, nos estilos arquitetônicos: ao lado de arranha-céus de aço e vidro
“fumê”, encontram-se favelas, cortiços, “barriadas” que ocupam as áreas
vazias entre os prédios e bairros, e as zonas periféricas. Os barracos de
papelão e lata, madeira e bambu vão se multiplicando a beira dos rios e das
autoestradas, embaixo de pontes de concreto e aço e em estacas sobre
lagunas, como em tempos pré-históricos. (FREITAG, 2002, p. 110)

A continuação de processos excludentes justifica-se, entre outros motivos, no


alicerce do racismo, que se revela como meio de exercer o poder no sistema capitalista.
Tal perspectiva também permite compreendermos as combinações dos tempos nas
cidades através das relações entre colonialismo e colonialidade. Segundo Maldonado
Torres (2007 apud OLIVEIRA e CANDAU, 2010, p. 4), o colonialismo consiste no
controle da soberania de uma nação por outra e a colonialidade é decorrente do
colonialismo, estando associada a maneira como o trabalho, o conhecimento, o poder e
a intersubjetividade se relacionam no capitalismo atrelado à concepção de raça.
Enquanto que no passado a exploração era exercida através do uso da força de
maneira explicita, a colonialidade tem como base a ideia de raça e utiliza diferentes
instrumentos para subalternização gerando marginalizações reveladas na criminalidade,
no acesso à moradia digna e na educação. A cisão da cidade registrada no poema pode
ser entendida como uma das marcas da colonialidade.
Embora o passado colonial tenha sido superado, ele deixou alguns efeitos nas
dinâmicas sociais tendo como consequência a marginalização e a exclusão. A cidade
senzala apresenta paisagens como as do presídio, em meio ao lixo, o jardim da
autoridade, da faculdade, que são grifos de outra marginalização que deixa as mesmas
marcas estigmatizantes de outrora, cabendo apenas cuidar do jardim, “símbolo do
paraíso terrestre” (CHEERBRANT; CHEVALIER, 1999, p.512), dos que tem o poder.
As repetições enfatizam novamente a segregação - “Esta cidade nos odeia/ Esta cidade é
racista”.
No poema “Negro abusado”, de Sergio Ballouk, o sujeito poético destaca a posição
do negro como insubmisso e que deseja justiça.

corre pela clareira, aldeia, capão e vargem


negro abusado de sapato e carta nas mãos
corre gritando, anunciando que é:
o corte do machado
o grito da cachoeira
o terror negro encarnado
palmarino cansado de engolir saliva
e em cada toque
dezenas se deslocam pra fazer correria

15
correm pelas escadarias, ruas e avenidas
negros fortalecidos, vestidos e com livros nas mãos
correm gritando, anunciando o que querem:
escolas, dentistas, seguro de vida
assistência médica, casa e comida
e é pra ontem
e já não é mais sonho
o corte do machado
o grito da cachoeira
o terror negro encarnado
palmarino que engoliu saliva
agora cospe e diz que tá com raiva
do espera um minutinho, do tudo passa
se não passa é assim mesmo, só um cadinho
cuidado: palmarino zangado passa por cima
e arregaça palavras do caminho
(CN, 2006, p.227)

Nos primeiros versos da primeira estrofe o sujeito poético descreve um “negro


abusado”. O texto está marcado por aliterações e a assonâncias presentes em trechos
como “corre pela clareira, aldeia”, que marcam por meio da musicalidade o ritmo, a
cadência, os movimentos do personagem na luta cotidiana na tentativa de constituir-se
como cidadão. É correndo por ambientes naturais que o sujeito poético nos remete aos
espaços habitados por Xangô, entidade da justiça que tem como um dos seus símbolos o
machado. Ao ser o terror negro encarnado, o negro abusado busca justiça e está
possuindo sapato e carta em suas mãos. Essa estrofe nos conduz ao período da
escravidão e as religiões de matriz africana, tendo em vista as referências mencionadas,
pois os negros que usavam calçados naquele período eram aqueles que foram libertos.
Os movimentos descritos impelem aos demais para também fazer “correria”, ou seja, a
movimentarem-se apressadamente contra o tempo perdido para restituírem os direitos os
quais lhes tinham sido tirado.
Na segunda estrofe, o cenário e o tempo são outros, com vários insubmissos que
reivindicam acesso a serviços básicos. As duas estrofes, ao trazer diferentes contextos,
proporcionam a compreensão de que sempre há demandas emergenciais para aqueles
que se recusam a permanecer no status quo e que as reivindicações se remodelam
conforme o passar do tempo, das necessidades e das conquistas obtidas de maneira
justa. Enquanto num período histórico o fazer correria tinha uma ligação direta com a
natureza por diversos motivos como o dos quilombos como lugar de resistência e de
luta, num outro momento, o fazer correria configura-se no espaço urbano nas ruas e nas
avenidas pela busca a acesso a serviços essências a vida.

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No primeiro verso, o sujeito poético faz referência a “capão”, permitindo-nos
inferir que se refere a Capão Redondo um distrito situado na zona sul de São Paulo,
região periférica que se constitui pelo complexo tecido social com uma população que
mescla indivíduos de várias regiões do Brasil, entre os quais, nordestinos, negros e
indígenas. O cotidiano de Capão Redondo sintetiza de maneira clara os sentidos de
correria ao longo do poema, para os moradores da periferia a vida é correria diária na
luta pelo ganha-pão, na busca de alternativas para sobrevivência, na tentativa de
recupera o tempo perdido, pois para o povo pobre e negro a dinâmica da vida é outra e
nada vem de graça.
O poema “Preta periferia”, de Fernando Gonzaga, traz as semelhanças históricas
e atualizadas dos lugares periféricos.

Vejam lá, são casas sobre casas


Tudo internamente preto, da mesma
cor
Com raízes semelhantes e semblantes de
Dor
Calados pelo sistema e construindo lugares afastados
Estão carentes de amor!
Frutos de uma sociedade que exclui, dita e manda
Acho que castraram meus sonhos.
(CN, 2014, p.106)

As paisagens delineadas no poema possibilitam visualizar um local que foi


formado por pessoas de mesma raiz, relacionando o passado com o presente. Esse elo
também é evidenciado através do enjambement, pela semântica e pela sintaxe como em
“Tudo internamente preto, da mesma/cor/ Com raízes semelhantes e semblantes
de/Dor”. Esse lugar é ocupado por aqueles que Roberto Corrêa (1989) classifica como
os pertencentes aos grupos dos excluídos.
Além disso, embora as paisagens sejam parciais e o espaço traduza uma
concepção de totalidade, cabe mencionar o livro Do quilombo a favela: a produção do
“espaço criminalizado no Rio de Janeiro” (2005), de Andrelino Campos. Em uma das
versões sobre a origem das favelas, o geógrafo afirma que o surgimento se relaciona
com a Guerra do Paraguai, porque, após as batalhas, os escravizados que lutaram
receberam alforria e foram retirados do território em que viviam ocasionando uma
desterritorialização. Esse processo serve para entender que os efeitos do passado
permanecem no tempo presente, inclusive, na formação da periferia e na predominância
de pessoas com mesmos fenótipos nesses lugares. Entretanto, Campos, destaca que o
aparecimento da favela é produto de acontecimentos pontuais como a destruição dos
17
cortiços em que a população predominante era negra. Tais concepções auxiliam no
entendimento de que a exclusão tem mesma cor e origem.
Além da possibilidade da retomada de processos históricos, o sujeito poético
afirma que os habitantes também “estão carentes de amor”, ou seja, mais do que
assistência ou acesso a políticas públicas, falta à valorização dessa população,
sobretudo, por meio de um trabalho de elevação da autoestima.
O poema “Atlântico urbano”, de Adegmar Candiero, através dos sonhos nos faz
rememorar o transporte de pessoas para a permanência do sistema escravista.

Um grande mastro
Enterrado no barco... Velas
Me levam para além-mar.
O vento sopra, o chicote estala.
Corpo preso, alma livre, pensamentos azeviche.
A nebulosidade invade a minha mente.
Gente amontoada no porão.
Confuso, ouço a bizarra sinfonia das correntes.
De repente, que sonho dantesco...
A respiração ao meu lado sumiu.
Mais um corpo jogado no mar.
O silêncio surgiu.
Engasgo, enxugo as lágrimas, engulo ar.
Mais um corpo sucumbiu.
O bom filho à casa torna.
Odoyá!
A grande calunga assusta.
Mais um corpo de ébano afunda.
Comida pra tubarão.
Mão de obra negra,
Branca escravidão.
Trrimmmmm
Desperto da dor...
Tô vivo.
Mas, a cada dia,
O genocídio da juventude é notícia.
Pesadelo... na travessia.
(CN, 2018, p.22)

O poema tem inicio com o sonho do sujeito poético, em que ele está em uma
embarcação realizando uma viagem. Ao revelar que está preso e sua alma é livre ele
revela que pertence ao grupo dos escravizados. Os acontecimentos mencionados no
poema ocorrem dentro de um tumbeiro, embarcação responsável por levar os
escravizados de África às demais colônias. No entanto, o sujeito poético revela que no
trajeto muitas pessoas morriam. O que ocorria era que, além do longo percurso e das
condições da viagem com uma alimentação e higiene precária acrescia-se o fato de que
“os comerciantes tinham interesse em alojar o maior número possível de escravos nos
navios, e essa prática tornava a viagem insuportável. Muitas vezes aumentar o número

18
de cativos implicava em diminuir a quantidade de víveres disponível para cada um”
(ALBUQUERQUE E FILHO, 2006, p. 48). O grande quantitativo de pessoas
escravizadas mortas na travessia do oceano Atlântico não é novidade, outra referência a
esse fato pode ser encontrada na letra “Quilombo no mar”, da Cia Banto, em que “quem
sabe meu Deus permitiu e/ fizeram quilombo no fundo do mar”.
No poema, a onomatopeia retira o sujeito poético do pesadelo e o despertar do
sonho é marcado pelo fato de que “o genocídio da juventude é notícia./ pesadelo na
travessia”. As passagens no mar e no cenário urbano possuem como elo o extermínio
que evidencia a vida como pesadelo na travessia, permitindo compreender as
possibilidades de rememoração através do que havia no passado e que permanece no
presente por meio das dinâmicas sociais e dos lugares.
Para concluir, os poemas mencionados neste capítulo permitem o estabelecimento
de elo entre pretérito e presente, nesse sentido os textos não só nos possibilitam
rememorar, mas apresentam cenários que refletem os resquícios do passado,
constituindo-se como paisagens urbanas híbridas.

19
4 A CIDADE E SEUS ANTAGONISMOS, LUTAS E RESISTÊNCIAS

A cidade com sua pluralidade, relações sociais e econômicas, mostra-se como


local de contrastes e diversas formas de resistência. Entender algumas relações de poder
e seus reflexos nas diferentes formas de subalternização social no sistema capitalista
torna-se essencial para compreensão das dinâmicas no âmbito urbano. Partindo das
constatações sobre a colonialidade do poder, Aníbal Quijano (apud BALLESTRIN,
2000) entende que ela integra o poder capitalista e está alicerçada na classificação racial
dos diversos povos no mundo. Essa categorização é comparada a uma pedra angular
para o exercício do poder, desempenhando diferentes papeis e tendo diversos
desmembramentos na esfera material e subjetiva.
Renato Emerson dos Santos (2014) também resgata o pensamento decolonial
relacionando-o com o contexto brasileiro e mostrando outras contribuições para o
entendimento do racismo como um sistema de poder. Ao retomar as considerações do
sociólogo peruano Aníbal Quijano, Renato Santos sublinha a globalização como um
processo iniciado na formação da América e do capitalismo colonial, também centrado
na ideia de raça, permitindo visualizar os processos históricos que tiveram como
consequência as desigualdades e os processos de dominação que privilegiaram e
privilegiam determinadas parcelas populacionais.
Para além do entendimento dos mecanismos históricos que permanecem na
contemporaneidade, selecionamos os poemas que permitem a leitura dos cenários
urbanos com suas contradições e resiliências. Assim, sabendo das assimetrias do
sistema capitalista, o poema “Periferias”, de Jamu Minka, traz observações interessantes
sobre o lugar periférico:

Terceiro mundo jovem e sua segunda pele


a fantasia de um black dos States
fazer de conta, curtir é da hora
mas realidade não é Hollywood

Paulicéia globalizada
brancuras controlam tudo
o ser escuro
queira ou não queira
periferia
rabeira
e tudo às claras
artiganda das propamanhas
percebe quem sabe ler
artimanhas da propaganda

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Hipocrisia é o nó do país desigual
sobram becos
e sonhos sem saída
hip-reali-hop pode ser show
igual futebol, samba, novela
as carências, num palco não cabem
universidade também para afros
só se a gente for quilombola
na democracia deles
realiwood não é hollydade.
(CN, 2006, p. 142)

Descrevendo a periferia do “terceiro mundo jovem”, o sujeito poético traz um


olhar sobre um local marginalizado. Os trocadilhos são utilizados em diversos
momentos ajudando-nos a vislumbrar um lugar que tenta se assimilar a outra cultura,
revelando a influência dos Estados Unidos diante dos países que, no contexto da Guerra
Fria, assumiram-se como neutros. Isso possibilita diálogos com Ramón Grosfoguel
quando ele analisa o sistema capitalista contemporâneo, pois “os Estados-nação
periféricos e os povos não-europeus vivem hoje sob o regime da ‘colonialidade global’
imposto pelos Estados Unidos, através do Fundo Monetário Internacional, do Banco
Mundial, do Pentágono e da OTAN.” (apud BALLESTRIN, 2000, p.100). Num
primeiro momento, essa colonialidade global é ressaltada no poema através dos desejos
de ser e viver conforme a imagem propagada dos negros dos “States” pela cultura de
massa.
Na segunda estrofe, o sujeito poético afirma que essa periferia é uma “Paulicéia
globalizada” onde “brancuras controlam tudo”. Cabe destacar que Paulicéia é um
pequeno município no estado de São Paulo. Ao enfatizar que o controle de todo o
sistema está nas mãos dos brancos, o sujeito poético possibilita-nos compreender como
ocorrem as relações de poder e às múltiplas facetas da hierarquização reveladas nos
diversos cenários sociais, inclusive nas cidades pequenas como a aludida Paulicéia.
O poema mostra como a propaganda e as mídias podem ter caráter persuasivo e
indica que para entender a realidade bastar ler o mundo, pois tudo está às claras, a
ambiguidade dessa palavra sinaliza ora o protagonismo de quem dita às regras do jogo,
ora que tudo é feito de maneira explícita. A desigualdade reaparece nos versos, “sobram
becos/e sonhos sem saída”, registrando que por mais que o indivíduo tente batalhar por
seus objetivos, muitas vezes, esbarra na impossibilidade de concretizar seus sonhos.
Convém destacar que para conseguir acesso à universidade, só se os afros forem
resilientes.

21
Apesar de a mídia ofertar de maneira massiva entretenimentos que mesclam
realidade e espetáculo, levando muitos a desejarem viver numa fantasia, o sujeito
poético enfatiza que “Realiwood não é hollydade”, fazendo uma crítica direta aos
mecanismos de manipulação utilizados pelo cinema. Isso também estabelece outra
crítica à cultura de massa como destaca Walter Benjamin (1996, p. 194) ao afirmar que
“a recepção através da distração, que se observa crescentemente em todos os domínios
da arte e constitui o sintoma de transformações profundas nas estruturas perceptivas,
tem no cinema o seu cenário privilegiado”, em que a sétima arte pode ser utilizada como
instrumento de mudanças de perspectivas inclusive nos momentos de entretenimento.
Podemos perceber que a paisagem delineada neste poema é a da periferia do terceiro
mundo, onde, inclusive, a cidade pequena é influenciada pelo sistema capitalista global
e revela os contrastes sociais e as necessidades de ser persistente “na democracia deles”.
Lançando um olhar sobre a conjuntura brasileira, “Não saia do Brasil”, de Tico
de Souza, apresenta de maneira contundente as situações problemáticas do país.

Para ver a fome matando gente como na África


Vá às periferias das grandes cidades
Ou no Sertão Nordestino sem água.
Para ver a polícia matando civil
Também não precisa sair do Brasil.
Para ver ditadores, terroristas como Sadam e Bush
Vá visitar Edir Macedo, ACM e Paulo Maluf.
Para ver segregação racial e apartheid
Aqui temos, nas emissoras de TV, novelas
e telejornais.

Pra que visitar a Colômbia e seus guerrilheiros


Se temos os esquadrões da morte, PCC
e Comando Vermelho.
Se gostar de muita água e quiser surfar
Espere as enchentes de São Paulo
e algum rio transbordar.
Para curtir aquele frio gostoso europeu
Moradores de rua nas noites frias
te levarão ao apogeu.
Para rir na Disneylândia, onde tudo é engraçado
Fiquem com nossos Patetas vereadores
Prefeitos e deputados.
(CN, 2006, p.240)

O verbo no imperativo negativo “Não saia”, utilizado no título do poema,


adquire o sentido de uma ordem, um pedido ou um conselho para os habitantes voltarem
os olhos para o seu país com o intuito de observarem a própria realidade de maneira
crítica.

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Ao colocar em evidência a fome, as diferentes formas de mortalidade que
ocorrem nas regiões periféricas e a segregação racial, o sujeito poético chama a atenção
para as mazelas existentes no Brasil, ressaltando que não há necessidade de sair ou
voltar os olhares com pavor para o que acontece no exterior ˗ a exemplo da África que a
mídia muitas vezes pinta como continente de extrema pobreza-, no entanto, os males
que afligem o outro lado do Atlântico também nos atormentam, já que “Para ver a fome
matando gente como na África/ Vá às periferias das grandes cidades”. Além disso, o
terrorismo e a ditadura, dois dilemas vividos em outros países, também podem ser
identificados no Brasil, por meio da conduta de personalidades como Edir Macedo,
ACM e Paulo Maluff, que utilizam seus cargos e/ou status para transgressão da lei com
intuito de adquirirem benefícios pecuniários ou para guiar a população, pautados pela
relação de respeito e obediência existente entre os pastores e os servos da igreja
evangélica.
Na segunda estrofe, o sujeito poético traz duas temáticas recorrentes nas mídias:
os guerrilheiros colombianos e o frio europeu. Ao afirmar “Pra que visitar a Colômbia e
seus guerrilheiros/ Se temos os esquadrões da morte, PCC/ e Comando Vermelho.”,
volta o enfocar os problemas do nosso país. Na terceira estrofe, o Pateta da Disney,
desengonçado e conhecido por suas trapalhadas, é comparado com os vereadores/
Prefeitos e deputados.
O poema de Tico Souza ressalta as semelhanças entre os problemas do Brasil
com outros lugares do mundo que estão na periferia do capitalismo. Em vista disso, ao
citar outros países que vivem a margem e advertir ao leitor para não sair do Brasil, o
sujeito poético convida-nos a lançarmos os olhos sobre as áreas urbanas brasileiras com
o intuito de observarmos paisagens que se configuram como locais onde os dilemas
sociais tais como segregações e diferentes tipos de violências se reduplicam.
No poema “É ela, favela”, de Raquel Garcia, temos a personificação da periferia,
em que ela é protagonista do enredo que nos é apresentado.

Favela
Que não apaga as velas
Por todo o sangue
Derramado nas vielas
Coração que congela
Diante da opressão
Flagelo
Da polícia sem razão

Ela grita
Contra a desigualdade

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Que impera
Resultado da miséria

Questiona as injustiças
Que o fuzil apagou
Na calada da noite
Sob ordem do opositor

É ela,
Que dorme acordada
Possui nome e sobrenome
Identidade ocultada
Já não teme os homens
(CN, 2014, p.187)

Os primeiros versos descrevem a favela, “que não apaga as velas/ Por todo o
sangue/ Derramado nas vielas”, apresentando uma comunidade que não se esquece
daqueles que viveram nela e que sofreram alguma forma de violência. Com o “coração
que congela/ Diante da opressão”, há a perda da sensibilidade e a frieza diante das
operações policiais. O eufemismo nos versos “Questiona as injustiças / Que o fuzil
apagou” , marcam um cenário em que o derramamento de sangue e o uso da força
podem ser atrelados às constatações de Achille Mbembe quando aborda o conceito de
biopoder de Foucault, o estado de exceção e o de sítio enxergando as “trajetórias pelas
quais o estado de exceção e a relação de inimizade tornaram-se a base normativa do
direito de matar (2018, p.17)”. Essa política de inimizade também é utilizada
recorrentemente, dando suporte ao convencimento da necessidade de atuações que
levam a morte e que deixam a favela sem apagar as suas velas num estado contínuo de
luto.
Na segunda e terceira estrofe, ao gritar e questionar as desigualdades sociais, a
favela tem um posicionamento de não passividade às atrocidades que sofre, inclusive,
atenta a tudo a que ocorre, ela não descansa, pois “é ela,/ que dorme acordada”. Por fim,
apesar de possuir nome e sobrenome, a favela tem sua identidade ocultada, ou seja, é
retirado dela aquilo que lhe dá reconhecimento enquanto cidadã na sociedade,
permitindo refletir acerca da contradição entre texto poético e um dos elementos que
alicerça a Carta Magna brasileira que é a cidadania.
“Negra existência!”, de Joana D’arc, aborda as demandas e os desejos do sujeito
poético sobre a cidade.

Que nossas negras palavras floresçam


Saiam dos armários,
Saiam das gavetas.

24
E, benditas, faladas ou escritas
Se façam presentes.

Representem nossas demandas


Nossa preciosa pretinhosidade
E espalhem pela cidade
Nosso audível grito.

Ubuntu! Gritemos juntos!

Somos Sujeitos, respeitem


Nossos conquistados direitos!

Ubuntu! Gritemos juntos!


Para além da sobrevivência,
Um salve à nossa negra existência.
(CN, 2018, p.122)

Utilizando os verbos no presente do subjuntivo, o sujeito poético evidencia


ações hipotéticas e revela o que deseja da cidade: “que nossas palavras floresçam”,
mostrando aspirações de que, por meio do discurso, brotem resultados que “representem
as demandas” da população negra. Com um sentimento de coletividade, temos uma voz
enunciativa que espera mais do sobreviver na cidade, à possibilidade de celebrar o ser
negro/a. Isso revela que não há na cidade democracia racial, sobretudo de enxergarmos
as relações sociais conforme Sansone como contextos de interação, em que em alguns
momentos “a cor é vista como importante na orientação das relações de poder e sociais,
em algumas áreas e momentos, enquanto é considerada irrelevante em outros” (apud
SANTOS, 2014, p.61). Além disso, cabe destacar que a paisagem urbana neste texto
ganha uma dimensão do desejo.
O poema “Marchem, negros”, de Kasabuvu, convida à população a caminhar
rumo à equidade.

Fui à marcha
Para Zumbi!
Na Paulista
Carioca
Pernambucana
Alagoana
Baiana.

Negros Pretos
Brancos quase brancos
Brancos pretos
Negros todos, tantos.

Panteras Negras
De luz
Linhas de batuques

25
Insurreições.

Até a Consolação
Redenção caminhos
Sem escravidão.

Policiais, Cantem!
Abracem
Façam a segurança
Desta negra gente
Protejam o protesto
Justo
Sem confronto de práxis.

Carros alegóricos
De Ifá
Passos de axé
Deuses poetas
Quase humanos
Cabelos pro céu.

Ori de gestos
Odu nas cabeças
Gente banto bonita
Sem medo
Sem obsessão de
Credo.

Fui à marcha
Para Dandara
Quilombo sempre
20 de dezembro,
20 de janeiro
20 de fevereiro
20 de março
20 de abril!
20 sempre!
(CN, 2018, p.150-151)

O título do poema no vocativo frisa a que interlocutor o sujeito poético se


destina. O texto aborda diferentes tipos de manifestações com o intuito de promover a
igualdade racial. Na manifestação Marcha para Zumbi (1995) e no dia de celebração
pelos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares diversas lideranças e pessoas
caminharam em direção ao Congresso Nacional contra o mito da democracia racial,
reivindicando políticas públicas voltadas a promoção de melhor condição social para a
população negra.
Apesar disso, ao mencionar que “fui à marcha/ Para Zumbi!/ Na Paulista/
Carioca/ Pernambucana”, o sujeito poético destaca uma luta descentralizada, em que
diferentes frentes políticas atuam em distintos lugares. Na segunda estrofe os versos
“Negros Pretos/ Brancos quase brancos/ Brancos pretos/ Negros todos, tantos” fazem
alusão à música “Haiti”, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, com o intuito de levar os

26
indivíduos a refletirem acerca processo de miscigenação no Brasil na tentativa de levá-
los ao entendimento de que estamos todos no mesmo barco.
Em outro trecho há uma citação aos Panteras Negras ou Black Panther Party for
Self-Defense, organização revolucionária que visava combater a opressão e a
segregação racial. Desse modo, a marcha descrita no poema configura-se paisagem
urbana plural onde é possível encontrar as diferentes faces da atuação do Movimento
Negro como o caso do Partido dos Panteras Negras, as diversas Marchas para Zumbi,
tal como a 13ª Marcha da Consciência Negra (2016) na Av. Paulista e Consolação que
pedia o fim do racismo e do genocídio da juventude negra. Aliás, de acordo com Renato
Santos, apesar da diversidade do movimento negro “este conjunto amplo e diverso
constitui uma esfera dialógica em torno de uma mesma luta, com arenas próprias e
outras compartilhadas para troca, difusão, embates, que constituem uma dinâmica não
centralizada e, acima de tudo, complexa.” (2014, p.71). Enfim, com a palavra
“quilombo” trazendo uma ideia de resistência, o texto poético se encerra com a
repetição da data 20 , dando-nos a ideia de que sempre é dia de marchar, celebrar e
reivindicar, resistir.
O poema “A Maré, na Maré, Amar é”, de Paulo Dutra, propõe a leitura do
vocábulo “Maré”, mesclando os diferentes sentidos na composição da paisagem.

(À Marielle (aqui Mariella)


Franco
Franca
Mente)

Na Maré,
Amar é ver
A morte
Todo santo dia.

Na Maré,
Amar é ver
A morte
Todo santo dia.

Na Maré,
Amar é morrer
à bala
Todo Santo dia.

Na Maré,
Amar é remar
Contra a maré
Todo Santo dia.

Na Maré,

27
Amar é viver
A vida
Todo Santo dia.

Na Maré,
Amar é viver
A vida
Todo santo dia.

Na Maré,
Amar é ser Maré
apesar dos pesares
Apesar das marés.

Mariella é Maré.
Até no nome
Ella é Maré;
Tem Maré no nome.

Na Maré,
Para ela, Mariella,
Amar é lutar
Com ou sem colete.

Na Maré,
Até quando não estão na Maré
Morre à bala
Quem é da Maré.

Mas a Maré não morre não.


A Maré vive nella, e
Mariella vive na Maré.
Porque a maré somos nós.

aMar é viver
A Maré vive
Viva a Mar (i) é (lla)
Vive a Mariella.
(CN, 2018, p.202-203)

Nos primeiros versos o sujeito poético revela que o texto é uma homenagem à
Marielle Franco. Fundindo as palavras maré e amar é, por meio das aliterações e
assonâncias, a musicalidade e ritmo do poema são partes essenciais e constitutivas da
atribuição de sentidos do texto. Quando o sujeito poético menciona que “na Maré,/Amar
é morrer/à bala/Todo Santo dia”, descortina um ponto de vista não romantizado do
amor, por outro lado, na Maré o amor pode ser entendido como um ato de resistência,
pois apesar dos pesares, as pessoas continuam a lutar e pela sobrevivência, permitindo-
nos inferir que sentem amor pela vida.
Não há amor que chegue facilmente, para alcançá-lo é necessário ter força para
remar contra os obstáculos, já que “Na Maré/ Amar é remar/ Contra a maré/ Todo Santo

28
dia”, aliás, em “Na Maré” lemos as periferias num processo metonímico, visto que as
desigualdades, dificuldades e violências comumente vivenciadas pelos moradores do
Complexo da Maré, em certo sentido, também fazem parte do cotidiano de pessoas que
vivem em outras comunidades. Nas segunda, terceira, sexta e sétima estrofes, o uso das
repetições enfáticas demostram que viver com a morte é uma experiência diária. Além
disso, “Na Maré,/ Amar é ser Maré/ apesar dos pesares/ Apesar das marés”, revelando
que na comunidade é preciso se adaptar as inconstâncias da vida.
Quando o sujeito poético afirma que “Mariella é Maré./Até no nome/Ella é
Maré;/ Tem Maré no nome.”, admite pensarmos na atuação política e a vida pessoal de
Marielle Franco que foi de constante superação e mudança, assim como as marés com
suas alterações periódicas. Também evidencia o posicionamento político da vereadora,
pois “Amar é lutar/ Com ou sem colete”. Além disso, “Até quando não estão na Maré/
Morre à bala/ Quem é da Maré.”, possibilitando entendermos como uma referência ao
assassinato da vereadora, uma vez que na ocasião de sua morte ela já não residia no
Complexo da Maré. Histórias como a dela revelam o quando as populações periféricas
são estigmatizadas, pois mesmo quando não estão nas suas comunidades, elas
continuam sendo alvo das ações policiais, revelando a prática da necropolítica. Por
último, “Mariella vive na Maré./ Porque a maré somos nós”, unindo o Complexo da
Maré, a vereadora e a população.
Entender as imagens urbanas que foram delimitadas pelos sujeitos poéticos
como reflexos de processos históricos, econômicos, políticos e culturais torna-se
fundamental para o entendimento das ideais defendidas por Aníbal Quijano (2005) de
que a ideologia da democracia racial oculta à discriminação e o domínio colonial em
países sul-americanos como Brasil, Colômbia e Venezuela. Segundo o sociólogo, nesses
países, as populações de origem africana não possuem facilidade no acesso à cidadania,
embora os conflitos não sejam tão explícitos como na África do Sul e nos Estados
Unidos. Alguns poemas retrataram como a segregação aparece num discurso velado
através das artimanhas das propagandas, outros mostraram que nas periferias e nas
cidades há de maneira explícita políticas que levam ao extermínio, a desvalorização e a
segregação daqueles que estão à margem do sistema, mas também destacamos poemas
que apresentaram a cidade idealizada e a cidade como disputa de direitos por vias
democráticas.

29
5 EXPERIÊNCIAS DO ESPAÇO URBANO E O ACESSO À CIDADANIA

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 tem como um de seus


fundamentos a cidadania. Compreendendo que os princípios fundamentais têm as
funções de darem uniformidade ao ordenamento jurídico e de auxiliar no entendimento
e nas decisões judiciais, é possível vislumbrar o quão importante é a cidadania para a
população brasileira no exercício dos direitos e deveres. No entanto, diversas são as
conceituações sobre a mesma. Um dos sentidos dicionarizados registra que cidadania é
a “qualidade ou condição de cidadão” (BARSA, 2003, p. 209) e que o cidadão é o
“indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado, ou no desempenho dos
seus deveres com este” (BARSA, 2003, p.209). Maria Manzini-Covre (1995) afirma
que ser cidadão é poder exercer o papel de súdito e de soberano, é poder ter controle
sobre o próprio corpo e sobre a própria vida com condições dignas para se expressar e
tendo acesso à habitação, à educação, à saúde e ao lazer. Apesar disso, Maria Manzini-
Covre (1995) afirma que o acesso aos bens e direitos não são realizados com igualdade
para todos os indivíduos, haja vista as distinções salariais.
A autora supracitada utiliza a noção de cidadania como produto da inter-relação
dos direitos civis (como o direito ao corpo, a locomoção e a segurança), os direitos
sociais (envolvem o suporte a serviços básicos como alimentação, saúde, educação, etc.)
e os direitos políticos. E também ressalta que esses três tipos direitos dependem da
economia e da política para serem postos em prática.
Partindo das ideias de cidadania apontadas acima, buscaremos evidenciar os
trajetos realizados pelos sujeitos poéticos nos espaços urbanos, tentando compreender
como os percursos pela cidade podem revelar o acesso a serviços, a cultura e a
cidadania.
No poema “Os morros da cidade”, de Joana D’Arc, observam-se percepções das
periferias repletas de poesia.

Ao longe o olhar alcança os morros da cidade


Neles, luzes multicolores iluminam a noite escura
Lá no seio do morro é um tempo outro
Nem um pouco solitário
A acompanhar o habitante vário
Cachorros uivam na velha esquina
A mesma onde brinca a meninada
A brasilidade exala de muitas panelas
Enquanto a velha queda-se à janela
E a conversa corre solta, embalada por estranha
polifonia

30
É a batida ambivalente
Do funk que invade o ambiente,
Cartola ao morro vai tingindo...
Surgido das ondas de uma velha vitrola
Mais ao fundo um som de arrasta-pé
Trazido na bagagem nordestina
Ah, que a saudade da terrinha desatina
A vida no morro é também pela poesia colorida,
Chega-se a esquecer que a cidade é partida
E que o morro é uma parte temida
E, pelo Estado, esquecida.
(CN, 2018, p.125)

O sujeito poético inicia o poema com “Ao longe o olhar alcança os morros da
cidade” e vai percorrendo até chegar ao “seio do morro”. Conforme ocorre esse
deslocamento, temos uma aproximação com a comunidade, apresentam-nos um lugar
repleto de poesia e experimentado pelos múltiplos sentidos. Na comunidade, surge o
sentimento de coletividade, onde não é “Nem um pouco solitário”. A brasilidade emana
dos odores das panelas, nas batidas dos diferentes sons e ritmos que perpassam os
diferentes ambientes. Essa mescla revela a característica daquela população marcada
pela pluralidade. Inclusive, numa alusão a Cartola, os diferentes sons do morro mostram
que “o sol colorindo é tão lindo/É tão lindo/E a natureza sorrindo/Tingindo, tingindo/A
alvorada” nos morros da cidade.
Apesar das belezas, dos momentos de celebração e de convivência, o desfecho
mostra um olhar distinto do que estava sendo mostrado até então, pois no cotidiano dos
morros, “Chega-se a esquecer que a cidade é partida/ E que o morro é uma parte
temida/E, pelo Estado, esquecida.”. Essa segregação e esquecimento revelam uma
privação do acesso aos direitos sociais e políticos, sobretudo pela ausência do Estado, e
por outro lado, evidencia-se a não atuação das pessoas daquele local na reinvindicação
dos seus direitos. Então, aquela parte da cidade caracteriza-se pela ausência de políticas
públicas .
Em “Corpo negro”, de Benício dos Santos, o percurso pela cidade é influenciado
pelo tom da pele, o que faz o negro ter uma experiência da cidade marcada por flagelos.

Meu corpo negro percorre


a cidade
chicoteando meus passos
racismo vem no encalço

Meus pés seguem driblando


sou belo, sou sábio
escrevo palavras

31
resistência é o desenho
do caminho que traço.
(CN, 2014, p.34)

O corpo negro, ao transitar pela cidade, enfrenta o racismo que vai chicoteando
seus passos, entretanto, o sujeito poético mantém sua autoestima e seus “pés seguem
driblando” o racismo. A cor da pele pode ser associada com os males enfrentados pelo
sujeito poético ao caminhar pela cidade, evidenciando a existência de um “estigma - a
situação do indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena”. (GOFFAMAN,
2004, p.4), que mostra como o modo como o ir e vir são afetados nos lugares urbanos,
possibilitando uma reflexão sobre a livre locomoção que não é plenamente realizada por
todos os indivíduos nem por todos os lugares da cidade, ensejando o entendimento de
uma cidade que apresenta obstáculos para o transitar em oposição ao que explícita o
Art. 5 inciso XV da Constituição da República Federativa do Brasil de que “é livre a
locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos
termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens” (BRASIL;
Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988). Apesar
disso, a “resistência é o desenho” destacando uma atuação ativa e de não subordinação
aos obstáculos que lhe são impostos.
Na “Rua A, Barraco Nº 9”, de Luís Carlos de Oliveira, o poema menciona o
livro Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus (2004), que nos permite refletir
sobre as periferias urbanas, as dinâmicas sociais e as experiências das pessoas descritas
pelo sujeito poético em virtude das consequências do crescimento da cidade e da
marginalização de parcela populacional nesse processo.

Para Carolina Maria de Jesus

À medida que a cidade cresce


Produz no seu útero
Fetos ao aborto lançado em dejeto.

Seriam gente caso


Ratos e vermes não lhe compusessem a casta.
Pois que sonham
São superiores a estes?

A mesma história dos nossos:


Buscar emprego, migrar.
De pipoqueiro, letreiro, pedreiro,
Aos mais honestos
Um catar papel.

O pai do aborto ainda promete

32
Batizar com sobrenome:
Secretária de Segurança Pública
Nossa carteira de identidade.

Oferece controle da natalidade


Pois o garoto persiste vivo;
Oferta banho
No esgoto que vem do condomínio ao lado.

Como despir destas verônicas


Estes seres ainda em sangue de parto?
Minaretes menires, totens, respondei!
(CN, 2006, p.168)

Na primeira estrofe, o crescimento da cidade e do quantitativo populacional de


maneira desordenada levam os “Fetos ao aborto lançados ao dejeto”. Fetos
metaforicamente gerados pelo útero cidade, que por falta de estruturam lança
prematuramente as pessoas a uma vida em condições degradantes. Outras questões
apresentadas, na terceira estrofe, são sobre os empregos que essa parcela da população
ocupa, trazendo-lhes baixos salários e por consequência acesso aos serviços básicos de
maneira degradante. Outro ponto refere-se à mobilidade urbana, já que os problemas
com a distribuição de empregos são recorrentes na história do nosso país, cabendo ao
povo “Buscar emprego, migrar”.
Além disso, “O pai do aborto ainda promete/ Batizar com sobrenome:/
Secretária de Segurança Pública”, revelando a necropolítica, conceito desenvolvido por
Achille Mbembe (2018) que aborda uma política de morte, em que o Estado decide
quem deve morrer e quem deve viver. No contexto brasileiro isso se relaciona com as
taxas de mortalidade e com o acesso ao sistema público de saúde.
Nos versos sobre a “Rua A, Barraco Nº 9”, não é possível identificar o acesso à
cidadania de maneira ampla, pois embora haja a possibilidade de emprego, é oferecido o
controle de natalidade para aqueles que resistirem a toda falta de políticas de promoção
à vida com condições dignas.
No “Harlem Latino”, de Carlos Gabriel, encontramos as situações das crianças
que habitam num lugar marginalizado.

na favela rola o blues


ao som dos maracatus

no Harlem latino
o tom nordestino
dá a cor do Black

o som dos meninos

33
à noite ronda a cidade
e invade a cidadela
dos santos homens de bem

de oito e de dezoito
de doze e de trinta e oito
vão tomando as praças
cheirando poeira
e soltando fumaça

os meninos vão
os meninos vêm
deixando no espelho
seus olhos vermelhos

os meninos vão
os meninos vêm
trazendo entre os dedos
carinho e brinquedos

a calçada enrola os nus


na porta da Santa Cruz

do Harlem latino
a voz do menino
dá o som do breque

a luz das sirenes


à noite ronda a cidade
e invade a passarela
dos pobres filhos de Deus

de sete e de dezessete
de soco e de cassetete
vão descendo a pua
varrendo a sujeira
e limpando as ruas

uns meninos vão


uns meninos vêm
marcados de medo
e da dor em segredo

lá na cela rola o nu
no tom do Carandiru

no Harlem latino
o mesmo destino
une os moleques

o pé de um menino
às vezes toca na bola
e consome a ansiedade
do escolhido de Deus

de bico e canela
de joelho e de trivela

vai fazendo das suas

34
juntando o milheiro
e encantando as ruas
os meninos vão
os meninos vêm
trazendo sem jeito
medalhas no peito

Mas
Na favela escorre o pus
do bico dos urubus

no Harlem latino
só o sonho de um hino
ri para o moleque
(CN, 2006, p.46)

No “Harlem Latino”, podemos estabelecer diálogos entre o bairro Harlem,


localizado em Nova Iorque, que é um local de grande disseminação da herança afro-
americana, e as periferias latino-americanas, sobretudo, as brasileiras. Esses lugares são
importantes para os afrodescendentes devido às propagações culturais, as constantes
lutas e por ser lugar onde é possível encontrar a população predominantemente negra.
O cenário permite refletir sobre as mesclas culturais, tais como as perceptíveis
nos primeiros versos do texto: “na favela rola o blues/ ao som dos maracatus”. Sabendo
que o blues tem como herança a melancolia das canções cantadas pelos escravizados
nas plantações e outras influências da cultura africana, temos que:

O blues, em sua elaboração, se apropriou de uma gama de elementos da


cultura africana que iam sendo repensados, recriados diante do contexto
americano. Deste arcabouço foram extremamente importantes as canções de
trabalho field hollers, entoadas no cotidiano das plantations, e os spirituals
cantados nas igrejas negras. Foi com a Emancipação que o blues começa a se
formalizar, na medida em que os menestréis e músicos itinerantes o vão
transmitindo através de suas execuções.
(GARCIA, 1997, p.259-260)

A partir de tais constatações, pode-se inferir que o “na favela rola o blues”
significa que aquele é o local da manifestação da poesia, da tristeza e da diáspora
africana, tendo em vista que “o blues é o lamento dos oprimidos, o grito de
independência, a paixão dos lascivos, a raiva dos frustrados e a gargalhada do fatalista”
(OLIVER, 1995, apud ALVES, 2011, p.51).
Além disso, o blues “ao som dos maracatus” remete ao não esquecimento de que
o Maracatu é um cortejo com personagens notórios da História do Brasil, o que revela o
misto de influências indígenas, africanas e europeias, mostrando que no Harlem Latino

35
desfilam pessoas importantes para aquela sociedade que é fruto de distintas heranças
culturais. Também cabe evidenciar que a formação da favela, sobretudo nas grandes
cidades é feita por populações de diferentes regiões do país como a nordestina. Isso dá a
periferia “o tom nordestino” estabelecendo uma íntima relação entre os lugares menos
industrializados e os espaços urbanos.
Para além dos aspectos culturais, o poema permite pensarmos diferentes
problemáticas sociais desde a formação da favela até temáticas contemporâneas como
as relacionadas ao planejamento urbano, à violência e a pobreza.
Os personagens que estão em situação de vulnerabilidade são os meninos que
“de oito e de dezoito/ de doze e de trinta e oito”, que pode ser as idades dessas crianças
e adolescentes ou os calibres das armas que eles portam apresentando-os num lugar
distinto da infância idealizada que não sofre com as diferentes mazelas sociais.
Entretanto, outra estrofe traz uma imagem oposta dessas crianças que ao “trazerem entre
os dedos/ carinho e brinquedos”, vivenciam outras experiências, revelando que há
momentos de ser criança e há momentos de negação da infância.

Em “uns meninos vão/ uns meninos vêm” entendemos que a conjugação do


verbo pode ser atribuída à morte e ao nascimento, o que mostra uma continuidade na
estrutura social que perpassa gerações nos levando a refletir que a inserção social das
crianças não ocorre de maneira digna e que lhe são negados o “direito a proteção à vida
e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o
nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de
existência” (BRASI; Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990).
Outra questão problemática destacada pelo sujeito poético é com “lá na cela rola
o nu/ no tom do Carandiru”, que remete ao Massacre do Carandiru, que acarretou a
morte de diversos presos, permitindo pensar sobre as condições da população carcerária
no contexto brasileiro e nas muitas maneiras de negação de direitos a essas pessoas,
como a garantia à vida.

Nos últimos versos: “no Harlem latino/ só o sonho de um hino/ ri para o


moleque”, tornarem-se jogadores de futebol é o único meio dos meninos saírem da
condição degradante que se encontram, revelando mais uma vez a não atuação do
Estado na garantia de direitos civis e sociais. Por outro lado, tampouco há traços de
manifestação da população reivindicando a promoção de políticas públicas em prol da
cidadania, resultando num cenário sem perspectiva de mudança .

36
O poema “ABRACADABRA ou rap de um Menino Negro fugindo da morte”,
de Élio Ferreira, traz as experiências da cidade dos meninos negros.

abracadabra abra abracadabra (bis) (coro dos meninos)


bit BIT digitando bit(bis) (coro dos meninos)

você quer me ver morto, morto, morto


meu corpo apodrecendo o esgoto
você quer me ver lixo
meu corpo apodrecendo 1
terreno baldio na periferia
você quer me ver lama, lama TIBUNG glung
feito lama tibung GLUNG
mergulhado na lama TIBUNG.glung
meu corpo apodrecendo a atmosfera numa favela
você quer me ver à 00:00 h
meu corpo apodrecendo uma desova
em nome da tua ordem CALHORDA

abracadabra abra abracadabra (bis) (coro dos meninos)


bit BIT digitando bit (bis) (coro dos meninos)

você também quer me ver sucata


meu corpo apodrecendo para o ferro
gran-GRÉM grun-GRÉM GREN-grém
GRUN-gran GRUN-grém GRAN-grém grun-GRÉN- grém
ferrugem contra as rosas + metáis
você quer me ver na mira
de 1 fuzil atirador de elite
você me persegue dia-&-noite, noite-&- dia
me olhando carnificinamente o OLHAR-escopeta
METRALHADORA pra rapratá tátátá tátátátá raprá-tá-tá
policial grupo de extermínio contra o
Menino Negro fugindo da morte esquadrão da morte

abracadabra abra abracadabra (bis) (coro dos meninos)


bit BIT digitando bit (bis) (coro dos meninos)

você quer me jogar para as traças


paixão & vida
apodrecendo atrás das grades
você quer mesmo é me ver alimento para
morcegos pernilongos lombrigas
sanguessugas pulgas barbeiros
caranguejeiras piolhos carrapatos
ratos baratas moscas mosquitos
corvos urubus bernes vermes
escorpiões potós formigas varejeiras

você gostaria de virar bosta


teu corpo apodrecendo uma vitrine vrim

vrinNIN vrimVRIM vrim-NIM-vrim excremento à


venda num shopping Center?
abracadabra abra abracadabra bra...bra!...
(coro dos meninos)
(CN, 2006, p.101-102)

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Nos primeiros versos o sujeito poético ao afirmar que “você quer me ver morto,
morto, morto”, denuncia às ações que levam parcela da população a morte sendo ele e
os demais meninos alvos de tais práticas. No decorrer do poema, observa-se a existência
da relação entre sujeito e paisagem, registrado nos versos “meu corpo apodrecendo a
atmosfera numa favela” ou “meu corpo apodrecendo uma desova”, onde é difícil
vislumbrar um cenário positivo, pois a categorização do lugar mostra o valor que é dado
tanto para o corpo quanto para o espaço.
As onomatopeias aparecem por todo o texto enfatizando as ações como em
“METRALHADORA pra rapratá tátátá tátátátá raprá-tá-tá/ policial grupo de extermínio
contra o/Menino Negro fugindo da morte esquadrão da morte”. Cabe destacar que,
Segundo Francis Meneghetti (2011, p.3) “o esquadrão da morte do estado de São Paulo
se forma do meio da polícia civil, durante a Ditadura Militar nos anos 1960, tornando-se
uma organização não formal dentro de uma organização formal do Estado”. Zuenir
Ventura (1994, p. 48) assevera que no Rio de Janeiro, o esquadrão teve como precursor
o general Amauri Kruel que ao mesmo tempo em que exterminava os bandidos estava
envolvido com corrupção, práticas que ao serem descobertas foram consideradas um
dos maiores escândalos do estado. Isso permite compreender o porquê do sujeito
poético na estrofe anterior mencionar que o desejo de vê-lo morto é “em nome da tua
ordem CALHORDA”, ou seja, em nome de um discurso moral que não se aplica as
práticas dos integrantes do esquadrão.
Devido ao esquadrão da morte ter tido uma conexão com as forças militares,
também podemos refletir sobre o relatório do Human Rights Watch (2019) em que os

dados de fontes oficiais compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança


Pública, uma organização sem fins lucrativos, mostram que 367 policiais em
serviço e de folga foram mortos em 2017, conforme as últimas informações
disponíveis. Policiais em serviço e fora de serviço mataram 5.144 pessoas em
2017, 20% a mais do que em 2016.

Tais dados permitem a visualização do quanto os índices de violência atingem as


diferentes categorias sociais. E corroboram com a leitura de que no percurso trilhado
pelo espaço urbano o sujeito poético esbarra com a impossibilidade de constituir-se
como cidadão, pois o sujeito poético denuncia de maneira enfática ao longo do poema
que seus direitos então sendo negados, sobretudo o direito à vida.
Em “Retrato sem bandeira”, de Oubi Inaê Kibuko, o poema apresenta uma
criança marginalizada, sem direito a constituir-se como cidadã. Ao descrever o local que

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o menino está ou não está inserido, o sujeito poético sublinha pautas relacionadas às
desigualdades sociais.

A cota não chegou para aquele menino sujo


Maltrapilho, cheirando cola na avenida Liberdade
Sentado na calçada pedindo esmola
Na porta da escola para comprar um lanche

Estudantes passam apressados atrás de notas


Trabalhadores tentam se equilibrar na corda bamba
Donas de casa pesquisam preços magros
No gordo supermarketing onde tudo vira produto

A cota não chegou nem vai chegar para aquele menino


Que poderia ser eu, você, seu irmão, seu filho...
Ele não é Sem-Terra, Sem-Teto, Sem-Universidade

É somente um sujo menino de rua


Maltrapilho, cheirando cola na avenida Liberdade
Sem partido, sem voto, sem movimento
Clamando ajuda para o seu sustento
(CN, 2006, p.203)

Excluído do sistema educacional, o menino assiste de “fora”, na porta da escola,


os estudantes que “passam apressados atrás de nota”. Já no ensino superior, a cota
também não vai chegar para aquela criança. Esse poema mostra que nesse processo de
marginalização há um conjunto de direitos e de serviços essenciais tais como o das cotas
para as universidades, a inserção na escola, a alimentação e a moradia, os quais são
vetados. Embora os estudantes, os trabalhadores e as donas de casa estejam preocupados
com as suas próprias pautas, isso se opõe ao que é defendido pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente que afirma que é dever de todos cuidarem e protegerem a criança e o
adolescente:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. (BRASI; Lei nº 8069, de 13 de julho de
1990).

O menino, que habita na cidade, onde diversos personagens de diferentes classes


sociais transitam, mostra uma posição na sociedade em que diversos são os empecilhos
que lhe impendem o acesso à cidadania, sendo apenas “... um sujo menino de rua /...
/Sem partido, sem voto, sem movimento”.

39
Enfim, na tentativa de notar as diferentes experiências das paisagens urbanas nos
poemas pudemos ver que os trajetos descritos evidenciaram diferentes problemas para
os sujeitos no acesso a serviços e a cidadania, sobretudo, pela negação ao direito à vida,
pela locomoção sem empecilhos objetivos ou subjetivos, pela falta de condições dignas
para a subsistência e pela da falta de planejamento urbano. Tais percursos dos sujeitos
poéticos levam-nos, portanto, a entender conforme Milton Santos (1996-1997) que no
Brasil não temos cidadãos, o que temos na verdade são cidadanias mutiladas, já que a
classe média não está preocupada com os direitos, mas sim com a obtenção de
privilégios e os demais participantes da sociedade não tem a possibilidade de serem
cidadãos como os negros no país, que têm sua cidadania mutilada no trabalho, no
salário, na circulação pelos espaços, na educação e na saúde.

40
6 CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho as leituras dos poemas nos proporcionaram destacar


distintas representações das paisagens urbanas e diferentes formas de acesso ou de
negação a cidade e a cidadania aos sujeitos poéticos. As paisagens e as experiências
aparecem dotadas de elementos heterogêneos, compostos por distintos momentos
históricos e com dinâmicas sociais segregacionistas e/ou excludentes, mas também com
atuações contra hegemônicas.
Num primeiro momento, traçamos caminhos que nos conduziram a olhar “As
cidades entre os hibridismos dos tempos”, mostrando as consequências de processos
históricos na contemporaneidade como no poema “Cidade senzala”, em que as
dinâmicas sociais são marcadas por segregações pretéritas ressignificadas na atualidade,
ou como na “Preta periferia”, em que inferimos que a marginalização possui mesma
origem e mesma cor, e no “Atlântico urbano” que mostra a continuação do extermínio
dos negros. Desse modo, tanto a história como a memória coletiva e a rememoração
tornaram-se cruciais para entender a conexão entre o passado e o presente.
Cabe destacar que na elaboração do projeto da pesquisa, não tínhamos o intuito
de evidenciar os continuísmos históricos na atualidade, contudo, ao iniciarmos as
leituras dos poemas, constatamos que esse debate é crucial para entender o complexo
tecido urbano, sobretudo porque as paisagens fundem e são influenciadas por elementos
do presente e do passado.
O olhar que lançamos sobre “A cidade e seus antagonismos, lutas e resistências”
permitiu-nos compreender que a cidade é pintada por contrastes, em que relações de
poder apresentam seus efeitos diferentes no modo como ocorre à subalternização, seja
em aspectos objetivos ou em subjetivos. Assim sendo, por exemplo, vimos as
“Periferias” do terceiro mundo que dentro do sistema capitalista global é duplamente
marginalizada e vive num regime que vigora uma democracia que não é dela,
observamos que há reivindicações e as diferentes maneiras de resistir e de sobreviver na
cidade como em “Marcha para Zumbi” e “A Maré, na Maré, Amar é”. Então, pudemos
entender o espaço urbano como lugar da promoção de políticas genocidas e
segregacionistas, embora também seja local de disputa, resistência e resiliência.

41
Nas “Experiências do espaço urbano e o acesso à cidadania” pudemos ver que
todos os poemas mostraram algum empecilho para o exercício pleno da cidadania, seja a
partir da negação do direito a vida, que é essencial, tendo em vista que instrumentaliza a
concretização dos outros direitos, seja através da impossibilidade de ir e vir, do direito
de ter uma habitação digna ou de outros serviços básicos, levando-nos a compreender
conforme Milton Santos, que no Brasil não há a existência da cidadania plena,
principalmente, para os negros.
As representações da cidade encontradas nos Cadernos Negros nos volumes 29,
37, 41 e Os melhores poemas revelaram o espaço urbano como lugar desigual, repleto
de barreiras sociais. Inclusive, todas as paisagens dos poemas apresentam dimensões
simbólicas e subjetivas, representando o espaço urbano como lugar de contrastes. O
único poema utilizado neste trabalho que traz um olhar diferente dos já mencionados é
“Negra existência!”, de Joana D’Arc, que tem uma dimensão do não concreto,
sobretudo pelo tempo verbal predominante no texto que nos leva a uma dimensão
hipotética ou do desejo, permitindo-nos entender que o espaço urbano está longe de ser
o ideal ou idealizado pelos sujeitos dos poéticos.
Nossa pesquisa pode ser considerada como um passo inicial às reflexões sobre
as cidades, as políticas públicas urbanas, os processos de exclusão e marginalização,
que por serem ensejados pela poesia permite um debate sensível e ao mesmo tempo
crítico sobre as questões que envolvem as relações sociais.
A leitura da cidade e das paisagens que apresentamos constitui-se como uma
pequena contribuição para o enriquecimento do debate sobre o tema nos Cadernos
Negros, uma vez que seu corpus literário é extenso. Nesse sentido, esperamos que nossa
escrita instigue outros pesquisadores com o intuído de ampliar as discussões aqui
travadas.

42
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45
ANEXOS

ANEXO A - Adegmar Candiero

Fonte: Cadernos Negros vol. 41, 2018, p.268.

46
ANEXO B - Benício dos Santos

Fonte: Cadernos Negros vol.41, 2018, p.273.

47
ANEXO C - Bruno Gabiru

Fonte: Cadernos Negros vol.41, 2018, p.274.

48
ANEXO D - Carlos Gabriel

Fonte: Cadernos Negros vol.29, 2006, p.242.

49
ANEXO E - Elio Ferreira

Fonte Cadernos Negros vol.29, 2006, p.245-246.

50
ANEXO F - Fernando Gonzaga

Fonte: Cadernos Negros vol.37, 2014, p. 208.

51
ANEXO G - Jamu Minka e Jônatas Conceição

Fonte Cadernos Negros vol.29, 2006, p.248.

52
ANEXO H – Joana D’Arc

Fonte: Cadernos Negros vol.41, 2018, p.286.

53
ANEXO I - Jovina Teodoro

Fonte: Cadernos Negros vol.41, 2018, p.290.


.

54
ANEXO J - Kasabuvu

Fonte: Cadernos Negros vol.41, 2018, p.291.

55
ANEXO L - Luís Carlos Oliveira

Fonte: Cadernos Negros vol.37, 2014, p.216.

56
ANEXO M - Oubi Inaê Kibuko

Fonte: Cadernos Negros vol.29, 2006, p.252.

57
ANEXO N - Paulo Dutra

Fonte: Cadernos Negros vol.41, 2018, p.300.

58
ANEXO O - Raquel Garcia

Fonte: Cadernos Negros vol.37, 2014, p.221.

59
ANEXO P - Sergio Balbouk

Fonte: Cadernos Negros vol.41, 2018, p.305.

60
ANEXO Q - Tico de Souza

Fonte: Cadernos Negros vol.29, 2006, p.254.

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